O ENIGMA DA INCLUSÃO: DAS INTENÇÕES ÀS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS FERREIRA, Maria Elisa Caputo - UFJF GT: Educação Especial /n.15 Agência Financiadora: Não contou com financiamento A possibilidade de traçar novos caminhos As observações e reflexões, ao longo de minha experiência acadêmica e profissional, inspiraram os temas principais deste estudo. Tenho constatado que, nos últimos anos, a sociedade vem sofrendo inúmeras mudanças. O mundo parece estar alterado, os valores mudaram, as pessoas estão diferentes, o estilo de vida parece outro. Nesse início do século XXI, fala-se muito em 3º milênio, new age, nova consciência, globalização, qualidade de vida, ecologia, cibernética. Paralelamente, associamos aos costumes cunhados pela cultura no decorrer dos séculos as novas descobertas e diferentes vivências no campo da sexualidade, da religião, da moral, da educação, da vida social, de uma maneira geral. Vivemos, é certo, um outro momento. Como diz e crê PRIGOGINE (1996, p. 25), de certo modo, estamos chegando "ao fim da ciência", porque não é mais possível continuar falando unicamente de "leis universais extra-históricas". É preciso acrescentar "o temporal e o local", o que implica o afastamento dos ideais da ciência tradicional. Faz-se necessário revisar conceitos sobre as leis da natureza, a sociedade, o significado pedagógico da instituição escolar, o indivíduo, a noção de igualdade e de diferença. A pertinência em aprofundar e contextualizar os conceitos de Educação, Escola, Ensino Especial, Integração, Educação Inclusiva, entre outros, surgiu a partir do meu trabalho em uma escola de Ensino Especial, como Assistente Social e Professora de Educação Física, onde trabalhei alguns anos e desenvolvi, durante o ano de 1995, minha pesquisa de Mestrado, analisando os “efeitos de um programa ludo-motivado no desenvolvimento perceptivo-motor de crianças com déficits mentais”. O que encontrei e acabei por descobrir nessa época foi diferente do que, num primeiro momento, esperava. Verifiquei que alunos que freqüentavam o Ensino Especial deveriam estar aprendendo junto com todas as outras crianças nas escolas regulares. 2 Partindo dessa constatação anterior, no presente trabalho, meu esforço consistiu em tentar apreender o que vi, senti, pensei e ouvi, durante a pesquisa de campo. Assim sendo, optei por um “mergulho” no cotidiano de uma Escola que se propõe inserir alunos com deficiências em ambiente não-restritivo. O termo “mergulho” foi empregado buscando uma imersão no cotidiano, tentando compreender e fornecer uma visão profunda e, ao mesmo tempo, abrangente e integrada da unidade social complexa que representa a escola. Procurei refletir e escrever recorrendo à utilização da metáfora já que a mesma encontra-se sempre presente no pensamento científico, combinando reflexão e imaginação. Escolhi os termos empregados por ALVES (2001), tomando emprestadas especialmente duas metáforas: a do mergulho, que significa um movimento que difere da simples observação, por acreditar não dever o cotidiano das pessoas que compõem o universo a ser pesquisado ser limitado apenas ao observável superficialmente, pois, à medida que se vai tecendo e descrevendo a realidade, aproximam-se e apreendem-se significados, não só do dito como o não dito (gestos, expressões faciais, pausas, silêncios, risos). A metáfora da rede foi escolhida e vivenciada com o propósito de “tecer” os fios e (des)atar os “nós” do cotidiano e como um desafio que exige trabalhar com maior número de possibilidades, provisórias e imprevisíveis mas, acima de tudo, infinitamente possíveis de se explorar, exigindo do pesquisador destreza e habilidade. Simultaneamente, busquei, no rompimento das tradicionais amarras teóricometodológicas, pesquisar o que, talvez, eu possa não ter percebido, durante anos anteriores de experiência, como educadora e pesquisadora em Instituições de “Ensino Especial”. Atualmente, no decorrer da minha atuação profissional, deparo com aspectos bem diferentes e contraditórios, se comparados ao tipo de discurso apresentado por aqueles que teorizam e trabalham direta ou indiretamente com a deficiência. Situações familiares e rotineiras que realmente espelham a mentalidade embutida no seio das instituições que se propõem trabalhar com a “inclusão”, tais como, valores sobre funções e propósitos da escola, adaptações curriculares, posturas pedagógicas dos professores, psicólogos, orientadores educacionais, supervisoras, secretárias, funcionários técnico-administrativos e demais profissionais responsáveis pelo atendimento ao aluno no contexto escolar. Em resumo, confrontei-me com ramificações relativamente inesperadas e 3 incoerentes em relação ao que significa conceber a educação a partir de um ponto de vista inclusivo. Esse confronto me instigou a refletir e, conseqüentemente, repensar a deficiência não só como eu a percebo, mas também como esta é encarada e vivenciada no ambiente escolar. Essa incursão exploratória no mundo da “escola que procura ser inclusiva” foi inspirada na necessidade de nova avaliação do Ensino, sob a influência de transformações paradigmáticas que defendem a Educação de qualidade para todos. A história das tentativas de mudanças pedagógicas tem centrado a inovação educacional na reforma de métodos, técnicas e programas, deixando intocadas as práticas, a estrutura da instituição, as relações escolares, as posturas profissionais, os tempos e espaços onde se processa a educação do aluno e, ainda, os rituais que dão concretude aos conteúdos intelectuais e formativos da escola. Para ARROYO (1999, p. 161), mudar essa tradição significa "colocar o foco onde acontece a educação", em múltiplos e diversos locais. Além disso, segundo GARCIA (1994, p. 63), a educação precisa ser disseminada no campo social, “a fim de que as experiências possam ser trocadas em um processo criativo de mútua realimentação". Procurei, através desse trabalho, não só demarcar os avanços recentes apresentados em estudos sobre os desafios do Ensino dentro do aspecto prático do encontro pedagógico, como também articular uma construção ampla a respeito da Educação para desvelar e, portanto, decodificar os obstáculos encontrados pelos estudantes com deficiências para obterem, de fato, a possibilidade de aprender. Levando em conta o que tem sido desenvolvido de modo comprometido e sério por estudiosos que propõem a “Educação Inclusiva”, é plausível considerar um quadro de referências sobre o tema que tenha alguma aplicabilidade geral para pesquisar e estudar esse processo de inclusão nas escolas regulares, particularmente as da rede pública em centros urbanos, onde a matrícula e a presença de TODOS os que procuram a escola já constitui uma realidade, regida pela Lei 9.394/96. Busquei, na medida do possível, levar esta investigação para além do que se possa considerar a presença de alunos comprometimentos físicos, sensoriais e/ou mentais dentro da sala de aula regular. Procurei compreender e registrar como esta é pensada e representada nas reuniões pedagógicas, nas festividades, na entrada e saída da escola, nos recreios, nas aulas de Educação Física e na sala dos professores. Procurar entender a representação sobre a “deficiência” na escola exigiu muito cuidado e compreensão de alguns axiomas neste estudo que, até onde pude constatar, pertence aos atributos labirínticos do símbolo. Ou seja, torna-se imperativo 4 acrescentar à análise do comportamento dentro da sala de aula, que constitui o campo teórico da pesquisa tradicional dominante na Educação, a interpretação semiótica, dramatúrgica e fenomenológica. O eixo dessa investigação consistiu em demonstrar as representações do cotidiano desses alunos na escola e examinar as relações implícitas dentro do sistema cultural mais abrangente. Uma análise da Instituição escolar a partir das experiências e das vivências dos atores sociais e dos sujeitos envolvidos na pesquisa sugere explicações e explicitações importantes para uma larga variedade de comportamentos e transações padronizadas que existem dentro da escola pública, urbana e dita “inclusiva”. Examinadas no contexto da ação simbólica, as escolas devem ser estudadas como transmissoras de códigos culturais que denunciam as percepções humanas, bem como a forma de compreensão sobre a deficiência em nosso sistema cultural. Esta observação deve ser levada em consideração pelo pesquisador educacional, ao examinar como aqueles que representam a escola - diretores, professores, funcionários técnicoadministrativos, orientadores, funcionários, pais e alunos - codificam as próprias imagens do “eu”, as imagens do “outro”, as imagens de “igualdade e de diferença”. Este trabalho busca fornecer, essencialmente, uma base fecunda para uma incursão teórico-crítica no domínio do conhecimento da proposta inclusiva. Dentro dos parâmetros desta pesquisa, procurei investigar várias questões, dentre as quais: • A inclusão, em nosso meio, tem se tornado realidade? • Como os profissionais entendem e avaliam o processo de aprendizagem dos alunos nessa Escola que insere crianças com deficiência no Ensino Regular? • Quais são as alternativas técnico-pedagógicas, psicopedagógicas e sociais criadas no Sistema Regular de Ensino, que possam contribuir para o processo de aprendizagem de todas as crianças? • Como a direção, orientação, supervisão, profissionais técnico-administrativos têm se relacionado com os alunos nesse ambiente escolar não-restritivo? • Quais são os fatores que marcam o “sucesso” ou “insucesso” dos alunos em sala de aula? Meu objetivo foi, portanto, verificar os procedimentos adotados, adaptados ou transformados em um Centro de Atenção Integral à Criança – CAIC na cidade de Juiz de Fora –MG, na busca de trabalhar com uma proposta de inserção de todos os 5 alunos que o procuram. A essência desta investigação reside no fato irrefutável de que, só a partir de uma nova visão paradigmática de Educação, de Escola, de currículo, de sujeito, somos capazes de estabelecer um debate sobre a “Educação de qualidade para todos” nas escolas regulares. Válido ressaltar que o foco desta pesquisa residiu não só na análise da realidade da escola que busca inserir alunos(as) com deficiências no sistema regular de ensino, mas também no estudo das transformações paradigmáticas e seus desdobramentos no campo da educação, por meio de reflexão sobre o significado pedagógico da prática escolar analisada através da perspectiva do trabalho sobre/com/no/do cotidiano escolar. Ao mesmo tempo, busquei enfatizar os aspectos culturais ou socialmente construídos acerca da representação sobre a “deficiência” nesse contexto. Interessei-me não apenas com o modo como os alunos adquirem conhecimentos ou se educam através das tentativas das escolas em satisfazer as demandas de suas estruturas corporativas e hegemônicas, mas também busquei explorar a maneira como essas instituições que educam tais crianças com deficiência, em ambiente não-restritivo, servem como sementeiras para uma possível mudança social. Ao longo deste estudo, os conceitos de “igualdade” e de “diferença” foram transformados em ícones com a finalidade de repensar criticamente a educação e a escola como um sistema cultural, um locus para nos tornarmos mais humanos. A instituição escolar, conforme já mencionado, difusora de um sistema de valores universais ou dominantes, apresenta-se intimamente ligada à transmissão ideológica. Além de enfatizá-la como um sistema cultural, a focalizei e analisei como uma história acumulada e busquei, no decorrer do estudo, os elementos com os quais a instituição escolar se construiu, propondo-me enfrentar o desafio de apreender analiticamente o que o cotidiano escolar reúne e “(des)vela”. Nesta investigação, busquei apreender e interpretar a realidade escolar pesquisada e tecer o panorama educacional da mesma, trançando os fios com os parâmetros apresentados anteriormente. Tentei, dessa maneira, focalizar as percepções investigatórias, buscando clarear e elucidar a análise do cotidiano escolar. Finalmente, deve-se estabelecer que esta investigação pretendeu servir como uma “lente” conceitual para se “olhar” a cultura da escola que trabalha sob a perspectiva da “educação que pretende inserir crianças com deficiência” no seu dia-a-dia. 6 Algumas restrições e limitações precisam ser destacadas nessa pesquisa. Em primeiro lugar, este estudo não tenta reconciliar e nem ao menos procurar meio-termo entre posições controvertidas como “Educação Especial” versus “Educação Inclusiva”. Em segundo lugar, não toma para si a difícil e problemática tarefa de apontar para um modelo “ideal de inclusão” que seja melhor do que outro, por não acreditar que exista, até o momento, enquanto posso verificar, nenhum modelo “ideal” de educação. Tentei, na medida do possível, tornar o termo “inclusão” menos polimorfo, descrevendo suas características essenciais e chegando a uma síntese que pode funcionar como um instrumento heurístico e gerar insigths que, talvez, possam contribuir para elucidar e ampliar “os olhares” para as interações na sala de aula. Meu desafio, portanto, consistiu em identificar, apreender e compreender as representações sobre a “inserção de crianças com deficiência” na escola regular nãorestritiva, o que vem sendo, até o momento, enfeitado com associações aparentes, e tentar substituí-las por percepções e reflexões vivenciadas durante o “mergulho” no cotidiano escolar, somadas às idéias dos autores que tratam da questão da “deficiência” e da Educação Inclusiva na contemporaneidade. O olhar possível perante o emaranhado de idéias e a realidade Para a compreensão do cotidiano no interior da escola, pesquisadores, cada vez mais, têm se voltado para as pesquisas qualitativas, ao procurarem proporcionar suporte para a análise e compreensão do que se passa no dia-a-dia escolar, recorrendo permanentemente a diferentes tipos de conhecimento, como a psicologia, a sociologia, a pedagogia, a lingüística e a antropologia. Nessa perspectiva, busquei a interpretação em lugar da mensuração, a descoberta em lugar da constatação. Com isto, foi possível valorizar a indução e assumir que fatos e valores estão intimamente relacionados. Meu trabalho, portanto, não envolveu manipulação de variáveis, nem tratamento experimental, mas o estudo do cotidiano escolar em seu acontecer natural e espontâneo, levando em conta todos os componentes do contexto da educação que buscam propiciar as interações e ou influências recíprocas entre crianças com e sem deficiências. Ao buscar reconstruir processos e relações que permeiam a experiência escolar do dia-a-dia, optei pelo estudo no/do cotidiano escolar porque, além do trabalho de campo, estudos desse tipo exigem um envolvimento intenso e uma interação 7 constante entre pesquisador e objeto pesquisado, o que me permitiu conhecer a escola com mais proximidade. Foi possível, dessa forma, registrar os encontros e desencontros habituais dos atores sociais da escola, apreendendo e retratando a visão pessoal de cada participante desse processo. Entrar em contato com a realidade escolar propiciou-me compreender, com mais clareza, o papel e a atuação de cada componente do processo educacional, percebendo as forças que estimulam ou impedem o relacionamento e a interação dos sujeitos entre si, bem como reconhecer as estruturas de poder e a maneira como se organiza a escola. Durante um ano, em contatos pelo menos semanais, busquei compreender a tessitura do conhecimento sobre a inserção de crianças com deficiência no contexto escolar de um Centro de Atenção Integral à Criança – CAIC – na cidade de Juiz de Fora-MG. Tecendo os fios que conectam a complexidade do real em compasso com o cotidiano Recentemente, o estudo do cotidiano tem sido utilizado como um modelo viável de investigação dentro de uma perspectiva de paradigmas qualitativos, analisado no campo da educação, principalmente em estudos que se propõem a investigar relações e comportamentos complexos e subjetivos, como os que ocorrem no âmbito escolar. Neste caminho, (ALVES e GARCIA, 2000, p.13) vêm indicando “o espaço/tempo do conhecimento criado no cotidiano como insubstituível no que se refere, sobretudo, aos conhecimentos da prática”. Partindo do pressuposto de que o atual momento de pesquisa sobre a escola carece de explicações microssociais para avançar no conhecimento das questões concretas e teóricas que sobre ela se colocam, optei pela pesquisa que tem como foco de interesse questões no/do cotidiano escolar (OLIVEIRA e ALVES, 2001). Pode-se dizer que as pesquisas que se ocupam com o cotidiano escolar em muito têm contribuído para o entendimento do que se passa no interior das escolas, demonstrando a necessidade de novas perspectivas de atuação, tanto por parte dos professores em sala de aula quanto dos psicólogos, supervisores pedagógicos e outros profissionais que se envolvem com a questão da escolarização. Assim, interessa-se pelos processos educacionais, em detrimento de seus produtos. 8 A inclusão da visão do próprio pesquisador, em oposição do distanciamento proposto pela teoria positivista, é considerada como fundamental para delimitar o ponto de partida para propor a análise dos fatos por ele observados. Assim, torna-se indispensável a associação de técnicas de coleta de dados tais como: observação participante, entrevistas não diretivas, análise documental, diário de campo, visita domiciliar, fotografias e filmagens. Selecionando instrumentos viáveis para compor os dados colhidos no dia-a-dia A vida cotidiana não deve ser traduzida por meio de explicações gerais a respeito de sua dinâmica e escorregadia riqueza. Organizar e traduzir em linguagem compreensível o que nela ocorre tem sido um desafio para os pesquisadores e estudiosos das mais diversas áreas. Observa-se tentativa de selecionar e organizar, sistematizar e analisar, ordenar e explicar, de modo compreensível, dados complexos, interrelacionados, misturados e articulados, muitas vezes, de modo incompreensível OLIVEIRA (2001, p. 40). Dessa forma, quando se desenvolvem pesquisas com abordagem qualitativa, especialmente na área educacional, utiliza-se freqüentemente a observação, como método central da investigação, associada simultaneamente, a outras técnicas de coleta de dados, tais como, “análise documental, diário de campo, visitas domiciliares, fotografias, filmagens e entrevistas”. Como nos demonstra GEERTZ (1989, p. 15), procurar estudar o cotidiano é “estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário e assim por diante”. Esses constituem os instrumentos viáveis para compor os dados colhidos no dia-a-dia. Para compor os dados colhidos no dia-a-dia da instituição escolar, utilizei a “observação participante”, técnica que possibilita, mais que qualquer outra, profundo contato entre pesquisador e pesquisado, o que facilita a apreensão tanto da visão de mundo quanto dos significados atribuídos à realidade circundante. Considerei a prática pedagógica nas salas de aula, aulas de educação física e recreios, levando em conta a mediação pedagógica proposta pelas professoras e as crianças com deficiência. Procurei destacar as relações dialógicas no dia-a-dia desses alunos no contexto escolar. O diário de campo também se revelou uma ferramenta fundamental, pois me permitiu tornar presente e paupável o que foi observado minuciosamente. Redigi, após 9 cada visita à escola, as “notas de campo”, que retrataram a descrição das pessoas, objetos, lugares, acontecimentos, atividades, conversas, idéias, estratégias e reflexões. As anotações do diário de campo foram utilizadas na análise dos dados e associados à literatura. Utilizei, também, durante a pesquisa, o recurso de filmagem e fotografias, que representaram somente instrumentos e recursos auxiliares na tentativa de embasar e detalhar o estudo. As entrevistas foram feitas sempre após um cauteloso período de observação, procurando criar um clima espontâneo e descontraído, o que propiciou uma interação confiável com o profissional entrevistado, visando estabelecer um cruzamento dos dados obtidos na observação da prática e no discurso dos informantes, além de ajudar no direcionamento das questões a serem levantadas no decorrer da própria entrevista, tornando-a mais dinâmica, fluente e enriquecedora. Foram realizadas trinta e quatro entrevistas, assim ordenadas: vinte e três profissionais do Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente, a coordenadora do Serviço de Educação Especial - SEE/PMJF, quatro mães de crianças com deficiência e seis alunos da escola, escolhidos aleatoriamente. Os dados das entrevistas foram transcritos na íntegra, subsidiando e complementando as observações realizadas no contexto escolar. A análise “das intenções às práticas pedagógicas” Sabemos que, de um lado, em tempo algum, nunca se falou tanto na importância da participação de minorias sociais, em ambientes antes reservados apenas àqueles que se enquadravam nos ideários pré-estabelecidos e perversos de força, beleza, riqueza, juventude, produtividade e perfeição. Por outro lado, sabemos que, desde sempre, o homem vem tentando formas de melhor se colocar no mundo, de lidar consigo e com o outro. Tal situação faz parte da história do ser humano e me parece um processo que se estenderá indefinidamente. Nas últimas décadas, o discurso sobre a inserção social de TODOS parece ter invadido os recantos da sociedade em geral. Transformou-se em verdadeiro modismo e lugar comum falar/defender e pregar a inclusão. Não é mais aceitável deixar de pensar na participação real de TODOS, ou seja, a autêntica e corajosa inclusão daqueles que, erroneamente, figuram nas estatísticas como se já estivessem inseridos nos contextos educacionais, culturais, políticos, econômicos e sociais. É preciso deixar de pensar a 10 educação numa perspectiva simplista e reducionista, para compreendê-la sob uma ótica em que o acesso e a permanência à instituição escolar se façam dentro de condições viáveis e satisfatórias para TODO e qualquer aluno, constituindo-se em direito espontâneo e natural, uma responsabilidade social e política do Estado e de cada cidadão. No entanto, acredito que estão ingenuamente enganados os que pensam a educação inclusiva somente em relação à criança com deficiência, como se TODAS as outras já fizessem parte efetivamente do processo educacional. A existência de uma política fragmentada, desarticulada, descontínua e compartimentada, que vem prevalecendo no país, tem contribuído para a prevalência das atuais taxas de analfabetismo, evasão e repetência, baixa qualidade do ensino, exclusão dos que não aprendem no mesmo ritmo e da mesma maneira como os outros. O sistema educacional, em termos gerais, parece estar cristalizado e institucionalizado para lidar apenas com a homogeneidade, porque esta não apresenta nenhum perigo, já que não coloca em xeque valores, verdades e, principalmente, hábitos tradicionais. A situação em Juiz de Fora não se mostrou diferente do panorama nacional. Conseqüentemente, presencia-se a separatividade existente entre dois sistemas paralelos de ensino: o regular e o especial. Ainda hoje eles competem entre si não apenas no que se refere à baixa qualidade do ensino oferecido, mas também em relação aos projetos e programas desarticulados, que são conflituosos, gerando desperdício, ineficácia, ineficiência e desigualdade de oportunidades. Durante muito tempo, a prática educacional, na qual está inserida e educação especial, representou um sistema educativo paralelo, distinto e marginalizado. Esse procedimento demonstra a atitude de uma sociedade que se satisfazia em oferecer o mínimo, encobrindo o medo que representavam os alunos com deficiência. As instituições de ensino segregadas existem há tempos e persistem até hoje. Se, de um lado, elas constituíram-se, durante décadas, como a única via de acesso à escolaridade possível para as pessoas com deficiência, por outro lado, elas ainda continuam contribuindo para legitimar a exclusão desses alunos do ensino regular. Nos discursos dos entrevistados, foi recorrente a queixa de que a instituição escolar, freqüentemente, não vem cumprindo seu papel; encontra-se completamente dissociada do mundo contemporâneo e da vida atual. Pais, professores, educandos e a sociedade em geral estão insatisfeitos com a qualidade do ensino oferecido e, pior, sem 11 perspectivas. Como conseqüência, os alunos têm saído das instituições escolares, segundo os relatos, sem qualificação e sem qualquer preparo para comporem e enfrentarem a dinâmica da sociedade e, lamentavelmente, os órgãos do governo, as instituições escolares e nós, educadores, temos fechado os olhos para tal situação. Com estas constatações, que serviram como “panorama de fundo”, minhas idéias foram se complementando e se organizando no processo de construção deste trabalho, cujas respostas “às questões que nortearam o estudo”, constantes na problematização, passo a responder, não tendo, entretanto, a intenção de mostrá-las de modo fechado e acabado. • A inclusão, em nosso meio, tem se tornado realidade? A pesquisa demonstrou que a proposta de educação atual vigente ainda não oferece nem garante condições satisfatórias para ser considerada efetivamente “inclusiva”. Mesmo na Instituição pesquisada, apesar do esforço e do projeto políticopedagógico, pautado em princípios de solidariedade, cooperação e respeito ao educando, prevendo um trabalho coletivo dos professores, coordenadores, e implicando reuniões para discussão, análise e revisão das práticas de sala de aula, assim como para planejamento de atividades comuns, troca de materiais e avaliação dos trabalhos, a educação inclusiva não foi efetivada. Na prática, o que se constata é que todos esses mecanismos não foram suficientes para promover a inserção de TODOS os alunos que procuravam a Escola até o ano de 2000, quando foi realizada a pesquisa de campo. A execução de propostas de educação escolar inclusiva suscita inúmeras questões, referentes à competência de TODOS os alunos indistintamente, de suas dificuldades e comprometimentos, para enfrentarem as exigências acadêmicas, especialmente nos sistemas de ensino em que o paradigma em vigor dicotomiza o ensino em regular e especial e em que a superação dessa subdivisão é dificultada pela concepção tradicional de formação dos professores para ministrarem uma educação para TODOS, comprometida com o desenvolvimento pleno das possibilidades de cada aprendiz. A proposta de “inclusão” social, econômica, política, cultural, educacional deve ser incondicional e, portanto, não admite qualquer forma de segregação, o que ainda não acontece. Esta opção de inserção, que tem como meta principal não deixar 12 nenhum aluno fora do ensino regular, desde o início da escolarização, questiona o papel do meio social no processo interativo de produção das incapacidades, porque TODOS têm o direito de se desenvolver em ambientes que não os discriminam, mas que procuram lidar e trabalhar com as diferenças, respeitando seus comprometimentos e limitações. Para que se possa conceber a “escola inclusiva”, é necessário continuar trilhando um longo e árduo caminho. É imprescindível que a instituição educacional fique mais atenta aos interesses, características, dificuldades e resistências apresentadas pelos alunos no dia-a-dia da Instituição e no decorrer do processo de aprendizagem. Dessa forma, o ambiente escolar precisa se construir como um espaço aberto, acolhedor, preparado e disposto à atender às peculiaridades de cada um. • Como os profissionais entendem e avaliam o processo de aprendizagem dos alunos nessa Escola que insere crianças com deficiência no Ensino Regular? A escola pesquisada tem procurado questionar o modelo de avaliação quantitativa tradicional, propondo uma outra, onde os aspectos qualitativos sejam contemplados com preponderância. Dessa forma, entende a avaliação como “um instrumento de investigação e diagnóstico, e que deve ser realizado em todo o momento do processo ensino-aprendizagem”. No início do ano letivo, as fichas de avaliação do desempenho dos alunos, feitas pelos professores no ano letivo anterior, são discutidas e analisadas. Essa maneira de entender a avaliação possibilita identificar os avanços e os problemas, redimensionando desse modo, a ação educativa, entendida como um processo formativo e contínuo. Para acompanhar esse processo, são utilizados os mais diversos instrumentos avaliativos: o desempenho do aluno em atividades diárias individuais e em grupo, sua produção oral e escrita, além do resultado de testes e provas. De acordo com o Projeto Político Pedagógico, essas avaliações eram realizadas sem um cronograma sistemático, com o objetivo de verificar o que necessitava ser melhorado, tanto na construção do aluno, quanto no trabalho do professor, aspectos esses em consonância com a visão de escola, quando percebida sob a ótica do paradigma da inclusão, em que se procura avaliar o aluno de acordo com suas potencialidades, valorizando o aprendizado do dia-a-dia. Qualquer educando pode, em algum momento, experimentar dificuldades no 13 processo de aprendizagem, resultantes da interação entre as características desse aluno e as exigências, os programas e os instrumentos de avaliação utilizados pela Instituição. A “inclusão” depende do entendimento de que o processo de conhecimento é tão importante quanto o seu produto final e deve respeitar o ritmo da aprendizagem e o traçado que cada aprendiz elabora, a partir de seus sistemas de significação e de conhecimentos adquiridos além do que foi herdado. Os profissionais precisam entender como os conhecimentos evoluem e como a inteligência se manifesta na organização das estratégias, ou seja, como os alunos aplicam conhecimentos que já possuem para se adaptarem a situações novas e desequilibradoras do pensamento e da ação. Essas situações de equilíbrio do pensamento estão presentes a todo o instante, nas salas de aulas, quando os educandos resolvem os mais diversos problemas, sem a preocupação e a obrigação de encontrarem a resposta exigida e esperada, mas aquela que corresponde às suas condições de compreensão. Estudos recentes sobre as teorias do conhecimento mostram que aprender não pode se restringir apenas a uma apropriação dos saberes acumulados da humanidade. Aprende-se não só com a escola e, muito menos, só fora dela. Aprende-se a vida inteira através das formas de viver e conviver. Processos cognitivos e processos vitais se encontram e interagem constantemente. São expressões da auto-organização da complexidade e da permanente conectividade de TODOS com TODOS e em TODOS os momentos e em TODAS as etapas do processo evolutivo. Conhecer é um processo biopsicossocial e histórico. Cada ser vivo, para existir e viver, tem que se flexibilizar, adaptar, reestruturar, interagir, criar, co-evoluir e transformar. É preciso (re)pensar e (re)estruturar o sistema e a estrutura da educação convencional para que se diminuam e, quem sabe, possam ser eliminados os obstáculos que impedem que TODOS os educandos progridam, tornando o sistema educacional mais justo, coerente, eficaz e equânime. Essa concepção do desempenho escolar e dos planejamentos didáticos, na concepção inclusiva, sem dúvida, revoluciona o que, tradicionalmente, se pratica nas escolas ainda hoje. • Quais são as alternativas técnico-pedagógicas, psicopedagógicas e sociais criadas no Sistema Regular de Ensino, que podem contribuir para o processo de aprendizagem de todas as crianças? Além da reorganização dos tempos e espaços escolares em ciclos, substituindo a tradicional seriação, uma outra alternativa observada na escola pesquisada, na ocasião 14 da coleta de dados, foi a estreita relação escola/comunidade, assim como uma significativa abertura para participação dos pais nas atividades e na discussão de questões pedagógicas. Era notório um grande empenho da direção para conhecer e tentar solucionar as dificuldades apresentadas no dia a dia, além da preocupação com as questões que iam além dos muros da mesma, envolvendo problemas e interesses da comunidade, através do contato freqüente com a Coordenação do Serviço de Educação Especial da SME/PJF. Ao pretender a inclusão de alunos com deficiência, necessita-se de um conjunto de respostas pedagógicas - novas alternativas ao ensinar, para contemplar a TODOS, porque os educandos têm o direito de viver desafios que lhes dêem oportunidade para desenvolver sua capacidade e conquistar autonomia social e intelectual -, decidindo, escolhendo, tomando iniciativas, em função de suas necessidades, desejos, motivações e sonhos. Se os espaços escolares fossem inclusivos, concorreriam para estimular os educandos em geral a se comportarem ativamente diante dos desafios da instituição, abandonando, na medida do possível, os estereótipos, os condicionamentos, a dependência que lhes são típicos. É imprescindível, portanto, trabalhar no sentido de tentar constituir consciências críticas, efetivamente autônomas e criativas, capazes de construir sociedades mais justas – voltadas para a solidariedade e o respeito pelo outro. Este objetivo pode ser alcançado através do favorecimento permanente de oportunidades para discutir, planejar, confrontar-se com as diferenças entre os pares, opção pela atitude de cooperação em detrimento da atitude conformista. • Como a direção, orientação, supervisão, profissionais técnico-administrativos têm se relacionado com os alunos nesse ambiente escolar não-restritivo? As vantagens e benefícios desse trabalho de inclusão para TODOS os que fazem parte na Instituição escolar pesquisada puderam ser constatados através do enriquecimento e desenvolvimento do ambiente escolar, o que ficou claro no depoimento dos entrevistados. Do mesmo modo, o benefício maior para os professores pôde ser percebido pela co-participação na transformação da escola, através do apoio cooperativo e do aprimoramento das habilidades profissionais. Pensar o papel e a função da Instituição escolar é uma postura necessária e indispensável, igualmente importante e urgente, sobretudo nos cursos de formação 15 profissional que devem estar à frente desses questionamentos. Convém, ainda, que se efetive o redimensionamento de representações de igualdade e diferença, para que esses profissionais possam se sentir à vontade, com competência técnica e condição emocional, para lidarem no dia a dia com a diversidade dentro da sala de aula Foi possível inferir que a escola e o sistema educativo em seu conjunto podem ser entendidos como uma instância de mediação entre os significados, os sentimentos e as condutas da comunidade social e o desenvolvimento particular das novas gerações. Dessa forma, a escola impõe, lentamente, mas de maneira tenaz, certos modos de conduta, pensamento e relações próprios de uma instituição que reproduz padrões e comportamentos, independente das mudanças radicais que ocorrem ao redor. Parece claro, portanto, que, ao compreender os efeitos das desigualdades sociais e econômicas, a instituição escolar cumpre o complexo e contraditório conjunto de funções: socialização, transmissão cultural, preparação do capital humano. • Quais são os fatores que marcam o “sucesso” ou “insucesso” dos alunos em sala de aula? Foi possível perceber, durante a pesquisa de campo, que o sucesso ou insucesso da aprendizagem da criança com deficiência é, muitas vezes, o reflexo da intervenção pedagógica e do perfil do professor que com ela atua como mediador no processo ensino-aprendizagem. Toda criança pode aprender. A aprendizagem, ao contrário do que muitos pensam, não depende só das condições internas inerentes à pessoa que aprende: ela constitui o corolário do equilíbrio das condições internas, próprias do sujeito que aprende, com as condições externas, inerentes ao indivíduo que ensina (FONSECA, 1995, p 82). É importante destacar o que existe de novo e desafiador no fato de incluir o aluno com deficiência no Ensino Regular: a exigência de novo posicionamento das instituições escolares e dos profissionais da educação frente aos processos de ensino e de aprendizagem, à luz de concepções e práticas pedagógicas mais inovadoras. Os resultados do estudo e as reflexões durante sua execução confirmaram a complexidade da prática educativa e apontaram para o fato de que qualquer discussão da escola não deve ser centrada num único elemento do todo pedagógico, sob o risco de tornar a análise, inevitavelmente, incompleta, faltosa, inacabada e unilateral. Assim, na medida do possível, esse trabalho procurou considerar as múltiplas articulações do 16 conhecimento dos alunos, profissionais e TODOS os envolvidos na pesquisa. Os fios e “nós” desse trançado ligaram-se, de múltiplas maneiras e formas, para compor a rede de significados, que constitui o todo da instituição. O tecer dessa rede só foi possível a partir do momento em que busquei ampliar um pouco mais o âmbito de estudo da dimensão instrucional, incorporando uma análise das representações dos profissionais da Instituição sobre a sua própria prática assim como sobre a escola e seus educandos. Acrescentando a esses dados informações obtidas nas entrevistas feitas com os atores sociais da instituição, os alunos e seus responsáveis, pude verificar a visão e a importância atribuída à escola. A título de conclusão: ponto de chegada ou ponto de partida? Há milênios, os seres humanos ocupam-se com a busca incansável de tentar encontrar um significado, um sentido para a existência. Dessa forma, produziram e continuam produzindo diferentes e complexas explicações mitológicas, religiosas, filosóficas, científicas para questões que compõem a vida. Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Por quê? Para quê?... Sempre há muitas respostas, vários olhares, múltiplos sentidos para se perceber, compreender e interpretar o mundo. Sempre há, também, diversas maneiras de sentir, tocar, ver, ouvir. Existem, ainda, diferentes maneiras de falar, de expressar, de comunicar. Uma dessas tantas formas de comunicar e expressar se faz através das “pesquisas científicas”. Acredito que a elaboração de uma pesquisa surge a partir de uma curiosidade, de uma inquietação, de um inconformismo com algo que não deveria ser da forma como é ou de algum sentimento ou pensamento que não se satisfaz com o que o mundo ou a vida vem mostrando. Busca-se, por esse motivo, a oportunidade de reformulação de conhecimentos e mudança de paradigmas. O momento atual aponta para a urgência de se encarar a interconectividade e a complexidade de paradigmas até agora bem definidos e limitados e que, no presente, se misturam, forçando a intercessão de concepções já cristalizadas: bem e mal, bonito e feio, normal e anormal, comum e incomum, vantagens e desvantagens, produtivo e improdutivo, certo e errado, justo e injusto, forte e fraco, útil e inútil, novo e velho, igual e diferente... Essas noções deixam de ser pólos opostos para se entrelaçarem num emaranhado de “fios e nós” da rede que se constitui como realidade. 17 Diante desse quadro, confrontei-me, no decorrer da pesquisa, com discursos de várias ordens e depoimentos que, a todo instante, confirmavam o peso do estigma e do preconceito da sociedade em geral. Valoriza-se, sobremaneira, o que culturalmente convencionou-se belo, novo, forte, útil e produtivo. O estudo possibilitou a confirmação da complexidade que representa, para o ser humano, encarar a “deficiência” frente a frente: por não fazer, necessariamente, parte do cotidiano da grande maioria das pessoas, não é incorporada a ele espontaneamente. Não é vista de maneira natural: ela causa incômodo e mobiliza questões internas, gerando efeitos e desdobramentos difíceis de serem analisados, exigindo, por se tratar de questão tão delicada, um olhar cauteloso e meticuloso. Contudo, não há, até o presente momento, nenhum critério na engenharia genética que possibilite aos humanos deixarem de conceber seres que tragam consigo deficiências físicas, sensoriais (auditivos e visuais), mentais. E, ao lado da herança, existem também as limitações e os comprometimentos em decorrência de acidentes e doenças, a que estamos sujeitos, após o nascimento. Essas reflexões sobre a existência, o humano, as diferenças e as deficiências, acrescidas à revisão de literatura, colocaram-me face a face com as limitações e as dificuldades que as pessoas têm para lidarem com esse aspecto da vida. Isso foi percebido através do dito, do não-dito, das falas truncadas, dos silêncios, das pausas, da dificuldade em encontrarem palavras e explicações para o que não é explicável facilmente, quando se toca em sentimentos, emoções e razões, que não foram e nem são claramente identificadas e, por isso, tornam-se difíceis de serem nomificados de maneira adequada. Ao abordar o tema escolhido, a inserção escolar de alunos com deficiência no ensino regular, preferi não empregar e utilizar palavras amenas e socialmente aceitáveis, mais facilmente ouvidas, o que contribui para o “não-enfrentamento”, a “nãopercepção”, enfim, a negação da “deficiência”, que foi, é, e continuará sendo uma situação real, que sempre fez e continuará fazendo parte da existência humana. Não estou aqui me referindo a diferenças visíveis e sensíveis de gênero, raça, religião, idade, cor da pele, dos olhos, dos cabelos, perceptíveis à primeira vista.... Estas sempre foram aceitáveis sem grandes esforços e sofrimentos. Estou falando, sim, de deficiências de outra ordem, congênitas ou adquiridas, que podem desencadear situações de “transtornos, limitações ou comprometimentos” e que têm sido, muitas vezes, negadas ou desconsideradas pelo quadro educacional, social, econômico e 18 cultural. Analisando por esse ângulo, foi possível constatar que estamos permanentemente presos ao “olhar do outro” e, principalmente, fantasiando esse olhar através de julgamentos, suposições e deduções. É bom lembrar que não passamos impunes por tudo o que herdamos de nossa formação familiar, escolar e da mídia, fortemente influenciados pelo legado da história. Esses ranços, certamente, dificultam e comprometem a simples, natural e espontânea relação com o corpo, com o outro e com a vida de maneira geral. Um aspecto positivo de tudo isso, a ser considerado, é que estudar e analisar as diferenças de toda ordem significa aprender um pouco mais sobre nós mesmos. E conhecer-nos melhor faz parte da construção da cidadania. Nesse estudo, ao observar as dificuldades enfrentadas pelas pessoas que apresentavam qualquer tipo de diferença, seja de ordem física, sensorial ou mental, para fazerem valer seus direitos na sociedade, direcionei minha investigação para o aspecto educacional, com vista a fornecer elementos que possam servir de base para programas de intervenção em instituições escolares com propostas inclusivas. A pesquisa sobre o “enigma”, que constitui a inclusão escolar, analisado e (re)pensado a partir de questões que se estenderam “das intenções às práticas pedagógicas”, foi facilitado pelo “mergulho” nas situações no/do cotidiano de uma escola que já inseria crianças com deficiência no ensino regular e, ao analisá-la em suas dimensões institucional, instrucional-pedagógica e sociopolítica-cultural, pude retratar a realidade percebida a partir de vários ângulos, resgatar a história da escola, compreender suas relações com a comunidade, investigar os mecanismos de poder e de decisão e analisar as relações entre a estrutura do trabalho escolar e as práticas de sala de aula. Ao ousar trabalhar essas inquietações e interrogações, pude contar o passado, analisar o presente e sonhar o futuro, numa relação dialética, tomando como fio condutor a “inclusão escolar”, tecendo uma rede de idéias, reflexões e saberes sobre o assunto, e, ao concluir a pesquisa, inevitavelmente, perguntei-me se este era um ponto de chegada ou ponto de partida. De modo geral, essa pesquisa significou a possibilidade de perceber o dinamismo da jornada escolar, tornando compreensível a contradição encontrada na escola, que, apesar das tentativas para uma mudança de paradigma através da investigação do real pedagógico, ainda não conseguiu romper com a tradição, instaurando novo modelo. 19 Em termos específicos, ao discutir o dia a dia sentido e vivido na Instituição, procurei encontrar respostas às questões explicitadas na apresentação desse estudo e que nortearam e embasaram o trabalho de campo. Pude, assim, após dois anos de pesquisa, emergir do mergulho no cotidiano escolar, com algumas inferências que se fizeram pertinentes, quando associadas à busca de informações e conhecimentos em uma constante consulta a textos, artigos, palestras, livros, relacionados ao assunto em questão, além da participação em Fóruns, Simpósios, Seminários e Congressos. É importante ressaltar que compor a trama das relações que se estabelecem no decorrer da convivência com o âmbito escolar só foi possível através de um instrumental teórico que retratasse a escola como espaço vivo, dinâmico e não como um espaço estático e inerte. Assim, tornou-se possível aproximar um pouco mais do confronto que caracteriza todas as esferas da prática humana, no caso em questão, a educação escolar que pretende ser “inclusiva”. Todas essas considerações apontaram para a crença de que, trabalhar, inovar e ousar implementar a inclusão, numa perspectiva inclusiva, não é missão impossível. É, isto sim, desafio superável. É uma questão de pensar e de querer. Querer pensar e encarar o árduo e, de certa forma, tortuoso caminho para mudar. Querer “pensar e fazer” uma escola que inspire a troca entre os alunos, que confronte formas desiguais de pensamento, que busque metodologias interativas, que faça do reconhecimento da diversidade estratégias para uma nova aprendizagem, que conceba o aluno inteiro e respeite a dignidade de todo e qualquer indivíduo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Nilda; GARCIA, Regina L. (Org.) O sentido da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. ALVES, Rubem. A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. Campinas, SP: Papirus, 2001. ARROYO, Miguel G. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. 3. ed. Petrópolis, RJ. Vozes, 2001. FONSECA, Vitor. Educação especial: programa de estimulação precoce - uma introdução às idéias de Feuerstein. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. GARCIA, Pedro Benjamim. Paradigmas em crise e a Educação. 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