A PERSPECTIVA DA HISTÓRIA COMO CIÊNCIA BÁSICA PARA O CONHECIMENTO CIENTÍFICO A perspectiva da história como ciência básica Como já foi dito, o método marxista, prima pela abordagem materialista, histórica e dialética da realidade, sendo, por isso, um dos mais adequados para estudar as relações sociais. Segundo a perspectiva materialista e dialética, a História é ciência que contêm as outras ciências, pois todas emergem da história e se situam na história. Enfatizamos, portanto, que para compreender e situar melhor um período histórico, com suas relações sincrônicas e diacrônicas e/ou uma formação cultural específica, é necessário considerar, segundo a visão de Marx: * O modo como os homens produzem seus bens materiais (modo de produção, economia, trocas, vendas, saques, roubos, conquistas, distribuição, possuidores e despojados; países pobres e países ricos; propriedade privada; patrões e empregados; lucros para uns e salários para outros; desemprego etc.); * O modo como se organizam em sociedade (classes sociais; forma de governo, estado, leis, elites intelectuais, religiões, movimentos sociais [dos sem terra, dos sem teto, greves, passeatas, sindicatos etc.]); * O modo como produzem conhecimentos (escolas, universidades, ideologias, mentalidades, saberes, ciência, mitos, religiões, filosofia, pesquisas, estudos, livros, imprensa etc); A partir desse ângulo de análise e tentando sintetizar a trajetória do homem no que diz respeito à história do seu conhecimento e das suas idéias, agrupamos as principais tendências em três grandes narrativas: 1. Até a Idade Média: Narrativa Teológica; 2. Até a Idade Moderna: Narrativa Tecnológica (ainda com uma visão metafísica); 3. Contemporaneidade: Multi-referencialidade e Fragmentação. NARRATIVA TEOLÓGICA (até o fim da Idade Média) Na passagem da pré-história para a história, o palco principal da civilização nascente foi o Oriente Médio e o Mediterrâneo. Segundo a versão bíblica, os filhos de Noé habitaram: a) os semitas, a região da Palestina até Ur, na Caldéia; b) os jafetistas, as ilhas do Mediterrâneo e Bálcãs (Grécia); os Camitas (os malditos) as regiões do Egito, Etiópia e Arábia. Em verdade, já no neolítico, as culturas mesopotâmia, egípcia, cretense, grega e romana, além de povos nômades que habitavam a região da Palestina, foram se fixando ao solo e se organizando econômica e socialmente. Esses povos nômades, comerciantes, juntamente com levas de conquistadores indo-europeus, dinamizaram a cultura dos primeiros habitantes, e contribuíram para uma significativa interação cultural. Isso se deu por várias causas: pela tradição oral, supremacia de uma cultura sobre outra, religiões politeístas de matriz comum (com exceção dos semitas, o único povo de religião monoteísta da Antigüidade, nas quais as leis civis, eram as mesmas do Decálogo). Dessas culturas antigas, algumas se direcionaram prevalentemente, para a elaboração do saber prático, experimental e empírico (egípcios, cretenses) e outras se direcionaram mais para a teorização, o pensamento reflexivo e a formação dos conceitos (gregos, romanos). Outras, ainda se caraterizaram, sobretudo, por um poder rigidamente subordinado a códigos religiosos ou civis (sumérios-acadianos, semitas). No caso da cultura ocidental, que hoje conhecemos, podemos dizer que a matriz de formação inicial foi organizada com elementos fortíssimos da cultura grega e os seus 'modos de organizar a vida', principalmente a sua filosofia: * Filosofia pré-socrática (pitagóricos e dialéticos) * Sistematização da filosofia com Sócrates, Platão e Aristóteles; * Decadência Filosófica ( sofistas e estóicos). A seguir o império grego foi incorporado e 'dominado' pelo crescente império romano que se espalhou por todo Mediterrâneo e Oriente Próximo, e assimilou, por sua vez, os principais elementos da cultura grega como a filosofia (neoplatonismo, o estoicismo), a arte, a literatura e a religião. Esses elementos, posteriormente, mediante a cultura romana, influenciarão de forma vital o nascente cristianismo. O Cristianismo começou na Palestina, dominada pelos romanos, como uma religião duplamente perseguida: pelos judeus e pelos romanos. Por necessidade de preservação e sobrevivência da nova Fé e do culto, surgiram os primeiros Padres (os apologistas, que defendiam e os cristãos das acusações dos poderosos, com 'inspiração' nas palavras do Evangelho e com o suporte técnico da Filosofia Grega. Quando, em 313, com o Edito de Milão, Constantino deu liberdade de culto aos cristãos, a Igreja, aos poucos, foi mudando o seu perfil: das catacumbas e dos mártires, passou as ser a Igreja das basílicas (da mitra, do báculo e do anel). Quando foi declarada, no final do século III, como igreja oficial e estandarte do Império Romano, passou, de perseguida a ser perseguidora, e construiu, no decorrer da história, todo um aparato ideológico, simbólico e cultural - em nome de Deus, da Fé e do Evangelho. Os seus dirigentes erigiram, então, uma arquitetura monumental, mosteiros, igrejas pintadas e paramentadas com todo o luxo possível, desenvolveram a música sacra e, principalmente foram escritas obras filosóficas e teológicas de grande porte. A partir daí, a filosofia e o desenvolvimento científico foram 'aprisionados' e subordinados à teologia, desde a Idade Média até o século XIX. Neste universo cultural, destacaram-se vários nomes de filósofos (e teólogos), chamados escolásticos, que especulavam acerca das questões filosóficas e das causas teológicas, como: São Bento, no século V que elaborou uma 'regra' (estatuto) de vida religiosa que até hoje é parâmetro para outras regras; S. Anselmo de Cantuária (1033), místico e racionalista, que tentou articular a existência de Deus às causas racionais; São Bernardo de Claraval (1091) que reescreveu a regra de São Bento; São Francisco e os Franciscanos (S. Boaventura - 1221, Duns Scoto 1308) e mais importante do que todos, São Tomás de Aquino 1225-1274), que cristianizou a doutrina de Aristóteles, dando uma nova vida à filosofia cristã. NARRATIVA TECNOLÓGICA (até o fim do século XIX). Três acontecimentos notáveis da civilização ocidental, marcaram a passagem da Idade Média para a Idade Moderna: As grandes navegações e a descoberta do Novo Mundo, a partir da tomada de Constantinopla pelos turcos (1453) ; A Reforma Protestante com a afixação das 95 teses de Lutero em 1517; O Renascimento, a partir do final do século XV com nova visão de Homem com os escritos de Erasmo e as descobertas de Galileu; A Contra-Reforma, ou Reforma da Igreja Católica, com a criação da Companhia de Jesus (1540) e a promulgação das normas do Concílio de Trento (1545 - 1563). Esses acontecimentos cindiram a Igreja e os territórios habitados (orbe cristã) e, conseqüentemente o pensamento religioso e filosófico em 2 tendências diferentes de interpretação da realidade: O Protestantismo - baseado principalmente no pensamento platônico, re-elaborado por S. Agostinho (354-430) que escreveu que Deus dá a graça aos homens que já nascem predestinados; O Catolicismo - baseado principalmente no pensamento aristotélico, re-elaborado por S. Tomás de Aquino (1225-1274) que defendia o livre arbítrio e a ação humana como decisiva para a salvação. Por um ângulo, o pensamento filosófico dessa época (que não era dissociado do religioso) evoluiu, nos países protestantes, com os principais fundamentos: O Iluminismo (séc. XVI e XVII) foi o pensamento fundante do racionalismo moderno, pois 'fundou' novos métodos e teorias de compreensão da realidade, porém, sem abrir mão das causas metafísicas (sobrenaturais). Os principais iluministas foram: Francis Bacon (1561), Newton, Descartes (1596), Pascal (1623); O Liberalismo (Séc. XVIII), com raízes no Iluminismo. Os liberalistas se inspiraram e influenciaram os movimentos libertários do séc. XVIII. Alguns deles são Locke (1632), Rousseau (1712), Diderot (1713), etc. Ainda pensavam orientados por uma razão metafísica. Por outra vertente, o pensamento filosófico dos países católicos, principalmente Itália, Espanha e Portugal, que era inteiramente subordinado ao pensamento religioso, fundamentou-se numa corrente filosófica conhecida como Segunda Escolástica (por usar os fundamentos filosóficos da escolástica), ou Escolástica Espanhola (por ser originária da Escola Dominicana de Salamanca, na Espanha). Essa chamada Segunda Escolástica traduzia o pensamento católico se orientando quase que exclusivamente pela filosofia de Aristóteles, cristianizada por São Tomás de Aquino (filosofia aristotélico-tomista). Porém com uma interpretação equivocada da doutrina de S. Tomás. Dentre esses escolásticos, destacaram-se Pedro Crockaert (o fundador), Luís de Molina, Pedro da Fonseca, Domingos e Pedro Sotto, Gabriel Vasquez, Francisco Suarez, das escolas teológicas de Salamanca, Toledo e Coimbra. MULTIREFERENCIALIDADE E FRAGMENTAÇÃO (Contemporaneidade). Com o Positivismo e o Racionalismo do século XIX, representados principalmente por Augusto Comte e Emanuel Kant, a teologia se afastou definitivamente da Filosofia, e a as razões metafísicas (sobrenaturais) deixaram de ser o caminho principal para explicar a realidade. As guerras do fim do século XIX, a independência das colônias, as duas grandes guerras do século XX, as descobertas científicas e tecnológicas e, principalmente, a industrialização e o alastramento do capitalismo, inauguraram novas visões de mundo e novas formas de pensamento filosófico. Proliferaram movimentos (escolas) filosóficas como hegelianismo (Hegel), marxismo (Marx), existencialismo (Sartre), Escola de Frankfurt (Adorno, Habermas, Walter Benjamin) e Teorias da Comunicação (Peirce, Saussure, Umberto Eco, Marcuse). Além desses, um grande número de pensadores que pensam sobre a situação atual do planeta que hoje é chamada de Pós-Modernidade (Contemporaneidade ou Mundialização). São eles Levi-Strauss, Michael Foulcault, Lyotard, Derridá, Claus Off, Adam Schaff, Michel de Certau, Alain Tourraine, Friedrich Jamerson, Chomsk, Edgard Morin, Boaventura de Sousa Santos, Alan Sokal etc. 1