0# CAPA 27.8.14 VEJA www.veja.com Editora ABRIL Edição 2388 – ano 47 – nº 35 7 de agosto de 2014 [descrição da imagem: foto do rosto, de frente, da candidata Marina Silva. Olhar para frente, esboçando um leve sorriso. Expressão de tranquilidade.] MARINA PRESIDENTE? Com a entrada da ex-senadora como um furacão na corrida eleitoral, o Brasil tem pouco tempo para saber se ela é apenas uma miragem ou uma opção política de verdade. [parte superior, esquerda: imagem de um soldado com metralhadora.] IRAQUE Nosso repórter conta o que viu no epicentro do terror islâmico. [parte superior direita: foto de um aparelho de som] ADEUS AO MP3? HRA, o som digital de alta resolução, chegou para ficar. ______________________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# ECONOMIA 5# INTERNACIONAL 6# GERAL 7# ARTES E ESPETÁCULOS _________________________________ 1# SEÇÕES 27.8.14 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – MORTE NO BERÇO DA CIVILIZAÇÃO 1#3 ENTREVISTA – ARMÍNIO FRAGA – CONFIANÇA E COMPETIÇÃO 1#4 LYA LUFT – O CICLO DA VIDA 1#5 LEITOR 1#6 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM O MÉDICO E O PREFEITO Principal bandeira do governo de Dilma Rousseff para a saúde, o programa Mais Médicos completou um ano em julho e hoje alcança 3771 municípios. Com base em dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, reportagem de VEJA mostra onde está cada um dos 14.462 profissionais e qual sua nacionalidade — 11.442 (79% deles) são cubanos. O cruzamento desses dados com a filiação de cada prefeito revela a alta capilaridade do Mais Médicos: a maioria dos gestores de todos os partidos aderiu. Como se poderia esperar, prefeituras petistas buscaram em peso o programa federal — 79%. Mas em municípios comandados pela oposição a adesão também ficou acima dos 50%. Reportagem de VEJA explica o cálculo eleitoral por trás da adoção do programa. A CURA PELAS BACTÉRIAS Para cada célula de nosso corpo, há dez bactérias. O estudo do microbioma humano - nome dado ao conjunto dos microrganismos que habitam nosso corpo - está revolucionando a ciência e trará, nos próximos dez anos, mudanças no diagnóstico, na prevenção e no tratamento de doenças. Reportagem do site de VEJA mostra em que estágio estão essas pesquisas. A FÓRMULA 1 DOS CARROS ELÉTRICOS Em 13 de setembro, a cidade de Pequim vai receber a primeira prova da Fórmula E, para carros movidos a energia elétrica, que chegam a 225 km/h. O ronco dos motores sai de cena para dar lugar a máquinas não poluentes, que servirão de laboratório para desenvolver itens que vão equipar os automóveis à venda nas lojas em breve - da mesma forma como a Fórmula 1 exporta tecnologia aos carros "normais". Além da tecnologia, mais uma atração nas pistas da Fórmula E: a reedição das disputas entre Senna, Piquet e Prost. Estão inscritos Bruno Senna (sobrinho do tricampeão Ayrton), Nelsinho Piquet (filho de outro tricampeão, Nelson) e o francês Nicolas Prost, filho do tetracampeão Alain. AS LOIRAS DO HIP-HOP Quem quer ficar de fora de um gênero que domina a indústria musical americana e que por ano, só nos Estados Unidos, movimenta mais de 10 bilhões de dólares? Rita Ora, 23 anos, e Iggy Azalea, 24, é que não. Elas são as estrelas mais reluzentes de uma turma que não para de crescer: a dos brancos do hip-hop, movimento que já foi restrito ao gueto negro. Reportagem do site de VEJA compara a carreira de ambas. 1#2 CARTA AO LEITOR – MORTE NO BERÇO DA CIVILIZAÇÃO “A primeira baixa quando estoura uma guerra é a verdade." A frase do senador americano Hiram Johnson foi dita em 1917, mas ela vale para todos os conflitos bélicos que a precederam e, certamente, para todos os que vieram depois. A missão dos jornalistas escalados como correspondentes de guerra é garantir que a verdade não seja vitimada sem piedade nos campos de batalha, alvo que é de todos os lados da disputa armada. Foi com essa responsabilidade que Duda Teixeira, editor de Internacional de VEJA, seguiu para a Turquia e depois se empenhou para conseguir chegar a Erbil, a capital do Curdistão iraquiano e o último reduto, junto com Bagdá, de resistência à marcha terrorista e bárbara de um poderoso grupo armado disposto a instalar na região um califado, um Estado islamista totalitário em que as pessoas são submetidas às leis religiosas, que substituem todas as demais instâncias políticas, jurídicas e administrativas. O relato que Teixeira mandou de Erbil mostra que, por mais que tenham avançado os meios digitais de comunicação, nada substitui o olhar jornalístico treinado e isento para narrar a realidade e impedir que a verdade seja a primeira baixa de uma guerra. Teixeira, veterano em coberturas internacionais, foi ao Iraque acompanhado da fotógrafa Alice Martins, gaúcha de 34 anos que mora na Turquia. O Estado Islâmico já conquistou uma parcela dos territórios da Síria e do Iraque, provocando a fuga de mais de 1,5 milhão de pessoas e executando, extorquindo ou escravizando as que ficaram para trás. No início do mês, caças dos Estados Unidos começaram a bombardear posições dos terroristas em terra, atrasando, mas não impedindo, sua marcha. Contou Teixeira: "Ouvi relatos em primeira mão sobre como os terroristas sequestram mulheres e fazem delas escravas sexuais". A cobertura é tensa e tem um grau aceitável, porém alto, de perigo. Alice, que conheceu James Foley, repórter americano degolado pelos islamistas na semana passada, estava inconsolável. Os extremistas são a vanguarda de um reino de terror que avança pela antiga Mesopotâmia, o berço da civilização, onde, por amarga ironia, a civilização está sendo afogada em sangue. 1#3 ENTREVISTA – ARMÍNIO FRAGA – CONFIANÇA E COMPETIÇÃO O ex-presidente do Banco Central e futuro ministro da Fazenda, no caso de uma vitória de Aécio Neves nas eleições, traça seu projeto para dar um novo ímpeto à economia brasileira. LAURO JARDIM E GIULIANO GUANDALINI Se o senador mineiro Aécio Neves conseguir vencer as próximas eleições para presidente da República, um integrante de peso de seu futuro governo já é certo. Será o ministro da Fazenda, o economista Armínio Fraga, que no comando do Banco Central foi o responsável por restabelecer a confiança na economia brasileira depois da desvalorização cambial de 1999. Aos 57 anos, Fraga coordena a área econômica do candidato do PSDB. Os eixos do programa se amparam em resgatar a previsibilidade e a transparência na condução da economia, combatendo a inflação e o inchaço do setor público, ao mesmo tempo em que as reformas estruturais serão promovidas. Diz Armínio Fraga: "O Brasil foi colocado em uma trajetória populista, com resultados desastrosos e previsíveis". Quais são as evidências de que estamos entrando em uma tempestade na economia? A opção feita no segundo mandato do Lula por um modelo com ênfase no incentivo ao consumo e na participação elevada do setor público na economia já se esgotou. Funcionou por algum tempo, graças em parte a um cenário externo favorável. Não houve, entretanto, sucesso em aumentar o investimento, que permanece baixo em relação ao tamanho da economia, nem a produtividade, que tem crescido pouco. O engajamento do governo com o setor privado consiste cada vez mais de soluções improvisadas que não dão conta do recado. Temos uma infraestrutura totalmente desgastada e inadequada. O sistema tributário é extremamente custoso para as empresas, cheio de problemas. A qualidade da educação não vem melhorando em ritmo adequado. Por fim, a macroeconomia também foi desajustada. A inflação está alta, mesmo com o represamento de preços, e a situação fiscal é opaca e vem se deteriorando. Quais são os sintomas da ineficiência da atual política econômica? O Brasil foi colocado em uma trajetória populista, com resultados desastrosos e previsíveis. Essa aposta errada parte de uma teoria antiquada, que tinha alguma importância até os anos 1970, mas que se mostrou equivocada. Os sintomas são diversos e tradicionais, com destaque para o crescimento cada vez mais baixo. Para termos um parâmetro, durante o governo Fernando Henrique o avanço do PIB brasileiro foi similar ao da América Latina. Nos anos Lula, o crescimento médio foi também parecido com o da América Latina. Agora, com Dilma, vamos crescer 2 pontos percentuais por ano, abaixo do avanço médio até dos países vizinhos. Alguns economistas acreditam que os países não devem se preocupar tanto com o crescimento, e sim tratar de focar sua atenção na qualidade de vida. Para o Brasil, por que ainda é necessário acelerar o ritmo da economia? O crescimento não é tudo, mas um país como o nosso precisa crescer, para melhorar o padrão de vida das pessoas. Além disso, os estudiosos mostram que o crescimento explica uma parte importante da queda na pobreza. É o principal fator. Mas é claro que a pobreza extrema foi atingida na veia com o Bolsa Família, que é um grande programa. É possível impulsionar indefinidamente uma economia apenas pela oferta de crédito? Uma economia moderna não funciona sem crédito, mas há que cuidar para não exagerar na dose, pois a poupança tem seu papel. O fundamental mesmo é fazer a produtividade crescer. Como incentivar a produtividade? Os trabalhadores ficam mais produtivos com uma educação melhor, quando contam com equipamentos modernos para trabalhar. É muito importante também a exposição à concorrência e a integração às melhores práticas internacionais. É impossível que um país isolado se beneficie daquilo que existe de melhor no mundo. No Brasil, infelizmente, os ganhos de produtividade da economia estão em queda. Precisamos investir mais, muito mais. Daí a proposta do senador Aécio Neves de elevar a taxa de investimento total da economia de 18% do PIB para 24% do PIB em quatro anos. Isso é factível em um período de quatro anos? Não será fácil, mas é perfeitamente possível. Meta fácil não tem graça. O Brasil precisa arrumar a casa, reduzir as incertezas e, com isso, oferecer uma taxa de juros mais baixa para todo mundo, e não apenas para aqueles com acesso ao BNDES. O Orçamento precisa ser tratado com transparência. Primeiro, por uma questão de cidadania. E, segundo, para diminuir os juros de longo prazo. No fundo, o principal ponto é mobilizar capital privado. O governo não tem dinheiro para investir e, se tentar fazer isso, não vai fazer direito. Hoje há muita incerteza regulatória. Os leilões de concessões precisam ser mais bem planejados. Por fim, vejo a necessidade de cuidar com mais atenção dos recursos humanos. O governo precisa de gente capacitada para trabalhar, com foco na meritocracia e sem aparelhamento político. A economia brasileira, depois de alguns anos bons no governo Lula, vem agora avançando ao ritmo de 2% ao ano. Em 2014 o crescimento deverá ser ainda menor. Quanto se pode crescer mais se aumentarmos a taxa de investimentos? Acredito que o Brasil possa crescer 4,5% ao ano, de maneira sustentável. Para isso é preciso corrigir os desacertos atuais, investir mais e também acoplar a economia ao que há de melhor no mundo, com concorrência, para incentivar a inovação e a produtividade. Não creio em uma bala de prata. São várias medidas e iniciativas a ser tomadas de maneira complementar. Se não houver uma correção de rumo, a situação da economia tenderá a se agravar. Uma das maiores derrotas de Dilma na área econômica foi a sua falha na tentativa de reduzir os juros. A taxa básica, a Selic, já está acima daquela herdada por ela, e o custo do crédito bancário também voltou a subir. Por que deu errado? Os juros foram reduzidos de maneira voluntarista, o que deu errado. Faltou base. A redução foi feita com expansão fiscal e aumento do crédito público ao mesmo tempo. Foi uma política esquizofrênica. Dilma atendeu, uma a uma, às reivindicações do setor industrial: reduziu o custo da energia, acirrou a proteção comercial, diminuiu o custo da folha de pagamento. Ainda assim, a indústria foi o setor que mais patinou nos últimos anos. Por quê? Na verdade, os pedidos da indústria não foram atendidos. Os juros continuam altos. Não houve nenhum avanço expressivo na área tributária. Houve uma tentativa de reduzir o preço da eletricidade à força, e deu tudo errado. A pressão agora é de alta, pois as distribuidoras estão se endividando muito e, por contrato, elas têm direito a aumentos. O governo empurrou essa conta para a frente, mas todo mundo já vê o custo em alta. Os desequilíbrios vão se acumulando. Pouco foi feito daquilo que se prometeu. Todo governo promete fazer a tão aguardada reforma tributária, mas fracassa por não saber conciliar os interesses dos 27 estados da federação. O que faz crer que com Aécio será diferente? Posso assegurar que uma reforma será apresentada nos primeiros dias de um eventual governo Aécio. Reconheço o desafio político. Mas acredito que, na vida, certas coisas dependem de seu tempo para acontecer. Creio que esse momento chegou. Há o consenso de que nosso sistema tributário é uma aberração. É caríssimo, cria uma série de distorções. É um sistema que onera os investimentos e as exportações, o que não se faz em lugar nenhum do mundo. É preciso haver uma consolidação dos impostos. O Brasil deve isso a si mesmo. Hoje, com a ajuda da tecnologia, como a nota fiscal eletrônica, ficou mais fácil fazer essa reforma. É o tipo de situação ganha-ganha, boa para todos. Ninguém imagina que se chegará a uma solução da noite para o dia. Vai dar trabalho, mas vai sair, tenho convicção. A carga de impostos cairá? Aécio expôs seu compromisso de limitar o aumento dos gastos a um ritmo inferior ao do crescimento da economia. Somente dessa forma seria possível diminuir a carga tributária. Haverá um tarifaço no primeiro ano de governo? Não. O governo atual congelou os preços de maneira artificial e agora a saída é dizer que a oposição defende o tarifaço. Isso é mentira. Os reajustes serão feitos pelas regras de mercado. O mercado pode ser imperfeito, mas é de longe a melhor maneira conhecida de organizar a economia. Pode haver tolerância com uma inflação mais alta por algum tempo? A inflação já está em um nível bastante elevado. Vamos reduzi-la nem tão rápido que o custo para a economia seja excessivo, nem tão devagar que não pareça uma trajetória crível. Isso aumentará a confiança e dará uma guinada positiva nas expectativas. Qual é o efeito quando o governo brasileiro faz uma caça às bruxas a analistas de mercado que efetuam diagnósticos coretos sobre a economia? Esse tipo de reação tende a criar canais privilegiados de comunicação e aumenta ainda mais as tensões de maneira desnecessária. Passa uma impressão de pouco apreço pela liberdade de expressão. Nos últimos anos houve um aumento do papel do Estado na economia, com programas sociais, bolsas, financiamentos. Foi criada a percepção de que o Estado precisa prover cada vez mais? Sem dúvida, há um sentimento de que o Estado pode tudo, e não é apenas no Brasil. Na prática não é bem assim. O Estado pode muito, mas não tudo. Não há nenhum caso de desenvolvimento sem um Estado eficiente, guiado pela meritocracia. Ter um Estado ocupado por interesses particulares ou partidários é muito ruim. É péssimo para todos quando os empresários precisam dedicar a maior parte do seu tempo a viagens a Brasília do que inovando, investindo e administrando seu negócio. O Brasil é uma das economias mais protecionistas do mundo e, mesmo assim, as barreiras foram aumentadas ainda mais no atual governo. A indústria brasileira será capaz de prosperar se for exposta mais abertamente à competição internacional? O plano é diminuir aos poucos essas barreiras e conectar o Brasil às cadeias de inovação. A retirada do país dessa UTI de subsídios e proteções precisa ser feita com muito cuidado. O governo deve fazer sua parte, promovendo reformas e desentubando o paciente aos poucos de modo que ele possa viver sem os meios artificiais de manutenção dos sinais vitais. O paciente vai voltar a andar ou a correr? Vai correr maratona. Qual o desafio maior: ter assumido a presidência do BC em meio a uma crise cambial ou tomar posse no Ministério da Fazenda em 2015? Agora é pior. Em 1999, havia uma ideia clara do que precisava ser feito. Era necessário fazer um ajuste orçamentário e um ajuste cambial, além de ancorar as expectativas de inflação. O receio era a reindexação da economia. Hoje não temos uma crise aguda, mas o quadro geral é preocupante. O trabalho a ser feito é profundo, em diversas frentes. O senhor é sócio de uma empresa de investimentos. O que fará caso seja indicado para assumir o Ministério da Fazenda? Com certeza me desvincularia completamente da Gávea. Venderia minhas cotas na empresa. Meus investimentos pessoais seriam colocados em uma conta de investimento cega, ou seja, a cujo conteúdo não teria acesso antes de deixar o governo. Minha única exigência seria que a carteira fosse concentrada em investimentos no Brasil. Se Aécio não for para o segundo turno, o senhor trabalharia com uma das candidatas? Não. Estou cem por cento com o Aécio. 1#4 LYA LUFT – O CICLO DA VIDA Recorro à minha profissão de tradutora, que exerci intensamente por longo tempo, para apresentar aqui versos da poetisa americana Edna St. Vincent Millay, falecida, sobre a morte: "Não me resigno quando depositam corações amorosos na terra dura. / É assim, assim será para sempre: / entram na escuridão os sábios e os encantadores. Coroados / de lírios e louros, lá se vão: mas eu não me conformo. / Na treva da tumba lá se vão, com seu olhar sincero, o riso, o amor; / vão docemente os belos, os ternos, os bondosos; / vão-se tranquilamente os inteligentes, os engraçados, os bravos. / Eu sei. Mas não aprovo. E não me conformo". Conformados ou não, a morte é algo que precisaríamos aceitar, com mais ou menos dor, mais ou menos resistência, mais ou menos inconformidade. E esse processo, mais ou menos demorado, mais ou menos cruel, depende da estrutura emocional e das crenças de cada um. Podemos escolher a teoria que nos conforta mais: quem morreu se reintegrou na natureza; preserva-se por seus genes em filhos e netos: faz parte de uma energia maior; enveredou por outra dimensão; é uma alma imortal. A vida inevitavelmente flui: nós somos isso. Ela é um ciclo: ciclos se abrem e se fecham, isso é viver. O fim de cada ciclo nos ajuda a pensar nas vezes em que fomos egoístas, grosseiros, fúteis, infiéis, ou quando não estivemos nem aí. Mas também lembramos os momentos em que fizemos o melhor que podíamos. Essas águas do fluir da vida não se interrompem quando dormimos ou comemos ou jogamos no iPad ou nos entediamos na fila do banco ou comemos o hambúrguer ou choramos sozinhos no escuro de noite. Tudo isso é natural: mas a nós, sobretudo em mortes brutais ou trágicas, a perda não parece nada natural. O ciclo vida e morte é um duro aprendizado. Nós, maus alunos. Não escrevo sobre o tema pela morte de um ou outro, em acidentes, por doença dolorosa, ou mesmo dormindo, morte abençoada. Morrem mais pessoas aqui de morte violenta do que em guerras atuais. A banalização da morte, portanto a desvalorização da vida, é espantosa. Escrevo porque ela, a Senhora Morte, é cotidiana e estranha, ao menos para a maioria de nós. Há alguns anos, menininha ainda, uma de minhas netas me perguntou com a perturbadora simplicidade das crianças: "Por que eu não tenho vovô?". Respondi, como costumo, da maneira mais natural possível, que o vovô tinha morrido antes de ela nascer, que estava em outro lugar, e, acreditava eu, ainda sabendo da gente, sempre cuidando de nós — também dela. Continuei dizendo que a vida das pessoas é como a das plantas e dos animais. Nascem, crescem, umas morrem muito cedo, outras ficam bem velhinhas, umas morrem por um acidente, ou doença, ou simplesmente se acabam como uma vela se apaga. Falar é fácil, eu dizia a mim mesma enquanto comentava isso com a criança. O drama da vida não se encerra com o baque da morte, mas começa, nesse instante, outra grande indagação. Se a primeira se referia a "o que é a vida, o que estou fazendo aqui, o que significa tudo isso, os encontros, desencontros, realizações, frustrações, a luta constante", o que indagamos diante da morte é: "E agora, o que significa isso, a morte, o fim, a perda, o ignorado? E quando chegar a minha vez?". Então, em geral, temos mais ou menos medo, segundo, ainda uma vez, a nossa crença. Recordo a frase atribuída a Sócrates na hora em que bebia cicuta, condenado pelos cidadãos de Atenas a se matar: "Se a morte for um sono sem sonhos, será bom; se for um reencontro com pessoas que amei e se foram, será bom também. Então, não se desesperem tanto". Precisamos de tempo para integrar a morte na vida. Talvez os mortos vivam enquanto lembrarmos suas ações, seu rosto, a voz, o gesto, a risada, a melancolia, os belos momentos e os difíceis. Enquanto eles se repetirem no milagre genético, em filhos, e netos, ou se perpetuarem em fotografias e filmes. Enquanto alguém os retiver no pensamento, os mortos estarão de certa forma vivos? Porque morrer é natural, deveria ser simples: mas, para quase todos nós, é um grande e grave enigma. 1#5 LEITOR EDUARDO CAMPOS O pernambucano Eduardo Campos (1965-2014) era um político que pretendia fazer mudanças num país mergulhado em escândalos de corrupção e trazer a milhões de brasileiros a esperança de uma vida melhor, vislumbrando a luz da verdade. Infelizmente, o destino ceifou um político íntegro, deixando o caminho para a incerteza ("Voo para a morte", 20 de agosto). JOSÉ WALTER PONTES Luanda, Angola, via tablet O rosto chamuscado, a luminosidade mortiça e o fundo negro na capa da edição de VEJA de 20 de agosto parecem ressaltar o olhar longínquo e sonhador do falecido candidato à Presidência da República, Eduardo Campos. Diante de tanta comoção a sugerir o surgimento de um mito, vêm-me à mente os versos do poeta português Fernando Pessoa: "Este, que aqui aportou / foi por não ser existindo / Sem existir nos bastou / Por não ter vindo foi vindo / E nos criou". GÉSNER BATISTA Rio Claro, SP Eduardo Campos: brasileiro de bem e pai de família que irradiava um entusiasmo cativante na busca de um futuro melhor para o nosso país. Triste demais seu trágico acidente... Não desistiremos, Eduardo! HUGO COELHO Recife, PE Quando morre um líder mau, déspota, autocrata, que abusa e se serve de seus liderados, há uma sensação de um desconcertante luto aliviado. Mas ansiamos por bons líderes, homens e mulheres que se sacrifiquem para o bem do povo. Choramos o presidente que ele poderia ser. Na verdade, choramos a perda do presidente que em algum lugar da eternidade ele é. EDUARDO FARIA Juiz de Fora, MG A morte trágica e prematura de Eduardo Campos destruiu o sonho de milhões de brasileiros que almejavam na sua candidatura a possibilidade de um governo eficiente, comprometido com as causas sociais e livre de escândalos de corrupção e nepotismo. Esse acidente, envolto em tanto mistério, faz brotar uma série de teorias conspiratórias. Prefiro crer que a maldade humana não tenha atingido esse patamar na nossa política. Eduardo Campos sempre será lembrado como um político exemplar, um pai dedicado e um homem admirável. Que Deus conforte sua família. SIMONE SACRAMENTO DE MATOS Salvador, BA Uma dor imensurável para a família e os amigos de todas as vítimas dessa tragédia. E, para os brasileiros, a morte de Eduardo Campos é uma grande perda. Eu não voto em partido, voto no melhor ser humano para me representar — que, além de competente, seja íntegro, ético e responsável. Eduardo Campos era um político digno da minha confiança e merecedor do meu voto. Nem ele nem sua família (esposa e filhos amados e preservados) se envolviam em escândalos. Um ser humano que tem a família como seu mais valioso patrimônio, seu porto seguro, faz a diferença num mundo cada vez mais desumano. IAPONIRA BARROS T. RIBEIRO DA COSTA Recife, PE Com a morte prematura de Eduardo Campos, o cronometro da corrida eleitoral foi parcialmente zerado. A aliança de Campos com Marina Silva era tão cheia de contradições que somente um político com sua força e habilidade conseguiria costurar tudo em um único cobertor, que agora pode ser retalhado. Com esse cenário e a comoção que sua morte causou, é mais fácil acreditar nas previsões de um vidente do que nas avaliações de experientes consultores políticos do Brasil. JOÃO PEDRO RODRIGUES Rio de Janeiro, RJ Quando se veem no Brasil todos esses políticos com prazo de validade vencido, chega-se à triste conclusão de que gente da estirpe de Eduardo Campos, ético, verdadeiro líder, é raridade e, portanto, vai fazer muita falta para a construção de um Brasil bem melhor. Que Marina siga seus passos. Aguardamos, ansiosamente. MÁRCIA ALGRANTI Teresópolis, RJ ROBERTO POMPEU DE TOLEDO O artigo "O céu é o limite" (20 de agosto), de Roberto Pompeu de Toledo, traduziu muito bem o significado da perda prematura do candidato à Presidência da República Eduardo Campos. Independentemente de opções partidárias ou de programas políticos, o Brasil perde um homem bem-intencionado. MÁRCIA VIAL Caxias do Sul, RS Caro Roberto Pompeu de Toledo, uma das inúmeras razões pelas quais eu assino essa conceituadíssima revista semanal são seus ensaios, sempre muito bem escritos. Parabéns pelo Absurdo da Silva e por seu primo Sobrenatural de Almeida. No dia do terrível e ainda inexplicável acidente com o meu governador, Eduardo Campos, postei no Facebook os também inexplicáveis acidentes aéreos com Castello Branco, Ulysses Guimarães e Marcos Freire. ANTÔNIO CARLOS DUPRAT SARROS Recife, PE J.R. GUZZO Magnífico e corajoso o artigo "O bonde do Planalto" (20 de agosto), de J.R. Guzzo. Pela análise criteriosa e verídica, o articulista nos leva a refletir sobre o rumo do Brasil, o que os brasileiros — leia-se cidadãos de bem, observadores das leis e dos seus deveres para com a pátria, a ética e a democracia — desejam para si e para seus descendentes, e a importância de pensar, repensar e saber escolher o próximo dirigente da nação. Esse proposto decreto 8243 da atual Presidência da República é uma tentativa escusa de "atender aos movimentos sociais", de observar o "clamor das ruas" (iniciado em junho de 2013). Mas será que é essa a intenção do povo brasileiro? É trocar um Estado democrático de direito, conseguido a duras e sofridas penas, pela anarquia, pela luta de classes, pelo aniquilamento jurídico, pela ausência de autonomia dos poderes que formam o país, pela não observância da lei maior da pátria, que é a Constituição? Esse decreto proposto é o retrocesso irresponsável, a volta à ditadura insana. Pelo andar da carruagem, ou melhor, do bonde, ou ele descarrila de vez ou desce ladeira abaixo atropelando a tudo e a todos. Nuvens negras e pesadas pairam, sem dúvida, sobre a amada terra brasileira; essas nuvens podem se transformar em tempestade, de efeitos incontroláveis e impensáveis, ou em chuva mansa e benéfica, a vivificar a sofrida e ressequida terra. Cabe a cada um de nós saber usar o direito sagrado do voto e direcionar as nuvens. IVETE CASSIAM FUREGATTI Campinas, SP Parabenizo J.R. Guzzo pelo artigo, contudo dele discordo quando afirma que o tal decreto 8243 pretende instalar no Brasil "um regime desconhecido pelo resto do mundo". Ao contrário... Lenin e, depois dele, Stalin fincaram em cada vila e aldeia soviética "comitês políticos", coligados ao Soviete Supremo do Partido Comunista, nomeando "lideranças" locais que, em vez de propor "políticas sociais", implantavam, por meio da coerção física e moral, da delação, dos expurgos, exílios e execuções, as políticas impostas pelo Comitê Central de Moscou. Esse sistema se reproduziu nos países da Cortina de Ferro sob as férreas botas soviéticas até a queda do Muro de Berlim, em 1989. Hitler instituiu, após conseguir que o secular e incendiado Parlamento alemão lhe conferisse plenos poderes, à semelhança do mestre Mussolini, que as sedes do Partido Nazista nos burgos fossem comandadas por líderes da milícia nazi, responsáveis pela implementação das "políticas locais" emanadas de Berlim, criando um Estado nazista no seio do Estado alemão, anulando assim não só os poderes Legislativo e Judiciário, como a ação dos ministérios e das Forças Armadas, que se viram substancialmente esvaziados, nazificando a Alemanha. Mussolini, após o assassinato do deputado Giacomo Matteotti, em junho de 1924, depois de este denunciar diante de seus pares, com provas, as fraudes nas eleições de maio daquele ano, e da crise política que adveio, fechou o Parlamento, dissolveu os partidos, reformulou o Partido Fascista e criou sedes em cada lugarejo italiano, colocando nelas gerarcas do "fascismo histórico" encarregados de executar as ordens vindas de Roma. Assim, o regime antevisto por Guzzo, e seus métodos, é por demais conhecido em todo o mundo, sabendo-se como ele começa, como sofrem as populações submetidas, e como acaba, em termos políticos, econômicos e sociais. Cuba tem o Brasil a sustentá-la. Quando e se o Brasil cair na esparrela petista, regredindo 100 anos, com as certas consequências que advirão, não haverá ninguém a fazer o mesmo por nós... PAULO EMENDABILI S. BARROS DE CARVALHOSA São Paulo, SP Percebo um transe, um entorpecimento inexplicável em um grupo de eleitores do PT. Pessoas que não se enquadram na militância remunerada, nem nos ativistas pintados para a guerra contra seu próprio futuro, nem nos "movimentos sociais", prontos para invadir terras produtivas. Esse grupo tem acesso à informação e sabe subtrair treze menos quatro, mas não admite a existência de um projeto de poder, não enxerga o caos instalado em nossa economia, apoia a maior quadrilha de ladrões de dinheiro público que já existiu, não percebe a falência da saúde e da segurança pública... São esses eleitores que me preocupam, não consigo entendê-los. Comparo-os a um homem que olha para o lado oposto quando outro homem bota a mão na perna de sua mulher, para fingir que não viu! MANOEL S. BEZERRA Goiânia, GO Este governo não está fazendo nada diferente do que acontece em estágio um pouco mais adiantado na Venezuela. O modus operandi é o mesmo; portanto, as consequências serão as mesmas. Este governo não vai apear do poder porque usa de todos os meios sujos, distorcidos e execráveis mascarados de democráticos para garantir resultados favoráveis nas urnas. CELSO SILINGARDI Puerto Ordaz, Venezuela, via tablet O GOVERNO BRASILEIRO E A OPAS É realmente incompreensível que o Brasil pague "comissão" à Organização Pan- Americana de Saúde (Opas) por serviços prestados na intermediação de projetos ("Opas, que negócio é esse?", 20 de agosto). Tratando-se de um organismo internacional, que vive das contribuições dos países-membros, ela tem por obrigação prestar serviços de assistência técnica a esses países, sem nada mais receber em troca. Mais incompreensível, porém, é a absurda doação bilionária que o Brasil fez a Cuba, por intermédio da Opas, sob a égide do programa Mais Médicos. Dói saber que nossos suados impostos estão tendo esse destino e que o governo não pretende parar por aí. MARCOS CANDAU São Paulo, SP CLÁUDIO DE MOURA CASTRO Perfeita a análise de Cláudio de Moura Castro no artigo "Corrupção, burocracia ou ambos?" (20 de agosto), sobre o sistema normativo brasileiro para coibir a corrupção no Brasil. A covardia dos gestores e servidores públicos se tornou tamanha que ninguém mais cria, para não ter de executar — porque, para executar, corre-se o risco de ter de enfrentar investigações e ações do Ministério Público e do Tribunal de Contas. E, diante da insegurança jurídica que vivenciamos (andando sobre ovos), é melhor não criar e não fazer; apenas gerir o que está posto e seguro. É uma pena. EDINEI WIGGERS Braço do Norte, SC REVELAÇÕES DE MEIRE POZA Em relação à reportagem "A planilha da corrupção" (20 de agosto), a M. Dias Branco informa que tomou conhecimento do assunto pela referida reportagem e que, até o momento, não foi procurada ou comunicada por autoridades competentes, a fim de fornecer ou requerer quaisquer informações adicionais sobre a questão. Não obstante, a diretoria da companhia determinou a abertura de procedimento para apuração interna dos fatos e averiguação da veracidade, origem e eventual existência dos alegados pagamentos, bem como eventual infração ao código de ética da companhia por algum de seus colaboradores. Com os resultados do procedimento interno, a companhia adotará, se for o caso, as medidas cabíveis de ordem ético-legal. Por fim, a M. Dias Branco informa que repudia veementemente qualquer prática exercida por qualquer pessoa que fira seus expressos princípios éticos adotados ao longo de sessenta anos de história e conduta ilibada. FRANCISCO IVENS DE SÁ DIAS BRANCO JÚNIOR Presidente da M. Dias Branco S.A. Eusébio, CE FÁBIO MEDINA OSÓRIO Muito importante o esclarecimento do jurista Fábio Medina Osório na entrevista "Uma ética de mão dupla" (20 de agosto). No mundo ideal, a nova legislação anticorrupção promoveria mitigação da existência de corruptos e corruptores. Já no mundo real, onde a insegurança jurídica e a instrumentação política dos órgãos reguladores transitam na mesma órbita, o resultado pode ser fadado a outros que já conhecemos bem. BRUNO MORAES CUNHA Vitória, ES ARTUR ÁVILA A matemática é a mãe de todas as ciências ditas exatas. Modelar fenómenos sempre foi a meta dos homens de ciência. A física newtoniana veio formatar o que estava pulverizado ao longo dos séculos desde os egípcios e gregos. Graças a ferramentas matemáticas, foi possível inclusive o desenvolvimento da física quântica e da teoria da relatividade. O Brasil, como mostra a reportagem "Um brasileiro no topo do mundo" (20 de agosto), destaca-se com matemáticos como Artur Ávila, ganhador da Medalha Fields. No entanto, se quisermos nos engajar na corrida tecnológica mundial, temos de disseminar entidades como o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e incentivar a pesquisa nos mais diversos campos das ciências físicas, químicas, biológicas e todas as demais ligadas ao desenvolvimento humano. É difícil sem dúvida, mas é a única solução para que o Brasil saia da condição de importador de tecnologia e passe a fazer parte do primeiro mundo. JOSÉ WAGNER CABRAL DE AZEVEDO Tambaú, SP É tão rara que até parece ficção essa boa notícia para o Brasil: o caso do jovem Artur Ávila, que brinca seriamente com a matemática e agora se aproxima de Einstein, Newton, Sócrates e outros não menos importantes. É tão boa que precisamos parar, refletir e nos deliciar com a premiação e o reconhecimento internacional desse talento. LUIZ CARLOS MENEZES DE OLIVEIRA Rio de Janeiro, RJ Quantas medalhas Fields teríamos se a educação fosse prioridade nacional, e não apenas uma verborragia política? RODRIGO DO CARMO SILVA Campinas, SP Terror no Iraque Fiquei comovida com o olhar distante e o semblante exaurido da mãe e dos filhos yazidis (integrantes de uma minoria religiosa do Iraque), na foto publicada na abertura da reportagem "O êxodo do inferno" (20 de agosto). MÁRCIA HELENA LUCAS DE FREITAS Divinolândia, SP ROBIN WILLIAMS Uma perda irreparável. Apesar da luta que Robin Williams travava contra as drogas e a depressão, o que soubemos depois de sua morte, perdemos, paradoxalmente, um ícone da comédia ("Rir ou não rir, eis a questão", 20 de agosto). ROBERTA RIBEIRO ALVES Entre Rios de Minas, MG TVEJA Parabéns a VEJA, pois Joice Hasselmann é uma jornalista destemida, imparcial e inteligente. Com certeza, a TVEJA (em www.veja.com) será sucesso absoluto! Luís SANTOS Curitiba, PR PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação, VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP: Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até 3 quarta-feira de cada semana. 1#6 BLOGOSFERA EDITADO POR KÉTIA PERIN kperin@abril.com.br VEJA MERCADOS GERALDO SAMOR CRISE Belo Horizonte sempre foi conhecida como a "capital dos botequins". A cidade tem cerca de 14.000 bares — um para cada 170 habitantes. Mas, agora, a inflação de serviços, que roda a cerca de 9% ao ano no governo Dilma, mergulhou o setor na pior crise em décadas, www.veja.com/vejamercados COLUNA REINALDO AZEVEDO São Paulo No horário eleitoral gratuito, Paulo Skaf, candidato do PMDB ao governo de São Paulo, disse sobre Alckmin: "Ele não enfrenta os problemas de São Paulo como se fossem um desafio pessoal. Com garra, com tesão". "Tesão"? Skaf parece disposto mesmo a ser o preferido da "moçada", né? Cuidado com os marqueteiros, candidato! Se alguém sugerir ao senhor que use uma calça de cintura bem baixa, deixando à mostra a cueca, resista, www.veja.com/reinaldoazevedo SOBREPALAVRAS SÉRGIO RODRIGUES ATARANTADO A tarântula, aranha da família dos licosídeos, está por trás do verbo "atarantar" — aturdir, desnortear, baratinar —, que é mais corrente na forma do adjetivo advindo de seu particípio, "atarantado". As estranhas epidemias de dança frenética e convulsiva registradas na Europa em diversos momentos da Idade Média foram atribuídas durante séculos ao veneno da aranha, www.veja.com/sobrepalavras SOBRE IMAGENS ALEXANDRE SEVERO O pernambucano Alexandre Severo estava no voo que matou o presidenciável Eduardo Campos. Com 36 anos, solteiro e sem filhos, Severo estava trabalhando como fotógrafo de campanha do candidato do PSB. Teve uma curta e brilhante trajetória no fotojornalismo. Era talhado para contar os fatos com maestria estética. À Flor da Pele, sobre uma família de negros com três filhos albinos, é um de seus ensaios mais conhecidos. Em Os Sertões, retratou personagens dos rincões do Nordeste num caderno especial vencedor do Prêmio Esso de Jornalismo 2009. www.veja.com/sobreimagens PATRÍCIA VILLALBA "BROKEBACK MOUNTAIN" TRAGICÔMICO Com José Mayer como drama queen, o "segredo de Brokeback Mountain" da novela Império se desenvolve com uma janela para a tragédia e outra para a comédia. Como no filme de Ang Lee, vencedor do Oscar de direção e roteiro adaptado em 2006, assumir-se é a questão central, carregada de muitas lágrimas, ansiedade e cobranças. Mas a presença do fofoqueiro Téo Pereira (Paulo Betti), como um vilão de desenho animado cheio de trejeitos, proporciona outra percepção da trama de Aguinaldo Silva — a de quanto o teatro social dos personagens é ridículo, www.veja.com/quantodrama LUCIA MANDEL PARA QUE SERVE A COR DA PELE? Nossos ancestrais tinham pele clara, coberta de pelos escuros, igual à dos nossos parentes mais próximos, os chimpanzés. Aos poucos, perderam os pelos, e a pele ficou exposta à radiação solar. Para sobreviverem, eles começaram a produzir mais melanina, pigmento que dá cor à pele e funciona como protetor contra os raios UV. Com as migrações nos últimos séculos, muitos grupos humanos passaram a viver em regiões para as quais não estavam adaptados. Isso teve algumas consequências: • Para os ingleses que se estabeleceram na Austrália nos séculos XIX e XX — não é por acaso que a Austrália hoje tem um dos mais altos índices de câncer de pele do mundo. • Para os indianos e os paquistaneses que se mudaram para o norte da Inglaterra em décadas recentes — por muito tempo não se sabia por que eles sofriam de doenças relacionadas à deficiência de vitamina D, como raquitismo e osteoporose. www.veja.com/espelhomeu • Esta página é editada a partir dos textos publicados por blogueiros e colunistas de VEJA.com ____________________________________ 2# PANORAMA 27.8.14 2#1 IMAGEM DA SEMANA – ESTÁ DENTRO DOS PLANOS 2#2 HOLOFOTE 2#3 DATAS 2#4 CONVERSA COM JANAÍNA DE OLIVEIRA – O PODER DA VOZ 2#5 NÚMEROS 2#6 SOBEDESCE 2#7 RADAR 2#8 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – ESTÁ DENTRO DOS PLANOS Enquanto a Ucrânia estiver pegando fogo, melhor para Putin, o Nero de Moscou. Era tudo o que o presidente russo Vladimir Putin queria. Há seis meses, quando os ucranianos reunidos na Praça Maidan, na capital Kiev, destituíram o seu governante pró-Rússia, Putin pôs em prática um plano de desestabilização da Ucrânia, começando por anexar a Península da Crimeia, para, em seguida, incentivar, orientar e armar cidadãos russófonos com ideias separatistas do leste do país. O melhor dos mundos para o autocrata russo é uma situação em que as forças oficiais de Kiev sejam tragadas para uma guerra sem solução contra os seus concidadãos nas províncias do leste — até que a morte de civis transforme em vilão um governo que, por ora, tem o apoio irrestrito da União Europeia e dos Estados Unidos. Pois é o que está acontecendo. Nos últimos três meses, o Exército ucraniano recuperou boa parte do território antes nas mãos dos rebeldes pró-Rússia, ao custo de mais de 2000 mortos. Na semana passada, ambos os lados do conflito demonstraram sua negligência em relação aos civis. Um comboio com refugiados foi atacado pelos rebeldes, matando quinze pessoas. Em Makiivka, nos arredores de Donetsk, um dos últimos redutos separatistas, o Exército e os rebeldes trocaram disparos de artilharia, alheios ao trabalho de voluntários que levavam comida a um orfanato para crianças com deficiência física, situado nas proximidades. Quando o fogo cruzado se acalmou, contou-se um saldo de três mortos. Uma mãe desesperou-se ao ver o corpo da filha na calçada, enquanto o irmão da vítima, um combatente pró-Rússia, a consolava. É o tipo de cena que favorece os planos de Putin, cujas tropas começaram na semana passada a atuar dentro da Ucrânia. DIOGO SCHEL 2#2 HOLOFOTE • Bolsa escondida O tema Bolsa Família é um tabu na campanha de todos os candidatos, inclusive de Dilma Rousseff. A orientação é que, se for para falar do assunto, apenas se reforce que os benefícios serão mantidos. Por causa disso, o marqueteiro João Santana decidiu esconder um dos mais importantes números do programa: o de famílias que devolveram o cartão porque não precisam mais do benefício. É aquilo que se chama porta de saída. O receio do PT é que os bolsistas interpretem o fato como um sinal de que o auxílio pode ser suspenso no futuro. Uma tragédia eleitoral. PARANÁ • Sem nome do pai Na certidão de nascimento, o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR) chama-se José Carlos Becker de Oliveira e Silva, mas entrou para a política em 2004 usando o segundo nome do pai, José Dirceu, que era na época o poderoso chefe da Casa Civil e seu principal cabo eleitoral. Dez anos depois, quando Zeca tenta o segundo mandato como deputado federal, a imagem do pai sumiu da sua propaganda eleitoral. No jingle de campanha, o refrão resume-se em "Vote Zeca". "Dirceu" surge uma única vez durante a música. No site do deputado, também não há nenhuma foto ou menção ao agora presidiário, condenado por crime de corrupção. • Solução romena Vem da Romênia a solução dos problemas da campanha de Aécio Neves na internet. Nesta semana, será feito o primeiro teste da nova plataforma na rede mundial de computadores para o tucano conquistar apoios. A equipe do PSDB vai utilizar um software chamado Majoritas, de origem romena. O principal objetivo é criar uma base de dados de eleitores/voluntários que poderão ser usados para propagar as propostas de Aécio. Segundo integrantes da equipe tucana, o software já foi adotado com êxito em mais de vinte campanhas eleitorais, das quais o melhor exemplo ocorreu na Indonésia. ALAGOAS • Novo impulso Heloísa Helena (PSOL) tenta reconquistar a cadeira que ocupou no Senado por Alagoas entre 1999 e 2006, quando deixou a Casa e disputou a Presidência da República. Até agora tem enfrentado dificuldades por causa do poderio financeiro do seu principal concorrente, Fernando Collor (PTB), que é apoiado pelo PT. A entrada de Marina Silva (PSB) na disputa pelo Palácio do Planalto deve dar um belo empurrão na campanha de Heloísa. A presidenciável não pretende subir no palanque de nenhum dos candidatos a governador do estado. Com isso, Heloísa acabará por se tornar a principal representante de Marina Silva em Alagoas. • O calhambeque oficial Na declaração de bens que apresentou à Justiça Eleitoral, a presidente Dilma Rousseff lista, entre outros itens de seu patrimônio, um Fiat Tipo 1996. Em valores atuais, o carro, que já saiu de linha, valeria no máximo 6000 reais. O que não aparece no documento é que a presidente está devendo dois anos de impostos ao governo do Rio Grande do Sul, onde o veículo está registrado. No cadastro do Detran consta que o IPVA de 2013 e o de 2014, e também o seguro obrigatório, não foram pagos. A dívida é de 681,13 reais - uma ninharia perto do 1,7 milhão de reais que Dilma informa como o valor total de seus bens, que incluem ainda terrenos, apartamentos, jóias e 152.000 reais em dinheiro vivo. 2#3 DATAS • MORRERAM B.K.S. Iyengar, o guru indiano que colaborou para a difusão da ioga no Ocidente e estabeleceu institutos para a prática do seu método em todos os continentes. Ele descobriu a técnica aos 16 anos. De acordo com o próprio Iyengar, foi só em 1961, quando passou a usar a ioga para tratar pacientes terminais, que a prática chamou a atenção dos ocidentais. Dia 20, aos 95 anos, de complicações de uma insuficiência renal, em Pune, na Índia. Corey Griffin, o americano que popularizou nas redes sociais o "desafio do balde de gelo", campanha para arrecadar fundos destinados à pesquisa sobre esclerose lateral amiotrófica, doença degenerativa sem cura. A ação foi criada pelo ex-jogador de beisebol Pete Frates, amigo de Griffin, após ser diagnosticado com a doença. Celebridades como Mark Zuckerberg, Bill Gates, Lady Gaga e Neymar aderiram ao tal desafio — jogar um balde de água com gelo na cabeça ou doar 100 dólares, ou os dois, à ALS Association. Ironicamente, Griffin morreu afogado, ao saltar de um cais. Dia 16, aos 27 anos, em Massachusetts. Albert Reynolds, ex-premiê da Irlanda, que teve papel fundamental no processo de paz na Irlanda do Norte. Em 1993, assinou a Declaração de Downing Street com o colega inglês John Major, propondo o entendimento. Dia 21, aos 81 anos, em decorrência de complicações de Alzheimer, em Dublin. Saïd Farhat, publicitário e empresário que foi ministro da Comunicação Social no governo Figueiredo. De ascendência libanesa, nasceu em Rio Branco, no Acre. Foi também presidente da Embratur no governo Geisel. Antes de entrar para a política, trabalhou em agências de publicidade e na revista Visão, que acabaria comprando. Dia 21, aos 93 anos, em São Paulo. Cybele Ribeiro de Sá Leite Freire, cantora baiana do Quarteto em Cy. Ela e as irmãs Cylene, Cynara e Cyva ganharam projeção ao gravar um disco com Dorival Caymmi. Em dupla com Cynara, Cybele venceu o III Festival da Canção (1968), interpretando Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque, que derrotou Pra Não Dizer que Não Falei das Flores, de Geraldo Vandré. Dia 21, aos 74 anos, de isquemia pulmonar, no Rio de Janeiro. • TER|19|8|2014 Homenageado o editor e empresário Roberto Civita (1936-2013) — que criou VEJA e presidiu o conselho de administração do Grupo Abril — no 10º Congresso Brasileiro de Jornais, realizado em São Paulo. O evento também prestou homenagem a Ruy Mesquita (1925-2013), que dirigiu O Estado de S. Paulo e o extinto Jornal da Tarde. A cerimônia foi conduzida por João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo e vice-presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), que entregou a Roberta Civita, filha de Roberto, e Fernão Lara Mesquita, filho de Ruy, as placas alusivas à distinção. "Roberto Civita repetia, incansavelmente, que 'o principal compromisso da imprensa não é com o governo, com os anunciantes, com os amigos nem com os acionistas, mas sim com o leitor. E principalmente com a verdade'. Acreditava que dessa forma a imprensa, de fato, estaria contribuindo para a construção de uma sociedade melhor para todos", disse Roberta em seu discurso. "Ele viveu pela defesa da liberdade de expressão, acreditando que ela é um meio imprescindível para garantir a sobrevivência de uma sociedade livre. E, em honra à sua memória, a Abril mantém esse compromisso", completou. 2#4 CONVERSA COM JANAÍNA DE OLIVEIRA – O PODER DA VOZ A fonoaudióloga que já cuidou de Zezé Di Camargo e Ivete Sangalo avalia a voz dos presidenciáveis e diz como ela os ajuda — ou atrapalha. O que a voz pode fazer por um candidato nestas eleições? Pode fazer muito. A voz pode ajudar no sucesso de um projeto, por exemplo. Veja o caso do Fernando Collor. Mesmo que não estivesse dizendo verdades, ele dava a impressão de que estava. Falava pausadamente, de maneira articulada, com firmeza e muita energia. E os atuais presidenciáveis, como a senhora os analisa? A voz do Aécio Neves é grave na medida certa, passa uma leve sedução. Dilma Rousseff enfatiza sílabas e vogais, o que é bom, dá sensação de segurança. Já Marina Silva tem a voz um pouco aguda demais e faz muita força no pescoço — você percebe que as veias saltam quando ela fala. Isso transmite a impressão de uma pessoa cansada. O cantor Zezé Di Camargo a procurou quando quase perdeu a voz. Como o tratou? O caso dele era um conjunto de problemas. Entre eles, lesões nas pregas vocais, causadas pela repetição dos sons agudos. Além disso, ele chegava a fazer quarenta shows em trinta dias e ainda tinha refluxo, o que provocou queimaduras nas cordas. Para recuperá-las, decidiu se operar. Mas não é mais meu paciente. Cuidar da voz de Ivete dá trabalho? Já passei sete horas com ela no trio elétrico. Começávamos com tremores de língua e de lábios para aquecer. Durante o show, Ivete fazia inalações para hidratar as cordas. A voz, como tudo o mais, envelhece. É possível retardar esse processo? Ele começa por volta dos 40 anos, com a queda dos níveis hormonais. Pode-se retardá-lo exercitando os músculos do aparelho fonador, que vai da boca até o diafragma. Cantar, mesmo no chuveiro, é um bom jeito de fazer isso. 2#5 NÚMEROS 1000 dólares é o valor médio dos cupons de desconto distribuídos às mulheres que comparecem às "festas de congelamento de óvulos", promovidas em Nova York por clínicas especializadas em retirar e congelar óvulos de pacientes interessadas em engravidar no futuro. 10.000 dólares é o custo aproximado do procedimento, cuja procura dobrou no último ano, de acordo com clínicas nos Estados Unidos. 37,4 anos é a média de idade das mulheres que optam por congelar seus óvulos, de acordo com a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva. 36% a 71% é a taxa de sucesso de gravidez com óvulos congelados, segundo a mesma entidade. 2#6 SOBEDESCE SOBE • Neymar - Em sua volta aos campos depois de ter a vértebra fraturada na Copa do Mundo, o atacante marcou dois gols na vitória do Barcelona. • Cheque sem fundos - Em julho, a devolução de cheques por falta de fundos chegou a 2,2%, o pior nível para o mês desde o início da série histórica, em 1991. • Cerveja - O governo adiou o aumento do imposto sobre a bebida pela segunda vez em três meses, alegando a necessidade de evitar pressões inflacionárias . DESCE • Calvície - Cientistas da Universidade Columbia conseguiram reverter a perda de cabelo em homens já calvos com um remédio usado para tratamento de câncer, o ruxolitinib. • E-book - Estudo europeu concluiu que a capacidade de absorção de conteúdo na leitura no Kindle, um dispositivo digital, é menor do que em livros impressos. • Campeonato Brasileiro - A média de gols do torneio, de 2,12 por partida, é a pior em mais de vinte anos. 2#7 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • ELEIÇÕES LULA SOBRE MARINA A um interlocutor que o procurou preocupado com o avanço de Marina Silva, Lula respondeu, não se sabe com que grau de sinceridade: "Conheço Marina mais do que conheço a Dilma. E posso garantir que ela não ganha essa eleição". A propósito, o PT acha que já encontrou a bala de prata para esvaziar o balão de Marina Silva. Pretende explorar o que avalia como seu maior ponto fraco: suas contradições. DE LONGE Antonio Palocci, que em 2002 e 2010 foi um dos cabeças das campanhas presidenciais do PT e em 2006 participou de modo mais discreto, tem garantido aos mais próximos que ficará fora desta corrida eleitoral. SEM DOMÍNIO Apostando na viabilidade de Marina Silva após a morte de Eduardo Campos, três pessoas registraram domínios na internet com o nome dela. Quando a equipe da agora candidata acessou a lista de endereços registrados, no dia seguinte à tragédia, doze opções já tinham dono. O marina40.com.br, por exemplo, o preferido pela turma da campanha, foi registrado por Pedro Menezes, um estudante de 18 anos. A campanha acabou definindo o marinasilva.org.br como site oficial. • BRASIL PULE DE DEZ A próxima reunião do Fundo de Investimentos do FGTS, um dos potes de ouro estatal mais desejados pelas empresas e manejados pelos políticos, tem um projeto imbatível para ser apreciado pelo conselho: um pedido de aporte de até 2 bilhões de reais na Zetta Infra, a empresa de construção, infraestrutura e saneamento da J&F. Como a JBS, que integra a J&F, é hoje a maior doadora de campanha, os esforços pela aprovação do relatório preliminar na próxima semana vêm de todos os lados, a começar pelo notório candidato à presidência da Câmara Eduardo Cunha MOLINA NA GAVETA 24 de agosto de 2013: o senador boliviano Roger Pinto Molina chega ao Brasil e pede refúgio, após 450 dias de clausura na embaixada brasileira de La Paz. Passado um ano, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça, nem sequer o entrevistou - o primeiro estágio do processo. Molina e a mulher, Blanca, que entrou no Brasil em 2012 e foi sabatinada, vivem com autorização provisória de permanência e aguardam seus pedidos andarem no comitê. Mas a questão é política. Cabeças do Conare expõem em reuniões internas a quem caberá a solução do caso: "A decisão é da presidente". A previsão é que Molina seja ouvido em dois meses e o veredicto saia até o fim do ano. Depois das eleições... • FUTEBOL BOLA QUADRADA Muricy Ramalho está há três meses sem receber salário no São Paulo. • POLÍCIA O PADRE SABIA Roger Abdelmassih não conseguiu guardar segredo absoluto sobre sua condição enquanto esteve foragido no Paraguai. À PF, Abdelmassih contou que no confessionário abriu o jogo com o padre da igreja que frequentava em Assunção. • GENTE DR. SOBRAL Será lançada nos próximos dias Toda Liberdade É íngreme (Insight Comunicação, 336 páginas), uma impecável biografia de um dos brasileiros mais importantes do século XX, Sobral Pinto. Ela esquadrinha desde o advogado que, malgrado sua aversão pelo comunismo, defendeu Luiz Carlos Prestes até o católico fervoroso que nem em seu leito de morte perdoou a filha que se separara do marido. E mostra mais de sua personalidade forte. Certa vez, pegou o chapéu, o guarda-chuva e foi embora do seu escritório, deixando o então governador Fernando Collor atônito. Collor descumprira um acordo e chegou ao escritório acompanhado por um séquito de jornalistas: "Não o recebo. Já disse que era para aparecer sozinho. Não venha mais". TOPA TUDO O mercado publicitário está tentando unir Silvio Santos e a filha Patrícia Abravanel em um comercial de TV. Pela primeira vez o dono do SBT parece disposto a aceitar uma oferta desse tipo. O site de classificados OLX fez uma proposta, mas SS disse "não" por discordar do cachê. Agora, abriu negociação com um grande varejista. 2#8 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “Em um mundo tão acelerado, (...) você consegue se desligar? (...) Acho que a profundidade de atenção exigida por um livro é muito significativa e uma alternativa ao nosso modo de vida." - TOM RACHMAN, escritor anglo-canadense, no jornal O Globo; em seu novo romance, The Rise & Fall oft he Great Powers, a protagonista prefere viver desconectada do universo digital. “O futuro da palavra escrita é ser falada, porque a escrita é devagar. Os livros do futuro serão falados, porque tudo gira em torno da fala hoje em dia.” - JASON MERKOSKI, um dos responsáveis pelo desenvolvimento do Kindle, leitor de obras digitais, em O Estado de S. Paulo. “Vimos na Copa que devemos refazer nosso pensamento. Atacante é quem chega para fazer gol, independentemente de ser (camisa) 9, 5 ou 3. A gente quer modernizar o futebol e fica muito preso a números." - DUNGA, de volta ao comando da seleção brasileira, ao fazer sua primeira convocação, da qual deixou de fora centroavantes "típicos" e repetiu dez nomes da equipe de Luiz Felipe Scolari. “Se questionam sua sexualidade, é sinal de que você está indo bem.” - DANIEL RADCLIFFE, ator londrino que interpretou Harry Potter no cinema, referindo-se, no diário britânico The Guardian, a certos tipos de comentário feitos na internet sobre celebridades como ele. “Sou capaz de dormir sestas de dez, quinze minutos, não importa onde esteja — como Napoleão. Inclusive com o vestuário, em um palco. Eu me sento, mantenho o equilíbrio para não estragar o penteado e durmo.” - CATHERINE DENEUVE, atriz francesa, em conversa com a imprensa para a divulgação de seu novo trabalho, o filme Dans la Cour, de Pierre Salvadori. “Eu a encaro (sua popularidade) como uma generosidade do povo de Deus. Interiormente, tento pensar em meus pecados, em meus erros, para não ficar orgulhoso, porque sei que vou durar pouco tempo. Dois ou três anos. E, depois, vou para a Casa do Pai!” - PAPA FRANCISCO, falando aos jornalistas, em tom de brincadeira, no voo que o levou de volta de Seul para Roma; ele não descartou a possibilidade de se aposentar, a exemplo de Bento XVI. “A dívida era uma bola de neve. Nós a derretemos, e ela virou uma bolinha.” - AXEL KICILLOF, ministro da Economia da Argentina, em coletiva realizada em Buenos Aires. “Não me lembro de nada.” - SILVIO SANTOS, empresário e comunicador, ao depor, na Justiça Federal, como testemunha de defesa de um dos réus no processo criminal sobre o rombo de 4,3 bilhões de reais no Banco PanAmericano, que pertencia ao seu grupo e quebrou em 2010. “O homem de cabelo preto (...) voltou trazendo uma cobra grande, assustadora, que ele botou no chão da sala, e, antes que eu a visse direito, apagaram a luz, saíram e me deixaram ali, sozinha com a cobra.” - MÍRIAM LEITÃO, jornalista, em depoimento publicado no portal Observatório da imprensa sobre as torturas que sofreu em 1972, grávida, nas dependências de um batalhão do Exército, em Vila Velha (ES), sob a acusação de terrorismo (ela era militante do PCdoB). EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto do novo cenário em que se insere a candidatura de Marina Silva “A política não é uma ciência exata.” - OTTO VON BISMARCK, o chanceler de ferro", articulador da unificação alemã (1815-1898). _______________________________________ 3# BRASIL 27.8.14 3#1 QUÃO SUSTENTÁVEL ELA É? 3#2 CASAMENTO EM CRISE 3#3 NO LABIRINTO SONHÁTICO 3#4 MANOBRA ERRADA 3#5 CULPA INDIVIDUAL, PUNIÇÃO COLETIVA 3#6 À ESPERA DE UM MILAGRE 3#7 3#1 QUÃO SUSTENTÁVEL ELA É? Com ideais inatacáveis e biografia extraordinária, Marina Silva segue em fulminante ascensão na disputa pela Presidência pelo PSB. E os obstáculos começam a aparecer. MARIANA BARROS, ADRIANO CEOLIN E KALEO COURA, de RIO BRANCO A cena impressiona todos os que já a presenciaram. Sempre que Marina Silva é esperada em algum lugar, à sua chegada faz-se um silêncio reverente. Interrompem-se as conversas, suspendem-se as movimentações e ninguém sai correndo para falar com ela — até que, sentada, mãos cruzadas sobre o colo, tome a iniciativa de dizer a primeira palavra. O semblante severo e o olhar beatífico inspiram esse distanciamento meio fora de lugar em um mundo onde até o papa dispensa rapapés e se mistura alegremente às multidões. Mas esse é o estilo de Marina, reafirmado por sua figura frágil de 50 quilos e 1,65 metro de altura. O que ela diz, em um tom meio palanque, meio sacristia, completa a cena. Marina defende a preservação da Floresta Amazônica, o uso da tecnologia a serviço do meio ambiente, uma política livre de fisiologismos e um mundo sem corrupção. Quem há de ser contra? Se hoje são causas das quais ninguém discorda, é certo que Marina as abraçou antes e com mais afinco que a maioria dos políticos. Bastaria isso para Marina, feita candidata a presidente pela trágica morte de Eduardo Campos, amedrontar os outros concorrentes. Ela foi candidata a presidente em 2010, quando recebeu sólidos 20 milhões de votos. Mas tem mais. Perto de sua trajetória de vida empalidecem outras histórias, como a do retirante que foi para São Paulo de pau de arara, virou metalúrgico, sindicalista e presidente. Marina foi seringueira, trabalhou como empregada doméstica, só aos 16 anos aprendeu a ler. Venceu a miséria, a ignorância, a doença e tornou-se líder ambientalista mundialmente reconhecida. Foi deputada, senadora, ministra. Há uma semana ela apareceu tecnicamente empatada com o senador Aécio Neves, candidato do PSDB, segundo a última grande pesquisa do Datafolha. Agora pode até mesmo estar a menos de dois meses de se eleger presidente da República, segundo os dados parciais de pesquisas, sondagens de partidos e de instituições financeiras. Com tantos atributos, circunstâncias favoráveis e experiência política, Marina é, no essencial que se exige de um chefe de Estado, uma esfinge. VEJA analisa aqui seus pontos fortes e suas fragilidades. Com base em situações vividas por ela, mostra como a candidata do PSB pensa, decide e se posiciona diante de encruzilhadas. Na última segunda-feira, trinta integrantes da Rede Sustentabilidade, o grupo fundado por Marina Silva, reuniram-se em sua sede estadual — uma sala no centro de São Paulo decorada com bandeirolas e cortinas de chita estampada, terraço e vista para a cúpula da Catedral da Sé. Em uma grande roda, sentaram-se com o objetivo de falar sobre a morte do ex-governador pernambucano Eduardo Campos, ocorrida cinco dias antes, e o que ela havia despertado em cada um. Depois das falas individuais, juntaram-se em trios para escrever o que sentiam, que desafios acreditavam ter de enfrentar a partir de agora e que palavras gostariam de dizer para confortar Marina Silva, então a vice na chapa encabeçada por Campos, do PSB, e apoiada pela Rede. A reunião durou duas horas e meia — rapidíssima para o padrão do grupo. Na Rede de Marina, não se tomam decisões com base em votação. Em vez disso, os participantes têm de chegar ao que chamam de “consenso progressivo” — o que significa que uma discussão só termina quando todos estiverem de acordo de que há um argumento vencedor. Um desses encontros, ocorrido em maio, bateu o recorde de dezoito horas de duração. Destinava-se a escolher a dupla de porta-vozes da Rede (no grupo, as funções não são exercidas por uma pessoa, mas por uma dupla, necessariamente formada por um homem e uma mulher para contemplar as que questões de gênero). A Rede Sustentabilidade foi criada à imagem e semelhança de Marina Silva. Como o grupo, ela é descrita como alguém que decide lentamente. Ocupou o Ministério do Meio Ambiente de 2003 a 2008 e, durante o primeiro mandato de Lula (2003-2006), ficou famoso o seu embate com o então titular da Agricultura, Roberto Rodrigues, acerca da liberação do cultivo de alimentos transgênicos. Marina, contam testemunhas, por diversas vezes dava mostras de ter se convencido dos argumentos do colega, mas voltava atrás no encontro seguinte. Com os olhos do mundo voltados para o governo do ex-metalúrgico brasileiro e diante do prestígio internacional de que gozava Marina na área ambiental, os envolvidos tiveram de se armar de paciência. Como resultado, a discussão levou oito meses, ao final da qual Marina acabou derrotada. O cultivo de soja transgênica foi liberado a partir de 2003 e, pouco depois, o Brasil se tornou o segundo maior produtor do mundo. Marina, porém, aos olhos até dos seus adversários, tem a virtude inestimável de "saber o que não sabe". Há um abismo entre ter uma virtude e exercitá-la. Mas quem trabalhou ao lado de Marina conta que ela aceita ser desafiada em torno de uma ideia e, se convencida de que está errada, a abandona. Foi assim em relação à política de alianças, anátema para ela até 2002 ("Concordo com Lula: se os aliados são importantes para ganhar, serão também importantes para governar", disse, depois da eleição do petista). E foi assim também no que se refere à sua visão sobre as elites e os interesses de classe. "O erro não é ter interesses, é camuflar esses interesses. O acerto é quando você tem o seu interesse, legitimamente o coloca na mesa e age de acordo com as regras democráticas", afirmou em discurso em 2008. Em extraordinário contraste com o discurso tão em voga, arrematou: "Discordo, inclusive, de algo que, muitas vezes, a gente debate no Brasil, de que o problema aqui é a elite". Um ponto fulcral para quem se dispõe a governar o Brasil é dizer com clareza o que pensa sobre nossa maior fonte de divisas, um orgulho tecnológico e científico com produtividade 60% acima da média dos Estados Unidos: o agronegócio. Diz um ex-colega de governo que hoje acha que ela está bem menos míope: "Para Marina, o agronegócio era sinônimo de desmatamento, roubo de terras indígenas e trabalho escravo, mais nada". Entrevistada recentemente no programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, ela disse: "Há agronegócio e agronegócio". Marina hoje prega o "ganho de produção por ganho de produtividade" e acredita ser possível "dobrar a produtividade sem ter de derrubar mais árvores". São metas perfeitamente factíveis e desejáveis. "Não a vejo hoje como uma adversária do agronegócio", diz Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura. O mercado, esse ser diáfano e implacável que precifica tudo, mas sem o qual não se descobriu ainda uma maneira de viver, aprovou Marina. Com a revelação de que sua candidatura é viável, as ações subiram. Se ainda tem de se provar em outros domínios, na macroeconomia Marina não desperta apreensões. Ela já deu repetidas provas de que adotaria em um eventual governo a receita inglesa de estabilidade e criação de riqueza formulada por lorde Salisbury, segundo o qual "os governos existem para manter a sanidade da moeda e a santidade dos contratos". Terreno movediço mesmo, capaz de desestabilizar todas as convicções sadias de Marina, é sua adesão ao que com falsa inocência se chama de "novas formas de representação popular". Marina apoiou com ênfase o Decreto 8243, que Dilma mandou ao Congresso e que entrega a "conselhos populares" parte das decisões administrativas da União. Parece um aprimoramento da democracia, mas não é. As democracias morrem pelo excesso de democracia. Os concorrentes de Marina precisam arrancar dela nos debates uma explicação detalhada de como esses "conselhos populares" funcionariam, por exemplo, no Banco Central ou nas Forças Armadas. O Decreto 8243 demole o sistema representativo e instala o caos em seu lugar. É uma questão muito mais séria e complexa do que deixar de comer carne vermelha. ONDE ELA ESTAVA EM... 1º DE ABRIL DE 1964 GOLPE MILITAR – Tinha 6 anos de idade e morava na mesma casa sobre palafitas em que nasceu, em Seringal Bagaço, no Acre. 1983-984 DIRETAS JÁ – Ex-empregada doméstica e ex-aspirante a freira, entrou para a política pelas mãos de Chico Mendes. No ano das Diretas Já, cursava história e dava aulas. Costurava para ajudar a pagar as contas. 21 de ABRIL DE 1985 MORTE DE TANCREDO NEVES – Aos 27 anos, recém-separada do primeiro marido, técnico em eletrônica com quem teve dois filhos, trabalhava como professora do ensino médio em Rio Branco. Filiou-se ao PT para tentar uma vaga a deputada federal no ano seguinte, mas não foi eleita. 1990 CONFISCO DO PALNO COLLOR – No primeiro ano do governo Fernando Collor, Marina foi eleita pelo PT a deputada estadual mais votada do Acre, com 3331 votos. 29 de SETEMBRO DE 1992 IMPEACHMENT DE FERNANDO COLLOR - Deputada já conhecida no Acre (tinha liderado um movimento popular para acabar com as aposentadorias de ex-governadores), participou das manifestações de rua em favor do impeachment. 27 DE FEVEREIRO DE 1994 PLANO REAL - Em campanha para o Senado, Marina seguiu a posição de seu partido na época, o PT, e criticou o plano que acabou com a inflação e estabilizou a economia brasileira. 2001 11 DE SETEMBRO - Senadora, já tinha destaque nacional. Na época do atentado, subia à tribuna para atacar os transgênicos e defender a demarcação de novas terras indígenas. 2002 ELEIÇÃO DE LULA - Escolhida ministra do Meio Ambiente, fez parte da primeira leva de ministros a ter o nome anunciado por Lula. JUNHO DE 2005 ESCÂNDALO DO MENSALÃO - No mês em que Roberto Jefferson denunciou a existência do mensalão, a ministra Marina começava a ter no governo os primeiros desentendimentos que a levariam a deixar o posto em 2008 e, quinze meses mais tarde, o PT. COMO MARINA PENSA E DECIDE As encruzilhadas com que a candidata do PSB já se defrontou e como saiu delas. CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICAS EM RONDÔNIA - Em 2007, travou um de seus maiores embates com a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Questionava o impacto ambiental da construção de duas hidrelétricas no Rio Madeira, em Rondônia. "Perco o pescoço, mas não perco o juízo", disse, na ocasião. A discussão exasperou até o presidente Lula, que se viu obrigado a arbitrar sobre o destino a dar aos bagres do rio, vistos por Marina como um obstáculo à obra, que poderia causar a extinção de três espécies do peixe. Com o argumento de que a construção também aumentava os riscos de malária e contaminação por mercúrio, doenças que a acometeram na juventude, e de deposição de sedimentos no rio, Marina conseguiu que o projeto só saísse do papel com o acompanhamento do Ibama. A TENTATIVA DE CRIAR UM PARTIDO - Em outubro de 2013, o grupo Rede Sustentabilidade, fundado por Marina, fracassou na tentativa de tornar-se um partido. Sua criação foi rejeitada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) porque o grupo não angariou o mínimo de assinaturas necessárias exigido para formar uma sigla. Das 492.000 determinadas por lei, que a Rede começou a reunir apenas em fevereiro daquele ano, faltaram 50.000. Os partidos Pros e Solidariedade, que tiveram êxito junto ao TSE, iniciaram a coleta de assinaturas em 2010 e em 2012. Marina culpou a morosidade dos cartórios, responsáveis por legitimar cada uma das assinaturas. A DERROTA PARA OS TRANSGÊNICOS Já ministra do Meio Ambiente, Marina resistiu à entrada no país de sementes de soja transgênica importadas da Argentina. A "soja Maradona" já correspondia a 12% da produção nacional em 2002, embora fosse proibida no país. Em janeiro do ano seguinte, o então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, procurou o presidente Lula para relatar o problema. Propôs elaborar uma medida provisória junto com Marina que permitisse a venda das sementes para, em seguida, criar uma legislação sobre o tema. Ela se opôs até o fim e foi criticada por Rodrigues por defender "de forma fundamentalista" uma questão científica. EM DEFESA DOS CONSELHOS POPULARES A candidata tem defendido o Decreto 8243 do governo federal, que prevê que os órgãos públicos operem com a participação de conselhos sociais, formados por membros da sociedade escolhidos pelo próprio governo. A medida abre brecha legal para que os conselheiros possam pôr em pauta e aprovar questões que não passaram pelo Congresso, por exemplo. A ideia é o pilar do grupo Fora do Eixo, de Pablo Capilé, acusado de estelionato e retenção de cachê de artistas. A proximidade entre ele e Marina já suscitou especulações de que, eleita, ela o faria seu ministro da Cultura. APROVAÇÃO DO SUBSÍDIO PARA A BORRACHA Para ajudar os produtores de borracha, Marina propôs ao governo que concedesse um subsídio aumentando o valor recebido pela venda do látex. O governo era de Fernando Henrique Cardoso, e ela considerou que o fato de ser petista seria um obstáculo à aprovação do projeto pelo Congresso. Para driblar o problema, pediu a um colega de Senado, o tucano José Serra, que defendesse a medida. Conseguiram maioria e o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Extrativismo (Prodex) foi criado em 1996 COLABORARAM GIAN KOJIKOVSKI E ANA LUIZA DALTRO 3#2 CASAMENTO EM CRISE A escolha de Marina para o lugar de Eduardo Campos era tão inevitável quanto as rusgas que vieram depois. Seu desafio agora é evitar ser arrastada para uma disputa típica da "velha política" que ela diz combater. MALU GASPAR Em meio ao luto pela morte de Eduardo Campos, só uma figura se destacava mais do que os familiares do ex-presidenciável: a de Marina Silva, transformada à beira do caixão em herdeira incontestável do legado político do ex-governador de Pernambuco. Passada a comoção, sobreveio a realidade. A escolha de Marina como candidata a presidente da República pelo PSB era tão inevitável quanto os embates que se sucederam. Na semana passada, enquanto ela se movimentava nos bastidores para assumir a cabeça da coligação liderada pelo PSB, seus parceiros de aliança se insurgiam contra o que consideraram uma postura autoritária. E escancararam as críticas que antes lhe faziam à boca miúda. Eles precisam de Marina tanto quanto ela depende deles, mas isso não refreou o ímpeto da guerra por poder que arrisca fissurar a costura cuidadosamente construída por Campos ao longo dos últimos meses — e ainda macular a imagem da ex-senadora de representante de uma "nova forma de fazer política", com a qual pretende ancorar sua estratégia eleitoral. O racha que deflagrou a primeira crise na campanha ficou evidente na última quarta-feira, durante a reunião para tratar da oficialização da candidatura. Pairava uma tensão no ar, já que Marina tinha ido ao encontro disposta a reiterar o que já vinha sinalizando: não assinaria a carta que os socialistas haviam preparado para reafirmar seus compromissos com Campos. Ela nem tinha chegado a passar os olhos pelo documento, mas disse considerá-lo uma inadmissível manifestação de desconfiança por parte dos aliados. A carta foi então convertida em uma genérica declaração de intenções, em que Marina não cravou seu nome, mas afirmou acolher. O esforço para chegar ao consenso, porém, desandou quando ela avisou que colocaria no comando da campanha gente de sua confiança. Mexeu de cara em duas áreas cruciais: a financeira e a da coordenação geral, esta ocupada por Carlos Siqueira, alto quadro do PSB e ex-braço-direito de Campos. Ao decidir que alçaria o deputado paulista Walter Feldman à função, Marina comunicou a Siqueira: "A coordenação não será mais só sua". Ele se viu diminuído e se abespinhou. "Eu sou secretário-geral do partido indicado por Eduardo. A senhora não decide isso sozinha", bradou, para depois soltar nos corredores: "Marina não representa o legado de Campos". Ainda ameaçou votar contra a candidatura, mas foi demovido da ideia. Deixou a campanha atirando — "Ela que vá mandar na Rede dela". Com a saída de Siqueira, ficou acertado que a deputada federal Luiza Erundina é quem vai compartilhar o comando com Feldman (não por coincidência, a fórmula estabelecida pela Rede: comando nunca individual, e sempre duplo). Também debandou da campanha o coordenador de mobilização Milton Coelho. O nanico Partido Social Liberal Nacional (PSL), que integra a coligação, ameaçou sair mas voltou atrás. Os primeiros atritos entre socialistas e marineiros afloraram já no início da união, em outubro passado. Na ocasião, a paz parecia prevalecer; Marina, que não conseguira fundar seu próprio partido, apenas exigiu de Campos que encampasse suas ideias mais caras e se pôs espontaneamente como vice na chapa. Mas sua Rede Sustentabilidade nunca se misturou ao PSB. Para quase todas as funções da campanha, havia um correspondente marineiro. Marina também deixou claro que não se engajaria nas alianças estaduais seladas pelo PSB com as quais não se identifica — com o vice na chapa do tucano Geraldo Alckmin, o socialista Márcio França, ela nem fala. Pesadas as diferenças, Campos e Marina se entendiam e continham os ânimos de suas tropas. O calculado equilíbrio agora se desfez. Embalados pelos primeiros números favoráveis a Marina, seus aliados reduzem as fagulhas socialistas a mera picuinha. "O PSB é que precisa dos votos dela, e não o inverso", afirmava na semana passada um alto quadro da campanha. Toda essa contenda não cai bem a uma política que tem como estratégia manter o tom emocional e se lançar como uma líder alheia ao lamaçal partidário, encarnando as tão ansiadas mudanças (segundo o último Datafolha, 76% dos brasileiros aspiram por uma mudança no governo e 82% esperam o mesmo no Congresso). Os observadores entendem que a boa largada de Marina no páreo presidencial tem justamente a ver com o fato de personificar esse desejo. "Se você perguntar aos eleitores qual mudança ela representa, verá que é qualquer mudança", analisa o cientista político Antônio Lavareda. "A candidatura dela passou do âmbito racional para o emocional." Assim que seu nome foi confirmado, Marina angariou maior adesão do eleitor que já lhe havia conferido 19% dos votos em 2010 — jovens de grandes centros com renda e escolaridade mais altas —, mas também cresceu um pouco no interior e num eleitorado de menor escolaridade. Para compensar o escasso tempo na TV (quatro minutos, três vezes por semana), a tática será intensificar a exposição na mídia, reservando boa parte da agenda a entrevistas, debates e eventos de visibilidade. A costura com aliados e a construção de pontes com os setores que lhe torcem o nariz, como o agronegócio, caberá ao vice, o deputado gaúcho Beto Albuquerque, do PSB. "Ela só precisa continuar se comportando como alguém acima dos velhos vícios para chegar ao segundo turno", avalia um assessor. As rusgas com o PSB não combinam com tal discurso. Ciente disso, a Rede corre como pode para apagar o incêndio. Afinal, ter o nome arrastado para o centro de uma disputa de poder típica da velha política só vai fazer Marina soar como uma candidata igual aos outros. 3#3 NO LABIRINTO SONHÁTICO Das cinco condições que costumam levar candidatos à vitória, Marina preenche só uma — o carisma. Pode ser o suficiente para chegar lá, mas não é um começo tão promissor. ANDRÉ PETRY As pesquisas eleitorais transformaram Marina Silva na estrela da temporada. Como numa corrida de cavalos, sem apresentar uma única proposta nem anunciar uma única ideia, largou com 21% das intenções de voto, 1 ponto à frente do tucano Aécio Neves. Não é pouca coisa, mas também não é garantia de sucesso. Excetuando-se Fernando Collor, eleito em 1989, todos os demais vitoriosos reuniram algumas entre cinco condições básicas: carisma, partido forte, dinheiro, tempo de TV e uma proposta clara. Fernando Henrique Cardoso talvez tenha sido o menos carismático dos presidentes, mas tinha um partido estruturado com aliados fortes, um caixa imbatível, bom tempo no horário eleitoral e a bandeira da estabilidade econômica. Marina Silva é o exato oposto: tem um carisma poderoso, mas falta-lhe o resto todo. "Não vamos trocar nossos ideais por um prato de lentilha", resmungou Alceu Moreira, deputado do PMDB gaúcho, ao anunciar que não pretendia manter o apoio ao PSB. Com Marina, não. O PMDB gaúcho é só um coadjuvante na disputa nacional, mas mostra que a coligação do PSB, formada ao gosto de Eduardo Campos, estremeceu com a repentina ascensão de Marina. Até a última hora para o registro da candidatura de Marina, um dos cinco partidos nanicos que integram a coligação não sabia se ficava ou caía fora. A própria candidata, ciosa de sua pureza política, não quer subir no palanque de certos aliados estaduais, como os tucanos de São Paulo e Paraná ou os petistas do Rio de Janeiro. Sem contar o fato singular de que Marina é candidata por um partido que não é seu, com o qual se atritou na largada e do qual vai sair no primeiro minuto possível, ganhe ou perca a eleição em outubro, para formalizar a sua Rede Sustentabilidade. Cansada da política pequena, da boçalidade de caciques que só agem por interesse próprio, parte do eleitorado talvez receba com simpatia o purismo de Marina, mas as consequências práticas são inevitáveis. Ter menos aliados significa menos palanques e, em geral, menos votos. Roberto Freire, presidente do PPS, um dos nanicos da coligação, como que convencendo a si mesmo de que Marina vai, sim, "fazer acordos", assim a definiu: "Ela não é um ET". Extraterrestre, com certeza, ela não é, mas é cheia de razões para ficar longe dos morubixabas da "velha política", em oposição à sua "nova política". Em Alagoas, por exemplo, se respeitasse a aliança de Campos, Marina não apoiaria a candidatura ao Senado de Heloisa Helena, do PSOL, mas deveria ficar com Benedito de Lira, 72 anos, ex-Arena, ex-PDS, ex-PFL, ex-PTB e atual PP. "Biu de Lira" é candidato ao governo de Alagoas. Com pouco tempo no horário eleitoral gratuito, Marina tem menos condições de ganhar o jogo pela via da propaganda. Com quatro minutos, ela tem metade do tempo de Aécio Neves, um sexto do tempo da presidente Dilma Rousseff. Nas cinco últimas eleições, quem chegou ao começo do horário eleitoral na liderança das pesquisas acabou consagrado nas urnas. É sinal de que o horário eleitoral não altera o resultado. Só um sinal. A intuição dos políticos ainda desconfia que esse ensinamento talvez não seja inteiramente preciso. Na dúvida, ninguém se sente competitivo quando não tem uma fatia gorda do horário eleitoral. A favor de Marina, conta o fato de que ela dispõe de uma linha direta com o eleitor, dispensando partidos e TV. Mas a consequência do pouco tempo de propaganda costuma aparecer no caixa eleitoral das campanhas. Até agora, o maior contribuinte individual do país, a Friboi, gigante mundial de carne processada, deu dinheiro aos três principais candidatos: 5 milhões de reais para Dilma, outros 5 milhões para Aécio e apenas 1 milhão para a chapa então liderada por Campos. Está claro que, nutrindo o caixa de tanto candidato, a Friboi é melhor de carne do que de ideologia, mas o que explica a diferença nos valores é o futuro. Campos estava sendo ajudado com 1 milhão porque podia vir a ser um nome competitivo em 2018, não agora. Marina é um caso diferente e, ainda que tenha o apoio pessoal de um empresário aqui, uma banqueira ali, sua candidatura está longe de encantar o PIB brasileiro. Tanto que, mal entrou na corrida, já começou a acenar para o mercado financeiro com a promessa de um Banco Central autônomo. Às turras com o PSB, com pouco tempo na TV e sem financiadores de peso, Marina poderia reverter algumas dificuldades com um punhado de ideias claras, capazes de definir sua candidatura com nitidez. Ela tem algumas ideias inatacáveis — renovação da política, preservação da natureza e metas sonháticas —, mas a execução conjunta de todas elas requer uma explicação mais detalhada, para espantar a noção de que uma proposta anula, ou inviabiliza, a seguinte. O próprio grupo que a acompanha é diverso como uma caravana Rólidei: evangélicos, banqueiros, ambientalistas, economistas ortodoxos. Que unidade isso produz? A pluralidade existe em qualquer partido e, sobretudo, em qualquer aliança. O próprio PT chegou à Presidência da República sendo uma legenda crivada de tendências e correntes internas. Acontece que, normalmente, as correntes discordam dos caminhos mas andam na mesma direção. No caso de Marina, há direções contrárias. Seu vice é um exemplo didático. Amigo do agronegócio, defensor da soja transgênica, Beto Albuquerque representa, nesse campo, tudo o que Marina combate. (Os dois, porém, mantêm uma boa relação. Ainda.) Agora, como em 2010, o eleitorado de Marina parece ser mais feminino, mais jovem, composto de mais universitários do que a média, e está concentrado na Região Sudeste. Entre eles, Marina capturou a imaginação do eleitor socialmente mais liberal, embora seja ela mesma uma pentecostal para lá de devota, com posições conservadoras sobre aborto, casamento gay, legalização da maconha — bandeiras, em geral, caras aos menos conservadores. Juntando-se a heterogeneidade da sua caravana, suas ideias conhecidas e as características de uma parte do seu eleitorado, o resultado fica embaçado. Como seria seu eventual governo? Lúdico? Ludibrioso? Lúdrico? Até agora, é uma dúvida que oscila entre a incógnita e a aventura. Carregando apenas o carisma, Marina está num labirinto, mas é cedo para dizer se está perdida ali dentro. Sua figura austera, digna, quase asceta, associada à sua admirável história de vida, é um patrimônio invejável. Sua rejeição é baixíssima, um terço da de Dilma. Tem reputação internacional avassaladora, o que não lhe dará um voto, mas não atrapalha. Por isso, Marina até pode chegar lá, mas seu começo é muito promissor quando o assunto é corrida de cavalos. Só que, em outubro, haverá uma eleição. 3#4 MANOBRA ERRADA Vídeo do acidente que matou Campos revela provável falha do piloto. É grande a probabilidade de nunca termos certeza do que causou o acidente aéreo que matou o candidato à Presidência Eduardo Campos e outras seis pessoas, há duas semanas. O jatinho Cessna Citation 560 XL não tinha caixa-preta, e o gravador de voz da cabine, supostamente sem manutenção, não registrou as conversas dos pilotos — e lá poderia estar a resposta. A total escuridão de informações foi salva, na quarta-feira passada, pela divulgação de um vídeo captado por uma câmera de segurança de um prédio a 500 metros da queda. As imagens ajudam a levantar algumas hipóteses — e a demolir outras. Há, agora, um caminho desenhado: as evidências apontam para falha do piloto logo depois da arremetida. VEJA submeteu o vídeo a veteranos especialistas em segurança de voo. O Cessna caiu de bico, em angulação inferior a 60 graus e velocidade superior a 200 nós (370 quilômetros por hora). A fuselagem aparenta estar intacta, o que exclui a tese de explosão a bordo, tão propalada, no dia do acidente, a partir do depoimento de testemunhas que diziam ter visto uma "bola de fogo" despencando do céu. As asas estavam íntegras, e as turbinas não cuspiam fumaça. Elimina-se, desse modo, a tese de colisão com pássaros, como havia sido cogitado. Os flaps, os dispositivos em forma de aba instalados na parte posterior das asas, responsáveis por desacelerar e redirecionar o avião, estavam recolhidos, e não abertos — daí a alta velocidade. A conclusão: pode, sim, ter ocorrido um grave erro de manobra. Depois de arremeter, o piloto deve ter feito uma curva em angulação inferior à indicada pela carta de aproximação aplicada aos voos que chegam e saem da Base Aérea de Santos. A trajetória arriscada, associada à velocidade elevada, fez o bico ser direcionado para baixo, e o avião perdeu sustentação, naquilo que o jargão aeronáutico chama de estol. O manual do Cessna 560 XL é muito objetivo: em situações de baixa altitude e velocidade superior a 370 quilômetros por hora, os flaps precisam ser acionados. Não foram. É um erro raro, mas com algum histórico em aeronaves idênticas à que levava Eduardo Campos. Em 2004, na Suíça, o piloto cometeu a mesma falha, mas estava a 2740 metros de altitude, e não próximo ao chão. Houve tempo de recuperação, e a 914 metros do solo o avião foi estabilizado. O acidente em Santos foi o primeiro com mortes em um Cessna dessa família. Disse na semana passada o brigadeiro Juniti Saito, da FAB: "Em 80% das vezes, mesmo quando o fator principal é falha mecânica, há também a mão humana, seja de pilotos, seja de mecânicos de manutenção". CARLO CAUTI 13/08/2014 11:03:45 • A queda foi em linha reta, não em parafuso, e num ângulo menor que 60 graus O que revela: não houve pane total dos motores nem falhas nas asas, que fariam a aeronave ter trajetória de queda irregular • O leve sacolejo das árvores O que revela: o vento não era forte o suficiente para afetar substancialmente o voo • Não há sinais de fumaça e a fuselagem aparenta estar integra O que revela: descarta-se a hipótese de explosão a bordo • Os flaps, responsáveis por desacelerar e redirecionar a aeronave, parecem estar recolhidos O que revela: provável falha do piloto, visto que isso não condiz com o procedimento correto que ele deveria ter adotado na arremetida • A câmera estava ajustada ao horário de verão, uma hora mais tarde. Por isso mostra, erroneamente, a queda pouco depois das 11 horas (o que dificultou a localização desta gravação) 3#5 CULPA INDIVIDUAL, PUNIÇÃO COLETIVA A decisão do TCU que pune com o bloqueio de bens pessoais todos os diretores por prejuízo em negócio desastroso da Petrobras é inexequível e pode contribuir para deixar os verdadeiros corruptos distantes da cadeia. Na cena final no aeroporto do clássico Casablanca, Rick mata o major nazista com um tiro de pistola. O capitão Renault, chefe de polícia, a tudo assiste, vacila um décimo de segundo e, com um olhar cúmplice, dá a ordem que livra Rick do crime: "Prendam os suspeitos de sempre". Sem a intenção explícita do chefe de polícia do filme, mas com todo o peso de se tratar da realidade e do destino de pessoas de carne e osso, o Tribunal de Contas da União (TCU) agiu de maneira semelhante ao decidir, no mês passado, sobre as responsabilidades na compra pela Petrobras de uma refinaria em Pasadena, nos Estados Unidos, em 2006. O TCU responsabilizou onze diretores executivos da estatal, sem distinguir o papel de cada um no processo. O tribunal decidiu também que os diretores teriam de devolver 792,3 milhões de dólares aos cofres da Petrobras pelos prejuízos causados ao patrimônio da empresa. Como no filme, porém, socializar o prejuízo de um negócio que parecia razoável e, mais tarde, pela mudança radical na economia mundial, se mostrou um desastre equivale a mandar prender "os suspeitos de sempre", enquanto o criminoso ou os criminosos saem de fininho da cena e escapam de qualquer punição. Se todos os diretores de empresas tivessem de pagar do próprio bolso os prejuízos ocasionados por decisões de negócio erradas, o capitalismo acabaria. A sabedoria no caso de Pasadena seria apurar responsabilidades e punir os corruptos envolvidos na compra da refinaria. Não porque o negócio deu prejuízo à companhia, mas porque, tudo indica, houve corrupção. Na linha adotada pelo TCU, infelizmente, fica subentendido que, se o negócio tivesse dado lucro à Petrobras, a corrupção não teria sido um problema. A corrupção é sempre o problema. Os corruptos precisam ser identificados e punidos mesmo quando suas tramoias, propinas e comissões por baixo do pano resultem em negócios lucrativos. A existência de corrupção na compra da refinaria de Pasadena está sendo investigada pela Polícia Federal. Nenhum diretor da estatal foi indiciado até agora. Portanto, o corrupto ou os corruptos envolvidos na compra da refinaria estão, por enquanto, à solta. Na semana passada, o jornal O Globo revelou que Graça Foster, presidente da Petrobras, transferiu para os filhos três imóveis que estavam em seu nome. Procedimento semelhante foi adotado por Nestor Cervero, ex-diretor da área internacional da Petrobras e responsável direto pela compra da refinaria. As transferências, por meio de doações, foram registradas em cartório entre março e junho deste ano, pouco antes de o TCU decretar o bloqueio de bens dos diretores. "É gravíssimo. Isso configura burla ao processo", disse José Jorge, ministro-relator do caso no TCU. No Congresso Nacional, a oposição exigiu a demissão de Graça Foster. Temendo os efeitos da decisão do TCU, o Palácio do Planalto lançou uma cruzada para evitar que Graça, amiga da presidente Dilma Rousseff e escolhida por ela para comandar a estatal, seja atingida pelo bloqueio de bens. O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, foi escalado para defender a presidente da Petrobras no TCU — tanto em conversas reservadas nos gabinetes dos ministros quanto no plenário. Adams declarou que a permanência de Graça no comando da Petrobras seria inviável em caso de aprovação do bloqueio de bens. Na quinta-feira, Dilma saiu em defesa da amiga. Ela definiu o episódio como uma tentativa de "fazer com que Graça se torne uma pessoa que não pode exercer a presidência da Petrobras". Dilma presidia o conselho da estatal que aprovou a compra da refinaria e, tecnicamente, foi absolvida pelo TCU junto com os demais conselheiros. Mas, politicamente, em plena campanha eleitoral, o negócio vai incomodar bastante a presidente candidata. É tudo muito grave e suspeito quando se analisa o caso tendo como ponto de partida a decisão do TCU de punir indistintamente todos os diretores da Petrobras. Mas, quando se tem em mente que o inquérito da Polícia Federal pode, em breve, apontar os corruptos e, quase certamente, a maioria dos diretores da Petrobras não estará na lista, a punição coletiva dada pelo TCU vai exigir uma reflexão mais detida. Reflexão que a Inglaterra fez em 1862, quando o Parlamento aprovou o famoso "Act of 62", que estabeleceu responsabilidades limitadas para os acionistas e administradores das empresas, permitindo distinguir com clareza o que é resultado do risco inerente no mundo dos negócios do que é corrupção. 3#6 À ESPERA DE UM MILAGRE O deputado que ajudou um doleiro a ocultar dinheiro de criminosos ainda aposta na solidariedade dos colegas para se salvar. O Conselho de Ética da Câmara, porém, aprovou o pedido de cassação. ROBSON BONIN A carreira do deputado André Vargas sofreu uma guinada radical nos últimos seis meses. Secretário de Comunicação do PT, vice-presidente da Câmara e um defensor incondicional do movimento "Volta, Lula", o parlamentar tinha planos ambiciosos. No campo político, o maior deles era assumir a presidência da Câmara em 2015, o que o colocaria como o segundo homem na linha sucessória da República. No campo pessoal, sonhava com a independência financeira — desejo íntimo que, em abril, acabou revelado e implodiu seu projeto de poder. A Polícia Federal descobriu que o parlamentar mantinha uma sociedade secreta com o doleiro Alberto Youssef, acusado de promover o encontro de interesses de corruptos e corruptores. Na operação do esquema, o petista ora desempenhava o papel de lobista do criminoso, ora assumia a condição de parceiro nos negócios escusos. Pilhado, foi empurrado para o fundo do poço. Ele perdeu o posto de vice-presidente, foi expulso do PT e pode ter o mandato cassado por quebra de decoro, o que o deixaria inelegível até o ano de 2022. Na semana passada, o Conselho de Ética aprovou, por unanimidade, a proposta de cassação do deputado. É o último passo antes da votação no plenário que vai definir o destino de André Vargas. Se depender da gravidade das acusações e da densidade das provas, o futuro do parlamentar está mais do que selado. As investigações da polícia mostram que o deputado e o doleiro atuaram juntos para lavar dinheiro de corrupção. São muitas as evidências, mas uma delas é demolidora. Em janeiro passado, Vargas e a família foram a João Pessoa, na Paraíba, a bordo de um jato fretado pelo doleiro — um inocente presente de amigo, segundo o parlamentar. Mas era muito mais que isso. O deputado, soube-se depois, ganhou o passeio como recompensa por serviços prestados à quadrilha. A revelação da parceria com o doleiro foi feita há duas semanas por Meire Poza, a contadora de Alberto Youssef, em entrevista a VEJA. Ela disse que, em dezembro do ano passado, Vargas ajudou o doleiro a lavar 2,4 milhões de reais por meio de uma empresa do Paraná, a IT7 Sistemas. Como retribuição, Youssef usou parte do dinheiro sujo, 115.000 reais, para fretar o avião. "Tenho várias mensagens trocadas com ele combinando o contrato. Depois que o dinheiro caiu na conta, o Beto (Youssef) mandou pagar o aluguel do jato e outras despesas do deputado", disse a contadora. O deputado, de acordo com o relato da contadora, destacou o irmão dele, Leon Vargas, para cuidar pessoalmente da operação. Foi Leon que forneceu os dados da IT7 para que notas frias fossem emitidas pelo doleiro a fim de dar ares de legalidade ao repasse milionário. AIT7 Sistemas confirmou a participação do irmão do deputado no negócio. "O Leon é uma pessoa que nós conhecemos. Há algum tempo nos procurou para propor determinado negócio, que ele conhecia determinadas pessoas e que poderia nos ajudar a fazer determinadas coisas, mas não posso dar detalhes sobre essa negociação porque temos cláusulas de confidencialidade", contou o diretor da IT7, João Batista Comelli. O pagamento do voo do deputado foi feito por meio de uma transferência bancária da empresa de Meire Poza para uma operadora de turismo em 3 de fevereiro. O comprovante e o "contrato" que simula a prestação de serviço já estão com a Polícia Federal. O simples fato de um congressista manter relações tão íntimas com criminosos já seria motivo mais que suficiente para cassar-lhe o mandato. O caso de André Vargas é ainda mais grave. Como demonstram as investigações da polícia, ele é sócio e beneficiário do dinheiro do crime. Apesar disso, o parlamentar acredita que pode concluir o mandato e escapar da punição. A estratégia é tentar impedir que o processo seja votado no plenário antes das eleições. Ele sabe que, com a instituição do voto aberto para cassações e a intensa vigilância sobre os parlamentares no período pré-eleitoral, suas chances de sobrevivência são praticamente nulas. Após as eleições, porém, tudo pode mudar. Na equação do deputado, ética, honestidade e coerência são meras variáveis entre seus pares, conceitos que dependem de ocasião. Por isso, a tática da defesa é tentar empurrar a decisão para depois das eleições de outubro. Após isso, acredita Vargas, os parlamentares que se reelegerem não teriam mais de incorporar falsos pudores. E os que não se reelegerem também estariam dispensados da obrigação. O deputado aposta que, caso consiga atrasar a decisão do plenário, o processo pode, inclusive, nem entrar na pauta — o cenário considerado perfeito. Os deputados não precisariam se submeter ao desgaste de condenar ou absolver o colega, e ele terminaria o mandato como se nada tivesse ocorrido. Diz o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), relator do caso no Conselho de Ética: "A pressão para cassar tem de ser feita agora, antes da eleição. Depois, pode ser que os colegas afrouxem". 3#7 ACABOU A “VIDA BUENA” Foragido havia três anos, Roger Abdelmassih, ou "Don Ricardo", como se apresentava, buscava os filhos na escola em carros de luxo e ia a restaurantes caros — bem aqui, ao lado do Brasil, no Paraguai. BELA MEGALE, DE ASSUNÇÃO, ALANA RIZZO E DANIEL BERGAMASCO Quase nada na vida do ex-médico Roger Abdelmassih no Paraguai lembrava a de um fugitivo da Justiça procurado pela Interpol. Aos olhos dos vizinhos, parecia muito distinto o casal que se mudou em fevereiro de 2011 para o número 1976 da Rua Guido Spano, em Assunção — uma casa de 600 metros quadrados com piscina, churrasqueira, sauna, jacuzzi e quatro quartos. A mulher, uma loira bonita, quase trinta anos mais nova que o marido e com uma queda por bolsas de marcas caras, quase nunca deixava de ir à academia — em especial depois que os filhos gêmeos nasceram, poucos meses após a mudança, em agosto. Cuidadosa com a forma, era também cliente assídua do spa Serena, um dos melhores da capital paraguaia. Quando as crianças, um menino e uma menina, ficaram um pouco maiores, passaram a frequentar uma escolinha bilíngue a poucas quadras dali, a Maria's Preschool. A menina também ia a um curso de balé. Para os vizinhos de Abdelmassih, ele era Ricardo Galeano, um fazendeiro brasileiro que negociava laranjas e que tinha como única particularidade que chamava atenção as perucas um tantinho ridículas que usava — às vezes de cor preta, às vezes acaju. Durante três anos e sete meses, o especialista em reprodução assistida que chegou a ser conhecido como "o médico das estrelas" e se autointitulava "o doutor vida" escapou das autoridades brasileiras bem no país vizinho. Nunca pisou, por exemplo, no Oriente Médio, onde as autoridades imaginavam que ele havia se escondido por causa de sua ascendência libanesa. Em 2010, Abdelmassih foi condenado a 278 anos de prisão por estuprar 39 mulheres — quase todas pacientes de sua clínica que depositavam em suas mãos o sonho de ser mãe. Depois que vieram a público as primeiras denúncias, no início de 2009, uma enxurrada de vítimas procurou a Justiça para relatar os suplícios no consultório do médico. Além da condenação por abusos físicos, Abdelmassih tem ao menos outra por um crime não menos hediondo. Para aumentar os índices de sucesso de sua clínica, ele trocava o material genético dos pacientes inférteis, maridos ou mulheres, pelo de pessoas férteis, sem que soubessem. Casais que chegavam a pagar 30.000 reais para tentar engravidar achavam que finalmente tinham alcançado seu objetivo, mas, biologicamente, os filhos podiam pertencer apenas ao pai ou à mãe. Na semana passada, o jornal Folha de S.Paulo revelou que a Justiça condenou Abdelmassih a pagar 500.000 reais a um casal de gêmeos de 20 anos que descobriu, por exame de DNA, que seu pai não era quem eles imaginavam. No processo de inseminação, Abdelmassih usou o sêmen de um desconhecido. Antes de o escândalo estourar, um casal do Espírito Santo já havia feito um acordo extrajudicial com o médico, depois de descobrir que seus filhos gêmeos não tinham material genético do pai. Ao menos outros quatro casos de manipulação estão sob investigação, mas tudo indica que sejam muitos mais — a média de sucesso de uma clínica é de 30%, enquanto na de Abdelmassih chegava a 50%. Em 2009, o médico passou 127 dias preso em São Paulo. Em 23 de dezembro daquele ano, antevéspera de Natal, seus advogados conseguiram um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal, para ele recorrer da condenação em liberdade. Um ano depois, quando estava prestes a ser preso de novo depois de tentar renovar o passaporte, fugiu. As autoridades brasileiras nunca pararam de procurá-lo, mas foi apenas em 29 de maio deste ano que surgiu a primeira pista que levaria à sua prisão. Naquele dia, a Polícia Civil fez uma operação em uma fazenda em Avaré, no interior de São Paulo, onde se suspeitava que Abdelmassih pudesse estar. Não encontraram o médico, mas apreenderam números de telefones, anotações e documentos que davam uma ideia da rede que financiava sua fuga. Nas semanas seguintes, interceptaram os telefones de Maria Stela Abdelmassih, irmã do médico, de Elaine Khoury, irmã da mulher dele, Larissa Sacco, e de Dimas Campelo, o administrador da fazenda. Foi a partir dessas conversas que os investigadores do Ministério Público de São Paulo descobriram a boa vida de Abdelmassih no Paraguai. Ele contava em telefonemas frequentes, quase sempre à sua irmã, que as crianças já estavam indo à escola; que a filha passara a fazer balé numa escola "com quarenta anos de tradição"; que ele e Larissa tinham saído para jantar com amigos em determinado restaurante. Com o apoio da Secretaria Antidrogas do Paraguai, a Polícia Federal brasileira então mapeou instituições que tivessem crianças gêmeas de idade compatível com a dos filhos do casal. No início de agosto, chegou aos bairros de classe alta de San Cristóbal e Villa Morra. No dia 12, em uma campana em frente à escolinha bilíngue, os policiais viram sair de um Kia Carnival preto um menino que aparentava 3 anos. Meia hora depois, do mesmo carro, desembarcou uma menina da mesma idade. Quando o motorista abriu o porta-malas e tirou de dentro dois bolos, um rosa e um azul, os investigadores concluíram que se tratava dos gêmeos do casal, nascidos neste mês. A testa de aniversário, comprovadamente de 3 anos, entregou de vez os fugitivos. Os policiais passaram a seguir o carro e chegaram à residência onde moravam o médico e sua mulher, que havia ido à comemoração. Para a sorte dos agentes, a casa era uma das poucas da rua que não tinham muros altos, mas grades que deixavam entrever os jardins. Nos dias seguintes, logo avistaram Abdelmassih. Nas escutas, o médico dizia que tinha uma arma e se mataria se tivesse de voltar à prisão, por isso a polícia ainda esperou dias até decidir capturá-lo. No domingo, ele e Larissa chegaram a sair para almoçar no outro carro do casal, um Mercedes E-350 preto, no restaurante San Pietro, um dos melhores da cidade. Eram fregueses tão assíduos que tinham até uma mesa cativa, a 32, sempre reservada para o caso de "Don Ricardo" aparecer. Conhecido por todos os funcionários, Abdelmassih costumava pedir o mesmo prato, risoto de mariscos, e exigia ser atendido pelo chef e dono. Apenas arranhava o "portunhol", pagava invariavelmente em dinheiro e nunca deixava gorjeta. A conta rondava os 900.000 guaranis, cerca de 500 reais, incluída aí a garrafa de vinho, normalmente um argentino Zuccardi, Malbec. Na igreja que frequentava com Larissa todo fim de semana, a Niño Jesus de Praga, "Don Ricardo" também era bem conhecido. Ajudava nas campanhas beneficentes de arrecadação de dinheiro, mas pedia ao padre que não citasse seu nome. Na terça-feira 19, a polícia concluiu que era o momento de prendê-lo. Abordou Abdelmassih pouco depois de ele deixar as crianças na escola. O médico não resistiu. Horas mais tarde, estava a bordo de um avião rumo a Foz do Iguaçu, onde passaria a noite antes de seguir para São Paulo e, depois, para o seu destino final, a Penitenciária de Tremembé, no interior do estado. É a mesma em que ele ficou em 2009, conhecida como o "presídio de Caras", por abrigar criminosos famosos como Suzane Von Richthofen e o jornalista e assassino Pimenta Neves. Desde que foi preso, o médico só se emociona quando fala dos filhos e da mulher. Em uma conversa com os policiais em São Paulo, revelada pela Rádio Estadão, ele disse que a vida de foragido começou a ruir depois que a foto dela apareceu em VEJA. Em julho, a revista publicou uma reportagem sobre o esquema que financiava a fuga do médico. "Quem me pegou foi o rapaz da Polícia Federal. Diz ele ter informação até da igreja, de uma 'cliente' que me viu, mas principalmente depois da VEJA, que estampou muito o rosto da Larissa." Larissa é uma ex-procuradora de Dourados, em Mato Grosso do Sul, e conheceu Abdelmassih em 2008, quando fazia tratamento para engravidar do então namorado. Apaixonaram-se, e o romance teve duas celebrações, a primeira, uma bênção na casa dele, e a outra, em uma igreja nos Jardins. Mesmo depois que o escândalo estourou, ela sempre ficou ao lado do marido. Antes da fuga, chegou a engravidar, mas perdeu o bebê depois de poucas semanas. Quando Abdelmassih corria o risco de ser preso de novo, partiu dela a ideia de fugir. Na quinta-feira passada, já em São Paulo, Larissa falou a VEJA sobre sua relação com o médico. "O que me fez largar tudo pelo Roger, o que me fez estar com ele, viver com ele, abandonar todas as conquistas da minha vida foi o meu grande amor por esse homem. Ele é meu primeiro, meu único amor. É um pai que eu descobri ser maravilhoso. Os meus filhos o adoram e ficam perguntando: 'E o papai? Cadê o papai?'. Roger é uma pessoa do maior caráter, generoso. Eu viveria tudo de novo, largaria tudo de novo pelo Roger." A investigação do Ministério Público que levou à prisão de Abdelmassih agora entra numa nova fase. Os promotores vão se concentrar em descobrir o papel de cada um que colaborou e sustentou financeiramente a rede que manteve o médico quase quatro anos livre. Diz o promotor Luiz Henrique Dal Poz: "Ele não usava o método rústico de simplesmente abrir uma conta em nome de um laranja e pegar dinheiro dali, mas um sistema que envolvia pessoa jurídica, simulação de contratos e remessa de quantias em pequenos montantes". Meses depois de começar o namoro com Larissa, Abdelmassih abriu em nome dela a Colamar, uma empresa de fachada para a qual transferiu todos os direitos de clientes de uma de suas principais firmas, a Agropecuária Sovikajumi, que mantém negócios com as principais produtoras de suco de laranja de Avaré. VEJA revelou, em julho, a existência de comprovantes de remessas da Colamar para contas de Larissa, quase sempre inferiores a 20.000 reais, para não chamar atenção. Os investigadores ainda tiveram o apoio de uma associação de vítimas do médico, liderada por Vanuzia Lopes. Pelo Facebook, elas reuniam informações que ajudaram a chegar ao médico. Os promotores devem tentar enquadrar a procuradora por lavagem de dinheiro, já que o artigo do Código Penal que prevê punição pelo crime de auxiliar fugitivos estipula que cônjuges, filhos, irmãos e pais de criminosos não podem ser culpados por tentar ajudá-los. Os investigadores vão atrás de nomes que não haviam aparecido até aqui, como o de um casal de brasileiros apontados como amigos de Abdelmassih que vivem em Pedro Juan Caballero, do lado paraguaio da fronteira com o Brasil. No país vizinho, também foi lançada na sexta-feira uma investigação para descobrir quem ajudou o médico, que, segundo o diretor da Secretaria Antidrogas, Luis Rojas, tinha "contatos influentes, muito influentes". Terminou uma caçada, começa outra. ENFIM, JUSTIÇA – A estilista Vanuzia Lopes criou uma associação de vítimas do médico depois de sua fuga, em 2011. "MINHA FILHA VEIO ME PERGUNTAR SE SOU MÃE DELA" A prisão de Abdelmassih deu um alívio momentâneo às vítimas, mas os efeitos de seus crimes serão duradouros. Aqui, o relato de uma mulher de 43 anos que foi vítima dos abusos do médico e só conseguiu contar ao marido sete anos depois: "Tenho gêmeas de 11 anos, e uma delas é autista. A outra, a IN, começou a me questionar se somos realmente os pais dela. Antes mesmo da prisão do Roger, eu expliquei a elas como eu havia engravidado. Disse que foram crianças muito desejadas e que, como elas estavam demorando demais para chegar, fui buscá-las — fiz o tratamento. IN perguntava se era filha do remédio! Eu e meu marido fazíamos comentários toda vez que víamos uma notícia sobre o Roger na TV e, por isso, a IN nos perguntou quem ele era. Expliquei que ele era o médico do tratamento de gravidez. Agora, com a prisão e essas notícias de manipulação genética, ficou muito assustada e perguntou à minha mãe se era realmente nossa filha. Nós tentamos acalmá-la e dissemos que fizemos um teste para ter certeza, o que não é verdade. Não vamos fazer. Não mudaria absolutamente nada. Eu escolhi o Roger por causa da fama dele como o maior especialista em fertilização e procurei a clínica em 2002. Ele tirou meu marido do consultório duas vezes para pagar os boletos e me atacou. Na primeira vez, me deu um beijo na boca e, na segunda, me segurou com força pelo pescoço para me agarrar. Guardei esse segredo por sete anos. Mas um dia, em 2010, ouvi uma reportagem de denúncias contra ele no caminho para o trabalho e entrei em pânico. Somente a atitude dessas mulheres me encorajou a contar o que se passou ao meu marido e a também denunciar esse homem". COM REPORTAGEM DE NATALIA CACIOLI ____________________________________ 4# ECONOMIA 27.8.14 4#1 POTENCIAL PERDIDO 4#2 MAIS CRÉDITO ADIANTA.... 4#1 POTENCIAL PERDIDO As novas hidrelétricas não possuem reservatórios volumosos. Ponto positivo: o impacto ambiental é menor. Problema: o país fica mais vulnerável em períodos de seca. MARCELO SAKATE Maior obra em andamento no país, a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, significará um reforço essencial para aumentar a segurança energética brasileira. Quando passar a operar em sua totalidade, em 2019, vai ampliar a geração de energia do Brasil em 4600 MW médios, o que equivalerá a 6% da produção necessária para atender o país. Ajudará ainda a aliviar a conta da luz para o consumidor sem agravar a emissão de gases de efeito estufa, uma vez que se trata de fonte renovável de baixo custo. Durante quatro meses do ano, de fevereiro a maio, Belo Monte produzirá mais de 11.000 MW médios, próximo ao limite de sua capacidade. É uma contribuição equiparável à da usina de Itaipu, a maior hidrelétrica do país. Mas, nos três a quatro meses da chamada estação seca, a geração pode cair para menos de 1000 MW médios. O impacto positivo para aumentar a oferta energética poderia ser o dobro, caso o governo tivesse decidido bancar o projeto original, ainda que à custa de um dano ambiental maior, causado por uma área alagada igualmente mais extensa. Ao armazenarem água no período de chuvas, as usinas com represas conseguem evitar a queda acentuada da produção de energia durante a chamada estação seca. Ou seja, funcionam como uma espécie de poupança. Há duas décadas, se todas as usinas hidrelétricas brasileiras se encontrassem com suas represas cheias, elas poderiam gerar energia suficiente para abastecer o país por sete meses, caso parasse totalmente de chover. Esse nível de segurança é cada vez menor. Isso acontece porque o consumo de energia sobe a cada ano, mas, por questões ambientais, todas as novas hidrelétricas possuem reservatórios pouco volumosos. São as chamadas usinas a fio d'água. A capacidade total dos reservatórios nacionais seria hipoteticamente suficiente para suprir o abastecimento por quatro meses e meio — e se estivessem cheios, o que não é o caso hoje. A tendência, para os próximos anos, é de uma queda constante na capacidade energética armazenada na forma de água. "Não faz sentido desperdiçar um potencial equivalente a uma Itaipu com a decisão de não construir um reservatório em Belo Monte", diz Walter Fróes, presidente da CMU Energia. A determinação de abrir mão dos reservatórios perdura desde o início dos anos 90 e foi tomada por causa da preocupação com o meio ambiente, em um momento em que havia sobra de potencial energético e a economia patinava, aliviando o consumo. Hoje, a necessidade de geração de energia é maior, especialmente se for de uma fonte renovável mais barata. Com os reservatórios existentes em níveis historicamente baixos, um quarto da oferta nacional tem sido complementado pelas termelétricas, que operam à base da queima de combustíveis fósseis e são mais caras. Retomar a construção de usinas com represas deixaria o país menos vulnerável a estiagens prolongadas, mas sua segurança energética depende de também aumentar o investimento em fontes alternativas. Especialistas dizem que o Brasil precisa ampliar o aproveitamento da geração eólica, em especial da Região Nordeste, que é complementar à operação das principais hidrelétricas brasileiras. Os ventos na região sopram com maior intensidade no meio do ano, justamente quando o fim do período chuvoso diminui a produção hidrelétrica. Além disso, campanhas para combater o desperdício no consumo teriam impacto relevante para aliviar o desequilíbrio hoje existente entre oferta e demanda. Equipamentos eletrônicos como televisores e roteadores no modo stand-by respondem por até 15% dos gastos nos domicílios. Desligá-los nos momentos em que não são utilizados reduziria o consumo nacional em até 4%. As incertezas geradas pelo risco de racionamento e pelo encarecimento da eletricidade reforçam a necessidade de repensar o modelo energético para não deixar o país refém das chuvas. Menos energia reservada Sem a construção de novas hidrelétricas com grandes reservatórios, diminuiu a capacidade do Brasil de poupar água para a produção de eletricidade nos meses de estiagem (potencial de produção, em meses de demanda do sistema elétrico) 1995 7,2 2001 6,2 2009 5,4 2014 4,5 2021 3,4 (projeção) 4#2 MAIS CRÉDITO ADIANTA.... ADIANTA... ...se os brasileiros já estão com dívidas demais? Até recentemente, o crédito era uma das principais forças propulsoras da atividade econômica no Brasil. Nos últimos dez anos, o volume total dos empréstimos com recursos livres subiu de 252 bilhões de reais para 1,5 trilhão de reais, numa alta superior a 500%. Mas esse motor perdeu intensidade. Os brasileiros endividaram-se demais, e o crédito parou de crescer como no passado, o que contribuiu para segurar a atividade na economia. Uma pesquisa da Serasa Experian revelou que existem 57 milhões de pessoas com faturas e contas em atraso. Na semana passada, o governo anunciou medidas para destravar a concessão de financiamentos, graças a uma esperada redução no custo das operações. Na aquisição de veículos e máquinas, deverá ficar mais fácil para os bancos retomar os bens dos inadimplentes. A responsabilidade por impostos e multas estará a cargo do devedor. Atualmente, os bancos têm dificuldade para retomar as mercadorias financiadas e muitas vezes acabam obrigados a cobrir pendências tributárias. Como resultado, o crédito se torna mais caro. Deverá também diminuir a burocracia para a contratação do financiamento imobiliário. Haverá um cadastro único nacional, e não será mais necessário retirar certidões negativas em diversos cartórios. Será ainda criado o crédito que tem como garantia o imóvel quitado (o home equity), tradicionalmente a forma de financiamento pessoal mais barata nos países desenvolvidos, mas que aqui não prosperava por falta de um marco legal bem definido. Essas iniciativas deverão entrar em vigor nos próximos meses, e muitas delas dependem de aprovação do Congresso. ___________________________________ 5# INTERNACIONAL 27.8.14 5#1 A 5 QUILÔMETROS DO TERROR 5#2 A LIBÉRIA TRATA O EBOLA A BALA 5#3 UMA DOAÇÃO BILIONÁRIA 5#1 A 5 QUILÔMETROS DO TERROR O avanço dos jihadistas do Estado Islâmico sobre o território curdo foi, por ora, contido, mas o grupo continua lançando mão do seu repertório de maldades. DUDA TEIXEIRA, DE ERBIL Entre o posto mais avançado do Exército do Curdistão, conhecido como peshmerga, e os terroristas do Estado Islâmico (anteriormente conhecido pela sigla Isis) há um território vazio de apenas 5 quilômetros de largura. Nada se move, a não ser um blindado de reconhecimento que busca vestígios dos extremistas. Há duas semanas, eles foram expulsos do distrito de Makhmour, no sudoeste da cidade iraquiana de Erbil, pelos peshmergas e por caças americanos. No muro de um sobrado ainda se pode ler a pichação em árabe cuja tradução é "o Estado Islâmico permanece". Uma lanchonete tem uma parede crivada de balas e janelas quebradas. Dentro do prédio do centro juvenil de esportes, que por alguns dias foi o quartel do Isis, os soldados peshmergas encontraram roupas e objetos de mulher, que eles acreditam ser de uma entre os milhares de meninas da minoria religiosa yazidi que foram escravizadas pelos islamistas. Cartuchos usados de balas se acumulam na calçada em meio a garrafas plásticas de água vazias. A uma quadra dali, um pequeno monte de areia indica o lugar onde foi sepultado um dos jihadistas. Os moradores, que haviam fugido em massa, estão voltando para casa. A cidade de Erbil, cujo centro fica a 30 quilômetros de Makhmour, foi o último bastião do relativamente tranquilo e próspero Curdistão iraquiano a resistir à incursão do Isis. Mais ao sul, Bagdá também se mantém, por ora, livre do Estado Islâmico. Boa parte do Exército iraquiano foi mobilizada para defender a capital. O Isis ainda detém o domínio de um terço dos territórios da Síria, onde está baseado, e do Iraque, e segue com seu plano de instalar entre os rios Tigre e Eufrates o princípio de um califado de índole brutal e expansionista. No Iraque, os jihadistas têm sido atrozes com yazidis, cristãos, xiitas e até sunitas como eles. "Eles colocam bombas em todo lugar, até nos cadáveres de seus próprios combatentes", diz Mustafa Qadir Aziz, ministro da Defesa iraquiano. Mas Erbil, onde quase toda a população é da etnia curda, resistiu. Enriquecida pelo petróleo e com uma sociedade de contornos democráticos raros para os padrões do Oriente Médio, que inclui participação de mulheres na política e tolerância religiosa, a capital do Curdistão iraquiano foi considerada um tesouro precioso demais para ser rifado. Para defenderem a população de 1,5 milhão de habitantes, entre os quais funcionários do consulado americano, e as filiais de inúmeras empresas estrangeiras de petróleo, os Estados Unidos passaram a bombardear alvos do Estado Islâmico no dia 8 de agosto. Os moradores, que antes se preparavam para fugir de casa, voltaram ao trabalho, aos shoppings e aos parques de diversões. Agora, fazem coro em louvor aos soldados. Nas rádios, as músicas românticas foram substituídas por hinos nacionalistas. "Somos todos peshmergas", diz um deles. No front em Makhmour e nos checkpoints da estrada, alguns soldados ostentam a expressão "US Army" ("Exército dos EUA", em inglês) na camiseta. Não, não são americanos. São voluntários curdos que, para ser aceitos nas fileiras peshmergas, compraram do próprio bolso uma roupa camuflada e um par de botas por 70 dólares. Metade das forças de defesa da cidade é formada por esses abnegados. O presidente americano Barack Obama garante que não enviará suas tropas para combater no Iraque, de onde saíram há dois anos e meio. Existem, sim, alguns analistas militares dos Estados Unidos em Erbil, sempre muito vorazes nos bufes dos restaurantes dos hotéis da cidade. Eles trabalham em uma sala de operação com oficiais peshmergas. Após conseguirem a localização dos seus alvos, enviam os dados aos Estados Unidos e os caças descarregam suas bombas na hora marcada. As batalhas por terra contra o Isis são encabeçadas pelas forças peshmergas, mas também há soldados do Exército iraquiano, e por guerrilheiros do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), uma organização criada na Turquia que, por ironia, está na lista americana de entidades terroristas. Os peshmergas estão recebendo armas dos Estados Unidos e da França. O objetivo é continuar avançando contra as fileiras terroristas, para obrigá-las a recuar até a Síria. O secretário de Defesa americano Chuck Hagel, porém, admite que isso não será o bastante para livrar o mundo dessa ameaça. Na semana passada, o Isis divulgou na internet um vídeo em que o jornalista americano James Foley, sequestrado em 2012, é decapitado com uma faca por um carrasco de rosto coberto e sotaque inglês. Ele é um dos 4000 estrangeiros, que não são sírios nem iraquianos, recrutados pelo Estado Islâmico. Mesmo que o grupo perca território no Iraque, usará a Síria como plataforma de recrutamento, treinamento e planejamento para realizar atentados mundo afora. Por ora, Erbil, a cidade mais vibrante do norte do Iraque, está livre da ameaça jihadista. Na concessionária Jaguar, Land Rover e Toyota, os clientes continuam comprando carros de mais de 80.000 dólares em dinheiro vivo, já que não existe o costume de depositar valores no banco ou de usar cartões de crédito. "Tenho apenas dois seguranças, que nem sequer têm treinamento com armas pesadas", diz o inglês Chris Ward, gerente da loja, de propriedade de uma família curda. Os curdos prezam a recente riqueza material de sua região, mas orgulham-se ainda mais de outro bem: os valores democráticos. "Daqui a cinco ou dez anos, teremos uma democracia como a dos países da Europa ou Israel", diz o historiador Saadi Uthman Haruti, da Universidade de Salahddin. Apenas 5 quilômetros separam a linha de defesa desse enclave de civilização da barbárie do Estado Islâmico. UMA FINLANDESA CONTRA A JIHAD A milícia do PKK, um partido separatista curdo da Turquia, que já combatia o Estado Islâmico na Síria, agora o faz também no Iraque, em conjunto com os peshmergas. Metade dos seus guerrilheiros são mulheres. Os jihadistas temem ser mortos por elas, pois acreditam que isso os impede de entrar no paraíso. No quartel-general do PKK, nas Montanhas de Candil, a três horas de Erbil, existem muitas europeias. Adar Giyamed, de 26 anos, cidadã finlandesa, chegou ao acampamento há sete meses e se diz pronta para lutar. "Ao matar inocentes, o Isis vai contra a humanidade", afirma Adar. CONVERSÃO OU FUGA A vila de Caramless, onde vivia a dona de casa Hassina Hano Mati, de 60 anos, foi tomada pelo Isis. O chefe religioso dos terroristas disse aos únicos catorze moradores que não haviam escapado: "Vocês são livres para se converter ao islamismo". Dois do grupo, que antes tinham sido espancados, ficaram. Hassina fugiu com a família. "Nascemos cristãos. Por que nos converteríamos a outra religião?", diz Hassina. A viagem a pé até Erbil levou 24 horas. No caminho, foram roubados pelos jihadistas. EUFORIA E DISPUTA Uma parte do petróleo extraído do Curdistão é exportada por oleodutos controlados por Bagdá, mediante pagamento de 17% do faturamento ao governo autônomo local. Os curdos exigem mais. Por isso, vendem parte da produção diretamente à Turquia ou ao Irã, para onde é transportada de caminhão. Entre os que exploram esse filão estão os donos de 250 pequenas refinarias de Erbil. Eles compram petróleo cru e o transformam em nafta, diesel e benzeno. "Vivemos uma euforia parecida com aquela dos americanos quando descobriram petróleo no Texas, há quase 100 anos", diz Majeed Sourchy, dono das refinarias Hawler e Milet. 5#2 A LIBÉRIA TRATA O EBOLA A BALA O uso de força contra os cidadãos postos em quarentena demonstra a falta de controle sobre a epidemia do vírus. O confronto, na semana passada, entre o Exército da Libéria e os moradores de West Point, a maior e mais pobre favela da capital, Monróvia, revelou o despreparo das autoridades locais para enfrentar o ebola. Com mais de 50.000 habitantes, West Point é o epicentro da epidemia no país. Na tentativa de conter o avanço da doença, a presidente Ellen Johnson Sirleaf pôs a favela de quarentena e decretou toque de recolher, das 9 da noite às 6 da manhã. Na quarta-feira, sem que seus habitantes tivessem sido avisados, West Point amanheceu cercada por tapumes e arame farpado. Quem tentou sair foi impedido a tiros, cassetetes e bombas de gás lacrimogênio. Para a organização Médicos sem Fronteiras, são medidas inócuas, que apenas provocam medo e desconfiança. Uma das causas da disseminação do ebola — e não apenas na Libéria, mas também na Guiné e em Serra Leoa — é justamente a falta de confiança da população nos serviços públicos. Há motivos em profusão, atrelados à inépcia oficial. A Libéria é um dos países mais corruptos do mundo, segundo a consultoria Transparência Internacional. A Organização Mundial de Saúde relata casos de vilas inteiras com suspeita do ebola apartadas de qualquer investigação sanitária em virtude da resistência dos moradores. São as chamadas "zonas de sombra". Com medo de isolamento e abandono como resultado da quarentena, muitas famílias preferem manter seus mortos escondidos em casa, até que possam enterrá-los sem que ninguém veja — atalho para a proliferação da doença, já que o vírus se mantém ativo por até quatro dias depois da morte. Desde o início da epidemia, ao menos dois centros médicos já foram invadidos, com fuga de doentes. O maior hospital de Monróvia, o JFK Medical Center, nome dado em homenagem ao presidente americano, é chamado pelos liberianos de "Just For Killing" (em português, "só para matar"). Dos quatro países da África Ocidental atingidos pelo ebola, a Libéria é o mais castigado, com 41% dos 2615 doentes e 43% dos 1427 mortos registrados a partir do início da epidemia, a maior desde a descoberta do vírus, em meados dos anos 70. Nos Estados Unidos, os americanos Kent Brantly, médico de 33 anos, e Nancy Writebol, missionária de 59, receberam alta do hospital em Atlanta. Infectados enquanto cuidavam de doentes em Monróvia, repatriados no começo do mês, eles foram os primeiros a receber o medicamento experimental ZMapp. Ainda é cedo para atribuir a recuperação dos dois ao remédio. NATALIA CUMINALE 5#3 UMA DOAÇÃO BILIONÁRIA O Ministério da Saúde pagará mais 1,17 bilhão de reais pelos médicos cubanos. A conta já supera os 2,6 bilhões de reais. O infográfico abaixo parece a repetição de um publicado na última edição de VEJA, mas não é. Ele traz a atualização dos valores que o Brasil está gastando com a contratação de médicos cubanos. No fim de semana passado, enquanto a revista era distribuída em todo o país com a revelação de que o governo brasileiro já pagara à Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) cerca de 1,5 bilhão de reais e que, desse valor, mais de 1 bilhão fora abocanhado sem ônus pelo regime cubano, a Imprensa Nacional imprimia a edição do Diário Oficial da União que, na segunda 18, divulgou a aprovação de mais uma bolada para a ditadura de Raul Castro. O novo termo aditivo estabelece que o Ministério da Saúde pagará mais 1,17 bilhão de reais pelos serviços dos médicos cubanos que já estão no Brasil. Descontando os 58,8 milhões de reais que serão retidos pela Opas a título de comissão e os 30% que de fato serão usados para pagar os salários dos médicos, a ditadura cubana terá um lucro de 782 milhões de reais. Esse valor, somado ao que o governo brasileiro já pagou, representará até o próximo ajuste que já está em negociação um patrocínio total para a sobrevivência da ditadura caribenha de quase 2 bilhões de reais. No mesmo dia em que o aditivo foi publicado, a Opas recebeu um depósito de 280 milhões de reais. Por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério da Saúde explica que, sem a intermediação da Opas, não seria possível atender à demanda dos municípios pelo programa Mais Médicos. A pasta afirma que o contrato prevê que Cuba cubra as despesas com deslocamento e os custos de instalação. Mas não é bem assim. Os 11.400 médicos vieram em voos fretados da estatal cubana de aviação, a um custo irrisório diante do montante repassado. No Brasil, os deslocamentos dos profissionais foram realizados pela Força Aérea Brasileira. E a tal ajuda de custo para a instalação nunca foi entregue aos cubanos. A maneira como se fez a contratação dos cubanos para o Mais Médicos é escandalosa por dois motivos. Primeiro, porque permite que eles recebam um salário inferior ao dos profissionais de outras nacionalidades que atuam no mesmo programa. Segundo, porque com o dinheiro canalizado para sustentar uma das ditaduras mais longevas do mundo daria para pôr em prática um plano duradouro para solucionar os problemas estruturais da saúde pública no Brasil. Os 2 bilhões de reais seriam suficientes, por exemplo, para suprir com folga o déficit de leitos no Sistema Único de Saúde (SUS). O governo federal prefere dar o dinheiro do contribuinte a Raul Castro. LEONARDO COUTINHO OPERAÇÃO SALVA-CUBA II O círculo com a caricatura de Raul Castro mostra quanto do total aprovado ou já pago pelo Brasil para a importação de médicos ficará com o ditador cubano. 133 milhões de reais – Comissão da Opas 595 milhões de reais – Total pago aos médicos. 1,95 bilhão de reais – Lucro líquido da ditadura cubana. COM O VALOR QUE O REGIME CUBANO VAI RECEBER, DARIA PARA... ...construir 1388 UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) com capacidade para atender 150 pacientes por dia. ...comprar 15.765 ambulâncias, uma média de quase três por município. ...manter 17.716 leitos hospitalares no decorrer de um ano. Fontes: Conselho Federal de Medicina e Diário Oficial da União. _____________________________________ 6# GERAL 27.8.14 6#1 GENTE 6#2 SAÚDE – O DESPERTAR DAS BOAS NOITES DE SONO 6#3 EDUCAÇÃO – MUITA CALMA NESSA HORA 6#4 TECNOLOGIA – EM BUSCA DO SOM ORIGINAL 6#1 GENTE JULIANA LINHARES. Com Marília Leoni PRECOCE E PREVENIDA A modelo ISABELLI FONTANA sempre fez tudo antes dos outros. Virou modelo aos 13 anos de idade, mãe aos 19 e, agora, no esplendor dos 31 anos, com dois filhos, ostenta no currículo dois casamentos, um noivado e 220 capas de revista (é como se tivesse feito uma por mês ao longo de dezoito anos) — sem falar no pé-de-meia reforçado pela renda das linhas de roupas, óculos e relógios com seu nome. Mas há outra coisa que Isabelli começou a fazer muito cedo e não liga a mínima de contar, ao contrário de muita coleguinha de passarela que também faz mas não diz: a modelo é fã de um botoxzinho na testa. À revista ELLE, de setembro, ela diz que a injeçãozinha, "maravilhosa", dá "uma levantada na sobrancelha". "Faz um ano que eu comecei a usar de forma preventiva." Acertou? Resposta na foto ao lado. CORPO FECHADO O próximo e 13º disco de MADONNA deve se chamar Coração Rebelde, ela continua cobrando um dos maiores caches do showbiz (a apresentaçãozinha mais em conta sai por 1 milhão de dólares) e, há poucos dias, deu um passa-fora no namorado de 26 anos (nada a ver, claro, com o fato de ele ter declarado gostar da cantora porque ela se parece com a mãe dele, "independente e lutadora"). De férias em Ibiza, Madonna mostrou que tem mais do que farta disposição de espírito. E que o viço dos recém-completados 56 anos não é resultado só da malhação impiedosa da qual é adepta obsessiva: o combo cafetã, blusa de neoprene, chapelão e óculos escuros está lá para blindá-la de qualquer fiapo de luz. Como se o Sol fosse se atrever. DE VERDADE, É MELHOR O último capítulo de O Rebu será feito no mesmo dia em que ele for ao ar, em 12 de setembro, para garantir que nenhuma surpresa vaze antes da hora. Saber quem matou Bruno tem cutucado a curiosidade dos noveleiros, mas ver DANIEL DE OLIVEIRA e SOPHIE CHARLOTTE em cenas de paixão incandescente é de fazer grudar no sofá. Ainda mais agora, que todo mundo já sabe que o casal, na vida real, também está apaixonado — a ponto de ficar aos beijos em qualquer intervalinho de gravação, caso da foto ao lado. O corpo desenhado, o cabelinho idem (a primeira tesourada foi dada pela dona), sem falar no beicinho na hora de falar Bruuuno, o personagem de Daniel, são o charme de Sophie, mas o ator, que também conheceu a ex-mulher durante uma novela, tem lá sua pegada: a julgar pelo jeito que segura na mão de Sophie, o rebu é bão que só. ESTRELA DE DOIS IMPÉRIOS O nome real, Kelly Cristina dos Santos, ela trocou pelo artístico, CRIS VIANNA; a cabeleira, avolumou com megahair; e o corpaço (1,74 metro de altura e 62 quilos), mantém à custa de "70% de dieta, 30% de musculação e um namorado preparador físico", para quem "não tem essa de uma cervejinha de vez em quando, não", revela a atriz. Como Juju Popular, da novela Império, faz o que diz ser uma das mais dramáticas personagens das dez que interpretou na Globo: é mulher de um artista plástico trambiqueiro, que está preso e por quem ela deixou a carreira de dançarina e rainha de bateria. Já na vida real, Cris está longe de perder a majestade — tem trono cativo na Imperatriz Leopoldinense, escola de samba onde brilhará pela terceira vez no ano que vem. SEM BEICINHO NEM MI-MI-MI BRIGITTE BARDOT, 79 anos, fez três coisas na semana passada que quase nunca faz: deu entrevista (à revista Paris Match), absteve-se de falar do assunto predileto (os direitos dos animais) e ainda dedicou palavras amáveis a um humano — mais precisamente Marine Le Pen, a candidata à Presidência da França pela Frente Nacional, partido de direita que foi fundado por seu pai, o xenófobo e antissemita Jean-Marie Le Pen, e que ela tratou de adocicar. Para a atriz, Marine pode "salvar a França" e "é a Joana d'Arc do século XXI". Quanto a ela, disse, pretende continuar a falar o que pensa, ainda que isso "choque os pobres de espírito, os medíocres e os sectários". E podem fazer beicinho. 6#2 SAÚDE – O DESPERTAR DAS BOAS NOITES DE SONO A aprovação nos EUA de um novo remédio contra a insônia abre uma inédita frente de combate ao problema — a ideia é reduzir a substância que nos mantém acordados, e não incrementar aquela que nos leva a dormir. NATALIA CUMINALE Até o fim dos anos 90, o suplício das noites maldormidas esteve associado a um desequilíbrio no circuito cerebral do repouso. Todos os remédios contra a insônia desenvolvidos até hoje pela indústria farmacêutica, inspirados naquela clássica concepção, agem no cérebro regulando os níveis de GABA, o neurotransmissor responsável por nos pôr para dormir. Em 1999, em um laboratório da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, o psiquiatra francês Emmanuel Mignot descobriu a importância da hipocretina (também conhecida como orexina). Ao estudarem cachorros com narcolepsia, doença caracterizada por episódios repentinos e irresistíveis de sono, Mignot e sua equipe perceberam que as cobaias de laboratório apresentavam deficiência na produção da substância. Não tardou para que se constatasse uma característica comum aos insones, o cérebro inundado por hipocretina, que os deixa alertas, acordados. Como resultado de quase vinte anos de estudos, a FDA, a agência sanitária americana, aprovou, há duas semanas, o medicamento suvorexant. Fabricado pelo laboratório Merck e lançado com o nome comercial de Belsomra, ele é apontado pelos especialistas como um novo (e promissor) aliado do repouso noturno. Diz a médica Andrea Bacelar, da Academia Brasileira de Neurologia: "Levando-se em conta os resultados obtidos até agora, o suvorexant pode revolucionar o tratamento da insônia". Em uma pessoa saudável, a produção de hipocretina é inibida no começo da noite, quando o organismo começa a entrar em ritmo de descanso. Na madrugada, os níveis da substância são quase indetectáveis. Ela só volta a ser produzida no início da manhã, com pico de ação no meio da manhã ou à tarde, conforme os hábitos da pessoa. Por questões genéticas ou de estilo de vida, a hipocretina pode manter o circuito da vigília aceso além do esperado. Com isso, o metabolismo não desacelera, a temperatura corporal não diminui e as ondas cerebrais mantêm-se funcionando a pleno vapor. Chegado o momento de ir para a cama, começa a tortura. O sono não vem, rola-se de um lado para o outro da cama, os problemas do dia a dia transformam-se em monstros indomesticáveis... "Não durmo, jazo cadáver acordado, sentindo / E o meu sentimento é um pensamento vazio / Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam / Todas aquelas de que me arrependo e me culpo / Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam / Todas aquelas de que me arrependo e me culpo / Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada / E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo", escreveu o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), no poema Insônia, sob o heterônimo de Álvaro de Campos. Os trabalhos usados para a aprovação do suvorexant avaliaram mais de 1000 pessoas. Os insones tratados com o medicamento pegaram no sono 55% mais rápido e dormiram quase 60% além do tempo registrado entre os pacientes do grupo placebo. Pelos estudos conduzidos até agora, em comparação aos remédios tradicionais, o suvorexant ofereceria risco menor de dependência — um dos efeitos adversos mais temidos pelos médicos (veja o quadro nas págs. 96 e 97). Ele seria indicado para o combate da insônia crônica, mal que atormenta 20% dos brasileiros, uma multidão que custa a dormir ou dorme mal três vezes por semana, por pelo menos três meses. Análises da consultoria inglesa GlobalData. especializada no mercado farmacêutico, revelam que o suvorexant tem tudo para se sagrar um blockbuster, remédio cujas vendas ultrapassam a marca de 1 bilhão de dólares. Apesar do entusiasmo em torno do o.k. da FDA, o suvorexant está longe de ser a solução para todos os insones — e também não representa a condenação das soluções tradicionais. "Ele deve ser encarado como mais uma opção no tratamento da insônia", diz a neurologista Dalva Poyares, da Universidade Federal de São Paulo. O alerta da médica explica-se. Os processos fisiológicos envolvidos no ciclo de sono e vigília estão entre os mais complexos do corpo humano. O repouso noturno obedece a quatro etapas muito bem definidas que se repetem em ciclos de, em média, noventa minutos. Até hoje, apesar de todo o investimento na produção de fármacos mais precisos, não se inventou um remédio capaz de proporcionar as delícias que só o sono natural pode oferecer. O corpo descansado, a mente revigorada — disposição, enfim, para enfrentar um novo dia. Além disso, há que levar em conta as particularidades de cada paciente. Os progressos nos conhecimentos sobre o sono são relativamente recentes. Até meados do século XX, uma noite bem-dormida serviria apenas para repor as energias gastas durante o dia. Hoje em dia, sabe-se que o descanso noturno tem papel fundamental na manutenção da boa saúde. "Evidências científicas surgem diariamente sobre o impacto dos distúrbios do sono no aparecimento de distúrbios físicos e mentais", diz o neurologista Leonardo Ierardi Goulart, do Hospital Albert Einstein. Essa influência é tão grande que a insônia hoje é considerada fator de risco isolado para uma série de doenças. Sem o descanso noturno adequado, aumenta o risco de hipertensão, diabetes, baixa imunidade, derrame, doenças do coração e até obesidade. Um dos estudos mais recentes mostrou que quem dorme menos de seis horas por noite tem o risco de morte aumentado em quatro vezes. Se essa mesma pessoa sofre ainda de pressão alta ou diabetes, o perigo aumenta em sete vezes. Para a cognição, o aprendizado e a memória, as noites maldormidas são tão negativas quanto o abuso de álcool e o consumo de maconha. MECANISMOS DE AÇÃO, EFICÁCIA E EFEITOS COLATERAIS • O suvorexant, aprovado com o nome comercia de Belsomra, inaugura uma nova frente de combate às noites maldormidas. É o primeiro medicamento a atuar nos mecanismos cerebrais da vigília • Ele inibe a ação da hipocretina, a substância que nos mantém acordados. Produzida no hipotálamo, ela aparece hiperativada entre os insones • Nas pesquisas, em comparação aos pacientes tratados com placebo, os que receberam o suvorexant pegaram no sono 55% mais rápido e dormiram por um tempo até 57% maior Os principais efeitos colaterais (em ordem de ocorrência) • Dor de cabeça • Sonolência durante o dia • Comportamentos anormais à noite, como sonambulismo COMO AGEM AS CLASSES DE REMÉDIOS JÁ DISPONÍVEIS NO MERCADO BENZODIDAZEPINICOS - Surgiram na década de 50. Apesar de eficazes na indução do sono, têm alto potencial de causar dependência. Agem nos cerca de 500 milhões de neurônios sensíveis à ação do neurotransmissor GABA, a substância depressora do sistema nervoso. Os medicamentos mais usados Diazepam, clonazepam e bromazepam HIPNÓTICOS - Desenvolvidos na década de 90, atualmente são os remédios mais utilizados no combate à insônia. Mais seletivos do que os benzodiazepínicos, atuam em apenas um dos três circuitos GABA, o GABA-A, com 100 milhões de neurônios sensíveis à sua ação. Com isso, o risco de dependência é menor. Os medicamentos mais usados Zolpidem e zoplicone Fonte: Andrea Bacelar, neurologista tia Academia Brasileira de Neurologia UMA BREVE HISTÓRIA DA ARTE DE BEM DORMIR Ao longo dos séculos, os hábitos de sono se transformaram de acordo com os costumes de cada período e foram influenciados pelo surgimento de novas tecnologias - da iluminação artificial aos tablets. Até o século XVI As pessoas dormiam, em média, doze horas por dia. O descanso começava à noite, com um cochilo, de até quatro horas. Era o chamado "primeiro sono". Um manual médico do século XVI, por exemplo, recomendava a casais que desejavam ter filhos que tivessem relações sexuais "depois do primeiro sono", já que estariam descansados e seriam mais eficientes. Depois do "primeiro sono", despertava-se por cerca de duas horas. Durante esse período de vigília, era comum rezar, refletir sobre os sonhos, visitar os vizinhos... Isso tudo no meio da noite. Séculos XVII e XVIII O imperador Napoleão Bonaparte dizia: "Seis horas de sono para um homem, sete para mulheres e oito para um tolo". Ele tinha o hábito de dormir pouco. Acordava no meio da noite para trabalhar. No início da Revolução Industrial, o sono deixou de ser visto como uma atividade intelectual e as pessoas que dormiam demais passaram a ser consideradas fúteis e preguiçosas. SÉCULO XIX A mudança de comportamento mais impactante nos hábitos de sono foi causada pela invenção da lâmpada por Thomas Edison, em 1879. As atividades de lazer ou trabalho deixaram de se condicionar à iluminação natural. A luz artificial também tornou as ruas mais seguras e reduziu a criminalidade. Mais ativas, as pessoas perderam três horas de sono por noite. SÉCULOS XX E XXI Em 1963, a franquia americana 7-Eleven foi a pioneira ao inaugurar a primeira loja do mundo a oferecer serviços 24 horas. A chegada de tecnologias como rádio, televisão, celulares e tablets afetou o sono. Uma pesquisa realizada pela Fundação Nacional do Sono, dos Estados Unidos, mostrou que 95% das 1500 pessoas entrevistadas utilizaram equipamentos eletrônicos imediatamente antes de dormir. O comportamento é mais frequente entre os mais jovens. Segundo o levantamento, aqueles com idade entre 13 e 18 anos enviavam, em média, 56 mensagens de texto uma hora antes de dormir - enquanto os adultos entre 46 e 64 anos, cinco torpedos. OS MALEFÍCIOS DAS NOITES EM CLARO Dormir pouco (menos de seis horas) ou muito (mais de nove horas) e sem as condições adequadas para um sono reparador são fatores que influenciam diretamente a saúde Dormir mal... ...aumenta em quatro vezes o risco de morte, por problemas cardiovasculares, sobretudo ...afeta o desempenho acadêmico tanto quanto o abuso de álcool e o consumo de maconha ...aumenta em até cinco anos a idade real ...compromete a qualidade da memória e da fluência verbal ...engorda - 1 quilo a cada cinco noites maldormidas. TESTE VOCÊ DORME BEM? Desenvolvida na década de 80, a escala de Pittsburgh é utilizada pelos médicos para determinar a qualidade do sono. Os neurologistas Andrea Bacelar, da Academia Brasileira de Neurologia, e Leonardo Ierardi Goulart, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, adaptaram o questionário com exclusividade para VEJA. Ele não pretende substituir a avaliação de um especialista. Como fazer: responda às perguntas e some os pontos, considerando as instruções específicas de cada etapa. Ao final, confira o seu perfil no gabarito. ETAPA 1 – Qualidade Em geral, como você classifica a sua qualidade de sono? () Muito boa (0) () Boa (1) () Ruim (2) () Muito ruim (3) TOTAL: __________ ETAPA 2 – Latência A) Quanto tempo você demora até conseguir dormir? () Menos de 15 minutos (0) () De 16 a 30 minutos (1) () De 31 a 60 minutos (2) () Mais de 60 minutos (3) B) No último mês, com qual frequência você levou mais de 30 minutos para dormir? () Nunca (0) () Menos de uma vez por semana (1) () Uma ou duas vezes por semana (2) () Três ou mais vezes por semana (3) PONTOS: Questão A + Qustão B = Total _______ Some os pontos das duas questões: Se a soma da etapa 2 deu... 0 ...considere o resultado final ... 0 1-2 ...considere o resultado final ... 1 3-4 ...considere o resultado final ... 2 5-6 ...considere o resultado final ... 3 TOTAL: _____ ETAPA 3 – DURAÇÃO Quantas horas você dorme por noite? () Mais de 7 horas (0) () De 6:01 a 7 horas (1) () De 5 a 6 horas (2) () Menos de 5 horas (3) TOTAL: _____________ ETAPA 4 – Eficiência Preencha os espaços abaixo A) ____ Total de horas de sono por noite B) ____ Total de horas na cama Cálculo A() dividido por B() x 100 = ____% Eficiência do sono Se o resultado da equação deu... Mais de 85% ...considere o resultado final da etapa 4 ... 0 De 75% a 84% ...considere o resultado final da etapa 4 ... 1 De 65% a 74% ...considere o resultado final da etapa 4 ... 2 De 85% ...considere o resultado final da etapa 4 ... Menos de 65% ...considere o resultado final da etapa 4 ... 3 TOTAL: ______________ ETAPA 5 – Distúrbios No último mês, com qual frequência você teve os seguintes problemas: - acordou no meio da noite ou mais cedo que o habitual Nunca (0) Menos de uma vez por semana (1) Uma ou duas vezes por semana (2) Três ou mais vezes por semana (3) - teve de se levantar para ir ao banheiro Nunca (0) Menos de uma vez por semana (1) Uma ou duas vezes por semana (2) Três ou mais vezes por semana (3) - não conseguiu respirar de forma confortável Nunca (0) Menos de uma vez por semana (1) Uma ou duas vezes por semana (2) Três ou mais vezes por semana (3) - tossiu ou roncou muito alto Nunca (0) Menos de uma vez por semana (1) Uma ou duas vezes por semana (2) Três ou mais vezes por semana (3) - sentiu muito frio Nunca (0) Menos de uma vez por semana (1) Uma ou duas vezes por semana (2) Três ou mais vezes por semana (3) - sentiu muito calor Nunca (0) Menos de uma vez por semana (1) Uma ou duas vezes por semana (2) Três ou mais vezes por semana (3) - teve pesadelos Nunca (0) Menos de uma vez por semana (1) Uma ou duas vezes por semana (2) Três ou mais vezes por semana (3) - teve dores Nunca (0) Menos de uma vez por semana (1) Uma ou duas vezes por semana (2) Três ou mais vezes por semana (3) - outros (stress, barulho) Nunca (0) Menos de uma vez por semana (1) Uma ou duas vezes por semana (2) Três ou mais vezes por semana (3) Some os resultados e confira: Se a soma das questões da etapa 5 deu... 0 ...considere o resultado final da etapa 5 ... 0 1-9 ...considere o resultado final da etapa 5 ... 1 10-18 ...considere o resultado final da etapa 5 ... 2 19-27 ...considere o resultado final da etapa 5 ... 3 TOTAL: __________ ETAPA 6 – Medicamentos Com qual frequência no último mês você teve de recorrer a um remédio (prescrito ou não pelo médico) para conseguir dormir? () Nenhuma vez (0) () Menos de uma vez por semana (1) () Uma ou duas vezes por semana (2) () Três ou mais vezes por semana (3) TOTAL: ________ ETAPA 7 – Impacto A) Com qual frequência no último mês você teve dificuldade de manter-se acordado enquanto dirigia, se alimentava ou interagia com as pessoas? () Nenhuma vez (0) () Menos de uma vez por semana (1) () Uma ou duas vezes por semana (2) () Três ou mais vezes por semana (3) B) Durante o último mês, qual seu grau de dificuldade para manter-se animado e realizar suas tarefas? () Nenhuma dificuldade (0) () Pouca dificuldade (1) () Dificuldade moderada (2) () Muita dificuldade (3) Some as questões e confira: Se a soma das questões A e B deu... 0 ... considere o resultado final da etapa 7 ... 0 1-2 ... considere o resultado final da etapa 7 ... 1 3-4 ... considere o resultado final da etapa 7 ... 2 5-6 ... considere o resultado final da etapa 7 ... 3 TOTAL: _______ GABARITO Agora, some o resultado final das etapas e confira o gabarito a seguir Até 7 pontos O bem-disposto Seu sono costuma ser tranquilo e reparador. Você já sabe quantas horas precisa dormir para ficar bem, e sua rotina é disciplinada. Por isso, dificilmente você acorda sem disposição para enfrentar o dia. Entre 8 6 15 pontos O cansado É bom prestar atenção. Seu sono não é tão eficiente quanto o esperado. Se a falta de energia ao acordar é frequente, é preciso investigar o que pode estar atrapalhando a qualidade do seu sono. Modificar os hábitos, como manter horários regulares para dormir ou acordar, pode ser suficiente para que você se sinta mais disposto no dia seguinte. 16 pontos ou mais O exausto Está na hora de consultar um médico. Noites em claro ou qualidade de sono ruim têm um impacto enorme no seu cotidiano. É difícil ter energia e concentração para realizar tarefas básicas como lidar com a família ou o trabalho. Você pode ter algum transtorno de sono que esteja impedindo um sono reparador. Procure um médico. 6#3 EDUCAÇÃO – MUITA CALMA NESSA HORA CECÍLIA RITTO Do alto de seus nove séculos de excelência no ensino, a Universidade de Oxford, na Inglaterra, a mais antiga de língua inglesa no mundo, é um reconhecido celeiro de talentos, por onde passaram cinquenta vencedores do Prêmio Nobel. E como esse monumento à tradição e ao vigor acadêmico vem encarando a era da internet e seus cursos gratuitos e acessíveis a todos? "Estamos dando pequenos passos", responde, com muita cautela, o vice-reitor e principal executivo de Oxford, o químico Andrew Hamilton, 62 anos. Em visita ao Rio de Janeiro para falar sobre o papel da universidade no século XXI, ele expôs a VEJA suas reflexões sobre o mais candente dos assuntos na educação em todo o mundo. "SOBREVIVEMOS A GUTENBERG" A história de que as universidades vão ser varridas do mapa por causa da internet é uma especulação sem fundamento, muitas vezes espalhada pela parte interessada, as empresas que vendem educação on-line. É bom lembrar que Oxford tinha 350 anos quando Gutenberg inventou a tipografia e facilitou tremendamente o acesso aos livros. Isso teve um profundo impacto na distribuição de informação, mas não diminuiu o número de universidades; ao contrário, consolidou a instituição. Oxford completou 900 anos tendo sobrevivido a essa e outras reviravoltas. Vejo a internet mais como uma evolução do que como uma revolução. A cena do professor na frente da lousa passando a turmas de 100, 200 alunos problemas que vão absorvê-los em casa até altas horas está se invertendo. Agora, eles podem assistir à explicação on-line e discutir os problemas em grupo, na sala de aula. A rede está, isso sim, encorajando mais pessoas a frequentar as grandes universidades, só que de forma diferente. O FUTURO ON-LINE É da natureza do processo educativo promover a interação entre pessoas, uma comunicação de mentes em que as ideias se chocam e se aperfeiçoam. Esse tipo de conexão não se reproduz da mesma maneira de longe e em larga escala. Em Oxford, a graduação é estruturada em um sistema de tutores — professor e aluno, um a um, em vez da sala de aula cheia. É essa individualização, tão valiosa à aquisição do conhecimento, que jamais será replicada no ambiente virtual. A universidade, portanto, não perderá o seu papel. COMO NO CAMP NOU Nada se iguala ao prazer de estar presente numa sala de aula em que o professor instiga o intelecto. Qualquer um pode assistir a uma partida do Barcelona na TV, observar de vinte ângulos as jogadas de Messi e Iniesta sentado no sofá, com uma cerveja na mão, mas nada se compara à experiência de estar no estádio, lá no calor do Camp Nou. É claro que a televisão e a internet mudaram a percepção das coisas e abriram oportunidades para a apreensão de informação, mas não substituem a experiência de estar no meio dos acontecimentos. É assim no futebol. É assim também na universidade. UM DEGRAU PARA A POLÍTICA A presença em um câmpus vai muito além da palestra, da prova, da aula. Faz parte dessa vivência que o aluno interaja com outros estudantes, faça uma rede, esteja envolvido com atividades extracurriculares, seja partícipe de debates. Os debates, aliás, são um degrau inicial para os que pretendem ingressar na política, como tantos que já frequentaram Oxford. Outro ponto, de ordem mais prática, diz respeito à avaliação do aluno — ainda um desafio para quem pensa os cursos virtuais. Não é por acaso que, mesmo oferecendo aulas iguais às presenciais na internet. Harvard e Stanford não distribuem diplomas on-line como os que dão na graduação. A INGLATERRA É "DETALHE" Oxford é universalizada desde a Idade Média. Nosso primeiro aluno estrangeiro, Emo da Frísia, chegou em 1190 vindo de um condado dentro da atual Holanda. E a internacionalização só aumenta, claro. Hoje, 40% dos professores e dos alunos vêm de fora. É tanta gente que, às vezes, a localização na Inglaterra parece um mero acidente histórico. Isso leva a uma ampliação extraordinária da pesquisa, que abrange estudos sobre países do mundo inteiro e concentra todas as áreas do conhecimento humano. A excelência reside nessa diversidade. CONTRA A OBSOLESCÊNCIA Não há dúvida de que as regras universais das ciências e os fatos históricos têm de ser conhecidos e estudados, mas, muito além disso, é preciso ensinar os alunos de hoje a raciocinar, a ser críticos para distinguir a boa da má informação e, ainda mais importante, a ser originais, pensar coisas que não foram pensadas antes. Quem, há trinta anos, imaginaria a existência das mídias sociais e do Facebook, fenômenos que transformaram a maneira como as pessoas apreendem informações e se relacionam? Os acontecimentos, a tecnologia, as circunstâncias políticas, tudo está em rápida e constante evolução, e os alunos precisam desenvolver habilidades para conseguir acompanhar isso. Precisam afiar sua capacidade de adaptação ao novo. Do contrário, já sairão da faculdade obsoletos. O TOPO É O TOPO Sempre comentam que, nos rankings produzidos por ingleses, Oxford e Cambridge são as melhores universidades do mundo; já nas listas americanas, aparecem Harvard, Yale, MIT. A diferença, na verdade, é irrelevante. Todas essas grandes instituições estão entre as primeiras, no mesmíssimo elevado patamar — e nossa única preocupação é ficar nele. No dia em que deixarmos esse rol, aí, sim, perderei o sono. 6#4 TECNOLOGIA – EM BUSCA DO SOM ORIGINAL As tecnologias digitais reinventaram a indústria fonográfica. Mas os bons ouvidos sabem que a qualidade da música piorou quando o vinil virou CD e, depois, MP3. Um novo padrão, o HRA, é um extraordinário passo de volta à fidelidade da gravação em estúdio. JENNIFER ANN THOMAS E SÉRCIO MARTINS A música sofreu com a digitalização. E não somente pela pirataria, que estrangulou as gravadoras e reinventou o mercado fonográfico. As inovações representaram, sim, uma extraordinária melhora na distribuição de discos, agora baixados em minutos pelo iTunes e ouvidos em qualquer lugar por iPods. No entanto, houve substancial perda de qualidade sonora quando se passou do vinil para o CD e, posteriormente, para o hoje onipresente MP3. O decréscimo pode ser medido: nos vinis, as canções alcançam extremos de frequências sonoras quatro vezes maiores do que no MP3. Ouve-se, nas bolachas negras, a respiração do cantor enquanto ele espera o solo de guitarra — já no MP3, as potentes batidas de um baterista perdem relevo, como se toda a gravação estivesse atrelada a uma mesma planície, sem picos. Os bons ouvidos, é natural, se sentiram prejudicados. A exaltação de uma tecnologia de 1894, o vinil, em detrimento de uma de 1995, o MP3, sempre soou como tolo saudosismo. Não é. Na música, o passado vence. Essa discussão ganha amplitude, agora, com um novo padrão de gravação, conhecido por duas nomenclaturas, HRA (áudio em alta resolução, na sigla em inglês, a mais usada) ou HDA (áudio em alta definição), capaz de superar a qualidade de um vinil. Os arquivos de MP3 surgiram nos anos 90 — e viraram o principal meio de ouvir música nos 2000, com o iTunes e o iPod — como a solução para possibilitar o rápido download de músicas pela internet e também armazenar dezenas de milhares de faixas em tocadores que chegam a ter o tamanho de uma caixa de fósforos. Um disco inteiro em MP3 ocupa apenas 44 megabytes e é baixado em menos de seis minutos por uma conexão on-line mediana, de velocidade de 1 megabit por segundo (o plano regular de internet que se tem hoje no Brasil). A busca de leveza do arquivo, contudo, impõe danos. Programas que convertem CDs, ou mesmo diretamente o disco master (o primeiro que sai do estúdio), em MP3 identificam e eliminam frequências sonoras extremas da música. Na compressão, o MP3 retira a intensidade dos sons fortes e remove nuances. Além disso, impede que sons distintos sejam transmitidos ao mesmo tempo, separando-os por espaços de 200 milissegundos. Na prática, em um trecho com o barulho de um contrabaixo são descartados sons como as batidas dos dedos do guitarrista no corpo da guitarra. Diz o produtor Zeca Leme, do estúdio BTG, que já gravou a voz de contratenor de Ney Matogrosso: "Com a digitalização passamos a ouvir música de péssima qualidade. Como as pessoas escutam no trânsito, com alguém buzinando ao lado, ou como distração no trabalho, não dão bola, mas, com o equipamento certo, se parar para ouvir com atenção, qualquer leigo vai notar a diferença entre um MP3, um vinil e um arquivo em alta qualidade". O som em alta definição é tecnicamente possível de ser captado, mesmo com tecnologias comerciais, há mais de vinte anos. O processo de gravação consiste em registrar na íntegra o master de estúdio, sem se preocupar com o tamanho final do arquivo, que pode chegar a 2 gigabytes. O tamanho era o impedimento para a popularização: na era da internet discada, demoraria quase quarenta horas para baixar um disco, ou quase quatro horas para cada música. Mesmo na velocidade baixa da rede do fim dos anos 90, o mesmo CD em MP3 demorava menos de duas horas. O que mudou? Seguindo a infalível Lei de Moore, segundo a qual a capacidade de processamento deve dobrar, sem aumento de custo, a cada dezoito meses, a tecnologia avançou a passos largos. Hoje, é o download do disco em alta qualidade que leva duas horas, enquanto a versão em MP3 consome cerca de seis minutos. Ao gravar o arquivo em alta qualidade, escolhe-se o formato do áudio, e existe mais de uma dezena de opções que atuam como evoluções do MP3. O mais popular é o Flac, criado em 2001 por uma fundação sem fins lucrativos e cuja última versão, a mais estável, saiu em 2013. Essa de 2013 serviu, pelo primor do resultado, de ignição para o que pode ser uma nova revolução na indústria fonográfica. Um Flac mediano consegue preservar 70% do som original, o gravado em estúdio, o que equivale a um vinil da melhor categoria. Já um top de linha chega a 99%. Do que se trata o 1% restante? "Ainda falta captar os efeitos da reverberação da música em um ambiente em três dimensões, o que faz com que o som de cada instrumento chegue de forma distinta aos nossos ouvidos", diz o produtor e compositor americano David Chesky, pioneiro na tecnologia de gravação em alta qualidade com sua loja on-line HDTracks e a gravadora Chesky Records, pela qual fez discos de artistas do calibre do guitarrista John Pizzarelli. Ele trabalha agora em mais uma inovação, capaz de captar, de forma inédita, o modo como o som se espalha por uma casa de shows, ou um estúdio. Para tanto, saiu do tradicional ambiente de estúdio, passou a gravar em amplos teatros e criou, em parceria com a Universidade de Princeton, um boneco mecanizado, o B&K 4100, dotado de microfones especiais localizados onde seriam os ouvidos. Ele consegue simular com precisão a maneira pela qual o ouvido humano capta as variantes sonoras de um show. Promete Chesky: "Está em estudo ainda, mas acredito que conseguirei lançar um novo padrão de música em cinco anos. Aí, quem fechar os olhos e ouvir nessa qualidade futurista não conseguirá distinguir a reprodução de uma apresentação ao vivo". O único fator que ainda pode ser visto como impedimento para que Flacs e arquivos similares substituam de vez o MP3 é o preço. Para ouvir o som de primeira, não basta comprar o disco digital nesse padrão. É necessária uma série de aparelhos capazes de reproduzir as faixas com a qualidade da gravação. Para ouvir em casa: computador com internet de velocidade adequada, conversor digital-analógico, pré-amplificador (que refina o áudio antes de ele ser reproduzido, impedindo distorções), amplificador e caixas de som de última geração. Todo esse equipamento não sai por menos de 5000 dólares. Alguns se empolgam mais, e não é tão raro ver quem investe acima de 100.000 dólares. "Gastei o valor de um bom carro esportivo em todo o meu aparato", afirma o audiófilo paulistano André Borten, engenheiro elétrico, cuja coleção de discos inclui quase 900 gigabytes de música em alta definição. As caixas de som que estão na sala da casa de Borten, por exemplo, são da marca Raidho, que tem modelos que custam até 50.000 dólares. Para ouvir na rua, porém, é preciso bem menos. "Com 700 dólares, consegue-se comprar um bom fone de ouvido e um player adequado", calcula Chesky. O aparelho portátil não pode ser um iPod tradicional. Há dispositivos específicos, dotados de múltiplos processadores potentes para não engasgar na hora de reproduzir os arquivos pesados. A exemplo do Pono, uma espécie de iPod para música de alta qualidade, criado pelo músico canadense Neil Young, lançado neste ano, e que sai por 400 dólares. A empresa taiwanesa HTC fabricou os primeiros smartphones capazes de reproduzir adequadamente arquivos em Flac, e a concorrência correu atrás logo em seguida. Especula-se que o próximo iPhone também será desenhado assim. "Com isso podemos preservar trabalhos originais de artistas ao longo das décadas", disse Young, celebrando os novíssimos formatos. Além de aprimorar gravações de artistas contemporâneos, essa nova evolução fonográfica permite que se preservem, em formato digital, os discos master gravados há décadas. O álbum Elis, de 1972, clássico da carreira da cantora gaúcha Elis Regina, morta em 1982, é um dos que passam por esse processo. Lançado inicialmente em vinil, o disco foi vertido para CD e depois acabou sendo compartilhado em arquivos de MP3 criados por fãs. "Só que com a digitalização o som ficou sem vida, achatado", opina o produtor João Marcello Bôscoli, filho de Elis. Há três meses, ele iniciou um processo de remasterização da obra para transformá-la em Flac, o que recuperará muito da fidelidade do que aconteceu no estúdio no longínquo ano de 1972. "Dá até para escutar a respiração dela", resume Bôscoli, sobre o resultado. Os apreciadores de música muitas vezes usam termos quase esotéricos para definir a qualidade do som, como "sem vida", "quente", "sem alma". Atribui-se esse linguajar à dificuldade de definir por que sentimos tamanha diferença entre o som de um CD e o de um vinil. O CD é gravado em frequências de som entre 20 Hz e 20.000 Hz, registrado nos limites de captação do ouvido humano. O vinil, assim como o Flac, vai muito além disso, e somos incapazes de perceber todas as variações só de ouvido. "Esse som que às vezes ultrapassa a capacidade de identificação mesmo de um ouvido absoluto é que tratamos, de maneira imprecisa, como a alma da música", afirma o produtor americano Chesky. O novo formato pretende alcançá-la. FIDELIDADE AO ÁUDIO ORIGINAL Estúdio 100% Qualquer gravação perde qualidade ao ser transferida para os formatos que permitirão ouvi-la. Só ao vivo se percebem todas as nuances de uma música, como os ápices e baixos de frequência e a superposição de um instrumento a outro. Um trompete como o de Miles Davis nunca soará límpido como em seu mágico sopro original . Vinil 70% Desde quando: 1894 Para ouvir: vitrola ou gramofone. Como é gravado: em processo artesanal, a gravação original (a master) é feita em estúdio e usada como base; os sinais elétricos da música do estúdio são replicados no vinil por meio de sulcos. CD 50% Desde quando: 1982 Para ouvir: CD player (o primeiro foi o CDP-101, da Sony) Como é gravado: registram-se a laser as informações do áudio em um CD com um padrão que sempre faz com que o som jamais ultrapasse frequências de 20.000 Hz, um quinto da capacidade de um vinil de atingir os picos originais de frequência dos instrumentos musicais. MP3 5% Desde quando: 1995 Para ouvir: players, como o popular iPod Como é gravado: o formato comprime o tamanho original da gravação. Um tocador de MP3 armazena até 40.000 arquivos. Resultado negativo: o som das fortes batidas de uma bateria, por exemplo, nunca atinge os relevos de um vinil ou mesmo de um CD. HRA 99% Desde quando: 2001 (a última versão é de 2013) Para ouvir: em casa, é preciso ter computador, conversor digital-analógico, pré-amplificador, amplificador e caixas de som; na rua, fones de ouvido e players especiais Como é gravado: registra-se digitalmente a master do estúdio, na íntegra, sem preocupação com o tamanho final do arquivo. A gravação é convertida para formatos como Flac, o mais popular, ou Alac, da Apple. Onde são armazenadas 30.000 faixas em MP3, cabem apenas 800 em HRA. PRESERVADOS PARA SEMPRE Além de aprimorarem gravações de artistas contemporâneos, os formatos em altíssima qualidade, como o Flac e o Alac, permitem replicar na íntegra o disco master, o original que sai do estúdio, de clássicos de décadas passadas, praticamente sem perdas. Assim não se corre o risco de o master quebrar, ou riscar, e momentos históricos em estúdio serem perdidos para sempre. Neste quadro, discos clássicos que ganham novas versões. Disco: Elis Artista: Elis Regina Data de lançamento do original: 1972 Data da conversão para alta definição: 2014 [*previsão de lançamento] Disco: RAM Artistas: Paul e Linda McCartney Data de lançamento do original: 1971 Data da conversão para alta definição: 2012 Disco: Thriller Artista: Michael Jackson Data de lançamento do original: 1982 Data da conversão para alta definição: 2013 __________________________________ 7# ARTES E ESPETÁCULOS 27.8.14 7#1 LIVROS – A PROCURA POR TODAS AS RESPOSTAS 7#2 LIVROS – A FICÇÃO BRASIL 7#3 MÚSICA – CHICOTE E PAETÊS 7#4 CINEMA – ESA LOIRA É FATAL 7#5 CINEMA – A FÉ DOS CONVERTIDOS 7#6 VEJA RECOMENDA 7#7 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 7#8 J.R. GUZZO – CHARADA NA CAMPANHA 7#1 LIVROS – A PROCURA POR TODAS AS RESPOSTAS Em um ensaio ambicioso, o físico Marcelo Gleiser revisa séculos do esforço humano para explicar tudo o que existe — e sugere que a tentativa está fadada ao fracasso. FILIPE VILICIC Para quem olha de fora, a ciência parece nos fazer caminhar continuamente para a frente. Para os que tentam olhar de dentro (sejam cientistas, filósofos ou diletantes inquietos que não se contentam com o vislumbre exterior), ela muitas vezes parece refletir um problema persistente: quanto mais acumulamos teorias ou inovações tecnológicas, maior a sensação de andar em círculos. Desde o surgimento do homem moderno, há cerca de 200.000 anos, queremos, com nossas ideias — tanto aquelas embasadas na realidade quanto as puramente fantasiosas —, responder às mesmas questões. Por que tudo existe, e não o nada? Por que estamos aqui? Por que pensamos? A despeito dos avanços científicos, nunca achamos soluções para essas dúvidas primordiais. A Ilha do Conhecimento (Record; 364 páginas; 52 reais, ou 36 reais na versão digital), o novo livro do físico e astrônomo carioca Marcelo Gleiser, mergulha nesse problema perturbador. Naturalmente, Gleiser não tem a ambição de encontrar as respostas. Ao tecer a história das mentes geniais que se debateram pelo progresso do conhecimento, ele chega a uma conclusão austera: o mais provável é que não haja, jamais, como explicar tudo. Para alguns, isso será desmotivador. Mas há alento. A procura pelas respostas, por si só, é o desafio mais divertido que existe para o intelecto. A Ilha do Conhecimento é, assumidamente, o projeto mais audacioso de Gleiser, escritor superprodutivo que tem entre suas obras Criação Imperfeita, sobre como o universo é resultado do caos e não da perfeição, e A Dança do Universo, ensaio acerca do nascimento do cosmos. Aqui ele parte da metáfora filosófica da qual tira o título do livro. Nesse esquema, o acúmulo do conhecimento humano é retratado como uma ilha. O desconhecido é o oceano em torno dela. Conforme aumenta nosso conhecimento, cresce também a extensão territorial de nossa ilha. Só que isso de nada adianta, pois o oceano é infinito. Isso significa que, quanto maior se torna a ilha, maiores são as fronteiras que abrimos para o desconhecido. Em efeito contínuo, o sentimento de ignorância e insuficiência não só prevalece, como ganha em intensidade e abrangência. Gleiser divide seu livro em três partes. Na primeira, relaciona os esforços humanos para tentar compreender, por meio da física clássica, o mundo macroscópico ao nosso redor. Este é aquele que vemos, feito de árvores, prédios, planetas, estrelas, galáxias. Depois, o autor migra para o micro, o das partículas que não podemos ver, mas cuja existência é atestada em fórmulas matemáticas e nos efeitos que esse tijolos microscópicos causam no mundo. Aqui, Gleiser recorre às intrincadas teorias quânticas, campo de seu domínio. Por fim, encerra com discussões em torno das tentativas de estudar nossa própria mente. Nas duas primeiras partes, o autor está à vontade. Explica, com muita desenvoltura, como mentes brilhantes observaram o mundo, encarando o céu — símbolo máximo do mistério da existência, e de nossa pequenez diante dele — com a dúvida característica do olhar científico. Aqui trata, ora de forma didática, ora pela via filosófica, das teses de Platão, Tycho Brahe, Galileu Galilei, Albert Einstein. Na sequência, mostra como os gênios modernos procuram explicar o universo microscópico, atividade em que a física clássica é descartada para dar lugar à física quântica, reino de teorias que mostram quão complexa pode ser a realidade. Na lista de formulações que para o leigo parecem mirabolantes estão a supersimetria, a teoria das cordas e a ideia do multiverso. No percurso, Gleiser se empenha em demonstrar ao leitor o impacto do pensamento científico e filosófico ao longo de séculos (veja exemplos abaixo). Chega ainda a flertar com as ideias religiosas sobre a existência. Mas faz isso apenas para habilmente descartá-las. Essas seções devem satisfazer o desejo do leitor em saber mais sobre o que se pode saber — sobre a vontade inerente ao homem de tentar compreender tudo (não se recomenda a leitura para os que não são afligidos por essa ansiedade; para estes, as especulações da física podem ser enfadonhas). A terceira e última parte, porém, não chega lá. Falta a Gleiser o mesmo traquejo para falar da mente humana, principalmente quando entra em questões de dificílima argumentação — por exemplo, se a realidade existe, ou se não passa de uma ilusão criada por nossa consciência (o autor aposta na primeira alternativa). Ou se máquinas dotadas de inteligência artificial um dia chegarão a apresentar consciência, o que em muitos sentidos as igualaria a nós. Vale dar a Gleiser um desconto, porém. Mesmo neurocientistas de envergadura notável, como o português Antonio Damasio, ainda tateiam à cata de um caminho no enigmático terreno da mente. O maior mérito do autor, porém, se revela por completo apenas ao se encerrar a leitura. É provável que o leitor esteja tomado pela inquietação ao término desse passeio intenso por séculos de debates sobre as nossas maiores dúvidas, fomentados pelas inteligências mais formidáveis que andaram entre nós. As indagações que ele deixa são atordoantes. Dois exemplos: seria o universo matemático? Estaríamos nós decodificando fórmulas e leis próprias da natureza, ou, ao contrário, apenas criamos, com nossas fórmulas, artifícios para resolver os enigmas naturais com os quais deparamos? A segunda pergunta representa um tormento ainda maior. Haverá uma "teoria de tudo", capaz de explicar em definitivo todos os porquês? Ou, como acredita o autor, apenas nos debatemos com infinitas teses que só levantam mais e mais mistérios? A Ilha do Conhecimento, enfim, guarda o potencial para fazer o leitor se sentir como Max Cohen, protagonista de Pi, instigante filme do diretor americano Darren Aronofsky. Na história, Max, matemático dotado de habilidade inigualável para questões abstratas, corre atrás de um número de 216 dígitos que poderia ser a tal fórmula definitiva para explicar tudo. O que ele ganha com isso? Paranóia, alucinações e distúrbios mentais dos mais variados — além de uma aguda dor de cabeça que só cessa quando Max decide perfurar seu crânio com uma furadeira. O método de Gleiser é bem mais gentil, claro. Mas seus efeitos talvez se provem igualmente incisivos. AS FRONTEIRAS DO CONHECIMENTO "A combinação de um universo com idade finita — o tempo passado desde o Big Bang - e a velocidade da luz limita de forma insuperável quanto podemos conhecer do cosmos", escreve Marcelo Gleiser em seu livro. A imagem ao lado é o retrato desse entrave. Feita pelo satélite Planck, ela registra o universo que conseguimos observar, cujas fronteiras representam a luz mais antiga a atingir o planeta - quando o cosmos tinha 380.000 anos de existência (diante dos quase 14 bilhões de hoje). As marcas coloridas são a radiação cósmica de fundo, registro criado quando elétrons se combinaram com prótons em partículas de hidrogênio, e os fótons da luz puderam pela primeira vez voar livremente. Antes disso, o universo não era visível. Este é, portanto, o máximo que conseguimos hoje voltar no tempo para explorar a origem de tudo. A BUSCA PELA EORIA DE TUDO... ...é traduzida pela mítica pedra filosofal, ou elixir (do árabe al-ik-sir, "a receita efetiva"). Além de contar com o legendário poder de transformar metais básicos em ouro, em algumas versões ela conferiria imortalidade. Sua procura, aqui retratada no quadro do inglês Joseph Wright, era conhecida na alquimia como Magnum Opus. Essa "grande obra", no entanto, se mostrou inútil: soluções mágicas só existem na ficção, não na natureza. A esperança de achar resoluções definitivas permeia ainda hoje a filosofia e as ciências. No fim, a "teoria de tudo" pode não passar de uma ilusão, como o foi a pedra filosofal. “Ó CEGOS OBSERVADORES DO CÉU” É o que falava o dinamarquês Tycho Brahe no século XVI. O genial astrônomo herdou uma fortuna (que incluía uma ilha inteira, com todos os seus habitantes) do rei de seu país, Frederico II, mediante uma condição: "Dedicar-se aos seus studia mathematicas". Brahe cumpriu a missão com louvor. Criou um laboratório com quadrantes, sextantes, astrolábios e, com isso, revolucionou a forma como observamos o céu, criando os alicerces da astrofísica moderna. Brahe foi ainda mentor de Johannes Kepler, um dos cientistas mais geniais da história, e influenciou o trabalho de nomes do calibre de Galileu Galilei. O mural feito pelo pintor holandês Joan Blaeu retrata o observatório de Brahe “IMAGINAÇÃO É MAIS IMPORTANTE QUE CONHECIMENTO” É o que postulava Albert Einstein, o rosto mais conhecido da física e dono de um singular poder de imaginação. A ele, devemos fundamentos da física moderna criados por uma mente capaz de decifrar, em números, a natureza. Suas duas maiores contribuições: o conceito de que espaço e tempo são elásticos - e que a atração da gravidade se deve à curvatura desses fatores em torno de um corpo -, o que levou à revisão de teorias clássicas; e a fórmula mais famosa de todas, E=MC2, que de forma inédita e revolucionária equalizou energia e massa. A ARGAMASSA DO UNIVERSO A imagem acima vale mais de 10 bilhões de dólares? Sim. Foi o que custou construir, na Suíça, o enorme experimento composto de túneis e aceleradores de partículas que, em 2012, chegou a essa fotografia. Trata-se do registro deixado pelo bóson de Higgs num desses aparelhos. Criado instantes após o Big Bang, esse bóson foi o que desacelerou as partículas primordiais, convertendo energia em massa, e assim formando nosso mundo. Sem ele não existiria o universo, ao menos não como o conhecemos. Se o bóson de Higgs não fosse descoberto, as teorias que o prediziam seriam demolidas - e toda a física iria ruir. 7#2 LIVROS – A FICÇÃO BRASIL Na obra do modernista Raul Bopp, os temas nacionais importam menos que a invenção verbal. Sérgio Buarque de Holanda, que antes de se tornar historiador indispensável já era um crítico literário de primeira, estava em Berlim, no fim dos anos 20, quando o poeta gaúcho Raul Bopp (1898-1984) lhe escreveu informando-o do seguinte: "Istambul é uma delícia. Desgraçadamente não me será possível ir até ao Egito, conforme era meu propósito. Sigo entrementes para Atenas". Mas essas palavras são a interpretação que Sérgio deu a um lacônico telegrama de Bopp: "Istambulíssimo inegiptível atenizarei". O original ilustra características centrais do poeta: a escolha precisa de palavras que se encaixam sem falha e que a sintaxe opulenta do autor articula nos mais rematados versos livres do primeiro modernismo. Ao contrário do que ocorre em quase todos os poetas de sua geração, em Bopp o verso livre é, demonstravelmente, verso e livre. Poucos autores brasileiros foram capazes de manejar com tamanho proveito os recursos que a linguagem em geral e nossa língua em particular põem à disposição de todos. Na reedição ampliada de sua Poesia Completa (José Olympio; 392 páginas; 45 reais), Raul Bopp se revela superior a seus colegas mais famosos e supervalorizados: Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Conhecido como autor da fábula amazônica Cobra Norato (1931), a mais bem-sucedida narrativa poética de média extensão da literatura brasileira moderna, o gaúcho também escreveu outros tantos poemas que tematizam a história, a sociologia, o folclore e a política do país, mas não se reduzem aos assuntos de que tratam. O vigor e a inventividade de sua linguagem revitalizam motivos que, em mãos menos hábeis, seriam batidos e banais. Daí, em termos de qualidade poética, a profunda irrelevância de Bopp ter cruzado o país de alto a baixo e de lado a lado, e de ter se empenhado naquilo que outros modernistas consideraram arrogante e ingenuamente como a redescoberta do Brasil. A ficção verbal que leva esse nome é, nos versos do criador de Cobra Norato, apenas outro elemento composicional, nem sequer mais relevante que, digamos, a regência verbal ou as metáforas derivadas do vocabulário escolar infantil. A qualidade do poeta eleva sua obra acima do nacionalismo obsoleto e obsessivo (mesmo que ocasionalmente irônico em Oswald) dos contemporâneos modernistas, imbuídos todos de um zelo missionário. Comparar Bopp com alguém como Mário leva-nos a compreender por que, com sua poesia desengonçada, esse autor de um solitário livro duradouro (Macunaíma) tem um prestígio e um círculo de leitores confinados aos cursos de letras. Ninguém constatou tudo isso melhor do que Carlos Drummond de Andrade. Ainda nos anos 50, ele observou: "O que interessa nas poesias de Raul Bopp não é o estado 'antropofágico' em que foram concebidas; é precisamente o terem subsistido a esse estado. Seus mitos, tocados pela transfiguração poética, perduram quando já não há eco das especulações lítero-filosóficas que os utilizavam". NELSON ASCHER 7#3 MÚSICA – CHICOTE E PAETÊS Rob Halford, da banda Judas Priest, conta como os fãs metaleiros receberam a revelação de que ele é gay. Metaleiros podem ser muito conservadores. Por isso Rob Halford, vocalista do furioso grupo inglês Judas Priest, causou certo choque ao assumir sua homossexualidade em entrevista à MTV americana, em 1998 (as roupas de couro do cantor, é verdade, já levantavam suspeitas). Ainda mais herético para os fãs da pauleira foi o anúncio, na mesma ocasião, de que Halford, desligado do Judas Priest desde 1992, estava criando o 2wo, projeto que flertava com a música eletrônica. Não durou muito: em 2000, à frente de uma banda que levava seu sobrenome, ele voltou a fazer o rock pesado que lhe valeu o título, dado por fãs, de Deus do Metal. Três anos depois, Halford retornava ao Judas Priest, que agora está lançando Redeemer of Souls. Os metaleiros, diz ele, afinal não são assim tão conservadores quanto se imagina. "Passei anos morrendo de medo de ser rejeitado. Mas finalmente descobri que os fãs não ligam para o fato de eu ser gay", diz. O couro, as correntes e os chicotes que eram parte obrigatória dos shows do Judas Priest nos anos 70 pareciam saídos de clubes de sadomasô gay. Mas os ornamentos, diz o vocalista, condiziam com canções como Hell Bent for Leather (em tradução muito livre, "estralando o chicote") ou Breaking the Law ("infringindo a lei"). Depois da entrevista, Halford foi chamado várias vezes a falar de sua homossexualidade, a ponto de se tornar, na sua própria definição, o "Quentin Crisp do rock pesado". O histórico ativista gay inglês, aliás, tem um fã em Halford: "Quando conheci Crisp, pedi a ele que autografasse um de seus livros. Foi uma emoção equivalente a ser negro e conhecer Martin Luther King ou Rosa Parks". Halford facilitou a outros batedores de cabeça que saíssem do armário. Seis anos atrás, Gaahl, então vocalista do grupo de rock satânico Gorgoroth, admitiu ser gay (ligeiramente mais complicado é o fato de ele ter sido preso por torturar um homem, coletar seu sangue e bebê-lo durante um ritual satânico). Influência fundamental para bandas como Iron Maiden e Metallica, o Judas Priest foi pioneiro em encampar o rótulo "heavy metal" — e ajudou a formatar o gênero, "embranquecendo" o rock pesado que até então ainda tinha raízes no blues americano e dando um toque marcial à seção rítmica. Mas isso foi lá nos anos 70. Redeemer of Souls é um trabalho menor do quinteto inglês. A poesia - nunca foi o forte do grupo, mas as letras desta vez estão especialmente ruins, com usos bisonhos para deuses nórdicos, múmias e o mito do rei Dâmocles. "O heavy me tal sempre flertou com o fantástico e com a mitologia", diz Halford. Te cuida, Andrew Lloyd Webber. SÉRGIO MARTINS 7#4 CINEMA – ESA LOIRA É FATAL Espirituoso e exuberante, Lucy confirma o faro de Luc Besson para escolher seus atores — aqui, Scarlett Johansson cai como uma luva no papel — e anuncia a melhor fase de sua carreira. ISABELA BOSCOV Em um plano bem fechado, Lucy leva uma conversa mole com Richard: pelos brincões e jaqueta de oncinha dela, e pela barbicha e chapéu de caubói dele, fica claro que nenhum dos dois está em seu lugar na Taipei que se vê ao fundo. Richard quer convencer Lucy a levar uma certa maleta a um certo Sr. Jang. Lucy faz onda, Richard joga um charme para cima dela. Lucy quase cede e daí recusa; Richard de repente se cansa do papo e algema a maleta ao pulso de Lucy. Agora a barra pesou. E, nessa interação tão breve mas tão bem filmada que abre Lucy (França, 2014), em cartaz a partir desta quinta-feira, o francês Luc Besson mostra sem esforço aparente e com fluência sedutora algumas das razões pelas quais, a despeito de pontos baixos (entre os quais sobressai o equivocado Joana d'Arc de 1999), sua carreira dura já tanto tempo e se consolidou como uma significativa potência comercial do cinema europeu. Primeiro, há os atores: Lucy cai como uma luva para Scarlett Johansson, que é uma estrela mas tem senso de humor e jogo de cintura suficientes para persuadir o espectador de que sua personagem é uma periguete que está em sabe-se lá qual parada em Taiwan — e para, no tempo que resta, metamorfosear- se em uma espécie de super-Lucy. No polo oposto do espectro está, no papel de Richard, o dinamarquês Pilou Asbaek, conhecido, se tanto, por quem viu produções escandinavas como o filme O Sequestro ou a série Borgen. Aí, nessa cena de abertura, termina a participação de Asbaek, mas ela é memorável: Besson foi sempre um olheiro fenomenal de atores (veja a entrevista na pág. 118), e em seus filmes é que despontaram para o público nomes como Natalie Portman, Jean Reno, Milla Jovovich, Jason Statham e, recentemente, até Liam Neeson em sua nova configuração como herói de ação. Depois, há a intimidade de Besson com a câmera e sua certeza de aonde quer chegar. Lucy é uma bobagem, como a maioria dos filmes dirigidos ou produzidos pelo cineasta. Mas uma bobagem fluida, espirituosa, divertida, envolvente e encadeada de forma a atingir um nível de insanidade próximo ao do desabrido cinema sul-coreano. Vindo de outro grande acerto, A Família, com Robert De Niro e Michelle Pfeiffer, Besson parece estar agora, aos 55 anos, em sua melhor fase. A pobre Lucy, com a maleta algemada ao pulso, será levada à presença do Sr. Jang (o grande Choi Min-sik, de Oldboy), um gângster nefário que lava as mãos sujas de sangue com água mineral, sobre o carpete do quarto, e implanta na cavidade abdominal da garota uma embalagem de meio quilo de uma droga nova e fortíssima. Tentando defender-se dos avanços amorosos de um capanga de Jang, Lucy leva um pontapé, a embalagem se rompe, e todo o meio quilo de droga entra no seu sistema. Efeito inesperado: a loira desmiolada tem sua capacidade cerebral pouco a pouco multiplicada pela substância, até transformar-se na mais letal de todas as loiras que já passaram pelo planeta. Quem explica as fases de sua metamorfose (sem saber que o está fazendo) é o professor Norman (Morgan Freeman), um eminente pesquisador que dá uma palestra em Paris. A uma plateia atenta, ele descreve as mudanças por que teoricamente passaria um ser humano que tivesse o uso de seu cérebro potencializado até o máximo. A alternância entre os pontos da teoria e sua ilustração prática não é um recurso novo, de fato. Mas Besson controla os tempos tão bem que, em vez de revelar seu desgaste, ele se torna excitante, brincalhão, quase inovador. A cada vez mais poderosa Lucy é o alvo para o qual vão convergir o Sr. Jang — que obviamente quer reaver seu produto —, o professor Norman, um policial parisiense (outro excelente desconhecido, o egípcio Amr Waked) e todo um sortimento de tipos incomuns. Tão voluptuosa (e enxuta, com exíguos 89 minutos) é a narrativa de Lucy que, quanto mais absurda a situação, mais deliciosa também ela fica. O Besson maduro, produtor de pelo menos meia dúzia de filmes ao ano, finalmente começa a parecer agora uma versão decantada do Besson iniciante que fez fama com Subway, Nikita e O Profissional. Sua evolução, pelo jeito, pode estar apenas começando. "SOU UM ESFORÇADO" O diretor Luc Besson falou a VEJA sobre sua sorte crônica com os afores, o desejo "sincero" de melhorar sempre e a bronca dos franceses com o cinema comercial. O ritmo e o encadeamento tão fluentes de Lucy mostram que aí há um diretor em absoluto conforto. É assim que o senhor se sente? Sim - e já era hora! Sou um esforçado: desde o início da carreira tentei sempre, com maior ou menor êxito, aprender, melhorar, me aprimorar. Mas nos últimos anos tenho experimentado essa sensação de facilidade e fluidez. De alegria mesmo. Talvez seja o tempo. Um artista tem obrigação de viajar, conhecer, ver. É um conhecimento cumulativo do mundo e de si mesmo, acho eu. Jean Reno, Natalie Portman, Milla Jovovich e Jason Statham tiveram todos sua chance decisiva por seu intermédio, como diretor ou produtor. Como saber que aquela é a pessoa certa sem ter jamais trabalhado com ela? O talento sempre pertenceu a eles; não fui eu que o fiz ou descobri. Se tenho algum mérito é o de sacar a posição certa no campo em que eles deveriam jogar. Feitas as contas, a sorte de conhecê-los foi mais minha do que deles: um bom ator faz o sucesso de um filme. Inclusive os ainda não tão conhecidos, como, em Lucy, Amr Waked, Pilou Asbaek ou Choi Min-sik, que é muito famoso na Coreia. São atores com presença, senso de espetáculo. Conhecer gente, aliás, é um dos prazeres da vida. Quem se mantém humilde e aberto à criatividade dos outros só vai lucrar. O senhor é sócio de uma das produtoras mais poderosas do continente, a EuropaCorp. Mas a crítica francesa adora dizer que o senhor representa tudo o que há de errado com o cinema. Isso o perturba? Não muito. Sou quem sou, faço o que quero e me esforço sempre, com sinceridade, para melhorar. Não gosto das grosserias que ouço e leio, mas tento evitar que isso me afete em um nível pessoal. Veja, os franceses adoram pôr a culpa de tudo na força comercial do cinema americano, dizendo que ele estrangula a produção nacional. "Comercial”, aí, é usado como palavra feia, e é a crítica recorrente ao meu trabalho. Ora, um filme de Godard é tão comercial quanto qualquer outro. Para começar, o ingresso custa o mesmo. E o retorno não é dessemelhante: em termos bem simples, se ele faz um filme por 10 euros e arrecada 100, eu faço um filme por 100 euros e arrecado 1000. E por que filmes intelectuais e filmes comerciais têm de se excluir? Uma das coisas mais maravilhosas da França é que, em qualquer dia da semana, você pode escolher entre duas centenas de filmes para ver - iranianos, franceses, americanos, coreanos e por aí vai. Produções suas como 13º Distrito fazem sucesso junto à população imigrante, pouco atendida pelo cinema francês. Essa conexão foi deliberada ou casual? A França deveria se orgulhar de sua população imigrante, do trabalho e da riqueza cultural com que ela contribui. Mas nós a tratamos incrivelmente mal, em todas as instâncias. É deplorável. Essa conexão foi só em parte acidental: gosto que meus filmes representem a vida francesa como ela é nas ruas. E isso significa que neles há gente de todas as origens e condições. Por que Lucy se passa em Taiwan? Eu queria jogar Lucy num lugar cuja língua ela não fala e onde ela fosse o proverbial peixe fora d'água. E vamos convir que os orientais, quando ficam doidos, é para valer. Lucy precisava desse tipo de loucura sem freios. 7#5 CINEMA – A FÉ DOS CONVERTIDOS A tese de Woody Allen no ligeiro Magia ao Luar: ninguém é capaz de crer tão completamente quanto um cético. No palco, o mágico chinês Wei Ling Soo mistifica as plateias das capitais europeias dos anos 20 desaparecendo de dentro de um sarcófago ou fazendo um elefante sumir no ar. Na vida civil, sem a maquiagem nem o figurino de oriental, o inglês Stanley Crawford (Colin Firth) é o inimigo número 1 das ilusões: mal-humorado, irritável, pessimista, Stanley acha que a vida não tem sentido algum, e que acreditar, seja no que for, é para os fracos de caráter. Um dos passatempos de Stanley é desmascarar médiuns. Eis então por que, em Magia ao Luar (Magic in the Moonlight, Estados Unidos, 2014), que estreia nesta quinta-feira, ele desiste das férias com a noiva que tanto aprecia seu ceticismo para ir visitar, na Cote d'Azur, uma família milionária que nem conhece: informa-lhe seu amigo e também mágico Howard (Simon McBurney) que mãe e filho estão nas garras de uma jovem americana que promete a eles comunicação direta com o patriarca recém-falecido. Howard não conseguiu adivinhar quais os truques por trás da farsa. Uma tarefa sob medida, portanto, para Stanley. Ocorre que essa jovem maquiavélica não poderia parecer mais inofensiva. Interpretada por Emma Stone, fazendo excelente uso de seus olhões de boneca, Sophie anda sempre acompanhada da mãe (Marcia Gay Harden), resiste modestamente aos apelos apaixonados do filho milionário (Hamish Linklater) e tem a simplicidade cabível a uma garota saída da obscura (e cômica) cidade de Kalamazoo, no Michigan, mas que calha de ser o receptáculo de um dom extraordinário. E que esse dom é extraordinário mesmo Stanley, a certa altura, não terá? mais dúvidas: da mesma forma que antes abraçava a incredulidade, então, ele agora mergulhará na fé em Sophie. Bem, ao menos tanto quanto Stanley é capaz de mergulhar em qualquer coisa. Na função de alter ego de Woody Allen, Colin Firth é um dos melhores até hoje: irradia a neurastenia do diretor sem cair na armadilha de imitar seus tiques. Com sua franqueza britânica, brutal e casual, Stanley ofende Sophie o tempo todo ("às 8h20 de uma noite de verão", diz ele à garota a título de elogio, "quando a luz está sumindo, as suas feições ficam até agradáveis"). Cumprimentando-a pela bela figura que fez numa festa, ele comenta: "Que trabalho deve ter dado!". Todo mundo estrila com seus insultos, menos a própria Sophie: eles são a expressão do valor intrínseco de Stanley, o de nunca transigir com suas convicções — e ninguém melhor que uma mulher que vive de ludibriar para compreender quanto isso é raro e belo. O autoproclamado cético e a suposta farsante: neste romance leve mas perspicaz, eles foram feitos um para o outro. ISABELA BOSCOV 7#6 VEJA RECOMENDA CINEMA AMORES INVERSOS (HATESHIP LOVESHIP, ESTADOS UNIDOS, 2013. ESTREIA NO PAÍS NESTA QUINTA-FEIRA) • Cuidadora de uma idosa desde os 15 anos, Johanna (Kristen Wiig) nunca teve amigos, namorados nem vida social, e sua introversão e autoanulação fazem dela um alvo fácil para a crueldade de Sabitha (Hailee Steinfeld), a neta de seu novo empregador (Nick Nolte), e sua colega de escola Edith (Sami Gayle). O pai de Sabitha, Ken (Guy Pearce), foi gentil para com Johanna durante uma visita à filha; chamou-a de "minha linda" e levou-a para comer hambúrgueres junto com a família. Depois, mandou um bilhete com um breve agradecimento por ela ter aceitado o emprego. As duas meninas aproveitam essa deixa para, passando-se por Ken, iniciar uma apaixonada correspondência com Johanna, que, desperta de sua hibernação e sem desconfiar do trote, pega suas economias e vai se juntar a Ken em Chicago, no motel em ruínas que, em seus planos vagos de viciado, ele um dia vai renovar e reabrir. Adaptado de um conto de Alice Munro, o filme desconcerta na mesma medida em que deleita: por mais improváveis que pareçam os desdobramentos que se seguem, eles contêm uma reflexão perturbadora — a de que um mero acaso separa o vazio do contentamento. LIVRO LIÇÕES DE LITERATURA RUSSA, DE VLADIMIR NABOKOV (TRADUÇÃO DE JORIO DAUSTER; TRÊS ESTRELAS; 400 PÁGINAS; 65 REAIS) • Quando se radicou nos Estados Unidos, na década de 40, o russo Vladimir Nabokov (1899-1977) foi ganhar a vida como professor universitário, ensinando literatura — sobretudo, aquela de seu país natal — na Universidade Cornell e no Wellesley College. Sua consagração como escritor só viria mais tarde, com o sucesso de escândalo de Lolita, romance publicado em 1955. As extensas notas que Nabokov deixou sobre seus cursos só seriam publicadas postumamente, nos anos 80, com a edição do estudioso Fredson Bowers. É esta a obra que agora ganha edição brasileira. As aulas centram-se em seis mestres russos: Nikolai Gógol, Ivan Turguêniev, Fiódor Dostoiévski, Liev Tolstói, Anton Tchekhov e Maksim Górki. Não são notas de um acadêmico, mas de um escritor dotado de grande perspicácia crítica. E de grandes implicâncias: Nabokov desprezava Dostoiévski ("verboso, pavorosamente sentimental e mal escrito", diz de Crime e Castigo). Mas é sempre enriquecedor acompanhar a leitura de Nabokov — mesmo quando se discorda dela. EXPOSIÇÃO CICLO (EM CARTAZ ATÉ 27 DE OUTUBRO NO CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL, EM SÃO PAULO) • Com a prosaica ideia de apoiar uma roda de bicicleta sobre uma banqueta, em 1913, o francês Marcel Duchamp (1887-1968) causou um abalo sísmico que reverbera até hoje. Seus objetos banais convertidos em arte só seriam conhecidos como ready-mades algum tempo depois. Mas Duchamp já tinha feito história, abrindo caminho para muitas tendências contemporâneas — inclusive as piores: o ready-made foi a senha para a proliferação de todo tipo de picaretagem. Mas a mostra Ciclo, com curadoria do brasileiro Marcello Dantas, comprova a ignorância daqueles que não vêem o lado fértil da influência de Duchamp. Catorze artistas provam que itens triviais podem ser a matéria-prima de experiências artísticas que subvertem sua banalidade. O mexicano Pedro Reyes cria instrumentos musicais com a sucata de armas apreendidas com traficantes de seu país. A partir de lixo reciclável, o israelense Daniel Rozin produz uma tela que se mexe como um quadro vivo. A uruguaia Julia Castagno usou cerca de 100.000 palitos de dente para construir uma escultura que preenche uma das salas. Esse acervo curioso passará em seguida por Belo Horizonte e Brasília. DISCO LED ZEPPELIN I, II E III (WARNER) • Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin, diz que o grupo foi um encontro feliz de instrumentistas talentosos e almas que se combinavam. Poucas bandas representaram melhor que o quarteto inglês o arquétipo do rock pesado. Ali se reuniram o virtuose (Page), o baixista discreto e de talentos múltiplos (John Paul Jones, também tecladista e arranjador), o cantor com estridência e sex appeal (Robert Plant) e o baterista que era não só bestial, mas uma verdadeira besta (John Bonham, cujos quiproquós alcoólicos se igualavam em ferocidade a seu estilo de socar peles e pratos). Nos três primeiros discos, que saem no Brasil em edição dupla, já estão todas as especialidades do Led Zeppelin: versões pesadas do blues americano, flerte com a música folclórica e letras que iam do sexo ao misticismo. As novas edições são parte do projeto de relançar a discografia inteira da banda, com supervisão de Page e faixas raras em CDs de extras. Entre estes, a joia da coroa está no disco de estreia: o registro ao vivo de um show incendiário em Paris, em 1969. BLU-RAY O GRANDE MESTRE (THE GRANDMASTER, HONG KONG/CHINA, 2013. CALIFÓRNIA) • Ip Man (1893-1972) foi um pioneiro na fusão de vários estilos do kung fu, o popularizador da modalidade conhecida como wing chun e também o treinador de Bruce Lee, o mais famoso astro do gênero no cinema. Em O Grande Mestre, porém, o diretor Wong Kar Wai tem ambições outras que não enfileirar os feitos de Ip Man (o sensacional Tony Chiu Wai Leung). O que ele almeja é algo bem mais oblíquo: meditar sobre o rigor e o elitismo de um certo estilo de vida e o lugar que este ocupou em seu país, refletir sobre as transformações históricas e seu impacto sobre as tradições chinesas e, este o maior de todos os desafios, traduzir visualmente aquilo que se poderia descrever como uma física das impossibilidades — são tão extraordinárias as cenas de luta, tão mesmerizantes nos detalhes que captam e nos vetores de força e movimento que revelam, que se torna irrelevante a confusão da história cheia de idas e vindas de Ip Man e Gong Er (Zhang Ziyi, excelente), a filha de um grande mestre e ela mesma uma lutadora imbatível. 7#7 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA 2- Se Eu Ficar. Gayle Forman. Novo Conceito 3- Cinquenta Tons de Cinza. E.L. James. INTRÍNSECA 4- Quem É Você, Alasca? John Green. MARTINS FONTES 5- Cinquenta Tons de Mais Escuros. E.L. James. INTRÍNSECA 6- Cinquenta Tons de Liberdade. E.L. James. INTRÍNSECA 7- o Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 8- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA 9- Felicidade Roubada. Augusto Cury. SARAIVA 10- Divergente. Veronica Roth. ROCCO NÃO FICÇÃO 1- Getúlio 1945-1954. Lira Neto. COMPANHIA DAS LETRAS 2- Sonho Grande. Cristiane Corrêa. PRIMEIRA PESSOA 3- O Livro dos Negócios. Vários autores. GLOBO 4- O Livro da Psicologia. Nigel Benson. GLOBO 5- Mentes Consumistas. Ana Beatriz Barbisa Silva. PRINCIPIUM 6- 1889. Laurentino Gomes. GLOBO 7- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 8- Demi Lovato – 365 Dias do Ano. Demi Lovato. BEST SELLER 9- O Livro da Filosofia. Vários. GLOBO 10- Eu, Christiane F. – A Vida Apesar de Tudo. Christiane V. Felscherinow e Sonja Vukovic. BERTRAND DO BRASIL AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 3- De Volta ao Mosteiro. James Hunter. SEXTANTE 4- Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros. Augusto Cury. SARAIVA 5- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 6- Casamento Blindado. Renato e Cristiane Cardoso. THOMAS NELSON BRASIL 7- Eu Não Consigo Emagrecer. Pierre Dukan. BEST SELLER 8- Sonhos Não Têm Limites. Ignácio de Loyola Brandão. GENTE 9- Foco. Daniel Goleman. OBJETIVA 10- Kairós. Padre Marcelo Rossi. PRINCIPIUM 7#8 J.R. GUZZO – CHARADA NA CAMPANHA Eis aí, qual galera em noite apagada, essa imprevisível Marina Silva navegando outra vez em mar imenso — e levando a si própria, junto com os eleitores brasileiros, para algum porto desconhecido. O que existia até a morte de Eduardo Campos não existe mais; o que ninguém imaginava passa a ser a nova realidade. Marina, até agora uma mera candidata a vice que andava esquecida nas linhas de trás da disputa, e ainda por cima nem estava transferindo seus votos ao companheiro de chapa, como ele tanto queria, passa de repente a ser um nome decisivo para o resultado final — logo na primeira pesquisa após o acidente que tirou Campos da vida e da política brasileira, ela já aparece em segundo lugar na corrida, e à frente da atual líder Dilma Rousseff se houver um segundo turno entre as duas. Aécio Neves, que toda a lógica do governo apontava como o nome a derrotar, talvez não seja mais o desafiante número 1. A presidente Dilma, até aqui a grande favorita por liderar com folga as sondagens, ter na televisão o dobro do tempo de propaganda que terão os seus adversários somados, e contar com a força bruta da máquina pública em seu favor, pode acabar nem sendo mais candidata a nada. O ex-presidente Lula, que estava fora, volta a ficar dentro — se bater mesmo o desespero, poderá empurrar a presidente para fora do barco, sem maiores delicadezas, e assumir ele próprio a candidatura. É a vida, com suas vastas emoções e itinerários imperfeitos. Um desses nevoeiros malignos que de repente se formam sobre o quebra-cabeça de rios, braços de mar, canais e mangues onde ficam Guarujá e Santos, no litoral paulista; um avião com tecnologia de primeira classe, feito para não cair nunca; uma falha que aparece quando nem máquina nem homens poderiam falhar. Pronto: bastaram alguns minutos de capricho da fortuna para reduzir a zero toda a vã sabedoria dos excelentes cálculos, análises e raciocínios feitos até agora sobre a eleição presidencial de 2014. Como se pode ver, a prudência básica está nos aconselhando a lidar só com o presente, e do jeito com que se lida com um porco-espinho — ou seja, com extremo cuidado. O que acontece hoje, quando Marina herda cheia de gás a candidatura de Campos, pode acabar não tendo nada a ver com o que acontecerá no dia 5 de outubro. Não há como fazer ciência aí. O que se sabe é menos do que o que não se sabe — a começar por quem é a própria candidata. Marina, como a Rússia descrita por Churchill, é uma charada envolvida em mistério que fica dentro de um enigma. Em 2010, quando se candidatou à Presidência, conseguiu um prodígio: quase 20 milhões de pessoas votaram nela sem saber direito por quê. Não foi, certamente, por ficarem entusiasmadas quando ouviram Marina falar em 'centralidade da necessidade", "controles ex post frente" ou "agenda plasmante". Que patuá é esse? Nem o rapaz do Rio de Janeiro que ganhou outro dia a supermedalha internacional de matemática seria capaz de entender. Ela admite que não se pode viver sem luz elétrica, mas parece não encontrar nenhuma usina que a satisfaça. Sabe que o Brasil não sobrevive 24 horas sem as exportações que só podem ser obtidas com agricultura capitalista de larga escala, mas defende uma "inflexão" na área agrícola. Marina tinha o dobro das intenções de voto de Eduardo Campos, mas era candidata a vice. Formou-se no PT, mas hoje é a sua principal concorrente. Não se sabe o que pretende fazer, na vida real, diante de nenhum dos problemas que o eleitor quer ver resolvidos com urgência. Seus 20 milhões de admiradores, até hoje, não lhe cobraram mais esclarecimentos — não entendem o que ela está dizendo, mas parecem achar que é bom. Dá para chegar ao Planalto nessa toada, falando de "sustentabilidade" e ''esforço transversal"? Lula e Dilma, mais que Aécio, esperam que não. Os dois só sabem fazer campanha apostando tudo na destruição do competidor, que sempre pintam como um inimigo da "maioria pobre" — e essa opção não está mais disponível para eles. Vai ser difícil, por exemplo, dizer que Marina é da elite branca do Sul, porque ela nasceu mais pobre do que Lula, não é branca e veio da periferia de Rio Branco, no fundo do Acre. Não dá para pregar ódio contra alguém que só foi se alfabetizar aos 16 anos de idade, ou teve a saúde arruinada pela falta de dinheiro. Não se conseguirá negar a Marina o "heroísmo moral" de que fala Cervantes — aquela penca de desvantagens que ninguém quer para si, a começar pela pobreza, mas acha um grande mérito nos outros. Marina Silva pode ser uma pedreira.