DIVERSIDADE E EXCLUSÃO: A SENSIBILIDADE DE QUEM AS VIVE. CONSTRUINDO ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS DE INCLUSÃO. SILVA, Shirley – SME de Campinas ARELARO, Lisete Regina Gomes– FEUSP GT: Educação Especial /n.15 Agência Financiadora: Não contou com financiamento A educação destinada às pessoas com deficiência, comumente denominada de educação especial, embora modalidade integrante dos sistemas educacionais - federal, estadual e municipal - tem permanecido marginalizada no interior das discussões das políticas públicas. Os poderes públicos têm priorizado a subvenção de entidades filantrópicas, dado que não têm, por um lado, estrutura para fornecer integralmente em suas redes atividades que atendam às necessidades, das diferentes modalidades de deficiências, e por outro, por considerar que seu papel, como órgão público, é o fornecimento do atendimento propriamente dito, desvinculando-se de uma proposta político-pedagógica que vise a minimização das mazelas sociais que recaem sobre essa população que necessitam da educação especial, "anormalidade x pobreza". A construção de um diagnóstico nacional do atendimento educacional das pessoas com deficiência é dificultado pela precariedade de dados disponíveis. As informações acerca do número de pessoas com deficiência e do tipo de atendimento ou intervenção que recebem são praticamente inexistentes – ou pouco confiáveis por ausência de critérios científicos. Segundo o Censo Escolar de 1998, por exemplo, do total de 337.326 matrículas de pessoas com deficiência na Educação Básica Nacional, 53,1% estavam na Rede Pública, e 46,9% na Rede Privada. O total de estabelecimentos que contavam com tais matrículas era de 6.557, sendo que a Rede Pública correspondia a 4.928, 75,2%, e a Rede Privada a 1.629, 24,8%. Estes dados apontam que as ações nacionais empreendidas pela política de inclusão na área da Educação, não têm alterado o cenário do baixo índice de atendimento pelo Poder Público, ainda que tenha um número expressivamente maior de estabelecimentos. 2 A cidade de Campinas-SP não foge à regra da situação nacional, a Prefeitura Municipal de Campinas, através de suas Secretarias, é uma das principais colaboradoras na manutenção dos serviços oferecidos pelas entidades assistenciais e filantrópicas do município, na área da educação para pessoas com deficiência. Ao se relacionar a situação econômico-social de Campinas, sendo o segundo maior mercado consumidor do Brasil, com a maior renda per capita do Estado de São Paulo, ao mesmo tempo que apresenta também a segunda maior diferença entre concentração de renda, após apenas a cidade de São Paulo1, poder-se-ia imaginar que os dados quantitativos e qualitativos referentes à prestação de serviços fossem diferenciados da maioria das cidades brasileiras. Não é isso o que acontece. A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, a legislação e os movimentos anti-segregacionistas apontaram para a necessidade de políticas de inclusão das pessoas que vivem em condições especiais. O simples levantamento da legislação já existente nas áreas sociais: educação, transporte, cultura, esporte e lazer, trabalho e previdência permitiria, ao incauto, concluir que, no Brasil, as pessoas com deficiência vivem um verdadeiro estado de direito. Quais as razões para o baixo atendimento nos equipamentos públicos e privados de Campinas? Os equipamentos existentes na Cidade são insuficientes? As pessoas sabem de sua existência? E de seus direitos de atendimento? Uma hipótese razoável seria a da falta de informação adequada e qualificada, por parte da população, acerca dos recursos sociais já existentes, sejam públicos ou privados, e o direito constitucional de sua oferta. A preocupação com um atendimento mais digno e abrangente às pessoas com deficiência motivou que pesquisadores da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e da Secretaria Municipal de Educação de Campinas (SME) estabelecessem convênio visando pesquisar e atuar sobre a questão2, pretendendo contribuir na divulgação da importância do atendimento educacional às pessoas com deficiência junto à população e colaborar para um dimensionamento da educação especial enquanto política pública, a partir da concepção de uma educação realmente inclusiva. No entanto, uma política educacional inclusiva não se esgota no atendimento meramente escolar. Se não se considerar a complexidade de fatores que a integração 1 Dados da “Pesquisa sobre Condições e Qualidade de Vida” da Fundação SEADE de 1994. 2 Projeto Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, na área de Políticas Públicas, com duração de 03 anos. 3 sócio-cultural pressupõe, pode-se perder a possibilidade da ação educacional ser realmente significativa para estas pessoas. É este olhar “generoso” para a cidade e as diferentes possibilidades que a ação social envolve que nos obrigou a ampliar o conceito de educacional. Estabeleceram-se como objetivos: - a pesquisa, junto a segmentos de pessoas com deficiência ou de suas famílias, da cidade de Campinas, dados concretos de suas vidas na condição de “diferentes”, que retratassem seus cotidianos na utilização dos equipamentos sociais, educacionais, de saúde, de cultura e do transporte, que indicassem, portanto, suas vivências com os direitos sociais e as políticas públicas; a construção de materiais audiovisuais que apresentassem a questão das “diversidades, diferenças e deficiências” em diversos contextos, em especial, junto aos profissionais da educação, auxiliando-os na discussão e análise de propostas de “inclusão”, considerada a diversidade de atendimento educacional; a criação de uma metodologia de análise qualitativa do atendimento realizado; a avaliação, a partir desta metodologia e dos dados levantados, se as políticas públicas estavam atendendo de maneira quantitativa e qualitativa esta parcela da população; a contribuição na construção de alternativas de políticas públicas que favorecessem uma inclusão mais efetiva das pessoas com deficiência. Estes objetivos gerariam, assim, dois grandes produtos, o primeiro que seria a construção de uma metodologia de análise qualitativa das políticas públicas postas em ação para pessoas com deficiência. O segundo seria a produção de materiais audiovisuais, em conjunto com as pessoas com deficiências, visando possibilitar, através do material, a discussão acerca da vivência das políticas públicas, ou seja, a prática em ação. Os dois produtos poderiam ser referenciais do planejamento por parte do Poder Público, de ações para essa parcela da população que vive de forma “marginal” aos processos educacionais, culturais e produtivos da sociedade. Os participantes-pesquisadores deste trabalho foram profissionais convidados das escolas municipais de ensino fundamental e de educação infantil nas quais se encontravam alunos com deficiência matriculados; de escolas estaduais; de organizações não-governamentais de e para pessoas com deficiência vinculadas ou não a SME; com participantes dos diversos segmentos que atuam com ou para pessoas com deficiência; de Conselhos Municipais; e representantes de diversas Secretarias Municipais que "falem" desta condição, da diversidade, da exclusão e da “ciência” de se viver o cotidiano em situações “especiais”. 4 A dinâmica da produção da metodologia de análise qualitativa das políticas públicas e dos vídeos-documentários pressupôs, em conseqüência, a participação ativa dos sujeitos-objeto da Pesquisa. Dessa forma, em todas as etapas da produção, os entrevistados escolhidos: pessoas com deficiência, seus familiares, autoridades e especialistas, avaliaram, sistematicamente, a adequação das informações, das imagens e apresentações do cotidiano e das alternativas apresentadas. Ou seja, o método da açãoreflexão- ação possibilitou que o próprio processo de produção dos vídeosdocumentários, se constituísse em momentos de formação e gestão de uma política pública inclusiva. O objetivo dos vídeos-documentários é possibilitar, com seu material, o planejamento por parte do Poder Público de ações para essa parcela da população que vive de forma “marginal” aos processos educacionais, culturais e produtivos da sociedade. Isto implicará, também, em propor pesquisas e projetos de intervenção para um possível redirecionamento dos trabalhos já realizados, ou em realização, não apenas no âmbito dos equipamentos públicos, mas também nos dos segmentos da sociedade civil que atuam nesta área, principalmente aqueles que mantêm algum tipo de vínculo e/ou parceria com o Poder Público Municipal. A construção dos vídeos-documentários priorizou a história oral, através de entrevistas com vários segmentos atuantes em trabalhos com a educação de pessoas com deficiência no município, assim como a filmagem de momentos diversificados de seus cotidianos. O dia-a-dia das pessoas com deficiência foi interpretado como “momento-espaço representativo da história do homem”, pois “é fruto de um desenvolvimento histórico” e, portanto, “revelador de uma realidade global” (Azanha, 1992). A Cidade, as Políticas Públicas e as Pessoas com Deficiências: Construindo uma Metodologia do Trabalho A Cidade e os Sujeitos Políticos – Documento-Síntese O Momento I da Pesquisa teve a duração de seis meses, onde foram desenvolvidas estratégias, que auxiliassem na construção de um diagnóstico do atendimento potencial na cidade e na metodologia a ser utilizada na construção de vídeos-documentários; na escolha da amostra das unidades escolares, instituições e 5 pessoas a serem entrevistadas; na elaboração de metodologia de análise qualitativa do atendimento realizado na cidade de Campinas. Como, por exemplo, reuniões com dirigentes da Secretaria Municipal de Educação de Campinas, para a apresentação da concepção de Política de Educação Especial adotada pela Administração; reunião com representantes das Secretarias e outros órgãos da Prefeitura Municipal de Campinas, para levantamento das alternativas existentes de atendimento; levantamento das fontes de Pesquisa disponíveis – documentos, dados estatísticos, estudos especiais –. Estes momentos permitiram definir quem participaria da Pesquisa a partir dos segmentos selecionados, assim foram escolhidas 10 unidades educacionais municipais, com a participação de professores de educação infantil e fundamental, representativas das diferentes regiões da cidade nas modalidades regular e supletivo, que atendessem pessoas com deficiência; e uma escola da Rede Estadual. Da administração pública municipal contou-se com a participação das Secretarias de Cultura e Esportes, Saúde, Transportes, Negócios Jurídicos, Assistência Social, Planejamento Urbano e Meio Ambiente, Obras e Serviços Públicos. Contou-se ainda com a participação dos Conselhos Municipais de Educação, da Assistência, da Criança e do Adolescente, Tutelar e da Pessoa com Deficiência. Tiveram participação quatro instituições privadas que mantinham vínculo/parceria com a Secretaria Municipal de Educação. Duas associações e entidades de pessoas com deficiência também participaram da composição do grupo de pesquisa. Os profissionais, usuários, Conselheiros, dirigentes e pais foram considerados como grupos e/ou pessoas que no próprio decorrer da pesquisa, estiveram participando tanto como segmentos qualificados para a construção da metodologia de análise quanto para os vídeos-documentários, através das entrevistas e das discussões, sendo elementos fundamentais para a multiplicação das discussões propostas neste trabalho. Planejar ações no campo das políticas sociais, para parcelas da população que vive de forma "marginal" ao processo cultural e produtivo da sociedade, neste caso as pessoas com “deficiência” exigem ter como eixo na construção dessas ações, a necessidade de se construir outros referenciais simbólicos que permitam às pessoas estabelecer relações, de forma geral, menos preconceituosas e mais produtivas em relação às diversidades de se ser humano. Para a construção da metodologia levantaram-se as fontes disponíveis – documentos, dados estatísticos, estudos especiais – que auxiliassem na construção de 6 um diagnóstico do atendimento na cidade e na metodologia a ser utilizada na construção, posterior, dos vídeos-documentários. O debate acerca do processo de coleta de dados junto às Secretarias participantes, que explicitasse as prioridades e diretriz para a área de atenção às pessoas com deficiências; as demandas e dados a respeito da abrangência a qual é de competência da secretaria em questão; os recursos financeiros destinados para esta área de atenção política; os projetos facilitadores de atenção às pessoas com deficiência, em ação ou em desenvolvimento; os déficits em relação aos recursos humanos (quantitativos e de formação) e tecnológicos; as formas de avaliação das políticas implementadas (indicadores); a conceituação de “deficiência” e de recursos necessários; as ações de convênios com organizações não-governamentais transformaram-se em parte integrante do próprio Projeto de Pesquisa, no sentido de que a ações desenvolvidas muitas vezes eram realizadas sem que houvesse uma organização formal e descritiva das mesmas, o que dificultava a análise das políticas implementadas. Teve-se clareza do limiar tênue em que se estava transitando, na medida em que não era objeto deste Projeto interferir nas formas de organização administrativa do Poder Público, porém não era possível não discutir este aspecto. A explicitação destes contornos permitiu construir a idéia de que era necessário ter-se parâmetros mínimos entre as Secretarias para que se pudesse ter um projeto que permitisse a análise dos indicadores de qualidade já existentes e para a construção de novos indicadores. Porém, considerou-se uma faceta deste trabalho, de análise institucional, o surgimento de questões que atravessam aquilo que já é institucionalizado. Dessa maneira, este dado pode ser considerado como um fator institucionalizante, na medida em que os debates permitiram construir, antes da metodologia de análise e dos indicadores de qualidade, indicadores de compreensão da construção do cenário analisado, a diversidade e a exclusão. A partir deste processo de análise metodológica construída e dos dados levantados, o Grupo de Trabalho estabeleceu parâmetros para a análise quantitativa e qualitativa dos atendimentos direcionados às pessoas com deficiência. Os parâmetros estão vinculados ao que se compreende por uma política pública que é formulada e posta em prática para todos, independente da área – saúde, educação, assistência social, cultura, esporte, planejamento urbano, negócios jurídicos, obras e transporte. Neste sentido, um dos eixos para a análise foi saber se as pessoas com deficiência tinham acesso a estes direitos fundamentais, e, se quando eles aconteciam 7 eram englobados nos programas gerais, ou eram desenvolvidos como trabalhos isolados e segregados. Outro eixo, intrínseco ao primeiro, era saber da qualidade dos serviços que eram oferecidos, compreendendo qualidade como o fio condutor dos trabalhos que podem permitir, ou não, a presença e a participação das pessoas com deficiência nas mais diversas formas de ser e estar na vida. Este trabalho de análise apontou, de maneira geral, para a insuficiência e inexistência de ações includentes para as pessoas com deficiência. Quando as ações aconteciam tendiam a ser segregadas, ou, incluídas no interior das ações gerais, sem, porém, promover um processo de inclusão social. A constatação desta situação levou a duas conclusões do Grupo - se por um lado para as políticas públicas às pessoas com deficiência são “ausentes”, encaradas como cidadãos de segunda categoria, por outro, o movimento das pessoas com deficiência ainda não se categorizava como um movimento social com traços de luta política em favor de seus direitos, o que tornava frágil uma ação de cobrança frente ao Poder Público. As áreas do Poder Público Municipal, das organizações não-governamentais e a Equipe Executiva elaboraram uma lista de propostas a partir das discussões produzindo um Documento-Síntese das diversas áreas das políticas sociais, com sugestões de ações a serem desenvolvidas pelo Governo Municipal visando à equiparação de oportunidades para com as pessoas com deficiência. Nesta etapa uma situação merece destaque, diz respeito a participação das organizações não-governamentais para pessoas com deficiência participantes da Pesquisa. Como o Documento-Síntese era a expressão do trabalho e análise do Projeto de Pesquisa e apontaria para ações em conjunto a serem desenvolvidas pelo Poder Público e pelas organizações em questão, visando a ampliação e qualificação dos atendimentos, solicitou-se das mesmas que apresentassem suas sugestões de modo a compor esta Rede de Atenção, assim como assumissem o compromisso com estas proposições. O que ocorreu foi que neste momento as diretorias de três, das quatro instituições participantes, se colocaram como impossibilitadas a assumirem tal compromisso e apresentarem proposta, pois demandaria várias reuniões para a tomada de decisões deste porte. Esta posição das organizações não-governamentais caracterizou-se como um movimento já apontado em diversos trabalhos de pesquisa a respeito do papel das instituições de trabalho com pessoas com deficiência, no qual, apesar de tentarem 8 apontar para um discurso mais progressista e até participarem de um trabalho como este, não fazem a adesão de fato a um movimento político institucional de inclusão. O Documento-Síntese apresentou propostas que traduziam uma visão da cidade como formadora de novos olhares que sejam acolhedores de seus cidadãos. Algumas destas propostas poderiam ser constitutivas de indicadores de qualidade da atenção às pessoas com deficiência, orientando propostas e avaliações de políticas públicas nesta área. Sugeriu-se ao Governo Municipal: - a explicitação de suas diretrizes políticas voltadas para pessoas com deficiências na formação, implementação e cumprimento das políticas de direitos humanos, utilizando-se dos fóruns públicos. - a divulgação e distribuição sistemática através da internet, impressão em tinta e em Braile, da Cartilha dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Necessidades Especiais elaborada pelo Conselho Municipal de Atenção a Pessoa com Deficiência e Necessidades Especiais, com as indicações legais necessárias para o conhecimento dos cidadãos. - a implementação de um censo demográfico e análise social de pessoas com deficiência, que permitisse definir o perfil das pessoas e localizações possibilitando a efetivação das políticas de atendimento de acordo com as necessidades e demandas. - o compromisso de que nos concursos públicos da Prefeitura Municipal quando os 5%, previstos em lei, de vagas para pessoas com deficiência fosse inferior a 1 haveria a garantia de pelo menos uma vaga. - que se propiciasse o debate de forma sistemática entre os serviços públicos que fossem além das propostas de serviços intersetoriais, mas que buscassem a sinergia na conjunção destes com a comunidade. A interlocução, necessária, com outros órgãos públicos de outras esferas administrativas que desenvolvam trabalhos em Campinas. - a capacitação de funcionários de todos os setores de atendimento direto a população na língua brasileira de sinais, por exemplo, postos de saúde, autarquias, paço municipal, hospitais, escolas, áreas de lazer, etc... - projetos de capacitação e equipamentos intersetoriais que atendessem a diversidade das necessidades especiais, não restritas ao espaço escolar e de profissionalização. Prestação de atendimentos a demandas hoje não atendidas e que necessitam com urgência de atividades de interações sociais e cuidados 9 especializados, por exemplo, adolescentes, jovens e adultos com múltiplas deficiências, com quadros psiquiátricos associados, com autismo ou em situação de risco. Além destas diretrizes, as áreas da Cultura e Esportes, Obras e Planejamento Urbano, e Saúde apresentaram propostas visando a construção de serviços e ações que permitissem uma maior integralidade entre si, assim como possibilitasse uma maior qualificação das condições de vida das pessoas com deficiência. A Educação, particularmente, propôs, além da expansão de serviços diretamente vinculados às necessidades das pessoas em seus processos educacionais, que houvesse uma análise longitudinal da terminalidade dos estudos das pessoas com deficiências da rede que apontassem a viabilidade das propostas em ação. A realização de um Censo Escolar que demonstrasse onde estão os alunos com deficiência, e se conseguiram alcançar a terminalidade proposta para a Educação Básica ou se a evasão escolar predomina. Analisando-se os motivos para esta evasão. Por quê? Não conseguem chegar até a escola? Não conseguem acessar os serviços oferecidos pela escola? Há a falta de serviços de saúde complementares? O programa de educação especial não supre as necessidades? Outra proposta foi a formação continuada, para todos, em serviço, através da inclusão nos projetos políticos pedagógicos das escolas da discussão acerca do preconceito e diversidade – explicitando-se a diretriz política da escola. Considerandose, por exemplo, os gestores das escolas como os principais facilitadores e motivadores pela mudança no eixo das discussões do combate preconceito. A devida atenção à construção e reforma das escolas para adequação as Leis de acessibilidade, incorporando-se gradativamente as propostas de um desenho universal, que dêem espaço as pessoas com deficiência ao lúdico, ao ir e vir, a convivência. Conforme demanda dos Conselhos da Criança e do Adolescente, Tutelar e das Pessoas com Deficiência, a solicitação de implementação urgente de propostas educacionais que não estejam centralizadas nos equipamentos escolares e que possibilitassem trabalhos e ações laborais para jovens e adultos com deficiências e outros quadros associados desprovidos de atenção pelos Poderes Públicos. Os convênios com as instituições que atendem pessoas com deficiência deveriam explicitar, segundo os debates e explicitação no Documento-Síntese os parâmetros do Poder Público e deveriam ser os mesmos para todas as áreas de atenção social, garantindo a transparência da gestão, ou seja, a entidade que recebe recursos 10 públicos, teria que adotar procedimentos da gestão pública e da gestão democrática. Assim como suas metas deveriam expressar a qualidade dos serviços, como por exemplo, os trabalhos de prevenção, os de conscientização da comunidade e outros que definissem a sua especificidade. O término desta etapa da Pesquisa com a entrega do Documento-Síntese à Prefeita Municipal, permitiu dar início ao Momento II com o objetivo da construção dos Vídeos-Documentários, agora com novos embasamentos provenientes dos profundos debates do primeiro Momento deste trabalho. Os Vídeos-Documentários Neste segundo Momento da Pesquisa, dedicamo-nos a produzir seis vídeosdocumentários, que pudessem retratar, a partir dos relatos das pessoas com deficiência seus vínculos com os outros, mostrar as teias das relações humanas, a condição cidadã de seus cotidianos, suas visibilidades como sujeitos de direitos – civis, sociais e políticos, a construção da coletividade, da identidade social, da dignidade de suas vidas, priorizando-se as suas vivências com a cidade. A construção dos Vídeos-Documentários priorizaram a história oral que constituiu estratégia metodológica privilegiada, através dos depoimentos provocados por entrevistas direcionadas para a construção/reconstrução das vivências com as políticas públicas. Para se traçar um quadro das políticas públicas em ação através das vivências das próprias pessoas à qual estas políticas são planejadas e operacionalizadas, definiu-se que os protagonistas das entrevistas seriam as próprias pessoas com deficiência, para tanto as pessoas escolhidas deveriam ser jovens ou adultos que falassem em nome próprio. Elaborou-se um Roteiro Básico de Entrevista direcionado diretamente às pessoas com deficiência. Foram entrevistadas 06 pessoas com deficiência física, 07 pessoas com deficiência visual ou cegueira e 04 pessoas com deficiência mental, os depoimentos orais em gravador tiveram a duração de uma hora. As 08 pessoas com surdez foram entrevistadas coletivamente em vídeo com a presença de uma intérprete de língua de sinais e depois transcritas pela mesma, esta entrevista teve a duração de três horas. 11 Todos os entrevistados receberam uma cópia impressa da transcrição de seus depoimentos e concederam através de documento de cessão de direitos a utilização de suas entrevistas. As pessoas com deficiência visual ou cegueira receberam ainda uma cópia da fita cassete e uma cópia transcrita em braile. Elaborou-se uma proposta preliminar de Argumento Base do Documentário, onde se apresentaram os eixos dos vídeos temáticos, que deveriam explicitar a questão da deficiência como uma questão de Direitos Humanos e a unicidade do sujeito para as políticas públicas, como sujeito de direitos – civis, sociais e políticos; como sujeito coletivo. Estas questões deveriam ser pontuadas nos vídeos pelos depoimentos de pessoas com deficiências, com imagens que retratassem estes temas e que explicitassem o vínculo com o outro, assim como mostrassem a teia das relações humanas. Avaliou-se a proposta do Argumento Base do Documentário com os participantes da Pesquisa, em termos de informações, expectativas de inclusão através de imagens e depoimentos propostos. Com a finalização desta etapa foi possível partir para a análise dos depoimentos para a construção do Roteiro de Conteúdo. Análise dos Depoimentos A análise dos depoimentos transcritos impôs a construção de sub-categorias que ficassem mais próximos da vivência das pessoas com as políticas públicas e da vida pessoal/afetiva, por isso, não era possível iniciar os agrupamentos dos depoimentos pelas grandes categorias temáticas do Roteiro de Entrevista, pois os sub-temas é que permitiriam construir o Roteiro de Vídeo. Neste momento a análise propiciou a construção de 29 sub-temas, correlacionados aos temas das políticas públicas, dos eixos do argumento dos vídeos e sobre a conceitualização a respeito dos assuntos tratados, por exemplo, o entrevistado ao falar a respeito da cultura, expôs seu conceito a respeito desta área, considerou-se fundamental a inclusão destes debates. 12 VÍDEOS SUB-TEMA SUBTEMAS DA ENTREVISTAS E 1 Adaptação escolar do ponto de vista físico S 2 Estado emocional frente a aquisição de uma deficiência S 3 Assessoria da saúde voltada para o lado psicológico S/P 4 Família e Aceitação S 5 Serviços de saúde e as relações com a pessoa com deficiência S 6 Pronto atendimento para deficiência C 7 Cultura - o que é? / fruição / produção/ atividades P 8 Preconceito – enfrentamento E 9 Acessibilidade de atitude na escola E 10 Adaptação do processo pedagógico P 11 Atitude de solidariedade T 12 Transporte / direito de ir e vir P 13 Vida afetiva / sexualidade P 14 Porta voz de si mesmo – acessibilidade atitudinal P 15 Participação política / direitos adquiridos P/S 16 Conceitualização P 17 Fontes de informes de direitos E 18 Órgão público – a escola diante do direito do aluno T 19 Acessibilidade física e arquitetônica da cidade P 20 Convivência com outros deficientes / deficiência P 21 Submissão – psicológica/ política/ formas de reação C 22 Esportes – práticas esportivas e educação física P 23 Panorâmico – relação das pessoas com a deficiência E 24 Comunidade oralista e a escola P 25 Estereótipos P 26 Filhos P 27 O que espera de Campinas - Depoimento vídeo E 28 Instituição especiais (conforme item 21) 29 Falas Propositivas (final do Vídeo) Legenda: P – Panorâmico, E – Educação, C – Cultura, S – Saúde, T – Transporte. Após esta etapa, os sub-temas foram re-agrupados pelos 5 temas dos vídeos a serem produzidos – educação, saúde, cultura, transporte e um panorâmico. Os subtemas por vezes apareceram em mais de um agrupamento. Naquele momento, foi sendo definido o contorno dos grandes temas, o que estava sendo chamado de panorâmico que pretendia ter uma linguagem mais afetiva do tema, apresentou-se com um conteúdo do debate político acerca da questão da deficiência e dos direitos humanos. Este trabalho reconstruiu as entrevistas. Foi constituído um novo documento com os recortes dos depoimentos a partir dos sub-temas, de modo a facilitar a releitura 13 das entrevistas. A análise e seleção do material documentado, no processo de busca de sentido na diversidade das falas, fatos e registros que compõem a realidade das pessoas, equipamentos e instituições pesquisados, não se esgotaram nas suas particularidades, mas na perspectiva metodológica de que é no particular que se encontra o movimento social geral. No campo da Educação, por exemplo, os recortes feitos em relação às questões metodológicas, curriculares e de formação profissional surgiram dos conteúdos das entrevistas. Procurou-se apontar a diversidade vivida na própria diversidade, com o objetivo permanente de garantir a integridade das pessoas, das situações e dos equipamentos referidos. Neste momento decidiram-se quais as falas mais significativas dentro daquele assunto e assim sucessivamente, até se ter à possibilidade da confecção do Roteiro de Depoimentos a serem filmados. Decidiu-se, neste momento também, que todos os protagonistas deveriam aparecer, e a necessidade de se convidar interlocutores e convidados especiais para se fazer contrapontos às falas dos protagonistas que viessem explicitar de forma positiva ou polêmica aquilo que estava sendo colocado. Por exemplo, no grupo dos convidados especiais foram convidados pais de uma escola de educação infantil que pudessem retratar suas experiências neste momento com o ingresso de seus filhos especiais no ensino regular; convidados professores que apresentassem suas experiências. Os interlocutores foram escolhidos por suas experiências no debate político e teórico dos temas tratados. Um tema polêmico quanto as abordagens apresentadas nas entrevistas dos protagonistas foi a questão do trabalho. A polêmica se deu pela compreensão do sentido do trabalho para pessoas com deficiência de uma forma genérica; da questão das cotas e da reserva de vagas; da tutela do Estado através das aposentadorias que muitos têm e se arrependem, pois o salário mínimo que recebem não dá para sobreviver, por outro lado há o receio de ficar “sem nada”; da compreensão do trabalho como indicador de eficiência para poder se contrapor a deficiência. Em razão de este tema ser complexo discutiu-se com alguns dos protagonistas, pois não se queria abordar um ponto tão importante de forma superficial e também não apontar para uma face assistencialista que geralmente acompanha os debates entre trabalho e pessoas com deficiência. Por isso, este tema mesmo tendo sido contemplado 14 na entrevista em áudio, não compôs os Roteiros dos Vídeos, devendo ser tratado de forma única em um futuro vídeo a ser produzido. Após estas etapas de análise e seleção dos conteúdos, elaborou-se o script das falas selecionadas dos depoimentos, e os protagonistas foram novamente convidados a gravar em vídeo. Da mesma forma, elaborou-se o script para os interlocutores e para os convidados especiais. Os participantes concederam através de documento de cessão de direitos a utilização de suas imagens para os vídeos-documentários. Totalizamos, assim, 32 pessoas com deficiência entrevistadas, 17 interlocutores e 16 convidados especiais. Ao término das filmagens e primeira edição das falas, iniciou-se o processo de decupagem onde foram selecionados os depoimentos, e construídos os roteiros de vídeo para o trabalho de edição. Ao mesmo tempo em que se fez a produção para a captação de imagens externas vinculadas às situações relatadas. A primeira versão de roteiro editado foi apresentada para dois interlocutores e uma protagonista para a análise dos conteúdos, visando analisar a adequação pedagógica, didática e o trato ético da questão. Segundo a análise destes colaboradores os vídeos garantiam estes três aspectos. As falas compõem um mosaico. O sentido está na composição da forma final e não na assimetria ou somatória das partes. O aspecto mais importante desta opção metodológica é que ela possibilita a explicitação de sentimentos, das emoções de suas vivências, que dão movimento às suas vidas. Não são as expressões das singularidades em si que permitirão mudanças, mas como estas determinam modos de vida, e determinam relações sociais. A trilha sonora é uma produção de Geraldo Jorge, um dos interlocutores, que é músico e cedeu sua produção ainda inédita. A inclusão dos Box com Língua Brasileira de Sinais foi realizada ao final de toda a edição. O Projeto de Pesquisa - Diversidade e Exclusão: a Sensibilidade de Quem as Vive – Construindo Alternativas Políticas de Inclusão, produziu desta forma 06 vídeosdocumentários: Diversidade e Exclusão: Realidades e Utopias (24 minutos), que apresenta uma visão panorâmica dos cinco vídeos-documentários. Foi produzido para que instituições, grupos ou indivíduos não familiarizados com as questões das pessoas com deficiência possam se sensibilizar e decidam aprofundar sua reflexão e vivência sobre e com elas. 15 De forma proposital, este vídeo traz um pouco do conjunto e da diversidade de sentimentos, desejos, decepções e esperanças que os protagonistas e interlocutores traduziram nos seus depoimentos sobre o cotidiano vivido na Cidade e a utopia de uma sociedade igualitária e fraterna. Diversidade e Cidadania (32 minutos), este vídeo aborda a relação das pessoas com deficiência com a Cidade e os preconceitos presentes nos seus cotidianos. Retrata através de suas histórias de vida a questão de suas invisibilidades, para os outros, no campo da intelectualidade, dos afetos e das estéticas. O reconhecimento social, político e pessoal são as afirmações constantes de seus desejos e uma tarefa imprescindível a ser cumprida pelas políticas públicas. Educação – Faces e Disfarces (42 minutos), apresenta as vivências educacionais das pessoas com deficiência, de educadores e pais que tiveram ou têm em seu dia-a-dia, o papel de construção de novos tempos e espaços com o conhecimento. Os participantes dos diferentes espaços educacionais apontam para a construção de uma nova cultura e uma nova educação, que permitirão relações sociais mais fraternas e democráticas. Numa escola, para que o grupo de educadores e a comunidade possam discutir as diferenças e suas conseqüências no cotidiano, é necessário que se preparem, se reeduquem, para que estas discussões possam ter condições de acontecer. A possibilidade deste debate em todas e em cada uma das escolas pode favorecer que os coletivos educacionais construam uma escola e um currículo, cujo projeto políticopedagógico, traduza o direito social à educação para todos e com todos cidadãos e cidadãs. Saúde: Por uma Vida Melhor (24 minutos), aborda a relação das pessoas com deficiência e de suas famílias com a área da Saúde, a qualificação ou não de suas vidas nestas relações e a dimensão que o acesso, a utilização dos serviços de saúde, e seus desdobramentos podem ou não, proporcionar uma vida com melhor qualidade. Aponta, também, as interfaces desta área, dentre outras, com a Educação. A saúde, como campo de atenção às pessoas com deficiência tem tido como objetivo principal e final as reabilitações, porém, há inter-relações que nos obrigam à ampliação dos horizontes em busca da promoção de saúde pública e acessível para todos. Conviver e Locomover (23 minutos), necessidade vital de se conviver para se ter desejo de locomoção, da mesma forma que a possibilidade concreta de se chegar aos diversos lugares desperta novos desejos de participação social nas pessoas. O 16 rompimento das barreiras, presentes nos desenhos arquitetônicos da Cidade, no planejamento urbano, na utilização dos espaços públicos, nos transportes e na forma dos procedimentos nas relações humanas é recorrente nas diversas falas dos depoimentos. Cultura, Esporte e Lazer: Qualificar a Vida (17 minutos), discute como a fruição e a produção de atividades e movimentos culturais, artísticas e esportivas podem dar novos significados e perspectivas de vida. A possibilidade, evidenciada pelos entrevistados, de participação nas áreas da cultura, do esporte e do lazer aponta para a possibilidade de uma vivência prazerosa, tanto individual como coletivamente, que dá mais sentido e qualidade à vida da pessoa com deficiência. Produziram-se guias para discussão e aprofundamento das questões levantadas nos vídeos, assim como cartazes e folders. Esta Pesquisa, traduzida no Documento-Síntese e nos Vídeos-Documentários, contribuirão para a divulgação da importância do atendimento educacional às pessoas com deficiência a partir da concepção de uma Educação radicalmente inclusiva e democrática e que não se esgota no atendimento escolar, mas que considera a complexidade das relações sócio-culturais. Acreditamos após esta criativa experiência coletiva - que ela possa se constituir em estratégia metodológica privilegiada para construção/reconstrução dessas políticas públicas, na cidade de Campinas. Das análises realizadas e do caminho percorrido em Campinas, para a realização da Pesquisa há algumas reflexões (conclusões provisórias) sobre as políticas públicas destinadas às pessoas com deficiências que poderiam ser assim resumidas: - Não há ainda, na Cidade de Campinas, uma política de priorização de atendimento à pessoa com deficiência; - As pessoas com deficiência não conseguiram, ainda, a partir dos organismos disponíveis na Cidade, em especial, através do Conselho Municipal da Pessoa Deficiente se fazer “ouvir” pelo Poder Público Municipal; - Há, efetivamente, desconhecimento por parte das pessoas com deficiência, dos seus direitos, mesmo aqueles estabelecidos em legislação municipal, exceção feita, evidentemente, às suas lideranças, o que indica um caminho necessário de divulgação desses direitos, agora, inadiável; - Não há, em função disso, um entendimento “vivenciado” (que gere um outro comportamento) de que o atendimento às suas necessidades básicas e sociais são 17 “de direito”, pois a idéia de que os atendimentos públicos são “privilégios”, ainda é muito forte; - A metodologia participativa, adotada na Pesquisa, foi mobilizadora e educativa para todos os participantes da mesma. Nenhum de nós é mais “o(a) mesmo(a)”. O que foi considerado muito positivo pelo Grupo; - A possibilidade de encontros e debates entre profissionais dos diferentes setores da Prefeitura Municipal de Campinas, com profissionais de entidades privadas que trabalham com pessoas deficientes, as próprias pessoas com deficiência, e nós, enquanto pesquisadoras, situação nunca vivida por eles, foi também considerada positiva para o aprofundamento de relações e desenvolvimento de futuros projetos comuns; - A discussão coletiva dos roteiros (temas e sub- temas) bem como a escolha dos protagonistas gerou um nível de coesão ao Grupo participante, que foi observada até o final dos trabalhos de produção dos Vídeos; - A disponibilidade das pessoas com deficiência de cederem seu tempo e suas histórias – alegres ou tristes – para os depoimentos, com o peso da emoção que elas traziam, para que o Grupo (e hoje, a Cidade) conhecesse e se solidarizasse mais com o cotidiano das pessoas com deficiência foi admirável e ultrapassou as expectativas da Equipe de Pesquisa. A riqueza, a força e a dramaticidade dos depoimentos e imagens se constitui, sem dúvida, na contribuição mais significativa que esta Pesquisa oferece, à toda comunidade científica. E indica a urgência de também nós, pesquisadores, colocarmos nas nossas prioridades de estudos, o tema da Diversidade e Exclusão. Bibliografia - AZANHA, J.M.P. – Uma Idéia de Pesquisa Educacional – EDUSP, São Paulo, 1992. - EZPELETA, J. & ROCKWELL, E. – Pesquisa Participante. 2ª Ed. Cortez , São Paulo, 1989. - FUNDAÇÃO SEADE – “Pesquisa sobre Condições e Qualidade de Vida”; S. Paulo, 1994. - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO/INEP/SEEC – Censo Educacional – Brasília/DF; 1998.