ASSESSORIA CIANORTE Profª Gizeli Alencar CLASSIFICAÇÃO DE RETARDO MENTAL Maria Amélia Almeida De acordo com a Associação Americana de Retardo Mental (AAMR, 1992), "RETARDO MENTAL se refere a limitação substanciais no funcionamento atual dos indivíduos. É caracterizado por um funcionamento intelectual significativamente abaixo da média, existindo concomitante com relativa limitação associada a duas ou mais áreas de condutas adaptativas, indicadas a seguir: comunicação, cuidados pessoais, vida no lar, habilidades sociais, desempenho na comunidade, independência na locomoção, saúde e segurança, habilidades acad6emicas funcionais, lazer e trabalho. O retardo mental se manifesta antes dos 18 anos". (Luckasson, Couter, Palloway, Reiss, Schalock, Snell, Spitalmik e Stark, 1992). Explicação da definição Retardo mental se refere as limitações substanciais do funcionamento presente... é definido como uma dificuldade fundamental em aprender e desempenhar certas habilidades de vida diária. As capacidades pessoais as quais apresentam limitações substanciais são de ordem conceitual, prática e inteligência social. Essas três áreas são especificamente afetadas no retardo mental, enquanto que outras capacidades pessoais (como por exemplo: saúde e temperamento) não são. É caracterizado por funcionamento intelectual significativamente abaixo da média... isto é, definido como score padronizado de QI de aproximadamente 70 a 75 ou abaixo, baseado em avaliação que inclui a aplicação de ou mais testes de inteligência aplicado individualmente com o objetivo de avaliar o funcionamento intelectual. Esses dados devem ser revisados por uma equipe multidisciplinar e validados por teste educacional ou informação avaliativa. Existindo concomitantemente... A limitação intelectual ocorre ao mesmo tempo que as limitações em habilidades adaptativas. Com limitações relacionadas... As limitações em habilidades adaptativas estão relacionadas mais de perto com a limitação intelectual do que com alguma outra circunstância, como diversidades lingüísticas e culturais ou limitações sensoriais. Associados a duas ou mais áreas de conduta adaptativa... É necessário evidência de limitação em condutas adaptativas porque o funcionamento intelectual sozinho é insuficiente para o diagnóstico de retardo mental. O impacto do funcionamento dessas limitações deve ser suficientemente compreensivo para incluir pelo menos duas áreas de conduta adaptativas, demonstrando assim uma limitação generalizada e possibilita a redução de probabilidade de erro na mensuração. Comunicação, cuidados pessoais, vida no lar, habilidades sociais, desempenho na comunidade, independência na locomoção, saúde e segurança, habilidades acadêmicas funcionais, lazer e trabalho... Essas habilidades são importantes para o sucesso funcional e estão freqüentemente relacionadas à necessidade de apoio que as pessoas com retardo mental apresentam. Devido a relevância de cada habilidade das condutas adaptativas, que podem variar, a avaliação do funcionamento deve ter como referência a idade cronológica da pessoa. O retardo mental se manifesta antes doa 18 anos... O 18º aniversário aproxima a idade quando o indivíduo, nesta sociedade, assume tipicamente as responsabilidades de adulto. Em outras sociedades, um critério diferente em idade pode ser determinado. As quatro suposições seguintes são essenciais para a aplicação desta definição... Essas afirmações são essenciais para o significado da mesma e não podem ser conceitualmente separadas. A aplicação da definição deve incluir tais afirmações, porque as mesmas apresentam implicações claras para posterior avaliação e intervenção. SUPOSIÇÕES As quatro suposições abaixo são essenciais para a aplicação das novas definições: 1. Para ser considerada válida, a avaliação deve levar em conta as diversidades culturais e lingüísticas, assim como diferenças na comunicação e fatores comportamentais. Fracasso em considerar fatores com a cultura, linguagem, comunicação e comportamento de indivíduo podem invalidar a avaliação. O julgamento de profissionais sérios e emprego de equipes multiprofissionais preocupadas com o indivíduo e suas necessidades e circunstâncias particulares podem levar à validade da avaliação. 2. A existência de limitações em condutas adaptativa ocorre dentro do contexto de ambiente comunitários típicos da idade dos padres do indivíduo e estão indexadas às necessidades de ajuda individual da pessoa... Os ambientes comunitários típicos dos pares da mesma idade do indivíduo estão relacionados com a casa, a vizinhança, a escola, a vida, a aprendizagem, o trabalho. O conceito de idade dos pares deve também incluir considerações sobre indivíduos do mesmo background cultural e lingüístico. A determinação das limitações em habilidades adaptativas combina com a análise do apoio que não pode incluir serviço que o indivíduo necessita e apoio no ambiente. 3. Limitações adaptativas específicas freqüentemente coexistem com outras condutas adaptativas ou outras capacidades pessoais... Indivíduos sempre têm facilidade em habilidades pessoais, independente do retardo mental. Exemplos incluem: a) um indivíduo pode ter facilidade para habilidades acadêmicas ou sociais que existem independentemente das limitações em habilidades adaptativas relacionadas ao retardo mental. (Ex. Boa saúde); b) um indivíduo pode ter facilidade para uma área particular de habilidade adaptativa (Ex. habilidades sociais) enquanto podem apresentar dificuldade em outra área (Ex. comunicação); e c) o indivíduo pode apresentar certa facilidade para uma habilidade adaptativa específica, enquanto que ao mesmo tempo pode apresentar limitações dentro de uma mesma área (Ex. matemática funcional e leitura funcional, respectivamente). Algumas habilidades dessas pessoas podem ser melhor entendidas quando comparadas com as limitações que o indivíduo apresenta. 4. Com ajuda apropriada, a vida funcional do indivíduo com retardo mental geralmente apresentará melhoras... ajuda apropriada se refere à ordem de serviços, indivíduos e ambientes que combinam com as necessidades da pessoa retardada. Embora o retardo mental possa não ter duração vitalícia é provável que algumas pessoas necessitem de apoio por um longo período de tempo. Assim para muitos indivíduos, há necessidade do apoio ser vitalícia. Para outros indivíduos, no entanto, a necessidade do apoio ser intermitente (com interrupções). Realmente, todas as pessoas com retardo mental apresentarão melhoras em seu funcionamento como resultado de apoio e serviços efetivos. Essa melhora as tornarão mais independentes, produtivas e integrais em sua comunidade. Em adição, se os indivíduos não estão apresentando melhoras significativas, isso poderá determinar se o apoio que estão recebendo está sendo efetivo e se mudanças são necessárias. Finalmente, em raras circunstâncias, o objetivo principal deve ser o de manter o nível de funcionamento atual ou retardar a regressão com o passar do tempo. Dimensões da definição de retardo mental A definição de retardo mental em 1992 estará baseada na abordagem multidimensional. Essa abordagem permite uma descrição acurada das mudanças que ocorrem com o passar do tempo, da mesma forma que avalia as respostas dos indivíduos de acordo com o crescimento presente, mudanças ambientais, atividades educacionais e intervenção terapêutica. A intenção da abordagem multidimensional é: 1. Ampliar a conceituação de retardo mental; 2. Evitar a confiança em QI para determinar o nível de deficiência; 3. Relacionar as necessidades do indivíduo com os níveis apropriados de apoio; Esta intenção é completamente pelo enfoque nas quatro dimensões, relacionadas abaixo, no processo de definição, classificação e sistemas de apoio. Dimensão I. Funcionamento intelectual e habilidades adaptativas; Dimensão II. Considerações psicológicas/emocionais; Dimensão III. Considerações física/ de saúde/ etiológicas; Dimensão IV. Considerações ambientais. Do ponto de vista do indivíduo, a abordagem multidimensional exige que a descrição compreensiva da pessoa com retardo mental inclua: 1. A existência de retardo mental (como um oposto à outra condição de deficiência); 2. Considerações sobre as facilidades e dificuldades da pessoa em termos de condições psicológicas, emocionais, físicas e de saúde; 3. Considerações sobre os ambientes que a pessoa vive, ou seja, casa, escola, trabalho e comunidade, que facilitariam os restringiriam fatores de qualidade; 4. O ambiente e sistemas ideais de apoio que podem facilitar a independência/interdependência da pessoa, bem como sua produtividade e sua integração na comunidade; 5. Um perfil dos tipos de apoio necessários baseados nos fatores acima. O quadro (anexo) explica os três passos do processo para diagnóstico, classificação e sistemas de apoio. A partir do momento que a pessoa foi diagnosticada, é necessário descrever suas facilidades e dificuldades (pontos fortes e pontos fracos) através do quadro dimensões (passo 2). Como regra geral, apoio e nível de necessidade de habilitação da pessoa se igualam as limitações do indivíduo. Assim, o passo 3 exige que a equipe interdisciplinar determine a intensidade de apoio necessário através das quatro dimensões (funcionamento intelectual e habilidades adaptativas, considerações psicológicas/emocionais, considerações físicas, de saúde e etiológicas e condições ambientais). As quatro possíveis intensidades de apoio necessário são definidas assim: APOIO INTERMITENTE O apoio é oferecido conforme as necessidades do indivíduo. É caracterizado de natureza episódica, pois a pessoa nem sempre necessita de apoio. O apoio geralmente se faz necessário por períodos curtos durante transições ao longo da vida, como por exemplo, perda do emprego ou uma crise médica aguda. Apoio intermitente pode ser de alta ou baixa intensidade. APOIO LIMITADO A intensidade de apoio é caracterizada por consistência ao longo do tempo. O tempo é limitado, mas não de natureza intermitente, podendo exigir poucos membros do staff e de custo menor comparado com outros níveis de apoio mais intensivos. Exemplos desse tipo de apoio poderiam ser: a) treinamento realizado pela escola para o emprego no mercado competitivo; b) treinamento em habilidades de vida diária, como, por exemplo, ensinar um portador de retardo mental a "escovar os dentes", c) em assinar um portador de retardo mental nadar. APOIO PERMANENTE Apoio caracterizado pela sua constância e alta intensidade. É oferecido nos ambientes onde a pessoa vive. É de natureza para sustentação da vida do indivíduo. O apoio permanente tipicamente envolve mais membros do staff e é o mais intensivo que o apoio por tempo limitado ou apoio amplo em ambientes específicos. IMPLICAÇÕES DA NOVA CLASSIFICAÇÃO A primeira implicação está relacionada aos elementos do retardo mental e a intensidade do apoio necessário. Primeiro, o uso de um único código de diagnóstico do retardo mental, remove os rótulos anteriores baseados em QI (leve, moderado, severo e profundo). A pessoa é diagnosticada como tendo um retardo mental baseado no encontro de três critérios: idade, habilidades significantemente abaixo da média em funcionamento intelectual em duas ou mais áreas de conduta adaptativa. O conceito de apoio necessário reflete uma perspectiva contemporânea de acordo com o grau de expectativa de crescimento e potencial da pessoa. Enfoca escolha, oportunidade e autonomia pessoal e a necessidade da pessoa estar ao mesmo tempo dentro e fora da comunidade. O sistema também reflete a realidade, de que muitas pessoas com retardo mental não apresentam limitações em todas as áreas de habilidades adaptativas e, portanto, não necessitam de apoio nas áreas não afetadas. Essa parte do sistema também muda o foco de prestação de serviços bem como da orientação e manutenção para um atendimento que enfatiza o crescimento e desenvolvimento pessoal. A última implicação do novo sistema se relaciona com a terminologia. Termos como retardo mental leve, moderado, severo e profundo não serão mais usados. Assim, o diagnóstico deve ser: "uma pessoa com retardo mental que necessita de apoio limitado em habilidade de comunicação e socialização". Um outro exemplo de diagnóstico, poderia ser: "uma pessoa com retardo mental que necessita de apoio amplo (regular) nas áreas de habilidades sociais e auto direção". Essas descrições são mais funcionais e relevantes do que o sistema de rótulos corretamente usados. Além do mais, estão orientadas para a prestação de serviços e seus resultados. CONCLUSÃO Comparando-se a definição atual proposta em 1992 pela AAMR (associação Americana de Retardo Mental), com aquelas propostas por Grossman em 1973, 1977 e 1983 à então AAMC (Associação Americana de Deficiência Mental), podemos concluir que: 1. O QI permanece central às definições, quase um século após ter sido “descoberto” apesar do acúmulo de críticas quanto a sua utilização para definir e diagnosticar a deficiência (NUNES e FERREIRA, 1994). 2. Os critérios básicos da nova definição são os mesmos das definições anteriores: funcionamento intelectual abaixo da média e problemas de adaptação. A grande diferença é que a nova definição identifica 10 áreas específicas consideradas importantes para a adaptação (comunicação, cuidados pessoais, vida no lar, habilidades sociais, desempenho na comunidade, independência na locomoção, saúde e segurança, habilidades acadêmicas funcionais, lazer e trabalho). 3. A nova definição assume um patamar mais alto do ponto de corte no QI, a chamada variação normal da inteligência e a deficiência, que tem sido de 70 e não de 75. Com isso, a população potencialmente elegível para o atendimento em Educação especial, aumentará. (MACMILLIAN, GRESHAM, SIPERSTEIN, 1993). 4. A nova definição propõe alteração na natureza do sistema de classificação por rótulos, que deveria não mais usar os níveis leve, moderado, severo e profundo, mas caracterizar a população considerada como deficiente mental em termos do grau da necessidade do apoio: intermitente, limitado, amplo e permanente. 5. A nova definição, também, enfatiza o fato de que o retardo mental pode não ter duração vitalícia. A partir do momento que seu portador não mais apresenta limitações em duas ou mais áreas de conduta adaptativa, o diagnóstico de retardo mental não mais deverá ser considerado correto, pois o encontro dos três critérios básicos para a condição de retardo mental: idade e habilidades significativamente abaixo da média em funcionamento intelectual e em duas ou mais áreas de conduta adaptativa, não mais ocorre. No Brasil, a novidade ainda é pouco discutida. Há registro na literatura apenas de caráter informativo (BITTENCOURT E PEREIRA, 1993) e o MEC 1994, já incorpora a nova definição no discurso oficial. Segundo NUNES e FERREIRA, 1994, nos Estados Unidos, as publicações têm mantido a polêmica sobre os aspectos positivos e negativos da proposta. Segundo a MRDD Express, 1993, para alguns autores e associações, a forma como se aborda a questão da conduta adaptativa demonstra avanços em termos conceituais e aponta ações educacionais, embora, distinguir um comportamento "adaptativo" deu um "não adaptativo" não é muito diferente de separar o "anormal" ou o "deficiente". Será que os quatro níveis de retardo mental não mais reconhecidos nesta definição serão substituídos pelos seus novos equivalentes? Será possível que os novos termos tragam os mesmos significados práticos das definições anteriores? Vejamos "necessidade de apoio permanente" ( profundo), "necessidade de apoio amplo/regular" (severo), "necessidade de apoio limitado" (moderado) e necessidade de apoio intermitente (leve). Se isso acontecer, quais foram os ganhos com a troca desse aspecto da definição? Sabemos de antemão, que a mudança resultará em ganhos para pessoa portadora de retardo mental, pois muitas delas não apresentam limitações em todas as áreas de habilidades adaptativas e conseqüentemente não necessitarão um de apoio nas áreas não afetadas. No entanto, faz-se necessário um estudo mais aprofundado, sobre as implicações que esta nova proposta poderá trazer para a prática da Educação especial no Brasil. REFERÊNCIAS BITTENCOURT, M. L. e PEREIRA, O. S. (1993). Novo conceito de retardo mental. Revista Pestalozzi, 22-26. BRASIL, MEC (1994). Política Nacional de Educação Especial: SEESP. GROSSMAN, H. J. (1973, 1977, 1983, eds) Manual onm terminology and classification in mental retardation. Washington, D. C. AAMD (Americam Association on Mental Deficiency). LUCKASSON, R. COUTER, D. L., POLLOWAY, E.A., REISS, S., SCHALOCK, R. I., SBELL, M. E., SPITALMIK, D.M. e STARK, J. A. (1992). Mental Retardation – Definition, classification, and Systemas of Supports. 9ª ed. Washington, D. C. American Association on Mental Retardation. MACMILLAN, D. L., GRESHAN, F. N. E SIPERSTEIN, G. N. (1993). Conceptual and psychometric concerns about the 1992 AAMR definition of mental retardation. American Journal of mental retardation, 98, 325-335. NUNES, L. R. O. E FERREIRA, J. R. (1994) Deficiência mental: o que as pesquisas brasileiras têm revelado. Trabalho submetido para publicação ao periódico. Em aberto.