INSTITUTO CATARINENSE DE PÓS-GRADUAÇÃO Revista Leonardo Pós Vol. 1 n.1 Órgão de Divulgação Científica e Cultural do ICPG ICPG jan.-jun/2002 13 A inclusão da pessoa com necessidades educativas especiais no contexto educacional Inez Salvi Silvio L. I. Weiss Associação Educacional Leonardo da Vinci - ASSELVI Curso de Especialização em Psicopedagogia Resumo Este artigo permite visualizar a deficiência em sua construção histórica, possibilitando tanto elucidar conceitos pertinentes à Educação Especial, a processos e trajetória de implementação de atendimentos educacionais quanto elucidar o processo de inclusão das pessoas com necessidades educativas especiais no contexto educacional. Possibilita, igualmente, acompanhar o processo de execução dos diversos serviços educacionais e de apoio, bem como os dispositivos constitucionais que preconizaram a Educação Especial, numa demonstração de que a exclusão dessas pessoas foi construída historicamente pela humanidade e perpetuada, gradativamente, até os dias atuais, pela falta de compromisso em assumir a problemática da deficiência verdadeiramente. Palavras-chave: Educação especial - Inclusão - Pessoas com necessidades educativas especiais. 1. INTRODUÇÃO da citação de Pessotti, que as pessoas portadoras de deficiência foram expostas a julgamentos de cunho religioso, que colocavam o homem como imagem e semelhança de Deus, relevando a idéia O presente artigo tem como objetivo demonstrar, de perfeição física e mental para a condição humana e negligenci- através de inúmeras pesquisas científicas, o grande avanço ocor- ando, completamente, a compreensão e educação do portador de rido nos estudos a respeito da Educação Especial e da pessoa deficiência. com necessidades educativas especiais, o que fortaleceu o movi- mento de expansão da inclusão e possibilitou a unificação do No Século XIX, iniciaram os primeiros estudos ci- ensino regular e especial, rumo a práticas cada vez mais inclusi- entíficos da deficiência, mais especificamente relacionados à defi- vas. Este trabalho procura, também, relacionar questões ciência mental. Essas teorias foram construídas inteiramente den- conceituais referentes à pessoa com necessidades educativas tro do saber médico, ao sabor dos fatores sócio-culturais e histó- especiais, de maneira a esclarecer alguns termos construídos so- ricos que regiam a evolução desse saber na época. Em relação a cialmente, sendo que esse estudo remonta, de forma generaliza- esse assunto, Fonseca (1995, p. 8) afirma que: "neste período, são da, a um histórico da educação especial, fazendo um viés na legis- de destacar, pelo seu interesse global, os trabalhos de Esquirol, lação inclusiva que proporcionou a garantia de direitos sociais e, Séguin, Itard, Wundt, Ireland, Ducan e Millard, Morel, Lombroso, por fim, fortalecendo a inclusão da pessoa com necessidades Down, Galton, Tuke, Rusch, Dix e outros ...", que imprimiam ao educativas especiais no contexto educacional. assunto uma abordagem científica. Embora diversas pesquisas e estudos já fossem desenvolvidos, conforme foi abordado anteri- Segundo Castro (1989), no decorrer da história da ormente, nesse período da história, os portadores de deficiência civilização, pode-se constatar que foi gradativo o reconhecimen- ainda viviam enclausurados em instituições, verdadeiros depósi- to do espaço conquistado socialmente pelas pessoas considera- tos de segregados, sem tratamento especializado nem programas das excepcionais1 [1]. Essa conquista relevante na sociedade pas- educacionais que propiciassem condições de aprendizagem. sou por diferentes momentos, objetivando, principalmente, o com- bate aos preconceitos estereotipados em relação às pessoas defi- Por sua vez, a sociedade do século XX procurou cientes. sanar as suas próprias deficiências sociais, buscando tratamento e assistência à pessoa portadora de deficiência, sendo que estu- Analisando historicamente a evolução da educa- dos a respeito passaram do campo teológico, depois do metafísico ção especial em todo o mundo, através de pesquisa de diversos e do científico para ser objeto de estudo interdisciplinar de inte- escritores da área (Fonseca, Pessotti, Montoan, Ferreira e ou- resse das áreas médica, social, psicológica, pedagógica, econô- tros...), é possível verificar semelhanças caracterizadas por segre- mica e política. O progresso da medicina e o desenvolvimento da gação e exclusão do portador de deficiência. em diversas socieda- filosofia humanista contribuíram para uma nova visão de homem. des. De acordo com Pessotti (1984, p.187), "freqüentemente na história dos povos, o medo do desconhecido tem gerado ansiedades cuja amenização é buscada na eliminação das fontes de incerteza (...). Os demônios eram expulsos com os açoites ou a fogueira. Agora que o perigo está no próprio defici- ente é ele que se deve expulsar". Pode-se compreender, através INSTITUTO CATARINENSE DE PÓS-GRADUAÇÃO Vol. 1 n.1 Revista Leonardo Pós 14 jan.-jun/2002 ICPG Órgão de Divulgação Científica e Cultural do ICPG 2. A inclusão das pessoas com necessidades afirmando que a "inclusão significa ajudar todas as pessoas educativas especiais (crianças e adultos) a reconhecer e apreciar os dotes únicos que cada indivíduo traz para uma situação ou para a comunidade". Embora as duas perspectivas terminológicas apresentem como Atualmente, todo o segmento de profissionais, pais tese principal a incorporação das PNEE no ensino regular, a inclu- e as próprias pessoas com necessidades educativas especiais são possibilita o repensar em relação às estruturas escolares, con- denominam como inclusão um novo paradigma de pensamento e siderando e reestruturando as questões pedagógicas, capazes de ação, no sentido de incluir todos os indivíduos socialmente, in- acolher, incondicionalmente, qualquer educando, com o compro- clusive no contexto educacional. misso de propiciar educação de qualidade. Esse novo paradigma de pensamento e ação visa É relevante elucidar que as terminologias utilizadas combater conceitos estereotipados, contribuindo para o equilí- para definir essa clientela sempre estiveram, em épocas distintas, brio do processo de desenvolvimento das PNEE, pois somente atreladas a conceitos sociais. Na Antigüidade, as pessoas com com mecanismos de compensação das limitações apresentadas deficiência eram consideradas como degeneração da raça huma- por esses indivíduos, a escola poderá fortalecer atitudes de supe- na. Na Idade Média, eram tidas como bobos da Corte, crianças de ração dos sentimentos de inferioridade. Essas ações devem ser Deus ou portadoras de possessões diabólicas. Na Idade Moder- implementadas com métodos e procedimentos especiais, que tor- na, foram utilizadas as designações idiota, imbecil, cretino, de- nam possível a operacionalização de tais mecanismos. mente e anormal. Na Sociedade Contemporânea, foi dado um novo Nesse sentido, as inovações tecnológicas produ- enfoque em relação a esses indivíduos, os quais foram aclarados zidas pela humanidade possibilitam a viabilização de novas for- por excepcionais, pessoas portadoras de deficiência e, atualmen- mas de comunicação e tecnologia, pois facilitam o acesso às in- te, por pessoas com necessidades educativas especiais. formações científicas no campo da deficiência, disponibilizando No terceiro milênio, é necessário aceitar e reconhe- às pessoas opções de tratamento e recursos adaptados, o que cer que a deficiência é parte comum da variada condição humana, minimiza as dificuldades dessa clientela. e sua aceitação conduz ao respeito, à dignidade e à busca da convivência harmoniosa entre todas as pessoas na sociedade, 2.1. Conceituação independente de terminologias ou significações de ordem social. Para tornar mais compreensível a abordagem do 2.2. Educação especial no Brasil tema em questão, é importante a definição de alguns termos fun- damentais, apresentados para designar a educação especial. A A educação especial, no Brasil, surgiu para ofere- Constituição do Brasil (1988) utiliza, no artigo 208, a expressão " cer escolaridade a crianças com anormalidades que, a princípio, pessoas portadoras de deficiência, incluindo, neste universo, foram determinadas como prejudiciais ou impedidas de se inseri- pessoas com deficiência mental, visual, auditiva, física, motora, rem no processo regular de ensino. De acordo com Bueno (1994, deficiências múltiplas, autismo, distúrbios severos de comporta- p. 24): mento, distúrbios de aprendizagem e superdotação". O processo de incorporação Todo processo de ampliação dessa clientela na escola regular denomina- da Educação especial quer em relação à va-se integração, sendo que os portadores Na Antigüidade, as pessoas com quantidade de crianças por ela absorvidas, de deficiência deveriam acompanhar os currí- quer na diversificação das formas de atendi- deficiência eram consideradas mento e do tipo de clientela[...], reflete a culos das escolas regulares, tendo que, ne- cessariamente, adaptar-se ao espaço escolar. como degeneração da raça ampliação de oportunidades educacionais para crianças que, por características pró- O conceito de pessoas com ne- humana. Na Idade Média, eram prias, apresentam dificuldades para se inse- cessidades educativas especiais, posterior- rirem em processos escolares historicamen- mente apresentado na Declaração de tidas como bobos da Corte, te construídos... Salamanca (1994, p. 18), relaciona "a expres- são necessidades educativas especiais refe- crianças de Deus ou portadoras Na verdade, a situação do nos- rindo-se a todas as crianças e jovens cujas so país, no século XX, apresenta um déficit de possessões diabólicas. educacional com números que deslustravam necessidades decorrem de sua capacidade ou de suas dificuldades de aprendizagem". For- qualquer país desenvolvido. Segundo Moll talece que as escolas devem acolher todas as (1996, p. 21), "o desenvolvimento urbano-in- crianças, independentemente de suas condi- dustrial, próprio do avanço das relações capi- ções físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou ou- talistas de produção, vai encontrar no analfabetismo um entrave à tras, com utilização de uma pedagogia equilibrada, capaz de bene- necessidade emergente de cidadãos que dominem a língua escrita ficiar todas as crianças. Nesse momento histórico, é fundamental para maior `integração social' e `inserção profissional' ". observar que essa nova proposta fortalece a necessidade de trans- Portanto, o processo de exclusão sempre esteve formações sócio-educacionais, consolidando a educação inclusi- presente na história da educação brasileira, especificamente nas va e respeitando a diversidade humana. Nesse processo, a camadas populares, onde crianças, adolescentes e adultos eram integração é substituída por um termo de maior abrangência, classificados por suas características étnicas e sócio-econômicas renomeada por inclusão que, segundo Stainback (1999, p.178), e relegados à margem da sociedade, sendo que sua efetiva parti- significa "o processo de criar um todo, de juntar todas as crianças cipação social desordenava o curso natural da história e o pro- e fazer com que todas aprendam juntas". O autor complementa gresso da humanidade. INSTITUTO CATARINENSE DE PÓS-GRADUAÇÃO Revista Leonardo Pós Vol. 1 n.1 Órgão de Divulgação Científica e Cultural do ICPG ICPG jan.-jun/2002 15 Segundo Ferreira (1993, p.25), "no Brasil, a entrada Verifica-se, nesse contexto, que a educação espe- da psicologia no ambiente escolar acompanhou, também, as exi- cial brasileira é bastante dependente de organizações e entidades gências do modelo econômico e do processo de ampliação da filantrópicas da sociedade civil. Bueno ( apud Ferreira, 1993, p.32) escola pública". Com o fortalecimento urbano- entende que essa tendência se deu, " para industrial e a necessidade de preparação para que a deficiência permanecesse no âmbito o trabalho, houve a necessidade de aplicação da caridade pública e impedindo, assim, que de diagnóstico e tratamento escolar, realizan- as necessidades se incorporassem no rol dos do a seleção através de testes de medidas de direitos da cidadania". inteligência e interesses. Juntamente com o fra- Nesse sentido, Ross (2000, p. casso escolar das classes populares, ratifica- A educação especial brasileira 48) afirma: vam a imobilidade da escola diante de supos- Essa argumentação visa res- tas deficiências dos indivíduos e de sua classe é bastante dependente de gatar a suposta autonomia individual que social. teria sido perdida com processos organizações e entidades Na revista Integração (1989, p. intervencionistas por parte do estado. Só 30), é tratado o pioneirismo do ensino para ce- filantrópicas da sociedade civil. seria o indivíduo quando fossem recupera- gos e surdos. Nela se descreve a criação das das as condições para sua autonomia. A primeiras entidades que realizavam atendimen- redução do aparato público de atendimen- to especializado em educação especial. Em to na área da educação especial possibili- 1854, fundou-se o Imperial Instituto dos Meni- taria às pessoas com necessidades especi- nos Cegos, atual Instituto Benjamin Constant ais a oportunidade de exercerem seu (IBC), que realizava atendimento especializado na educação de empoderamento, estabelecerem escolhas nos diversos proces- cegos, do pré-escolar ao 2º grau, inclusive com supletivo e prepa- sos sociais dos quais possam vir a participar. ração para o trabalho. Outro órgão pioneiro, na sua área, é o Ins- Longe de ser um atendimento educacional ideal, tituto Nacional de Educação de Surdos (INES), fundado em 1857, são inúmeras as escolas de caráter público e privado, que realizam que prestava atendimento especializado na área da deficiência atendimento especializado às PNEE. Embora esse tipo de atendi- auditiva e, atualmente, é centro de referência nacional na educa- mento educacional que classifica indivíduos por seus pares não ção de surdos, inclusive com formação de profissionais da defici- seja, necessariamente, inclusivo, é uma alternativa construída ência auditiva. Ambos foram fundados por Dom Pedro II. socialmente para atender a uma demanda de pessoas que consti- Nas décadas de 1910 e 1920, aparecem as primeiras tuem um universo desacreditado como ser humano em potencial. discussões sobre a educação do deficiente mental, com bases em estudos realizados por pesquisadores do século anterior, sendo que pouco contribuíram para a diminuição de conceitos estereoti- 2.3. Legislação inclusiva pados em relação à deficiência. Segundo Ferreira (1993, p.32), "a partir da década de 1930, surgem no Brasil as Primeiras Socieda- Progressivamente, través dos tempos, a legislação des Pestalozzi". Eram instituições especiais de educação, que brasileira incorporou em suas leis, vários artigos que expressam a perpetuavam as idéias pedagógicas de Pestalozzi (1746-1827), com garantia de direitos às PNEE, impulsionando mecanismos de ação pretensão de desenvolver, ao máximo, as potencialidades da e regulamentação de acesso ao espaço social e educacional. En- criança, mas em termos quantitativos apenas. Suas bases foram tretanto, ocorre a necessidade de efetivar estratégias para que lançadas, no Brasil, em Minas Gerais, pela educadora Helena esses direitos se efetivem na realidade, oferecendo mecanismos Antipoff. viabilizadores de um trabalho que atenda, especificamente, às Seguindo o caminho da história, verifica-se que, necessidades apresentadas por essa clientela. diante das dificuldades dos pais em matricular seus filhos nas Da legislação que regulamenta a garantia de aces- escolas regulares, em 11 de novembro de 1954, foi fundada na so aos ambientes educativos para as PNEE, serão descritas e cidade do Rio de Janeiro, a primeira APAE do Brasil, destinada a analisadas algumas regulamentações, que tornaram possível re- promover o bem estar dos excepcionais, funcionando com cerca ver a inclusão dessa demanda. As Leis 4.024/61 e 5672/71 trouxe- de 20 alunos inicialmente. Nas décadas seguintes, segundo do- ram, ao cenário educacional dessa época, poucas contribuições: cumento elaborado pela Federação Nacional das APAEs, nomea- apenas reforçaram que os portadores de deficiência deveriam ser da de APAE Educadora ( 2001, p.12), inúmeras entidades como atendidos na rede regular de ensino e, quando necessário, deve- essa foram criadas, chegando o novo milênio com 1800, atenden- riam receber tratamento especializado. É importante considerar do160 mil pessoas com necessidades educativas especiais apro- que esse atendimento especializado era realizado em turmas espe- ximadamente. ciais, dentro das próprias instituições, e que as crianças que com- Na revista Educação, Sassaki (1999, p..39) referencia punham essas classes eram diagnosticadas pela professora sem que "durante o período de 1970-1990, ocorreu o processo deno- critérios fidedignos de avaliação. A partir dessa forma minado de integração, onde crianças e jovens com deficiência classificatória de fracasso escolar, muitas crianças foram estigma- mais aptos eram encaminhados às escolas regulares, sendo que tizadas e caracterizadas como desviantes das normas permaneciam neste local se conseguissem acompanhar o proces- preestabelecidas no contexto educacional. so educacional comum". Nesse período, foram criadas, dentro Em 1988, com a promulgação da nova Constituição das escolares comuns, as classes especiais e as salas de recursos Federal, foi estabelecido que a educação é direito social de todo para atender deficientes mentais ou sensoriais, inclusive dificul- cidadão brasileiro. O artigo 208 prevê como dever do Estado "o dades de aprendizagem. atendimento educacional especializado aos portadores de defici- INSTITUTO CATARINENSE DE PÓS-GRADUAÇÃO Vol. 1 n.1 Revista Leonardo Pós 16 jan.-jun/2002 ICPG Órgão de Divulgação Científica e Cultural do ICPG ência, preferencialmente na rede regular de ensino". Esse dispo- mentalmente sua identidade social, ressaltando que as diferenças sitivo legal aparece revisto, posteriormente, na Lei nº 9.394/96, são normais e a escola deverá considerar essas múltiplas diferen- que reafirma ser dever do estado promover "o atendimento edu- ças, promovendo as adaptações necessárias, que atendam as cacional especializado gratuito aos educandos portadores de ne- necessidades de aprendizagem de cada educando no processo cessidades educativas especiais, preferencialmente na rede regu- educativo. lar de ensino" (art. nº4º, inc. III). Essa mesma lei prevê serviços de Esse documento fortalece que "os programas de apoio especializado e abre possibilidades ao atendimento em clas- estudos devem ser adaptados às necessidades da criança e não o ses, escolas ou serviços especializados, quando não houver pos- contrário. As escolas deverão, por conseguinte, oferecer opções sibilidade de integração na classe comum. É relevante ressaltar curriculares que se adaptem às crianças com capacidade e inte- que essa Lei avança no sentido de destacar a Educação Especial resses diferentes" (Declaração de Salamanca, 1994, p.33). Assim como modalidade de ensino, concedendo um capítulo específico sendo, a escola deve oferecer programas educacionais flexíveis, para suas determinações. A implementação prática desses dispo- contribuindo para a promoção de desafios, de forma a superar as sitivos de lei requer a participação coletiva, visando, primeira- necessidades grupais ou individuais, compreendendo e reorgani- mente, a mudanças de atitude do professor, a um novo processo zando ações educativas que garantam aprendizagem de novos de formação desse profissional que atuará com essa clientela, a conhecimentos. novas propostas de gestão educacional, à suspensão de barrei- Para que se efetivem ambientes escolares inclusi- ras arquitetônicas, além de visar à criação de suporte técnico es- vos, novas reflexões devem ser realizadas no âmbito da comuni- pecializado para atender as especificidades desses educandos. dade escolar, a fim de definir estratégias de ação, participação e Assim sendo, em 1990, com o apoio de diversas organização do ensino, garantindo e melhorando o atendimento associações e profissionais de várias áreas, surgiu o Estatuto da às PNEE, combatendo atitudes discriminatórias e construindo uma Criança e do Adolescente, com a Lei nº 8.069, sociedade inclusiva, na qual as oportunida- denominando como filosofia à proteção dos des sociais sejam garantidas a todos os ci- direitos da criança e do adolescente, seguindo, dadãos. em relação aos portadores de deficiência dessa Assim, a educação inclusiva faixa etária, a mesma linha da Constituição Fe- A sociedade em geral deverá envolve um processo de reestruturação so- deral. Descentralizando seu trabalho de forma cial, onde não deverá somente a escola es- a assegurar tais direitos, esses conselhos são acreditar em novas perspectivas tar preparada para receber essa clientela. A organizados em diversos níveis - federal, esta- em relação às PNEE, deixando sociedade em geral deverá acreditar em no- dual e municipal - e contam com a participação vas perspectivas em relação às PNEE, dei- popular na fiscalização e controle de possíveis de olhar pelo ângulo da xando de olhar pelo ângulo da incapacidade casos de desrespeito a suas determinações le- ou limitação, passando a olhar sob o aspec- gais. incapacidade ou limitação to das possibilidades e competências e pro- A inclusão compreende um va- porcionando alternativas para o desempe- lor constitucional que, em si, deve concretizar nho de diferentes habilidades sociais. a aceitação da diferença humana e respeitar a Não que a escola deva negli- diversidade cultural e social. Não deve a inclu- genciar sua autêntica função social. Mas, são, apenas, continuar proliferando boas in- nesse contexto de transformações signifi- tenções, pois, em muitos casos, vem travestida de atitudes de cativas, terá que adequar seu atendimento a todas as crianças, caridade, indignação e piedade. pois essas representam a diversidade humana. Não há espaço para a proclamação de discursos preconceituosos e excludentes; 2.4. Inclusão no contexto educacional as PNEE sempre estiveram presentes e pertencem a essa socieda- de. A grande diferença é que, hoje, buscam assegurar direitos conquistados, sendo que ao professor cabe inovar seus métodos A inclusão da pessoa com necessidades educativas de ensino-aprendizagem, fortalecendo atitudes inclusivas em sala especiais no contexto educacional tem gerado discussões e con- de aula, à medida que respeita o ritmo e as variações de persona- trovérsias, promovendo a reflexão sobre novas possibilidades no lidade de cada educando. ato de ensinar e aprender. Vale enfocar que a nova proposta de educação inclusiva surgiu com a Conferência Mundial sobre Edu- Não se trata de normalizar as PNEE no contexto cação para Todos (1990), realizada em Jomtien, na Tailândia. De educacional, mas de buscar, em teorias de aprendizagem, o co- acordo com Osório (1999, p. 12), "sua meta é a de garantir a demo- nhecimento necessário para a intervenção pedagógica adequada, cratização da educação, independentemente das particularidades que possibilite adaptar estratégias educacionais que ofereçam dos alunos". Nessa perspectiva, todas as ações pedagógicas da novas possibilidades de organização e assimilação do conheci- escola devem estar voltadas para o atendimento dessa diversida- mento, que atendam às reais necessidades de todos os educandos. de, verdadeiramente promovendo a intervenção necessária para a Embora não existam receitas ou fórmulas prontas, cada educador democratização da educação. deve desenvolver com profissionais especializados, pais e educandos um suporte necessário para intervir com ferramentas e O fortalecimento da inclusão da pessoa com ne- estratégias práticas na facilitação da aprendizagem. cessidades educativas especiais na escola comum foi assinalada pela Declaração de Salamanca (1994), reafirmando que o movi- mento pedagógico, além das características democráticas, deverá ser pluralista, não garantindo apenas o acesso, mas a permanên- cia do aluno nos diversos níveis de ensino e respeitando funda- INSTITUTO CATARINENSE DE PÓS-GRADUAÇÃO Revista Leonardo Pós Vol. 1 n.1 Órgão de Divulgação Científica e Cultural do ICPG ICPG jan.-jun/2002 17 2.5. Conclusão dania ­ Modernidade ­ Deficiência. Florianópolis: Revista do curso de Pedagogia séries iniciais ­ Habilitação Educa- ção especial do Projeto Magister/UFSC. V.2. p. 48-52, Janei- O processo de inclusão caminha por uma nova or- ro/fevereiro de 2000. dem de pensamento e ação, longe de obter respostas imediatas para a problemática da inclusão do portador de necessidades SEM DISTINÇÃO. EDUCAÇÃO. São Paulo: s.n, s.d..p. 39, 1999. educativas especiais no contexto educacional, apenas STAINBACK, Susan e STAINBACK, William. Inclusão: um guia visualizando uma variedade de perspectivas e desafios para a para educadores. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. efetiva implementação dessa nova modalidade de ensino. XIMENES, Sérgio. Minidicionário da língua portuguesa. São Paulo: Nesse sentido, as escolas devem criar ambientes Ediouro, 2000. acolhedores com ações que devem ser fortalecidas e regulamen- tadas no projeto político pedagógico de cada instituição de ensi- no, respeitando as características individuais de cada cidadão e acreditando que todos são capazes de aprender, desde que se estruturem possibilidades, se estabeleçam estratégias na reordenação de práticas escolares e se reconsidere que a influên- cia da redução de expectativas pode ser suficiente para determi- nar o insucesso escolar. Esses espaços de educação devem promover rela- ções recíprocas e dialéticas, eliminando estigmas, rótulos e eti- quetas que classificam comportamentos. Assim, serão trabalha- das as reais necessidades de sua clientela e realizadas mediações no processo de aprendizagem com atividades desafiadoras, que estabeleçam conflitos interiores e promovam a verdadeira inclu- são social. 2.6. Referências bibliográficas BRASIL. 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