O Amor Torna-nos Semelhantes Alguns Princípios e regras básicas de relações humanas precisam ser aprimorados pelas pessoas que, realmente, querem interagir com outras, portadoras de alguma deficiência. Sem dúvida, o primeiro deles é o próprio amor, que, se presente na alma e no coração, trará à luz da consciência e da razão todos os outros. O sábio Santo Agostinho já dizia: "Ama e faze o que quiseres." Assim, justifica-se o título desta dicertação: o amor torna-nos semelhantes. Sim, porque quem ama sabe colocar-se na situação do outro. Desenvolve a intuição e o sexto sentido; vai além das aparências; vê, assim, na pessoa deficiente diante de si, não um deficiente, mas alguém igual a si, com os mesmos sentimentos e expectativas. Na essência, somos todos iguais, inclusive imagem e semelhança de Deus, que é perfeição absoluta e em quem não existe nenhuma deficiência. Justificando: deficiência é muito mais aparência do que realidade, porque, se um surdo, por exemplo, aprender a ler partitura e executar um instrumento musical e, um dia, realizar um concerto, em um palco, sem que a platéia saiba que é surdo, todos se deliciarão com sua música, sem jamais imaginarem que ele não pode ouvir o que toca. Quem conhece um pouco da Gestaut e algumas filosofias orientais sabe que tais idéias analisam a força ilusória dos sentidos, sempre insistindo que o esscencial é o que não aparece. Princípio da Dignidade Humana Toda pessoa que acredita na humanidade, tal como Erich From e São Tonmás de Aquino, , sabe que todas as criaturas humanas têm e podem desenvolver capacidade e potencial muito superior ao que desenvolvemos nas coisas corriqueiras. Não é à toa que está insíntreca em todo ser vivo a habilidade de adaptar-se ao seu meio, à sua realidade e necessidades. Portanto, é até anti-ético, neste caso, dizer-se a uma pessoa deficiente em qualquer área: "Será que você consegue fazer isto?" Será que você pode?" "Se para mim é difícil fazer tal coisa, quanto mais para você!" Justificando: é evidente que para uma pessoa que não tenha o hábito de andar em lugar com pouca luminosidade, é muito mais difícil caminhar ou fazer qualquer coisa no escuro do que para um cego que já se acostumou a não contar com a luz. Aliás, cabe aqui um parêntese? Os cegos não vivem na escuridão; o que há, ao seu redor, é a imagem de um cinzento discreto, já formada pelo próprio cérebro, ou, talvez, pelo inconsciente coletivo, descoberto por Jung, ou pela própria consciência universal. É como se alguém estivesse em meio à névoa, situação não tão desconfortável como a maioria do povo pensa, porque, na verdade, em vez de causar pavor, causa até um quê de relaxamento, aquele mesmo que os métodos de auto-ajuda ensinam-nos a buscar, para conseguirmos um sono melhor. Portanto, você que usufrui de visão relativamente normal nunca transfira para os cegos as dificuldades que sente no escuro: sensação de falta de equilíbrio, insegurança, síndrome de pânico e outras. Princípio da Naturalidade: Muitas vezes, a falta de experiência leva as pessoas a quererem supervalorizar qualquer coisa que uma outra, deficiente, faça, acreditando que, com isto, estão agradando-lhe, quando, na verdade, estão subestimando-ª Justificativa: dando um exemplo, não diretamente ligado a deficientes, por se tratar de algo mais próximo de todos: você já se imaginou diante de uma supervisora de uma grande cozinha mineira? querendo elogiá-la, você diz: "Que gostoso seu arroz com feijão!" Ela, certamente, pensará: "Nossa! Mas eu faço coisas que exigem muito mais habilidade do que essas comidas básicas e fui elogiada por tão pouco?!" Assim também se sucede com os deficientes: as pessoas, não sabendo de suas possibilidades, por algo aparentemente insignificante, tratam-nos como superdotados e geralmente tentam comparar-se, dizendo: "Sabe mais ou melhor do que eu!" Cuidado com Frases Hipócritas Normalmente, as pessoas, tentando negar o próprio preconceito, dizem aos portadores de alguma deficiência: "Vocês fazem as coisas muito melhor do que nós!" Dizem, por exemplo, aos cegos: "Vocês enxergam muito mais do que nós!" É bom, primeiramente, que se saiba que nenhum deficiente, acostumado com sua situação, precisa de palavras consoladoras ou compensadoras. Isto já está registrado em si próprio pela natureza, a qual já se encarregou das compensações. A Psicologia tem um ensinamento: "Para cada frustração há uma ou várias compensações." Além disso, qualquer pessoa, com um mínimo de malícia, sabe que quem diz assim não pensa como tal, pois tais palavras, normalmente, surgem em um momento em que o orador quer oferecer uma ajuda e teme que o outro vá sentir-se subestimado. Emtão: se a referida idéia fosse real por parte de quem a expõe, não estaria oferecendo ajuda, com relativa insistência. Portanto, esta frase que já virou cliché na boca do povo é ofensiva, ou, na melhor das hipóteses, revela um raciocínio alienante, como quaisquer outras que se repetem pelo senso comum. Cuidado com a Solidariedade Destrutiva Esta expressão é inédita, mas quer dizer o seguinte: é muito comum alguém querer, sob o pretexto de ser solidário, dizer ao portador de deficiência: "Eu imagino o quanto deve ser difícil sua situação! É duro mesmo!" "Às vezes, eu penso que sofro, mas há alguém que sofre muito mais!" mostrar solidariedade para com alguém, nestes termos pode significar querer transferir para o outro suas próprias dificuldades e até a pena de si mesmo, por problemas mal resolvidos. Ninguém que se preze, deficiente ou não, sente-se bem com sentimentos vagos de pena. Mesmo porque todas as pessoas, por mais que tenham limitações, possuem, em grau bem mais elevado, o poder de superação. Jamais a terceirização no relacionamento Uma das atitudes mais indesejáveis das pessoas dá-se quando o portador de deficiência está acompanhado por alguém e um outro indivíduo, querendo saber, dizer ou mesmo oferecer algo, utiliza-se do acompanhante. Tal comportamento engloba vários erros: primeiro: é gravemente invasor, pois tira a privacidade de duas pessoas, ao mesmo tempo; depois, demonstra grande falta de habilidade e coragem, na arte de comunicação com o diferente; ainda significa tratar o deficiente como um incapaz de responder por si, além de desperdiçar uma boa oportunidade de aprendizado. Explicando melhor este último que, talvez, não seja tão claro: se a tentativa de relacionamento é uma busca de informações sobre a situação do outro, ninguém melhor do que o próprio para responder com convicção. O fato de alguém estar acompanhando não significa que saiba a respeito do assunto. Colocando aqui um episódio pitoresco para descontrair: quando eu comecei o pré-natal na gestação de minha primeira filha, uma vez, estando eu no balcão do consultório, aguardando uns pedidos de exame pelo médico, apareceu, eventualmente, uma de minhas vizinhas de condomínio e ficamos conversando, enquanto aguardava. Então, a secretária veio e começou a mostrar-lhe os papéis, em vez de fazê-lo para mim, que era a interessada. De repente, minha vizinha disse: "Senhora, agora é que eu fiquei sabendo que ela está grávida; o que quer que eu faça com estes papéis que só dizem respeito a ela?" No fim, nós três ficamos constrangidas e acabou-se a comunicação que teria sido tão agradável e simples. Quando a tal secretária conheceu-me melhor durante o internamento, confessou que nunca mais havia esquecido sua falta de bom senso, chegando a provocar a saída da outra de perto de mim, para que não atrapalhasse mais nossa interação. Atenção para as diferenças individuais Uma idéia também absurda em relação a este assunto, é a de que todas as pessoas portadoras de deficiência em uma mesma área, seja mental, sensorial ou motora, têm o mesmo modo de pensar, de agir ou sentir, como se houvesse um padrão para aquela categoria. Nada disso! Antes de ser deficiente, como foi dito no começo, todos nós somos seres humanos, com nossa própria história de vida, nossas cargas genéticas, nossa educação familiar, enfim, com nossa personalidade. Se nem para gêmeos univitelinos pode-se estabelecer-se uma resposta idêntica, quanto mais para uma comunidade composta por milhões de pessoas, só porque entre elas houve uma única coincidência que é o mesmo tipo de deficiência? Assim, por exemplo, tentam-se criar normas de que todo cego precisa ser músico, todo paralítico precisa praticar exportes, todo surdo precisa ser infalível na leitura labial e assim por diante. Tal idéia é verdadeira fonte de preconceitos Cada tipo de deficiência tem suas peculiaridades e as necessidades podem ser, não só diferentes, como até mesmo opostas Atualmente, com o surgimento da preocupação com a acessibilidade, apesar das boas intenções, as quais são evidentes, tem havido muita confusão no momento de por-se em prática o atendimento às necessidades. Por exemplo: há cobradores nas estações-tubo que oferecem o elevador apropriado para cadeirantes a pessoas com deficiência visual, julgando que as mesmas não têm possibilidade de utilizar as escadas. O referido elevador é muito mais inseguro do que os degraus, pois não oferece condições para se ficar de pé corretamente. É apropriado para se colocar a cadeira de rodas. Nós, portadores de deficiência visual, temos esbarrado freqüentemente com pessoas de boa fé, que nos fazem perder muito mais tempo em busca de rampas, quando seria bem mais fácil a utilização das escadas, as quais, para nós, de modo algum, constituem barreiras arquitetônicas. Também, dias atrás, aconteceu-me de sentar-me, no ônibus, ao lado da mãe de dois surdos-mudos. Estando eu no banco da beirada e ela querendo sentar-se no do canto, apenas deu uma batidinha na minha mão. Como eu não tivesse entendido seu sinal, ela foi passando direto e quase tropeçou em meus pés. Então, eu, chateada, perguntei: "Por que a senhora não pediu licença?" Então, ela justificou que achava que não adiantaria falar comigo, assim como acontecia em relação a seus filhos. Eu, então, expliquei-lhe que era exatamente o contrário. Reforço da idéia de que Todo ser vivo é capaz de adaptar-se a sua realidade Talvez este seja um dos princípios mais facilitadores da convivência entre portadores de deficiência e ditos "Normais." Todo ser vivo tem seu instinto de sobrevivência. E, para desenvolvê-lo, cria todas as condições de que necessita. Assim, crianças que nascem com qualquer tipo de limitação, se, estimuladas pelo meio-ambiente, já bem cedo vão desenvolver habilidades compensatórias e tão naturalmente, que só vão notar que são diferentes das demais quando depararem com situações em que perceberão que não podem concorrer com as outras, em igualdade de condições. Eu já tive um pouco de visão. Entretanto, convivi com várias pessoas que nunca a tiveram e todas são unânemes em afirmar que demoraram alguns anos para se sentirem especiais. Em casos como o meu, sendo totalmente privada da visão aos seis anos, a adaptação é um pouco mais forçada; contudo, perfeitamente possível. Como mãe por três vezes, acompanhei integralmente a alfabetização de meus filhos, primeiramente, através da máquina manual de datilografia, depois, pelo teclado do computador. Pudemos ler alguns livros em conjunto, em voz alta, ora eles lendo no método padrão, ora eu, em Braille. Assim também se sucedeu, um tempo em que ministrei catequese em minha comunidade. Meu esposo que também perdeu totalmente a visão aos 17 anos, conduzia as crianças, quando bebés, em seu carrinho, a passeio no condomínio onde morávamos, sendo que eu ia à frente, utilizando a bengala branca para alertá-lo quanto a possíveis obstáculos. Foram tiradas algumas fotos destes momentos, as quais estão guardadas como relíqueas, em seus primeiros álguns. Todos nós temos recursos latentes, muito mais do que imaginamos; e esses, na hora certa, vêm à tona. Não está mentindo uma pessoa que diz a mim que não enxergo: "Eu, em seu lugar, não saberia se estou andando para a frente ou paratrás." Porém, caso aconteça de, um dia, realmente vir a perder a visão, conforme o grau de auto-estima, auto-confiança e boa vontade de sua parte, ela, mais cedo ou mais tarde, estará perfeitamente adaptada à nova situação. Todos, inclusive os deficientes, têm direito à privacidade e independência Muitas vezes, em nome do amor, as pessoas ditas normais tratam os portadores de deficiência com desrespeito à sua privacidade, quando, sem nem procurarem saber se há necessidade ou não de ajuda, vão pegando-os diretamente, ou, indiretamente, na bengala, moleta ou cadeira de rodas, de qualquer jeito, ou então perguntando-lhes onde vão. Isto, não raro, provoca reações de susto, assim como a sensação de ameaça da própria autonomia. Ajuda deve ser oferecida e não imposta. Se, por vezes, o portador de deficiência torna-se agressivo com quem quer ajudá-lo é porque percebeu sua liberdade sendo tolhida. Quem leva a mal o fato de um deficiente não aceitar seu serviço, certamente, tentou criar com o mesmo, não uma relação de solidariedade, mas de poder e manipulação. É claro que a energia transmitida não será agradável, gerando um possível antagonismo. Aqui vão algumas dicas para se evitar situação constrangedora: uma delas é a de que pessoas que realmente precisam ser ajudadas, via de regra, não andam sozinhas; já têm seus acompanhantes de confiança. Para os deficientes que se utilizam do transporte coletivo, por exemplo, existe a possibilidade de se adquirir uma carteirinha de isento do pagamento da passagem, já estensiva a um acompanhante. Outra: lembrando, mais uma vez, o que falamos no início, antes de ser deficiente, a pessoa é ser humano como qualquer outro. Então, é melhor começar o relacionamento como se começaria com uma pessoa considerada comum: cumprimentando, falando qualquer coisa, mesmo que seja sobre o clima. Esta conversa sem compromisso gera um sentimento de confiança e a própria pessoa, caso esteja em situação que requeira algum auxílio, vai, naturalmente, solicitá-lo. E a última: se seu interesse é só mesmo oferecer ajuda, faça-o normalmente, utilizando a pergunta: "Quer ou precisa de ajuda?" Assim, o deficiente vai sentir-se à vontade, inclusive para simplesmente agradecer-lhe e tranqüilizar sua consciência. Ninguém deve ofender-se com isto, porque, como já foi dito antes, ser independente é um direito e até mesmo um dever, caso haja condições para isto. Qualquer pessoa em harmonia com sua dignidade individual sente-se mal com a idéia de estar sendo um incômodo para alguém, sem necessidade. Ainda é bom lembrar que é a pessoa que vai receber o auxílio quem deve propor o melhor meio ou técnica. Uma vez, eu explicando a uma moça que o acompanhante de um deficiente visual precisa ir sempre à sua frente e nunca o contrário, ela hesitou em aceitar. Então, eu lhe perguntei: "Se você for utilizar uma lanterna ou vela para mostrar o caminho a alguém, você deve ir antes ou depois desse alguém?" Ela entendeu a mensagem e concordou, dizendo: "Eu nunca havia pensado nisto." Em circunstâncias como estas, às vezes, as pessoas podem ficar chateadas; entretanto, precisamos ser honestos: se a ajuda não for dada correttamente, só vai atrapalhar; e há aquele velho ditado: "Muito me ajuda quem não me atrapalha.!" Assim, dá para ver que tudo é questão de reflexão. , Tratamento carinhoso é bem diferente de tratamento infantil Ainda uma situação muito freqüente é a dos que, querendo ser carinhosos, tratam os deficientes de maneira infantil, usando palavras no diminutivo. "Fique sentadinho aqui." Ou então, como se a pessoa não tivesse nenhuma noção da realidade: "Este ônibus já saiu; mas já vem outro." Ou ainda aquelas expressões: "Não me leve a mal; eu sou assim até com meus filhinhos." Imaginem a força dessas palavras! É como se a pessoa dissesse: "Você é ainda mais frágil que meus filhinhos." Esta maneira superprotetora de agir e falar, segundo Freud, é um mecanismo do qual o inconscieite utiliza-se para disfarçar um sentimento de rejeição que, por sua vez, produz uma sensação de culpa. Quem é atingido pela referida superproteção, se não estiver bem resolvido emocionalmente, tem, em contrapartida, uma grande perda de auto-estima. É mais ou menos o sentimento que alguém tem, quando, sem ser um mendigo, é tratado como tal, recebendo uma esmola. poderíamos tecer várias outras considerações; no entanto, se o que foi colocado servir de luz a quem queira conhecer melhor esta realidade, já terá sido percorrido meio caminho. Talvez, muita gente não se interesse por este assunto, pensando que não tem nada a ver com seu cotidiano. Porém, é bom que se saiba que, em sociedades bem desenvolvidas, a experiência das pessoas com deficiência tem sido utilizada como fonte de aprendizado para todo mundo. Há algumas atividades que são exercidas preferencialmente por deficientes, visando não somente à inclusão, mas também à descoberta de novos modos de se fazerem as coisas e à busca de novas alternativas. Há muito, já se descobriu que a visão e o tato formam uma perfeita parceria; que pessoas com qualquer deficiência sensorial desenvolvem melhor a concentração e a intuição. Pessoas com Síndrome de Down, quando bem trabalhadas, ficam aptas ao exercício da maior parte das profissões e, às vezes, até com mais facilidade, porque, normalmente, não se ligam a tudo que se diz ou se pensa delas. Criam seu próprio mundo, não raro, muito mais bonito do que quem desenvolve todos os sentidos e habilidades do intelecto. Certamente, não é por acaso nem por castigo que Deus, sendo a Perfeição infinita, permitiu as deficiências, visto que quem as herda ou adquire tem a missão de mostrar ao mundo que é possível qualquer tipo de desafio e, quando a dificuldade é grande, é que realmente encontramos coragem e entusiasmo. Quem sabe conviver sem constrangimento com pessoas com necessidades especiais prova que atingiu um alto grau de eficiência no relacionamento humano; e uma instituição que sabe respeitar tais pessoas em seu potencial ou limitação prova que realmente cumpre as normas para se atingir a qualidade total. Obrigada a você que deu importância a este texto. Espero sinceramente que possa ajudá-lo a descobrir cada vez mais a inesgotável riqueza que se esconde em cada ser humano, inclusive em você; porque, descobrindo seu próprio valor como gente, naturalmente, descobrirá o dos outros. Maria do Carmo Santiago Rodrigues