RONELLI ARAGÃO FERREIRA REALIDADE ORIGAMI: jornalismo e realidade 2 AGRADECIMENTOS Á Deus por ter me dado a oportunidade de conhecer a vida, à meus pais por terem feito todo possível para que eu chegasse até aqui, à meus filhos por me darem força para que eu prosseguisse a caminhada e ao grande mestre Ivan Carlo de Andrade por ter me apresentado ao fascinante universo das Teorias da Comunicação... 3 Pouco antes de sua jornada ao real começar, Morpheus, percebendo a descrença e a confusão de Neo, pergunta-lhe: “Como você conheceria a diferença entre o mundo de sonho e o mundo real?” a mensagem é clara. Neo não tem como saber com certeza o que é real e o que não é... (IRWIN, 2003, p.249). 4 SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................................... CAPÍTULO I – Uma reflexão acerca da Verdade................. ............................... 1.1 - Filosofia e dogmatismo............................................................................... 1.2 - A origem do conceito Verdade................................................................... 1.3 - As várias faces da Verdade......................................................................... 1.4 – Mais teorias da Verdade........................................................................... 1.5 – Afinal, ‘ a Verdade’................................................ .................................... CAPÍTULO II – Consciência simbólica lingüística e o mundo real.................... 2.1 – Comunicação e sociedade............................... ......................................... 2.2 - Do grunhido ao computador...................................................................... 2.3 – O poder das palavras................................................................................ 2.4 – Discurso x realidade objetiva........................................................ ............ CAPÍTULO III – A manipulação da realidade.................................................... 3.1 – Por fim, ‘o’ despertar............................................. ...................................... CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... REFERÊNCIAS ............................. ................................................................... 5 INTRODUÇAO Os estudos realizados sob a forma deste projeto de pesquisa, têm como finalidade primordial compreender a lógica de produção o das notícias. Desvendar seu caráter mítico no que diz respeito à verdade jornalística. Aquela que até então, se entende como sendo a pedra de toque do jornalismo, em tomo da qual giram conceitos como objetividade, neutralidade e imparcialidade. E como todo conhecimento autêntico nasce de uma pergunta, neste ponto de vista, questiona-se: O que é a Verdade? O que estará por traz dos critérios de produção das notícias? Será que, como jornalistas, não estamos colaborando com a construção de uma realidade a partir do ponto de vista do poder, baseados justamente nestes critérios? Não se garante, no entanto, que ao término desta exposição, este trabalho contenha informações suficientes de maneira a esclarecer completamente as questões colocadas. Elas, especialmente a primeira, são demasiadamente complexas e admitem interpretações diferenciadas. Sendo assim, apresenta-se aqui esta visão, que é apenas uma possibilidade. Para delimitar ao máximo o tema, que é abrangente, utilizou-se o método dedutivo. Primeiramente, para embasamento teórico, foram estudados os conceitos filosóficos de verdade ao longo da história. Posteriormente, a aplicação destes conceitos na vida em sociedade, bem como a construção desta sociedade a partir da comunicação. Também buscou-se onde, como e porque nasceu a comunicação, o surgimento da necessidade de meios de comunicação social e sua influência, os meios noticiosos e por fim, o desvendar da lógica de produção das notícias. Ao final chega-se a uma teoria, que tem sua demonstração prática averiguada a partir de trechos retirados de jornais locais, os quais são analisados de acordo com os fundamentos colocados em questão nesta monografia. Esta teoria defenderia a hipótese de que um fato jornalístico seria, inevitavelmente, o resultado de dois fatores fundamentais: os aspectos individuais ao narrador (como cultura, valores e fator psicológico) e os aspectos externos ligados a ele (grupos políticos e empresa para a qual trabalha.). Atrelado a este contexto, o resultado final, a matéria em si, seria apenas uma versão, em meio a tantas outras. Contudo, inserida em uma lógica social domina da pelo sistema capitalista, como produto, esta versão seria vendida e consumida como ‘a verdade dos fatos’. O interesse em dar a ela o foro de objetividade, ignorando os aspectos subjetivos já citados, partiria de grandes grupos econômicos e políticos que encontrariam nestas condições, um meio de perpetuar suas ideologias, legitimando-as. Esta maneira de 6 revelar o mundo permitiria a sociedade, subsistir em um estado de ignorância que dissimularia assim sua verdadeira condição. 7 CAPÍTULO I: Uma reflexão acerca da verdade O ano é 1999 (ao menos aparentemente...), o hacker Neo, passa madrugadas a fio tentando desvendar o mistério: O que é a Matrix ???A busca o leva até Morpheus, uma espécie de guru, responsável por libertar sua mente da realidade virtual em que está inserido. Estando ambos frente a frente, o diálogo que irá culminar na grande revelação se desenrola: - O que você sabe você não pode explicar... mas sente. Você sentiu isso a vida toda... Que há algo errado com o mundo! Não sabe o que é, mas existe, como um espeto na mente, deixando-o louco... A matriz está à nossa volta. Em todo lugar. É o mundo que jogaram diante de seus olhos, para deixá-lo cego quanto à verdade. Intrigado e confuso, Neo indaga: Que verdade? Morpheus silencia por alguns segundos... (compreende a gravidade das palavras que irá pronunciar) encara a situação, e olhando firme para Neo, responde: - Que você é um escravo... Como todo mundo você nasceu na escravidão, numa prisão que você não pode cheirar nem provar nem tocar. Uma prisão para a mente... Neste momento, Neo, interpretado por Keanu Reeves ilustra a agonia que acompanha a mudança de um estado de dúvidas e incertezas para a conquista da verdade por excelência. Enclausurado na Matriz desde o nascimento, ele existe sem saber que o mundo onde se encontra é uma ilusão. Porém, agora, com o auxílio de Morpheus e seu bando de rebeldes ele sai do cativeiro, e é levado da ignorância à iluminação! Matrix é um filme filosófico, que questiona, especialmente, o modo como compreendemos e operamos a realidade. E ainda mais, é uma ficção análoga da 'realidade' em que vivemos. Por quê? Bem, vejamos... Como Neo, antes de seu encontro com Morpheus, grande parte da sociedade, experimenta a ignorância como verdade, compreendendo-se que, o conceito de ignorância é justamente não saber algo. E este estado de ignorância permanece no ser humano quando as crenças e opiniões, que ele utiliza para viver e agir no mundo, se conservam como válidas, e portanto eficazes. Nesta situação, o homem considera que sabe tudo o que há para saber, deixando permanecer no escuro aquilo que foge de suas concepções prontas, aprendidas por ele, a respeito da 'realidade' que o cerca. Mas, quando Neo percebe que ‘há algo errado com o mundo’, surgem incertezas, que o fazem descobrir que é um ‘ignorante’. Isto acontece, de um modo geral, quando se começa a questionar, observar que há falhas naquilo em que se acredita e que, 8 durante algum tempo, serviu como referência para pensar ou agir. O espanto e a admiração, que nascem com o sentimento de incerteza, fazem querer saber o que não se sabe, e quando isto ocorre, inicia-se a busca pela verdade. Esta busca, “sempre estará ligada a uma decepção, desilusão, dúvida, perplexidade, insegurança ou espanto e uma admiração diante de algo novo e insólito”. (CHAUÍ, 2001, p 91). Na vida em sociedade, é muito difícil despertar nas pessoas o desejo da busca pela verdade. Isto se deve ao fato de haver uma enorme quantidade de veículos e formas de informação que chegam até elas todos os dias. Desta maneira acreditam receber, de modos variados e diferentes, informações de todos os campos do conhecimento, e tomam estas informações como expressão da realidade, já que ultrapassam as experiências vividas por todos, que por este motivo não tem meios para avaliar o que recebem, dificultando a tal busca. Marilena Chauí considera que, Bastaria, no entanto, que uma mesma pessoa, durante uma semana, lesse de manhã, quatro jornais diferentes e ouvisse três noticiários de rádios diferentes; à tarde, freqüentasse duas escolas diferentes, onde os mesmos cursos estariam sendo ministrados; e à noite, visse os noticiários de quatro canais diferentes de Televisão, para que, comparando todas as informações recebidas, descobrisse que elas não batem; umas com as outras, que há vários mundos e várias sociedades diferentes dependendo da fonte de informação. Uma experiência como essa criaria perplexidade, dúvida e incerteza. (CHAUÍ, 2001, p. 91). O problema é que os indivíduos, de um modo geral, não fazem este tipo de experiência, e, portanto não percebem a sua desinformação. Acabam tomando por verdade absoluta algo que lhes é imposto de fora para dentro, e numa estrutura de poder que vai de cima para baixo. Confiando assim nestes 'emissores de mensagens', sentem-se seguros, e não havendo incertezas, há, portanto, ignorância. Por outro lado, essas dificuldades, ao invés do conformismo, podem também gerar um efeito oposto, suscitando em algumas pessoas, dúvidas, desconfianças e desilusões que as fazem desejar conhecer a realidade, a sociedade, a ciência, etc. Bem como ocorreu com o personagem Neo. A necessidade da busca pela verdade, nasce não só da dúvida ou incerteza, mas também da ação contra preconceitos, idéias e opiniões estabelecidas. São distinguidos, portanto, dois tipos de busca pela verdade. A primeira, que vem da incerteza, como foi dito antes, e a segunda, da não aceitação das idéias prontas. A esse segundo tipo chama-se busca da verdade na atitude filosófica. 1.1 Filosofia X Dogmatismo 9 A atitude filosófica surge em contraposição ao dogmatismo, que é a atitude natural que se tem diante da realidade, ou, melhor dizendo, é a crença de que o mundo existe e é exatamente como se percebe. Filósofos pioneiros nesta contraposição ao dogmatismo foram Sócrates e Descartes, que desconfiaram, não só das crenças estabelecidas em sua sociedade, mas também de suas próprias idéias e opiniões. Na atitude dogmática toma-se o mundo como já dado, já feito, já pensado, já transformado, e mesmo quando acontece algo excepcional, fora do comum, a tendência dogmática é reduzir o acontecimento aos padrões do que se conhece, já que, na postura dogmática, considera-se que há uma realidade exterior ao ser humano, que embora externa e diferente ao indivíduo, pode ser conhecida e tecnicamente transformada por ele. A atitude dogmática é conservadora, e se opõe a tudo o que possa desequilibrar as crenças já estabelecidas. Esse conservadorismo se transforma em preconceito, ou seja, em idéias pré-concebidas que impedem o contato com tudo aquilo que coloque em dúvida o já sabido, que o exponha em situação de 'perigo', de tal modo que situações que tornem problemática tais crenças, são afastadas como inaceitáveis e perigosas. Os que ousam enfrentar o já estabelecido são tidos como desordeiros, loucos, criminosos, heréticos, etc. Para os dogmáticos, verdadeiro é o que funciona e não surpreende. Para a atitude filosófica, a verdade nasce da decisão e da deliberação de encontrá-la, da consciência da ignorância, do espanto, da admiração e do desejo de saber. O estado dogmático se rompe, quando se é capaz daquilo que ocorreu com Neo, que se chama, na filosofia, de uma atitude de estranhamento diante de coisas ou fatos que parecem familiares. É quando se observa estas coisas ou fatos com outros olhos, abstendo-se de todos os conceitos ou idéias pré-estabelecidos, como se fosse algo novo, totalmente inédito. E através desta atitude de estranhamento é que surge a atitude filosófica, possibilitando a busca pela verdade... 1.2 A origem do conceito verdade Nesta busca pela Verdade, Morpheus poderia ser encarado aqui, como a própria filosofia em si, e o difícil momento do 'frente a frente' seria o encontro do indivíduo com ela, aquela que abre nossos olhos e liberta a mente. 10 A filosofia é, pois, herdeira de três grandes concepções de verdade: a do ver-perceber, a do falar dizer e a do crer confiar Tais concepções são oriundas da língua grega, latina e hebraica. (CHAUÍ, 2001) Em grego, “verdade se diz aletheia, significando não oculto, não dissimulado, não escondido. O verdadeiro é o que se manifesta aos olhos do corpo e do espírito”. (CHAUÍ, 2001, p.99). Neste caso, a Verdade é uma qualidade das coisas e o verdadeiro está nas próprias coisas. Conhecer é ver e dizer a verdade que está na própria realidade e, portanto, a verdade depende de que a realidade se manifeste, enquanto a falsidade depende de que ela se esconda ou se dissimule em aparências. Em latim, "verdade se diz veritas, e se refere à precisão, ao rigor e à exatidão de um relato, no qual se diz com detalhes, pormenores e fidelidade o que aconteceu. Verdadeiro se refere, portanto, à linguagem enquanto narrativa de fatos acontecidos. Refere-se a enunciados que dizem fielmente as coisas tais como foram ou aconteceram”. (CHAUÍ, 2001, p 99). O oposto é a mentira ou a falsificação. Existe uma conexão, neste conceito, entre a linguagem e a realidade dos fatos. Em hebraico, “verdade é emunah, e significa confiança. É uma palavra de mesma origem o amém, que significa assim seja. Se relaciona com a espera de que tudo aquilo que foi prometido ou pactuado irá cumprir-se ou acontecer", (CHAUÍ, 2001, P 99) Portanto, aletheia faz referência ao que as coisas são; veritas, aos fatos que foram; emunah, às ações e coisas, que serão. De modo geral, a concepção que se tem de verdade, é resultante da síntese desses três significados e por isso se refere, às coisas presentes, aos fatos passados e às coisas futuras; bem como à realidade, à linguagem e à confiança-esperança. 1.3 As Várias faces da verdade A variedade na origem da palavra estudada resultou na multiplicidade de teorias sobre a mesma. Desta forma quando, em uma teoria, predominar a aletheia, o conhecimento verdadeiro estará fundamentado na evidência, isto é, a visão intelectual e racional da realidade tal como é em si mesma e alcançada por nossa razão, Uma idéia será verdadeira, portanto, quando corresponder à coisa que é seu conteúdo e que existe fora de nosso espírito ou de nosso pensamento. Verdade é a conformidade entre pensamento e juízo e as coisas pensadas ou formuladas. É a visão intelectual da essência de um ser, 11 considerando que para se formular um juízo verdadeiro, é preciso conhecer a essência. Desta maneira, esse ponto de vista exige que nos libertemos da aparência das coisas, das opiniões estabelecidas e das ilusões de nossos órgãos dos sentidos, para que desta forma possamos obter o conhecimento da essência real e profunda dos seres, que é sempre universal e necessária, enquanto que as opiniões variam de lugar para lugar, de época para época, de sociedade para sociedade, de pessoa para pessoa. O que prova que a essência dos seres não está conhecida e que se nos mantivermos no plano das opiniões jamais alcançaremos a Verdade. Pelo mesmo motivo devemos abandonar as idéias formadas a partir de nossa percepção, ou encontrar os aspectos necessários da experiência sensorial que alcancem parte da essência real das coisas. Por exemplo, urna flor é branca, mas se eu estiver doente a verei amarela. No entanto, é importante esclarecer que, apesar desses enganos perceptivos, toda percepção percebe qualidade nas coisas e, portanto, as qualidades pertencem à essência das próprias coisas e fazem parte da verdade delas. A essa teoria chama-se teoria da evidência ou da correspondência. (CHAUÍ, 2001) Quando predominar a veritas, o critério da verdade terá como base, a coerência interna ou lógica das idéias que formam um determinado raciocínio, que dependerá da obediência às regras e leis dos enunciados corretos. Verdadeiro, neste caso, é a validade lógica dos argumentos. Observa-se, pois, que o problema deslocou-se para o campo da linguagem. E se a verdade está no discurso, não depende apenas do pensamento e das próprias coisas, mas também de nossa vontade de dizê-las, silencia-las ou deforma-las. Depende de nosso querer. Este aspecto do tema ganhou força com o surgimento da filosofia cristã do livre-arbítrio, que afirma que a vontade livre foi responsável pelo pecado original tornando-se má vontade. Assim, a mentira tenderia a prevalecer contra a verdade. Considerando nosso intelecto mais fraco que nossa vontade, essa poderia levá-lo ao erro. Essas questões foram analisadas, posteriormente, por filósofos do Grande Racionalismo Clássico, que introduziram a exigência de começar a filosofia pelo exame de nossa consciência, para saber o que podemos conhecer realmente e quais os auxílios que devem ser oferecidos ao nosso intelecto para que domine nossa vontade submetendo-a ao verdadeiro. "Para começar, é preciso liberar nossa consciência dos preconceitos, dos dogmatismos da opinião e da experiência cotidiana. Essa consciência purificada, que é o sujeito do conhecimento, poderá então alcançar as evidências (por intuição, dedução ou indução) e formular juízos verdadeiros aos quais a vontade deverá submeter-se". (CHAUÍ, 2001, p 102). 12 Embora haja divergência de idéias, entre pensadores, quanto às teorias que tratam do conceito de verdade, tanto filósofos influenciados pela idéia latina (modernos), quanto àqueles influenciados pelo conceito grego (antigos) apresentam alguns pontos em comum acordo. O primeiro deles é que, a verdade é conhecida por evidência (pode ser obtida por indução, dedução ou intuição e abdução). Ela se exprime no juízo, onde a idéia está em conformidade com o ser das coisas ou fatos. O erro, o falso ou a mentira, se alojam também no juízo, são causados por opiniões pré-concebidas, hábitos ou enganos de percepção e memória. Para os filósofos modernos, também estão ligados a vontade humana. Todos também concordam de uma forma geral, que, uma verdade, por referir-se à essência das coisas ou seres, é sempre universal, e necessária e distingui-se da aparência, pois esta é sempre particular, individual, instável e mutável. Por fim consideram que, o pensamento se submete a uma única autoridade dele próprio, com capacidade para o verdadeiro. "No entanto, quando afirmam que a verdade é conformidade ou correspondência entre a idéia e a coisa, não estão dizendo que uma idéia verdadeira é uma cópia exata da coisa verdadeira. Idéia e coisa, conceito e ser, juízo e fato não são entidades de mesma natureza, e não há entre eles uma relação de cópia". (CHAUÍ, 2001, p. 103). O que os filósofos querem dizer é que, a idéia conhece a estrutura da coisa, a relações internas necessárias que a constituem, assim como as relações e nexos necessários que ela mantém com outras. A idéia é, portanto, um ato intelectual, uma realidade externa conhecida pelo intelecto. 1.4 Mais teorias da verdade... O filósofo Kant afirma ainda que, "a realidade que conhecemos filosoficamente e cientificamente, não é a realidade em si das coisas, mas a realidade tal como é estruturada por nossa razão, tal como é organizada, explicada e interpretada pelas estruturas a priori do sujeito do conhecimento". (KANT apud CHAUÍ, 2001, p 104). Essa teoria, denominada Kantismo, afirma que a realidade são nossas idéias verdadeiras. É uma espécie de idealismo. Seus adeptos defendem que, só podemos conhecer o fenômeno (considerado o que se apresenta para a nossa consciência, de acordo com a estrutura da própria consciência) e que não podemos conhecer o nóumenon (a coisa em si). Logo, para eles, a verdade se refere aos fenômenos e os fenômenos são o que a consciência conhece. 13 Já para Husserl, o Fenômeno é a própria consciência. “Conhecer os fenômenos e conhecer a estrutura e o funcionamento necessário da consciência são uma só e mesma coisa, pois é a própria consciência que constitui os fenômenos”. (HUSSERL apud CHAUÍ, 2001, p 104). Husserl considerava que a consciência se constitui dando sentido às coisas. Para ele, conhecer é conhecer o sentido ou significação das coisas tal como foram produzidos pela consciência. E o sentido ou significação, quando universal e necessário, seria a essência das coisas. Portanto, na perspectiva idealista, seja kantiana ou husserliana, não se considera mais a verdade como a conformidade do pensamento com coisas, ou a correspondência entre idéia e objeto. A verdade passa a ser o encadeamento interno e rigoroso das idéias e conceitos ou das significações, sua coerência lógica e sua necessidade. A verdade é um acontecimento interno ao nosso intelecto ou á nossa consciência. Tanto para Kant, quanto para Husserl, o erro e a falsidade encontram-se no realismo, na suposição de que os conceitos ou as significações se refiram a uma realidade em si, independente do sujeito do conhecimento. Esse erro ou falsidade Kant denomina de dogmatismo e Husserl de atitude ou tese natural do mundo. Uma outra visão a respeito do tema, também influenciada pela concepção latina de Verdade, provém da filosofia analítica, que dedicou-se aos estudos da linguagem e da lógica e por isso situou a verdade como um fato ou um acontecimento lingüístico. A teoria da Verdade nessa filosofia, passou por duas etapas. Na primeira, seus adeptos consideravam que a linguagem produziria enunciados sobre as coisas, em conformidade com a própria realidade, de modo que a verdade seria tal conformidade ou correspondência entre os enunciados e os fatos e coisas. No entanto inúmeros problemas tornaram essa concepção insustentável, e o que se percebeu é que a estrutura e o funcionamento da linguagem não correspondem exatamente à estrutura e o funcionamento das coisas. Como por exemplo, as expressões “estrela da manhã” e “estrela da noite” referem-se ambas ao objeto Vênus, no entanto são enunciados diferentes, de visões diferentes. Essa descoberta conduziu a filosofia analítica à idéia de verdade como algo puramente lingüístico e lógico isto é, a verdade é a coerência interna entre os procedimentos e os resultados e que é verdadeira ou falsa conforme respeite ou desrespeite as normas de seu próprio funcionamento. Cada campo do conhecimento cria sua própria linguagem, seus axiomas, seus postulados, suas regras de demonstração e de verificação de seus resultados e é a coerência interna entre os procedimentos e os resultados 14 com os princípios que fundamentam um certo campo de conhecimento que define o verdadeiro e o falso. Verdade e falsidade não estão nas coisas nem nas idéias, mas são valores dos enunciados, segundo critério da coerência lógica. (CHAUÍ, 2001, p. l 05) No entanto, os filósofos empiristas tendem a considerar que os critérios anteriores são puramente teóricos e insuficientes e como há variados critérios e mudanças históricas no conceito da Verdade, acaba-se julgando que esta não existe ou é inalcançável. Para grande parte dos empiristas, um conhecimento é verdadeiro quando permite retirar conseqüências práticas e aplicáveis. Por considerarem como critério da verdade a eficácia e a utilidade, essa concepção é chamada de pragmática, e sua corrente filosófica é o pragmatismo. Verdadeiro, neste caso, é a verificabilidade dos resultados. Por fim, quando predominar a emunah, a verdade estará ligada a um acordo ou pacto de confiança recíproca entre os membros de uma determinada comunidade de pesquisadores e estudiosos. Este pacto se estabelece com base em três princípios, a serem respeitados por todos: - Que somos seres racionais e nosso pensamento obedece aos quatro princípios da razão. - Que somos dotados de linguagem, que funciona segundo regras lógicas convencionais e aceitas por uma comunidade. - Que os resultados de uma investigação devem se submetidos à discussão e a avaliação pelos membros da comunidade de investigadores, que lhe atribuirão ou não o valor de verdade. (Ibid Ibidem 2001, p. 100). 1.5 Afinal, a verdade Com tudo o que foi dito, conclui-se que, as várias concepções da verdade que foram expostas estão articuladas com mudanças históricas, tanto no sentido de mudanças na estrutura e organização da sociedade, como no sentido de mudanças no interior da própria filosofia. As concepções históricas e as transformações internas ao conhecimento mostram que as várias concepções da verdade não são arbitrárias nem causais ou acidentais, mas possuem causas e motivos que as explicam, e que a cada formação social e a cada mudança interna do conhecimento, surge a exigência de reformular a concepção da verdade para que o saber possa realizar-se. E permanece a idéia de vencer o senso comum, o dogmatismo, a atitude natural e seus preconceitos. A procura da verdade e o desejo de estar no verdadeiro (CHAUÍ, 2001) 15 ... "A verdade se conserva, portanto, como valor mais alto a que aspira um pensamento". (CHAUÍ, 2001, p1O6) 16 CAPÍTULO 11: Consciência simbólica lingüística e o mundo real Diante de tantas teorias estudadas no capítulo anterior, é coerente afirmar, com certa cautela, que a compreensão da verdade, presente no mundo real, está de certa forma ligada à percepção. E "nossa percepção de mundo é, fundamentalmente, derivada da linguagem que empregamos". (DUARTE, 1994, p. 25). Oras, se o mundo é ordenado e significado através da linguagem, então a realidade será estabelecida e mantida por ela. E embora coisas como rios, pedras e arvores já existissem antes de surgir o homem e sua linguagem, talvez não fossem ainda Mundo, considerando, neste caso, Mundo tão somente como um conceito humano: A compreensão de tudo que existe, numa totalidade, a ordenação deste aglomerado de seres num esquema significativo, possível ao homem através de sua consciência simbólica lingüística. Sendo que, sem esta consciência, tudo continuaria sendo apenas um aglomerado de coisas. Portanto, quanto mais conceitos puder articular, maior será o alcance e amplitude de minha consciência, maior será meu ‘mundo’. Através da linguagem é que estamos todos conectados de maneira interpessoal e com a realidade, que para nós se manifesta. Esta conexão é possível graças à comunicação que a linguagem propicia. Portanto, sociedade e comunicação são uma coisa só, que participam da construção, modificação e manutenção da 'realidade’. 2.1 Comunicação e sociedade A comunicação é uma necessidade básica da pessoa humana, do homem-social. Ela foi o canal através do qual os padrões de vida nos foram transmitidos e desta forma adotamos nossa cultura. Hábitos e tabus, crenças e valores não ocorreram por instrução, ninguém nos ensinou propositalmente como a sociedade está organizada, isto aconteceu indiretamente, pela experiência acumulada de numerosos pequenos eventos, insignificantes em si mesmos, mas através dos quais foram travadas relações com pessoas e aprendemos a orientar nosso comportamento para o que 'convinha'. Graças à comunicação. O início do processo da comunicação humana ainda é obscuro, não se sabe ao certo como foi que os homens primitivos começaram a se comunicar, se por gritos ou grunhidos, como fazem os animais, se por gestos, ou ainda por combinações de todos esses elementos. Mas o certo é que, "os homens encontraram uma forma de associar um determinado som ou gesto a um certo objeto ou ação. Assim nasceram o signo, isto é, qualquer coisa que faz referência a 17 outra coisa ou idéia, e a significação, que consiste no uso social dos signos". (DUARTE, 1994, p. 24). E de posse de repertórios de signos, e de regras para combiná-los, o homem criou a linguagem. Parece haver poucas dúvidas de que a primeira forma organizada de comunicação humana foi a linguagem oral, quer acompanhada ou não pela linguagem gestual. Entretanto, a linguagem oral sofre de duas sérias limitações: a falta de permanência e a falta de alcance. Daí o fato dos indivíduos terem apelado a modos de fixar seus signos e a modos de transmiti-los à distância. Para fixar seus signos o homem utilizou primeiro o desenho e mais tarde a linguagem escrita, lá pelo séc.IV antes de Cristo. A escrita evoluiu a partir dos pictogramas, signos que guardam a correspondência direta entre a imagem gráfica (desenho) e o objeto representado Os hieróglifos do antigo Egito são um exemplo de escrita pictográfica. Mas para superar a distância, era necessário um meio de transportar os signos, algo mais prático que pedras e posteriormente, pergaminhos de couro... Eis que surge o papel. Os Chineses parecem ter sido os pioneiros nesta prática. Mas o homem sentia cada vez mais a necessidade de meios que funcionassem como extensões de seu corpo, no que diz respeito à comunicação, para superar a suas limitações humanas. E paralelo à evolução da linguagem, desenvolveram-se os meios de comunicação social. Gutenberg inventou a tipografia, e o papel aperfeiçoou-se fazendo-se mais resistente e mais leve, de modo que os livros, antes copiados laboriosamente a mão pelos monges amanuenses, puderam ser impressos repetidamente em muitos exemplares. A indústria gráfica associou-se a invenções da mecânica, da química, da eletrônica, etc.. Até chegar às impressoras computadorizadas, capazes (...) de imprimir edições inteiras de jornais em vários países ao mesmo tempo. A invenção da fotografia teve um impacto muito mais forte sobre o desenvolvimento da comunicação visual do que normalmente se pensa. Ela possibilitou a ilustração de livros, jornais e revistas; inspirou o cinema, primeiro mudo, mais tarde sonoro; aliada à eletrônica, culminou na transmissão das imagens via televisão. (Ibid Ibidem, 1994, p 29) E o alcance da comunicação foi assegurado, definitivamente, através da criação dos meios eletrônicos. Sendo que, a influência social dos meios aumentou, na medida de sua penetração e difusão. E o que tudo isto tem a ver com a busca da verdade? Obviamente... tudo. Ora, Verdade é algo que diz respeito ao mundo real, a coisas ou fatos que realmente são ou existem. Como foi dito antes, a linguagem tem importância direta na construção e visualização deste mundo real ou realidade, e por conseqüência disto, os meios de comunicação, como extensão do homem também o tem... e como tem!!! E este é o ponto em que se quer chegar. 18 2.2 - Do grunhido ao computador A comunicação, que começou com grunhidos e gestos evoluiu então e, enriquecendo-se em conteúdos e meios, ganhou mais permanência e alcance, consequentemente, passou a ter maior influência nas relações sociais, incidindo, na cultura, economia e política das nações. Mergulhados em uma sociedade capitalista, as capacidades tecnológicas dos meios de comunicação, exploradas comercialmente deram origem as empresas jornalísticas, editoriais e teledifusoras, onde, para colher o material informativo necessário, formaram-se agências noticiosas, para construir a estrutura física fundamental à transmissão massiva de mensagens, surgiram as empresas fabricantes de aparelhos emissores, transmissores e receptores, assim como de satélites e outros materiais. A indústria da comunicação tornou-se um 'negócio' tão lucrativo que chegou à casa dos bilhões de dólares e transnacionalizou-se, instalando fábricas mundo afora. Simultaneamente a este fato, estudiosos de todos os campos do comportamento humano, bem como comunicólogos de todo o mundo, desenvolveram a arte da elaboração das mensagens, pesquisando as condições ótimas de percepção, decodificação, interpretação e incorporação de seus conteúdos. Paralelamente, deu-se um fenômeno interessante, por todo o planeta, rádio, TV, e mais recentemente os microcomputadores, passaram a formar parte da bagagem instrumental da chamada tecnologia educativa. Pois bem... por meio da prática profissional, da competição recíproca e da pesquisa, melhoram-se constantemente, a redação de notícias e artigos, a elaboração de programas de rádio e TV, bem como a elaboração de anúncios publicitários e a produção de filmes. Desta forma, como conseqüência, este processo de desenvolvimento de aparelhos e das técnicas de programação e produção foi acompanhado de um tremendo aumento de influência poder na comunicação da sociedade. O impacto dos meios sobre as idéias, as emoções, o comportamento econômico e político das pessoas, cresceu tanto que se converteu em fator fundamental de poder e domínio, atuando diretamente na construção e manutenção da realidade. 19 2.3 - O Poder das palavras É importante lembrar que a comunicação serve para que as pessoas se relacionem entre si, transformando-se mutuamente bem como a realidade que as rodeia. Sem a comunicação, cada pessoa seria um mundo fechado em si mesmo. É através do ato de comunicar que as pessoas compartilham experiências, idéias e sentimentos. Ela é um produto funcional da necessidade humana de expressão e relacionamento. No entanto, ao servir como auxiliar do pensamento e da consciência, a linguagem pode ser ainda instrumento de manipulação das pessoas. Tendo, por conseguinte uma clara função, também, política. A história nos mostra que a manipulação da linguagem tem sido realizada de muitas maneiras. É o caso, por exemplo, da imposição de uma nova linguagem, em uma cultura que possui sua própria linguagem. Fato característico na conquista e colonização de continentes como a África, América ou Ásia por países europeus, mesmo que permitindo a manutenção de suas línguas nativas. Da mesma forma, a censura oficial e explícita, ou ainda espontânea ou implícita, aquela que os indivíduos aplicam a si próprios por medo, é freqüente nos regimes ditatoriais, como meio de cooptação lingüística. Desta forma aquilo que não se comunica, não pode ser conhecido e se não é conhecido, não existe, ao menos em meu mundo. E assim a 'realidade' se mantém. Um outro recurso, que também é comum nos regimes totalitários é a imposição de novos significados para as palavras. "Durante a vigência do terceiro Reich, na Alemanha nacional-socialista, os dicionários e enciclopédias eram revisados para eliminar certos termos, agregar outros e modificar o sentido de ainda outros". (BORDENAVE, 2003, p 84). É o caso da palavra abstammungsnachweis, relacionada à criação de gado, antes do Terceiro Reich, e que passou a significar o certificado genealógico da origem Ariana durante o período citado. "Estas regulações da linguagem eram acompanhadas de instruções precisas para o uso de palavras pelos meios de comunicação social". (BORDENAVE, 2003, p. 85). Nas Agências de Imprensa alemãs, circularam algumas diretrizes, neste sentido, nas datas correspondentes a este período: Setembro 1, 1939 - A palavra 'guerra' deve ser evitada em todas as notícias e editoriais. A Alemanha está resistindo a um ataque da Polônia; Novembro 16, 1939 - A palavra 'paz' deve ser eliminada da imprensa Alemã; Outubro 16, 1941 Não deve mais haver referências aos sovietes ou aos soldados soviéticos, quanto mais eles devem ser chamados de 'sovietarmisten' (membros do exército soviético) ou apenas de 20 bolcheviques, bestas e animais; Março 16, 1944 - O termo 'catástrofe' fica eliminado completamente da língua germânica, deverá ser substituído pela expressão ‘grande emergência’ e ‘socorro de catástrofe’ deverá ser substituído por ‘socorro de bombardeio aéreo’. (BORDENAVE, 2003, p. 85). O emprego de eufemismos, expressões que não alteraram o significado, mas dissimulam melhor realidades desagradáveis, também é uma técnica de manipulação amplamente utilizada por governos e instituições. Como no caso da recente guerra dos EUA X Países islâmicos, na qual o genocídio em massa é diluído em expressões tais como 'programa de pacificação'. Também a exploração dos países pelas empresas multinacionais é sujeita à eufemismos, como "cooperação internacional", "transferência de tecnologia", ‘liberdade de comércio’, e por aí vai... Portanto as diversas formas de manipulação da linguagem que foram estudadas parecem nos indicar um caminho, que existem duas realidades bastante diferentes: a objetiva e aquela que é reconstruída pelo discurso da comunicação. 2.4 - Discurso x realidade objetiva Após Neo encontrar-se com Morpheus, pela primeira vez, ele descobre que sempre teve razão, que realmente "há algo errado com o mundo" e que a responsável é a Matriz. Ele escolhe a pílula vermelha para ver "a profundidade da toca do coelho" e, como sabemos, logo descobre que o único mundo que ele já conheceu, viu e saboreou é uma ilusão, não tendo nenhuma realidade fora do ciberespaço. (IRWIM, 2003, p 249) A partir de seu encontro com Morpheus, Neo conhece a verdade: A Matriz é uma realidade virtual criada por computadores, que aplacam e maximizam a produção de energia das unidades humanas que vivem aprisionadas num considerável complexo de casulos energéticos. E enquanto os bilhões dentro da Matriz existem em completa ignorância de sua verdadeira condição (como células imobilizadas e descartáveis de energia para a inteligência artificial que domina a terra), um pequeno número de indivíduos é livre de sua ilusão digital. Esses, ao contrário dos companheiros cativos, encontram-se cientes do estado autêntico da humanidade e constituem uma espécie de força de resistência, que procura minar a opressão da Matriz. Em conseqüência disto são freqüentemente atacados. 21 Como foi dito antes, no início deste trabalho, a realidade virtual vivida no filme, pode ser interpretada como o ambiente social em que vivemos, com nossas leis, normas, nossos sinais e tantos outros elementos que formam um grande jogo baseado em convenções sociais, jogo este que mantém os indivíduos tais quais aos casulos energéticos, servindo de combustão para que o sistema sobreviva. E por mais paradoxal que possa parecer nada parece acontecer sem o consentimento de todos. O fato é que, a organização da sociedade está assentada, basicamente sobre as instituições, e as legitimações dela decorrentes. Considerando este conceito filosófico, como sendo o estabelecimento de padrões de comportamento na execução de determinadas tarefas. Tais padrões vão sendo transmitidos às sucessivas gerações. Corporificam-se, desta forma, na vida cotidiana dos indivíduos através dos papéis que estes devem desempenhar para fazer parte delas. O estabelecimento de papéis, ou seja, de modos padronizados de comportamento, é um primeiro instrumento protetor de que se valem as instituições a fim de se preservarem. As instituições têm sempre uma origem histórica, surgiram com uma finalidade específica, tendo sido criadas desta ou daquela maneira pelos seus iniciadores. Contudo na medida em que são transmitidas às gerações posteriores, elas se cristalizam, ou seja, passam a ser percebidas como independentes dos indivíduos que as mantêm São tidas como estando acima dos homens, como se tivessem uma espécie de vida independente. É extremamente difícil para os indivíduos perceberem que a estrutura social onde vivem é, assim porque os homens a fizeram e a mantêm assim. Ao contrário, ela se apresenta para nós como uma coisa objetiva: já estava aí antes de nascermos e continuará depois de nossa morte. Neste sentido é que a institucionalização, sobre a qual se edifica a realidade, possui em si um controle social: ao ser percebida como algo dado, estabelecido, evita que os indivíduos procurem altera-la. E aí está a nossa 'Matriz'. Para que funcionem ordenadamente adotam também uma postura coercitiva sobrepondo-se à individualidade de seus membros. E então, visões divergentes que possam surgir no interior deste universo simbólico serão encaradas como subversivas, e a ordem institucional tomará providencias para se proteger destas' heresias'. Nestas condições, toma-se impossível ao indivíduo sozinho manter uma concepção discordante do universo simbólico em que está inserido. Uma única pessoa com uma proposição divergente, será fatal e facilmente classificada como 'louca', 'imoral', 'doente', etc. Provavelmente será isolada do convívio dos demais a fim de ser submetida a processos 'terapêuticos' que procurem faze-la retornar à 'realidade’. 22 “Todo o universo simbólico, então, contem em si mecanismos conceituais de auto-proteção destinados a destruir possíveis oposições que possam surgir no seu interior”. (DUARTE 1994, p 60). 23 CAPITULO III: A manipulação da realidade É próprio da comunicação contribuir para a modificação dos significados que as pessoas atribuem às coisas. E através da modificação de significados, a comunicação colabora na transformação das crenças, dos valores e dos comportamentos. Daí o imenso poder da comunicação. Daí o uso que o poder faz da comunicação. (DIAZ BORDENAVE, 2003, p 89). No capítulo anterior verificou-se de que maneira a 'realidade' é construída encarada, e de que forma a 'verdade' é subtraída desta realidade, a importância da comunicação neste processo e a influência dos meios de comunicação na interpretação do produto final do processo. Este capítulo destina-se, pois, a compreensão, ao desvendar da lógica de funcionamento dos MCS, especificamente, os meios noticiosos, e o papel que o jornalista desempenha nele. Vamos começar então, definindo o que é jornalismo. Longe de utopias adquiridas na academia, a prática jornalística pode ser resumida como "uma fascinante batalha pela conquista das mentes e corações de seus alvos, leitores te1espectadores ou ouvintes. Uma batalha geralmente sutil e que usa uma arma de aparência extremamente inofensiva: a palavra. (...) temperada por um mito: o mito da objetividade". (ROSSI, 1994, p. 7). É importante relatar que a 'batalha' em questão, é fundamental do ponto de vista político e social, considerando que "o jornalismo, via de regra, atua junto com grandes forças econômicas e sociais: um conglomerado jornalístico raramente fala sozinho." (FILHO, 1998, p.1I). Porém, ao entrar na faculdade, o aspirante a jornalista aprende que seu compromisso maior, como profissional, é com a verdade dos fatos, que sua postura deve ser a de imparcialidade, que seu texto, em conseqüência destes requisitos, deverá ser sempre objetivo, nunca direcionado ou tomando partido de alguém. A imprensa, pois, de acordo com esses mitos, deveria colocar-se numa posição neutra e publicar tudo que ocorresse, deixando a cargo do leitor a tarefa de tirar suas próprias conclusões. Na prática, bem, na prática é um pouco diferente... O problema mais básico e simples para que estes conceitos não se concretizem é que, entre um fato e a versão dele publicada, haverá sempre um jornalista ser humano, que carrega consigo toda uma formação cultural, um background pessoal, que obviamente, querendo ou não, o levará a observar e descrever o fato de maneira bastante peculiar e distinta de um outro companheiro de profissão, com formação e background diferentes. Desta forma, ao reconstruir em palavras, a realidade testemunhada, este profissional, inevitavelmente deixará suas impressões pessoais. E 24 mesmo que o texto não possa ser opinativo, como não deve ser, estas impressões estarão lá, no momento em que ele escolher o que subtrair do fato que presenciou, no momento em que escolher o que deixar passar da fala dos entrevistados, na hora de cortar o 'menos importante', etc. O resultado deste processo ( a matéria em si) será portanto, um ponto de vista em meio a tantos outros. Um outro problema é o que diz respeito à linha editorial da empresa, sim, pois toda redação de jornal sempre terá uma linha editorial a ser seguida por seus funcionários. Que se compreende como sendo uma tendência ideológica da empresa, normalmente vinculada a questões políticas. Numa relação vertical, essa linha ou tendência estabelecerá regras que deverão ser cumpridas por todos. Como falar então em neutralidade se a própria empresa geradora de informações é, e sempre será tendenciosa, mesmo que escondendo-se atrás de sua ‘linha editorial’? Alguns estudiosos, decididos a pesquisar mais a fundo estes aspectos da prática jornalística, formularam diversas teorias, dentre as quais, destacam-se três: a teoria do espelho, a teoria gatekeeper e a teoria organizacional. "A teoria do espelho (...) responde que as notícias são como são porque a realidade assim a determina" (TRAQUINA, 2001, p. 65). Neste caso, o bom jornalista é um observador desinteressado, que relata rigorosamente tudo o que vê, com muito cuidado para não emitir opiniões pessoais. Esse ponto de vista sofreu forte influência da técnica fotográfica, a qual se supõe retratar fielmente um fato, mas também foi influenciado por momentos histórico-políticos: (...) surge em um momento de vitória do paradigma positivista, que pretendia expurgar a subjetividade da ciência, criando metodologias totalmente racionais. Essa preocupação positivista se refletiu no jornalismo na forma de contraposição ao jornalismo literário, em que o jornalista era o porta-voz de uma ideologia, (no caso, a ideologia burguesa, em um período em que essa classe ainda lutava para se firmar no poder). Também foi uma reação aos excessos do chamado jornalismo sensacionalista (OLIVEIRA, 2003, p. 8) Apesar de ultrapassada, esta teoria ainda norteia a formação dos futuros profissionais, em forma de regras de conduta, nas academias. É dela que provêm conceitos como imparcialidade, objetividade e neutralidade, discutidos anteriormente. Apresenta inúmeras falhas, ao começar por sua analogia com a fotografia. Esta, Roland Barthes já demonstrou possuir elementos de conotação, que desvendam seu caráter subjetivo. Pois "processos de conotação como a trucagem, a pose, os objetos, a fotogenia e o estetismo, podem 25 transformar a fotografia, dando-lhes um sentido puramente conotado e, portanto, subjetivo." (OLIVEIRA, 2003, p. 9) Além do mais é impossível á mente humana, captar a realidade sob todos os ângulos possíveis, já que estes são infinitos, sem contar que, a escolha do que memorizar, ou o olhar que se lança sobre a coisa, obedecerá a padrões subjetivos. Por fim a linguagem traduzindo o que se viu, o fará fundamentada no ponto de vista resultante do processo interno, logo não pode ser neutra. Lembrando que estes processos internos muito têm a ver com o 'aprendizado' que nos foi imposto pelas instituições, citadas no capítulo II deste trabalho, e que obviamente influenciaram nossa visão de mundo. Pois bem, com tantas falhas, surge uma segunda teoria, a teoria do gatekeeper. Originada no campo da psicologia, foi adaptada por David Manning White, nos anos 50, à análise comunicacional. Esta teoria enfatiza a ação pessoal. White realizou um estudo onde constatou que o processo de escolha de notícias por parte dos jornalistas, é arbitrário e subjetivo. Segundo ele, este profissional funcionaria como um porteiro, que abre e fecha a porta para as notícias. Informações que parecem mais interessantes são publicadas, as restantes são esquecidas. Essas escolhas dependeriam de juízos de valor baseados em experiências, atitudes e expectativas. Mas esta teoria foi criticada por apresentar uma explicação meramente psicológica para a questão das escolhas das notícias, deixando de lado aspectos sociais, que seriam enfocados, posteriormente, por Warren Breed, em uma terceira teoria, a teoria organizacional, que "(...) insere o jornalista no seu contexto mais imediato: a organização para a qual trabalha." (OLIVEIRA, 2003, p. 11). Segundo esta visão, durante o processo de escolha das notícias, os jornalistas obedecem muito mais às normas direcionadas pela linha editorial institucional, do que seus próprios impulsos. "São raros os jornalistas que se colocam contra a linha política/editorial da empresa, a maioria se conforma com ela em decorrência (...) das punições e recompensas, o sentimento de estima para com os superiores e o medo de magoá-los, a vontade de crescer profissionalmente (...) e o prazer da atividade." (OLIVEIRA, 2003, p. 12). Pressões externas exercidas por interesses político-partidários, grupos empresariais e governamentais, bem como pressões internas provindas da administração, direção de informações e chefias, são aspectos que compõe o cenário das normas da organização e que, por conseqüência, influenciam o jornalista no momento de recompor a realidade. Dentro destas normas da organização, não se pode ignorar o aspecto tempo, sendo que 26 "Quanto menor for o tempo de escolha do jornalista, quanto mais próximo ele estiver do deadline, maior será a influencia da organização sobre ele". (OLIVEIRA, 2003, p. 12). Melhor dizendo, as horas que antecedem ao 'fechamento' do jornal são tensas, e obrigam o profissional a apresentar seu texto, organizando e integrando apenas informações que foram recolhidas dentro do prazo estipulado. O resultado... uma versão dependente de todo este contexto. Um estudo realizado em 2002 por alunos da primeira turma de jornalismo da faculdade SEAMA (Macapá - AP), a respeito dos critérios de escolhas de notícias no jornalismo do Estado do Amapá, chegou ao seguinte resultado: (...) a teoria do espelho é a mais lembrada nos discursos de jornalistas, editores e donos de veículos de comunicação. A maioria argumenta estar relatando fielmente os fatos. Mas na prática a teoria do espelho se mostra falha. Em todo texto jornalístico há algum tipo de subjetividade, seja ele de origem pessoal ou organizacional. Prova disso que um fato noticiado em um jornal acaba não sendo objeto de divulgação por parte de outro jornal. Além disso, como ficou demonstrado, dois jornais podem dar a mesma notícia de maneira completamente diferente. Embora haja uma tendência grande à ação pessoal, ao gatekeeper, a teoria organizacional é a que melhor explica as notícias como elas são. Isso se explica em parte pelo fato de que, quanto maiores os recursos necessários para transportar as informações até o receptor, maior a dependência do jornal aos anunciantes. Em locais como Macapá, em que não há grandes empresas, o maior anunciante é o governo, que acaba se tomando, ele sim, um grande gatekeeper. (OLIVEIRA, 2003, p. 87) Diante destes fatos inegáveis, observa-se os filtros por que passa uma notícia até chegar ao seu destino, a sociedade. E estes filtros é que darão o ‘tom’, e a ‘realidade’ a que tivermos acesso, será apenas uma versão dos fatos, neste caso, em particular, a versão do poder... Analisemos, pois, mais ou menos, como isto funciona na prática. Para tanto, tomemos como objeto de estudo dois jornais: A folha do Amapá e a Gazeta. Deles, um mesmo fato é destacado, refere-se ao acontecido no dia treze de outubro de 2005, uma manifestação realizada a favor do senador João Capiberibe, que teve seu mandato cassado por acusação de compra de votos. Leve-se em consideração, que este Senador, por sinal ex-governador, é dono do primeiro jornal em questão, enquanto que o segundo jornal tem como forte anunciante o governo atual. Vejamos o que diz o título de cada Matéria: Gazeta, em 13/11/05 27 Folha do Amapá, em 13/11/05 È incrível a disparidade entre os títulos. Quem estará dizendo a verdade? Passemos ao primeiro parágrafo de cada matéria: A Gazeta, em 13/10/05 Folha do Amapá em, 13/10/05. T considera-se o ato ‘público’ um sucesso, inclusive destacando-se o número de manifestantes. Será que alguém está mentindo nesta história? Bem, nota-se que o primeiro jornalista destacou o fato num determinado local, o aeroporto e num momento do dia, o início da tarde, quando a manifestação também estava no início. Não estavam ainda os quinze mil, anunciados no segundo texto, que ainda haveriam de chegar, à noite e... à propósito, num outro local, a Praça Zagury. Também a forma como ambos iniciam suas matérias merece ser observada. No primeiro texto o jornalista destaca, antes de qualquer 28 coisa, que o Senador em questão não deve ser nenhum santo, quando afirma: “(...) ato público do Senador cassado por compra de votos, João Capiberibe (...)”. Nota-se que a acusação vem antes mesmo até do nome do cidadão... Além disso, quando o autor do texto se refere à manifestação causa a impressão desta não partir espontaneamente da comunidade, e sim do próprio Senador, quando diz: “(...) ato público do Senador (...)”. Já no segundo texto... em nenhum momento é citado o motivo da manifestaçãocassação do mandato, por compra de votos. E ainda, refere-se à manifestação, como um ato solidário do povo ao afirmar: “Ato público na Praça Zagury (...) em apoio ao senador João Capiberibe.” Este aspecto fica ainda mais evidente no corpo da matéria, cujo trecho segue logo abaixo: de forma completamente diferente, nenhuma delas está necessariamente mentindo, mas, omitindo... sim, já que o primeiro não divulga informações que contém no segundo e vice-versa, o que é normal, uma vez que são pontos de vista. Apenas, reforçam o que já foi dito antes: “Em todo texto jornalístico há algum tipo de subjetividade, seja ele de origem pessoal ou organizacional.” (Ibid 2003, p. 87), ou mesmo as duas coisas juntas. As imagens publicadas a respeito do acontecido são igualmente interesssubjetivas e parciais quanto os devidos textos à que se referem. 29 Imagem publicada na Gazeta, em 13/11/05. (Texto I) Fig. 1 Nesta imagem os indivíduos estão enfileirados, sérios, com posturas tensas, como se estivessem apreensivos. Por um momento dá até pra acreditar que estão participando de um velório. Além disso, o senador está quase que escondido no meio dos outros, ‘no canto’, por sinal, o lado esquerdo. Tem seu rosto encoberto por uma sombra. Sua expressão não é nada otimista. 30 Imagem publicada na Folha do Amapá, em 13/11/05 (Texto II) Fig.02 Já nesta segunda imagem, o clima é de festa, os braços estão erguidos em sinal de vitória, todos sorriem. Também se destaca o branco da roupa do senador, dando uma noção de limpeza e paz. Estas fotos foram tiradas em momentos diferentes, e são reais no sentido em que comprovam que o instante fotografado realmente ocorreu. Com relação à mensagem que Conotam, esta tem a ver com o ponto de vista de cada fotógrafo, e é claro, na escolha do que publicar pesou a linha editorial de cada jornal. É importante citar, que embora as matérias analisadas abordem um tema político, um jornal não é feito inteiramente deste tema. (mesmo que de suas páginas ecoe ideologia) Nele também circulam textos que são observados como fatos corriqueiros (ao menos aparentemente) como, por exemplo, um acidente de trânsito, um suicídio, e etc. E mesmo 31 que alguns autores concordem que em um “tipo de acontecimento que afeta apenas um pequeno grupo de pessoas, sem maior incidência política ou social, ainda permita o exercício da objetividade.” (ROSSI, 1994, p. 10), de acordo com o descrito no inicio deste capítulo, é de se discordar, pois, mesmo nas matérias consideradas corriqueiras, o jornalista terá descrito um fato de acordo com o ângulo observado. Por exemplo, ele não irá colocar em seu texto tudo que um determinado entrevistado lhe confidenciou, mas, apenas aquilo que ele mesmo considera como a informação principal. Até porque seu texto precisa ter um limite de caracteres, que o fará cortar ‘o menos importante’. Ocorre que os critérios de definição correspondentes ao grau de importância que se dá a algo, são pessoais e dependentes, num primeiro momento, da visão que se tem de mundo. Também o lugar que este fato ocupará no jornal, sua posição na página, etc. são de caráter puramente subjetivos. No mais, esses fatos considerados corriqueiros fazem parte de uma realidade maior. E estão interligados a um milhão de outros fatos. São analisáveis sob milhões de possibilidades de perspectivas. Um suicídio cometido por alguém, por exemplo, pode ser encarado como fato corriqueiro ou não. Se o enfoque do texto for dado a uma determinada estatística, que comprove que todos os suicídios estão ligados à depressão, que esta depressão está ligada a uma crise política, tráfico de drogas ou a falta de perspectiva profissional, então a angulação é outra, este fato deixará de ser corriqueiro e passará a esfera política ou social. Este é só um exemplo, porque o enfoque poderia ser dado também na área da saúde, e por aí vai. Desta mesma forma acontece com acidentes de trânsito, homicídios, etc. 3.1 Por fim, ‘o’ despertar... Levando em consideração o exposto, com relação às matérias analisadas, não dá pra constatar, portanto, que entre estas duas versões, apenas uma seja verdadeira. O ângulo de visão que foi dado ao fato por cada uma delas é quem definiu o resultado final. Resultado este que será verdadeiro se as afirmações corresponderem de maneira ética e fiel ao acontecido. Mesmo que destacando apenas um ponto de vista. Mas o problema não está exatamente em se apresentar versões à sociedade, e sim em divulgar estas versões como sendo ‘a verdade absoluta’ dos fatos, considerando especialmente a fonte de origem destas informações: conglomerados econômicos ou grupos políticos. E sendo a sociedade, de uma forma geral, desprovida de meios para 32 averiguar tais informações, esta permanecerá vulnerável e passível de ser levada a uma realidade que desconhece a sua própria. Dentro deste contexto, parece lógico afirmar que, “criar jornais é encontrar uma forma de elevar a uma alta potência o interesse que têm indivíduos ou grupos em afirmar publicamente suas opiniões e informações. É uma maneira de se dar eco às posições pessoais, de classe ou de nações através de um complexo industrial-tecnológico, que além de preservar uma suposta impessoalidade, afirma-se, pelo seu poder e soberania, como ‘a verdade’”. (MARCONDES FILHO, 1998, p.11). Por outro lado, a esfera pública popular não encontra um espaço seu que mostre a ‘outra face da realidade’, não com a mesma ênfase de um grande jornal diário ou uma estação de TV que monopoliza a audiência. Desta forma permanece em desvantagem, mergulhada na ignorância (leve-se em consideração o conceito de ignorância citado no primeiro capítulo deste trabalho). Assim, As únicas opiniões diversificadas que têm livre acesso aos grandes monopólios de comunicação são as dos próprios membros dos poderes a ela associados e dos que em torno dela circulam. (...) Se a imprensa é livre, se é objetiva, se representa todos os setores da sociedade, são questões colocadas, não pelos grupos dominados, mas pelos próprios detentores do poder, na medida em que se vêem ameaçados por outras informações que põem em risco seu monopólio, venham elas da base da sociedade ou de grupos adversários. (MARCONDES FILHO, 1998, p.11). Desta maneira, atuando junto com o jornalismo, estas forças econômicas e sociais, dão as suas opiniões, subjetivas e particulares, o caráter de ‘objetividade’. Definir o que vai sair, com que destaque, escolher a angulação, a manchete, a posição na página, e etc..corresponde a um ato de seleção e exclusão, uma opção ideológica e pessoal, que obedece os critérios já alisados neste capitulo sobre as teorias que norteiam a lógica de produção das notícias.Também como já foi dito, estes processos tornam o jornal um veículo de reprodução parcial da realidade. E ao receber o tratamento, que ocorre dentro da organização e que irá adaptá-la as normas mercadológicas de generalização, padronização, simplificação e negação do subjetivismo, a notícia torna-se mercadoria passível de consumo, fazendo parte da lógica capitalista. Servindo acima de tudo, para legitimar este sistema. Não dá, portanto, para ignorar que a imprensa é um meio de manipulação ideológica de grupos e de poder social, bem como uma forma de poder político, que só é compreensível ao desvendar de sua lógica. “Essa lógica supõe três dimensões (...): a inserção da notícia como fator de sobrevivência econômica (infra- 33 estrutural, portanto) do veículo (como mercadoria), como veiculador ideológico e como estabilizador político”. (MARCONDES FILHO, 1998, p.11). É preciso esclarecer que não necessariamente, a produção ideológica é o objetivo próprio do editor do jornal, mas parte do princípio de maximização dos lucros. Por fim, diante de todo conteúdo deste trabalho, considera-se que “a possibilidade de se possuir ‘a verdade’, é falsa e tende ao discurso dogmático; a objetividade é impossível”. (MARCONDES FILHO, 1998, p.14). 34 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir de tudo que foi analisado, pode-se concluir que, velhos conceitos como objetividade, imparcialidade e neutralidade, não se adequam à prática jornalística. Pois como ser humano todo jornalista sempre terá acesso apenas a um ângulo do fato, o que fará de sua descrição, parcial. Sua linguagem nunca será neutra, pois a de ninguém é, uma vez que esta resulta de processos internos, ligados a todo aprendizado adquirido durante a vida. “Ela comporta uma estrutura essencialmente intencional. (...) Quer marcar intenções, idéias, sentimentos, coisas, etc. (...) pode-se dizer, com boa razão, que a linguagem é o instrumento ideal da intencionalidade essencial do homem.” (MODIM, 1980, p. 36). Também o caráter subjetivo estará por toda parte, como foi dito e demonstrado. Por fim, onde estará a verdade jornalística se estes conceitos não são coerentes? A verdade... ah! A verdade! Eterna busca filosófica... Ela existe, mais é inalcançável, ao menos em todas as suas dimensões, daí porque temos acesso apenas a pontos de vista. Não que estejamos vivendo necessariamente uma mentira, mas sim, que temos acesso apenas a partes da verdade. Versões. Que não serão verdadeiras apenas por serem versões, mas por corresponderem de forma adequada ao fato à que dizem respeito. No mais, como foi citado no primeiro capítulo deste trabalho se, (...) uma mesma pessoa, durante uma semana, lesse de manhã, quatro jornais diferentes e ouvisse três noticiários de rádios diferentes; à tarde, freqüentasse duas escolas diferentes, onde os mesmos cursos estariam sendo ministrados; e à noite, visse os noticiários de quatro canais diferentes de televisão, para que, comparando todas as informações recebidas, descobrisse que elas não batem; umas com as outras, que há vários mundos e várias sociedades diferentes dependendo da fonte de informação (...) (CHAUÍ, 2001, p 91) Provavelmente sua visão de mundo aumentaria e sua noção de realidade também. Assim como Neo e seu bando, perceberia com mais clareza o mundo. Estaria de certa forma, liberta. Ocorre que, a realidade a que se tem acesso, de uma forma geral, é a realidade do ponto de vista do poder. Uma vez que, por motivos já esclarecidos anteriormente, imprensa e interesses político-sociais, andam lado à lado. No entanto, é sempre possível aqui e acolá fugir um pouco a regra. No filme Hitler, a Trajetória do Demônio, embora toda a imprensa alemã fosse controlada pelo governo deste país, um jornalista conseguia driblar a organização para a qual trabalhava e publicar, mesmo que 35 com muita dificuldade, opiniões contrárias, e até mesmo segredos de guerra, confidenciados por sua fonte. Este jornalista foi perseguido, ameaçado, e por fim, morto em um campo de concentração. Porém, os textos que conseguiu publicar influenciaram a mentalidade de muita gente, e se não pode salvar sua própria vida, salvou a de muitos outros ao colaborar com o desfecho final história, não muito agradável para Hitler. Triste é constatar, ao final desta pesquisa, que, trabalhamos para as estruturas de poder dominante. Que como comunicadores, especificamente, jornalistas, somos os peões construtores de toda esta realidade constituída para legitimar o poder... De qualquer forma, assim como o jornalista opositor, o futuro cabe a nós. ‘Tome a pílula vermelha’! (IRWIM, 2003) (...) a libertação de Neo da ignorância é dolorosa. Ele sente agonia tanto física quanto mental. Seus olhos doem porque, na verdade nunca os usou antes. (IRWIM, 2003, p 195) 36 REFERÊNCIAS BORDENAVE, Juan E. Díaz. O que é Comunicação 10 ed. São Paulo: Brasiliense. 19994. 105 p. CHAUI, Marilena. Um Convite à Filosofia, 13 ed. São Paulo: Ática. 2001. 245 p. DUARTE JR, João Francisco Duarte. O que é Realidade, 10 ed. São Paulo: Brasiliense. 1994. 101 p. IRWIN, William. Matrix: Bem-Vindo ao Deserto do Real, 1ª ed. São Paulo: Madras, 2003. 296 p. MARCONDES FILHO, Ciro. O Capital da Notícia, 1ª ed. São Paulo: Ática. 1998. 188 p. MATRIX, Produção de: Joel Silver, Cidade: Editora, 1999. 1 DVD. MONDIN, Batista. Introdução à Filosofia, 14 ed. São Paulo: Paulus. 2003. 300 p. OLIVEIRA, Ivan Carlo. Critérios de Escolha de Notícias no Jornalismo Amapaense, Macapá. 2003. 89 p. ROSSI, Clovis. O que é Jornalismo, 10 ed. São Paulo: Brasiliense. 1994. 87 p. 37 Sobre a autora: Ronelli Aragão Ferreira é uma pessoa cheia de sonhos e grandes ideais, que tenta através da criatividade buscar uma forma diferente de ver e estar no mundo, aplicando sua experiência acadêmica na vida cotidiana, e vice-versa. Tem Deus como norte, e a busca da sabedoria como meta, valores absorvidos desde a infância na convivência familiar. No mais, todo o restante é relativo, verdades discutíveis e passíveis de reformulação pós-reflexória. Flexível e aberta a novas experiências, procura se adaptar à evolução do mundo na Era da informação, na busca de um crescimento interior que fortaleça sua vida como um todo. Nasceu em São Paulo, no ano de ...bem...esta não é uma informação necessariamente relevante!!! O fato é que, cresceu no Estado do Amapá, onde graduou-se em Comunicação com bacharelado em jornalismo, pela Faculdade SEAMA. Atualmente é pós-graduanda em Docência do Ensino Superior pela Faculdade CETE (Faculdade de Tecnologia do Amapá). Trabalha na rádio comunitária ‘Novo Tempo’, como locutora e produtora de um programa cultural, denominado Sintonia Mix. Participou de alguns festivais de vídeo, como diretora e roteirista dos vídeos: “Liberdade de expressão é tudo” e “Ensaio da vida real”, com os quais recebeu alguns prêmios. Nas horas vagas é também atriz, desenhista e vocalista de uma banda de Rock. Ainda não é mestra, nem doutora, também não publicou obras importantes, mas como a sogra e a esperança são as últimas que morrem, ela continua na expectativa... 38 39