0# CAPA 22.10.14 VEJA www.veja.com Editora ABRIL Edição 2396 – ano 47 – nº 43 22 de outubro de 2014 [descrição da imagem: foto do rosto de Alberto Youssef, de frente mas olhar desviado para o lado esquerdo, um pouco elevado] ESCÂNDALO DA PETROBRAS O DOLEIRO FALA * A campanha presidencial de 2010 do PT levou dinheiro do petróleo * 28 deputados federais recebiam propinas mensais para apoiar o PT [parte superior da capa: foto de Dilma e Aécio, ambos de perfil, olhando um para o outro] ELEIÇÕES Pela primeira vez em 25 anos, os indecisos vão definir quem será o presidente da República. VISÃO 2030 O Brasil na encruzilhada entre a África e a Europa ______________________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# ESPECIAL ELEIÇÕES 4# BRASIL 5# INTERNACIONAL 6# GERAL 7# ARTES E ESPETÁCULOS _________________________________ 1# SEÇÕES 22.10.14 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – ENTRE A POLÔNIA E O DJIBUTI 1#3 ENTREVISTA – CARLOS NOBRE – VIDAS SECAS NO SUDESTE 1#4 LYA LUFT – SOMOS A SOMA DE NOSSAS ESCOLHAS 1#5 LEITOR 1#6 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM NÃO EXISTE COPO D'AGUA GRÁTIS Estados Unidos, Inglaterra, Israel, Japão, Austrália e Namíbia são alguns dos países que desenvolveram, nas últimas décadas, soluções para lidar com a escassez de água ou secas sem precedentes. Reportagem no site de VEJA mostra quais foram as melhores medidas de longo prazo adotadas internacionalmente e o que especialistas indicam para o cenário paulista. "O reúso é uma solução que deve ser implementada, pois permite a utilização da rede de abastecimento que já temos". diz José Carlos Mierzwa, professor da Escola Politécnica da USP. • A reportagem fala ainda do novo pensamento econômico a respeito de bens como a água, que hoje não são devidamente precificados. MAIS AULAS PARA QUÊ? Na disputa pela Presidência, Dilma Rousseff e Aécio Neves prometem, se eleitos, ampliar o ensino em tempo integral nas escolas brasileiras. Reportagem de VEJA.com mostra que a medida, além de onerar os cofres públicos, não garante qualidade de ensino. "Aumentar o tempo de aula sem prever o que deve ser ensinado pode até prejudicar o desempenho do estudante", diz Marcelo Neri, ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência. O GOL CONTRA DA CBF Depois do fiasco da seleção na Copa do Mundo, a CBF ganhou um desafio: reconstruir o futebol brasileiro e pavimentar o caminho de volta às grandes conquistas. Os cartolas, porém, recorreram a velhos atalhos, que têm irritado o torcedor e até os jogadores. Enquanto desfalca os clubes em pleno Brasileirão, a seleção é levada a exaustivas excursões em que atua em gramados ruins, às vezes contra adversários irrelevantes. Reportagem no site de VEJA mostra como a gestão antiquada da entidade dificulta a restauração do prestígio do futebol pentacampeão. A FÓRMULA DA MISÉRIA A Vida na Sarjeta, que chega às livrarias na semana que vem, é a primeira obra editada no Brasil do psiquiatra e escritor inglês Theodore Dalrymple. É um retrato desencantado da sociedade britânica vista de uma perspectiva singular: a de um médico que trabalhou por mais de dez anos em um hospital e uma prisão de um bairro pobre. Na obra, ele sustenta que, se a miséria material foi varrida do mundo desenvolvido, a "pobreza da alma" se aprofunda, patrocinada pelo assistencialismo irrefletido. Em entrevista ao site de VEJA, ele explica por que o mau exemplo britânico deve servir de advertência para o Brasil do Bolsa Família. 1#2 CARTA AO LEITOR – ENTRE A POLÔNIA E O DJIBUTI Durante um ano, cerca de 2000 cidadãos de 51 cidades se juntaram a mais de 150 especialistas em saúde, educação, segurança pública, tributação e gestão pública para, com o apoio de Arapyaú, Brava, Centro de Liderança Pública (CLP), Comunitas, Instituto Queiroz Jereissati, Movimento Brasil Competitivo, McKinsey Global Institute (MGI) e Instituto Semeia, produzir o "Visão 2030", um dos mais completos estudos sobre a realidade brasileira. Uma reportagem especial desta edição de VEJA publica o resultado desse esforço. O Visão Brasil 2030 vai além do diagnóstico da atual situação brasileira e adianta uma avaliação sobre que tipo de país, realisticamente, podemos vir a ser dentro de quinze anos. A primeira conclusão é que, inserido em um mundo de economia dinâmica e competitiva, o Brasil não tem como opção permanecer onde está, com um PIB per capita de apenas 11.000 dólares, patamar de renda que nos permite uma qualidade de vida intermediária ente a da África do Sul e a do Gabão. É uma vergonha para um país que se pretende um ator de primeira grandeza no palco da diplomacia e da economia mundiais. Mas nem esse posto nos está assegurado. Uma má notícia é que, mantidas as atuais circunstâncias, vamos afundar, regredindo aos padrões em que hoje se encontra o Djibuti, país em que quase metade da população ganha menos que o mínimo necessário para a sobrevivência. A boa notícia é que, se nos próximos vinte anos os governos brasileiros contribuírem para a instalação de um ambiente propício à criação sustentável de riqueza, o Brasil poderá mais do que dobrar sua renda per capita, chegando a 24.000 dólares, e assim atingir a qualidade de vida que hoje desfrutam alguns países da União Europeia, como Polônia e Portugal. É muito esforço para pouco resultado? Longe disso. Atualmente, a qualidade de vida para a maioria da população daqueles países é superior ao padrão de nossa classe média alta — e inimaginavelmente melhor em comparação com a dos brasileiros menos favorecidos. Basta contemplar a opção de afundarmos para que fiquemos animados com a perspectiva de equiparação a países europeus, mesmo que não os de ponta. O Brasil precisa se descomplicar e começar a crescer em um ritmo, pelo menos, superior ao dobro dos 2% anuais dos últimos quatro anos. O momento demográfico nos é extremamente favorável agora, mas, se não o aproveitarmos para acelerar o crescimento econômico, poderemos não ter recursos para pagar as aposentadorias das pessoas que hoje contribuem para fundos de pensão ou das que dependerão do sistema público. O desafio atual é claro. Nossa sociedade tem de enriquecer antes de envelhecer. O Brasil vai ser o que dele nós fizermos, com nossas ações e nossas omissões. A escolha é nossa. 1#3 ENTREVISTA – CARLOS NOBRE – VIDAS SECAS NO SUDESTE O climatologista diz que, embora não seja possível prever o fim da seca nessa região, os brasileiros devem se preparar para uma forte mudança nos padrões das estações do ano. FELIPE CARNEIRO Em sua longa trajetória como climatologista no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o paulistano Carlos Nobre sempre se diferenciou por entender os fenômenos de maneira abrangente, muito além dos modelos meteorológicos. Atualmente, trabalha no Ministério da Ciência e Tecnologia e é membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da ONU, razão pela qual se diz ganhador do Nobel da Paz de 2007. "As mudanças climáticas são uma ameaça à segurança mundial, pois causam quebra de safras, migrações em massa e guerras", explica. Da Inglaterra, onde esteve para ministrar uma palestra sobre o futuro da Amazônia no University College de Londres, Nobre falou a VEJA. O reservatório da Cantareira, que abastece 8 milhões de moradores do Sudeste, está com apenas 4% de sua capacidade. No Rio de Janeiro, o fogo se espalha pela região serrana. Quando essa seca vai acabar? Não há como prever. O que posso dizer é que, infelizmente, os meses de setembro e outubro estão mais secos que a média histórica. Como são meses de transição para a estação das chuvas, isso não é um bom sinal. Mas também não significa que novembro terá o mesmo perfil. Para 2015, não há elementos científicos suficientes para dizer se o ano será muito árido ou não. Se for, o impacto será devastador. Com tantos cientistas debruçados sobre o assunto no Brasil, como justificar tanta imprevisibilidade? Sabemos o que aconteceu, mas desconhecemos as suas causas. Às vezes, passam-se anos até que se consiga saber o porquê de um fenômeno. Sem essa informação, também não é possível responder se a estiagem vai ou não se repetir. Como os últimos dois anos foram muito áridos no Nordeste, criamos, em novembro do ano passado, um grupo de trabalho com alguns dos mais importantes climatologistas do Brasil para melhorar as previsões meteorológicas. Não enxergamos nos ventos, na temperatura ou na pressão no Atlântico ou no Pacífico nenhum sinal que pudesse prever a estiagem no Sudeste. Mesmo depois de a seca se estabelecer, voltando a estudar os modelos computacionais, verificamos que nenhum deles dava indício do que acabou acontecendo. As previsões no Sudeste sempre foram mais complicadas. Enquanto no Nordeste o clima depende muito do que se passa nos oceanos Atlântico e Pacífico, no Sudeste a lógica é caótica. É quase impossível decifrar sinais precursores e desenhar o cenário mais possível. O que se sabe, então, sobre a seca no Sudeste? A estação do inverno normalmente é um período de pouca chuva na área entre o Paraná, a Bahia e o sul da Amazônia. Nessa época, um sistema de alta pressão atmosférica que vem do oceano impede que as frentes frias tragam a umidade do Sul. Muito atipicamente, esse quadro aconteceu durante o verão, de janeiro a março. Esse sistema seco e de alta pressão ficou parado por ali, barrando as nuvens e provocando a seca. Uma das consequências é que tivemos um mês de fevereiro muito quente. Quando esse sistema arrefeceu, em abril, a temporada de chuvas já havia acabado. É possível pôr a culpa no aquecimento global? O planeta está mais quente e há mais vapor de água na atmosfera. É um fato. Então, a probabilidade de ter nuvens, tempestades e ventanias aumenta. Nos anos em que não há chuvas demais, prevalece o cenário oposto. Vai-se então de um extremo a outro. Na Amazônia, há uma alternância de secas e inundações desde 2005, quando aconteceu a maior estiagem até então. Em 2010 o quadro foi ainda mais severo. Mas em 2009 a região viveu uma inundação recorde, que foi quebrado pelo excesso de chuvas de 2012, e novamente em 2014. Em dez anos, a Amazônia teve as duas mais intensas estiagens e também as três piores inundações. De acordo com as conclusões do IPCC, da ONU, essa variabilidade maior entre extremos é provavelmente fruto do aquecimento global. Sobre o que está acontecendo em São Paulo e na região da Cantareira, contudo, prefiro ser mais cauteloso. Por quê? Há outras complicações. Em anos anteriores, em São Paulo ocorreram chuvas muito intensas, que causaram inundações três vezes mais frequentes do que há setenta ou oitenta anos. A temperatura média na cidade está de 2 a 4 graus mais alta do que no início do século passado. A causa mais provável dessa alteração no microclima de São Paulo é a urbanização. Com a troca radical de vegetação por asfalto e concreto, São Paulo se tornou uma ilha de calor. O aumento de 30% na média anual de chuvas na cidade nesse período se deveu à elevação da temperatura. Nasci e vivi em São Paulo até os 17 anos. Eu me lembro da inundação no Mercado Municipal pelo transbordamento das águas do Rio Tamanduateí. Foi marcante por ser um evento raro. Atualmente isso vinha acontecendo duas ou três vezes por ano. É preciso estudar se o regime de chuvas alterado na área urbana de São Paulo tem relação com a estiagem na região da Cantareira. O Brasil deixou de ser menos exposto a desastres naturais em comparação a outros países, como se costumava acreditar? Existia aqui uma crença de que o Brasil era um país abençoado por Deus. Falava-se com orgulho que não havia furacão, terremoto nem nevasca. Era enrolação sem base na realidade. O Brasil sempre foi um país muito afetado por chuvas intensas, torrenciais, deslizamentos de terra e secas muito pronunciadas no Nordeste. A tragédia na região serrana do Rio de Janeiro, em 2011, acabou com essa falsa ideia. A morte de mais de 900 pessoas naquele episódio forçou uma mudança de paradigma. Hoje não há dúvida de que o Brasil é um país propenso a desastres naturais e que é preciso ter uma política pública para diminuir a vulnerabilidade da população e das atividades econômicas. A seca no Sudeste também está ajudando a derrubar esse antigo mito? O que a escassez está fazendo agora é sepultar outro mito: o de que o Brasil é um país com muita água. Dizia-se que o país tinha uma das maiores disponibilidades hídricas do mundo, embora com alguns desequilíbrios no Nordeste, mais seco. Não é verdade. Na média, está correto dizer que no Brasil há muita água, mas ela está mais concentrada na Amazônia. Esse não é um recurso distribuído igualmente em todo o território. A seca no Sudeste, então, deve servir de aprendizado. É preciso que todos entendam que a água é um bem escasso em muitas áreas do Brasil. Como a estiagem poderia ser contornada? Talvez seja necessário que ocorra valorização econômica da água, que hoje custa muito pouco. Por ser tão barata, a água sempre foi desperdiçada e nunca houve incentivo para elevar a eficiência de seu uso. Um aumento de preço mudaria esse comportamento. Também será preciso redimensionar os reservatórios de água e investir mais nessa área. Não se sabe quanto tempo esse quadro adverso de seca vai durar, mas com certeza absoluta ele vai se repetir com mais frequência. Será imperativo guardar o excesso de água em uma estação para dispor de reservas no ano seguinte. Não há um cenário apocalíptico no horizonte, com falta de água expulsando as pessoas de grandes cidades ou escassez de comida, mas é certo que haverá outros anos de seca. Talvez dois ou três, em sequência. Até mais. Por isso, temos de nos preparar. Entre as soluções mais óbvias estão aumentar o número de reservatórios, buscar outras fontes de água, incentivar o reúso e desperdiçar menos. Em Israel e na Alemanha, o esgoto é tratado e a água limpa é lançada de volta aos reservatórios. Além desses, há outros exemplos no mundo que poderiam ser copiados? Um bom caso é o de Nova York. O sistema de lá capta água para o consumo humano a mais de 200 quilômetros de distância, nas montanhas a noroeste da cidade, na fronteira com o Canadá. Em tese, os americanos não precisariam fazer isso agora. Mas eles estão levando em conta que o aumento da temperatura no verão significará maior evaporação das suas fontes. Então começaram a fazer hoje aquilo que só seria necessário daqui a cinquenta anos. A tecnologia tem permitido que a agricultura brasileira sofra menos com a seca? As plantações irrigadas são menos atingidas, mas a maior parte da agricultura ainda depende da chuva. Ao olhar os números nacionais, o impacto não parece tão grande. Como o Brasil é muito extenso e tem uma agricultura bastante diversificada em todas as regiões, existe sempre uma compensação. Não há um fenômeno único capaz de atingir todo o território. No Sul e no Nordeste, por exemplo, a seca não foi muito pronunciada. Quando se olha apenas para o Sudeste, contudo, é inegável que o efeito foi grande. A produção de cana, que depende muito das chuvas de verão, registrou perdas. De que maneira os produtores rurais poderão se proteger no futuro? É necessário um novo zoneamento agrícola, que respeite os caprichos do clima. Antes de plantar, será preciso estudar o que acontecerá com aquela região dali em diante. Também será necessário desenvolver espécies mais resistentes a secas e a altas temperaturas. Dessa maneira, seria possível evitar que ondas de calor causassem a ruptura de colheitas inteiras. A Embrapa já tem um belo histórico nisso e continua trabalhando em novas espécies. Normalmente, a solução de fortalecer a planta reduz sua produtividade. Sua energia é desviada para torná-la mais resistente, e a planta, ao final, acaba tendo menos frutos ou crescendo menos. Esse é um balanço que tem de ser alcançado ou o Brasil sofrerá muito no futuro próximo. A boa notícia é que o agricultor está mais atento a essas flutuações do que outros setores da sociedade. Ele sente isso na pele. Essa é uma área que já está se adaptando. Essas alterações também provocarão mudanças na vegetação nativa? Até o fim do século, existe, sim, essa possibilidade. Os estudos indicam que muitas espécies do cerrado migrarão para o Sul. A mesma coisa deve acontecer com espécies da Mata Atlântica. Daqui a cinquenta ou 100 anos, áreas de Mato Grosso do Sul e do Paraná terão um novo clima, mais propício a espécies do cerrado e da Mata Atlântica. O Rio Grande do Sul poderá ficar mais parecido com São Paulo em termos de vegetação. Em Santa Catarina, a estação fria de inverno ficará mais amena. Em trinta ou quarenta anos, Santa Catarina vai se tornar um grande produtor de frutas tropicais. Na Amazônia, o impacto será maior. Muitas regiões poderão não ter mais florestas. Ficarão quentes demais, com uma estação de seca mais pronunciada. Ao sul e ao leste da floresta, há tendência de aparecimento de savanas. Os brasileiros aprendem na escola a classificar regiões do Brasil de acordo com o clima. Esse mapa caducou? Não resta dúvida de que o clima está mudando e que os livros didáticos precisam ser revistos. O que está em curso é uma tropicalização das regiões consideradas subtropicais, que perdem o prefixo "sub". Em vez de quatro, elas terão praticamente duas estações: o verão, mais quente e seco, e o inverno, chuvoso e frio. As estatísticas mostram que, nas regiões consideradas como subtropicais — o Estado de São Paulo, parte do Centro-Oeste e do Sul —, os meses mais quentes do ano eram janeiro e fevereiro. No futuro, deverão ser outubro e novembro. Os últimos dias em São Paulo e no Rio de Janeiro foram especialmente de muito calor. Isso é resultado dessa tropicalização? Exatamente. Muitas vezes os recordes de temperatura no Sudeste estão sendo registrados em outubro e novembro. Esse é o momento em que estaríamos saindo do inverno e entrando na primavera. Esses dias, que também são mais secos, atrasam o início da estação chuvosa. A tendência é de que essa seja a regra no futuro. 1#4 LYA LUFT – SOMOS A SOMA DE NOSSAS ESCOLHAS Temos uma decisão a tomar: eu, você, todos nós, não importa a classe social, a raça, o credo, a sexualidade. Todos somos responsáveis pelo que vai acontecer com este país: mudança para tentar melhorar, corrigir erros de rota, ou continuar caindo, perdendo, sendo isolado, marchando contra as rodas da história. O país está com a respiração suspensa, tal a gravidade do momento, da decisão que em alguns dias vai determinar nosso futuro. É momento de escutar, como se fosse um oceano, o rumor do susto, do cansaço e do desejo das gentes brasileiras, querendo algo melhor para si e seus filhos, e muitas futuras gerações. À situação penosa do país somam-se agora espantosas denúncias que se abatem sobre todos nós. Elas não fazem parte de outras, ainda mais sérias, que trouxeram para os denunciantes a delação premiada (que só ocorre quando tais fatos já vêm com comprovação), que correm em sigilo e mal ousamos imaginar. É de perguntar como o Brasil conseguia se manter de pé — ainda que claudicante — e como, caso não mudemos o país nestas eleições, conseguirá caminhar num solo tão pantanoso. Temos andado em areias movediças: quem nos governava, quem queria nosso bem, quem almejava ordem, progresso, dignidade para seu povo? Parece agora que o primeiro resultado das urnas revela uma tomada de consciência de que o país está caindo rapidamente: economia estagnada, progresso parado, isolamento do mundo em geral, qualidade de vida em queda, ilusões aparentemente benfazejas desmascaradas na experiência do dia a dia, e agora em cada vez mais graves revelações. Vemos que, apesar dos inacreditáveis problemas e dificuldades, não somos indigentes morais nem ignorantes, pois aparecem sempre mais e mais cabeças pensantes em todos os recantos, reconhecendo que é preciso fazer alguma coisa definitiva e rápida para salvar o que pode ser salvo nessa confusão. Acomodação e inércia, virar o rosto para o outro lado, fechar olhos e ouvidos, tudo isso pode ser bem confortável; mas esse tempo passou. Já não se admitem mentiras nem credulidade: isso nos tornaria cúmplices de todos os descaminhos. A poeira da omissão e da indiferença começaria a cobrir tudo: no fim, não enxergaríamos nesse nevoeiro, que não nos deixaria respirar. Nem livres nem lúcidos, nem informados nem contestadores, pagaríamos um preço alto demais, o da liberdade e do progresso, o da estabilidade e do respeito geral neste mundo globalizado. A democracia é difícil, precisa de cuidados para se manter; com ela não se brinca: se formos fúteis, desligados, omissos, aos poucos ela vai sendo reduzida, limitada, disfarçada a sua falta com belas palavras e projetos enganosos. É preciso lucidez e atenção, e dura resistência: quem manda no Brasil somos nós, cada um destes indivíduos de muitas idades e jeitos, com muita ou pouca instrução, muito ou pouco dinheiro, mas todos com voz para pronunciar as palavras-chave: liberdade e mudança. Liberdade para mudar. Consciência para decidir mudar. Ser responsável pode ser cansativo, preocupante, aborrecido, tudo o que queiram; mas sem isso não poderemos nunca nos queixar da situação em que estamos, na vida pública ou na vida pessoal. Somos a soma de nossas escolhas: a frase é pesada, mas verdadeira. Claro que existem fatores como sorte, energia, trabalho, persistência, ânimo. Mas até a sorte fica impotente se não é concretizada pelas nossas decisões. Temos uma semana para resolver que Brasil queremos: que educação, saúde, moradia, infraestrutura, dignidade e bem-estar. Muitos de nós já tomamos a decisão. Mesmo assim, tenho, com muitos outros, insistido nisto: olhos abertos, ouvidos atentos, escolha inteligente, visão um pouco além das nossas quatro paredes pessoais, conscientes de que este país é nosso. A cada passo que damos, a cada trabalho que concluímos, a cada porta que fechamos ou abrimos, sobretudo nesta fase, nestes dias, na hora de uma escolha tão importante cujo efeito vai durar um longo tempo — somos nós, tantos milhões de indivíduos, que fazemos a história do Brasil. 1#5 LEITOR DISPUTA PRESIDENCIAL A grande maioria dos 100 milhões de eleitores que negaram o voto à presidente Dilma Rousseff (PT) no primeiro turno, entre os quais me incluo, fará o verdadeiro protesto nas urnas no segundo turno, no Fim de outubro. De minha parte — ex-eleitor de Lula —, desde o mensalão, em 2005, joguei a toalha. Naquele momento, imaginei que o governo petista havia chegado ao fundo do poço em matéria de corrupção, inépcia e bravatas. Ledo engano. Eis que o tempo se encarregou de provar que o escândalo da Petrobras é o limite. Que venha logo o dia 26 de outubro, data na qual, como nunca antes na história deste país, a alternância de poder se fará tão necessária ("A virada de Aécio", 15 de outubro). WALTER DE SOUZA SILVA Belo Horizonte, MG Tenho muita fé em Deus que, no dia 26 de outubro, o povo brasileiro acorde deste terrível pesadelo de doze anos de desmandos, roubos e desgoverno petista. CARLOS ALBERTO RAINHA BATISTA Serra, ES Vejo nas ruas e nas redes sociais um forte desejo de mudança. Políticos de diversos partidos e eleitores das mais variadas origens e classes sociais querem a vitória de Aécio Neves. Todos estão cansados deste governo incompetente e atrasado. Antes de ganhar nas urnas, porém, é necessário vencer outras batalhas: precisamos derrotar as mentiras, as calúnias e as estatísticas falsas que atingem não apenas o candidato do PSDB, mas ameaçam a democracia e todo o Brasil. Não custa lembrar que esse terrorismo eleitoral contra o tucano provém de um partido que tem alguns de seus principais nomes presos por corrupção. SIDNEY ANDREATO JÚNIOR Araras, SP Voto em Aécio pela sua trajetória, por acreditar no valor da palavra e no compromisso que ela envolve. Ele navega com maestria nesse mar revolto e intenso. ROSE CRISTINE Brasília, DF Aécio é o náufrago nesse lamaçal político que não sucumbiu às ondas. Povo brasileiro, agora é por nossa conta levá-lo ao comando de uma nova e próspera embarcação! MÁRCIA HELENA LUCAS Divinolândia, SP DEMOCRACIA Na reportagem "Página virada" (15 de outubro), o jornalista André Petry expôs muito bem a situação do Brasil em relação à democracia. O caminho é longo e tortuoso, porém definido. As críticas recorrentes sobre a polarização PT-PSDB são infundadas, pois observamos polarização partidária em países altamente democráticos, como os Estados Unidos e a Inglaterra. RONALDE SECABINAZZI Piracicaba, SP Democracia, maturidade, evolução política... Não seria o momento de o voto ser facultativo no Brasil? O voto obrigatório mantém a possibilidade do "cabresto", por causa de tantas benesses de "bolsas isso e aquilo", que vão matando a dignidade do cidadão e alimentando a sua preguiça. DENIS MELLO Goiânia (GO), via tablet Sou brasileira, nordestina, e desejo que o próximo presidente traga mais investimentos para o Brasil, minimizando a dor de vermos o país mal na educação, na saúde e na segurança. KÁTIA AZEVEDO Natal, RN MARCUS ANDRÉ MELO Na entrevista "O Nordeste não é do PT" (15 de outubro), o cientista político Marcus André Melo tocou no ponto crucial da miopia política da maioria dos brasileiros: a incapacidade de enxergar as consequências, a longo prazo, das práticas políticas do dia a dia. Quando as pessoas forem capazes de antever o precipício, certamente a alternância de poder será a opção natural do eleitor. JOSÉ MARCELO DE BRITO MELLO Belo Horizonte (MG), via smartphone Com certeza, nós, nordestinos, e a nossa terra não somos do PT. O nordestino é forte, inteligente e capaz; um povo que consegue viver numa região onde a natureza agreste exige um entendimento maior para a convivência e a superação — ela fala e a gente entende. Precisamos apenas de políticas públicas que viabilizem e impulsionem nosso crescimento, Somos inteligentes o bastante para saber que, por fé em inescrupulosos, estamos sendo enganados anos seguidos. Chegou a hora de acordar para uma nova perspectiva. Não vamos somente clamar ou reclamar. Vamos participar, não com aceitação de favores. Queremos direitos à luz da lei. Hoje declaramos — como fizeram Renata Campos, esposa do saudoso Eduardo Campos, Marina Silva e tantos milhares de brasileiros de outras regiões — apoio a Aécio Neves. Sei que temos as nossas diferenças, mas é por isso mesmo que vamos nos unir pela liberdade do nosso povo da escravidão petista, implantada contraditoriamente por um nordestino não contido, que pôs sua fortaleza a serviço do idealismo do poder pelo poder, copiando socialismos ultrapassados e desumanos que utilizam a forma do "pão da fome", que não alimenta o cidadão, mas não lhe permite ter escolha a não ser seguir o seu "patrão", sem o qual esse caríssimo pão lhe será tomado, num regime de medo e opressão. Não, não vamos desistir do Brasil. Agora é Aécio Neves, sem ódio e sem medo! JOSÉ ARIMATEIA DA SILVA Natal, RN J.R. GUZZO Magnífico e altamente esclarecedor o artigo "A hora da liberdade" (15 de outubro), de J.R. Guzzo. O eleitorado brasileiro tem uma extraordinária oportunidade de, no dia 26 de outubro, alijar da Presidência da República esse cancro em que se transformou o PT, que, no início, tanto me fez crer na sua bandeira de princípios e de honestidade. O artigo é de tamanha importância, no momento atual em que vamos eleger o novo presidente do Brasil, que deveria ser lido em cadeia nacional de rádio e TV. AGENOR ALVES FEITOSA Recife, PE Artigo magistral, com precisão cirúrgica, digno de ser gravado na pedra da verdade política do Brasil. Só a turma da estrela vermelha não concorda; mas também já é querer muito. ANTONIO CARLOS DE LIMA São Paulo, SP Com uma clareza indiscutível, J.R. Guzzo acerta na mosca em suas colocações sobre o DNA das tiranias presente na presidente Dilma. Muito obrigado, Guzzo! Você tem sido a voz de quem realmente trabalha neste país, sem se beneficiar das "bondades do governo". LEOMARCI GONÇALVES Vila Velha, ES MAÍLSON DA NÓBREGA A análise de Maílson da Nóbrega ("Não há bom substituto para o fator previdenciário", 15 de outubro), do ponto de vista matemático, está perfeita. O maior déficit da Previdência, porém, está na aposentadoria dos funcionários públicos. Esta, sim, é que provoca o déficit. Eles recebem o salário cheio, atualizado, e com menor tempo de contribuição. São aposentadorias de 20.000, 25.000 e 30.000 reais por mês, enquanto o empregado da iniciativa privada que contribuiu e trabalhou por 35, quarenta anos, recebe um teto de 2000, 3000, 4000 reais por mês. Fora os vereadores, deputados, senadores, que, além do salário, têm outros benefícios indiretos e vitalícios. ADALBERTO PEDROSO Salvador (BA), via tablet Não seria o caso de aplicar o fator previdenciário a todos, inclusive e principalmente aos servidores públicos e autárquicos que recebem consideráveis vencimentos, não raro superiores aos limites legais com a adição de vantagens e pendurica-lhos como o auxílio-moradia? Tome-se, por exemplo, o caso do ilustre ministro do Supremo Tribunal Federal recém-aposentado voluntariamente com menos de 60 anos, quando poderia continuar trabalhando até os 70: quanto ele está recebendo por mês de aposentadoria atualmente? Houve alguma dedução? É claro que todos sabemos que o fator previdenciário só alcança os trabalhadores contribuintes da Previdência Social, o que não acontece com servidores públicos e autárquicos, mas, se "todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza", como dispõe a Constituição Federal de 1988, ou se aplica o fator previdenciário a todos ou a ninguém. Do jeito que está, o castigo é só para o povão assalariado. JÚLIO RODOLFO ROEHRIG Londrina, PR ESCÂNDALO NA PETROBRAS Realmente é de estarrecer que a presidente Dilma Rousseff fique "estarrecida" não com a roubalheira, não com a quadrilha PT/PMDB/PP, não com o assalto à Petrobras, mas tão somente com a divulgação dos fatos ("Revelações de estarrecer", 15 de outubro). Ela diz sempre que deu liberdade à Justiça, à Polícia Federal, ao Ministério Público. Ridículo! Na verdade, esses órgãos dispensam essa ação governamental — eles são livres para apurar, para agir, para divulgar e para punir. Liberdade para quê? Para esconder o que foi apurado? O povo precisa saber e precisa se defender dos ladrões. As páginas policiais são para isso. É essa "liberdade" que o PT quer para a imprensa, para as instituições brasileiras, para o povo e para quem é sério? Dispensamos. ROBERTO GANEM PITANGUEIRA Salvador, BA Correção: a foto publicada no início da reportagem “A câmera sou eu" (15 de outubro) mostra uma selfie em um voo de parapente, e não em um salto de paraquedas. PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação, VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP: Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até 3 quarta-feira de cada semana. 1#6 BLOGOSFERA EDITADO POR KÁTIA PERIN kperin@abril.com.br COLUNA REINALDO AZEVEDO IGREJA A Assembleia Extraordinária do Sínodo sobre a Família, que reúne 200 bispos no Vaticano, incluiu indagações sobre os gays. Não acho que a comunidade cristã — nem comunidade alguma — tenha algo a ganhar segregando os homossexuais porque homossexuais. Por enquanto, o que se tem é um documento prévio do Sínodo. Espero que se torne um documento abrigado por toda a Igreja Católica. www.yeja.com/reinaldoazevedo ESPELHO MEU LUCIA MANDEL PIERCING Para a maioria dos adeptos, ele não causa problemas, especialmente para quem simplesmente fura os lóbulos das orelhas. Já furar a cartilagem das orelhas é outra história: cria um ferimento que demora a sarar e pode infeccionar mais facilmente. www.veja.com/espelhomeu DE NOVA YORK CAIO BLINDER APATIA ELEITORAL A política é uma droga, e os junkies, especialmente os jornalistas viciados no assunto, estão desolados com a falta de "dependência" da maioria dos eleitores americanos em relação à votação que acontece em 4 de novembro. Nela, estará em jogo o destino do Congresso. www.veja.com/denovayork SOBRE PALAVRAS OS CANDIDATOS, ESSES CÂNDIDOS Candidato é uma palavra curiosa: o latim candidatus, que inicialmente queria dizer apenas "vestido de branco", passou a designar os aspirantes a cargos eletivos na Roma antiga porque, segundo o costume, era assim que todos eles se apresentavam diante dos eleitores — metidos em togas inteiramente alvas. As razões para isso não são inteiramente claras. Há quem, como o pioneiro dicionarista português do século XVIII Rafael Bluteau, autor do Vocabulário Português e Latino, aposte numa versão rudimentar do marketing político-cosmetológico que hoje se faz com cirurgias plásticas, cortes de cabelo e mudanças no figurino. O branco do candidatas tentaria mostrar que ele era candidus, ou seja, imaculado, puro. www.veja.com/sobrepalavras NOVA TEMPORADA MANHAUAN O canal WGN America anunciou a encomenda da segunda temporada da série Manhattan. As filmagens terão início em 2015, no Novo México, e a estreia deve ocorrer no segundo semestre. Situada nos anos 1940, época em que o governo mantinha em sigilo pesquisas relacionadas com a primeira bomba atômica, a história acompanha a vida de cientistas que trabalham com o Manhattan Project. www.veja.com/novatemporada QUANTO DRAMA APNEIA A partir de novembro, Marjorie Estiano estará no cinema como Giovana no filme Apneia. Dirigido por Maurício Eça, o filme fala sobre patricinhas que brincam de camicase madrugada adentro para sentir o sangue correndo nas veias, num antídoto contra a monotonia do mundo dos ricaços. "Eu quis contar uma história contemporânea e humana pouco explorada no cinema nacional: a da juventude da classe mais abastada social e economicamente", explica o diretor. www.veja.com/quantodrama _________________________________ 2# PANORAMA 22.10.14 2#1 IMAGEM DA SEMANA – A BATALHA DOS DEUSES 2#2 DATAS 2#3 HOLOFOTE 2#4 CONVERSA COM CAMILA PICCINI – A MELHOR AMIGA DA NOIVA 2#5 NÚMEROS 2#6 SOBEDESCE 2#7 RADAR 2#8 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – A BATALHA DOS DEUSES A mulher de Clooney é contratada para recuperar mármores do Partenon Caso alguém ainda não soubesse, agora já sabe: Grécia e Inglaterra engalfinhara- se pelo direito de posse de metade das fabulosas frisas do Partenon. A briga dura mais de dois séculos, mas bastou Amal Clooney colocar seu salto alto em Atenas para transformá-la em assunto internacionalmente incandescente. Advogada de renome, ela foi catapultada para o Olimpo das celebridades ao se casar com o ator George Clooney e espertamente ser contratada pelo governo grego para defender a causa da devolução das preciosidades. É difícil não ver as razões dos defensores do retorno dos mármores esculpidos ao berço onde foram gerados, há dois milênios e meio, numa sublime procissão de deuses, homens, centauros e cavalos que rodeava o templo de Atenas, na Acrópole. O destino do Partenon é praticamente um retrato da brutal marcha da civilização: foi incendiado, saqueado e fechado quando o cristianismo ascendeu como religião dominante, transformado em igreja e depois, com a expansão otomana, em mesquita. Numa guerra entre turcos e venezianos, explodiu. Um nobre escocês, Thomas Bruce, conde de Elgin, conseguiu do sultão uma duvidosa autorização para reproduzir os tesouros desprezados e acabou mandando serrar e tirar metade deles. Em 1804, um navio que transportava parte da carga afundou. Recuperados do fundo do mar, os mármores ficaram encaixotados até o British Museum comprá-los do conde. "Os gregos eram deuses", disse um pintor suíço quando os viu. Durante a II Guerra, ficaram escondidos numa estação desativada de metrô. Será que a senhora Clooney, que já conquistou o seu deus grego, vai conseguir tirar os originais do refúgio em Londres onde continuam a contemplar com divina indiferença as encrencas da humanidade? VILMA GRYZINSKI 2#2 DATAS * MORRERAM Marie Dubois, atriz francesa ligada ao movimento cinematográfico nouvelle vague, que atuou em clássicos como Jules e Jim (1962), de François Truffaut, mas também trabalhou no teatro e na TV. Claudine Lucie Pauline Huzé — este o seu verdadeiro nome — nasceu em Paris. Estudou na atual École Nationale Supérieure des Arts et Techniques du Théâtre e rapidamente ascendeu na carreira. Estreou em 1957, em Trois Pour Cent, filme feito para a televisão. Três anos mais tarde se tornaria internacionalmente conhecida ao interpretar Léna, no drama policial Atirem no Pianista, de Truffaut. Trabalhou também com os diretores Roger Vadim, Claude Chabrol, Alain Resnais e Luchino Visconti. Em 1978, ganhou aquele que seria o maior prêmio de sua trajetória artística: um César, na categoria de atriz coadjuvante, por La Menace (1977), longa-metragem de Alain Corneau, no qual vivia a personagem Dominique Montlaur. Há cerca de dez anos, foi diagnosticada com esclerose múltipla. Dia 15, aos 77 anos, na cidade de Lescar, na Franca. Elizabeth Pena, prolífica atriz americana, de ascendência cubana, que trabalhou no seriado Modern Family ao lado de Sofia Vergara. Nascida em Nova Jersey e conhecida por sua versatilidade, Elizabeth estreou em 1979 em El Super, no qual interpretava a filha de um casal de exilados cubanos que morava em Nova York. Ao longo de quase quatro décadas de carreira, dedicou-se especialmente ao cinema e à TV. La Bamba, Free Willy 2 e A Hora do Rush são alguns de seus trabalhos mais conhecidos. Dia 14, aos 55 anos, de causas não especificadas, em Los Angeles. Isaiah "Ikey" Owens, tecladista americano. Em 2009, ganhou um Grammy junto com a banda The Mars Volta, pela melhor performance de hard rock. O tecladista, que desde 2012 acompanhava o cantor e guitarrista Jack White, estava com ele em uma turnê no México quando foi encontrado sem vida no quarto de hotel onde se hospedara; no local, havia bebidas e drogas. Dia 14, aos 38 anos, em Puebla. Giovanni Reale, filósofo italiano. Seus livros, como O Pensamento Ocidental das Origens aos Dias de Hoje, foram traduzidos para mais de dez idiomas e suas releituras de pensadores como Platão e Aristóteles se tornaram referência internacional. Nascido em Candia Lomellina, formou-se pela Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão, onde foi professor de história da filosofia antiga. Dia 15, aos 83 anos, em Luino. Itália. * SEG|13|10|2014 PREMIADO com o Nobel de Economia o francês Jean Tirole, professor da Universidade de Toulouse, por seus estudos sobre a regulação do mercado. Graduado pela École Polytechnique e com o título de Ph.D. pelo prestigioso Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o economista teve seu trabalho evidenciado especialmente após a crise de 2008, quando os governos de inúmeros países precisaram rever suas políticas financeiras. Desde a década de 80 Tirole tem se debruçado sobre o funcionamento da regulação de cada setor da economia, analisando como se dá a saudável competição entre grandes empresas. Suas teses sobre concentração e concorrência nortearam várias nações, incluindo o Brasil, na época das privatizações dos setores de telefonia e energia. O prêmio renderá ao professor 1,1 milhão de dólares. 2#3 HOLOFOTE • DENTRO DA LEI A eleição, enfim, rendeu algum lucro aos cofres públicos. O IPVA e o seguro obrigatório do carro particular da candidata Dilma Rousseff — um Fiat Tipo 1995, já fora de linha e avaliado em 6000 reais — estavam em aberto desde o ano passado. A dívida somava 691,13 reais. Três dias depois de revelada a informação de que a conta estava pendurada, o pagamento foi efetuado. A documentação atualizada do Tipo presidencial foi finalmente liberada pelo Detran gaúcho e enviada pelo correio a Brasília. • DOUTOR MENSALEIRO Eleitor de Dilma Rousseff, o mensaleiro preso José Dirceu espera ganhar nesta semana o direito de cumprir o resto de sua pena em casa. Ficou na cadeia menos de um ano. Formado em direito, ele já está no regime semiaberto. Durante o dia, trabalha em um escritório de advocacia em Brasília e à noite volta à cadeia para dormir. Diferentemente do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, que o condenou, Dirceu tem registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para atuar na profissão. Isso, porém, está com os dias contados, se depender de um grupo de advogados que entrou na semana passada com uma representação ético-disciplinar contra ele. DISTRITO FEDERAL • O VICE ADVERSÁRIO O segundo turno no Distrito Federal é disputado por Rodrigo Rollemberg (PSB) e Jofran Frejat (PR). Os dois têm protagonizado debates acalorados. Rollemberg denunciou que o adversário responde a processo por improbidade administrativa devido a irregularidades na Secretaria de Saúde. Já Frejat lembrou que Rollemberg foi aliado do atual governo do PT, que registra índices enormes de rejeição. Há um ano, no entanto, quando os dois ainda definiam a candidatura, Rollemberg sondou Frejat para ser companheiro de chapa. Ele sabia do potencial do seu atual adversário, que iniciou a eleição como candidato a vice de José Roberto Arruda (PR) e assumiu o seu lugar depois que ele foi impedido de concorrer pela Justiça. As pesquisas dão vantagem a Rollemberg. • O eleitor do futuro O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) quer aprovar uma mudança na Constituição para permitir que estrangeiros possam votar depois de quatro anos de residência no Brasil. Pela atual legislação, apenas cidadãos naturalizados têm o direito de ir às urnas. Na justificativa de sua proposta, Zarattini cita os milhares de haitianos, bolivianos e nigerianos que chegaram ao Brasil recentemente. Ele também faz referência no texto à campanha "Aqui vivo, aqui voto", que conta com o apoio de movimentos sociais e partidos de esquerda. Em maio deste ano, o prefeito Fernando Haddad, que amarga baixos índices de popularidade entre os paulistanos, criou um abrigo para haitianos na capital. O TOQUE DE SADIM O PT tem um Midas, o ex-presidente Lula, aquele que se gaba de eleger postes para os cargos mais graduados da República. Mas o PT também tem seu pé-frio contumaz - e ele está em grande forma nestas eleições. No primeiro turno, o ministro Gilberto Carvalho mergulhou, como bóia de salvação, na campanha de Gleisi Hoffmann ao governo do Paraná. De nada adiantou. Ex-chefe da poderosa Casa Civil, ela terminou a disputa em terceiro lugar. Já no dia da votação, Gilbertinho acompanhou Agnelo Queiroz à seção eleitoral. Candidato à reeleição ao governo do DF, Agnelo nem sequer passou para o segundo turno. Nada que desanime o ministro. Há pouco tempo, ele se licenciou do cargo para ajudara presidente Dilma Rousseff a conquistar um novo mandato. O reforço já rende frutos. Depois da entrada de Gilbertinho na coordenação de campanha, o tucano Aécio Neves assumiu a liderança nas pesquisas de intenção de voto. 2#4 CONVERSA COM CAMILA PICCINI – A MELHOR AMIGA DA NOIVA Ela é sócia da maior feira de casamentos de luxo e as noivas modernas não deixam de ler o que ela escreve sobre o dia mais feliz — e mais angustiante da vida delas. "Sempre alguém sai falando mal, não tem jeito". São tantas as noivas estressadas, angustiadas, acabadas: fazer uma grande festa de casamento vale a pena? Sim, se couber no orçamento. Não vale se for só porque todos os amigos fizeram. O nervosismo explode quando a noiva fica atrás da "coisa exclusiva". O que fazer quando o lado do noivo tem orçamento maior que o da noiva? Segmentar. O pai dele dá o grosso e o dela paga, por exemplo, a banda e o vestido. Assim, ninguém se sente diminuído. A lista de convidados tem de ser compatível com o que cada um pagou? A família que paga mais pode chamar mais gente. O bom é já chegar com um número pronto. Por exemplo: 50% dos convidados são do lado que está pagando mais, 30% dos noivos e 20% da outra família. Existe alguma festa à prova de reclamações? Não. Cabe aos noivos criar um clima feliz e dançar muito. Assim, as pessoas sairão falando de como a festa foi animada, e não dos problemas. O noivo e a noiva devem mesmo evitar bebidas? Noivos têm o hábito de não comer. Aí, acabam no hospital, desmaiam no banheiro, dormem no sofá. É preciso forrar o estômago. As cumbuquinhas de comida do tamanho de um dedal ainda são moda? Não. Isso e fazer os convidados comer de pé deixa todos irritados. A novidade são os food trucks. Há os de sorvete, churro e pipoca. Não para o jantar, mas para o lanche da madrugada. Os bares de caipirinha também saíram de moda, e agora fazem sucesso drinques como martíni, servidos em garrafinha e com canudo charmoso. Se caem no vestido da noiva, não mancham; é ótimo. Qual o maior erro das noivas modernas? Ver blogs de casamento demais. Elas querem mudar tudo e deixam todos doidos. 2#5 NÚMEROS 14,7 graus foi a temperatura média no mundoem setembro. É o registro mais alto para esse mês em134 anos, de acordo com dados da Nasa. 3 vezes neste ano a temperatura média bateu recordes históricos - maio e agosto também já haviam tido as marcas mais elevadas desde o início da medição, o que levou os pesquisadores a prever que 2014 será o ano mais quente da Terra. 41,6 graus foi a temperatura no Rio de Janeiro na semana passada. Trata-se da maior registrada no Brasil neste ano até agora. Outras sete capitais (Belo Horizonte, Brasília, Campo Grande, Cuiabá, Goiânia, Palmas e São Paulo) também bateram seu recorde do ano. 2#6 SOBEDESCE SOBE * Tratamento do Alzheimer - Pesquisadores americanos criaram uma forma in vitro de neurônios que reproduz os mecanismos de ação da doença, o que ajudará a combatê-la. * Isis - Pilotos iraquianos se juntaram ao grupo terrorista e estão sendo treinados para voar em jatos militares capturados na Síria. Até agora, o Isis só havia atacado por terra. * José Dirceu - Condenado a sete anos e onze meses de prisão, o chefe da quadrilha do mensalão deve passar para o regime aberto nesta semana. DESCE * Senado - A Casa batizou um de seus prédios com o nome do senador Ronaldo Cunha Lima, que tentou assassinar a tiros um adversário político na Paraíba em 1993. * Copa Africana de Nações - A epidemia de ebola na África Ocidental levou o Marrocos a desistir de sediar a competição - a mais importante do continente -, que agora pode ser cancelada. * McDonald's - Com as vendas em queda nos Estados Unidos, a empresa se viu forçada a lançar uma campanha para rebater os boatos de que seus hambúrgueres são "feitos de minhoca". 2#7 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • ELEIÇÕES CADÊ O PIMENTEL? Há desconforto patente nos petistas em relação à passividade de Fernando Pimentel, de quem esperavam que comandasse uma artilharia pesada contra Aécio Neves. Até sexta-feira 17, Pimentel permaneceu inerte. Vai para as ruas com Dilma, mas nem um pio contra Aécio. Diz um petista graduado: "Político tem de ter lado". COM PRECISÃO A preocupação da campanha de Dilma Rousseff com Minas Gerais é tamanha que estão sendo feitas pesquisas qualitativas diárias em várias regiões do estado para buscar a munição certeira de ataque a Aécio Neves. UM TIME EM FORMAÇÃO Aécio Neves desistiu de anunciar nomes do seu ministério antes que as urnas sejam abertas. Mas alguns são dados como certos por quem conversa com ele. Antonio Anastasia ocuparia um superministério da Infraestrutura, que reuniria as atuais pastas de Cidades, Transportes, Portos, Integração Nacional e Minas e Energia. Bernardinho iria para o dos Esportes. José Serra, provavelmente, seguiria para o Itamaraty. A propósito, Armínio Fraga esteve em Nova York na quinta-feira 16 com a cúpula do J.R Morgan tratando de sua saída da Gávea Investimentos, no caso de Aécio se eleger. • CONGRESSO TROCA DE GUARDA Renan Calheiros já está redistribuindo os gabinetes do Senado. O gigantesco (ocupa um andar inteiro) gabinete de José Sarney vai ficar com Tasso Jereissati. • BRASIL DE VOLTA Ao contrário de outras concorrentes que ainda mantêm, por precaução, alguns executivos implicados na Lava-Jato no exterior, três diretores da Odebrecht retornaram ao Brasil na semana passada. ALGUM ALÍVIO Fornecedoras da Petrobras encrencadas com as delações premiadas não baixam a guarda, mas já estiveram mais inquietas com possíveis mandados de busca e apreensão ou prisão de executivos. • JUDICIÁRIO UM IPHONE BRASILEIRO Eugênio Staub, dono da Gradiente, contratou o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, para levar ao STJ e ao STF sua guerra judicial contra a Apple pelo direito exclusivo no Brasil da marca iPhone, lançada por Steve Jobs em 2007. Em 2000, a Gradiente entrou com o pedido de registro do nome no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) e, oito anos depois, o direito foi concedido. Em junho, a Apple derrotou a Gradiente e o Inpi na segunda instância da Justiça do Rio de Janeiro. • ECONOMIA MAIS UMA A Eneva (ex-MPX), empresa de geração de energia elétrica e exploração de gás natural, na qual Eike Batista ainda é sócio, está em avançada discussão interna para entrar com pedido de recuperação judicial. NÃO ERA A COPA As vendas do varejo na primeira quinzena de outubro foram fracas, repetindo o desempenho de setembro. NA ESTRADA A Nissan vai apresentar uma novidade no Salão do Automóvel de São Paulo, no dia 30: é o New Versa, que chega ao Brasil em 2015, resultado de um investimento de 300 milhões de reais. Produzido em sua fábrica no Rio de Janeiro, o New Versa vai tentar tomar o mercado do Hyundai HB20 S e do Toyota Etios Sedan. • FUTEBOL UM BOMBOM A MAIS José Maria Marin pode ser acusado de tudo, menos de não ser um cartola generoso. O presidente da CBF acaba de decidir que os presidentes das 27 federações estaduais de futebol ganharão uma espécie de salário de 15.000 reais mensais. A troco de quê, não se sabe. As federações já recebem da CBF 100.000 reais cada uma a título de ajuda de custo. MINA DE OURO A propósito, dinheiro não é problema na CBF. Só com os quatro amistosos que a seleção disputou desde setembro, a entidade botou nos cofres um total de 12 milhões de reais em direitos de televisão (da Globo) e mais 4,4 milhões de dólares líquidos pagos pela empresa organizadora das partidas. 2#8 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “Esse caso da Petrobras consolida o que já vem de 2005. O mensalão foi o prefácio, agora o Brasil está lendo o epílogo.” - ROBERTO JEFFERSON, ex-deputado federal (PTB), condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo do mensalão, esquema denunciado por ele, em entrevista à Folha de S.Paulo “Nós vamos introduzir as cotas, e a vida seguirá." - ANGELA MERKEL, chanceler alemã, garantindo, a um grupo de executivas reunidas na sede do governo, que não desistirá do projeto que pretende reservar para as mulheres 30% das vagas nos conselhos das grandes empresas instaladas na Alemanha. “Alguém, em algum lugar, em uma garagem, está mirando nossa empresa (neste momento). Eu sei bem disso, porque há não muito tempo nós mesmos estávamos numa garagem. A mudança vem de onde você menos espera.” - ERIC SCHMIDT, presidente do Google, durante evento em Berlim. “Eu não sou suicida. (...) Não quero morrer. Mas estou morrendo. E quero fazer isso nos meus próprios termos.” - BRITANNY MAYNARD, paciente terminal de câncer, que decidiu recorrer à lei de alguns estados americanos que permite o suicídio assistido; ela prepara a própria morte para o dia 1º de novembro. “Os artistas estão fracassando na tarefa de deixar expressões significativas da vida contemporânea.” - CAMILLE PAGLIA, ensaísta americana, ao abordar, em O Globo, temas de seu novo livro, Imagens Cintilantes. “Sou uma piada ambulante." - MILEY CYRUS, cantora americana, ao explicar, no talk-show australiano Sunrise, do Seven Network, que, se não houvesse seguido a trajetória profissional que a transformou em uma estrela pop, estaria atuando em comédias stand-up. “Tínhamos um medo profundo de que essas canções, que fizeram parte da nossa vida nos últimos anos, não fossem ouvidas.” - BONO, líder da banda irlandesa U2, comentando, em uma rede social, a estratégia de lançamento do álbum Songs of Innocence, disponibilizado em cópias digitais gratuitas no iTunes. “Não sei qual é o meu limite. Só quero ajudar meus companheiros.” - NEYMAR, camisa 10 do Brasil, falando à Rede Globo após o jogo contra o Japão, no qual fez quatro gols e se tornou o quinto maior artilheiro do time (tem agora quarenta tentos marcados; Pelé é o maior goleador da seleção, com 77 gols em jogos oficiais). “As pessoas podem, sim, gritar que o campeão voltou.” - ANDERSON SILVA, ex-campeão dos médios do UFC, em conversa com jornalistas brasileiros, no Rio, sobre seu retorno aos ringues, marcado para janeiro de 2015, contra o americano Nick Diaz. “Na fotografia, o equipamento não nos salva, o instinto sim.” - BRYAN ADAMS, cantor, compositor e fotógrafo canadense, no jornal português Público; ele abriu, na semana passada, uma mostra de fotos em Cascais, cidade onde morou na juventude. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto dos confrontos do segundo turno “O mais poderoso é aquele que tem todo poder em si.” - SÊNECA, filósofo latino (4 a.C.-65 d.C.). _________________________________________ 3# ESPECIAL ELEIÇÕES 22.10.14 3#1 UMA VIAGEM À MENTE DOS... ...INDECISOS 3#2 UMA QUESTÃO DE CARÁTER 3#3 OS CINCO PILARES DA PROSPERIDADE 3#4 O MUNDO DESACELERA 3#1 UMA VIAGEM À MENTE DOS... ...INDECISOS Mais vetores levam os indecisos a votar em Aécio, mas o número de eleitores que dizem estar com a presidente e podem mudar de ideia é menor que o dos inseguros em relação ao senador. PIETER ZALIS Pela primeira vez em 25 anos, os eleitores indecisos vão definir o nome do próximo presidente da República. Isso só havia acontecido uma vez, em 1989. Nas eleições de 1994 e 1998, Fernando Henrique Cardoso liquidou o pleito no primeiro turno. Em 2002, 2006 e 2010, a diferença entre o primeiro e o segundo colocados era maior do que o número de eleitores sem candidato — o que significa que, ainda que no fim todos eles optassem pelo mesmo nome, isso não seria suficiente para definir o vencedor. Na história do Brasil, a única eleição que se compara a esta — e não só pela força das caneladas trocadas entre os candidatos — é a que opôs Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva. Às vésperas do segundo turno, o petista estava a apenas 3 pontos percentuais de Fernando Collor, e os indecisos eram 6% — a mesma porcentagem que se vê agora, com a diferença de que, em relação a 1989, a distância entre Dilma Rousseff e Aécio Neves é ainda menor. Segundo os institutos Datafolha e Ibope, o candidato do PSDB tem apertados 2 pontos percentuais de vantagem sobre a petista. Metade do Brasil está com Dilma, metade com Aécio — mas quem vai definir o nome do candidato que subirá a rampa do Palácio do Planalto no dia 1º de janeiro será o grupo que, por enquanto, não está com nenhum dos dois. A pergunta que estrategistas tucanos e petistas tentam responder é como fisgar esses 8 milhões de indecisos identificados pelas pesquisas. VEJA analisou as características desse grupo. O cruzamento dessas informações — grau de escolaridade, nível de renda, gênero, regiões e o tamanho das cidades em que vivem — com os resultados obtidos no primeiro turno mais os dados das pesquisas de segundo turno e o histórico do eleitorado permitem identificar qual dos candidatos tem mais chance de conquistá-los (veja o quadro na pág. 51). Em alguns casos, como na questão da escolaridade, o resultado dos cruzamentos é um empate — metade dos indecisos tem só o ensino fundamental, o que favorece Dilma, mas a outra metade concluiu o ensino médio ou o superior, e aí é o tucano quem se sai melhor. Dos seis critérios em que houve diferenças sensíveis, o candidato do PSDB aparece com mais chance que a petista de convencer os indecisos em quatro. Mas isso não significa automaticamente uma vantagem, já que os eleitores reúnem características diversas, que podem apontar para lados opostos. Uma mulher (grupo em que Dilma vai melhor) que avalie o governo como regular (ponto para Aécio), viva numa cidade com até 200.000 habitantes (melhor para Dilma) e não tenha partido político (vantagem para o tucano) vai votar como? O diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, afirma que, quando as várias características do eleitor entram em conflito no momento de definir seu voto, as que tendem a prevalecer são as de gênero (feminino, no caso desta eleição e das passadas) e escolaridade (ensino fundamental — de novo, no caso desta e das anteriores). Ou seja, um eleitor que só concluiu o ensino fundamental (pró- Dilma), por exemplo, e que avalie o governo como regular (pró-Aécio) no fim estaria mais inclinado a escolher a petista, uma vez que a escolaridade costuma ter mais peso do que a avaliação do governo. Sob essa ótica, Dilma Rousseff teria uma leve vantagem sobre Aécio na hora de conquistar os indecisos. Em compensação, pode contar a favor do tucano nesta reta final o fato de que, historicamente, no Brasil, as pesquisas tendem a superestimar os votos do candidato que, no poder, tenta a reeleição. Explica o cientista social Rubens Figueiredo: "O nome do candidato que está no poder é sempre mais presente do que o do adversário na vida dos eleitores. Assim, é natural que, nas pesquisas com perguntas estimuladas, ele seja mais citado, ainda que essa intenção de voto não se reflita nas urnas — ou porque os entrevistados acabam não indo votar ou porque não estavam de fato decididos". O maior exemplo de distorção nessa situação ocorreu em 1998, na reeleição de Fernando Henrique Cardoso, quando a última pesquisa do Datafolha mostrou o presidente com 49% dos votos, mas as urnas lhe deram 43,1% (53% dos válidos). O eleitorado brasileiro se transformou radicalmente nos últimos vinte anos. As duas mudanças mais notáveis: ele ficou mais educado (pela primeira vez haverá mais eleitores com ensino médio do que aqueles que têm apenas o fundamental) e muito menos interessado em partidos. De acordo com dados do Datafolha, hoje, de cada três eleitores, dois não têm preferência partidária — um recorde que, segundo analistas, vem na esteira das manifestações antipolíticas de junho do ano passado. Esse novo eleitorado — mais maduro e mais ressabiado — tende a decidir seu voto cada vez mais em cima da hora, dizem os analistas. De acordo com a última pesquisa do Datafolha, 15% do eleitorado decidiu em quem votaria para presidente na véspera do primeiro turno — 6% no sábado e 9% no próprio domingo. Existe uma crença persistente de que eleitores indecisos sejam pessoas que não se interessam por política. Há estudiosos, no entanto, que duvidam dessa teoria. Nas eleições presidenciais americanas de 2012, a cientista política Lynn Vavreck, professora associada da Universidade da Califórnia em Los Angeles, debruçou-se sobre as emoções dos eleitores indecisos para entendê-los melhor e evitar classificá-los apenas como "desinteressados", como acreditava o senso comum. Chegou à conclusão de que essas pessoas podem, sim, ter convicções políticas firmes em relação aos temas mais importantes, como educacão e segurança. A razão de sua indecisão se deve, muitas vezes, ao fato de que suas opiniões não se encaixam na plataforma de um único candidato. Sobre a forma como se dá o processo de decisão, Lynn afirma que tanto o indeciso como o convicto acabam se deixando levar pelas emoções. Sob essa perspectiva, não haveria diferença entre os dois tipos de eleitor. Escreve Drew Westen, professor de psicologia e psiquiatria da Universidade Emory e autor do livro O Cérebro Político: o Papel da Emoção na Decisão do Destino de uma Nação: "Não prestamos atenção nos argumentos, a menos que eles tenham conexão com aquilo que nos interessa, nos entusiasma, nos causa medo, raiva ou desprezo". Existe ainda outro fenômeno já mapeado nos Estados Unidos que mostra quão tortuosos são os caminhos para perscrutar a alma dos eleitores. Estudos demonstraram que alguns tendem a responder às pesquisas de acordo com o que seu grupo social esperaria por medo de ser criticados por discordar da maioria. É o chamado "desvio de aceitação social", já devidamente computado nas pesquisas. Por ele, alguém que recebesse o Bolsa Família no Nordeste e estivesse decidido a votar em Aécio Neves hesitaria em dizê-lo, uma vez que, nesse grupo, Dilma tem votação esmagadora. Essas distorções seriam corrigidas apenas no sigilo da urna. Dilma Rousseff e Aécio Neves têm uma semana para conquistar a confiança dos eleitores ressabiados com a política, desconfiados de seus partidos, desinteressados da eleição ou simplesmente em dúvida entre um conjunto e outro de propostas. Da decisão dos indecisos virá a resposta sobre os rumos que o Brasil vai tomar nos próximos quatro anos. INDECISOS 6% AS CRACTERÍSTICAS DO GRUPO E QUE CANDIDATO ELAS FAVORECEM DILMA Decididos 42% Pode mudar de ideia 1% Dois terços dos indecisos são MULHERES Melhor para: DILMA A presidente tem votação acima da média entre as mulheres. Dois terços moram em cidades com até 200.000 HABITANTES Melhor para: DILMA É onde a avaliação negativa a Dilma está abaixo da média. AÉCIO Decididos 42% Podem mudar de ideia 3% Dois terços avaliam o governo como REGULAR Melhor para: AÉCIO No primeiro turno, Dilma tinha só 27% dos votos desse grupo. Quatro quintos NÃO TÊM PARTIDO Melhor para: AÉCIO O tucano vence a petista por 14 pontos entre os sem-partido Dois terços vivem no SUDESTE e no SUL Melhor para: AÉCIO 70% de seus votos vieram dessas duas regiões no primeiro turno Um terço é EVANGÉLICO Melhor para: AÉCIO Recebeu o apoio dos dois candidatos evangélicos, Marina e pastor Everaldo. A INDECISÃO NA CAMPANHA Nesta eleição, os indecisos somam 6%, e a diferença entre Aécio e Dilma está em 2%. Só em 1989 eles tiveram tanto peso. 1989 Diferença entre os candidatos 3 pontos Collor 47% Lula 44% Indecisos 6% 2002 Diferença entre os candidatos 29 pontos Lula 61% Serra 32% Indecisos 3% 2006 Diferença entre os candidatos 21 pontos Lula 58% Alckmin 37% Indecisos 3% 2010 Diferença entre os candidatos 11 pontos Dilma 49% Serra 38% Indecisos 8% COM REPORTAGEM DE FERNANDA ALLEGRETTI 3#2 UMA QUESTÃO DE CARÁTER Por que criticar a índole, o temperamento e os defeitos, reais ou inventados, do adversário rende mais votos do que apresentar um programa de governo. MARIANA BARROS Xingar o oponente de mentiroso, leviano, nepotista ou insinuar que ele é inseguro, sofre de desvio de caráter ou já dirigiu bêbado dá votos? Sem dúvida. A tática do ataque pessoal — que mira a índole, o temperamento e as fragilidades, reais ou inventadas, do adversário — foi usada com amplo sucesso pelo PT contra Marina Silva no primeiro turno. Agora, volta à cena na segunda fase das eleições com Dilma Rousseff e Aécio Neves. No debate realizado na quinta-feira pelo SBT, só a palavra "mentira" e suas variantes saíram da boca dos presidenciáveis catorze vezes. Parece mais razoável que, ao escolher alguém para presidente da República, um eleitor leve em consideração outro tipo de informação — como as ideias que o candidato defende para um país e a capacidade que tem de tornar mais prósperos e mais felizes seus habitantes, a começar por ele próprio. O raciocínio pode parecer razoável, mas é incorreto. Quanto mais acirrada uma campanha, mais o caráter de um candidato se sobrepõe às suas qualidades políticas, disse a VEJA o linguista e especialista em psicologia política George Lakoff, ex-professor nas universidades Harvard e Stanford e desde 1972 em Berkeley. Ele defende a teoria de que, na política, a família é a melhor metáfora de uma nação — com a população no papel de filhos e os governantes no de pais. "Essa relação cria um pacto de moralidade em que certos valores exibidos na vida pública se tornam, ainda que de forma inconsciente, inaceitáveis para a sociedade." Da mesma forma que um pai que age de maneira moralmente condenável perde a autoridade para cuidar de seus filhos, também os políticos que ferem códigos de comportamento passam a ser incapazes de governar aos olhos de um eleitorado para o qual a primeira forma de governo é a familiar, diz Lakoff. O caráter dos políticos ganha ainda mais importância à medida que os partidos políticos perdem a sua. E, no Brasil, os partidos nunca estiveram tão desacreditados. A última pesquisa Datafolha mostrou que 65% dos eleitores não têm preferência partidária. "Aqui, homens são mais importantes que instituições", afirma o cientista político Rubens Figueiredo. "É por tal motivo que esse tipo de arma, o ataque pessoal, é tão eficaz." Dois debates e sete programas eleitorais separam os brasileiros do dia da votação. Com os candidatos cabeça a cabeça e o sangue subindo nos olhos a cada confronto, resta torcer ao menos para que ninguém solte um palavrão. AÉCIO ‘A senhora conhece Igor Rousseff, seu irmão? Foi nomeado pelo prefeito (de Belo Horizonte) Fernando Pimentel no dia 20 de setembro de 2003 e nunca apareceu” “A minha irmã trabalha muito e não recebe nada. O seu irmão recebe e não trabalha” “A senhora infelizmente tem permitido ao Brasil ver a mais baixa campanha da sua história democrática” DILMA “Não houve nenhuma acusação contra a ex-ministra-chefe da Casa Civil Erenice Guerra similar à sua. Sabe qual? Emprego de parente” “O senhor não pode apontar o dedo só para um partido, aponte para todos os partidos, candidato” “O senhor acha que todo cidadão que for solicitado deve se dispor a fazer o exame de álcool e droga?” 3#3 OS CINCO PILARES DA PROSPERIDADE As metas que o Brasil deve perseguir para chegar a 2030 entre as nações mais ricas e desenvolvidas. GIULIANO GUANDALINI 1- CRESCIMENTO – Meta: elevar o ritmo e crescimento da economia para 4,5% ao ano e dobrar a renda média dos brasileiros até 2030. 2- EDUCAÇÃO – Meta: assegurar às crianças e aos jovens um ensino de qualidade similar à dos trinta melhores sistemas do mundo. 3- SAÚDE – Meta: ser o país mais saudável da América Latina, com atendimento digno a um custo sustentável a longo prazo. 4- SEGURANÇA – Meta: reduzir em um terço a taxa de homicídios e melhorar a percepção de segurança dos brasileiros. 5- GOVERNO – Meta: dar mais eficiência à administração pública, com foco no desempenho e na meritocracia. O governo possui um papel relevante em ditar a velocidade do desenvolvimento de um país, e isso é ainda mais verdade no Brasil, onde o Estado ocupa um espaço enorme na vida econômica. Foi sob essa perspectiva que um grupo de consultores e organizações voltadas ao estudo do desenvolvimento se reuniu para elaborar a iniciativa Visão Brasil 2030. Foram doze meses de debates envolvendo mais de 150 especialistas do setor público, de centros de ensino e da iniciativa privada para produzir um diagnóstico e indicar as rotas a ser seguidas para que o país alcance um padrão de bem-estar compatível com o de uma nação desenvolvida. Foram ouvidas também mais de 2000 pessoas de todo o país. No final, chegou-se a um documento minimamente consensual a respeito das políticas a ser seguidas para acelerar a expansão da economia e avançar mais rapidamente na melhora dos indicadores sociais. A meta central é dobrar a renda per capita até 2030. Os brasileiros teriam assim, em duas décadas, um padrão de vida similar ao atual em países como Polônia ou Portugal e superior ao do Chile, a nação mais avançada da América Latina. A meta não deixa de ser ambiciosa, mas o documento, organizado pelos consultores da McKinsey, foi criado com o esforço de chegar a um projeto consistente e adaptado à realidade brasileira. Para o país dar o novo salto no desenvolvimento, deverá avançar em cinco pilares: crescimento sustentável, educação, saúde, segurança e governo eficiente. 1 CRESCIMENTO Para dobrar o rendimento per capita dos brasileiros até 2030, a economia precisará fluir com menos obstáculos. Nas duas últimas décadas, o avanço médio anual foi de 2%. Atingir a meta exigirá um ritmo superior a 4% ao ano. O primeiro passo será criar um ambiente econômico estável, com inflação baixa e previsível, além de contas públicas equilibradas e transparentes. Sem isso, o país deixará de atrair os investimentos necessários para expandir a capacidade produtiva e eliminar as restrições na infraestrutura. O total investido anualmente pelo Brasil na construção civil, nas obras de logística e na ampliação de fábricas é da ordem de 18% do PIB, enquanto a China investe mais de 40% e o Chile, 23%. Sem ampliar os gastos na área, seria impossível sustentar um avanço da economia superior a 4% ao ano, porque, quando a capacidade produtiva e logística não evolui, surgem gargalos de todo tipo. É o que os brasileiros sentem diariamente quando transitam por estradas ruins, passam sufoco com o transporte público e com o trânsito das metrópoles, ou na dificuldade enfrentada pelas empresas para fazer circular suas mercadorias. "A produtividade é diretamente associada à qualidade da infraestrutura, e sem avanço na produtividade não existe crescimento sustentável", afirma o consultor Cláudio Frischtak. Houve um aumento no total investido em obras nos últimos anos, mas, de acordo com Frischtak, ocorreu também um aumento expressivo no custo dos projetos, e os atrasos são crescentes. Como resultado, o país pouco fez nos últimos anos para diminuir o atraso. De acordo com Helcio Tokeshi, ex-diretor da Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP) e atualmente na GP Investimentos, os investimentos em infraestrutura só vão deslanchar se houver a colaboração entre o governo e o setor privado. "Existe capital disponível para financiar bons projetos", diz Tokeshi. "Mas é preciso que haja planejamento e previsibilidade." Controlar o avanço nos gastos públicos é outro ponto essencial, porque, do contrário, será mais difícil sobrar espaço no Orçamento para os investimentos. Sem o controle nas despesas do governo, a dívida pública voltará a subir e haverá mais pressão sobre a inflação, dois fatores que empurram os juros para cima e, consequentemente, reduzem a capacidade de crescimento do produto interno bruto a longo prazo. Outras reformas indispensáveis para acelerar o avanço na economia são a simplificação tributária e a redução dos custos trabalhistas. Por fim, o Brasil deve aprofundar a sua integração à economia internacional e aprimorar o ambiente para fazer negócios, por meio da redução da burocracia e dos custos de negociação. Do contrário, os investimentos destinados ao Brasil continuarão sendo, primordialmente, orientados a explorar os benefícios de um mercado consumidor interno protegido da competição externa. Em um cenário assim, inexistem incentivos para o aumento da competitividade. Diz Heinz-Peter Elstrodt, diretor da McKinsey: "Sem a correção dessas distorções, o crescimento sustentável da economia brasileira não ocorrerá, pois não basta para isso baixar os juros". PIB PER CAPITA Em dólares, ajustado pela paridade do poder de compra 2012 Posição no ranking mundial: 95º BRASIL ... 11.000 2030 (projeções) Com reformas – 79º BRASIL ... 24.000. Nesse cenário, em vinte anos o Brasil poderá ter um padrão de vida semelhante ao atual na Polônia, na Europa Sem reformas e mantendo o ritmo de avanço dos últimos vinte anos – 104º BRASIL ... 17.000 Fontes: IHS Global Insight 2 EDUCAÇÃO Foi feito o relativamente mais fácil. Construíram-se escolas e ampliaram-se as vagas, e quase a totalidade das crianças brasileiras frequenta o ensino fundamental. O problema é que elas não estão aprendendo. Entre as dez maiores economias do mundo, o Brasil é o único país que está entre os piores nas avaliações internacionais da qualidade de educação básica. Ao fim do ensino médio, apenas um em cada dez estudantes tem nível adequado de matemática. Um terço dos trabalhadores é analfabeto funcional ou simplesmente não sabe ler nem escrever. Um país assim está condenado a ser, na média, pouco produtivo. Sempre haverá as chamadas ilhas de excelência, mas, no geral, a mão de obra será incapaz de desenvolver e produzir mercadorias e serviços avançados. A meta para acelerar o desenvolvimento brasileiro é colocar o sistema de ensino entre os trinta melhores do mundo. Um fato interessante, revelado pelas entrevistas com os brasileiros, foi que a maior parte da população avalia a qualidade da educação como superior ao que ela realmente é, possivelmente porque seus filhos têm oportunidades que eles não conheceram. O aprimoramento do ensino, de acordo com os consultores, dependerá também de um maior engajamento do país na cobrança por resultados melhores. A educação deveria ainda centrar mais recursos na preparação dos jovens para o mercado de trabalho. Atualmente, menos de um quinto dos trabalhadores tem curso superior ou técnico. A meta é elevar o porcentual para 60% até 2030. ANALFABETISMO FUNCIONAL Brasileiros incapazes de ler e escrever ou com capacidade rudimentar de leitura, escrita e interpretação (porcentual da população brasileira - 15 a 64 anos) 2001 39% 2004 38% 2007 34% 2011 27% 3 SAÚDE O Brasil obteve uma melhora constante nos indicadores de saúde nas duas últimas décadas. A mortalidade infantil, por exemplo, foi reduzida em 70%. Trata- se do efeito positivo dos investimentos no atendimento básico e também em saneamento. A análise mais detalhada dos indicadores, contudo, revela uma discrepância acentuada entre as regiões. A expectativa de vida ao nascer no Sul supera 75 anos, enquanto no Nordeste é de 71 anos, não muito melhor do que na Bolívia ou na Coreia do Norte. Uma das razões para tamanha divergência é a presença mais acentuada de doenças infectocontagiosas no Norte e no Nordeste, em decorrência da falta de saneamento básico. O Brasil, de acordo com os especialistas, enfrenta assim uma tripla carga sobre o seu sistema de saúde. Em primeiro lugar, precisa lidar com males típicos de países pobres. Outra demanda são as ocorrências resultantes da violência, seja pela criminalidade, seja pelos acidentes de trânsito. Finalmente, cresce a necessidade de ampliar o tratamento de doenças crônicas e decorrentes do envelhecimento, típicas de nações ricas. Para alcançar a meta de ter o melhor sistema de saúde da América Latina, será necessário aumentar os investimentos do setor público, sobretudo em saneamento e em atendimento básico, além de garantir a eficácia da aplicação do dinheiro disponível. 4 SEGURANÇA A cada nove pessoas assassinadas em todo o mundo, uma é no Brasil. Ponderando-se os homicídios pelo tamanho da população, as taxas são inferiores apenas às de países como a Venezuela e a Colômbia, onde são notórias as ações dos narcotraficantes. A meta para o Brasil chegar a um nível tolerável é reduzir a um terço o número de assassinatos. Para ampliar a percepção geral de segurança da população, outro objetivo a ser alcançado é reduzir o número de roubos e outros delitos. Por razões evidentes, a violência reduz o bem-estar. Existe também o efeito na produtividade do país, como resultado, por exemplo, do alto custo exigido pela contratação de segurança privada. O roubo de cargas é um dos fatores que oneram o transporte de mercadorias no Brasil. Alguns estados investiram na melhoria das polícias e aprimoraram o sistema prisional, obtendo resultados auspiciosos. Em São Paulo, na última década, a taxa de homicídios caiu 64%, e no Rio de Janeiro, 38%. No Rio Grande do Norte e na Bahia, em contrapartida, os números triplicaram. Reverter a situação requer investimentos no preparo da polícia e também em tecnologia. A resolução dos crimes oscila entre 5% e 10% no país, enquanto nos Estados Unidos e na Inglaterra os esclarecimentos e a detenção dos autores chegam a 60% dos casos. No Brasil, são elevadíssimos também os índices de reincidência — cerca de 80% dos ex-presidiários voltam ao crime. A médio prazo, é fundamental dar atenção especial às crianças e aos jovens moradores de regiões violentas. Homicídios intencionais Ocorrências por 100.000 habitantes (2011) Venezuela 45 Colômbia 33 México 24 BRASIL 22 Argentina 6 EUA 5 Chile 4 Alemanha 1 5 GOVERNO Para o Brasil ser um país melhor, muitas das ações precisam partir do governo federal. Em vez de ser parte do problema, a administração pública deveria ser parte da solução. As iniciativas do próprio governo, entretanto, para aumentar sua eficiência têm sido tímidas. O caminho preferido é ampliar gastos, no lugar de gerir as finanças de maneira um pouco mais parecida com a de uma empresa privada, com a preocupação de controlar custos e incentivar os funcionários com planos de carreira baseados no mérito. Sem reformas que contenham o aumento das despesas públicas, os brasileiros serão cobrados a pagar uma fatura a cada ano mais elevada para receber, em contrapartida, serviços inferiores aos de países mais avançados. Com o avanço nesses cinco pilares, em um ambiente de sustentabilidade, com o equilíbrio dos fatores sociais, ambientais e econômicos, o Brasil poderá reduzir a distância que o separa dos países mais desenvolvidos. Será possível também fazer com que a maioria dos brasileiros viva com uma renda tida como digna e possua oportunidades para prosperar pelo esforço próprio. OS CANDIDATOS E AS METAS As propostas e as realizações dos candidatos em relação aos cinco pilares. DILMA 1 CRESCIMENTO O que diz: incentivar o investimento em infraestrutura, tendo o BNDES como o principal agente de crédito. Simplificar o sistema tributário O que fez: a economia teve expansão média de 1,7% ao ano, e o investimento em relação ao PIB caiu de 19,5% para 16,5% Atende aos desafios, segundo a análise de VEJA: NÃO 2 EDUCAÇÃO O que diz: criar mais 12 milhões de vagas no ensino técnico e expandir a educação em tempo integral O que fez: expandiu o Pranatec, mas os cursos são, em boa parte, básicos, de pouco conteúdo tecnológico, e duram em média três meses Atende aos desafios, segundo a análise de VEJA: EM TERMOS 3 SAÚDE O que diz: expandir o programa de médicos estrangeiros. Vai buscar a universalização do Samu e do saneamento básico O que fez: seis em cada dez obras de saneamento previstas no PAC estão atrasadas, paralisadas ou não foram iniciadas 4 SEGURANÇA O que diz: promover a coordenação entre governos federal, estaduais e municipais. Criar a Academia Nacional de Segurança Pública O que fez: o orçamento da Polícia Federal cresceu 11% de 2011 até 2013. No entanto, os investimentos, que excluem os gastos administrativos, caíram mais de 50% desde 2011 Atende aos desafios, segundo a análise de VEJA: EM TERMOS 5 GOVERNO O que diz: incentivar o uso da informática para dar mais transparência à execução dos gastos públicos O que fez: criou mais dois ministérios e ampliou em 1000 o número de cargos comissionados, sujeitos a indicação política Atende aos desafios, segundo a análise de VEJA: NÃO AÉCIO 1 CRESCIMENTO O que diz: incentivar o investimento privado. Promover maior combate à inflação, reforma tributária e maior integração ao comércio mundial O que fez: o PIB de Minas cresceu acima da média nacional nos oito anos em que foi governador Atende aos desafios, segundo a análise de VEJA: SIM 2 EDUCAÇÃO O que diz: estabelecer plano de carreira e meritocracia para os professores e profissionalização da atividade. Ampliar o colégio em tempo integral O que fez: Minas lidera o ranking estadual de qualidade no ensino fundamental. No ensino médio, ocupa a terceira posição no ranking nacional Atende aos desafios, segundo a análise de VEJA: SIM 3 SAÚDE O que diz: apoiar a proposta de aplicar 10% da receita corrente bruta do governo federal na área - hoje ela está em torno de 6%. Combater o desperdício O que fez: aumentou as equipes de atenção primária, e Minas alcançou o quarto lugar no índice de qualidade do serviço de saúde . Atende aos desafios, segundo a análise de VEJA: EM TERMOS 4 SEGURANÇA O que diz: promover a integração na estratégia de governos federal, estaduais e municipais. Investir em projetos de formação profissional de jovens nas áreas mais violentas O que fez: a taxa de homicídios caiu 7% ao longo dos oito anos de seu mandato. Houve um aumento de 138% no número de viaturas policiais e de 765% no de vagas prisionais EM TERMOS 5 GOVERNO O que diz: adotar a meritocracia. Reduzir em um terço os 22.000 cargos de nomeação política. Diminuir o número de ministérios, 39 atualmente, pela metade O que fez: no governo de Minas, reduziu o número de secretarias de 21 para quinze. Os gastos com a folha de pagamento caíram de 62% do Orçamento para 45% Atende aos desafios, segundo a análise de VEJA: SIM A CARGA DE IMPOSTOS É ELEVADA... Em % do PIB BRASIL 36% Rússia 27% Austrália 26% China 18% Chile 17% México 10% ...E PESA MAIS SOBRE OS MAIS POBRES Carga tributária por faixa de renda das famílias no Brasil Renda familiar em salários mínimos Até 2 49% 2-3 38% 3-5 34% 5-10 32% 10-15 31% 15-30 28% Acima de 30 26% 3#4 O MUNDO DESACELERA Nos últimos anos, a economia global avançou em ritmo lento, mas o Brasil freou por questões internas. O risco de contágio da crise externa será maior no próximo mandato. FELIPE CARNEIRO Quando a economia fica paralisada, as empresas cancelam investimentos e os preços sobem, é comum os governantes colocarem a culpa na conjuntura externa para não ter de admitir os próprios erros. Na campanha presidencial, a candidata à reeleição Dilma Rousseff tem repetido que o Brasil cresceu pouco no seu mandato, iniciado em 2011, por causa de adversidades na economia global. "Vivemos um momento muito especial, em que a crise internacional afeta a economia brasileira, mas nós saímos dessa crise e a enfrentamos de peito aberto", disse a candidata no último debate no SBT. A frase está descolada da realidade. Durante sua gestão, a economia mundial cresceu sempre mais de 3% ao ano, enquanto o Brasil nunca chegou a isso. Neste ano, enquanto o PIB global subirá 3,3%, o Brasil ficará estagnado. O país não foi dinâmico como se esperava não por razões externas, portanto, mas pela própria incapacidade do governo de resolver os problemas internos. Essa ideia foi reforçada há duas semanas num relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ao reduzir as projeções para o crescimento brasileiro de 1,3% para apenas 0,3% em 2014, o francês Olivier Blanchard, economista-chefe da entidade, disse sobre o Brasil: "A confiança parece faltar, o investimento está baixo e o crescimento está próximo de zero". O argumento de que o mundo andou mal das pernas tem raízes na crise de 2008 e 2009, que afetou principalmente os Estados Unidos e a Europa. O Brasil resistiu àquele vendaval com a venda de commodities para a China, a elevação do consumo interno e a ascensão da classe média. Em 2008, o presidente Lula afirmou que o tsunami que passava pelos Estados Unidos chegaria ao país como uma marolinha. O Brasil cresceu 5,2% naquele ano, estagnou em 2009 e retomou o crescimento em 2010 com um incremento de 7,5% no PIB. De lá para cá, os bancos centrais de vários países desenvolvidos injetaram dinheiro no mercado e iniciaram uma recuperação das economias nacionais. Ao mesmo tempo, adotaram políticas de austeridade para cortar custos e reconquistar a competitividade. A retomada parece estar perdendo fôlego. Na semana passada, uma série de más notícias derrubou as bolsas do mundo inteiro — com reflexo na Bovespa. A Alemanha, que representa quase um terço da economia da zona do euro, registrou uma queda na sua produção industrial. A França e a Itália, que completam o tripé de sustentação da região, ainda não conseguiram se reerguer. Nos Estados Unidos, as vendas ao consumidor caíram em setembro. Também foi anunciada uma revisão da previsão de crescimento do PIB da China em 2015 para 7%, o mais baixo desde 1999. Para o Brasil, cujas exportações dependem das commodities, esse dado tem enorme influência, pois encolhe a demanda por soja, ferro e aço. Se a tendência se confirmar, a balança comercial brasileira passará a ter um saldo negativo ainda maior. Assim como a China está comprando menos, outros países também não querem pôr a mão na carteira. A falta de clientes talvez seja a explicação para uma queda no mercado de petróleo. O preço do barril já caiu 25% desde junho deste ano. Normalmente, isso é uma boa notícia. O petróleo mais barato ajuda a conter a inflação. Porém, se a queda no valor do barril for sintoma de uma demanda global mais fraca, pode-se ter o efeito indesejado da deflação, ou inflação negativa. Preços em queda significam que os empresários não terão lucros, cortarão projetos e demitirão funcionários. Sem consumidores, é possível que os preços caiam mais ainda. Esse seria o pior cenário. "Nós não podemos mais esperar que o mundo nos dê impulso num futuro próximo, como aconteceu na década passada. Agora temos de resolver nossos problemas internamente", diz o economista Marcelo Moura, do Insper. Em meio à incerteza, os investidores tendem a fugir de mercados emergentes, a exemplo do Brasil, em busca de portos mais seguros, como o ouro ou os títulos do governo americano. A perspectiva de que o Fed, o banco central americano, aumente os juros só agrava essa migração financeira. Até o vírus ebola, as guerras no Oriente Médio e a invasão russa da Ucrânia ajudam a espantar os dólares do Brasil. "A batata está nas mãos dos emergentes, que ainda não mostraram estar prontos para o desafio", afirma o economista Renato Flores, da Fundação Getulio Vargas. Usar a crise internacional como desculpa para o mau desempenho do Brasil desde 2011 não cola. Quem quer que assuma a Presidência nos próximos quatro anos, porém, terá de navegar com maestria por mares revoltos da economia global. ATRÁS DOS OUTROS A ECONOMIA GLOBAL NÃO ESTAVA TÃO RUIM... Nos últimos anos, o Brasil cresceu menos que a média mundial (em variação do PIB) 2011 Mundo 4,1% Brasil 2,7% 2012 Mundo 3,4% Brasil 1% 2013 Mundo 3,3% Brasil 2,5% 2014 Mundo 3,3% (projeção do FMI) Brasil 0,3% (projeção do FMI) ...MAS PODE COMEÇAR A FICAR AGORA Dados económicos divulgados neste mês apontam para uma desaceleração na economia • O PIB da China deve crescer 7% em 2015,o ritmo mais lento desde 1999 • As vendas no varejo nos Estados Unidos caíram 0,3% em setembro • A produção industrial da Alemanha diminuiu 4% entre julho e agosto • O valor do barril de petróleo teve redução de 25% desde junho • O preço da tonelada de soja deverá cair de 1300 dólares, em 2011, para 960 dólares, neste ano Fontes: Banco Mundial, FMI, The Economist e US Census Bureau ___________________________________ 4# BRASIL 22.10.14 YOUSSEF: DOAÇÃO ERA PROPINA Delator diz que empreiteiras repassaram dinheiro desviado da Petrobras para a campanha presidencial do PT em 2010 e simularam contribuições legais para ocultar a fraude. ROBSON BONIN AS REVELAÇÕES DE PAULO ROBERTO Há senadores, deputados federais, governadores e ministros envolvidos no desfalque da Petrobras. A corrupção atinge todas as diretorias da estatal, que desviavam 3% do valor dos contratos para os partidos. O coordenador da campanha presidencial de Dilma Rousseff em 2010 pediu ajuda ao esquema. AS REVELAÇÕES DE YOUSSEF Em 2010, a campanha presidencial do PT recebeu dinheiro do esquema de corrupção da Petrobras. No Congresso, 28 deputados federais recebiam subornos mensais oriundos de desvios da estatal. A propina variava de 100.000 a 150.000 reais, dependendo da importância do parlamentar. Antes de qualquer coisa, fique registrado que a presidente Dilma Rousseff dá como verdade o que Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, vem revelando à Justiça em seu processo de delação premiada. Também estejamos todos de acordo que a presidente aceita como verdadeiras as notícias publicadas pela imprensa sobre o escândalo do petrolão. Foi com base no que leu sobre um depoimento de Paulo Roberto Costa no UOL, o site noticioso da Folha de S.Paulo, que ela fez a seguinte afirmação diante de milhões de brasileiros que assistiam pelo SBT ao seu debate com Aécio Neves na semana passada: "Candidato, há pouco saiu no UOL o seguinte: que o ex-diretor da Petrobras afirmou ao Ministério Público Federal que o ex-presidente do PSDB Sérgio Guerra recebeu propina para esvaziar uma CPI da Petrobras... Por isso é que eu digo, candidato, quando a gente verifica que o PSDB recebeu propina... O que importa, candidato? Importa investigar". Agora, leiamos o que Aécio Neves afirmou no mesmo debate sobre o mesmo escândalo com base nas mesmas fontes que Dilma Rousseff usou: "Por que o seu partido impediu que o senhor Vaccari (João Vaccari Neto, tesoureiro do PT) fosse à CPI depor? Ele é responsável por transferir recursos para a sua campanha... pelo menos 4 milhões de reais foram transferidos, com a assinatura do senhor Vaccari,... para sua conta de campanha. Vamos investigar logo". Dilma não respondeu. Isso nos deixa com duas opções. A primeira: Dilma acredita em Paulo Roberto Costa apenas quando ele acusa gente do PSDB. Como isso seria aceitável para a candidata, mas indigno para a presidente, fiquemos com a segunda opção, a única que faz jus ao posto de magistrada maior da nação, que Dilma ocupa. Essa opção nos permite concluir que Dilma também dá como verdadeira a afirmação de que Vaccari recebeu dinheiro do escândalo do petrolão (os famosos "2% iam para o PT", da delação premiada de Paulo Roberto Costa) e transferiu parte para sua campanha. Sem incorrer em perjúrio nem difamação, Aécio Neves poderia ter descrito assim a situação de Dilma: "Por isso é que eu digo, candidata, quando a gente verifica que sua campanha recebeu propina..." A lógica de tudo isso mostra que ocorreu um evento raro durante o debate presidencial do SBT: dois candidatos que concordam sobre uma mesma questão. Dilma e Aécio, como se vê, estão de acordo em que Paulo Roberto Costa fala a verdade e que suas denúncias precisam ser investigadas. Fique, então, registrado que tanto Aécio ("Vamos investigar logo") quanto Dilma ("Importa investigar"), se eleitos, irão fundo na investigação das propinas do petrolão para parlamentares e campanhas presidenciais. A sociedade brasileira vai cobrar do eleito essa promessa. Parafraseando Dilma Rousseff, "quando a gente verifica" que a Petrobras esteve durante quase todo o governo dela e de Lula sob o controle de uma quadrilha de corruptos, "importa investigar". É isso que as autoridades estão fazendo. Na semana passada, foi a vez de o doleiro Alberto Youssef, outro envolvido no caso, dar sequência à serie de revelações surpreendentes iniciadas por Paulo Roberto Costa, as quais, lembremo-nos, Dilma agora utiliza como sendo verdadeiras em suas aparições em debates eleitorais. Quando assinou seu acordo de delação premiada, Youssef prometeu entregar aos investigadores informações que iriam "chocar o país". Na semana passada, ele fez o que prometeu. Youssef disse às autoridades que a campanha da presidente Dilma Rousseff em 2010 foi financiada em parte com dinheiro desviado da Petrobras. Parceiro do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa na gestão da bilionária máquina de corrupção que sangrava os cofres da estatal e abastecia os bolsos de políticos influentes da República, o doleiro dedicou-se nas últimas duas semanas a demonstrar aos delegados e procuradores que não estava blefando quando falou do poder de suas revelações. Imerso desde o dia 2 deste mês em sessões diárias de até oito horas de interrogatório, Youssef já listou o nome de 28 parlamentares que se serviam das propinas pagas pelas empreiteiras com contratos na estatal e expôs as entranhas do que chamou de "mensalão dois". Além de confirmar informações já prestadas por Paulo Roberto, o doleiro revelou aos investigadores que testemunhou o funcionamento de um requintado esquema para repassar dinheiro fruto de corrupção a campanhas eleitorais dando às operações uma fachada de legalidade. O que ocorria, segundo Youssef, era para ter sido o que o submundo chama de "crime perfeito". As empresas faziam doações legais, registradas na Justiça Eleitoral, mas o dinheiro vinha de contratos com a Petrobras artificialmente inflados por aditivos e sobrepreços. Youssef contou aos investigadores que esse método — um entre vários outros — foi utilizado para engordar as finanças de campanha de dezenas de deputados federais da base aliada do governo e que uma porção do dinheiro foi direcionada para a campanha presidencial de Dilma Rousseff em 2010. Naquele ano, sua campanha arrecadou um total de 148,8 milhões de reais, recursos devidamente contabilizados na Justiça Eleitoral. Entre os maiores doadores da campanha de Dilma estão as empresas que, segundo o depoimento em delação premiada de Youssef, formavam o cartel de obras e serviços na Petrobras. Outras tantas são subsidiárias das empresas que, de acordo com o doleiro, se cartelizaram na boca do caixa da estatal. Quase todas as demais são prestadoras de serviços, fornecedoras ou beneficiárias de crédito barato do governo federal. Uma consulta aos arquivos do TSE revela que nove das treze empresas citadas por Youssef fizeram doações legais à campanha de Dilma Rousseff em 2010. Somadas às doações das empresas citadas pelo doleiro, elas chegam a 29 milhões de reais. Pelo valor dos contratos mantidos com a Petrobras, por seu lucro naquele ano e pela dimensão de suas operações globais, parece irreal que organizações daquela envergadura precisassem recorrer a um diretor de estatal corrupto e um doleiro para fazer doações legais à campanha de Dilma em 2010. Mas esse é um problema que Dilma terá de resolver primeiro entre ela e seus arrecadadores quando a denúncia feita por Youssef chegar à fase das provas. Os investigadores do caso já descobriram que a quadrilha instalada na Petrobras sabia como se premiar muito bem com o dinheiro desviado. O próprio Paulo Roberto Costa aceitou repatriar 23 milhões de dólares que ele tem depositados na Suíça e foram fruto de ações criminosas. Haverá dano para a imagem de Dilma, pois não bastará desmentir Youssef ou tentar desqualificá-lo como um criminoso desesperado que diz qualquer coisa para se salvar. Quanto aos valores de pouca monta comparados ao tamanho das empresas doadoras que, segundo Youssef, faziam parte do esquema, o dolo não está no centavo ou no milhão, mas na natureza do esquema. A quadrilha abasteceu dezenas de campanhas, pelo que se revelou até agora. Em 2010, o custo total das campanhas de presidente, governador, senador e deputado federal chegou a 4,9 bilhões de reais. O doleiro Youssef disse que o esquema de arrecadação clandestino começou a funcionar em 2006, um ano depois de o mensalão ter sido debelado, e que a indicação do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras foi negociada com o então presidente Lula diretamente pelo ex-deputado José Janene (PP), também envolvido no mensalão e já morto. A imensa riqueza de detalhes, documentos e planilhas entregues por Youssef às autoridades só agora passa a fazer sentido, montada como um quebra-cabeca em que o doleiro tem as peças e Paulo Roberto conhece a imagem a ser formada. Youssef entregou às autoridades uma lista de 28 deputados financiados pela quadrilha. Dependendo da importância do parlamentar, os pagamentos variavam de 100.000 reais a 150.000 reais por mês. Como disse Dilma, "quando a gente verifica o pagamento de propina", é preciso investigar. É justamente o que está sendo feito. "VACCARI É O PC FARIAS DO GOVERNO DO PT" Delator do mensalão, escândalo que levou a cúpula petista para a cadeia, o corretor Lúcio Bolonha Funaro conheceu de perto a engrenagem de corrupção montada pelo Partido dos Trabalhadores para viabilizar o ambicioso projeto de poder da legenda. Em 2004, Funaro emprestou 4 milhões de reais ao PL (atual PR), aliado do governo. Para receber o dinheiro de volta, ele foi apresentado às figuras centrais do esquema. Em 2006, o corretor fez um acordo com a Justiça para revelar o que sabia sobre a compra de votos no Congresso - e hoje diz que as semelhanças entre o mensalão e o que se descobriu agora na Petrobras, que inclusive envolve os mesmos personagens, não são apenas uma coincidência. Para ele, ambos são esquemas planejados pela mesma organização, têm os mesmos objetivos e um elo em comum: o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto Quais são as semelhanças entre o mensalão e o caso Petrobras? O Paulo Roberto Costa confirmou que sua nomeação foi política, feita pelo ex-deputado José Janene, envolvido no mensalão. O operador financeiro do esquema tem entre seus funcionários o dono da corretora Bônus Banval, também envolvido no mensalão. A pessoa encarregada de ser a responsável na partilha pelo lado do PT, João Vaccari, é a mesma que me foi apresentada para tentar resolver o débito que o PL tinha comigo. São vários pontos em comum. Impossível ser mera coincidência. Por que o senhor acha que eles fazem parte de uma mesma organização? O modus operandi é sempre o mesmo. Há uma empresa-mãe que superfatura serviços contra uma estatal e depois repassa para todos os envolvidos no esquema. No mensalão foram as empresas do Marcos Valério, e agora no caso da Petrobras são as empreiteiras e as prestadoras de serviços da Petrobras. O senhor negociou diretamente com o tesoureiro João Vaccari? O Vaccari é o PC Farias (tesoureiro do então presidente Collor) do governo do PT. O Delúbio Soares (ex-tesoureiro do PT preso por corrupção) me apresentou o Vaccari como o homem que resolveria o problema da dívida. E sabe o que o Vaccari sugeriu? Sugeriu que eu criasse um fundo para captar dinheiro da Funcef ou da Petros. Em outras palavras, os fundos de pensão dos servidores da Caixa e da Petrobras pagariam a dívida do partido. Não aceitei. Agora, o Vaccari aparece de novo envolvido com o Alberto Youssef e desvios de fundos de pensão. É isso que ele faz. O Vaccari se apresentava como representante do PT? Ele tinha sinal verde para operar em certas áreas e aumentou sua influência conforme foi se reduzindo o quadro de operadores do partido. Antes, você tinha o Delúbio, o Marcelo Sereno... Os fatos estão aí para provar que o Vaccari era a pessoa indicada pelo PT para viabilizar negócios com os fundos de pensão. Ele tinha influência na Funcef, na Previ e na Petros. Desde o início do governo do PT, os negócios envolvendo fundos eram tratados com ele. O senhor também diz que o esquema de desvios da Petrobras começou bem antes do que se imagina. O que quero dizer é que, em 2002, o banco Schahin fez um empréstimo a José Carlos Bumlai (pecuarista, amigo do ex-presidente Lula) para a campanha do PT. Depois da eleição de Lula, o grupo Schahin multiplicou seus contratos dentro da Petrobras. Afirmo que o grupo Schahin não tem estrutura para ter tamanho volume de contratos. Coisa de 15 bilhões de dólares. Tenho um litígio com eles e sei o que estou falando, assim como afirmo que o grupo apresenta uma fragilidade financeira que põe em risco a Petrobras. HUGO MARQUES ___________________________________ 5# INTERNACIONAL 22.10.14 O BIG BROTHER DO CHAVISMO Para limitar as compras dos cidadãos, o governo venezuelano controla suas impressões digitais nos mercados. NATHALIA WATKINS Sem que existam duas iguais em todo o mundo, a impressão digital é um dos sistemas mais confiáveis para identificar uma pessoa. Normalmente, é usada para proteger o cidadão, impedindo que alguém use a sua identidade para sacar dinheiro num caixa eletrônico, para viajar a outros países ou para entrar em clubes privados e edifícios residenciais. Na Venezuela, porém, a biometria tem como finalidade cercear direitos. Para controlar a quantidade de produtos básicos que cada venezuelano compra e, dessa forma, conter a crise de desabastecimento no país, o presidente Nicolás Maduro determinou que os supermercados estatais colham a digital da clientela. O sistema já está sendo testado na capital e no Estado de Zulia. A partir de novembro, será implantado em outras regiões. Fazer compras na Venezuela é uma tarefa árdua. Um venezuelano costuma percorrer três ou quatro supermercados à procura de bens de primeira necessidade e ainda volta para casa de sacolas vazias. Os produtos mais concorridos atualmente são frango, carne, café, leite, óleo, alvejante e desodorante, além de farinha de milho para a preparação das tradicionais arepas. Os venezuelanos com amigos nos caixas desses estabelecimentos ou que trabalham nas proximidades de um deles garantem os produtos com mais facilidade, porque são informados logo da chegada de um novo carregamento e em geral são os primeiros a formar as filas. Tanto os supermercados privados quanto os estatais, que vendem a preços subsidiados, estabelecem um limite de itens que podem ser comprados, para tentar atender o maior número de clientes. Poucos sabem a quantidade de alimentos que poderão levar para casa antes de chegar ao caixa. Quando se ultrapassa a cota, é preciso devolver os itens excedentes. O sistema de biometria tem a função de impedir que o cidadão faça compra em vários supermercados para estocar produtos racionados. Famílias inteiras agora frequentam os mercados juntas para garantir alguns quilos a mais de farinha ou açúcar. Os venezuelanos se sentem incomodados em ter de colocar o dedo no leitor biométrico não apenas porque isso os impede de comprar aquilo de que necessitam, mas porque desconfiam do uso político do equipamento. Afinal, a biometria já é usada para identificar os eleitores. "O medo é que o governo compare a digital dos supermercados com a usada nas urnas e se aproveite disso para intimidar quem vota na oposição", diz o economista venezuelano José Toro Hardy. Maduro não apenas monitora os cidadãos ao estilo do Big Brother do romance 1984, de George Orwell, como ainda joga sobre eles a responsabilidade pelos erros do governo. Ao estatizar empresas, espantar investidores e congelar os preços, o regime chavista nocauteou a economia. "A deterioração do setor privado se acelerou, e passamos a ter a menor quantidade de empresas de comércio e serviços da América Latina em proporção à população", diz Victor Maldonado, diretor da Câmara de Comércio de Caracas. O governo também colocou nas ruas 1200 fiscais. Eles são responsáveis por implementar a Lei de Preços Justos, que regula a margem de lucro e preços na Venezuela, sob pena de multa, expropriação e prisão dos empresários. Com a oferta de produtos em queda, a Venezuela vive um momento único em toda a sua história, que combina uma previsão de inflação de 70% ao ano e escassez de 27,6% nos supermercados. Segundo Maduro, para não faltar comida, o povo deve comer menos. "A família venezuelana precisa baixar o consumismo extremo para que se possa alcançar o equilíbrio do abastecimento e do preço justo", disse ele recentemente. As distorções na economia venezuelana fazem com que a cesta básica custe o triplo do salário mínimo. Contudo, por causa da moeda desvalorizada, é mais barato comprar na Venezuela do que nos países vizinhos. Isso fez surgir um bizarro contrabando de produtos de higiene pessoal para a Colômbia e para o Brasil, que vem sendo reprimido pela polícia venezuelana com mais rigor do que o dispensado ao tráfico de drogas. É uma situação orwelliana. __________________________________ 6# GERAL 22.10.14 6#1 GENTE 6#2 SAÚDE – O VÍRUS DO PÂNICO 6#3 CRIME – VICIADO NO MAL 6#4 OLIMPÍADA – UM GRANDE JOGO DE LEGO 6#5 NEGÓCIOS – ENTRANDO NUMA FRIA... 6#6 COMPORTAMENTO – A ERA DA CONFIANÇA 6#7 GUSTAVO IOSCHPE – POR UMA LEI DA RESPONSABILIDADE EDUCACIONAL 6#1 GENTE JULIANA LINHARES. Com Marília Leoni e Thais Botelho PODE SUBIR, CLAUDIA Quem acredita que no programa The Voice as briguinhas entre os apresentadores CLAUDIA LEITTE e Lulu Santos não são combinadas? Que os arroubos emocionados da cantora baiana são espontâneos e que, para ficar linda daquele jeito, Claudia não pena nadinha? Pois ela explica: "Toda semana, demoro uma hora e meia para 'me montar' para o programa, sendo que, um dia antes da gravação, passo a tarde toda fazendo provas de roupa, cabelo e maquiagem". Jogada ensaiada? "Não tem combinação nenhuma. Lulu é mais técnico e eu sou muito empolgada mesmo. Faço qualquer coisa. Até sentar na mesa." Com essas pernas, é só o que a torcida quer ver. AGORA, É SÓ ALTO-ASTRAL SOPHIA ABRAHÃO não é ruiva de verdade, porém todo o resto é autêntico. É difícil imaginar, mas até não muito tempo atrás a linda atriz de 23 anos se sentia "insegura, com baixa autoestima" e tinha "a impressão de não pertencer ao grupo". O sentimento, vivido com sofrimento por tantas adolescentes, era tão intenso que a inspirou a escrever um livro, lançado em agosto e já na terceira edição, sobre uma menina, Sophie, que enfrenta esses mesmos problemas. Ainda bem que o tempo de se achar inadequada ficou para trás e, como uma das protagonistas da nova novela das 7, Alto Astral, que estreia no próximo dia 3, Sophia tem outras questões com que se preocupar. "Acho que vou ter de aparecer de biquíni e estou nervosa, porque nunca na vida comi direito. Adoro hambúrguer", brinca ela. Ex-namorados como o cantor Fiuk e o ator Chay Suede não parecem ter reclamado. TAL "MÃE", TAL “FILHO” Usar bichinho de estimação como acessório, combinar as roupas, fazer compras com o coitadinho — nada disso é muito recomendável do ponto de vista do bem-estar animal. Mas é difícil resistir à tentação de desfilar com animaizinhos tão fofos, ainda mais quando a dona é uma famosa com problemas de companhia masculina. LADY GAGA, no momento, tem namorado. Acompanhante: Asia, buldogue francês Fator fofura: 8. A graça está em fazer o gênero “feia-bonita”, como a dna. TAYLOR SWIFT considera-se “inamorável” Acompanhante: a gata Olivia Benson. Fator fofura: 9. A raça scottish fold, de orelhinhas dobradas, arrasa na internet. PARIS HILTON, pulando de galho em galho Acompanhante: Príncipe Hilton, claro Fator fofura: 10. Nada combina com uma bolsa Chanel como um lulu-da-pomerânia. PERNINHAS SEM GRILO Garotas antenadas do mundo todo querem imitar as roupas, o cabelo e o jeito da modelo e apresentadora inglesa ALEXA CHUNG, 30. As outras criticam suas esguias pernas de gazela. Em São Paulo para embelezar um desfile da revista ELLE, Alexa falou a VEJA: É verdade que metade das roupas que você usa não é sua? Sim, e isso me irrita. Vivo um efeito Cinderela. Estou sempre na pressa, com medo de virar abóbora, correndo para devolver as roupas com as quais sou fotografada. Sendo neta de um chinês pelo lado paterno, carrega algo da cultura ancestral? Quando eu e meus três irmãos éramos crianças, meu pai, sempre que cozinhava, falava que usava “o ingrediente secreto”. Era só molho de soja! Uma vez pedi a meu avô que me ensinasse mandarim, mas ele disse que não era necessário, pois eu nunca o usaria. Mal sabia ele... Incomoda as críticas por causa da sua magreza? Não. Sou magra mesmo, mas gosto de comer. Meus pratos preferidos são o pudim de yorkshire (bolinho salgado que acompanha carnes) e bangers and mash (assustadora combinação de linguiça com purê). E o rótulo de “it girl”? Esse sim, porque tira o crédito de todos os meus trabalhos como modelo, apresentadora e DJ. Acho que moda não é para ser levada muito a sério. É uma coisa que muda a cada três meses. 6#2 SAÚDE – O VÍRUS DO PÂNICO Ao chegar aos Estados Unidos e à Europa, depois de alguma displicência das autoridades sanitárias, o ebola disseminou um mal difícil de controlar: o medo. NATALIA CUMINALES Pode-se dizer, a respeito da chegada do ebola aos Estados Unidos e à Europa, que a disseminação do vírus está relativamente controlada. Não há perigo de epidemia, como já ocorre na região ocidental da África. No entanto, eis aí outra certeza, o pânico virou pandemia. Na semana passada, pressionado pela desconfiança da opinião pública, Barack Obama nomeou um czar para zelar pelo controle do ebola. Em frente à Casa Branca, manifestantes pediram a suspensão dos voos provenientes dos países africanos de maior incidência da doença. O ateliê de vestidos de noiva e o salão de beleza por onde passou uma das duas enfermeiras americanas diagnosticadas com o vírus fecharam suas portas. Há medo. Ele é exagerado, mas nada há a ser feito contra essa percepção, a não ser reforçar os controles sanitários contra o ebola e explicar claramente onde houve erro — e foram muitos. Tom Frieden, diretor do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC), reconheceu uma grave falha no sistema americano de vigilância. O caso mais emblemático de displicência é o da enfermeira Amber Joy Vinson, de 29 anos, que esteve envolvida nos cuidados com o liberiano Thomas Duncan, morto há duas semanas no Hospital Presbiteriano de Dallas, no Texas. Com casamento marcado, ela foi de Dallas para Cleveland, onde sua família mora. Recebeu a autorização do CDC para viajar. Na volta, antes de embarcar, informou estar febril, com 37,5 graus. Mesmo assim, permitiram-lhe voar. Um dia depois, o diagnóstico: infecção por ebola. Relatório interno da Organização Mundial de Saúde (OMS) vai direto ao ponto ao explicar a epidemia africana: os métodos tradicionais usados no controle de doenças infecciosas não funcionaram em regiões com fronteiras porosas e sistemas de saúde falidos. "A tempestade perfeita estava se formando, pronta para estourar com força total", lê-se no documento. Mantido o ritmo atual, até dezembro o número de novos contaminados na África, conforme dados da OMS, deve chegar a 10.000 por semana — uma taxa dez vezes superior à de hoje. O vírus já infectou mais de 9000 pessoas e matou 4546, a imensa maioria delas na Guiné, em Serra Leoa e na Libéria. Teme-se a chegada do vírus à China e à Índia, países de imensa população e minúsculo sistema de saúde. VEJA entrevistou um dos maiores especialistas do mundo em biossegurança e contenção de epidemias, o australiano naturalizado americano Gavin Macgregor-Skinner, da fundação Elizabeth R. Griffin Research, organização dedicada a pesquisas e treinamento de pessoal em áreas de risco biológico e apoio em saúde pública. Na entrevista a seguir revela-se o que é verdade e o que é mito no ebola. Como se justificam os casos de ebola nos Estados Unidos e na Espanha? Falha humana. Para cuidarem de pacientes com ebola, os profissionais de saúde precisam de treinamento intenso. Devem aprender como colocar o equipamento de proteção pessoal e, principalmente, como retirá-lo. Quando se usa um traje desse tipo, a temperatura interna ultrapassa os 46 graus. Faz calor, o suor é intenso, o peso é insustentável. A exaustão é inevitável. Quando o trabalho acaba, só vem à cabeça a ideia de se livrar daquilo tudo. Nesse momento ocorrem os erros. Mesmo com roupas corretas, dá-se a infecção por falta de cuidado, fruto da supervisão inadequada. As enfermeiras, por exemplo, trocam fraldas, aplicam medicamentos, tiram sangue usando luva cirúrgica. Imagine terem de fazer isso com duas luvas grossas. É difícil, desconfortável, requer atenção máxima. O senhor teme uma epidemia? Não. O número de infectados fora da África é pequeno e é possível contê-lo. Dispomos de todas as ferramentas para o controle do ebola — o mapeamento de possíveis infectados e a detecção precoce dos doentes. Mas precisamos tirar essas ferramentas da caixa e usá-las adequadamente. Os protocolos para o manejo do vírus estão bem estabelecidos. Mas, na prática, eles nem sempre são seguidos. Veja o que aconteceu com o liberiano Duncan em Dallas. Com febre, ele procurou o hospital. Disse que havia chegado da Libéria, e essa informação foi anotada em seu prontuário. Mas não soou o alarme para os médicos que o atenderam. Ele foi mandado de volta para casa com prescrição de antibióticos. Há uma distância enorme entre o que está no papel e o que realmente acontece na prática. Como diminuir essa distância? Além de toda a infraestrutura hospitalar, com áreas de isolamento, é necessário treinar e treinar, incansavelmente, as equipes. Não somente médicos e enfermeiros, mas todos os funcionários — os agentes de segurança, cozinheiros, faxineiros. Ao treiná-los e conscientizá-los sobre a importância do controle do vírus, o risco de contaminação diminui muito. Além disso, todos ficam aptos a detectar eventuais erros. Em se tratando do ebola, é preciso contar com um sistema de supervisão extremamente sofisticado. Dispor de funcionários que não toquem o paciente, mas que acompanhem o trabalho dos que lidam diretamente com o doente para garantir que erros não sejam cometidos. O manejo dos pacientes com ebola não é fácil, especialmente daqueles em estado grave. Quando eles pioram, têm muita diarreia e vômito — ininterruptamente. Esses fluidos contêm bilhões de vírus. O profissional precisa acompanhar a saúde do paciente e, ao mesmo tempo, permanecer atento ao ambiente. Há que ser 100% rigoroso. Com o ebola não há uma segunda chance. O senhor esteve à frente da equipe que coordenou a contenção do ebola na Nigéria. Nesta semana, a OMS deve declarar o fim da epidemia naquele país. Como foi seu trabalho lá? Fomos acionados em julho pelo governo nigeriano, quando o liberiano Patrick Sawyer foi diagnosticado com o ebola. Utilizando recursos locais, sem nenhum aparato tecnológico ou terapia experimental, conseguimos rastrear as 891 pessoas que tiveram contato direto ou indireto com o paciente. Treinamos a população local para ajudar nesse mapeamento e na identificação precoce dos doentes. Dos vinte infectados no país, doze sobreviveram. Na semana passada, a OMS revisou a taxa de mortalidade por ebola. Ela foi de 50% para 70%. O vírus ficou mais letal? Não. Os dados estão mais precisos. Na Nigéria, por exemplo, a taxa de mortalidade foi de 40%. Quando se diz que 70% dos infectados morrem, levam-se em conta as informações de todos os países africanos atingidos pela epidemia. Nos locais onde a contenção do vírus está funcionando, a taxa de sobrevivência é naturalmente maior. Desde a descoberta do vírus, em 1976, já se contabilizam 26 surtos de ebola. Em que a atual epidemia na África difere das outras? É a primeira vez que o ebola está circulando na África Ocidental. Antes, ele se manifestava, sobretudo, na África Central. O vírus nunca infectou tantas pessoas. Vai de um paciente para outro — e não para. Nos surtos anteriores, com uma taxa de mortalidade ao redor dos 90%, o ebola não se disseminava com tanta facilidade. Além disso, ele saiu das áreas rurais e atingiu os grandes centros. Como as pessoas vivem mais próximas, há mais contato direto entre elas. O potencial de proliferação aumentou. Há o risco de o ebola vir a ser transmitido pelo ar? Não. Há especialistas analisando amostras do vírus diariamente, em busca de eventuais alterações genéticas. Até agora, não foi detectada nenhuma mudança na estrutura do vírus responsável por sua transmissibilidade. Além disso, a partir das evidências científicas atuais, posso dizer que essa mutação não ocorrerá. O senhor já trabalhou no controle do vírus H5N1, que provocou o surto de gripe aviária, em 2004, e no do H1N1, responsável pela eclosão da gripe suína, em 2009. Qual a diferença entre aquelas epidemias e a atua), de ebola? O ebola afeta o indivíduo de duas formas: biologicamente, o vírus causa a doença; psicologicamente, transmite pânico. Não há vacina ou tratamento específico para o ebola. É isso que provoca medo, inclusive entre os profissionais de saúde. O medo não é bom em nenhuma situação de emergência de saúde pública. Quando isso ocorre, aumenta a probabilidade de erros e, consequentemente, o risco de infecção é maior. Recentemente, o Brasil registrou o primeiro caso suspeito de ebola — um refugiado guineano, no interior do Paraná. Depois desse episódio, imigrantes africanos das regiões de maior incidência do ebola chegaram a ser hostilizados. Na semana passada, manifestantes americanos pediram a suspensão dos voos vindos da África Ocidental. Fechar as fronteiras dos países acometidos pela epidemia é uma boa estratégia? Não. Muitos dos meus colegas médicos que estão na África precisam de suprimentos. Se as fronteiras forem fechadas, o caos será ainda maior, com a falta de equipamentos de proteção, remédios, alimentos. O impacto econômico do ebola já é alto por si só. Não podemos estigmatizar um país só porque ele tem uma doença altamente infecciosa. Esse é o meu maior medo. Alguns pacientes receberam tratamentos experimentais, como o anticorpo monoclonal ZMapp e a transfusão de sangue de pacientes curados. Até onde vai a eficácia dessas terapias? Não sabemos. Ainda não há informações suficientes para responder a essa pergunta. Os estudos até agora foram feitos apenas com animais. Acompanhei um paciente em tratamento com o anticorpo monoclonal ZMapp. Um dia ele melhorou, depois ficou doente de novo, depois melhorou. Outro doente morreu. O mesmo vale para as transfusões de sangue de pacientes curados. Ninguém até agora foi salvo pelos tratamentos experimentais. É possível comparar o ebola ao HIV? A única semelhança entre os dois vírus é o estigma criado em relação aos doentes, aos seus familiares e a comunidades inteiras. Os pacientes com HIV foram estigmatizados e tratados como criminosos. É o que está acontecendo com o ebola — inclusive nos Estados Unidos. De resto, não há nenhuma outra semelhança entre os dois vírus. A falta de informação e de educação cria uma atmosfera do medo e não contribui para o combate ao ebola. INVASOR DE CORPO Como todos os vírus, o ebola é incapaz de se reproduzir sozinho. Ele escraviza o organismo hospedeiro de modo a replicar seu próprio genoma e produzir novos vírus. Tamanho: 0,5 mícron. 800 vezes mais fino do que um fio de cabelo ESTRUTURA O ebola é da família dos Filoviridae, vírus de estrutura extremamente simples, mas altamente agressivos ao organismo humano. É formado de material genético envolto por uma cápsula de proteína. HOSPEDEIRO O provável hospedeiro natural do ebola é o morcego que se alimenta de frutas, comum praticamente em toda a África TRANSMISSÃO • Pelo contato com fluidos de pessoas infectadas, especialmente sangue, vômito e fezes. A saliva e a lágrima podem conter o ebola, mas ainda não se conhece seu potencial de infecção. • Pelo contato com superfícies e objetos contaminados. • Pelo contato com os restos mortais de um infectado em até quatro dias depois do óbito. • Pela ingestão de alimento contaminado pelo morcego, como carne de macaco e até frutas. CONTÁGIO Logo depois do início dos sintomas. O período de incubação do vírus varia de dois a 21 dias. Em 90% dos casos, os sinais aparecem em dez dias. ATAQUE 1- O ebola invade a célula e dá início à sua replicação, causando uma resposta inflamatória exacerbada do organismo. Surgem os primeiros sintomas: febre, mal-estar, diarreia, náusea e vômito 2- Os glóbulos brancos, as principais células de defesa, entram em falência e começam a atacar intensamente o próprio organismo. 3- Os vasos sanguíneos tornam-se permeáveis e há um aumento da coagulação sanguínea. 4- Os coágulos interrompem o fluxo de sangue para o cérebro, o fígado e os rins. 5- Com a falência do sistema vascular, cresce o risco de hemorragia. Nos estágios mais avançados, o paciente sangra pelos olhos, ouvidos, nariz, boca e reto. 6- A morte do doente ocorre por falência de múltiplos órgãos ou choque decorrente de infecção severa. TRATAMENTO Reidratação e controle dos sintomas e do metabolismo do doente. Fonte: Artur Timerman, infectologista 6#3 CRIME – VICIADO NO MAL O vigia goiano que confessou ter matado 39 pessoas, entre elas 22 mulheres, escolhia as vítimas pela aparência. Quando se viu diante do delegado e dos investigadores que o prenderam na semana passada em Goiânia, o vigia Tiago Henrique Gomes da Rocha, de 26 anos, fez uma exigência. Ele só falaria com as autoridades se a escrivã que estava na sala para registrar seu depoimento fosse substituída por um homem. A polícia acredita que o comportamento misógino de Rocha ajuda a explicar por que ele, segundo confessou no depoimento, matou 39 pessoas nos últimos três anos. Mas a mente de um serial killer nunca é tão simples. Entre as vítimas, dezessete eram homens (moradores de rua ou gays) e 22, mulheres (prostitutas ou jovens transeuntes que ele abordava na calçada). Ao ser indagado, na delegacia, sobre sua primeira vítima, Rocha corrigiu os policiais, que até aquele momento investigavam apenas a morte em série de mulheres, e disse que começou matando homossexuais e moradores de rua. O primeiro foi Diego Martins Mendes, de 16 anos, que ele atraiu para um matagal nos arredores da capital e esganou. Das vítimas mulheres, dezesseis foram assassinadas entre janeiro e agosto deste ano. A última delas, Ana Lídia Gomes, de 14 anos, foi morta com dois tiros no peito a três quadras de sua casa. Antes de falar sobre cada um dos crimes, Rocha fechava os olhos, abria um sorriso e mergulhava no silêncio por alguns minutos. Depois, saído do transe, narrava detalhadamente o episódio. O delegado Douglas Pedrosa ficou com a impressão de que Rocha "revivia" a experiência antes de cada confissão. O vigia disse que sente compulsão por matar. Descreveu o sentimento que o movia como uma "angústia incontrolável" que só cessava depois que assassinava alguém. Em seguida, ele entrava em um estado de euforia equivalente ao que sente um dependente químico logo após usar drogas. Quando a sensação passava, ele precisava voltar a matar. Era um vício. O vigia revelou que escolhia suas vítimas de acordo com a atração sexual que sentia por elas. Por isso, nas ocasiões em que abordou um grupo de amigas, atirou apenas contra a mais bonita. No depoimento à polícia, ele identificou cada vítima com um número, de acordo com a ordem cronológica em que os crimes ocorreram, jamais com o nome. Os psiquiatras forenses tentam entender a atipicidade dos crimes cometidos por Rocha. Seus alvos preferenciais eram homossexuais e mulheres. Questionado sobre o motivo de ter matado também moradores de rua, ele explicou que os escolhia por serem "mais vulneráveis". Uma hipótese é que os mendigos tenham sido assassinados porque o serial killer não encontrou seus alvos preferenciais. "Essas pessoas podem ter sido mortas para aplacar o vício", diz o delegado Pedrosa. O Instituto de Criminalística de Goiás comparou as balas encontradas no corpo das vítimas com o padrão de um revólver calibre 38 apreendido na casa de Rocha. Em pelo menos seis casos, confirmou-se que os disparos saíram da mesma arma. Apesar disso, o advogado Thiago Huascar disse que Rocha foi pressionado a confessar os crimes. Os depoimentos estão gravados. LEONARDO COUTINHO 6#4 OLIMPÍADA – UM GRANDE JOGO DE LEGO Adeus, ostentação. Nos Jogos de 2016, o que vai dominar a paisagem é o design da desconstrução, que monta, usa, desmonta e remonta edifícios inteiros. MALU GASPAR Celebração da superação e da excelência nos esportes, as Olimpíadas também passaram a ser eventos nobres no calendário dos arquitetos à medida que foram crescendo em modalidades e importância. Vitrines de projetos inventivos e experimentações ousadas, as instalações esportivas serviram de palco para espetáculos de poder e opulência, traduzidos sobretudo nos estádios: o de Sydney, em 2000, tinha 110.000 lugares, o maior já erguido; o de Atenas, em 2004, exibia um teto retrátil em arco assinado pelo prestigiado espanhol Santiago Calatrava; o de Pequim, em 2008, era um primor de graciosidade e leveza na forma que lhe deu nome, o Ninho de Pássaro. Foi espetacular enquanto durou, mas durou pouco — a maioria transmutou-se no temido elefante branco. Lição aprendida, agora os tempos são outros, e muito mais contidos. As obras no Rio de Janeiro, que começam a deixar as pranchetas, já são um espelho da era da contenção. Em 2016, o "estádio olímpico" será o bom e velho Maracanã, rejuvenescido pela reforma pré-Copa do Mundo. Seguindo uma tendência iniciada nos Jogos de Londres, o design predominante é o da desconstrução: estruturas que podem ser desmontadas completamente ou rearranjadas e remanejadas conforme a necessidade. "No mundo esportivo, as obras grandiosas estão cedendo lugar a projetos que sejam reaproveitáveis ao máximo. A nova ordem é: make your assets sweat — faça com que as construções suem tanto quanto os atletas nas competições; elas precisam ter múltiplos usos", explica o arquiteto Adam Williams, da inglesa Aecom, que concebeu o projeto do parque olímpico carioca. Plenamente encaixado nessa concepção, o centro aquático, assinado pela alemã GMP, é uma das maiores estruturas esportivas desmontáveis já erguidas no mundo, com seus 14.000 metros quadrados e capacidade para 18.000 espectadores. Ele não terá sistema de ar condicionado, só ventilação natural, canalizada por uma fachada sem paredes — serão 492 canos verticais dispostos a 1 metro de distância um do outro — e por furos nos degraus das arquibancadas, um esquema inovador testado em maquetes submetidas a túneis de vento. Os acessos saem da chamada via olímpica, uma espécie de passarela que percorre todo o terreno. No parque aquático, como nas demais instalações, não há elevadores para o público em geral. Compostas de módulos metálicos, as duas piscinas, uma oficial e a outra de aquecimento, vão ser desmontadas e reconstruídas em outros locais; da mesma forma, os tubos e demais componentes da estrutura vão ser armazenados e reutilizados, mas ainda não têm destino certo — este, aliás, um aspecto da etapa pós-Jogos a ser acompanhado com toda a atenção. "Nossa grande preocupação era projetar um edifício ao mesmo tempo bonito e funcional. Os tubos formam um desenho que imita as ondas do mar e dão uma ideia de leveza", descreve o arquiteto alemão Ralf Amman, da GMP. É dele também o projeto do centro de tênis, igualmente com tubos na fachada e linhas onduladas. O centro aquático faz parte do parque olímpico de 1 milhão de metros quadrados (a metade do equivalente londrino), instalado em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio. "É um parque compacto", diz Williams, da Aecom. "Para que coubesse tudo, inclusive áreas de convivência e de circulação agradáveis, planejamos os espaços como se fossem as engrenagens de um relógio." Além das piscinas, o espaço abriga o velódromo, a quadra de handebol, o centro de tênis e um conjunto de três arenas multiuso (onde, para poupar terreno, as costas de uma arquibancada são coladas às de outra, separadas apenas por um sistema de isolamento acústico). Só o velódromo — que lembra um capacete de ciclismo e acomoda 5000 pessoas — é obra 100% definitiva, que permanecerá como está. O centro de tênis e as arenas terão as dimensões drasticamente reduzidas, para se adequar à demanda da cidade. A quadra de handebol também vai sumir da paisagem — que passará a integrar, junto com a vila olímpica (onde estão as acomodações dos atletas), um bairro novo no Rio de Janeiro. Fruto dessa arquitetura nômade, a arena é feita em blocos que serão desmontados e, em boa parte, já têm destino definido: vão compor a estrutura de quatro novas escolas municipais. "Foi praticamente um exercício de peças de Lego. Tivemos de projetar tudo no tamanho certo, ir e voltar no planejamento várias vezes", conta o arquiteto-chefe Gilson Santos. Outra preocupação foi contratar a mesma empresa de engenharia para montar, desmontar, transportar, armazenar e depois remontar a instalação em outro local. A ideia é garantir que as peças sobrevivam incólumes às idas e vindas. A exigência de funcionalidade das construções olímpicas é fruto de duas mentalidades relativamente novas. Uma, de caráter urbanístico: por força de uma revisão de prioridades percebida no mundo todo, as metrópoles modernas estão priorizando projetos cada vez mais práticos e sustentáveis. Outra, do próprio universo olímpico: as cidades não brigam mais para sediar os Jogos; pelo contrário, é o próprio Comitê Olímpico que procura atraí-las com a garantia de um legado relevante. "Construções como as que estão sendo feitas no Rio exigem projetos muito bem pensados e grande conhecimento técnico", afirma Roberto Anderson Magalhães, professor de urbanismo da Faculdade de Arquitetura da PUC-Rio. As obras estão apenas começando. Se elas não forem desvirtuadas em desvios de verbas e atrasos, tão costumeiros no Brasil, a arquitetura da Olimpíada do Rio poderá deixar uma marca positiva e duradoura tanto na cidade quanto na própria história das competições. COLABOROU CÍNTIA THOMAZ 6#5 NEGÓCIOS – ENTRANDO NUMA FRIA... ...e se dando bem com as paletas, sorvetes mexicanos que viraram moda no Brasil graças a dois jovens engenheiros. Há filas de consumidores e interessados em franquias. MARÍLIA LEONI Um sorvete de palito recheado de leite condensado — como isso poderia dar errado? Pois os engenheiros paranaenses Gean Chu e Gilberto Verona seguiram seu faro e criaram um fenômeno de vendas que pode ser constatado nas filas em qualquer shopping center que tenha um quiosque de sua marca, a Los Paleteros: a espera chega a até quarenta minutos. Seus dois criadores têm apenas 25 anos e, quando saíram da faculdade de engenharia da computação, pensavam em abrir uma empresa de tecnologia, como todos os jovens de sua área. Mas não fecharam portas metafóricas a nenhum tipo de negócio. Como bons alunos e engenheiros, fizeram listas sistemáticas das áreas nas quais gostariam de trabalhar e quais negócios estavam dando dinheiro. Descobriram dados quentíssimos sobre sorvete. Por exemplo: o consumo dessa guloseima quase dobrou nos últimos dez anos. Mais viajados, muitos consumidores brasileiros também conheceram melhor as delícias do ramo, deixando de lado a impressão de que sorvete é coisa de criança ou de que só é bom na praia. "Interessados nesse mercado, fomos ao México estudar a paleta, uma espécie de picolé artesanal, de frutas, e adaptamos a fórmula para o Brasil", diz Verona. Um tio rico e com espírito empreendedor acreditou na ideia e bancou o capital inicial, de 1 milhão de reais, para que eles abrissem uma fábrica experimental em Curitiba. O teste de público foi feito numa sorveteria em Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Em um ano e dez meses, Los Paleteros espalharam 49 unidades franqueadas pelo país. A previsão é que cheguem a 72 até o fim do ano. Mais setenta estão na fila para 2015. Uma segunda fábrica foi inaugurada, ao custo de 14 milhões de reais, e a empresa emprega hoje 2500 pessoas direta e indiretamente. O tio continua sócio e, para viajarem pelo país, implantando e cuidando das franquias, Chu e Verona usam o jatinho dele. A paleta dos engenheiros que reinventaram o sorvete tem 120 gramas, o dobro de um picolé normal, e custa duas vezes mais. O recheio de leite condensado, que aparece em alguns sabores, é estranhamente combinado ao conceito de comida natural, com o emprego apenas de frutas na base, sem ingredientes artificiais para conservar e aromatizar. "Apostamos na moda da alimentação saudável e no mercado da indulgência. As pessoas pensam: 'Uma caixa de sorvete de 2 litros engorda, mas um picolezinho não pode fazer mal'", diz o sábio Chu, cujo pai é chinês. Além de entenderem a capacidade humana para o autoengano, Chu e Verona focam o desejo reprimido do mercado do país, em que, apesar do clima, o consumo per capita é um terço do registrado nos Estados Unidos. As expectativas de crescimento e as características locais permitem o convívio de marcas caras, como a Diletto e a Bacio di Latte, de origem italiana, e os modestos Chiquinho Sorvetes, pouco conhecidos nos grandes centros, mas campeões de franquias do país, com 247 unidades. Os amigos paranaenses ainda passam os fins de semana juntos e adoram jogar videogame. Gilberto Verona mora com a irmã em Curitiba e Gean Chu só deixou a casa dos pais há dois meses, para se casar com uma médica que, como ele, relaxa tocando guitarra. A faceta nerd dos dois, acreditam especialistas na área, foi um fator importante para a expansão da empresa. "Engenheiros se dão bem em franquias porque estudam sistemas e sabem como implantá-los. Além disso, sabem montar máquinas; o que, no caso específico, é fundamental, pois elas têm de ser mantidas a temperaturas baixíssimas e ter garantias de padronização, para que o produto saia sempre igual", analisa Antonio Bonfato, professor de gestão e negócios de alimentação do Senac. Atualmente, a fábrica das paletas, que fica em Barracão, interior do Paraná, já está na quarta geração de máquinas, todas desenhadas pelos dois empresários. O padrão de qualidade também se aplica aos interessados em abrir franquias, que custam entre 250.000 e 300.000 reais. "Já recebemos cerca de 7000 cadastros, mas somos muito rígidos. Contratamos uma empresa que analisa o perfil psicológico dos interessados, para ver se eles aceitam bem receber ordens, uma vez que a base de uma franquia é o padrão", diz Verona. E por mais um motivo: "O que mais recebemos são pais dizendo que querem abrir esse negócio para o filho porque, 'se ele não conseguir vender nem sorvete, não vai poder fazer mais nada na vida'". Esses vão para a geladeira: "Queremos gente com experiência em administração, não quem não deu certo em nada". 6#6 COMPORTAMENTO – A ERA DA CONFIANÇA A disseminação de serviços on-line como o Airbnb, de compartilhamento de casas e apartamentos, e o Uber, de carros com motorista, revela um extraordinário resultado da revolução da internet — a crença na honestidade alheia. RAQUEL BEER Não fale com estranhos." Esse popular ensinamento, tão querido de pais e mães, nunca esteve tão desatualizado. Com a internet, adquirimos o hábito de conversar com completos desconhecidos, e de negociar com eles. Desde a popularização do comércio virtual, nos anos 90, passamos a confiar não apenas nas empresas digitais, a exemplo da Amazon, como também na honestidade de indivíduos, em transações comerciais feitas exclusivamente on-line e praticamente sem intermediários. Fundado em 1995, o eBay é o pioneiro desse modelo: ao fechar um negócio pelo site de leilões, o comprador acredita que o vendedor entregará a compra; e quem vende espera que seja real o cartão de crédito do cliente. Mercados virtuais como o eBay se baseiam no pressuposto de que temos fé na honestidade alheia. É um tipo de relação, comercial e de confiança, que agora alcança novo patamar. Proliferam modelos de serviços on-line que oferecem às pessoas a possibilidade de vender, mas também (e sobretudo) dividir seus bens, sejam casas, barcos ou mesmo cachorros, com parceiros conhecidos pela internet. São portas de entrada para uma nova forma de fazer negócios, a "economia de compartilhamento". Em outras palavras, é o início da era da confiança. Pelo Airbnb, um brasileiro pode alugar um apartamento de um francês para passar suas férias em Paris. No Uber, motoristas, não necessariamente profissionais, cobram para dar carona. Há sites e apps pelos quais se compartilham barcos (Boatbound), jantares (Feastly) ou mesmo animais de estimação (no Rover, paga-se para deixar o cachorro na casa de um desconhecido). Criado em 2008, o Airbnb é a mais celebrada dessas inovações. Ele propõe que pessoas abram sua casa para viajantes, cobrando pelo uso de um quarto ou de toda a residência. A primeira vista, parece uma atitude insensata. Será mesmo? O Airbnb tem uma oferta de mais de 800.000 imóveis cadastrados (número que quase dobra a cada ano) em 190 países, e 20 milhões de pessoas já utilizaram o serviço. Diz o diretor da empresa no Brasil, o alemão Christian Gessner: "As pessoas confiam nas outras por termos criado uma forma de personalizar as relações. Quem abre as portas de sua casa conhece, previamente, o rosto de quem vai receber, tem acesso ao perfil do hóspede em redes sociais, e as partes envolvidas ainda verificam a reputação alheia em nosso site". Esses mercados on-line, guiados por uma lógica que em muito se assemelha à de redes sociais da web, contam com formas de medir a reputação de vendedores e compradores. Se alguém entrega um apartamento sujo a um cliente do Airbnb, sua avaliação no site cai e ele terá mais dificuldade em conquistar fregueses. Se o hóspede vandaliza o apartamento, ele também destrói seu status, atalho para ser expelido caso se comporte mal sucessivas vezes. "Aluguei um apartamento em São Francisco, pagando antes, e com dois meses de antecedência, mas na semana da viagem o proprietário me disse que não iria mais oferecer o imóvel. Quase acabou com meus planos", diz a relações-públicas carioca Monique Fernandes. Ela se queixou ao Airbnb, que estornou o dinheiro e suspendeu o perfil do vendedor no site. Mesmo assim, Monique saiu prejudicada, ao ter de pagar o dobro para ficar em um hotel, solução de última hora. Há histórias ainda mais assombrosas, como a de hóspedes que promovem orgias, se drogam ou até mesmo se negam a devolver as chaves depois do período acordado. Pelo Uber, o serviço on-line de caronas, um executivo americano foi sequestrado em Washington, capital dos Estados Unidos, e só foi libertado depois que um agente de trânsito da cidade notou que o motorista não era cadastrado e perseguiu, por conta própria, o criminoso. Mas é possível, afinal de contas, medir a confiabilidade de uma pessoa, como propõem esses sites? Em seus estudos, o economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade Colúmbia, em Nova York, nomeia essa "confiabilidade" como "capital social". Scheinkman realizou um experimento no qual indivíduos tinham de escolher enviar até 15 dólares a um parceiro de negócios, que multiplicaria o valor, mas poderia optar por devolver ou não o dinheiro. As pessoas tinham tendência a confiar quantias maiores a companheiros que já conheciam havia algum tempo, o que indicava ser grande a probabilidade de eles agirem honestamente. Aqueles com mais amigos e com o hábito de fazer trabalho voluntário receberam valores maiores (e também devolveram quantias substanciais). Ou seja, o capital social deles mostrou-se exponencialmente maior. Concluiu Scheinkman no estudo: "Indivíduos de alto status são capazes de suscitar maior confiabilidade em outros". Airbnb, Uber e similares aplicam o conceito do capital social em seus negócios. Quem tem status baixo em uma dessas redes é desprezado pelos outros membros. Há ainda métodos de flagrar falsados. O Airbnb tem um programa de computador que revela comportamentos estranhos. Um deles é comum: o acordo ilícito do proprietário de uma casa com um hóspede, que alugam múltiplas casas entre si, tática antiética para fazer subir, artificialmente, a reputação deles no site. As empresas ainda costumam contar com seguros, que chegam ao valor de 1 milhão de dólares, eventualmente acionados para cobrir prejuízos causados a seus usuários por outros usuários. Transações comerciais sempre foram ancoradas na confiança, do escambo ao Airbnb (veja abaixo). Até a Revolução Industrial, a relação era estabelecida diretamente entre pessoas. Um artesão negociava o preço de um sapato diretamente com seu cliente. Depois do surgimento de fábricas, da produção em série de bens de consumo e do estabelecimento do comércio em massa, grandes corporações substituíram o papel dos vendedores e passamos a depositar nosso voto de confiança nas empresas. Foi assim até o surgimento da internet. A economia de compartilhamento proposta pela revolução digital recupera o contato direto entre quem vende e quem compra. Hotéis são substituídos por casas e apartamentos do Airbnb. Sindicatos de taxistas se vêem como concorrentes do Uber. O novo modelo de fazer negócios promete ruir o comércio tradicional. Não à toa, profissionais que vêem sua profissão ameaçada protestam. Taxistas americanos, espanhóis, alemães, brasileiros e de grande parte dos 45 países em que o Uber está presente fizeram passeatas contra o aplicativo, reivindicando sua proibição, com a alegação de que ele emprega motoristas clandestinos. Pressionado por redes hoteleiras, o governo regional da Catalunha, na Espanha, estuda banir o Airbnb da região e multar quem o use. O medo é uma reação natural para os que vêem sua profissão ser posta em xeque. Nos séculos XVIII e XIX, pequenos fazendeiros e artesãos também se revoltaram contra a Revolução Industrial. Mas essa é uma daquelas novidades que vêm para ficar, assim como foi o método de produção em massa das fábricas. A economia de compartilhamento movimenta 26 bilhões de dólares ao ano, e cresce exponencialmente. Na Inglaterra, com uma das populações mais ativas nesse mercado, 64% dos adultos utilizam ferramentas de negócios dessa família. Para o consumidor, a economia de compartilhamento é uma excelente notícia. No Airbnb, por exemplo, um apartamento em Nova York sai, em média, pela metade do preço cobrado por um quarto de hotel. Opções mais baratas, esses serviços também costumam ser mais práticos, por driblar muito da burocracia que permeia empresas tradicionais. O sucesso desse mercado está, portanto, ancorado na confiança. Observa o filósofo americano Charles Green, diretor da Trusted Advisor, consultoria que auxilia grandes empresas a transmitir uma imagem confiável a clientes: "Esses negócios só são possíveis porque nos acostumamos a confiar nossa vida, nossas experiências, nossas informações, nosso dinheiro a pessoas com quem temos contato apenas virtual". O impacto na economia, portanto, vem acompanhado de uma evidente mudança comportamental. Segundo um estudo da rede social Facebook, o indivíduo on-line está separado de qualquer outro, de qualquer lugar do mundo, por quatro contatos em comum, dois a menos do que era antes da web. Nas últimas duas décadas, transformamos o mundo digital em nosso principal meio de comunicação. Em 1993, o cartunista americano Peter Steiner desenhou para a revista The New Yorker uma charge, hoje histórica, na qual observava: "Na internet ninguém sabe que você é um cachorro". Ele brincava com o anonimato na rede, então um mundo constituído de pessoas escondidas atrás de pseudônimos. Hoje sabemos se é ou não um cachorro. Do que ele gosta, como se comporta, que pito toca. A mudança trouxe preocupações sobre nossa privacidade, escancarada assim que se pisa na web. Mas, ao mesmo tempo, possibilitou a proliferação de relações mais honestas no ambiente on-line, consolidando, assim, o cenário propício para a expansão da economia de compartilhamento. A FÉ NO OUTRO Uma pequena história das normas que construíram as boas relações comerciais ancoradas na confiança • O escambo 50.000a.C. Homens passam a trocar jóias, alimentos e utensílios de pedra Era preciso confiar... ...na permuta justa, por meio da qual o outro entregava um produto realmente útil • O código de conduta 1780 a.C. Entre as leis estabelecidas pelo Código de Hamurabi, criado pelo rei da Mesopotâmia de mesmo nome, havia um conjunto de regras para transações financeiras. Exemplo: calculava-se quanto era preciso pagar de indenização, em alimentos ou objetos, a vítimas de crimes Era preciso confiar... ...no governo, responsável por aplicar as leis e, quando necessário, as punições • As primeiras moedas 1200 a.C. Civilizações como as da China, Índia e Lídia, atual Turquia, foram pioneiras no uso de conchas como moeda corrente, depois substituídas pelas versões feitas de metais precioso Era preciso confiar... ...que a moeda entregue realmente tinha o valor dito (no começo, representado pelo seu peso em ouro ou prata) e que outros comerciantes a aceitavam em negociações • Comércio em massa 1800 A Revolução Industrial deflagrou a produção de bens de consumo e a substituição de pequenas lojas no comércio rotineiro por grandes corporações Era preciso confiar... ...nas instituições por trás das fábricas: bancos, seguradoras, grandes atacados. A relação deixou de ser pessoal e passou a ocorrer entre indivíduos e empresas • Mercado.com Anos 1990 Sites de e-commerce, a exemplo da Amazon.com começam a vender de tudo pela internet amazon.com Era preciso confiar... ...que os proprietários dos sites entregariam os produtos em boas condições e no prazo prometido, e, ainda, que não compartilhariam os dados do cartão de crédito • O retorno às transações pessoais Presente Serviços on-line de compartilhamento de bens se popularizam, como o Airbnb, de aluguel de casas, e outros nos quais desconhecidos dividem o uso de carros, barcos ou mesmo jatinhos particulares É preciso confiar... ...nas outras pessoas, pura e simplesmente, já que as empresas por trás desses serviços pouco interferem nas negociações Airbnb O que se compartilha com estranhos: quartos, apartamentos e casas Valor de mercado da empresa: 10 bilhões de dólares “Cadastrei-me no site há três anos e já acolhi pessoas de vários países. Funciona bem, tive poucos conflitos com hóspedes, como um que quebrou meu secador e outro que alagou o banheiro. Os dois casos foram resolvidos na conversa.” - ANA LIMA, empresária carioca, aluga sua casa no Rio COM REPORTAGEM DE GABRIELA NERI 6#7 GUSTAVO IOSCHPE – POR UMA LEI DA RESPONSABILIDADE EDUCACIONAL Em livro publicado há dez anos, defendi a criação de uma Lei da Responsabilidade Educacional (LRE). A semelhança com a Lei de Responsabilidade Fiscal é conceitual: assim como aquela lei foi aprovada quando o país acordou para o imperativo de acabar com a inflação e se deu conta de que seria necessário disciplinar as contas públicas para chegar lá, gostaria que a aprovação da LRE viesse como um marco do nosso reconhecimento de que, hoje, o principal problema a atravancar nosso desenvolvimento é a abismal qualidade da nossa educação. E precisamos, novamente, de um esforço nacional para garantir que nossos alunos aprendam. Como funcionaria a LRE? De forma bastante simples: ela faria com que os recursos do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) passassem a ser distribuídos de acordo com a melhoria de aprendizado observada em estados e municípios, em vez de seguir o critério atual, de necessidade. Hoje, o Fundeb é formado pela contribuição de uma série de impostos. Não é pouco dinheiro: a estimativa para 2014 é que esse montante chegue a 117 bilhões de reais. Desses recursos, 92% vêm dos próprios estados e municípios, mas, sempre que o arrecadado não cobre um valor mínimo de gasto por aluno (atualmente estabelecido, pelo governo federal, em 2285 reais para o ano), a União precisa fazer uma complementação de recursos para os estados que não conseguem investir esse mínimo. Em 2014, o aporte da União deve ser de 9,7 bilhões de reais. O montante de recursos distribuído para cada estado e município é baseado no seu número de alunos matriculados no Censo da Educação do ano anterior. Entendeu? Não? Não se apoquente: a maioria dos gestores de educação também não entende. Mas uma coisa todos os envolvidos entendem: o checão gordo pingando em suas contas todo mês. E o que acontece quando você junta muito dinheiro com nenhuma necessidade de resultados, no nosso Brasil? Isto mesmo: corrupção e incompetência. Como você sabe, nosso sistema educacional está atolado. E, como o Fundeb não se preocupa com o resultado que seu ervanário vai gerar, ninguém pode cobrar sua eficácia. A única coisa que se pode cobrar é que o dinheiro não seja desviado. Mas, em um sistema com 27 estados e mais de 5500 municípios, com 50 milhões de alunos, 200.000 escolas e 5 milhões de funcionários, essa fiscalização é quase impossível. No ano passado, a Controladoria-Geral da União fez um pente-fino em uma amostra de 120 municípios e quatro estados, e os resultados foram um show de horror: em 59% dos locais havia gastos não compatíveis com o que o Fundeb autoriza; em 41% encontraram-se montagem e direcionamento de licitações; em 17% o dinheiro do Fundeb foi sacado cash, na boca do caixa (todas as referências estão disponíveis em twitter.com/gioschpe). Em maio deste ano a Polícia Federal prendeu 29 pessoas no interior da Bahia acusadas de dar um golpe de 30 milhões de reais no Fundeb, entre elas seis ex-prefeitos e cinco secretários municipais. A Lei da Responsabilidade Educacional jogaria todo esse arcabouço fora e faria a alocação de recursos de forma simples: pegue-se todo o montante arrecadado pelo Fundeb previsto em lei (excluindo a complementação da União, já que não haverá valor mínimo por aluno) e divida-se de acordo com a melhoria do estado ou município no último Ideb. O Ideb, para quem não se lembra, é o índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Quase toda escola pública tem um, calculado pelo MEC. Eu gosto de chamá-lo de a nota que a escola recebe. Ele é medido combinando-se duas dimensões: o desempenho dos alunos na Prova Brasil (que mede conhecimentos de português e matemática) e as taxas de aprovação/reprovação das escolas. Essas duas áreas são combinadas no Ideb, um indicador que vai de 0 a 10 e é um bom termômetro de quantos alunos estão aprendendo o quê. Eis aqui, então, o cerne da LRE: a fatia de cada estado e município no bolo total será determinada por sua melhora no Ideb, medida em termos relativos (em percentual). E ponderada pelo número de alunos da rede. Se pensarmos, para facilitar a compreensão, em um país composto de apenas duas cidades, com o mesmo número de alunos e 100 reais para dividir no Fundeb, se a cidade A melhorar 5% no Ideb entre 2011 e 2013 e a cidade B melhorar 10%, então a cidade B recebe o dobro do dinheiro da cidade A (10/(10+5) x 100 = R$ 66,66 para a cidade B e R$ 33,33 para a cidade A). Quais são as vantagens dessa lei? A primeira é que o gestor público vai, finalmente, ter um incentivo para gerar melhorias na qualidade da sua educação. A segunda é que, como o critério para a alocação do recurso é a melhoria relativa, de uma edição do Ideb para a outra, nós recompensamos aqueles que fizeram o maior avanço, não aqueles que têm os melhores resultados absolutos. Ou seja, se uma prefeitura tinha Ideb 8 em 2011 e ficou com 8 em 2013, ela não receberá nada. Já outra que passou de 4 para 5 terá alcançado um aumento de 25%: um salto importante, que provavelmente fará com que receba uma bolada. Isso incentiva os piores a melhorar: é bem mais fácil você melhorar 25% quando parte de uma base de 2,3 ou 4 pontos do que quando está em 7, 8 ou 9. E é exatamente isso, como país, que queremos: que quem está bem continue bem, mas que os que estão lá embaixo melhorem muito, e rapidamente. Note também que o fato de a melhora ser relativa significa que os mesmos esforços trarão recompensas decrescentes. Quando você passa de 2 para 4 pontos, o aumento de dois pontos significa uma melhora de 100%. Já quando vai de 4 para 6 pontos, o mesmo aumento de dois pontos agora representa uma melhora de apenas 50%. Tudo o mais constante, essa cidade receberia, no segundo biênio, a metade do dinheiro que recebeu no primeiro. Note também que todos terão, sempre, um incentivo para melhorar. Não há uma meta, ninguém fica desencorajado porque já bateu ou sabe que é impossível bater a sua meta. A cidade e o estado recebem de acordo com o que melhorarem: cada ponto decimal rende. Finalmente, diminui muito a necessidade de monitoramento antifraude: se o sujeito gastar o dinheiro onde não deve, sua educação não melhorará, e ele não receberá nada na rodada seguinte. É um antídoto contra a corrupção e também contra um Estado pesado, que precisa de milhares de fiscais no cenário atual. O principal risco da LRE é que ela incentive prefeitos e governadores a cometer fraudes com o Ideb, aprovando alunos que não aprendem, permitindo cola na Prova Brasil etc. Claro que toda fraude deve ser combatida, mas nesse caso a fraude, mesmo que não detectada, terá vida curta: como o que importa é a melhoria ano a ano, no momento em que a taxa de aprovação chega perto de 100%, o sujeito não ganha nada mais com a manutenção da fraude, já que seu indicador não melhorará. Quanto a fraudes na Prova Brasil, não será complicado, em uma base tão grande de dados, notar quais os pontos fora da curva em termos de desempenho e investigá-los. Como estamos falando de alunos de 11 e 14 anos fazendo a prova, acho difícil de acreditar que algum prefeito consiga arregimentar um contingente suficientemente grande de crianças para fraudar seu desempenho em uma prova sem que essa notícia vaze. Logo depois da publicação do livro, alguns parlamentares compraram a ideia da criação de uma LRE. Mas apenas mantiveram seu nome e deturparam seu sentido, colocando punições para os gestores públicos que não conseguissem alcançar certos resultados. Não creio que uma lei assim tenha chance de ser aprovada, tampouco me agrada a ideia de alguém, em Brasília, determinar metas para todos os municípios do país, e depois um julgamento em que o prefeito vai utilizar todo tipo de motivo para explicar o não cumprimento da meta, em processos que se arrastarão por anos. Espero que o próximo presidente e a nova turma de parlamentares ressuscitem a legislação em seu formato original, e que paremos com essa tara de saber apenas se todas as cláusulas de uma lei estão sendo cumpridas, em vez de nos perguntarmos se o resultado desejado está sendo alcançado. Se nossos alunos não aprenderem mais, nada disso terá valido a pena. GUSTAVO IOSCHPE é economista ____________________________________ 7# ARTES E ESPETÁCULOS 22.10.14 7#1 LIVROS – O MELHOR DE DOIS MUNDOS 7#2 CINEMA – TEMPORADA DE CAÇA 7#3 CINEMA – A LUZ DA PERIFERIA 7#4 VEJA RECOMENDA 7#5 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 7#6 J.R. GUZZO – BETO & PAULINHO 7#1 LIVROS – O MELHOR DE DOIS MUNDOS Perdido em Marte, do americano Andy Weir, segue a vertente mais estimulante da ficção científica: é, sim, ficção, mas sem descuidar de ser fortemente científica. ISABELA BOSCOV Se alguma coisa pode dar errado, então ela eventualmente dará errado, é o que diz a lei de Murphy — e o que pode atestar, com riqueza de provas, o astronauta americano Mark Watney. Embora tempestades de areia sejam ocorrência regular em Marte, a tripulação que ele integra é pega de tal forma por uma tormenta que uma evacuação de emergência é a única alternativa. Jogado para longe e com a veste perfurada, Mark é dado como morto, e abandonado na superfície. No meio de tanto azar, uma sorte sem tamanho: a perfuração não chegou a comprometer o sistema de sobrevivência da veste, e a tenda que serve de abrigo às equipes em Marte está intacta. Com muito esforço, Mark consegue rumar para seu interior. E, agora, vai ter de quebrar a cabeça para enfrentar um desafio sem paralelo na história da exploração espacial: sobreviver sozinho, sem comunicação e com um suprimento limitado de água, alimentos e oxigênio, por alguns anos — sim, anos —, até que uma nova missão o resgate, ou pelo menos o reabasteça. Outro complicador decisivo: ninguém sequer suspeita que ele esteja vivo. Aqui na Terra, Mark já foi simbolicamente sepultado, sua família já chorou e o governo já o declarou herói morto no cumprimento do dever. Chato isso, pensa Mark enquanto come metade de uma ração (é preciso economizar) e dá de ombros: se ninguém está pensando em salvá-lo, mais motivo ainda para que ele não descuide um só momento desse propósito. Por uma felicidade estatística, o protagonista de Perdido em Marte (tradução de Marcello Lino; Sextante; 336 páginas; 39,90 reais, ou 24,99 reais na versão digital), já nas livrarias não apenas é um desses sujeitos safos, capazes de improvisar soluções para problemas que abrangem da mecânica à química e à biologia. Ele tem também um senso de humor invencível. É lógico que ele preferiria não ter sido esquecido a milhões de quilômetros da Terra sem nenhuma diversão além do estoque de músicas e seriados de TV dos anos 70 deixados para trás por sua comandante. Mas, ei, que outra oportunidade ele teria na vida de ser rei de todo um planeta inteirinho seu? Especialista em programação recrutado pelo mercado aos tenros 15 anos de idade, o americano Andy Weir é, neste momento, aos 42 anos, rei de uma vertente literária que teve como expoente Isaac Asimov (1920-1992), mas que nas últimas décadas pouco se pratica: a ficção científica que é, sim, ficção — mas é também fortemente científica. É o que torna Perdido em Marte tão estimulante e divertido: nem esse Robinson Crusoé espacial terá o benefício de golpes de sorte miraculosos, nem chuvas de meteoritos cairão sobre sua cabeça para tornar ainda mais impossível sua periclitante situação. "Tendo já feito tamanha maldade com Mark ao deixá-lo para trás num planeta em que nem bactérias sobrevivem, achei que não tinha o direito de atormentá-lo com atos divinos", brincou Andy Weir a VEJA. Por decreto do autor, então, o astronauta se salvará ou não pela ciência. Para cada problema, ele deverá bolar uma solução com os recursos que tem à mão. Problemas não faltarão, lógico: mesmo as suas soluções mais engenhosas trarão novos pepinos por destrinchar. A certa altura, diz Weir, ele constatou que não mais estava ditando os rumos do enredo: a ciência é que assumira o comando. Perdido em Marte nasceu de um exercício: tão apaixonado é o autor pela cena de Apollo 13 em que, em Terra, engenheiros tentam bolar um filtro de ar com as peças disponíveis na cápsula para que os astronautas trancafiados nela não morram sufocados que ele se decidiu a escrever uma história toda ela nesse espírito, do início ao fim. A cada semana, publicava um capítulo em seu site, frequentado pelo punhado de leitores que angariara com seus esforços anteriores. Muitos deles eram especialistas em matérias em que o autor deixava a desejar, e iam tratando de corrigir suas imprecisões. "A mecânica orbital foi fácil, porque é um hobby meu. Mas a química! O pouco que aprendi já tinha esquecido", diz Weir, modesto. A obra começou a circular, alguns pediram que ela fosse disponibilizada para o Kindle — e Perdido em Marte disparou entre os livros digitais mais vendidos da Amazon. Uma grande editora bateu à sua porta, e o livro foi para o topo da lista do New York Times. Aí foi a vez de o estúdio Fox ligar — e, no fim de 2015, Perdido em Marte deve chegar ao cinema com Matt Damon no papel do náufrago e direção de Ridley Scott. Marte é assunto corrente, graças ao constante fluxo de imagens e descobertas produzidas por seu estudo intensivo. Mas, na verdade, por ser o planeta mais próximo da Terra e em termos gerais o mais assemelhado a ela, foi sempre o ponto do espaço em que a imaginação humana se fixou mais detidamente, e a partir do qual produziu suas mais triunfantes ou apavorantes fantasias. Alienígenas infinitamente avançados como os do clássico Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury, belicosos como os da Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, dissimulados como os do seriado Além da Imaginação ou até comunistas utópicos como os da curiosidade russa Estrela Vermelha proliferaram até poucas décadas atrás, enquanto ainda se supunha ser possível que o planeta abrigasse vida. Hoje, ele resiste firme na ficção literária e cinematográfica como a próxima colônia da humanidade ou o lugar em que nossos mais ambiciosos planos ruirão. Com Perdido em Marte, porém, Andy Weir o traz para o domínio do quase possível: o destino, no futuro próximo, de missões tripuladas de breve duração, no qual a ciência cautelosamente testa suas possibilidades diante de desafios letais — a atmosfera ultrarrarefeita, a esterilidade absoluta, o frio profundo. Duas coisas serão imprescindíveis numa empreitada do gênero, demonstra o astronauta Mark Watney: muitos rolos de duct tape, aquela fita adesiva prateada que serve para tudo e mais um pouco, e um senso de humor a toda prova. Quem tiver pelo menos isso poderá, quem sabe, ser rei em Marte. Ainda que não tenha súditos sobre os quais reinar. 7#2 CINEMA – TEMPORADA DE CAÇA Em seis episódios imprevisíveis, perversamente divertidos e moralmente desafiadores, Relatos Selvagens é mais uma prova da exuberância criativa do cinema argentino. ISABELA BOSCOV, DE BUENOS AIRES Mal o avião decola e o tigrão (Darío Grandinetti) já está dando em cima da moça (Maria Marull) ao seu lado. Papo vai, papo vem, descobrem que têm um conhecido em comum. Eis que a senhora da fileira de trás se levanta e diz: "Mas que coincidência, eu também o conheço" — e o rapaz sentado mais adiante diz: "Que coisa, fui colega de escola dele''. Parece inocente? Pois logo o espectador de Relatos Selvagens (Relatos Salvajes. Argentina/Espanha, 2014), que estreia nesta quinta-feira, vai se dar conta de que o inacreditável está acontecendo. E isso é só o começo: nos cinco episódios que se seguem, o diretor argentino Damián Szifrón vai confrontá-lo com igual número de explosões — às vezes, implosões — de indignação, rancor, ódio, cansaço, todas narradas com infalíveis exuberância e coesão narrativas. E todas elas, também, deflagradas por eventos casuais. Pela ordem: no segundo episódio, a garçonete (Julieta Zylberberg) de um restaurante de beira de estrada treme ao reconhecer o único freguês a cruzar as portas naquela noite de chuva — é o agiota que levou seu pai ao suicídio. "Ora, faça alguma coisa a esse respeito", diz a cozinheira mal-encarada (Rita Cortese). No terceiro episódio, o homem bem-vestido (Leonardo Sbaraglia) vai feliz da vida dirigindo seu Audi pela estrada vazia quando topa com um carro caindo aos pedaços à sua frente, indo bem devagar. Dá sinal de luz, e nada. Tenta podá-lo pela direita, e o motorista (Walter Donado) o fecha. Vai para a esquerda, outra fechada. Quando consegue ultrapassá-lo, xinga-o de "caipira'" e "ressentido". No episódio seguinte, um engenheiro (Ricardo Darín) tem o carro guinchado enquanto, apressado, pega na confeitaria o bolo de aniversário da filha. No pátio da prefeitura, é tratado com aquela indiferença, prepotência e burrice típicas da burocracia. E, na mesma semana, tem o carro equivocadamente guinchado outra vez. Na próxima história, um rapaz rico acorda os pais aos prantos: atropelou uma grávida e fugiu. No desespero de protegê-lo das consequências, o pai (Oscar Martínez) olha pela janela e vê a luz: o caseiro humilde (Germán de Silva) que há quinze anos trabalha para ele. Finalmente, durante sua animadíssima festa de casamento, a noiva (Eriça Rivas) percebe que é muito sugestiva a linguagem corporal que o noivo (Diego Gentile) adquire quando conversa com uma certa colega de trabalho. Com gana, sanha e humor negro como piche, Szifrón põe seus personagens em situações corriqueiras e então os conduz até paroxismos de fúria, violência, vingança e descontrole: já não se sabe mais quem é presa e quem é predador, se um dia alguém teve razão e como a perdeu. Melhor ainda: narrador voluptuoso e sem freios, Szifrón faz o raríssimo filme em episódios em que cada um deles é excelente, e alguns, se destoam, é porque são sensacionais. Tome-se Pasternak, o do avião, tão breve e perverso que mal dá tempo de assimilar o que se está vendo, ou O Mais Forte, o dos motoristas que se transformam nos ensandecidos Tom e Jerry da luta de classes: com menos ideias do que isso já se fizeram bons filmes de duas horas inteiras. Szifrón, porém, não economiza para o futuro. Ratazanas, o da garçonete e da cozinheira que discutem que destino dar ao agiota, renderia fácil uma série de TV. Bombita, o do engenheiro, e A Proposta, o do atropelamento, são contos morais tão complexos que é notável caberem em uma minutagem assim enxuta. E, com Até que a Morte Nos Separe, o cineasta retoma o registro delirante com que abriu o filme, convidando o espectador para uma festa de casamento dos infernos. Produzido por Pedro Almodóvar e seu irmão Agustín, dirigido com grande senso de estilo visual e eximiamente fotografado por Javier Julia, Relatos Selvagens se destaca, contudo, é por aquele outro fundamento que custa pouco dinheiro mas imenso esforço: os roteiros, destilados até o ponto da saturação máxima de humor, crueldade, cinismo e, por que não, pragmatismo. Não é preciso muito para o ser humano virar bicho, observa Szifrón. Ele próprio é uma fera. UM EXCEPCIONAL HOMEM COMUM Não é acaso que Ricardo Darín, o mais popular e requisitado ator argentino, protagonize o episódio Bombita, que causa identificação imediata com a plateia - mas não com seu próprio intérprete. De todos os personagens do filme, o seu, o homem torturado pela burocracia, é o que está mais claramente no lugar do espectador comum. Sim, porque é olhar para ele e já nos vemos em mil situações semelhantes pelas quais passamos: enlouquecendo numa repartição pública, discutindo no banco, perdendo horas numa fila e tentando fazer valer nossos direitos. Simon tem uma empatia e uma representatividade com o público que talvez nem mereça. Por que não? Ele tem razão mas ninguém o ouve. O senhor não se imagina perdendo as estribeiras, como ele? É claro que me imagino mandando repartições pelos ares. Mas até na minha imaginação essa ideia me faz mal e me repugna. Eu perderia toda a razão: quem come um canibal não tem o direito de criticar a dieta dele, certo? E o fato é que ele pelo menos tem um guichê no qual reclamar. Já a população que vive na pobreza e no atraso não só não tem a quem se queixar, como é constantemente humilhada e atropelada. Celebridades estão acostumadas a ser mimadas. Como não ser uma estrela nessas circunstâncias? Não sendo, ora. Imagino que uma estrela olha no espelho e vê, sei lá, uma espécie de resplendor. Comigo não acontece nada disso. 7#3 CINEMA – A LUZ DA PERIFERIA Mal estruturado mas repleto de cativante honestidade, Na Quebrada narra as histórias de jovens de favelas paulistas que tiveram sua vida transformada pelo cinema. JERÔNIMO TEIXEIRA Um sujeito de maus bofes bate à porta do pequeno cinema comunitário que um grupo de jovens ligados a uma ONG está montando em um bairro da periferia de São Paulo. O tipo não precisa se apresentar: trata-se de um membro da gangue que manda por ali, encarregado de verificar qualquer movimentação suspeita nas redondezas. "Pediram autorização pra quem, mano?", ele pergunta, e só se dá por satisfeito quando é informado de que o cinema, destinado às crianças, será de graça. "Papo reto", sentencia, para alívio de Zeca (Felipe Simas), o rapaz que dera tartamudeantes explicações ao traficante. Estudante de cinema na ONG, Zeca tem boas razões para ter medo: já fora baleado em um bar onde gente do crime jogava sinuca. O drama — ou perrengue, como diriam os personagens — de quem vive em uma zona dominada pelo crime está todo representado nesse breve diálogo carregado de tensão. E em seguida vem a distensão: as crianças da vizinhança, uma delas ainda com chupeta na boca, divertem-se assistindo à primeira sessão do Cine Rincão. Longa-metragem de estreia na ficção do diretor Fernando Grostein Andrade, Na Quebrada (Brasil, 2014), já em cartaz no país, é uma profissão de fé às vezes ingênua mas sempre candente no poder do cinema, em seu potencial para ser, na linguagem "ongueira" que inspira o filme, um "instrumento de transformação social". A produção vence pela honestidade das histórias que reúne — todas baseadas em casos reais — e pelo empenho de seus jovens atores. Irmão do apresentador Luciano Huck, que produz Na Quebrada, Grostein Andrade dirigiu dois documentários, Coração Vagabundo, sobre Caetano Veloso, e Quebrando o Tabu, defesa da descriminalização da maconha que tinha como grande estrela o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Desdobramento de Cine Rincão, curta-metragem que Grostein Andrade apresentou no Festival de Veneza de 2012, o novo filme é calcado na experiência do Instituto Criar, que ensina cinema e televisão a jovens da periferia de São Paulo, e vem cercado de iniciativas de marketing social, entre elas uma campanha para a doação de ingressos para a população que geralmente não tem acesso ao cinema. O filme conta as histórias de alunos do Instituto Criar que moram em diversos bairros e favelas da periferia de São Paulo. A ONG funciona, portanto, como centro para uma dispersão de linhas narrativas que às vezes se cruzam. O resultado, porém, é uma espécie de mosaico no qual sempre parece faltar um pedaço. O roteiro, assinado por André Finotti, Marcelo Vindicatto e pelo diretor, revela-se frequentemente confuso. A confusão começa, aliás, já com o texto projetado logo no início do filme, no qual se tenta, com sucesso apenas parcial, explicar que Na Quebrada nasceu de um curta-metragem anterior e que as histórias que se verão na tela são de alunos de uma ONG dedicada a ensinar cinema a jovens da periferia ("anos depois da realização do curta, o Instituto Criar completou dez anos", diz o texto). As histórias individuais de cada personagem são truncadas. Tome-se, por exemplo, o segmento dedicado a Joana (Daiana Andrade), que poderia ter tido outra vida se tivesse sido adotada por um casal de italianos (pretexto para a rápida participação especial de Monica Bellucci), mas acabou crescendo em abrigos para crianças, em São Paulo, porque seu pai, negligente e violento, não foi capaz nem de amparar a filha nem de desistir dela. A cena em que Joana, criança, perde a chance de adoção internacional é artificiosa; a transição daí para a vida de crime na adolescência se dá em um salto; e sua redenção por força do cinema e da arte é contada de forma ainda mais rápida e superficial. A dura luta de Gerson — interpretado com impressionantes vigor e sensibilidade pelo estreante Jorge Dias — está mais bem fundamentada: filho de um presidiário, ele tenta não seguir a trilha bandida do pai, mas, emparedado entre policiais corruptos e traficantes, não consegue escapar de sua sina determinista. A conclusão de sua história, porém, também é um tanto apressada. A despeito dessa estrutura capenga, Na Quebrada transpira verdade. As histórias ganham em autoridade quando, nos créditos finais, aparecem imagens e depoimentos das pessoas reais em que os personagens foram baseados. Em comparação a filmes anteriores sobre o cotidiano violento das periferias — sobretudo Cidade de Deus e Tropa de Elite —, tem-se aqui um olhar mais esperançoso e compassivo. Eis aí um divertido paradoxo: embora tortuoso em sua narrativa. Na Quebrada é papo reto. 7#4 VEJA RECOMENDA CINEMA O JUIZ (THE JUDGE, ESTADOS UNIDOS, 2014. JÁ EM CARTAZ NO PAÍS) • Dois fundamentos hollywoodianos se encontram aqui: a trama de tribunal e o filme feito para ser veículo de um astro que está em um grande momento — neste caso, Robert Downey Jr., atualmente o ator mais bem pago do cinema americano, e também um dos produtores de O Juiz. Ele não decepciona como Hank Palmer, um advogado-vedete de Chicago, arrogante e matreiro, que se especializou em livrar a cara de poderosos envolvidos em falcatruas milionárias. Em meio a um caso particularmente rumoroso, Palmer recebe a notícia da morte de sua mãe. Com o casamento em frangalhos e sofrendo da inescapável crise da meia-idade, ele volta à pequena cidade onde nasceu para encarar a família, que não vê há vinte anos. O grande embate será com o pai, que o despreza — um veterano juiz durão e incorruptível vivido por Robert Duvall. Logo depois do funeral da esposa, porém, o juiz é acusado de assassinar um marginal. Enquanto briga para defender o velho na corte, Palmer tem de acertar as contas com um antigo amor (Vera Farmiga) e enfrentar um promotor rival (Billy Bob Thornton). O ótimo desempenho do elenco garante o interesse do drama, ainda que sua duração exceda o necessário. DISCOS SÓ ISSO E NADA MAIS, OLIVIER TONI (SELO SESC) • O paulistano Olivier Toni tem história no mundo erudito brasileiro. Ex-aluno de Camargo Guarnieri e de H.J. Koellreutter, que trouxe para o Brasil a música serial de Schoenberg, Toni criou quatro orquestras — entre elas a Orquestra Sinfônica Jovem Municipal (hoje Experimental de Repertório) e a Sinfônica da USP. A lista de músicos formados por ele é tão modesta e abnegada quanto a torcida da Portuguesa de Desportos (a piada é do próprio Toni): o violonista Fábio Zanon, o pianista André Mehmari e o violinista Cláudio Cruz estão entre os instrumentistas que o tiveram como mentor. Toni nunca havia compilado sua produção em disco — falha corrigida agora com Só Isso e Nada Mais. Embora suas criações agreguem elementos do passado (a citação ligeira de Bach ao piano em Omaggio, as homenagens a Mozart em In Memoriam W.A. Mozart e Recordare VK999), a música de Toni deve mais à vanguarda do século XX, como se ouve em Três Variações para Orquestra. Na execução, há músicos como Cláudio Cruz, o violoncelista Alberto Kanji e o pianista Paulo Álvares. PARAÍSO DA MIRAGEM, RUSSO PASSAPUSSO (OLOKO RECORDS/NATURA MUSICAL) • Russo Passapusso é vocalista do BaianaSystem, grupo que promoveu a conversa musical entre o samba-reggae da Bahia e o reggae jamaicano. Neste seu primeiro trabalho-solo, ele estende esse diálogo para outros gêneros e países. Quem poderia imaginar que o trip-hop (espécie de hip-hop com batidas lentas e sorumbáticas) de Bristol, na Inglaterra, casaria tão bem com uma seresta ao estilo de Dorival Caymmi? Pois aí está Anjo, a melhor faixa do disco. Autodidata tem batidas eletrônicas, rap e berimbau. E o disco traz até um iê-iê-iê, Remédio, que é uma brasa, mora? O êxito dessas misturas se deve ao bom entrosamento de Passapusso com o baterista Curumin, que também produz o disco, ao lado de Lucas Martins e Zé Nigro. Em meio a tanta mistura, a fundação sonora de Passapusso é o samba, que surge em diversas manifestações: no samba- rock estilo Jorge Ben Jor (Flor de Plástico, com o teclado de Marcelo Jeneci), no partido-alto (Sangue do Brasil. Relógio) e no samba duro baiano (Matuto). Paraíso da Miragem está sendo lançado em dois formatos: vinil e digital (pode ser baixado de graça no site www.russopassapusso.net). LIVRO A TERRA DA BRUMA, DE ARTHUR CONAN DOYLE (TRADUÇÃO DE MARIA LUIZA X. DE A, BORGES; ZAHAR; 336 PÁGINAS; 49,90 REAIS, OU 19,90 NA VERSÃO DIGITAL) • Consagrado como o criador do detetive Sherlock Holmes, o escocês Arthur Conan Doyle (1859-1930) foi também um entusiasta do espiritualismo, doutrina que divulgou com fervor (a Federação Espirita do Brasil, aliás, acaba de reeditar duas obras de Conan Doyle sobre o tema, A Nova Revelação e A História do Espiritualismo). A Terra da Bruma — apresentado aqui em uma edição comentada, com notas que situam dados históricos e curiosidades de época — é o desdobramento ficcional dessa crença. Trata-se de uma história aventuresca, que envolve sessões de mediunidade (Conan Doyle era frequentador delas) e eventos sobrenaturais. O autor valeu-se do habilidoso expediente de colocar em cena um personagem cético, cuja descrença é confrontada com fatos que a ciência não parece capaz de explicar: Edward Challenger, o impetuoso cientista que já figurara em O Mundo Perdido e A Nuvem da Morte. Esta edição traz mais dois contos estrelados por Challenger — Quando o Mundo Gritou e A Máquina de Desintegração. DVD ARREMESSO DE OURO (MILLION DOLLAR ARM, ESTADOS UNIDOS, 2014. DISNEY) • Com a clientela minguando, um outrora bem-sucedido agente esportivo lança uma última cartada para salvar sua carreira: um enorme concurso, na Índia, destinado a encontrar jogadores de críquete com braço forte o suficiente para transferir-se para a primeira divisão do beisebol americano. Seguem-se os inevitáveis choques culturais do americano pragmático entre os indianos cheios de mesuras e subterfúgios, as indefectíveis paisagens exóticas e, claro, o rude despertar que enfrentam os dois garotos tirados de suas aldeias para ir treinar e enfrentar a pressão de fazer estrondosa figura nos Estados Unidos. Mas, apesar dos clichês (incluindo-se o maior de todos eles, o "baseado numa história real"), o filme do diretor Craig Gillespie — que fez um ótimo A Hora do Espanto com Colin Farrell — é uma graça: tem empatia espontânea, delicadeza insuspeita e atores deliciosamente afinados entre si, começando por Jon Hamm, Suraj Sharma e Madhur Mittal e prosseguindo pelo elenco de apoio. 7#5 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- O Sangue do Olimpo. Rick Riordan. INTRÍNSECA 2- Se Eu Ficar. Gayle Forman. Novo Conceito 3- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA 4- O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 5- Maze Runner – Correr ou Morrer. James Dashner. VERGARA & RIBA 6- Para Onde Ela Foi. Gayle Forman. NOVO CONCEITO 7- Quem É Você Alasca? . John Green. WMF MARTINS FONTES 8- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA 9- Eternidade por um Fio. Ken Follet. ARQUEIRO 10- Felicidade Roubada. Augusto Cury. SARAIVA NÃO FICÇÃO 1- Aparecida. Rodrigo Alvarez. GLOBO 2- Guga — Um Brasileiro. Gustavo Kuerken. SEXTANTE 3- Daniel – Minha Estrada. Daniel. BENVIRÁ 4- Getúlio 1945-1954. Lira Neto. COMPANHIA DAS LETRAS 5- Manual do Mundo. Alfredo Luís Mateus e Iberê Thenório. SEXTANTE 6- Sonho Grande. Cristiane Corrêa. PRIMEIRA PESSOA 7- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 8- Eu Sou Malala. Malala Yousafzai. COMPANHIA DAS LETRAS 9- Mentes Consumistas. Ana Beatriz Barbosa Silva. PRINCIPIUM 10- Zero Zero Zero. Roberto Saviano. COMPANHIA DAS LETRAS AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 3- De Volta ao Mosteiro. James Hunter. SEXTANTE 4- Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros. Augusto Cury. SARAIVA 5- As Regras de Ouro dos Casais Saudáveis. Augusto Cury. ACADEMIA DE INTELIGÊNCIA 6- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 7- Sonhos Não Têm Limites. Ignácio de Loyola Brandão. GENTE 8- Casamento Blindado. Renato e Cristiane Cardoso. THOMAS NELSON BRASIL 9- O Que Falta para Você Ser Feliz? Dominique Magalhães. GENTE 10- Eu Não Consigo Emagrecer. Pierre Dukan. BEST SELLER 7#6 J.R. GUZZO – BETO & PAULINHO Diante das versões francamente incompreensíveis que o governo vem apresentando a respeito dos atos de corrupção praticados na Petrobras ao longo dos últimos anos, talvez seja útil para o leitor ter na ponta da língua os fatos registrados a seguir. Versões são mercadoria barata. Fatos, porém, são o corpo e a alma da realidade. Podem ser ignorados por quem não gosta deles, mas não mudam, e não vão embora. No caso da Petrobras, aqui estão: • Paulo Roberto Costa, chamado de "Paulinho" pelo ex-presidente Lula e um dos convidados ao casamento da filha da presidente Dilma Rousseff, Paula, em abril de 2008, foi um dos mais altos diretores da Petrobras entre 2004 e 2012. Em março deste ano "Paulinho" foi preso pela Polícia Federal, acusado de praticar atos de corrupção nas operações da estatal, e algum tempo atrás resolveu confessar seus crimes, por livre e espontânea vontade, dentro das condições legais que permitem redução de pena para réus que colaboram com a Justiça. Seu companheiro de delitos, o doleiro Alberto Youssef, ou "Beto", fez o mesmo. A partir daí ficou provado, acima de qualquer dúvida, que houve corrupção na maior empresa estatal do Brasil; é um fato que não pode mais ser apagado. Feita dentro das exigências da lei, a confissão é a "rainha das provas" — não pode ser suplantada por nenhuma outra, e é a única que garante consciência tranquila ao juiz que assina uma sentença de condenação. • O principal problema trazido pelas confissões de "Beto" e "Paulinho" não está nos atos de corrupção que eles cometeram individualmente nem nos benefícios pessoais que obtiveram. Está na sua associação direta com as empreiteiras de obras públicas, que, historicamente, figuram entre as empresas privadas mais influentes do Brasil. Até agora não se falou muito disso, mas é certo que se vai falar — e aí os empreiteiros podem ficar na situação rara, provavelmente inédita, de ser acusados criminalmente com base em provas materiais inegáveis. As construtoras contratadas para realizar obras na Petrobras fizeram pagamentos que chegaram indiscutivelmente a "Beto" e a "Paulinho"; ambos confessaram que esse dinheiro, após o desconto de suas comissões, era distribuído a diretores da estatal e a agentes do PT, do PMDB e do PP, partidos que controlam cargos-chave na diretoria, em pagamento pelos contratos que a empresa concedeu a diversas das maiores empreiteiras do país. Apenas em uma operação, já comprovada, cerca de 35 milhões de reais foram pagos a empresas-fantasma de "Beto", e "Paulinho", por sua vez, provou ter recebido um mínimo de 70 milhões, que aceitou devolver ao poder público. • O PT, segundo afirmam os dois, é quem recebia mais dinheiro do esquema — 3% sobre o valor de cada contrato que ajudava a fechar, entregues ao seu tesoureiro nacional, João Vaccari Neto, através das empresas-laranja de "Beto". O PMDB e o PP ficavam com 2% e 1%. Não vieram a público provas materiais dessas acusações. "Beto" e "Paulinho" falaram a verdade sobre si próprios; agora, para receberem sua recompensa, terão de provar que também estão falando a verdade sobre os demais acusados. • É fato público que as empreiteiras mantiveram relações íntimas com o ex-presidente Lula, um de seus filhos, diversos políticos e autoridades de primeiro nível nos governos dos últimos doze anos. O filho, "Lulinha", vendeu à construtora Andrade Gutierrez — uma das maiores do ramo, e importante fornecedora de obras para a Petrobras e o governo em geral — parte de uma empresa de videogames que foi à falência; recebeu pela venda a soma final de 10 milhões de reais. Lula participou com a Odebrecht, outro gigante da área, das negociações para a construção do novo estádio do Corinthians, em São Paulo. O ex-presidente viaja com frequência em jatinhos de empreiteiros e esteve no exterior tentando promover seus negócios internacionais. É o que existe de real até agora. O governo, a esta altura, já deveria ter apresentado em sua defesa um mínimo de fatos que possam ser levados a sério — mas só fala que "está em curso" um "golpe de Estado", organizado pela "grande mídia", para derrotar Dilma na eleição. Não foi a imprensa nem a oposição que fizeram as denúncias — foram os amigos "Beto" e "Paulinho", e é a eles que o PT tem de se queixar se está infeliz. Golpe? O governo deveria ter mais cuidado com essa palavra. As urnas, só elas, vão decidir no dia 26 quem ganhará as eleições. Golpe é sustentar na véspera, como estão fazendo Dilma, Lula e o PT, que se o adversário ganhar a eleição não vale.