EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A DECLARAÇÃO DE SALAMANCA: CONSEQÜÊNCIAS AO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO Mônica Pereira dos Santos INTRODUÇÃO Este artigo pretende contribuir para as discussões a respeito do processo de inclusão de alunos com deficiências na rede regular de ensino à luz do que sugere um dos mais abrangentes documentos internacio- nais lançados na área: a Declaração de Salamanca (Unesco, 1994). Iniciaremos com uma breve menção da evolução histórica da edu- cação especial até 1990, quando ocorreu o primeiro evento internacional que formalizou a “educação para todos” como plataforma básica para os sistemas educacionais da comunidade mundial: a Conferência Mundial sobre Educação para Todos . Em seguida, os aspectos rele- vantes ao tema deste artigo, propostos na Declaração de Salamanca (Unesco, 1994) a respeito da educação espe- cial, serão apresentados e discutidos. Num terceiro momento, discutiremos as principais implicações educacionais levantadas pelo documento menciona- do. Por fim, serão levantados aspectos do contexto brasileiro a serem consi- derados na adoção e na implementa- ção do processo de inclusão. EDUCAÇÃO ESPECIAL ATÉ 1990 Já se afirmou inúmeras vezes (Fish, 1985; Cole, 1990; Wedell, 1990) que a educação especial, na maioria dos países, tem, grosso modo, segui- do um padrão semelhante em sua evo- lução. Num primeiro momento, carac- terizado pelas segregação e exclusão, os portadores de necessidades especi- ais são simplesmente ignorados, evita- dos, abandonados ou encarcerados – e muitas vezes eliminados. Num segundo momento, há uma modificação do olhar a respeito da referida “clientela”, que agora passa a ser percebida como possuidora de certas capacidades, ainda que limita- das, como por exemplo, a de aprendi- zagem. Mesmo assim, ainda predomi- na um olhar de tutela, e a prática cor- respondente no que diz respeito aos “excepcionais” (como eram chamadas as pessoas com deficiência nesse momento), muito embora já não seja mais a de rejeição e medo, ainda é excludente, à medida que se propõe a “protegê-los”, utilizando-se, para tanto, de asilos e abrigos dos quais estas pessoas raramente saem, e nos quais são submetidas a tratamentos e prá- ticas, no mínimo, alienantes. Ocorre então um terceiro mo- mento, marcado pelo reconhecimento do valor humano desses indivíduos e, como tal, o reconhecimento de seus direitos. Na maioria dos países, esse momento tem se acirrado em especial a partir da década de 60 do presente século. Esse artigo pretende voltar sua atenção para o que vem acontecendo na história da educação especial a partir desse terceiro momento (de aproximadamente trinta e cinco anos para cá), uma vez que o que ocorreu até então já vem sendo fartamente ilustrado e discutido na literatura (Januzzi, 1985). Um ponto interessante a ser notado diz respeito ao fato de que a história da educação especial na maioria dos países vem registrando, salvo devidas exceções, um certo atra- so com relação ao desenvolvimento da história geral, pelo menos no que se refere à mudanças de valores relativos aos direitos humanos. Vale ressaltar, por exemplo, que, historicamente, a luta pela igualdade de valores já havia sido iniciada, ainda que de forma não tão explícita tal como se verifica hoje, muito antes (pensemos, por exemplo, na própria Revolução Francesa). De qualquer forma, parece correto afirmar que é a partir dos anos 60 que a luta pelos Direitos Humanos se fortalece. Tal se verifica, entre outros motivos, pelo próprio cresci- mento dos movimentos das minorias (étnicas, sexuais, religiosas, etc.). A tais fatores, podem ser associados: ? o avanço científico, cuja produção e disseminação de conhecimentos vêm não apenas promovendo a desmistificação de certos precon- ceitos fundados na ignorância so- bre as diferenças da espécie huma- na, como também alertando para a necessidade, cada vez mais urgen- te, de união de povos em função da defesa do planeta por motivos eco- lógicos, que hoje nos são óbvios; ? um crescente pensar de cunho sociológico, questionando consis- tentemente o sentido de práticas discriminatórias e clamando por um mundo democrático, e ? o avanço tecnológico, principal- mente no terreno das telecomuni- cações, que vem aproximando ain- da mais os povos e disseminando ainda mais rapidamente as infor- mações, ao mesmo tempo que pro- voca a necessidade de uma força de trabalho cada vez mais instruída e, se possível, especializada, ca- paz de atender à competitividade que o progresso tecnológico e os rumos econômicos, entre outros aspectos, têm imposto. Por mais paradoxais e contra- ditórios que possam parecer, todos esses aspectos vêm se refletindo con- juntamente nos sistemas educacionais dos mais diversos países, ainda que, em alguns países, esses reflexos ve- nham sendo observados mais tardia- mente. O fato é que tais reflexos ge- ram conseqüências inevitáveis para a educação especial. Por um lado, a humanidade prima pela igualdade de valor dos se- res humanos e, como tal, pela garantia da igualdade de direitos entre eles. Por outro lado, essa mesma humanidade já não mais comporta a existência da ignorância, seja porque esta pode tornar o ser humano dependente (inca- pacitado para desfrutar de seus direitos), seja porque ela o exclui de um ritmo de produção cada vez mais vital à crescente competitividade por lhe dificultar o exercício pleno de seus deveres de cidadão de uma huma- nidade trabalhadora, produtiva, partici- pativa e contribuinte. Emerge, assim, a necessidade de indivíduos-cidadãos, sabedores e conscientes de seus valores e de seus direitos e deveres. Cresce, portanto, a importância da educação e, mais ain- da, a importância da inserção de todos num programa educacional que pelo menos lhes tire da condição de igno- rância. Em conseqüência, cresce, tam- bém, a necessidade de se planejar programas educacionais flexíveis que possam abranger o mais variado tipo de alunado e que possa, ao mesmo tempo, oferecer o mesmo conteúdo curricular sem perda da qualidade do ensino e da aprendizagem. 1990: JOMTIEM É nesse espírito, acreditando que a pobreza e a miséria verificadas no mundo atual são produtos, em grande parte, da falta de conhecimento a respeito de seus deveres e direitos, e acreditando ainda que a própria falta do direito à educação, que é básico, (e do acesso à informação) constitui fonte de injustiça social, que a Conferência Mundial de Jomtiem sobre Educação Para Todos aconteceu em 1990 e, adotou como objetivo o oferecimento de educação para todos até o ano 2000 . Entre os pontos principais de discussão nessa conferência, desta- cou-se a necessidade de se prover maiores oportunidades de uma edu- cação duradoura, que por sua vez im- plica em três objetivos diretamente relacionados entre si, e que trarão con- seqüências à educação especial: ? o estabelecimento de metas claras que aumentem o número de crian- ças freqüentando a escola; ? a tomada de providências que assegurem a permanência da cri- ança na escola por um tempo longo o suficiente que lhe possibilite obter um real benefício da escolarização, e ? o início de reformas educacionais significativas que assegurem que a escola inclua em suas atividades, seus currículos, por intermédio de seus professores, serviços que efe- tivamente correspondam às neces- sidades de seus alunos, das famí- lias e das comunidades locais, e que correspondam às necessida- des das nações de formarem cida- dãos responsáveis e instruídos. 1994: SALAMANCA Uma conseqüência imediata- mente visível na educação especial, resultante dos objetivos expostos aci- ma, reside na ampliação do conceito de necessidades educacionais espe- ciais. Uma outra se verifica na neces- sidade de inclusão da própria educa- ção especial dentro dessa estrutura de “educação para todos”, oficializada em Jomtiem. Entre outras coisas, o aspec- to inovador da Declaração de Sala- manca consiste na retomada de dis- cussões sobre essas conseqüências e no encaminhamento de diretrizes bási- cas para a formulação e a reforma de políticas e sistemas educacionais. Assim, conforme seu próprio texto afirma (UNESCO, 1994), a confe- rência de Salamanca: “proporcionou uma oportunidade única de colocação da educação especial dentro da estrutura de “educação para todos” firmada em 1990 (...) Ela promoveu uma plata- forma que afirma o princípio e a discussão da prática de garantia de inclusão das crianças com neces- sidades educacionais especiais nessas iniciativas e a tomada de seus lugares de direito numa socie- dade de aprendizagem.” (p.15) No que diz respeito ao con- ceito de necessidades educacionais especiais, a Declaração afirma que: “durante os últimos quinze ou vinte anos, tem se tornado claro que o conceito de necessidades educaci- onais especiais teve de ser ampli- ado para incluir todas as crianças que não estejam conseguindo se beneficiar com a escola, seja por que motivo for.” (p.15) Dessa maneira, o conceito de necessidades educacionais especiais passou a incluir, além das crianças com deficiência, aquelas que estão ex- perimentando dificuldades temporárias ou permanentes na escola, as que estão repetindo continuamente o ano escolar, as que são forçadas a tra- balhar, as que vivem nas ruas ou que moram distantes de qualquer escola, as que vivem em condições de extre- ma pobreza ou que sejam desnutridas, as que sejam vítimas de guerras e conflitos armados, as que sofrem de abusos contínuos físicos ou emocio- nais ou sexuais, ou as que estão fora da escola, por qualquer motivo que seja. O que foi exposto acima nos permite realizar a seguinte trajetória de pensamento: ? até aproximadamente três décadas atrás, o objeto-alvo da educação especial era a pessoa portadora de deficiências; ? nesse sentido, a educação especial poderia ser predominantemente considerada em seu sentido práti- co, de provisão de certos serviços a uma certa “clientela” e, quase in- variavelmente, em um determinado ambiente “especial”, mais propício ao respectivo “tratamento” a ser da- do à sua “clientela”; ? que, por sua vez, implicava na existência de dois sistemas parale- los de educação: o regular e o es- pecial; ? dados os acontecimentos e a pro- gressão histórica dos últimos trinta anos (fortalecimento de ideais de- mocráticos e seus respectivos re- flexos nas formulações de políticas em diversos setores – social, edu- cacional, de saúde, trabalho – de vários países, e no planejamento e implementação das respectivas práticas – sugeridas por tais políti- cas ou resultantes do processo histórico em direção a princípios igualitários –, a “especialidade” da educação especial (parafraseando Carvalho, R.E., 1998) começa a ser colocada em questão; ? em outras palavras, se o objeto- alvo da educação especial passou a ser tão ampliado, a insistência em sua definição em termos pre- dominantemente tão limitantes (a uma clientela específica) não lhe permitiria mais dar conta de suas novas tarefas; ? isso sem contar que, mesmo para algumas de suas velhas tarefas, a educação especial já não vinha obtendo muito êxito em prover respostas eficazes. A esse respei- to, não são poucas as pesquisas e documentos que constatam que a existência de um sistema paralelo de ensino não representa, neces- sariamente, uma provisão educa- cional de maior qualidade, muito menos garante a solução dos “pro- blemas” encaminhados às escolas e classes especiais. Tais conclu- sões são obtidas com base em dados que mostram que o nível de fracasso escolar verificado na “cli- entela” da educação especial é quase tão alarmante quanto o do alunado da educação regular. Esses estudos, em geral, apontam para a relatividade do conceito de “necessidades educacionais espe- ciais” e para a necessidade de ha- ver um ensino especializado que complemente a provisão educacio- nal regular, fazendo, portanto, parte desta, e não constituindo-se em um sistema à parte, com instituições próprias que encarecem ainda mais os serviços, sem necessariamente melhorar a qualidade (Booth, 1987; Cole, 1990; Mittler, 1993). Da mesma forma que a educa- ção especial, a educação regular tam- bém sofre suas conseqüências: o au- mento do contingente de “fracassados” e excluídos apenas formaliza a cons- tatação de sua ineficácia e amplia a obviedade da falácia dela ser um ins- trumento de justiça e promoção social. Essa educação, portanto, também pre- cisava ser revista. Com isso, o que essa nova concepção abrangente de “necessida- des educacionais especiais” provoca é uma aproximação desses dois tipos de ensino, o regular e o especial, na me- dida em que essa nova definição im- plica que, potencialmente, todos nós possuímos, ou podemos possuir, tem- porária ou permanentemente, “neces- sidades educacionais especiais”. E, se assim o é, então não há porque haver dois sistemas paralelos de ensino, mas sim um sistema único, que seja capaz de prover educação para todo seu alunado (por oposição a “clien- tela”), por mais especial que ele possa ser ou estar. Não se trata, portanto, nem de acabar com um nem com outro siste- ma de ensino, mas sim de juntá-los, unificá-los num sistema educacional único, que parta do mesmo princípio (de que todos os seres humanos pos- suem o mesmo valor, e os mesmos direitos), otimizando seus esforços e se utilizando de práticas diferenciadas, sempre que necessário, para que tais direitos sejam garantidos. É isso que significa, na prática, “incluir a educa- ção especial na estrutura de ‘educação para todos’”, conforme mencionado na Declaração de Salamanca (Unesco, 1994). IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS E o que significa esse pensar, no que diz respeito à prática educa- cional? Em primeiro lugar, significa reconhecer que: “inclusão e participação são essen- ciais à dignidade humana e aos gozo e exercício dos direitos hu- manos. No campo da educação, tal se reflete no desenvolvimento de estratégias que procuram propor- cionar uma equalização genuína de oportunidades. A experiência em muitos países demonstra que a in- tegração das crianças e dos jovens com necessidades educacionais especiais é mais eficazmente al- cançada em escolas inclusivas que servem a todas as crianças de uma comunidade.” (Unesco, 1994, p.61) Em segundo lugar, significa entender o que é a escola inclusiva: “o princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as cri- anças deveriam aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter. As escolas inclusivas devem reconhecer e responder às diversas necessidades de seus alunos, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de aprendi- zagem e assegurando uma educa- ção de qualidade a todos por meio de currículo apropriado, modifica- ções organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parcerias com a comunidade (...) Dentro das escolas inclusivas, as crianças com necessidades educa- cionais especiais deveriam receber qualquer apoio extra que possam precisar, para que se lhes assegure uma educação efetiva (...) (Unesco, 1994, p. 61) Em outras palavras, as impli- cações consistem no reconhecimento da igualdade de valores (Booth, 1981) e de direitos, e na conseqüente toma- da de atitudes, em todos os níveis, que reflitam uma coerência entre o que se diz e o que se faz. A título de exemplo, em termos governamentais, isso implicaria na re- formulação de políticas educacionais e na implementação de projetos edu- cacionais do sentido excludente ao sentido inclusivo. Uma grande questão que geralmente aparece sobre esse aspecto, em países, regiões ou locali- dades em que a educação especial já tenha se constituído como sistema pa- ralelo de ensino, refere-se à oneração financeira de tal reformulação. De fato, nenhum começo é fácil. Mas os esfor- ços e investimentos demandados pelo movimento de advocacia de uma edu- cação inclusiva somente são onerosos quando vistos numa perspectiva ime- diatista. A longo prazo, o investimento compensa, como sugerem alguns au- tores (Jones, 1983; Hadley & Wilkinson, 1995). Transformar, por exemplo, as escolas especiais atuais em centros de referência de provisão de educação especial cujo objetivo principal seja fornecer apoio técnico e equipamen- tário às escolas regulares poderia pro- vocar uma saudável reformulação na estrutura básica da educação especial “tradicional” (segregada). Na verdade, a educação espe- cial não se restringe a escolas espe- ciais. Essas são possíveis provisões oferecidas pela educação especial, da mesma forma que o seria uma sala regular com professores assistentes trabalhando os grupos de alunos junto ao professor regente. Assim, a educa- ção especial é muito mais do que as instituições em que ela é oferecida. Ela tanto pode constituir um sistema para- lelo de educação, quanto fazer parte do sistema regular de qualquer contex- to educacional. Dessa forma, nos casos em que tal tradição de ensino segregado não esteja ainda estabelecida, concen- trar esforços e investimentos numa educação inclusiva, já de início, seria de grande vantagem, além de estar em conformidade com o que sugere a Declaração de Salamanca (Unesco, 1994). E, nos casos em que a tradição inclua um sistema paralelo de ensino como palco de acontecimento da edu- cação especial, o vantajoso seria, con- forme sugere o mesmo documento, que os esforços e técnicas gerados nessa instituição sejam socializados e democratizados para o ensino como um todo, de forma que a escola espe- cial se transforme, acima de tudo, num centro de referência e provisão técnica e de geração de conhecimentos a se- rem aplicados na educação regular, para onde iriam, em médio e longo prazos, seus alunos. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O CONTEXTO BRASILEIRO Tal como os aspectos discuti- dos acima, outros aspectos têm sido levantados exemplificando o receio que nações, governos e demais impli- cados possam ter com relação ao processo de transformação da educa- ção de um paradigma de exclusão pa- ra um que seja de inclusão. Por exem- plo, existem preocupações expressas a respeito do nível de capacitação dos profissionais da educação regular e da educação especial, a respeito da falta de investimento no assunto (Fulcher, 1989; Bennett & Cass, 1989; Bowers, 1993), e assim por diante. Tais preocupações, ainda que muito relevantes, muitas vezes aca- bam impedindo a implementação de programas educacionais inclusivos, ou, no mínimo, acabam sendo usadas como justificativas para a manutenção de sistemas paralelos de ensino, o que por sua vez reforça uma certa con- tradição entre o que se verifica no discurso e na prática. O Brasil não constitui exceção. Em seu texto legal, muito embora venha cada vez mais afirmando sua concordância com uma linha inclusiva de educação (ver, por exemplo, o artigo 208 de nossa Carta Magna), na prática verifica-se ainda uma grande discrepância em relação ao que diz a lei ou ao que manifestam as falas de professores e a prática. A esse respeito, Santos (1995) realizou um estudo comparativo entre quatro países europeus e uma capital do sudeste brasileiro (Vitória-ES). O estudo buscou investigar a discrepân- cia entre as políticas de integração e as respectivas práticas de educação apresentadas pelos países e capital brasileira, selecionados neste estudo. Em suas conclusões, a autora conse- guiu levantar, dentre esses países, aqueles cujas práticas educacionais puderam ser consideradas como es- tando mais próximas a uma educação inclusiva, e também alguns indicado- res comuns que, no seu entender, po- deriam oferecer ao contexto brasileiro uma probabilidade de sucesso de im- plementação de programas educacio- nais de cunho inclusivista (respeitan- do-se, obviamente, as peculiaridades do seu próprio contexto). Entre tais indicadores, ela des- tacou: ? sistemas descentralizados de for- mulação e implementação de políti- cas em geral, incluindo as que dizem respeito ao campo da edu- cação. Esses sistemas são carac- terizados por consultarem com freqüência os diretamente implica- dos, bem como por sensibilizarem toda a população sobre as ques- tões pertinentes; ? liderança por parte dos governos no sentido de tomar a frente e pro- por iniciativas práticas para a apre- ciação por e para a participação de todos os envolvidos; ? adoção de reformulação planeja- da, radical, mas gradual (com ex- pectativas de médio e longo prazo para resultados, e curto prazo para ações); ? compromisso político de dar conti- nuidade às propostas encaminha- das, realizando esforços para ga- rantir o financiamento necessário à cada localidade, de forma contínua e consistente, e ? postura firme, por parte de todos os envolvidos, e principalmente das instituições de ensino, a res- peito da “educação para todos” e da inclusão como princípios e processos básicos e inquestioná- veis de suas propostas educa- cionais. Em outras palavras, os indi- cadores acima não constituem receitas prontas para que o Brasil simples- mente consiga seguir um rumo cada vez mais inclusivo. Por outro lado, a importância dos indicadores levanta- dos parece inegável, o que os torna dignos, no mínimo, de consideração por qualquer contexto político-social que se proponha a seguir os ideais de um mundo inclusivo. Até porque, em última instância, é do mundo que se fala quando se fala em inclusão, e não apenas de uma determinada minoria pertencente a uma determinada socie- dade. O movimento pela inclusão, con- forme discutido na primeira parte deste artigo, se refere a uma visão e pers- pectiva de mundo, e não apenas a uma luta por (e de) algumas minorias. Assim sendo, no caso do Brasil, os aspectos acima, se consi- derados e postos em prática, poderiam assegurar uma maior garantia para nos tornar na prática um país de linha mais inclusiva do que o somos no papel. Para tanto, deveríamos conti- nuar fortalecendo os níveis locais de decisão. Deveríamos buscar eleger e vigiar candidatos políticos comprome- tidos com esse ideal de mundo, de uma sociedade menos excludente e mais inclusiva, cujas propostas primem por setores básicos que elevem o Brasil a essa condição. Deveríamos eleger líderes que tomassem iniciati- vas no sentido de motivar e conclamar os cidadãos a participarem de seus projetos; líderes comprometidos, aci- ma de tudo, com a continuidade de projetos socialmente relevantes, tanto os iniciados por sua administração quanto aqueles iniciados por adminis- trações anteriores. É preciso, ainda, que tenha- mos uma perspectiva realista: não se mudam atitudes da noite para o dia, sejam elas individuais ou coletivas. Principalmente quando consideramos que toda nossa tradição histórica tem sido ou omissa ou preconceituosa. Aqueles que pertencem aos grupos privilegiados que têm acesso ao saber, à instrução e à informação e aqueles que têm a oportunidade de fazer uso de sua educação de uma forma crítica têm, no mínimo, o compromisso moral de discutir e de se posicionar a favor ou contra, com e a respeito dos grupos imediatamente atingidos por uma so- ciedade excludente. É por meio des- ses “esclarecidos” profissional e pes- soalmente que soluções podem ser pensadas, repensadas, e postas em prática. BIBLIOGRAFIA BENNETT, N. & CASS, A. (1989) From special to ordinary schools. case studies in integration. London: Cassel. BOOTH, T. (1981) “Demystifying integration”. In: SWANN, W. (Org.). The practice of special education. Oxford: Basil Blackwell/Open University Press. ____ . (1987) “The policy and practice of integration”. In: BOOTH, T. et alii (Org.). Preventing difficulties in learning. London: Blackwell. BOWERS, T. (1993) “Funding special education”. In: VISSER, J. & UPTON, G. (Orgs.). 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Publicado na Revista Integração – Ano 10 – nº 22/2000 Para Maristela De: Gizeli Alencar Achei esse artigo no meio das minhas coisas. Espero que lhe sirva. Um abraço Cabe esclarecer que a “educação para to- dos”, enquanto princípio, pode ser encontrada em vários documentos nacionais de diversos países, documentos estes anteriores à referida Declaração. No entanto, essa Declaração se constitui num marco à medida que reúne, em um só documento de representatividade inter- nacional, várias das implicações teóricas e práticas (por exemplo, de reformas nos siste- mas educacionais) que esse princípio traz aos países que o admitem como plataforma de base de suas políticas educacionais. Segundo a própria declaração de Jomtiem, a população mundial de crianças em idade esco- lar aumentará de 508 milhões em 1980 para 724 milhões no ano 2000. Se, no ano 2000, os índices de matrícula continuarem os mesmos que em 1990, haverá mais de 160 milhões de crianças sem acesso à educação primária, meramente devido ao crescimento populacio- nal (Unesco, 1994, p. 17) 3 9