O absolutismo na França e na Inglaterra I A Inglaterra e o absolutismo A INGLATERRA E O ABSOLUTISMO. O DESENVOLVIMENTO DA ECONOMIA MERCANTIL INGLESA Durante a época feudal, a população da Inglaterra vivia em maior parte no campo, em comunidades locais que produziam lãs e víveres para o próprio consumo. As terras eram cultivadas visando o sustento familiar e passavam de pais para filhos. Os camponeses exploravam seus lotes dispersos em faixas pelas propriedades senhoriais, num sistema denominado "campos abertos: Eles utilizavam também as terras comuns" dos domínios para a pastagem do gado, a caça ou a obtenção madeira. Gradualmente a partir do século XV, as aldeias começaram a modificar. Os gêneros agrícolas e as lãs nelas produzidos passaram ser vendidos em regiões mais afastadas, iniciando-se a formação de u: mercado nacional. A facilidade na obtenção da 19 favoreceu o desenvolvimento da indústria têxtil que se espalhou pelas aldeias através sistema doméstico de produção, fugindo às restrições impostas pelas corporações de ofício nas cidades. À medida que o comércio da lã aumentava, os proprietários c terras iniciaram o cercamento de seus campos abertos (num processo denominado "enclousure" surgido no século XVI e que se estendeu até século XIX), expulsando os camponeses de seus lotes e acabando com os direitos tradicionais de utilização das "terras comuns" dos domínios Os enclousures tinham por objetivo favorecer a criação intensiva d carneiros para o fornecimento de lã em bruto e contou sempre com o apoio do Parlamento. As regiões do sul e do leste da Inglaterra especializaram-se na produção de lã e de alimentos, cujos preços estavam em ascensão. A., terras se valorizaram, transformando-se numa mercadoria como outra qualquer podendo ser compradas, vendidas ou arrendadas, a critério de seu proprietário, 0 uso da moeda (Aumentado com a chegada do ouro e da prata da América) generalizou-se, substituindo o pagamento em espécie ou em trabalho entre camponeses e proprietários. No século XVI, a Inglaterra tornou-se também um grande centro de extração de carvão e de produção de ferro, estanho, vidro, sabões e construção naval. Além da indústria têxtil, espalhada por burgos e aldeias do interior, surgiram empresas que utilizavam métodos novos para a extração do sal, o fabrico do papel, o refino do açúcar e a fundição do ferro e do cobre, A exploração das minas de carvão foi melhorada 1 com a utilização de bombas que permitiam o trabalho a grande profundidade. Os lucros obtidos na produção e na exportação de mercadorias passaram - a ser investidos na compra de terras, ainda a principal riqueza e fonte de poder, por comerciantes, manufatureiros, traficantes e homens de negócios em geral. Surgiram assim os "agricultores capitalistas", um novo grupo de proprietários rurais, que investia seus ganhos na exploração comercial da terra. 0 desenvolvimento da economia mercantil dividiu os proprietários de terras e de riquezas em dois grupos antagônicos. De um lado, a alta nobreza formada pela antiga aristocracia dos "pares" do reino, que vivia das rendas fixas da terra e dos favores da corte e interessava-se em manter as práticas e os costumes feudais. De outro lado, consolidava-se a burguesia urbana e a "gentry" formada pela pequena burguesia independente e pelos novos agricultores capitalistas; esse grupo era partidário do cercamento dos campos e da liberdade de produção e de comercio. A população rural também foi afetada pelo crescimento econômico. Havia os camponeses "yeomen" (pequenos e médios proprietários de terras) a os camponeses arrendatários que não eram donos dos lotes que cultivavam. A maioria dos yeomen que possuía propriedades de tamanho médio e produzia para o mercado, progrediu. Já os pequenos proprietários e os arrendatários com o início do cercamento dos campos, perderam suas terras e transformaram-se em assalariados ou desocupados. Com a expulsão dos camponeses das terras cercadas, as revoltas tornaram-se freqüentes na Cornualha, no Devonshire e em Norfolk. 0 governo inglês tentou interferir, defendendo para os camponeses as 'Ire servas de terras de uso comum", para a pastagem do gado, mas não obteve êxito, visto que a iniciativa ia contra os interesses da gentry e dos camponeses proprietários (os yeomen), beneficiados pelos cercamentos que possuíam representantes no Parlamento. 0 desenvolvimento econômico e a generalização do uso da moeda trouxeram lucros para a burguesia urbana, a gentry e parte da yeo manry, grupos sociais que se dedicavam ao comércio e à produção, enquanto que a alta nobreza e grande parte dos camponeses viam seus rendimentos diminuírem ou perderem seu valor. ABSOLUTISMO E MERCANTILISMO Henrique VII (1485/1509) foi o iniciador da centralização política na Inglaterra, submetendo os nobres e subordinando as administrações locais ao seu controle. A centralização prosseguiu no reinado de Henrique VIII (1509/1547), facilitada pela criação, em 1534, da Igreja Anglicana, chefiada pelo monarca e separada da Igreja Católica Romana, após uma crise com o papa Clemente VII. As terras e as propriedades da Igreja Católica foram confiscadas pelo Estado e vendidas para a nobreza e para a burguesia. Mesmo com o poder político fortalecido, os monarcas ingleses da dinastia Tudor -Henrique VII, Henrique VIII, Eduardo VI, Maria Tudor e Elisabeth 1 (1558/1603) - mantiveram um relacionamento razoável com o Parlamento, garantindo no país as tradições e as aparências de um governo representativo. 0 reinado de Elisabeth I foi um, período de grande crescimento econômico e correspondeu ao apogeu do absolutismo na Inglaterra.Seu governo praticou intensa intervenção na economia, através de medidas mercantilistas de favorecimento à% agricultura, às manufaturas, ao comércio e à navegação', Em 1581, um mercantilista inglês recomendava à rainha "acabar com a importação das mercadorias fabricadas no estrangeiro, e que poderiam sê-lo entre nós, restringindo a exportação de nossas lãs, peles e outros produtos no estado bruto, chamando artesãos de fora sob o controle das cidades, fabricando mercadorias suscetíveis de serem exportadas... (Citado por DEYON, Pierre, 0 Mercantilismo. SP, 1973. Perspectiva, p.(17) Elisabeth I proibiu a exportação de li em bruto e a importação de fios e de tecidos; distribuiu prêmios a que m fabricasse bons navios e concedeu monopólios temporários àqueles que introduzissem 'novas atividades no país, Os trabalhadores das manufaturas inglesas eram recrutados entre os camponeses expulsos do campo, transformados em desempregados e mendigos. Criaram-se leis que previam castigos e penas de morte aos que se recusassem a trabalhar. Surgiram as "Workhouses", onde os internos eram submetidos a uma longa jornada de trabalho, sob rígida disciplina. Apesar de a rainha Elisabeth ter praticado intervenções militares nos Países-Baixos e na França, a inferioridade dos exércitos ingleses impediu qualquer ocupação territorial no continente europeu. 0 feito militar de maior vulto de seu reinado foi à anexação da Irlanda conseguida em uma guerra iniciada em 1595 e que durou nove anos. Por ser uma ilha, a Inglaterra não se sentia ameaçada de invasão, fato que desmilitarizou precocemente a sua nobreza. Por isso, não havia no e país um exército profissional permanente, semelhante aos existentes na Espanha e na França, as duas principais potências européias do século. XVI. Devido à presença, do Parlamento, a Coroa inglesa também não tinha autonomia financeira nem uma burocracia forte, como a França. A grande realização do Estado absolutista inglês foi a modernização de sua marinha, iniciada por Henrique VIII, que quadruplicou o número de embarcações. A partir de 1579, os galeões da frota real passaram a ser equipados com canhões de longo alcance, fato que lhes permitia 'acertar os navios inimigos a uma grande distancia. Além de servirem ao comércio, os navios passaram a servir também à guerra, favorecendo a expansão marítima inglesa. Em 1588, os ingleses enfrentaram e venceram a "Invencível Armada" de Filipe II, aplicando um sério golpe no prestígio da Espanha, considerada então o mais poderoso país europeu. A partir daí, intensificaram-se as viagens de navegadores e de corsários à América, com o objetivo de saquear as embarcações espanholas carregadas de ouro e de empreender contrabando com as Antilhas. EXPANSÃO MARÍTIMA E COLONIZAÇÃO Com o crescimento do comércio e da navegação, foram fundadas as companhias inglesas de comércio, que reuniam capitais de acionistas e recebiam monopólios do Estado para a exploração de determinado produto ou de uma zona comercial, Foi o caso da Companhia da Turquia, da Companhia de Moscóvia, da Companhia da África, da Companhia das Índias Orientais (1600) e da Companhia da Virgínia (fundada em 1606 para a exploração da América Inglesa). A ocupação efetiva de territórios da América do Norte pelos ingleses ocorreu a partir de 1607, quando foi fundada Jamestown, capital da Virgínia, no governo de Jaime I. A ação colonizadora foi facilitada pela existência de grande número de pessoas expulsas do campo pelos "enclousures" que se encaminhou para a América onde havia facilidade na obtenção de terras. No decorrer do século XVII, o fluxo migratório contou com famílias burguesas e nobres que abandonaram a Inglaterra devido às perseguições religiosas ou políticas: eram os puritanos, os presbiterianos, os quakers, os católicos, etc. Até 1776, data de sua independência, existiam 13 colônias inglesas na América, fundadas por particulares por companhias de comércio ou pertencentes à Coroa. Das colônias americanas chegavam a metrópole o tabaco, o índigo e o arroz (cultivados nas "plantations" escravistas do sul) e a batata, o milho, o centeio, a Levada e as peles de animais raros (produzidos nas colônias do centro e do norte), sendo proibido o intercâmbio direto com outros países, Entretanto, essas proibições não eram muito respeitadas e logo se desenvolveram ativas trocas entre as colônias do norte (região denominada Nova Inglaterra), as Antilhas e a África. Esse comércio triangular fortaleceu a burguesia colonial e trouxe-lhe grandes lucros. As cidades inglesas de Líverpool e Bristol destacaram-se como portos ligados ao tráfico de escravos para a América, devido à necessidade crescente de mão-de-obra nas plantações e nas minas das colônias inglesas, portuguesas e espanholas. 0 escambo de negros na África era feito com mercadorias como têxteis e utensílios de ferro. Estima - se que, durante os 300 anos do tráfico de escravos, 15 milhões de negros foram introduzidos na América, sendo o Brasil o principal comprador, ocasionando a maior migração forçada de um continente para outro que o mundo conheceu. Os lucros acumulados pela Inglaterra com essa atividade levaram muitos historiadores a considerarem-na uma das causas favoráveis ao início da revolução industrial inglesa, em meados do século XVIII. 0 progresso econômico verificado nos séculos XVI e XVII enriqueceu a burguesia e os proprietários rurais que produziam para o mercado. Porém, entrou em choque com o sistema político vigente, baseado em leis e instituições ainda predominante feudais devido à influência da nobreza conservadora, fortemente representada na Câmara dos Lords. As mudanças vieram com a Revolução Inglesa de 1640/1660, da qual saírem vitoriosas as classes progressistas, que passaram a dominar o Parlamento inglês, favorecendo o livre desenvolvimento das forças capitalistas. II O Absolutismo na França. A FRANÇA E o ABSOLUTISMO Autores: Olga Maria A. Fonseca Coulon e Fábio Costa Pedro Apostila: Dos Estados Nacionais à Primeira Guerra Mundial, 1995, CP1-UFMG A FORMAÇÃO DO ESTADO ABSOLUTISTA FRANCÊS No início do século XVI, os reis franceses já se apresentavam com o poder consolidado, respondendo por seus atos somente a Deus. Criaram os serviços públicos, colocaram a Igreja sob seu controle e incentivaram o comércio, visando obter os metais preciosos. Na segunda metade do século XVI, a França foi assolada por guerras religiosas entre católicos e calvinistas (huguenotes), que se estenderam de 1562 a 1598. Essas guerras envolveram as grandes famílias aristocráticas que dominavam o país, pois os católicos eram chefiados pelo rei Henrique III da dinastia de Valois, e pelo Duque Henrique de Guise e os protestantes eram liderados por Henrique de Navarra ou Bourbon. Henrique III hesitava em combater os protestantes calvinistas, cuja grande maioria era de burgueses, responsáveis por parte considerável das riquezas do reino. A luta armada, iniciada em 1562, trouxe massacres tanto de huguenotes quanto de católicos, além de devastações e de revoltas populares no campo e nas cidades. Com o assassinato do rei, em 1589, subiu ao trono seu parente mais próximo, Henrique de Navarra, que para ser coroado aceitou converter-se ao catolicismo. As guerras religiosas favoreceram o processo de centralização da monarquia, no reinado de Henrique IV de Navarra ou Bourbon, que durou de 1589 a 1610. Em 1598, foi publicado o Edito de Nantes, concedendo liberdade de culto aos huguenotes e permitindo seu livre acesso aos cargos públicos. No setor econômico, destacou-se o ministro Sully que incentivou a agricultura, as manufaturas e a colonização, adotando medidas mercantilistas. No governo de Henrique IV, foi criada a "paulette" (1604),que consistia na legalização da venda de cargos públicos e de títulos de nobreza, transformando-se numa importante fonte de renda para o Estado. 0 novo imposto teve um grande alcance político-social, pois abriu à burguesia mercantil e financeira a oportunidade de ascensão social. Entre 1620 a 1624, a "paulette" chegou a representar 38% dos rendimentos reais. **Henrique IV morreu assassinado em 1610 e foi sucedido por seu filho, Luís XIII. A MONARQUIA DE "DIREITO DIVINO" No reinado de Luís XIII (1610/1643), o Estado Absolutista francês consolidou-se. Seu ministro, o cardeal Richelieu, adotou uma política interna que tinha por objetivo reduzir a autonomia dos nobres e acabar com todas as limitações 'à autoridade do rei. Ele perseguiu os huguenotes, derrotando-os definitivamente; reforçou o exército e modernizou a burocracia, criando o cargo de Intendente, para supervisionar e controlar os governadores das províncias. Do ponto de vista econômico, incrementou as práticas mercantilistas, com o objetivo de transformar a França na maior potência européia. A nobreza francesa foi se adaptando à centralização, pois seus privilégios, como as isenções de impostos, a prioridade na ocupação de postos no exército e na administração, continuaram assegurados. Por sua vez, a burguesia integrou-se ao Estado absolutista comprando cargos públicos, títulos de nobreza e terras, desviando, assim, seus capitais, do setor produtivo como o comércio e as manufaturas. 0 Estado, com despesas cada vez mais elevadas na manutenção da corte, das guerras e do exército, sustentava-se através de numerosos aumentos das tarifas, que recaíam basicamente sobre os camponeses, os artesãos e os pequenos burgueses. 0 imposto sobre o sal (gabela) foi estendido a todo súdito com mais de sete anos, obrigado a consumir, pelo menos, sete libras por ano; novas taxas e alfândegas internas sobre a circulação de mercadorias também foram criadas. Em 1610, o imposto da talha arrecadou 17 milhões de libras; em 1644, 44 milhões de libras. A nobreza isenta de seu pagamento e representando apenas 2% da população francesa, ficava com 20 a 30% de to da a renda nacional. Esse dado mostra o alto grau de exploração econômica garantido pelo absolutismo sobre as classes mais baixas da sociedade. 0 absolutismo francês (ou "Antigo Regime"), como passou a ser chamado a partir da Revolução Francesa) atingiu o auge no reinado de Luís XIV (1643-1715), denominado o "Rei Sol". Durante a sua menoridade, o governo foi exercido pelo primeiro-ministro Mazarino, que enfrentou vitoriosamente várias rebeliões da nobreza resistente ao absolutismo: as Frondas. A partir de 1661, com a morte de Mazarino, o monarca exerceu pessoalmente o poder, sem admitir qualquer contestação, sendo-lhe atribuída à frase: O Estado sou eu". Luis XIV exigiu que os governadores das províncias francesas, nomeados por apenas três anos, residissem em Paris, para melhor controlá-los. Mandou construir o luxuoso Palácio de Versalhes, que chegou a abrigar mais de 10 mil pessoas, entre nobres e seus servidores, numa prova incontestável de prestígio e fausto Na Corte, as principais famílias da França desfrutavam de um elevado padrão de vida, entre favo pensões e cargos públicos, além de ocuparem seu tempo em jogos, caçadas, passeios, bailes e intrigas, graças aos impostos arrecadados entre as classes populares. Como justificativa da centralização imposta pelo Estado absolutista francês, difundiu-se a teoria da monarquia de "direito divino", segundo a qual o rei era o representante de Deus na terra e, por tanto, somente a Ele devia prestar contas. Para o historiador francês H. Methivier, a monarquia de Luís XIV era "uma verdadeira religião, 1 com seu deus (o Rei), seus sacerdotes (dignitários e cortesãos), seu dogma (teoria. do poder real), seus ritos (a etiqueta), seu templo (Versalhes), seus fiéis (os súditos) e seus heréticos (os opositores). No entanto, a centralização imposta por Luís XIV tornou impossível a convivência entre católicos e protestantes. A partir da revogação do Edito de Nantes, em 1685, acabando com a liberdade de culto, o comércio e a indústria viram-se prejudicados com o êxodo de burgueses calvinistas. Além disso, a dispendiosa manutenção da corte e a série de guerras desastrosas envolvendo questões com a Inglaterra, a Holanda, a Espanha, a Áustria e a Alemanha agravaram a situação financeira do pais, provocando a miséria de camponeses e de artesãos. A SOCIEDADE DA FRANÇA ABSOLUTISTA Durante a época moderna, a sociedade francesa conservou sua divisão em trás "ordens" ou "estados" e o seu caráter aristocrático, herança do período feudal em que a terra era a principal riqueza. 0 rei, autoridade máxima da monarquia absolutista de "direito divino", era a fonte de toda justiça, legislação e administração do país. 0 1o. Estado (alto e baixo clero) e o 2o. Estado (alta nobreza da corte e pequena nobreza das províncias) representava menos de 3% da população do país e gozavam de isenções de impostos, leis e tribunais especiais. Do 2o. Estado fazia parte também a alta burguesia mercantil urbana, que enriquecida com os lucros obtidos nos negócios, havia adquirido terras, títulos e cargos administrativos, transformando-se em nobreza togada, integrada ao Estado absolutista, com os mesmos privilégios e direitos da nobreza tradicional de sangue.0 alto clero (bispos e abades), a alta nobreza da corte e a al ta burguesia enobrecida (nobreza togada) formavam a aristocracia do Estado absolutista, ocupando os melhores cargos do governo, da Igreja e do Exército, recebendo pensões, subsídios e doações que custavam ao Estado milhões de libras por ano. 0 3o. Estado (burgueses, artesãos e camponeses) abrangia cerca de 97% da população francesa, estava privado de qualquer privilégio ou direito político e era responsável pelo pagamento de todos os impostos que sustentavam o rei e as classes privilegiadas. Os grupos sociais que compunham o terceiro Estado eram bastante diversificados. Nas cidades, destacava-se a burguesia formada por magistrados, profissionais liberais, médios e pequenos comerciantes e donos de oficinas (ameaçados pela concorrência das manufaturas), que pagava al tos impostos ao reino. Havia também uma massa de trabalhadores urbanos, pequenos artesãos, aprendizes, lojistas, biscateiros, desempregados, que sofria com os baixos salários e com a carestia. No campo, estava a maior parte da população da França e do Terceiro Estado: eram pequenos proprietários, arrendatários, meeiros e servos que pagavam impostos ao Estado (a talha, sobre a propriedade; a capitação, por pessoa; as gabelas, sobre o sal e o vinho); à Igreja (os dízimos, em dinheiro e em gêneros) e aos nobres, (o censo, renda em dinheiro; a jugada, parte da colheita; a portagem, pelo direito de circular nas estradas e pontes do domínio do senhor; as banalidades, pelo uso do moinho, forno, forja bosques e pastagens). A maioria dos camponeses era pobre, obrigada a trabalhar na ter ra alheia por um pequeno salário e lutava por manter o antigo costume de utilização coletiva das terras. Dividido em diferentes camadas, o campesinato unia-se num aspecto: o ódio aos dízimos pagos à Igreja e as obrigações feudais devidas aos proprietários e ao Estado. III Bodin e Bossuet OS TEORICOS DO ABSOLUTISMO FRANCÊS. AS JUSTIFICATIVAS TEÓRICAS DO ABSOLUTISMO NA FRANÇA 1. JEAN BODIN E A SOBERANIA "Nada havendo de maior sobre a terra, depois de Deus, que os príncipes soberanos, e sendo por Ele estabelecidos como seus representantes para governarem os outros homens, e necessário lembrar-se de sua qualidade, a fim de respeitar-lhes e reverenciar-lhes a majestade com toda a obediência, a fim de sentir e falar deles com toda a honra, pois quem despreza seu príncipe soberano, despreza a Deus, de Quem ele é a imagem na terra".(BODIN, Jean. "A República". Citado por CHEVALIER Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. Rio de Janeiro, Livraria Agir Editora, 1966,1 p. 58.). 0 jurista francês JEAN BODIN (1530-1596) publicou, em 1576, o livro "DE LÁ REPUBLIQUE", vasta obra de teoria política, que se destacou pelos conceitos emitidos sobre a soberania e o direito divino dos reis, As noções de soberania surgiram num momento em que a França se via assolada pelas guerras de Religião do século XVI. Foi o medo da anarquia que levou Bodin a sustentar que para preservar a ordem social deveria existir uma vontade suprema soberana. A soberania foi definida pelo autor, como o poder absoluto que o chefe de Estado tem de fazer leis para todo o país, sem estar, entretanto, sujeito a elas nem às de seus predecessores, porque "não pode dar ordens a si mesmo". A República (sinônimo de Estado ou de comunidade política), sem o poder soberano não é mais República. Além de absoluta, a soberania é também perpétua e indivisível. Segundo Bodin, a soberania pode ser exercida por um príncipe (caracterizando uma monarquia), por uma classe dominante (caracterizando uma aristocracia) ou pelo povo inteiro (seria uma democracia). Mas, ela só' pode ser efetiva na monarquia, porque esta dispõe da unidade indispensável à autoridade do soberano. Ao exercer a soberania, o governante deve criar órgãos, associações ou conselhos (como os "Estados Gerais", na França) que facilitem a administração. Porém o poder de decisão em última instância é sempre do príncipe, sob pena de desmoronamento da soberania, que é tão alta e tão sagrada. Dentre as demais prerrogativas que o exercício da soberania confere ao governante estão os direitos de decretar a guerra e a paz, criar cargos públicos, condenar ou perdoar os réus, cunhar moedas, estabelecer ou suspender impostos. Mas a monarquia de poder absoluto não é uma monarquia ilimitada ou despótica, e sim, "aquela em que os súditos obedecem às leis do monarca e o monarca às leis da natureza, continuando a pertencer aos súditos a liberdade natural e a propriedade dos bens".(Citado por CHEVALIER., op. cit, p. 56.) 0 monarca absolutista deve, pois, respeitar as leis naturais (como o direito à liberdade e a vida e a lei que regula a sucessão ao trono), bem como as propriedades dos seus súditos, não podendo tomá-las sem-motivo justo. As noções de soberania de Bodin constituíram as bases da ciência política e do direito público durante o Antigo Regime e sua influência ultrapassou as fronteiras da França, 2. JACQUES BOSSUET E 0 DIREITO DIVINO DOS REIS "Considerai o príncipe em seu gabinete. Dali partem as ordens graças as quais procedem harmonicamente os magistrados e os capitães, os cidadãos e os soldados, as províncias e os exércitos, por mar e por terra. Eis a imagem de Deus que, assentado em seu trono no mais alto dos céus, governa a natureza inteira... Enfim, reuni tudo quanto dissemos de grande e augusto sobre a autoridade real. Vede um povo imenso reunido numa só pessoa, considerai esse poder sagrado, paternal e absoluto; considerai a razão secreta, que governa to do o corpo do Estado, encerrada numa só cabeça: vereis a imagem de Deus nos reis, e tereis idéia da majestade real". (BOSSUET, citado por CHEVALIER, J. J., op. cit. p. 88). No fim do século XVII, JACQUES BOSSUET (1627-1704) exerceu grande influência, como o teórico do absolutismo de Luís XIV. Na sua obra intitulada "A POLÍTICA SEGUNDO AS SANTAS ESCRITURAS", Bossuet admite que existiu outrora um estado de natureza. Para viver em segurança, o povo se organizou, do ponto de vista político, e conferiu o poder supremo a um soberano e aos seus descendentes legítimos. Surgiu, assim, a monarquia, que é a mais comum, a mais antiga e também a mais natural forma de governo. A monarquia é sagrada, pois os príncipes são como ministros de Deus e seus representantes na terra é absoluta, porque o príncipe não deve prestar contas a ninguém. paternal, porque como o pai de família em relação a seus filhos, o rei "não nasceu para si, mas para o povo". E é justa, porque está sob a proteção de Deus. (Nada melhor do que tais idéias, para os reis de um país que vinha de um período agitado de guerras religiosas e de enfrentamento com a nobreza.) Entretanto, já no final do século XVIII, na Inglaterra, e durtante o século XVIII, na França, surgiram fortes corretnes de pensamento contrárias ao absolutismo monárquico. As teorias políticas de locke, Montesquieu e Rousseau contribuíram de forma marcante para abalar a estruturas do Antigo Regime. No século XVIII, os reinados de luís XV (1751-1774) e de luís XVI (1774-1792) transcorreram em crise, decorrente da difícil situação fincnaceira do Estado, das reinvindicações políticas da burguesia, do descontentamento das classes populares e das críticas dos filósofos ao absolutismo. Em 1789, a Revolução Francesa pôs fim ao Antigo Regime absolutista francês.