0# CAPA 30.7.14 VEJA www.veja.com Editora ABRIL Edição 2384 – ano 47 – nº 31 30 de julho de 2014 [descrição da imagem: bem no centro da capa está uma lâmpada, escura. Através dela pode-se visualizar um homem segurando um bebê morto, relacionado com os ataques entre Israel e Palestina, e a imagem de um homem de costas puxando algo no chão, relacionado ao ataque do Boeing cometido pela Rússia] APAGÃO NA DIPLOMACIA Silêncio sobre o crime do Boeing cometido pela Rússia, ataque a Israel, o alvo número 1 do terror, e, em Brasília, tratamento servil ao ditador de Cuba mostram a falência moral da política externa de Dilma. [parte superior da revista: de um lado uma foto da Terra vista do espaço, e do outro lado um menino, com uniforme, jogando futebol. EL NIÑO VEM AÍ E com ele os desequilíbrios climáticos, com mais seca no Nordeste e enchentes no Sul. ALEMANHA Fomos ver de perto por que ela é o novo país do futebol ______________________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# ECONOMIA 5# INTERNACIONAL 6# GERAL 7# GUIA 8# ARTES E ESPETÁCULOS _________________________________ 1# SEÇÕES 30.7.14 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – A INDIGNAÇÃO SELETIVA 1#3 ENTREVISTA – THOMAS BACH – A BOLA AGORA ESTÁ COM ELE 1#4 LYA LUFT – O FUTEBOL E EU 1#5 RODRIGO CONSTANTINO – RECESSÃO À VISTA! 1#6 LEITOR 1#7 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM MEDICINA TRIDIMENSIONAL O uso de impressoras 3D na medicina já é uma realidade. No Brasil, cópias perfeitas de partes do corpo do paciente permitem que médicos planejem cirurgias com maior precisão. Em outros países, implantes saídos das impressoras já são utilizados para substituir partes de ossos e ajudar em reconstruções faciais com exatidão inédita. "A técnica reduz o tempo de cirurgia, a quantidade de anestesia aplicada no paciente e o cansaço da equipe. No conjunto, esses benefícios diminuem o risco de erros médicos", diz Rodrigo Rezende, engenheiro e pesquisador do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, em Campinas. Reportagem do site de VEJA explica como as peças são desenvolvidas e mostra o estágio das pesquisas com órgãos impressos em 3D, que podem acabar com a fila de espera de transplantes. • Vídeo: Como funciona a impressora 3D ABAIXO OS MITOS DA EDUCAÇÃO O Brasil investe pouco em educação? Professor ganha mal? Universidade pública deve ser gratuita? Em entrevista ao site de VEJA, o economista Gustavo Ioschpe derruba esses e outros mitos do ensino brasileiro. Colunista de VEJA, Ioschpe é um especialista em enfrentar os temas espinhosos da educação e questionar os lugares-comuns do discurso de políticos, professores e pais de alunos. O site publica também, em primeira mão, um capítulo de seu novo livro, que reúne texto inédito e artigos publicados na revista. POLÍTICA NO FACEBOOK Em entrevista ao site de VEJA, o diretor de Relações Institucionais do Facebook, Bruno Magrani, conta como os candidatos devem agir para transformar curtidas e comentários em votos, como fez o atual premiê indiano, Narendra Modi, que, com 19,5 milhões de seguidores, é considerado o mais recente caso de sucesso de um político na rede social. "O engajamento cresce quando o político mostra que é ele mesmo que está usando a “ferramenta, e não assessores”, diz. A CIÊNCIA NO PLANETA DOS MACACOS No filme Planeta dos Macacos - O Confronto, primatas liderados por um chimpanzé empunham armas, falam, andam eretos e se organizam coletivamente para enfrentar humanos em uma guerra. Será que os símios terão um dia todas essas habilidades? Em entrevista ao site de VEJA, especialistas em evolução contam o que é possível e o que não passa de ficção. 1#2 CARTA AO LEITOR – A INDIGNAÇÃO SELETIVA Uma reportagem desta edição de VEJA ressalta a posição dúbia da diplomacia brasileira em relação a atrocidades internacionais recentes. Primeiro, silêncio total a respeito da responsabilidade de Vladimir Putin, presidente da Rússia, no assassinato de 298 pessoas a bordo de um Boeing 777 nos céus da Ucrânia, obra de um míssil russo de alta precisão e poder de destruição entregue por Moscou a rebeldes que defendem seus interesses. Depois, a reação intempestiva e unilateral na condenação de Israel pelo "uso desproporcional da força" na guerra com o Hamas, a organização terrorista que detém o poder na Faixa de Gaza. A condescendência no primeiro caso e a estridência no segundo são mais uma mostra de que nossa política externa, além de tosca, sofre há dez anos de um apagão moral em que deixou de agir por princípios universais de defesa da paz e dos direitos humanos, rendendo-se a conveniências de aliados ideológicos do partido no poder. Mais sintomático foi ceder a pressões de Moscou para silenciar sobre a culpa de Putin na derrubada do jato de passageiros e de ideólogos do PT para quase romper relações com Tel-Aviv — tendo de engolir a antipática, mas genuína, reação do porta-voz do Ministério de Relações Exteriores de Israel, para quem "o Brasil é um gigante econômico, mas um anão diplomático". Esse nanismo teve, antes, sua expressão mais vergonhosa em 2009, quando a diplomacia brasileira, agindo sob ordens do caudilho venezuelano Hugo Chávez, se meteu na inglória e ilegal aventura de contrabandear de volta a Honduras Manuel Zelaya, presidente deposto pelo Congresso daquele país por tentar se perpetuar no poder. Durante quatro meses, Zelaya foi hóspede da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa. Esse episódio manchou a tradição brasileira de não intervenção em assuntos internos dos vizinhos. Os da semana passada tisnaram nossa reputação histórica de facilitar a solução de conflitos sangrentos, e não de aprofundá-los. 1#3 ENTREVISTA – THOMAS BACH – A BOLA AGORA ESTÁ COM ELE O homem que comanda o COI reconhece os riscos de sediar a Olimpíada numa cidade onde tudo começa do zero, mas acha que o legado dos Jogos no Rio pode vir a ser excepcional. MONICA WEINBERG Encerrada a Copa, o alemão Thomas Bach, 60 anos, sabe que é a vez de a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, ocupar a berlinda. Como presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), cabe a ele zelar para que tudo saia como o selado e assinado pelos vários governantes locais. Bach já entendeu que os relógios brasileiros prescindem da precisão suíça, mas está confiante em que, mesmo com atrasos, o Brasil fará um bom espetáculo. Advogado e medalhista de ouro em esgrima nos Jogos de 1976, ele está há mais de duas décadas na organização criada pelo barão de Coubertin, o pai da Olimpíada moderna, que comanda desde setembro. Ainda eufórico com o desempenho alemão nos gramados, Bach falou a VEJA no Rio. O que se pode extrair da experiência da Copa do Mundo para a Olimpíada do Rio em 2016? Principalmente, confiança. O essencial funcionou bem, e o saldo foi claramente positivo. É possível que, no dia da abertura da Olimpíada, ainda se veja um pintor dando aquela última pincelada e saindo pela porta dos fundos do estádio, enquanto o público entra pela da frente, mas tenho segurança de que as instalações estarão de pé, assim como aconteceu na Copa. Aliás, foi ótimo que o Mundial tenha vindo antes para desbravar o terreno. Os brasileiros têm o hábito de deixar as coisas para a última hora, é da cultura do país, mas mostraram também ser capazes de proporcionar um bom espetáculo esportivo. Há apenas três meses, atrasos nas obras olímpicas fizeram acender um alerta no COI. Concretamente, o que mudou de lá para cá que o deixa tão confiante? A mensagem foi bem compreendida por todos. Não havia outra opção senão acelerar. Para se ter uma ideia, naquele momento em que a apreensão veio à tona, o projeto do parque olímpico de Deodoro ainda não tinha sequer sido licitado. Estamos falando do palco de onze das 41 modalidades dos Jogos. Era o caso mais gritante de atraso. Felizmente, as obras começaram, e outras cruciais estão em pleno andamento. Elas podem até ficar prontas em cima do laço, mas ficarão. A presença no Rio de um alto funcionário do COI acompanhando o passo a passo da organização soou como uma intervenção. Foi o que aconteceu? Não vejo assim. A presença de Gilbert Felli agradou a todos os envolvidos nos Jogos por sua vastíssima experiência em Olimpíada. Ninguém duvida de que pode ser de grande valor. O próprio Comitê Organizador Local queria e pediu que ele ficasse. Tornou-se um elo importante entre nós, em Lausanne, e o Rio. Do meu lado, dá tranquilidade. Estou "mucho satisfecho" em mantê-lo nessa função. Na Olimpíada de Londres, o COI precisava lidar apenas com o primeiro-ministro e o prefeito; no Brasil, são cinco instâncias de poder. Isso não contribui para emperrar as coisas? Pessoalmente, estou habituado a lidar com as particularidades do sistema federalista. Também funciona assim na Alemanha. Às vezes, lá, acredite, é ainda mais difícil do que no Brasil. A burocracia que perpassa todas essas instâncias de poder pode fazer com que algo muito simples leve uma eternidade. Ajuda a entender por que o governo federal empacou na hora de assinar o Broadcast Refund Agreement (BRA), um documento-chave para que 1,4 bilhão de reais fossem repassados do COI para o comitê local? Acho que aí houve um problema de comunicação entre os poderes. Talvez, também, o governo federal tivesse outras prioridades naquele momento. Prefiro não ficar ruminando o passado. O que importa é que, no fim, o prefeito e o governador assinaram o BRA — uma garantia de praxe pelo adiantamento desse 1,4 bilhão de reais. Considero o problema solucionado. Isso resolve o aperto no caixa do comitê local, que preocupava o COI? Resolve. Com a assinatura do documento, o dinheiro já está a caminho. Assessores próximos à presidente Dilma Rousseff dizem que não vêem clima para falar de Olimpíada em pleno momento eleitoral. O senhor teme que esse seja mais um obstáculo? Tenho confiança em que as coisas vão andar daqui para a frente. Estive com a presidente Dilma na semana passada e ela me garantiu que, agora, os Jogos são prioridade. Por que o COI levou mais de um século para organizar uma Olimpíada na América do Sul? Não me arriscaria a ficar especulando sobre o que passou. Com relação ao presente, posso dizer que havia uma percepção geral de que, para não sermos universais apenas no discurso, era preciso nos abrir a novas fronteiras. E o Brasil pareceu atrativo: é um país de economia emergente e com alta concentração de gente jovem, uma vantagem demográfica, sem dúvida. Esse é um ponto essencial para a própria sobrevivência dos Jogos; se queremos ter um futuro, está claríssimo que não podemos nos distanciar das novas gerações. A aposta no Brasil embute um risco que o COI não correria em um país mais desenvolvido, certo? É verdade que o risco de sediar os Jogos em um país como o Brasil é maior, mas, sem risco, não há recompensa. E a recompensa nesse caso pode ser alta: numa cidade com tanto ainda por fazer, como o Rio, a Olimpíada tem tudo para funcionar como um catalisador dos avanços. Se o legado for bom, teremos uma ótima vitrine. A Olimpíada de 2020 será no Japão, onde, já hoje, seis anos antes, boa parte das instalações está pronta. Será uma espécie de trégua para o COI depois da saga brasileira? Na minha visão, a situação ideal é exatamente esta: um revezamento entre uma cidade menos pronta para receber os Jogos, como o Rio, e uma mais preparada, como Tóquio. Temos de expandir nossos horizontes, sem dúvida, mas também preservar o circuito olímpico mais tradicional, retornando a nossas origens. Agora, que ninguém tenha uma visão romanceada sobre o que é pôr uma Olimpíada de pé: mesmo nos lugares mais civilizados do planeta, há sempre altos e baixos ao longo do percurso. Integrantes do COI já manifestaram publicamente certo ceticismo em relação à capacidade de o Brasil organizar uma boa Olimpíada. Ainda se vê essa desconfiança em Lausanne? A eleição de uma cidade para sediar os Jogos funciona como qualquer outro pleito em um sistema democrático: o grupo dos eleitores derrotados, aqueles que não conseguiram emplacar suas preferências, tem o hábito de ficar levantando problemas sobre o vencedor. Não é uma particularidade do caso brasileiro, tampouco do mundo olímpico. É do espírito humano mesmo. Durante todo o período que antecedeu a última Olimpíada de inverno, em Sochi, na Rússia, muita gente temia que a organização dos Jogos fosse desastrosa. O senhor compartilhava desse medo? Agora que passou, posso contar como me senti em relação a Sochi. Estive lá três meses antes dos Jogos, e a visita me trouxe uma daquelas dores de cabeça. Fui caminhar pelo parque olímpico e ainda se via água correndo no chão e muita coisa inacabada. As pessoas com quem eu conversava repetiam: "Mister Bach, acredite, vai dar certo". Fiquei sinceramente feliz de não ser engenheiro naquela hora. Se fosse, não acreditaria em uma única palavra do que me diziam. Três meses depois, de fato, estava tudo no lugar. Em Sochi, o senhor fez um enfático discurso condenando a lei que proíbe demonstrações públicas de homossexualidade na Rússia. Isso causou algum mal-estar com o presidente Putin? Falei muito sobre isso com Putin antes da Olimpíada. Consegui obter dele a garantia de que ninguém — nem atletas, nem público — seria alvo de discriminação. Ele me deu sua palavra de que não se veria nenhuma manifestação de intolerância durante os Jogos. Foi um pré-requisito que pus na mesa. Era isso ou não haveria Olimpíada. O senhor também bateu duro nos chefes de Estado que decidiram não ir à Rússia em protesto contra a mesma lei. Algum deles o procurou? Já falei com mais de trinta chefes de Estado depois de Sochi, mas nenhum tocou na polêmica abertamente. Eu me posicionei porque não acho que devemos misturar as coisas, fazendo de um evento esportivo um ato político. Aliás, que fique claro: eles se recusaram a comparecer a uma festa para a qual a maioria não havia sequer sido convidada. O COI chegou a manifestar a intenção de incorporar à Olimpíada modalidades mais atrativas aos jovens. Pode acontecer já nos Jogos do Rio? Não, permaneceremos no Rio com a grade tradicional. Mas a ideia está bem viva. Uma eventual mudança será discutida em dezembro, durante uma reunião do COI em Mônaco. A depender do rumo que a conversa tomar, talvez já em Tóquio, em 2020, se vejam novas modalidades. No mês que vem, começam os Jogos da Juventude na China e ali haverá competições como escalada, skate e esportes sobre patins. Será um grande laboratório. Esses são então alguns dos esportes em estudo para ganhar status olímpico? Se eu me pronunciar sobre isso de forma tão específica, sabe como é, a ideia morre na origem. Precisamos mesmo esperar para bater o martelo em conjunto. O essencial é que temos de rejuvenescer, precisamos nos modernizar. Os tempos são definitivamente outros. O número de cidades que se candidatam para sediar a Olimpíada vem caindo. Isso o preocupa? Do ponto de vista da qualidade, esse ainda não é um problema. O número de cidades e países que pleiteiam os Jogos pode até estar se reduzindo, mas nunca enfrentamos a situação de não ter boas opções à frente. Jamais nos vimos obrigados a escolher entre candidatos fracos. Os custos elevados de organizar uma Olimpíada têm espantado candidatos? Não diria que é só o custo. As sociedades e seus governantes estão pensando diferente hoje. Eles não se indagam mais apenas sobre o impacto dos Jogos naqueles poucos dias de espetáculo que os colocarão no topo do planeta, mas também sobre seus desdobramentos a longo prazo em várias áreas. E aí a conta é muito mais complexa e não necessariamente favorável para quem a faz. Penso que, se países e cidades estão refletindo mais antes de pleitear uma Olimpíada, devemos nos ajustar à nova realidade. No lugar de dar a eles um formulário maçante e padronizado com centenas de pré-requisitos, acho que precisamos ter um discurso mais personalizado, caso a caso, que ajude cada país a entender que espécie de legado restará depois que os holofotes forem desligados. O escândalo da venda ilegal de ingressos na Copa suscitou alguma discussão sobre o modelo previsto para a Olimpíada? A cada edição tentamos aprimorar o sistema, que precisa se adaptar ainda à legislação de cada país. Entendo que algo assim deva estar em permanente evolução. Evidentemente o escândalo dos ingressos na Copa faz soar uma sirene e nos obriga a repensar nossos próprios métodos. Isso será discutido e, se for necessário, faremos, sim, ajustes. O senhor gosta de futebol tanto quanto de esgrima? Meu grande sonho de juventude era ser jogador de futebol. Dizem que eu até jogava bem, mas acabou funcionando melhor com a esgrima. Coube a mim, então, a posição de torcedor. E não posso reclamar, certo? Que tal assistir à goleada de 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil na Copa? Que jogo! E sabe quem estava a meu lado, em Lausanne? Mister Nuzman, ele mesmo, no meio de uma turma de alemães. Posso dizer que conseguiu lidar com aquela tortura como um autêntico cavalheiro. Já a final, vi no Maracanã e comemorei no hotel, com os próprios campeões. O título foi justíssimo, fruto da mescla perfeita de racionalidade, esforço e paixão, como deve ser em qualquer esporte. 1#4 LYA LUFT – O FUTEBOL E EU Minha relação com o futebol começou cedo e sempre foi desajeitada. Meu pai passava as tardes de domingo ouvindo jogos no rádio, minha mãe resmungando indefectivelmente que aquilo a deixava sozinha: marido abstraído no esporte. Eu, de minha parte, gostava daquela coisa masculina, ligada ao pai, como cheiro de cigarro, de couro de poltronas e de livros na biblioteca dele. No meu primeiro casamento, o noivo em visita à casa dos meus pais. sentamos no sofá da sala para apreciar um jogo, agora já na televisão. No segundo tempo celebrei um gol. Risada geral: no intervalo trocavam-se os lados no campo, coisa que eu ignorava, torcendo para o lado errado. Mais tarde, filhos pequenos adorando futebol como o pai, continuei interessada e participante meio distraída, mas entusiasmada com os entusiasmos dos garotos, triste com as tristezas deles. Fui a um ou outro jogo, sempre focada na coisa humana: as reações das pessoas, as expressões e posturas dos jogadores, os gritos e suspiros da massa — meio assustadora. Atualmente, meu marido adora futebol; é daqueles que tudo entendem e sabem, como quem jogou em 1967, quais eram as equipes, quem era o juiz. quem marcou gols etc. E assim, como somos do tipo que procura participar um dos interesses do outro embora tenhamos muita coisa em separado, e cuidamos um do outro, e somos boa companhia um para o outro, fui me interessando mais e mais, sobretudo na Copa no Brasil. Continuo achando, com meus botões, que gol contra não deveria existir, que a maioria dos impedimentos é bobagem, que a decisão por pênaltis é injusta, e que a sorte é o 12º jogador: às vezes, o time pior faz um golzinho no último minuto e ganha a partida. Mas, como eu dizia, a Copa me empolgou. A gente esperava a hora do jogo da 1, do jogo das 5, e eu torcia pelo time certo, na hora certa, novamente centrada no humano (e no político, que no Brasil marcou esta Copa): os comentários antes e depois, as entrevistas, as caras, o suor, a decepção... e o pranto. Impliquei bastante com aquela choradeira toda: é natural que um atleta se emocione cantando seu hino numa hora importante, mas emoção viril, quem sabe alguma lágrima, sei lá. Sem careta de choro, sem beicinho. É natural que um atleta se emocione com tristeza ao perder. Mas aquele bando de homens abraçados chorando, um consolando o outro como menininhos de jardim de infância, me aborreceu. Como me aborreceu tirarem Neymar do seu repouso devido a uma lesão séria, fazendo-o aparecer no dia do jogo derradeiro feito um ícone, uma bandeira. Precisávamos daquela insensatez? Ainda que ele quisesse, qualquer responsável teria mandado que ficasse quieto cuidando da lesão. A equipe entrou em campo com a camiseta dele feito bandeira: só vi fazer isso homenageando jogador morto. Na entrevista fúnebre do treinador depois da última derrota, de repente lá veio o garoto, meio desajeitado, abraçou o treinador e sumiu: afinal, era uma equipe ou um herói solitário? São manias nossas, agora, divinizar uma figura, desmerecendo os demais; repetir a ladainha de desculpas bobas nas entrevistas; nunca admitir algum erro; desvalorizar o adversário como se fôssemos os tais; achar que "a taça é nossa"' e curtir antecipados louros. Melhor seria um trabalho sério, disciplinado, como o das equipes vitoriosas, que permitiam aos jogadores trazer sua família, curtir praia e mar, mas, na hora do trabalho, treinar intensivamente, equipes unidas, cerradas, não se julgando vencedoras por decreto. E estranhei, impliquei, com a súbita retirada, verdadeira fuga da nossa equipe depois da última derrota, embarafustando-se pelo vestiário (para chorar?) em lugar de, anfitriões que eram, ficar firmes em campo homenageando os vencedores, que recebiam medalhas. Seria duro, mas seria natural e honroso. Que essa lição sirva não só para o nosso esporte, mas para a nossa vida, nosso trabalho, nossas entidades e instâncias públicas: que a gente seja dignamente vitorioso, ou dignamente perdedor (vitorioso, eu espero). LYA LUFT é escritora 1#5 RODRIGO CONSTANTINO – RECESSÃO À VISTA! Terra à vista!", gritam os navegadores quando finalmente vislumbram a segurança do chão firme à frente, após as inúmeras incertezas da travessia marítima. Quanto maior o desafio enfrentado, maior é o prêmio da conquista do território. "Os grandes navegadores devem sua ótima reputação às grandes tempestades", disse Epicuro. Por outro lado, como alertou Sêneca, "quando um homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável''. O governo Dilma está mais para o segundo caso do que para o primeiro. Com uma bússola completamente equivocada, o governo mais parece um cego em tiroteio, adotando medidas pontuais no afã de reanimar a economia, sem sucesso algum. Os investidores entram cada vez mais em pânico, cientes de que não há terra alguma à vista. Apenas mar. Um infindável oceano, repleto de ameaças. E os céus pairam, sombrios, acima. A presidente acusa seus críticos de ser pessimistas, mas o mau humor recebe a cada dia novas rodadas de estímulo, pois os fundamentos corroboram a visão negativa de nosso futuro. O pessimista se queixa do vento, o otimista espera que ele mude e o realista ajusta as velas. Os empresários estão apenas ajustando as velas, já que percebem um mar de tormenta logo ali adiante. O Banco Central divulgou recentemente o novo Relatório Focus com a estimativa de crescimento do PIB para 2014 dos principais analistas do mercado. Pela primeira vez o número foi inferior a 1%. As expectativas vêm descendo ladeira abaixo, reduzindo-se a cada nova divulgação. A economia travou, enquanto a inflação continua firme e forte, acima inclusive do topo da elevada meta. Bodes expiatórios sempre existem para quem quer negar a realidade. A Copa do Mundo, a indefinição com as eleições, o resto do mundo. Mas o fato é que nada disso precisaria frear a economia desse jeito. Os países emergentes crescem muito mais que a gente. Eleição presidencial ocorre a cada quatro anos. Por que, em uma democracia madura, esse deveria ser um evento tão relevante assim? Em particular, esta eleição por acaso é. O Brasil se encontra em uma encruzilhada, e precisa escolher qual caminho vai trilhar. Os investidores suspenderam seus planos de investimentos pois estão receosos pela ideia de mais quatro anos de Dilma no poder. E com toda a razão! A presidente não dá sinal algum de que compreende todos os seus erros na gestão da economia. Para alguns empresários, o alto escalão petista já estaria sinalizando algumas mudanças após a eleição, caso Dilma vença. Mas eles se mantêm céticos, e têm todos os motivos do mundo para tanto. Promessas vazias de campanha, eis o que pensam. E estão certos. Basta ver como o governo continua na mesma toada, insistindo em seus erros, dobrando a aposta. O caso do setor elétrico é sintomático. As intervenções arbitrárias do governo causaram o caos no setor, e só não tivemos um apagão ainda porque a economia não cresce. O que fez o governo diante disso? Campanha para redução do consumo? Aumento de tarifas para equalizar o balanço das empresas? Nada disso. Usou os bancos estatais para aportar bilhões na Eletrobras. contra seu julgamento técnico. A Caixa e o Banco do Brasil tiveram de emprestar bilhões à estatal com poucas garantias. O critério foi estritamente político, não econômico. Tanto que os bancos privados recuaram nessas condições. O rombo do setor elétrico já passa de 50 bilhões de reais, a ser dividido entre pagadores de impostos e consumidores. Como os impostos são regressivos, o governo acabou criando um mecanismo de subsídio que transfere recursos dos mais pobres para os mais ricos. O BNDES continua servindo como um "orçamento paralelo" para o governo, que insiste em sua "contabilidade criativa" para ocultar seu crescente endividamento. Tenta bancar o David Copperfield, mas não passa de um mágico de festa infantil. Não engana mais ninguém. O estrago causado no setor automotivo também ilustra bem as trapalhadas do governo. A produção de automóveis despencou, as montadoras que pretendiam investir no país desistiram por enquanto e estão bastante desapontadas com o protecionismo nacionalista do governo. Milhares de empregos estão por um fio. O resumo da ópera é uma economia estagnada, com alta inflação e enormes riscos à frente. Uma bomba-relógio foi montada pelo governo, e muitos ajustes serão necessários em 2015. Vários preços foram represados e terão de subir. Dilma teria condições de enfrentar tais desafios criados por ela mesma? Os brasileiros realistas e que enxergam um pouco mais longe já podem gritar: "Recessão à vista!". 1#6 LEITOR AVIÃO DERRUBADO NA UCRÂNIA A Rússia e o presidente Vladimir Putin, principalmente, parecem "intocáveis". A reportagem "Risco à paz mundial" (23 de julho) desvendou mistérios que cercam o conflito entre ucranianos e rebeldes separatistas pró-russos, sem deixar de revelar o personagem oculto responsável pela ação beligerante ao Boeing da Malaysia Airlines, e desvelou a contraditória política externa brasileira que qualificou como "pacífico"' o governo do companheiro russo Putin. O governo do Brasil, pelo visto, optou pela segunda opção citada no fim da reportagem: entrar em uma guerra que não lhe pertence. NÉLIO RODRIGUES DOS SANTOS Macapá, AP O presidente Vladimir Putin, autocrata e dissimulado, tem responsabilidade direta no abate covarde e assassino do Boeing da Malaysia Airlines. Putin continua cinicamente fingindo que o assunto não é com ele, provavelmente esperando o melhor momento para invadir a frágil Ucrânia, da maneira como fazia sua antiga e falida União Soviética tirana. PAULO RIBEIRO DE CARVALHO JR. São Paulo, SP Acredito que muitos de nós que testemunham essa triste realidade gostariam de ver os países lutando por crianças que não têm as necessidades básicas atendidas ou pelos nossos jovens que estão cada vez mais entregues às drogas, em vez de brigas por territórios. PAULA REGINA COSTA DE OLIVEIRA São Paulo, SP Cabe aos demais países fazer o que não foi possível nas últimas duas guerras: controlar a vontade de revidar os ataques, conter o desespero e as pressões populares por ações radicais e, acima de tudo, assegurar a paz. HELOÍSA GUERRA RODRIGUES DA SILVA Ilha Solteira, SP Um pensamento me causa angústia: se o avião abatido por esse míssil tivesse sido da American Airlines ou da British Airways, como seria a possível reação/retaliação do Ocidente? CARLANDIA PIMENTEL RIBEIRO Rio de Janeiro, RJ Fulminaram o avião da Malaysia Airlines. As 298 vítimas não tiveram chance de defesa. O mundo exige que os culpados desse crime de guerra sejam apontados e julgados. AMARILDO GEORG Blumenau, SC PALESTINOS VERSAS ISRAELENSES Apoiar um Estado palestino que viva lado a lado e em paz com Israel é uma atitude nobre. Aceitar, porém, ataques do Hamas contra Israel é apoiar uma organização terrorista que preconiza em seus estatutos oficiais a aniquilação do Estado de Israel ("Morando com o inimigo", Imagem da Semana, 23 de julho). GUSTAVO ERLICHMAM São Paulo, SP Galvão Bueno O locutor esportivo Galvão Bueno estará sempre no panteão dos grandes narradores ("Sou um vendedor de emoções", Entrevista, 23 de julho). Admiro a seriedade de seu trabalho. É inesquecível a cena de Interlagos em que, já muito compenetrado — às 10 da manhã — em seu cubículo, cuidava dos preparativos de uma narração que se daria somente a partir das 14 horas. Ele é um apaixonado pelo que faz! ROMEU LANDI São Paulo (SP), via tablet Na excelente entrevista de páginas amarelas a VEJA, Galvão Bueno demonstrou personalidade para assumir suas opiniões e escolhas, respondendo às perguntas com muita firmeza. CÁTIA CILENE UGGERI DEZAN Niterói, RJ Com tanta exposição, é muito fácil criticá-lo. Galvão faz com grande competência seu trabalho, é sem dúvida um excelente promotor dos principais eventos esportivos e criou expressões e frases que estão marcadas na história esportiva da televisão brasileira. Como esquecer o "É tetra! É tetra! É tetra!", ou o "Ayrton Senna do Brasillll!", e os inúmeros erres de "Rrrrrrrronaldinho", "Rrrrrrrrromário", entre outros? ANDRÉ GUSTAVO STRHUNG CHAVES Manaus (AM), via tablet É isso aí, Galvão. Continue dando fortes emoções ao nosso povo. Rumo a 2018! VALFRIDO LEÃO DE MACEDO Arapiraca (AL), via tablet Galvão, continue sendo um vendedor de emoções, mas, por favor, abandone a prática de vender ilusões. DIVANIR TEREZINHA_SOCZEK NENEVÊ São José dos Pinhais, PR O locutor Galvão pergunta: "Por que parar?". O Brasil responde: "É para o bem geral da nação". ANDRÉ MIKA Curitiba, PR Galvão me vende a emoção do incômodo. DÉBORA PRAIS Belo Horizonte (MG), via tablet Galvão deveria ser transferido para o rádio, em que a venda das ilusões nas transmissões não pode ser contestada. AMARILIO DO NASCIMENTO São José dos Pinhais (PR), via tablet A verdade é que a seleção brasileira de 2014 foi a mais fraca técnica e emocionalmente da história. PEDRO RONALDO PEREIRA Florianópolis, SC Galvão chega a ser engraçado ao afirmar que aprendeu com o escritor e jornalista Armando Nogueira que "devemos elogiar sem bajular". O cara é o maior especialista nessa arte. RENATO DE CÁSSIA E SILVA FILHO Teresina, PI ROBERTO ROMPEU DE TOLEDO No artigo "Rescaldo do rescaldo" (23 de julho), Roberto Pompeu de Toledo assinalou uma série de verdades insofismáveis em relação ao futebol brasileiro e ao Brasil. A mais contundente delas diz respeito ao fato de que, assim como no comércio internacional, no futebol também nos tornamos exportadores de matéria-prima. JORGE ZACOTO Vila Velha, ES CLÁUDIO DE MOURA CASTRO Depois de ler o artigo "O hábito faz o monge?" (23 de julho), do economista Cláudio de Moura Castro, nunca mais usarei calça social e camisa com gravata, muito menos paletó, uniforme de nossos augustos políticos e certos hóspedes da Papuda. Decidi, então, queimar todas as peças de tão infame indumentária que ainda me restavam. GILVAN LUIZ LATREILLE Xaxim, SC Quando vivia na República Dominicana, impressionou-me a maneira de se vestir de um eletricista: calça jeans e camisa branca bem gastas e cinto e sapatos puídos. Mas ele estava impecavelmente vestido, com a roupa limpa, camisa para dentro da calça e aparência digna. Mesmo com roupas gastas, passava um ar de respeito e profissionalismo. MONA LIZA FERREIRA Por e-mail GUSTAVO IOSCHPE O excelente artigo "Você prefere que seu filho seja inteligente ou esforçado?" (23 de julho), de Gustavo Ioschpe, comprova o que meu pai e minha mãe sempre ensinaram a mim e a meus três irmãos: o importante é ser esforçado e perseverante nos estudos. Parabéns pelo utilíssimo artigo! AMÍLCAR HENRIQUE Maringá (PR), via tablet EDUARDO SUPLICY A nota "Só confetes..." (Holofote, 23 de julho) apresenta dados da ONG Transparência Brasil sobre a minha atividade parlamentar, utilizando critérios, como o volume de proposituras apresentadas, no mínimo, de objetividade questionável. Cabe observar que, nos últimos vinte anos, meu nome sempre esteve incluído entre os 100 melhores parlamentares do Congresso Nacional, segundo classificação feita pelo Diap. Além disso, nos oito anos da existência do Prêmio Congresso em Foco, sempre estive entre os cinco primeiros colocados. Sendo que, em 2012, fui eleito o melhor senador do ano, na pesquisa realizada pela entidade com os jornalistas que cobrem o Congresso Nacional e com a votação dos internautas. EDUARDO MATARAZZO SUPLICY Senador (PT-SP) Brasília, DF PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação, VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP: Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até 3 quarta-feira de cada semana. 1#7 BLOGOSFERA EDITADO POR DANIEL JELIN daniel.jelin@abril.com.br RADAR LAURO JARDIM DE CARTEIRINHA Um dos acusados de colaborar com as manifestações violentas no Rio de Janeiro engrossa as fileiras do PT fluminense. Rebeca Martins de Souza é filiada ao partido desde janeiro de 2007, informa o Tribunal Superior Eleitoral, www.veja.com/radar COLUNA REINALDO AZEVEDO LONGE Vamos deixar Fernando Haddad de férias. Se preciso, até o fim do mandato. Pensem bem: longe da prefeitura de São Paulo, ele para de ter ideias. Há gente que rende o dobro quando trabalha a metade... www.veja.com/reinaldo CIDADES SEM FRONTEIRAS MARIANA BARROS NÃO PERTURBE Na contramão das mesas de pingue-pongue das empresas de tecnologia, escritórios de arquitetura criam espaços de trabalho que valorizam o silêncio e a privacidade. www.veja.com/cidadessemfronteiras DE NOVA YORK CAIO BLINDER ARES VIETNAMITAS O Vietnã não gosta da China, mas segue seu modelo de ditadura comunista e vibração econômica capitalista. Do meu quarto no lendário hotel Caravelle, em Ho Chi Minh, vejo as lojas Louis Vuitton e Hermès, www.veja.com/denovayork SOBRE IMAGENS O FOTÓGRAFO DA TRIBO A documentação dos indígenas nos Estados Unidos é vastamente conhecida pelos retratos do fotógrafo Edward S. Curtis (1868-1952). Menos famoso mas não menos importante é o trabalho do fotógrafo Richard Throssel (1882-1933). Throssel era índio. De origem cree, ele foi criado pelo povo indígena crow em uma reserva no Estado de Montana. Throssel conheceu Curtis e foi bastante influenciado por sua obra ao compor os seus retratos. Mudou-se para a cidade e montou seu próprio estúdio. Produziu cerca de 1000 fotografias de índios americanos, como esta ao lado. Em 1997, a Universidade do Novo México publicou Crow Indian Photographer: The Work of Richard Throssel, hoje um livro raro e esgotado. www.veja.com/sobreimagens VEJA MEUS LIVROS A VOLTA DE POIROT Hercule Poirot, o famoso detetive criado pela escritora britânica Agatha Christie, está de casa nova no Brasil. Os Crimes do Monograma, sua primeira aventura em quase quarenta anos, será publicada pela Nova Fronteira em 8 de setembro — e o blog VEJA Meus Livros revela com exclusividade a capa da edição brasileira. A trama foi escrita pela também britânica Sophie Hannah, com a autorização da família de Agatha. Nela, Poirot ressurge pela primeira vez desde Cai o Pano, publicado por Agatha em 1975, um ano antes de sua morte. O detetive belga estreou em 1920 em O Misterioso Caso de Styles e se tornou um dos mais conhecidos — e queridos — personagens da autora, www.veja.com/meuslivros ESPELHO MEU CINQUENTA TONS DE VERMELHO A rosácea era conhecida na Antiguidade como a maldição dos celtas, porque atingia principalmente pessoas de pele, cabelos e olhos claros do norte da Europa. Sua forma mais comum ataca o rosto — especialmente bochechas, nariz e queixo — e pode ser confundida com alergia ou acne, embora não tenha nada a ver com isso. Quase sempre começa depois dos 30 anos e, sem o devido cuidado, pode agravar-se com o tempo. Não existe tratamento específico contra a dilatação dos microvasos do rosto, que causa a vermelhidão, mas alguns pequenos gestos podem ajudar a abrandá-la, como borrifar a pele com água gelada, para resfriá-la, e escolher cosméticos que hidratam sem obstruir os poros. www.veja.com/espelhomeu ________________________________________ 2# PANORAMA 30.7.14 2#1 IMAGEM DA SEMANA – A LEI DAS CARAS ENCOBERTAS 2#2 DATAS 2#3 HOLOFOTE 2#4 CONVERSA COM BUDDY VALASTRO – O AGITADOR DAS MASSAS 2#5 NÚMEROS 2#6 SOBEDESCE 2#7 RADAR 2#8 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – A LEI DAS CARAS ENCOBERTAS Nem manequins escapam da loucura dos jihadistas As coisas que estão acontecendo na região do Iraque tomada pelo grupo fundamentalista Estado Islâmico são tão hediondas que, para assimilá-las, o cérebro humano tenta se proteger por trás do humor e da ironia, os últimos refúgios da dignidade. Se ainda estivessem em atividade, os pândegos do grupo britânico Monty Python exporiam o lado surreal de uma das mais recentes ordens do grupo: os manequins das vitrines das lojas de roupas de Mosul, a cidade espetacularmente capturada pelos jihadistas em junho, só podem ser expostos com um pano no rosto. A insanidade não se relaciona com a obrigatoriedade do véu para as mulheres, mas com a proibição religiosa de reprodução da imagem humana. Por causa disso, peças de importância arqueológica inestimável, provenientes das civilizações mesopotâmicas, também estão sendo destruídas. Fora o fuzilamento e a decapitação de xiitas, seguidores do braço minoritário da religião muçulmana considerados hereges pelos radicais sunitas, outras barbaridades recentes incluem abusos sexuais, sequestro de famílias importantes para chantagear a população, apedrejamento de mulheres acusadas de adultério e expulsão de praticantes do cristianismo. A estes, foram dadas as seguintes opções: converter-se ao islamismo, pagar uma taxa altíssima para continuar vivos ou cair fora. É de chorar. VILMA GRYZINSKI 2#2 DATAS MORRERAM Norberto Odebrecht, engenheiro e fundador da construtora que deu origem ao grupo que leva seu sobrenome, um dos maiores do setor privado no Brasil, com 200.000 funcionários e atuação em 23 países. Descendente de imigrantes alemães e nascido no Recife, mudou-se para Salvador ainda criança. Aos 15 anos, começou a trabalhar nas oficinas do pai, nas quais era instruído por pedreiros, serralheiros e armadores. Antes mesmo de se formar engenheiro pela Escola Politécnica da Bahia, aos 21 anos, assumiu a direção da empresa da família. Três anos depois, em 1944, fundou a própria construtora, inicialmente chamada Norberto Odebrecht. Em 1991, deixou a presidência da Odebrecht S.A.; o cargo passou a ser exercido por seu filho Emílio Odebrecht. Tornou-se, então, presidente do conselho de administração, posto que o filho assumiria em 1998. Desde então, Norberto Odebrecht era presidente de honra do grupo — que hoje tem seu neto Marcelo Odebrecht como diretor-presidente —, além de presidente do conselho de curadores da Fundação Odebrecht. Dia 19, aos 93 anos, em decorrência de complicações cardíacas, em Salvador. James Garner, ator americano que ganhou fama por sua atuação nas séries Maverick, sucesso televisivo nos anos 50 e 60, e The Rockford Files (no Brasil, Arquivo Confidencial), que foi ao ar de 1974 a 1980. Trabalhou em mais de cinquenta filmes, mas só foi indicado ao Oscar uma vez — pelo papel na comédia O Romance de Murphy (1985). Também se destacou em Infâmia (1961), Não Podes Comprar Meu Amor (1964), Victor ou Victória? (1982) e, mais recentemente, Cowboys do Espaço (2000) e Diário de uma Paixão (2004). Nascido em Norman, Oklahoma, virou ator aos 25 anos, depois de trabalhar como motorista, salva-vidas, vendedor e lavador de louças. Em 1984, declarou ao jornal The New York Times que nunca se apaixonou pelo ofício que o consagrou: "Sempre foi um meio para um fim, o de ganhar a vida". Dia 19, aos 86 anos, em Los Angeles. Hugo Miguel Etchenique, empresário boliviano naturalizado brasileiro, criador da marca de eletrodomésticos Brastemp. Foi o responsável por diversificar o portfólio da Brasmotor, fundada na década de 40 para distribuir automóveis e caminhões importados da Chrysler e da Volkswagen. Foi só em 1954 que a companhia passou a fabricar geladeiras, com a criação da Brastemp. Sob o comando de Etchenique, a empresa lançou a série de anúncios que consagraram o bordão "Não é assim uma Brastemp". Em 2000, ele deixou de presidir o conselho da empresa. No mesmo ano, a Whirlpool, a maior fabricante de eletrodomésticos do mundo, passou a deter a quase totalidade das ações do grupo, que emprega 69.000 pessoas. Dia 21, aos 88 anos, de complicações pulmonares, em São Paulo. Rubem Azevedo Alves, educador, psicanalista e escritor mineiro. Estudou teologia e chegou a ser pastor. Durante a ditadura militar, morou nos Estados Unidos. Autor de mais de 120 títulos, de assuntos variadíssimos — de pedagogia a literatura infantil, passando por filosofia e culinária —, Alves foi professor na área de educação da Unicamp, pela qual se aposentou. Também trabalhou como psicanalista. Estava internado desde o dia 10. Dia 19, aos 80 anos, de falência dos órgãos, em Campinas. 2#3 HOLOFOTE ELEIÇÕES 2014 • Gols contra A Brandviewer, empresa de monitoramento de mídias sociais, concluiu que a derrota do Brasil por 7 a 1 na Copa teve, sim, impacto negativo sobre a imagem de Dilma Rousseff na internet. Durante a semana que antecedeu o jogo, 55% do total das citações à presidente era positivo. Após a goleada, o índice caiu para 32% — em apenas uma semana, ela perdeu 23 pontos percentuais. Ao mesmo tempo, os dados mostram que o número de citações negativas subiu de 27% para 46%. O levantamento foi feito no Twitter e no Facebook, de 2 a 7 de julho e, depois, de 8 a 13 do mesmo mês. Entre um período e o outro, as citações sobre Dilma pularam de 273.964 para 482.014. • Teoria da conspiração Tão logo o senador José Sarney confirmou que não disputaria a eleição, a cúpula do PMDB se reuniu para uma avaliação de cenário. Presentes, além do próprio Sarney, alguns dos principais líderes do partido — Renan Calheiros, Eduardo Braga, Eunício Oliveira e Vital do Rego. Todos reclamaram muito do PT, que não teria cumprido os compromissos assumidos com o PMDB antes da montagem dos palanques estaduais. Lula apareceu na reunião para prestar solidariedade ao amigo Sarney, acabou ouvindo parte das queixas e, para surpresa de alguns poucos, concordou com tudo. "Agora vou parar de falar, senão vão achar que estou fazendo oposição a Dilma", disse o ex-presidente. • A bolsa empresário A presidente Dilma Rousseff prepara um pacote de bondades para a indústria brasileira, que anda mal das pernas e, a menos de três meses da eleição, de muito mau humor com o governo. Em conversas recentes com representantes dos setores de máquinas e equipamentos (Abimaq) e têxteis (Abit), coordenadores da campanha à reeleição prometeram criar uma linha especial de financiamento que permita - no próximo governo, obviamente - substituir a planta industrial do país, que estaria defasada, em alguns casos, em vinte anos. O projeto seria tocado pelo BNDES e teria à disposição cerca de 7 bilhões de reais. SÃO PAULO • O cálculo do abandono A situação de Alexandre Padilha, candidato do PT ao governo de São Paulo, já não é das melhores e pode piorar. Terceiro colocado nas pesquisas, ele vem sendo abandonado pelos companheiros. De olho na própria campanha, Dilma tenta se aproximar de Paulo Skaf, do PMDB. A banda Mista do partido também olha para os lados. O prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho, em público diz que vai ajudá-lo. Reservadamente, porém, confidencia que não pretende mover uma palha. Por um simples cálculo político: Marinho quer ser o candidato do PT a governador de São Paulo em 2018. Uma vitória de Padilha atrapalharia seus planos. MINAS GERAIS • Corpo mole do PMDB Em conversas com dirigentes do PMDB em Belo Horizonte, o presidente estadual do partido, o ex-ministro da Agricultura Antônio Andrade, tem reclamado da falta de empenho dos deputados na campanha do candidato petista ao governo, o também ex-ministro Fernando Pimentel. Um fato curioso chama atenção para o corpo mole dos correligionários: os parlamentares estariam se recusando a tirar fotos ao lado de Pimentel para os santinhos de campanha. Segundo as contas do PMDB, dos cerca de 120 prefeitos do partido no estado, pelo menos noventa estariam apoiando na surdina o candidato Pimenta da Veiga (PSDB) para o governo e Aécio Neves para o Planalto. Candidato a vice na chapa de Pimentel, Andrade ameaça expulsar os dissidentes. 2#4 CONVERSA COM BUDDY VALASTRO – O AGITADOR DAS MASSAS Rei dos bolos pirotécnicos, o confeiteiro de Nova Jersey que espalha sua habilidade em programas de televisão a cabo atraiu 60,000 fãs a um shopping em São Paulo. Nem ele acreditou Qual a explicação para essa recepção tão entusiasmada? Sabia que tinha fãs aqui porque muitos brasileiros visitam minhas confeitarias nos Estados Unidos. Mas só vi algo assim, tão caloroso, na Itália. Fico feliz de saber que tantas pessoas que vêem meu programa querem fazer bolos para ganhar dinheiro. O açúcar voltou a ocupar o lugar de vilão número 1 da alimentação. O que diz em sua defesa? Tomar uma taça de vinho é o.k. Tomar cinco taças não é o.k. Com açúcar é a mesma coisa. Quem gostaria de viver em um mundo onde não se pudesse comer cupcakes? O que acha de iniciativas como a de Michael Bloomberg, quando era prefeito de Nova York, ao limitar o tamanho dos refrigerantes? Conscientizar as pessoas sobre a quantidade de calorias que consomem é bom, mas não querer controlar o que elas comem. Cada um tem o direito de escolher o que fazer, não é o governo que determina isso. Nosso drinque nacional, a caipirinha, é vilipendiado por alguns especialistas por se tratar de uma bebida excessivamente açucarada. Achou-o doce demais? Sim, mas gostei. O sabor lembra o do mojito. E brigadeiro, provou? Sim, e adorei. Comi vinte em um único dia. Quase virei um brigadeiro. São verdadeiras as brigas com suas quatro irmãs, fora os cunhados, mostradas no seu programa Cake Boss? Nós realmente gritamos e nos desentendemos muito. Nada é armação. Mas no fim do dia já estamos nos abraçando. Sempre pergunto às pessoas se elas têm irmãs, pois, se quiserem, mando as minhas. Também posso enviá-las para o Brasil. 2#5 NÚMEROS 455 dos 2529 ganeses que vieram ao Brasil com visto para assistir à Copa do Mundo entraram com pedido de refúgio no país. Eles alegam perseguição religiosa pelos cristãos. 1 ano é o prazo durante o qual poderão permanecer legalmente aqui enquanto o pedido é analisado. 5256 pedidos de refúgio no Brasil foram feitos no ano passado, um aumento de 830% em relação a 2010. Desse total, 1837 partiram de imigrantes de Bangladesh. 2#6 SOBEDESCE SOBE • "Volume morto" - A reserva técnica, que já era utilizada pelo governo paulista no Cantareira para abastecer São Paulo, terá de ser captada também no sistema do Alto Tietê a partir de agosto. • Reino Unido - O PIB do país deverá se expandir 3,2%, segundo o FMI. Será o maior crescimento entre os países desenvolvidos. • “Dronies” - Espécie de selfies com movimento, esses minivídeos feitos por drones são a última novidade nas redes sociais. DESCE • Cruz Vermelha - Auditoria internacional comprovou que a Cruz Vermelha Brasileira desviou ao menos 2,3 milhões de reais destinados às vítimas das enchentes no Rio, do tsunami no Japão e da seca na Somália. • Topshop - A rede britânica de fast-fashion, no Brasil desde 2012, está ameaçada de despejo em três das suas quatro lojas por falta de pagamento do aluguel. • Diário Oficial - Menos de um dia depois de reduzir o limite para compras no exterior trazidas por terra, o governo federal revogou a medida por pressão de Gleisi Hoffmann, candidata do PT ao governo do Paraná, que faz fronteira com o Paraguai. 2#7 RADAR THIAGO PRADO thiago.prado@abril.com.br • RELIGIÃO PT NA IGREJA 1 Gilberto Carvalho falhou na primeira semana de operação do comitê evangélico da campanha de Dilma Rousseff — montado para estancar a aliança de Everaldo Pereira com as principais lideranças do segmento. Pediu para a deputada Benedita da Silva um encontro com o pastor Silas Malafaia. Acabou negado. PT NA IGREJA 2 É grande a rejeição a Carvalho no segmento. Em 2012, no Fórum Social de Porto Alegre, o secretário-geral da Presidência afirmou aos militantes do PT que seria preciso travar uma "batalha ideológica" contra os evangélicos nas eleições futuras. O DONO DA TV Edir Macedo, a única liderança evangélica relevante que se mantém aliada a Dilma, continua com o projeto de hegemonia na televisão brasileira. Negocia renovar até 2017 seu contrato de três horas diárias na grade da Rede TV!. A Igreja Universal pagará 216 milhões de reais pelo período • BRASIL MERCADO AQUECIDO A campanha mal começou e 560 pesquisas eleitorais já movimentaram 13,2 milhões de reais desde janeiro. Somados, os institutos de pesquisa receberam de contratantes 7,9 milhões de reais e gastaram 5,3 milhões de reais quando decidiram ir a campo por conta própria. O Ibope, que negocia a venda do seu setor de pesquisas eleitorais, é o líder em recebimento de recursos — 2,4 milhões de reais. EXÉRCITO DE CABRAL Dezenas de policiais militares que poderiam estar nas ruas do Rio de Janeiro foram deslocados para a segurança particular de Sérgio Cabral e sua família — tudo pago pelo PMDB, afirma o ex-governador. Os PMs pediram licença da corporação e prestam o serviço por uma empresa terceirizada. DESCANSO DE IMAGEM A propósito, é raro ver a foto de Cabral no material de campanha de candidatos do PMDB no Rio. ASCENSÃO METEÓRICA O rolo compressor para eleger a filha de Luiz Fux, uma advogada de 32 anos, como desembargadora na Justiça do Rio de Janeiro ganhou novos lances nas últimas semanas. Pelas regras da OAB, é preciso que os postulantes ao cargo apresentem pelo menos cinco petições por ano durante uma década de advocacia. Inicialmente, o escritório onde Marianna Fux trabalha enviou uma breve declaração atestando a sua atuação no período. O documento foi rejeitado. A advogada, então, reuniu todas as suas petições para apresentá-las. A exigência mínima, no entanto, não foi alcançada em 2007, 2008, 2009, 2010 e 2014. Ainda assim, a candidatura foi homologada e, no próximo dia 4, a OAB enviará seis nomes ao tribunal. A votação na Justiça será aberta pela primeira vez na história, o que aumenta a pressão sobre os magistrados que decidirão o futuro da filha de um ministro do STF. Com as articulações de Fux e de Hercílio Binato, marido de Marianna e ex-conselheiro da OAB, a advogada é favorita. • ECONOMIA BAIANO MALCRIADO Marcelo Odebrecht tem vivido embates pesados com o governo neste ano. Desentendeu-se com a Caixa Econômica, sua sócia nos setores de transporte e saneamento; estapeou-se com o governo por causa da política de preços do etanol; brigou contra a autorização para a iniciativa privada construir mais um aeroporto em São Paulo; e criticou a concentração de financiamentos no BNDES. A quem lhe pergunta se não é hora de a Odebrecht adotar um estilo mais suave no trato com os clientes, Marcelo responde com uma história da década de 70 que ouvia do avô, Norberto, que morreu no sábado 19. Quando o responsável pela construção do Galeão mostrou a Ernesto Geisel a lista de empresas candidatas à obra, o então presidente a olhou e disse: "Eu daria a obra para aquele baiano malcriado, o Norberto Odebrecht. Ele reclama muito, mas cumpre tudo o que promete". BRIGA DIGITAL A MRV é mais uma empresa a acionar o Google do Brasil no STJ. A construtora exige que o site entregue o IP — código que identifica o endereço de cada computador — de um usuário que publicou conteúdos ridicularizando a construtora. O Google retirou o vídeo do ar e forneceu o IP de um dos suspeitos de publicar as imagens; a MRV, no entanto, quer as informações de um segundo computador. O Google diz não poder colaborar, sob o argumento de que as informações da máquina desse outro usuário estão armazenadas nos EUA. • MÚSICA OS STONES VÊM AÍ Está em curso um leilão de mais de 5 milhões de dólares para decidir que empresa trará os Rolling Stones ao Brasil em 2015: Time 4 Fun ou Plan Music. O show rodará Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre. 2#9 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “Se cumprisse pena por tudo o que fiz, nunca iria sair da cadeia.” - CLÁUDIO GUERRA, ex-delegado do Dops do Espírito Santo, ao admitir à Comissão Nacional da Verdade sua participação em assassinatos e na incineração de corpos de militantes de esquerda durante a ditadura; ele disse ainda que o regime militar planejou a morte da estilista Zuzu Angel. “Não vou vender um sonho (...) E a realidade é de muito trabalho.” - DUNGA, na coletiva que oficializou seu retorno ao cargo de técnico da seleção brasileira, quatro anos depois de haver sido demitido pelo fracasso na Copa de 2010 (leia entrevista exclusiva com ele na pág, 80). “Estou preso por haver denunciado o Estado venezuelano como corrupto, ineficiente, repressor e antidemocrático. Estou preso por haver denunciado em viva voz que na Venezuela não há democracia.” - LEOPOLDO LÓPEZ, opositor de Nicolás Maduro, em carta aberta; ele foi encarcerado pelo governo em fevereiro. “Só tinha 2 cm para respirar.” - JOSEVALDO DA SILVA, ajudante de pedreira que passou, junto com a família, mais de trinta horas sob os escombros de um prédio que desabou em Aracaju, em depoimento à Folha de S.Paulo. “A esquerda pode morrer se não se reinventar (...), se renunciar ao progresso.” - MANUEL VALLS, primeiro-ministro da França, em entrevista ao diário espanhol El País. “A situação econômica da França é catastrófica. (...) Estamos num momento decisivo, em que ou caímos no abismo ou nos levantamos.” - PIERRE GATTAZ, presidente do Mouvement des Entreprises de France (Medef), associação de empregadores, no jornal Le Figaro. “Eu estou olhando em seus olhos e não acho que você tenha uma alma.” - JOE BIDEN, vice-presidente dos EUA, dirigindo-se, segundo revelou à revista The New Yorker, a Vladimir Putin, então primeiro-ministro da Rússia, num encontro realizado na capital, Moscou, em 2011. “Por alguma questão ocidental, fomos levados a achar que a solidão é um inimigo. Estamos, a todo custo, tentando não estar só. Assim, perdemos uma grande oportunidade: o diálogo interno, a reflexão, a investigação de nós mesmos.” - RICARDO DARÍN, ator argentino, no programa Sangue Latino, do Canal Brasil. “Quando te convidam para um filme, não o fazem por você, mas pela máquina. Algumas atrizes pensam que é por causa delas, e se perdem no caminho.” - JACQUELINE BISSET, atriz britânica, em O Globo. “Nunca pensei que ia passar tanto tempo usando uma arma semiautomática.” - SCARLETT JOHANSSON, atriz americana, falando à agência espanhola Efe sobre a sucessão de papéis de heroína que tem feito no cinema, como em Lucy, de Luc Besson, que estreou na semana passada nos EUA. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto dos confrontos entre israelenses e palestinos “A violência considera-se sempre uma contraviolência, ou seja, uma resposta à violência do outro.” - JEAN-PAUL SARTRE, filósofo e escritor francês (1905-1980) __________________________________ 3# BRASIL 30.7.14 3#1 A PROPINA DOBROU 3#2 OS (IR)RESPONSÁVEIS 3#3 CIDADE SITIADA 3#4 CAÇA AO TUCANO 3#5 DE VOLTA ÀS RUAS? 3#1 A PROPINA DOBROU No início do governo Dilma, o PR cobrava 4% de comissão dos fornecedores do Ministério dos Transportes. Às vésperas da eleição, a extorsão subiu para 8%. RODRIGO RANGEL Em junho de 2011, a presidente Dilma Rousseff reuniu alguns dos principais integrantes da cúpula do Ministério dos Transportes no Palácio do Planalto para passar-lhes uma descompostura daquelas de fazer tremer o chão. Recém-acomodada no gabinete mais importante da República, Dilma reclamou dos seguidos aumentos nos custos das obras de rodovias e ferrovias tocadas pelo ministério e, fazendo jus à fama de durona, soltou o verbo contra os responsáveis por gerenciar os contratos — todos eles ligados ao PR, o Partido da República, que ocupava a pasta na ocasião. "Vocês são inadministráveis e estão inviabilizando o meu governo", sentenciou. Era o primeiro ato da chamada "faxina ética", durante a qual a presidente demitiu seis ministros acusados de corrupção. O então titular dos Transportes, Alfredo Nascimento, inaugurou a lista após VEJA mostrar que a elevação dos custos das obras do ministério era, na verdade, uma maneira de bancar um esquema clandestino de arrecadação de propina controlado pelo PR: para conseguirem os contratos, os empreiteiros superfaturavam as obras e repassavam 4% do que ganhavam ao partido. Três anos depois da faxina, o mesmo PR, presidido pelo mesmo Alfredo Nascimento enxotado lá atrás, segue firme e forte no comando do mesmo Ministério dos Transportes e envolvido nas mesmas tramóias. Diferente mesmo só a taxa de propina, que dobrou. Pouco antes de deixar o comando dos Transportes, no mês passado, o ministro César Borges recebeu em seu gabinete a visita do empreiteiro Djalma Diniz, dono da Pavotec Pavimentação e Terraplenagem. A empresa, com sede em Minas Gerais, tem contratos no Ministério dos Transportes que, somados, chegam perto de 2 bilhões de reais. O empreiteiro foi ao ministro reclamar que estava sofrendo pressão para repassar a deputados do PR uma parte de seus ganhos — mais especificamente, dos pagamentos relativos a dois contratos, um de 514 milhões e outro de 719 milhões, firmados no começo deste ano com a Valec, estatal encarregada de construir estradas de ferro. Djalma Diniz relatou em detalhes ao ministro o que classificava de achaque escancarado. Parlamentares exigiam dele parte dos lucros sob pena de rescisão dos contratos. Nas duas últimas semanas, com base em conversas gravadas, VEJA reconstituiu o episódio e seus desdobramentos. O autor da pressão, segundo o empreiteiro, era o deputado federal baiano João Carlos Bacelar Filho, um dos mais conhecidos expoentes da bancada do PR na Câmara dos Deputados. Foi o próprio ministro César Borges quem relatou a queixa do empreiteiro. Primeiro, a assessores e a políticos de sua confiança. "O dono da Pavotec me procurou no ministério para dizer que o deputado João Bacelar está cobrando dele uma participação nos contratos com a Valec", disse a um amigo. A cobrança, segundo o empreiteiro relatara ao ministro, era explícita: em troca dos contratos firmados, o deputado exigia uma participação nos pagamentos. Em outras palavras, propina. O parlamentar dizia falar em nome do PR — e ainda explicava o motivo da cobrança. Segundo ele, o partido ajudara a Pavotec a fechar os contratos no governo e, por isso, o dono da empreiteira tinha de repassar uma parte do valor. Era assim que funcionaria a partir daquele instante. O empreiteiro procurou o ministro para saber se Bacelar falava mesmo em nome do partido. Foi informado de que não, e se recusou a fazer o pagamento. Caso aparentemente encerrado — mas não para o deputado e seu grupo no PR. João Bacelar passou a criticar o empreiteiro e a minar o ministro, seu desafeto político na Bahia. "Esse Djalma é um picareta. Nós conseguimos colocar a empresa dele na Valec, com contratos de mais de 1 bilhão; ele ficou de repassar uma parte de volta e não está cumprindo o combinado", queixou-se o deputado baiano a um parlamentar amigo, que reproduziu o diálogo a VEJA. Nessa mesma conversa-desabafo, Bacelar deu detalhes do que, segundo ele, havia sido acertado com o empreiteiro. Diz o amigo dele: "Era coisa de 90 a 100 milhões de reais. O dinheiro seria repassado através de subcontratação de empresas". Está aí a inflação da propina: a taxa que em 2011 era de 4% agora passa dos 8%. A propina dobrou. Se de um lado Bacelar se queixava da suposta quebra de acordo, do outro o empreiteiro procurava o ministro César Borges para reclamar da pressão. A confusão estava feita. A VEJA, Djalma Diniz negou ter recebido ajuda política para fechar os contratos, mas admitiu que, no começo, a direção da Valec duvidou da capacidade da Pavotec de executar as obras. No esforço para convencer a estatal e ganhar o serviço, o empreiteiro montou guarda em Brasília — e, embora negue, ele recorreu, sim, à ajuda de políticos. Além de bater à porta da Valec, teve encontros com parlamentares em um hotel da cidade e também nas dependências do Congresso Nacional. O deputado João Bacelar, justamente o que agora apresenta a fatura, era um de seus interlocutores frequentes. Por mais de uma vez, o empreiteiro e o deputado foram vistos em conversas reservadas, antes e depois de os contratos serem assinados — uma dessas conversas ocorreu numa sala de reuniões próxima ao plenário da Câmara dos Deputados. Com as coisas resolvidas na Valec, tudo corria às mil maravilhas. Djalma e João Bacelar pareciam amigos de infância. Não é a primeira vez que Bacelar aparece em histórias de corrupção e desvio de dinheiro público. Há pouco menos de três anos, VEJA mostrou que ele empregava fantasmas e destinava recursos federais a prefeituras baianas, que eram obrigadas a gastar verba contratando uma empreiteira de sua família. Além disso, o deputado presenteou com um apartamento um assessor do Palácio do Planalto que o ajudava liberando as emendas parlamentares que faziam o esquema funcionar. Bacelar é investigado em pelo menos dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal. Procurado, o deputado primeiro atacou o dono da Pavotec: "Esse Djalma é um chantagista". No dia seguinte, tentou voltar atrás: "Não posso dizer que o considero chantagista. Apenas o qualifiquei conforme ouvi em muitos boatos". Por último, o deputado acionou um advogado, que chegou a enviar um documento a VEJA ameaçando processar a revista caso a reportagem fosse publicada. Djalma Diniz, por sua vez, só retornou o contato uma semana depois — ainda assim, apenas após a reportagem falar com outros envolvidos no episódio. Primeiro ele tentou negar que tivesse ido ao ministro César Borges queixar-se da cobrança de propina. "Não procede", repetia, sem dizer mais nada. Confrontado com os detalhes do caso, ele mudou a resposta. Disse que tem crises de amnésia: "Eu ando muito esquecido. Estou até com medo de estar com Alzheimer". Questionado sobre o motivo dos encontros com Bacelar em Brasília, o empresário deu outra explicação: "Ele estava me propondo um negócio numa pedreira que ele tem numa fazenda na Bahia". O ministro César Borges informou que não comentaria o caso. A interlocutores de sua confiança, contou que chegou a levar a queixa do empreiteiro ao conhecimento do Planalto. Segundo ele, lá foi orientado a não atender a pedidos de deputados da "quadrilha do PR". Por meio de sua assessoria, a presidente informou que desconhece o assunto e que, "se algum ministro relatasse algo neste teor, a orientação expressa do governo é encaminhar o caso à Polícia Federal, Ministério Público e órgãos de controle". Embora seja filiado ao PR, César Borges não era propriamente cumpridor de uma das regras básicas do fisiologismo, aquela em que partidos indicam ministros para que, uma vez no governo, eles possam atender a seus interesses. Rotineiramente, o ministro deixava de acolher pedidos que chegavam da bancada do PR no Congresso. Por isso, passou a ser alvejado pelos próprios correligionários, que exigiam sua saída. Dilma resistia. Repetia que César Borges vinha fazendo um bom trabalho e que não o tiraria da pasta de jeito nenhum. Na hora de definir a coligação para a reeleição, porém, ela de repente mudou de ideia. Temendo perder o apoio do PR, o que significaria perder também tempo de televisão na campanha eleitoral, a presidente acabou cedendo. E cedeu a legítimos representantes da facção que ela mesma teria chamado, dias antes, de "quadrilha do PR": a exigência de que Borges fosse substituído partiu do mensaleiro Valdemar Costa Neto, preso por ordem do Supremo Tribunal Federal e até hoje um dos próceres do partido. Como consolação, César Borges foi alojado na Secretaria de Portos. Na queda de braço, venceu a turma da propina — agora em dobro. "O dono da Pavotec me procurou no ministério para dizer que o deputado João Bacelar está cobrando dele uma participação nos contratos com a Valec." - César Borges, ex-ministro dos Transportes e agora ministro da Secretaria de Portos. Ele fez o mesmo relato a amigos e a aliados políticos. "Esse Djalma é um picareta. Nós conseguimos colocar a empresa dele na Valec, com contratos de mais de 1 bilhão; ele ficou de repassar uma parte de volta e não está cumprindo o combinado." - Deputado João Carlos Bacelar Filho (PR-BA), em conversa com uni colega parlamentar, queixando-se do dono da empreiteira mineira Pavotec. "O deputado João Bacelar está cobrando um percentual dos contratos com a Valec." - Djalma Diniz, dono da empreiteira mineira Pavotec Pavimentação e Terraplenagem, ao então ministro dos Transportes César Borges. 3#2 OS (IR)RESPONSÁVEIS O TCU responsabiliza igualmente os onze diretores da Petrobras ao tempo de Lula pelo prejuízo com Pasadena. É uma decisão politicamente forte, mas socializar a culpa pode dificultar a punição dos que fizeram a lambança. ADRIANO CEOLIN Líderes do PT desconfiam de Dilma Rousseff. Dizem que ela não é petista de carteirinha, acusam-na de tirar poder do partido e difundem a suspeita de que, se for reeleita, não convidará companheiros para assumir cargos de ponta no próximo mandato. A Petrobras, repetem os insurgentes, seria uma prova inequívoca do distanciamento entre a presidente e a máquina partidária. Em março deste ano, Dilma admitiu publicamente que, em 2006, quando comandava o conselho de administração da Petrobras, votou a favor da compra da refinaria de Pasadena, no Texas, com base num relatório "falho" feito por Nestor Cerveró, então diretor da área internacional da empresa. A atitude da presidente repercutiu de imediato. A oposição usou a declaração para desgastar sua imagem de "gerentona" e tirar do papel uma CPI para investigar os negócios da Petrobras. Já Lula disse que Dilma tinha dado um tiro no pé ao levar o problema para o gabinete mais poderoso do Palácio do Planalto. Lula também se mostrou contrariado porque o gesto da sucessora, ao fim e ao cabo, equivalia a debitar na conta dele o prejuízo decorrente da operação. Isso era demais para o PT. Em 2012, quando surfava em altas taxas de popularidade, Dilma demitiu grão-petistas e aliados políticos da direção da Petrobras. O PT ensaiou uma resistência, mas aceitou as mudanças. Já o constrangimento público imposto a Lula foi tomado por uma declaração de guerra e ressuscitou a ofensiva para que ele fosse o candidato do PT à Presidência em 2014. A assessores mais próximos, Dilma explicou que não quis atingir seu antecessor. Ela teria apenas relatado os fatos como ocorreram. E, ao dizer a verdade, teria demonstrado um cuidado todo especial com o calendário eleitoral. Pouco antes do sincericídio presidencial, o Planalto recebera informações de que o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgaria uma decisão sobre a compra de Pasadena, com punições severas, às vésperas da eleição. Dilma fez o mea-culpa em março para se antecipar à agenda negativa e impedir que a decisão do TCU fosse usada, como novidade, em plena campanha eleitoral, o que certamente lhe acarretaria mais prejuízos. A estratégia deu certo. Deu duplamente certo. A CPI da Petrobras, em banho-maria, é totalmente dominada pelo governo. Já o TCU, na semana passada, isentou Dilma e os integrantes do conselho da empresa. Em uma decisão singular, inaplicável, destinada a maximizar o impacto político da medida, responsabilizou toda a diretoria da empresa no governo Lula. Isso equivale a acusar todos os diretores de participação direta em delitos e de locupletação. Os ministros do TCU bloquearam os bens dos onze integrantes da diretoria na administração passada. O tribunal ainda vai decidir se eles terão de ressarcir os cofres públicos em 792,3 milhões de dólares. A responsabilização coletiva da diretoria pode ser positiva para a imagem do TCU, mas não ajuda a punir os diretores que efetivamente tiveram participação decisiva e ativa no negócio, como o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli, o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, que está preso sob a acusação de comandar um esquema de corrupção dentro da companhia, e o próprio Nestor Cerveró. Na decisão do TCU prevaleceu o que havia dito a presidente: aos integrantes do conselho de administração os diretores envolvidos na operação omitiram duas cláusulas contratuais que foram cruciais para a explosão de custos com Pasadena. A primeira delas obrigava a Petrobras a comprar a parte da belga Astra Oil em Pasadena em caso de desentendimento entre os sócios. A segunda garantia à Astra Oil uma rentabilidade mínima mesmo que Pasadena não desse lucro. Foram essas cláusulas, somadas a outras despesas, que fizeram o custo da refinaria chegar a 1,2 bilhão de dólares — valor substancialmente mais alto do que o previsto inicialmente. Dias antes do julgamento do caso pelo TCU, petistas e governistas fizeram uma ofensiva para conter danos. Advogado-geral da União, Luís Adams procurou o relator do processo, o ministro José Jorge, e pediu o adiamento da votação. Indicado para ministro do TCU pelo ex-presidente Lula, José Múcio chegou a negociar com alguns colegas um pedido de vista. A meta era deixar a decisão para depois da eleição. Os conspiradores petistas perderam o embate interno sobre a Petrobras e, por enquanto, falharam em tirar Dilma do páreo presidencial. E a oposição perdeu um pouco da força do discurso. 3#3 CIDADE SITIADA Com o apoio de um grupo ligado ao PT, o MST resolve retomar a invasão de fazendas produtivas. No Paraná, uma indústria pode até encerrar as atividades. ROBSON BONIN, DE QUEDAS DO IGUAÇU (PR) As roupas, os carros e as caminhonetes estacionados ao lado das barracas construídas com toras de madeira revelam que o perfil dos militantes do MST que invadiram há duas semanas as terras de uma indústria de reflorestamento no interior do Paraná mudou radicalmente nos últimos anos. É a nova geração de invasores, que usa tênis de marca, tem celular, motos e caminhões para ajudar no trabalho pesado. Cobertos por lonas novas, mais resistentes do que no passado, os barracos são espaçosos e estão fartamente abastecidos de suprimentos enviados pelas cooperativas ligadas ao movimento. O semblante desenganado dos desafortunados deu lugar a um ar confiante e a um discurso mais arrumado sobre o que eles entendem por reforma agrária. A maioria tem endereço fixo e a lona é nada mais que um ritual de passagem. A ocupação é o atalho pelo qual muitos filhos de assentados esperam deixar a casa dos pais para construir o próprio patrimônio. Antes inimigos declarados do Estado, que não lhes provia condições dignas de vida no campo, os jovens sem-terra agora posam na internet abraçados com lideranças políticas de Brasília. Só uma coisa não mudou: a tática e os métodos criminosos para se apossar de propriedades alheias. Quedas do Iguaçu é um município de 33.000 habitantes a 447 quilômetros de Curitiba que estrutura sua economia na agricultura, na pecuária e no setor de beneficiamento de madeira, em que se destaca a Araupel, uma das maiores indústrias de reflorestamento da região. A empresa emprega um quarto da força de trabalho da cidade. Além de gerar 2000 empregos diretos e indiretos, sustenta toda uma rede de fornecedores que injeta na economia 50 milhões de reais por ano em salários e investimentos, valor equivalente ao próprio orçamento municipal. É a espinha dorsal econômica da cidade. É, também, o alvo principal do MST. Há duas semanas, 500 sem-terra armados com foices e facões ocuparam um novo pedaço da fazenda da Araupel — que já foi uma das grandes proprietárias de terras da região, com 85.000 hectares de florestas cultivadas no estado. Nas últimas duas décadas, o MST promoveu quatro invasões nas áreas da indústria e conseguiu a desapropriação de 52.000 hectares, criando o maior assentamento da América Latina — mas, segundo os líderes do movimento, ainda insuficiente. Uma vez assentados, os sem-terra criam os filhos para ser os invasores do amanhã. Desse modo, não importa quantas famílias o governo ampare, sempre haverá novos sem-terra e mais invasões. Lutando na Justiça para reaver a área, a empresa questiona os reais interesses dos intrusos. "Eles não invadem ao acaso. Escolhem sempre o nosso espaço mais lucrativo, com árvores maduras para o corte. Só a madeira que está nessa área que eles ocuparam vale 100 milhões de reais", diz o diretor da Araupel Tarso Giacomet. O coordenador do MST no Paraná, Danilo Ferreira, conhecido como Cabeludo, que lidera essa nova geração de sem-terra, é um exemplo de como a invasão se retroalimenta. Filho de assentado, ele também conseguiu seu lote de terra invadindo a área de reflorestamento da empresa e, agora, está na linha de frente da nova ocupação. Dono de um supermercado que vende produtos aos assentados, ele não esconde um desejo: estrangular a empresa "porque ela exporta para os Estados Unidos". "A sobrevivência da Araupel realmente está em risco", afirma Giacomet. A empresa já conseguiu na Justiça a reintegração de posse, mas os sem-terra se recusam a deixar o local — e ameaçam partir para o confronto (veja o quadro na pág. ao lado). Às vésperas de uma eleição, o problema deixa de ser policial e ganha contornos políticos. De um lado, o governo do estado, comandado pelo PSDB, quer evitar usar a força por temer que a reintegração de posse venha a produzir um confronto violento com os invasores. Para não provocar estragos na campanha do governador Beto Richa, os mediadores tentam retirar pacificamente as famílias da área. Do lado do MST, no entanto, está a turma que deseja ver o "bicho pegar". Cientes das implicações políticas favoráveis ao movimento em plena campanha eleitoral, os sem-terra protegem-se no apoio que recebem de integrantes do PT instalados no governo federal, como o ministro da Secretaria- Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e o deputado Dr. Rosinha, que usa o dinheiro das emendas parlamentares para tirar proveito do potencial eleitoral dos assentamentos. Nos últimos dez anos, os repasses feitos a um conjunto de instituições reconhecidamente controladas pelos sem-terra no país somaram 300 milhões de reais. Já nos assentamentos da região de Quedas do Iguaçu, apenas duas dessas associações receberam 36 milhões de reais. Com os cofres cheios, o MST envolveu a cidade em uma atmosfera de medo. As autoridades locais evitam criticar os sem-terra porque temem ser alvo de retaliação. Em julho do ano passado, um grupo de 250 sem-terra assumiu o controle do município por um dia inteiro. Descontentes com a qualidade das estradas no assentamento, eles chegaram armados e ocuparam a prefeitura. Depois de expulsar os funcionários, o grupo vandalizou a sede do Executivo. Meses antes, os sem-terra recorreram ao mesmo expediente para fechar a agência do Banco do Brasil na cidade e, com isso, forçar uma renegociação de dívidas. A população foi impedida de recorrer ao banco por quase uma semana. Com a nova ocupação nas terras da Araupel, o cinturão de invasões deixa Quedas do Iguaçu cada vez mais sitiada pelos sem-terra. Segundo o presidente da associação comercial da cidade, Reni Felipe, as incertezas sobre os empregos da Araupel derrubaram 60% das vendas no comércio e provocaram a desvalorização de boa parte dos imóveis na região. A presença do MST também inflou a população, mas não trouxe benefícios econômicos porque muitas famílias vivem exclusivamente da renda de programas sociais, como o Bolsa Família. Sob a condição do anonimato, a dona de um dos principais restaurantes de Quedas diz que o movimento recrutou moradores da própria cidade, interessados em um pedaço de terra fácil. "Meu garçom, que ganhava 1100 reais aqui, pediu a conta e está lá acampado agora. Como o governo dá de tudo para essa gente, por que trabalhar, né?", ironiza ela. "O MST É UMA RELIGIÃO" O paranaense Danilo Ferreira, 44 anos, é um exemplo de como, ao longo dos anos, as invasões do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) se transformaram num grande negócio. Filho de agricultores sem-terra, ele tinha 14 anos quando os pais foram assentados pela primeira vez. Nos anos 90, foi a vez de ele fazer patrimônio invadindo as terras da empresa Araupel, no entorno de Quedas do Iguaçu. Hoje, Danilo é uma das principais lideranças do MST em seu estado. Conhecido pelo apelido de "Cabeludo" e dono de um supermercado no assentamento, ele prepara a terceira geração de sem-terra. Qual o objetivo do MST com mais essa invasão? Nós queremos promover o desenvolvimento econômico das famílias pondo todas as terras improdutivas para produzir. Não dá para se contentar em ser assalariado. Só salário não serve para nada. Mas as terras invadidas são produtivas. A nossa discussão de movimento social vai além de pínus e eucalipto. A empresa está no direito dela de produzir celulose, mas em outro lugar. Essas terras são maravilhosas para a agricultura. Se ela quer plantar madeira para exportar para os Estados Unidos, que faça isso em outro lugar. Há alguma chance de acordo para o MST deixar as terras da empresa? O pessoal não vai sair, porque nós estamos discutindo um novo jeito de produzir no campo. A nossa lógica é fazer a reforma agrária no Brasil. Estamos retomando as grandes ocupações. O movimento já não tem terras demais na região? São 52.000 hectares. As pessoas que estão assentadas hoje, algo em torno de 2800 famílias, estão no limite. A região não dá mais conta de garantir produção e renda para todos. Temos filhos de assentados que já se casaram, construíram família e agora precisam encontrar um lugar para viver. O pessoal está preparado para resistir em caso de uma ação policial? O MST é tipo uma religião. Quem não tem família no acampamento ajuda quem está lá do mesmo jeito. Quem já tem casa no assentamento dá suporte a quem está na barraca. Temos 5000 pessoas no acampamento e podemos colocar mais 5000 com dois ou três telefonemas. É só o governador vir com a polícia. Vocês não temem o confronto? Temos medo porque existem muitas crianças, mulheres e idosos no acampamento. Mas o pessoal não vai sair. Vai lutar. Se a polícia vier mesmo, ela sabe que vai ter confronto. Como vocês se organizam? Temos uns trinta grupos de famílias que se reúnem diariamente. Cada grupo responde a um casal de coordenadores. Temos um grupo de companheiros que atuam na equipe de disciplina e são responsáveis por aplicar o nosso regimento de conduta. Eles são responsáveis pela segurança de todos. O MST retomou as invasões para pressionar o governo federal? Não dá para se queixar do governo. Só com uma parte do PAC a gente abriu estradas, construiu casas melhores para os assentados e financiou a produção. Tem muito fazendeiro que, por medo da ocupação, resolveu produzir na terra. 3#4 CAÇA AO TUCANO A construção de um aeroporto, impecável do ponto de vista legal mas discutível eticamente, acirra a guerrilha suja da internet contra Aécio Neves. CAROLINA DAHER E GLÓRIA TUPINAMBÁS Nenhum político brasileiro sofreu antes ataques tão violentos e fantasiosos na internet como o senador Aécio Neves, candidato do PSDB à Presidência da República. Quanto mais aumentam as chances de Aécio nas pesquisas de intenção de voto, mais cresce a virulência da quadrilha que o pôs na mira. Muitos dos membros dessa falange utilizam computadores de órgãos do governo e de estatais, em um flagrante de uso imoral e criminoso da máquina pública para destruir um candidato da oposição. Aécio Neves conseguiu abrir processos para tentar conter a ofensiva, e a polícia e a Justiça já localizaram alguns dos principais focos geradores de calúnias divulgadas na internet por adversários do tucano pagos com o dinheiro dos brasileiros ou que usam a infraestrutura pública para disseminar barbaridades contra o senador mineiro. Alguém que se informe sobre Aécio apenas pelas mentiras difundidas pela guerrilha suja da internet vai ter do oposicionista a imagem de um monstro capaz de usar a própria filha para carregar malas cheias de diamantes para o exterior, tomar terras de miseráveis e, entre uma crueldade e outra, entregar-se a todo tipo de bebida e droga. Com trinta anos de vida pública, neto de Tancredo Neves, duas vezes governador de Minas Gerais, deputado federal, senador, sempre bem avaliado em suas gestões e mandatos, Aécio, obviamente, não pode ter sua biografia desmontada pelos guerrilheiros oficiais na internet. Mas eles vão continuar tentando. Se não precisa de fatos para atacar Aécio Neves, a quadrilha virtual, certamente, comemorou na semana passada a notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo que revela que, quando era governador de Minas, Aécio construiu ou asfaltou cerca de trinta pistas de pouso em cidades do interior do estado, sendo uma delas em Cláudio, terra natal de sua avó materna, Risoleta Neves, onde o candidato tucano tem uma fazenda que fica a 6 quilômetros da pista em questão. Como atesta o Ministério Público, que em 2009 investigou e confirmou a legalidade da obra de Aécio em Cláudio, não houve nenhum dano ao Erário, desperdício ou corrupção. Mas desde o Império Romano é sabido que, aos olhos da opinião pública, não basta ser correto, é preciso parecer correto. No caso de uma campanha eleitoral, um candidato de oposição à Presidência da República, e com boas chances de vencer o pleito, pode ver uma faísca qualquer transformar-se em um incêndio incontrolável. "A obra foi feita dentro dos requisitos técnicos do programa de asfaltamento e melhorias dos aeroportos", disse Aécio. Não há dúvida sobre isso. O fato de Aécio usar a pista quando vai à sua fazenda em Cláudio deveria ter acendido um alarme na cabeça do então governador de Minas e ele deveria ter feito a coisa certa: vetar as melhorias da pista. Procedimento ético, aliás, que ele seguiu fielmente no caso de outros melhoramentos de infraestrutura em Minas Gerais quando, mesmo amparados pelas melhores justificativas técnicas, eles pudessem beneficiá-lo ou a seus parentes. Agiu assim quando não permitiu que o asfaltamento de uma estrada de rodagem chegasse à fazenda de seu pai no norte mineiro. Foi assim quando, como governador, litigou em favor do Estado contra o próprio pai em um processo de posse de terras. Esse processo tramitou por doze anos e só foi decidido na instância máxima, o pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), que, por unanimidade, reconheceu os direitos de Aécio Cunha, pai do tucano. Ironia do destino, Aécio Cunha morreu antes da sentença favorável de cuja redação consta a observação dos ministros do STF de que o Estado de Minas Gerais "litigou de má-fé", tão claros eram os direitos de Aécio Cunha. Com o objetivo de aperfeiçoar o escoamento da produção agrícola e industrial do estado, até o ano passado, o Programa de Infraestrutura Aeroportuária (ProAero) havia investido 330 milhões de reais na construção, reforma e modernização de 24 aeroportos mineiros. As obras incluíram desde simples adequações de pistas — como a de Guanhães, no Vale do Rio Doce, orçada em 350.000 reais — até a ampliação do Aeroporto Regional da Zona da Mata, próximo de Juiz de Fora, no valor de 106,8 milhões de reais. A construção do aeroporto de Cláudio, pivô da atual crise na campanha tucana, é parte desse pacote. Ele foi erguido a partir de uma pista de terra batida construída em 1983, quando Tancredo Neves, avô de Aécio, era governador de Minas. O asfaltamento da pista, o sistema de iluminação mais a construção de instalações de atendimento e apoio custaram ao estado 13,9 milhões de reais. A escolha de Cláudio para receber o investimento, segundo o governo, se deu pela relevância econômica do município — um polo que reúne em torno de 120 indústrias metalúrgicas e de fundição. "Já pleiteávamos a pavimentação da pista desde o tempo em que o Aécio era deputado federal", afirma Braulio Campos, presidente da Fundimig, uma das maiores empresas do setor na região. Dois aspectos do episódio deram margem aos ataques dos adversários do tucano. O primeiro é que o aeroporto está situado em uma área que pertenceu à fazenda de um tio-avô do senador, Múcio Guimarães Tolentino. O segundo é que a pista fica a 6 quilômetros da Fazenda da Mata, de propriedade da família de Aécio. Ambos os pontos foram usados para que adversários acusassem o candidato do PSDB à Presidência de ter feito a obra com a finalidade de beneficiar sua família. No aspecto legal, não há o que discutir, como atestou o Ministério Público depois de cinco anos de investigação. O terreno onde está localizado o aeroporto pertence ao estado, que pagou 1 milhão de reais pela desapropriação, e só não obteve ainda o registro porque Tolentino contesta o valor na Justiça. Ele quer 9 milhões de reais de indenização. "As explicações apresentadas pela Secretaria de Transporte e Obras Públicas mostraram-se satisfatórias, não se vislumbrando nenhuma irregularidade que justifique a adoção de medidas outras pelo Ministério Público", escreveu a promotora Maria Elmira Evangelina do Amaral Dick, da 17ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público de Belo Horizonte. Do ponto de vista moral, porém, a proximidade entre o investimento público e a propriedade privada da família Neves abriu uma brecha que os adversários do tucano não perderam tempo em explorar — e da forma mais virulenta possível. O maestro e grande incentivador e financiador da guerrilha virtual sem leis na internet é Franklin Martins, ex-ministro de Lula. Esperemos seus próximos lances. 3#5 DE VOLTA ÀS RUAS? A Justiça manda soltar líderes black blocs presos pela polícia do Rio durante investigação que revelou táticas do grupo. Mas falta saber quem patrocina os baderneiros. CECÍLIA RITTO Do bando de baderneiros a que se dá o nome de black blocs, o que se sabia até agora é que, em prol de uma ideologia difusa, se vestem de preto e cobrem o rosto para se atracar com policiais, lançar bombas, incendiar lixeiras, quebrar vidraças e promover quebra-quebras nas capitais brasileiras. No Rio de Janeiro, após sete meses de investigações, a polícia produziu um calhamaço de 4000 páginas que, se não responde à pergunta-chave (quem financia esses arruaceiros e suas depredações?), acrescenta algumas informações importantes às já conhecidas. Algumas delas: o braço black bloc carioca é mais organizado do que se supunha e bastante próximo de certos sindicatos, aos quais, em horas de aperto, pede ajuda. Com base em depoimentos e escutas telefônicas reunidos no inquérito, 23 integrantes dessa turma chegaram a ser presos por participação em atos de violência. À exceção de dois deles, acusados também de homicídio doloso, todos terminaram a semana em liberdade, graças a um habeas corpus concedido pelo juiz Siro Darlan, da 7ª Câmara Criminal. Pela primeira vez, um organograma de poderes e funções do grupo vem à luz. A polícia se baseou no relato do químico Felipe Braz Araújo, 30 anos, que se apresenta como ex-integrante do bando, para juntar as peças. Ele conta que quatro células de matizes ideológicos semelhantes se unem sob o guarda-chuva de uma certa Frente Independente Popular (FIP), criada em junho do ano passado, justamente quando começaram as manifestações. Seus integrantes recebem missões específicas voltadas para o objetivo de espalhar o caos: os "mulas" levam os rojões e coquetéis molotov, os "atiradores" os lançam, os "olheiros" vigiam a polícia, os "cooptadores" aliciam novos adeptos. Uma comissão de "líderes", núcleo duro formado por Elisa Quadros, a notória Sininho, pela professora de filosofia Camila Jourdan e por Igor Mendes da Silva, comandaria os ataques. Entenda-se: "queimar ônibus e outras ações com o objetivo de causar terror e pânico", segundo depôs Araújo. Nas conversas entre os líderes gravadas pela polícia, um deles fala da necessidade de "líquido" ("Uns 4, 5 litros") para preparar "drinques", numa aparente alusão à gasolina; outro comemora o fato de que "a imagem que mais está rolando (na TV) é a do coquetel sendo jogado". Os diálogos fazem menção ainda a dois sindicatos que seriam fornecedores de quentinhas para o bando. O Sindipetro, dos petroleiros, comandado pelo PSTU, informa que tem como hábito fornecer alimentos a grupos que vão a seus eventos — um desses grupos está sob o domínio da tal Frente Independente Popular. Já o sindicato dos professores estaduais do Rio, o Sepe, dominado pelo PSOL, não confirma a provisão aos black blocs, mas diz que é seu costume "colaborar com movimentos sociais". Na semana passada, o show black bloc atingiu o ápice quando três membros da turma, com a prisão preventiva decretada, resolveram se autoproclamar "perseguidos políticos" e rumaram em direção ao Consulado do Uruguai para pedir asilo. O pedido, evidentemente, foi negado, e o trio, àquela altura foragido da polícia, escafedeu-se — todos a bordo do carro oficial da deputada estadual Janira Rocha, do muito solidário PSOL. Aos 28 anos, a cineasta (desempregada) Sininho aparece em vários dos depoimentos como alguém que manda e desmanda no movimento. Uma militante para quem o ciúme falou mais alto do que a revolução (ela perdeu o namorado para Sininho) disse tê-la visto dando ordens para transportar galões de gasolina com o propósito declarado de atear fogo à Câmara de Vereadores Foi dissuadida pelos companheiros. Na casa de outra líder, a doutora em filosofia Camila, de 34 anos, a polícia diz ter encontrado uma bomba caseira. Ela dá aulas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), onde alardeia seu ideário anarquista e incentiva os alunos a participar de manifestações. Figuras já bem manjadas pela participação nos quebra-quebras promovidos pelos mascarados, as duas voltam agora às ruas oficialmente investidas do título de comandantes da baderna. À polícia cabe monitorar o que farão com ele. _____________________________________ 4# ECONOMIA 30.7.14 FOI BEM MENOR Uma nova avaliação reduz drasticamente os ganhos estimados dos bancos graças aos planos econômicos, enfraquecendo a defesa dos poupadores no STF. Caiu por terra um dos pontos centrais da peça de defesa dos poupadores que tentam, há anos, recuperar supostas perdas com os planos económicos dos anos 80 e 90. Pelo argumento de seus advogados, houve prejuízo porque as correções das cadernetas ficaram abaixo da inflação. Ao mesmo tempo, os bancos teriam auferido lucros extraordinários, por terem pago um rendimento inferior ao devido. As ações dizem respeito aos planos Bresser, Verão, Collor I e Collor II. A defesa se ancorava em uma estimativa feita em 2010 pela Procuradoria-Geral da República (PGR), segundo a qual as instituições financeiras teriam ganhado 441,7 bilhões de reais graças aos planos. Para os advogados dos poupadores e também para as organizações de defesa dos consumidores, esse dinheirão todo seria suficiente para pagar os chamados expurgos das correções devidas nas cadernetas. Na semana passada, entretanto, a PGR divulgou uma nova estimativa e a conclusão foi bem diversa. Os lucros bancários teriam sido, na verdade, de 21,9 bilhões de reais, um valor 95% mais baixo. A discrepância se deve a um erro grosseiro cometido na avaliação anterior. Havia sido considerado como lucro o saldo total na chamada faixa livre de depósitos da poupança. Parte dos recursos da caderneta tem destino carimbado, devendo ser empregada em financiamentos habitacionais e agrícolas. Mas 20% dos depósitos podem ser usados livremente pelos bancos. Na avaliação anterior, a PGR havia contabilizado como lucro o total de recursos disponíveis nessa faixa — ou seja, confundiu saldo com ganhos. Os 21,9 bilhões de reais, pelos valores revistos, seriam o lucro bruto. Descontando-se os tributos e os custos operacionais, o ganho líquido dos bancos, se houve algum, não superou 15 bilhões de reais. Mesmo admitindo que os bancos de fato tenham lucrado esses 15 bilhões, o montante é enormemente inferior aos mais de 100 bilhões de reais de custos estimados para o sistema financeiro em caso de vitória dos poupadores no Supremo Tribunal Federal. Nesse cenário, haveria consequências preocupantes para a economia. Os bancos ficariam descapitalizados, o que derrubaria a concessão de crédito. "Faz bem o Supremo em analisar essa questão com todo o cuidado que ela merece", afirma uma fonte do governo. O julgamento foi suspenso em maio, justamente para que a PGR pudesse fazer uma reavaliação dos valores. Tanto os bancos como o governo haviam apontado as falhas da análise anterior. Os novos números acabaram ficando próximos dos calculados anteriormente pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central. Independentemente das cifras, os bancos sustentam que apenas cumpriram as leis de implementação dos planos e não tinham alternativa senão seguir as determinações do governo. Por isso não podem ser condenados a arcar com o custo dos expurgos. Existem mais de 500.000 processos correndo na Justiça, alguns há mais de duas décadas. O veredicto, entretanto, deverá ficar para depois da eleição. Para o governo, pela complexidade do tema, o STF optará por julgar o assunto fora do período eleitoral. LUCRO REVISTO Estimativa dos ganhos dos bancos com os planos econômicos (em reais) Estimativa inicial (2010) 441,7 bilhões Estimativa revista (2014) 21,9 bilhões Fonte: Procuradoria-Geral da República GIULIANO GUANDALINI _____________________________________ 5# INTERNACIONAL 30.7.14 5#1 CRIME DE PUTIN? AZAR DAS VÍTIMA. SANGUE EM GAZA? CULPA SÓ DE ISRAEL 5#2 ATÉ QUE O TERROR ACABE 5#3 RUMO AO CALOTE 5#1 CRIME DE PUTIN? AZAR DAS VÍTIMA. SANGUE EM GAZA? CULPA SÓ DE ISRAEL O apagão moral da política externa de Brasília se revela pela indignação seletiva: silêncio total ou estridência sobre atrocidades depende de ideologia, não de princípios universais consagrados. LEONARDO COUTINHO E TATIANA GIANINI A diplomacia e o direito de imprimir dinheiro são prerrogativas do governo. Nenhum cidadão pode fabricar as próprias cédulas ou ter uma política externa individual em que decida declarar guerra contra outra nação ou favorecer uma em detrimento de outra. O cidadão, porém, pode exigir que o governo se comporte nesses campos em que detém o monopólio decisório à maneira de seu médico ou seu advogado. Ou seja, que cuide da saúde da moeda e da adequação da política externa como um representante informado e capaz de seus mais preciosos interesses. Quando um governante pauta a diplomacia não pelo interesse nacional, mas por sua ideologia particular ou de seu grupo político, ele está agindo como um médico ou advogado que ignora o juramento de usar seu conhecimento e técnica pelo bem do paciente ou cliente. A diplomacia brasileira sob o petismo vem cometendo exatamente esse tipo de desvio de conduta. Age com solene desprezo pelo interesse nacional brasileiro, em benefício da ideologia torta do partido no poder. Esse apagão moral na política externa brasileira foi demonstrado em sua plenitude na semana passada, com o silêncio total sobre o crime do Boeing cometido pela Rússia, seguido do ataque a Israel, vítima preferencial do terrorismo cercado por inimigos que consideram ilegítima sua própria existência e pregam abertamente que o país seja varrido do mapa. Enquanto isso, somava-se à iníqua política de indignação seletiva do governo brasileiro a vergonhosa subserviência oficial a Raul Castro, ditador cubano que por alguns dias se instalou em Brasília como se fosse o dono da casa. São situações que demonstram a falência moral da política externa de Dilma Rousseff— uma das deformações que herdou do lulismo e que cuidou de amplificar. Dilma está confundindo o interesse partidário com realismo e pragmatismo, dois pilares de uma diplomacia respeitada por outras nações. Ignorar o crime de guerra de Putin na Ucrânia e agir com estridência descabida e unilateralismo contra Israel é uma dubiedade moral inaceitável e uma traição às melhores tradições diplomáticas brasileiras, que sempre nos colocaram ao lado da paz, da amenização de conflitos e da democracia — não da ditadura ou do terrorismo. Na batalha moral com o filósofo Jean-Paul Sartre, que preferiu compactuar com os horrores cometidos pelo soviético Josef Stalin, o escritor argelino Albert Camus rompeu os laços com o amigo para preservar a sua estatura ética. Em uma análise de um conflito em seu país natal, em 1956, disse: "Quaisquer que sejam as origens antigas e profundas da tragédia argelina, um fato permanece: nenhuma causa justifica a morte de inocentes". Já depois da II Guerra, o mundo começou a caminhar para considerar que a ocorrência de vítimas humanas em conflitos, independentemente do país a que pertenciam ou dos argumentos usados, deveria ser igualmente condenável. Nos rituais diplomáticos, a reação passou a vir em notas de condolência, em que os governos lamentam as tragédias, fossem elas de causas naturais ou humanas. Nos últimos dias, o mundo tem assistido a uma porção delas. Em Gaza, os ataques do governo israelense contra o grupo terrorista Hamas produziram em torno de 800 mortos desde o início do mês. Mais de trinta israelenses morreram, ou por terem sido atingidos por foguetes do Hamas, ou por entrarem em combate direto com os terroristas. Há duas semanas, no leste da Ucrânia, 298 pessoas que estavam a bordo do voo MH17, da Malaysia Airlines, perderam a vida depois que um míssil lançado por separatistas, apoiados pela Rússia, acertou o Boeing 777. Surpreendentemente, esses eventos têm merecido atenção diferenciada do governo brasileiro. Os ataques de Israel foram condenados pelo Itamaraty como uso "desproporcional da força", enquanto não se fez nada em relação às vítimas dos separatistas na Ucrânia. A vida de alguns inocentes pode ser mais importante que a de outros? Pela moralidade do governo brasileiro, sim. Se os assassinos nutrem a mesma linha ideológica, não há nada a ser dito. Caso a proximidade seja com as vítimas, então o reproche é total. Na semana passada, a dubiedade brasileira foi criticada pelo porta-voz da chancelaria israelense Yigal Palmor, para quem o Brasil não passa de um anão diplomático. As palavras de Palmor foram uma resposta a uma nota do Itamaraty. Na quarta-feira 23, o órgão responsável pelas relações internacionais divulgou um texto condenando a ação de Israel na Faixa de Gaza (veja a matéria na pág. 74). O texto omitiu os ataques dos terroristas do Hamas. "O Brasil só se posiciona contra Israel porque existe o antissemitismo implícito em políticas de alguns grupos de esquerda, mas não condena a Líbia, o Irã, a Síria, a Turquia. É a conivência com o terror. Em alguns casos, com o Hamas", diz o filósofo Denis Rosenfield. Chanceler de fato do Brasil, o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia (o chanceler de direito chama-se Luiz Alberto Figueiredo e há uma foto dele na página 72), foi quem deu o tom da diplomacia. "O que estamos assistindo no Oriente Médio, pelo amor de Deus, é um genocídio, é um massacre", disse ele. O Brasil convocou o embaixador em Israel, o que na liturgia diplomática significa o grau mais fraco de insatisfação em uma escala em que o mais forte é o rompimento de relações. A omissão sobre a queda do avião com 298 pessoas a bordo na Ucrânia tem outra natureza. Suas raízes estariam no antiamericanismo, que passou a dominar as relações exteriores desde o mandato do presidente Lula. Ao afastar-se da democracia mais consolidada do mundo, o Brasil se aproximou das piores autocracias do planeta, de ditadores e de genocidas. Entre eles está o presidente russo Vladimir Putin. O míssil supersônico que abateu o Boeing 777 da Malaysia Airlines partiu de uma bateria antiaérea de fabricação russa operada por paramilitares apoiados pelo governo de Putin. Quando soube da queda da aeronave, na quinta-feira 17, a presidente Dilma Rousseff pediu prudência àqueles que culpavam a Rússia pelo atentado e insinuou, repetindo a estapafúrdia propaganda de Moscou, que poderia se tratar de um ataque contra o seu camarada russo. A morte de quase 300 pessoas inocentes passou em branco. Outro traço do antiamericanismo tem sido o apoio irrestrito à ditadura cubana. Na mesma quinta-feira em que Dilma defendia Putin, o ditador cubano Raul Castro foi pilhado no comando da Granja do Torto, uma das residências oficiais destinadas ao uso exclusivo do presidente da República — do Brasil, para que não restem dúvidas. Raul dispensou os servidores brasileiros e os substituiu por cubanos. Em vez de usar a Embaixada de Cuba para despachar, transformou as dependências da Granja do Torto em Brasília na sua "embaixada pessoal". Recebeu o colega boliviano Evo Morales, com quem fechou uma parceria para a construção de uma fábrica de sucos de frutas na Bolívia. Em seguida, recebeu o presidente colombiano Juan Manuel Santos para tratar dos acordos de paz entre o governo e os terroristas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que têm sido realizados em Havana. Dilma disse que a cortesia foi um gesto de reciprocidade. "Se alguém tem preconceito com Cuba, que não misture o preconceito com essas relações que são relações diplomáticas de alto nível", disse Dilma, que jamais se hospedou nas várias casas que os irmãos Castro possuem na ilha (em todas as visitas oficiais ao país caribenho ela se instalou no hotel Meliá Cohiba). Nos três primeiros anos de governo, ela recebeu 21 chefes de Estado, um terço do que ocorreu com Lula no mesmo período. Avessa à política internacional, Dilma transformou o Itamaraty em um órgão que funciona somente sob demanda do Planalto. "Nossa diplomacia tem se caracterizado por uma ausência de rumos claros", diz o embaixador José Botafogo Gonçalves. Pode ser, mas Putin, o ditador Castro e os terroristas do Hamas estão muito satisfeitos. "O BRASIL NÃO FOI NEUTRO" O porta-voz do Ministério de Relações Exteriores de Israel, Yigal Palmor, criou a alcunha de "anão diplomático" para o Brasil. Ele deu uma entrevista por telefone à repórter Nathalia Watkins. O Brasil sempre se orgulhou de manter uma política de relações exteriores neutra. O que o senhor tem achado da posição brasileira no conflito entre Israel e os terroristas do Hamas? Convocar o embaixador brasileiro em Tel-Aviv, Henrique Sardinha, para Brasília enquanto milhares de mísseis do Hamas caem sobre nossa cabeça definitivamente não foi imparcial. O Brasil não foi neutro. Em vez de demonstrar solidariedade à nossa população, que está sofrendo, o governo brasileiro preferiu nos culpar. É uma atitude que nenhum país teve até agora e que nós vemos como uma traição. Ficamos ofendidos. Qualquer israelense que hoje seja indagado sobre a neutralidade do Brasil só poderá reagir da mesma maneira: com um sorriso amarelo no rosto. O senhor chamou o Brasil de anão diplomático? É verdade. Fiz isso para mostrar quanto o comportamento brasileiro nos incomodou. O Brasil é um país enorme em vários sentidos. No esporte, na cultura e na economia. É uma potência. Mas é um anão diplomático. Neste momento em que falo com você, há diplomatas ingleses, franceses e de outras partes do mundo aqui em Israel. Querem entender o que está acontecendo. O Brasil não apenas não mandou ninguém, como retirou o embaixador. Po- deriam ao menos ter feito uma visita aos judeus que vivem em Bror Chail (kibutz de brasileiros). Mas nem sequer isso pensaram em fazer... O termo não foi forte demais? Os israelenses adoram o Brasil e certamente esperavam mais nesta hora difícil. Sentimos que fomos traídos em plena guerra. Se alguém ficou ofendido, peço desculpa. Foi um desabafo em um momento de dor. Na opinião do senhor, o que explicaria essa atitude do Brasil? Uma possibilidade é que o país tenha tentado mandar um sinal positivo ao mundo árabe. O Brasil lidera um bloco da América do Sul na ONU e deve almejar o apoio dos 22 países da Liga Árabe. Israel é apenas um. Que importância nós temos? Seja como for, essa tentativa brasileira foi um fracasso porque muitas nações árabes já deixaram de apoiar o Hamas. Muito pelo contrário, elas estão contra esse grupo. Outra explicação provável é que o Brasil queira dar vazão a uma linha antiamericana. Por fim, existe a possibilidade de que simplesmente não compreenda a realidade do Oriente Médio. ESTATURA REBAIXADA A longa e impávida descida do Itamaraty para o nanismo nas relações internacionais. 1º de maio de 2006 Com soldados armados e assistência venezuelana, o presidente boliviano Evo Morales se apropriou de refinarias da Petrobras. O Brasil não se opôs. 2 de abril de 2009 O presidente Barack Obama se encontrou com o presidente Lula em reunião do G20, em Londres, e disse que o brasileiro era "o cara”. 21 de setembro de 2009 O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, refugiou-se na embaixada brasileira na capital do país, Tegucigalpa, e passou a usá-la como palanque. Zelaya tentara acumular poderes, seguindo a linha do venezuelano Hugo Chávez, mas fora impedido por um golpe. 17 de maio de 2010 O Brasil e a Turquia assinaram um acordo sobre o enriquecimento de urânio com o Irã, que constrói sua bomba nuclear em segredo. O tratado foi recusado pelas grandes potências. 22 de junho de 2012 O venezuelano Nicolas Maduro, então chanceler, foi para o Paraguai e, com o apoio do Brasil, pediu aos militares que impedissem a destituição legal do presidente Fernando Lugo. Não deu certo. Como represália, o Mercosul suspendeu o Paraguai e incluiu a Venezuela. 23 de agosto de 2013 Depois de passar mais de um ano na Embaixada do Brasil em La Paz, o senador boliviano Roger Pinto, que denunciou o envolvimento do governo boliviano com o narcotráfico, fugiu para o Brasil, que ameaçou não renovar seu asilo político. 24 de agosto de 2013 O desembarque dos primeiros cubanos deu início ao programa Mais Médicos. Os doutores só recebem 30% do salário. O restante vai para a ditadura dos irmãos Castro. Nos últimos onze meses, o Brasil enviou dessa forma 1,5 bilhão de reais para a ilha. 27 de janeiro de 2014 Com dinheiro do BNDES, o Brasil ampliou o Porto de Mariel, em Cuba, que, durante a construção, foi usado para embarcar armas para a Coreia do Norte. 7 de abril de 2014 Como representante da Unasul, o chanceler Luiz Alberto Figueiredo viajou para Caracas para ajudar nas negociações entre governo e oposição. A Unasul, contudo, divulgou nota em que se posicionou do lado dos repressores de Nicolás Maduro. 17 de julho de 2014 Separatistas apoiados pelo presidente russo Vladimir Putin derrubaram um avião com 283 passageiros. O Itamaraty não soltou nota de condolências. "Tem um segmento da imprensa dizendo que esse avião foi derrubado porque estava na rota do avião do presidente Putin e que a rota coincidiu na hora", insinuou Dilma Rousseff. Na semana passada, os corpos foram recebidos na Holanda. 23 de julho de 2014 O Itamaraty divulgou uma nota em que considerou desproporcional e inaceitável o conflito em Gaza. O porta-voz do Ministério de Relações Exteriores de Israel, Yigal Palmor, afirmou que o Brasil é um "anão diplomático". 5#2 ATÉ QUE O TERROR ACABE Israel é um Estado que presta contas a sua população e ao mundo. O Hamas é um grupo terrorista que quer fazer o maior número de vítimas. Isso é desproporção. NATHALIA WATKINS A condenação do uso desproporcional da força por Israel na guerra contra o grupo terrorista islâmico Hamas tem como sustentação a diferença no número de mortos: cerca de 800 do lado palestino, contra três civis israelenses e pouco mais de 35 militares. O cálculo em si é repugnante, já que nada pode justificar uma morte de qualquer lado. A disparidade matemática, porém, é consequência de outra assimetria, que subsiste na postura de cada um dos dois lados. Israel é um Estado democrático que precisa prestar contas à sua população e ao resto do mundo para manter seu poder e legitimidade. Por isso, faz o possível para proteger civis. As poucas mortes entre os israelenses só aconteceram porque o país fez um pesado investimento em mísseis que interceptam no ar os foguetes que se dirigem a locais povoados. O Hamas, por outro lado, busca o maior número de mortos, não importa de qual lado. Instalações da ONU, que deveriam estar imunes ao conflito, têm sido constantemente usadas pelo grupo como depósito de armas. Seus membros acreditam que, por elas servirem como abrigos, seus foguetes também estariam a salvo. Nas últimas duas semanas, foram encontrados mísseis do Hamas em duas escolas da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA). Em outra, que servia de refúgio em Beit Hanoun, no norte da Faixa de Gaza, pelo menos dezesseis civis foram mortos quando eram evacuados do local. Três dias antes, os israelenses alertaram a UNRWA sobre o perigo e pediram a evacuação. Crianças e adultos foram pegos no fogo cruzado. "O Exército avisa com antecedência sobre as operações em áreas com civis. Isso dá mais trabalho aos nossos soldados e vantagem para o Hamas, pois perdemos o elemento-surpresa", disse a VEJA Yaakov Amidror, ex-conselheiro de segurança nacional do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Para borrar a linha que separa civis de soldados, o Hamas tem usado ambulâncias como carros de fuga. Esconde entradas de túneis e depósitos de armas em mesquitas e residências de civis. Mais de 2300 mísseis foram lançados contra Israel, onde ameaçam a vida de mais de 5 milhões de pessoas. Na semana passada, um deles acertou uma casa em Yehud, a poucos quilômetros do Aeroporto Ben Gurion, em Tel-Aviv. Por dois dias, as companhias aéreas suspenderam seus voos. Como os foguetes do Hamas voam a esmo, mais de 100 deles caíram em território palestino. Com o sistema israelense que intercepta os foguetes do Hamas no ar, a preocupação foi transferida para o subsolo. Israel descobriu que o Hamas construiu 31 túneis para o seu território. Eles poderiam ser usados por terroristas para realizar atentados e também para sequestrar militares israelenses. O Hamas sabe muito bem o valor que tem um único refém. Ele pode ser trocado por milhares de prisioneiros palestinos ou utilizado para reduzir o ritmo dos ataques vindos de Israel. Nas últimas semanas, os membros do Hamas fizeram várias tentativas de entrar em território israelense. Em uma delas, mataram quatro militares. Os palestinos carregavam sedativos e vendas, que seriam usados nos sequestros. Outros canais secretos com mapas e uniformes roubados do Exército foram descobertos. Para encontrar esses túneis, em mesquitas e casas, Israel só conta com seus soldados caminhando no solo, sob fogo inimigo. Apesar de o país ter experimentado dez tecnologias para detectar as escavações, nenhuma delas foi bem-sucedida ou capaz de monitorar toda a fronteira com a Faixa de Gaza. Em quase três semanas de refrega, quem levou a melhor foi o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Oito em cada dez israelenses têm uma imagem positiva do premiê. O Hamas conseguiu aumentar sua popularidade interna durante o conflito, mas ficou isolado no mundo árabe, sem o apoio da Síria, Arábia Saudita ou dos Emirados Árabes. O Egito, que era o mediador com mais credibilidade perante Israel, não tem pressa em ajudar os aliados da Irmandade Muçulmana, banida pelo regime do Cairo. Em um episódio inédito, cerca de 150 homens armados do Hamas que estavam há dias tomando conta de um túnel na região de Rafah renderam-se com as mãos para o alto. Uma cena rara, uma vez que os militantes do Hamas são doutrinados para morrer como mártires e jamais se entregar ao inimigo. Para Israel, foi um sinal de que dias mais tranquilos podem vir em algum momento. 5#3 RUMO AO CALOTE Sem acordo com credores, a Argentina está a um passo da oitava moratória internacional de sua longa história de calotes. Quem sofre mais, como sempre, é o povo pobre. O plano argentino de retornar ao mercado internacional de crédito está prestes a naufragar. Nesta quarta-feira, 30, vence o prazo já prorrogado para o pagamento de uma parcela de sua dívida com credores que aceitaram os termos da renegociação de 2005 e 2010 — ainda uma herança da crise de 2001, quando o país, mergulhado no caos financeiro, chegou a ser governado por cinco presidentes num espaço de duas semanas. Se não pagar o devido, a Argentina dará mais um calote, o oitavo de sua história. Não que o governo de Cristina Kirchner, desta vez, não tenha dinheiro (ainda que ele esteja contado): está impossibilitado de fazer o pagamento, a não ser que consiga um acordo com os credores que não aderiram à renegociação, segundo ordenou o juiz americano Thomas Griesa. A imensa maioria dos credores argentinos (93%) aceitou os termos da renegociação, o que representou uma perda superior a 70% nos valores originais. Outros investidores, entretanto, decidiram recorrer à Justiça americana para reaver os valores integrais. Depois de anos de disputa, o processo movido por fundos de investidores chegou a um desfecho no mês passado. De acordo com Griesa, a Argentina deve pagar os valores na íntegra, sem o desconto acertado na renegociação. Os vitoriosos são fundos especializados em comprar papéis extremamente desvalorizados, na bacia das almas, com a estratégia de faturar alto mais adiante. São os chamados "fundos abutres". É o caso do NML Capital, do bilionário investidor americano Paul Singer. Para o ministro da Economia da Argentina, Axel Kicillof, acatar a decisão judicial abrirá precedente para que os demais credores possam exigir o valor original da dívida. O montante a ser pago chegaria a 15 bilhões de dólares, mais da metade das reservas do país, que estão no menor nível em oito anos. Em 2015, sem contar os recursos incertos para os fundos abutres, estima-se que o país já terá de desembolsar cerca de 11 bilhões de dólares em pagamentos diversos. Os negociadores argentinos e os dos credores passaram os últimos dias em reuniões, na tentativa de evitar o novo calote. Não se chegou a nenhuma solução que superasse a disputa. Segundo Paul Singer, "há uma total falta de vontade do governo argentino em solucionar o problema". A nova crise ocorre justamente no momento em que a Argentina vem tentando se reconectar à economia internacional. Em fevereiro, o país chegou a um acordo com a espanhola Repsol para indenizá-la pela expropriação da petrolífera YPF, ocorrida em 2012. Em maio, um entendimento foi alcançado com o Clube de Paris, formado por credores dos países ricos. Um novo calote, agora, deverá aprofundar a recessão. Os efeitos serão sentidos pela economia brasileira, que tem na Argentina o terceiro maior destino das exportações. MARCELO SAKATE ______________________________________ 6# GERAL 30.7.14 6#1 MEMÓRIA – UMA OBRA POPULAR E ERUDITA 6#2 GENTE 6#3 ESPORTE – DUNGA QUER DUNGAS 6#4 TECNOLOGIA – 11 X 1 SEM “APAGÃO” 6#5 SOCIEDADE – O NOVO PAÍS DO FUTEBOL 6#6 AMBIENTE – O EL NIÑO BATE À PORTA 6#1 MEMÓRIA – UMA OBRA POPULAR E ERUDITA Sou contra a Morte e nunca hei de morrer", escreveu o paraibano Ariano Suassuna no soneto Sob Pele de Ovelha. A certeza da vida eterna embutia uma crença religiosa (católica) e uma inabalável confiança no poder da arte, "forma precária, mas eficaz, de imortalidade". Assim, não é de estranhar que o escritor — que morreu na quarta-feira 23, em Recife, aos 87 anos, de complicações de um AVC — tenha feito do enfrentamento da morte uma referência fundamental para sua própria obra. O estupendo Romance d'A Pedra do Reino (1971) nasceu sob o signo do assassinato de seu pai, João Suassuna, então deputado federal, no âmbito da Revolução de 30 (Ariano tinha apenas 3 anos). Em uma narrativa que combina a tradição mítica e a épica sertaneja, ele buscou "encaixar uma pedra angular para erguer um monumento ao meu pai". O esforço para produzir "uma arte brasileira erudita a partir de raízes populares" estava na base do Movimento Armorial, que o escritor lançou em 1970 e pelo qual se bateria contra a "globalização da cultura". Formado em direito e filosofia, Ariano iniciou a carreira como poeta e dramaturgo. Se sua poesia teve modesta repercussão, o teatro, com a força do humor, o consagrou. Escrita em 1955, a peça Auto da Compadecida saltou do palco para o cinema e a TV — a adaptação dirigida por Guel Arraes foi particularmente exitosa. Na televisão, encontrou ainda em Luiz Fernando Carvalho um diretor dedicado. Eleito para a ABL em 1989, o autor percorreu o país com suas aulas-espetáculo. Foi secretário da Cultura (PE), apoiou o PT e agora apostava em Eduardo Campos. Ao morrer, finalizava O Jumento Sedutor, que reuniria vários gêneros e exibiria suas habilidades de artista plástico. "Se não terminar aqui, termino lá no outro mundo", acreditava. “ Eu tenho dentro de mim um cangaceiro manso, um palhaço frustrado, um frade sem burel, um mentiroso, um professor, um cantador sem repente e um profeta." – Ariano Suassuna (1927-2014) RINALDO GAMA 6#2 GENTE JULIANA LINHARES. Com Marilia Leoni e Taísa Szabatura ISSO É QUE É BELEZA DO INTERIOR Ela é garota-propaganda da maior marca de cosméticos do mundo. Já iluminou quase 300 capas de revistas, fez mais de cinquenta comerciais e apresenta um programa de TV dedicado exclusivamente à beleza. Mas, quando é para falar da própria e espantosa boniteza, GRAZI MASSAFERA apela para o jeitinho interiorano daquela moça de Jacarezinho que trabalhava numa perfumaria antes de ficar famosa. "Quando tomo sol, passo creme no cabelo e enrolo com um plástico, esses saquinhos mesmo, para manter o calorzinho. E já aprendi que fico horrível quando afino as sobrancelhas e preencho os espaços com lápis", diz, como se ficar horrível pudesse ser uma possibilidade para ela. A revista NOVA tira a prova. BOA NÃO, BOAZINHA Luz da vida de José Alfredo, fogo de sua virilidade, seu pecado, sua alma, MARINA RUY BARBOSA entra no papel de jovem amante do protagonista da novela Império com todos os cuidados para não ser confundida com a personagem pubescente do livro famoso e, hoje, impossível. "Li Lolita e vi os dois filmes inspirados na obra. Maria Isis é frágil, delicada. Não tem pernão e coxão", diz a atriz. Para preservar a imagem de bibelô, Marina recusou convite para ser madrinha de bateria de uma escola de samba em 2015. Não está à vista nenhum envolvimento dramático com o namorado, Klebber Toledo, que também vai atuar na novela, mas numa linha menos suscetível aos encantos de Maria Isis. A caracterização dela inclui peças íntimas de ar juvenil, short-dolls, jardineiras e 30 centímetros a menos na muito cobiçada cabeleira ruiva de Marina. "Ela os doou à nossa ONG, que faz perucas para crianças com câncer. Como a doação é anônima, tem alguma criancinha usando o cabelo dela sem saber", diz Mariana Robranh, a fundadora da organização. O AMOR ESTÁ NO AR. E NO MAR Verão na Europa, e é época de acompanhar a temporada dos célebres e belos singrando o Mediterrâneo com os hormônios em efervescência e os paparazzi coladinhos, registrando tudo. E todo mundo quis ver algum significado nas muitas e afetuosas fotos da cantora americana SELENA GOMEZ com a modelo inglesa CARA DELEVINGNE no circuito Saint-Tropez. Mesmo que tivesse por perto um italiano do tipo que ronda garotas famosas e temporariamente desiludidas no amor (a tatuagem nas costas de Selena é interpretada à luz do namoro vaivém com Justin Bieber: "Ame a si mesmo em primeiro lugar"). Até março, Cara protagonizava cenas de paixão com MICHELLE RODRIGUEZ, a atriz de Velozes e Furiosos, flagrada agora aos beijos com o ator ZAC EFRON, na Sardenha. Mas vale um desmentido; apesar da torcida dos fãs adolescentes, Selena nunca namorou Zac. Por enquanto. OS REIS TAMBÉM CHORAM Os austeros holandeses já estão acostumados: em situações de alta tensão emocional, MÁXIMA, a rainha que veio da Argentina, ignora o protocolo de comportamento real e chora mesmo. A primeira vez foi no seu casamento, em 2002 (ao som do tango Adiós Nonino, quem não choraria?). Na semana passada, as lágrimas rolaram no desembarque dos primeiros corpos das vítimas do avião da Malaysia Airlines derrubado por um míssil russo na Ucrânia. A maioria delas era da Holanda, e a emoção de Máxima contaminou o marido, o rei WILLEM-ALEXANDER, que também dispensou o manual e, consternado, segurou as mãos da mulher. Dignos no sofrimento nacional, holandeses ficaram sabendo que a filha mais velha do presidente russo Vladimir Putin, Maria, mora no país com o namorado, mas não quiseram insuflar represália alguma. 6#3 ESPORTE – DUNGA QUER DUNGAS LESLIE LEITÃO Reconduzido ao comando da seleção, o gaúcho Carlos Caetano Bledorn Verri, o Dunga, de 50 anos, diz que a derrota nesta Copa mostrou que é preciso mudar o futebol brasileiro, sim, mas "com calma". Em seu modo sem sutilezas, estilo que a CBF está tentando suavizar, Dunga reconhece que a maré de craques anda baixa, ataca a Lei Pelé e fala que há muito jogador por aí mais preocupado com a imagem do que com a bola. "Organização" foi a palavra que mais repetiu nesta entrevista, dada já em sua nova sala, no Rio de Janeiro, onde não faltaram as usuais frases feitas e citações ao ídolo Nelson Mandela. A VIDA SEM CRAQUES Convocar um time todo formado por gente muito jovem não vai resolver o problema. Nosso futebol não é terra arrasada. Aquele 7 a 1 contra a Alemanha foi uma fatalidade. Não acho que seja o caso de começar tudo do zero. É no contato com jogadores mais experientes que os novos experimentam o gosto de vencer e vão crescendo. Hoje, temos bons atletas que podem até virar craques, mas o Neymar sobressai. Só que talentos como ele, Romário, Ronaldo não aparecem toda hora. Por isso, temos de descobrir mais Dungas, mais Jorginhos e Mauros Silva, para formar um grupo forte, compacto, guerreiro. O importante é ter organização. MAIS ESFORÇO Todo mundo fala dos grandes ídolos da Copa de 70 — Pelé, Jairzinho, Carlos Alberto — como se só o talento tivesse levado à conquista da taça. Foi muito mais do que isso: aquela era uma equipe bem organizada, que sabia se defender, sabia atacar e se preparou fisicamente. Em 1994, o time podia não ser tão técnico, mas era organizado, tinha laterais que cruzavam, diversificação de jogo. Para mim, está claro que precisamos nos esforçar mais. Não podemos botar na cabeça de um menino de 14 anos que ele é gênio, que vai ganhar todas sem marcar nem correr. ESCOLA ALEMÃ Na Alemanha, o futebol sempre teve planejamento e contou com ótima estrutura. O que realmente fez a diferença na Copa foi esta safra excepcional de jogadores. Durante toda a competição, o treinador fazia substituições e o padrão continuava igual. Se o time achar a maneira de jogar, independentemente do técnico, vai ganhar. A Alemanha foi a equipe mais regular do Mundial e mereceu o título. Mas o futebol é engraçado: se a Argentina tivesse vencido aquele jogo, estaríamos todos falando dela. E como é mesmo o futebol na Argentina? PEDRA NO CAMINHO Para fazer uma revolução para valer no futebol brasileiro, é preciso começar com uma revisão na Lei Pelé (ela diz que o passe do jogador pertence a ele, e não ao clube). Antes, o atleta cultivado nas categorias de base chegava ao time principal com 22, 23 anos, quando estava formado técnica, tática e psicologicamente. Agora, aos 18, os que se destacam vão para a Europa. O resultado é ruim para o jogador, que é imaturo e muitas vezes amarga o banco lá fora, e para o clube. Não dá para investir em 2000 meninos ao longo de dez, quinze anos, descobrir uma pedra preciosa e, na hora em que ela começa a brilhar, perdê-la. CHORORÔ DEMAIS Uma cena de choro como a do jogo contra o Chile pega mal no meio do futebol. Nós somos machistas, temos aquela coisa de que homem não chora, mas precisamos saber respeitar. E, quanto a Thiago Silva não querer bater pênalti, a situação é braba mesmo. Você pensa: se eu errar, não posso mais pisar no Brasil. Ele pelo menos foi honesto e teve coragem de dizer que não estava pronto. O que não me agradou mesmo foi aquele gesto de chegar todo mundo com "Força, Neymar" escrito no boné. A mensagem que passou foi: perdemos um guerreiro. Só que, se vamos para a guerra, não podemos ficar chorando perdas. Temos é que dar força ao soldado que entrou no lugar. CLIMA DE "JÁ GANHOU" Pressão sempre aparece. Em 1994, por exemplo, sentíamos o peso de uma seleção que não conquistava um título fazia mais de duas décadas. A gente sofria com isso. Nesta Copa, a história de que o hexa era nosso atrapalhou. A coisa tomou uma proporção absurda nas ruas. A verdade é que, desde os 10, 12 anos, o menino já começa a lidar com a pressão no futebol. Não sei se psicólogo resolve. Nada contra, mas somos desconfiados, temos sempre o pé atrás. Dificilmente um jogador vai se abrir em cinco minutos. A primeira coisa que pensa é: "Será que ela vai contar ao treinador o que eu falei?". "NÃO GOSTO DE BRINQUINHO" Tem jogador investindo muito mais na imagem do que no campo. O cara quer colocar dois brinquinhos, um boné torto, e acaba perdendo o foco no trabalho. O jogador fica na mira dos holofotes. Se ganha, tudo bem. Mas, como não vai ganhar sempre, cria uma carga desnecessária de expectativa. Além disso, quando veste o uniforme da seleção, não existe mais o individual. Os atletas precisam entender. Eu não vou proibir esse tipo de coisa. As pessoas falam que sou durão, mas nunca proibi nada. Só deixo bem claro: "Se vai por esse caminho, assuma as consequências". O pior é decidir pelos outros. A DEMISSÃO Quando fui demitido, depois da derrota na Copa de 2010, fiquei decepcionado. Mas no Brasil é assim: não ganhou, está fora. Faz parte do jogo. Não tenho nenhum arrependimento do meu trabalho com aquela seleção. Falam muito de eu não ter convocado o Adriano, mas tentei. Conversei com ele na Inglaterra e fizemos um trato. Uma semana depois, ele começou a faltar aos treinos no Flamengo e decidi deixá-lo de fora. Até hoje o povo cobra por eu não ter levado o Neymar e o Ganso para a África do Sul, mas não perdemos pela falta de um ou outro jogador. Perdemos, sim, pelos nossos erros. Agora, o fracasso marca. Veja o que fizeram com o Barbosa, o goleiro da derrota para o Uruguai em 1950. Hoje todo mundo diz que perdoa, mas é pura demagogia. Passaram sessenta anos batendo no cara. E quem vê o lance percebe que nem foi só culpa dele. O RETORNO Não vejo nas ruas essa rejeição toda a meu nome que as pesquisas mostram. De dez pessoas entrevistadas, dez estão contra mim. Ora, nem Judas teve isso. Estavam falando que era a vez do Tite. Sempre falam que é a vez de outro. Agora é a minha. 6#4 TECNOLOGIA – 11 X 1 SEM “APAGÃO” O time alemão de futebol de robôs goleia a equipe brasileira e, desta vez, não há explicação psicológica possível para a derrota. FILIPE VILICIC E RAQUEL BEER Uma pane psicológica, ou "apagão", nas palavras do técnico Felipão, foi a desculpa esfarrapada para a derrota histórica do Brasil diante da Alemanha, por 7 a 1, na semifinal da Copa do Mundo, no Mineirão, há três semanas. Mas, se o resultado no gramado pode ser atribuído às emoções humanas, a explicação da outra lavada tomada dos alemães na última semana não passa pelo divã do doutor Freud. Robôs (ainda) não têm emoções. O time de robôs dos estudantes da Universidade Federal de Uberlândia levou de 11 a 1 do time da Universidade de Bonn. A humilhação mais uma vez foi em casa, desta vez em João Pessoa, capital da Paraíba, sede da Robocup, o mundial de robótica de 2014. O Brasil saiu do campeonato da categoria Size, do qual participam humanoides autônomos do tamanho de crianças, sem vencer sequer uma partida. A Alemanha, que tem um histórico de cinco vitórias em quinze campeonatos disputados, acabou em segundo lugar, após uma final apertada contra o Irã. A disparidade no campo dos robôs é o fiel reflexo do abismo que separa o estágio da tecnologia alemã do da brasileira. Cada time robótico pode contar com dois jogadores. O brasileiro, porém, só conseguiu desenvolver um robô apto para a partida, que teve de entrar sozinho contra uma dupla de oponentes. O jogador mecanizado alemão é o Igus, enquanto nosso representante se chama Lisa. Igus é feito de ligas leves de carbono, conta com um conjunto de quatro motores nas articulações, para dar estabilidade nos chutes, tem bateria mais rentável e é guiado por um software de inteligência artificial aprimorado por professores e pesquisadores da Universidade de Bonn desde 2009. Ele é tão bem-acabado que é exportado pelos alemães para pesquisas em universidades estrangeiras, ao preço de 70.000 dólares. Lisa, nossa jogadora, foi desenvolvida em cinco meses por universitários, inclusive seu precário software de inteligência artificial. Suas juntas de alumínio contam com apenas um motor cada uma, e eles ainda estavam danificados antes de começar o jogo. Admite o engenheiro Rogério Sales Gonçalves, professor da Universidade Federal de Uberlândia e coordenador do grupo que criou Lisa: "A equipe alemã tem profissionais, enquanto nós só contamos com alunos. A inteligência artificial da máquina deles é o que consideramos dinâmica, enquanto a nossa é nomeada estática. Na prática, nosso robô andava devagar, travado e era instável, enquanto o rival dava passos naturais, rápidos e precisos". Os robôs artilheiros não são o fruto mais avançado da robótica moderna. Pelo contrário, estão mais para brincadeira de universitários. Os alemães são pioneiros no ramo. É deles o primeiro autômato da história, desenvolvido em 1810 pelo inventor Friedrich Kauffmann e em exibição no Museu Deutsches, em Munique: um boneco com um dispositivo que faz com que sopre automaticamente um trompete. Hoje, ao lado dos japoneses e americanos, os alemães continuam a liderar as pesquisas. No fim do ano passado, por exemplo, apresentaram o Toro, protótipo desenvolvido desde 2009 pelo Centro Espacial alemão. Trata-se de um representante da linha mais avançada de andróides em operação. Ele sobe escadas, agacha-se, transporta cargas de até 15 quilos em cada mão e é capaz de agarrar objetos que lhe são arremessados, com sucesso em oito de cada dez tentativas. Um dos planos da Agência Espacial Europeia é usá-lo para reparar satélites e eventuais defeitos na Estação Espacial Internacional. O sucesso em robótica e engenharia tem base na tradição alemã de valorizar a ciência e a indústria de inovação. Da Alemanha vieram a teoria da relatividade de Albert Einstein, a física quântica de Max Planck e a Aspirina, sintetizada pelo químico Felix Hoffmann para a farmacêutica Bayer. No placar de ganhadores do Nobel, ela tem 104, sendo o terceiro país com mais vencedores, atrás apenas de Estados Unidos e Inglaterra. O Brasil? Zero. Em patentes, a lógica se repete. Os alemães têm vinte vezes mais registros de inovações, pesquisas e descobertas. Enquanto nosso governo destina 2900 dólares ao ano para cada estudante do ensino público, o alemão investe 10.000 dólares. Os bem preparados professores do ensino básico germânicos têm salário anual médio de 30.000 dólares, seis vezes o dos brasileiros. Se o Brasil é o oitavo país no ranking de analfabetismo entre adultos, a Alemanha praticamente erradicou esse problema. Para o filósofo alemão Imannuel Kant, um dos fundadores do pensamento moderno, autor da obra-prima Crítica da Razão Pura, de 1781, "ciência é conhecimento organizado". Se essa é a definição, pode-se dizer que os conterrâneos de Kant são exímios em organização. Enquanto nós somos grandes bagunceiros. COM REPORTAGEM DE CARLO CAUTI 6#5 SOCIEDADE – O NOVO PAÍS DO FUTEBOL Celeiro de craques, a Alemanha não foi campeã da Copa do Mundo por acaso. O país transferiu suas melhores qualidades para dentro do gramado: eficiência, autoconfiança, atração de talentos e muito espírito de equipe. TATIANA GIANINI, DE BERLIM No quente verão da capital alemã, oitenta crianças entre 9 e 13 anos aproveitam as férias escolares para jogar futebol. Passam sete horas por dia com a bola em aulas de passe, drible e chute a gol. A atividade, que acontece em uma pequena escolinha de futebol, tem lista de espera e é apoiada pela Associação Alemã de Futebol (DFB, na sigla em alemão), o equivalente à Confederação Brasileira de Futebol. "No passado, os meninos que treinavam aqui vestiam o uniforme da seleção brasileira e o de times espanhóis e ingleses. Agora, a maioria usa camisas da seleção nacional e das equipes locais'', diz o treinador Adrian Schedlinski. Em Munique, a 585 quilômetros da capital, outro grupo de meninos não se intimida com a chuva torrencial do fim da tarde no centro de treinamento do Bayern, o atual campeão do mundo. Cumprem com afinco todas as ordens do treinador ao longo de duas horas. "Não cancelamos aulas por causa do mau tempo, e o comprometimento deles é sempre total", diz o treinador alemão Heiko Vogel. As cenas captadas pela reportagem de VEJA mostram com clareza aquilo que o mundo constatou nos jogos da última Copa do Mundo: a Alemanha é o novo país do futebol. O epíteto que antes era automaticamente associado ao Brasil por sua fartura de craques e de títulos mundiais mudou de dono. As seguidas vitórias que os alemães obtiveram nos estádios brasileiros têm ao menos duas explicações. A primeira é o elevado investimento no treinamento de crianças e jovens nos últimos catorze anos. A segunda está na transferência, que ocorreu de forma natural, das melhores qualidades da nação para dentro dos campos. Os jovens alemães são tão ou mais eficientes que seus pais, mas já não padecem daquela inação provocada pelo sentimento de culpa decorrente dos crimes cometidos nas duas grandes guerras do passado. São orgulhosos de seu país, que exporta bens de alta tecnologia e também um modelo de democracia rica e bem-sucedida, baseada em uma sociedade diversificada que valoriza o interesse coletivo. É uma relação de ida e volta. Da mesma maneira que o país investiu no futebol, o esporte também deu sua contribuição. Nas últimas semanas, a bandeira com as listras preta, vermelha e amarela voltou a ser hasteada em carros e janelas. Para muitas crianças, a imagem está mais associada ao futebol do que ao país. Tais demonstrações não eram frequentes até bem pouco tempo atrás. "Havia a preocupação de que qualquer sinal de patriotismo poderia representar uma volta ao chauvinismo do III Reich. Isso não existe mais", diz o historiador Arnd Bauerkämper, da Universidade Livre de Berlim. Quando a ameaça parece voltar à tona, é mais pela dor de cotovelo daqueles que não conseguem obter as mesmas conquistas. Não há como acusar os alemães de ignorarem ou esconderem seu passado. "Desde o início dos anos 1970, a história é um tema central no currículo de todas as escolas. Há um material didático de alta qualidade, que facilita a construção de uma consciência nos alunos", diz o especialista em estudos alemães Rüdiger Görner, professor da Universidade de Londres. Em 1954, na primeira Copa do Mundo vencida pela Alemanha Ocidental, a celebração nas ruas levou o jornal inglês Daily Mirror a fazer uma ligação entre a vitória esportiva e um suposto renascimento do nacionalismo alemão. O francês Le Monde relacionou o título com uma política de rearmamento do chanceler Konrad Adenauer. A Copa de 2006, realizada na Alemanha, deixou o ar mais leve. O então país-sede provou que estava recuperando a pobre parte oriental, que padeceu sob a esfera soviética, e se firmava como um povo unido (desde a reunificação, em 1990, a renda per capita da antiga Alemanha Oriental dobrou). O tetracampeonato neste ano deu um passo além. Trouxe consigo o desejo de exportar as boas práticas domésticas para o resto do mundo, o soft power alemão. Poucos países desenvolvidos têm sido tão bem-sucedidos em sua política de imigração quanto a Alemanha, o terceiro em número de imigrantes no mundo. O fenômeno podia ser facilmente constatado nos sobrenomes estampados nas camisas do time campeão mundial. Sami Khedira tem pai tunisiano. Os avós e o pai de Mesut Özil nasceram na Turquia. Jérôme Boateng tem raízes em Gana. Lukas Podolski e Miroslav Klose nasceram na Polônia, mas foram naturalizados alemães. A primeira onda de imigrantes na Alemanha ocorreu ainda nas décadas de 60 e 70, com a chegada dos turcos. Eles ajudaram a suprir a demanda por mão de obra, mas viviam em bairros separados nas grandes cidades. Em 2000, uma lei facilitou que filhos de imigrantes obtivessem a cidadania alemã. Cinco anos depois, quando a chanceler Angela Merkel assumiu o cargo, a fronteira nacional ficou ainda mais porosa. Obrigado a atrair talentos para sustentar seu crescimento econômico, o país passou a ser procurado por imigrantes qualificados, como engenheiros e cientistas. Quase um em cada três imigrantes entre 20 e 65 anos que entraram na Alemanha na última década tem nível superior. Entre os alemães nativos, menos de 20% têm diploma. Quando os alemães censuram publicamente outros países, isso se dá principalmente pela falta de espírito coletivo dos demais. É comum que eles se escandalizem com gregos e espanhóis, que trabalham pouco, usufruem gordos benefícios sociais e se aposentam cedo. A conta, claro, não fechou, e foi o estopim da crise europeia. Para um alemão, cada um deve viver de acordo com seus próprios meios. Não por acaso, a palavra para "dívida", Schuld, é a mesma para "culpa". Quando aceitaram medidas de austeridade sem muita resistência, os alemães o fizeram em nome do interesse coletivo. É um pensamento em que o individualismo tem pouco espaço — tal como dentro do time. Seus sindicatos têm tradição de negociar. Preferem realizar greves breves para não perder a simpatia do público. O número anual de dias perdidos com greves na Alemanha é de dezesseis para cada 1000 funcionários, contra 150 na França e 65 na Espanha. Cientes dos percalços enfrentados pelos patrões, os alemães aceitaram aumentos salariais que mal cobriam a inflação em troca da garantia do emprego. "Essa postura solidária reduziu os custos dos empregadores, o que levou a um aumento substancial da competitividade econômica nacional'', diz o sociólogo e dentista político Werner Eichhorst, pesquisador do Instituto para o Estudo do Trabalho, em Bonn. Em exportação de produtos de alta tecnologia, a Alemanha só perde para a China, que tem uma população dezesseis vezes maior. A chanceler Angela Merkel, que completou 60 anos em meados de julho, é um dos melhores símbolos desse novo país. Ela cresceu em Berlim Oriental. É considerada uma Ossi, corno eles dizem, assim como o presidente Joachim Gauck. Integrante do partido União Democrata-Cristã, Merkel está no governo há nove anos, sempre fazendo alianças. Na política externa, o comportamento é parecido. Quando ela se mostra mais firme, geralmente é para denunciar autocracias em gestação ou violação das leis internacionais. "A Alemanha de hoje quer ser vista como um país mediador, não como um agressor", diz Rüdiger Görner, professor da Universidade de Londres e especialista em cultura alemã. "É uma democracia com um poderoso senso de responsabilidade coletiva." Talvez não fosse o país do futebol se não tivesse tanto para mostrar fora de campo. SEM UM ÚNICO ALEMÃO Dawid Perkowski, nascido na Polônia, começou a aprender alemão aos 5 anos, ao assistir a desenhos animados na língua do país vizinho. Quando decidiu cursar uma faculdade, mudou-se para Berlim. ''Os alemães sempre foram muito receptivos. Nunca sofri preconceito", diz ele, que trabalha na empresa de tecnologia Paymentwall, com sede na Califórnia. Todos os seus colegas de trabalho são estrangeiros. "Sou quem melhor fala alemão no escritório", diz. VERGONHA NOS LIVROS A estudante alemã de nutrição Agnes Svrckova, de 23 anos e filha de eslovacos. nasceu depois da reunificação, em 1990. O nazismo e o Holocausto são momentos da história que ela só conhece pelos livros. ''Uma parte considerável de nosso passado é triste e vergonhosa, mas isso não nos impede de acreditar no país em que vivemos", diz. Agnes festejou a vitória na Copa do Mundo com os amigos. "Foi a primeira vez. Espero que venham outras". 6#6 AMBIENTE – O EL NIÑO BATE À PORTA O fenômeno, que cria um descompasso no clima planetário, pode ter início na próxima semana. E deve provocar cenários de contornos catastrófico. RAQUEL BEER O El Nino surge em nossa vida de cinco em cinco anos, e o assunto pode às vezes soar repetido, mas em nada é leviano. Ele prenuncia uma bagunça no clima do planeta, por vezes com efeitos desastrosos. Aumenta a probabilidade de o fenômeno climático — caracterizado pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico, mas que afeta toda a atmosfera — ocorrer ainda neste ano, o que intensificaria as chuvas no sul do Brasil e criaria um bolsão quente e seco sobre o Norte e o Nordeste. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês), agência da ONU, a probabilidade de o El Nino chegar já em agosto, a partir da próxima semana, é de 60%. A porcentagem aumenta conforme nos aproximamos do fim do ano. É de 80% a possibilidade de o fenômeno se estabelecer entre outubro e dezembro. Há fortes indícios que levam climatologistas a crer em sua chegada iminente. "O comportamento atual das águas e dos ventos do Pacífico, combinado com outras pistas que usamos para a previsão, é similar ao que antecedeu outros eventos do tipo", resumiu a brasileira Katia Fernandes, meteorologista da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos. A cada dez episódios em que o ambiente apresentou as mesmas características, em oito ocorreu o El Nino. São três os principais indícios que permitem aos climatologistas firmar a previsão (veja o quadro na pág. 94). As águas do Oceano Pacífico Equatorial têm de se aquecer; os ventos alísios, que voam rente aos mares de leste para oeste, se enfraquecem; e é detectada uma diferença negativa de pressão atmosférica entre o nível do mar na Austrália e no Taiti. Esses fatores, somados, fazem com que a superfície de água quente prevaleça na porção do Pacífico que banha a América do Sul. Como o clima do planeta é um sistema interligado e interdependente, o efeito é sentido na atmosfera. Enquanto regiões como o Chile e o México ficam úmidas e quentes, áreas secas se tornam ainda mais secas, a exemplo do nordeste brasileiro e do centro-oeste dos Estados Unidos, onde safras de milho devem ser perdidas. Há pistas de que já presenciamos um prefácio do El Nino. A Índia, por exemplo, registrou, entre junho e julho, 48% menos chuvas, em comparação com a média histórica. A anomalia se enquadraria em um cenário de El Nino. O sul do Brasil por outro lado, teve excesso de chuvas no mesmo período, 66% a mais do que o normal. Novamente, o esperado para os primeiros capítulos do fenômeno. Os impactos possíveis do El Nino no Brasil dependem da região. A seca, com redução estimada de até 80% das chuvas no sertão, aumenta o risco de incêndios florestais no Norte e prejudica a agricultura e a pecuária no Nordeste. O verão no Sul deve ser chuvoso, com esperadas inundações. No Sudeste, há aumento de temperatura, mas inexiste padrão de como a distribuição de chuvas é afetada. A esperança é que chova mais, para ajudar na recuperação das reservas do Sistema Cantareira, que abastece a Grande São Paulo, e que está com apenas 16% de sua capacidade. Pondera o americano Maxx Dilley, diretor do WMO, em entrevista a VEJA: "Haverá consequências, mas ao menos não devem ser das graves, já que, quanto mais demora para o El Nino se estabelecer, mais moderado deve ser". O cenário mais trágico já pintado pelo El Nino ocorreu entre 1997 e 1998. As águas do Pacífico que banham a América do Sul chegaram a se aquecer 5 graus. Nos Estados Unidos, os dois primeiros meses de 1998 foram os mais quentes e chuvosos em 104 anos. No Brasil, a seca no Norte deu início a um incêndio florestal em Roraima que destruiu 40.000 quilômetros quadrados de terra, ou o equivalente ao Estado do Rio de Janeiro. No Rio Grande do Sul, choveu o dobro da média histórica, deixando 15.000 pessoas desabrigadas. O efeito global foi devastador, com a morte de 2100 pessoas e prejuízo de 33 bilhões de dólares. A última ocorrência do El Nino, entre 2009 e 2010, foi avaliada como leve e ainda foi minimizada por uma melhor preparação dos países para receber o fenômeno. Após eventos traumáticos nas décadas de 80 e 90, uma iniciativa internacional espalhou pelo Pacífico setenta boias para monitorar a temperatura das águas, a intensidade dos ventos e a umidade relativa do ar. Esses dados são transmitidos em tempo real ao Noaa, serviço oceanográfico e atmosférico do governo americano, e servem de base para medidas de prevenção tomadas pelos países afetados. Mesmo assim, a última passagem do fenômeno trouxe consequências como a pior seca já registrada na Amazônia e enchentes na Califórnia, nos Estados Unidos. Em meio a tanta notícia ruim, um alento que vem com qualquer El Nino é a diminuição na incidência de tornados e furacões, que costumam atingir os Estados Unidos e a América Central entre junho e novembro. A temporada deste ano foi aberta com o furacão Arthur, que passou pelo Caribe e pela costa leste americana nos últimos dois meses, deixando pelo menos 44.000 pessoas sem luz só na Carolina do Norte. Ao esquentar as águas do Pacífico, o El Nino muda o padrão de ventos também no Oceano Atlântico, amenizando-os e dificultando a formação de furacões. O El Nino é um fenômeno natural que ocorre na Terra ao menos há 120 milênios, em intervalos médios de cinco anos. Só notamos essa anomalia climática, porém, há 200 anos. Pensava-se que se tratava de um evento localizado somente no Peru, que aquecia as águas do país e fazia com que peixes migrassem para mares distantes, prejudicando a pesca. Por acontecer no fim do ano, próximo ao Natal, pescadores balizaram o evento de El Nino, ou O Menino, em referência ao nascimento de Jesus. Foi só no fim da década de 50 que cientistas perceberam que, durante o evento, as águas de todo o Pacífico se aqueciam, com consequências globais persistentes por cerca de quinze meses. Conhecendo o El Nino, pesquisadores chegaram ainda ao La Nina (em espanhol, A Menina), o evento climático oposto, responsável pelo resfriamento das águas do Pacífico. Tentou-se, com muito esforço, associar ambos os fenômenos às recentes mudanças climáticas pelas quais passa o planeta. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da ONU, porém, admite que não há associação aparente. OS INDÍCIOS DA BAGUNÇA CLIMÁTICA Quando o planeta apresenta as seguintes situações climáticas, como ocorre agora, a probabilidade de ocorrer o fenômeno El Nino ainda no mesmo ano é de oito em dez. Aumento da temperatura do Pacífico Equatorial • O indício: a temperatura da água do oceano já atingiu 0,45 grau a mais que o normal. • Quando é El Nino: o acréscimo é de ao menos 0,5 grau. Enfraquecimento dos ventos • O indício: os ventos que sopram de leste para oeste sobre o Oceano Pacífico estão instáveis, com a intensidade oscilando para baixo. • Quando é El Nino: eles permanecem com intensidade menor que o padrão. Índice de Oscilação do Sul (SOI) • O indício: mede a diferença de pressão atmosférica ao nível do mar entre a cidade de Darwin, na Austrália, e o Taiti (é o único indício que ainda não tende ao padrão necessário). • Quando é El Nino: o índice normal é zero, mas em época de El Nino é negativo, com a pressão em Darwin maior que no Taiti. Há 60% de probabilidade de o fenômeno ocorrer em agosto e 80% de se estabelecer entre outubro e dezembro. Quando ele chegar, criará áreas secas e tímidas, de chuvas intensas. ___________________________________ 7# GUIA 30.7.14 7#1 COM PASSAPORTE E INGRESSO NA MÃO 7#2 PROGRAMAÇÃO PARA TODOS OS GOSTOS 7#3 A OLIMPÍADA VEM AÍ 7#1 COM PASSAPORTE E INGRESSO NA MÃO NO EVENTO ESPORTIVO DE MAIOR AUDIÊNCIA NO PLANETA, OS BRASILEIROS NÃO FUGIRAM À TRADIÇÃO DE DEIXAR TUDO PARA A ÚLTIMA HORA: QUEM ADERIU À EUFORIA DA COPA DO MUNDO COM A BOLA ROLANDO E, COM MUITA SORTE, CONSEGUIU INGRESSOS NA ÚLTIMA FASE DE VENDAS TEVE DE PAGAR CARO POR PASSAGENS E HOSPEDAGENS RESERVADAS AOS 45 MINUTOS DO SEGUNDO TEMPO. Para não repetir o erro na próxima Copa, o planejamento deve começar desde já. O conselho vale também para outras competições concorridas — e caras — realizadas no exterior, como o torneio de tênis em Wimbledon e o Super Bowl, a final da liga profissional de futebol americano. "Quem planeja com antecedência tem tempo para comparar preços de pacotes de viagem, pesquisar imóveis para alugar por valores baixos e encontrar ofertas-relâmpago que companhias aéreas oferecem nos fins de semana”, diz o economista Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec, no Rio de Janeiro. O Guia relaciona gastos estimados para alguns dos principais eventos esportivos dos próximos dois anos no exterior e mostra como se preparar financeiramente para conciliar as férias de 2018 com a Copa do Mundo na Rússia. Os valores consideram partida de São Paulo e valem para uma pessoa viajar com conforto, mas, claro, sobem de acordo com o grau de exigência do turista. Com exceção de Mônaco, onde os preços exorbitantes fogem a qualquer padrão, o cálculo não inclui alimentação — para os demais destinos, os especialistas recomendam projetar um gasto para refeições e lanches entre 100 e 150 dólares por dia, ou seja, entre 220 e 330 reais. FUTEBOL AMERICANO Super Bowl 2015 No ano que vem, a final da liga profissional de futebol americano será realizada no estádio da Universidade de Phoenix, no Arizona. No show do intervalo, já se apresentaram artistas como Madonna, Rolling Stones, Paul McCartney e Beyoncé Quando: 1º de fevereiro Estimativa de gastos: entre 12.500 reais e 29.000 reais O que o valor inclui: quem viaja por conta própria gasta menos com passagem aérea, quatro noites de hospedagem e um dos ingressos mais baratos para assistir à partida. O valor maior se refere à passagem aérea mais o pacote terrestre completo, oferecido por agência especializada, que inclui hospedagem em hotel quatro-estreias, passeio de balão, jantar de confraternização e assento próximo ao campo, com direito a acesso à área vip do estádio e consumo livre de bebidas e alimentação AUTOMOBILISMO GP de Mônaco 2015 Prepare-se para desembolsar uma pequena fortuna para ver os carros zunindo no mais charmoso circuito da Fórmula 1. Com os altíssimos preços praticados em Mônaco, a alternativa para reduzir os gastos é hospedar-se na cidade francesa de Nice, que fica a 20 quilômetros do principado. Aqui, a estimativa de despesas com alimentação salta para 650 dólares pelo período Quando: 21 a 24 de maio Estimativa de gastos: entre 13.000 reais e 21.500 reais O que o valor inclui: o pacote mais barato cobre passagem aérea, três noites de hospedagem em Nice, traslados, alimentação e ingresso para assistir à corrida. Para hospedar-se por quatro noites em Mônaco, o preço quase dobra. 500 Milhas de Indianápolis Em 2016, fãs do automobilismo podem assistir à centésima edição da tradicional corrida em circuito oval da Fórmula Indy Quando: maio Estimativa de gastos: 6000 reais O que o valor inclui: passagem aérea, cinco noites de hospedagem em Indianápolis, traslados e entrada para três dias de evento TÊNIS Wimbledon 2015 Agências de viagem especializadas oferecem pacotes para que os fãs de tênis possam assistir aos jogos no complexo localizado nos arredores de Londres Quando: 29 de junho a 12 de julho Estimativa de gastos: entre 18.000 reais e 40.000 reais O que o valor inclui: passagem aérea, cinco noites de hospedagem, traslados e ingressos com acesso a área vip para as quadras 1 e central, onde ocorrem os principais jogos do torneio. O pacote mais em conta dá direito às duas primeiras fases do torneio. Para assistir às concorridas semifinais e à final do tênis masculino, o valor pode bater nos 40.000 reais FUTEBOL Copa América 2015 Neymar, Messi, James Rodríguez e outros craques de doze seleções se enfrentam em oito cidades chilenas para a disputa da Copa América no ano que vem Quando: 11 de junho a 4 de julho Estimativa de gastos: 10.000 reais O que o valor inclui: passagem aérea, 23 noites de hospedagem em uma das oito cidades-sede, transporte entre as cidades e seis ingressos para jogos da primeira fase, oitavas, quartas, semi e final, tudo em viagem organizada por conta própria Eurocopa 2016 O torcedor que escolher a França como destino de férias em 2016 poderá assistir aos jogos da copa europeia em cidades como Paris, Lyon e Marselha Quando: 10 de junho a 10 de julho Estimativa de gastos: 19.000 reais O que o valor inclui: passagem aérea, trinta noites de hospedagem em uma das dez , cidades-sede, quatro passagens de trem entre as cidades e cinco ingressos para jogos da primeira fase, quartas, semi e final, tudo em viagem organizada por conta própria PREPARE O BOLSO PARA 2018 Com base nos preços atuais, os gastos estimados para o torcedor assistir aos jogos do Brasil na Rússia (sejamos otimistas!) somam 30.000 reais - como o comitê organizador russo anunciou que pretende oferecer passagem gratuita entre as sedes a torcedores com ingressos, não foram incluídas as despesas dessa natureza. A planejadora financeira Leticia Camargo, do Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF), calculou a economia mensal necessária para quem está de olho na Copa de 2018. Como se trata de uma simulação, não são levados em conta possíveis aumentos de preços nem variações de taxa cambial. O cálculo tem como base os juros reais (ou seja, a taxa que desconta a inflação) de dois investimentos conservadores: Passagem aérea: 3800 reais Hospedagem: 10.000 reais Alimentação: 8000 reais Ingressos: 4200 reais Extras (passeios e suvenires): 4000 reais Total: 30.000 reais PARA CHEGAR LÁ, É PRECISO DESDE JÁ COMEÇAR A DEPOSITAR... 590 reais por mês no Tesouro Direto, um investimento de renda fixa, ou 640 reais por mês na poupança 7#2 PROGRAMAÇÃO PARA TODOS OS GOSTOS Além dos eventos esportivos, há muitos outros motivos para embarcar rumo ao exterior com ingressos na mala: exposições, feiras e festivais internacionais. Veja, a seguir, algumas das principais atrações que ocorrerão nos próximos meses fora do país Festival Internacional de Cinema de Toronto Para os fãs de cinema, o festival canadense é um prato cheio: como não há júri técnico, é o próprio público quem escolhe os vencedores Quando: 4 a 14 de setembro de 2014 Previsão de gastos para uma pessoa: a partir de 5000 reais para sete noites em Toronto Ingresso: a partir de 18 dólares, ou 40 reais, por sessão Festival de Aviação de Oshkosh Apaixonados por aviação podem curtir sete dias de exposição, shows aéreos e acrobacias na mais famosa feira de aeronáutica do mundo, realizada na Estado americano de Wisconsin Quando: 20 a 26 de julho de 2015 Previsão de gastos para uma pessoa: a partir de 6000 reais para sete noites em Oshkosh, com aluguel de carro Ingressos: 22 a 43 dólares, ou 49 a 95 reais Festival Coachella Em dois fins de semana, o festival leva uma multidão de jovens para três dias de música na cidade de Índio, na Califórnia Quando: 10 a 12 de abril ou 17 a 19 de abril de 2015 Previsão de gastos para uma pessoa: a partir de 5000 reais para três noites em Índio, com aluguel de carro Ingressos: a partir de 375 dólares, o equivalente a 830 reais Chelsea Flower Show A mais prestigiada exposição de jardinagem do mundo, realizada anualmente em Londres, conta com a presença de membros da família real inglesa Quando: 19 a 23 de maio de 2015 Previsão de gastos para uma pessoa: a partir de 6000 reais para seis noites em Londres Ingressos: entre 30 e 58 libras, ou 113 a 219 reais Salão do Automóvel de Frankfurt A cidade alemã abriga o maior salão de automóveis do planeta, que traz as principais novidades do setor a cada dois anos Quando: 17 a 27 de setembro de 2015 Previsão de gastos para uma pessoa: a partir de 6000 reais para sete noites em Frankfurt Ingressos: entre 13 e 18 euros, ou 39 a 54 reais 7#3 A OLIMPÍADA VEM AÍ Mais de 2 milhões de turistas devem visitar o Rio de Janeiro para acompanhar os Jogos Olímpicos de 2016, que serão disputados entre os dias 5 e 21 de agosto. Para não perder a chance de presenciar a quebra de recordes e assistir a atletas de elite de 28 modalidades esportivas em ação, é preciso garantir os ingressos mais disputados (cerimônias de abertura e encerramento e as finais do atletismo, vôlei, basquete e natação) quanto antes. Segundo o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, as vendas terão início no primeiro semestre de 2015, mas os preços serão divulgados já em setembro deste ano. Para se ter uma ideia, na Olimpíada de Londres, em 2012, os ingressos partiram de 20 libras, ou 75 reais, para disputas preliminares, e chegaram a 2012 libras, ou cerca de 7600 reais, para quem quis assistir à cerimônia de abertura - a categoria mais barata para ver a final do vôlei masculino ou feminino, por exemplo, custou 65 libras, o equivalente a 245 reais. Fontes consultadas: TripAdvisor, Decolar.com, Sooking.com, Skyscanner, AMK Viagens, Faberg Tennis Tour, Via Reggia Turismo. DANIELA MACEDO daniela.macedo@abril.com.br ________________________________ 8# ARTES E ESPETÁCULOS 30.7.14 8#1 LIVROS – O CENTRO DO MUNDO 8#2 LIVROS – SEMPRE HÁ MAIS UMA LINHA 8#3 SHOWBIZ – QUEM SABE FAZ AO VIVO 8#4 VEJA RECOMENDA 8#5 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 8#6 J.R. GUZZO – UMA VERDADE SÓ 8#1 LIVROS – O CENTRO DO MUNDO Em seu novo livro, o guru da alimentação Michael Pollan mostra que a mesa é o lugar que resume a civilização: nada mais humano do que cozinhar. MARCELO MARTHE Em um restaurante no interior da Carolina do Norte, o americano Michael Pollan faz seu batismo de fogo na tradição que mexe com brios atávicos no estado sulista: o churrasco de porco inteiro. Mas sua primeira aula prática acaba sendo humilhante. Após lavar uma carcaça de 35 quilos sob o olhar severo de um churrasqueiro-celebridade, ele deixa a carne ainda crua e escorregadia do suíno escapar de suas mãos. Impotente, vê o porco rolar no chão sujo. Repetir aquela operação meio nojenta é só o começo da aventura. Pollan passará o dia lidando com brasa e fumaça em uma cozinha insalubre e ajudará a vender o churrasco na rua, cercado por uma multidão disposta a brigar por um naco de torresmo. Pollan termina a experiência suado, mas satisfeito. Mais notório guru da boa alimentação, o jornalista faz de seu novo livro uma mescla de ensaísmo e testemunho de um diletante sem medo de pôr a mão na massa — ou, no caso, em carne gordurosa. A história dos quatro saltos que permitiram à humanidade forjar, a partir das matérias-primas que a natureza lhe deu, aquilo que hoje se reconhece como comida é narrada em Cozinhar (tradução de Cláudio Figueiredo; Intrínseca; 448 páginas; 49,90 reais, ou 34,90 na versão eletrônica). Ao tomar parte no churrascão ogro, aliás, Pollan reviveu um passo primordial: assar carne na brasa foi a primeira centelha na invenção da culinária. Daí em diante, a mesa e a civilização seguiram rumos inseparáveis (confira os quadros nas páginas seguintes). Pollan, de 59 anos, ganhou notoriedade não só por ensinar sobre história da alimentação na Universidade da Califórnia em Berkeley e escrever com brilho incomum sobre o assunto: ele é, antes de tudo, um purista que não perde a chance de fazer militância. Desde o best-seller O Dilema do Onívoro, de 2007, o autor vem reiterando a mesma mensagem: uma defesa nostálgica das refeições feitas só de ingredientes naturais. Uma das regras de seus ensinamentos é nunca ingerir nada que as bisavós dos adultos de hoje não fossem capazes de reconhecer como comida de verdade. Ele não se cansa de nomear seus inimigos: o agronegócio e as "grandes corporações" instigariam as pessoas em geral (e os americanos em particular) a comer só produtos processados, fast-food e congelados insossos requentados no micro-ondas. Pollan é, em suma, um paladar xiita. A cada capítulo de Cozinhar, há um momento em que ele parte para o ataque descabelado às armadilhas escondidas sob as facilidades da culinária moderna. Mas, se o diagnóstico peca pelo radicalismo, isso não tira seus méritos como ensaísta: ler os livros de Pollan é uma experiência enriquecedora e saborosa como sorver uma bela canja de galinha. Cozinhar é mais que mero elogio a uma atividade que, talvez por ser tão comum na vida humana, tende a ser menos valorizada do que deveria por muita gente. Evidências científicas listadas pelo autor atestam que a mesa é o centro do mundo. O fato de o homem ser o único animal que cozinha já chamava a atenção de pensadores no século XVIII. Mais recentemente, no fim dos anos 90, o primatólogo americano Richard Wrangham levantou uma hipótese fascinante — e que faz todo o sentido: preparar alimentos cozidos representou uma vantagem evolutiva de tamanha grandeza que passou a ser uma marca indissociável da biologia humana. A invenção da culinária foi uma maneira engenhosa de terceirizar parte do árduo processo de absorver nutrientes de vegetais e carnes de caca. O cozimento tornou mais fácil digerir fibras e proteínas, além de alimentos que, se consumidos crus, seriam nocivos. Enquanto outros mamíferos gastavam horas para mastigar e fazer a digestão de celulose e carne crua, o homem não precisava mais de um intestino tão extenso. Pôde canalizar a energia extra para o desenvolvimento do cérebro — e um cérebro grande, frise-se, necessita de um aporte de energia colossal e constante. Foi um atalho evolutivo sem retorno. "Uma vez que o ato de cozinhar permitiu que expandíssemos nossas capacidades cognitivas, não havia como voltar atrás: nosso cérebro grande e nosso intestino pequeno dependiam agora de uma dieta de alimentos cozidos", diz Pollan. Os adeptos de dietas da moda à base de alimentos crus devem tomar nota disso, ironiza. Pollan se vale dos quatro elementos da alquimia para demonstrar o alcance desse triunfo. Os dois principais saltos no desbravamento da culinária corresponderam a avanços não menos dramáticos no desenvolvimento humano. Ligado à descoberta do fogo, o método primitivo de assar carne na brasa foi a consagração da vida social. Como prova a onipresença de marmanjos entre os churrasqueiras de hoje e sempre, essa é uma atividade na qual os machos caçadores-coletores exibiam sua testosterona num ritual até meio ridículo (continua tudo igual nesse quesito). Surgida bem mais tarde, a técnica de cozinhar em líquido — a água — nasceu como atividade típica da família. Por tabela, comandada pelas mulheres. Os outros dois saltos assinalam o momento em que o homem domou o invisível mundo dos micróbios. A invenção do pão fermentado possibilitou o milagre de injetar um novo elemento — o ar — nos alimentos. As bactérias e os fungos encontrados na terra, por fim, permitiram ao homem flertar com a morte e a decomposição na hora sagrada de comer: a ação deles é que faz o leite se tornar queijo e a cevada virar cerveja. Sem perder o fio da meada, Pollan emenda considerações sobre a fermentação com uma divagação a respeito do sentido da repugnância para cada cultura e gosto alimentar. Ele vai da biologia à psicanálise na tentativa de entender por que os americanos temem tanto aqueles queijos franceses que são feitos de leite cru e têm cheiro de chulé — com desdém, os franceses costumam dizer que tal reserva é fruto dos pudores sexuais do puritanismo americano. No seu aprendizado prático, Pollan garimpa tipos curiosos como os churrasqueiras da Carolina do Norte e uma freira que peca contra a vigilância sanitária ao produzir queijos em uma barrica imunda. No somatório dos ingredientes, o melhor que se tira do livro é a certeza de que cozinhar transcende à simples necessidade de saciar o estômago: é um prazer capaz de nos reconectar a uma marca elementar da espécie. Mesmo que você, leitor, se considere uma lástima nisso, não se intimide. No mínimo, vale prestigiar a mesa daquele parente ou amigo que mantém a chama do fogão acesa. OS QUATRO ELEMENTOS DA COZINHA O americano Michael Pollan usa a alquimia como metáfora para expor os grandes saltos na transformação dos alimentos. FOGO A revolução culinária: assar na brasa Quando surgiu: tão logo os ancestrais do Homo sapiens dominaram o uso do fogo, há cerca de 1 milhão de anos Impacto: submeter os alimentos ao fogo facilitou de forma dramática o processo de digestão - as fibras e demais substâncias contidas nas carnes e nos vegetais crus tornaram-se mais simples de mastigar e menos complexas para ser absorvidas. Segundo cientistas, isso permitiu a diminuição do intestino humano e a liberação de energia para o desenvolvimento do cérebro Herança na cozinha: evento social realizado ao ar livre e dominado por marmanjos, o churrasco remete à celebração da caça pelos machos alfa d'antanho - e seu caráter solene tem algo dos rituais religiosos de sacrifício de animais AGUA A revolução culinária: preparar alimentos em líquido fervente Quando surgiu: por volta de 10.000 anos atrás, com a invenção de utensílios capazes de ser levados ao fogo sem quebrar nem vazar - as panelas primitivas Impacto: o cozimento em panela deu nova relevância aos vegetais no cardápio humano. Além disso, permitiu que a culinária se tornasse mais produtiva: com o uso de ervas, legumes e temperos, ossos, sobras e pedaços menos nobres das carnes passaram a se converter em pratos apetitosos - e que alimentavam mais bocas Herança na cozinha: praticado no interior dos lares, em volta do fogão, o preparo de assados de panela, molhos e sopas é um dos fundamentos da vida em família. Mães e avós são as estrelas absolutas nesse pedaço AR A revolução culinária: a invenção do pão fermentado Quando surgiu: os primeiros indícios arqueológicos datam de 6000 anos atrás, no Egito Impacto: o fenômeno de aeração da massa feita de farinha de trigo por meio de leveduras e bactérias deu origem ao alimento mais popular do mundo. Na evolução da comida, o pão simboliza o momento em que a gastronomia atingiu sua dimensão plena: um milagre da transformação físico-química no qual o sabor do todo é maior que a soma de seus ingredientes Herança na cozinha: se assar marcou o domínio do homem sobre o fogo e cozinhar em água coincidiu com a ascensão da família, o pão é o triunfo da ideia de civilização - da agricultura ao conhecimento da biologia, resulta de uma cadeia de produção complexa. Hoje, não à toa, é uma arte praticada pelos nerds da cozinha: o padeiro moderno se empenha em encontrar combinações surpreendentes e é, acima de tudo, um estudioso da fermentação TERRA A revolução culinária: a transformação dos alimentos com a ajuda dos micróbios Quando surgiu: acredita-se que antes mesmo da agricultura, entre 10.000 e 12.000 anos atrás. Só faz 155 anos, contudo, que o francês Louis Pasteur (1822-1895) desvendou a natureza do fenômeno Impacto: o homem descobriu por acaso que, ao deixar certos ingredientes à mercê de fungos e bactérias, pode-se extrair boa comida (ou bebida) do processo de decomposição Herança na cozinha: a existência de bebidas como o vinho e a cerveja já seria um excelente motivo para fazer um brinde aos micróbios. Mas os bichinhos são, ainda, o segredo por trás de iguarias como o chucrute e de um item popularíssimo da alimentação contemporânea: o iogurte 8#2 LIVROS – SEMPRE HÁ MAIS UMA LINHA Não são só para o público especializado os textos inéditos de James Joyce publicados em Finn's Hotel. EDUARDO WOLF Em 15 de maio de 1939, o escritor judeu russo Isaac Babel foi preso pela polícia secreta da antiga União Soviética, a NKVD. Encarcerado por quase um ano, foi torturado para que confessasse inverídicas traições ao povo soviético. Desesperado, consciente de que não havia chance de se salvar, Babel escreve ao "comissário do povo" Lavrenti Beria assumindo a culpa que não tinha, em um último esforço para salvar, ao menos, seus manuscritos: "Cidadão comissário do povo, rogo-lhe que me permita pôr em ordem os manuscritos que me confiscaram. Contêm esboços de crônicas sobre a coletivização e os kolkoz da Ucrânia; documentação para um livro sobre Górki; rascunhos de algumas dezenas de relatos; uma obra de teatro pela metade; e uma versão por revisar de um roteiro para cinema. Esses manuscritos são o resultado de oito anos de trabalho, e neste ano tinha pensado preparar uma parte do material para sua publicação". Babel foi morto em 27 de janeiro de 1940. Seus manuscritos foram todos destruídos. Esse episódio pode ser considerado uma espécie de caso-limite e trágico de manuscritos perdidos de grandes autores. Conhecemos também a não menos dramática história do escritor checo Franz Kafka e do pedido que fez a seu amigo Max Brod para que destruísse todos os seus escritos. Brod, como felizmente sabemos, não atendeu ao desejo de Kafka (o argentino Jorge Luís Borges chegou a dizer certa vez que quem quer destruir seus manuscritos não pede isso a um amigo próximo...). Em mais uma página nessa história sempre conturbada dos autores e de seus originais, acaba de sair no Brasil Finn's Hotel, do irlandês James Joyce (tradução de Caetano W. Galindo; Companhia das Letras; 160 páginas; 39,50 reais), publicado no mundo de língua inglesa um ano antes e alardeado como "o último inédito de Joyce". O autor de Ulysses talvez seja o perfeito oposto de Kafka neste quesito: nada de destruir seus originais. Pelo contrário, deixou aos estudiosos de sua obra mais de "cinquenta mil páginas de manuscritos (...) além de dúzias de cadernos aparentemente caóticos", segundo Danis Rose, o joyciano responsável pela edição inglesa da obra e que assina um dos textos introdutórios na edição brasileira. Se, por um lado, não se pode falar em dramas como o de Babel ou o de Kafka envolvendo Finn’s, por outro não faltou controvérsia, que chegou a ser algo acirrada. A polêmica, em verdade, deu-se em 1992, quando a Penguin se dispôs a lançar o material que Danis Rose vinha editando e que, segundo ele, era um conjunto de breves relatos independentes nos quais Joyce trabalhara em 1923 —justamente o Finn’s Hotel a que hoje o leitor tem acesso —, logo após a publicação de Ulysses. Até então, as historietas (ou "epiquetos", pequenos épicos) que compunham o projeto de livro de Rose eram consideradas esboços abandonados para a obra derradeira e por muitos considerada a mais hermética de Joyce, Finnegans Wake, somente lançada em 1939. À época, Rose, um estudioso algo independente da obra de Joyce, foi bastante criticado por especialistas mais reconhecidos. David Hayman, autor de um clássico nos estudos joycianos, A First-Draft Version of Finnegans Wake, (1963), chamava atenção para o fato de alguns dos episódios ditos inéditos já terem sido publicados justamente em seu volume do Wake. A confusão, para Rose, deu-se porque Harriet S. Weaver, editora inglesa e mecenas de Joyce, ordenou os manuscritos de modo a intercalar os episódios de Finn's Hotel no extenso material de Finnegans Wake. Em meio à polêmica, o espólio do escritor cancelou a cessão de direitos para a publicação, e a Penguin desistiu do volume. Passados mais de vinte anos da contenda — e com a vantagem de a obra de Joyce hoje estar em domínio público —, Rose venceu, e o livro foi publicado pela pequena Ithys Press. Os sempre entusiasmados fãs da obra de Joyce certamente hão de se regozijar com a oportunidade de uma leitura ainda inédita de seu autor dileto. Do nome da obra — referência ao local em que trabalhava Nora Barnacle, futura esposa do autor, quando conheceu Joyce — à presença de certos personagens que ficariam célebres no Wake, anos mais tarde, como o Homem Comum Enfim (tradução para a alcunha de Humphrey Chimpden Earwicker, "'Here Comes Everybody", no inglês) ou sua esposa, Anna Livia Plurabelle, as marcas do grande prosador vão se fazendo sentir ao longo da leitura dos dez episódios. O tradutor Caetano W. Galindo, professor da Universidade Federal do Paraná e especialista na obra de Joyce, afirma que crítico literário algum há de negar o valor dos manuscritos agora publicados (acompanhados, vale lembrar, de outro manuscrito, este menos polêmico, o de Giacomo Joyce). É certo que o leitor não encontrará em Finn's Hotel o Joyce que levou T.S. Eliot a sagrá-lo um autor do porte de John Milton para a língua inglesa. Mas não é preciso ser um aficionado joyciano para celebrar a publicação de inéditos de autores de sua importância: nós, leitores, sofremos genuinamente com o infortúnio literário (para além do humano) dos escritos de Babel, ou agradecemos alegremente à traição do amigo de Kafka, que não lhe destruiu os manuscritos. Como leitores, somos todos um pouco aficionados: queremos ter tudo. 8#3 SHOWBIZ – QUEM SABE FAZ AO VIVO No Brasil para uma rápida temporada teatral, o bailarino Mikhail Baryshnikov reafirma o talento além da dança e diz que seu maior prazer ainda é estar no palco. MÁRIO MENDES Afinal, quem é a velha a que se refere o título The Old Woman — espetáculo dirigido por Robert Wilson e estrelado pelo ator Willem Dafoe e pelo bailarino Mikhail Barvshnikov? Conforme diz Barvshnikov a VEJA, é um dos vários personagens que ele e Dafoe dividem em cena. Como em outras encenações do festejado diretor-cabeça americano Wilson, trata-se de um enigma a ser desvendado pelo público enquanto assiste a uma experiência teatral no mínimo original. O bailarino russo naturalizado americano, de 66 anos, garante que nas praças onde já se apresentaram — de Londres à Califórnia — as plateias saíram fascinadas, ainda que confusas. The Old Woman (em cartaz em São Paulo até 3 de agosto e no Rio de Janeiro de 8 a 10) é mais um trabalho instigante a que o ex-astro do Balé Kirov, do American Ballet Theatre e do New York City Ballet se propõe desde que, em 1974, decidiu trocar a União Soviética pelo Ocidente — pedindo asilo político primeiro em Toronto, no Canadá, e em seguida em Nova York, onde vive e trabalha até hoje. Nascido em Riga, na Letônia, ele é considerado um dos três maiores bailarinos do século XX, ao lado dos também russos Vaslav Nijinsky (1890-1950) e Rudolf Nureyev (1938-1993). Mais vigoroso dos três, Baryshnikov ampliou ainda seu escopo para a dança contemporânea e para o trabalho como ator (foi indicado ao Oscar por Momento de Decisão, em 1978, e participou do seriado Sex and the City), além de manter o Baryshnikov Arts Center, um centro de formação profissional para artistas do mundo inteiro. A seguir, ele fala de A Velha, da importância de "dançar a própria idade" e, claro, da mãe Rússia. The Old Woman tem sido descrito como teatro do absurdo, burlesco de vanguarda e drama de vaudeville. Qual a sua definição? Bem, não sou crítico, mas o livro no qual o espetáculo foi baseado é literatura do absurdo, e nosso diretor é conhecido como um artista que criou um universo próprio, O arco dramático caminha sobre a finíssima camada de gelo que separa a tragédia da comédia. O autor Daniil Kharms escreveu o texto em um período de terror na Rússia, os anos 30, e acabou morrendo numa prisão stalinista. O curioso é que ele se tornou famoso escrevendo histórias infantis, apesar de ter declarado que detestava crianças. O senhor está com 66 anos e continua na ativa. Na dança, existe alguma regra sobre o que se deve ou não fazer a partir de certa idade? Observe os pedestres na rua. Você vai ver crianças, jovens, gente madura e idosos se movimentando das mais diversas maneiras. Cada um tem a sua própria linguagem corporal, o seu próprio espírito de movimento. E o que é a dança senão uma manifestação de linguagem corporal? Portanto, a questão não é que idade um bailarino tem, mas que material ele deseja apresentar. Os artistas dos teatros nô e kabuki, no Japão, assim como os dançarinos do flamenco espanhol e do tango argentino, costumam trabalhar até os 70, 80 anos. Mas eles estão dançando sua própria idade. Carregam as idiossincrasias, os humores e a intensidade dramática adquiridos durante uma vida inteira para interpretar uma peça musical e até os silêncios. A americana Martha Granam, que dançou até uma idade bem avançada, dizia algo muito verdadeiro: "O corpo não sabe mentir". As pessoas até tentam mentir, esconder, mas o corpo nunca mente. Hoje em dia não ouvimos falar tanto do balé praticado pelo Bolshoi e pelo Kirov, como no século passado. A dança clássica anda em baixa? Absolutamente não. Afinal, gostem ou não, a velha escola do balé russo clássico ainda é a melhor do mundo. Acontece que para nós, bailarinos, o que a dança clássica oferece é um repertório bastante escasso se comparado ao material que um cantor lírico ou um instrumentista têm à disposição. No balé clássico, há no máximo umas sete peças, repetidas à exaustão. Parei de dançar os clássicos aos 30 e poucos anos. O que me interessa hoje é a dança contemporânea. O senhor fez filmes e chegou a ser indicado ao Oscar. Por que não o vemos com mais frequência no cinema? Nunca quis ser astro de Hollywood. Só atuei em filmes porque estava com tempo de sobra e era movido pela curiosidade, como qualquer jovem. Claro que, se houver um projeto de cinema que realmente me interesse e no qual eu me encaixe, não vejo razão para não aceitar. Mas o que menos quero no momento é um trabalho assim tão popular. O sucesso em grande escala costuma ser um pé no saco. Prefiro estar no palco, apresentando-me ao vivo diante de uma plateia. É comum que se diga que foram três os bailarinos incomparáveis do século XX: Nijinsky, Nureyev e Baryshnikov. O senhor concorda? Prefiro não comentar nem acreditar nesse tipo de comparação, porque é a opinião dos outros. No momento em que você se coloca no mesmo nível de artistas dessa magnitude, perde completamente o senso de percepção. O que faço é procurar viver o dia a dia aperfeiçoando minhas habilidades para ser um artista cada vez mais aprimorado. Outra coisa: o sucesso não deve ser a única meta, e o fracasso nunca é fatal. O importante é seguir tentando. Quando eu morrer, tudo que se disser a meu respeito não será responsabilidade minha, e eu, sinceramente, não me importo com isso. Por que o senhor nunca mais voltou ao seu país desde que se tornou dissidente da ex-União Soviética, e como vê a Rússia hoje? Deixei a Rússia há exatos quarenta anos, e ir até lá simplesmente não está nos meus planos. Para mim, hoje, é apenas um lugar muito distante - apesar de me dizerem que de alguns pontos do Alasca é possível avistá-lo. Daqui onde estou não consigo enxergar nada. Minha grande relação com meu país é através do idioma, que pratico falando e lendo muito. É claro que não me alienei totalmente e costumo acompanhar o noticiário para saber o que está acontecendo por lá, mas não sou particularmente fã do governo russo. Hoje vivo no país que escolhi e que amo muito. Minha família é americana e, portanto, eu me sinto americano também. 8#4 VEJA RECOMENDA EXPOSIÇÃO MIRA SCHENDEL (NA PINACOTECA DO ESTADO, EM SÃO PAULO, ATÉ 19 DE OUTUBRO) • A artista plástica Mira Schendel (1919-1988) adorava serões intelectuais em que se debatiam filosofia e teologia madrugada adentro — e nos quais ela falava e fumava adoidado. Reflexões sobre semiótica, I Ching e fenomenologia inspiraram boa parte de sua obra. Mas o pendor para a elucubração não conferia afetação a seus quadros, desenhos, gravuras e instalações. Ao contrário: a simplicidade e a urgência espiritual fazem do trabalho de Mira um ponto fora da curva em meio às inclinações cerebrais do concretismo brasileiro dos anos 50. Outras diferenças explicitam sua superioridade sobre companheiros de geração como Lygia Clark e Hélio Oiticica. Em vez de embarcar na arte maluco-beleza dos anos 60 e 70, ela nunca se desviou de suas trilhas de investigação, que iam da natureza-morta às experiências com a linguagem. Também detestava oba-oba: suíça de nascimento, fugiu da perseguição aos judeus na Itália fascista, migrou para Porto Alegre no pós-guerra e a partir dos anos 50 viveu e trabalhou isolada em sua casa paulistana, produzindo em ritmo compulsivo. Com cerca de 300 obras e uma passagem pela galeria londrina Tate Modern, esta grande retrospectiva comprova o valor de sua austeridade. LIVRO A COR DO LEITE, DE NELL LEYSHON (TRADUÇÃO DE MILENA MARTINS; BERTRAND BRASIL; 208 PÁGINAS; 25 REAIS) • O ano é 1831 e Mary é uma garota inglesa de 15 anos que vive com a família numa modesta propriedade rural. Caçula de três irmãs — tem uma perna defeituosa e os cabelos brancos como leite —, ela abandonou os passatempos infantis para ordenhar a vaca, recolher os ovos das galinhas, ajudar a mãe nas tarefas domésticas e cuidar do avô inválido. Ele é o único com quem Mary compartilha um segredo: a duras penas aprendeu a ler e escrever, e por isso decidiu fazer um livro relatando tudo o que viveu durante um ano. Afinal, "a minha língua é rápida que nem a de gato bebendo leite na tigela'', justifica-se. O romance da inglesa Nell Leyshon guarda semelhanças com A Cor Púrpura, da americana Alice Walker: também é a história de uma menina que cresce num meio rude, onde a vontade masculina é absoluta e a crueldade com as mulheres é vista como inevitável. Aqui, porém, o tom iletrado da narrativa na primeira pessoa não é redentor: ele só faz acentuar a ingenuidade trágica que tenta pairar acima de uma realidade irremediável. DISCO ZERIMA, LUIZ MELODIA (SOM LIVRE) • O cantor e compositor carioca Luiz Melodia é alta gastronomia num mercado em que tudo funciona com a rapidez e o desleixo de fast-food. Melodia grava pouco: Zerima, seu 15º título em quatro décadas de carreira, é o primeiro álbum de canções inéditas desde Retrato do Artista Quando Coisa, de 2001. É um trabalho para paladares exigentes, embora os ingredientes sejam conhecidos. Ele apresenta um repertório de variações do samba, do samba-canção e das interpretações impregnadas de soul e blues até a levada do Recôncavo Baiano (como em Moça Bonita, de Jane Reis, sua mulher). A receita ganha o reforço de participações como as da cantora Céu (na ótima Dor de Carnaval) e de Mahal Reis, filho de Melodia (autor do rap de Maracangalha, releitura do clássico samba de Dorival Caymmi). E os arranjos têm riqueza e sabor — caso de Nova Era, de Ivone Lara e Délcio Carvalho, que ganhou um lindo solo de violoncelo. O compositor capixaba Sérgio Sampaio (1947-1994) é outro elemento recorrente na discografia de Melodia. Em Zerima há uma regravação mais balançada de Leros, Leros e Boleros. Bom apetite. BLU-RAY NEGÓCIOS MORTAIS (NOT SAFE FOR WORK, ESTADOS UNIDOS, 2014, UNIVERSAL) • Diretor de filmes deliciosos como O Céu de Outubro, Jurassic Park III e Capitão América — O Primeiro Vingador, o texano Joe Johnston muda radicalmente de marcha nesta pequena produção que não chegou a ser exibida nem nos cinemas americanos. Passado quase que inteiramente em um mesmo andar de um edifício de escritórios, este suspense se concentra em um dia péssimo na vida do assistente legal Tom (Max Minghella): por excesso de zelo em um grande processo no qual sua firma de advocacia está envolvida, ele é demitido e obrigado a deixar o trabalho imediatamente, e tem seu crachá cancelado. Mas Tom retorna a seu andar, já vazio — exceto por uma secretária, um colega que está lidando com um arquivo meio misterioso e um assassino profissional almofadinha (o ótimo JJ Feild), do qual só não se pode dizer que é frio como gelo porque aparenta tirar um bocado de prazer do cumprimento de sua tarefa. Quem contratou o matador, quem são seus alvos e o que mais ele quer ali são perguntas a que Tom deverá responder se quiser ter ao menos uma chance de chegar vivo ao fim dessa noite. CINEMA APENAS UMA CHANCE (ONE CHANCE, INGLATERRA/ESTADOS UNIDOS, 2013. JÁ EM CARTAZ NO PAÍS) • Gordinho, incrivelmente azarado, atormentado pelos colegas e balizado com um nome infelicíssimo. Paul Potts (que em inglês soa quase igual a Pol Pot, o genocida do Khmer Vermelho que matou milhões de cambojanos) ainda por cima tem mania de cantar ópera, o que não eleva em nada sua já diminuta popularidade na cidadezinha galesa em que mora — nem em casa, aliás, onde, apesar do apoio de sua mãe (Mie Walters), ele sofre a troça constante de seu pai bem-intencionado mas brucutu (Colm Meaney). Paul, porém, é um desses sujeitos invencíveis; até gostaria de desistir, mas é constitucionalmente incapaz de pedir água. Encorajado pela namorada (Alexandra Roach) — e ele já considera uma vitória surpreendente ter arrumado uma namorada —, decide arriscar tudo em um concurso na Itália que terá como um dos jurados o tenor Luciano Pavarotti, e depois arriscar tudo de novo em um reality show de grande audiência célebre por revelar talentos improváveis. Narrados com humor, os infortúnios do verídico Paul Potts ganham graça adicional por ser ele interpretado pelo encantador James Corden. 8#5 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA 2- Quem É Você, Alasca? John Green. MARTINS FONTES 3- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA 4- Felicidade Roubada. Augusto Cury. SARAIVA 5- O Teorema de Katherine. John Green. INTRÍNSECA 6- A Menina que Roubava Livros. Markus Zusak. INTRÍNSECA 7- A Escolha. Kiera Cass. SEGUINTE 8- Cidade do Fogo Celestial. Cassandra Clare. GALERA RECORD 9- O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 10- A Guerra dos Tronos. George R.R. Martin. LEYA BRASIL NÃO FICÇÃO 1- O Livro da Psicologia. Nigel Benson. GLOBO 2- Sonho Grande. Cristiane Corrêa. PRIMEIRA PESSOA 3- A Estrela que Nunca Vai Se Apagar. Esther Earl. INTRÍNSECA 4- Demi Lovato – 365 Dias do Ano. Demi Locato. BEST SELLER 5- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 6- Cinquenta Anos Esta Noite. José Serra. RECORD 7- 1889. Laurentino Gomes. GLOBO 8- O Livro da Filosofia. Vários. GLOBO 9- Guia Politicamente Incorreto do Futebol. Jones Rossi e Leonardo Mendes Junior. LEYA BRASIL 10- A Vida Secreta de Fidel. Juan Reinaldo Sánchez. PARALELA AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 3- Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros. Augusto Cury. SARAIVA 4- Casamento Blindado. Renato e Cristiane Cardoso. THOMAS NELSON BRASIL 5- Kairós. Padre Marcelo Rossi. PRINCIPIUM 6- Eu Não Consigo Emagrecer. Pierre Dukan. BEST SELLER 7- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 8- O Poder do Hábito. Charles Duhigg. OBJETIVA 9- Crianças Francesas Não Fazem Manha. Pamela Druckerman. FONTANAR 10- Foco. Daniel Goleman. OBJETIVA 8#6 J.R. GUZZO – UMA VERDADE SÓ A campanha eleitoral para a Presidência da República e os governos estaduais está prometendo colocar o Brasil diante de uma pregação totalitária para ninguém botar defeito. Tudo isso? É sempre confortável, claro, imaginar que essas coisas não acontecem mais hoje em dia, não num país que caminha para a sétima eleição presidencial seguida com voto livre, secreto e universal, sob a proteção de todas as leis e defesas de um Estado de direito. Virar a mesa, a esta altura do jogo, com certeza não é fácil. Mas, como se vê, não é impossível criar um clima de hostilidade disfarçada, ou nem tão disfarçada assim, às regras segundo as quais candidatos de oposição têm o direito de disputar a Presidência, e o vencedor deve ser aquele que teve a maioria absoluta dos votos. É o que já se pode ver, neste momento, pelos atos praticados na campanha do governo e seu partido para reeleger a presidente Dilma Rousseff — ou, se não é isso, estão fazendo o possível para parecer que é. Sua atitude diante da eleição de outubro, pelo que dizem e fazem em público, é sustentar que os eleitores brasileiros só podem tomar uma decisão nas urnas: reeleger a presidente Dilma. Qualquer outro resultado, segundo o que têm pregado até agora, seria "um golpe de Estado da direita". Não é uma suposição ou um exagero; são fatos que se repetem na frente de todo mundo, com frequência cada vez maior. A mensagem que o governo está enviando ao público em geral, quando se raspa o verniz do palavrório, é a seguinte: a alternância de poder não pode ser aceita pelo povo brasileiro, pois é um mal em si. Servirá apenas para colocar no governo a elite branca, principalmente a "do Sul", que vai "se aproveitar" de métodos falsamente democráticos, como são essas "eleições formais", para tirar do poder as forças comandadas pelo PT — as únicas, sempre na visão oficial, que têm o direito político e moral de governar o Brasil, pois quem discorda delas quer agir contra a pátria, o interesse nacional e os "benefícios sociais" que o povo ganhou nos últimos doze anos com Dilma e seu antecessor, o ex-presidente Lula. Em português claro: é indispensável, para salvar a "verdadeira democracia", agir contra a democracia defeituosa que "está aí". A regra eleitoral, em suma, só vale se a presidente for reeleita. Se ela perder, é "golpe". Fim de conversa. A ferramenta mais utilizada no momento para levar adiante esse evangelho é alegar que o governo está sitiado por uma poderosíssima ofensiva conservadora, que lançaria mão de armas e recursos desproporcionais, desleais e ilícitos para "derrubar" a presente administração do PT e sua "base aliada". Como assim? Disputar uma eleição, dentro das regras estabelecidas em lei, seria "derrubar" alguém? Também não dá para entender como pode se colocar no papel de vítima um governo cuja candidata tem à sua disposição todo um arsenal termonuclear de vantagens materiais para ganhar a eleição. Dilma conta com um tempo de propaganda obrigatória na televisão que é o dobro do que têm, somadas, as candidaturas de seus dois concorrentes mais próximos. Esse patrimônio, como é público, foi comprado dos partidos de aluguel que andam por aí, tentando escapar da polícia e do Código Penal, em troca de cargos rentáveis no governo, desses que decidem licitações de obras e outras maravilhas — algo que só pode ser dado por quem está no poder. A campanha da presidente estimou que vai gastar 300 milhões de reais até outubro — cerca de 50% a mais do que o valor de 2010, e um total maior que o de qualquer adversário. O governo se vale, também, do Tesouro Nacional; só nos meses de maio e junho gastou cerca de 800 milhões de reais em propaganda pró-Dilma. É dinheiro público direto na veia — de novo, coisa que só pode fazer quem manda no caixa. O governo tem a seu favor 70% dos votos no Congresso, uma força decisiva para protegê-lo de acusações de corrupção; com isso, 300 pedidos de investigação sobre irregularidades estão bloqueados no momento. As empreiteiras de obras jogam pesado a favor do governo — entre outros ajutórios, pressionam parlamentares que lhes devem favores a segurar a apuração dos recentes escândalos em torno da Petrobras. Mais que tudo, vende-se abertamente mercadoria falsa. Qualquer crítica em relação ao governo é tida como "preconceito". Quedas nas pesquisas são atribuídas ao "ódio" de quem discorda. A presidente chama de "urubus" os que apontam algum problema em seu governo. O que Lula, Dilma e o PT estão dizendo é algo bem claro: "Só existe uma verdade aqui — a nossa".