ATENDIMENTO EDUCACIONAL DO PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS: DAS PRÁTICAS SOCIAIS À LEGALIDADE Historicamente a sociedade, em todas as culturas, passou por diversas fases no que se refere às práticas sociais em defesa de oportunidades iguais para todos. O fato, é que práticas segregacionistas e de exclusão social constituíram o modo de como a humanidade na produção de sua existência vem garantindo o acesso ao conhecimento e o controle da sociedade. Contudo, é nesse especo sócio-cultural geograficamente definidos que determinados segmentos da sociedade vivem em desvantagens por permanecerem discriminados e à margem do sistema social. Ocupando no imaginário coletivo, à posição de incapazes e improdutivos, são alvos da compaixão de alguns ou chacotas de outros, mas, nunca vistos como sujeitos sociais dignos de direitos sociais resguardados a todos de forma igualitária e democrática. A constatação da dificuldade de aceitação dos deficientes dentro do seio familiar social, nos diversos períodos da historia principalmente dos portadores de deficiências, tem caracterizado pelo preconceito, pelo atendimento individualizado em instituições específicas fora da interação sócio-cultural com indivíduos normais, conforme padrões sociais. Na antiguidade, por exemplo, o tratamento dado a esses segmentos por seus pares perfeitos, fortes e saudáveis consistia na destruição, na eliminação física do deficiente da sociedade, como na Antiga Roma em que crianças deformadas eram jogadas nos esgotos e em Esparta, na Grécia, eram levados à morte. Na Idade Média, ainda que de forma isolada, os deficientes encontram abrigo nas igrejas, asilos, albergues e conventos. Mas todas essas instituições não passavam de prisões, sem tratamento especializado nem programas educacionais. Já na Idade Moderna, com a efervescência política, econômica, cultural e religiosa que vivia a Europa, no chamado Século das Luzes, emergiu um a nova forma de pensar, de interpretar a realidade. As idéias renascentistas conclamavam o humanismo e a razão como gênese da ciência moderna. Com isso, as pessoas portadoras de deficiências passaram a ser vistas como cidadãos com direitos e deveres na sociedade, mas sob uma ótica assistencial, caritativa e particularizada principalmente no que tange à educação e à socialização. No século XX, Idade Contemporânea, as práticas sociais de exclusão persistiam nos variados terrenos da vida humana. As desigualdades sociais, decorrentes de proposições políticas econômicas, do capitalismo, tornam-se cada vez mais gritantes, principalmente no período de pós Guerras Mundiais, em que o desemprego e a regressão econômica assolavam muitos dos países líderes aliados e inimigos na guerra, além do grande número de pessoas mutiladas durante o combate. Há, portanto imperativo de uma tomada de atitude publica e manifesta, nos termos de uma Declaração Universal, a respeito das desigualdades constatadas e a reafirmação da necessidade de combate-las e garantir a todo e qualquer cidadão do mundo, direitos básicos e oportunidades iguais, sem distinção de etnia, de gênero, de condições sociais, de religião, de supostas incapacidades físicas ou mentais, entre vários outros aspectos. A primeira diretriz política que normatiza a defesa de oportunidades iguais é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no ano de 1948, sob os seguintes princípios: * Todo ser humano é elemento valioso, qualquer que seja a idade, sexo, nível mental, condições emocionais e antecedentes culturais que possua, ou grupo étnico, nível social e credo a que pertença. Seu valor é inerente à natureza do homem e às potencialidades que traz em si. * Todo ser humano, em todas as suas dimensões, é o centro e o foco de qualquer movimento para a sua promoção. * Todo ser humano conta de possibilidades reais, por mínimas que sejam, de alcançar pleno desenvolvimento de suas habilidades e de obter positiva adaptação ao ambiente normal. * Todo ser humano tem o direito de reivindicar condições apropriadas de vida , aprendizagem e ação, de desfrutar da convivência condigna e de aproveitar das experiências que lhe são oferecidas para se desempenhar como pessoa e membro atuante de uma comunidade. * Todo ser humano, por menor contribuição que possa dar a sociedade, deve fazer jus ao direto de igualdade de oportunidades, que assiste como integrante de uma saciedade. * Todo ser humano, sejam quais forem as suas condições de vida, tem direito de ser tratado com respeito e dignidade. A partir dessa época, a luta pelo reconhecimento dos direitos humanos, bem como pela proteção, se acirrou e se organizou. Grupos minoritários que sofriam o peso maior da exclusão inauguraram seus próprios movimentos de defesa, construindo grandes redes de defesa e produção do conhecimento que proporcionassem a adoção de alternativas, em todos os campos, para que uma vida mais digna fosse garantida aos seus membros. Esses grupos ganharam força política, e passaram também a exercer influência na elaboração de políticas mais humanistas em seus respectivos países. A educação, um dos principais campos por meio dos quais se promove a formação humana, não ficou de fora. A escola seguia sua pedagogia, preponderantemente elitista, e a premissa básica era de que cabia aos alunos adaptarem-se a ela e a sua cultura seletiva. Afinal, considerava-se que uma educação boa deveria ser uma só para todos, em principio e na pratica, como se todos fossem iguais, como se todos aprendessem pelas mesmas vias, movidas pelos mesmos interesses e com a mesma motivação, influenciando assim a exclusão de vários grupos sociais. A garantia do direito à educação resguardada na Declaração dos Direitos Huamnos serviu de fundamentação teórica para os diversos grupos sociais que, organizados levantam uma serie de criticas à segregação e à discriminação, apoiadas por teorias de diversas partes do mundo. Com isso, inverte-se o pressuposto uma educação boa, democrática e justa, jamais poderia ser a mesma para todos. O princípio de que a educação deve proporcionar uma formação social básica a todos e a cada ser humano deveria ser preservado. No Brasil, somente em 1961 é aprovada a 1ª lei que trata da Educação nacional, a Lei 4024. dentre muitos aspectos ao tratar da Educação Nacional, aponta que a educação dos excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral da educação. Tem-se inicio a integração parcial (escolas especiais) dos portadores de deficiência, objetivando a integração total na classe comum. Contudo, os alunos eram submetidos a rotulações e permaneciam excluídos dos sistemas de ensino já que cabia a eles adaptarem a escola, ou seja, ao currículo, á forma de avaliação, à metodologia. A escola mantinha o seu caráter homogêneo e pragmático, impedindo os portadores o alcance de níveis mais elevados de ensino. Dez anos mais tarde, é aprovada a 2ª lei de nº 5692/71, reafirmando as mesmas proposições da anterior, bem como aos resultados. Enquanto isso, nos Estados Unidos avançam estudos e pesquisas direcionadas ao processo de inclusão social. Há uma grande necessidade em se considerar a heterogeneidade. E, uma educação realmente democrática deve estabelecer modificações necessárias para adequação de pessoas portadoras de necessidades especiais. Tais modificações perpassam pelos currículos, na formação de políticas públicas fundamentais pela ética, o respeito e a valorização do sei humano. No amplo cenário da globalização, isso soe possível por meio da melhor explicitação do paradigma da inclusão de todos e para todos. Esse fato tem gerado muitas discussões e controvérsias, subsidiadas pelos princípios de democracia e cidadania transformadas, no contexto do capitalismo, em idéias relativa. Diante desse impasse, a educação, embora tem sido alvo de severas criticas no que tange ao seu desempenho, tem um compromisso fundamental na busca do respeito à dignidade humana, por constituir um caminho possível para a inserção social, tendo como mediadora uma escola realmente para todos, como instancia sócio-cultural. A proposta de inclusão escolar surgiu com a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtein, na Tailândia (1996), cuja ênfase dada na democratização do ensino, independentemente das particularidades do educando. Reforçada pela Declaração de Salamanca, assinada na Espanha em 1994, que evidenciou a igualdade de direitos e de oportunidades educacionais para todos, sobretudo aos portadores de necessidades educacionais, em um ambiente educacional favorável, no intuito de romper com a prática de segregação social e a distinção entre os desiguais. No que se refere à Carta de Salamanca podemos notar que esta é composta de recomendações, as quais são de grande importância à elaboração das leis de educação, é interessante ter em vista o que recomenda a Carta de Salamanca para não ser contraditório. Nos seus temas - Política e Organização, fatores Escolares, Recrutamento e treinamento de pessoal de educação, Serviços externos de apoio, Áreas prioritárias, Perspectivas comunitárias e Recursos requeridos, de forma geral, ressalta a importância de se operacionalizar políticas em todos os níveis, com apoio mútuo entre comunidades e governos locais e nacionais na perspectivas de atendimento igualitário e democrático, as Pessoas com Necessidades Especiais, conforme os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos. No Brasil, essa perspectiva é referendada por mecanismos normativos, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1991 que assegura o pleno exercício dos direitos individuais e coletivos da pessoa portadora de necessidades especiais e sua integração efetiva, justamente com o Decreto nº 914, de 1993, que estabelece a política de integração de portadores de necessidades especiais e a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/96) fundada nos princípios constitucionais de 1988, garante a inclusão dos portadores de necessidades especiais preferencialmente na rede regular de ensino. A LDB1 (9394/96) destina o Capítulo V à educação especial, com um conteúdo aberto aos princípios universais e às orientações aprovadas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Cultura e |à Ciência (UNESCO) e pela Organização Nacional do Trabalho (OIT). Para efeitos da LDB, Educação Especial é a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educando com necessidades especiais, concebida e planejada, a partir dos níveis de escolaridade, assegurar aos portadores de necessidades especiais atendimento especializado como suporte ao ensino regular, adequado ao grau de comprometimento do aluno. Conforme esta Lei, o lócus da aprendizagem será definido de acordo com as necessidades especiais. Quanto à oferta de educação especial no prágrafo 3º do art. 58 da LDB (9394/96) determina que os serviços de educação especial devem existir desde a educação infantil até a superior, isto é, a partir de 0 a 6 anos, quando começa o dever constitucional do Estado, mas como sabemos na realidade o Estado não garante isso nem para os ditos "normais", uma vez que a maioria das famílias precisam partir para a rede particular no período da educação infantil e da educação superior, pois as vagas oferecidas pela rede pública não atende a demanda. No art. 59 da LDB, os educandos com necessidades especiais tem os seguintes direitos garantidos: * Currículos adequados, com conteúdos, métodos, técnicas, recursos educativos e organizações específicas; * Terminalidade para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental; * Aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; * Professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para o atendimento especializado; * Professores para o ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; * Educação especial para o trabalho, visando sua efetiva integração na vida em sociedade; * Acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular. Vale ressaltar que, a expressão "educandos com necessidades especiais" emgloba tanto os portadores de deficiências, quanto os superdotados, portanto é importante não confundir "educandos com necessidades especiais", isto é, com efetivas dificuldades de aprendizagem, com os que apresentam simples necessidades de recuperação em determinadas áreas. O que devemos notar é que crianças apresentam dificuldades de aprendizagem sem serem necessariamente, portadores de deficiências ou problemas graves de conduta, não é alunado da educação especial. Estes alunos por acumularem repetência acabam sendo rotulados e muitas vezes encaminhados, erroneamente para classes especiais. Muitas vezes isso acontece por a escola achar que os alunos são homogêneos e se valendo de uma mesma forma de trabalho para todos os alunos. Conforme a LDB, a educação deve se produzir predominantemente por meio do ensino de forma planejada e organizada de acordo com os recursos e procedimentos pedagógicos necessários para atender às necessidades especiais dos educandos. Nessa perspectiva, o MEC2, lança os PCN3 - Adaptações Curriculares, documentos que traz orientações sobre as possibilidades educacionais de atuar frente às dificuldades de aprendizagem dos alunos. Ao pensar a implementação do modelo de educação inclusiva nos sistemas educacionais, há que se contemplar alguns de seus pressupostos. Os procedimentos adaptativos mencionados aplicam-se aos seguintes elementos curriculares: objetivos, conteúdos, avaliação, metodologia e organização didática, temporalidade, organização curricular. Além disso, a LDB ressalta que a educação deve estimular a atitude coletiva institucional vinculada ao mundo do trabalho e a pratica social, possibilitando parcerias que facilitem a inclusão social do aluno enquanto cidadão, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade. Observamos que a LDB (9394/96) se baseia na Declaração de Salamanca, pois ambas propagam por uma educação igualitária independente do sexo, cor, raça, classe social ou necessidade especial, respeitando os interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem de cada indivíduo. Visam uma educação integradora onde a escola deve se adapta-la ao aluno e não o contrário. A LDB (9394/96) trás uma novidade ao contexto educacional brasileiro que é o projeto político - pedagógico numa perspectiva de Educação para Todos e mais uma vez, é a Declaração de Salamanca (1994) que delineia o assunto: O desenvolvimento de escolas inclusivas que sirvam a uma grande variedade de alunos de áreas tanto rurais quanto urbanas requer: a articulação de uma clara e poderosa política de inclusão junto com uma provisão financeira adequada - um eficiente esforço de informação pública para combater preconceitos e criar atitudes informadas e positivas - um extenso programa de orientação e treinamento de pessoal - e provisão de serviços de apoio necessários. Mudanças em todos os seguintes aspectos da escolarização, bem como de muitos outros, são necessários à contribuição para o sucesso de escolas inclusivas: currículo, ambiente físico, organização da escola, pedagogia, avaliação, treinamento de pessoal, ética da escola e atividades extracurriculares. A partir do exposto, compreende-se que o principal objetivo da educação especial é identificar, assistir, reabilitar e integrar pessoas portadoras de necessidades especiais por meio de uma atuação democrática, contudo com a participação ativa da comunidade, das famílias e dos próprios beneficiários, Isto é, com base na comunidade que deve ser o agente do processo de reabilitação e de inclusão social. Nesse sentido, a inclusão dos portadores de necessidades especiais na vida em sociedade deve pautar-se nos princípios de igualdade de direitos independentes da origem e da condição social, concebendo a escola como espaço de socialização e integração do saber historicamente acumulado pela humanidade, favorecendo a inserção social do indivíduo como cidadão. A educação inclusiva, entretanto, não se esgota na observância da lei, que a reconhece e garante, mais requer uma mudança de postura, de percepção e de concepção dos sistemas educacionais. As modificações necessárias devem abranger atitudes, perspectivas, organizações e ações de operacionalização do trabalho educacional. Daí, a necessidade de incorporara nos programas de formação de professores conteúdos para a aquisição de conhecimentos, competências e atitudes que permitam aos professores em formação compreender as complexas situações de ensino, enfatizando-se principalmente o estímulo de atitudes de abertura, reflexão, tolerância, aceitação e proteção das diferenças individuais e grupais. Conforme escreve Perrenoud (1993): "ensinar é confrontar-se com um grupo heterogêneo", ter professores que reconheçam, valorizem e saibam tirar proveito disso para a sua prática educativa, partindo de uma reflexão critica e fazendo valer seu papel de intelectual critico, é um grande passo na implementação da escola inclusiva. 1 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 2 Ministério da Educação e Cultura 3 Parâmetros Curriculares Nacionais