A escola regular e a inclusão do portador de deficiência No momento em que uma nova concepção de educação especial está emergindo na sociedade, decorrente não apenas dos novos dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, mas, principalmente, de uma longa trajetória de luta social por uma educação de qualidade e para o resgate dos direitos de cidadania dos portadores de deficiência, é importante compreender o papel que a escola vem representando no processo de desenvolvimento global do portador de deficiência visual que freqüenta classes regulares, considerando-se, principalmente, o nível de oportunidades que o contexto escolar lhe oferece para construção do seu próprio conhecimento, enquanto uma condição inerente àquele desenvolvimento. Quem é o portador de deficiência visual? A visão é o sentido que nos une fundamentalmente ao mundo objetivo e integra os demais sentidos para que as informações externas oriundas dos estímulos viso-sensoriais sejam apreendidas de forma imediata, constante e plena. E, nesta tarefa, a visão desempenha um papel crucial, uma vez que representa a quase totalidade das impressões que temos do mundo, considerando-se que 4/5 dessas impressões nos chegam através dos olhos (OLIVEIRA, 1999). Nessa perspectivar portador de deficiência visual é encarado como aquele que [...] sofre de uma alteração permanente nos olhos ou nas vias de condução impulso visual. Isto causa uma diminuição da capacidade de visão, que constitui um obstáculo para o seu desenvolvimento normal [...] (MARTÍN; BUENO, 1997, p. 317). Por outro lado, a concepção de que o conhecimento relaciona-se à visão reforça a relevância da análise dos efeitos da perda da visão no processo de aquisição e construção do conhecimento para o educando. Etimologicamente, o verbo latino videre (ver) descende da mesma raiz indo-européia da forma verbal vedayatí, do sânscrito, que significa "ele faz conhecer" (OLIVEIRA, 1999). Daí se infere que, de acordo com essa concepção, a normalidade visual significa maior possibilidade de conhecimento. Muitas culturas cultivam a ideia de que a pessoa cega pode compreender o mundo de forma mais intensa porque se acha livre dos enganos derivados da visão exclusivamente viso-sensorial. O uso, por exemplo, do termo "vidente", como alguém que "vê" o que os outros não vêem, alguém que vê mais do que o "normal", imprime um significado positivo à capacidade subjetiva e pessoal de ver. Contrariamente a isto, uma das definições do termo "cego", encontrada em dicionários da Língua Portuguesa, e introjetada socialmente, enquanto alguém não perspicaz, com pouco discernimento e lucidez, como sinónimo, portanto, de "raciocínio perturbado e razão obliterada" (FREIRE, 1998), confere à expressão um significado negativo, ao qual se encontra subjacente um conjunto de valores estereotipados e preconceituosos contra a pessoa desprovida de visão. A condição de superioridade visual é concebida, assim, como incontestável no que tange às possibilidades de aquisição de conhe- cimentos acerca do mundo. Entretanto, a cegueira não é o mais grave dos impedimentos a esse processo de conhecimento, contanto que sejam levadas em conta as implicações do déficit da visão na apreensão dos objetos e os efeitos, principalmente, psicológicos, que a perda visual - parcial ou total - acarretam no indivíduo. Por conseguinte, a ausência de um dos sentidos primordiais componentes da fisiologia humana, responsável pelo desempenho de grande parte das funções sociais do homem, faz com que o portador de deficiência visual não possa ser encarado apenas como um sujeito "normal" desprovido da visão. A peculiaridade de comportamentos, atitudes sociais e formas de percepção do mundo por parte do portador de deficiência visual, decorrentes da sua perda da visão, pode ser entendida a partir das suas próprias reações psicológicas a tal perda, principalmente, quando adquirida, reações essas que, de acordo com resultados de estudos, podem ser compreendidas em quatro fases (BARCZINSKY, 2001): a) a descrença (negação da cegueira); b) o protesto (manifestação de comportamentos de resistência ou antisociais); c) a depressão (com sintomas de debilitação física, ideias suicidas e ansiedades paranóides); d) a recuperação (aceitação da cegueira), A ultrapassagem das fases críticas para a fase de recuperação não significa, entretanto, a garantia da integridade psicológica do não-vidente, principalmente, quando ele esbarra em obstáculos às suas possibilidades e oportunidades sociais, decorrentes do seu déficit. Dessa forma, as barreiras, estereótipos, atitudes protecionistas, desconfiança das suas capacidades que são colocadas pela sociedade a esse portador de deficiência fazem com que outras perdas se somem à perda da visão, cuja consideração, tanto pela sociedade quanto pela escola, tornam-se indispensáveis. De acordo com Barczinsky (2001), as novas perdas advindas da ausência da visão situam-se em vários planos vinculados ao relacionamento social do portador de deficiência visual e podem comprometer a organização da sua personalidade e a sua auto-estima. Nesse sentido, a autora destaca as seguintes: - perda da integridade física (sensação de mutilação que o torna diferente dos demais e que elimina as oportunidades de passar despercebido nas situações sociais do cotidiano. Em função disto, muitos cegos recusam-se a usar bengala ou outro objeto que os identifique enquanto tais); - diminuição dos sentidos remanescentes (decorrente de uma desorientação inicial); - falta de contato real com o meio ambiente (uma espécie de perda de vínculo com a realidade; de "morte" para o mundo); - perda da percepção do objeto (olhar para algo sem saber se ainda está ali); - diminuição das habilidades básicas (principalmente da orientação espacial e locomoção, reforçadas pela sensação de insegurança); - perda dos procedimentos da vida diária (passa por fracassos ou dificuldades nas atividades, que lhe evocam constantemente a consciência de estar cego e a condição de dependência de outrem, limitante à sua autonomia); - perda da capacidade de se comunicar socialmente com facilidade, tanto de forma escrita como corporal (não pode ver o que está escrito nos jornais, revistas, TV, não pode ler privadamente a sua correspondência e nem percebe os gestos, as posturas, as expressões faciais das pessoas a quem se dirige); - perda de um componente de desenvolvimento afetivo, que é a percepção dos rostos das pessoas a quem ama, principalmente, os rostos dos familiares); - restrições das suas situações de lazer e recreativas (como condições para o desenvolvimento das suas interações sociais e afetividade e de apoio à superação de eventuais crises de frustração); - perda da profissão (insegurança quanto à sua capacidade profissional e da sensação de utilidade social). O espectro dessas perdas e as suas consequências desfavoráveis para o bom relacionamento social, segurança e confiança pessoais do portador de deficiência visual, principalmente nas etapas infantis de vida, em que o sujeito é normalmente mais inseguro, em função de ainda se encontrar em processo de amadurecimento para a vida, comprovam o suposto acima destacado, acerca da atitude inadequada de se atribuir àquele portador uma condição de "normalidade relativa", entendendo-se tal relatividade apenas na sua conotação quantitativa, ou seja, como efeito da perda de um dos cincos sentidos que qualquer homem normal possui. Ao contrário, o significado dessas perdas é de ordem qualitativa e é amplo o bastante para exigir da escola uma análise profunda sobre a sua prática, ou seja, das necessárias preocupações e compromissos que ela tem frente ao aprendiz desprovido de visão e que dizem respeito, principalmente, a uma consideração ao sentido que ele atribui à vida, ao mundo, à sociedade e sobre as consequências disto no seu processo de desenvolvimento, na ampliação dos seus conhecimentos e no exercício da sua cidadania. Com base nessa reflexão, poder-se-ia considerar que o portador de deficiência visual não é apenas um indivíduo que sofreu perdas. Exata-mente por conta das alterações delas decorrentes nas suas formas pró- prias de compreender o mundo e de viver a vida, bem como de necessidades daí emergentes, pode-se considerar que o portador de deficiência é a pessoa que busca, como qualquer cidadão, encontrar o sentido da sua vida, para que possa realizar-se plenamente, enquanto sujeito e cidadão, exercendo sua autonomia e independência, fortalecendo suas relações sociais, desenvolvendo sua afetividade. A perda de um dos sentidos centrais não torna o indivíduo incapaz. Entretanto, torna-o imperfeito aos olhos da sociedade e, por isso, sujeito a atitudes preconceituosas e, eventualmente, segregacionistas ou restritivas à sua participação social. Essa concepção vem sendo alvo de movimentos sociais que visam denunciar tais preconceitos e propiciar meios para que o deficiente visual, assim como qualquer portador de deficiência, possa desfrutar das mesmas oportunidades e direitos do cidadão comum, em função do que as lutas em favor da integração e inclusão sociais do portador de deficiência têm recrudescido, através da emergência desses conceitos: o conceito de integração social, surgido na década de 70 e vigorando durante duas décadas, e o de inclusão social, originado na década de 90, ambos em substituição à visão segregacionista do portador de deficiência, vigente até os anos 60. O significado da inclusão social do portador de deficiência: suas implicações para o sistema escolar Os movimentos sociais em prol da cidadania do portador de deficiência têm buscado a garantia de condições de educação favorecedoras a uma formação plena ou não restritiva daquele portador e, ao mesmo tempo, a diminuição ou anulação das condições discriminatórias que ele vem sofrendo. Significam a tentativa de levar a cabo os princípios da integração e, em último plano, da inciu- são social do portador de deficiência. Essa luta social redundou, no âmbito da educação brasileira, na inserção de dispositivos na LDB, destinados à Educação Especial, a qual passa a assumir objetivos inclusivistas (art. 58, caput e parágrafos 1° e 2°), que devem ser iniciados com a efetivação de uma prática integradora dentro da escola regular. Esta escola, nesse caso, ao constituir-se num espaço preferencial na educação dos portadores de deficiências, deverá identificar, prévia e processualmente, suas necessidades específicas, acompanhando-os permanentemente, e promover adaptações curriculares que dêem conta da sua formação plena (MIRANDA). Em outras palavras, deverá abrir um espaço pedagógico para todos, que considere o grupo e, ao mesmo tempo, cada. indivíduo dentro dele (BLANCO, 1995). A integração social, enquanto um princípio ou uma diretriz político-social destinada aos portadores de deficiência, surgiu para derrubar a prática de exclusão social a que estavam submetidos esses portadores, uma vez que vinham sendo considerados como seres inválidos, sem utilidade para a sociedade. Essa concepção foi assumida pelo modelo médico de deficiência, em função de que ou os indivíduos eram eliminados socialmente, ou internados para tratamento. Esta segunda condição encontrou o seu boom na década de 60, através das instituições especializadas, mas enfrentou, no final daquela década, o movimento pela integração social, voltado para a inserção do deficiente nos sistemas sociais gerais, como educação, trabalho, lazer, família. Subjacente à concepção de integração social, encontra-se o princípio da normalização, que significa dar ao portador de deficiência a possibilidade de manter um padrão ou estilo de vida comum ou normal à sua cultura. Este princípio, antes confundido com "tornar o deficiente uma pessoa normal", foi substituído, em 1970, pelo processo de normalizar serviços, ambientes e condições de vida, naturais ou feitas pelo ser humano, ou oferecer aos portadores de necessidades especiais, modos e condições de vida diária semelhantes, o mais possível, às formas de condições de vida do resto da sociedade (SASSAKI, 1997). Por outro lado, para Sassaki, o conceito de integração tem uma limitação: ele busca inserir na sociedade o portador de deficiência para que ele adquira um nível de competência compatível com os padrões vigentes, ou seja, para capacitá-lo a superar as barreiras físicas, programáticas e atitudinais existentes nessa sociedade. O esforço unilateral subjacente ao conceito de integração, acima destacado, implica que esse princípio pode hoje assumir três formas: - inserção do portador de deficiência que consegue, por seus méritos e capacidades, participar dos ambientes e serviços sociais, sem qualquer alteração por parte deles-, - inserção do portador de deficiência em situações que necessitam de alguma adaptação específica no espaço físico comum ou no procedimento da atividade também comum, para que possa estudar, trabalhar, ter lazer, ou seja, conviver com pessoas não portadoras de deficiência; - inserção de pessoas com deficiência em ambientes separados dentro dos sistemas gerais (escola especial, classe especial, setor separado, horário exclusivo). Essa forma ainda é segregativa. Para aquele autor, esses modelos não satisfazem aos plenos direitos das pessoas portadoras de deficiência, pois a integração, significando a inserção social daquele indivíduo após algum preparo para conviver na sociedade, pouco ou nada impõe de modificação ao sistema social, tanto em termos de espaços físicos, como de objetos ou práticas sociais. O sistema mantém-se inalterado, esperando que os portadores de deficiência: - moldem-se aos requisitos dos serviços sociais separados (classes especiais); - acompanhem os procedimentos tradicionais (trabalho, escolarização, convivência social); - saibam lidar com atitudes discriminatórias da sociedade, resultantes de estereótipos, preconceitos e estigmas; - desempenhem papéis sociais individuais (aluno, trabalhador), com autonomia. Às limitações inerentes ao conceito de integração, em relação ao pleno direito de cidadania, opõe-se o conceito de Inclusão Social, denominado por alguns autores de integração plena ou total, como um conceito que prevê um movimento bilateral, no qual há uma parceria entre os portadores de deficiência e a sociedade, mobilizando-se esta última para mudanças no seu sistema "[...] de forma a equacionar problemas, decidir soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos". (SASSAKI, 1997, p. 3). O conceito de inclusão social encontra-se, portanto, ligado ao modelo social da deficiência, pressupondo um movimento social amplo [...] em que a sociedade entende que ela precisa ser modificada para ser capaz de atender às necessidades de seus membros portadores de deficiência, a fim de que possa buscar o seu desenvolvimento e exercer sua cidadania. O desenvolvimento das pessoas (educacional, por exemplo) deve ocorrer dentro do processo de inclusão, e, não, como um pré-requisito para elas poderem fazer parte da sociedade, como se precisassem pagar "ingressos" para integrar a comunidade (CLEMENTE FILHO apud SASSAKI, 1997, p. 41). Como um conceito recente, a inclusão social caracteriza-se, sobretudo, como um ideal, um propósito a que a sociedade e as instituições sociais, mesmo dentro de um modelo individualista e centrado na va- lorização da "normalidade" e desvalorização da diferença, devem perseguir, como forma de concretização dos seus ideais democráticos, defendidos, a propósito, pela sociedade brasileira. Os fundamentos encontrados em Sassaki refletem, sobretudo, uma posição mais incisiva a favor da inclusão social, enquanto o princípio que representa um avanço político-filosófico ao princípio da integração e que traduz devidamente uma nova concepção social e educacional acerca dos direitos do portador de deficiência. Essa posição nega, portanto, o conceito de integração social, como um novo princípio sócio-educacional que represente uma concepção oposta ao modelo clínico de deficiência, o que significa, em último plano, assumir uma visão polarizada a respeito desses dois conceitos. Entretanto, vem do próprio Sassaki a consideração de que nem todas as sociedades atingiram o ideal inclusivista (e a brasileira, certamente, é uma delas) e que, para atingi-lo, a integração é uma etapa processual que tem uma tarefa decisiva a cumprir, cobrindo situações em que ainda não seja possível assumir medidas de inclusão, por problemas sociais normais de resistência a mudanças ou por falta de condições para modificação do contexto. Observa o autor que, neste final de século, saímos do modelo segregacionista, mas ainda nos encontramos numa fase de transição entre a integração e a inclusão sociais (que envolve a inclusão em todas as instâncias da vida social). Portanto, ambos os processos co-existem e co-existirão por mais algum tempo até que, gradativamente, a integração esmaeça e a inclusão prevaleça (SASSAKI, 1997). No que se refere à educação, ainda em Sassaki encontra-se que a escola buscou sair do modelo segregativo para a chamada terceira fase da integração, quando criou salas especiais para assistência ao portador de deficiência, não com intenções propriamente pedagógicas, mas para permitir que as crianças portadoras de deficiência fre- qüentassem. a escola, sem interferir no processo normal da sala de aula e sem absorver as energias do professor. Os contornos elitistas e discriminatórios desse processo ainda são percebidos no contexto escolar, mesmo quando são promovidas situações especiais que visam dar o apoio pedagógico para a criança com deficiência que freqüenta a classe regular. A educação inclusiva, portanto, não é uma realidade no nosso sistema educacional, porque esse sistema não mudou sua perspectiva, qual seja, ajudar não apenas os que têm dificuldades na escola, mas apoiar a todos: professores, alunos, pessoal administrativo para que obtenham sucesso na corrente educativa, incluindo-se os portadores de deficiências severas ou não severas (MANTOAN, 1997 apud SASSAKI, 1997). Mesmo contando com serviços de apoio pedagógico na área cognitiva e em outras áreas de desenvolvimento, além de alguma adaptação em materiais pedagógicos, esses serviços, ainda assim, enquadram-se na perspectiva de integração porque se voltam apenas à inserção do portador de deficiência no processo educativo desenvolvido na classe regular, buscando superar suas dificuldades, e, principalmente, porque são desenvolvidos fora de sala de aula. Portanto, não seguem a direção do modelo inclusivista, uma vez que a sala de aula e a escola como um todo não se modificam, no sentido de equiparação de possibilidades ou oportunidades para todos os educandos, considerando, ao mesmo tempo, a sua diversidade, conforme já foi salientado. Portanto, uma vez levando em conta o princípio da inclusão social do portador de deficiência como um ideal a ser perseguido e a sua relação com a prática da escola regular, algumas questões parecem fundamentais: Como se caracteriza o processo de inserção do portador de deficiência visual na classe regular? Que distância esse processo guarda das possibilidades reais de inclusão desse portador? Em termos de educação, o conceito prevê que a escola garanta não apenas vagas, mas condições de desenvolvimento pleno de todos os educandos que a procuram, independentemente das suas condições e características pessoais, sociais e culturais. Ao buscar desenvolver o princípio da Integração, a escola criou salas especiais para assistência ao portador de deficiência, e, segundo Sassaki, tal iniciativa não teve propósito pedagógico, mas tão-somente o de permitir a freqüência do portador, com o menor nível possível de interferência no processo normal de trabalho do professor e sem absorver energias adicionais deste último. Essa condição de provimento de salas ou mesmo de instituições especiais, apesar do avanço do conceito de Inclusão, enquanto um objetivo a ser perseguido no sistema escolar, e da política da educação brasileira voltada a essa direção, ainda prevalece no que diz respeito à oferta de Educação Especial dentro do sistema educacional, oficial ou não oficial. Por outro lado, as iniciativas de inserção do portador de deficiência nas salas regulares do sistema escolar ainda caracterizam-se como incipientes, nas quais as adaptações localizadas, de ordem física ou pedagógica, são insuficientes para permitir o desenvolvimento do portador em igualdade de condições com os educandos não portadores. A educação inclusiva, dessa forma, ainda parece longe de ser uma realidade no nosso país, uma vez que o sistema mantém a sua perspectiva tradicional, qual seja, a de preparar-se para realizar um processo educativo cujo princípio é o da padronização e que se volta para os indivíduos considerados em condições "normais" para assimilarem os seus padrões de ensino, o que significa muito pouca preocupação com as diferenças ou diversidade de características dos educandos. Tal pressuposto confronta-se com a necessidade da percepção pela escola do significado real, para qualquer educando, do objeto de conhecimento, através da observação de suas manifestações a estímulos que extrapolem os padrões formais de condução do processo de ensino-aprendizagem, via-de-regra, de natureza essencialmente viso-sensorial, cognitiva e individualizada, diante dos aspectos particulares da sua personalidade. Tomando de empréstimo as palavras de Masini (1994), é necessária a atenção do professor à forma como a criança percebe e explora os objetos que a cercam, como organiza o que apreende e como comunica-se com os outros e com o seu meio circundante. Para a orientação do portador de deficiência visual, é necessário que o docente analise se o seu trabalho com a criança está levando em conta o que a diferencia das demais e as implicações disto na aprendizagem, ou se esse trabalho está desconsiderando as características próprias do portador de deficiência visual, por exemplo, ao se utilizar basicamente o referencial visual na prática pedagógica. Cabe salientar, de início, que os princípios inerentes ao modelo racionalista, incorporados pela escola atual e traduzidos, basicamente, na padronização ou uniformização dos processos pedagógicos e na objetividade, afastam ou minimizam as possibilidades de que a escola considere as diferenças presentes na sua clientela. Ao banir a diversidade como pressuposto central do processo ensino-aprendizagem e enfatizar padrões pré-estabelecidos, a escola atinge diretamente os portadores de deficiência, enquanto portadores de diferenças que podem requerer certas condições especiais propícias a seu processo regular de aprendizagem. E os portadores de deficiência visual nas classes regulares representam, sem dúvida, a diferença, porque a maioria ou quase totalidade dos alunos é composta de videntes, aos quais à escola é normalmente dirigida. Por causa disto e diante de fatores escolares limitativos de consideração à diversidade, conforme será tratado adiante, prevalece uma atitude de indiferença ou de omissão por parte da escola e dos professores quanto às necessidades específicas de tais portadores, uma vez que o seu atendimento pressupõe situações de assistência individual, e, portanto, um processo pedagógico distinto daquele que normalmente é desenvolvido. A missão da escola atual está centrada na transmissão do saber, estipulado previamente e distanciado das diferentes realidades da sua clientela, e na ênfase nos processos e condições objetivas de ensino-aprendizagem. Em função disto, a escola desconhece os processos próprios de percepção do educando em relação aos diferentes objetos de conhecimento, nos quais se unem aspectos cognitivos e afetivos - motivações, intenções, imaginação, curiosidade, criatividade. Diante disso, as implicações negativas da prática escolar para o portador de deficiência visual são notórias. Utilizando essencialmente estímulos visuais como instrumento pedagógico, principalmente o livro didático, a escola é negligente quanto às implicações desse comportamento para o sujeito que é desprovido do sentido da visão e sobre como desenvolver formas pedagógicas alternativas para evitar as conseqüências negativas desse déficit na aprendizagem daquele sujeito. Ao lado disto, as condições socioculturais e psicológicas que podem influir no desempenho do portador de deficiência visual não são normalmente objeto de consideração regular, apesar de se ter consciência de que a sua realidade é diferente e que ele próprio sabe disto. Dizendo de outra forma, enquanto portador de handicap, tal condição pode influir nas atitudes e reações afetivas peculiares do portador de deficiência visual diante dos seus companheiros, o que vai requerer da escola uma atitude de observação constante a seus movimentos particulares. Entretanto, sob a égide da padronização e por centrar o conhecimento no ver, em vez de no sentir'e no perceber, a escola restringe ou inviabiliza a utilização da imaginação, da criatividade e de outros canais de per- cepção ou expressão (o tátil, o auditivo, o olfativo, o cinestésico) dentro do cotidiano da sala de aula, o que limita os caminhos para que aquele portador possa construir o seu conhecimento. Essas considerações traduzem as posições que defendemos relativas às necessidades de desenvolvimento e à inclusão social do portador de deficiência visual, tendo em vista os seus direitos de cidadania. Essas posições dizem respeito, basicamente, aos aspectos de autonomia e independência, interação social, afetividade e movimento corporal e colocam-se numa posição antagônica às formas objetivas e passivas a que ele é submetido no âmbito das classes regulares.