0# CAPA 24.9.14 VEJA ww.veja.com Editora ABRIL Edição 2392 – ano 47 – nº 39 24 de setembro de 2014 [descrição da imagem: a capa está dividida, no sentido vertical, em três faixas, coloridas diferente, em cada uma a foto de rosto dos três candidatos à presidência.] AS ARMAS PARA A DECISÃO [fundo azul] RACIONALIDADE “Eu sei fazer sonho virar realidade.” AÉCIO NEVES [fundo verde] EMOÇÃO “Não é um discurso. É uma vida!” MARINA SILVA [fundo vermelho] PODER “O que está bom vai continuar; o que não, vai mudar.” DILMA ROUSSEFF [parte superior da capa] [foto da presidente da Argentina] DESASTRE ARGENTINO Calote, inflação de 40% e, agora, fixação de preços. POBRES POBRES ONG de petistas na Bahia roubava de miseráveis para dar dinheiro a políticos. BICICLETAS Por que as ciclovias vieram para ficar nas grandes cidades. ______________________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# INTERNACIONAL 5# GERAL 6# ARTES E ESPETÁCULOS _________________________________ 1# SEÇÕES 24.9.14 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – TENSÃO NA RETA FINAL 1#3 ENTREVISTA – YUVEL STEINITZ – PARA DESARMAR A BOMBA 1#4 LYA LUFT – NO AMOR, NA GUERRA E NA POLÍTICA 1#5 LEITOR 1#6 HUMOR – AGAMENON MENDES PEREIRA – CANDIDATOS À CAMPANHA 1#7 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM O PERIGO DO PENSAMENTO "OTIMILDO" Desde o começo da campanha, a presidente Dilma Rousseff tem atacado os pessimistas — aqueles que, em suas palavras, "desistem antes de começar". Nesta semana, sua propaganda eleitoral levou ao ar um boneco balizado Pessimildo, um ranheta contumaz que torce para que o Brasil dê errado. Mas, como mostra o filósofo inglês Roger Scraton, o "otimismo inescrupuloso", calcado em falácias, é uma ameaça mais séria à política. "Uma dose ocasional de pessimismo modera esperanças que de outra forma podem nos arruinar", diz Scruton, que mapeia, em entrevista a VEJA.com, os perigos do discurso "otimildo". GUERRA E BOLA A crise na Ucrânia mudou a rotina de um grupo de brasileiros: os jogadores do Shakhtar Donetsk, como Luiz Adriano. O clube teve o estádio bombardeado. Mesmo assim, eles seguem defendendo as cores da equipe — e recebendo ótimos salários. Reportagem do site de VEJA mostra como vivem os atletas que deixaram o Brasil para atuar na Ucrânia e em outros países onde os estrangeiros enfrentam situações complicadas — e como eles driblam os problemas para conseguir um bom pé-de-meia antes da volta para casa. DEBATE VEJA NO RIO A campanha eleitoral para o governo do Estado do Rio de Janeiro é uma das mais disputadas deste ano. Três candidatos já se revezaram entre as primeiras posições nas pesquisas de intenção de voto. VEJA e VEJA RIO, em parceria com a Universidade Estácio de Sá e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ), convidaram os cinco principais candidatos para um debate, que será realizado nesta segunda-feira, dia 22. São eles: Anthony Garotinho (PR), Luiz Fernando Pezão (PMDB), Marcelo Crivella (PRB), Lindberg Farias (PT) e Tarcísio Motta (PSOL). Mediado pelo jornalista Augusto Nunes, o evento começa às 11 horas, com transmissão ao vivo por TVeja. A BOA EDUCAÇÃO A reportagem deVEJA.com viajou mais de 10.000 quilômetros para entender como algumas redes brasileiras conseguem escapar da tragédia que assola o ensino público nacional. São cidades como Vinhedo (SP), Sapiranga (RS) e Sobral (CE), que avançam nas avaliações nacionais, superando metas estabelecidas pelo governo federal. O caso do município cearense é animador: a nota média da rede local é 8, bem superior ao tímido 5 do Brasil. Durante as próximas semanas, reportagens vão explicar as razões desse sucesso. 1#2 CARTA AO LEITOR – TENSÃO NA RETA FINAL Quando você estiver lendo esta Carta ao Leitor, faltarão duas semanas para as eleições presidenciais que vão decidir quem comandará o Executivo brasileiro nos próximos quatro anos. Nesta reta final, tradicionalmente, a tensão sobe a níveis tais que chega a desligar os interruptores dos circuitos de bom-senso das campanhas. Neste ano a coisa está pior pelo surgimento do que se batizou de "Furacão Marina", a súbita ascensão da candidata do PSB à posição de favorita da corrida eleitoral. Marina provocou ondas de choque que desestabilizaram as candidaturas de Dilma Rousseff e Aécio Neves, obrigando-os a modificar radicalmente suas estratégias. Aécio contava com a certeza de que, com o passar do tempo, os eleitores indecisos e mesmo os que pendiam para candidatos adversários entenderiam, finalmente, que sua candidatura, por combinar projetos e experiências executivas de imenso sucesso, oferece a maior garantia de recolocar o Brasil no rumo da racionalidade e eficiência administrativas. O Furacão Marina o levou a ser mais reativo, a falar menos de coisas construtivas e dedicar mais tempo a criticar a adversária. A turbulência provocada pela inesperada irrupção de Marina no cenário eleitoral foi ainda mais desestabilizadora para a campanha de Dilma. Marina deu no PT o que no futebol os comentaristas chamam de "nó tático". O gasto e falso, mas até aqui bem-sucedido, discurso petista da defesa dos pobres contra as articulações maquiavélicas das elites nacionais foi diluído em ácido por Marina, cuja história nem o mais diabólico marqueteiro eleitoral seria capaz de envenenar com insinuações de servidão aos poderosos. Mulher negra, nascida em um seringal do Acre, criança faminta e analfabeta até os 16 anos, Marina é tudo o que Dilma, do ponto de vista eleitoral, gostaria de ter sido antes de crescer. Sem recursos retóricos nem argumentos políticos para enfrentar seus reais problemas, a campanha de Dilma Rousseff e o PT escolheram o caminho mais fácil de pôr a culpa em quem? Ora, na imprensa. Na semana passada, a coligação petista encaminhou dois pedidos de direito de resposta por reportagens publicadas em VEJA. Uma delas é a capa "A fúria contra Marina", que narra as baixarias petistas dirigidas à adversária. A outra é o relato de como um criminoso vem há meses chantageando com sucesso o PT para não revelar fatos desabonadores sobre altas figuras do partido. Atirar no mensageiro, como se sabe, não diminui em nada a gravidade das mensagens. 1#3 ENTREVISTA – YUVEL STEINITZ – PARA DESARMAR A BOMBA O ministro de Inteligência de Israel diz que não vê diferença entre o Hamas e o Estado Islâmico e que o Irã tem capacidade de produzir uma arma atômica em apenas um ano. NATHALIA WATKINS, DE JERUSALÉM Ao lado do Parlamento israelense, em Jerusalém, fica o complexo onde estão o protegido gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e as salas de outros ministros. Ali só se entra com hora marcada e com escolta, depois de uma rigorosa conferência dos dados pessoais do visitante. Entre os escritórios está o de Yuval Steinitz, de 56 anos, ministro de Inteligência e Assuntos Estratégicos. Doutor em filosofia, ele é um dos poucos a participar das longas reuniões em que são tomadas as mais importantes decisões referentes à segurança de Israel. Steinitz é do Likud, o partido de Netanyahu. Dias depois de chefiar uma delegação israelense em Washington para discutir a ameaça nuclear iraniana, Steinitz falou a VEJA. Israel está mais seguro depois do último confronto na Faixa de Gaza, um território palestino? É difícil dizer. Por um lado, o Hamas (a organização terrorista que governa o território) levou um duro golpe. Dos 10.000 projéteis que o grupo tinha antes do conflito, sobraram 2000. Também destruímos a maioria dos túneis que saíam de Gaza para Israel. Matamos 1000 terroristas, entre eles muitos comandantes. Ferimos outras centenas deles. Mas não dá para saber se o Hamas voltará a atacar em um ou dois meses. Isso pode acontecer. O que se sabe é que pouquíssimos líderes do Hamas foram mortos. Os líderes do Hamas se esconderam em abrigos desde o primeiro dia. Quando nossas forças encontravam um deles e descobriam que, para atingi-lo, outros 500 palestinos poderiam morrer, então a decisão era não ir adiante e poupar a vida de inocentes. Israel não quer matar civis, nem mesmo um único. Mas, sim, morreram alguns comandantes e oficiais do Hamas e da Jihad Islâmica. Se ocorresse uma eleição hoje em Gaza, o Hamas venceria. Existe alguma evidência de que o grupo saiu enfraquecido? A popularidade dele é temporária. O Hamas se enfraqueceu de todas as formas, mas não a ponto de desaparecer. Pode ser que leve alguns anos para se recuperar e se fortalecer novamente. Então, ele continuará a contrabandear e a fabricar armas. Após o cessar-fogo em Gaza, Israel anunciou a construção de novos assentamentos na Cisjordânia. Isso não é um tapa na cara da opinião pública internacional? O que se fez foi declarar algumas áreas como bens de uso público. Isso, na prática, pode servir para a ampliação de assentamentos e para a construção de casas, estradas e ruas, que podem ser úteis também para o público palestino. Mas a construção de assentamentos israelenses além das fronteiras definidas em 1967 pela ONU não é uma violação? Cada anúncio feito pelo governo é checado por especialistas em direito internacional. Não existe uma lei internacional que diga isso. Nos acordos de Oslo, assinados entre nós e os palestinos, concordamos que os assentamentos seriam um tema a ser tratado num acerto final entre as partes. Também ficou combinado que, enquanto isso, os assentamentos iriam continuar. Isso não afasta a possibilidade de uma solução negociada para o conflito? Os assentamentos não são um obstáculo para a paz. A questão é que os palestinos não conseguem garantir o reconhecimento de Israel ou uma paz verdadeira. A prova disso é o que acontece na Faixa de Gaza. Quando saímos dessa área, em 2005, retiramos todos os assentamentos. Não restou nenhum. Isso trouxe paz? Os cerca de 15.000 foguetes lançados contra Israel são a prova de que não. O que aconteceu em Gaza não nos serve de incentivo. A maioria dos israelenses pensa duas vezes antes de falar em concessões. Então a solução é ocupar todos os territórios? Estamos dispostos a implementar a solução de dois Estados para dois povos e a fazer concessões territoriais em troca da paz, mas só se ela for verdadeira. Queremos que os palestinos reconheçam o direito de existência de Israel como um Estado judeu e que parem de pedir o retorno de refugiados para Israel. Isso é um absurdo. Eles querem ter um Estado palestino e ao mesmo tempo falam em mandar pessoas para o Estado judeu. Outro obstáculo é que, infelizmente, a Autoridade Palestina é corrupta e não democrática. Os líderes da AP se comprometeram a desmilitarizar a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. Isso nunca foi cumprido. A criação de um Estado curdo no Oriente Médio seria benéfica para Israel? Qualquer país democrático e equilibrado é uma benesse para todos. Os curdos sempre foram o elemento islâmico mais moderado e pró-Ocidente. A área autônoma curda no norte do Iraque é praticamente o único lugar onde as mulheres são respeitadas na região. Lá elas não são reprimidas, pelo contrário. A cultura curda, nesse sentido, é diferente da que existe na maior parte do mundo árabe. As mulheres não são um bem da família e têm direito de seguir uma carreira e até de servir no Exército. Israel está ajudando os curdos? Não posso responder a isso. Acho que, mais cedo ou mais tarde, eles terão um Estado, e há grande chance de que seja mais desenvolvido do que a maioria dos países que nos rodeiam. Qual sua opinião sobre a coalizão mundial, liderada pelos Estados Unidos, para atacar os terroristas do Isis no Iraque e na Síria? A guerra contra o Isis (ou Estado Islâmico) é justa. Ele ameaça os Estados Unidos, o Iraque, os curdos, os yazidis e também Israel. Mas o Isis não está sozinho. Há grupos terroristas parecidos no Oriente Médio e na África. Esse fenômeno tem dez anos e ganhou muita força nos últimos cinco. Existem milícias semelhantes na Argélia, na Líbia, no Egito. Na Faixa de Gaza há o Hamas e a Jihad Islâmica. No Líbano, o Hezbollah. Na Síria, a frente Nusra. A diferença entre essas organizações é que cada uma luta contra grupos diferentes, que podem ser judeus, cristãos ou muçulmanos moderados. A ascensão do Isis influenciou de alguma forma o comportamento do Hamas? Um dos motivos que levaram o Hamas a iniciar a última rodada de violência foi a pressão interna. Outros jihadistas estavam lutando na Síria e no Iraque com algum sucesso, enquanto o Hamas e a Jihad Islâmica estavam quietos havia um ano. Então, de repente, eles lançaram centenas de mísseis contra Israel. Morreram 72 israelenses e 2000 palestinos no conflito que se seguiu. Tudo isso para, no final, eles aceitarem a mesma trégua que o Egito ofereceu na primeira semana de hostilidades. Foi uma guerra desnecessária, sem motivo aparente. Os integrantes do Hamas compõem uma organização tão sanguinária quanto as outras. Se eles pudessem conquistar nossas cidades e kibutzim, haveria aqui um massacre igual ao que o Isis fez no Iraque. O objetivo deles é o mesmo, fundar um califado islâmico. Mahmoud Abbas, presidente da AP, disse que durante o último confronto em Gaza o Hamas matou 150 palestinos acusados de cooperação com Israel, sem nenhum julgamento. Tudo isso em apenas um mês. O programa nuclear do Irã continua sendo um problema para a região? Neste momento, grande parte das atividades nucleares iranianas está congelada em razão do acordo provisório assinado com as potências ocidentais há nove meses. A grande pergunta é se haverá um aceito final que seja bom o suficiente. Se os iranianos voltarem à linha de produção, em um ano, no máximo em um ano e meio, já poderão ter a primeira bomba em suas mãos. O que se deve negociar, portanto, é que o Irã disponha de energia nuclear, mas sem a possibilidade de enriquecer urânio. A maioria dos países com projetos nucleares civis não enriquece urânio, que pode ser usado tanto para alimentar usinas elétricas como para fazer a bomba. O Irã já tem até um contrato em vigor para comprar combustível nuclear da Rússia. Se, pelo contrário, o país mantiver sua infraestrutura e suas centrífugas, então ficará a uma distância curta da arma atômica, uma situação parecida com a do Japão. Cedo ou tarde eles poderiam fabricá-la, como fez a Coreia do Norte. Então eles têm respeitado o acordo provisório? Os iranianos sabem que não vale a pena fugir do que foi combinado neste momento. Querem alcançar um pacto final e com isso eliminar as sanções contra eles. Há algumas semanas, fizemos uma reunião com nossos especialistas para calcular o prejuízo econômico das sanções ao Irã. A fatura anual já supera os 100 bilhões de dólares. É um impacto bem grande. As punições impostas ao Irã são as mais pesadas da história contra um país que não está em guerra. Israel tem um plano B para lidar com um Irã atômico? Nós esperamos que o Irã nunca tenha armas nucleares. Isso seria o maior perigo para o mundo. Há várias guerras civis atualmente no Oriente Médio que são bastante cruéis, mas em alguns anos elas farão parte do passado. Se o Irã tivesse armas nucleares, contudo, seria algo muito distinto. Viveríamos em um ambiente desconhecido e perigoso. Por quê? O ex-presidente iraniano Hashemi Rafsanjani, que era considerado moderado e reformista, certa vez disse na televisão que, para o governo de uma democracia ocidental como Israel, perder cidadãos numa guerra nuclear é algo inaceitável. Mas, para a República Islâmica do Irã, sacrificar alguns milhões de cidadãos para servir a uma causa é bastante factível. Segundo ele, por esse motivo o Irã sempre teria vantagem em uma guerra contra um país democrático ocidental. É um governo suicida. Os iranianos não têm uma racionalidade nos padrões que conhecemos. E a ameaça não é somente para Israel, já que eles também estão desenvolvendo mísseis balísticos intercontinentais com capacidade para chegar até a Europa e os Estados Unidos. Até hoje, não houve um regime religioso radical com armas nucleares. Seria algo inédito. Se o Irã conseguir o que quer, a Arábia Saudita, a Turquia, o Egito, o Sudão e a Argélia vão seguir o mesmo caminho. Teríamos muitos países quase atômicos no Oriente Médio. O que Israel faria nesse caso? Nós temos um Exército forte e um sistema de defesa antimíssil muito eficiente. Somos os líderes na área. Interceptamos e destruímos mísseis balísticos com mais de 90% de sucesso. Benjamin Netanyahu já disse que não deixará o Irã ter armas nucleares. Recomendo que essa afirmação não seja desprezada. Não quero desenvolvê-la muito nem explicar exatamente como o Irã não terá o que quer, mas isso foi dito. Israel está comprometido a impedir isso. Esperamos que um acordo seja alcançado de maneira diplomática, sem a necessidade de meios militares. O presidente americano Barack Obama também disse que não permitirá que o Irã alcance essa capacidade. Israel poderia atacar o Irã mesmo sem o apoio americano? Somos um país independente. Quando se trata de segurança nacional, entendemos que somos responsáveis por nosso próprio destino. Não precisamos que outros lutem por nós, como fizeram os europeus que pediram ajuda americana para conter a ameaça soviética. Quando nossa existência foi ameaçada, não hesitamos em agir. Nós destruímos o reator nuclear de Saddam Hussein em 1981 sem consultar ninguém. Segundo boatos, destruímos também um reator parecido na Síria há uns seis anos. O senhor confirma o ataque israelense na Síria? Não. Eu disse que há rumores. Pode ter sido a Noruega. Não menospreze sua aviação. Eles são ótimos! O Irã não poderia usar a bomba apenas para projetar poder, como faz inclusive Israel? Israel nunca disse o que tem ou o que não tem. Há rumores, e não vou falar sobre eles. Temos uma política de ambiguidade. Em segundo lugar, nunca declaramos o objetivo de destruir outro país, como faz o Irã. Uma coisa é clara no Oriente Médio. Se árabes e iranianos baixarem suas armas, haverá tranquilidade e, talvez, paz. Se Israel fizer o mesmo, haverá um novo Holocausto. 1#4 LYA LUFT – NO AMOR, NA GUERRA E NA POLÍTICA Uma das frases inconsequentes que usávamos na adolescência para justificar, brincando, pequenos "delitos" de comportamento era: "No amor e na guerra vale tudo". A gente nem pensava no que dizia, nem fazia nada de muito especial. Tenho pensado na frase ultimamente, no tumulto de acontecimentos e comportamentos bizarros durante a campanha política que transcorre. E em pensamento acrescento e transformo numa indagação: E na política... será que também "vale tudo"? Pois parece que vale. Mentira, difamação, os mais reprováveis truques e golpes baixos transformam o cotidiano em campo de batalha e os noticiosos em relatos de uma inaudita violência, comparável com essa violência que assola o país como numa guerra civil. E assim a campanha eleitoral mais parece um campo de batalha, onde os feridos são a verdade e a decência: nenhum golpe é baixo demais, nada é irrecusável, tudo serve para atordoar ainda mais uma população já aturdida com as dificuldades do seu próprio pequeno cotidiano. Parece, ao observador comum, que os candidatos não se empenham por um cargo, um posto no qual pudessem cuidar do povo que os elege, mas buscam o poder puro e simples, com as facilidades que ele traz. Honra, moral e compostura relegadas a um segundo plano, todas as armas são legais, menos, que eu saiba, assassinato. Mas assassinar a honra, isso pode. Inventar, maquinar, caluniar, isso pode. Enfeitar-se com méritos alheios, isso vale. Usar de recursos que dinheiro e poder nos proporcionam para tentar destruir o adversário, isso não tem problema. No amor, na guerra e na política, não valem limites? Assumem-se posturas que na vida cotidiana todos reprovariam duramente. Importa é chamar a nós o eleitor. Que eleitores somos nós, o povo brasileiro? Escutei um cientista político confirmar o que penso: o brasileiro comum ganha muito pouco. Acorda cedo, enfrenta uma condução péssima, chega ao trabalho já exausto, passa um dia duro, pega novamente uma ou mais conduções muito ruins, chega em casa tarde, derrotado pela fadiga e pelo desânimo. Mal consegue forças para curtir um pouco a família. Nenhum tempo ou energia para conferir programas de televisão, ler jornais, trocar ideias sobre possíveis candidatos e partidos — nada disso. Seguimos como rebanho resignado na mesma direção: mudar é preciso, mas exige esforço, raciocínio, conversas e alguma audácia. Transformar é mais cansativo do que deixar como está, ainda que alguma coisa em nós questione: será verdade isso que proclamam? Nessas ações não se oculta algo indigno, aquele gesto, sorriso, olhar não esconderão uma hipocrisia que, menos cansados, mais informados, mais atentos, haveríamos de desmascarar? Todos podemos ver, na mídia, constantes relatos, filmados, fotografados, comprovados, desses temas tão repetidos: corrupção e impunidade descaradas, educação, saúde e segurança em queda livre, o país estagnado, a economia em marcha a ré, o desemprego rondando e a confiança morrendo, o ufanismo desfeito no vento das evidências. Aqueles discursos seriam dissimulação, as acusações eram calúnias e o otimismo era disfarce de incompetência? A política bate à porta com chamados, palavras, promessas. Podíamos talvez questionar, avaliar; reagir. Esquecer o cansaço e vencer o conforto da mesmice. Mas não há tempo: é preciso enfrentar a guerra do dia a dia, cumprir mecanicamente a rotina, mal sustentando o corpo cansado, vagamente sabendo que a gente merecia mais nesta vida: casa, comida, segurança, saúde, educação, horizonte. Confiança e respeito. Tempo para viver, clareza para refletir, força para decidir. A quem escutar, a quem seguir? Nessa guerra não muito decente, frases vazias, mentiras polpudas e ameaças sem sentido disparam ao nosso redor como a fuzilaria num campo de batalha, e a gente apenas corre em frente. Talvez seja possível mudar, mas toda a energia se consome nessa corrida. Vaza entre os dedos a oportunidade de compreender que, afinal, no amor, na guerra e na política, não pode valer tudo. LYA LUFT é escritora 1#5 LEITOR A FÚRIA PETISTA CONTRA MARINA Congratulações a VEJA pela reportagem "O PT passa o trator. E Marina resiste" (17 de setembro), sobre a fúria difamatória petista contra a presidenciável Marina Silva. De fato, um nível desses não vimos nem quando Lula era candidato e o PT considerava os opositores fascistas — esses ditos fascistas nem chegavam aos pés do comportamento atual do PT. HEITOR VIANNA P. FILHO Araruama, RJ A presidente Dilma Rousseff já havia dito que, em ano de campanha eleitoral, "se faz o diabo". E parece mesmo que está fazendo mais do que o "dito cujo" faria. O que estarrece é que não apenas o pessoal do "andar de baixo" mas também intelectuais estejam se rendendo a tão vergonhosa baixaria. Pêsames, Brasil! ZINALPO A. SANTOS Tatuí, SP A desproporção entre a artilharia da campanha de Dilma Rousseff e os parcos recursos de Marina Silva equivale ao embate entre uma aranha-caranguejeira e uma libélula. Espero que, apesar de sua fragilidade, a libélula encontre forças para vencer a venenosa aranha. JOÃO BOSCO MARINHO Brasília, DF Nada a estranhar nos métodos usados pelo PT. Estão seguindo direitinho a cartilha de Lenin: os fins justificam os meios. SIMON PODOLSKY SALA Araraquara, SP A facção política que atua dentro e fora do governo brasileiro não medirá esforços para desconstruir a imagem de Marina Silva e continuar a se locupletar à custa dos recursos públicos. Cabe aos veículos de imprensa livre e independente como VEJA revelar isso aos brasileiros, sob todos os ângulos. ROBSON SANT'ANNA São Paulo, SP Com a mesma estratégia e o mesmo discurso, três candidatos extremamente parecidos tentam se diferenciar para o eleitor a qualquer custo. É evidente que Dilma, Marina e Aécio descendem da mesma corrente ideológica e pensam fazer uma gestão muito parecida uma com a outra. É bom saber que temos uma imprensa livre, como VEJA e outros veículos de comunicação, para manter as instituições acima dos políticos e suas propostas mirabolantes para tentar melhorar o Brasil. ARQUIMEDES DE CASTRO Campina Grande (PB), via tablet Já fui militante e eleitor do PT, mas o que mais me indigna é ver os que defendem esse partido em que eu tanto acreditei mergulhados na corrupção e na disputa de poder, mentindo e fazendo "terrorismo eleitoral", custe o que custar. Votarei em Marina Silva, principalmente porque ela mesma disse que não disputará uma reeleição. Prefiro o sistema parlamentarista daqui do Remo Unido e a transparência que os políticos daqui têm. ANDRE PALMA Londres, Inglaterra, via tablet São de dar nojo (e medo) as baixezas e vilanias praticadas pelo PT para continuar se refestelando no poder. HELAINE PÓVOA Brasília, DF 1#6 HUMOR – AGAMENON MENDES PEREIRA – CANDIDATOS À CAMPANHA Eleitor, o voto é a sua arma! Mas não adianta sair por aí dando tiro nos candidatos! Falta pouco tempo para os brasileiros, com apenas uma dedada, elegerem a pessoa que vão xingar nos próximos quatro anos. De acordo com o TSE, publico aqui um resumo com as principais caraterísticas dos postulantes ao cargo de "presidenta". Infelizmente, os candidatos Luciana Genro, Pastor Everaldo e Fidelix Teixeira não pontuaram e estão de fora deste artigo. Dilma Roskoff — As pesquisas mostram que a ex-chefe da Casa Servil tem grande chance de ir para o segundo turno, o que é preocupante. Dar um segundo turno com a candidata do PT é uma tarefa dura, mesmo usando uma fronha na cabeça. Tem que ser guerreiro! Dilma é a mãe do PAC, já o Lula é um filho da PUC. Com sua cara de vilã da Disney, Dilma Mocreff, na sua juventude, participou da guerrilha armada exercendo a função de canhão. Hoje, apesar de várias plásticas e aplicações de Botox e Photoshop, Dilma ainda é uma inconformada. Inconformada com o espelho que tem em casa. Por isso eu pergunto à Dilma: um jornalista escroque e mau-caráter como eu poderá, no seu governo, exercer honestamente a profissão? Ou é melhor eu me mudar logo pra Venezuela? Dilma continua na frente na região Nordeste graças ao Bolso Família, que tem mais de 5 milhões de famílias no bolso, e aos programas assistencialistas Meu Primeiro Rango, Minha Casa Minha Dívida, Esquenta e Caldeirão do Huck. Aético Neves — Aético Neves, o Mauraecinho, é o candidato coxinha do PSDB (Partido Social Democrata Bundão), que, depois de doze anos, resolveu que estava na hora de fazer oposição ao governo. Aécio diz que é o candidato da mudança. Mudança pro Rio de Janeiro, de onde governou Minas por sete anos. Se não for pro segundo turno, o tucano, ave tradicional da fauna paulistana, corre risco de extinção. Muitos blogueiros do PT acusam Aécio de ser viciado, mas o ex-governador mineiro considera esse boato uma calúnia. E, para provar que não tem nada a ver com drogas, Aécio escolheu um vice que não fede nem cheira. Magrina Silva — A candidata ecológica, mesmo usando uma pesada maquiagem da Natura, não conseguiu esconder que era verde. Magra, esquelética e ética, Magrina Selva sonha com um Brasil autossustentável, mas ela mesma mal consegue se autossustentar em pé. Natural do Acre, Marina era amiga íntima do seringueiro Chico Mendes, a quem ajudava a tirar leite do tronco. A mulher do líder extrativista não gostou nada daquilo, e Marina teve que fugir da Amazônia e se esconder em Brasília, onde acabou se dando bem. Na Capital Federal, o que vale é a Lei da Selva. Marina da Selva, evangélica, é totalmente contra a legalização da maconha no casamento gay e também se posicionou contra o aborto de células-tronco. Acusada de careta e conservadora pelo governo, Magrina Silva prometeu que, se eleita, vai aprovar uma lei proibindo o preconceito e a homofobia contra a soja transgênica. 1#7 BLOGOSFERA COLUNA REINALDO AZEVEDO MARINA Como construção de personagem e como narrativa a incendiar o imaginário, Marina sabe ser Lula, mas Dilma só sabe ser Dilma, e a personagem, convenham, não desperta grande interesse. www.veja.com/reinaldoazevedo FAZENDO MEU BLOG PAULA PIMENTA INDICAÇÕES Eu adoro indicações de filmes, séries e livros, e não importa se foram lançados recentemente ou não. Afinal, o que é bom dura para sempre, como a série Dawson’s Creek, uma das minhas favoritas. www.veja.com/fazendomeublog COLUNA RODRIGO CONSTANTINO HUMOR O humor britânico é mais sofisticado do que o nosso. Mas poderíamos ao menos lutar para preservar a inteligência no humor. Para tanto, é preciso enfrentar a ditadura do politicamente correto e a vulgaridade. www.veja.com/rodrigoconstantino COLUNA LEONEL KAZ ESCRAVIDÃO O nosso cotidiano é polvilhado de agressões. São agredidos todos os que prestam serviços: garçons, motoristas, empregados domésticos. Basta a alguém ter dinheiro na mão, para compor uma hierarquia mental, www.veja.com/leonelkaz SOBRE PALAVRAS ELEIÇÃO E ELEGÂNCIA Campanhas eleitorais são necessariamente deselegantes? Um observador da atual corrida presidencial brasileira, com seus níveis superlativos de baixaria, ficaria tentado a responder que sim, mas o fato é que, etimologicamente, a eleição e a elegância são galhos da mesma árvore. Tudo começa com o verbo latino eligere, que, muito antes de qualquer sentido eleitoral, queria dizer simplesmente "escolher, separar (o bom do ruim)". Essa primeira acepção do verbo "eleger" em português, uma palavra do século XIII, permanece atual, embora o sentido político do termo — escolher um candidato por votação — seja hoje dominante. Quanto à palavra elegante, sua matriz, o latim elegantis, vem a ser o particípio presente de eligere. O que tem a ver uma coisa com a outra? Elegante é, em seu sentido original, aquele que sabe escolher, ou seja, que tem bom gosto, ou aquilo que é bem escolhido, seleto. www.veja.com/sobrepalavras SOBRE IMAGENS HOWARDSOCHUREK O fotógrafo Howard Sochurek (1925-1994) começou em 1950 na revista Life, na qual trabalhou por vinte anos. Fez reportagens na Ásia e no Oriente Médio e foi correspondente nos escritórios de Nova York, Chicago e Detroit. Num tempo em que a tecnologia fotográfica se resumia aos novos equipamentos e filmes, Sochurek foi um dos pioneiros na utilização da incipiente manipulação digital e no uso de diferentes luzes artificiais para capturar imagens. Suas experimentações na fotografia com iluminação e computação resultaram em imagens bem recebidas nos anos 1950, além de ser usadas em publicidade e livros técnicos e médicos, www.veja.com/sobreimagens NOVA TEMPORADA DEREK A série Derek será encerrada em sua segunda temporada com um especial de Natal, que deve ir ao ar ainda neste ano. Criada e estrelada por Ricky Gervais, a produção conta a história de um portador de síndrome de Down que trabalha em um asilo. Com o personagem, Gervais teve uma indicação ao prêmio Emmy de melhor ator em comédia, mas perdeu para Jim Parsons, de The Big Bang Theory. No Brasil, Derek está no catálogo do Netflix. www.veja.com/novatemporada • Esta página é editada a partir dos textos publicados por blogueiros e colunistas de VEJA.com ________________________________________ 2# PANORAMA 24.9.14 2#1 IMAGEM DA SEMANA – AS MENINAS NO LABIRINTO 2#2 DATAS 2#3 HOLOFOTE 2#4 CONVERSA COM JEFERSON BARROS – A OVELHA AGARRADA 2#5 NÚMEROS 2#6 SOBEDESCE 2#7 RADAR 2#8 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – AS MENINAS NO LABIRINTO Vítimas são atacadas por forças opostas, num retrato das complicações que sugam vidas e até países no Oriente Médio. Feridas e assustadas, as meninas acima parecem estar pensando no Acordo Sykes-Picot? É claro que não. Mas, em seu doloroso desamparo, elas simbolizam o labirinto de complicações na presente situação da Síria e do Iraque — incluindo a possibilidade de desmanche do acordo que criou o primeiro esboço das fronteiras atuais do Oriente Médio, assinado em 1916 pelos diplomatas Mark Sykes e François Georges-Picot, em nome da Grã-Bretanha e da França. Só um exemplo da encrenca para a qual o presidente Barack Obama, contra tudo o que pregava, está sendo arrastado pela força dos fatos: como os demais moradores de Douma, na periferia de Damasco, as duas meninas enfrentam pelo ar as bombas jogadas pela Força Aérea do governo sírio e em terra os carros-bomba explodidos por militantes da organização terrorista Estado Islâmico. O inimigo de ambos são os rebeldes "regulamentares" que controlam Douma. A estes, Obama prometeu cautelosa ajuda, dentro da campanha militar que está desfechando, do alto e de longe, contra os ultrarradicais que decapitam um refém ocidental por semana. Volta aí o Sykes-Picot (pronuncia-se Sáiques Picô). Os governantes árabes que os Estados Unidos arregimentaram, na esperança provavelmente vã de que façam o serviço pesado, têm interesse na própria preservação, incluindo- se no pacote o desenho territorial feito em 1916, acusado com muito exagero de criar nações inviáveis por causa de tensões religiosas e étnicas. O acordo certamente foi um dos últimos exercícios do imperialismo puro-sangue, repartindo áreas de influência entre franceses e britânicos como se a região fosse um salame. Mas a opção é enfrentar a máquina de fatiar humanos dos alucinados do Estado Islâmico, que fizeram até um vídeo intitulado O Fim do Sykes-Picot, em nome de uma mítica unidade islâmica. VILMA GRYZINSKI 2#2 DATAS • MORRERAM Nelson Biasoli, acordeonista e compositor paulista, autor de mais de 900 canções, entre elas Grito de Guerra, invariavelmente cantada em competições esportivas que envolvam o Brasil. Na última Copa, não houve coro mais entoado do que "Eu sou brasileiro / Com muito orgulho / Com muito amor". A música, na verdade, foi criada por Biasoli, em 1949, para uma competição escolar entre estudantes do Brasil e da Alemanha. Nascido em Tambaú, o compositor também escreveu um hino para a visita do papa João Paulo II ao Brasil em 1980. Dia 17, aos 83 anos, de pneumonia, em Ribeirão Preto. Tony Auth, cartunista americano vencedor do Prêmio Pulitzer (1976). Durante 41 anos, seus cartoons espirituosos ilustraram a página editorial do jornal Philadelphia Inquirer. Auth costumava criticar o estilo de vida cultivado nos EUA. Nascido em Ohio, começou a desenhar aos 5 anos e foi finalista do Pulitzer também em 1983 e 2010. Certa vez, declarou: "Nosso trabalho não é agradar aos leitores. Nossa missão é alertá-los, informá-los e inflamá-los". Dia 14, aos 72 anos, de câncer cerebral, na Filadélfia. Isidoro Álvarez, presidente da cadeia espanhola de lojas de departamentos El Corte Inglês, que emprega 93.000 pessoas. Nascido em Borondes, nas Astúrias, formou-se em ciências econômicas e empresariais pela Universidad Complutense. Começou a trabalhar no grupo, fundado por seu tio Ramón Areces, aos 18 anos. Com a morte de Areces, em 1989, tornou-se presidente da rede. Sob seu comando, El Corte Inglês, que tem mais de 100 lojas na Espanha, expandiu seus negócios, atuando também na área de hipermercados, turismo, seguros e tecnologia, e abriu sua primeira loja no exterior (em Lisboa). Dia 14, aos 79 anos. de complicações decorrentes de uma insuficiência respiratória, em Madri. George Hamilton IV, cantor de country considerado embaixador internacional do gênero. Por cinquenta anos, foi um dos astros da Grand Ole Opry, casa de shows em Nashville, Tennessee, que revelou os maiores nomes do country. Hamilton, que nasceu na Carolina do Norte, ajudou a popularizar o estilo musical fora de seu país. Dia 17, aos 77 anos, por complicações de um infarto, em Nashville. • QUA|7|9|2014 Liberada a venda da edição passada da revista IstoÉ, após ser impedida de circular em todo o país. No fim da última semana, a juíza Maria Marleide Maciel Queiroz, de Fortaleza, determinara o recolhimento da revista por relacionar o governador cearense Cid Gomes à corrupção na Petrobras. A magistrada entendeu que a reportagem poderia causar dano irreparável à reputação do governador, que havia entrado na Justiça contra a revista. O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, foi quem suspendeu a decisão. • QUIN|18|9|2014 Rejeitada a independência da Escócia e sua consequente separação do Reino Unido por 55,3% do eleitorado. O plebiscito teve a participação de 3,6 milhões de escoceses, ou seja, 85% dos eleitores registrados. O comparecimento foi o maior desde 1928, quando as mulheres adquiriram direito ao voto. 2#3 HOLOFOTE • ESQUECERAM DE MIM O deputado André Vargas anda feliz da vida. Primeiro figurão da política a eclodir do escândalo relacionado ao doleiro Alberto Youssef, o parlamentar estava na iminência de perder o mandato. A cassação era dada como certa, até que surgiram o ex-diretor Paulo Roberto Costa, a delação premiada e a lista dos envolvidos com os milionários desvios da Petrobras. Perto dos nomes que apareceram, o ex-petista Vargas se considera um peixinho entre tubarões. Ele aposta que vai concluir o mandato sem ser admoestado e já voltou a viajar de avião de carreira, o que evitava com medo de ser hostilizado pelos passageiros. PARAÍBA • MULHERES-PROBLEMA Duas mulheres estão chamando atenção na corrida eleitoral pelo governo da Paraíba, embora não sejam candidatas. Silvia Almeida de Oliveira, ex-esposa do senador Cássio Cunha Lima (PSDB), que lidera as pesquisas, virou munição para os adversários do marido depois de revelado que ela recebia em sua conta a aposentadoria que é exclusiva do ex-governador. Já Pâmela Bório, a mulher do governador e candidato à reeleição Ricardo Coutinho (PSB), é apontada como suspeita de tramar contra o próprio marido por ter divulgado uma gravação de um perrengue entre os dois. PARANÁ • MUNDO ANIMAL Os animais invadiram a disputa eleitoral no Paraná. Candidato à reeleição pelo PSDB, o senador Álvaro Dias apareceu no horário eleitoral na TV com seu cachorrinho de estimação da raça bichon frise. Adversário do tucano, o comunista Ricardo Gomyde resolveu provocá-lo e posou com um filhote de onça-pintada. Histórico adversário de Dias, o candidato ao governo pelo PMDB, o senador Roberto Requião, carnavalizou os episódios e apareceu com um galo de borracha no seu programa para a internet. O brinquedo, que serve como buzina para criticar adversários, recebeu o nome de Ezekias. • PARA DE CHORAR!!! Acabou o prazo para a substituição dos candidatos pelos partidos e, assim, a esperança dos conspiradores petistas de rifar Dilma Rousseff da corrida eleitoral. Cortejado pelas bases e pelos caciques do PT, Lula continuará como o principal cabo eleitoral da campanha à reeleição, tarefa que tem custado a ele horas de palanque, discurso, suor e, quem diria, um quê de arrependimento por certas decisões. "A nossa vida poderia ter sido mais fácil", confidenciou o ex-presidente a um estrelado correligionário. • MUDANÇA X CONTINUIDADE A recuperação do senador Aécio Neves não é o único dado a preocupar a campanha da ex-ministra Marina Silva. Coordenadas pelo marqueteiro Diego Brandy, pesquisas internas do PSB mostram que, desde o início da propaganda eleitoral, caiu cerca de 15 pontos percentuais a diferença entre os eleitores que defendem o conceito de mudança, dínamo da campanha marinista, e aqueles que pregam a continuidade. Atualmente, mudança e continuidade fazem a cabeça, respectivamente, de 60% e 40% dos entrevistados. Colaboraram Adriano Ceolin, Daniel Pereira e Rodrigo Rang 2#4 CONVERSA COM JEFERSON BARROS – A OVELHA AGARRADA O pastor evangélico enfrentou na Justiça membros do PSOL para disputar vaga de deputado federal pelo partido. À acusação de ter sido "plantado" para sabotar a linha do partido, responde: "Tenho amigos gays". É possível o senhor não ter sido infiltrado? Não sou um cavalo de Tróia. Fui convidado a entrar no partido. Não tenho relação com o pastor Silas Malafaia, como dizem. E, pelo amor de Deus, nunca fui homofóbico. A lei para a união igualitária já existe, só não defendo o casamento de pessoas do mesmo sexo no religioso. Candidato não tem de apoiar o programa do partido? Não sou alienado das questões partidárias. Só não apoio 100% delas. Todo partido tem suas diferenças. Eu fui do PT de 1989 a 1996. Hoje acho que ele se prostituiu e se revelou de direita. Acha certo o sistema de eleição pelo princípio do coeficiente eleitoral, ou seja, emplacar vagas com as "sobras" dos candidatos mais votados? Pode acontecer comigo, mas sou contra a ferramenta. Quais seriam seus principais projetos? Obrigar parlamentares a usar o SUS e acabar com os pedágios. Algo mais realista? Ter na escola pública cursos como o de eletricista e o de operador de grua, para os jovens já aprenderem uma profissão. “Acredito num país em que ninguém em função pública aceite orientações do papa, do Conselho Nacional das Igrejas ou de outras instâncias eclesiásticas." Concorda com o presidente John Kennedy? Sim, pois seguir a Bíblia é diferente de seguir orientações de igrejas. O bispo Edir Macedo apoia a legalização do aborto, e eu não. Se um líder da minha igreja apoiar, não mudarei de convicção. Que figura política admira? Martin Luther King. Também estou sendo assassinado, de uma forma diferente. Não há certo exagero na comparação? Não. Fui humilhado e prejudicado. 2#5 NÚMEROS 0 filhote de esturjão-chinês nasceu no ano passado no Rio Yang Tsé. Foi a primeira vez que isso ocorreu desde que essa população começou a ser monitorada, há 32 anos. 140.000.000 de anos de existência tem o peixe, chamado de "fóssil vivo" por pesquisadores por ter surgido antes da extinção dos dinossauros, há 65 milhões de anos. 377 espécies de animais, o maior número desde 2010, entraram no ano passado para a categoria "criticamente em perigo", que antecede a das extintas, de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza. 731 espécies já foram consideradas totalmente extintas desde 1996, o início da série histórica. 2#6 SOBEDESCE SOBE • Alibaba - O gigante chinês do comércio eletrônico fez na bolsa americana a maior oferta pública inicial de ações da história, 21,8 bilhões de dólares. • Índia - Com a chegada de uma sonda a Marte, prevista para esta semana, o país vai se tornar a primeira potência espacial fora do eixo Estados Unidos e Europa a alcançar o planeta. • Chikungunya – O Brasil registrou no Amapá os primeiros casos internos da doença - cujo nome vem da Tanzânia e significa "tornar-se dobrado ou contorcido" —, transmitida pelo mesmo mosquito da dengue. DESCE • Adoçantes - Uma pesquisa israelense publicada na revista científica Nature associou a sacarina e a sucralose ao desenvolvimento de diabetes. • Correios - A estatal admitiu que descumpriu as próprias normas e distribuiu panfletos eleitorais de Dilma Rousseff sem os necessários comprovantes de pagamento da postagem, segundo O Estado de S. Paulo. PIB - A OCDE reduziu a previsão de crescimento do Brasil neste ano para 0,3% — o segundo pior índice entre as grandes economias do mundo, melhor apenas que o da Itália. 2#7 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • ELEIÇÕES COFRE CHEIO Com a colheita das duas últimas semanas, os arrecadadores da campanha de Marina Silva não têm motivo para se queixar da vida. ESTRATÉGIA NA TV 1 Tratado como uma espécie de consultor da campanha de Marina Silva, Fernando Meirelles já começou a opinar sobre como devem ser os programas de dez minutos de duração na TV durante o segundo turno. O cineasta sugeriu ao PSB que faça clipes revelando o lado pessoal de Marina. ESTRATÉGIA NA TV 2 Mesmo com os ataques do programa de Dilma Rousseff, Meirelles afirmou para Marina que bater na adversária seria um tiro no pé. Para ele, a estratégia funcionaria bem só nos últimos quatro dias de campanha. Quando acontece muito cedo, segundo o que Meirelles sustentou para Marina, há tempo para a verdade se restabelecer e quem bate é que acaba sendo punido pela truculência. DE FORA José Dirceu anda comportado. Está estranhamente fora da campanha deste ano. DEPOIS DE MANTEGA Numa conversa com um grande empresário brasileiro há cerca de um mês, no Palácio do Planalto, Dilma Rousseff deu algumas pistas sobre quem seria o sucessor de Guido Mantega no caso de ela ser reeleita. Ou, mais precisamente, fez o contrário. Sinalizou quem não seria o próximo ministro da Fazenda: o ministro Aloizio Mercadante; o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini; e, ufa, o secretário do Tesouro, Arno Augustin. Não que os três não ambicionem o cargo, claro. • BRASIL EM BUSCA DE PAPÉIS Policiais federais foram a sede da empreiteira Camargo Corrêa, na terça-feira 16, em busca de documentos relativos à Refinaria Abreu e Lima, de Pernambuco. Cumpriam uma ordem judicial feita a partir de um pedido da defesa do doleiro Alberto Youssef. EM PÂNICO A propósito, os fornecedores da Petrobras estão em polvorosa. Na semana passada, correram rumores de que uma grande empreiteira topará a delação premiada. Não é fato. Mas a turma entrou em pânico. • ECONOMIA AGORA, SIM Está próximo de acontecer a operação em que o BTG Pactual tentará comprar a TIM e fatiá-la entre a Oi, a Claro e a Vivo. AGORA, NÃO Zeinal Bava não tem mais a confiança dos acionistas da Oi. Mas sua saída da presidência da empresa não se dará antes que a compra de parte da TIM pela operadora seja concretizada. Quando isso acontecer, trabalha-se com a ideia de botar um interino como sucessor de Zeinal. • TELEVISÃO DOIS CHAPÉUS O diretor-geral de entretenimento da Globo, Manoel Martins, aposenta-se no fim do ano. É um cargo-chave na emissora. Seu ocupante responde por tudo o que vai ao ar, exceto programas jornalísticos e esportivos. Até segunda ordem, o sucessor de Martins não será anunciado quando a saída for oficializada. Carlos Henrique Schroder, o número 1 da Globo, deve acumular a função por pelo menos um ano. • OLIMPÍADA DE 2016 A MORDOMIA... Os ingressos para a Olimpíada de 2016, de 40 a 4600 reais, anunciados na semana passada, não serão os únicos a ser postos à venda. Assim como na Copa 2014, será vendido um "pacote hospitalidade", em que vêm incluídos, além dos ingressos, hospedagem em hotel cinco-estrelas, transporte, bufe e entrada exclusiva nos estádios por preços muito mais altos. . ..E A SUPERMORDOMIA A Rio 2016 está estudando também repetir o que foi feito em Londres, em 2012: vender cinquenta ingressos de 1 milhão de dólares a unidade. Cada um desses tíquetes dará direito, como é de imaginar, a nababescas mordomias e será destinado a xeques árabes e bilionários em geral. 2#8 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “Faço até dança do ventre, se for preciso, para chegar lá.” - CHRISTINE LAGARDE diretora-gerente do FMI, referindo-se, no diário britânico Financial Times, ao seu empenho para que países não ocidentais, como a China, tenham mais peso dentro da instituição. “Bem, é verdade, estou pensando no assunto.” - HILLARY CUNTON, ex-secretária de Estado americana, falando, durante um evento em Iowa, sobre sua provável candidatura à sucessão de Barack Obama na Casa Branca. “É muito decepcionante para nós ouvir da universidade que os resultados têm sido bastante baixos.” - SCIENCE WITHOUT BORDERS, entidade parceira do programa federal Ciência sem Fronteiras, em e-mail encaminhado a todos os bolsistas brasileiros de graduação matriculados na Universidade de Southampton, na Inglaterra: após a revelação da crítica à falta de dedicação dos estudantes, feita pela Agência Brasil, a SwB enviou outra mensagem com um pedido de desculpas. “Quando me entedio, bebo (...). Se começo a beber... não posso beber como uma pessoa normal. Posso entornar doze, treze, catorze garrafas por dia.” - GERARD DEPARDIEU, ator francês, na revista inglesa SoFilm. “Trato de ser tolerante, porém detesto futebol, e o fenômeno idiotizante que produz... Detesto ainda mais porque as pessoas estorvam e inundam as avenidas para fazer com que se demore duas horas para chegar em casa... E tudo para ver um macaco... Brasileiro, mas ainda macaco.” - CARLOS TREVINO NÚÑEZ, ex-secretário de Desenvolvimento Social da cidade mexicana de Querelara, referindo-se, em uma rede social, a Ronaldinho Gaúcho, contratado pela equipe local; Treviño acabou pedindo desculpas depois, mas o clube declarou que queria vê-lo punido. “Hoje amanheci inspirado, motivado a trabalhar... Desde que seja do que gosto, lhe dando (sic) com o público. Comentarista, jogador, treinador, apresentador e etc...” - TÚLIO MARAVILHA, ex-atacante, aposentado desde março, procurando emprego por meio de sua conta em uma rede social. “Nasci como um jovem de classe média, e você voltar para isso (...) é um baque gigantesco.” - EIKE BATISTA, empresário que já foi o sétimo homem mais rico do mundo e hoje deve 1 bilhão de dólares, em entrevista à Folha de S.Paulo. “Os mecanismos criados, diga-se a bem da verdade, pelo governo do PT, do Lula e da Dilma, terminaram com o caixa dois. Quem fizer corre o grande risco de ser pego.” - LUIZ MARINHO, coordenador da campanha presidencial petista em São Paulo e prefeito de São Bernardo, comentando as dificuldades para arrecadação de recursos, após participar de ato político em Campinas. “Em países ainda em fase de consolidação institucional, ou que tenham instituições débeis, a reeleição funciona como carro-chefe, como a mãe de todas as corrupções, de toda espécie.” - JOAQUIM BARBOSA, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, em sua primeira palestra após a aposentadoria, feita na capital paulista. “Nem que a gente quisesse, a gente não tem condições de perder.” – MICHEL TEMER, vice-presidente da República, esbanjando otimismo em relação à possibilidade de reeleição de Dilma Rousseff, apesar do cenário de disputa acirrada com Marina Silva indicado pelas pesquisas. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto das atrocidades do Estado Islâmico “A violência não é força, mas fraqueza.” - BENEDETTO CROCE, filósofo italiano (1866-1952) _____________________________________ 3# BRASIL 24.9.14 3#1 A EMOÇÃO VAI AO PALANQUE 3#2 MUDANÇA DE MARÉ 3#3 SÓ BOLSA NÃO BASTA 3#4 A ARTE DE ROUBAR DOS POBRES 3#5 OUTRO PEIXE GRANDE NA REDE 3#1 A EMOÇÃO VAI AO PALANQUE “Tudo o que minha mãe tinha para oito filhos era um ovo e um pouco de farinha e sal. Eu me lembro de ter olhado para meu pai e minha mãe e perguntado: 'Vocês não vão comer?'. E minha mãe respondeu: 'Nós não estamos com fome’. Quem viveu essa experiência jamais acabará com o Bolsa Família.” - MARINA SILVA Marina saca da arma que era de uso exclusivo do PT e expõe a trajetória sofrida para estancar a queda nas pesquisas e brigar pela última cota de eleitores disponíveis, a dos chamados volúveis. MARIANA BARROS E PIETER ZALIS O contra-ataque veio na forma que o PT mais temia. Depois de sofrer a Blitzkrieg dilmista por vinte dias ininterruptos, Marina Silva sacou do coldre uma arma cujo poder de fogo seus adversários conhecem bem: o apelo emocional. Em um vídeo gravado durante um comício em Fortaleza e levado ao ar no seu programa eleitoral de terça-feira, a candidata dizia que passou fome e viu seus pais deixarem de comer para que os filhos pudessem dividir um ovo — e que alguém que passou por uma experiência assim jamais iria acabar com o Bolsa Família. A voz embargada da ex-senadora, as pausas estratégicas de sua fala, a eloquência da frase final ("Isso não é um discurso, isso é uma vida") e os olhos marejados das pessoas no palanque produziram um vídeo de alta voltagem dramática — foram os dois minutos de maior impacto nas quase doze horas de programa eleitoral presidencial veiculadas na TV até aquela data, como mostrou o número de visualizações do filme na internet (67.000 até sexta-feira, recorde na campanha). O uso da emoção em campanhas eleitorais está longe de ser algo novo, mas, no caso de Marina, ele embute um significado extra. Ao rebater os ataques do adversário com sua história de vida — menina negra e pobre, nascida em um seringal do Acre e alfabetizada aos 16 anos de idade —, ela tira do PT o monopólio da emoção e inicia um perigoso avanço no território inimigo, ao mesmo tempo em que enfraquece o discurso do medo usado pelo PT. A disseminação do boato de que Marina acabaria com o Bolsa Família — motivo do seu discurso em Fortaleza — foi parte do bombardeio petista cujos resultados apareceram na última pesquisa do Datafolha, divulgada na sexta-feira. Pelo levantamento, a presidente e candidata à reeleição pelo PT, Dilma Rousseff, abriu 7 pontos de vantagem sobre a ex-senadora no primeiro turno e diminuiu de 10 para 2 pontos a diferença no segundo. Aécio Neves, do PSDB, que chegou a ter 20 pontos a menos que Marina, agora está separado dela por 13 (veja a reportagem sobre o tucano na pág. 60). Na campanha de Dilma, o marqueteiro João Santana comemorou: "A Marina está derretendo". As pesquisas internas do governo já mostravam que a estratégia de atacá-la a todo custo havia dado resultado. Para o diretor-geral do instituto, Mauro Paulino, a queda de Marina era esperada. "Pelo volume de ataques que ela sofreu, seu patamar não mudou muito." Ele disse acreditar que o vídeo de Fortaleza deverá ter impacto junto ao eleitor, mas seus efeitos só serão sentidos na próxima pesquisa (as entrevistas do Datafolha foram feitas entre a última quarta e quinta-feira). Se a emoção do filme foi genuína, o uso do material foi calculado. Há pelo menos duas semanas, o marqueteiro do PSB, Diego Brandy, tinha avaliado que era preciso um programa na TV que causasse impacto no eleitorado de municípios com menos de 100.000 eleitores. É nesse segmento que se concentram os maiores beneficiados pelo Bolsa Família — e onde Dilma detém seu voto mais cristalizado. O relato de Marina sobre as agruras de sua infância já havia chamado a atenção de assessores em um comício há duas semanas. Assim, os marqueteiros da campanha não hesitaram em usar a fala quando ela voltou ao assunto no discurso de sexta-feira. Assessores da candidata ficaram empolgados quando viram a versão final do vídeo e chegaram a cogitar colocá-lo imediatamente na internet, mas a equipe de Brandy decidiu segurar o filme para o horário eleitoral. Um dia antes de a peça ir ao ar, a candidata a viu. Elogiou: "Isso é forte mesmo". Agora, o PSB deve insistir nessa trilha. A campanha tem pronto o roteiro de outro programa, ainda não aprovado por Marina, que usará fórmula similar para abordar a má qualidade dos serviços de saúde pública no país. Ele se baseia num texto que Marina colocou em seu blog em 2010, escrito em forma de carta à filha Shalom, hoje com 33 anos. Nele, ela conta que, quando a menina nasceu, era estudante do curso de história em Rio Branco, no Acre. "Não tinha salário, nem carteira assinada, nem plano de saúde, nem previdência", diz. "Você nasceu num hospital público, onde me registraram na categoria chamada de 'indigente'." Ela diz ainda que havia uma única enfermeira para atender todas as parturientes e que ela e Shalom quase morreram. Diz um integrante da campanha: "Tudo o que for referente à vida de Marina será explorado para criar uma empatia com a população mais pobre". Marina vai enveredar pela picada aberta por Lula. "Ela pode fazer isso porque tem o 'direito'. Sua história é verdadeira, não soa artificial de forma nenhuma", diz o marqueteiro Duda Mendonça, que comandou a campanha que levou à primeira vitória do ex-presidente. Enquanto isso, Dilma se prepara para dobrar a carga. Na semana passada, a presidente tentou associar a ex-senadora a uma suposta suspensão de direitos trabalhistas. Aproveitando-se de uma promessa feita pela ex-senadora de "atualizar" a legislação, a petista adiantou-se dizendo que "nem que a vaca tussa" permitirá que os trabalhadores "sofram perdas" em suas conquistas. Os governistas querem ganhar o primeiro turno por uma vantagem de pelo menos 10 pontos percentuais. Isso aumentaria a expectativa de vitória de Dilma entre os eleitores e poderia influenciar os indecisos a optar por ela no segundo turno, além de facilitar a conquista de apoios. A briga entre os três principais candidatos agora se concentra no voto de 41,5 milhões de brasileiros que já escolheram em quem votar, mas ainda consideram mudar de decisão. São os eleitores que os estrategistas chamam de "volúveis" e representam 29% do eleitorado. Como a taxa de indecisos e de quem afirma que votará nulo ou em branco está em torno de 6%, o patamar histórico de outras eleições, o cenário só se alterará se um candidato conseguir roubar votos de outro. Com base em dados do Datafolha e do Ibope, VEJA traçou um perfil do tipo de eleitor que Dilma, Marina e Aécio têm mais chance de conquistar para subir nas pesquisas. São eleitores de grupos nos quais os candidatos já têm um desempenho acima da sua média geral e que por algum motivo não votam neles, mas ainda admitem mudar de ideia. A duas semanas do primeiro turno, a pesca dos indecisos é crucial para os candidatos — e, para isso, nenhuma isca pode ser desprezada. Diz-se que, na campanha americana que elegeu Dwight Eisenhower para presidente, em 1956, o candidato Adlai Ewing Stevenson, famoso pela oratória, foi abordado por uma eleitora que lhe disse: "Governador, todas as pessoas pensantes vão votar no senhor". Ao que Stevenson teria respondido: "Madame, isso não é suficiente. Eu preciso da maioria". As varas estão lançadas. A EMOÇÃO VENCEU A RAZÃO As campanhas que fizeram história no Brasil e nos Estados Unidos AMANHECE NOVAMENTE NA AMERICA Ronald Reagan, Estados Unidos, 1984 Considerada a primeira grande campanha a explorar o veio da emoção, tinha a mesma frase de abertura em todos os programas de TV, incluindo os que tratavam de temas áridos como inflação e impostos: "Amanhece novamente na América". Reagan derrotou o democrata Walter Mondale e foi reeleito. "HOPE" E O SONHO AMERICANO Bill Clinton, Estados Unidos, 1992 "Nasci em uma pequena cidade chamada Hope (esperança, em inglês), no Arkansas", dizia Clinton, enquanto um vídeo de apresentação mostrava imagens suas quando jovem apertando a mão de John Kennedy. Terminava com a frase: "É emocionante pensar que, como presidente, posso ajudar a melhorar a vida de todos e trazer a esperança de volta ao sonho americano". Ele derrotou George Bush. A ESPERANÇA CONTRA O MEDO Luiz Inácio Lula da Silva, 2002 Depois de três derrotas, o petista abandonou o discurso raivoso e o vermelho do PT. Em maio, gravou um comercial em que falava da morte da primeira mulher no parto. Na peça mais famosa, grávidas caminhavam ao som do Bolero de Ravel. Chico Buarque, o narrador, dizia que não é possível escolher o que um filho será, mas é possível escolher o país que se quer para ele. “YES, WE CAN” Barack Obama, Estados Unidos, 2008 O discurso de unir um país rachado pelas guerras do Iraque e do Afeganistão e de construir um futuro "pós-racial", sem conflitos entre brancos e negros, foi a base da campanha do democrata. E a ideia de um negro, vindo de uma família comum, comandar o país mais poderoso do planeta tomou o imaginário mundial — seu discurso em Berlim, quando ele ainda era candidato, atraiu 200.000 pessoas. O BC ATROPELADO PELO TERRORISMO O apelo ao sensacionalismo de palanque pode prestar-se ao desserviço de distorcer profundamente o debate sobre temas fundamentais para o desenvolvimento da economia. Foi assim em 2006, com a satanização das privatizações por Lula, então candidato à reeleição. Agora o falseamento barato de campanha chegou ao Banco Central. Marina defendeu a necessidade de dar independência operacional ao BC, como maneira de incorporar definitivamente o combate à inflação como um avanço institucional, sem deixar essa ação à mercê das vontades do governo. Não falou nada de mais. É assim nos países desenvolvidos, nos quais, aliás, a inflação e os juros são muito menores que no Brasil. O PT, entretanto, viu aí uma oportunidade para explorar, de maneira torta, a emoção dos eleitores. Em uma peça para a TV, o texto diz que a mudança defendida por Marina daria aos banqueiros (sim, aos banqueiros) a autonomia para decidir sobre juros, empregos e até salários, e, como sugerem as imagens, isso significaria menos comida na mesa das famílias. Em primeiro lugar, a diretoria do BC não é composta de banqueiros, mas de economistas e técnicos, que podem ser do próprio quadro da instituição ou não. Antes de nomeados, precisam ser sabatinados e aprovados no Senado. A autonomia institucional apenas asseguraria que esses diretores tivessem mandatos determinados, independentemente de interferências políticas, para que pudessem trabalhar com mais liberdade em seu objetivo central de defender a estabilidade da moeda e a saúde do sistema financeiro. Para o economista Gustavo Franco, ex-presidente do BC, a peça do PT foi ruinosa. "Foram anos para o Banco Central construir sua credibilidade ao vencer a hiperinflação", disse Franco em um artigo recente. "Em duas semanas, a evolução das instituições monetárias brasileiras regrediu uma década ou mais", completou. Diferentes estudos associam a independência de bancos centrais a uma eficácia maior no controle da inflação. Os economistas Barry Eichengreen e Nergiz Dincer avaliaram mais de 100 bancos centrais em todo o mundo, entre 1998 e 2010, e concluíram que há uma tendência inequívoca de aumento da transparência e da independência, associada à redução dos índices de inflação. É isso que garante a comida na mesa das famílias, e não a atual política econômica, cuja leniência perante a inflação solapou os ganhos no poder de compra dos salários. MARCELO SAKATE A PESQUISA DAS PESQUISAS Desde que Marina Silva entrou na disputa eleitoral, já foram divulgadas 33 pesquisas registradas na Justiça Eleitoral, de cinco institutos. Esses levantamentos mostram o que os analistas chamam de uma "fotografia do momento", mas dizem pouco sobre o que pode acontecer no futuro. Para tentar apontar as chances de vitória de cada candidato, o estatístico Neale El-Dash, ex-diretor de pesquisas do instituto Ipsos nos Estados Unidos, adaptou para o Brasil o método utilizado pelo matemático americano Nate Silver na eleição de 2012, quando ele acertou os resultados em todos os cinquenta estados americanos. Por meio do cruzamento dessas 33 pesquisas, inclusive a do Datafolha divulgada na sexta-feira passada, o estatístico fez 15.000 simulações em um programa de computador que permitiram chegar aos cenários com maior probabilidade de se concretizar. O trabalho mostrou que Marina tem 58% de possibilidade de vencer a disputa pela Presidência da República, contra 41% de Dilma Rousseff e 1% de Aécio Neves. A pesquisa de El-Dash deu pesos diferentes a cada levantamento, a partir de variáveis que abrangeram desde o tamanho da amostra utilizada até o histórico de acertos de cada instituto. À medida que se aproxima a data da eleição, também muda, por exemplo, a influência da margem de erro dos levantamentos. O VOTO QUE DILMA AINDA PODE TER Dona de um salão de beleza no Recife, Alessandra Figueiredo, 34 anos, tende a votar em Marina Silva. Mas admite mudar de ideia e escolher a presidente. Falta, em sua avaliação, que a petista fale abertamente sobre os problemas do país. "Para ela, tudo parece estar bem, mas a verdade é que não está". O VOTO QUE AÉCIO AINDA PODE TER Se a eleição fosse hoje, Marina seria a escolhida do arquiteto de sistemas Daniel Romualdo, 32. Mas, até o dia 5, seu voto ainda pode ir para o tucano. Morador da capital paulista, ele sente falta de conhecer melhor o candidato: "Não sei como é a pessoa do Aécio, o que ele pensa sobre a vida e como é a sua família". O VOTO QUE MARINA AINDA PODE TER A apresentadora de televisão Norma Araújo, 60, diz que, ao contrário da maioria dos moradores de Manaus, jamais votou no PT. Seu voto seria para Aécio Neves, mas ela ainda se inclina para Marina Silva: "Comecei a achar que ela tem mais proximidade com o povo, pode melhorar a vida". COM REPORTAGEM DE ADRIANO CEOLIN, HUGO MARQUES, LUCAS SOUZA, LUCIANO DE PÁDUA E TALITA FERNANDES 3#2 MUDANÇA DE MARÉ De volta ao patamar que ocupava quando estava em segundo lugar na corrida eleitoral, o tucano Aécio Neves comemora o crescimento da "onda da razão". Dá tempo de virar? BELA MEGALE Num encontro só com mulheres, Aécio Neves começou seu discurso na quarta-feira passada, em São Paulo, comemorando o que batizou de "onda da razão". No dia anterior, o Ibope havia apontado um aumento de 4 pontos nas intenções de voto a seu favor. Voltou à casa dos 19 pontos, número similar ao que ostentava como segundo colocado nas pesquisas antes de Marina Silva entrar na disputa. Na sexta-feira, o Datafolha mostrou que o tucano tem a menor rejeição de todos os candidatos, com 21% (Dilma permanece no topo, com 33%, seguida de Marina, com 22%). Por fim, Aécio recebeu a notícia de que o instituto GPP, que em duas rodadas de pesquisas qualitativas com 3800 eleitores havia concluído, vinte dias atrás, que a maioria do eleitorado reconhecia em Marina Silva a "candidata da mudança", agora apontou que o quadro se alterou — Aécio é o mais citado como o melhor para mudar, com cerca de 60% das menções. Com isso, o ex-governador de Minas deu por encerrada a pior fase de sua campanha, iniciada no dia 13 de agosto, com a morte de Eduardo Campos. O dado que mais animou a tropa tucana foi que dobrou o número de eleitores que rejeitam Marina. De 11%, taxa que ela tinha na primeira pesquisa após a morte de Campos, o número foi para 22%. No mesmo período, o índice do mineiro subiu apenas 3 pontos. Na avaliação dos tucanos, o crescimento da rejeição da ex-senadora indica que a estratégia de mostrá-la como "uma continuidade do PT" está funcionando. Pesquisas qualitativas da legenda revelam que o que tira mais votos da ex-ministra de Lula não é a suposta incoerência de propostas ou a falta de equipe credenciada, mas sua ligação de vinte anos com o partido de Dilma Rousseff. Ao atingir as metas de estancar a sangria e voltar ao patamar próximo dos 20% nas pesquisas, o partido conseguiu afastar, ao menos por enquanto, seu pior fantasma: o medo de se perder entre os nanicos no fim da corrida eleitoral e passar a imagem de que o PSDB "morreu". Agora, para continuar crescendo, a campanha vai redobrar esforços para conquistar o voto antipetista. Aécio dirá que há dois PTs na disputa, um representado por Dilma e outro por Marina. "A campanha vai mostrar que quem tem força para enfrentar o partido que está há doze anos no poder é Aécio", diz um integrante da equipe de marketing. Além de peças publicitárias, o candidato continuará a explorar dados econômicos negativos do governo, como o baixo crescimento do PIB. O senador porá a culpa em Dilma e a incapacidade de resolver o problema em Marina, como vem fazendo. A campanha vai fugir de assuntos controversos. A ideia de lançar o programa de governo no início deste mês num grande evento foi suspensa após as críticas que rondaram o documento do PSB. Além de evitar assuntos espinhosos, o programa, de caráter "generalista", segundo um de seus formuladores, só será apresentado ao público às vésperas da eleição, para dar pouco espaço para julgamentos. O tucano continuará avisando ao eleitor que, se perder, estará na oposição, de forma a esvaziar o discurso de Marina de que governará "com os melhores". A decisão, no entanto, divide o partido. Nomes como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o governador paulista Geraldo Alckmin e o governador de Goiás, Marconi Perillo, já deram sinais de que embarcariam numa aliança. O candidato a vice Aloysio Nunes e o coordenador do programa de governo Arnaldo Madeira estão no polo oposto. A semana termina menos mal para Aécio. Sua ida para o segundo turno continua sendo improvável. Mas deixou de ser inimaginável. APELO POPULAR O cantor Zezé di Camargo, que fez showmícios para Lula em eleições passadas, agora apoia Aécio. 3#3 SÓ BOLSA NÃO BASTA A distribuição de renda já não melhora como antes, em uma evidência de que os programas assistenciais, sozinhos, não podem reduzir a distância entre ricos e pobres. ANA CLARA COSTA Em 1º de janeiro de 2011, no discurso de posse, Dilma Rousseff destacou a necessidade de incentivar o crescimento econômico, porque só assim seria possível manter os avanços nos indicadores sociais. Afirmou ela: "A superação da miséria exige prioridade na sustentação de um longo ciclo de crescimento. É com crescimento, associado a programas sociais, que venceremos a desigualdade de renda". A marca de seu governo na economia, entretanto, foi o baixo crescimento. Como resultado, desde 2001 o Brasil não avançou na diminuição do fosso entre os rendimentos dos mais ricos e os dos mais pobres. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, o coeficiente de Gini, tradicional indicador para medir a distribuição de renda, ficou praticamente estagnado nos últimos três anos. De 2012 para 2013, caiu de 0,496 para 0,495. Esse número é o corrigido, divulgado no fim da tarde de sexta-feira. No dia anterior, o IBGE na verdade havia informado que o coeficiente fora de 0,498 em 2013. É esse o número do gráfico na página ao lado, que, por razões operacionais, não pôde ser atualizado. O órgão de pesquisa cometeu um erro grosseiro na ponderação das estatísticas. A presidente do instituto, Wasmália Bivar, pediu desculpas por erros "extremamente graves", durante entrevista coletiva no Rio. Ela garantiu que não houve interferência política na revisão dos números e que as incorreções foram percebidas por economistas de fora do instituto. As falhas não disseram respeito apenas aos dados da distribuição de renda. O analfabetismo, por exemplo, é de 8,5%, e não 8,3%. Não se trata da primeira vez, nos últimos meses, que o IBGE volta atrás para corrigir números. Recentemente, funcionários também fizeram um manifesto contra a suspensão da pesquisa Pnad Contínua, que calcula, entre outros índices, o desemprego. Por fim, alguns indicadores vêm sendo publicados com atraso em razão de greves e cortes no orçamento. A crise no órgão, espera-se, não chegará ao ponto do ocorrido na Argentina, onde o instituto de pesquisas oficiais teve a sua credibilidade destruída por causa das manipulações impostas pelo governo. De qualquer maneira, os números apresentados não são bons. Foi interrompida a tendência de avanço registrada na década anterior. "A desigualdade havia caído fortemente a partir de 2000, em decorrência da melhora no mercado de trabalho e da ampliação dos investimentos em educação", afirma o economista Marcos Lisboa, vice-presidente do Insper. O avanço só foi possível porque a economia crescia num ritmo mais rápido, criando empregos e aumentando os salários. Esse ciclo favorável, bem como o controle da inflação e a expansão dos programas sociais, possibilitou uma queda contínua na desigualdade. Nos últimos anos, entretanto, esse ciclo virtuoso esgotou-se. "Andamos para trás em relação ao resto do mundo", afirma Lisboa. Segundo o economista, as mudanças na política econômica tiveram um efeito adverso: "Distorções provocadas por privilégios para alguns setores contribuíram para a piora da produtividade. Isso afeta o crescimento e, em médio prazo, o emprego." Um estudo inédito feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mas que, por motivos desconhecidos, acabou não sendo divulgado, mostra também uma tendência negativa. O site de VEJA teve acesso ao documento, intitulado "O topo da distribuição de renda no Brasil". Na pesquisa, foram usadas as informações da Receita Federal, método similar ao do francês Thomas Piketty, e não a pesquisa com domicílios, como a feita na Pnad. Entre 2006 e 2012, os ricos viram subir seus rendimentos numa velocidade superior à dos ganhos dos mais pobres e abocanharam um porcentual maior da renda total. O naco do grupo dos 5% donos dos maiores rendimentos subiu de 40% para 44% do total, enquanto o quinhão do 1% mais rico passou de 22,5% para 25%. Os números usados pelo Ipea não são públicos. A Receita não os divulga. Para José Roberto Afonso, da Fundação Getulio Vargas, a evolução da desigualdade poderia ser mais bem avaliada se tais dados fossem abertos. "A Pnad capta uma parte dos ganhos, pois os recenseadores apuram apenas a renda de pessoas físicas. Cada vez mais, no Brasil, os rendimentos são em forma de ganhos de capital de pessoa jurídica", diz Afonso. "Quanto mais dados, melhor se observa a real medida da distribuição de renda no país”. A DESIGUALDADE PAROU DE CAIR O coeficiente de Gini afere a desigualdade na distribuição de renda em um país. Varia de 0 (divisão mais equalitária possível) a 1 (concentração total nos rendimentos). No Brasil, depois da melhora na década passada, o indicador permanece estagnado desde 2011. 2005: 0,542 2013: 0,498 A FATIA DOS RICOS CRESCEU Participação da renda total abocanhada pelo grupo dos 5% com rendimentos mais altos 2006: 40% 2013: 44% Fonte: IBGE e Ipea 3#4 A ARTE DE ROUBAR DOS POBRES Dona de ONG conta como milhões de reais destinados à construção de casas foram desviados para políticos do PT na Bahia. Entre os beneficiados estão um senador, dois deputados federais, o atual candidato a governador e um ex-ministro do governo Dilma. ROBSON BONIN A realidade não costuma ser generosa com pessoas como o lavrador Ualace Sousa Reis. Sem emprego formal, ele, a mulher e o filho sobrevivem com 100 reais do programa Bolsa Família num casebre alugado no município de Canarana (BA). O dinheiro é insuficiente para cobrir o aluguel, atrasado há três meses. "É isso ou passar fome", justifica. Para complementar a renda, Ualace faz pequenos serviços nas fazendas. Em 2008, ele e outras famílias em situação parecida receberam um aceno de que o futuro poderia ser um pouco menos incerto e inclemente. Na pequena cidade do sertão baiano, desembarcou uma organização não governamental (ONG) que prometia realizar o sonho dos pobres dali: casas com banheiro, água, energia elétrica e, o principal, sem custo. Havia apenas uma recomendação: como faltavam alguns meses para as eleições e os recursos para as obras eram enviados pelo governo estadual, seria necessário votar no candidato do partido do governador para assegurar que não haveria a interrupção das obras. A ONG fez as mesmas promessas em outros dezessete municípios da região. As casas, porém, nunca foram entregues. À primeira vista, parecia mais um golpe eleitoral, daqueles mais sorrateiros, comuns nos rincões do país. É uma tradição nacional: os políticos se aproveitam da ingenuidade e da carência dos eleitores, fazem promessas, ganham seus votos e só voltam a se lembrar dos compromissos assumidos anos depois, quando o ciclo vicioso recomeça. Esse caso, porém, foi mais que um estelionato eleitoral. Foi um crime. As casas não foram construídas porque o dinheiro destinado às obras acabou desviado para os bolsos e as campanhas dos políticos. Apesar de grave, o caso da Bahia seria apenas mais uma história que reflete a degradante tradição nacional de rapinagem seguida de impunidade. A diferença é que se descobriu agora como o dinheiro sumiu, quem o desviou e, principalmente, a patente e o nome dos que se locupletaram dele — deputados estaduais, deputados federais, dirigentes partidários, um senador e até um ex-ministro do governo Dilma Rousseff. É uma história com começo, meio e fim que revela, mais que qualquer coisa, a falta de pudor de alguns em tirar daqueles que já têm muito pouco — ou quase nada. Desde 2010, o Ministério Público investiga o Instituto Brasil, uma ONG criada pelos petistas da Bahia. Em 2008, a entidade foi escolhida pelo governo do estado para construir 1120 casas populares destinadas a famílias de baixa renda. Os recursos, 17,9 milhões de reais, saíram do Fundo de Combate à Pobreza. Os investigadores já tinham reunido provas de que parte do dinheiro desaparecera, mas não havia nada além de suspeitas sobre o destino final dele. O mistério pode estar perto do fim. Em entrevista a VEJA, a presidente do instituto, Dalva Sele Paiva, revela que a entidade foi criada para ajudar a financiar o caixa eleitoral do PT na Bahia, um esquema que funcionou por quase uma década com dinheiro desviado de "projetos sociais" das administrações petistas. A engrenagem chegou a movimentar, segundo ela, 50 milhões de reais desde 2004. O golpe era sempre o mesmo: o Instituto Brasil recebia os recursos, simulava a prestação do serviço e carreava o dinheiro para os candidatos do partido. Como os convênios eram assinados com as administrações petistas, cabia aos próprios petistas a tarefa de fiscalizar. Assim, se o acordo pagava pela construção de 1000 casas, por exemplo, o instituto erguia apenas 100. O dinheiro que sobrava era rateado entre os políticos do partido. Foi esse o método usado em 2008, que rendeu 6 milhões de reais ao PT, às vésperas da eleição municipal, conforme o relato de Dalva. A parceria para construir as casas no interior da Bahia foi tramada na Secretaria de Desenvolvimento Urbano, então comandada por Afonso Florence, ex-ministro de Dilma Rousseff. Dalva conta que Florence não só participava do esquema como recebia parte do dinheiro desviado. "Eu levei dinheiro para ele na secretaria. Levava num envelope normal quantias que variavam de 20.000 a 50.000 reais. Fui várias vezes. Entregava nas mãos de um assessor do Afonso, o Adriano", diz. A troca de envelopes envolvia outra figura importante do governo: a então diretora da Secretaria de Desenvolvimento Urbano, Leda Oliveira. "Era ela que fornecia as notas fiscais frias para justificar a saída do dinheiro." Hoje, Leda ocupa o cargo de diretora de Comunicação do governador Jaques Wagner (PT). Ela nega as acusações. A lista de políticos apresentada por Dalva envolve os principais expoentes do PT no estado. Ela conta que tem até hoje guardados os recibos, no valor de 260.000 reais, de uma transferência feita para a campanha do senador petista Walter Pinheiro em 2008, quando ele disputou a prefeitura de Salvador. O volume movimentado via caixa dois, contudo, seria muito maior: "A gente sacava dinheiro no banco diariamente para a campanha". O senador, segundo ela, sabia do esquema de financiamento, mas não se envolvia diretamente: "Eram a mulher e a nora dele que buscavam o dinheiro comigo". Walter Pinheiro admite ter recebido ajuda de Dalva Sele na campanha, mas nega ter feito caixa dois: "A Dalva trabalhou com a gente, estava sempre no comitê, nas caminhadas, ajudou de fato, mas desconheço qualquer acusação. Se alguém pegou dinheiro dizendo que estava pegando para a campanha, para a campanha não foi. Se alguém fez isso, fez por conta própria". Os deputados federais Nelson Pellegrino e Zezéu Ribeiro também são citados pela comandante do Instituto Brasil. "O Pellegrino e o Zezéu viviam lá no instituto. Faziam reuniões, tinham uma relação muito próxima com a gente." Dalva Sele relata que sua ONG, além de financiar campanhas, sustentava militantes em dificuldade financeira. Dirigentes locais e o atual candidato do PT ao governo do estado, Rui Costa, recebiam quantias que variavam de 3000 a 5000 reais por mês. O atual presidente da Embratur, Vicente José de Lima Neto, também aparece na relação de beneficiários. Procurados, o máximo que os acusados admitem é a existência de uma relação "institucional" com Dalva. Nada mais. "Mal conheço. Não tenho absolutamente nada com ela", disse o deputado Nelson Pellegrino. Depois, esclareceu: "Conheci ela no passado, como conheci muita gente. Uma irmã minha trabalhou no instituto, mas eu pedi para ela sair quando descobri como eram as coisas lá". E como eram as coisas lá? "Só digo que a desafio a provar o que diz. Vou processá-la criminalmente." O ex-ministro Afonso Florence também rechaça a denúncia: "É mentira. Nunca peguei nada da mão dessa mulher. Não tenho conhecimento desses pagamentos". Protegido pela imagem de entidade social, o Instituto Brasil sempre atuou com desenvoltura na Bahia, principalmente depois da posse do governador Jaques Wagner, em 2006, até ser fechado em 2010 por causa das investigações do Ministério Público. Dalva não acusa o governador, mas considera "impossível" a hipótese de que ele não soubesse do esquema de desvios. Por meio de sua assessoria, Jaques Wagner afirmou desconhecer os fatos relacionados ao Instituto Brasil e prometeu investigar e punir qualquer irregularidade que tenha envolvido servidores do governo. "Vou levar todos esses fatos ao conhecimento do Ministério Público. Quero encerrar esse assunto, parar de ser perseguida. O ônus ficou todo comigo", diz Dalva. Responsável pela investigação, a promotora Rita Tourinho lembra que chegou a localizar testemunhas que acusavam políticos de se beneficiar do dinheiro desviado da construção de casas populares. "Faltavam-nos provas para investigar essas suspeitas", diz Rita, animada com as novas pistas. Em Canarana, o prefeito do PT foi eleito — e a família do lavrador Ualace está ameaçada de despejo. O GOLPE "O Instituto Brasil sempre serviu como um banco para o partido. Com os recursos de convênios para a construção de casas populares, a gente empregava as pessoas do PT, dava apoio aos militantes que estivessem passando por dificuldades e alimentava as campanhas." DALVA SELE, presidente do Instituto Brasil OS BENEFICIADOS "Quem definia os que receberiam dinheiro era a cúpula do PT. A gente distribuía como todo mundo faz: sacava na boca do caixa e entregava para os candidatos ou gastava diretamente na infraestrutura , das campanhas, como aluguel de carros de som, combustível”. O CAMINHO DO DINHEIRO Mesadas, material de campanha e notas frias AFONSO FLORENCE (PT-BA) Deputado federal e ex-ministro do Desenvolvimento Agrário "Eu levei dinheiro para ele lá na secretaria (de Desenvolvimento Urbano da Bahia). Levava num envelope normal quantias que variavam de 20.000 a 50.000 reais. Fui várias vezes. Entregava nas mãos de um assessor do Afonso, o Adriano". VICENTE JOSÉ DE LIMA NETO Presidente da Embratur "O Vicente também recebia dinheiro do instituto quando ainda era secretário municipal. Ele ficou um ano e meio na folha de pagamento. Recebia uns 4000 reais por mês". RUI COSTA Candidato do PT ao governo da Bahia "Ele estava na folha de pagamento do instituto. Recebeu entre 3000 e 5000 reais durante muito tempo". JAQUES WAGNER Governador "A atual diretora-geral da Secretaria de Comunicação do governador era responsável por conseguir as notas fiscais frias que camuflavam o caixa dois do instituto". NELSON PELLEGRINO (PT-BA) Deputado "Ele também recebia os envelopes de dinheiro. Era dinheiro para boca de urna, para pagar cabo eleitoral e bancar outras despesas da campanha dele". WALTER PINHEIRO (PT-BA) Senador "Ele recebeu 260.000 reais do instituto de um total de 6 milhões que a gente colocou na campanha do PT em 2008. Foi tudo via caixa dois". UM MÉTODO "Fizemos um convênio de 17 milhões de reais para a construção de moradias populares. Boa parte dessa verba, uns 6 milhões, foi desviada para o caixa eleitoral do PT e justificada com notas fiscais frias. Conseguimos eleger doze prefeitos do PT com o programa". CAIXA 2 - Nos arquivos do Instituto Brasil existem planilhas e recibos que mostram pagamentos a políticos e transferências às campanhas do PT no estado. DESPEJO - Em Canarana, o lavrador Ualace Sousa Reis aguarda até hoje a conclusão da casa prometida pelo governo em 2008. NA TRILHA - A promotora Rita Tourinho, que investiga o caso há quatro anos, descobriu os desvios, mas não tinha pistas dos beneficiados. COM REPORTAGEM DE HUGO MARQUES 3#5 OUTRO PEIXE GRANDE NA REDE Paulo Roberto Costa revela que havia corrupção em outra diretoria da Petrobras e aponta o PT como beneficiário direto. RODRIGO RANGEL Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras que decidiu contar para as autoridades sua experiência na operação de um esquema bilionário de corrupção montado na maior estatal brasileira, ascendeu na hierarquia da companhia por força do Partido Progressista, o PP. A sigla integrava a base aliada do governo Lula e, para manter seu apoio, exigiu que fosse aquinhoada com cargos relevantes e orçamentos polpudos. A diretoria de Abastecimento da Petrobras era um desses postos cobiçados em Brasília. Nomeado, Paulo Roberto foi tão eficiente que, como se sabe, logo passou a ter outros padrinhos poderosos. Virou homem de confiança de um consórcio de partidos que, além do próprio PP, incluía PT e PMDB — que se locupletaram de propinas arrecadadas entre as empreiteiras a serviço da Petrobras. É o exemplo mais espetacular do que está por trás da cobiça de algumas excelências. Como VEJA revelou há duas semanas, a lista de beneficiários do esquema inclui algumas das autoridades mais importantes da República. A Petrobras, motivo de orgulho para os brasileiros, virou um poço sem fundo para a corrupção — e a diretoria de Paulo Roberto, segundo ele próprio, não era a única que servia ao propinoduto. Aos policiais federais e procuradores encarregados de ouvi-lo, o ex-diretor afirmou que outras áreas da empresa também eram usadas para arrecadar dinheiro para políticos e partidos. Ele citou, especificamente, a diretoria de Serviços, comandada por Renato Duque, ligado ao PT e indicado pelo ex-ministro José Dirceu, condenado como chefe do mensalão. Duque chegou à diretoria da Petrobras em 2003, no início do primeiro governo Lula, e, assim como Paulo Roberto, seguiu no posto após a posse da presidente Dilma Rousseff. Se na diretoria de Abastecimento o esquema controlado por Paulo Roberto tinha de atender a uma trinca de partidos, na de Serviços o beneficiário era um só, o PT, com uma diferença importante que o ex-diretor fez questão de realçar: a diretoria comandada por Renato Duque tinha mais dinheiro para gastar do que a dele. Paulo Roberto deu aos investigadores indicações de que, na "diretoria do PT", a administração das comissões pagas pelas empresas era feita diretamente pelo tesoureiro nacional do partido, João Vaccari Neto, que nega. Como se não estivesse cristalino que o dinheiro saía das empreiteiras contratadas, cinicamente Vaccari justifica que empresas públicas como a Petrobras não podem fazer contribuições de campanha. Renato Duque não foi localizado. A primeira etapa dos depoimentos prestados por Paulo Roberto como parte do acordo de delação premiada foi encerrada. Na semana passada, o Jornal Nacional, da Rede Globo, revelou que o ex-diretor admitiu ter recebido 1,5 milhão de reais de propina pela compra da refinaria americana de Pasadena, negócio que deu um prejuízo bilionário à Petrobras — VEJA havia antecipado que o ex-diretor confessara às autoridades que a transação serviu para desviar dinheiro. As revelações de Paulo Roberto atemorizam e também confundem a cabeça de alguns políticos. O ex-presidente Lula, por exemplo, liderou um ato público em frente à sede da companhia, no Rio, para "defender a empresa". Vestindo uma jaqueta laranja dos funcionários da petroleira, Lula atacou a investigação, principalmente a parte que cabe ao Congresso: "Tenho a impressão de que essas pessoas pedem CPI para, depois, os empresários correrem atrás delas e achacarem esses empresários para ganhar dinheiro". No mesmo dia em que Lula bradava contra os "inimigos da Petrobras", o ex-presidente da estatal José Sérgio Gabrielli, nomeado por ele e responsável pela companhia durante boa parte do período em que a corrupção corria solta, prestava depoimento à Justiça. O ex-presidente não deu nome aos achacadores. A lista deve ser extensa demais. __________________________________ 4# INTERNACIONAL 24.9.14 4#1 EU SOU VOCÊ AMANHÃ 4#2 O BRAZILI DOS ISIS 4#1 EU SOU VOCÊ AMANHÃ Inspirada na Venezuela, a Argentina agora vai regular até o lucro das empresas. No Brasil, também há populismo tarifário. NATHALIA WATKINS Nas portas dos supermercados da Venezuela, quem entra na fila tem a senha marcada no braço. O objetivo é impedir que os clientes depois comprem os mesmos produtos, cuja venda é racionada, em outro lugar. A falta de papel higiênico, frango e ovos, entre outros itens básicos, vem de vários anos, mas ficou ainda pior com a Lei de Preços Justos, em que o governo passou a ditar o valor de tudo e a prender empresários. A inflação aumentou para 60% ao ano. Uma desgraça assim não deveria ser exemplo para ninguém, mas a Argentina segue firme na imitação da política de preços venezuelana. Na quinta-feira 18, os deputados argentinos aprovaram uma reforma na Lei de Abastecimento e criaram um Observatório de Preços. A entidade vai estabelecer as margens de lucro e os limites máximo e mínimo de todos os valores, em qualquer fase da produção. Para saber o efeito, é só olhar a Venezuela: escassez de mercadorias e mais inflação. A inspiração bolivariana é tão escancarada que a Argentina contou com a consultoria de venezuelanos para elaborar a lei. No mês passado, o filho do presidente venezuelano Nicolás Maduro, que leva o nome do pai, encontrou-se com deputados argentinos em Buenos Aires. Aos 24 anos e sem formação acadêmica, ele ocupa três cargos, entre eles o de chefe do corpo de inspetores especiais da Presidência, criado para vigiar os preços da iniciativa privada. A única diferença na lei argentina é que esta, ao contrário da similar venezuelana, não prevê a prisão de empresários. Ainda assim, o governo da presidente Cristina Kirchner poderá intervir diretamente nas decisões de empresas privadas, que deverão enviar planilhas com dados comerciais. As multas no caso de infrações poderão ser de até 10 milhões de pesos (2,7 milhões de reais, no câmbio oficial). Se o lucro for considerado "excepcional" ou houver "estocagem indevida" de produtos, a companhia poderá ser fechada e seus bens apreendidos e leiloados. "A sensação é que o governo usará a lei para fins políticos", diz Matías Carugati, economista-chefe da consultoria Management & Fit. Em outras palavras, para se vingar de empresários alinhados com a oposição. Os produtores de soja, o principal item de exportação da Argentina, são os mais temerosos. "Há três ou quatro anos, vendíamos a colheita, pagávamos as dívidas e investíamos o dinheiro na safra seguinte", revela Juan Diego Etchevehere, produtor e presidente da Fundação Pensar, que estuda políticas públicas na província de Entre Rios. "Com a inflação elevada, vendemos a soja de acordo com nossas necessidades mais urgentes. É uma medida defensiva." Para os kirchneristas, trata-se de uma forma de especulação. O Brasil viveu uma situação parecida com a da Argentina na década de 80, com o congelamento de preços. Nunca funcionou. A solução veio com o Plano Real, em 1994, quando o governo passou a gastar só o que podia. Recentemente, medidas para controlar a inflação na marra voltaram à moda. O governo tem represado o preço da gasolina e das tarifas de ônibus, dos pedágios e da luz. "Depois da eleição, provavelmente o populismo tarifário do Brasil virá em forma de inflação", afirma o economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas. Nos anos 1980, dizia-se que o Brasil sofria do "efeito Orloff", por copiar os pacotes econômicos da Argentina. A propaganda da vodca na TV popularizou o bordão "Eu sou você amanhã". Se aplicado à economia, a ressaca é garantida. 4#2 O BRAZILI DOS ISIS A carioca cujo filho de 21 anos aderiu ao grupo terrorista na Síria diz que a ideologia que ele segue é pior que droga. O exército terrorista Estado Islâmico já conquistou um extenso território na Síria e no Iraque, onde massacra minorias religiosas, escraviza meninas e impõe a lei islâmica, a sharia. Cerca de 12.000 jovens de 81 países se juntaram ao grupo. Um deles se identifica como Abu Qassem Brazili ("brasileiro", em árabe). Sua mãe, a carioca Ozana Rodrigues Viana, vive em Antuérpia, na Bélgica. Ela é a primeira brasileira de que se tem notícia a perder um filho para o Isis, como também é conhecido o grupo terrorista. Brian de Mulder, o nome de batismo de Abu Qassem (ele foi criado como católico), nasceu na Bélgica e tem 21 anos. Ozana contou a VEJA que ele era um filho amoroso, que penteava o seu cabelo, a abraçava e a beijava todas as manhãs. Era bom aluno, vaidoso e sonhava em ser jogador de futebol. Com o tempo, Brian se aproximou de amigos marroquinos que conhecia desde a infância. Em meados de 2011, foi apresentado ao líder muçulmano salafista Fouad Belkacem, da organização Sharia para a Bélgica, conhecido por suas visões radicais. Brian passou a não querer mais comprar roupa, perfume nem sapato. Só comia mingau de aveia. Começou a usar vestes longas e a rezar cinco vezes por dia. Foi para o hospital e fez uma cirurgia de circuncisão. "Deixei que ele fizesse, mas naquela época não sabia que eram os terroristas que estavam exigindo isso", diz Ozana. Ela achava que o fervor religioso que se seguiu à sua conversão ao Islã fosse algo passageiro. Em 2012, porém, ele usou o dinheiro que havia guardado trabalhando em uma fábrica da Nike para viajar para a Síria e nunca mais voltou. "Enquanto eu trabalhava, esses marroquinos desocupados que vivem à custa do governo fizeram a cabeça do meu filho e o roubaram de mim", diz Ozana. Atualmente, Brian é um dos mais conhecidos membros do Estado Islâmico. Na internet há fotos dele armado na Síria — para o desespero de Ozana. Brian disse a ela que as imagens eram somente parte de uma encenação e que ele, na realidade, estava cuidando de feridos e descascando batatas na cozinha. "Isso me tranquilizou. Não suportaria saber que meu filho está tirando a vida de outros e que ninguém fez nada para impedir isso. Prefiro acreditar nele." Nos últimos dois anos, eles só se falaram três vezes. A última foi há seis meses, por Skype. "Eu pedi a ele em português que, se ainda me amava, voltasse para a Bélgica e que, mesmo se fosse preso, eu iria todos os dias para visitá-lo. Ele me disse que estava bem lá e vi uma lágrima cair do seu olho", diz Ozana, que tentou suicídio, perdeu o emprego e está fazendo tratamento psiquiátrico. Ela completa: "Aconselho às mães brasileiras que não se preocupem apenas com o envolvimento dos filhos com as drogas. Essa coisa que dominou meu filho é ainda pior. Levou-o para sempre". NATHALIA WATKINS _________________________________________ 5# GERAL 24.9.14 5#1 GENTE 5#2 URBANISMO – NÃO FOI SÓ A PAISAGEM 5#3 CIDADES – UMA IDEIA SEM MARCHA A RÉ 5#4 MEDICINA – ENIGMA DECIFRADO 5#5 POLÍCIA – PRÓXIMA PARADA: ASSALTO 5#6 EDUCAÇÃO – FALTOU FAZER A LIÇÃO DE CASA 5#7 GUSTAVO IOSCHPE – OS CANDIDATOS E A EDUCAÇÃO 5#8 TECNOLOGIA – COMO A INOVAÇÃO CRESCE NA POBREZA 5#9 SAÚDE – NA PELE DE UM GORDO 5#1 GENTE JULIANA LINHARES. Com Marília Leoni e Thaís Botelho A DANÇA DAS BANCADAS Mudar um âncora de telejornal na arrancada final de uma campanha presidencial é como trocar um pneu com o carro andando, mas, se a realidade exige, que isso seja feito com a elegância e o sorriso de PATRÍCIA POETA ao anunciar que está deixando o Jornal Nacional apenas três anos depois de ser escolhida para substituir Fátima Bernardes. À época, Patrícia não foi uma opção unânime e ela mesma estava seduzida pela mistura de jornalismo e entretenimento que vivia no Fantástico, em que conquistou uma imagem querida pelo público com sua beleza brejeira e uma aura de espontaneidade natural. Essas qualidades não se mesclaram como o esperado com a gravidade que o principal noticiário da televisão exige. As mudanças foram abruptas. RENATA VASCONCELLOS, que singrava como um belo corpo estranho no Fantástico, assume a bancada ao lado de William Bonner. Recém-instalada em Nova York, onde havia acabado de matricular os trigêmeos na escola, Poliana Abritta volta para entrar em seu lugar. TUDO COMBINADO COM A RUSSA Os últimos dez anos da vida de ALINA KABAYEVA, 31, tiveram uma coleção de pontos altos. Em 2004, ela ganhou a medalha de ouro na Olimpíada na categoria ginástica rítmica. Em 2007, virou deputada do Parlamento russo. Agora, acaba de renunciar ao segundo mandato legislativo para assumir o comando da maior empresa de mídia da Rússia; evidentemente, controlada pelo Kremlin. Seria Alina a mulher mais sagaz daquelas plagas desde Catarina, a Grande? Talvez, mas a misteriosa proximidade com o presidente Vladimir Putin em alguma coisa ajuda. A boataria, inclusive sobre um casamento secreto, corre há anos. Ele desmente, mesmo diante do poder dos olhos azuis e de toda a opulência da ex-ginasta. Repararam nas esmeraldas de czarina? CUIDADO COM O DEGRAU A cantora BEYONCÉ passou os últimos meses dedicada ao que sabe fazer de melhor: sacudir o corpo fenomenal em trajes mínimos (mas bastou escrever a palavra "Feminista" num palco e, pronto, virou líder libertária). Nos intervalos, emitia insinuações para desmentir os indícios de naufrágio do casamento com o cantor e empresário Jay-Z. O episódio que desencadeou as especulações, uma sova que a irmã dela deu no cunhado dentro de um elevador, foi finalmente eclipsado com uma segunda lua de mel do casal. De um iate na Córsega, ela postou imagens de felicidade conjugal. Agora, suspeita-se que teve nas férias um especialista (ruim) em alteração digital de fotos. O degrau desalinhado entre as pernas entregou o efeito emagrecedor. ELA GUARDA UM SEGREDO A atriz GIOVANNA EWBANK tem esse corpo, esse cabelo e esse olhar. Apesar do conjunto impressionante, ainda existe quem ache pouco para explicar os vinte contratos publicitários que ela fechou desde 2011, seu 1,3 milhão de seguidores na internet e as frequentes, embora pequenas, participações na TV (por exemplo, na Dança dos Famosos, mesmo, segundo ela, sendo "desengonçada"). Com a palavra, uma voz autorizada do mercado publicitário. "Ela não tem a beleza clássica estereotipada, mas é casada com um ator adorado. Bruno Gagliasso, está impecável fisicamente e tudo o que posta nas redes sociais repercute rapidamente. Apostamos que é uma estrela em ascensão", diz Fernanda Marin, da agência que dirige os comerciais de Giovanna para um império dos cosméticos. 5#2 URBANISMO – NÃO FOI SÓ A PAISAGEM Por que a experiência de reconstrução de Singapura é um exemplo sempre relembrado pelas grandes metrópoles que lutam para fugir das armadilhas do colapso urbano. RAQUEL BEER Ao visitar Brasília pela primeira vez, em 1961, logo depois da inauguração da capital, Clarice Lispector anotou numa crônica seu desconforto com a invenção urbana de Juscelino Kubitschek, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. "Brasília ainda não tem o homem de Brasília", escreveu. "Se tirassem meu retrato em pé em Brasília, quando revelassem a fotografia só sairia a paisagem." Na história recente da urbanização, são raros os casos, como o de Brasília, de cidades que vieram antes das pessoas. O mais comum, e o mais difícil, é o contrário, a reurbanizacão a partir de um cotidiano já existente, a correção dos gargalos de habitação, transporte e serviços públicos. Nenhuma transformação foi mais globalmente extraordinária do que a vivida por Singapura, a cidade-estado asiática de atuais 5,4 milhões de habitantes que entrou nos anos 60 com favelas, força de trabalho pífia, desemprego, pobreza e precariedade sanitária, e hoje é uma metrópole que soube redesenhar o antigo plano diretor herdado dos ingleses, de quem era colônia até 1963. A reconstrução de Singapura é um cipoal de lições inovadoras — é como um vocabulário inteiro de recursos de reurbanizacão aplicáveis a outros lugares. Como, ao contrário de Brasília, a nova Singapura veio depois do homem, sua reinvenção, para muito além do impacto provocado pela comparação de uma imagem dos anos 60 com outra de agora, tem nuances invisíveis a um olhar superficial. "A cultura e os hábitos das pessoas não mudam, e o trabalho de um urbanista é respeitá-las para melhorar a sua qualidade de vida", disse a VEJA o arquiteto e urbanista Liu Thai Ker, um dos pais do processo que, já há cinquenta anos, reinventa a silhueta do que foi antes um mero entreposto asiático. Thai Ker, diretor do Centro para Cidades Habitáveis de Singapura, participará em São Paulo, nesta semana, de um evento — "A Cidade e a Água" — promovido pelo Arq. Futuro, um fórum de discussões sobre arquitetura e urbanismo associado à Bei Editora. "Em Singapura conseguimos criar uma cidade sem favelas e com habitação para todos. A transformação foi claramente dramática", resume Thai Ker. Houve drama na mudança de hábitos, nas remoções. O povo que lá já estava também teve de se reinventar (e, ressalve-se, com a mão de ferro das autoridades). O primeiro grande problema com que Thai Ker e sua equipe depararam era dar vida digna a um território de densidade demográfica exponencial — numa área pouco menor que a da cidade de Goiânia (716 quilômetros quadrados) havia 3538 habitantes por quilômetro quadrado nos anos 70; atualmente são 7540 por quilômetro quadrado. Na cidade do Rio de Janeiro, a densidade é de 5265 habitantes por quilômetro quadrado. Nessas condições, com saneamento precário, a simples troca do antigo casario por espetaculares prédios novos seria cosmética. A solução foi criar um ponto de partida que amarrasse três pontas, e ao qual se deu o nome de "Plano Conceito", lançado em 1971: uma reforma na base econômica (hoje atrelada à tecnologia de ponta e ao mercado financeiro), zelo pela qualidade de vida da população e extremo cuidado com o ambiente. Muito antes de a expressão "sustentabilidade" ganhar o mundo, Singapura começou a usá-la. "É fundamental olhar a longo prazo, prever o crescimento populacional num espaço de setenta ou 100 anos", diz Thai Ker. No início dos anos 70, pouco menos de 30% da população tinha casa própria. Hoje são mais de 90%. O transporte público, com ônibus e bondes elétricos, é um dos melhores do mundo. As bicicletas convivem com carros (veja, na pág. 80, reportagem sobre esse desafio para São Paulo). As águas são limpas e abundantes. Perdeu-se muito do charme romântico (mas sujo e envelhecido) de bairros orientais, mas ganhou-se em outra vertente, a da dignidade no cotidiano. 5#3 CIDADES – UMA IDEIA SEM MARCHA A RÉ As faixas exclusivas para ciclistas são uma experiência bem-sucedida mundo afora. São Paulo, que corre para ampliá-las, só precisa seguir a linha de outras metrópoles. FERNANDA ALLEGRETTI Não, os prefeitos de algumas das principais metrópoles do mundo não estavam dando marcha a ré no complexo debate sobre mobilidade urbana quando, anos ou até décadas atrás, decidiram tornar suas cidades mais amigáveis para os ciclistas. Implantar ciclovias e ciclofaixas costuma trazer resultados espetaculares — e não só para quem anda de bicicleta. Tome-se o exemplo de Nova York. O Departamento de Transporte de lá acaba de divulgar um estudo segundo o qual desde 2007, quando Michael Bloomberg estabeleceu suas metas de ampliação de ciclovias, o total de acidentes nas ruas e avenidas que receberam pistas exclusivas para os ciclistas caiu 20%, o comércio naquelas áreas cresceu, o trânsito se manteve estável ou melhorou e o tempo para percorrer as principais vias diminuiu. Assim, pode-se dizer que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), não pedala em falso ao defender a implementação de 400 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas na cidade. Mas, desde que iniciou, em junho deste ano, a execução de seu ambicioso projeto, Haddad tem, digamos assim, escrito torto por linhas certas. Por que as linhas são certas já se viu no caso de Nova York — e seria possível citar aqui uma enormidade de outras experiências bem-sucedidas em todo o mundo. Não poderia ser diferente: as bicicletas são ecologicamente corretas, permitem um excelente exercício físico e, além de tudo, tornam a paisagem nas cidades menos hostil. O erro de Haddad está na forma apressada com que vem implantando as pistas exclusivas para o tráfego de ciclistas (até agora, em sua gestão, cerca de 60 quilômetros; antes dele, o total era de apenas 70,6 quilômetros). O resultado disso é que muitas das recomendações técnicas básicas para as ciclovias e ciclofaixas não estão sendo seguidas na capital paulista. A propósito, as pistas ciclísticas paulistanas são, na maior parte dos casos, ciclofaixas — que, ao contrário das ciclovias, não têm uma separação física maior entre a área usada pelo ciclista e a rua ou avenida pela qual se estendem (veja o quadro na pág. 82). Um dos motivos que levaram a essa escolha foi o custo: 1 milhão de reais por quilômetro na ciclovia contra 200.000 reais se a opção for a ciclofaixa, segundo dados da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET). Os moradores da capital paulista, em sua esmagadora maioria, vêem com apreço a criação de faixas exclusivas para bicicletas. Uma pesquisa realizada pelo Ibope por encomenda da ONG Rede Nossa São Paulo, divulgada na semana passada, mostrou que 87% dos 700 entrevistados eram favoráveis à construção e à ampliação de ciclo vias (o levantamento usou genericamente esse termo, sem distingui-lo de ciclofaixas). Daqueles que nunca usam bicicletas, 26% disseram que passariam a utilizá-las se fossem construídas ciclovias na metrópole. Mais do que isso, 20% afirmaram que a construção ou a recuperação de ciclovias seria a medida mais importante para melhorar a mobilidade urbana. Atualmente, só 3% dos entrevistados usam bicicleta todos os dias. Em contrapartida, 20% informaram que utilizam o carro diariamente. Esses números — que não mudaram muito desde 2007, quando a pesquisa começou a ser realizada em São Paulo — podem até ser usados pelo prefeito petista para demonstrar o acerto de sua decisão de investir na criação ou ampliação de ciclovias e ciclofaixas, com os dividendos eleitorais que acaso possam trazer. Mas o fato é que os dados pouco dizem sobre como os paulistanos avaliam o que foi feito por Haddad nessa frente de junho para cá. Demonstram, na verdade, a força de uma ideia incontornável, por cuidadosa com nossa vida, de cotidiano difícil. Em São Paulo, as reclamações de motoristas contra o estreitamento do espaço destinado aos automóveis, enquanto as ciclofaixas e ciclovias se mantêm quase sempre desertas, têm sido frequentes. Muitos comerciantes queixam-se de que a clientela vem caindo. E há ciclistas incomodados com o mau estado e a falta de segurança das faixas pelas quais trafegam. Grande parte da insatisfação pode ser atribuída ao fato de que, com raras exceções, os quilômetros já entregues se resumem a faixas de rua pintadas de vermelho — a cor prevista no Código de Trânsito para indicar ciclovias, sem nenhuma alusão ideológica —, localizadas bem ao lado daquelas usadas por ônibus e automóveis. As experiências internacionais indicam que, após uma enxurrada inicial de insatisfação, a população acaba aplaudindo, e utilizando, as ciclofaixas e ciclovias. Foi assim na Nova York de Bloomberg. O mesmo aconteceu com a Bogotá do ex-prefeito Enrique Peñalosa, que quase foi impugnado na virada da década de 90 para os anos 2000 por priorizar ciclovias e faixas de ônibus. No fim das contas, a iniciativa aumentou em sete vezes os deslocamentos feitos de bicicleta na capital colombiana. Peñalosa se tornou consultor em mobilidade urbana e conferencista da fundação americana TED, famosa por suas palestras curtas e inspiradoras. Como a maior e mais rica cidade brasileira, São Paulo funciona como uma espécie de laboratório, exportando seus experimentos para outras regiões. Foi o que ocorreu com o Poupatempo, o Bilhete Único e a própria ciclofaixa dominical de lazer, replicada em Curitiba, Florianópolis e Recife. Assim, o que for feito na capital paulista para tornar a bicicleta uma opção de transporte no dia a dia poderá ecoar em outras regiões do país. Não é porque São Paulo ainda carece de infraestrutura adequada para os ciclistas e conta com fatores adversos como a topografia (o mesmo se verifica em São Francisco, por exemplo) e o clima quente na maior parte do ano (na Europa, o frio pode se tornar igualmente insuportável) que a grande metrópole brasileira terá de renunciar à bicicleta. Trata-se de uma política a ser pensada a médio e longo prazo. As duas cidades consideradas modelo de malha cicloviária — Amsterdã, na Holanda, e Copenhague, na Dinamarca — colhem hoje os benefícios de iniciativas implantadas décadas atrás, após a II Guerra Mundial. "Aumentar as alternativas de locomoção é uma forma decisiva de atacar o problema do trânsito", diz o engenheiro Orlando Strambi, professor de transporte urbano da Escola Politécnica da USP. "O fato de existir mais espaço para os ciclistas não significa que as pessoas deixarão de usar o carro ou o metrô. A ideia é que haja uma combinação de uso dos veículos, como, por exemplo, recorrer ao automóvel para deslocamentos mais longos e à bicicleta para andar nas vizinhanças." A bicicleta, aliás, nem precisa ser do ciclista. Uma das cidades pioneiras a implantar o serviço de empréstimo gratuito de bicicletas em estações automatizadas foi Paris, em 2007. O programa francês, chamado de Vélib, é, hoje, o terceiro maior do mundo — fica atrás apenas do que existe nas chinesas Wuhan e Hangzhou — e inspirou iniciativas similares inclusive no Brasil. Inicialmente, o Vélib contava com 10.000 bicicletas, disponibilizadas em 750 estações. Hoje, o número de bicicletas duplicou e o de estações passa de 1000. Sim, pode-se escrever certo por linhas certas. PEDALADAS E DERRAPAGENS As ciclovias se distinguem das ciclofaixas por terem uma separação física — ilhas de jardim, por exemplo — entre o seu pavimento e o da rua ou avenida pela qual se estendem. A delimitação das ciclofaixas é feita basicamente por sinalização de cores no chão. A prefeitura de São Paulo estabeleceu como meta implementar, até 2015, 400 quilômetros de rotas para bicicletas — ciclofaixas, em sua esmagadora maioria. Embora mais simples do que as ciclovias, as ciclofaixas também seguem alguns padrões já consagrados mundo afora. Na capital paulista, boa parte deles foi deixada de lado. RECOMENDAÇÃO: Mão única em cada faixa, no mesmo sentido dos carros. EM SÃO PAULO: Alguns bairros atendem a essa orientação, mas outras, como Higienópolis e Santa Cecília, têm ciclofaixas de mão dupla. Elas se tornam especialmente perigosas nos cruzamentos, pois tal característica aumenta o risco de colisão com veículo. RECOMENDAÇÃO: Obstáculos terminando 1 metro antes e recomeçando 1 metro depois das entradas de garagem EM SÃO PAULO: Muitas das ciclofaixas não são devidamente sinalizadas. RECOMENDAÇÃO: Demarcação com símbolos de bicicleta no pavimento, a fim de indicar o sentido da faixa. EM SÃO PAULO: Orientação cumprida na maioria dos casos. RECOMENDAÇÃO: Redimensionamento das faixas para carro, e não sua eliminação. EM SÃO PAULO: Embora as ciclofaixas não sejam largas, em algumas áreas os automóveis foram liberados para estacionar ao lado da via destinada às bicicletas, o que complica o trânsito e oferece risco ao ciclista. RECOMENDAÇÃO: Largura de pelo menos 1,5 metro, para o ciclista pedalar com conforto. EM SÃO PAULO: Há faixas com 1,2 metro, o que faz com que os ciclistas tenham de trafegar muito próximo dos carros. Agravantes: buracos e lixo acumulado na sarjeta chegam a reduzir pela metade a largura da ciclofaixa. RECOMENDAÇÃO: Pavimento demarcado por um contraste de cor. Em Amsterdã, por exemplo, usa-se o vermelho. Em Copenhague, o azul. EM SÃO PAULO: Orientação cumprida, seguindo uma resolução do Departamento Nacional de Trânsito (2007) que determina o uso da cor vermelha. RECOMENDAÇÃO: Tachões amarelos para separar a ciclofaixa das ruas e avenidas e, assim, oferecer maior segurança. EM SÃO PAULO: Está prevista a instalação deles a cada 1,5 metro, bem como de balizadores a cada 15 metros, mas não há prazo definido para isso. A GUERRA POR PASSAGEIROS Em março passado, antes de começar a implementar as ciclofaixas, o prefeito Fernando Haddad se envolveu em outra celeuma ao proibir a circulação de táxis nos corredores para ônibus de São Paulo nos horários de pico. No último dia 12, o prefeito liberou a circulação em todas as faixas para taxistas que estejam transportando passageiros. A nova medida pode ser um trunfo importante para os 34.000 táxis da cidade diante de um incômodo concorrente: o Uber, aplicativo americano que conecta proprietários de automóveis com potenciais passageiros. Implantado no Brasil em maio, ele funciona de maneira similar à dos aplicativos de táxi, mas com um diferencial importante: só carros de luxo podem se cadastrar na plataforma. Conduzidos por motoristas em traje social, os automóveis da "frota Uber", pintados de preto em sua maioria, oferecem aos passageiros desde água e chocolate até carregadores de celular e comprimidos para dor de cabeça. No fim do trajeto, o serviço pode ser avaliado pelo usuário. A corrida fica cerca de 20% mais cara que a de um táxi comum. A chegada do Uber motivou protestos no Rio, e seu funcionamento no país foi classificado como "criminoso" pelo sindicato dos taxistas de São Paulo. De acordo com a categoria, o aplicativo estaria estimulando o "exercício ilegal da profissão". Os cadastrados do Uber - empresa cuja abertura de capital nos próximos meses é dada como certa pelo mercado financeiro - se defendem dizendo que não são taxistas, apenas motoristas. Em quase todas as 191 cidades em que opera, o Uber enfrenta resistência dos taxistas profissionais. Em São Francisco, onde a companhia nasceu, em 2009, e em Nova York, onde atua há três anos, a recente decisão de reduzir tarifas para atrair mais passageiros causou ainda mais polêmica, pois muitos clientes já migraram dos yellow cabs para os possantes da concorrência. F.A. 5#4 MEDICINA – ENIGMA DECIFRADO Os exames realizados no cérebro do zagueiro Bellini confirmam que ele sofria de encefalopatia traumática crônica, causada por pancadas frequentes na cabeça. Por dezesseis anos, até sua morte, em 20 de março último, o zagueiro Hideraldo Luís Bellini, capitão da seleção de 1958, foi tratado como se tivesse Alzheimer. O diagnóstico médico fora feito por exclusão, baseado, sobretudo, no comprometimento da memória do jogador. Ao morrer, aos 83 anos, Bellini estava alienado do mundo e de si próprio. Na semana passada, o neurologista Ricardo Nitrini, da Universidade de São Paulo (USP) e médico de Bellini desde 2008, confirmou uma antiga suspeita — que seu paciente foi acometido por uma doença de sintomas muito semelhantes aos do Alzheimer, a encefalopatia traumática crônica. A diferenciação entre os dois distúrbios só pode ser feita por meio da análise anatomopatológica do cérebro. Em uma reportagem publicada em abril, VEJA, ao noticiar a doação do cérebro de Bellini para estudos, já levantara a hipótese de que o zagueiro fora vítima do distúrbio neurológico associado a esportes violentos Descrita em 1928, a encefalopatia traumática crônica é deflagrada por repetidas concussões na cabeça. Por isso, esteve sempre relacionada a jogadores de futebol americano e hóquei, lutadores de boxe e de MMA — há a suspeita de que o ex-lutador Eder Jofre sofra do mesmo problema, como revelou VEJA em junho. Com 1,82 metro, dono de um estilo de jogo elegante, Bellini se destacava pelas jogadas aéreas. Não era raro ele terminar uma partida com a cabeça machucada, devido às cabeçadas com os adversários, nas bolas divididas. Bellini é o quinto caso no mundo de encefalopatia traumática crônica em um jogador de futebol — e o primeiro no Brasil. Nos últimos cinco meses, o cérebro do capitão de 1958 foi fatiado e analisado por uma equipe do banco de encéfalos humanos da USP, do qual o médico Nitrini é um dos diretores. Uma parte foi guardada em lâminas de microscópio e a outra, congelada a 80 graus negativos. Nos exames, a patologista Lea Grinberg, pesquisadora da USP e da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, encontrou no cérebro uma alta concentração de uma proteína, a tau, o principal marcador da encefalopatia traumática crônica. No momento de uma pancada na cabeça, os neurônios se rompem ou morrem. Consequentemente, ocorre a liberação de tau. Quanto mais frequentes as concussões, maior o depósito da proteína no cérebro. No caso de Bellini, tais depósitos encontravam-se, sobretudo, no córtex temporal e no frontal, áreas associadas, respectivamente, ao gerenciamento da memória e às funções executivas. Foi identificada também uma atrofia da amígdala, na qual se processam as emoções mais primárias. NATALIA CUMINALE 5#5 POLÍCIA – PRÓXIMA PARADA: ASSALTO Um novo relatório revela que o Brasil é o campeão mundial de roubo de cargas, crime que custa caro ao país. Nenhum outro lugar do planeta é tão perigoso quanto a Pavuna, na porta de entrada do Rio. LESLIE LEITÃO O relógio da câmera de segurança instalada na rua marca 16h54 da terça-feira 26 de agosto. Em plena luz do dia, à vista de quem passa pela Via Dutra, um Sandero preto fecha um caminhão. Do banco da frente salta um homem de chinelos, bonê na cabeça e um fuzil calibre 7.62 apontado para o carro que vem atrás, o da escolta. Outros três bandidos descem do veículo, todos armados, e se dirigem para o caminhão. Depois de conferir a nota fiscal entregue pelo motorista e constatar que o valor da carga não vale o esforço, o bando vai embora levando apenas a escopeta de um vigilante. A ação dura quarenta segundos — o suficiente para chocar quem assiste ao vídeo pela visão dos marginais agindo livremente, de cara descoberta, como quem zomba da lei. Parece cena de filme, mas é ato corriqueiro nas redondezas do polo empresarial da Pavuna, um conglomerado de dezenas de grandes empresas de logística bem na porta de entrada do Rio de Janeiro. A área desponta no mapa por uma única e desoladora marca: em nenhum outro canto do planeta há registro de mais roubos de carga, segundo dados extraídos de um relatório da maior consultoria especializada nesse tipo de crime, a FreightWatch Internacional (FI), aos quais VEJA teve acesso. A Pavuna é a ferida mais exposta de uma epidemia (é este o jargão policial) de ataques a caminhões que assola as estradas brasileiras: só em 2013, os números dispararam 36%, cruzando pela primeira vez a constrangedora cifra de 1 bilhão de reais subtraídos do caixa de empresas. Isso alça o país ao topo do ranking dos mais perigosos do mundo para o transporte de cargas, seguido, de longe, por México, África do Sul, Somália e Síria, ainda de acordo com a FI, que assinala esses cinco países, e só esses, com a cor preta. Ela designa "altíssimo risco". A rotina para os quase 2 milhões de caminhões que diariamente partem de fábricas e depósitos é percorrer estradas entregues à própria sorte, às vezes sem um policial por quilômetros a fio. O grosso da roubalheira, porém, não ocorre nessas áreas remotas e pouco movimentadas e, sim, no Sudeste, o mais congestionado corredor rodoviário do país, especialmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Oitenta e quatro por cento da carga é surrupiada nessa rota. Na condição de principal polo econômico brasileiro, São Paulo é naturalmente a meca das quadrilhas, mas é o Rio que vive situação mais crítica pelo avanço estratosférico de ocorrências; elas crescem num ritmo que é o dobro da média nacional. "Os alvos dos bandidos em São Paulo são pulverizados; já no Rio, concentram-se na região da Pavuna. Aquilo virou um buraco negro", afirma o coronel Paulo Roberto Souza, assessor da Associação Nacional dos Transportadores de Carga. Ali está encastelada a maior quadrilha com essa especialidade do estado, com poderio bélico estimado em 200 fuzis. Nos primeiros sete meses deste ano, houve 453 assaltos a caminhões na área, dois por dia. É mais do que se viu em todo o território americano. E olhe que os Estados Unidos são representados pela cor vermelha na medição da FI, a do "alto risco". O que faz a bandidagem se voltar para a Pavuna é a mesma lógica que magnetiza marginais para tantos outros QGs do crime: de um lado, a oportunidade, visto que milhões em mercadorias cortam aquelas bandas; de outro, um misto de leniência e insuficiência das forças de segurança. O batalhão responsável pelo policiamento da área conta com 220 homens para patrulhar sessenta favelas e quinze bairros. Até o ano passado, havia uma delegacia especializada na vizinhança; acabou sendo transferida para um local a 20 quilômetros dali, onde uma equipe de doze investigadores tenta desmantelar as quadrilhas. Até fincaram um posto da PM às margens da Dutra, mas ele vive às moscas, trancado. Ao lado, um morador já escolado na rotina dos criminosos — que migraram para aquele pedaço depois que Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) foram instaladas em seus territórios — avisa: "Cuidado. Vocês vão acabar sendo roubados". Com o prejuízo nas alturas, há dois meses os empresários desembolsaram 100.000 reais para instalar câmeras nos pontos mais críticos do bairro. O que elas mostram é um terreno infestado de bandidos que gostam de deixar bem claro quem manda. Imagens de um roubo em julho escancaram sua desfaçatez. Um deles aparece sentado na caçamba de uma picape com o fuzil no colo, como quem carrega um troféu. A certa altura, o bando rende o motorista de uma carreta da Souza Cruz que transportava 1,7 milhão de reais em cigarros e leva a mercadoria para a favela vizinha, onde é logo distribuída. O roteiro é sempre o mesmo: assaltantes fortemente armados dominam o motorista sem ser incomodados por policiais, avaliam se a carga é boa ou não e, se for, escoltam o caminhão até o enclave criminoso, onde dezenas de pessoas recebem a mercadoria. Como um exército de formiguinhas, elas fazem os produtos chegar a quem os revende. A livre ação das quadrilhas resulta em um astronômico aumento de custo para as empresas brasileiras. Com seguro, por exemplo, o salto neste ano foi de 60% — isso quando ele está disponível. Cargas de cigarro não são nem mais aceitas por muitas seguradoras, tamanho o risco de seu transporte. Escolta armada também virou item significativo na contabilidade das fábricas visadas, assim como alarmes e localizadores para os caminhões — estes geralmente desabilitados pelo jammer, um aparelho bloqueador de sinal de GPS e celular que toda gangue tem. Um levantamento da Associação Nacional dos Transportadores de Carga com mais de 500 grandes empresas de logística em todo o país mostra que seus custos com segurança representam até 12% do faturamento bruto. Trata-se de despesa prontamente repassada para o preço do produto, ou seja: mais um componente do já elevadíssimo custo Brasil. Caminhões de alimentos, cigarro e cerveja são os alvos preferenciais por uma razão mercadológica: é fácil encontrar compradores para repassá-los no mercado negro. Há um consenso de que a legislação brasileira é frouxa na punição aos receptadores. Na Argentina, a Lei do Decomiso, de 2003, fez despencar o roubo de cargas em 65% na última década ao prever a interdição e até a cassação do alvará do estabelecimento de quem faz a revenda desses itens. No Brasil, comercializar mercadoria roubada pode dar de um a quatro anos de prisão — ou seja, punição zero. Uma lei mais rígida foi aprovada recentemente em São Paulo, mas ainda não emplacou, e um projeto de combate à receptação se arrasta no Congresso desde 2011. Enquanto a polícia faz vista grossa e a Justiça não põe ninguém atrás das grades, os bandidos roubam à vontade, dando-se ao luxo de escolher a carga mais valiosa. O CRIME DE 1 BILHÃO Em alta contínua nos últimos anos, os roubos de carga se concentram quase inteiramente nas estradas da Região Sudeste. Veja como é a distribuição do butim (em reais) Fonte: dados da Associação Nacional dos Transportadores de Carga 2007: 735 milhões 2008: 805 milhões 2009: 900 milhões 2010: 880 milhões 2011: 920 milhões 2012: 960 milhões 2013: 1 bilhão 84% sudeste 7% sul 6% nordeste 2% centro-oeste 1% norte Top5 Os ladrões selecionam as cargas que vão levar. Os alvos preferenciais: • Produtos alimentícios • Cigarros • Eletroeletrônicos • Remédios • Máquinas e equipamentos 5#6 EDUCAÇÃO – FALTOU FAZER A LIÇÃO DE CASA O Ideb mostrou que o ensino médio brasileiro é incapaz de formar jovens para competir no tabuleiro global, mas o problema parece para lá de periférico no debate presidencial. CECÍLIA RITTO O Brasil está tão habituado a levar nota vermelha no ensino que a notícia de mais um fiasco escolar costuma causar pouca perplexidade e, quando causa, ela logo se dissipa. A última rodada de números divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) foi recebida com essa mesma sensação de película velha, mas há ali um dado que salta à visão e merece todo o destaque: pela primeira vez desde que surgiu o índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o mais abrangente termômetro do nível das escolas brasileiras, o ensino médio não avançou um único décimo. As salas de aula que deveriam estar despejando no mercado jovens bem preparados para fazer do Brasil um país mais competitivo no tabuleiro global continuam atoladas no pântano da má qualidade, sem passar de 3,7 numa escala de 10. Dezesseis estados, inclusive, deram marcha a ré, fazendo aumentar o abismo que nos separa das nações mais desenvolvidas. Cabe derramar luz sobre o conjunto das escolas públicas que, mesmo tropeçando nas mazelas de sempre, conseguiram criar um ambiente favorável para o aprendizado e caminhar na direção certa. O que explica seu desempenho acima da média não é um aporte fenomenal de dinheiro. Às vezes, ocorre justamente o contrário: é na escassez que a qualidade viceja. Também não há nenhuma tentativa de fazer algo muito mirabolante por parte das redes que sobressaem no ranking nacional; elas vêm aplicando o que já se sabe exitoso mundo afora. Cultivam a meritocracia, premiando os mestres que vão bem em sala, treinam o professor para que não se limite a velhas teorias e aprenda a ensinar e encaram a grade de matérias do ensino médio de forma mais flexível. O que isso quer dizer? Em Goiás, o estado campeão nessa etapa (nota 3,8), os alunos não são mais obrigados a assistir a 24 disciplinas, mas a catorze, preenchendo o resto do tempo com assuntos nos quais queiram se aprofundar na universidade. São Paulo, segundo no ranking ao lado do Rio Grande do Sul, envereda pela mesma trilha. Pode estar aí o embrião de uma escola menos tediosa, maçante e incapaz de ensinar o mínimo. É o Ideb que diz: a maioria conclui os estudos sem dominar conteúdos básicos do ensino fundamental. A ideia de romper com a lógica de um ensino médio que bombardeia os alunos com uma quantidade colossal de disciplinas e trata a todos como se tivessem os mesmíssimos interesses — uma invenção brasileira — encontra resistência em rodas de sindicalistas e educadores que empunham a enganosa bandeira do igualitarismo. "A falácia desse discurso se comprova nos números: metade dos jovens abandona o ensino médio. Ele é, isto sim, excludente", afirma o economista Cláudio de Moura Castro, articulista de VEJA. Na Europa, há diversos tipos de escola, alguns com viés mais acadêmico, outros, mais profissionalizante; nos Estados Unidos, o estudante monta sua grade de acordo com o que vislumbra para o futuro. Quase sempre, o Brasil não tem uma coisa nem outra. A cada divulgação do Ideb, as autoridades vêm a público defender mudanças já para o ensino médio. Às bravatas, porém, seguem-se a inação e mais notas baixas. Só para que não haja dúvidas, a imensa maioria das escolas de ensino médio está nas mãos dos estados, mas cabe à esfera federal orquestrar as políticas educacionais, dar as bases curriculares e definir critérios para a alocação de recursos. Resta então indagar o que os candidatos à Presidência planejam para desatar este nó que tanto emperra o crescimento do país. A tirar pelo que foi escrito e dito até agora por eles e seus assessores, sobram mais perguntas e afirmações vagas do que respostas e caminhos concretos (como reforça o artigo de Gustavo Ioschpe, na página 94). Quem vai mais fundo na questão da reformulação do ensino médio é o candidato tucano Aécio Neves; sua proposta é que, a partir do segundo ano, o aluno escolha metade das matérias que vai cursar, mantendo-se o português e a matemática. Também propõe uma medida para atrair mais jovens para o ensino técnico: a ideia é permitir que, depois de um ano e meio no médio, o estudante possa seguir a via profissionalizante; hoje, ele precisa completar todos os três anos, o que espanta muita gente sem tempo nem interesse para isso. Marina Silva, do PSB, é menos específica, mas sugere em seu programa apontar no mesmo sentido. Fala em "reformular o currículo" e "articular conteúdos do ensino médio com os de educação profissional". Menos assertiva ainda é a presidente Dilma Rousseff, do PT, que pincelou suas ideias nas quatro frases que dedicou ao tema na primeira versão de programa de governo que apresentou. Espera-se que o texto final dê ao assunto a atenção que ele merece. 5#7 GUSTAVO IOSCHPE – OS CANDIDATOS E A EDUCAÇÃO Até a morte trágica de Eduardo Campos, esta campanha tinha um característica especial: os principais candidatos à Presidência podiam exibir experiências reais na administração de sistemas educacionais de grandes regiões, de forma que era possível não apenas julgar seus programas de governo como também os resultados de sua gestão. Com a entrada de Marina, perde-se essa dimensão da experiência, mas ganha-se com as informações anotadas no plano de governo mais detalhado entre os três principais postulantes. Combinando a análise do passado e os planos de futuro, faço a seguir a minha leitura sobre a relação dos candidatos à Presidência com a área da educação. Apenas duas ressalvas preliminares: minha opinião sobre as propostas educacionais de cada um deles não significa uma avaliação global sobre o candidato, muito menos uma declaração de voto. Há outras dimensões fundamentais para a decisão de voto, e não tenho nenhum vínculo, formal ou informal, com nenhuma das campanhas. O melhor candidato é Aécio Neves. Sua plataforma de propostas é aquela que denota maior preocupação com o problema mais urgente a ser combatido: a qualidade do ensino, especialmente nos primeiros anos do ensino fundamental. A primeira diretriz do candidato do PSDB já aponta para a necessidade de vincular a remuneração dos professores ao desenvolvimento da aprendizagem dos alunos. Nem é o ponto em si que me parece vital — a literatura mostra que programas que dão dinheiro diretamente ao professor não vão bem, e o ideal é que a escola como um todo se beneficie, até porque a obtenção do resultado é da coletividade de professores —, mas sim a sinalização de que esse é o eixo fundamental do programa. Na sequência das diretrizes (links para os programas estão em twitter.com/gioschpe), está toda uma série de iniciativas determinantes para o aprimoramento do nosso sistema educacional, a maioria das quais ignoradas pelas outras candidatas: criação de uma política nacional de formação de professores; estímulo federal à criação de acordos focados em resultados nos estados e municípios; definição de bases comuns para um currículo nacional, "estabelecendo com objetividade e clareza o que é básico e indispensável que todos os alunos brasileiros aprendam em cada ano"; reformulação das diretrizes do ensino médio, permitindo a escolha por ensino técnico já nesse nível; criação de um programa nacional que auxilie estados e municípios a traduzir os resultados das avaliações externas de qualidade educacional em práticas eficazes em sala de aula. Além desses aspectos qualitativos está lá o apoio ao gigantismo quantitativo, defendendo os 10% do PIB para a educação do PNE, expansão da matrícula em creches e pré-escolas, expansão da escola de tempo integral etc. O programa é tanto mais crível porque Aécio e seu sucessor, Anastasia, tiveram uma gestão comprometida com a melhoria da aprendizagem em Minas Gerais. O Ideb da rede estadual mineira ao fim do ensino fundamental era de 3,6 em 2005, primeiro ano disponível, passando para 4,4 em 2011. Minas passou do 3º lugar no país em 2005 para o 2º em 2011, superando São Paulo. Em segundo lugar vem Dilma, que teve na educação uma das poucas áreas em que seu governo apresentou avanços. Quatro programas de sua gestão foram importantes para o setor: o Ciência sem Fronteiras, que até o fim do ano terá concedido 101.000 bolsas a universitários para que estudem no exterior; o Pronatec, que fomenta o ensino técnico e já conta com 8 milhões de vagas abertas, em uma parceria com o competente sistema S; o Pnaic, programa que visa a alfabetizar nossos alunos no início do ensino fundamental, e, finalmente, a expansão do Fies, programa de financiamento do ensino superior, que permitiu continuada expansão da matrícula, através das universidades privadas. Não seria muito correto julgar seu governo pelo Ideb do país, já que a educação básica é de responsabilidade de estados e municípios, mas nosso lento progresso nacional é um espelho dessa gestão, que fez coisas positivas mas nunca teve a disposição para mexer em questões realmente fulcrais, como formação de professores, exigências de contrapartidas para a liberação de recursos, currículo nacional etc. Em termos programáticos, a área da educação tem a mesma tônica do resto da campanha dilmista, prometendo a continuação e expansão dos programas já existentes. O viés é totalmente quantitativo, naquela crença de que, se se jogar um caminhão de dinheiro no sistema, professores despreparados e gestores incompetentes passarão a dar ótimas aulas. Fala-se em universalizar a pré-escola até 2016, educação em tempo integral, melhores salários para o professor, mais 12 milhões de vagas no Pronatec só no ano que vem etc. O Ideb não é sequer mencionado, nem o verbo "aprender", muito menos a palavra "resultado" no que concerne à educação. Por último, para minha surpresa, aparece Marina. Ela parte com o handicap de nunca ter administrado um sistema de educação em sua carreira. Mas soltou um plano de governo detalhado, de 242 páginas, devotando uma seção inteira à educação, que poderia inspirar confiança. Para este escriba, teve o efeito oposto. É um programa que parece se interessar mais por árvores do que por alunos. Eis o que diz em seu segundo parágrafo: "Para que sejam abertos caminhos menos poluidores e mais produtivos para o desenvolvimento do país, é fundamental o desenvolvimento de tecnologias, algo intrinsecamente dependente da formação escolar". Parece que a função da escola é gerar tecnologias ecologicamente limpas. Na mesma página, mais adiante, declara que a agenda estratégica do setor é "voltada para uma sociedade em transição para o desenvolvimento sustentável". A tônica do restante das propostas me pareceu uma colcha de retalhos que mistura uma visão atrasada com tentativas de parecer modernoso e profundo, tudo permeado por uma ingenuidade ou, se preferirem, idealismo. Há apoio à expansão do ensino em tempo integral, mais uma vez com ênfase na questão verde: "A educação ambiental (...) torna-se um eixo fundamental da educação integral". Os alunos no ensino integral deverão ter atividades agrícolas (?!), além de esportivas e tecnológicas. Também prevê a mobilização de clubes, comércio e igrejas para ampliar os espaços físicos e as responsabilidades pela implantação do ensino integral. Não bastassem os 10% do PIB que o setor já consumirá, ainda precisaremos de uma grande mobilização popular para implementar seus programas. O programa estipula que as novas escolas devem ser construídas de forma sustentável e ter gestão, adivinhe!, sustentável (claro) da água. Marina resgata uma bandeira petista da década de 90, ao focar seus esforços na redução das desigualdades. De todos os tipos: étnicas, regionais, rural versus urbana etc. Coloca como uma de suas políticas mais importantes a nacionalização de um programa do governo de Pernambuco que concede cursos intensivos de inglês e espanhol. Obviamente o domínio de uma língua estrangeira é fortemente desejável, mas nossas escolas ainda nem conseguem ensinar o português... O programa também faz uso questionável de dados para embasar suas teses. Um gráfico mostrando o investimento em educação compara os dados de investimentos públicos no Brasil com a soma de gastos públicos e privados de outros países, e o volume investido por aluno é apresentado em valores nominais e não em relação ao PIB per capita, tudo isso para mostrar que investimos pouco e precisamos de mais dinheiro para o sistema. Há ideias boas, como insistir na expansão de cursos técnicos, reforçar o Fies e o ProUni e vincular a remuneração de professores a um futuro Exame Nacional para Docentes. Mas a impressão geral é de uma certa cacofonia e falta de rumo, um desejo de acertar no cravo e na ferradura, tudo isso permeado por um linguajar empolado e uma obsessão pela questão ambiental que me parece esdrúxula para um país que ainda não conseguiu, em pleno 2014, passar do bê-á-bá. 5#8 TECNOLOGIA – COMO A INOVAÇÃO CRESCE NA POBREZA As economias emergentes são ótimo espaço para a adoção de novas tecnologias, como o drone de entregas da Amazon que deve ser lançado na Índia e os aplicativos médicos e financeiros. Mas, dado o primeiro passo, os países em desenvolvimento não conseguem espalhar e manter os avanços. RAQUEL BEER O lançamento na Índia, e não nos Estados Unidos, do drone para a entrega de pacotes da Amazon é uma decisão tomada por precisão e não por boniteza, como diria o Diadorim de Guimarães Rosa. A agência civil de aviação americana barrou os voos dos pequenos aparelhos não tripulados a serviço da distribuição da empresa de Jeff Bezos. A inexistência de regulamentação indiana, a precariedade da malha rodoviária (apesar de razoável rede de ferrovias) e a força da operação da Amazon naquele país (em julho, foram anunciados investimentos de 2 bilhões de dólares) facilitaram a transferência da operação para o Oriente, onde produtos com menos de 2 quilos serão levados a travessias que não ultrapassem duas ou três horas. Os primeiros testes devem ocorrer a partir de outubro, em Mumbai e Bangalore. As economias emergentes são o caldo de cultura propício para a adoção de novíssimas tecnologias. Disse a VEJA Andreas Raptopoulos, engenheiro de origem grega, CEO da Matternet, uma startup do Vale do Silício especializada em drones: "As invenções de ponta nascem nas nações desenvolvidas, mas nos lugares mais pobres conquistam espaço onde há vácuo, especialmente nos serviços de saúde, no transporte público e no sistema financeiro". Estudos do Banco Mundial indicam, contudo, que a expansão de invenções precisa ser rápida — se ela for lenta, as dificuldades terminam por esmagar o tom novidadeiro. Não por acaso, afoito por resultados imediatos, o Google tem acelerado seu projeto Loon, de distribuição de internet, por meio de balões, em regiões do planeta desconectadas, oferecendo redes mais velozes que o 3G. Um desses balões passou recentemente no Piauí, estado onde apenas 27% das residências têm acesso à internet. Numa experiência que produziu ondas de interesse no agreste paupérrimo, os alunos de uma escola municipal da cidade de Campo Maior puderam assistir à sua primeira aula conectada à web. Não é muito difícil saber em que regiões do planeta a ideia de balões do Google deve prosperar. Um relatório divulgado pela ONU em maio deste ano mostrou que 60% da população mundial ainda não tem acesso à internet. Nos países industrializados, a taxa de pessoas plugadas chega a quase 80%. Entre as nações em desenvolvimento, o número cai para 32%. A África apresenta o pior índice, com apenas dois entre dez africanos com acesso à internet. Evidentemente, a tecnologia que viceja em países africanos não consegue esconder a vergonha da miséria e da inépcia, alimentadas por ditaduras sanguinárias. Mas não há como fechar os olhos para esse fascinante subproduto da pobreza — nem sempre, ressalte-se, os benefícios são transformados em melhores condições de vida, e invariavelmente acabam funcionando apenas como laboratório de testes. É, de qualquer modo, um dado extraordinário de nosso tempo. Na semana passada, a Apple lançou um sistema de pagamento sem fio destinado a enterrar todos os seus antecessores. Há sete anos, no Quênia, a precariedade dos bancos fez nascer uma iniciativa semelhante e bem-sucedida. A Safaricom, a maior empresa de telefonia móvel do país, operada pela inglesa Vodafone, lançou um sistema chamado M-Pesa ("dinheiro móvel" em suaíli, uma das línguas oficiais do país). Usuários cadastrados podem transferir quantias a outras pessoas em uma operação tão simples como enviar mensagens de texto. Hoje, 43% dos 40 bilhões de dólares que configuram o PIB do país circulam por esse sistema. Foi a engenhosa solução encontrada, filha da adversidade, para resolver uma equação: apenas 40% dos quenianos têm contas bancárias, e, no entanto, 93% possuem celulares. Na saúde, deu-se um fenômeno semelhante. Na África, metade dos moradores tem de andar 10 quilômetros para encontrar água potável e 8 quilômetros para chegar a um centro médico. A saída foi o uso de celulares, mesmo os mais precários, em programas de saúde. São iniciativas que auxiliam na prevenção e no diagnóstico. Um levantamento do grupo francês de telefonia Orange mostra que um serviço de prevenção e conscientização para mulheres grávidas em Mali fez o número de mortes ligadas à gestação cair 30%. Em Botsuana, outra iniciativa do tipo foi responsável por diminuir de quatro semanas para três minutos o tempo de resposta do governo a crises de malária. Segundo o levantamento, os programas de saúde em dispositivos móveis têm potencial para salvar 1 milhão de vidas na África Subsaariana nos próximos cinco anos. O novo se alimenta da precariedade. O RITMO DA GLOBALIZAÇÃO TECNOLÓGICA O gráfico ao lado mostra o tempo necessário (em anos) para algumas tecnologias chegarem a 80% da população mundial. Antes era preciso até mais de um século para as inovações conquistarem o planeta — hoje o ritmo de adesão total é muito mais veloz. A rapidez é resultado da facilidade com que as invenções entram nos países em desenvolvimento tão logo são anunciadas. (1750-1900) Ferrovia 126 anos Aço 125 anos Telefone 99 anos (1900-1950) Raio X 93 anos Rádio 69 anos Aviação 60 anos (1950-1975) Computador pessoas 24 anos Internet 23 anos Tomografia computadorizada 18 anos (1975-200) Celular 16 anos Fonte: Cross-Country Historical Adoption of Technology 5#9 SAÚDE – NA PELE DE UM GORDO Fazer exercícios regularmente e manter uma dieta equilibrada sempre foi um prazer para o personal trainer americano Drew Manning, de 33 anos. Por isso, ele não entendia a dificuldade de muitos de seus alunos em adotar um estilo de vida saudável. Em uma atitude de extremo risco e coragem, em maio de 2011, Manning decidiu engordar para, depois, emagrecer. Consumindo inacreditáveis 5000 calorias diárias, em seis meses, viu seu peso saltar de 87,5 quilos para 122 quilos. O abdômen rasgado deu lugar a uma barriga indecente. A experiência de Manning está no recém-lançado Ganhar para Perder, da editora Agir. De sua casa, em Eagle Mountain, em Utah, nos Estados Unidos, ele falou a VEJA. NATALIA CUMINALE INFÂNCIA "Cresci em uma família com onze irmãos e irmãs e sempre fui muito ativo. Adorava jogar futebol americano e praticar luta. Além disso, a prioridade de minha mãe sempre foi a comida caseira. Não comíamos nenhum alimento industrializado." FRUSTRAÇÃO "Não entendia a dificuldade de meus alunos para adotar um estilo de vida saudável. Como eles não conseguiam? Para mim, era tão simples, tão óbvio. Ficávamos todos frustrados: eu com eles e eles comigo. 'Você não entende porque sempre esteve em forma', diziam. E eles estavam certos. Quis sentir na pele a dificuldade deles. Em maio de 2011, dei início ao processo de engorda." LIBERDADE E MEDO "No começo, foi tudo muito divertido. Nos primeiros dois meses, fui tomado pelo prazer de comer o que quisesse, quando bem entendesse. A sensação de liberdade foi incrível. A euforia, no entanto, passou. Comecei a roncar, sentia falta de ar ao subir escadas, tinha dificuldade para amarrar os sapatos e menos energia para brincar com minhas filhas. Não fazia ideia de como tarefas aparentemente tão simples podem ser tão incômodas. Tive medo de nunca mais recuperar a forma antiga. Ganhei peso muito rapidamente. Planejava engordar 23 quilos no total, mas ganhei 34 quilos — 10 quilos só no primeiro mês. Minha circunferência abdominal aumentou 36 centímetros e eu entrei para o grupo de risco das doenças cardiovasculares." CULPA E PRAZER "Eu me sentia horrível — tanto física quanto psicologicamente. Apesar do sofrimento, o estilo de vida gordo tornou-se extremamente confortável. Ficava péssimo depois de comer um bolo com recheio e cobertura ou macarrão enlatado. Ao mesmo tempo, enquanto comia, era acometido por uma sensação de extrema felicidade. Amava o modo como me sentia temporariamente. Estabeleci uma conexão emocional com a comida. Compreendi, então, a dificuldade de meus alunos. É, de fato, um desafio conseguir disposição para mudar. É, obviamente, muito mais fácil comer o que se tem vontade. Acabamos presos a um círculo vicioso. Quando ele é interrompido, o organismo reclama." VÍCIO "Consumi refrigerante todos os dias, durante seis meses. Quando decidi parar, fui surpreendido por uma espécie de crise de abstinência, como aquelas que acometem os dependentes químicos que resolvem se afastar das drogas. Senti dores de cabeça, fiquei sem energia, de muito mau humor. Era como se eu estivesse doente. Esse mal-estar durou duas semanas." VERGONHA "A pior parte no processo todo foi lidar com a baixa autoestima. Era difícil sair de casa. As pessoas me olhavam de modo diferente. Não gostava de me ver. Passei a ter vergonha de minha mulher. Ela é muito bonita e magra. Depois de seis meses, quando decidi emagrecer, no entanto, tive medo das privações que teria de enfrentar. Por um momento, uma parte de mim pensou em ficar naquela vida. As pessoas se acostumam à obesidade — e ao prazer, ainda que momentâneo, proporcionado pela comida. No fundo, eu sabia: não estava feliz e precisava voltar a ser saudável novamente." COMIDA PARA CACHORRO "Demorou seis meses para eu voltar ao peso e à forma iniciais. No processo de emagrecimento, havia semanas em que eu perdia 4 quilos; em outras, nada. Retomei a alimentação equilibrada e os exercícios físicos. Não foi fácil. Sempre gostei de comer salada, por exemplo. Mas, ao voltar a esse hábito, as verduras e os legumes tinham gosto de comida para cachorro. Não encontrava prazer nos alimentos saudáveis. Eles me pareciam sem sabor. É preciso insistir. Nessa batalha, as pessoas não devem se comparar com aquelas que têm corpo escultural. Isso desanima. É preciso se comparar com você mesmo. Seja o melhor que você conseguir ser." O SEGREDO "A chave para entrar em forma está na dieta — mais do que nos exercícios. Com a nutrição adequada, os resultados aparecem bem mais rápido. Sigo a regra de 90/10. Em 90% do tempo, eu me alimento de forma saudável. Nos 10% restantes, como o que quero. Não precisamos ser restritivos o tempo todo, mas não é possível comer sempre o que se quer." A LIÇÃO "Ao iniciar essa minha jornada, imaginei que passaria apenas por uma transformação física, que ficaria gordo, depois magro novamente. Mas, não, a batalha é mental e emocional. O vício, o apego emocional à comida são muito mais poderosos do que jamais poderia supor." NO INÍCIO, FORTE E MUSCULOSO (maio de 2011) Peso: 87,7 quilos Calorias consumidas diariamente 3000 Circunferência abdominal 86 centímetros Rotina de exercícios físicos: entre 35 e quarenta minutos por dia, cinco vezes por semana. GANHOU 34,5 QUILOS EM SEIS MESES E MEIO O ÁPICE DA GORDURA (novembro de 2011) Peso: 122 quilos Calorias consumidas diariamente de 4500 a 5000 Circunferência abdominal 122 centímetros Rotina de exercícios físicos: nenhuma PERDEU 34,5 QUILOS EM SEIS MESES E MEIO A RETOMADA DO CORPO (junho de 2012) Peso: 87,5 quilos Calorias consumidas diariamente 3000 Circunferência abdominal 86 centímetros Rotina de exercícios físicos: voltou a treinar como em 2011 ______________________________________ 6# ARTES E ESPETÁCULOS 24.9.14 6#1 O ESCRITOR QUE DESAFIA AS MÁFIAS 6#2 CINEMA – DUAS HORAS E PRONTO 6#3 TELEVISÃO – O OPOSTO DO RACISMO 6#4 SHOWBIZ – TROCA DE FIGURINO 6#5 VEJA RECOMENDA 6#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 6#7 J.R. GUZZO – O CARÁTER FICA 6#1 O ESCRITOR QUE DESAFIA AS MÁFIAS Depois de um corajoso livro sobre a Camorra, a máfia napolitana, Roberto Saviano mergulha no submundo do "narcocapitalismo" com Zero Zero Zero — apesar do medo, do arrependimento e da solidão que os criminosos lhe impuseram à base de ameaças de morte . ANDRÉ PETRY, DE NOVA YORK O italiano Roberto Saviano tem 35 anos, dois livros publicados e um arrependimento: Gomorra, seu primeiro livro-reportagem. Publicado em maio de 2006 na Itália, e depois em meia centena de países, Gomorra é um manifesto de destemor. Em 350 páginas, Saviano revira as vísceras da Camorra, a brutal organização mafiosa de Nápoles. Quatro meses depois do lançamento do livro, o autor recebeu a primeira ameaça de morte, debochadamente formulada em público, quando dava palestra em Casal di Príncipe, a cidade-sede da Camorra. A ameaça saiu da boca do pai de um dos chefes da máfia napolitana. De lá para cá, nunca mais a vida de Saviano foi a mesma: "Vivo como um prisioneiro". Na vida de prisioneiro, Saviano já assumiu várias identidades — quando recebeu VEJA em Nova York usava documento com o nome de "David Dannon" —, passou temporadas de até três meses em meia dúzia de países e esteve sob a proteção de equipes de segurança de diversos tamanhos. Em Israel, teve apenas um guarda-costas. Na Suécia e na Alemanha, três. Na Espanha e na França, cinco. Há oito meses, transferiu-se para Nova York, onde encontrou uma fresta de liberdade. Dá aulas de economia criminal na Universidade Princeton (os alunos conhecem sua identidade verdadeira) e troca de endereço e documentos sempre que a polícia nova-iorquina assim recomenda. ("David Dannon", portanto, morreu logo depois da entrevista a VEJA.) O arrependimento de ter publicado Gomorra deve-se à perda, possivelmente para sempre, da vida de cidadão comum. "Faria tudo de novo, mas faria outro caminho, com mais prudência", diz. Arrepende-se, sobretudo, das dificuldades que criou aos pais e ao irmão mais novo. "Estraguei a vida deles. Eles tiveram de mudar de hábitos, são atacados, ridicularizados porque são meus parentes." Lembra com amargura o dia em que sua tia entrou numa farmácia em Nápoles e alguém a provocou, em voz alta: "Lá vai a tia do herói". As ameaças, as limitações de movimento e as hostilidades, porém, não calaram sua pena. "Acho que escrevo mais por vingança", diz. Nos últimos cinco anos, viajou, entrevistou e, sobretudo, leu montanhas de processos judiciais para escrever Zero Zero Zero (tradução de Federico Carotti, Joana Angélica d’Avila Melo, Marcello Lino e Maurício Santana Dias, Companhia das Letras, 408 páginas, 54 reais), que chegou às livrarias brasileiras na sexta-feira passada. Desta vez, seu alvo é o narcotráfico, principalmente o tráfico de cocaína — essa droga que "move o mundo", esse "petróleo branco". Saviano descreve o funcionamento das quadrilhas, máfias e cartéis na Colômbia, no México, no Brasil, na Itália, na Rússia, na Nigéria. Vive com medo. "Não tenho medo de morrer, não porque eu seja corajoso, mas do que tenho medo mesmo é de continuar a viver assim, escondido." Saviano não acha que Zero Zero Zero vá piorar sua vida. Até agora, só recebeu insultos no Twitter, com a notícia da prisão do líder do cartel mexicano de Sinaloa, Joaquín Guzmán Loera, conhecido como El Chapo, poderoso gângster que, de tão rico, saiu quatro vezes na lista de bilionários da revista Forbes. O outro contratempo que enfrentou foi o pedido judicial da família de Pasquale Locatelli, um dos brokers do narcotráfico da Camorra preso em Madri, que queria retirar o livro das prateleiras. Naturalmente, o pedido foi rejeitado. VEJA encontrou Saviano no lobby de um movimentado hotel de Nova York. Ele é afável, objetivo, mas parece estar sempre represando uma ansiedade e mastigando uma resignação. Quando sorri, é outra pessoa. Exibe uma separação entre os dentes incisivos à direita, o que lhe confere um ar descontraído, incompatível com a ansiedade e a resignação de antes. Mas sorri rápido, pouco, logo retoma o semblante fechado — e fala. Instalado numa sala do 3º andar do hotel, Saviano começou falando da semelhança de métodos e organização entre as máfias italianas e os cartéis da América Latina. Saviano gesticula, e fala. Passa a mão sobre a calva, e fala. Gosta quando ouve a pergunta que esperava, e fala. Está preparando um terceiro livro, com tom mais autobiográfico, de sua vida solitária, mas disso Saviano não quer falar agora. Zero Zero Zero, cujo título designa a cocaína de alta qualidade, "a 000", é um livro irregular. Há trechos irrelevantes, como o capítulo sobre vida e obra dos cães farejadores que metem o focinho nas bagagens estofadas de cocaína nos aeroportos, e trechos fundamentais, como a descrição do papel dos maiores bancos do mundo na lavagem do dinheiro do narcotráfico — além de curiosidades imperdíveis, como a maneira que um operador da City de Londres compra cocaína na hora do almoço: senta numa cantina, confere a carta de vinhos e pede ao garçom uma marca ausente do cardápio. É o código. Vinho que não está na lista é um grama de pó. Jornalista, Saviano é adepto da escola que usa a prosa literária em temas de não ficção, o "novo jornalismo", que consagrou americanos como Truman Capote e Michael Herr, duas de suas inspirações declaradas. O problema de apresentar uma grande reportagem em estilo literário é perder a objetividade do jornalismo sem alcançar a beleza da literatura. Com frequência algo incômoda, Saviano tropeça nessa armadilha. Mas Zero Zero Zero tem o mérito de organizar uma narrativa coerente e minuciosa sobre um fenômeno que, normalmente, só nos chega entrecortado, retalhado em fatias: a engrenagem, a dimensão e o funcionamento do que ele chama de "narcocapitalismo", um sistema monumental e assustador. Os cartéis e as máfias da cocaína têm exércitos privados com arsenais de guerra, estão infiltrados em bancos, montam frotas de submarinos e faturam bilhões e bilhões de dólares, tudo emoldurado por uma hiperviolência atroz. Depois de tomar o lugar que a Colômbia ocupou anos atrás na geografia da cocaína, o México ensanguentou-se com um sadismo todo próprio. A narcoguerra já fez 70.000 mortos. Ciudad Juárez, na fronteira com o estado americano do Texas, tornou-se uma das cidades mais perigosas do mundo. As máfias mexicanas desmembram cadáveres com motosserra, dissolvem-nos em soda cáustica. Um infiltrado da DEA, agência americana antidrogas, foi estuprado com ferro em brasa. Uma gangue decapitou a vítima, trocou sua cabeça pela de um porco e postou o vídeo na internet. A narcoviolência ignora limites, como mostra o caso de um padre colombiano: deceparam seus dedos e o obrigaram a comê-los; depois, fizeram o mesmo com os dedos dos pés; por fim, com os órgãos genitais. E por que tanta violência sádica? "Sempre me perguntei isso", diz Saviano. "Acho que a razão é econômica." Ele explica: se um traficante trair seu comparsa durante uma semana ou um mês, conseguirá embolsar, nesse pouco tempo, dinheiro suficiente para montar a própria quadrilha e mandar matar o comparsa. "Para evitar essas traições, a mensagem precisa ser aterrorizante." Talvez o mais aterrorizante de Zero Zero Zero nem seja a crueldade repulsiva, mas as ramificações do narcotráfico no planeta. Saviano mostra superficialmente como a cocaína desfigura democracias frágeis da América Latina ou da África, mas desce mais fundo para demonstrar como contamina a economia, mesmo das potências mundiais, a ponto de se tornar essencial ao seu funcionamento. "Os narcodólares", escreve, "injetam o oxigênio vital que é chamado de liquidez." Em 2009, no auge da crise financeira mundial, a própria Organização das Nações Unidas, por intermédio do seu escritório de combate às drogas, reconheceu que o dinheiro das máfias foi "o único capital de investimento líquido à disposição de alguns bancos para evitar a falência". Saviano tem na ponta da língua o antídoto contra as dimensões gigantescas do narcotráfico: a legalização de todas as drogas. "Compreendo as dificuldades morais de legalizar as drogas, mas não acredito que haja outra solução." Defende a Holanda, o Uruguai. Ao seu lado, estão aliados como Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-presidente do México Ernesto Zedillo. No início do mês, reunidos no âmbito de uma comissão global, eles fizeram um apelo de amplitude inédita. Conclamaram os países-membros a descriminalizar "todas as drogas ilegais possíveis". Saviano nunca cheirou cocaína. Paradoxalmente, graças à máfia. "Quando eu era adolescente, as organizações criminosas não deixavam vender cocaína aos locais. A regra da máfia na minha cidade era: nada de drogados e de homossexuais." É estranho falar com um escritor bastante conhecido em alguns países que se esconde na cidade mais cosmopolita do mundo na era da superexposição global. No 3º andar do hotel em que recebeu VEJA, Saviano está tranquilo. A sala é aberta a todos os hóspedes Quando um deles entra, Saviano continua falando sem se alterar. Está confiante em que não corre perigo. "Em Nova York, tenho a sensação de poder reconstruir minha vida", diz ele, entre ansioso e resignado. Ficará em Nova York enquanto as universidades o contratarem para dar aulas de economia criminal. Terminada a entrevista, ele pega seu iPhone. Confere mensagens e fica passando o polegar na tela, sem esboçar reação nenhuma. De repente, comenta que está checando a repercussão do artigo que acabara de publicar no La Repubblica. É um homem arrependido, quer sua vida de volta, mas não abandona seu ofício. Antes de partir, enfiando-se na tarde quente do verão novaiorquino, diz que uma fonte vai lhe contar como o conflito no Oriente Médio está afetando a atuação da máfia indiana em Dubai. Ele escreve como uma forma de vingança. O mundo do crime, como se sabe, não para. 6#2 CINEMA – DUAS HORAS E PRONTO Claramente inspirado em O Exorcista, Livrai-nos do Mal também causa mal-estar. A diferença é que ele dura pouco. Como em O Exorcista, o horror que assola um punhado de pessoas em Nova York em Livrai-nos do Mal (Deliver Us from Evil, Estados Unidos, 2014), já em cartaz, é uma coisa antiga e primitiva, que foi levada para lá do nascedouro bíblico de todos os demônios, a Babilônia — hoje o Iraque. Também como no filme de 1974, impregnado da sensação de corrosão moral do período, não é difícil à entidade de Livrai-nos ocultar a verdadeira natureza de sua depravação: são tão variadas e estarrecedoras as manifestações puramente humanas de maldade que o detetive Ralph Sarchie (Eric Bana) encontra no trabalho, que não haveria como discernir nelas seu contágio diabólico. O ex-soldado que quase mata a mulher a socos, a mãe que joga um bebê aos leões no zoológico, o homem que faz uma paródia tétrica de um crucifixo com um gato morto — trauma, drogas, doença mental: qualquer uma dessas coisas poderia explicar por que esses horrores chegam à delegacia. E, de novo como no marco dirigido por William Friedkin, será um religioso cheio de dúvidas, o padre Mendoza (Edgar Ramírez), a esclarecer o que se passa. O que falta a este filme, porém — e a qualquer outro terror desde O Exorcista —, é não apenas o brilhantismo de Friedkin, como o fundamental: uma compreensão do que, afinal, é o mal. Entre os vários sintomas da infantilização da cultura, este é um dos mais claros: o mal, nos filmes de hoje, é sempre um demônio de nome arrevesado que achou um portal, um espírito enfiado em algum objeto simbólico — uma caixa, uma boneca — ou uma entidade gerada por algum evento violento. O mal, portanto, sempre é o outro e sempre vem de fora. Com alguma técnica e empenho, pode ser exorcizado, ou até evitado. Basta não comprar a boneca, ou passar longe da casa onde uma família foi massacrada, ou não entrar em tumbas suspeitas no deserto iraquiano. Vale dizer que, no cenário atual do cinema de horror, Livrai-nos do Mal até que está bem acima da média, na companhia de O Exorcismo de Emily Rose (do mesmo diretor, Scott Derrickson) e de Invocação do Mal. Como esses, tem atores fortes que se imbuem de seus papéis, um lastro de misticismo que soa genuíno e uma encenação interessante. Mas é improvável que o mal-estar que se sente durante a projeção resista além dela. Já o mal-estar provocado por O Exorcista pode durar anos ou até décadas e assomar de novo à simples lembrança do filme. Ali, o mal é algo que acompanha a humanidade desde que ela nasceu, está em toda parte todo o tempo e irrompe até de dentro dos mais inocentes. Quando o padre vivido por Max von Sydow faz seu exorcismo, ele não é só um ritual; é um mergulho no que há de mais proibido e terrível, no qual ele próprio corre tanto risco de se perder quanto a pessoa possuída. O mal de O Exorcista, enfim, é um abismo servido por infinitos portais, todos os quais levam para dentro da criatura humana. Isso, sim, é uma ideia de dar medo. ISABELA BOSCOV 6#3 TELEVISÃO – O OPOSTO DO RACISMO Sexo e as Negas, nova série da Globo, despertou a ira da patrulha politicamente correta. Para ONGs e militantes, pouco importa que as personagens sejam, na verdade, negras emancipadíssimas: a histeria provoca cegueira. MARCELO MARTHE Durante uma feijoada na Cidade Alta do Cordovil, favela na Zona Norte carioca, Miguel Falabella percebeu o potencial de uma combinação que, se fosse traduzida em comida, seria uma mistura do feijãozinho nacional com os ovos benedict — clássico da culinária nova-iorquina. No almoço promovido por sua camareira, moradora do lugar, o autor da Globo conheceu uma negra que ostentava orgulhosamente seu cabelo transado, e comentou com ela como seria divertida uma versão brasileira de Sex and the City, série americana que fez sucesso entre 1998 e 2004 com seu retrato de quatro mulheres despachadas e endinheiradas em Nova York — só que sua versão seria ambientada na favela e protagonizada por negras. Na linguagem do subúrbio do Rio, em que o "s" pode ser trocado por "r" ou ser engolido sem cerimônia, a moça definiu na lata do que se tratava: "Sexo e ar nega". É difícil imaginar gênese mais autêntica e alto-astral para uma série de TV sobre as mulheres de uma favela carioca. Mas, na ótica mal-humorada dos patrulheiros de plantão, nada obedece ao bom-senso: Sexo e as Negas, que estreou na última terça-feira, está sendo acusada de racismo. A Secretaria da Igualdade Racial, ligada à Presidência da República, anunciou ter recebido 117 denúncias contra o programa — demonizado por supostamente incorrer na "reprodução de estereótipos da pessoa negra, numa associação contínua à sexualidade exacerbada". Militantes pedem boicote à série na internet. A sede da Globo em São Paulo foi pichada por vândalos. A secretaria abriu processo contra a emissora e enviou as denúncias ao Ministério Público. "É um linchamento. Não sou racista, muito pelo contrário: sempre paguei o preço por ser um-autor popular", diz Falabella. Goste-se ou não do besteirol que dá tônica às suas comédias, sua "suburbanidade" está mesmo no DNA. O caso ilustra o clima de histeria instaurado nas redes sociais e na política — notadamente, na máquina do poder em Brasília, dominada por ONGs e militantes de esquerda. Sexo e as Negas entrou na mira antes mesmo de estrear. A palavra "negas", é verdade, ocupa uma zona limítrofe: dependendo do contexto em que for empregada, pode ter um significado afetivo ou se revestir de conotação racista. Mas a correlação óbvia com a série americana e o histórico de Falabella não permitiam extrair de antemão leituras negativas. Ainda assim, a Globo tentou várias vezes demover Falabella da aposta nesse título. "Eu bati o pé. Sexo e as Negas deixa claro que é uma paródia, e não um plágio de Sex and the City", diz. Há um cheiro de puritanismo nas denúncias. "O problema é com o sexo. Somos medievais nessa área", diz Falabella. O PSOL de Luciana Genro ainda não defendeu o uso do cinto de castidade pelas mocinhas da ficção. Mas quase chegou lá: o partido apressou-se em proclamar sua visão pouco excitante de mundo ao pedir programas de TV em que as mulheres, incluindo não só as negras, deixem de ser vistas como "objeto de desejo". Militantes de um certo Coletivo Enegrecer incomodaram-se porque a série estaria pondo "nosso corpo na berlinda da mídia e do imaginário social". Que pecado! A patrulha não sossegou nem depois de se verificar que Sexo e as Negas é o oposto do racismo. Falabella, aliás, faz até concessões à correção política. A favela é chamada de "comunidade". Há uma personagem meio vilanesca que, além de loira e gaúcha (só falta ser torcedora do Grêmio), detesta o cabelo das "negas". As quatro negras retratadas na série — a recepcionista Lia (Lilian Valeska), a operária Tilde (Corina Sabbas), a cozinheira Soraia (Maria Bia) e a camareira Zulma (Karin Hils) — são emancipadas, donas de sua vontade e do próprio corpo. Não levam desaforo para casa: em uma cena emblemática, uma delas deu uma resposta apropriada a um figurão branco que tentou lhe passar uma cantada racista. "Elas vivem essas coisas na realidade. O melhor jeito de tratar dos problemas é não fingir que eles não existem", diz Falabella. De fato, o aspecto mais deletério da correção política é a tentativa de — por ingenuidade ou má-fé — conferir uma imagem positiva a uma realidade negativa e, como que por decreto, imaginar que a vida dessas pessoas melhorará por terem um espelho mais dourado em que se moldar. Como ensinam as personagens de Sexo e as Negas, mais vale enfrentar a vida na raça do que se refugiar na demagogia. 6#4 SHOWBIZ – TROCA DE FIGURINO Ex-menina-prodígio da moda, a americana Tavi Gevinson estreia na Broadway e mostra que existe vida mais inteligente depois do sucesso na blogosfera. MÁRIO MENDES Quem acessa hoje o blog thestylerookie.com — uma verdadeira sensação em seu lançamento, em 2008, com 30.000 visitas diárias — encontra o aviso de sua proprietária, Tavi Gevinson: "Este blog é praticamente um defunto. No momento posso ser encontrada editando a Rookie, trabalhando como atriz ou escrevendo para outros veículos". De fato, a ex-blogueira que aos 12 anos chacoalhou o jornalismo de moda que se conhecia até então e praticamente inventou a praga do "look do dia" — aquelas selfies que proliferam nas redes sociais exibindo como as pessoas se vestem para sair de casa — no momento anda ocupada demais para se dedicar a editoriais, desfiles, tapetes vermelhos e outras futilidades. Seus interesses na adulta idade de 18 anos incluem dirigir a Rookie, revista digital que criou para adolescentes (na qual também escreve artigos sobre cultura pop, comportamento jovem e feminismo) e, sobretudo, dedicar-se à carreira de atriz, que acaba de inaugurar em grande estilo estrelando uma peça na Broadway. Escrita por Kenneth Lonergan em 1996 — o ano em que Tavi nasceu —, This Is Our Youth, em cartaz até 4 de janeiro, fala sobre dois rapazes e uma garota da era Reagan (a ação se passa em 1982) que têm à disposição generosas doses de dinheiro, drogas e insegurança. No palco, dividem a cena com a moça Michael Cera, de Juno e Superbad, e Kieran Culkin, irmão mais novo do Macaulay de Esqueceram de Mim. Mas é Tavi quem tem recebido os maiores elogios. Chris Jones, crítico do Chicago Tribune, aposta que ela em breve será uma grande estrela, e conclui: "Gevinson parece uma alma antiga". Ele não é o primeiro a ter essa impressão. Nascida em Chicago, filha têmpora de pais professores. Tavi foi uma criança precoce. Aos 11 anos começou a se interessar por moda, além de ter uma fixação por mitologia grega e cultivar ídolos de gerações anteriores, como John Lennon, Yoko Ono, Janis Joplin e Andy Warhol. Como se vestia de maneira completamente diferente das outras meninas, decidiu fazer um blog, o thestylerookie.com, postando diariamente fotos em que aparecia envergando figurinos surpreendentes até para fashionistas com o dobro de sua idade. Misturava peças da inglesa Vivienne Westwood (a mãe do punk) com outras da marca japonesa Comme des Garçons (de Rei Kawakubo, a mãe do japonismo), e comentava o mix em legendas que tinham como referência a top model Kate Moss ou o musical Wicked, o sucesso da Broadway que conta a história das bruxas de O Mágico de Oz. Foram essa observação aguda e bom humor que chamaram a atenção da indústria de moda, que então tentava atar um namoro com as mídias digitais para melhor se comunicar com a enorme audiência dos jovens blogueiros. A partir dos 12 anos, junto com o filipino Bryanboy — que possuía o visual extravagante mas não a eloquência articulada da americana, e era nove anos mais velho —, Tavi passou a frequentar as primeiras filas das semanas de moda de Nova York e Paris. E vestiu sua persona fashionista com roupas de grife, achados de brechó, balangandãs, turbantes, chapéus e perucas coloridas. A jornalista inglesa Sarah Mower conta que certa vez tropeçou na minúscula blogueira em um desfile e achou que se tratava de "uma septuagenária oriental fanática por moda". Escalada por publicações de peso como a americana Harper’s Bazaar e a inglesa Pop para comentar coleções, Tavi foi enviada para Antuérpia, a capital europeia da vanguarda fashion, e Tóquio. Veteranas da imprensa, claro, não gostaram nadinha. A mesma Sarah Mower, em artigo iracundo, perguntava pelos pais que deixavam aquela criança faltar à escola para ver alta-costura, enquanto a estudiosa americana de moda Valerie Steele disse que as opiniões de Tavi só eram relevantes por se tratar de uma adolescente: "Caso contrário, nós diríamos 'O.k., mas e daí?'". Por sua vez, a garota surfava no sucesso afetando ares de diva. Recusou-se a aparecer no programa da apresentadora Oprah Winfrey porque não era o tipo de público que gostaria de atrair para seu blog. Fez comerciais para as marcas Rodarte e Target, mas garante que nunca ficou amiga de estilistas e sempre devolveu as roupas emprestadas e os presentes caríssimos. Hoje, vestida de maneira sóbria, Tavi afirma que a moda se tornou algo irrelevante para ela e que está aliviada por não ter de comparecer às temporadas de lançamentos. Recém-formada no 2º grau, ela pretende tirar um ano para se dedicar ao teatro e à sua revista antes de ir para a faculdade. O autor Kenneth Lonergan, que a contratou para sua peça sem nunca ter ouvido falar nela, diz que Tavi se revelou uma atriz "esforçada, séria, divertida, criativa e emocionante". Se ao menos as blogueiras brasileiras de moda — que se multiplicam de maneira inversamente proporcional à qualidade do conteúdo que oferecem — seguissem o exemplo... 6#5 VEJA RECOMENDA DVD QUEM É O INFIEL? (A LETTER TO THREE WIVES, ESTADOS UNIDOS, 1949. CLASSICLINE) • Em 1949 — um ano antes de realizar A Malvada, clássico estrelado por Bette Davis —, o diretor Joseph L. Mankiewicz fez esta agradável crônica de costumes sobre as agruras conjugais em um próspero subúrbio americano. Ao saírem em um passeio de barco com um grupo de crianças, três mulheres recebem uma carta da sedutora da cidade informando-as de que, ao voltarem, ela terá fugido com o marido de uma delas. Desconfiadas, as possíveis esposas traídas avaliam seu casamento, em sucessivos flashbacks. A jovem Deborah (Jeanne Crain) se ressente por não ter a sofisticação necessária para ser uma dama da sociedade local. A eficiente Rita (Ann Sothern), roteirista de um famoso programa de rádio, é mais bem-sucedida que o marido professor. E a nouvelle riche Lora Mae (Linda Darnell) não faz questão de esconder que se casou por puro interesse. Drama romântico, humor ácido, diálogos certeiros e o suspense até a revelação final sustentam a trama que, apesar de pré-liberação feminina e pré-revolução sexual, lida com situações e conflitos ainda palpitantes em casamentos de qualquer tipo ou gênero. CINEMA UMA NOVA CHANCE PARA AMAR (THE FACE OF LOVE, ESTADOS UNIDOS, 2014. JÁ EM CARTAZ NO PAÍS) • Durante uma viagem ao México, Tom (Ed Barris, sempre fabuloso) se afoga — e, cinco anos depois, sua viúva, Nikki (Annette Bening), continua ainda completamente apaixonada pelo marido e vive em um estado constante de suspensão, por assim dizer. Certo dia, porém, ela vê no jardim de um museu um sósia de Tom, em tudo idêntico a ele. Usando de artifícios e artimanhas, consegue aproximar-se dele; Garrett (de novo Ed Harris) é divorciado, foi pintor mas agora dá aulas de arte e, por seu próprio direito, seria plenamente merecedor de que uma mulher como Nikki se apaixonasse por ele. Mas o fato de que Nikki nunca conta a Garret sobre a semelhança com seu marido, e o esconde da filha adulta e do vizinho (Robin Williams, em um de seus últimos papéis), é sinal inequívoco de que, para ela, Garrett não é Garrett — é uma cópia de Tom, um substituto que permite a Nikki imaginar que os últimos cinco anos não passaram de um pesadelo. As coincidências entre este Uma Nova Chance para Amar e Sob a Areia, do francês François Ozon, são várias. Mas, não obstante as similaridades, o filme do diretor Arie Posin é, assim como Garrett, possuidor de méritos só seus. LIVROS A 25ª HORA, DE VIRGIL GHEORGHIU (TRADUÇÃO DE ANDRÉ TELLES; INTRÍNSECA; 352 PÁGINAS; 34,90 REAIS, OU 19,90 NA VERSÃO DIGITAL) • O romeno Virgil Gheorghiu (1916-1992) serviu, como diplomata, ao governo do ditador Ion Antonescu, alinhado com a Alemanha nazista. Depois da II Guerra Mundial, quando a Romênia caiu sob domínio soviético, Gheorghiu fugiu do país. Acabou preso pelos aliados, na Alemanha — e sobre ele sempre pesaram acusações de antissemitismo. Mas seu romance A 25ª Hora, publicado na França em 1949, é um libelo contra o totalitarismo. Gheorghiu critica um mundo no qual as pessoas não são mais indivíduos, mas representantes de categorias raciais ou nacionais. O protagonista é Iohann Moritz, humilde trabalhador de uma aldeia romena. Denunciado como judeu — embora não o seja — por um inimigo que cobiçava sua mulher, Moritz atravessa a guerra sendo jogado de um para outro campo de concentração. Em uma virada irônica, um médico nazista acaba proclamando que Moritz é o exemplo do ariano perfeito. Convertido em arma da propaganda racista, ele será, ao fim da guerra, julgado por colaborar com o nazismo. REFLEXOS DO SOL-POSTO, DE IVAN JUNQUEIRA (Rocco; 302 PÁGINAS; 34,50 REAIS, OU 22,50 REAIS NA VERSÃO DIGITAL) • Ivan Junqueira já previa, na introdução deste livro, que esta seria sua última coletânea de ensaios — pretendia dedicar-se só à poesia. O autor morreu em julho, aos 79 anos, no Rio de Janeiro, sua cidade natal, deixando prontas duas obras para publicação póstuma: este Reflexos do Sol-Posto e Essa Música, que ainda será lançada pela Rocco. Poeta e tradutor que se dedicou a empreitadas heróicas — verteu para o português As Flores do Mal, do poeta francês Charles Baudelaire, e a poesia completa do americano (britânico por opção) T.S. Eliot -, Junqueira era também um crítico perceptivo, cujo amplo conhecimento da poesia internacional permitia avaliações e aproximações insuspeitas. Um belo exemplo dessas qualidades está no ensaio que abre o livro, sobre o centenário, celebrado em 2012, de Eu, livro único (em muitos sentidos, pontua o crítico) de Augusto dos Anjos. Junqueira desvenda o parentesco daquela estranha obra com o expressionismo alemão (que Augusto dos Anjos não conheceu). Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e Machado de Assis estão entre os outros autores examinados na coletânea. DISCO MAGIC, DE SÉRGIO MENDES (OKEH/SONY MUSIC) • Sérgio Mendes é uma ponta de lança na internacionalização da música brasileira. Esteve na histórica noite de bossa nova no Carnegie Hall, em Nova York, em 1962, e dois anos depois se mudou de vez para os Estados Unidos. Sua carreira ganhou uma inflexão modernosa a partir de 2006, quando fez parceria com o rapper will.i.am, o cabeça do grupo Black Eyed Peas. Magic conjuga a suavidade da bossa nova com essa nova energia pop. São treze faixas em que Mendes aparece acompanhado de convidados especiais do Brasil e da música internacional — da cantora Gracinha Leporace, mulher do compositor, a Janelle Monáe, uma das melhores vozes da nova geração americana. Carlinhos Brown, parceiro de Sérgio Mendes na trilha das animações Rio 1 e 2, comparece nas animadas Simbora (Let's Go...) e One Nation, a primeira e a última faixa do disco. A voz de John Legend dá um toque soul à bossa Don’t Say Goodbye. E um matreiro will.i.am pode cantar cafajestadas em My My My My Love — pois o piano de Sérgio Mendes deixa tudo elegante. 6#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- Se Eu Ficar. Gayle Forman. Novo Conceito 2- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA 3- Quem É Você, Alasca? John Green. MARTINS FONTES 4- O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 5- Cinquenta Tons de Cinza. E.L. James. INTRÍNSECA O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 6- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA 7- Felicidade Roubada. Augusto Cury. SARAIVA 8- A Seleção. Kiera Cass. SEGUINTE 9- Cinquenta Tons de Mais Escuros. E.L. James. INTRÍNSECA 10- Cinquenta Tons de Liberdade. E.L. James. INTRÍNSECA NÃO FICÇÃO 1- Getúlio 1945-1954. Lira Neto. COMPANHIA DAS LETRAS 2- Sonho Grande. Cristiane Corrêa. PRIMEIRA PESSOA 3- Mentes Consumistas. Ana Beatriz Barbosa Silva. PRINCIPIUM 4- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 5- O Livro da Psicologia. Nigel Benson. GLOBO 6- Guga — Um Brasileiro. Gustavo Kuerken. SEXTANTE 7- 1889. Laurentino Gomes. GLOBO 8- Aparecida. Rodrigo Alvarez. GLOBO 9- Não É a Mamãe — Para Entender a Era Dilma. Guilherme Fiuza. RECORD 10- O Livro dos Negócios. Vários autores. GLOBO AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 3- De Volta ao Mosteiro. James Hunter. SEXTANTE 4- As Regras de Ouro dos Casais Saudáveis. Augusto Cury. ACADEMIA DE INTELIGÊNCIA 5- Sonhos Não Têm Limites. Ignácio de Loyola Brandão. GENTE 6- Casamento Blindado. Renato e Cristiane Cardoso. THOMAS NELSON BRASIL 7- Pó de Lua. Clarice Freire. INTRÍNSECA 8- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 9- Mudar. Flávio Gikovate. MG EDITORES 10- Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros. Augusto Cury. SARAIVA 6#7 J.R. GUZZO – O CARÁTER FICA Uma das vantagens mais interessantes da hipocrisia, talvez o vício preferido das campanhas eleitorais, é seu baixo custo. A rigor, fazendo a conta na ponta do lápis, a hipocrisia não custa nada, quando se considera que o hipócrita jamais pretende cumprir suas promessas, nem se comportar com as virtudes que atribui a si mesmo diante do público — encerrada a disputa, volta a ser o que sempre foi, e dá por zeradas todas as dívidas que parecia estar contraindo quando tinha de pedir voto aos eleitores. Disputas pela Presidência da República, é claro, não são a oportunidade mais adequada para o público assistir a exibições de boa conduta. Assim mesmo, a campanha eleitoral de 2014 parece superar tudo o que já foi feito neste país, até agora, em matéria de embuste; só deverá ser superada, talvez, pela próxima corrida, em 2018. Não há inocentes nesta rixa de terceira classe, mesquinha, desonesta e sem o menor vestígio de vida inteligente; desde o primeiro dia de campanha, ainda não apareceu nada que pudesse ser descrito pela palavra "ideia". Mas o pior desempenho, de longe, fica com a concorrente mais forte até agora, Dilma Rousseff, porque ela não é apenas a candidata oficial — antes disso, é a presidente da República, e esse cargo lhe impõe obrigações formais perante todos os brasileiros, sem exceções. A primeira delas é o respeito. Dilma, pela posição que ocupa e pelo juramento que fez ao assumir a Presidência, não tem o direito de tratar os eleitores como uma manada de ignorantes que não dispõem da capacidade de pensar com um mínimo de independência — e por isso não precisam ouvir argumentos, explicações e raciocínios que façam nexo, ou respeitem fatos. Vale tudo aí. Se Dilma não for eleita, garante sua campanha, a comida vai sumir das mesas. As crianças passarão a receber livros em branco. Os banqueiros vão ordenar demissões em massa, fechar escolas e acabar com o Bolsa Família. Por ser negra, magrinha e de origem paupérrima, ou por lembrar que passou fome na infância, a concorrente Marina Silva é acusada de ser uma "coitadinha" — e uma pobre-diaba como ela, segundo Dilma, não tem condições de ser presidente. Só Lula, o seu principal patrocinador, tem o direito de se apresentar como operário e receber diploma de herói. Marina é igual a Fernando Collor — embora a candidata oficial não explique por que isso seria tão ruim assim, já que o mesmo Collor é hoje um dos seus aliados mais valiosos. Só Deus sabe o que ainda vai dizer até o dia da eleição. O resultado prático de toda essa insensatez é que a campanha eleitoral da suprema magistrada do Brasil, que deveria ser a mais sóbria e mais fiel à verdade dos fatos, acabou sendo a mais hipócrita de todas. Um cavalheiro, segundo o ensinamento de Oscar Wilde, nunca deve trapacear quando está com boas cartas na mão. Dilma tem um jogo lindo — até agora sempre esteve à frente nas pesquisas, tem seis vezes mais tempo que Marina na televisão e usa todos os dias a máquina do governo para caçar votos. Mas sua campanha tornou-se um monumento à trapaça. Não existe nenhuma disputa de "classes" na eleição, como pretende a propaganda oficial, em que a opção seria escolher o lado dos pobres, o dela, contra o lado dos ricos, o dos outros. A única coisa realmente em jogo é o interesse material: mais de 20.000 cargos ocupados pelo PT e amigos, a manutenção de um convívio de doze anos com empreiteiras e as oportunidades de negócios junto a empreendedores como o homem atômico da Petrobras e atual presidiário Paulo Roberto Costa, o doleiro Youssef e por aí vai. Não existe a mais remota sinceridade nos alertas de que um Banco Central independente vai tirar as grandes decisões financeiras "das mãos dos brasileiros" — como se no governo Dilma eles decidissem alguma coisa a respeito. Não existe motivo para acreditar nas promessas de "limpeza" na Petrobras, quando Lula diz que a empresa é vítima de "ataques" de tubarões imaginários — e não dos tubarões de carne e osso mantidos lá dentro durante todo o seu governo e o de Dilma. A complicação que o Brasil vive hoje vai além da falta de decência, de lucidez e de bons modos da campanha. Campanhas eleitorais são transitórias, mas os seres humanos que participam delas são permanentes. É uma pena, mas Dilma não vai mudar de caráter quando a campanha acabar — continuará sendo exatamente a mesma. Se ganhar, não vai fazer um ato de contrição e se arrepender da hipocrisia de uma disputa deformada pela falsificação da realidade; não se transformará numa pessoa que nunca foi.