Águia Sonhadora Vanildo de Paiva Pepê era uma águia muito inquieta... Nascera entre as montanhas, bem no centro da floresta, em meio a árvores esguias e copas entrelaçadas e floridas, conhecidas apenas pelo sol, pela chuva e pelo vento, pela lua e pelas estrelas. Era noite de lua cheia, que dourava o ninho de Dona Didi, espalhando muito encanto e brilho nos olhinhos daquele filhote, que parecia já querer alçar o primeiro vôo. - Um dia você voará mais alto que aquela estrela! - Profetizava sua mãe sonhando. De fato, sobre o cume daquela montanha, a milhões de quilômetros dali, havia uma estrela, tímida, que certamente surgira naquela noite, quando Pepê deixava o aconchego do ovo, para enfrentar a desconhecida floresta. Pepê foi crescendo e sonhando. Observava, curioso, as outras aves que voavam, e fazia seus planos. Logo que nasceram as primeiras penas, arriscou um vôo ousado, do alto do ninho, sem muito sucesso. Tentara. Algo, lá no fundo, dizia-lhe que um dia conseguiria... Quem sabe, seria ainda muito feliz... "Mas na verdade, o que é ser feliz?" - Perguntava-se. Foi assim que Pepê saiu pela floresta, em busca da felicidade. Não demorou para que ele percebesse que a floresta era muito maior do que imaginara e mais perigosa... Conheceu um abutre: assustador! Pensou até em fugir, mas para se conhecer a vida, precisa-se ter coragem para enfrentar os muitos desafios. Perguntou a ele onde encontrar a felicidade. - Há, há, há!... Isso não existe! Você ainda é criança demais para ouvir isto, mas acho que deveria voltar para casa e desistir. Podemos até passar os dias, aproveitando os pequenos momentos de prazer que a floresta oferece, como eu, quando morre um animal. Mas ser feliz? Isso nunca! Pensou Pepê: "Viver é mais do que aguardar a morte dos outros, acho!" Encontrou mais adiante uma arara. Perguntou a ela também o que era ser feliz. - Se você não é feliz, jamais será. Existem leis da floresta, e nós não podemos mudar nada. Sou bonita e colorida, veja só! Você quase não tem cor! Como pode ser feliz? - Disse isso e voou, na maior algazarra. Pensou Pepê: "É impossível que a vida seja assim! Meus pais parecem felizes e não são coloridos! Deve haver outra maneira!" Encontrou um morcego que o convidou a passear com ele pela noite. - Assim poderei ser feliz? - Perguntou Pepê. - Sim! Não devemos seguir a luz do dia, como os outros. Se quisermos ser felizes, precisamos ser diferentes, curtir a noite, numa aventura sem igual! Amanhecera. Pepê escutou o som melodioso de um pássaro. Contemplou, maravilhado, uma linda ave que saudava o dia, com toda força e alegria. - O que é a felicidade, linda ave? - Perguntou Pepê. - É algo que cada um deve trazer lá dentro de si para repartir com os outros. Mas ajudar-lhe eu posso, cantando um pouco para você! O importante é que cada um possa fazer aquilo que tem como ideal! Cantou e partiu. Foi naquela noite que a jovem águia conheceu uma velha e sábia coruja. - Como você é misteriosa! - Exclamou Pepê - Já ouvi dizer que você sabe todos os mistérios e segredos da noite. É verdade? - Sim, é verdade. Sei até o que você está buscando... O que você procura está bem perto de você... Você não precisa ir muito longe... E, batendo asas deixou-o, pensativo. E Pepê ficou triste, porque havia entendido muito pouco de tudo o que lhe haviam dito. Passaram-se muitas luas cheias, desde que ele viera ao mundo. Continuou buscando os segredos da vida: conheceu muitos lugares e aves diferentes, mas parecia que a cada dia sabia menos da vida e de si próprio. Até que um dia... Ele ouviu uma voz muito suave lhe perguntando porque não estava voando como ela, já que eram águias e águias não rastejam pelo chão! - Penso encontrar a felicidade - respondeu Pepê. - Esqueci de me apresentar: meu nome é Vado. Também não sei muito da vida, mas vivo intensamente o pouco que sei. Afinal, ela é tão breve! Vamos nos aconchegar no galho florido desta árvore, afinal, é preciso tranqüilidade e paz para que possamos compreender nossos corações! Quem não dá tempo para si mesmo, jamais descobrirá os segredos da felicidade. E falo do que está no meu coração, daquilo em que acredito e vivo. - Conte-me um pouco de suas andanças, amigo. - Pediu Pepê - Isto é, se não vou ocupar o seu tempo. - Tempo? Se o nosso tempo não servir para ajudar os outros, fazer amigos e levar a alegria de viver, servirá para quê? Então, Pepê contou toda a sua história desde sua saída do ninho até o dia em que conheceu uma gaivota que lhe disse: - Cada um tem o seu lugar, cada um segue seu rumo. Que meu lugar não era o mar... Foi quando comecei a questionar qual seria meu lugar, que caminho seguir, qual meu ideal. Pepê começou a chorar. - Chore, meu amigo. - disse Vado - Não tenha vergonha. Quem é capaz de chorar é capaz de sentir a vida e vibrar com ela! - Eu sou muito complicado. - respondeu Pepê - Desculpe-me... - Você não é complicado. Você é você. Cada um é único. Especial no seu jeito de ser e assim merece ser compreendido e amado. - Não busco muita coisa... Só quero ser feliz! Andei por todos os cantos da floresta, olhei por todos os lados e não encontrei a felicidade. - Creio que você não olhou para o lado mais importante. Pense nisto. Agora, devo ir. - Não me deixe só, não vá. Fique comigo! - Eu voltarei! Procure lembrar-se do seu passado, não para lamentar o que perdeu ou não conquistou, mas para colher tanta coisa que foi semeada e que ainda vai florir. - disse Vado, calorosamente - E lembre-se: nunca se está só quando, em algum lugar, se tem um amigo. Naquela noite, Pepê não dormiu. Procurou fazer o que seu amigo lhe recomendara. Foi a noite mais longa de sua vida e, talvez, a mais importante também... No outro dia, Vado não veio. No outro também não. No terceiro, enfim, apareceu. - Oi, Pepê, senti saudades. - Oi, amigo! Esperei tanto por você! - De algum modo, eu sempre estarei presente - respondeu Vado. - Andei pensando em suas palavras e cheguei a uma conclusão... Você tinha razão em falar que havia um lugar para onde eu ainda não tinha olhado, na minha busca pela felicidade: para dentro de mim mesmo! Embora tivesse medo de me decepcionar, mais uma vez, e por isso buscava longe o que estava bem perto de mim. Agora sei que muitos podem me ajudar e me dar alegria. Mas, se eu não me ajudar, nunca saberei acolher o bem que os outros me fazem. - Muito bem, querido amigo! - Felicidade depende de cada um saber o que fazer de sua vida. E agora eu sei. Eu sou águia. Se lá em cima eu não ficar, águia não serei. Como deve ser belo enxergar, lá do alto, tanta coisa que nem imagino, se estou aqui embaixo. - Você está certo, Pepê. Mas deve saber que não é fácil. Precisará de muito esforço e exercício. Porém vale a pena! - Sei disso, Vado. Mas tenho uma grande força dentro de mim. Agora tenho um ideal, que me atrai. Além de tudo, tenho amigos, como você, que me estimulam a seguir sempre em frente, sem desanimar. E conversaram longamente. Vado partiu, mas ficou no coração de Pepê. Depois de muitos dias de tentativas, Pepê conseguiu voar. Aperfeiçoou-se bastante, até que subiu, muito alto, e seus pais perderam-se de vista... Hoje, é uma águia muito feliz, que às vezes, confunde-se com a mais linda estrela que brilha no céu...