1 Da Exclusão à Inclusão MITTLER. P. Da exclusão à inclusão. In: MITTLER. P. Educação inclusiva contextos sociais. Artemed. 2003. p. 23-37. Crianças com habilidade abaixo da média são muito mal servidas por nosso sistema educacional. Aquele que é menos capaz academicamente continua a sofrer as conseqüências de quaisquer que sejam os problemas agudos ou crônicos que afetem o sistema educacional. (Departament of Education and Science – DES, 1991, p. 2) O DESAFIO DA DESIGUALDADE SOCIAL E EDUCACIONAL Estas palavras, que foram ditas pelo Chefe dos Inspetores das Escolas da Sua Majestade no período de 1989 a 1990, iluminaram o fracasso do sistema educacional para responder às necessidades de crianças cujas aquisições e habilidades educacionais estão da média. Apesar de essa análise ainda apresentar um cunho de verdade após uma década, ela não faz referência ao fato de que a maioria das crianças que são menos capazes academicamente são também aquelas que vivem nas áreas em desvantagens sociais e econômica. Estamos muito aquem de entender por que e como crianças com histórias de pobreza, com tanta freqüência, fracassam nas escolas e muito menos ainda o que pode ser feito para reduzir ou eliminar tais disparidades. Não há uma explicação simples ou única para isso. Alguns culpam as crianças por serem menos inteligentes ou estarem menos “prontas” para aprender. Outros criticam os pais pelo fracasso como conseqüência do fato de não se interessarem pelo desenvolvimento de seus filhos e de não oferecerem um ambiente que conduza ao desenvolvimento e à aprendizagem. As escolas são culpadas por terem baixa expectativa quanto ao aproveitamento dos alunos e, além disso, por aceitarem com facilidade que as crianças pobres serão aquelas que mais provavelmente não terão um bom desenvolvimento na escola. Quase todos nós culpamos o governo por não gastar dinheiro suficiente com as crianças ou por gasta-los de maneira errada. Uma coisa é clara: as escolas e o sistema educacional não funcionam de modo isolado. O que acontece nas escolas é um reflexo da sociedade em que elas funcionam. Os valores, as crenças e as prioridades da sociedade permearão a vida e o trabalho nas escolas e não pararão nos seus portões. Aqueles que trabalham nas instituições de ensino são cidadões da sua sociedade e da comunidade local; portanto, possuem a mesma gama de crenças e atitudes com qualquer outro grupo de pessoas; também o são aqueles que administram o sistema educacional como um todo incluindo os que são designados para o posto, os membros eleitos do governo local, os diretores de escolas e os administradores. Há poucos anos, têm havido sinais encorajadores de que os políticos estejam começando a pensar de forma abrangente sobre o contexto social em que se encontram as escolas, mas esse processo mal começou (Dyson, 1997; Mittler, 1999). Famílias vivendo na pobreza, cujos filhos estão mais propensos a experiências com fracasso educacional ou exclusão, também sofrem o risco de terem uma saúde frágil, de serem hospitalizadas com maior freqüência, de apresentarem taxas de mortalidade mais altas, de viver em um contexto de habitação inferior, de desagregação familiar e de os pais enfrentarem um longo período de desemprego (Acheson, 1999). Mais do que isso, crianças de famílias de origem africana e caribenha estão muito mais propensas a serem excluídas das escolas do que qualquer outra criança da mesma comunidade. Há agora um encorajamento mais forte – e dinheiro para subsidia-lo em direção a uma abordagem conjunta para aliviar a pobreza, envolvendo não somente as escolas e as autoridades educacionais locais, mais também o National Health Service (NHS), o serviço social, a seguridade social e os centros de empregos, assim como os setores voluntários e privado, os negócios e a indústria. Este é um novo exemplo de um novo “plano conjunto” tanto do governo central como do governo local. O governo britânico tem expressado um forte compromisso com uma sociedade mais inclusiva e com um sistema educacional mais inclusivo. Será que isso pode ser reconciliado com o sistema educacional desigual dividido que eles herdaram? Em que medida a sociedade e o sistema educacional podem apoiar tal compromisso? Será que essa questão pode ser resolvida? Será que essa questão está sendo de fato encarada? Por exemplo, é possível trabalhar em direção a um sistema educacional mais inclusivo quanto milhões de alunos são excluídos das escolas a cada ano porque eles têm um comportamento inaceitável? A INCLUSÃO E AS REFORMAS DE ESCOLA O objetivo da inclusão está atualmente no coração da política educacional e da política social. Embora seja difícil encontrar as definições oficiais, existem alguns pontos de partida úteis. No campo da educação, a inclusão envolve um processo de reforma e de reestruturação das escolas como um todo, com o objetivo de assegurar que todos os alunos possam ter acesso a todas as gamas de oportunidades educacionais e sociais oferecidas pela escola. Isto inclui o currículo corrente, a avaliação, os registros e os relatórios de aquisições acadêmicas dos alunos, as decisões que estão sendo tomadas sobre o agrupamento dos alunos nas escolas ou nas salas de aula, a pedagogia e as práticas de sala de aula, bem como as oportunidades de esporte, lazer e recreação. O objetivo de tal reforma é garantir o acesso e a participação de todos as crianças em todas as possibilidades de oportunidades oferecidas pela escola e impedir a segregação e o isolamento. Essa política foi planejada para beneficiar todos os alunos, incluindo aqueles pertencentes a minorias lingüísticas e étnicas, aqueles com deficiência ou dificuldades de aprendizagem, aqueles que se ausentem constantemente das aulas e aqueles que estão sob o risco de exclusão. MUDANDO PARADIGMAS: DO DEFEITO AO MODELO SOCIAL Esse conceito de inclusão envolve um repensar radical da política e da prática e reflete um jeito de pensar fundamentalmente diferente sobre as origens da aprendizagem e as dificuldades de comportamento. Em termos formais, estamos falando sobre uma mudança da idéia de “defeito” para um “modelo social”. Por muitos anos, os referidos modelos têm sido amplamente discutidos por escritores e ativistas no campo da deficiência de alunos, mas raras vezes têm sido aplicados de modo direto à educação, apesar da proximidade e das similaridades dos dois campos. É importante a polarização desses modelos, uma vez que elas são mutuamente incompatíveis, porque precisamos pensa-los em um estado de interação complexa e constante. Não há razão para que um modelo centrado na criança deva necessariamente ser incompatível com um modelo social e ambiental. É claro que sua cooperação e sua coexistência devem acontecer com vistas ao que é melhor para os interesses da criança. Um defeito ou um modelo centrado na criança é baseado na idéia de que as origens das dificuldades de aprendizagem estão na sua maioria localizadas nela. De acordo com esse ponto de vista, a fim de ajudar a criança, precisamos conhecer tanto quanto for possível a natureza das suas dificuldades por meio de avaliação globais dos seus pontos fracos e fortes para fazer um diagnóstico, quando possível, e para planejar um programa de intervenção e apoio baseado em tal análise. O objetivo é auxiliar a criança a se encaixar no sistema educacional e beneficia-la com o que a escola possa oferecer-lhe. Nesse caso, não se assume que a escola precisa mudar de qualquer forma para acomodar uma criança em particular ou para responder a uma maior gama de diversidade de na população estudantil. O modelo social da deficiência baseia-se na proposição de que a sociedade e as suas instituições é que são opressivas, discriminadoras e incapacitantes e que a atenção, portanto, precisa estar direcionada para a remoção dos obstáculos existentes à participação das pessoas portadoras de deficiências na vida em sociedade e para a mudança institucional, ou seja, para a mudança de regulamento e de atitudes que criem e mantêm a exclusão (Campbell e Oliver, 1996). No contexto da educação, a reestruturação das escolas baseada em diretrizes inclusivas é um reflexo de um modelo de sociedade em ação. Embora um modelo baseado no defeito per se seja rejeitado como uma explicação única, ele permanece bastante influenciável e afeta profundamente a política, a prática e as atitudes das pessoas. Tal modelo tem influenciado muitas gerações de professores, pais e legisladores e ainda é parte da consciência geral de quase todos que trabalham em educação. Portanto, ele não vai apenas “desaparecer” porque acadêmicos e ativistas argumentam que o referido modelo é obsoleto e discriminatório. Alguns aspectos do modo “na criança” são claramente relevantes, sobretudo para crianças cujas dificuldades nascem em grande medida como conseqüência de impedimento significativos de órgãos sensoriais ou do sistema nervoso central. Porém, os impedimentos, mesmo que graves, de forma alguma explicam todas as suas dificuldades, e há muitas possibilidades para intervenções nos contextos em vários níveis: ensino, criação familiar, apoio dos colegas e amizade, atitudes positivas, relação com os vizinhos e remoção de barreiras de todos os tipos. Somando-se às crianças com evidências claras de comprometimento específico, a década passada viu uma inundação de “novas” categorias e de novos diagnósticos, nos quais uma etiologia orgânico não foi estabelecida com clareza, apesar de que as pesquisas devem em um tempo devido identificar tal vínculo. Exemplos óbvios incluem dislexia, transtorno do déficit de atenção (com ou sem comportamento hiperativo), autismo e Síndrome de Asperger. Até agora, há poucas evidências convincentes de que diagnósticos precisos dos impedimentos específicos ou de condições similares necessariamente requeriam um tipo de intervenção educacional específica para as síndromes. Da mesma forma, embora já tenham um número muito maior de informação sobre as características e sobre os estilos de aprendizagem das crianças com Síndrome de Down, Síndrome do X- Frágil ou esclerose tuberosa, outra vez elas não se referem apenas a essas crianças. Com o que todos concordam é que todas as crianças precisam de um bom ensino que leve em conta os padrões individuais de aprendizagem. O título do Código de Prática da Identificação e Avaliação das Necessidades Educacionais Especiais (DfE 1994) reflete o modelo “na criança”. O programa de Plano Educacional Individual (PEI), o qual é prescrito, está baseado em um proposto similar e tem sido criticado como um instrumento que poderia isolar e segregar (Ainscow, 1999) e, na prática, tem sido considerado problemático (Tod, 1999). Além disso, apesar do abandono oficial das categorias, o código de prática fornece orientação sobre alunos com dificuldades moderadas de aprendizagem, com dificuldades específicas de aprendizagem, com dificuldades emocionais e comportamento e com comprometimento sensorial, embora a orientação dada nessa seções reflita mais a sobreposição de tais dificuldades do que a sua especificidade. Será interessante ver se a orientação categórica sobrevive na revisão do código, o que aconteceu em 2001. A possibilidade de remover os tipos de rótulos nem foi considerada no documento de consulta, talvez porque as escolas ainda sintam a necessidade de uma orientação baseada em linhas categoriais. Apesar do elemento categorizado, a essência do código de prática também reflete um modelo social, porque ele propõe modificações significativas no ambiente e nas mudanças no papel profissional, com o objetivo de fazer com que as crianças com necessidades educacionais sejam capazes de permanecer nas escolas regulares. O código oferece uma grama de formas em que as estruturas e a organização das escolas e o trabalho dos professores devem mudar para acomodar uma maior diversidade de necessidades dos alunos. A nomeação de uma coordenadora de necessidade educacional especial para cada escola designa-se ao apoio dos professores das escolas regulares na consecução de suas responsabilidades. Os coordenadores de necessidades educacionais especiais são catalisadores, facilitadores e administradores. Eles não foram designados para realizar um ensino adicional e compensatório em uma base individual. O diretor das escolas, o governo e os coordenadores de educação especial são, cada um a seu modo, responsáveis por assegurar que todos os alunos tenham acesso ao currículo global e a todas as possibilidades de experiências oferecidas pelas escolas. Entretanto, como temos visto, a inclusão exige mais do que isso. Não é suficiente para os alunos serem apoiados para terem acesso ao que está disponível nas escolas. A essência da inclusão é que deve haver uma investigação sobre o que está disponível para assegurar aquilo que é relevante a acessível a qualquer aluno na escola. Cedo ou tarde, essa gama de possibilidades e de oportunidades incluirá muitos ou todos os alunos que estão agora em escolas ou em classes especiais. Ainda que haja muitas ações que as escolas possam fazer para trabalhar pela inclusão, há limites para o que cada escola pode atingir sozinha. Deve haver uma mudança sistemática e uma política nacional. A criação de um Currículo Nacional em 1988 pode ter oferecido essa oportunidade à Inglaterra e ao País de Gales. Infelizmente, tal currículo foi introduzido com tanta pressa, que as crianças com necessidades educacionais especiais foram, a princípio, negligenciadas em uma avalanche de exigências de um currículo com dez disciplinas, cada qual com o seu programa de estudo, com as suas metas de aquisições acadêmicas e com os seus múltiplos procedimentos de avaliação ligados a cada série escolar. A revisão (Dearing, 1993) ofereceu algum alívio para todos os professores no começo do processo de introdução do Currículo Nacional, mas foi particularmente bem- vinda pelos professores que trabalham com alunos com necessidades educacionais especiais, já que oportunizou a introdução do tema necessidades especiais em cada grupo de trabalho, assim como ouviu os interesses das questões relativas às necessidades especiais durante um genuíno processo de consulta. O relatório Dearing refletiu ainda um grau de entendimento quanto ao talento e á riqueza de inventividade demonstrados por professores tanto nas escolas regulares como nas escolas especiais, ou quais trabalham com maior flexibilidade em um quadro de referência oferecido pelo Currículo Nacional. Isso foi complementando por uma série de diretrizes e “exemplos de trabalho” oferecidos pelos grupos de trabalho dos professores (Fagg et al., 1990) e pelo National Curriculum Council, alguns deles discutindo a ampla gama de alunos com necessidades educacionais especiais (NCC, 1989a ), mas muitos deles focando as crianças com dificuldades graves de aprendizagem (NCC, 1992; School Curriculum and Assessment Authority– SCAA,1996a ). O novo Currículo Nacional, implementado em setembro de 2000, incorporou o conceito de inclusão como um princípio fundamental desde a sua implantação, o que se refletiu no trabalho de cada comissão disciplinar. Se essa nova versão do currículo é bem mais aceitável a uma ampla gama de alunos do que a versão anterior era, um passo significativo foi dado em termos de um trabalho em direção à educação inclusiva (Ver Capítulo 7). INFLUÊNCIAS DO MOVIMENTO DOS ALUNOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA É significativo que o movimento das pessoas portadoras de deficiência, o qual, por tradição, diz respeito aos direitos dos adultos, está atualmente voltando sua atenção às crianças e, de modo específico, juntando forças com as organizações que estão fazendo campanha em prol da educação inclusiva. Em alguns países (Lesoto), foi o movimento das pessoas portadoras de deficiência que iniciou a demanda pela educação inclusiva e uniu-se à organização de pais e mães para fazer pressão sobre o governo para lançar um projeto- piloto que, desde então, foi estendido à população em geral (Khatleli et al., 1995). Na Grã- Bretanha, o Conselho Britânico da Organização das Pessoas Portadoras de Deficiência também está trabalhando com outras organizações para advogar o fim das escolas especiais – um modelo muito mais radical do que aquele aprovado pelo governo (Campbell e Oliver, 1996). Em comum com grupos mundiais, como o grupo Internacional das Pessoas Portadoras de Deficiência, o Conselho Britânico da Organização das Pessoas Portadoras de Deficiência está incansável na sua luta para atingir plenamente os direitos civis e proibir as práticas discriminatórias a cada segmento social. Por exemplo, o grupo Internacional das Pessoas Portadoras de Deficiência teve um papel fundamental na Organização das Nações Unidas (ONU) e no desenvolvimento e no monitoramento Normas-Padrão sobre a Equalização de Oportunidades para as Pessoas Portadoras de Deficiência¹ (ONU, 1993). Uma outra preocupação principal diz respeito ao rápido crescimento atual da biotecnologia e da pesquisa genérica, as quais colocam questões sobre os “bebês planejados” e a eliminação do feto “imperfeito” (Rioux e Bach, 1994). O movimento das pessoas portadoras de deficiência tem uma agenda abrangente, incluindo: ? A aprovação e o cumprimento da legislação antidiscriminação; ? A abolição de leis e de regulamentos que permitem a segregação e restringem o acesso aos bens comuns, aos serviços e ao direito disponíveis aos outros cidadãos; ? As campanhas para aumentar a consciência pública sobre os direitos e as responsabilidades das pessoas portadoras de deficiência; ? O envolvimento das pessoas portadoras de deficiência e de seus representantes eleitos em todas as decisões relevantes para a sua participação total e igualitária na sociedade. No Reino Unido, a luta para ser formalizada e legislação antidiscriminatória tem sido longa e dolorosa. Sucessivos governos bloquearam as tentativas de aprovar uma legislação antidiscriminatória, apesar do acordo de todos os partidos e dos grupos de advocacia em ambas as Casas do Parlamento. O Ato de Discriminação da Deficiência foi, por fim, aprovado em 1995, em meio a muita controvérsia entre aqueles que queriam rejeita-lo porque não tinham força suficiente e aqueles que argumentavam que deveria ser usado como um trampolim para a advocacia futura. Desde então, o governo do Partido dos Trabalhadores, eleitos em 1997, estabeleceu a Comissão dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência, a qual começou a trabalhar em abril de 2000. A comissão vai atuar para o cumprimento da legislação e também vai procurar ampliar sua abrangência para incluir a maioria dos empregados e todos os setores da educação, começando com a educação superior e continuada. DIREITOS HUMANOS O próprio movimento da advocacia transformou o debate sobre inclusão e localizou- o firmemente como um assunto de direitos humanos. Tais direitos deveriam de uma série de Declarações e Convenções da ONU as últimas incorporando um compromisso legal para implementação e um acordo para um monitoramento internacional (ver Capítulo 2). O movimento das pessoas portadoras de deficiência alterou o rumo do que estava tornando-se um debate cansativo sobre as vantagens e desvantagens relativas do sistema regular de ensino e das escolas especiais. Muitos estudiosos vasculharam de forma meticulosa e vasta literatura baseada em pesquisa sobre integração e, com coragem, procuraram resumir a “evidência” em ambos os lados. Começando com Kirk (1964) nos Estados Unidos, através da literatura muito mais volumosa de Hegarty (1993a ), Jenkinson (1997) e Farrell (1997), os resultados de tal metanálise foram bastante inconclusivos, em parte por causa da dificuldade de encontrar evidência convincente que satisfaça os critérios de uma pesquisa rigorosa. Embora algumas tendências gerais fossem discerníveis para aqueles suficientemente audaciosos para chegarem a uma conclusão, elas eram, na sua maioria, relativas à integração, e não à inclusão. O tempo passou, e essa pesquisa é, na realidade, apenas de interesse metodológico ou histórico. Direitos humanos e pesquisa Aqueles que insistem no fato de que a educação no sistema regular de ensino é um assunto de direitos humanos adotam a perspectiva de que a validação dada pela pesquisa é irrelevante (Hall, 1977). Além disso, uma vez que a evidência de pesquisa, em geral, não é uma precondição para uma mudança na política na maioria dos países, por que uma execução deveria ser feita para a inclusão? Quantas inovações provaram o seu valor em estudo científicos controlados antes de serem postas em prática? O campo da educação e, em particular, o das necessidades educacionais especiais incluem muitas práticas que ainda nem foram avaliadas, ou que foram reconhecidas como sendo não-efetivas. Após revisar as evidências para uma ampla gama de intervenção educacional, incluindo a comunicação facilitada, o enriquecimento instrumental, a tutoria (apoio) entre os colegas (peers), as lentes coloridas e a redescoberta da leitura, Hornby et al. (1997) chegaram a algumas poucas conclusões sobre a efetividade que fornecia evidências concretas para uma mudança política. As conclusões dos legisladores referentes à inclusão não são, a princípio, baseadas no exame exaustivo da evidência de pesquisa para a efetividade, mas repousam sobretudo nas dúvidas sobre se as escolas do sistema regular de ensino são capazes, no clima corrente, de responder a uma série de necessidades. Assim como outros, o seu veredicto sobre as evidências de pesquisa deve ser “não-provada” (Hornby, 1999). Um exemplo de uma abordagem diferente para resumir a pesquisa está no título Works in Inclusive Educacional? (sebba e Sachdev, 1997). A revisão foi constituída por Bernardos como parte da série What Works?, a qual objetiva “produzir informações sobre práticas proveitosas e efetivas no trabalho com crianças e pessoas jovens disponíveis ao profissional atuante” (Sebba e Sachdev, 1997, p. 5). Nesse estágio, é válido citar uma passagem das conclusões dessa revisão: Os fatores que emergem dessa revisão e que tiveram um maior impacto na efetividade de educação inclusiva para alunos com dificuldades de aprendizagem ou com deficiência referem-se à expectativa dos professores e funcionários, dos pais e dos próprios alunos. Os professores, tanto do sistema regular de ensino como das escolas especiais, podem oferecer o exemplo do próprio comportamento através da sua expectativa, do uso de linguagem (positiva mais do que incapacitante, controladora ou infantilizadora) e da aparente flexibilidade e adaptabilidade para superar as barreiras conforme elas emergem. A mensagem de todos aqueles envolvimentos deve ser que a diferença é valorizada. (Sebba e Sachdev, 1997, p. 75) A passagem citada sugere que a principal barreira à inclusão encontra-se na percepção dos professores de que as crianças especiais são diferentes de que a tarefa de educa-las requer um conhecimento e uma experiência especiais, um equipamento especial, um equipamento especial, um treinamento especial e escolas especiais (Forlin, 1995). Felizmente, as evidências de pesquisas também sugerem que tais atividades, em geral, mudam, uma vez que os professores tiveram uma experiência direta de incluir essas crianças nas salas de aula. Contudo, a atitude e a percepção do professor apresentam o maior, único e significativo obstáculo à inclusão, o qual não pode ser ignorado. MUDANDO TERMINOLOGIAS A referência ao nosso uso de linguagem na revisão antes mencionada é altamente pertinente para os dias atuais. Será que podemos, de fato, trabalhar em direção a sistema mais inclusivos e continuar a falar sobre “necessidades educacionais especiais”? Quais alternativas seriam aceitáveis? Muitas pessoas, hoje em dia, sentem-se desconfortáveis com o uso continuado de linguagem que está tornando-se ofensivamente inapropriada. Tal desconforto seria aumentado de modo significativo através da leitura de Corbett Bad-Mouthing: The Language of Special Needs (Cobbert, 1996), o qual faz com que os leitores confrontem as próprias atitudes, os próprios preconceitos e o próprio uso da linguagem. O uso contínuo de tal terminologia pode ser considerado tão inaceitável quanto a linguagem sexista ou racista, que cria estereótipos baseados na idéia das características comuns vinculadas a um rótulo. Especial? Há onze anos, Peter Pumfrey e eu escrevemos um pequeno artigo no Times Educational Supplement, no qual sugerimos que “o conceito de necessidades educacionais especiais cresceu além da sua utilidade e deve ser colocado à parte” (Pumfrey e Mitler, 1989; Mittler, 2000, em um artigo retomando esse assunto). Mesmo se isso fosse abolido por uma resolução ministerial a partir de amanhã, o prejuízo causado pelo uso da referida linguagem levaria muito tempo para ser sanado. Isto é mais do que um assunto da linguagem do “politicamente correto”: refere-se ao constante uso de palavras que criam ou mantêm um modo de pensar que perpetua a segregação exatamente em um momento em que estamos falando sobre mover-se em direção a sistemas educacionais mais inclusivos e sobre uma sociedade mais inclusiva. Nesse contexto, o uso continuado da palavra “especial” não é apenas um anacronismo, mas também é algo discriminatório. Se pretendemos reconceitualizar o nosso campo de ação, a partir dos 20% vislumbrados pelo Warnock,² para um grupo ainda maior de termos que abranjam todas as crianças que vivem na pobreza e, portanto, que estão em situação de risco de uma performance acadêmica significativamente inconsistente, devemos perguntar-nos se a linguagem que usamos serve aos nossos objetivos ou se os enfraquece. Essas crianças são consideradas “especiais” apenas porque o sistema educacional até então não foi capaz de responder ás suas necessidades. O desafio da inclusão é que ela objetiva a reestruturação do sistema para que ele possa responder a uma gama inteira de necessidades especiais. Logo, devemos encontrar palavras que impeçam a rotulação das crianças, ao mesmo tempo que enfatizem os desafios ao sistema. Necessidades? A introdução do conceito de necessidades no início dos anos 70 (Gulliford, 1971) e sua subseqüente adoção no Relatório Warnock foi muito útil naquele período. Esse conceito ajudou a mudar a ênfase dos defeitos e dos déficits da criança para a identificação de uma necessidade individual única, desconsiderando-se os rótulos trazidos pela categorização (diagnósticos). Infelizmente, a definição dessas necessidades foi cada vez mais limitada pelos recursos disponíveis e foi guardada opor agências e profissionais suspeitos, deixando os pais e os próprios alunos à margem. Alguns julgamentos legais notáveis encorajaram autoridades a acreditar que não precisariam fornecer serviços se elas não tivessem meios de financio-los. Corbett (1996) sugere que o uso da palavra “necessidades” envia-nos sinais de dependência, inadequação e falta de valor. Por fim, as definições legislativas de necessidades assumem que algumas crianças requerem um serviço que é diferente daquele que está “em geral disponível”. O objetivo da inclusão é precisamente mudar o que está em geral disponível através de reforma da organização e do currículo das escolas e do sistema educacional como um todo para responder a uma ampla gama de necessidades. A diversidades e a diferença são consideradas como normais. Em busca de uma nova terminologia A terminologia “necessidades educacionais especiais” sobreviveu tanto tempo porque não é fácil encontrar um substituto aceitável para ele e também porque está incorporando à legislação. Em algumas áreas, não é muito difícil administrar sem o termo “especial”. Nos níveis profissionais e pessoal, todos nós poderíamos tentar usar o termo o mínimo possível, tanto na fala como na escrita. Algumas revistas científicas foram recomendadas, por exemplo, de Remedial Education Support for Leaning. A maioria das escolas de ensino médio mudaram os nomes dos seus departamentos de Necessidades Educacionais Especiais (ou mesmo Educação Remediada) para Apoio à Aprendizagem (ou Currículo). È lamentável que ainda não tenha sido possível dar um novo nome aos coordenadores de necessidades educacionais especiais, como, por exemplo, coordenadores de apoio à aprendizagem. Enquanto isso, o uso da palavra necessidades individuais ou “adicionais” está tornando-se mais comum, mas não há dúvida de que esses termos também se tornarão desacreditados como o tempo. No que se refere à área dos adultos, o termo dificuldades de aprendizagem e deficiência ainda é bastante usado. Norwich (1996) estabeleceu uma distinção interessante entre necessidades especiais, necessidades excepcionais e necessidades comuns: ? As necessidades individuais emergem das características que são únicas para a criança e diferentes para todas as outras; ? As necessidades excepcionais emergem das características compartilhadas por alguns (impedimentos visuais, altas habilidades musicais); ? As necessidades comuns emergem a partir de características compartilhadas por todos (as necessidades emocionais de pertencer e de sentir na relação). Por conseguinte, tentarei evitar a terminologia necessidades educacionais especiais, exceto onde histórica ou legalmente isto for necessário, experimentarei o uso de “excepcional”, consciente de que também tem suas limitações e talvez venha a ter curta. Aprendemos a como evitar uma linguagem sexista e levará tempo até que possamos desenvolver uma linguagem que evite a rotulação e a segregação e que promova a inclusão. Todavia, precisamos iniciar. DA INTEGRAÇÃO À INCLUSÃO A mudança da integração para a inclusão é muito mais do que uma mudança de moda e uma semântica do politicamente correto. Embora os termos sejam, muitas vezes, usados como se fossem sinônimos, há uma diferença real de valores e de práticas entre eles. As diferenças entre integração e inclusão não podem ser autoritariamente resumidas porque não há, nesse estágio, um consenso suficiente para justificar isso. Contudo, mesmo com o risco de uma supersimplificação, podemos identificar alguma indicação em meio à neblina com a ajuda de publicações recentes e retornar ao conceito de prática de inclusão em capítulos posteriores. A integração envolve preparar os alunos para serem colocados nas escolas regulares, o que implica um conceito de “prontidão” para transferir o aluno da escola especial para a escola regular (Blamires, 1999). O aluno deve adaptar-se à escola, e não há necessariamente uma perspectiva de que a escola mudará para acomodar uma diversidade cada vez maior de alunos. A integração significa tornar as escolas regulares em escolas especiais através da transposição das melhores práticas, dos melhores professores e dos melhores equipamentos das escolas especiais para o sistema regular de ensino, mesmo quando eles parecem não ser necessários. Alguns argumentam que os Programas Educacionais Individuais, originalmente desenvolvidos para provocar bons resultados nas escolas especiais, foram vendidos como um requisito crianças nas escolas regulares. A inclusão implica uma reforma radical nas escolas em termos de currículo, avaliação, pedagogia e formas de agrupamento dos alunos nas atividades de sala de aula. Ela é baseada em um sistema de valores que faz com que todos se sintam bem-vindos e celebra a diversidade que tem como base o gênero, a nacionalidade, a raça, a linguagem de origem, o background social, o nível de aquisição educacional ou a deficiência. As escolas podem fazer muito para reestruturar a sua prática de acordo com essas linhas, mas a legislação nacional na Inglaterra refere-se ao currículo e à avaliação, ao registro e ao relatório estabelecido limites em relação ao quanto as escolas podem fazer. Booth argumenta que a inclusão não pode ser considerada de modo isso da exclusão: “Defino inclusão em termos de dois processos vinculados. É p processo de aumentar a participação dos aprendizes na escola e de reduzir a sua exclusão com relação ao currículo, à cultura e às comunidades das instituições educacionais regulares existentes na vizinhança (Booth, 1999a , p. 78). De forma equivalente, Ainscow caracteriza a inclusão deste modo: A agenda da educação inclusiva refere-se à superação de barreiras, à participação que pode ser experienciada por quaisquer alunos. A tendência ainda é pensar em “política de inclusão” ou educação inclusiva como dizendo respeito aos alunos com deficiência e a outros caracterizados como tendo necessidades educacionais “especiais”. Além disso, a inclusão é freqüentemente vista apenas como envolvendo o movimento de alunos das escolas especiais para os contextos das escolas regulares, com a implicação de que eles estão “incluídos”, uma vez que fazer parte daquele contexto. Em contrapartida, eu vejo inclusão como um processo que nunca termina, pois é mais do que um simples estado de mudança, e como dependente de um desenvolvimento organizacional e pedagógico contínua no sistema regular de ensino (Ainscow, 1999, p. 218) A inclusão, na maior parte das vezes, resulta em freqüentar a escola que um aluno jamais freqüentaria na ausência de uma necessidade especial significativa. Por razões sociais, freqüentar as escolas da vizinhança é muito importante tanto para os alunos como para os pais. Entretanto, conforme aponta Booth, isso não significa, de fato, a escola mais próxima, uma vez que a política governamental encoraja os pais a irem a outras áreas levados pelos resultados das league tables. Além disso, a escola da vizinhança talvez não seja, na realidade, a mais acessível. Independentemente de qualquer outro problema de acesso físico, os pais talvez prefiram procurar uma escola regular que seja diferente, isto é, a escola que pode ser um pouco mais inclusiva nas suas práticas ou nas atividades de seus funcionários. A educação inclusiva é oferecida na sala de aula regular, mas não é incompatível com a noção de apoio, o qual pode ser planejado e oferecido com um assistente de apoio à aprendizagem ou um outro professor na sala de aula. Uma outra alternativa seria o planejamento entre o professor e o coordenador das necessidades educacionais especiais para variar a abordagem usada pelo docente com a classe, seja coletiva, seja individualmente. A natureza e a intensidade do apoio variará de aluno para aluno e será diferente para um aluno em particular durante o dia. Entretanto, atualmente, há uma conscientização muito maior das muitas formas pelas quais apenas a presença de um apoio na sala de aula pode inconscientemente segregar um aluno na sala de aula regular (ver Capítulo 8). A inclusão implica que todos os professores têm o direito de esperar e de receber preparação apropriada na formação inicial em educação e desenvolvimento profissional contínuo durante sua vida profissional (ver Capítulo 9). Eles também merecem apoio dos seus diretores e das autoridades locais, assim como dos coordenadores de necessidades especiais da escola e dos serviços externos de apoio à escola. Isto deve ser expresso com clareza no plano de desenvolvimento da escola e na política de necessidades especiais. As definições de acordo com essas linhas sugerem que a inclusão é incompatível com as classes especiais nas escolas regulares devido ao grau de segregação entre os alunos com necessidades educacionais especiais e os outros alunos. Algumas autoridades educacionais locais optaram por muitas escolas regulares especialmente equipadas em uma ampla área, as quais aceitam crianças com deficiência significativa nas salas de aula regulares, mas que podem estar situadas a alguma distância da casa da criança. A maioria das escolas especiais tem vínculo com as escolas regulares próximas, onde os alunos têm oportunidades semanais de assistirem ás aulas nas salas de aula regulares (Fletcher - Campbell, 1994). Poucas dessas abordagens respondem ao critério estrito para inclusão, porque as escolas não estão no bairro onde a criança mora e porque não há evidência de uma reforma curricular para acomodar um grupo maior de alunos. Em uma interpretação escrita, a inclusão também é incompatível com a manutenção de longo prazo de um sistema de educação isola, pelas mesmas razões que a educação compreensiva³, com freqüência, é considerada incompatível com a continuação das Grammar Schools. Entretanto, esta não é, com certeza, a perspectiva do governo britânico, que se refere ao espectro ou ao contínuo de serviço nos quais as escolas especiais continuarão a ser uma opção, embora com um papel diferente, o qual ainda deve ser debatido (Department for Education and Employment- DfEE, 1998a ). CONCLUSÕES Este capítulo pintou uma tela muito ampla de alguns dos desafios fundamentais com os quais nos deparamos no processo de nos movermos em direção a sistemas educacionais mais inclusivos. A rua de acesso à inclusão não tem um fim porque ele é, em sua essência, mais um processo do que um destino. A inclusão representa, de fato, uma mudança na mente a nos valores para as escolas e para a sociedade como um todo, porque, subjacente à sua filosofia, está aquele aluno ao qual se oferece o que é necessário, e assim celebra-se a diversidade. Embora usemos a linguagem da diversidade, da justiça social e da igualdade de oportunidades, a sociedade em que vivemos ainda está repleta de desigualdades, as quais, por sua vez, refletem-se no sistema educacional. Como podemos mudar tal sistema dividido em um outro, que é mais inclusivo? Como esse paradoxo pode ser resolvido? Será que as escolas podem mostrar o caminho? Portanto, precisamos ver as necessidades especiais nos contextos mais amplos das desigualdades sociais e da marginalização. Isto também é parte do desafio de reduzir a pobreza e a justiça social. O processo de trabalhar para a educação inclusiva ainda pode ser visto como uma expressão de luta para atingir os direitos humanos universais. Como isso é uma prioridade global, cuja liderança foi assumida pelas Nações Unidas, o Capítulo 2 fornecerá o contexto internacional a partir do qual, então consideraremos os desenvolvimentos no Reino Unido. ¹N. de T. Este documento foi publicado no Brasil pela Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE) e é distribuído gratuitamente. Ed. Ministério da Justiça – Secretaria Nacional de Direitos Humanos. ²N. de T. O Relatório Warnock,publicou em 1978 no Reino Unido, é o resultado de uma análise profunda da situação educacional da pessoa portadora de deficiência. ³N. de T. A educação compreensiva é realizada na Comprehensive Schools, as quais devem receber as crianças da própria comunidade em que se inserem.