0# CAPA 23.7.14 VEJA www.veja.com Editora ABRIL Edição 2383 – ano 47 – nº 30 23 de julho de 2014 [descrição da imagem: foto do rosto do Presidente Putin, está de óculos escuros, olhando para cima, com a mão esquerda como protegendo os olhos do sol, e nos óculos aparecem espelhados o céu, com nuvens e foguetes.] A CULPA DE PUTIN 283 passageiros de um Boing foram mortos nos céus da Ucrânia por um míssil russo na mais forte ameaça à paz mundial neste século [parte superior da capa] CRIME As mensagens secretas que revelam os novos métodos dos bandidos do PCC O traficante Marcos Camacho líder do PCC ELEIÇÕES Por que os números do Datafolha, já ruins para Dilma Rousseff, podem piorar ______________________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# ECONOMIA 5# INTERNACIONAL 6# GERAL 7# GUIA 8# ARTES E ESPETÁCULOS _________________________________ 1# SEÇÕES 23.7.14 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – O PRIMEIRO DESAFIO 1#3 ENTREVISTA – GALVÃO BUENO – “SOU UM VENDEDOR DE EMOÇÕES” 1#4 CLAUDIO DE MOURA CASTRO – O HÁBITO FAZ O MONGE? 1#5 MAÍLSON DA NÓBREGA – TOLERÂNCIA À INFLAÇÃO 1#6 LEITOR 1#7 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM QUEREM RESSUSCITAR AS RAÇAS No best-seller A Troublesome Inheritance (Uma Herança Incômoda), o jornalista científico inglês Nicholas Wade tenta reabilitar um conceito enterrado pela comunidade científica nos anos 1970: aquele segundo o qual a humanidade é dividida em raças. É um esforço fadado ao fracasso. Especialistas ouvidos pelo site de VEJA reconhecem que a sombra do racismo interditou o debate sobre as variações genéticas entre populações, que existem, de fato, e devem ser estudadas. Mas são unânimes ao afirmar que as diferenças encontradas não são suficientes para retirar da lata de lixo da pesquisa acadêmica a pseudociência das raças. PREPARE-SE PARA O ENEM Na reta final da preparação para o Enem, VEJA.com promoverá em parceria com a startup AppProva dois simulados gratuitos e abertos a todos os estudantes e escolas do Brasil. As provas apresentarão questões inéditas e serão corrigidas a partir da teoria da resposta ao item (TRI), a mesma usada na avaliação federal. Quem levar a sério os dois simulados terá uma boa ideia da nota que poderá obter no exame oficial, em novembro. Confira as datas e todos os detalhes das provas no site de VEJA. QUEM TEM MEDO DOS LIBERTÁRIOS? F Estado mínimo (e põe "mínimo" nisso), defesa incondicional dos direitos individuais e da propriedade privada: esses são os pilares do libertarianismo, a terceira força da política americana, que tem mostrado suficiente poder de fogo para influenciar tanto republicanos como democratas. Reportagem do site de VEJA mostra quem são os libertários, o que pensam e por que são considerados decisivos para as eleições legislativas de novembro em pelo menos sete estados. GAYS NA FICÇÃO Viver um homossexual no cinema ou na televisão já foi um risco profissional. O papel podia marcar o ator para sempre. Não mais. O público mudou, e um personagem gay bem construído pode ser o passaporte para o reconhecimento e até o estrelato. No Brasil, não há mais novela sem casal homossexual. Império, o novo folhetim das 9, que estreia nesta segunda, terá quatro personagens gays, um deles interpretado por um galã com fama de pegador (de mulheres): José Mayer. "Já faz um tempo que busco papéis diferentes", conta o ator ao site de VEJA. "E acho divertido mexer com aquela fama de conquistador." 1#2 CARTA AO LEITOR – O PRIMEIRO DESAFIO Uma reportagem desta edição de VEJA relata o que ocorreu em Fortaleza na VI Cúpula dos Brics, o grupo de países emergentes cujas iniciais deram forma à sigla — Brasil, Rússia, Índia e China, acrescidos posteriormente da África do Sul. Dilma Rousseff e seus colegas chefes de Estado e de governo, o russo Vladimir Putin, o chinês Xi Jinping, o indiano Narendra Modi e o sul-africano Jacob Zunia, falaram bem de si próprios pela frente e, pelas costas, mal da União Europeia, do Japão e, principalmente, dos Estados Unidos. De concreto, mesmo, emergiu da reunião a decisão de criar o que balizaram de Novo Banco de Desenvolvimento, cuja sigla em inglês é NDB, que terá como primeiro presidente um indiano e sede permanente em Xangai, o centro financeiro da China. O NDB disporá de 100 bilhões de dólares em fundos destinados a salvar da quebra qualquer um dos cinco sócios que se meter em grossa encrenca financeira. É um FMI dos pobres ou, para quem acredita na solidez e no futuro de um grupo tão heterogêneo, um FMI dos novos ricos do mundo. VEJA considera altamente positiva a formação de grupos econômicos destinados a aumentar o volume de intercâmbio e de comércio entre os países-membros, desde que montados com o espírito de uniformização compartilhada das qualidades de cada povo e também de contenção ou amortecimento dos arroubos destrutivos de cada um dos membros, cujas estratégias de defesa dos interesses nacionais imediatos passariam a levar em conta os objetivos permanentes do conjunto. Isso significa que enxergamos benefícios em grupos cujos membros adeptos da democracia representativa influenciam positivamente os demais a aderir a essa consagrada forma de organização política, social e econômica — modelo que pode não ser perfeito, mas é melhor do que todas as outras opções. Entre tantas características desejáveis desse modelo está garantir a paz, já que nunca se registrou na história nenhuma guerra entre dois países democráticos. O que se tem até agora com os Brics, porém, é um ajuntamento de países díspares organizados em uma hierarquia, com um membro dominante na política, a Rússia de Putin, e outro na economia, a China de Jinping. Os demais são coadjuvantes com papéis secundários e destinados a seguir a liderança. Não se ouviu em Fortaleza uma única condenação à perseguição sistemática e violenta de opositores na China ou um alerta inequívoco sobre a beligerante política externa de Putin na vizinha Ucrânia. Mal terminou a reunião de cúpula dos Brics, o grupo já tem pela frente seu maior desafio: como reagir à derrubada de um avião comercial com 298 pessoas a bordo que cruzava o espaço aéreo da Ucrânia? O jato foi abatido por uma bateria de mísseis de fabricação russa operada por milicianos separatistas financiados, treinados e obedientes a Moscou. Se os integrantes do grupo dos Brics fingirem que não viram o crime e passarem a mão na cabeça do companheiro Putin, estarão se condenando ao fracasso ético e moral, justamente o que destrói as chances de sucesso em todos os outros campos. 1#3 ENTREVISTA – GALVÃO BUENO – “SOU UM VENDEDOR DE EMOÇÕES” O locutor esportivo mais famoso do Brasil diz que vive "no fio da navalha", equilibrando-se entre a missão de "animar a brincadeira" e ser inteiramente fiel à "realidade dos fatos". PEDRO DIAS LEITE E BELA MEGALE Desde 1974, o Brasil ouve Galvão Bueno narrar a Copa do Mundo. Foram onze até hoje. E, se depender dele, outras virão. O locutor esportivo chegou a anunciar que não narraria mais Mundiais, mas mudou de ideia e acaba de renovar contrato com a Rede Globo até 2019. Nesta entrevista, ele diz que a derrota épica do Brasil para a Alemanha e a perda do hexa em casa não abalam a mística do país do futebol e que não pode ser acusado de elogiar demais — seja a seleção, o Felipão ou o Neymar. "As pessoas esquecem que estou lá para animar o espetáculo." Galvão Bueno recebeu VEJA para a conversa que se segue pouco antes de embarcar para a Alemanha, onde vai narrar o Grande Prêmio de Fórmula 1 deste fim de semana. Derrotado em casa, humilhado pela Alemanha e ultrapassado pela Argentina — o Brasil ainda pode ser chamado de o país do futebol? Não há dúvida de que a derrota para a Alemanha foi humilhante e que fomos ultrapassados pela Argentina. Mas a mística da seleção não sofre impacto. O mundo todo ainda nos ama e nos vê como o país do futebol por tudo o que fizemos nestes quase 100 anos, pela maneira com que sempre jogamos. Quem teve Garrincha e Pelé? O que precisa ser feito é uma revisão de valores, para que se possa retomar o caminho certo. Não se pode confundir o desempenho de um time com a riqueza de uma história. A reação à derrota para a Alemanha por 7 a 1 foi exagerada? O apresentador Luciano Huck, seu colega, chegou a dizer que aquilo foi o nosso 11 de Setembro. Houve reações exageradas, sim. No caso do Luciano, eu falei na hora para ele: "Pois é, Luciano, são coisas diferentes. Lá as consequências foram outras". Mas quem não erra na vida? Já falei um monte de bobagem. Nas eliminatórias da Copa de 1990, eu me atrapalhei e narrei um gol errado. E comecei a dar desculpas. No dia seguinte, o Armando Nogueira (Jornalista esportivo morto em 2010) me chamou e disse: "Você perdeu a maior chance da sua vida de ter sido simpático com o telespectador e reconhecer o seu erro em vez de ficar dando desculpas". Daquele dia em diante, cada vez que erro, e sei que errei, reconheço e peço desculpas. O senhor foi acusado de ter elogiado o técnico Luiz Felipe Scolari durante todo o torneio e passado a criticá-lo para valer só depois do 7 a 1. Isso foi um erro? Desde o primeiro jogo desta Copa, o Casagrande, o Ronaldo e eu sempre fizemos críticas à forma como a seleção estava jogando. Eu disse, em alguns momentos, que o trabalho do Felipão era coerente. Mas em momento algum elogiamos a seleção nem dissemos que era uma maravilha. Entre as muitas coisas que aprendi com o Armando Nogueira é que devemos elogiar sem bajular e criticar sem ofender. Eu pauto a minha vida com base nisso. Nunca fiz uma crítica que carregasse ofensa pessoal. E nunca fiquei babando ovo para ninguém. Mas no jogo contra Camarões, quando o Ronaldo criticou a seleção, o senhor perguntou se ele não estava sendo "exigente demais". Você não pode esquecer que eu também tenho o papel de animador da brincadeira. Sou um vendedor de emoções que anda no fio da navalha. De um lado, tem a emoção que você tem de vender e, do outro, a realidade dos fatos. Na Copa do Mundo, mesmo que o time não tenha feito uma grande partida, tem a festa, todo aquele envolvimento das pessoas. Mas em momento algum nós dissemos que a seleção jogou um grande futebol. O que eu disse foi: a comissão técnica tomou um caminho na Copa das Confederações e acertou em cheio. Persistiu nesse caminho na Copa do Mundo e o trabalho não funcionou. O erro, pareceu-me, foi a falta de humildade de reconhecer que a Alemanha era melhor. E acabar jogando com pouca cautela. Os jogadores brasileiros choram demais? Nunca vi uma seleção que chorasse tanto. Criou-se um clima um pouco exagerado em cima desta Copa no Brasil. Acho que isso tem a ver com essa coisa do hino cantado a capela. Era emocionante mesmo. Nas primeiras vezes que ouvi, fiquei com lágrimas nos olhos. Mas não precisava ser algo levado a um nível tão extremo. Tenho minhas dúvidas se isso não abalou o emocional do time. Houve um exagero na contusão do Neymar também, aquela coisa meio fúnebre, de levar a camisa dele no jogo contra a Alemanha. Tinha visto isso na Copa das Confederações, quando morreu o jogador de Camarões, em 2003. Pode ter prejudicado também. Fala-se muito em time de guerreiros, grupo de guerreiros, mas futebol é um esporte. O Brasil criou a fama do futebol dele com arte, não com um time de guerreiros. É um momento de retomada desse caminho. Foi a Copa das Copas? Esse termo "Copa das Copas" é fruto de um interesse político que não me interessa nem me agrada. Mas foi uma Copa especial, disputada com intensidade, como poucas vezes eu vi. Teve a Colômbia, os Estados Unidos, a Costa Rica... Foi uma Copa de superações. A de 1982 talvez tenha sido, de todas de que participei, a mais fantástica, pelo time que o Brasil tinha, pelo fato de ter sido batido pela Itália. Esta foi uma Copa de muita emoção. Não vou dizer que tenha sido a mais bela ou a mais técnica. Agora virou moda dizer que o futebol brasileiro precisa mudar. Quais as mudanças necessárias, na sua opinião? No que diz respeito à seleção, acho que deve existir um gestor, um sujeito com experiência e conhecimento do futebol internacional, que saiba como se trabalha na França, na Itália, na Espanha, no Brasil. É alguém para se preocupar menos com o dia a dia e mais com os caminhos a ser seguidos. Na minha opinião, ninguém está mais bem preparado neste momento para assumir essa tarefa do que o (ex-jogador) Leonardo. É um sujeito que fala cinco idiomas, foi campeão na França e na Itália e tem formação de técnico e gestor. E, para o técnico, concorda com a tese de que ele deveria ser um estrangeiro? Não sou dessa linha. Primeiro, devemos pensar no caminho a tomar. Veja bem, eu sou um narrador e não tenho de opinar sobre nome de técnico. Cito alguns nomes agora, mas apenas como detentores de certas características, como o perfil adequado para o momento. Como técnico, você tem o Tite, o Muricy, o Abel Braga, o Luxemburgo, grandes nomes do Brasil. Vamos enfrentar uma eliminatória duríssima, talvez a mais difícil do futebol brasileiro, e por isso esse trabalho tem de ser muito bem pensado. Sem mudanças no comando da CBF, o senhor acha possível darmos um salto como deu a Alemanha a partir da derrota na Eurocopa de 2000? Tem um presidente eleito, não vejo como mudar. Isso é uma coisa muito complicada de discutir e de responder numa frase. Tivemos, todo mundo sabe, uma série de problemas na gestão do Ricardo Teixeira, que foi excessivamente longa e deixou sombras que o obrigaram a renunciar. Mas foi uma gestão com várias conquistas esportivas. Seria muito melhor que elas tivessem acontecido sem as sombras. Está respondido? Não tenho poder de decisão sobre a CBF, mas gostaria, sim, que ela se modernizasse e se modificasse. Nas redes sociais, o senhor ganhou o apelido de "Neymarzete". Acha que exagera nos elogios ao jogador? Cada um fala o que quer, mas eu não concordo. Acho até que em certos momentos critiquei excessivamente o Neymar. Casagrande e eu temos a tese de que ele deve prender a bola na área, porque lá não vão cair em cima dele. Quando o Neymar prende a bola lá atrás, toma pancada o tempo todo. Agora, ele é a nossa estrela, é quem mais brilhava, e as pessoas não podem esquecer que eu estou lá para animar o espetáculo, para vender emoções. E, para aqueles que dizem que exagero, gostaria que ouvissem narrações de locutores de outros países. Sou até contido. A atuação do Ronaldo como comentarista na Copa foi bastante criticada. Como o senhor a avalia? Essa reação é absolutamente normal. Quando o Pelé começou a trabalhar com a gente, nos anos 80, as pessoas esperavam que ele pegasse o microfone e desse o show que dava como jogador. Com o Ronaldo é a mesma coisa. Ele foi um dos maiores atacantes da história do futebol mundial. Daí, as pessoas imaginam que, como comentarista, ele vai pegar o microfone e se sair como Frank Sinatra. Não é assim, são coisas diferentes. No início da Copa, ele foi, entre nós, o primeiro a criticar a seleção de forma mais incisiva. E a Patrícia Poeta, com quem o senhor fez dupla? Ela teve um papel difícil, substituir o que a Fátima Bernardes fez em Mundiais anteriores, quando conseguiu uma empatia forte com jogadores, telespectadores. Ela foi muitíssimo bem. Preparou-se intensamente para ter domínio sobre o assunto e conseguimos fazer um contraponto da notícia com a opinião. Por isso, inclusive, o nosso espaço no telejornal foi aumentando. Ontem fui lá dar um abraço no William Bonner, porque o editor-chefe do jornal, quem pagina o jornal, é ele. E o Bonner nos deu espaço, incentivou-nos o tempo todo. O senhor está para lançar um livro de memórias... Nestes quarenta anos de carreira convivi com todos os grandes personagens do esporte brasileiro. Então, conto minhas histórias com Pelé, Ayrton Senna, Nelson Piquet, Fittipaldi, Rivellino, Zico. O senhor vai revelar alguma coisa sobre esses jogadores famosos ou sobre o piloto Ayrton Senna que até hoje ninguém ficou sabendo? O Ayrton tinha aquela cara de bonzinho, mas era muito sacana. Ele tem duas comigo que não se faz. Uma vez, fomos embarcar para Miami e ele prendeu três cadeados nas passadeiras da minha calça, sem que eu percebesse. Evidentemente, eu fui barrado no raio X. E eu dizia: "Mas como vou tirar isso daqui se não tenho a chave?". E o Ayrton falava para o americano do controle que estava me barrando: "Ele é maluco, não deixa esse louco entrar no avião". A outra vez foi no avião para o Japão. Tirei o paletó e a camisa, fiquei de camiseta, e deixei lá. Quando fui me vestir, minha camisa estava sem gola, sem botão e sem punho, que ele tinha cortado. Desci num calor danado e todo tapado com o paletó, e o Ayrton dizia para o japonês da imigração: "Manda ele tirar o paletó que você vai perceber que ele não pode entrar no país porque é maluco". Um jornalista sueco disse que, em uma entrevista no começo do mês, o senhor teria afirmado que era tão famoso quanto Bono Vox. Acha mesmo isso? Não falei aquilo em hipótese alguma. Esse rapaz escreveu um livro. Eu concordei em dar uma longa entrevista a ele. Foi ele quem ficou impressionado com o assédio em torno de mim. Isso é uma coisa que veio dele. Nem li o livro ainda. Não sou idiota de falar isso, de me comparar com quem quer que seja do tamanho de um Bono Vox. Se tivesse dito isso que ele me atribui, eu mesmo seria o primeiro a me considerar um idiota total. Em uma entrevista a VEJA em 2010, o senhor disse que a Copa de 2014 seria a sua última. Agora, renovou contrato com a TV Globo até 2019. Desistiu de se aposentar? O que eu disse foi que não me via fazendo outra Copa do Mundo fora do Brasil. E naquele momento não me via mesmo. Mas a vida é dinâmica. Não se esqueça de que nós tivemos uma mudança de gestão na Rede Globo, muito relacionada à minha área. Eu me sinto extremamente feliz hoje trabalhando. É um novo desafio. Foram-me propostas coisas novas. Cheguei à conclusão de que é o que eu gosto de fazer, o que sei fazer, é onde eu realmente me realizo. E tem uma história de quarenta anos. Enquanto me sentir bem, com saúde e em condições de fazer o trabalho, e a Globo entender que eu sou importante nesse trabalho, vou ficar. Tenho contrato até depois da Copa de 2018. Então, respondendo à sua pergunta, voltei atrás, sim. Não tenho motivos para parar agora. Então, por que parar? 1#4 CLAUDIO DE MOURA CASTRO – O HÁBITO FAZ O MONGE? Chega o eletricista, para trocar os fios. Vem de sandálias Havaianas, calça social, uma camiseta horrenda e com as ferramentas embrulhadas em jornal. Aparece o bombeiro, com camiseta igualmente espantada. Mas é obliterada pelo seu bermudão multicolorido. Faz alguns anos, chegando ao aeroporto de Bogotá, ouço o ruído ensurdecedor de uma esmerilhadora cortando um basculante. O seu operador é um clássico índio andino, mas veste terno, camisa branca e gravata, todos cobertos de limalha. Saltemos para um laboratório de psicologia experimental. Voluntários são convocados para um teste de atenção. Aleatoriamente, metade deles recebe um guarda-pó branco, com a explicação de que o laboratório estava em obras. Surpresa! Os do guarda-pó obtêm melhores resultados. No segundo experimento, com o mesmo teste, todos recebem os aventais brancos. Mas a uns se explica que são de médicos. Aos outros, que são de pintores. Nova surpresa. Quem ganhou o avental dito de médico fez mais pontos no teste. Tais estudos são conhecidos como Enclothed Cognition. É a "Teoria do Hábito Faz o Monge". De fato, diversas pesquisas, como a citada acima, estão mostrando que as pessoas têm seu comportamento afetado pelo fato de portarem uniformes, deste ou daquele tipo. Lideranças nazistas e fascistas usaram a mágica do uniforme com objetivos funestos. Em contraste, quando visitei um quartel na Alemanha, notei que os uniformes eram deselegantes e mal ajustados. Claramente, uma profilaxia contra o renascimento do nazismo. Segundo pesquisas, o uniforme condiciona o comportamento — para o bem e para o mal. Com ele, sentimo-nos diferentes e, nos casos benignos, mais comprometidos com o trabalho. Aquela roupa nos faz sentir participantes de um segmento muito especial da sociedade — qualquer que seja. Comparemos os nossos bombeiros e eletricistas com seus colegas de outros países. Nos Estados Unidos, vêm à nossa casa com jeans, botinão de couro amarelo e um cinto inacreditavelmente sobrecarregado de ferramentas. Na França, vestem todos um guarda-pó azul, o famoso bleu de travail. Na Alemanha, a cor também é azul, mas são as clássicas jardineiras. Lá, nos feriados, os membros remanescentes das corporações de ofício, se carpinteiros, exibirão um terno de veludo preto com calças de boca larga, colete, com botões de prata. Portam um chapelão preto de aba larga e uma bengala retorcida. Qualquer que seja o ofício, sem abrir a boca, todos estão bradando uma coisa só: "Vejam meu uniforme, sou um profissional e isso me dá grande orgulho!". Pelo que sugerem as pesquisas com os aventais brancos — e muitas outras —, podemos concluir que os profissionais americanos, franceses e alemães devem ser mais atentos e dedicados do que os nossos, de sandálias Havaianas e bermudão. O colombiano, grotescamente fantasiado de burocrata, é como se estivesse dizendo que aquele trabalho não é para ele. Estão sem uniforme porque não internalizaram os valores da profissão? Falta-lhes a fé, a convicção profunda na importância do que fazem? Envergonham-se de sua profissão? Não são verdadeiros profissionais, mas seres improvisados e intimidados? Se lhes fosse enfiado um uniforme, instantaneamente ficariam diferentes e melhores? Obviamente, há um pouco de tudo, fechando um círculo vicioso. É interessante notar que, nas nossas melhores empresas, os funcionários portam uniformes, mesmo na construção civil. E não é por acaso que essas empresas são mais produtivas. Aonde nos levam tais divagações? É claro, uniformes não oferecem uma fórmula certeira e automática para melhorar o desempenho de profissionais envergonhados. Tampouco será a receita para todas as profissões. Uniformes na sede do Google? A economia criativa recruta gente altamente motivada e que se delicia em vestir-se com bizarria. Mas a maneira de se vestir e trazer as ferramentas mostra o constrangimento dos nossos profissionais. A sociedade brasileira precisa decifrar esse testemunho visual e concluir que não é culpa deles, somos nós que não valorizamos o seu profissionalismo. A sua baixa autoestima é fruto do nosso menosprezo, pois sua autoimagem é construída pelas percepções que captam da sociedade. claudiodemouracastro@positivo.com.br CLÁUDIO DE MOURA CASTRO é economista 1#5 MAÍLSON DA NÓBREGA – TOLERÂNCIA À INFLAÇÃO A inflação, medida pelo IPCA, rompeu o teto da meta (6,5%). No acumulado em doze meses, atingiu 6,52% em junho. Não fosse a repressão aos preços de combustíveis, energia elétrica e outros, chegaria pelo menos a 8%. Entre os 26 países que adotam o regime de metas para a inflação, somente três exibem número pior: Gana, Indonésia e Turquia. Nos governos do PT, a característica tem sido a tolerância com a alta de preços, salvo quando Antonio Palocci era o ministro da Fazenda (2003-2006). A partir dos anos 1950, o Brasil se notabilizou como o país mais tolerante à inflação. Preferimos conviver com seus efeitos a combater suas causas. Prevalecia a visão equivocada de que um pouco de inflação ajudaria o desenvolvimento. Renegavam-se as políticas de estabilização, alegando o custo, mesmo que temporário, da queda da produção e do emprego. A esquerda inventou a expressão "arrocho salarial" para definir o efeito da terapia. É como se fosse possível curar uma bebedeira com mais pileques. A alta inflação promoveu naturais movimentos de defesa via indexação de preços e salários. Após breve redução entre 1965 e 1973, a alta dos preços retomou a marcha ascendente, somente interrompida pelo Plano Real. De tão entranhada, a indexação nos trouxe outra distinção: a economia na qual os remédios antiinflacionários tradicionais — políticas monetárias e fiscais mais austeras — causavam custos sociais insuportáveis. Daí o recurso a meios não convencionais, como o congelamento de preços — que fracassou — e, depois, o brilhantismo da URV do Plano Real, que assegurou a transição para uma economia estável, e de indexação branda e de maior prazo, como ocorre onde se leva a estabilidade a sério. De 2007 em diante, a tolerância à inflação voltou à cena. A meta foi mantida teimosamente em 4,5%. Mais, o teto fixado (6,5%) tornou-se a própria meta. Em vez de buscar os 3% característicos dos países emergentes (2% no Peru), retornamos à velha cantilena de que é possível crescer mais com mais inflação. Em maio, a presidente Dilma descartou veementemente os 3%. Para ela, essa meta elevaria o desemprego para 8,5% ou mais. Nos países vizinhos onde vigora tal meta, as taxas de desemprego e crescimento do PIB são melhores do que as nossas. Por causa dessa renovada tolerância e da provável influência política nas decisões do Banco Central, a inflação do Brasil tem sido muito alta. Se o IPCA de 2014 ficar nos 6,5% (talvez mais), a inflação acumulada nos doze anos de governos petistas terá atingido cerca de 100%. Se a meta de 4,5% fosse cumprida, o acumulado seria 69,6%. Caso valesse a meta de 3%, o IPCA teria ficado em 42,6%. Não vale comparar com períodos anteriores, nos quais prevalecia uma situação completamente distinta da atual. O Brasil comprova a tese de que taxas de inflação persistentemente altas estimulam a indexação, que, vale repetir, é uma natural estratégia defensiva. Tornou-se comum reivindicar reajustes salariais superiores a 10%, às vezes a 20% e até mais. Estudos da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) detectaram a volta do temido gatilho salarial em acordos e convenções entre empresas e trabalhadores. Como afirmou o professor Hélio Zylberstajn, "a expectativa sobre o nível de inflação futura está crescendo nas mesas de negociação. Já assistimos a esse filme nos anos 80/90. Uma reprise não seria agradável". O FMI examinou a inflação em 26 países que adotam o regime de metas e outros cinco. O Brasil é o que exibe a maior persistência de inflação. Nos países onde esse fenômeno acontece, o custo de trazer a inflação para a meta é mais alto. Tal custo, definido como "taxa de sacrifício", significa mais desemprego e menos produção. Nessas circunstâncias, as expectativas quanto à inflação futura — e assim o ambiente para a indexação e os gatilhos — se tornam cada vez mais negativas. Fica mais difícil aumentar o potencial de crescimento econômico. É chegada a hora de abandonar a tolerância à inflação. Nada diz que o Brasil não possa caminhar para uma meta anual de 3%. A experiência mundial prova que o desenvolvimento é mais factível com baixa inflação. Não o contrário, como o atual governo parece acreditar. MAÍLSON DA NÓBREGA é economista 1#6 LEITOR DILMA E A COPA DE 2014 A Copa de 2014 nos deixa um legado que retrata o Brasil neste início de século: mau planejamento, mentiras, corrupção, superfaturamento, obras inacabadas e um total desrespeito com o povo que banca a conta. É hora de acordar desse pesadelo e mudar o nosso rumo. Sigamos o exemplo da Alemanha, a começar pelo que deixaram no sul da Bahia ("O bom e o mau humor", 16 de julho). ALBERTO NEPOMUCENO LIMONGI Guaratinguetá, SP Espero que a ideia de criar a Futebrás, uma nova estatal para reformular o futebol, seja somente mais um arroubo momentâneo dos constantes equívocos do governo federal. MARCOS A.L. SANTANA Palmas, TO Tenho 68 anos e o 7 sempre foi um número especial para mim. Em sua reportagem, o jornalista Carlos Maranhão diz que "é inevitável que o 7 vire sinônimo de maldição...". Prefiro acreditar na beleza do 7, em sua magia, seu colorido, sua fantasia. Não vamos sucumbir a uma derrota humilhante e destinar um número tão simpático a um futuro tenebroso. MARIA KATSUKO TAKAHARA KOBAYASHI Campinas, SP Foi uma goleada da democracia. O desgoverno sonhava em utilizar o hexacampeonato com objetivo eleitoral. ANTONIO JOSÉ FERNANDES VALE JÚNIOR São Luís, MA Certamente, seremos um país muito melhor quando o patriotismo durar 365 dias no ano e a indignação do nosso povo com o malfeito na política, com as injustiças e com a corrupção for igual à que se vê em uma derrota da seleção. GUILHERME AUGUSTO BARUCKE MARCONDES Santa Rita do Sapucaí, MG A histórica derrota de 7 a 1 que a seleção brasileira sofreu no Mineirão para a Alemanha deve ser lembrada como o dia em que a realidade arrasou a ilusão. MARCUS DE MEDEIROS MATSUSHITA Barretos, SP Não é só o futebol que precisa de reformas. Há muito mais que fazer pelo Brasil! JORGE LUIZ BALDASSO Dourados, MS A verdadeira goleada de 7 a 1: inflação de 7% e crescimento de 1%. SÉRGIO PIMENTA NETO Belo Horizonte, MG O caminhão alemão de placa ALE 0701 esmagou o Fusquinha — que deu "PT", perda total. EDUARDO SABEPOTTI BREDA Curitiba, PR Felipão disse que, com os jogadores da seleção de 2014, iria até o inferno. E foi. MARIANA DAVANSO PROENÇA Londrina, PR Depois dos vexames na Copa, que 'nunca antes aconteceram neste país', só nos resta trocar toda a equipe e arrumar a casa. JOSÉ ETULEY BARBOSA GONÇALVES Ribeirão Preto, SP J.R. GUZZO No artigo "Com muito orgulho" (16 de julho), J.R. Guzzo conseguiu expressar meus pensamentos. É apenas uma partida de futebol... Infame, mas simplesmente isso! RODOLPHO MESTRE LEMOS Campo Grande (MS), via tablet Sejamos adultos! Nem a vitória significa superioridade sobre todos os demais povos do mundo nem a derrota nos reduz a pó. Sua mensagem, meu caro Guzzo, é como sempre lapidar! ÁLVARO PINTO DE AGUIAR JR. São Paulo, SP LYA LUFT Obrigado, Lya Luft, por traduzir de forma tão clara os meus sentimentos com relação à estúpida Lei da Palmada ("A casa invadida", 16 de julho). Até quando o governo vai se intrometer em nossa vida privada? E até quando psicólogos da nossa geração vão alimentar essa falácia de que estamos criando crianças complexadas por exercer disciplina (a disciplina correta, entenda-se)? Estamos, sim, criando uma geração de pessoas sem limites, sem capacidade de enfrentar problemas. SVEN PENNER Curitiba, PR Sempre admirei os textos de Lya Luft, mas "A casa invadida" me decepcionou. A escritora coloca a Lei da Palmada como uma forma de intromissão do Estado em nossas vidas e não cita vantagens que a lei pode trazer. Em um texto que traz implícita a defesa da forma atrasada e absurda de educar com violência doméstica, a autora demonstra ser a favor de os pais poderem escolher se vão ou não bater em seus filhos e parece desconhecer, ou ignora, como a lei pode ajudar nos casos de pais que agridem os filhos com cabo de vassoura, mangueira, entre outros objetos, deixando marcas profundas no adulto do futuro. CARLOS ALBERTO ALVES DE SOUZA São Paulo, SP Existem violências ocultas que podem ser cruéis, e não as contabilizamos como tal. Estas têm consequências mais relevantes que uma palmada. Sou psicóloga e tenho me impressionado com a falta de atenção a pequenos atos que trazem grandes consequências, como a negligência infantil. Ao contrário do que se imaginava, mesmo em lares que aparentam ter boas condições de vida podemos encontrar atos assim. Em muitos casos, são lares em que o dinheiro não pode comprar aquilo de que as crianças mais precisam. Muitos desses pequenos não desenvolvem a capacidade de empatia com o outro. Parecem crianças frias, ou que não sabem a diferença entre o certo e o errado simplesmente porque não aprenderam. É preciso que alguns pais se conscientizem de que eles são os responsáveis pelo afeto, pela segurança e pelo aprendizado de seus filhos, especialmente na fase da infância em que a dependência é total. FABIANE GORI CURVO Rio de Janeiro, RJ Para quem não acredita no abuso da lei: numa noite de inverno em 2010, minha casa foi invadida por um policial que dizia estar atendendo à denúncia de um vizinho. Minha filhinha preciosa (Carol, de 2 aninhos) não parava de chorar, justo às 3 da manhã (quando o vizinho queria dormir). Na concepção do vizinho, uma criança chorando de madrugada estava sofrendo maus-tratos. Enfim, o policial se desculpou do exagero e nem fez anotações em seu caderno de trabalho. CARLOS DE MOURA LIMA São Pauto, SP JAMES ROBINSON VEJA mais uma vez nos brinda com uma entrevista muito boa — com o economista inglês James Robinson ("Um país sem intocáveis", 16 de julho) — que todos os brasileiros deveriam ler, principalmente os políticos que não mudam diante de uma sociedade que evolui, apesar de tudo. ROMÁRIO VARGAS Vitória, ES O título da entrevista com James Robinson deveria ser: "Um país intocável para estrangeiros". Dizer que o Brasil vive uma democracia madura, que há fortalecimento das instituições, que em um projeto de visão a longo prazo o país está na direção correta, que é questão de pouco tempo para os políticos deixarem seus interesses pessoais e lutarem pelo bem comum, além de ser uma visão simplista e baseada somente em dados, e não em vida vivida e sofrida, é extremamente fácil para um professor de Harvard. Difícil mesmo é ser brasileiro e ver que números e análises de pessoas que talvez nunca estiveram com o povo brasileiro nem a longo prazo revelam o Brasil que temos e que queremos. ALEXANDRA MARA CRUZ LAGE Vitória, ES PALESTINOS VERSUS ISRAELENSES Sensacional a reportagem "Morto para proteger o Hamas" (16 de julho), sobre a situação no Oriente Médio. Até essa edição da revista, quem não estava a par dos acontecimentos tinha a ideia errada do que ocorre em Gaza. A reportagem de VEJA foi esclarecedora. Parabéns por informar corretamente os fatos, ao contrário de outros veículos de comunicação que deturpam notícias. NOEMI TETNER São Paulo (SP), via tablet VEJA merece parabéns. É o único órgão de imprensa que trata a questão Hamas- Israel de forma verdadeira, sem medo de dizer que se trata de um grupo terrorista e que usa civis como escudo humano. E também é a única a falar a verdade sobre a política brasileira. Obrigada! RENATA KAC São Pauto (SP), via tablet PAPA FRANCISCO Louvável a postura do papa Francisco ao se pôr no lugar de quem sofreu abuso do clero católico ("Francisco pede perdão", 16 de julho). Penso que o papa deveria condenar a omissão de mães, tias, avós, irmãos que se calam quando maridos, filhos, pais ou irmãos promovem atos selvagens. VIVIANE CABRAL Vitória (ES), via tablet Correção: no Ensaio de Roberto Pompeu de Toledo desta edição, na página 114, por um erro de revisão, a palavra "expectativa" está grafada incorretamente. PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação, VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP: Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até 3 quarta-feira de cada semana. 1#7 BLOGOSFERA EDITADO POR DANIEL JELIN daniel.jelin@abril.com.br COLUNA REINALDO AZEVEDO DIFÍCIL EQUAÇÃO O presidenciável do PSB, Eduardo Campos, insiste numa equação que me parece quase impossível, cuja síntese poderia ser esta: o lulismo era bom: aí veio a presidente Dilma Rousseff e estragou tudo. www.veja.com/reinaldo RADAR LAURO JARDIM ACABOU O CASTIGO O deputado que fez Xuxa chorar voltou a integrar a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. O pastor Eurico (PSB-PE) havia perdido a cadeira no colegiado como punição pelo lamentável episódio, www.veja.com/radar VEJA MERCADOS GERALDO SAMOR FIM DE UMA ERA Os filhos de Abílio Diniz venderam suas últimas ações da Companhia Brasileira de Distribuição — mais conhecida como Grupo Pão de Açúcar —, fundada pelo pai de Abílio, Valentim Diniz, em 1948. www.veja.com/vejamercados ESPELHO MEU LÚCIA MANOEL BRINCANDO COM O SOL Uma campanha publicitária espanhola, premiada no festival de publicidade de Cannes, explica de forma bem-humorada os malefícios do sol e serve de alerta para quem não se protege dele. www.veja.com/espelhomeu CIDADES SEM FRONTEIRAS A CIDADE-AEROPORTO Em 2011, o americano John Kasarda, professor da Universidade da Carolina do Norte, lançou o livro Aerotropolis: The Way We'll Live Next, sobre a crescente importância dos aeroportos para as cidades. Segundo ele, há casos em que eles têm tamanha influência que se tornam até mais relevantes do que a cidade onde se localizam. Passados três anos da publicação da obra de Kasarda, sua tese está mais viva do que nunca. Metrópoles do mundo todo apostam na ampliação de terminais e de fluxo de passageiros como forma de aumentar seu peso no cenário mundial. Um bom exemplo é Dubai, que tem o terminal mais movimentado do mundo — que Kasarda descreve como "um aeroporto com um emirado anexo". www.veja.com/cidadessemfronteiras SOBRE PALAVRAS POR UM TRIZ A origem da palavra triz, que significa "quase nada, algo ínfimo, insignificante", não é pacífica. A tese mais aceita vai buscá-la no grego thríks, "fio de cabelo". O estudioso brasileiro Luís da Câmara Cascudo oferece uma sustentação histórica para a popularidade de triz. A expressão "por um triz" faria referência a uma anedota difundida pelo escritor e político romano Cícero. Depois de louvar a vida luxuosa de Dionísio de Siracusa, um certo Dâmocles ouviu do tirano uma proposta insólita: que trocassem de lugar. O poder passou, assim, a Dâmocles, mas com um detalhe perturbador: uma pesada espada estava sempre pairando sobre sua cabeça, presa apenas "por um fio de crina de cavalo". www.veja.com/sobrepalavras QUANTO DRAMA SEM NOVELA Entre todos os elogios que podem ser feitos ao remake de O Rebu, que estreou nesta segunda-feira (14) na Globo, o maior é a constatação de que a "nova novela das 11" não é uma novela. Pouco restou do folhetim sessentão brasileiro na releitura proposta pelos autores George Moura e Sérgio Goldenberg para a história escrita por Bráulio Pedroso em 1974. Filmada com o que há de melhor no mercado audiovisual (o sistema 4K) numa locação suntuosa (o palácio Sans Souci, em Buenos Aires), a nova produção tem um elenco dos sonhos, figurinos belíssimos e trilha sonora envolvente. Mas seu maior trunfo é, sem dúvida, a decisão de reduzir a trama a apenas 36 capítulos. www.veja.com/quantodrama • Esta página é editada a partir dos textos publicados por blogueiros e colunistas de VEJA.com ___________________________________ 2# PANORAMA 23.7.14 2#1 IMAGEM DA SEMANA – MORANDO COM O INIMIGO 2#2 DATAS 2#3 HOLOFOTE 2#4 CONVERSA COM SUZY PIANISTA – GATONA DO TECLADO 2#5 NÚMEROS 2#6 SOBEDESCE 2#7 RADAR 2#8 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – MORANDO COM O INIMIGO A vida como bucha de canhão: bombas de um lado e vizinho hostil de outro. A primeira lei do Oriente Médio é clara: tudo o que pode piorar, piora. Foi o que aconteceu com a vida do 1,5 milhão de habitantes da Faixa de Gaza. Durante dez dias, o governo de Israel tentou evitar uma invasão por terra do território de onde partem chuvas de foguetes contra o país, não por piedade ou hesitação, mas porque a considerava perigosa para os interesses nacionais. O desdobramento da reação aos ataques do Hamas inevitavelmente aumenta o número de mortos entre a população de Gaza, mais de 200 só durante a campanha aérea, e com isso a hostilidade de vários estamentos da opinião pública internacional. Israel também tem de arcar com um custo humano mais pesado do que a única vítima civil que havia sofrido até então, uma exceção no escudo invisível propiciado pelo sistema que derruba quase 90% dos foguetes dirigidos a lugares habitados (os outros, o algoritmo deixa passar). Muitos moradores de Gaza celebram a quantidade e o alcance desses foguetes, mas a realidade é implacável. De um lado, têm Israel, um inimigo quase invulnerável por causa do escudo tecnológico. Acima, têm líderes que os usam declaradamente como escudos humanos — no último exemplo, foram descobertos vinte mísseis numa escola da ONU. E do outro lado está o Egito, que voltou a ser governado por um regime que execra o Hamas. No interregno em que os extremistas da Irmandade Muçulmana controlaram o Egito, a fronteira entre os dois países funcionou como rota de abastecimento de armas e outros recursos. Voltou a ser fechada, e a linha oficial agora é propalada por comentaristas egípcios que acusam o Hamas de arriscar a própria população, enquanto seus chefes no exílio "ficam em hotéis, à beira da piscina ou numa praia nudista, comendo de tudo, casados com quatro esposas". Propaganda, sim. Mas com alguma dose de razão. VILMA GRYZINSKI 2#2 DATAS MORRERAM Nadine Gordimer, escritora sul-africana, prêmio Nobel de 1991 e uma das intelectuais mais expressivas que se bateram contra o apartheid no país. Integrou os quadros do Congresso Nacional Africano, partido pelo qual Nelson Mandela se elegeria presidente em 1994, e, desse modo, tornou-se próxima do líder máximo da luta contra a segregação racial na África do Sul. Escreveu mais de vinte obras, entre as quais se destacam Face to Face — volume de contos que marcou sua estreia, em 1949 —, O Conservador e De Volta à Vida. Nascida na cidade mineira de Springs, em uma família judia, Nadine não considerava o fim do regime segregacionista como sinônimo da plena conquista da democracia racial em seu país. Assim, seu derradeiro romance, O Melhor Tempo É o Presente, conta a história de um casal de ex-ativistas anti-apartheid que avalia a possibilidade de deixar a África do Sul, inconformado com as desigualdades que persistiam por lá. Dia 13, aos 90 anos, em Johannesburgo. Lorin Maazel, maestro franco-americano que comandou orquestras de alta patente como a Filarmônica de Nova York, a Sinfônica da Rádio da Baviera e a Ópera de Viena. Ele tinha meros 11 anos quando conduziu um ensaio da orquestra da rede NBC. Furiosos, os instrumentistas o recepcionaram chupando pirulito — mas recuaram quando o menino-maestro interrompeu a orquestra para corrigir uma nota errada. Ainda criança, Maazel já exibia qualidades que o iriam acompanhar por toda a sua brilhante carreira: o ouvido absoluto, a regência precisa e cerebral e o pulso firme. Dono de uma memória excepcional, regia de cor, sem o apoio da partitura. Era também compositor: criou peças para violoncelo, uma adaptação instrumental de O Anel do Nibelungo, de Richard Wagner, e a ópera 1984, baseada no romance de George Orwell. Em 2002, organizou um concurso para novos talentos ao redor do mundo que já teve entre os finalistas a chinesa Xian Zhang e o venezuelano Gustavo Dudamel. Dia 13, aos 84 anos, de complicações decorrentes de uma pneumonia, na Virgínia. Johnny Winter, guitarrista e cantor americano de blues, um dos destaques do festival de Woodstock (1969). Nascido no Texas, gravou perto de quarenta discos e conquistou três vezes o Grammy como produtor de Muddy Waters, ícone do blues. Seu nome figurou na lista dos 100 maiores guitarristas da história elaborada pela Rolling Stone. Esteve aqui em 2010 e voltaria em outubro. Dia 16, aos 70 anos, em Zurique. Armando Marques, árbitro brasileiro nas Copas de 1966 (Inglaterra) e 1974 (Alemanha) e ex-presidente da Comissão Nacional de Arbitragem — deixou o cargo em 2005, após o escândalo da máfia do apito. Carioca, teve a carreira marcada por um erro histórico. Na decisão do Campeonato Paulista de 1973, encerrou a disputa de pênaltis em que o Santos vencia por 2 a 0 sem considerar que o adversário, a Portuguesa, ainda poderia empatar. O equívoco levou a federação a determinar a divisão do título entre as duas equipes. Dia 17, aos 84 anos, de insuficiência renal, no Rio. Alice Coachman, a primeira mulher negra a ganhar o ouro olímpico — venceu no salto em altura nos Jogos de Londres, em 1948. Durante as homenagens em sua cidade natal, Albany, o prefeito, branco, não apertou sua mão. Dia 14, aos 90 anos, de complicações respiratórias, em Albany. 2#3 HOLOFOTE • Ministro subalterno O deputado Ricardo Berzoini passou por altos e baixos ao longo dos doze anos de poder do PT. No governo Lula, foi ministro da Previdência, do Trabalho e presidente nacional do partido até ser abatido no escândalo dos "aloprados" e mergulhar num longo ostracismo. Resgatado no início do ano pela presidente Dilma, ele ocupa o cargo de ministro de Relações Institucionais, teoricamente o responsável pela coordenação política do governo. O deputado, porém, tem reclamado muito. Conta que seu trabalho é permanentemente sabotado por Aloizio Mercadante, o chefe da Casa Civil, a quem responsabiliza por diversas trapalhadas políticas e por reduzi-lo à condição de "ministro-garçom". Berzoini anota pedidos. Só. • Em família A jornalista Andrea Neves nunca ocupou um posto formal nas campanhas políticas do seu irmão, Aécio Neves (PSDB), embora sempre esteja na linha de frente das principais decisões. É ela quem escala ou veta profissionais de comunicação. Em 2013, insatisfeita com as estratégias de marketing, trocou toda a equipe da área. Na semana passada, sua influência na campanha tornou-se maior. O marido de Andrea, Luiz Márcio Pereira, foi confirmado como um dos responsáveis pela organização da agenda do tucano. AMAZONAS • Líder desprestigiado As alianças políticas de conveniência já começam a implodir em alguns estados. Eduardo Braga (PMDB), líder do governo no Senado, está muito irritado com seus novos parceiros. Líder também nas pesquisas, o senador montou uma chapa com o PT. Ele é candidato ao governo do Amazonas e escolheu o petista Francisco Praciano para disputar a vaga ao Senado. A Executiva Nacional do PT, no entanto, decidiu melar o acordo e intervir no diretório estadual. A cúpula do partido quer se juntar ao principal adversário de Eduardo Braga — o atual governador, José Melo (Pros). O senador já identificou digitais muito claras de gente importante do Palácio do Planalto nesse movimento e promete reagir. SÃO PAULO • Só confetes... Em seu terceiro mandato no Senado Federal, Eduardo Suplicy (PT-SP) é o campeão em proposição de matérias sem importância na Casa. De acordo com levantamento da ONG Transparência Brasil, 106 (73% do total) das 144 matérias propostas pelo senador são totalmente "irrelevantes". A organização analisa a produção legislativa de deputados e senadores desde 2003. Durante o período, Suplicy apresentou 104 propostas de homenagem e duas de sessão solene. O petista, que tentará o seu quarto mandato consecutivo em outubro, está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, logo atrás do ex-governador José Serra (PSDB). • De braços cruzados O PT disputará a corrida presidencial desfalcado de um de seus articuladores - e não se trata de José Dirceu, que cumpre pena no processo do mensalão. Ministro da Fazenda no governo Lula e chefe da Casa Civil na gestão Dilma Rousseff, Antonio Palocci não comandará, nem nos bastidores, a arrecadação de contribuições para a campanha. A amigos, disse que quer continuar fora de cena e se preservar. Ele também revelou mágoa da presidente da República e de alguns dirigentes petistas, que não teriam lhe dado o apoio necessário para continuar no Planalto depois da revelação de que seu patrimônio crescera vinte vezes entre 2006 e 2010. O governo já sentiu os efeitos do desembarque de Palocci. Os produtores de álcool sediados em Ribeirão Preto (SP), cidade que foi administrada duas vezes por Palocci, abandonaram a campanha de Dilma à reeleição. 2#4 CONVERSA COM SUZY PIANISTA – GATONA DO TECLADO A dentista Rita Tibes largou o consultório, o nome de registro e as roupas para tocar piano, seminua, no YouTube. Qual é a sua formação como pianista? Fiz aula de piano com professores particulares por 25 anos. Comecei uma faculdade de música, toquei na orquestra da universidade e até era da panelinha dos eruditos. Mas me formei em odontologia porque a música não dá dinheiro. Qual profissão é mais difícil? Pianista. As orquestras tocam da mesma maneira desde o século XVII. Ninguém mais tem paciência para passar duas horas vendo um concerto. Toca peças difíceis, como os Estudos de Chopin? Claro. E quebrei a cabeça durante oito meses para aprender um estudo de Rachmaninoff. Mas o que dá audiência é o popular. Meu vídeo mais visto é uma música da cantora Adele. Maestros exageram sua própria importância? Eles são o fundamento da orquestra, mas é injusta a falta de destaque dos instrumentistas. Muitos ficam ressentidos. Eu não. Quero ser uma pianista pop e conquistar a massa. Por que tirar a roupa? Fazer protesto, teatro e filme com seio de fora é arte, mas tocar piano, não? Para quem gostaria de dar uma aula de piano? Chico Buarque. Ele é um músico maravilhoso, e se me passasse umas cantadas... 2#5 NÚMEROS 7 dos 36 presidentes que o Brasil teve ao longo de sua história republicana foram vices que assumiram o cargo: Floriano Peixoto, Nilo Peçanha, Delfim Moreira, Café Filho, João Goulart, José Sarney e Itamar Franco. 9 dos 44 presidentes americanos foram vices alçados ao cargo por morte ou renúncia dos primeiros ocupantes. A proporção é de 20%, equivalente à brasileira. 20 anos - ou 16% do tempo que se passou desde a proclamação da República - é o resultado da soma dos períodos em que o Brasil foi governado por vices. 1827 dias durou o mandato de José Sarney, o vice tornado titular que ficou mais tempo no posto. 500 dias, ou um ano e quase cinco meses, é o resultado da soma dos períodos em que José Alencar, o vice que mais governou sem assumir em definitivo, ocupou a Presidência na ausência de Luiz Inácio Lula da Silva. 2#6 SOBEDESCE SOBE • Hospitalidade seletiva - Ao contrário dos demais dirigentes que vieram para as reuniões de cúpula, o ditador de Cuba, Raul Castro, em vez de ficar em um hotel, hospedou-se na Granja do Torto - onde aproveitou para receber o colega Nicolás Maduro, da Venezuela. • Bispas - A Igreja Anglicana aprovou a ordenação de mulheres no prelado, rompendo uma tradição de quase 2000 anos. • Carro usado - Enquanto a venda de veículos novos caiu 7,3% no primeiro semestre, a de usados teve alta de 4,6%. DESCE • Propriedade privada - O MTST invadiu terrenos e prédios em São Paulo. Autoridades municipais e estaduais reagiram com a apatia costumeira. • Microsoft - Depois de comprar a Nokia, o gigante da tecnologia anunciou que demitirá 18.000 funcionários até 2015, o equivalente a 14% do seu quadro. • PIB - Novos indicadores da atividade econômica reforçaram previsões de que o PIB não deve crescer mais que 1% neste ano. 2#7 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • PROPAGANDA EU SOU O MÁXIMO 1 Em maio e junho, os governos estaduais e o federal abriram as torneiras para uma enxurrada de campanhas publicitárias que apregoavam suas espetaculares realizações. Eram os dois últimos meses permitidos pelo TSE para propaganda governamental, que só volta após as eleições. Aos números: de acordo com um levantamento inédito do Ibope Media, em maio o governo Dilma investiu 379,7 milhões de reais em propaganda, 97% a mais do que no mesmo período do ano passado. Em junho, foram 417 milhões de reais, 93% acima do que foi desembolsado em junho de 2013. EU SOU O MÁXIMO 2 Os governos estaduais não ficaram atrás. Em maio, gastaram 163 milhões de reais em anúncios (um volume 54% superior ao de maio de 2013). No mês passado, foram 196 milhões de reais — ou 130% a mais do que foi gasto em junho de 2013. • ELEIÇÕES PRESIDÊNCIA MONITORADA? Virou uma espécie de palavra de ordem de Lula em suas últimas conversas privadas, tanto com empresários quanto com petistas: ele vai "entrar de cabeça" para tentar reeleger Dilma Rousseff, mas, em compensação, não a deixará solta num segundo mandato. Vai monitorar de perto seu governo. RAINHA DA INGLATERRA, NÃO Michel Temer surpreendeu vários de seus pares - e até Dilma Rousseff - ao reassumir a presidência do PMDB, da qual se licenciara quando tomou posse na Vice-Presidência da República, em 2011. As explicações para o seu retorno foram tão convincentes como a seleção na Copa. Por que Temer voltou? Para não perder o comando do partido. Sem o seu conhecimento, o presidente interino Valdir Raupp e Renan Calheiros negociaram com Rui Falcão uma ajuda em torno de 40 milhões de reais que o PT repassaria a cinco senadores peemedebistas que, coligados ao PT, disputam eleições em outubro. Temer quer que esse tipo de negociação passe por ele. Sua intenção é dividir parte desse butim com os deputados do partido candidatos à reeleição. A VOLTA DO MACACO Para conseguir produzir algum barulho nas eleições e na falta de ideias melhores, o nanico PHS resolveu reviver o célebre Macaco Tião, animal do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro que recebeu 400.000 votos na eleição para prefeito da cidade em 1988. O PHS lançará candidatos a deputado federal em nove estados com "Macaco Tião" antes do nome do candidato. Desses, oito são mulheres. Macaco Tião William, que tentará seduzir o eleitorado mineiro, é o único homem a assumir a identidade eleitoral de Tião. GRANA ESCASSA Por causa da polarização entre Dilma Rousseff e Aécio Neves, Eduardo Campos está com dificuldade de conseguir financiamento adequado para sua campanha. TOQUE DE MIDAS 1 O notório Leonardo Quintão (PMDB-MG) viu seu patrimônio crescer quase sete vezes nos últimos quatro anos. Em 2010, declarou à Justiça Eleitoral bens que somavam 2,6 milhões de reais. Candidato à reeleição, agora Quintão informou ao TSE possuir 17,8 milhões de reais. Segundo o deputado, parte desses muitos milhões a mais foi herdada de sua mãe, que morreu em 2013. Mas recusa-se a informar quanto. TOQUE DE MIDAS 2 Quintão mantém em dinheiro vivo o valor equivalente a tudo o que tinha quatro anos atrás, ou seja, 2,6 milhões de reais. A propósito, o que faz uma pessoa ter tantos milhões de reais em espécie, seja dentro do colchão, seja na conta-corrente? • BRASIL UM PAI TRANSTORNADO A CPMI da Petrobras anda meio devagar, controlada pelo governo, mas pode trazer emoções extras. Deputados e senadores da oposição conseguiram convocar as irmãs Shanni e Ariana Costa para depor. Quem são? Filhas do notório Paulo Roberto Costa. Trabalhavam com ele. A convocação deixou Paulo Roberto transtornado. ÂNIMO BELICOSO Fernando Fernandes, o ex-advogado de Paulo Roberto Costa, está em briga com o ex-cliente. Notificou-o, exigindo a remuneração a que julga ter direito. Costa, por sua vez, diz que o contrato previa uma taxa de êxito, e não há o que pagar. Quem conhece as entranhas dessa briga e o ânimo belicoso do advogado vê nela componentes que podem ser explosivos para o caso. • PETROBRAS APORTE BILIONÁRIO O governo está recorrendo ao Fundo de Investimento do FGTS (FI-FGTS) para dar andamento a obras da Petrobras. Na quarta-feira passada, o comitê de investimentos do fundo analisou um aporte de 2,5 bilhões de reais para obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, o Comperj, que serão feitas por um consórcio liderado por Odebrecht e UTC. O mesmo pedido já fora negado em 2013. Acaba de ser reapresentado. CASA DE PRAIA José Sérgio Gabrielli já tem onde refrescar a cabeça das denúncias que envolvem a sua gestão na Petrobras: acaba de desembolsar 650.000 reais por uma casa de veraneio com 154 metros quadrados, varandas, dois quartos e suíte num condomínio fechado em Itacimirim, no litoral da Bahia. • ECONOMIA TODO OUVIDOS Nelson Barbosa, ex-número 2 de Guido Mantega na Fazenda, é hoje um assíduo interlocutor de Lula. CONCORRER COMO? O custo Brasil dá as caras em todos os lugares — inclusive nos céus. As empresas aéreas americanas, por exemplo, pagam 44% menos do que as brasileiras pelo querosene de aviação. Culpa dos impostos. • LIVROS MENOS LITERATURA Despencaram as compras de obras literárias pelo Ministério da Educação, segundo pesquisa que será divulgada na semana que vem pela Fipe/USP. No ano passado, o governo federal gastou 83 milhões de reais para adquirir 14 milhões de livros não didáticos — em 2012, foram investidos 109 milhões de reais em 18 milhões de exemplares. • MÚSICA NOVOS TEMPOS As vendas digitais de música ultrapassaram as físicas pela primeira vez na história do mercado fonográfico brasileiro entre janeiro e junho. A receita com CDs e DVDs alcançou 46% do faturamento da indústria contra 54% de vendas com downloads, streaming e celulares. Dentro do segmento físico, Marisa Monte foi a artista que mais vendeu CDs no primeiro semestre. Já entre os DVDs, a liderança ficou com a incansável Galinha Pintadinha — que superou inclusive Ivete Sangalo. 2#8 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “No futebol, como na política, é ruim viver sonhando, e sempre é preferível — embora seja doloroso — ater-se à verdade.” - MÁRIO VARGAS LLOSA, escritor peruano, Nobel de Literatura, em artigo sobre o Brasil. “Brasileiros sempre choram. Toca o hino? Choram. Eliminam o Chile? Choram. Perdem para a Alemanha? Choram. O que eles devem mostrar é que são homens e que são fortes.” - LOTHAR MATTHÄUS, capitão da seleção alemã campeã do mundo em 1990, num balanço, para o francês Lê Journal du Dimanche, da participação do Brasil na Copa de 2014. “Eu admito que, quando fiz a traqueostomia (em 1985), tentei cometer suicídio, procurando não respirar.” - STEPHEN HAWKING, físico inglês, em entrevista à BBC; ele sofre de esclerose lateral amiotrófica, doença neurodegenerativa que afeta as atividades musculares voluntárias. “Para se defender, Lula ataca. Jamais se explica, sempre acusa. Acostumado a atirar pedras, Lula é incapaz da autocrítica.” - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, ex-presidente da República (PSDB), no site Observador Político. “Eu não leio Fernando Henrique.” - LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, ex-presidente da República (PT), ao ser indagado sobre as críticas de FHC, durante um evento em São Paulo. “Os que dizem que o homossexual é doente são os que estão doentes.” - RAUL VERA, bispo de Saltillo (México), no diário espanhol El País. “Muitos estudantes abusam dos telefones celulares ao assistir a filmes obscenos e ouvir músicas vulgares que poluem sua mente.” - BINAY BIHARI, ministro para Arte, Cultura e Juventude do estado indiano de Bihar, atribuindo ao uso de smartphones uma das causas da onda de estupros em que o país vive mergulhado, segundo relato do jornal India Times. “Existem muitas mulheres comprometidas (com a política) na Colômbia. Mas, além da questão do gênero, acho que o compromisso social é a coisa mais importante para um líder político.” - SHAKIRA, cantora colombiana, em O Estado de S. Paulo. “Não posso fazer um filme sobre (...) o que acontece no mundo? Devo fazer só filmes sobre o Pato Donald?” - ABEL FERRARA, cineasta americano, falando à Folha de S.Paulo a respeito do longa Bem-Vindo a Nova York, inspirado na história do francês Dominique Strauss-Kahn, ex-diretor do FMI, acusado de violentar uma camareira; DSK anunciou que processaria o cineasta e os produtores. “Sim, não estou brincando.” - PATRICK SENSBURG, chefe do Bundestag, o Parlamento alemão, ao confirmar, no programa de TV Morgenmagazin, que seu país cogita voltar a usar máquinas de escrever para redigir documentos sigilosos, após os escândalos envolvendo agentes duplos. “Se o professor fizer uma pergunta em sala de aula cuja resposta possa ser achada no Google, a pergunta estará errada.” - JOHANA GAGNER, responsável pela área de desenvolvimento escolar da Young Business Creative (YBC), instituição de ensino sueca, em O Globo. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto da derrubada do Boeing 777, com 298 pessoas a bordo, na fronteira da Ucrânia com a Rússia “Contra a estupidez, os próprios deuses lutam em vão.” - FRIEDRICH SCHILLER, escritor alemão (1759-1805). ____________________________________ 3# BRASIL 23.7.14 3#1 A GUERRILHA PELO CAIXA 3#2 SIM, SOBROU PARA ELA 3#3 O QUE ESTÁ POR TRÁS DISSO? 3#4 UM GOL DA POLÍCIA 3#1 A GUERRILHA PELO CAIXA Assessores de Dilma Rousseff e auxiliares de Lula disputam espaço na campanha petista. Em jogo, parte do butim e a supremacia em um eventual segundo mandato da presidente. DANIEL PEREIRA Dilma Rousseff lidera as pesquisas de intenção de voto, conta com o apoio do cabo eleitoral mais popular do país, terá o dobro do tempo de seus principais rivais na propaganda eleitoral e usufruirá, até o dia da votação, vantagens competitivas que só a caneta presidencial proporciona — do anúncio de ações oficiais ao protagonismo em reuniões entre chefes de Estado, como as realizadas na semana passada em Brasília e Fortaleza. Em situações normais, tais credenciais favoreceriam a harmonia entre os coordenadores da campanha. Essa é a regra. Mas a regra, como se sabe, nem sempre vale para o PT. Depois da guerra interna em torno do movimento "Volta, Lula", aliados do ex-presidente e assessores de Dilma disputam agora o comando da chapa à reeleição. Cada tropa quer definir os rumos da campanha e, em caso de vitória nas urnas, controlar as verbas e os cargos mais importantes da futura administração. Em meio ao tiroteio, uma pesquisa mostrou o senador Aécio Neves (PSDB), pela primeira vez, em situação de empate técnico com Dilma num eventual segundo turno. É o prenúncio de mais fogo cruzado pela frente. "Corremos o risco de perder para os nossos próprios egos", diz um dos auxiliares da presidente. O comando eleitoral de Dilma conta com sete pessoas. É tal o grau de disputa entre elas que houve uma tentativa de parte desse grupo de expulsar o ex-ministro Franklin Martins da campanha. Responsáveis pela relação com a imprensa e pela atuação na internet, Martins e seus subordinados publicaram críticas pesadas à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e ao presidente da entidade, logo depois da eliminação do Brasil na Copa, num site de apoio a Dilma. A iniciativa foi considerada agressiva demais e incompatível com a postura esperada de um presidente da República por outros coordenadores da campanha. Eles exigiram da equipe de Martins que retirasse o texto do ar. Como o ex-ministro resistiu, Dilma foi acionada e determinou a realização de uma reunião para pacificar os ânimos de seus generais. O encontro ocorreu na segunda-feira, mas a paz selada foi apenas aparente. A tensão continua no ar, assim como — por incrível que pareça — a mensagem veiculada na internet que provocou toda a confusão. "O Franklin Martins se acha maior do que todo mundo", reclama um dos coordenadores de Dilma. Ministro de Comunicação Social no governo Lula, Martins chegou à campanha pelas mãos do antigo chefe. Durante a elaboração do novo programa de governo, pressionou pela inclusão no texto do projeto que visa a censurar a mídia, uma bandeira do ex-presidente que, mais uma vez, foi rechaçada por Dilma. Via de regra, Martins defende uma postura de "guerrilha" como estratégia de campanha. A ordem é partir para cima dos adversários, sejam oposicionistas, sejam veículos de comunicação. Na semana passada, a turma dele ousou publicar na internet uma montagem do bilionário Bill Gates segurando um cartão do Bolsa Família. Detalhe: a página de apoio à reeleição dirigida pelo ex-ministro tem uma seção chamada "#divulgue a verdade". Homem forte de Dilma, o marqueteiro João Santana prega exatamente o contrário de Martins. Para Santana, cabe aos rivais, que estão em desvantagem, correr riscos, inclusive o de desagradar aos eleitores distribuindo caneladas para todos os lados. O marqueteiro tem prevalecido sobre o ex-ministro. Como Martins em desvantagem significa, na prática, Lula em desvantagem, há um esforço para reforçar a tropa leal ao ex-presidente. Uma das ideias é levar para a campanha o ministro Gilberto Carvalho, que trabalha como os olhos e os ouvidos de Lula no Planalto. Carvalho não goza de prestígio com Dilma. Ele tem medo de deixar o governo e tomar uma rasteira, sendo impedido pela presidente de participar de fato da campanha pela reeleição. Os exércitos de criador e criatura não só duelam entre si como desconfiam uns dos outros. No início deste ano, setores do PT e do empresariado tentaram emplacar Lula como candidato do partido no lugar de Dilma. Essa ofensiva chegou ao ápice em abril, quando assessores presidenciais temeram que a troca fosse realizada. Àquela altura, Dilma só tinha dois apoiadores de peso: João Santana e Aloizio Mercadante, chefe da Casa Civil. Mercadante nunca contou com a amizade do ex-presidente e, no atual governo, conseguiu se reerguer politicamente. Coincidentemente ou não, passou a ser acusado por dirigentes do PT de atrapalhar a formação de alianças eleitorais nos estados. Entre os críticos de Mercadante nessa seara está o presidente do partido, Rui Falcão, outro coordenador da campanha de Dilma. Desde que o "Volta, Lula" foi debelado, soldados do petista dizem que o ideal para o PT e o ex-presidente é Dilma reeleger-se com dificuldade. Assim, ela se tornaria ainda mais devedora do antecessor e da cúpula partidária. "O Lula ajudará na campanha, mas cobrará muito caro por isso no próximo governo", diz um senador. Na última quinta-feira, o Datafolha divulgou a primeira pesquisa realizada depois do registro das candidaturas. A grande novidade da sondagem está no resultado do segundo turno. Pela primeira vez, Dilma, com 44%, e Aécio, com 40%, estão empatados tecnicamente. O risco de derrota do PT nunca foi tão real. Resta saber se isso atenuará ou acentuará a briga entre os coordenadores da campanha à reeleição — ou se ressuscitará o "Volta, Lula". Pela lei eleitoral, o candidato pode ser substituído até vinte dias antes da votação. COM REPORTAGEM DE ADRIANO CEOLIN 3#2 SIM, SOBROU PARA ELA Os números da primeira pesquisa pós-Copa são ruins para a presidente Dilma. Mas a verdadeira má notícia para a petista é que eles deverão piorar. PIETER ZALIS O Datafolha respondeu na semana passada à pergunta que estampou a capa de VEJA na edição anterior. A candidata Dilma Rousseff não passou impune pela indignação popular produzida pela pior derrota sofrida pela seleção brasileira em sua história. O levantamento do instituto, feito nos dias 15 e 16, mostrou uma piora em todos os indicadores da petista. "Sobrou para a presidente na medida em que ela perdeu o bônus que os bons resultados logísticos e de organização do evento prometiam trazer para sua campanha", diz o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino. As pistas desse bônus apareceram na pesquisa realizada pelo instituto durante a Copa, entre os dias 1º e 2 de julho, quando Dilma subia 4 pontos nas intenções de voto. "Depois do jogo trágico, o cenário das eleições voltou à situação pré-Copa." O levantamento divulgado na quinta-feira pelo Datafolha mostra que Dilma Rousseff perdeu 2 pontos nas intenções de voto e que a taxa de descontentes com seu governo é a pior desde o início de seu mandato — mais baixa até do que nos protestos de junho do ano passado: 29% de ruim ou péssimo, contra 25% no auge das manifestações. Mas a má notícia de fato para a presidente não é que sua situação está ruim, como revelam os números — é que tende a piorar, como eles indicam numa análise mais atenta. Afirma o cientista político Antonio Lavareda: "Como os candidatos da oposição ainda têm uma alta taxa de desconhecimento, o peso da avaliação do governo hoje é mais importante do que as intenções de voto. Será impossível Dilma se reeleger com uma aprovação de apenas 32% (taxa dos que vêem seu governo como 'ótimo ou bom', segundo o Datafolha)". Há outro complicador para a petista, que pela primeira vez empata no segundo turno com o tucano Aécio Neves (44% a 40% para ela, com margem de erro de 2 pontos). Seu potencial de crescimento é o menor entre todos os principais candidatos. O potencial de crescimento é um indicador do Datafolha que relaciona, com base em um cálculo matemático, os eleitores que não votam no candidato, mas o conhecem e não o rejeitam. Segundo Paulino disse a VEJA, o da presidente é de 18%, enquanto o de Aécio chega a 53% e o de Eduardo Campos (PSB) a 73%. Afirma Paulino: "Hoje, o cenário de crescimento é claramente favorável aos candidatos da oposição". Ou, dito de outra forma: a disputa eleitoral está ainda mais apertada do que mostram os números que castigam a presidente. 3#3 O QUE ESTÁ POR TRÁS DISSO? O TCU suspende a venda de um terreno do BNDES em Brasília. Avaliado em 285 milhões de reais, o imóvel foi negociado por 51 milhões — um prejuízo aos cofres públicos que pode superar 230 milhões de reais. HUIGO MARQUES No Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tudo é superlativo, a começar pelas cifras. Para este ano, o banco estatal reservou 150 bilhões de reais para financiar empreendimentos em diversas áreas, da agricultura à indústria de ponta. É dinheiro público, dos cofres do Tesouro Nacional, injetado diretamente em empresas de pequeno, médio e grande porte para fomentar o crescimento do país. A ideia é fazer com que os empréstimos, a juros mais baixos que os de mercado, banquem iniciativas capazes de girar mais e mais a roda da economia. Mas até mesmo quando erra na mão o portentoso BNDES é capaz de produzir excelentes negócios. No início do ano, o banco decidiu se desfazer de um valioso terreno no centro de Brasília. Aparentemente, seguiu o protocolo: contratou um avaliador para fixar o preço, publicou o edital convocando eventuais interessados e promoveu a licitação pública. As empresas se apresentaram e venceu a que ofereceu o melhor preço. O negócio, porém, é mais complicado do que parece. Localizado na zona central de Brasília, uma das regiões mais valorizadas do país, o terreno tem 9000 metros quadrados. No espaço vazio, um dos poucos disponíveis para construção no centro da capital, o BNDES planejou um dia erguer sua sede. O terreno está cercado por prédios importantes da burocracia federal e fica a apenas cinco minutos de carro do Palácio do Planalto. Especialistas no mercado imobiliário brasiliense calculam que a área, do jeito que está, vale no mínimo 285 milhões de reais. O BNDES, porém, vendeu o imóvel por 51 milhões, quase um sexto do valor de mercado. De tão estranha que foi, a operação virou alvo de uma investigação do Tribunal de Contas da União (TCU). Por ordem do ministro Augusto Sherman, a transferência do terreno para o novo dono foi embargada até que sejam esclarecidas as condições do negócio. Os auditores do TCU estão analisando a transação com lupa. Ao decidir pela suspensão da venda, o ministro Sherman chama a atenção para a possibilidade de o negócio representar um prejuízo de mais de 230 milhões de reais aos cofres públicos. O ponto de partida da investigação é um laudo, encomendado pelo próprio BNDES, que estipulou o valor mínimo da transação. No documento, o terreno foi avaliado em 107 milhões. Mas havia nele uma ressalva: se houvesse necessidade de vendê-lo às pressas, o que não era o caso, o preço poderia ser reduzido para 45 milhões. Foi justamente esse valor que o banco adotou como base para a licitação. O lote foi arrematado pela AJS Empreendimentos e Participações, cujo dono é o empresário Álvaro José da Silveira, membro do conselho de administração da Brasil Pharma, conglomerado que reúne algumas das maiores redes de farmácias do país. Uma coincidência, em especial, intriga os auditores: o engenheiro que assina o laudo encomendado pelo BNDES, Ricardo Caiuby Salles, é irmão de uma diretora da mesma Brasil Pharma. "Se o BNDES optou pelo preço menor, é decisão do banco", defende-se o engenheiro. Ele diz ser apenas coincidência o fato de o terreno ter sido comprado pelo chefe da sua irmã. A AJS Empreendimentos informou que está enviando ao TCU todas as explicações sobre o negócio. O BNDES limitou-se a dizer que seguiu a lei e que está prestando todas as informações ao TCU. "É brincadeira o BNDES vender esse lote por 51 milhões de reais. Quem comprou por esse preço ganhou cinco ou seis vezes na Mega-Sena", diz Antonio Bartasson, diretor da Câmara de Valores Imobiliários de Brasília, entidade acostumada a fazer avaliação de terrenos na capital. Para o presidente do Sindicato dos Corretores de Imóveis do Distrito Federal, Geraldo Nascimento, a transação evidencia um fenômeno que vem ocorrendo em Brasília: por um lado, órgãos do governo se desfazem de imóveis próprios a preços abaixo dos de mercado, em operações muitas vezes obscuras, e por outro o próprio governo gasta milhões comprando ou alugando outros imóveis para abrigar repartições públicas. "O governo vende alguns imóveis a preço de banana e compra e aluga outros a preço de ouro", diz. No terreno vendido pelo BNDES, há espaço suficiente para a construção de quatro prédios de até 21 andares. O lucro de um empreendimento dessa magnitude pode ultrapassar facilmente a casa do bilhão. Quem está por trás da estranha operação ainda é um mistério, mas uma coisa é certa: fomentar bons negócios é mesmo uma especialidade do BNDES — depende, é claro, do ponto de vista do observador. 3#4 UM GOL DA POLÍCIA A Operação Bate Bola prende quarenta membros do PCC, incluindo o seu cérebro contábil, e recolhe mensagens trocadas pelos bandidos nos moldes da máfia italiana — com adaptações. LUCIANO DE PADUA As prisões ocorreram duas horas antes do jogo Brasil x Alemanha. Numa estação de metrô da Zona Sul de São Paulo, policiais do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). da Polícia Civil de São Paulo, prenderam nove mulheres. A partir daí, foi lançada a ofensiva final. Quatro dias depois da derrota do Brasil por 7 a 1, a Operação Bate Bola já somava quarenta presos. São todos — homens, mulheres e dois adolescentes — acusados de integrar o Primeiro Comando da Capital (PCC), a facção criminosa de São Paulo que surgiu extorquindo detentos na cadeia e enriqueceu traficando cocaína na rua. Com a participação de mais de 200 policiais, a operação foi resultado de seis meses de investigação e 29 horas de conversas gravadas. Seu principal triunfo foi desvendar a estratégia financeira do PCC. "Conseguimos traçar um retrato atualizado desse grupo criminoso", diz o delegado Wagner Giudice, diretor do Deic. "Sabemos agora como os seus integrantes se movimentam e temos a certeza de quem é quem. Mas isso é só o começo, não podemos parar." Com o cérebro contábil da facção, Glauce O'Hara, e dois de seus auxiliares, todos presos, a polícia recolheu dezenas de bilhetes que revelam detalhes sobre como os criminosos reformularam os seus negócios nos últimos anos. VEJA teve acesso a esses papéis — a saída que a organização encontrou para que os integrantes soltos continuassem a receber ordens da cúpula, quase toda encarcerada em presídios de segurança máxima, onde o acesso a telefones celulares é mais difícil. O método emula aquele usado por décadas por mafiosos italianos, que escreviam suas ordens em minúsculas tiras de papel, os pizzini, que os visitantes levavam para fora da cadeia escondidas entre, os dedos dos pés. Quanto aos mensageiros do PCC, os papéis são dobrados até que caibam numa cápsula, introduzida no ânus, no caso dos homens, ou na vagina, no caso das mulheres. Os bilhetes revelam, por exemplo, o novo status do líder máximo do grupo. Marcos Willians Herbas Camacho, antes chamado de Marcola e agora apelidado Russo (segundo a polícia, a nova alcunha é uma referência a duas autoproclamadas simpatias do bandido, pelo marxismo e por Dostoiévski), passou a ser uma espécie de sócio minoritário do PCC. Uma das mensagens mostra que o agora ex-Marcola tem uma cota "pessoal" nos lucros das drogas vendidas pela facção — o que ficou comprovado com a descoberta da existência de um cofre onde estariam guardados 628.795,63 reais atribuídos à "família" e outros 34.362 reais pertencentes ao Russo. Desde 2010, a facção criminosa vem passando por uma reforma administrativa. Em vez de fornecer a droga para ser vendida por bocas de fumo independentes, passou ela mesma a cuidar do varejo. Agora, o PCC tem o controle de toda a cadeia produtiva — traz a droga do exterior e a "batiza", embala e entrega ao consumidor final. Só na capital paulista, tem hoje 69 pontos de venda. Cada produto é chamado por um código inspirado em marcas de cerveja: "Skol" significa crack; "Antárctica", maconha; "Brahma", cocaína para o mercado interno; e "Itaipava", cocaína para exportação. A nova estratégia deixou a facção mais rica. Num dos bilhetes, um dos contadores comemora um lucro recorde. Outro comenta que precisa comprar com urgência máquinas de contar dinheiro. Segundo as investigações, o PCC hoje fatura em torno de 1,4 milhão de reais por semana só na capital. É o triplo do que lucrava em 2011. Somados os ganhos da Grande São Paulo e da Baixada Santista, o faturamento chega a 90 milhões de reais por ano, o equivalente ao de uma empresa de médio porte. A polícia conta com o fato de ter encontrado 40 quilos de cocaína em nome de Marcola/Russo para provar que ele se mantém ativo no tráfico e conseguir uma nova transferência sua para o Regime Disciplinar Diferenciado, de isolamento total. Sem seu capitão e com a tática de jogo revelada, o PCC fica mais fraco. Mas está longe de deixar o campo. O QUE REVELAM OS BILHETES Mensagens que a polícia apreendeu com um dos contadores da facção mostram parte da estratégia e também dos temores do PCC. PROBLEMAS NA COPA - O PCC temia que a maior presença da polícia nos arredores do Itaquerão, onde ficava um do seus centros de armazenamento e distribuição de drogas, pudesse prejudicar os negócios. Os líderes ordenaram que o estoque fosse transferido de local. A COTA DE MARCOLA – Mensagem recebida por um dos contadores evidencia a influência de Marcola dentro da organização criminosa. Nela, o líder do PCC é chamado de Russ. O faturamento da venda de sua droga particular, que é comercializada junto com a do PCC, não entra na contabilidade geral do grupo. LUCRO RECORDE – Em outro bilhete, o grupo comemorava a arrecadação com a venda de drogas no mês passado na capital: “Esta semana foi batido mais um recorde em S. Paulo: $1.4000.000 (Um milhão e quatrocentos mil reais) bruto vendido”. _________________________________________ 4# ECONOMIA 23.7.14 UM ESCOCÊS DURO DE ENGOLIR Ferguson levou a nocaute o nobelista Krugman em um embate de ideias parecido com briga de rua. EURÍPEDES ALCÂNTARA De um lado, o desafiante, o "Colosso Escocês", Niall Ferguson, professor em Harvard, Stanford e na seletíssima universidade inglesa de Oxford. Do outro, o campeão, ganhador do Nobel de Economia, colunista do New York Times, Paul Krugman, o fabuloso "Krugtron, o Invencível". Assim poderia ter sido anunciada a disputa pública entre Ferguson e Krugman, uma luta travada, por enquanto, apenas com palavras, mas esgrimidas com virulência bastante para provocar dano moral no oponente. "Os blogueiros fanáticos estão para Krugman assim como os maçaricos para os crocodilos-do-nilo, em cuja bocarra aberta eles se alimentam de migalhas", escreveu Ferguson no terceiro, e aparentemente último, artigo de desconstrução do adversário. "Ferguson é um farsante idiota, um desmiolado." Com ligeiras variações, essa foi a natureza dos golpes verbais do imenso arsenal de maldades de Krugman. Não é raro que debates intelectuais descambem para ofensas pessoais, ou que a luta de ideias degenere em argumentação mais comum em brigas de rua. Aliás, quando vêm à mente as reações vulcânicas provocadas por pensadores que mudaram o mundo de verdade, Galileu, Charles Darwin e Sigmund Freud, a troca de tapas entre Ferguson e Krugman parece um bate-papo agradável. A Igreja Católica por pouco não queimou Galileu na fogueira, desculpando-se por isso quase cinco séculos depois. Darwin foi caricaturado ao lado de um gorila que chorava em revolta, dizendo: "Ele está falando que é meu parente". A Igreja Anglicana também atacou Darwin com ferocidade, retratando-se só 126 anos depois da morte do pai da teoria da evolução. Freud apanha até hoje, com seus seguidores tendo de se explicar e explicar a teoria toda de novo a cada geração. O americano e o escocês estão em lados antagônicos no campo da teoria econômica. Krugman defende e amplia um dogma do grande John Maynard Keynes segundo o qual os governos podem gastar à vontade, pelo tempo que quiserem, e produzir déficits abissais em suas contas sem que isso leve os países à bancarrota e o povo à miséria. Ferguson, que se diz um historiador da economia, mais do que um economista, ataca Krugman não pelo dogma keynesiano em si, mas por sua falta de rigor e por sua incapacidade de contrapor as críticas que recebe com argumentos, recorrendo ao esnobismo, à arrogância e à indiferença. "Eu mostrei que Krugman está quase sempre errado. Mostrei com dados. Ele rebateu com ofensas pessoais", disse Ferguson, complementando: "De onde eu venho, as pessoas não se intimidam com ofensas e agressões. Nós demolimos quem nos agride". Desde que recebeu o Nobel, em 2008, por revolucionar o entendimento do comércio mundial em tempos de internet, meios de transporte velozes e de pagamentos instantâneos, Krugman passou a se dedicar a outras atividades. Foi ser colunista, blogueiro, militante político do Partido Democrata e celebridade. Não sobrou tempo para o cientista. A produção acadêmica foi definhando e sua visão econômica se turvou pelo primado da política limitante. "Krugtron" foi nocauteado pelo "Colosso Escocês". Em meio ao debate público com o professor de Harvard, Krugman perdeu o emprego de professor em Princeton. Vai dar aula no modestíssimo City University of New York. Saiu do Barcelona e foi para o Olaria. ________________________________________ 5# INTERNACIONAL 23.7.14 5#1 ESPECIAL – RISCO À PAZ MUNDIAL 5#2 ESPECIAL – AS MARIONETES DE PUTIN 5#3 POPULISMO EXPLOSIVO 5#1 ESPECIAL – RISCO À PAZ MUNDIAL O presidente russo Vladimir Putin empurra o mundo para o limiar de um conflito bélico ao financiar separatistas no leste da Ucrânia. Seus comandados abateram um avião com 298 a bordo. DUDA TEIXEIRA Grandes guerras começam por motivos bem menos graves do que a derrubada de um avião civil com 298 pessoas a bordo, como ocorreu na semana passada nos céus da Ucrânia. Todos os indícios levantados até agora apontam para milicianos separatistas treinados e monitorados por tropas russas. Eles têm domínio territorial sobre a área de onde, como comprovam fotos de satélites, decolou o míssil supersônico que atingiu em cheio o Boeing 777 da Malaysia Airlines — a mesma companhia que há meses teve um jato idêntico misteriosamente desaparecido nas águas do Oceano Índico. Grandes guerras começam também por agressões desse tipo, muitas vezes feitas por acidente ou engano. Pode ser essa a explicação para o ataque fatal ao avião da Malaysia Airlines que fazia o voo MH17, de Amsterdã a Kuala Lumpur. Desde que se apoderaram de baterias de mísseis antiaéreos Buk, de fabricação russa, e foram treinados para usá-los por monitores enviados por Moscou, os separatistas vinham tendo crescente sucesso em derrubar aviões inimigos naquela região. Cada disparo certeiro era comemorado em russo nas redes sociais frequentadas pelos separatistas. Na quinta-feira passada, logo depois do desaparecimento do Boeing 777 da Malaysia Airlines, um oficial russo encarregado por Moscou de dar ajuda aos separatistas ucranianos, jubilante, postou durante algumas horas apenas o registro de mais um avião abatido. O oficial julgava tratar-se de um An-26 — Antonov turboélice de transporte de tropas e carga — da Força Aérea da Ucrânia. Não era. O avião abatido foi o Boeing 777 com quase 300 civis inocentes de várias nacionalidades a bordo. Na véspera, quarta-feira 16, os separatistas tinham celebrado na internet a derrubada de um Su-25 ucraniano. Esse anúncio continua lá. O relativo ao An-26 sumiu rapidamente. Foi a primeira tentativa dos russos e seus aliados na Ucrânia de apagar as marcas do crime. Felizmente, no mundo de hoje, as nações contam com redes de prevenção de grandes guerras bem mais eficientes do que as existentes no século passado, quando nas duas deflagrações bélicas mundiais somadas morreram quase 80 milhões de pessoas. Mas, apesar de todos os mecanismos de segurança atuais, pode-se dizer sem muita margem de erro que a derrubada do Boeing 777 civil na região fronteiriça entre a Ucrânia e a Rússia, na semana passada, é a mais grave ameaça à paz mundial neste século. "A indignação que eu sinto neste momento não pode ser descrita com palavras", disse Barack Obama, na última sexta-feira. O presidente americano só não construiu a frase responsabilizando diretamente Moscou pelo atentado. Nem precisava, pois Obama, valendo-se dos eufemismos e despistes de que a linguagem diplomática se nutre, disse a mesma coisa de outra maneira ao aprofundar ainda mais as sanções econômicas à Rússia que a Casa Branca havia decretado antes do disparo letal do míssil. No epicentro dessa zona de morte e instabilidade encontra-se Vladimir Putin, o presidente russo, que usa o expansionismo como forma de propaganda política interna e, assim, vem conseguindo índices elevados de apoio popular. Na semana passada, enquanto o mundo assistia atônito ao aparecimento de uma prova atrás da outra de que os russos tinham envolvimento direto na operação que matou quase 300 passageiros inocentes, a taxa de aprovação de Putin batia seu recorde histórico, com 83%. Adoração interna e desaprovação externa é uma receita desastrosa. Os líderes que enveredam por esse caminho oferecem perigo ao seu povo e ao mundo. Quando os corpos foram encontrados despedaçados no chão na Ucrânia, Putin acabava de chegar a Moscou, vindo do Brasil, onde participou de uma cúpula do grupo dos Brics — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Na segunda-feira 14, a presidente Dilma Rousseff encontrou-se com Putin depois da reunião e disse: "Somos reconhecidos por nossa atuação autônoma no plano internacional em favor de um mundo mais justo, mais próspero e pacífico". Resta saber agora como os presidentes dos países reunidos sob a sigla Brics reagirão a essa tragédia. Como enfatiza a Carta ao Leitor desta edição, eles não podem simplesmente ignorar o massacre de civis patrocinado por um país-membro: "Se os integrantes do grupo dos Brics fingirem que não viram o crime e passarem a mão na cabeça do companheiro Putin, estarão se condenando ao fracasso ético e moral, justamente o que destrói as chances de sucesso em todos os outros campos". Em março, Putin enviou soldados mascarados e sem distintivo no uniforme para a Península da Crimeia, parte da Ucrânia. Os "homenzinhos verdes", como ficaram conhecidos, expulsaram soldados dos quartéis, ocuparam prédios públicos e canais de televisão. Putin dizia que não tinha participação na empreitada. Ainda assim, anexou a Crimeia. No fim de março, deu medalhas aos que participaram da ação. Simultaneamente, milhares de soldados foram enviados pela Rússia para o leste da Ucrânia. O objetivo era conseguir mais um naco de território ou, na impossibilidade disso, dificultar ao máximo que o país seguisse o caminho bem-sucedido de outros Estados europeus, que saíram da esfera soviética, abraçaram a democracia e o livre mercado e se distanciaram da autocracia e do estatismo russo. Os Estados Unidos e a Europa impuseram sanções econômicas para punir Putin pelo avanço à margem da lei internacional. O efeito foi nulo. O que farão de concreto agora que a responsabilidade de Moscou na derrubada do avião da Malaysia Airlines vai se tornando impossível de escamotear? "Qualquer controlador de voo treinado sabe distinguir na tela do radar um avião civil de um militar", diz o engenheiro sueco Mikael Robertsson, fundador do site FlightRadar24, que acompanha o tráfego aéreo comercial ao redor do planeta. O sistema russo de mísseis Buk é dotado de radar e receptor de sinais de transponder, que diferenciam claramente os tipos de aeronave. "Putin estava feliz no Brasil. Ele está claramente usando a América Latina como uma frente contra os Estados Unidos", diz a cientista política ucraniana Lilia Shevtsova, do Carnegie Endowment, em Moscou. Aos seus amigos tropicais agora só restam duas opções: agem por princípio e isolam Putin ou se rendem ao pragmatismo e entram em uma guerra que não é deles. SONHOS INTERROMPIDOS ANGELINE PREMIU, de 30 anos, era uma aeromoça malaia que morava em Kuala Lumpur. Nas redes sociais, sempre falava com orgulho da profissão. A malaia ARIZA GHAZALEE vivia no Cazaquistão e estava de mudança para sua terra natal. Viajava bastante com o marido para países como África do Sul e Suíça. O holandês REGIS CROLLA, de Amsterdã, trabalhava em uma boate na cidade e foi professor voluntário de inglês para crianças carentes no Camboja. O casal holandês COR SCHILDER e NEELTJE TOL vivia em uma cidade perto de Amsterdã e estava em uma viagem de férias. Ele era baterista em uma banda e trabalhava na prefeitura. DARRYL DWIGHT era estudante de medicina e trabalhava como DJ, produtor, fotógrafo e webdesigner em Amsterdã. Ele estava em uma viagem de férias. A aeromoça malaia DORA SHAHILA vivia em Kuala Lumpur com a filha adolescente. Na internet, colocou pedidos de oração pelas vítimas do voo MH370. O indiano SANJID SINGH SANDHU, de 41 anos, era comissário de bordo e não estava escalado para esse voo, mas trocou de lugar com um colega na última hora. ATINGIDOS EM PLENO AR O Boeing 777-200ER da Malaysia Airlines que caiu em uma área dominada por rebeldes russos é do mesmo modelo do usado no voo MH370, que desapareceu misteriosamente entre Kuala Lumpur e Pequim, em março. Percurso do voo MH17 1- Holanda, Amsterdã – Ucrânia, Rússia Saída do voo (horário de Brasília) 7h15. O avião decolou com 298 pessoas a bordo. 2- Horário do atentado – 11h15 Último sinal do transponder: 5 minutos antes da queda, após 4 horas de voo. Altitude: 10.000 metros, a 50 km da fronteira com a Rússia. - No momento do desastre, dois aviões comerciais estavam a cerca de 30 quilômetros de distância do Boeing da Malaysia. - As peças do avião abatido foram encontradas em uma área de 15 quilômetros quadrados. 3- Chegada prevista do voo 20h10 Herança da Guerra Fria O sistema antiaéreo Buk foi desenvolvido no início dos anos 1970 pela extinta União Soviética e entrou em operação em 1979. Foi vendido a diversos países sob a esfera comunista, incluindo a Ucrânia. Em 29 de junho, os separatistas russos tomaram de assalto uma guarnição com esses equipamentos, em Donetsk. Na segunda 14, eles derrubaram um cargueiro militar Antonov-26 ucraniano (os oito tripulantes escaparam com vida). Na quarta 16, abateram um caça ucraniano Su-25. O míssil Tamanho: 5,5 metros de comprimento Carga: 10 quilos de explosivos (capacidade para transportar até 70 quilos) Velocidade: 4320 quilômetros por hora. Propulsão: Combustível de foguete. Orientação: Teleguiado por sistema de radar no solo. O Buck consegue atingir alvos a 25.000 metros de altitude, enquanto o seu sistema de radar é capaz de identificar alvos em até 85 quilômetros de distância. OS CAMARADAS ANTIAMERICANOS Putin é recebido em Brasília pela presidente Dilma Rousseff, na segunda 14: proximidade ideológica e ajuda contra o isolamento internacional. O "INDIGNADO" Obama se disse "indignado a mais não poder" com a derrubada do Boeing 777 por milícias armadas e financiadas por Putin na Ucrânia. PASSAGEIROS NA MIRA Na história da aviação há vários casos de aeronaves comerciais que foram abatidas por militares 1983 - Um, Boeing 747 da Korean Air entrou no espaço aéreo da União Soviética e foi derrubado por um caça Su-15. Todas as 269 pessoas a bordo morreram. Os soviéticos disseram que a tripulação do Boeing, mesmo avisada, não corrigiu o curso. 1988 - Logo após decolar de um aeroporto no Irã, um Airbus A300 da Iran Air, com 290 pessoas, foi atingido por mísseis do navio americano USS Vincennes, que o confundiu com um caça F-14. Ninguém Sobreviveu. COM REPORTAGEM DE NATHALIA WATKINS, CARLO CAUTI, RAQUEL BEER, LEONARDO MOTTA E VALERIA BRETÃS 5#2 ESPECIAL – AS MARIONETES DE PUTIN A diretora da Human Rights Watch em Moscou diz que o presidente russo usa o americano Edward Snowden como instrumento de propaganda e agora faz o mesmo com os Brics. DUDA TEIXEIRA O escritório de Moscou da ONG Human Rights Watch (HRW), que defende os direitos humanos no mundo, tem sido constantemente atacado nos últimos dois anos. Uma suástica já foi pintada na sua fachada, telefones foram grampeados e funcionários receberam ligações ameaçadoras. Quem está por trás disso é o serviço secreto russo, segundo a diretora da ONG na Rússia Tanya Lokshina, de 41 anos e um filho de 18 meses. Na semana passada, ela esteve em São Paulo enquanto o presidente russo Vladimir Putin se reuniu com os chefes de Estado na VI Cúpula dos Brics, em Fortaleza e Brasília. Na nota divulgada pela Cúpula dos Brics aparece o conceito de "inclusão social". Putin pode se gabar disso? O que ele tem feito na Rússia é a "exclusão social". Após protestos contra o seu governo em 2012, o presidente dividiu a sociedade em dois grupos: os que estão com ele e os que estão contra ele. Quem vive quieto, não participa de manifestações e não o critica pode fazer muita coisa. Muito mais do que era permitido na União Soviética. Viajar, ler os livros que quiser e ir a eventos. Mas, se um indivíduo expõe seu descontentamento com o Kremlin em público, então se põe imediatamente em perigo. É como se a União Soviética caísse em cima dele. Desde a volta da democracia não se via uma repressão tão grande contra a liberdade de expressão e contra as organizações da sociedade civil. Não há canais de televisão independentes, pessoas são presas apenas por protestar, blogueiros são obrigados a se registrar no Ministério das Comunicações e sites têm sido fechados sem nenhuma justificativa decente. Em meados do ano passado, a Rússia concedeu asilo ao americano Edward Snowden, que revelou documentos secretos do governo americano. Não seria isso uma prova de que Putin valoriza os direitos humanos e a liberdade de expressão? Eu encontrei Snowden no Aeroporto Sheremetyevo, de Moscou. Um dia antes, recebi o convite por e-mail, assinado por ele. Apesar de a minha área de pesquisa ser outra, já sabia de quem se tratava. Pouco antes eu ajudei a redigir uma declaração da HRW em que dizíamos ser importante existir uma proteção aos whistleblowers (dedos-duros, em inglês), como Snowden. Achávamos que, se ele fosse extraditado, seria muito provável que acabasse sendo exposto a um tratamento desumano. Mas eu não dei muita bola para aquele convite estranho e fui para casa. No dia seguinte, meus telefones começaram a tocar sem parar. Então, descobri que tinha sido incluída em uma lista de convidados, de várias organizações, para participar de um encontro com o americano. Snowden organizou isso de dentro do aeroporto? Certamente, não. Foi então que comecei a suspeitar do envolvimento do serviço secreto russo. O anúncio da tal reunião foi feito por um advogado de alto perfil e muito leal ao Kremlin. Ao olhar os nomes dos convidados, ficava claro que a lista tinha sido feita pelas autoridades russas. Snowden podia conhecer a HRW e a Anistia Internacional, mas não todos os que estavam ali. Entre eles, havia três advogados muito ligados a Putin, um parlamentar e dois membros de gongos, um acrônimo para definir aquelas ONGs que se dizem independentes mas só fazem propaganda do governo (government organized non-governamental organization, em inglês). Foi um encontro proveitoso? Havia centenas de jornalistas no aeroporto. Quanto me apresentei, eles me passaram pelo cordão de isolamento e fui levada com outros convidados para a pista. Era claramente uma operação especial do serviço secreto. Por um momento, achei que iam mandar todos para a Venezuela e fiquei com medo. Por sorte, isso não aconteceu. Um homem com roupas civis e dirigindo um ônibus nos levou para outro terminal. Subimos as escadas e entramos em um salão. Snowden nos esperava em uma mesa, com um tradutor. O mestre de cerimônias era outro funcionário do serviço secreto. Foi surreal. Tudo era extremamente bem organizado, como numa coletiva de imprensa, mas sem um único jornalista. Depois entendi que o objetivo de tudo aquilo era legitimar a presença de Snowden na Rússia e preparar o terreno para darem o asilo a ele. Com minha presença lá, queriam que o público internacional visse com bons olhos o que fiariam em seguida. Então Snowden trabalha com o serviço secreto desde que chegou ao aeroporto de Moscou? Para o governo russo, a presença dele é um trunfo. Putin está usando esse americano como uma ferramenta de publicidade. Ao mostrar que acolhe um perseguido da CIA, a agência de inteligência americana, Putin quer dizer que promove a liberdade de expressão. É algo muito peculiar. Há alguns meses, Putin apareceu em público para responder a perguntas da população. Em tese, qualquer um pode interrogá-lo. Na realidade, as questões são previamente filtradas. É um ritual que dura três horas e que Putin adora. Snowden apareceu no Skype e perguntou: "Senhor presidente, há alegações de que o governo russo está vigiando seus habitantes assim como a CIA faz com os americanos. Isso é verdade?". O presidente respondeu que não era assim, obviamente. Parecia combinado. Putin também poderia estar usando a presidente Dilma Rousseff como instrumento de propaganda, assim como faz com Snowden? Essa comparação não é muito apropriada porque a brasileira está em situação muito melhor que a do americano. Ela não depende do governo russo como ele. Snowden, por sua vez, está há um ano sem trabalho. Não tem nada para fazer nem para onde ir. Não está preso, mas é como se estivesse. Quando quiseram saber dele se queria fazer alguma pergunta ao presidente Putin, disse logo que sim. Outros fariam a mesma coisa. Mas, sim, Putin está se aproveitando dos Brics para se projetar como líder global. Por causa da anexação da Península da Crimeia, em março, e dos conflitos com separatistas no leste da Ucrânia, americanos e europeus impuseram sanções contra ele. Putin então veio ao Brasil buscar respeito e reconhecimento. O que mais ele quer? Putin quer exportar a ideia de que a soberania nacional prevalece sobre a universalidade dos direitos humanos. É esse um dos motivos pelos quais ele usa os Brics. No caso da Rússia, o princípio da não ingerência externa é relativo. Putin é contra qualquer ação na Síria, governada pelo seu aliado Bashar Assad, mas invadiu militarmente a Península da Crimeia e a anexou. A Rússia, portanto, é contra a interferência externa só quando seus amigos estão no poder, mas se dá o direito de fazer o que bem entende com outros países quando julga que os interesses russos estão sendo ameaçados. Putin tem procurado especialmente o apoio de Dilma, já que o Brasil é uma democracia relevante. Mas o histórico russo na área de direitos humanos é extremamente complicado e não deveria ser ignorado. Na semana passada, o governo brasileiro teve nas mãos uma oportunidade excelente para conter Putin em sua escalada autoritária. Sem nenhum obstáculo à sua frente, ele deverá continuar subjugando as entidades civis e usando como bem entende, e com sucesso, o Brasil e as autoridades brasileiras para alcançar os seus próprios interesses. É fácil entender o que Putin ganha com um encontro dos Brics. Mas e o Brasil? A aprovação do presidente russo passou dos 80% neste ano. Dilma provavelmente inveja isso, mas Putin só consegue esse índice porque na Rússia não há liberdade de expressão. Não é portanto um modelo que possa ser copiado. O Brasil é uma sociedade aberta e democrática, com uma imprensa plural. Os brasileiros expressam suas opiniões sem medo. Na Rússia, isso não existe. Não há debate público. 5#3 POPULISMO EXPLOSIVO O presidente do Uruguai, José Mujica, acolherá presos de Guantanamo com histórico de atos terroristas. Ele põe em risco a população de seu país e também a do Brasil. LEONARDO COUTINHO A dois anos de terminar o seu segundo mandato, Barack Obama se esforça para cumprir uma promessa que fez antes de tomar posse em janeiro de 2009: fechar Guantánamo, a prisão instalada em uma base militar de mesmo nome na ilha de Cuba. O presidente uruguaio, José Mujica, aceitou ajudar. Consultado pelo governo americano sobre a possibilidade de abrigar alguns presos, Mujica não titubeou. Disse que garantiria liberdade plena aos acusados de terrorismo. "Nós não somos os carcereiros do governo dos Estados Unidos", gabou-se o uruguaio, avisando que os seis ex-detentos que desembarcarão em Montevidéu em agosto não serão monitorados pelas autoridades. A seleção dos candidatos ao asilo, segundo um documento obtido por VEJA, se deu entre o fim de 2013 e o início deste ano. Os seis beneficiários foram escolhidos entre 78 nomes, cuja transferência já foi autorizada. Outros 71 presos ainda não podem sair da prisão. No documento, os advogados dos presos pedem celeridade no processo. O quadro na página ao lado apresenta os seis beneficiários da medida inédita, já que todos aqueles que foram soltos até agora eram repatriados para seu país de origem. O histórico de cada um consta nos registros oficiais. Segundo a descrição dos militares, todos eles possuíam vínculos com a Al Qaeda, então chefiada por Osama bin Laden, morto em maio de 2011, no Paquistão. Os seis foram treinados em campos de formação de jihadistas, onde aprenderam técnicas de combate e realização de atentados suicidas, e pelo menos dois deles lutaram ao lado dos talibãs. O palestino Mohammed Tahamatan é o único entre eles que não é classificado como de alto risco. Mesmo sendo identificado como de média periculosidade, Tahamatan traz no currículo vínculos com o Hamas, grupo extremista que controla a Faixa de Gaza. Quando foi preso no Paquistão, em 2002, ele estava em uma casa fortificada onde eram fabricados explosivos. O presidente uruguaio diz que a sua atitude foi tomada por razões humanitárias. Mas o discurso inocente de Mujica não apaga as implicações de sua decisão. Na região, os extremistas encontrarão um terreno fértil para voltar à ativa. No Uruguai e na Argentina, alguns membros da imensa comunidade muçulmana flertam com o extremismo. A brasileira Foz do Iguaçu e a vizinha Ciudad del Este, do lado paraguaio, são reconhecidas por abrigar células de arrecadação de fundos para organizações sunitas e xiitas que se matam em conflitos sectários pelo mundo. Nos anos 90, Khalid Sheikh Mohammed, que viria a ser o braço-direito de Bin Laden e um dos arquitetos dos atentados do 11 de Setembro, foi recebido com honras pela comunidade local. "O Uruguai não vai vigiá-los, e nossas fronteiras são abertas. É grande a possibilidade de que eles ganhem todo o suporte necessário para voltar a atuar, seja na região, seja em zonas de conflito, como na Síria e no Iraque", diz um policial da divisão antiterror da Polícia Federal. O primeiro a ajudar é Mujica, que, apesar de ninguém acreditar, jura que não negociou nada em troca dessa bomba-relógio. VIZINHOS BARRAS-PESADAS Segundo os dados das fichas criminais, nenhum dos presos que deixará Guantánamo pode dizer que teve um passado limpo, tampouco garantir que terá um futuro tranquilo. Mohammed Tahamatan – Palestino de 34 anos, com conexões com o Hamas, foi preso no Paquistão em 2002, em uma casa que membros da Al Qaeda usavam para fabricar explosivos. Participou de ataques contra as forças aliadas. PERICULOSIDADE: MÉDIA Jihad Deyab — Filho de um libanês com uma argentina, nasceu no Líbano há 34 anos. Foi detido pelas forças de segurança do Paquistão e acusado de atuar como recrutador para a Al Qaeda. Frequentou campos de treinamento na organização. Atuou na Síria, Europa e África. PERICULOSIDADE: ALTA Ahmed Adnan Ahjm — sírio de 37 anos, foi treinado nos campos da Al Qaeda no Afeganistão. Lutou contra as forças americanas em Tora Bora e participou de atentados contra as tropas aliadas. Foi preso no Paquistão em 2001. PERICULOSIDADE: ALTA Ali Husain Shaabaan - Preso em 2001, no Paquistão, o sírio de 32 anos lutou ao lado dos talibãs em Tora Bora. Foi treinado em ataques suicidas. Antes de fugir para o Paquistão, foi recrutado para atuar em operações terroristas contra o regime de Bashar Assad. PERICULOSIDADE: ALTA Abd al-Hadi Faraj - sírio de 39 anos, acusado de ter sido treinado nos campos de recrutamento da Al Qaeda e de ter participado de ataques contra as tropas aliadas. Foi treinado para combates e operações suicidas. Foi preso em 2001. PERICULOSIDADE: ALTA Bin Mohammed - Tunisiano de 49 anos, é um especialista em explosivos com mais de quatro anos de treinamento nos campos da Al Qaeda no Afeganistão, onde foi preso em 2001. Foi membro do Grupo Combatente Tunisiano. PERICULOSIDADE: ALTA _________________________________________ 6# GERAL 23.7.14 6#1 GENTE 6#2 POLÍCIA – DROGAS? ONDE? 6#3 PERFIL – O INVESTIDOR INCANSÁVEL 6#4 MEMÓRIA – O SENHOR DE MUITAS HISTÓRIAS 6#5 GUSTAVO IOSCHPE – VOCÊ PREFERE QUE SEU FILHO SEJA INTELIGENTE OU ESFORÇADO? 6#6 IDEIAS – A ARTE DE SER FELIZ 6#1 GENTE JULIANA LINHARES. Com Marilia Leoni, Poliyane Lima e Silva, Taísa Szabatura e Thaís Botelho ESTA, SIM, É PREPARADA Ela faz capoeira há doze anos e luta muay thai e jiujítsu há oito. "Já apaguei com um chute no rosto, sou amiga da família Gracie e convivo com lutadores", enumera AMANDA SALVATO. Não precisava tanto, mas ela gosta de explicar por que foi escolhida há três meses para ser repórter do maior campeonato de MMA do mundo, o UFC, em um canal de TV especializado que vai ao ar aqui e nos Estados Unidos, onde ela mora. O porte de modelo e o abdômen definido a laser também ajudaram, mas Amanda tem aperfeiçoado suas potencialidades: "Fiz cursos de jornalismo, aulas para perder o sotaque ao falar inglês e participação em um filme. Não segui a carreira de atriz porque quero ser eu mesma, e não personagens". AS REGRAS DO JOGO Que mulher não tremeria na base vendo a cantora RIHANNA partir para cima de seus domínios? Resposta: ANN-KATHRIN BRÖMMEL, a alemã responsável por deixar o herói do tetracampeonato alemão, MÁRIO GÖTZE, em estado de impressionante felicidade. Mesmo assim, a modelo de lingerie, contrária à ideia de "ser só mulher de jogador", não baixou a defesa durante a primeira festa da vitória, ainda no hotel no Rio. No minuto em que se descuidou, Rihanna, que veio ao Brasil fazer a campanha de uma cerveja, passou o braço na nuca do esfuziante Götze, e dá-lhe biquinho para a foto. "Ninguém perdeu a linha. O Mário não ia trazer a mulher lá da Alemanha para se engraçar com qualquer uma", defende Mauro Tiburcio, professor oficial de Lepo Lepo dos atletas alemães, que, como a cantora, tascou um beijo na taça. Rihanna não é qualquer uma, mas foi com Ann-Kathrin que o jogador esticou, por assim dizer, em Ibiza. A FINESSE SEMPRE ESTEVE LÁ Ela se tornou rainha consorte há apenas um mês, mas as mudanças operadas em LETIZIA, mulher do rei FELIPE VI da Espanha, são evidentes. Desamarrou a expressão fechada e tensa dos dez anos em que foi princesa, quando os funcionários da corte e a família do marido tinham mais poder sobre ela. As jóias também ficaram mais imponentes, por exigência do cargo, embora ela continue a usar sua peça preferida, um bracelete Cartier em estilo art déco, combinado com uma saia metálica e camisa branca em visita ao Marrocos. Da vida anterior, mantém o gosto por roupas claras - já é chamada de Rainha Branca - e a magreza quase irreal. Quando estudou jornalismo no México, fazendo bicos na divulgação de um cigarro, o corpo esguio aparecia até dentro de um jeans semi-baggy. AS LENTES GOSTAM DELA Nos últimos quatro anos, período em que interrompeu um início de carreira como atriz, a modelo LETÍCIA BIRKHEUER, 36, teve um filho, uma separação muito comentada e 26 quilos acrescentados e perdidos, além de fotos publicadas em sites e revistas especializados em celebridades quase todos os dias. Chegou, portanto, cheia de experiência do lado oposto das câmeras para fazer o papel de uma fotógrafa de coluna social na nova novela das 9, Império, de Aguinaldo Silva. Para ambientar-se, Letícia visitou redações e conversou com paparazzi. "Entendi por que eles publicam vinte fotos minhas com meu filho no parquinho. É para não dar espaço à concorrência", informa Letícia. Outra descoberta, extraordinariamente surpreendente: "Não sabia que tinha artista que pedia ao paparazzo para ser fotografado". 6#2 POLÍCIA – DROGAS? ONDE? Um documento oficial não deixa dúvidas: acuados por bandos numerosos e bem armados, policiais de UPPs têm ordem expressa para evitar confrontos em favelas do Rio. LESLIE LEITÃO O timbre faz referência, por ordem de importância, ao governo do estado, à Secretaria de Segurança, à Polícia Militar e à Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) Arará/Mandela. Data de 16 de julho de 2014. Assunto: "Alteração no serviço". A autoria é do comandante da UPP, capitão Paulo César de Oliveira Ramos Filho, com carimbo de recebimento do supervisor do dia, sargento Rodrigo de Andrade Pellegrini. O texto, em português claudicante, é um choque: "Este comandante informa este supervisor que determine as Guarnições para não realização de Patrulhamentos noturno no interior das comunidades Arará e Mandela". Soa absurdo, mas é isso mesmo, leitor: segundo o comunicado interno a que VEJA teve acesso, a tropa da UPP instalada para anular o poder do tráfico e garantir a ordem em duas das mais conflagradas favelas do Complexo de Manguinhos, na porta de entrada do Rio de Janeiro, tem ordem expressa para não trabalhar à noite. O documento sela por escrito algo já bem visível e conhecido nas principais UPPs: em número reduzido, com fraco poder de fogo e a desvantagem de não dominar a geografia do emaranhado de becos e vielas, os PMs buscam evitar o confronto com a bandidagem, que voltou a circular fortemente armada. VEJA ouviu relatos de policiais lotados em UPPs que confirmam a prática da vista grossa em grandes favelas da cidade. O recuo se presta ao duplo objetivo de preservar a tropa e refrear os conflitos que vinham fazendo o medo transbordar dos morros para o asfalto, inclusive na rota turística. Durante a Copa do Mundo, os soldados do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da PM receberam instruções claras para não pôr os pés em lugares mais remotos do Complexo do Alemão, onde a gangue local fica entocada e tem força para fazer disseminar o crime pela cidade. "Quando rodamos o morro, o risco de haver uma troca de tiros aumenta. Então, o melhor é ficar parado mesmo. Isso evita que mais pessoas se machuquem", diz um cabo lotado na região. Os números confirmam a desfaçatez cada vez mais aberta do tráfico, que avança sob a inépcia policial. Apenas nestes sete meses de 2014, cinco PMs morreram e 44 foram feridos a bala por bandidos em favelas com UPP — em todos os outros anos do programa somados, foram oito mortos e 39 feridos. Quanto mais a polícia se preserva, mais os criminosos se sentem à vontade para retomar territórios que as 38 UPPs inauguradas desde 2008 anunciam como pacificados. No Complexo de Manguinhos, os marginais que não arredaram pé de lá atearam fogo em cinco bases policiais em março passado, ferindo o comandante. Na Rocinha, em dezembro, PMs foram agredidos a tijoladas depois de prenderem um suspeito. Não só os traficantes, aliás, agem com acinte. Na cracolândia colada ao Complexo de Manguinhos, centenas de viciados perambulam a qualquer hora do dia e da noite, em uma área cercada de UPPs e a apenas 200 metros da Cidade da Polícia Civil, um complexo de delegacias, sem que ninguém os incomode. "Estamos sempre em menor número. Vamos fazer o quê? A gente vai convivendo com a realidade, fingindo que nada acontece", diz um policial baseado em uma das entradas da favela. Sem um bom reforço na tropa e o cerco implacável aos marginais, as UPPs, saudadas como o derradeiro capítulo de décadas de reinado do crime no Rio, correm o risco de entrar para o rol das siglas vistosas que fizeram água. 6#3 PERFIL – O INVESTIDOR INCANSÁVEL Há 25 anos o mercado acionário brasileiro derreteu, a bolsa carioca quebrou e Naji Nanas foi apontado como o pivô. Absolvido das acusações, ele ainda luta para reaver seus bens e sua reputação. GIULIANO GUANDALINI Um cheque sem fundos no valor de 39 milhões de cruzados novos, algo como 13 milhões de dólares em valores da época, provocou, há 25 anos, a maior crise do mercado de ações na história brasileira. Era uma sexta-feira, dia 9 de junho de 1989, quando a corretora Ney Carvalho tentou compensar um cheque da empresa Selecta, do empresário Naji Nahas, e não obteve a autorização do banco BCN. Os rumores sobre as dificuldades de Nahas, então o maior investidor em ações no país, para cobrir os cheques usados na compra de ações circulavam havia alguns dias. Quando a notícia do calote se confirmou, os mercados entraram em colapso. Seis corretoras foram liquidadas, e a Bolsa do Rio quebrou. O caso, estourado nos últimos meses do já enfraquecido governo José Sarney e em pleno período de hiperinflação, trouxe ainda mais turbulências para o país, desencadeando uma verdadeira caça às bruxas para identificar os responsáveis pela quebra da Bolsa do Rio. A explicação para toda a crise, pelas versões que prevaleceram nos dias seguintes, centrava-se em um único personagem: o investidor libanês naturalizado brasileiro Naji Robert Nahas. Segundo a acusação, ele teria manipulado o preço das ações da Petrobras e da Vale do Rio Doce, usando como artifício uma rede de empresas e corretoras laranjas que operavam a seu favor. Seu objetivo seria inflar os preços das ações e, assim, lucrar com a valorização de sua carteira de investimentos. Ele foi processado criminalmente e acusado de crime contra a economia popular e contra o sistema financeiro. Apesar de uma condenação de 24 anos de prisão, Nahas foi absolvido mais tarde. As acusações eram frágeis e acabaram derrubadas. Nunca ficou atestada ilegalidade em sua atuação. A estratégia do investidor era audaciosa, mas, até onde se comprovou, dentro das regras. Afirma o ex-ministro Antonio Delfim Netto, amigo dele de muitos anos e que testemunhou a seu favor no processo: "O Nahas foi muito injustiçado. O crime do qual o acusaram era um delito impossível. As ações existiam, estavam com os bancos. O Nahas vem de uma família muito rica e tinha muita capacidade técnica. Ele havia intuído que o preço das empresas brasileiras estava muito baixo, e passou a investir fortemente na Petrobras e na Vale. Dentro das regras do jogo, Nahas simplesmente jogava melhor, ponto-final". Para Delfim, a evidência irrefutável de que não houve manipulação das cotações é que o preço das ações, após uma queda momentânea, menos de noventa dias depois já havia voltado aos valores previstos pelo investidor. A avaliação de Delfim foi compartilhada pelo ex-ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen, já falecido, que testemunhou a favor de Nahas, isentando-o de qualquer ilegalidade. Depois de anos de idas e vindas judiciais, Nahas foi, finalmente, absolvido em 2004. Se não ficou provado cabalmente que houve ilegalidade nem manipulação, por que então ocorreu a crise? Nahas, como disse Delfim, havia percebido que os preços das maiores estatais do país estavam subavaliados. Ele começou, então, a comprar grandes lotes desses papéis. Para ele, a hiperinflação favorecia a compra de ativos reais, que protegessem o valor da moeda. Conforme suas estimativas foram se revelando certeiras, atraiu mais corretoras e investidores dispostos a bancar suas apostas. "Sempre agi às claras, nunca escondi nada", afirma Nahas. As compras não eram feitas apenas com capital próprio, mas também com dinheiro emprestado. A estratégia era adquirir os papéis e, depois da valorização, pagar os juros aos bancos e embolsar o lucro. O negócio era facilitado por uma particularidade do mercado naquele período. A compra de uma ação era concluída apenas cinco dias após a transação. De posse do direito de compra da ação, o investidor fazia um empréstimo e, com o dinheiro, cobria o cheque. Com dinheiro emprestado, conseguia fazer compras mais volumosas — ou alavancadas, como se diz no mercado. Assim, Nahas conseguiu amealhar um total de 7% das ações da Petrobras e 12% das ações da Vale. As operações de Nahas estavam dentro do que se fazia no mercado naqueles dias, como atestou Simonsen em seu depoimento à Justiça, em maio de 1990. Havia porém dois riscos. O primeiro era uma queda abrupta no preço das ações. O outro era a falta de financiamento para continuar rolando as apostas. Os contratempos de Nahas começaram quando a Bolsa de São Paulo passou a exigir que ao menos 30% das compras fossem liquidadas no mesmo dia da transação. Oficialmente, seus diretores diziam que a medida era necessária porque havia uma concentração muito grande de negócios em poucos investidores, e, na eventual quebra de uma corretora, o mico ficaria com a bolsa, a responsável pela cobertura dos prejuízos. Para Nahas, a explicação é outra. A ação foi pensada com um único objetivo: abatê-lo em pleno voo. As corretoras "vendidas", o que, no jargão dos mercados, descreve as que apostavam na queda das ações, estavam na ponta perdedora, enquanto Nahas, "comprado", estava na ganhadora. Para Nahas, quem agiu especulativamente foi o então presidente da bolsa, Eduardo da Rocha Azevedo. Aliado aos demais diretores da instituição, eles teriam atuado deliberadamente a favor dos vendidos, ou seja, aqueles que perderiam dinheiro caso as apostas de Nahas fossem certeiras. Encurralado em São Paulo, Nahas não se demoveu e transferiu seus investimentos para a Bolsa do Rio. Novos contratempos vieram. Nahas começou a ter dificuldade para financiar as suas operações. O investidor afirma que os bancos foram pressionados por Rocha Azevedo, seu ex-amigo e desde então seu grande desafeto, a cortar as linhas de crédito. Luiz Carlos Mendonça de Barros, diretor do Planibanc, banco que era um dos principais financiadores de Nahas, disse à Justiça que de fato foi procurado pelo presidente da Bolsa de São Paulo. Segundo o relato, ele o aconselhou a deixar de fazer negócios com Nahas, porque, em caso de queda acentuada no preço das ações, ele não teria como honrar os empréstimos. Rocha Azevedo não quis dar entrevistas sobre o caso, mas, em seu livro de memórias, afirma que agiu apenas para proteger a bolsa, a responsável pela cobertura dos prejuízos. Segundo ele, as corretoras menores com as quais Nahas operava não teriam capital suficiente para suportar uma eventual inadimplência. Nunca se saberá o motivo real de Nahas ter sido asfixiado, se pelo temor de que as suas apostas fossem longe demais, assumindo grandes riscos, como dizem seus adversários, ou se devido a um complô daqueles que estavam na outra ponta das apostas, como Nahas sustenta. O fato é que, sem crédito, ele não conseguiu compensar aquele cheque de 39 milhões de cruzados novos. Nahas afirma que, se lhe dessem tempo, dispunha de recursos suficientes para cobrir a dívida, nem que tivesse de vender parte de seus ativos e suas empresas. Com a crise instalada, no entanto, e a intervenção das autoridades, não houve tempo ou espaço para uma manobra salvadora. Logo em seguida foi decretada a falência de seu grupo empresarial, o Selecta, do qual faziam parte 27 companhias. A queda de Nahas provocou perdas também para alguns dos maiores empresários brasileiros, e o governo foi pressionado a resgatar as corretoras quebradas. Mas o então ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, determinou que dinheiro público nenhum fosse gasto no socorro da bolsa. Relembrando o caso hoje, Maílson da Nóbrega faz um paralelo com a crise de 2008: "Investidores se aproveitaram de brechas na regulação para fazer apostas extremamente alavancadas, de maneira similar ao que ocorreu no mercado americano com a bolha no mercado imobiliário". Absolvido há dez anos, Nahas procura desde então recuperar os bens que restaram da sua massa falida. Move uma ação contra a BMF&Bovespa, a empresa que absorveu as antigas bolsas de São Paulo e do Rio. O investidor pede uma indenização de 10 bilhões de reais e tenta reaver ações que, segundo ele, lhe pertencem e não deveriam ter sido repassadas, em 1989, a bancos e corretoras. Diz Nahas: "Foi o maior roubo da história. Ganharam milhões à minha custa. Ficaram com ações que valiam 17 cruzados novos cada uma e depois as venderam por mais de 40". Segundo a BMF&Bovespa, as ações foram vendidas para cobrir as operações que ficaram em aberto no episódio. Aos 67 anos, Nahas mantém-se longe das bolsas, mas continua atuante como consultor e conselheiro de grandes negócios, particularmente em investimentos árabes no Brasil. No governo Lula, esteve perto de selar a construção de uma refinaria da Aramco, o gigante saudita do petróleo, no Ceará. Mas o negócio foi preterido em favor do acordo da Petrobras com a venezuelana PDVSA, que acabou não se realizando, para um projeto em Pernambuco. Atuou também em favor da Telecom Itália na tentativa de compra da Brasil Telecom, e por isso acabou entrando de gaiato na farsesca Operação Satiagraha, tocada por alguns aloprados da Polícia Federal. A operação foi cancelada, mas lhe trouxe transtornos, como uma detenção e a apreensão de obras de arte de sua coleção particular — ainda hoje confiscadas, até que recursos sejam julgados. No momento, Nahas tenta viabilizar a compra da TIM pelo empresário egípcio Naguib Sawiris. Desde que chegou ao Brasil, em 1969, aos 22 anos, fazer pontes com investimentos árabes é uma de suas principais frentes de atuação, além dos negócios próprios. Nahas descende de uma das famílias mais ricas do Líbano e foi criado no Egito, onde seu pai foi um grande produtor de algodão, até ter os bens confiscados, nos anos 50, pelo governo Gamal Abdel Nasser. Seu destino se ligou ao Brasil graças a uma curiosa obra do acaso. A irmã daquela que seria a sua futura mulher namorava o mais conhecido líder estudantil brasileiro. O romance, em plena ditadura, preocupava o pai das garotas, que decidiu enviá-las para morar, por algum tempo, com parentes em Beirute. A mãe de Nahas ajudou-as a se ambientar no novo país. Foi assim que Nahas conheceu Sula Aun, cuja família era dona da Papéis Simão. Ambos se casaram em 1967 e mais tarde se mudaram para o Brasil. Em poucos anos Nahas constituiu um grupo empresarial com atividades na agropecuária, no setor industrial, financeiro e imobiliário. Livre de todas as acusações e processos há uma década, Nahas ainda tenta levantar a falência do grupo Selecta e recuperar ao menos parte de seu patrimônio, incluindo o Pinheirinho, terreno de 1,3 milhão de metros quadrados, em São José dos Campos, no interior de São Paulo, avaliado em cerca de 200 milhões de reais e que, até uma ordem de reintegração de posse cumprida no início de 2012, era ocupado por 3000 pessoas. Sua principal atuação nos dias atuais, diz ele, é trabalhar como seu próprio advogado na tarefa de "desfazer alguns mitos". 6#4 MEMÓRIA – O SENHOR DE MUITAS HISTÓRIAS Embora considerasse a vocação literária "um mistério", o ficcionista baiano João Ubaldo Ribeiro — que morreu na madrugada da sexta-feira 18, aos 73 anos, em seu apartamento, no Rio, de embolia pulmonar — tinha uma soberba explicação para o milagre da arte de narrar. "O segredo da Verdade é o seguinte: não existem fatos, só existem histórias", escreveu ele na epígrafe de sua obra mais ambiciosa, o romance Viva o Povo Brasileiro (1984). Para trazê-las à tona, empenhou-se, com irrefreável obsessão, na busca da "palavra justa". O mote principal, já explorado em Setembro Não Tem Sentido (1968), seu livro de estreia, era a identidade nacional. "A literatura não pode fazer nada a não ser falar do povo de seu país", disse Ubaldo a VEJA em 1993. O que tornou sua produção ficcional ímpar foi a competência com que aliou a temática da brasilidade a um extraordinário refinamento literário. Assim, o Hamlet de Shakespeare — que Ubaldo declamava, em inglês, com os olhos encharcados — se insinua no corpo de Sargento Getúlio (1971), do mesmo modo que a sombra de Homero, lido "mais ou menos aos 10 anos", invade passagens memoráveis de Viva o Povo Brasileiro. Nascido em Itaparica, o escritor teve com o pai uma relação difícil, o que não o impedia de reconhecer o papel fundamental dele em sua educação humanística. Formado em direito e mestre em ciência política, Ubaldo — eleito para a cadeira 34 da Academia Brasileira de Letras em 1993 — nunca trabalhou como advogado. Na juventude, no entanto, foi jornalista, ao lado do amigo Glauber Rocha. "Eu era um péssimo repórter", recordava, às gargalhadas. Na década de 80, descobriu a crônica, que exerceu até o fim. Pudera: não existem fatos, só histórias. RINALDO GAMA 6#5 GUSTAVO IOSCHPE – VOCÊ PREFERE QUE SEU FILHO SEJA INTELIGENTE OU ESFORÇADO? É difícil e trabalhoso criar filhos para que sejam felizes, sérios e realizados. Já estraga-los é tarefa mais fácil. Há várias maneiras de transformar uma criança promissora em um adulto miserável. As mais comuns têm a ver com o desamor, a repressão, a agressividade e o rigor excessivo com que muitos pais tratam os filhos. A reação a essas falhas históricas causou o problema oposto: uma vontade dos pais, nas últimas gerações, de aumentar a autoestima filial de qualquer jeito. Em inglês, italiano e francês, a palavra mimar significa estragar. É possível também arruinar o futuro de uma criança de maneira muito amorosa, com a melhor das intenções. Veja estes experimentos, conduzidos pela psicóloga de Stanford Carol Dweck (disponíveis em twitter.com/gioschpe). Dweck e colegas trabalharam com algumas centenas de crianças americanas de 11 anos. Todas elas precisaram fazer um teste de inteligência No primeiro teste, as crianças deveriam resolver dez problemas de dificuldade media. Depois que elas terminavam, o experimentador corrigia o exame e dizia a cada uma delas: "Uau, você foi muito bem nesses problemas! Acertou [x] questões. Esse é um escore muito alto!". Essa frase foi dita a todas as crianças, independentemente do seu desempenho real; as crianças ouviram um [x] igual ou superior a oito. Na etapa seguinte, elas ouviam mais uma frase, e é aqui que o experimento começa a ficar interessante. Um grupo de crianças, escolhido aleatoriamente, recebia um elogio ao seu talento: "Você deve ser muito esperto para esse tipo de problema". Um segundo grupo recebia um elogio ao seu esforço: "Você deve ter trabalhado duro para resolver esses problemas". Um terceiro grupo não ouviu nada além da informação sobre o seu escore. Depois dessa primeira rodada, o experimentador perguntava que tipo de problema a criança queria resolver, dando a ela quatro opções. Uma delas tinha o objetivo de aprendizado ("problemas com os quais eu aprenderei muito, mesmo que não aparente ser muito esperto"), enquanto as outras três tinham como objetivo mostrar sua habilidade ("problemas que sejam fáceis, para que eu vá bem"). Independentemente do que cada criança escolhia, todas elas receberam uma segunda batelada de dez problemas — desta vez com um nível de dificuldade bem mais elevado. Os experimentadores então diziam às crianças que elas tinham ido muito mal nessa segunda rodada, acertando menos da metade dos problemas (mesmo que, na verdade, elas tivessem acertado mais do que isso). Depois de receberem esse feedback negativo, as crianças respondiam se queriam continuar a resolver problemas, quanto gostavam de resolvê-los, que autoavaliação faziam e como explicavam o seu desempenho. Finalmente, as crianças precisavam resolver um terceiro grupo de dez problemas. Essa última batelada de perguntas tinha o mesmo nível de dificuldade do primeiro grupo de problemas. Então os pesquisadores tabularam os resultados, tanto do desempenho nos exercícios quanto nas perguntas finais. O incrível desse experimento e de outros semelhantes é o enorme impacto que uma simples frase teve no comportamento das crianças. Aquelas que receberam elogio por sua inteligência atribuíram seu desempenho ao seu talento, enquanto as que receberam elogio por seu esforço atribuíram seu resultado a quão duro haviam trabalhado. O tipo de problema que as crianças optaram por resolver nas etapas seguintes também foi significativamente influenciado pelo comentário do experimentador: 67% daquelas que receberam elogios por sua inteligência preferiam trabalhar em problemas fáceis que lhes permitissem continuar parecendo inteligentes, enquanto 92% das elogiadas por seu esforço queriam problemas em que pudessem aprender mais. As crianças elogiadas por sua inteligência explicaram seu desempenho em termos de habilidades fixas, enquanto aquelas elogiadas por seu esforço o explicaram em termos da intensidade de energia que devotaram aos problemas. Como o talento é fixo, mas o esforço é mutável, as crianças que atribuíram seu sucesso ao talento sofreram um baque quando fracassaram. Elas perseveraram menos nos problemas e declararam gostar menos de resolvê-los do que aquelas elogiadas por seu esforço. Agora eis aqui a parte mais interessante e preocupante. Na primeira batelada de problemas, as crianças dos três grupos tiveram um desempenho indistinguível. Já na terceira rodada, depois que elas passaram pelos elogios da primeira e pelo fracasso na segunda, as diferenças foram marcantes. As crianças que não receberam elogio algum tiveram uma leve melhoria no acerto, de 0,13 pergunta. As crianças que receberam elogios por seu esforço tiveram uma melhoria significativa, de 1,21 pergunta. Aquelas elogiadas por sua inteligência tiveram um decréscimo significativo, de 0,92 pergunta. Uma mísera frase de um experimentador desconhecido fez com que o desempenho das crianças tivesse uma variação de mais de 20%. Imagine o efeito cumulativo de um tratamento semelhante feito por alguém que uma criança ama e admira, como os pais ou, em menor escala, os professores. Acho incrível a quantidade de pessoas que, vindas de famílias estáveis financeira e emocionalmente e tendo cursado boas escolas, não realizam nada de significativo na vida. Passam a carreira inteira sem gostar do que fazem, em empregos que não oferecem riscos, sempre dizendo querer fazer outra coisa. São focadas não em chegar ao seu máximo, mas em evitar o fracasso, a dor, a frustração. Para alguém que teve seu desempenho atribuído ao talento — e não ao esforço —, o fracasso significa o desmonte da autoestima, e é evitado a todo custo. Lembrei-me também de outro experimento, conduzido por Dan Ariely, em que homens de meia-idade deviam colocar a mão em uma bacia de água pelando. Precisavam então identificar quando começavam a sentir dor. Ariely mediu também quanto tempo cada um deles conseguia deixar a mão submersa. Os homens em questão faziam parte de um clube para feridos do Exército israelense, classificados em dois grupos: o daqueles que passaram por dor moderada (quebrar um cotovelo, por exemplo) e o dos que tiveram de lidar com dores muito fortes e duradouras (vítimas de minas). Aqueles que tinham experimentado a dor forte, mesmo que décadas antes, demoraram o dobro do tempo para dizer que sentiam dor e deixaram a mão na água quente pelo dobro do tempo dos que passaram por dor moderada. Nietzsche tinha razão: o que não mata fortalece. É claro que não estou aqui sugerindo que voltemos ao passado tenebroso em que pais faziam da vida dos filhos um calvário sob a desculpa de os estarem "preparando para a vida". Mas parece claro que, com toda a cascata de elogios, massagens na autoestima, "é um génio!" pra lá e pra cá, estamos prestando um desserviço aos nossos filhos (e alunos) e criando uma geração de fracos. É justo e elogiável que pais queiram preparar os filhos para o sucesso. Mas lidar com o sucesso é relativamente fácil. Se queremos que nossos filhos realizem todas as suas potencialidades — e busquem sempre aumentá-las —, precisamos mesmo é prepará-los para o fracasso. O segredo não é evitar a queda, mas conseguir se levantar. E seguir a caminhada. GUSTAVO IOSCHPE é economista 6#6 IDEIAS – A ARTE DE SER FELIZ Você faria qualquer coisa para conquistar a felicidade? Estudantes franceses tiveram de responder a essa questão no último exame nacional. Mas o que é ser feliz? MÁRIO SABINO Deve-se fazer de tudo para ser feliz? Essa foi a pergunta escolhida para ser um dos temas da dissertação de filosofia do baccalauréat deste ano — o exame de conclusão do equivalente ao ensino médio na França e que dá acesso à universidade. A primeira intenção, bastante evidente, era pôr o estudante diante de um dilema ético sobre as escolhas a ser feitas na busca da realização de ambições e desejos. Ou melhor, sobre os limites das iniciativas a ser tomadas nesse sentido. A vida mostra que há quem os tenha mais estreitos, mais largos, ou mesmo quem só aparente tê-los, na fronteira da psicopatia. Mas a pergunta aos alunos franceses embute uma segunda discussão: afinal de contas, o que é a felicidade? Nos intervalos das partidas da Copa do Mundo, a música mais tocada nos estádios foi Happy, ou Feliz, do americano Pharrell Williams, com o seu ritmo transmissível como a dengue e a sua letra que proclama que nada é suficiente para estragar a alegria de quem a canta. O hit mundial proporcionou milhares de vídeos caseiros, postados na internet, com gente pulando de contentamento, e levou Williams a chorar (de alegria e também de desafogo pelo seu passado difícil) numa entrevista à apresentadora Oprah Winfrey, desaguadouro dos derramamentos das celebridades dos Estados Unidos. Tema frequente no universo pop, em especial em relação ao amor, a felicidade é um assunto exploradíssimo no mundo da propaganda — de comerciais de supermercado aos de banco, passando pelas inevitáveis cenas familiares dos anúncios de margarina. Em ambos os casos, vende-se a ideia de satisfação permanente, de encantamento suspenso no tempo e no espaço, de euforia de balada. A estratégia é legítima, embora vá de encontro à realidade tão bem expressa pela máxima do moralista François de la Rochefoucauld: "Não se é jamais tão infeliz quanto se crê, nem tão feliz quanto se esperava". Na filosofia do alemão Arthur Schopenhauer, tido como o arauto do pessimismo, podemos encontrar uma das melhores compreensões do que seja a felicidade — e, por consequência, tentar cultivá-la dentro dos parâmetros da frase de La Rochefoucauld. No livro A Arte de Ser Feliz, o italiano Franco Volpi compilou cinquenta regras que se encontravam esparsas pela obra do filósofo, ao estilo do que fez o próprio Schopenhauer nos seus manuais. Como é impossível mencionar todas no espaço destas páginas, fiquemos com as três principais: 1- Estar ciente de que só a dor é verdadeira. Ou seja, não requer nenhuma ilusão acessória para existir. Usufruir um presente sem dor, em vez de procurar o prazer num futuro improvável, é já uma forma de ser feliz, por mais que isso possa parecer sem graça aos olhos da civilização hedonista. "O homem sábio não aspira ao deleite, e sim à ausência de sofrimento", escreveu Schopenhauer, citando o grego Aristóteles. 2- Evitar a inveja: ela tortura quem a nutre e, por esse motivo, causa infelicidade. "Você nunca será feliz enquanto se torturar por alguém ser mais feliz", resumiu o romano Sêneca. A crueldade apontada por Schopenhauer: "E, no entanto, nós estamos constantemente preocupados em despertar inveja". 3- Ser fiel a si próprio (de certa forma um prolongamento da segunda regra). Seguir as características e os pendores que o forjaram, assim como aceitar as suas limitações, é essencial para o indivíduo resguardar-se de frustrações. Trata-se de algo difícil, porque não raro somos tentados a enveredar por caminhos estranhos a nós mesmos, mais adaptados às condições de quem invejamos. Diz o filósofo alemão: "Quando reconhecemos claramente, e de uma vez por todas, nossas qualidades e forças, bem como nossos defeitos e fraquezas, conseguimos fixar os nossos objetivos e nos resignamos com o inatingível. Escapamos, dessa maneira, à mais terrível de todas as dores: a insatisfação com nós mesmos, essa insatisfação que é a consequência inelutável da ignorância da própria individualidade". O site da revista Le Point fez a pergunta do exame de baccalauréat a políticos franceses. A maioria respondeu que se deve fazer de tudo para ser feliz, "desde que a felicidade almejada seja coletiva". Previsível, superficial e até certo ponto desejável na boca de homens públicos, quando se pensa que a hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude. Políticos... Não é necessário ser um Schopenhauer para saber que, de uma forma ou de outra, a felicidade será tema na campanha eleitoral que se avizinha no Brasil. Acrescente-se, então, uma 51ª regra circunstancial àquelas imanentes ao filósofo alemão: desconfiar dos candidatos que se apresentarem felizes com a nossa situação atual. ________________________________________ 7# GUIA 23.7.14 7#1 EMPREGO COM PRAZO DE VALIDADE 7#2 SALA DE AULA NA EMPRESA 7#3 CUSTOS MAIS BAIXOS 7#4 FREELANCERS CONECTADOS 7#1 EMPREGO COM PRAZO DE VALIDADE O CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO, MUITO COMUM NOS ESTADOS UNIDOS E NA EUROPA, COMEÇA A SER VISTO DE FORMA POSITIVA E APLICADO COM MAIS FREQUÊNCIA POR AQUI: UMA PESQUISA INTERNA DA CONSULTORIA ROBERT HALF REGISTROU AUMENTO DE 30% NA CONTRATAÇÃO DE TEMPORÁRIOS NO ANO PASSADO EM RELAÇÃO A 2012. Além de ser, às vezes, a porta de entrada para uma vaga eletiva, o trabalho temporário é uma excelente oportunidade para o profissional adquirir experiência e, assim, aprimorar seu currículo, de acordo com os especialistas em recrutamento. No Brasil, a modalidade é regulamentada pela Lei nº 6019, de 1974, que permite que as empresas contratem por tempo predeterminado diante de um aumento inesperado de demanda ou para substituir um funcionário afastado por doença ou licença-maternidade, por exemplo. A legislação brasileira restringia os contratos dessa modalidade para seis meses. Mas, em junho, uma portaria do Ministério do Trabalho ampliou esse período para nove meses quando se trata de substituição de funcionário. "Apesar de não valer para todos os casos, a mudança beneficia principalmente quem entra no início de um projeto — em geral, eles têm duração de oito meses nas empresas brasileiras —, pois permite que o profissional feche um ciclo antes de sair", diz Lucas Nogueira, gerente da divisão de recrutamento temporário da Robert Half. VEJA ouviu especialistas sobre os direitos e benefícios para trabalhadores temporários no Brasil. QUEM CONTRATA? O maior volume de contratações de temporários ainda está na indústria e no varejo, em decorrência dos aumentos sazonais de produção e de vendas. Desde o início dos anos 2000, porém, o perfil do temporário vem mudando. Além do setor financeiro, que contrata para as áreas de contas a pagar e receber, tesouraria, tributário e contábil, o profissional encontra vagas em tecnologia (principalmente para suporte e desenvolvimento), recursos humanos e secretariado. Para os postos temporários, o processo seletivo é mais rápido: enquanto a seleção para uma vaga efetiva pode levar em torno de 21 dias, a escolha de um temporário em geral é feita em uma semana QUANTO SE GANHA? Os temporários de nível superior das áreas administrativa, financeira ou de tecnologia recebem entre 4000 reais e 8000 reais mensais, conforme o cargo. "A maioria das vagas é destinada a profissionais de nível pleno (entre três e cinco anos de experiência) e sênior (acima de cinco anos), e pode haver contratação em qualquer cargo e nível, como gerência e direção, dependendo da necessidade da empresa", explica Carolina Asevedo, diretora da Page Interim, especializada em recrutamento de profissionais temporários e terceiros. Lucas Nogueira, da Robert Half, destaca que os profissionais contratados para desenvolver um projeto específico podem ganhar salários ainda maiores. "Em algumas áreas, é possível ter um acréscimo de 20% a 30% sobre a média salarial dos funcionários efetivos", diz. No varejo, o salário é menor: varia de 1100 a 1700 reais QUAIS SÃO OS DIREITOS? Embora a contratação se dê por meio de uma empresa especializada, o temporário fica subordinado à chefia da firma para a qual vai trabalhar e tem os mesmos direitos dos demais funcionários. "Ele não pode receber um salário inferior ao do profissional que está substituindo ou, quando se trata de contratação por aumento de demanda, menor que o dos colegas do mesmo nível. Além disso, deve receber férias e décimo terceiro proporcionais ao fim do contrato", explica a advogada trabalhista Daniela Yuassa, do escritório Stocche Forbes, de São Paulo. Durante a vigência do contrato, o temporário também tem a carteira de trabalho assinada e o recolhimento do INSS. A única exceção, segundo a advogada, são o aviso prévio e a multa de 40% sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Por outra lado, ao término do contrato, o trabalhador temporário pode sacar os valores depositados no FGTS. "Quanto aos benefícios, como plano de saúde e vale-alimentação, a lei não assegura que o temporário receba o mesmo que a companhia oferece aos efetivos, mas as empresas e as agências de trabalho temporário costumam conceder benefícios equivalentes", diz a advogada COMO ELE AFETA O CURRÍCULO? Os especialistas garantem: ao contrário do que acontece com o chamado pula-pula - aquele profissional que troca constantemente de emprego -, quem acumula várias experiências como temporário não é malvisto pelo mercado. "Quem passou por trabalhos temporários pode especificar no currículo a função que exerceu e os projetos que desenvolveu durante aquele período. Além disso, o registro na carteira de trabalho especifica a experiência como temporário", diz Carolina Asevedo, da Page Interim. PODE RESULTAR EM EFETIVAÇÃO? Quem entra como temporário tem chances de se tornar efetivo. Segundo Márcia Almström, diretora de recursos humanos do ManpowerGroup, 34% dos temporários são efetivados quando seu contrato expira. "O temporário quer mostrar que pode desempenhar bem a função e acaba se destacando. Ele traz também um olhar inovador que agrada à empresa", afirma Márcia. O período como temporário também pode servir como oportunidade para experimentar novas áreas - alguém que tenha a intenção de migrar de uma consultoria contábil para a indústria farmacêutica, por exemplo, pode descobrir, durante um período como temporário, se a mudança realmente lhe convém. 7#2 SALA DE AULA NA EMPRESA A educação corporativa, em que as companhias criam estruturas próprias para desenvolver e capacitar seus empregados, é cada vez mais comum no Brasil. Prova disso é o crescimento das universidades corporativas no país: de dez em 1999, elas saltaram para mais de 300 atualmente, segundo estimativas da Associação Brasileira de Educação Corporativa (AEC Brasil). "As empresas perceberam que estavam gastando muito com cursos escolhidos aleatoriamente pelos funcionários e decidiram investir no atendimento de suas demandas específicas. As universidades corporativas partem da identificação das principais carências para planejar os cursos que vão ministrar ao longo do ano", explica Flávio Reis, sócio-fundador da La Gracia, empresa especializada em treinamento de comunicação corporativa. O termo "universidade" tem mais relação com a variedade de temas abrangidos pela educação corporativa das empresas, que oferece cursos a funcionários de diferentes setores e níveis, do que com o modelo-padrão desse tipo de instituição. As universidades corporativas têm cursos de curta duração - entre dezesseis e vinte horas - ou mais longos, como MBAs montados em parceria com instituições de ensino superior. É o caso do MBA em gestão empresarial para o segmento de material de construção da Universidade Corporativa Anamaco (Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção), com duração de 460 horas. No país, outras empresas, como Bradesco, Fiat, Tigre e Votorantim, também criaram as próprias unidades. "As universidades corporativas funcionam para as empresas em duas pontas: na atração de bons candidatos para as vagas de trabalho e na retenção de talentos. O funcionário sente que a empresa se preocupa em investir na sua formação, em mantê-lo atualizado, e vai pensar muito antes de aceitar outra proposta", acredita Rodrigo Vianna, diretor executivo da Talenses, empresa de recrutamento de executivo. 7#3 CUSTOS MAIS BAIXOS Para pequenos e microempresários, a contratação temporária é uma alternativa importante, pois permite que a companhia tenha flexibilidade para obter mão de obra por período predefinido durante picos de produtividade, sem sobrecarregar os custos fixos. "Nesse caso, a carga tributária das empresas fica cerca de 30% abaixo do total que é gasto com o funcionário efetivado", diz Lucas Nogueira, da Robert Half. Quando buscam uma agência para contratar temporários, as empresas precisam comprovar a necessidade de fazer a substituição de um funcionário afastado (por problemas de saúde, licença-maternidade ou mudança para o exterior para cursar um MBA, por exemplo) ou um inesperado aumento da demanda. "Elas não podem utilizar esse mecanismo para suprir uma demanda permanente. O Ministério do Trabalho fiscaliza e multa as contratações temporárias irregulares", explica a advogada trabalhista Daniela Yuassa. 7#4 FREELANCERS CONECTADOS Os profissionais autônomos podem contar com aliados virtuais para divulgar seu trabalho: sites que reúnem freelancers em um só lugar, facilitando a comunicação entre quem quer contratar e quem quer ser contratado. Nesses sites, freelancers podem oferecer os mais diversos serviços, entre eles marketing, comunicação, contabilidade e engenharia. O Freelancer.com, em que estão cadastrados mais de 11 milhões de profissionais - entre eles, 150.000 brasileiros -, conecta usuários de vários países. A cada parceria fechada, o site cobra 3% do valor do contratante e outros 10% do profissional contratado. Uma pesquisa feita pelo Freelancer.com mostrou que os profissionais brasileiros mais procurados são os programadores, webdesigners, designers gráficos e tradutores. O pagamento é intermediado pelo site, que, em geral, repassa o valor ao freelancer após a conclusão do projeto. No Brasil, 99Freelas (99freelas.com.br) e NearJOB (nearjob.com.br) possuem, juntos, 17.000 profissionais cadastrados em busca de projetos freelancers e pessoas que oferecem trabalhos. _________________________________________ 8# ARTES E ESPETÁCULOS 23.7.14 8#1 MÚSICA – FÁCIL DE OUVIR, DIFÍCIL DE FAZER 8#2 CINEMA – ELE JÁ ESTEVE CERTO 8#3 CINEMA – ATÉ ISTO É RELATIVO 8#4 LIVROS – DEBOCHE COMO FILOSOFIA 8#5 TELEVISÃO – FILÉ AO MOLHO INGLÊS 8#6 VEJA RECOMENDA 8#7 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 8#8 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – RESCALDO DO RESCALDO 8#1 MÚSICA – FÁCIL DE OUVIR, DIFÍCIL DE FAZER O cantor canadense Michael Bublé mostra que por trás de suas canções românticas e da bela aparência existe uma história de perseverança. Em setembro, ele desembarca no Brasil. SÉRGIO MARTINS, DE NOVA YORK Na suíte da Trump Tower, em Manhattan, um dos hóspedes pede para que a televisão seja sintonizada num canal que esteja transmitindo a partida entre Brasil e Alemanha. "Você pode fazer isso, por favor? Meu amigo brasileiro precisa assistir ao jogo", diz Michael Bublé a um funcionário do hotel. E nem adiantou o repórter alegar que futebol era a menor de suas preocupações naquele dia — talvez antevendo a tragédia que estava por vir. Solícito, Bublé insistiu e conseguiu. Em setembro, ele chega ao Brasil para apresentações no Rio de Janeiro e em São Paulo (estuda-se uma data em outra capital). E a gentileza talvez seja uma maneira de mostrar intimidade com a alma brasileira. "Fique tranquilo, será um jogão", diz ele, que no dia anterior fizera o primeiro de dois shows no Madison Square Garden. Bublé mostrou seu repertório de standards do jazz e do pop a uma plateia de fiéis convertidos, que cantaram junto com seu ídolo e riram de todas as brincadeiras que ele fez (inclusive a mediação de um pedido de casamento que um rapaz localizado na primeira fila rasgou à sua noiva). Mas o cantor não gostou do show. "Foi a pior plateia dos últimos doze anos." Michael Bublé se cobra muito, porque seu êxito é uma história de perseverança. Nascido na cidade canadense de Burnaby, ele decidiu se tornar cantor depois de ganhar um aparelho de karaokê de presente do avô paterno, Demetrio Santagà, que o provia com discos de Frank Sinatra desde a infância. Santagà também foi uma espécie de empresário informal do neto. Ele percorria as casas noturnas da cidade e oferecia seus préstimos de eletricista e encanador. Em troca, o dono da boate tinha de escalar o jovem Michael para as atrações da noite. Quando finalmente se tornou profissional, Bublé foi recusado por diversas gravadoras. "Eles diziam: 'Garoto, você canta bem, é bonito, mas não sabemos como divulgar o seu estilo de música'." A sorte mudou em 2000, quando ele cantou no casamento da filha do primeiro-ministro canadense. Um dos convidados era o produtor David Foster, que trabalhou com todo mundo que importa na música pop. Foster, no entanto, também não se persuadiu do talento de Bublé. "Ele me pediu 500.000 dólares para produzir cinco músicas. Foi um jeito educado de dizer que jamais trabalharia comigo", lembra o cantor. Bublé juntou a quantia e foi bater no escritório do produtor, em Los Angeles. Muitas reviravoltas depois, os dois tiveram uma reunião com o presidente da gravadora Warner. "Ele me perguntou por que me contrataria, se a Warner já tinha o catálogo de Sinatra" lembra. "Simples, respondi: Sinatra está morto e eu estou vivo." Foi contratado. "Como assim, já está 4 a 0 para a Alemanha?", pergunta o cantor, estupefato com o apagão da seleção brasileira. É melhor voltar ao mundo do showbiz. Mais que um intérprete de jazz, Bublé é um ídolo do easy listening. O rótulo foi criado nos anos 60 para definir um tipo de música orquestral de arranjos suaves. Em sua versão cantada, o easy listening reuniu intérpretes que faziam incursões pelo repertório jazzístico, mas aboliam as improvisações vocais. Bublé agrega outra qualidade: é um performer nato. Ele aprimorou sua atuação durante as romarias que fazia pelas casas noturnas do Canadá e dos Estados Unidos — e que incluiu um aprendizado com músicos veteranos que o instruíam sobre como retomar a canção após um solo ou brincar com a plateia. É por isso que ele jamais demonstra tédio ou desconforto para a plateia do Madison Square Garden. Brinca e fala com o público como se ele fosse o melhor de sua vida, "O escritor Malcolm Gladwell disse que o sucesso é fruto de mais de 10.000 minutos de trabalho duro. Por isso é que estou aqui com vocês.” Bublé teve um relacionamento de quatro anos com a atriz inglesa Emily Blunt, rompido porque ela teria se cansado das infidelidades do cantor — notícia que fez a alegria dos tabloides. Em 2011, ele se casou com a atriz argentina Luisana Lopilato. Noah, o primeiro filho do casal, nasceu em agosto do ano passado. A família se divide entre Los Angeles, Toronto e Buenos Aires. "Minha mulher faz questão de que o filho tenha alma argentina", diz. E o futebol volta à tona. "A babá do meu filho é brasileira. Você não imagina a briga que vai dar lá em casa se Brasil e Argentina forem para a final." A entrevista termina assim que a Alemanha marca o quinto gol. "Não se desespere, eles não vão continuar com esse massacre por muito tempo", diz. "E desculpe por ter contribuído para você presenciar esse vexame." Nas apresentações brasileiras, Michael Bublé certamente poderá encontrar uma plateia mais calorosa do que aquela que tanto o frustrou no Madison Square Garden. Mas seria de bom-tom deixar o assunto futebol de lado. LOIRA, CHAMPANHE E APARTAMENTO Quatro ícones do easy listening que, muito criticados em seu tempo, hoje têm status de artista cult. RAY CONNIFF Anos 50 O maestro americano foi muito mais do que o bom velhinho de cabelos esticados que regia Besame Macho nos Bailes da Saudade. Conniff adaptou a sonoridade das big bands dos anos 1940 para o pop. No seu repertório, arranjos para standards do jazz e da Broadway e até sucessos do funk ganhavam todos o mesmo estilo inconfundível e surpreendentemente eficaz. BURT BACHARACH Anos 60 Ex-aluno do compositor francês Darius Milhaud, Bacharach é um dos pais do pop americano de largo consumo. Seu repertório, em boa parte criado em parceria com o letrista Hal David, agrega canções assobiáveis, indefectíveis solos de trompete e intérpretes de voz marcante, como Dionne Warwick. Mas hoje é fácil perceber quanto havia de sofisticação e conhecimento musical nessa fórmula aparentemente fácil e agradável. MARCOS VALLE Anos 70 O compositor carioca era uma das vítimas prediletas da patrulha ideológica da esquerda brasileira: Valle não fazia letras de protesto e flertava com gêneros musicais "colonizados", como o rock e o funk. O mundo de bolha de sabão de canções como Quarentão Simpático foi o que valeu a elas a descrição de músicas sobre "loira, champanhe e apartamento", cunhada pelo jornal O Pasquim. Mas foi gravado pelo grupo americano Chicago e se aventurou pelo drum'n'bass. HARRY CONNICK JR. Anos 80 Em 1989, ele foi aclamado como "o novo Frank Sinatra'' por causa da trilha de Harry & Sally - Feitos um para o Outro. Connick interpretava standards da canção americana e composições românticas de sua autoria com uma simplicidade e facilidade que eram frequentemente confundidas com superficialidade. Ultimamente, tem se voltado para o Jazz de Nova Orleans, sua cidade natal. “SEI ME DEFENDER” Gentil, Michael Bublé fez questão de deixar a TV no jogo do Brasil (pois é, o do 7 a 1) enquanto falava a VEJA sobre as razões de seu sucesso — e das críticas a ele. O senhor é um cantor de jazz? Não, sou um intérprete de vários estilos. Inclusive jazz. Sou um cantor que está aí desde os 16 anos e frustrou todos os que diziam que eu não tinha talento. Você pode não gostar da música que faço, mas não dizer que o que faço é ruim. Agrado até aos maridos que são levados a contragosto aos meus shows pelas esposas - estas, minhas grandes fãs. O rótulo de "o cantor de que só a sua mãe gosta" incomoda? Bem, o sanduíche do McDonald's também não é para todos os gostos. Mas deve haver algo de especial nele para ser tão popular. Antes eu me chateava. Hoje acredito que o autor desse insulto é um frustrado e um invejoso. Agora, essa má vontade com o meu sucesso não vem só de jornalistas. Você conhece um cantor chamado Morrissey? Ele disse que sua interpretação não tem alma. Fui procurá-lo para tirar satisfações. A ideia era moê-lo de pancada, mas a empresária dele sugeriu um jantar em vez disso. Ele perguntou por que eu não dava uma pirada e gravava coisas diferentes. O fato é que são raros os artistas que têm êxito artístico e comercial. E meus 50 milhões de discos vendidos são fruto de um trabalho honesto. Nunca me vendi nem tentei ser diferente do que sou. E, se ele não gosta de mim ou acha minhas canções aborrecidas, paciência. Mas o papo fluiu, eu o achei inteligente e no final ele sugeriu canções para o meu repertório. Sempre que nos vemos, temos conversas animadas. Por que no palco o senhor conta piadas e até medeia pedidos de casamento? Quando comecei nas boates de Toronto, eu era um poço de insegurança. O que fiz? Mascarei meu medo brincando com as plateias. Mas casar e ser pai me deixou mais tranquilo. Cantei no Madison Square Garden, mas poderia estar em Idaho. Basta ver a minha mulher no canto do palco e ter certeza de que tudo vai correr bem. Em seus shows, o senhor diz: "Aqui se fez música de verdade, sem playback nem afinadores digitais". Esses recursos são nocivos? Defendo o uso moderado deles. Às vezes passo a minha gravação pelo afinador para ver como melhorar a minha performance. Mas não se pode depender dele. Há pouco gravei uma faixa com Barbra Streisand ao vivo, com orquestra, e sei que o produtor acertaria os eventuais erros. Mas preferi ficar no estúdio e regravar as partes ruins a consertar minha voz digitalmente. O senhor era fã de Sinatra e Van Morrison quando os adolescentes ouviam hip-hop e grunge. O senhor devia ser um pária na escola, não? Não, porque eu também gostava de hip-hop e grunge. Adorava Beastie Boys e achava que Eddie Vedder, do Pearl Jam, seria o novo Elvis. Eu só era meio devagar: ouvia Guns N' Roses quando todo mundo já estava em outra. Às vezes, alguém vinha me provocar. Mas eu sempre soube me defender. Inclusive com os punhos. Por que o senhor é dono de um time de hóquei? Você é brasileiro e gosta de futebol, certo? Sou canadense, e hóquei é a paixão nacional. Amo hóquei mais do que música. É um jogo bonito, e me fascina o código de honra dos jogadores - uma união verdadeira, sem traições. Procuro levar isso para a carreira. Você nunca me verá falando mal de outro artista ou atacando o trabalho dele. Por isso fiquei tão fulo com Morrissey: achei antiético ele atacar alguém que nem conhecia. Sua mulher, a argentina Luisana Lopilato, é uma atriz famosa no país natal dela. Em alguns lugares, bem mais do que eu. Na Argentina, nem se fala. Mas em Israel e na Itália Lupe também faz um sucesso estrondoso. É bom ser "só" o marido. As pessoas me pediam para eu bater fotos delas ao lado de Lupe. Na Itália, ela era cercada enquanto eu ficava ali, num canto, sem ser incomodado. 8#2 CINEMA – ELE JÁ ESTEVE CERTO Planeta dos Macacos — O Confronto eleva a combinação de tecnologia e interpretação a um novo patamar. Mas comprova que o cinema pop de diversão já foi muito melhor. ISABELA BOSCOV Pela primeira vez, um ator presente em cena não em carne e osso, mas por meio de performance capture (aquela técnica em que minicâmeras e sensores fornecem a base real para um personagem digital), encabeça a lista de créditos de um filme — e é correto, merecido e há muito tempo devido que esse ator seja Andy Serkis, o talento fabuloso por trás do Gollum de O Senhor dos Anéis e O Hobbit, do personagem-título do King Kong de 2005, do Capitão Haddock de As Aventuras de Tintin e do chimpanzé César de Planeta dos Macacos — A Origem e do novo Planeta dos Macacos — O Confronto (Dawn of the Planet of the Apes, Estados Unidos, 2014), que estreia no país nesta quinta-feira. Sempre em parceria com a equipe de efeitos da Weta Digital, o inglês Serkis conjura um desempenho cuja intensidade e nuance põem muito para trás o restante do elenco, aquele que comparece com seu rosto e corpo de origem. Os outros atores encarregados de viver os símios neste segundo capítulo não são menos impressionantes: Toby Kebbell como o bonobo Koba, o adido militar de César, e Karin Konoval como o reflexivo orangotango Maurice, em particular, são excelentes. Espiar esses primatas ultra-evoluídos caçando na floresta em que se refugiaram depois de se rebelar contra os estudos científicos de que eram alvo, ou, mais ainda, vê-los marchando a cavalo, com lanças e metralhadoras em punho, é uma dessas experiências extraordinárias que é papel do cinema proporcionar às vezes. E, no entanto, não há nada no filme de 2011 nem neste aqui que se aproxime daquele misto de fascínio, mal-estar e pânico primordial que o Planeta dos Macacos original, de 1968, era capaz de provocar. Era, não — é. Mesmo hoje, apesar da maquiagem tosca (mas avançadíssima para a época), a qual facilmente se abstrai graças às interpretações também elas excelentes do elenco de então, é um estrondo a história do astronauta que cai num planeta em que os humanos são bestas de carga e os macacos são a espécie dominante, organizada numa intrincada hierarquia militar, civil e burocrática. O velho Planeta não era um filme de e nem para intelectuais; era uma peça sensacionalista de diversão pop. Mas suas ideias eram tão pertinentes e bem colocadas, tão diretas e ao mesmo tempo matizadas, que parece milagre que tenham chegado íntegras e plenas de impacto à tela. É um fato: o cinema de autor continua a oferecer filmes magistrais, e o cinema de entretenimento ainda propicia momentos de grande prazer. Mas, no cômputo geral, essa vertente perdeu muito, em conteúdo e ousadia, com a instauração da lógica da megaprodução — que, por visar a bilheteria na casa do bilhão de dólares, insiste que tudo seja reduzido ao mínimo denominador comum, para agradar ao maior número possível de indivíduos em qualquer ponto do planeta. E nem adianta argumentar que Batman — O Cavaleiro da Trevas, para ficar só no caso óbvio, provou que não precisa ser assim: os estúdios, temerosos por seus mega-investimentos, não se convencem. É provável que esse estado de coisas seja tão responsável quanto o trabalho superlativo de performance capture pela festa desmesurada que a crítica americana vem fazendo a O Confronto. As ideias do diretor Matt Reeves e de seus roteiristas são reciclagem de teorias descartáveis sobre a superioridade dos que vivem na natureza e a destrutividade dos seres humanos, e rescaldo de argumentos em prol do controle de armas. Mas, ei, eles ao menos propõem ideias e argumentos, e no atual panorama só isso já basta para criar a impressão de que o filme merece alguma distinção. Mesmo a premissa de O Confronto não poderia, a esta altura, ser mais batida: as pesquisas com símios que James Franco realizava no filme de 2011 fizeram com que um vírus de altíssima letalidade escapasse do laboratório, quase que exterminando a humanidade. Um dos bolsões de sobreviventes se encontra nas ruínas de São Francisco, sem saber que, do outro lado da baia, uma comunidade de símios liderada por César vive em paz e em total ignorância de que alguns de seus primos evolutivos resistiram à epidemia. Logo, porém, as partes tomarão ciência uma da outra. Os humanos precisam reativar uma hidrelétrica que está em território símio antes que seu combustível acabe: o contato entre as civilizações transcorre muito mal, e desemboca em conflito armado: César e sua contraparte humana, Malcolm (o ótimo Jason Clarke), são adeptos da via diplomática, mas Koba e seu correspondente, Dreyfus (Gary Oldman), preferem a força. (Koba, para esclarecer a referência, é o apelido de infância do ditador Josef Stalin.) Ou seja, tem-se dois para lá, dois para cá, para que fique tudo simétrico. Tem-se a "moral" simplista de que, acuados, somos todos capazes de violência, e tem-se momentos de confraternização pretensamente comoventes, além de muitos diálogos que mereceriam caneta vermelha. O que não se tem é um sentido de crescendo, de imprevisibilidade, de perigo verdadeiro — nem de que um assunto de potência real está em pauta. Para conferir o que o casamento entre o talento de um ator e o de uma equipe técnica pode produzir, O Confronto é um programa indispensável. Já para ver o que a imaginação cria, mesmo só com recursos primitivos, sugere-se uma espiada nos clássicos modernos citados na página anterior. QUE DIFERENÇA FAZEM ALGUMAS DÉCADAS Quando estes filmes foram lançados, todo mundo gostou deles, mas ninguém achou que fossem obras-primas. Hoje, são legítimos clássicos. PLANETA DOS MACACOS, 1968 A direção é tão controlada, o ritmo é tão tenso, as surpresas são tão extraordinárias e a atuação de Roddy McDowall e Kim Hunter como os chimpanzés Cornelius e Zira é tão boa que em alguns minutos o espectador não vai mais notar a maquiagem rústica dos anos 60 nem se incomodar com a canastrice de Charlton Heston. Está tudo lá, como se fosse uma apostila didática - mas ninguém consegue aprender a lição. LOVE STORY, 1970 Não há dúvida de que foi, é e sempre será uma baba a história do louco amor - interrompido por um câncer, para elevar o quociente de lágrimas - entre o aristocrático Oliver (o então lindo Ryan 0'Neal) e a proletária Jenny (a mais linda ainda Ali McGraw). Mas o diretor Arthur Hiller a filmou com um naturalismo e um envolvimento que em tudo a separam dos romances pasteurizados que o cinema americano produz hoje. O EXORCISTA, 1973 Isso, sim, é terror: ponha de lado aquele efeito tosco da cabeça de Linda Blair girando para trás, ou o seu vômito satânico feito de sopa de ervilha, e concentre-se na assustadora percepção do mal que o diretor William Friedkin materializa na tela - uma entidade insidiosa e palpável, que nada tem a ver com os fantasmas de parque de diversões do cinema de horror atual. TUBARÃO, 1975 O cinema arrasa-quarteirão foi inaugurado com uma demonstração inequívoca de talento: uma praia lotada de veranistas, três homens, um barquinho, um tubarão assassino. Pronto. Em um crescendo perfeito e sem enrolar com tramas paralelas, Steven Spielberg põe todos os elementos em cena a serviço do clima. Outra aula magna que ninguém (às vezes, nem o próprio Spielberg) consegue repetir. "O SEGREDO É INTERIORIZAR" Pioneiro e expoente da performance capture, Andy Sérios explicou a VEJA no que consiste essa técnica. Qual a sensação de encabeçar os créditos com um trabalho de performance capture? Não vou negar que acho que era hora. Não pela minha satisfação - se eu fosse vaidoso, não faria esses papéis em que ninguém sabe que cara eu tenho -, mas porque isso vai ajudar não só o público, mas também o meio cinematográfico, a compreender o que é a performance capture: é atuar, pura e simplesmente. É liberador não estar dentro da própria pele? Imensamente. É uma ferramenta ilimitada. Você não está restringido pelo seu físico, sua figura, seu sexo, sua cor ou sua idade: todas as possibilidades são viáveis. Não é raro que seus personagens pareçam mais vivos e densos que os dos atores sem disfarce. A que se deve isso? Essa técnica permite a um ator pôr quantidades imensas de si mesmo em um papel. E, portanto, permite que tudo aquilo que é humano venha à tona em personagens que não têm forma humana. Esse é um dado psicológico que cria uma reverberação imensa no espectador e abre espaço para que ele se projete nesse personagem. Em certo sentido, a performance capture é da mesma natureza que as máscaras do teatro grego, ou que os fantoches do teatro medieval - um ator habita um avatar e dá vida a ele, potencializando seu significado. Como garantir que todas as nuances do desempenho se materializem no avatar? A Weta Digital conhece cada músculo do meu rosto e do meu corpo melhor do que eu mesmo. E o conhecimento que foi desenvolvido sobre como interpolar o desempenho capturado no set com a manifestação desse desempenho no avatar não tem rival. É natural que se imagine que esse é um processo técnico. A tecnologia, porém, é só a ferramenta. É um trabalho fundamentalmente artístico. Quais as regras básicas? É comum o ator imaginar que tem de carregar nos gestos e nas expressões, como se estivesse fazendo uma pantomima. Mas não temos mais de brigar com todas aquelas camadas de látex da maquiagem. As câmeras e os sensores são ultrassensíveis, e captam até a mais ínfima vibração no canto de um olho. Como em todo trabalho para o cinema, o segredo é interiorizar, não demonstrar. 8#3 CINEMA – ATÉ ISTO É RELATIVO Parece doideira discutir se um Transformers é superior ao outro, mas é fato: este quarto episódio ganha de longe. O que pode ser mais fácil do que atacar um filme de Michael Bay? Megalomaníaco, vulgar, estridente, jingoísta, sexista, brucutu: o diretor de Bad Boys, A Rocha, Armageddon e Pearl Harbor não só fez por merecer tais adjetivos como os capitalizou numa carreira ultralucrativa, com 5,4 bilhões de dólares de bilheteria. Só a série Transformers, o ápice do jeito Bay de filmar, responde já por mais de 3,4 bilhões desse total. Ocorre que, entre Transformers 3 e Transformers 4 — A Era da Extinção (Transformers: Age of Extinction, Estados Unidos/China, 2014), já em cartaz, Bay tomou uma tangente benéfica: fez um filme pequeno para seus padrões e que propunha uma crítica corrosiva dos valores que ele próprio sempre enaltecera. Baseado num episódio verídico, Sem Dor, sem Ganho contava a história de três sujeitos que, combinando burrice a ganância, cometeram um crime tão estúpido quanto eles próprios sem jamais imaginar que haveria consequências. Bay conseguiu, com Sem Dor, sem Ganho, encontrar a vitalidade e a ambiguidade que lhe faltavam. Resíduos desse vigor, assim como da inesperada aproximação com o mundo real, estão em A Era da Extinção: por mais que pareça fútil distinguir entre a barulheira de um e a de outro Transformers, o fato é que o quarto episódio da franquia é, nos seus termos, muito superior aos outros três. Tão superior que, em certos trechos, chega a ser até agradável. Um dos trunfos de A Era da Extinção é Mark Wahlberg, o cabeça dos três patetas de Sem Dor, sem Ganho, que infunde graça e leveza ao papel-clichê do viúvo que tenta manter a estonteante filha adolescente (Nicola Peltz) resguardada de potenciais namorados e procura, com menos sucesso ainda, evitar a falência: inventor frustrado, ele deve até as calcas, mas nem assim resiste a comprar um velho caminhão que acha dentro de um cinema (!) abandonado. O caminhão é um transformer — ninguém menos que Optimus Prime, líder dos mocinhos Autobots, que no filme anterior se haviam aliado à humanidade contra os vilões Decepticons. Optimus e os outros Autobots estão sendo caçados por um agente da CIA caviloso (Kelsey Grammer), por motivos que não fazem diferença para a compreensão, ou incompreensão, do enredo. A preocupação primordial de Bay é com seu protagonista simpático e com cenas de ação muito mais sólidas, criativas e limpas do que é seu costume. Se há uma característica que define Bay, é sua sanha destrutiva: bombardear, explodir e arrasar é seu traço autoral. Em A Era da Extinção, não só Chicago de novo vai pelos ares (esticando os loooongos 165 minutos de projeção) como também Hong Kong cai por terra quando os Autobots saem no braço com os vilões com o auxílio inestimável dos Dinobots — acachapantes dinossauros mecânicos. Se nos outros Transformers essas cenas de destruição eram confusas, genéricas e cansativas, agora elas têm uma clareza e uma especificidade que surpreendem. Têm, enfim, aquilo que Bay antes desconhecia: escala humana. ISABELA BOSCOV 8#4 LIVROS – DEBOCHE COMO FILOSOFIA Chega ao Brasil um clássico do escritor checo Jaroslav Hasek, tão absurdo quanto a obra de Franz Kakfa, mas mais zombeteiro. Alguns grandes personagens da literatura deixaram pegadas em dicionários de diversas línguas. Em português, o quixotismo (de Dom Quixote) e o bovarismo (de Emma Bovary) são duas maneiras de negar a realidade, ao passo que é acaciana (Conselheiro Acácio) uma tolice pomposa. A palavra svejk ainda não pertence ao nosso léxico — mas a oportunidade de adotá-la acaba de surgir. Em línguas do Leste Europeu, mas também no inglês informal, ela designa aqueles que, parecendo simplórios e submissos, se especializam em driblar a ordem, ou subvertê-la a partir de dentro. O romance que a originou está saindo no Brasil: As Aventuras do Bom Soldado Svejk (tradução de Luis Carlos Cabral: Alfaguara; 682 páginas; 69,90 reais, ou 29,90 na versão digital), do checo Jaroslav Hasek. No seu país natal, Svejk, o personagem, transformou-se quase imediatamente em svejk, o substantivo comum. O próprio Hasek presenciou o fenômeno, resultado do enorme sucesso que o livro desfrutou assim que seu primeiro volume foi lançado, em 1921. Ele se tornou, aos poucos, uma espécie de monumento literário nacional — e também garantiu seu espaço no cânone universal. O escritor Milan Kundera, conterrâneo de Hasek, sugeriu que ele era autor do único "grande romance popular" do período modernista: um livro que tem por objetivo primário oferecer uma risada a cada página, com um máximo de vitalidade e sem nenhum pudor. Um episódio exemplar é aquele em que um gato destrói os mapas de campanha do Exército. Como não poderia deixar de ser, o oficial comandante é inteiramente míope: "'O que é isto, senhores?', ele pergunta surpreso quando, ao apontar para o mapa, alguma coisa engancha em seu dedo. 'Parecem excrementos de gato, meu coronel' — disse em nome de todos o capitão Ságner, muito educadamente". O texto vai nessa toada. Dizer que o livro é popular não equivale a dizer que é raso. Hasek o deixou inacabado ao morrer, com apenas 39 anos, em 1923. Curiosamente, a ausência de ponto-final não o prejudica: permite imaginar Svejk exercitando suas artimanhas pela eternidade, e não apenas nas circunstâncias em que o encontramos, como soldado do Exército austro-húngaro durante a I Guerra Mundial. Embora a ordem militar seja um alvo claro de Hasek, ele era constitucionalmente alérgico a qualquer estrutura de poder: por temperamento era um encrenqueiro, hóspede constante das delegacias de polícia, e por filosofia um anarquista ou até mesmo um cínico à moda da Antiguidade — alguém que se inspira nos cães de rua para pregar o desprezo pela autoridade (não por acaso, Hasek foi o fundador de um suspeito "Instituto Cinológico" e deu a Svejk a profissão pré-guerra de vendedor de cães com pedigree forjado). Seu livro seria uma espécie de "crítica geral das instituições". Não é por outro motivo que muitos críticos encontram uma surpreendente afinidade entre Hasek e seu concidadão Franz Kafka. O hiper-refinado Kafka e o desbocado Hasek teriam ambos atinado com a mesma imagem: o mundo como uma gigantesca organização hierárquica regida pelo absurdo. CARLOS GRAIEB 8#5 TELEVISÃO – FILÉ AO MOLHO INGLÊS Eis o temperinho da atmosfera aristocrática de O Rebu, remake de uma novela ousada dos anos 70. Pouco após sua exibição, em meados dos anos 70, a novela O Rebu virou fumaça: somente dois dos 112 capítulos resistiram a um incêndio. Mas, ainda que tenha sumido sem fazer sucesso, a trama de Bráulio Pedroso (1931-1990) permaneceu na memória dos fãs de folhetins por sua proposta inovadora. Toda a ação se passava em uma festa promovida por um banqueiro. Um corpo surgia na piscina — e o crime era investigado em três planos temporais distintos. "Bráulio era um autor da pá virada", resume o especialista Mauro Alencar. Nem o noveleiro visionário poderia imaginar que, ao ressurgir das cinzas, O Rebu buscaria na Inglaterra eduardiana a chave para rejuvenescer. Da atmosfera luxuosa captada num palacete na Argentina a seu retrato dos conflitos sociais, a nova trama das 11 da Globo extrai um belo naco de seu frescor do novelão inglês Downton Abbey. O Rebu já caiu no gosto do público que andava entediado com as novelas. A cena de abertura foi um marco: a câmera seguia os personagens ao som do clássico disco Don’t Let Me Be Misunderstood. Sem cortes ou falas, a sequência de dois minutos delineou a teia de relacionamentos da trama. A gravação não foi simples. "Numa cena com tanta gente, sempre há trombadas e figurantes perdidos. Deu certo na quarta tentativa", diz o diretor José Luiz Villamarim. Para ressuscitar a gente chique d'antanho no Brasil atual, houve adaptações. O ricaço interpretado pelo polonês Ziembinski foi transmutado em Angela Mahler (Patrícia Filiar), magnata com interesses no pré-sal. Ela nutre o que aparenta ser uma paixão lésbica pela jovem Duda, corporificada pela resplandecente Sophie Charlotte. Mas a maior sacada foi enriquecer O Rebu com uma ala de serviçais na qual há espaço generoso para a tensão de classes. A mise-en-scène da recepção aos convidados e do serviço de jantar é uma delícia. Downton Abbey e o filme Assassinato em Gosford Park, do mesmo roteirista Julian Fellowes, são uma inspiração assumida. O Rebu traz, por fim, uma lição sobre os remakes. As atrações anteriores das 11 foram recriações pálidas de Gabriela e Saramandaia. Só baratearam obras consagradas. Villamarim e o roteirista George Moura elegeram uma opção menos óbvia: embora cultuada, a trama dos anos 70 era arrastada e confusa. "Ao regravar um sucesso, você não sai da zona de conforto. Queríamos ousar", diz o diretor. O bife duro virou filé. Ao molho inglês, claro. MARCELO MARTHE 8#6 VEJA RECOMENDA TRUE DETECTIVE — A PRIMEIRA TEMPORADA (ESTADOS UNIDOS. 2014. WARNER) • Num pântano da Louisiana, uma jovem é assassinada em ritual macabro: seu corpo surge amarrado a um tronco, com uma galhada sobre a cabeça. Anos depois, os ex-policiais Rust Cohle (Matthew McConaughey) e Marty Hart (Woody Harrelson) são intimados a depor sobre a investigação. A estupenda True Detective parte da premissa criminal, mas seu foco é filosófico: nos oito episódios, o roteirista Nic Pizzolatto faz uma investigação de como a vida dos dois homens foi destroçada por um caso eivado de referências a um clássico da literatura gótica do sul dos Estados Unidos. Nos contos de O Rei de Amarelo, de Robert W. Chambers (1865-1933), quem lê o misterioso livro do título enlouquece — e essa sina assombrará a dupla a cada passo em direção à verdade. Nos extras, McConaughey conta como conferiu a Rust a expressão exaurida que resume a série. LIVROS TEMPO E CONTRATEMPO, ESTA É A VERDADEIRA HISTÓRIA DO PARAÍSO, ESSA CARA NÃO ME É ESTRANHA E THE COW WENT TO THE SWAMP, DE MILLÔR FERNANDES (COMPANHIA DAS LETRAS: 128 A 192 PÁGINAS; DE 27 A 56 REAIS) E MILLÔR 100 + 100 (IMS; 264 PÁGINAS; 50 REAIS) • Dois anos após sua morte, Millôr volta às livrarias em quatro reedições e uma coletânea, abrangendo mais de sessenta anos de carreira. De 1949 é Tempo e Contratempo, apanhado de crônicas e charges da coluna Pif-Paf, da revista O Cruzeiro. Já Esta É a Verdadeira História do Paraíso é a polêmica — e hilariante — versão do livro do Gênesis, causa de seu desligamento da revista nos anos 60. Nos poemas de Essa Cara Não Me É Estranha, escritos de 1945 a 1973, Millôr exerce o olhar de "sociólogo amador". E The Cow Went to the Swamp (ou A Vaca Foi pró Brejo) é um antimanual de tradução com pérolas assim: "Eu tô que tô/I’m that I'm". No último livro, o jornalista Sérgio Augusto e o desenhista Cássio Loredano selecionaram 100 frases e 100 desenhos do autor de petardos como: "A morte é hereditária". • OS MAIS VENDIDOS VEJA Nascida no estado americano da Carolina do Sul, Kiera Cass acabara de chegar a Blacksburg, na Virgínia, quando entrou em parafuso com a tragédia que abalou os Estados Unidos em 2007: o massacre de 32 estudantes e professores em uma universidade da cidade. Até então, Kiera fora uma jovem mergulhada em um leque de atividades — dança, teatro, história e música —, mas indecisa sobre o que fazer na vida adulta. O baque a fez escrever. Ela criou uma personagem adolescente e projetou suas aflições nela. Descobriu o que lhe dava, de fato, prazer: "Tudo é apenas contar histórias. Adoro isso". A partir daí, Kiera criou uma série jovem de sucesso. Oitavo lugar na lista de ficção, A Escolha (tradução de Cristian Clemente; Seguinte; 352 páginas; 29,90 reais) fecha a trilogia que, somada a um volume de contos, já vendeu 400.000 exemplares no Brasil. O enredo é básico: em um país fictício, adolescentes competem pelo coração de um príncipe. Embora a série se tenha originado do massacre chocante, as descrições de vestidos e jóias entregam: meninas são o seu alvo. BRUNO MEIER CINEMA O MELHOR LANCE (LA MIGLIORE OFFERTA, ITÁLIA, 2013. JÁ EM CARTAZ NO PAÍS) • Virgil Oldman (Geoffrey Rush), leiloeiro que conduz vendas nas mais prestigiadas casas europeias, tem uma obsessão secreta por retratos: por meio de um "laranja", arremata obras-primas que depois expõe numa sala-forte, para seu deleite exclusivo. Perfeccionista, intolerante e inflexível, Virgil recebe certo dia o telefonema de uma jovem, Claire, que diz ter um valioso acervo familiar do qual quer dispor. A moça, porém, falta a todos os encontros marcados com o leiloeiro: quando ele ameaça desistir do compromisso com ela, Claire revela sofrer de um caso extremo de agorafobia. Há anos não sai de sua mansão. E assim Virgil, que ama rostos, está fisgado: tem de ver o rosto dela. O diretor Giuseppe Tornatore, que se tornou internacionalmente conhecido em 1988 com Cinema Paradiso, realiza aqui um de seus filmes mais intrigantes e voluptuosos. DISCO PASSADO DE GLÓRIA: MONARCO 80 ANOS (NATURA MUSICAL) • O carioca Hildmar Diniz ainda usava calças curtas quando deparou com a palavra monarco numa história em quadrinhos do Super-Homem. De tanto que a utilizou para atazanar os amigos, ela acabou virando seu apelido e, tempos depois, seu nome artístico. E foi como Monarco que ele se tornou um dos principais compositores da Portela e autor de sucessos na voz de sambistas como Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho. Monarco gravou menos do que deveria, mas todos os seus lançamentos são de samba de alta patente. Passado de Glória, seu mais recente CD, traz treze composições inéditas. São os chamados "sambas de terreiro", criados fora do período carnavalesco. Os temas vão das mulheres sem coração (Fingida) à natureza (Estação Primaveril, que tem participação de Marisa Monte). 8#7 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA 2- Quem É Você, Alasca? John Green. MARTINS FONTES 3- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA 4- Cidade do Fogo Celestial. Cassandra Clare. GALERA RECORD 5- A Menina que Roubava Livros. Markus Zusak. INTRÍNSECA 6- Felicidade Roubada. Augusto Cury. SARAIVA 7- O Teorema de Katherine. John Green. INTRÍNSECA 8- A Escolha. Kiera Cass. SEGUINTE 9- O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 10- A Seleção. Kiera Cass. SEGUINTE NÃO FICÇÃO 1- O Livro da Psicologia. Nigel Benson. GLOBO 2- A Estrela que Nunca Vai Se Apagar. Esther Earl. INTRÍNSECA 3- Demi Lovato – 365 Dias do Ano. Demi Locato. BEST SELLER 4- Sonho Grande. Cristiane Corrêa. PRIMEIRA PESSOA 5- O Livro da Filosofia. Vários. GLOBO 6- 1889. Laurentino Gomes. GLOBO 7- Guia Politicamente Incorreto do Futebol. Jones Rossi e Leonardo Mendes Junior. LEYA BRASIL 8- O Livro da Economia. Vários. GLOBO 9- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 10- A Vida Secreta de Fidel. Juan Reinaldo Sánchez. PARALELA AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 3- Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros. Augusto Cury. SARAIVA 4- Kairós. Padre Marcelo Rossi. PRINCIPIUM 5- Casamento Blindado. Renato e Cristiane Cardoso. THOMAS NELSON BRASIL 6- Eu Não Consigo Emagrecer. Pierre Dukan. BEST SELLER 7- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 8- Eu Me Chamo Antônio. Pedro Gabriel. INTRÍNSECA 9- O que Realmente Importa? . Anderson Cavalcante. SEXTANTE 10- O Poder do Hábito. Charles Duhigg. OBJETIVA 8#8 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – RESCALDO DO RESCALDO Um anúncio da safra da Copa... anúncio de quê, mesmo? Houve tempo em que os anúncios iam direto ao ponto — "Beba Coca-Cola". Hoje a criatividade sufoca as marcas. Houve um anúncio da safra da Copa, sabe-se lá do quê, em que um homem, de costas, vinha e depositava no chão a maleta que trazia no braço, na pose de quem chegava a algum lugar. "O futebol está voltando para casa", dizia o locutor. E não é que o futebol voltou mesmo para casa? Voltou para a querida Europa de nascença. País do futebol, hoje, 100 anos depois de o kaiser Guilherme II dar o pontapé inicial à I Guerra Mundial, 91 anos depois do putsch de Munique, 75 anos depois do início e 69 do fim da II Guerra Mundial, 53 depois da construção e 25 da derrubada do Muro de Berlim, nove anos depois da eleição e um depois da renúncia do papa Ratzinger, é a Alemanha. É lá que se joga um futebol alegre e bonito. No Brasil, joga-se um futebol "de resultados" dotado da singular característica de não produzir resultados. Do lado brasileiro, o grande craque da Copa foi o Cristo Redentor. Durante a transmissão da final, a televisão fez seguidas tomadas do Cristo com o Maracanã ao fundo, ou com a Lagoa Rodrigo de Freitas e a orla de Ipanema ao fundo. A Copa no Brasil teve obras superfaturadas, estádios destinados à ociosidade, promessas de obras viárias não cumpridas, viaduto desabado e operários mortos, mas no momento final apareceu o Cristo para segurar as pontas. O milagre que faltou no gramado veio do alto, como é próprio dos milagres. O Redentor entrou em campo, em transmissão ao vivo captada até os confins do universo, para marcar um gol mais bonito do que o de Robben contra a Espanha. A vitória do Brasil na Copa de 1958 iniciou uma revolução copernicana na geopolítica do futebol. A vitória de 1970, a terceira em quatro Copas, consolidou a convicção de que subdesenvolvidos, em futebol, eram os europeus. A Copa de 2014 repõe as coisas em seus lugares. Rico é rico, pobre é pobre, e rico fala mais alto e mais grosso que pobre em tudo. Tal qual ocorre no geral do comércio internacional, subdesenvolvido é o exportador de matéria-prima. O Brasil, no futebol, virou exportador de matéria-prima, e não se vislumbra como possa escapar dessa sina. Há uma coisa chamada mercado, em primeiro lugar. Em segundo, há internamente uma engrenagem reunindo cartolas, técnicos, empresários, olheiros e outros agentes mancomunados no grande negócio, ilícito em boa parte, da exportação de jogadores. Em terceiro, de modo cruelmente insidioso, já se introjetou no moleque das peladas o sonho de jogar no Barcelona, não no Corinthians ou no Flamengo. Angela Merkel assistiu ao jogo inaugural da Alemanha, contra Portugal, e, mostrada várias vezes na TV, festejou cada um dos quatro gols do seu time. Voltou para assistir à final, contra a Argentina, e festejou a conquista do torneio. Como diria o Ancelmo Gois, deve ser terrível viver num país onde o futebol é explorado para fins políticos. Dois turistas alemães foram presos por roubar uma escultura alusiva ao futebol no saguão do Aeroporto de Guarulhos. Deve ser terrível a criminalidade naquele país. O craque alemão Schweinsteiger, depois da conquista, fez uma "saudação especial" a Uli Hoeness, ex-presidente do Bayern de Munique, hoje cumprindo pena por evasão fiscal. Deve ser terrível viver num país em que se incentiva o crime. Dia do jogo Brasil x Alemanha, num bairro central de São Paulo. O vizinho amanhece já tocando sua vuvuzela. Jogo do Brasil é assim. A festa começa muitas horas antes. Há um clima de eufórica espectativa no ar. Vuvuzelas, buzinas, bandeiras. O clamor da vuvuzela do vizinho intensifica-se à medida que vai chegando a hora. Aí começa o jogo. Um a zero para a Alemanha, dois, cinco a zero. Vuvuzela calada. Seis a zero, sete a zero. Então, aos 45 minutos do segundo tempo, Oscar escapa, engana o goleiro Neuer e marca. Gol do Brasil!!! A vuvuzela dispara. Fica-se imaginando o vizinho levantando do sofá, aturdido, arrasado, mas atento ao chamado do dever. Nem Oscar comemorou. Mas quem possui uma vuvuzela assumiu com ela um compromisso moral, mesmo que seu grito esganiçado àquela altura soasse como um gemido.