Referência: Saberes e Práticas da Inclusão: Introdução MEC/SEESP TEXTO 01 MEC/SEESP. O Percurso histórico: da segregação à inclusão. In: MEC/SEESP. Saberes e práticas da inclusão: Introdução. 2000. p. 9-16. 1. O percurso histórico: da segregação à inclusão A deficiência como fenômeno humano individual e social é determinada em parte pelas representações socioculturais de cada comunidade, em diferentes gerações, e pelo nível de desenvolvimento científico, político, ético e econômico dessa sociedade. As raízes históricas e culturais do fenômeno deficiência sempre foram marcadas por forte rejeição, discriminação e preconceito. A literatura da Roma Antiga relata que as crianças com deficiência, nascidas até o principio da era cristã, eram afogadas por serem consideradas anormais e débeis. Na Grécia antiga, Platão relata no seu livro A república que as crianças mal constituídas ou deficientes eram sacrificadas ou escondidas pelo poder público. A Idade Média conviveu com grandes contradições e ambivalência em relação às atitudes e sentimentos frente à deficiência. Os deficientes mentais, os loucos e criminosos eram considerados, muitas vezes, possuídos pelo demônio, por isso eram excluídos da sociedade. Aos cegos e surdos eram atribuídos dons e poderes sobrenaturais. No pensamento dos filósofos cristãos, a crença também oscilava entre culpa e expiação de pecados e, finalmente, como Santo Tomás de Aquino, a deficiência passa a ser considerada como um fenômeno natural da espécie humana. Essas contradições geravam ambivalência de sentimentos e atitudes que iam da rejeição extrema, passando por piedade e comiseração e até a superproteção, fazendo com que surgissem assim as ações de cunho social, religioso e caritativo de proteção e cuidados como: hospitais, prisões e abrigos. No Renascimento, com o surgimento das ciências, as concepções racionais começavam a buscar explicações para as causas das deficiências, que foram consideradas do ponto de vista médico como doenças de caráter hereditário, males físicos ou mentais. Historicamente, a educação de pessoas com deficiência nasceu de forma solitária, segregada e excludente. Ela surgiu com caráter assistencialista e terapêutico pela preocupação de religiosos e filantropos na Europa. Mais tarde, nos Estados Unidos e Canadá, surgiram os primeiros programas para prover atenção e cuidados básicos de saúde, alimentação, moradia e educação dessa parcela da população, até então marginalizada e abandonada pela sociedade. As primeiras iniciativas para a educação de pessoas com deficiências surgiram na França em 1620, com a tentativa de Jean Paul Bonet de ensinar mudos a falar. Forma fundadas em Paris as primeiras instituições especializadas na educação de pessoas com deficiência: a educação de surdos com o abade Charles M. Eppé, que criou o “Método dos Sinais” para a comunicação com surdos. O Instituto Real dos Jovens Cegos, em Paris, fundada por Valentin Hauy, em 1784, destinava-se a leitura tátil pelo sistema de letras em relevo. Mais tarde, em 1834, Louis Braille criou o sistema de leitura e escrita por caracteres em relevo, denominado sistema Braille, abrindo perspectivas de comunicação, educação e independência para as pessoas cegas. As primeiras iniciativas para educação de pessoas com deficiência mental foram do médico Francês Jean Marc Itard, no século XIX, que sistematizou um método de ensino inspirado na experiência do menino selvagem de Ayeron (sul da França), que consistia na repetição de experiências positivas. A primeira instituição pública para educação de crianças com deficiência mental foi residencial, fundada pelo médico francês Edward Seguin, que criou um método educacional originado da neurofisiologia que consistia na utilização de recursos didáticos com cores e músicas para despertar a motivação e o interesse dessas crianças. No Brasil, a primeira escola especial foi criada em 1854, o Imperial Instituto de Meninos Cegos, no Rio de Janeiro e, em 1857, o Instituo Imperial de Educação de Surdos, também no Rio de Janeiro. Sob influencia européia, eles propagaram o modelo de escola residencial para todo o País. Na segunda metade do século XIX e início do século vinte, as escolas especiais proliferaram por toda Europa e Estados Unidos. A educação especial surgiu sob enfoque médico e clínico, com o método de ensino para crianças com deficiência mental, criado pela médica italiana Maria Montessori, no início do século XX. O método Montessori, inspirado na rotina diária e na ação funcional, fundamenta-se na estimulação sensório - perspectiva e auto – aprendizagem. Emprega rico e variado material didático como: blocos, cubos e barras em madeira, objetos variados e coloridos, material de encaixe e seriação, letras grandes em lixa e outros. O método Montessori foi mundialmente difundido até hoje é utilizado, inclusive no Brasil, na educação pré – escolar de crianças sem qualquer deficiência. Já em meados do século XX surgem as associações de pais de pessoas com deficiência física e mental na Europa e Estados Unidos. No Brasil, são criadas a Pestalozzi e as APAES, destinadas à implantação de programas de reabilitação especial. Em decorrência do avanço cientifico, as causas e origem das deficiências foram investigadas e esclarecidas na segunda metade do século XX, rompendo assim com a visão mítica e maniqueísta entre o bem e o mal. Embora esses avanços tenham colaborado para a compreensão da deficiência como condição humana e expressão da diversidade entre os homens e natureza, os preconceitos continuam fortes – eles oscilam entre a patologização ora inerente ao indivíduo, ora ao ambiente. Assim, a idade contemporânea é marcada pelo paradigma de cientificidade, do psicológico, da valorização dos testes quantitativos, do treinamento sensorial e motor. A Declaração dos Direitos Humanos (1948) vem assegurar o direito de todos à educação pública, gratuita. Essas idéias, reforçadas pelo movimento mundial de integração de pessoas com deficiência, defendiam oportunidades educacionais e sócias iguais para todos, contribuindo fortemente para a criação dos serviços de educação especial e classes especiais em escolas públicas no Brasil. Surge, dessa forma, uma a política nacional de educação, ancorada na Lei Nº 4.024/61 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB), com a recomendação de integrar, no sistema geral de ensino, a educação de excepcionais, como eram chamadas na época as pessoas com deficiências. A política educacional brasileira na década de 80 teve como meta à democratização mediante a expansão do ensino com oportunidade de acesso das minorias à escola pública. A educação de crianças com deficiência na escola comum ganhou força com o movimento nacional de defesa dos direitos das pessoas com deficiências, que pregava a passagem do modelo educacional segregado para integração de pessoas com deficiências na escola, no trabalho e na comunidade, tendo em vista a igualdade e justiça social. Por meio desse mecanismo democrático, fundado na política de descentralização das ações, são criados os conselhos estaduais, municipais e associações de defesa dos direitos, integrando representantes dos diferentes setores: saúde, educação, justiça e ação social, trabalho, transportes e comunidade, tendo em vista a formulação de política integrada de desenvolvimento humano. No âmbito da educação infantil e especial, a democratização do ensino traz consigo o conceito de educação como direito social, passando do modelo médico do cuidar, do clínico e terapêutico para a abordagem social e cultural que valoriza a diversidade como forma de aprendizagem, de fortalecimento e modificação do ambiente escolar e da comunidade para a promoção da aprendizagem. Nesse enfoque sociológico, o meio, o ambiente inadequado e a falta de condições materiais são também fatores produtores de limitação e determinantes do fracasso escolar. Na esfera política e da descentralização do poder, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, recomendam a colaboração entre União, Estados e Municípios para que seja efetivamente exercitado no País o debate de idéias e o processo de decisões acerca de como devem se estruturar os sistemas educacionais e quais procedimentos de controle social serão desenvolvidos (BRASIL, 2001 a). Embora haja avanços na esfera conceitual, as representações míticas, os preconceitos e estereótipos acerca das pessoas com deficiência construídos culturalmente determinam e expressam nossas atitudes e ações consciente ou inconscientes no contexto familiar, escolar ou comunitário. Essas barreiras atitudinais são, por vezes, evidenciadas pelos mecanismos de negação das possibilidades dessas pessoas, fortemente firmados no conceito de limitação e incapacidade, manifestos pelo assistencialismo e paternalismo ainda vigentes em nosso meio. Esse é o grande desafio que a educação inclusiva se propõe a romper... 2. Educação inclusiva: dimensão sociocultural e política O conceito de inclusão como vimos em sua evolução sociohistórica aponta para a necessidade de aprofundar o debate sobre a diversidade. Isso implicaria em buscar compreender a heterogeneidade, as diferenças individuais e coletivas, as especificidades do humano e, sobretudo as diferentes situações vividas na realidade social e no cotidiano escolar. Essa discussão passa necessariamente pela reflexão sobre os conceitos historicamente construídos acerca dos alunos com deficiências, cristalizados no imaginário social e expressos na prática pedagógica centrada na limitação, nos obstáculos e nas dificuldades, que se encontram, muitas vezes, ainda presentes na escola. A inclusão está fundada na dimensão humana e sociocultural que procura enfatizar formas de interação positivas, possibilidades, apoio às dificuldades e acolhimento das necessidades dessas, tendo como ponto de partida a escuta dos alunos, pais e comunidade escolar. Essas duas dimensões fazem nosso olhar convergir para o interior da escola, fazendo então surgir à necessidade de se compreender quais seriam as reais dificuldades que os alunos com necessidades educacionais especiais encontram na classe comum. O que significa realmente educação para todos? Em que implicaria, na realidade, a igualdade de oportunidades? Quais as demandas e necessidades que emergem no processo de aprendizagem? Como a escola tem se organizado para responder a essas demandas e necessidades? Como se dá a prática pedagógica para a diversidade? Qual é o nível de participação dos alunos, pais e comunidade na elaboração do projeto político pedagógico e na tomada de decisões? Essas são algumas das inquietações e dúvidas que os professores têm manifestado para as quais ainda todas as respostas, mas juntos, talvez possamos encontrar alguns caminhos para ações práticas e implementação de um projeto de educação verdadeiramente inclusivo. 2.1. Política de inclusão: implicações e contradições A matriz da política educacional de inclusão é a Declaração mundial de educação para todos, resultado da Conferência de Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e o Plano decenal de educação para todos (BRASIL, 1993). A Declaração mundial de educação para todos propõe uma educação destinada a satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem, o desenvolvimento, e a pleno das potencialidades humanas, a melhoria da qualidade de vida e do conhecimento, e a participação do cidadão na transformação cultural de sua comunidade (Declaração de Educação para todos, art. 1º). Esses conceitos foram aprofundados e divulgados com a Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais (BRASIL, 1994), que traz importante modificação nos objetivos e formas de atendimento na educação especial. A meta é incluir todas as crianças, inclusive as que têm deficiências graves ou dificuldades de aprendizagem, no ensino regular (BRASIL, 1994, pp.17 e 18). Nessa linha de ação, surge o conceito de “necessidades educacionais especiais”, que refere-se a todas as crianças ou jovens cujas necessidades decorrem de sua capacidade ou de suas dificuldades de aprendizagem e têm, portanto, necessidades educacionais em algum momento de sua escolaridade. Assim, o desafio que enfrentam as escolas é o desenvolvimento de uma pedagogia centrada na criança (BRASIL, 1994, pp. 17-18). Esse conceito é bastante abrangente, tomando-se importante que a escola esteja alerta para que não sejam projetadas nas crianças as limitações e as inadequações metodológicas que se configuram, muitas vezes, como dificuldades de aprendizagem ou deficiências do aluno. A escola deve buscar refletir sobre sua prática, questionar seu projeto pedagógico e verificar se ele está voltado para diversidade. O movimento da inclusão considera necessária uma política pública que tenha como objetivo a modificação do sistema, a organização e estrutura do funcionamento educativo, e a diversidade como eixo central do processo de aprendizagem na classe comum. Essa mudança de concepção baseia-se na crença de que as mudanças estruturais, organizacionais e metodológicas poderão às necessidades educativas e beneficiar todas as crianças, independentemente de apresentarem qualquer tipo de deficiência. Por outro lado, não se pode negar as deficiências e as restrições delas provenientes. Por isso, as Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica (BRASIL, 2001 a) determinam que os sistemas escolares se organizem para o atendimento na classe comum, mediante a elaboração de projetos pedagógicos orientados pela política da inclusão. No projeto político pedagógico deve estar claro o compromisso da escola com êxito no processo de ensino e aprendizagem, com o provimento de recursos pedagógicos especiais necessários, apoio aos programas educativos e capacitação de recursos humanos para atender às demandas desses alunos (BRASIL, 2001 a). Nesse sentido, o Plano decenal de educação para todos (BRASIL, 1993) e as diretrizes e estratégias e orientações para a educação de crianças com necessidades educacionais especiais em creche e pré-escolas orientam a criação de programas de intervenção precoce em escolas ou instituições especializadas públicas ou privadas, estabelecendo convênios e parcerias com as áreas de saúde e assistência social, para avaliação, identificação das necessidades específicas, apoio, adaptações, complementações ou suplementações que se fizerem necessárias, tendo em vista o desenvolvimento das potencialidades e o processo de aprendizagem dessas crianças. Apesar desse avanço conceitual, é necessário reconhecer a necessidade de articulação das políticas e de ações práticas efetivas e integradas entre os setores governamentais que desenvolvem essas políticas, para que as crianças com necessidades educacionais especiais tenham acesso aos recursos e equipamentos especiais necessários ao processo de desenvolvimento e aprendizagem no âmbito da educação infantil. Os focos da política pública integrada devem ser: o desenvolvimento humano, a equidade das oportunidades educativas e a participação de todos. Enfatizando o eixo da humanização, e do conhecimento não pode ser desfocado de uma política de educação infantil que se diz democrática. 3. Integração e inclusão, diferentes conceitos e práticas? O conceito de integração tem origem no principio ideológico e filosófico da normalização, criado na Dinamarca por Bank-Mikel Kelsen (1959) e amplamente adotado na Suécia, em 1969. Esse conceito defendia, para as crianças com deficiências, modos de vida e condições iguais ou parecidas com as dos membros da sociedade. A idéia de normalização, como foi proposta, subentendia não tomar o individuo “normal”, mas torna-lo capaz de participar da corrente natural da vida, inclusive da escola. Surge, daí, o princípio de oferecer condições e oportunidades iguais do ponto de vista educacional, e atividades sociais mais amplas, o que, na década de 70, nos EUA e em outros países, era denominado mainstreaming, que significa integrar as pessoas com deficiências à corrente principal da vida. Nesse conceito, a educação deveria ocorrer em ambiente o menos restritivo possível, e o atendimento às necessidades individuais realizado preferencialmente no ensino regular. Somente os alunos com deficiências mais graves seriam encaminhados para escolas especiais. O conceito da integração, segundo Kaufman (1975) e Warnock (1978, apud MAZZOTA, 1982 e CARVALHO, 1997) apresentavam três dimensões abrangentes: ? Integração Física: envolve o espaço e o tempo de convivência no mesmo ambiente. Assim, quanto maior fosse a oportunidade de convivência, melhor seriam os resultados, desde que a escola e o ambiente fossem preparados adequadamente e a integração ocorresse de forma “gradativa”. A outra dimensão, “locacional”, é a de que crianças matriculadas na escola comum disponham de classes especiais ou salas de recursos organizados para a educação especial, onde seriam preparadas para a integração. ? Integração Funcional: a utilização dos mesmos recursos educacionais disponíveis no ensino comum. ? Integração Social: diz respeito ao processo de interação com o meio, à comunicação e à inter-relação por meio da participação ativa nos grupos, na escola e na comunidade. Embora a proposta de integração plena estivesse voltada para a inserção do aluno na classe comum e na comunidade, a educação de crianças com deficiências acabou acontecendo de forma paralela em instituições especializadas ou em classes especiais. Chega assim, ao nosso meio, o movimento da inclusão com a divulgação da Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994), sob o patrocínio da UNESCO, cujas linhas de ação visam ao seguinte universo conceitual: “O termo necessidades educacionais especiais refere-se a todos aquelas crianças ou jovens cujas necessidades se originam em função de deficiências ou dificuldades de aprendizagem. As escolas têm de encontrar maneira de educar com êxito todas as crianças, inclusive as que têm deficiências graves”.(BRASIL, 1994, pp.17-18). Observa-se, nesse conceito, uma mudança de foco, que deixa de ser a deficiência e passa a centrar-se no aluno e no êxito do processo ensino e aprendizagem, para o qual o meio ambiente deve ser adaptado às necessidades específicas do educando, tanto no contexto escolar e familiar, como no comunitário. Esses conceitos revelam que integração e inclusão não são sinônimas, mas metáforas distintas que contêm imagens e praticas diferente. Assim, a metáfora do “sistema de cascata”, no conceito da integração, sugere o atendimento às diferenças individuais nas classes especiais, salas de recursos ou serviço itinerante mediante a preparação gradativa do aluno para o ensino comum. A ênfase recai, portanto, na adaptação do aluno, e não na modificação do ambiente. Já o princípio filosófico da inclusão é definido pela metáfora do “caleidoscópio”, cuja imagem sugere uma composição mais rica pela combinação e diversidade das partes e pelo movimento, obtendo-se composições novas e mais complexas. Assim também as crianças se desenvolvem, aprendem e evoluem melhor em um ambiente rico e variado. A metáfora da inclusão sugere a imagem de uma escola em movimento, em constante transformação e construção, de enriquecimento pelas diferenças. Esse movimento, em constante transformação e construção, de enriquecimento pelas diferenças. Esse movimento implica: mudança de atitudes, constante reflexão sobre a prática pedagógica, modificação e adaptação do meio e, em nova organização da estrutura escolar. Há autores, no entanto, que propõem a inclusão de forma mais radical, discordando da validade de adaptações e complementações e complementações curriculares, enfatizando a necessidade de se rever à prática pedagógica para que seja especializada para todos os alunos. Essa dimensão humana e antropológica é ideal, desejável por muitos pais e professores, mas há ainda, um longo caminho a ser percorrido, principalmente com relação à formação de professores, em direção à educação para diversidade. Essa é uma questão bastante contraditória, por isso merece um amplo debate entre os estudiosos e os envolvidos: alunos, professores, família e comunidade. 4. Princípios e fundamentos para construção de uma escola inclusiva A inclusão é um processo complexo que configura diferentes dimensões: ideológica, sociocultural, política e econômica. Os determinantes relacionais comportam as interações, os sentimentos, significados, as necessidades e ações práticas; já os determinantes materiais e econômicos viabilizam a reestruturação da escola. Nessa linha de pensamento, a educação inclusiva deve ter como ponto de partida o cotidiano: o coletivo, a escola e a classe comum, onde todos os alunos com necessidades educativas, especiais ou não, precisam apreender, ter acesso ao conhecimento, à cultura e progredir no aspecto pessoal e social. Estudos e experiências realizadas em escolas que estão obtendo êxito no projeto de inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais na escola regular apontam princípios e fundamentos: ? O princípio da identidade: a construção da pessoa humana em todos seus aspectos: afetivo, intelectual, moral e ético; ? A sensibilidade estética diz respeito à valorização da diversidade para conviver com as diferenças, com o imprevisível, com os conflitos pessoais e sociais, estimulando a criatividade para a resolução dos problemas e a pluralidade cultural; ? Toda criança pode aprender, tornar-se membro efetivo da classe regular e fazer parte da vida comunitária; ? A construção de laços de solidariedade, atitudes cooperativas e trabalho coletivos proporcionam maior aprendizagem para todos; ? A inclusão significa transformação da prática pedagógica: relações interpessoais positivas, interação e sintonia professor–aluno, família- professor, professor-comunidade escolar e compromisso com o desempenho acadêmico; ? A inclusão depende da criação de rede de apoio e ajuda mútua entre escolas, pais e serviços especializados da comunidade para a elaboração do projeto pedagógico; ? O projeto pedagógico deve garantir adaptações necessárias ai currículo, apoio didático especializado e planejamento, considerando as necessidades educacionais de todos os alunos e oferecendo equipamentos e recursos adaptados quando necessários; ? O professor da classe regular assume a responsabilidade pelo trabalho pedagógico e recebe apoio do professor especializado, dos pais e demais profissionais envolvidos para a identificação das necessidades educacionais especiais, a avaliação do processo de desenvolvimento e aprendizagem e o planejamento de metas; ? O sucesso do processo de aprendizagem depende do projeto de inclusão, com trabalho cooperativo entre o professor regular e o professor especializado na busca de estratégias de ensino, alternativas metodológicas, modificações, ajustes e adaptações na programação e atividades; ? A modificação do processo de avaliação e do ensino: avaliação qualitativa dos aspectos globais como competência social, necessidades emocionais, estilos cognitivos, formas diferenciadas de comunicação, elaboração e desempenho nas atividades; ? Uma maior valorização das possibilidades, das aptidões, dos interesses e do empenho do aluno para a realização das atividades, participação nos projetos e trabalhos coletivos; ? A priorização, além do acesso à cultura e ao conhecimento, do desenvolvimento da autonomia e independência e autoconceito positivo pela participação social; ? A escola e sala de aula devem ser um espaço inclusivo, acolhedor, um ambiente estimulante que reforça os pontos fortes, reconhece as dificuldades e se adapta às peculiaridades de cada aluno; ? Uma gestão democrática e descentralização com repasse de recursos financeiros diretamente à escola para reestruturação e organização do ambiente, da sala de aula, e para as adaptações que se fizerem necessárias; ? O êxito do processo de aprendizagem e da inclusão depende da formação continuada do professor, de grupo de estudos com os profissionais envolvidos, possibilitando ação, reflexão e constante redimensionamento da prática pedagógica. 5. O projeto político-pedagógico e a diversidade na educação infantil O projeto pedagógico para diversidade se constitui em um grande desafio para o sistema educativo como um todo, que deve pensar a aprendizagem não apenas na dimensão individual, mas de forma coletiva. Essa é a função social da escola, manifesta nas formas de interação entre pessoas, escolas, família e comunidade. Assim, as crenças, as intenções, as atitudes éticas, os desejos, as necessidades, as prioridades dos alunos com necessidades educacionais especiais deverão ser discutidos pela comunidade escolar e inscritos no projeto pedagógico para a diversidade. Torna-se importante pontuar que a educação inclusiva não se faz apenas por decreto ou diretrizes. Ela é construída na escola por todos, na confluência de várias lógicas e interesses sendo preciso saber articula-los. Por ser uma construção coletiva, ela requer mobilização, discussão e ação organizacional de toda a comunidade escolar, e encaminhamentos necessários ao atendimento das necessidades específicas e educacionais de todas as crianças. Ela requer ainda uma ação complementar no contexto social por meio de trabalho conjunto com os serviços de apoio da educação especial, que também são responsáveis pela articulação e interface com os diferentes setores: saúde, ação social, justiça, transporte e outros. Trata-se, então, de um projeto político-pedagógico com ações integradas de atenção, cuidado e educação, cabendo à instituição educacional tomar iniciativa e reunir as ações inter-setoriais de saúde e seguridade social que atendam às necessidades de desenvolvimento e aprendizagem na primeira infância. Para que se avance nesse sentido, é necessário que os Municípios se organizem para formular uma política educacional inclusiva e a escola elabore um projeto pedagógico que ultrapasse a visão assistencialista de educação compensatória. Essa superação depende da criação de centros de educação infantil com creches e pré-escola que integrem o cuidado e valorizem a educação como forma de socialização, autonomia moral, desenvolvimento de competências e participação na vida cultural da comunidade. A transformação desses conceitos é que se constituem, na realidade, o grande desafio para elaboração do projeto político pedagógico na educação infantil. A partir desse principio, é fundamental compreender a importância e a necessidade da formulação de projetos pedagógicos que enfatizem a formação humana, o respeito mútuo, as competências e a promoção da aprendizagem, contemplando as necessidades educacionais especificas de todos os educandos. A implementação de um projeto para educação inclusiva demanda vontade política, planejamento e estratégias para capacitação continuada dos professores do ensino regular em parceria com professores especializados, dirigentes e equipe técnica dos centros de educação infantil, visando construir e efetivar uma prática pedagógica que lide com níveis de desenvolvimento e processos de aprendizagem diferenciados, buscando juntos a solução dos conflitos e problemas que surjam nesse processo.