0# CAPA 20.8.14 VEJA www.veja.com Editora ABRIL Edição 2387 – ano 47 – nº 34 20 de agosto de 2014 [descrição da imagem: foto, do rosto, de Eduardo Campos. Expressão do rosto sério, olhando para frente.] “NÃO VAMOS DESISTIR DO BRASIL” Eduardo Campos (1965 – 2014) [parte superior da capa, à esquerda, foto do rosto de Marina Silva] A ESTRELA DE MARINA A vice agora é candidata, e a dúvida é se seu brilho será efêmero ou vai durar até as urnas ______________________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# ECONOMIA 5# INTERNACIONAL 6# GERAL 7# ARTES E ESPETÁCULOS _________________________________ 1# SEÇÕES 20.8.14 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – A FALTA QUE FAZ UM LÍDER 1#3 ENTREVISTA – FÁBIO MEDINA OSÓRIO – UMA ÉTICA DE MÃO DUPLA 1#4 CLAUDIO DE MOURA CASTRO – CORRUPÇÃO, BUROCRACIA OU AMBOS? 1#5 MAÍLSON DA NÓBREGA – MINA PARA GANHAR PRODUTIVIDADE 1#6 LEITOR 1#7 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM BOLSA FAMÍLIA, O MAIOR COLÉGIO ELEITORAL Em muitas cidades do Nordeste, o Bolsa Família é tão decisivo que a maior parte dos eleitores nem mesmo se preocupa em saber quem são os rivais da presidente Dilma Rousseff. Com 40 milhões de eleitores beneficiados, o programa supera, como colégio eleitoral, São Paulo, o mais populoso estado brasileiro, com 32 milhões de pessoas aptas a ir às urnas. O site de VEJA analisou números, conversou com especialistas e ouviu eleitores em cidades da Bahia e do Maranhão para mostrar o peso que o programa federal poderá ter na corrida presidencial. O NOVO ZOOLÓGICO Reportagem do site de VEJA explica o papel dos zoológicos para a pesquisa e a preservação do meio ambiente e mostra o abismo que ainda separa os parques brasileiros - como o de Cascavel, no Paraná, onde um tigre enjaulado arrancou o braço de uma criança — dos mais avançados projetos mundo afora, como o dinamarquês Zootopia, que prevê animais vivendo livremente na natureza, observados por visitantes camuflados. A ESTREIA DE TVEJA A partir desta segunda-feira, a cobertura das eleições 2014 em VEJA.com ganha uma grade diária de programas em vídeo. A jornalista Joice Hasselmann, que tem ampla experiência na cobertura política e passagem pelos principais veículos de comunicação do Paraná, estado onde nasceu, será a âncora de TVEJA. Ela vai apresentar e analisar as principais notícias da corrida eleitoral em parceria com os repórteres e colunistas da revista e do site, além de entrevistar políticos e especialistas. Informação, opinião e uma pitada de bom humor na nova TV da internet. FRIENDS DA GERAÇÃO FACEBOOK Não só de corpos esbeltos é feita a televisão. Os nerds desajustados de The Big Bang Theory que o digam. A série cômica que é hoje a mais vista na TV americana vive o seu auge e reprisa os feitos de Friends, a última sitcom a se tornar um fenômeno geracional. Com salários de sete dígitos, os astros de Big Bang chegam a atingir 20 milhões de pessoas em um único episódio. Reportagem do site de VEJA analisa o sucesso de The Big Bang Theory e explica por que ela pode deixar para trás a série dos balzaquianos de Nova York. 1#2 CARTA AO LEITOR – A FALTA QUE FAZ UM LÍDER Morto em um acidente aéreo na última quarta-feira, Eduardo Campos, candidato a presidente da República pelo Partido Socialista Brasileiro, foi um político popular eleito com 80% dos votos válidos para seu segundo mandato de governador de Pernambuco, em 2010. Foi também um excelente administrador do dinheiro público — durante os sete anos de seu governo, Pernambuco cresceu sempre acima da média nacional. Mas foi, principalmente, um líder carismático e moderado, rara combinação de características que fazem de seus portadores valiosos tesouros institucionais. Um país como o Brasil carece desse tipo de homem público tanto quanto as pessoas precisam do ar que respiram. A morte de Campos foi uma grande perda, lamentada por seus adversários na campanha, Dilma Rousseff e Aécio Neves, e por todos os brasileiros que conheciam seu trabalho. Um artigo do editor especial André Petry publicado nesta edição de VEJA mostra o valor inestimável de líderes políticos genuínos na escolha correta dos rumos históricos das nações. Eles são o lastro que garante a estabilidade das instituições em períodos de grandes turbulências. A própria sanidade de um regime pode ser medida pela qualidade e quantidade de líderes moderados que permite nascer e prosperar. Os ditadores matam os potenciais expoentes no nascedouro. Os regimes populistas tentam engatar o mandato de líder carismático no seguinte, como quem fuma um cigarro atrás do outro, e assim manter as massas enganosamente saciadas. Por outro lado, a virtude das democracias representativas está em criar um ambiente propício ao surgimento de líderes e garantir que eles possam ascender pelo voto aos mais altos postos da hierarquia política. Campos foi produto desse processo virtuoso. Líder regional, ele começava a exercitar nacionalmente seus músculos políticos. Terceiro colocado nas pesquisas, com 9% das intenções de voto, muito provavelmente não se elegeria presidente neste ano. Mas, se não tivesse sido tragicamente interrompida, sua trajetória continuaria a evoluir rumo ao topo. O Brasil sentirá sua falta. 1#3 ENTREVISTA – FÁBIO MEDINA OSÓRIO – UMA ÉTICA DE MÃO DUPLA O jurista afirma que a nova legislação anticorrupção pode tornar muito mais saudáveis as relações entre as empresas e o poder público, desde que seja aplicada com transparência. ROBSON BONIN Desde que a lei de combate à corrupção entrou em vigor, no começo do ano, o especialista em direito público Fábio Medina Osório mergulhou numa intensa agenda de viagens para explicar aos grandes empresários brasileiros os meandros da norma que propõe punir com rigor as empresas que tiverem funcionários envolvidos em escândalos de corrupção. Ex-promotor do Ministério Público do Rio Grande do Sul, doutor em direito administrativo e presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado (Iiede), Medina vê na lei que impõe severas sanções aos corruptores o início do que pode ser uma profunda mudança de costumes — dos maus costumes. Mas alerta: não adianta tentar punir apenas o empresário. Em um país com tantas leis, essa não corre o risco de ser apenas mais uma? A opinião pública está amortecida diante de tantos escândalos de corrupção na máquina estatal. É a velha lógica de levar vantagem sobre o outro, do balcão de propina nas repartições, do agrado em troca de contratos. Uma praga no serviço público. Embora seja cedo para atestar, a lei anticorrupção, ainda com todas as suas lacunas e limitações, pode mudar a forma como os brasileiros lidam com essas ilicitudes. Ela oferece uma nova chance de mudar essa cultura da ilegalidade que tomou conta das relações entre o público e o privado. Por quê? A lei segue o que há de mais atual no mundo em matéria de políticas anticorrupção. Ela inova em muitos conceitos, sobretudo na atitude do setor privado em relação à corrupção. Até aqui, a empresa escapava de punições. Ao instituir a responsabilidade objetiva da empresa, a lei faz com que o empresário passe a ser responsável por qualquer ato ilícito cometido por seus funcionários no Brasil e no exterior. O empresário terá de zelar pela responsabilidade corporativa da companhia, sob pena de arcar com multas que podem chegar a 60 milhões de reais e até ver o seu negócio dissolvido por força da lei. Para incentivar as boas práticas, a norma também se torna mais branda com os empresários que realmente estimulam a ética no ambiente de trabalho. Mas leis que punem a corrupção sempre existiram. Ao cobrar do setor privado, a partir de pesadas sanções, uma postura ética no relacionamento com o Estado, a lei estimula a probidade empresarial, que faz com que as empresas assumam um papel moralizador na sociedade. Ela obriga os empresários a incentivar seus funcionários a ser corretos, o que é um grande avanço. A iniciativa privada precisa assumir sua responsabilidade. Ela tem um grande poder transformador que agora será usado para combater essas agruras do país. Como os empresários estão reagindo às mudanças? Nas minhas palestras pelo país, o que percebo é um temor, sobretudo pela insegurança jurídica que estamos vivendo. Grandes entidades, como a CNI, estão preparando cartilhas e códigos de conduta para socorrer seus associados, porque o empresariado não sabe o que deve fazer em relação à nova legislação. As empresas terão de criar mecanismos internos de auditoria, canais de denúncia e estruturas que estimulem as boas práticas nos negócios. Essas estruturas de controle já existem hoje, mas são restritas ao sistema financeiro e ao mercado de capitais. Na teoria, isso é muito bom. Mas não se sabe ainda como funcionará na prática. Os empresários estão preocupados? Há um temor muito grande sobre até que ponto essa nova norma poderá servir de instrumento de abuso de poder e chantagem. O empresário não confia no setor público, porque não há, na imensa maioria das nossas instituições, a necessária qualidade e independência técnica para atuar. Para além da esfera judicial, a lei confere poder a prefeituras e órgãos públicos estaduais e federais para investigar e punir empresas envolvidas em atos ilícitos. Como se vai dar a atuação desses milhares de órgãos? O procedimento para investigar será padronizado ou cada prefeito ou gestor seguirá um método próprio? Os empresários tiveram seis meses para se ajustar à norma, mas o governo federal ainda não regulamentou questões importantes dessa lei. Veja o tamanho do problema. As instituições podem ser instrumentalizadas politicamente, e os empresários não têm garantias de que a lei será aplicada a todos. Eles temem ser alvo de arbitrariedades. Então a nova lei é vista com desconfiança? A desconfiança não está na lei. Está nas instituições que vão aplicá-la. Ela é um poderoso instrumento que não pode ser usado pelas mãos erradas. A norma foi redigida com o propósito republicano de punir empresários corruptos. O problema é que ela confere um poder de investigação tremendo a órgãos que tradicionalmente não têm cultura nem estão preparados para atuar como órgãos de controle. Pior. Esses órgãos são comandados, em alguns casos, pelos próprios corruptos, que criam todo tipo de dificuldade para achacar os empresários. Aumentar a transparência é um dos caminhos mais importantes. Como isso é possível? Apenas para ilustrar, quase 95% dos procedimentos do governo hoje estão no papel. As medições de obras e os contratos não evoluíram para o meio digital e estão longe da luz da transparência. A Receita Federal tem processos eletrônicos porque o governo quer arrecadar, mas os métodos de contratação pública ficam fora dessa lógica republicana, porque certamente o manuseio de processos físicos, de papel, é do interesse de quem se alimenta da corrupção. Como fugir desse paradoxo? O Ministério Público vai agir quando houver omissão dos agentes políticos que não aplicarem as novas regras. Também vai investigar aqueles que abusarem da norma ou tentarem usá-la em benefício próprio. Uma questão importante: o empresário acha que a lei, porque ainda não foi regulamentada pelo governo, não vale. Mas ela já está em vigor, e qualquer deslize pode ser punido. Uma grande contribuição dessa regra é que ela obriga instituições como o Ministério Público, os tribunais de contas e os demais órgãos reguladores a se modernizar e atuar em conjunto contra a corrupção. Se juntarmos isso à vontade da iniciativa privada de acabar com a corrupção, teremos avanços significativos. Por que empresários que lucram com a corrupção denunciariam sua fonte de renda? O melhor caminho será o empresário delatar os ilícitos, porque a lei incentiva a cooperação com os órgãos de controle. Haverá o compromisso com as boas práticas na gestão pública. As empresas terão de fazer seus procedimentos de compliance, adotar as medidas previstas em lei, permanecer vigilantes e zelar pelo que chamo de sustentabilidade ética. Sem esses cuidados, nenhuma empresa conseguirá sobreviver no ambiente competitivo. Acima de tudo, é preciso ter consciência de que é necessário acabar no país com a cultura de criar dificuldade para vender a facilidade no serviço público. Como funciona essa norma em outros países? O sistema legal brasileiro está se equiparando agora às práticas anticorrupção adotadas principalmente nos Estados Unidos desde a década de 70 e nos países europeus anos depois. Nesses lugares, a lei é implacável com quem comete ilícitos, mas também reconhece os esforços dos empresários que tentam moralizar seus procedimentos. Ê só ver o exemplo da Siemens nessas investigações de cartel em São Paulo. A empresa tem uma estrutura de compliance que fez toda a diferença na investigação, inclusive com os acordos de leniência, que também figuram na lei brasileira. O caminho da transparência, da modernização e da qualificação dos serviços públicos é uma tendência mundial, inevitável para as grandes democracias. Existe um culpado pela corrupção? A corrupção tem sido encarada como uso abusivo de prerrogativas ou poderes públicos para obter benefícios privados. Essa é uma definição aceita pelo Banco Mundial e por relevantes organismos transnacionais. É uma definição ampla, de cunho sociológico, absorvida por diversas legislações estatais. A erosão das instituições é que facilita a corrupção. Mas o maior culpado, se podemos falar dessa forma, é quem está extorquindo, cobrando propinas, postulando vantagens indevidas. O empresário, muitas vezes, não tem saída, fica estrangulado e sufocado por ameaças do agente público, que senta em cima de faturas ou simplesmente favorece seus amigos em processos licitatórios, através de fraudes e esquemas combinados previamente. A corrupção nasce do setor público. Mas não prosperaria sem a conivência do setor privado. Existe uma cultura de que quem não entra no esquema vai perder negócios ou ver sua empresa quebrar. Esse tipo de cultura é fomentado por aqueles que ocupam posições ou querem se eternizar no poder. Com a lei, em pouco tempo o setor privado vai estar preparado para fiscalizar suas próprias ações e evitar as condutas ilícitas. Mas aí vem a grande interrogação: as repartições também vão se modernizar? Todos sabem que boa parte dos órgãos públicos hoje é aparelhada por esse ou aquele partido. Apadrinhados políticos são colocados em cargos estratégicos para garantir os interesses nem sempre republicanos dos caciques. Veja quantos servidores são expulsos do serviço público todos os anos por envolvimento em casos de corrupção. É fundamental lembrar que a corrupção não ocorre apenas por motivações econômicas. Os motivos políticos podem ser ainda mais poderosos para fomentar práticas ilícitas. O caso do mensalão mostra isso com clareza. O empresário não é ingénuo, mas também não é o principal responsável pela corrupção. Essa visão foi criada pelo discurso político do governo, que, para se eximir de culpa, tenta incutir na sociedade esse pensamento. Estamos nos aproximando de um dos períodos mais emblemáticos das relações entre corruptos e corruptores. Já temos demonstrações claras de mudança nessa campanha que está na rua. Um dos efeitos da lei é essa elevação na previsão de gastos dos candidatos que estamos vendo por todo o país. O empresário está com receio, sabe que pode ser punido, e não aceita mais doar por fora. Fazer caixa dois passa a ser um crime muito mais sério. O risco é maior. Se a lei anticorrupção for aplicada corretamente, ela poderá representar um golpe letal na prática do caixa dois e de tantas outras pragas da máquina pública. Os riscos serão muito grandes para corruptos e corruptores. O fim do financiamento privado de campanha, em debate no STF, é a melhor solução para combater a corrupção eleitoral? O financiamento privado de campanha não parece ser a causa mais direta da corrupção. As empresas deveriam ter o direito de participar e discutir a agenda de desenvolvimento do país, apoiando seus candidatos. O importante é ter transparência nesse ambiente de financiamento de campanha, além de um marco regulatório saudável. O financiamento público estimularia o caixa dois e não teria força alguma para inibir a corrupção. Ao contrário, significaria mais um gasto para os contribuintes. Já existe uma forma espúria de financiamento público de campanha, a mais perversa de todas, que é o uso da máquina pública para favorecer determinados candidatos. A corrupção eleitoral diminuiria se as leis fossem igualmente duras? Isso é muito temerário. Imagine uma onda de ações judiciais visando à dissolução de partidos políticos cujos membros fossem flagrados em atos de corrupção. Poderia ser uma forma de extinção da própria democracia. Não é esse o caminho. As instituições são boas. Quem pratica corrupção são as pessoas. 1#4 CLAUDIO DE MOURA CASTRO – CORRUPÇÃO, BUROCRACIA OU AMBOS? A praga da corrupção, nem só brasileira e nem só de hoje, encontrou aqui solo fértil. A primeira e mais óbvia perda é desperdiçar recursos. Gasta-se mais para fazer a mesma coisa. A segunda é que distorce as escolhas, como resultado de acertos escusos, por baixo da mesa. Talvez até mais perversos sejam o desalento e o desencanto da sociedade, que vê prosperar os finórios e ser sonegados os prêmios a quem os merece. Esse é um dos grandes desafios que enfrenta a nação, seja nas pequenas tretas, seja nos megagolpes. São bem-vindos os esforços para combatê-la, com regras severas e punições exemplares. Alguns remédios curam a doença, mas deixam estragos no organismo. Igualmente, o combate à corrupção tem também efeitos colaterais sobre a sociedade e sobre o serviço público. As grandes realizações do Estado sempre foram feitas por administradores destemidos, navegando no limite do prudente e do legal. A barafunda legislativa, a burrice e a rigidez das regras de funcionamento hoje impostas para coibir a corrupção fizeram da covardia a grande virtude de um dirigente público. Ministérios públicos e tribunais de contas pairam no cangote de quem quer fazer aquilo de que a sociedade precisa. Há uma paralisia decisória. Quem mereceria ser chefe ficou mais arredio. E, após as decisões, o caminho da implementação é pantanoso e traiçoeiro. Jornais falam de atraso na execução de obras públicas. É inexato, o atraso é mais na papelada que vem antes dela. As exigências legais são tortuosas e descabidas, as licitações empacam, há impugnações. Muitos controles atingem gastos ridiculamente pequenos. Quando eu trabalhava no Ipea, a impressão de nossas pesquisas e o selo de correio eram pagos pelas Nações Unidas, tão obtusas são as regras do serviço público para gastos ínfimos. Acadêmicos consagrados têm suas pesquisas interrompidas por dificuldades para comprar reagentes (de custo desprezível). As centenas de fundações universitárias não deveriam existir. Sem elas, porém, não haveria pesquisa em instituições públicas, pois não se compra, vende, contrata e descontraia, mesmo que sejam vinténs. Mas são fiscalizadas com fervor religioso e regras barrocas e instáveis. A iniciativa privada também é vítima dessa obsessão de controlar, de fiscalizar tudo, de criar complicações inacreditáveis para realizar tarefas cotidianas. Abrir e fechar empresas, tirar alvará de obras e habite-se são epopeias administrativas. Qual o resultado? Pega-se um ou outro ladrão de galinha e escapam incólumes os salafrários mais espertos. Parafraseando Ortega y Gasset, na ânsia de impedir o abuso, pune-se o uso. A vida se complica para todos. O cidadão comum tropeça a cada passo com o mundo da burocracia. Se começam, as obras públicas não acabam. O paquiderme não anda. Ao mesmo tempo, os profissionais da sem-vergonhice permanecem incólumes. É o pior dos mundos. Ousemos perguntar: será que um governo corrupto que faz não seria melhor do que o também corrupto que não faz? Mas há consertos. Em primeiro lugar, é preciso mais inteligência e pragmatismo nas regras burocráticas. As formas de dirimir conflitos devem melhorar dramaticamente. O controle tem de ser comensurável com a seriedade do potencial delito. Quem merece mais confiança deveria ser confiado. Despesas pequenas, danos pequenos, controles pequenos. Aliás, a corrupção não é um flagelo incurável. Na Inglaterra do início do século XIX, candidatos anunciavam no jornal sua disposição de comprar votos. Hoje, o país é exemplar em moralidade pública. Na entrada do século XX, os capitalistas americanos, chamados de Robber Barons, mereciam amplamente esse apelido. Hoje, seus herdeiros lideram as grandes fundações filantrópicas. No pós-Guerra da Coreia, na década de 50, nem a tropa americana estacionada em Seul escapava do caos. Contou-me um então soldado americano que chegaram a roubar do seu quartel um tanque de guerra completo. Hoje, a imagem da Coreia é outra. Para consertar, porém, o exemplo precisa vir de cima. Necessitamos de lideranças que ponham a moralidade pública e o bem-estar da sociedade acima dos interesses eleitoreiros. E que dêem o exemplo de bom governo. O resto acontece. CLÁUDIO DE MOURA CASTRO é economista claudiodemouracastro@positivo.com.br 1#5 MAÍLSON DA NÓBREGA – MINA PARA GANHAR PRODUTIVIDADE Muito se fala em reformas de que o país precisa em áreas como a tributária, a trabalhista e a ambiental. Menos citada é a conveniência de reduzir os gigantescos custos de transação a elas associados. Até os anos 1930, considerava-se que custos eram os relacionados à produção e aos transportes. Começou-se a perceber, então, que havia também os custos de fazer negócios. Ronald Coase (1910-2013), em célebre artigo de 1937, realçou a importância dos custos de transação. Coase examinou a razão para criar uma firma, já que era possível recorrer ao mercado para atender às necessidades da produção. Concluiu que poderia ser mais eficiente usar a empresa, pois as compras no mercado implicavam negociações, contratos, averiguações, regras para resolver conflitos etc. A firma era, pois, um meio para evitar os custos de conduzir transações no mercado, os tais custos de transação. Esse insight ao mesmo tempo simples e monumental lhe valeria o Prêmio Nobel de Economia de 1991. Douglass North, ganhador do mesmo prêmio em 1993 por suas pesquisas sobre o papel das instituições no desenvolvimento, também se dedicou a estudar os custos de transação. Ele e John Wallis pesquisaram o caso da economia americana e perceberam que os custos de transação podiam inibir o crescimento. Descobriram que esses custos equivaliam a mais de 50% do PIB (por certo, muito mais no Brasil). Assim, construir instituições para reduzir custos de transação era essencial para ganhar produtividade e expandir a economia. Antes de se conhecer o conceito de custos de transação, falava-se em burocracia. No Brasil, Hélio Beltrão (1916-1997) inspirou a criação do Ministério da Desburocratização (1979) e foi o primeiro titular da pasta, que viria a desaparecer. Ele buscava reduzir a interferência do governo na vida dos cidadãos e das empresas. Um de seus legados, o Juizado de Pequenas Causas, contribuiu para desobstruir o Judiciário. Na verdade, os custos de transação transcendem a burocratização. Veja-se a anacrônica legislação trabalhista com sua pletora de leis e súmulas do TST que regulam quase tudo no mercado de trabalho. Têm origem na ultrapassada ideia de que o trabalhador não sabe se defender e assim precisa da proteção do Estado. Criou-se forte incentivo ao litígio nos tribunais, pelos quais tramitam cerca de 3 milhões de causas por ano (apenas 1000 no Japão). Isso gera enormes custos de transação e incertezas, cujas consequências na economia nacional e na competitividade das empresas são muito piores do que as da burocracia dos processos. O sistema tributário é provavelmente a maior causa do aumento de custos de transação. Suas complexas normas, que mudam com muita frequência, criaram uma bagunça de difícil compreensão, particularmente na área do ICMS. O trabalho de preencher documentos, escriturar livros e prestar informações ao Fisco tem melhorado com a tecnologia digital, mas esta não evita os gigantescos custos de defender-se de autuações nem sempre procedentes e de recorrer constantemente ao Judiciário. Uma terceira causa é o licenciamento ambiental. Segundo a CNI, as licenças estão sujeitas a um emaranhado de 30.000 normas, que aumentam custos de transação, seja em uma obra de infraestrutura, seja em um posto de gasolina. Embora necessário, o licenciamento é um processo kafkiano, em grande parte desprovido de racionalidade. Para enfrentarem essas três áreas, as empresas despendem uma enormidade com advogados, contadores e perícias técnicas. São custos de transação que consomem dinheiro e tempo, os quais poderiam ser mais bem utilizados em atividades produtivas. Conheço uma fábrica de fertilizantes que não pôde começar a produzir por ação do Ministério Público Ambiental. Há quatro anos incorre em custos de transação e prejuízos. Reformas nas três áreas emperram por causa da complexidade e das respectivas coalizões de veto. Mesmo assim, é preciso insistir. Ao mesmo tempo, cabe buscar a simplificação de regras e procedimentos que transformam essas áreas em campeãs de ineficiência. Reduzir os correspondentes custos de transação certamente revelaria uma mina de ganhos de produtividade. MAÍLSON DA NÓBREGA é economista 1#6 LEITOR REVELAÇÕES DE MEIRE POZA A reportagem "Nunca tinha visto tanto dinheiro" (13 de agosto) mostra, com cristalina clareza, a podridão que impera nos campos do poder no Brasil, em particular nos últimos doze anos, o que nos faz sentir, além de grande revolta pelo status quo, imensa vergonha por ser brasileiro. Por uma mera questão de coerência, seria conveniente que o lema ("Ordem e progresso") de nossa bandeira fosse atualizado para "Corrupção e impunidade". FERNANDO REIGADA LEME JR. Poços de Caldas, MG VEJA nos dá uma ideia do tamanho da corrupção orquestrada durante os doze anos que o PT está no poder. Em pleno século XXI, temos um grupo de políticos no poder que daria inveja às gangues de Chicago do início do século passado. Apesar da existência de uma contadora, que, como no caso Al Capone, poderá ajudar a polícia e a Justiça, infelizmente falta no Brasil a ação do nosso Eliot Ness — o ex-ministro Joaquim Barbosa, que, de tão cansado, se aposentou. LEONARDO GIORDANO Brasília, DF Espero que a contadora Meire Poza tenha as provas que possam levar toda essa quadrilha direto para a cadeia. O Brasil e os brasileiros de bem não suportam mais tanta roubalheira e indiferença da Justiça. Chega! GERSON LUIZ DUNCA Brusque, SC Semana após semana entendo ainda mais o que a presidente Dilma Rousseff quis dizer quando afirmou que "faria o diabo para se reeleger". Aqueles ratos magros, retratados em uma das sempre criativas e impactantes capas de VEJA, hoje estão obesos, porém insaciáveis. Pobre Brasil! MÁRIA DO ROCIO DE PINHO TEIXEIRA Curitiba, PR Em face da reportagem publicada na edição 2386 de VEJA, reitero a declaração prestada — e não publicada — de que não conheço os personagens citados na referida matéria e que não procede a informação a mim atribuída. RENAN CALHEIROS Senador (PMDB/AL) Brasília, DF Em relação à reportagem "Nunca tinha visto tanto dinheiro", nego categoricamente a informação de que depósitos na conta do senador Fernando Collor foram feitos a meu pedido e desconheço qualquer relação entre o senador e pessoas envolvidas na Operação Lava-Jato. Afirmo ainda que não conheço nem nunca estive com a autora da afirmação à revista e não sei as motivações ou razões que a levaram a citar o meu nome na reportagem. PEDRO PAULO LEONI RAMOS São Paulo, SP É bem possível que os que chafurdaram no lamaçal exposto pela contadora Meire Poza continuem impunes, alguns com o mandato renovado na próxima eleição. Inacreditável! ALBERTO DE SOUSA BEZERRIL Natal, RN PAULO ROBERTO COSTA Informa a seção Radar (13 de agosto) que o senhor Paulo Roberto Costa, por ser um homem-bomba a respeito dos assuntos da Petrobras, disse a um interlocutor: "Se eu falar, não vai ter eleição". Bom, está na hora de ele se revelar um homem para quem a covardia não faz parte da personalidade. O lamaçal da podridão já está descoberto, então nada mais lhe resta senão contar o que sabe no tocante àquilo de que participou e àquilo de que não participou, mas que sabe. PEDRO LUÍS DE CAMPOS VERGUEIRO São Paulo, SP FRAUDE NA CPI DA PETROBRAS Diante das tenebrosas transações reveladas pela revista VEJA, com direito a gravações e testemunho de participantes, a cúpula petista tenta risivelmente nos fazer acreditar que batom encontrado na cueca é prova de honestidade ("A armação, quadro a quadro", 13 de agosto). ABEL PIRES RODRIGUES Rio de Janeiro, RJ LYA LUFT As questões da escritora Lya Luft no artigo "Primeiras perguntas" (13 de agosto) são uma tentativa de sacudir os brasileiros. Adoraria poder responder a elas com propriedade de orientação e sugestão para resolução, mas as reações são de desânimo e também de esperança de que até as próximas eleições poderemos fazer algo para estimular a mudança. JORDETE BRAGA São Paulo, SP A escritora Lya Luft apresenta de forma direta as suas "primeiras perguntas" a respeito da desorganização e da falta de determinação e competência administrativa dos gestores deste grande Brasil, e principalmente da falta de indignação de todos nós, que somos um povo passivo, afável e a cada dia mais complacente com os absurdos que estão à vista de todos. É evidente que o atual sistema político e de governança não funciona e é totalmente improdutivo. Necessitamos de um "projeto Brasil" para os próximos trinta anos, aprovado na forma de lei, e que seja o plano de trabalho para todos os presidentes eleitos, que seriam avaliados pela capacidade e competência na gestão e condução desse grande projeto, apoiado e acompanhado pela população brasileira de forma periódica. Um projeto que contemple a estrutura de governo, metodologias, e as reformas absolutamente necessárias, que elevem consideravelmente a produtividade do país para que tenhamos uma maior taxa de crescimento e constante geração de empregos para uma sociedade mais próspera, segura, saudável e educada. Existem muitos exemplos a ser estudados, como vários países asiáticos que saíram da miséria para a prosperidade em três décadas. Podemos analisar o desenvolvimento do Chile, que cresce a taxas absurdamente superiores às do Brasil, e que, por exemplo, está exigindo que alunos de algumas faculdades tenham todas as aulas em inglês. Qual será o motivo? A minha percepção é que, lamentavelmente, estamos regredindo a cada ano que passa. MARCOS SCHOENBERGER São Pauto, SP Nem mais inteligente, nem mais esperto, nem mais informado: sou apenas um anônimo e octogenário vivente a dar testemunho dos escândalos reportados por sensatas interrogações de Lya Luft, e esta minha genérica resposta é alimentada de desesperança quanto ao desiderato de legar melhores dias à minha descendência, sonho próprio da sociedade ordeira e sadia, contabilizada como minoria. É avassalador constatar que, a despeito de cantarmos e decantarmos esta pátria ao soar de amada e idolatrada, seja difícil prover e prever a sua recuperação moral e cívica, haja vista que paira no ar o insólito mote israelense pronto a reproduzir que, de sobra, esse Estado federado é um "anão democrático". Viu no que deu a primeira votação sobre o encarcerado meliante e deputado rondoniense Donadon? Também já analisou as tradicionais escolhas de presidentes das Casas de leis "côncava" e "convexa"? MOACYR ROSADO Vitória, ES Sem a pretensão de ser mais inteligente, esperto ou informado, muito pelo contrário, pois admiro a capacidade de síntese de Lya, atrevo-me a oferecer uma resposta que também não é autêntica. O Brasil está doente, muito doente. É uma doença degenerativa de natureza moral que afeta a inteligência, mas sua metástase se espalha até o mais longínquo órgão saudável e o contamina. Nosso querido país precisa ser recolhido à UTI com urgência para tratar a "cabeça", porque curar o corpo será muito mais difícil. É como no ditado popular: "Quando a cabeça sofre, todo o corpo padece". Somente nós, brasileiros, poderemos curar nossos males. As pessoas capazes de compreender que a sociedade adoeceu precisam sair da zona de conforto e lutar, com as armas do bem, da verdade, da cultura, para curar este gigante enfermo. HAIRTON SCHWETER São Paulo, SP Os questionamentos da escritora são os mesmos que eu faço há anos, e percebo que a relação só aumenta enquanto as respostas não aparecem. Só vejo hipocrisia, dissimulada em todas as esferas de governo. Talvez seja esse o motivo dos radicais da baderna. Lya e VEJA, meus parabéns pelas sábias palavras. Foi o melhor presente de Dia dos Pais. JONES PASAN Vitória (ES), via smartpltone Essa ilusão de que somos melhores, de que fazemos mais com menos, é a coisa mais estúpida do mundo. Essa situação não foi criada pelo PT nem pelo PSDB. Isso vem lá do passado, do tempo da colonização, e piorou muito com a criação de Brasília, isolando nossos governantes e impactando a nossa economia. Somos, sim, a população mais passiva do mundo, ou talvez a que encare somente as brigas mais fáceis. Somos capazes de brigar no trânsito por causa de uma fechada ou de um pequeno acidente, mas incapazes de erguer a voz para brigar pelo que importa. Temos de parar de tentar achar soluções milagrosas ou de curto prazo e tomar coragem e encarar a dura e dolorosa jornada da verdadeira mudança. Eu sou o primeiro a ter de mudar... DENNIS I. DA COSTA Xangai, China, via tablet LR. GUZZO VEJA brilha em seus artigos e imparcialidade. No artigo "Saindo do armário" (13 de agosto), J.R. Guzzo nos traz, com maestria, uma grande verdade sobre um assunto muito desagradável: a guerra entre Gaza e Israel está sendo usada para que as pessoas possam exercer, livremente, seu ódio contra os judeus aqui no Brasil. Também notei, e não fui a única. Toda guerra tem dois lados, como bem expõe o artigo. Bem como o fato de que Israel está apenas se defendendo dos ataques que sofre. Não há desculpa para preconceito. FABIOLA KAMENETZ Rio de Janeiro, RJ Estava tudo muito estranho em relação ao ódio que está saindo dos armários. Até que J.R. Guzzo teve a coragem de abordar esse assunto, lembrando que o Hamas preconiza a extinção do Estado de Israel. ELIAS GABBAY Belém (PA), via smartphone REVELAÇÕES DE MEIRE POZA 2 Nunca tive contato com essa pessoa, que foi entrevistada pela revista como contadora do doleiro investigado, e desconheço o motivo pelo qual ela tenha me incluído em suas declarações (" 'Nunca tinha visto tanto dinheiro'", 13 de agosto). MÁRIO NEGROMONTE Ex-deputado federal e ex-ministro das Cidades Por e-mail A Construtora Camargo Corrêa foi surpreendida com a citação em depoimento que desconhece e ao qual não teve acesso. Conforme já havia informado à redação de VEJA em 21 de março último, e novamente reiterado na sexta-feira (8 de agosto), a Construtora Camargo Corrêa jamais fez pagamento algum ao senhor Alberto Youssef ou às suas empresas. Sobre sua relação com o ex-diretor Paulo Roberto Costa, tratou-se de serviços da consultoria Costa Global, regidos por contrato do fim de 2012 até dezembro de 2013, período em que já não mais exercia suas funções na Petrobras. A Camargo Corrêa já se pôs à disposição das autoridades para colaborar com as investigações. MARCELLO D’ANGELO Diretor de comunicação Construtora Camargo Corrêa Por e-mail ROBERTO RODRIGUES Esclarecedora, oportuna e muito relevante a entrevista com o ex-ministro da Agricultura e presidente do conselho de administração da União da Indústria de Cana-de-Acúcar (Única), Roberto Rodrigues ("O campo em estado de sítio", 13 de agosto). ARNALDO JARDIM Deputado federal (PPS-SP) Presidente da Frente Parlamentar pela Valorização do Setor Sucroenergético (Frente do Etanol) São Paulo, SP Lucidez e coragem definem a entrevista com o ex-ministro Roberto Rodrigues, ao tocar o dedo na ferida da ausência de políticas sérias de governo para o agronegócio. Com admirável salto tecnológico, o campo no Brasil protagonizou uma primeira Revolução Verde, que o credencia como poucos a retirar da subnutrição os 840 milhões de famintos no planeta hoje e a alimentar 9,3 bilhões de habitantes em 2050. Rodrigues chama atenção para os equívocos, mas aponta, esperançoso, rumos factíveis para o Brasil liderar uma segunda Revolução Verde. EDUARDO DAHER Diretor executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) São Paulo, SP A Câmara de Comércio Árabe-Brasileira manifesta satisfação ao ler a excelente entrevista com o ex-ministro Roberto Rodrigues, pela importância de suas colocações do ponto de vista da política agrícola e pecuária tanto em relação ao presente quanto a perspectivas futuras. Apenas para esclarecimento, a instituição informa que o Brasil não possui tratados de comércio com o Líbano. Já em relação ao Egito, a medida ainda se encontra no Congresso brasileiro e em apreciação pelos demais países do Mercosul desde maio de 2013. O governo egípcio já ratificou a proposta em janeiro de 2013. MICHEL ALABY Diretor-geral da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira São Paulo, SP FAFÁ DE BELÉM Parabenizo a digníssima Fafá de Belém e estou emocionado com sua entrevista a VEJA ("A anfitriã das eleições", 13 de agosto). Em meus 73 anos, nunca presenciei respostas tão perfeitas e que coincidissem com as minhas. Sou fã da cantora e intérprete Fafá de Belém desde o início de sua carreira e não imaginava como suas opiniões poderiam se equiparar com as minhas. VALDONI ALVES FERREIRA Belo Horizonte, MG CORREÇÃO: o ex-ministro Mário Negromonte é conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia, e não do Tribunal de Contas da Bahia ("Nunca tinha visto tanto dinheiro'", 13 de agosto). PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação, VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP: Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até 3 quarta-feira de cada semana. 1#7 BLOGOSFERA EDITADO POR KÁTIA PERIN kperin@abril.com.br COLUNA REINALDO AZEVEDO IMPONDERÁVEL Autoritários de direita e de esquerda não conseguem conviver com o mais severo e perigoso de todos os deuses — o Imponderável, o verdadeiro deus da história. www.veja.com/reinaldoazevedo NOVA TEMPORADA FERNANDA FURQUIM SÉRIES O ator Michael C. Hall, intérprete de um serial killer em Dexter, estará em God Fearing Man, minissérie que adapta um roteiro inédito de Stanley Kubrick. www.veja.com/novatemporada VEJA MERCADOS GERALDO SAMOR NEGÓCIOS Os dois maiores players da indústria de viagens do Brasil disputam a compra da B2W Viagens, serviço de reservas on-line que fatura cerca de 600 milhões de reais por ano. www.veja.com/vejamercados FAZENDO MEU BLOG PAULA PIMENTA MÚSICA Descobri a banda canadense The Seasons. São quatro garotos de Quebec, que tocam, cantam e compõem com um estilo meio acústico, meio folk e meio retrô, que dá vontade de escutar enquanto escrevemos, lemos, dirigimos, tomamos banho... Eles me fizeram muito bem. www.veja.com/paulapimenta SOBRE PALAVRAS A FLOR E A FLORESTA Denomina-se etimologia popular o processo de formação de palavras em que um mal-entendido ou um erro de percepção dos falantes, geralmente induzido por coincidências de sonoridade, determina novo rumo para um vocábulo. Floresta é um dos casos mais típicos. Palavra descendente do francês antigo forest, hoje forêt, ela desembarcou no português já no século XIV e chegou a ter as grafias foresta e furesta. Mas a semelhança de som e sentido com "flor" e "flora" acabou prevalecendo. Etimologicamente, a flor não tinha nada a ver com isso. Mas parecia ter, e o fato é que agora tem mesmo. A moral da história é desconcertante para quem se delicia em caçar erros no discurso alheio: eles também podem ser uma força criadora. www.veja.com/sobrepalavras AOBRE IMAGENS MYRONDAVIS O fotógrafo americano Myron Davis (1919-2010) começou como correspondente da Time em Chicago, onde nasceu, e, aos 22 anos, foi contratado e transferido para a sucursal de Washington. Era o mais jovem do estrelado grupo de fotógrafos da revista nos anos 1940. Antes de cobrir a II Guerra Mundial no Pacífico Sul, Davis documentou o treinamento dos soldados americanos que seguiriam para o combate. Amigo de Robert Capa (1913-1954), ele é autor de um dos retratos mais famosos do lendário fotógrafo de guerra e fundador da agência Magnum. Em 1950, Davis deixou a Life e passou a fazer reportagens para diversos jornais e revistas, www.veja.com/sobreimagens QUANTO DRAMA! LOIRAS E MORENAS Boogie Oogie reedita um clássico do folhetim: o embate entre loiras e morenas. Os dois biótipos vêm se enfrentando desde os primórdios das novelas, alternando raramente os papéis de mocinha e vilã. Em geral, as loiras são as más e as morenas, as boazinhas, como são Vitória (Bianca Bin) e Sandra (Isis Valverde) na trama de Rui Vilhena. O antagonismo bem marcado nas madeixas de Bianca Bin, originalmente escuras, tem a ver não só com o clichê, mas com a troca dos bebês de Carlota (Giulia Gani) e Beatriz (Heloísa Ferisse) na maternidade. A primeira é mãe biológica da morena Sandra e a segunda, da loira Vitória. E, não bastasse essa espada do destino sobre a cabeça delas, as duas ainda vão se interessar pelo mesmo mocinho. www.veja.com/quantodrama • Esta página é editada a partir dos textos publicados por blogueiros e colunistas de VEJA.com ________________________________ 2# PANORAMA 20.8.14 2#1 IMAGEM DA SEMANA – MUITO GRITO, POUCO SISO 2#2 HOLOFOTE 2#3 CONVERSA COM CRISTIANA OLIVEIRA – ELA NÃO QUER SABER DE DRAMA 2#4 NÚMEROS 2#5 SOBEDESCE 2#6 DATAS 2#7 RADAR 2#8 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – MUITO GRITO, POUCO SISO De novo, os aproveitadores de crime que atiça tensões raciais nos Estados Unidos • As cenas são praticamente idênticas cada vez que acontece um caso de alta voltagem de violência de brancos contra negros nos Estados Unidos. Embora sejam uma raridade estatística (mais de 90% dos crimes que envolvem cidadãos negros são intrarraciais, quase um empate com 85% entre brancos), têm uma enorme repercussão por motivos evidentes. O mais recente foi em Ferguson, um apêndice pouco animador da elegante St. Louis, capital do Missouri. O que aconteceu lá não é estranho à realidade brasileira: um jovem de 18 anos, Michael Brown, estava andando no meio da rua com um amigo, um policial de carro falou que deveriam ir pela calçada, houve bate-boca e, a partir daí, separam-se as versões. Michael foi baleado friamente ou tentou agredir o policial. Em qualquer das duas, acabou morto. A maioria da população negra, apoiada pela opinião mais à esquerda, acredita na primeira hipótese; mais à direita, a convicção é oposta, centrada no histórico comprometido de algumas vítimas. Saques e depredações desfiguraram o comércio local, na maioria de proprietários negros, e manifestações diárias atraíram os suspeitos de sempre: Al Sharpton, que se lançou no panorama nacional com o caso completamente inventado de uma adolescente estuprada por um policial de Nova York, e Anthony Shahid, que lidera uma "organização islâmica" e faz provocações encenadas (em Ferguson, usou corda no pescoço e dois cachorros de pelúcia como "símbolos" da situação dos negros). O presidente Barack Obama interrompeu as férias e os jogos de golfe; disse que não existem pretextos para a violência contra a polícia, os saques e o uso excessivo da força contra manifestantes. Aí, a única diferença do habitual: a direita libertária também execra a militarização de contingentes policiais que fazem empalidecer os robocops. Agora, a polícia rodoviária vai vigiar os protestos. VILMA GRYZINSKI 2#2 HOLOFOTE • Efeito mensalão Estrategistas da campanha de Dilma Rousseff vêem com preocupação a possibilidade, considerada remota, de José Dirceu e Delúbio Soares deixarem a prisão antes do desfecho da sucessão presidencial, como ocorreu recentemente com José Genoino. Eles temem que a liberação dos dois petistas antes do segundo turno e os eventuais discursos de ambos contra suas condenações levem o mensalão para o centro do debate eleitoral, desgastando ainda mais a imagem do partido. Petistas também lembram que Dirceu está magoado com Lula e Dilma e, portanto, menos comprometido com o projeto de poder do PT. "Ele acha que faltou empenho para defendê-lo e se sente abandonado", conta um dirigente. RIO DE JANEIRO • Interesse público O líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, apresentou à CPI Mista da Petrobras um pedido de convocação do presidente da Caixa Econômica Federal, o petista Jorge Hereda. Em teoria, Cunha quer ouvir explicações sobre o que considera "pressa" do fundo de investimento do FGTS (FI-FGTS), administrado pelo banco, para aprovar a liberação de 2,5 bilhões de reais para a Petrobras. Na prática, o deputado quer mesmo é uma desforra contra o que considera "demora" do FI-FGTS para repassar cerca de 1 bilhão de reais às obras do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, estado que é a sua base eleitoral. Graças aos aliados de Cunha, o projeto de interesse da Petrobras, defendido com unhas e dentes pelo governo, ainda não foi aprovado. Diz Cunha: "Como liberar esse dinheiro em meio à crise por que passa a empresa? Eu ajudei o governo a evitar um escândalo". DISTRITO FEDERAL • Sola de sapato Líder nas pesquisas para o Senado no Distrito Federal. José António Reguffe (PDT) não tem comitê, não tem carro de som nem cabos eleitorais pagos. Um grupo de empresários até se dispôs a doar dinheiro a sua campanha, a fim de que ele tivesse uma estrutura mínima. Para espanto da maioria, ele recusou. Explicou que só aceitaria ajuda se a doação fosse como pessoa física. O empresário Guilherme Leal, dono da Natura, por exemplo, doou 102.000 reais. A campanha de Reguffe previu um teto máximo de gastos de 3,5 milhões de reais, mas acredita que a conta não deve passar de 800.000 reais. Em 2010, quando foi o deputado federal mais votado do DF, ele gastou apenas 143.800 reais. • FHC.com Marqueteiros da campanha do PSDB ainda estão navegando em águas desconhecidas quando o assunto é a campanha na internet. Eles próprios admitem que têm investido muito pouco na rede — até porque não sabem direito o que fazer. Dentro da equipe de comunicação, já há quem defenda a participação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na formulação mais direta de uma estratégia. Aos 83 anos, FHC tornou-se um estudioso dos efeitos da internet na vida das pessoas. O ex-presidente é amigo do sociólogo catalão Manuel Castells, pesquisador das novas tecnologias da informação desde o começo da década de 80. • Investindo no futuro O deputado Marco Maia (PT-RS) foi presidente da Câmara dos Deputados entre 2011 e 2013 - gestão marcada pela ausência de qualquer marca. O parlamentar quer retornar ao posto no ano que vem. Conta, é claro, com a própria reeleição, com a reeleição da presidente Dilma e com a eleição de uma bancada majoritária do PT. No que depender dele, a estratégia é se comportar como o novo "amigo dos amigos", como são chamados os parlamentares que abrem portas junto a empresários em períodos eleitorais. Não é obra do acaso a escolha de Marco Maia como relator da CPI Mista da Petrobras, na qual estão penduradas as maiores empreiteiras do país, tradicionais doadoras de dinheiro. 2#3 CONVERSA COM CRISTIANA OLIVEIRA – ELA NÃO QUER SABER DE DRAMA A atriz, que foi obesa, mãe aos 23 anos e avó aos 49, e recentemente passou por um problema de saúde, quer falar disso tudo num livro de autoajuda em que aconselha as mulheres a não aceitar o papel de vítima. Em que seu livro de autoajuda será diferente da habitual coleção de obviedades? Não quero dar receitas, mas acender uma luz dentro de alguma pessoa. Vou falar, por exemplo, de como protelei os cuidados com a saúde e quase tive de fazer uma cirurgia de emergência, e da questão do peso. Quero contar sobre a professora de balé que disse que eu era gorda aos 13 anos e que, aos 16, cheguei a ter 50 quilos de sobrepeso. O que aprendeu de fundamental ao viver extremos como ser obesa, emagrecer, engordar de novo e hoje manter uma forma sensacional? Ser velho e gordo é quase um defeito na nossa sociedade. Já fui tratada com desdém. Passava pelas pessoas no Projac e elas não me reconheciam. Na internet, mulheres perguntavam, com raiva: "O que você fez com seu corpo?". Uma mulher que foi símbolo de beleza na década de 90 estar com 25 quilos a mais era uma afronta. Chegar aos 50 anos com seu corpo não é um ideal inatingível para a maioria? As pessoas têm de parar de fazer drama. Muita gente gosta de se vitimizar. Não aguento desculpas do tipo: "Tenho de trabalhar às 6 da manhã e, por isso, não posso malhar". Acorda às 4 e vai caminhar na praça! Na vida real, qual a chance de uma mulher na sua faixa etária encantar um gato, ou puma, como Edson Celulari, seu par na série Animal? Há chances. Muitas mulheres estão disponíveis, mas a ansiedade para encontrar alguém atrapalha. O que mudou mais sua vida: ser mãe aos 23 ou avó aos 49? Ser mãe, sem dúvida. Sou apaixonada por meu neto, mas agora a experiência é da minha filha. O que é melhor ouvir: que vovó bonita ou que encanto de criança? Fico mais orgulhosa com um "que neném lindo". Estou numa outra vibe. Sei que estou envelhecendo, e só quero continuar trabalhando. 2#4 NÚMEROS 52% mais risco de morrer precocemente tem quem sofre de depressão em relação a alguém que não apresenta a doença, indica uma análise de 293 estudos sobre o tema feita por cientistas da Holanda e China, publicada no American Journal of Psychiatry. 2% das pessoas com diagnóstico de depressão têm o suicídio como causa da morte, segundo uma pesquisa americana que examinou 100 estudos feitos durante trinta anos. 1 único gene, conhecido como SKA2, tem uma forte ligação com o suicídio, segundo uma nova pesquisa publicada no American Journal of Psychiatry. Uma alteração nesse gene reduz a capacidade do cérebro de lidar com os efeitos do stress e da ansiedade. 2#5 SOBEDESCE SOBE • Ritalina - O consumo do remédio, indicado para o tratamento da hiperatividade e do déficit de atenção, em especial em crianças e adolescentes, aumentou 775% no Brasil na última década. • Pterossauros - Pesquisadores brasileiros identificaram fósseis de 47 desses répteis voadores da pré-história de uma espécie até então desconhecida, que viveu há 80 milhões de anos no Paraná. • Peppa Pig - Os produtos da porquinha cor-de-rosa, protagonista do desenho animado que faz sucesso entre as crianças, tornaram-se os mais pirateados do Brasil. DESCE • Ouro da China - Por causa da campanha de combate à corrupção, a demanda por jóias e ouro no país caiu pela metade no segundo trimestre, e a Índia voltou a ser a maior consumidora do metal. • Toddynho - Pela segunda vez em três anos, um lote do achocolatado teve de ser retirado do mercado. Desta vez, estava contaminado por uma bactéria. • Agosto - Com o suicídio de Getúlio Vargas, o acidente fatal de Juscelino Kubitschek, a renúncia de Jânio Quadros e, agora, a morte de Eduardo Campos, ele provou ser o mais infausto dos meses para os políticos brasileiros. 2#6 DATAS MORRERAM Nicolau Sevcenko, historiador brasileiro, especialista em estudos da cultura e em história contemporânea. Foi professor titular da Universidade Harvard (EUA) e da Universidade de São Paulo. Lecionou ainda na PUC-SP e na Unicamp e integrou o conselho editorial da revista Travessia, do King's College, de Londres. Filho de imigrantes russos vindos da Ucrânia, nasceu em São Vicente, no litoral paulista. Formou-se em história pela USP, onde concluiu seu doutorado e livre-docência. Dividiu uma sala com Eric Hobsbawm enquanto cursava o pós-doutorado na Universidade de Londres. Abominava o patrulhamento cultural — certa vez, na Faculdade de Moema, onde foi professor também, defendeu o rock em uma discussão com um representante do centro acadêmico, para quem os estudantes só deveriam ouvir MPB, música latina, sertaneja ou clássica. Costumava usar obras literárias e filmes para explicar grandes eventos do século XX, diante de classes frequentemente lotadas. Foi colaborador de VEJA e de outros veículos. Entre seus livros, destacam-se A Revolta da Vacina (1983) e Literatura como Missão (1985). Dia 13, aos 61 anos, em São Paulo. Miguel Pajares, padre espanhol, o primeiro europeu vitimado pelo vírus ebola. Ele era voluntário de uma ONG na Libéria, e foi infectado durante o atendimento aos doentes. No dia 7, logo depois da contaminação, Pajares havia sido repatriado. Na Espanha, foi tratado com o medicamento experimental ZMapp, do laboratório americano Mapp Biopharmaceutical. Por questões de biossegurança, a necropsia deixou de ser realizada e o corpo do padre foi incinerado. De março até a tarde da sexta 15, o ebola infectou 2127 pessoas, matando 1145, em quatro países africanos: Guiné, Libéria, Serra Leoa e Nigéria. É a maior epidemia do vírus desde a sua descoberta, em 1976. Dia 12, aos 75 anos, em Madri. Ênio Figueiredo, ex-técnico da seleção feminina de vôlei. Comandou a equipe nos Jogos Olímpicos de Moscou (1980) e Los Angeles (1984) e em seu primeiro título de expressão mundial, na Universidade de Edmonton, no Canadá (1983). Carioca, iniciou a carreira como atleta no Flamengo, em 1962. Foi jogador durante nove anos e treinador por outros 25. Nessa atividade, firmou-se por suas contribuições táticas. Dia 12, aos 68 anos, de complicações cardíacas, no Rio de Janeiro. Pierre Ryckmans, sinólogo e escritor belga que, sob o pseudônimo Simon Leys, foi um dos primeiros intelectuais a alertar para as atrocidades cometidas por Mao Tsé-tung. Em As Novas Roupas do Presidente Mao e Sombras Chinesas, ele critica o regime e a Revolução Cultural. Dia 11, aos 78 anos, de câncer, em Sydney, na Austrália. Ed Nelson, ator americano conhecido por sua atuação em A Caldeira do Diabo, série exibida pela rede ABC entre 1964 e 1969. Nascido em Nova Orleans, estreou na década de 50, mas ganhou fama ao interpretar o médico Michael Rossi de A Caldeira do Diabo, que contava também com Mia Farrow no elenco. Trabalhou em Arquivo Confidencial e Os Intocáveis, Seu último filme foi O Júri (2003), no qual atuou ao lado de Dustin Hoffman. Dia 9, aos 85 anos, na Carolina do Norte. J.J. Murphy, ator norte-irlandês que fazia Sir Denys Mallister na série Game of Thrones, cujas gravações da quinta temporada haviam acabado de se iniciar. Os produtores disseram que ele não será substituído. Dia 8, aos 86 anos, em Belfast. 2#7 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • OPERAÇÃO LAVA-JATO TESTEMUNHA DE DEFESA Dias antes de morrer, Eduardo Campos conseguiu que Paulo Roberto Costa abrisse mão de tê-lo como sua testemunha de defesa nas acusações a que o ex-diretor da Petrobras responde pela suspeita de superfaturamento da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. A negociação foi feita pelos advogados de ambos. Antes do acordo, Campos estava intimado a depor no caso na última sexta-feira, 15. • ELEIÇÃO PESQUISA EM MÃOS Apesar do discurso de que só pensaria na substituição de Eduardo Campos depois do seu enterro, o PSB encomendou uma pesquisa telefônica com 30.000 entrevistas já na quinta-feira passada. No levantamento que vai balizar a decisão do partido, Dilma Rousseff aparece em primeiro lugar, seguida de Marina Silva um pouco à frente de Aécio Neves — ou empatada, considerando a margem de erro. Na simulação de segundo turno, Marina ganha de Dilma — mas também em cenário de empate técnico. NOVA ESTRATÉGIA 1 Eduardo Campos vinha sendo poupado das artilharias petistas e tucanas por motivos mais do que óbvios — PT e PSDB queriam seu apoio no segundo turno. Agora, com Marina Silva, a pólvora já está sendo colocada nos canhões de ambos os partidos. O PT, que batia só em Aécio Neves, vai ter de definir quem prefere enfrentar no segundo turno e apontar suas balas mais potentes para apenas um dos dois oposicionistas. Se continuar batendo somente em Aécio, ajudará a inflar o balão de Marina. NOVA ESTRATÉGIA 2 Já Aécio Neves, que só batia no governo, terá de descer a borduna em Dilma e em Marina com igual intensidade. NÃO CUSTA TENTAR Querendo liquidar a parada no primeiro turno — e isso é do jogo —, Lula cuidou pessoalmente com Roberto Amaral, o novo presidente do PSB e seu ex-ministro, da (quase impossível) operação para tentar que os socialistas neguem a legenda a Marina Silva. Foi, até sexta-feira, o único petista a abordar Amaral sobre o tema. LONGE DO INFERNO Joaquim Barbosa vai apoiar algum candidato em outubro? Em princípio, não. Mas a um interlocutor admitiu que poderá entrar em campo se sentir-se ferido por eventuais baixarias da campanha petista - ou, em suas próprias palavras, declarará voto "se transformarem minha vida num inferno". Em junho, o Datafolha apontou-o como o segundo maior influenciador de votos do Brasil, atrás apenas de Lula. • ITAMARATY PUNHOS DE (POUCA) RENDA "Diante do agravamento das restrições orçamentarias", o chanceler Luiz Alberto Figueiredo enviou na semana passada uma determinação a todas as embaixadas, consulados e missões brasileiras. Nela, comunica que as verbas serão reduzidas em 10% a partir deste mês (no início do ano já houve também um corte de 10%) e sugere que os diplomatas, "sempre que possível", repactuem os contratos de suas embaixadas e consulados. • BRASIL HAJA SIMPLIFICAÇÃO A burocracia brasileira é um caso perdido. Em julho, o Diário Oficial da União publicou a nomeação de uma servidora do Ministério da Micro e Pequena Empresa para ocupar o cargo de coordenador da Coordenação da Coordenacão-Geral de Serviços de Registro do Departamento de Registro Empresarial e Integração da Secretaria de Racionalização e Simplificação. Não há limites para o ridículo. • ECONOMIA À VENDA Deu para trás a venda do jato Gulfstream G550, a jóia da coroa da ex-frota de aviões de Eike Batista. No início do ano, ele havia sido negociado com um milionário chinês por 41 milhões de dólares. Mas algo não deu certo, e o avião, capaz de transportar até dezoito passageiros e com autonomia de voo para uma viagem São Paulo-Moscou sem escala, voltou para o Rio de Janeiro. Está parado no hangar e continua à venda. TEMORES DO MERCADO Até a tragédia da semana passada, os bancos de investimentos estimavam que o resultado da eleição definiria o tamanho das suas equipes no Brasil em 2015. Essas instituições trabalhavam com dois cenários: se Aécio Neves vencesse, o quadro de funcionários ficaria inalterado. Se Dilma Rousseff triunfasse, demitiriam entre 10% e 15% do pessoal. Não mediram ainda como fica a conta com Marina. EM QUEDA 1 Na primeira quinzena de agosto, os bancos registraram uma queda de 12% nas operações de crédito consignado, em comparação com o mesmo período de julho. EM QUEDA 2 Na primeira quinzena de agosto, o consumo médio diário de energia caiu 1578 megawatts em comparação com o mesmo período do ano passado. Para que o leitor entenda, é megawatt suficiente para abastecer 5 milhões de residências durante um mês. • LUXO EM NY, ENFIM Um projeto de quase dez anos de Rogério Fasano, abortado pela crise de 2008, vai agora sair do papel: um hotel com a grife Fasano será erguido em Nova York. A JHFS já comprou dois terrenos contíguos na Rua 57, entre a Quinta e a Sexta Avenidas. • CULTURA O MISTÉRIO DOS GEYER Desapareceram 55 objetos da coleção de obras de arte, móveis e livros deixados pelo casal Paulo e Maria Cecília Geyer. É o que revela um relatório recém-concluído pelo Instituto Brasileiro de Museus após o arrombamento, em julho, dos dois cofres da mansão da família no Rio de Janeiro. Os herdeiros brigam na Justiça pelo direito do acervo, um dos maiores do Brasil. Entre as peças que sumiram está o quadro de Thomas Ender Vista do Catete e Laranjeiras, avaliado em 1 milhão de reais. 2#8 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “A realidade é que, na Alemanha, nós copiamos esse sistema da França. (...) Em 1990, a França começou a preparar jovens para ter um time forte para disputar a Copa de 1998 em casa. É dessa geração que vieram Zidane e outros.” - FRANZ BECKENBAUER, campeão mundial pela seleção alemã como jogador e treinador (em 1974 e 1990, respectivamente), em O Estado de S. Paulo. “Com o título no Brasil, cumpri o meu sonho de infância. (...) Não pode haver momento mais bonito para que eu encerre a minha passagem pela seleção.” - MIROSLAV KLOSE, atacante alemão, o maior goleador de todas as Copas, com dezesseis gols nas quatro de que participou, ao anunciar que não atuará mais peio time de seu país. “Orlando recebe 60 milhões de turistas por ano, cerca de 1 milhão de brasileiros. Eles poderão ver o Mickey, o Pateta e o Kaká.” - FLÁVIO AUGUSTO DA SILVA, empresário brasileiro que comprou 87% do Orlando City e contratou o ex-melhor jogador do mundo, na Folha de S.Paulo. “Só louco investe no Brasil.” - BENJAMIN STEINBRUCH, presidente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), na abertura do Congresso do Aço, na capital paulista. “(O favoritismo de Dilma Rousseff aponta) para a continuidade da mediocridade, do descompromisso com a lógica, do mau humor prepotente do poste que se transformou em porrete contra o senso comum.” - CONSULTORIA ROSENBERG ASSOCIADOS, em relatório para seus clientes. “Precisamos eleger a Dilma para o Lula voltar em 2018.” - RUI FALCÃO, presidente do PT, no Valor Econômico. “Prender os terroristas não era uma opção.” - NILTON CERQUEIRA, general reformado, que atuou na última etapa da repressão à guerrilha do Araguaia, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade. “Por favor, entendam que a indústria do pop e do rock pode ser tão dedicada a perpetuar a decepção pública quanto o próprio mundo da política. Deus abençoe as redes sociais!” - MORRISSEY, cantor britânico, criticando na internet a Harvest Records por não produzir vídeos para divulgar seu novo disco; a iniciativa resultou em sua demissão da gravadora. “O fracasso na hora de criar uma força de combate digna de crédito com as pessoas que iniciaram os protestos contra (Bashar) Assad deixou um grande vácuo, que os jihadistas agora preencheram.” - HILLARY CLINTON, secretária de Estado no primeiro mandato de Barack Obama, evidenciando, na revista americana The Atlantic, que pretende se afastar da diplomacia do ex-chefe em sua campanha pela indicação democrata para a disputa das eleições presidenciais. “As expressões usadas por esse funcionário (Yigal Palmor, porta-voz da chancelaria israelense) não correspondem aos sentimentos da população em relação ao Brasil.” - REUVEN RIVLIN, novo presidente de Israel, ao pedir desculpas, por telefone, a Dilma Rousseff, pelo fato de Palmor haver chamado o país de "anão diplomático". “Esqueça a legging (faça disso um mantra para sua vida). Jeans são megaconfortáveis, mas (...), por mais que as calças prezem pelo conforto que tanto queremos, confira bem como ficam em frente ao espelho. Observe se algo está marcando e, se estiver, não saia assim de casa!” - IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, em um guia publicado no seu site com o objetivo de orientar as mulheres que desejem frequentar o recém-inaugurado Templo de Salomão. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto da tragédia ocorrida com Eduardo Campos, candidato do PSB à Presidência da República “A morte não é um acontecimento da vida. A morte não pode ser vivida.” - LUDWIG WITTGENSTEIN, filósofo austríaco (1889-1951). ______________________________________ 3# BRASIL 20.8.14 3#1 VOO PARA A MORTE 3#2 A SUCESSORA 3#3 AS PISTAS DA TRAGÉDIA DE SANTOS 3#4 ARTIGO – ANDRÉ PETRY – A HISTÓRIA E OS LÍDERES: QUEM PUXA QUEM? 3#5 A PLANILHA DA CORRUPÇÃO 3#6 A FARSA INVESTIGADA 3#1 VOO PARA A MORTE Um trágico acidente de avião encerra precocemente a trajetória do pernambucano Eduardo Campos, o candidato à Presidência da República que queria dar cara nova à cena política brasileira. CECÍLIA RITTO, KALLEO COURA E PIETER ZALIS O jatinho estava na pista do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, pronto para decolar. Dentro, Eduardo Campos, candidato do PSB à Presidência, não desgrudava do telefone, borbulhando de empolgação. Sentia-se na porta do futuro, e o futuro era brilhante. Na noite anterior, em sua avaliação, vencera com garbo os quinze minutos de entrevista ao vivo no Jornal Nacional, o pontapé inicial da campanha televisiva; sob o impacto de perguntas duras e incisivas, começou tateante, mas encerrou com o vigor dos resolutos, olhando firme para a câmera e declarando: "Não vamos desistir do Brasil". No fim da jornada, ao encontrar a mulher, Renata, no hotel em que se hospedavam em Copacabana, transbordava confiança: "Fui lá e fiz um gol". Confiança era a marca de Campos desde que embarcara no projeto mais ousado de sua vida: desgarrar-se do aliado PT e apresentar-se nesta eleição — ao lado de Marina Silva, a vice improvável — como uma nova opção no cenário, a "terceira via". E, naquele começo de manhã, ele achava que a chance estava ao alcance da mão. Às 9h17, cinto afivelado, ainda ligou para o coordenador de comunicação de sua campanha, Alon Feuerwerker, com quem conversou animadamente sobre a entrevista e o horário eleitoral, que começaria dali a oito dias. Às 9h21, desligou o celular e o Cessna decolou. Levava a bordo um homem satisfeito, bem-apessoado, bem casado, pai de cinco filhos, firmemente plantado onde sempre quis estar — no palco central da política brasileira — e destinado a fazer história. Às 10 da manhã chuvosa, um estrondo. O jatinho despencou sobre um quarteirão movimentado de Santos, no litoral paulista, matando todos os sete ocupantes. Era o fim do sonho para o pernambucano Eduardo Campos, 49 anos recém-completados, expoente de uma nova geração de políticos, que se foi em um dramático e chocante segundo, antes de poder mostrar a que veio. Quis o destino que Eduardo Henrique Accioly Campos fosse vítima de um acidente fatal — justo ele, que sempre se pautou pelo planejamento meticuloso de seus passos na vida e na política. Entrar nela não foi difícil: ele nasceu em berço esplêndido para a carreira, neto do poderoso e respeitado líder da esquerda Miguel Arraes. Junto do avô governador, deu os primeiros passos como chefe de gabinete (aos 22 anos, recém-formado em economia) e, depois, como secretário de Fazenda. Mas sua ambição era maior do que a de ser herdeiro natural de uma geração política notoriamente desgastada. Campos percebeu o apelo do candidato que se apresentasse como o novo, a aposta não contaminada por vícios antigos. Arregaçou as mangas e foi à luta: nos últimos doze anos, período em que exerceu o terceiro mandato de deputado federal e foi governador de Pernambuco por duas vezes, empenhou-se em agarrar a própria bandeira e trilhar um caminho autônomo. Em 2002, já deputado federal de olho na reeleição. Campos contrariou pela primeira vez o avô, que o queria candidato à Assembleia Legislativa e não ao Congresso, ao qual ele próprio aspirava. Arraes temia dividir votos com o neto, mas Campos fincou pé. No fim, foi sua vontade que prevaleceu, e elegeram-se os dois para a Câmara dos Deputados. Logo depois, aceitaria integrar o primeiro governo Lula, como ministro da Ciência e Tecnologia ("Foi meu presente de Natal", derretia-se o presidente), e seria seu articulador no Congresso quando a fissura aberta pelo mensalão já causava estragos — um tempo em que exercitou a habilidade para costurar alianças e aparar rivalidades. Foram muito próximos ele e Lula, íntimos até, só que Campos queria mesmo era ter luz própria. Em 2006, decidiu disputar o governo de Pernambuco contra o candidato do PT. Largou com 4% e saiu ungido com mais de 60% dos votos. Fez um governo muito bem avaliado, reelegeu-se com 82% e, no ano passado, deu o passo decisivo para a independência política: em vez de apoiar a reeleição de Dilma Rousseff, resolveu lançar-se ele mesmo à Presidência. Campos não levava o sobrenome do avô materno por decisão do pai, o escritor Maximiano Campos. Ele queria evitar problemas para o filho nascido um ano depois do golpe militar que cassou e exilou o líder esquerdista. O menino Eduardo (o Dudu) só conheceu Miguel Arraes aos 10 anos, levado pela mãe, a advogada Ana Arraes, a visitá-lo no exílio na Argélia. "Antes, trocávamos cartas. Todo ano chegavam duas ou três", contou ele a VEJA, em uma entrevista no Recife três dias antes de morrer. Compartilhavam visões de mundo, mas com diferenças que Campos assim divisou: "Nascemos em tempos sociais muito diferentes. Meu avô no sertão, no início do século XX, e eu na cidade, em 1965. Cada um ganhou as marcas do seu tempo". Aproximaram-se quando Arraes regressou ao Brasil; Campos deu adeus a um mestrado nos Estados Unidos e se engajou na campanha do avô ao governo de Pernambuco. Já eleito, o velho Arraes se exasperava com a fila de políticos que o neto incluía na agenda diária do Palácio. "Não é possível o senhor, pela sua cabeça, meter esse povo todo aqui!", reclamava. É preciso, dizia Campos; são aliados que garantem eleição. E Arraes cedia. Aprendeu ainda com o avô a nunca citar o nome de um desafeto ao responder a ataques. É uma lição inestimável: quando preciso, não hesitava em selar acordos com os adversários. Antes do anúncio da candidatura à Presidência, ainda ligado ao governo, Campos operou uma aliança emblemática com Jarbas Vasconcelos, o maior adversário histórico do clã Arraes. Concluíra que precisava agregar todas as forças políticas de Pernambuco se quisesse se tornar uma alternativa viável no plano nacional. Ao sentar-se diante do antigo inimigo, sentindo que havia um certo pudor na aproximação, jogou a isca. "Está difícil conviver com o PT", disse. Jarbas se recorda: "Ali ele me desarmou, pois sabia que eu era totalmente contra as práticas do petismo". Assim Campos foi consolidando sua estratégia de trazer frescor à embolorada política nacional. Tudo pensado, tudo planejado — até o imponderável se impor, na fatídica manhã de 13 de agosto, exatamente o dia da morte de Miguel Arraes, há nove anos. Centralizador e com pendor a se cercar de familiares no governo, Campos se deixava influenciar por poucos. Sua grande interlocutora era a mulher, "dona" Renata, como ele a chamava, que começou a namorar aos 15 anos e com quem teve cinco filhos. "Os que conhecem bem Eduardo sabem que nenhum assunto está completamente decidido até que ele ouça a opinião de Renata", resumiu há poucas semanas o presidente do PSB pernambucano, Sileno Guedes. Na campanha, não se via um sem o outro; ela, sempre com Miguel o caçula de 7 meses, no colo. No último dia 5, ele tratava de política segurando o filho com uma fralda no ombro. De presente de aniversário, que caiu no Dia dos Pais, ganhou da filharada um vídeo que exibia orgulhoso. "Homem, me acabei de chorar", comentava. Na casa antes em festa e agora devastada pela tragédia, Renata desabafou: "Estou com essa sensação de que a morte bateu na porta errada". 3#2 A SUCESSORA A entrada de Marina Silva no lugar de Eduardo Campos é ruim para Dilma Rousseff, porque forçará o segundo turno, e também para Aécio Neves — porque agora nada garante que será ele a chegar lá. KALLEO COURA, DO RECIFE, E PIETER ZALIS “Mudou tudo." Era essa a frase que, desde a tarde de quarta-feira, repetiam políticos, analistas e estrategistas de campanha, resumindo o impacto do acidente que matou Eduardo Campos. Como candidato à Presidência da República pelo PSB, Campos percorreu o país por dez meses com Marina Silva, a vice que marcava o triplo dele nas pesquisas, mas tinha sido obrigada a aceitar o papel secundário por não ter conseguido formar seu próprio partido. Representante da Rede Sustentabilidade, grupo político que fundou e que se associou ao PSB nestas eleições, Marina foi uma disciplinada, discreta e leal coadjuvante. Agora, com a morte do parceiro de chapa, poucos têm dúvidas de que vá retomar o papel de protagonista. Da parte da própria, se havia alguma, ela começou a se dissipar na sexta-feira. Na noite de quinta — de calça, camiseta, xale azul-claro e olhos ainda inchados pelo choro —, a ex-senadora recebeu em seu apartamento em Moema, em São Paulo, o deputado e vice-presidente do PSB, Beto Albuquerque. Marina sempre manteve com ele uma boa relação, ao contrário da que tem com o presidente em exercício da sigla, Roberto Amaral, a quem só se refere como "o doutor Roberto Amaral", com calculado distanciamento. Depois de eles se abraçarem e chorarem juntos, Albuquerque disse a Marina que ela precisava "compreender que não é uma candidata da Rede" e que deveria "abraçar o PSB". As alas do partido resistentes a ela já haviam se resignado à ideia de tê-la como cabeça de chapa, mas esperavam de Marina algo que ela nunca demonstrou antes: flexibilidade para entender e apoiar as alianças fechadas pelo partido, com as quais nunca concordou. A resposta da senadora veio no seu melhor estilo melancólico-visionário-messiânico, perfeito para evasivas e para mantê-la sempre com a última palavra: "O momento exige recolhimento e serenidade para tomar a decisão que melhor preserve o legado de Eduardo". Marina acordou candidatíssima no dia seguinte. Participou com interesse das discussões sobre o perfil ideal do novo vice da coligação. A preocupação inicial do PSB de que a vaga coubesse a um nordestino, como Campos, passou a dividir espaço com a ideia de que a chapa deveria ser completada com um empresário — alguém que ajude a melhorar a imagem de Marina junto ao setor hoje amplamente dominado por Aécio Neves. "Parece que ela se deu conta de que perdeu 48 horas de campanha e agora vai entrar nela de cabeça", descreveu um integrante da coligação. Na quinta de manhã, Marina conversou ao telefone com Renata, a viúva de Eduardo Campos. As duas se tornaram muito próximas durante a campanha. Marina sabia o nome e o apelido, preferido por ela, de cada um dos cinco filhos de Renata e Eduardo. O apoio de Renata foi fundamental para que Marina assumisse a candidatura. A nota divulgada no mesmo dia pelo irmão do ex-governador, o advogado Antônio Campos, também lhe caiu muito bem. Invocando sua condição de "neto mais velho vivo de Miguel Arraes" e "único irmão de Eduardo", Antônio Campos lançou Marina como cabeça de chapa da coligação liderada pelo PSB. A VEJA, ele declarou que escreveu a carta porque, "apesar do discurso de que era preciso esperar o luto para discutir política, havia pessoas articulando-se em gabinetes para implodir o sonho do meu irmão. Marina é a continuação desse sonho". Levar a eleição para a decisão em segundo turno é o efeito mais fácil de deduzir pela lógica da candidatura presidencial de Marina. Isso é péssimo para Dilma Rousseff, que tinha fundadas esperanças de ganhar já na primeira rodada. Para Aécio Neves, a candidatura Marina traz uma boa e uma má notícia. A boa é a quase certeza de que, fora algum tropeço feio de Marina no horário eleitoral, as eleições presidenciais serão decididas, pela quarta vez seguida, no segundo turno. A má notícia é que, se Marina for bem além das expectativas, poderá até ultrapassar Aécio e ser ela própria a brigar com Dilma na reta final. Como descreveu com acerto um observador interessado da situação: "Se você e um companheiro estão fugindo de um leão, a salvação não está em correr mais do que o leão, mas em correr mais do que o companheiro". A história mostra que Aécio não costuma ficar para trás nas carreiras pelas savanas eleitorais. Ao contrário, normalmente ele já está seguro em cima da árvore assistindo ao leão deleitar-se com as carnes dos seus desafiantes. Os tucanos sabem que Marina transita com facilidade em dois territórios que se têm mostrado mais resistentes à mensagem de Aécio: o das mulheres, sobretudo as emergentes, moradoras dos grandes centros urbanos, e o dos indecisos ou que dizem votar nulo. Uma pesquisa do Datafolha feita durante os protestos de junho do ano passado colocou Marina em segundo lugar nas intenções de voto entre os manifestantes. Com 22%, ela só perdia para o então ministro do STF Joaquim Barbosa. Dilma tinha 10%, Aécio, 5% e Campos, 1%. Nesse cenário, obter o aval público de Joaquim Barbosa seria um grande trunfo para Aécio Neves. Mas isso é possível? (Parte da resposta está na seção Radar desta edição de VEJA.) Já para o PT, a morte do ex-governador teve como efeito imediato o perdão por ter se afastado da legenda com a qual manteve parceria histórica até pouco antes de lançar-se candidato. Em um texto malandramente apócrifo colocado na página do PT no Facebook, Campos era chamado de "tolo" e "playboy mimado". Agora, a ideia é homenageá-lo na abertura da propaganda eleitoral. O ex-presidente Lula, que o tratava publicamente como filho pródigo, só tinha elogios para Campos na semana passada. No comando da campanha petista, a aposta é que, sem Campos na corrida, a intenção de voto em Dilma deverá crescer no Nordeste. Dá-se como certo também que Dilma perderá apoio no Sudeste, onde Marina tende a crescer. "Marina entra na corrida com o próprio prestígio e como herdeira de um político querido, e não será surpresa se ela se transformar em um fenômeno eleitoral", diz um dos coordenadores da campanha de Dilma. Fenômenos eleitorais são de natureza diversa. Ora são exóticos e tendem a sumir sem deixar rastro tão rápido quanto surgiram. Ora são estrelas supernovas que iluminam os céus com uma luz tão genuína quanto fugaz e deixam para trás um brilho fraco e difuso. Que tipo de fenômeno seria Marina? É cedo para saber, porém é bom lembrar que ela teve 20 milhões de votos na eleição presidencial de 2010. Mas as campanhas eleitorais não são filmes com final já definido. Elas são processos que evoluem ou refluem a cada dia. Marina terá de desvestir a fantasia de avatar de deusa da floresta e enfrentar contradições terrenas como as brigas dentro da sua coligação, seu desconhecimento no Nordeste e a resistência a seu nome vinda dos setores produtivos — em especial o agronegócio, a maior fonte de riqueza do Brasil. Marina terá de provar que sua suave "poética virtuosa" não é apenas um sinal de desconexão com a realidade. "Dilma tende a melhorar ainda mais no Nordeste, já que não haverá mais um candidato dessa região, mas Marina garante a ocorrência de segundo turno." - RENATO MEIRELLES, presidente do Data Popular. "Aécio, Eduardo e Marina têm um eleitorado parecido. É aquele eleitor insatisfeito com as práticas do governo, mais concentrado nos grandes centros, com renda e escolaridade mais altas. Não diria que a eleição começa do zero, mas as peças do tabuleiro foram esparramadas." - MAURO PAULINO, diretor do Datafolha "TRAIDOR" REDIMIDO - Quando Campos decidiu sair candidato, setores do PT não lhe perdoaram. Agora, morto, receberá homenagem em programa eleitoral. COM REPORTAGEM DE MARIANA BARROS, BELA MEGALE, DANIEL PEREIRA E ADRIANO CEOLIN URNA VIRTUAL INDICA MIGRAÇÃO DE VOTOS PARA MARINA Em torno de 30% dos potenciais eleitores de Campos que comentaram sua morte nas redes já escolheram novo candidato. As agências de Big Data (especializadas no levantamento de dados em quantidades colossais) AirStrip e Big Data Corp. realizaram, a pedido de VEJA, dois estudos sobre a repercussão on-line da morte de Eduardo Campos. Em conjunto, as pesquisas analisaram em torno de 10 milhões de citações em blogs, redes sociais e em comentários feitos em sites de notícias. De um dia para o outro, o número de referências a Xampos subiu de 12% para 86%, dentro do universo analisado. Termos como #RIPEduardoCampos, lamentando a morte, dominaram o Twitter - o assunto chegou ao primeiro lugar no ranking mundial. Mais de 80% das publicações falavam da perda. Mas cerca de 30% de potenciais eleitores de Campos já declararam a escolha de um novo candidato. Nas redes sociais, sobretudo no Facebook e no Twitter, Marina Silva, a vice de Campos, despontou como favorita na herança de intenções de voto, seguida de Aécio Neves e, numa proporção menor, da presidente Dilma Rousseff. Dos que declararam mudança de voto: Para Marina Silva 55% Para Aécio Neves 31% Para Dilma Rousseff 14% RAQUEL BEER 3#3 AS PISTAS DA TRAGÉDIA DE SANTOS A inexistência dos registros da caixa-preta do Cessna Citation aumenta as dificuldades na investigação do acidente, mas não pode alimentar explicações improváveis. CARLO CAUTI, de SANTOS E JENNIFER ANN THOMAS A notícia, divulgada com desmedido alarde pela Força Aérea Brasileira (FAB) na sexta-feira, de que não existe na caixa-preta do Cessna Citation a gravação das conversas da cabine foi um baque para a investigação do acidente aéreo que matou Eduardo Campos e outras seis pessoas. Os técnicos identificaram duas horas de áudio de voos anteriores, sem data precisa. Mas ainda mais desmotivante foi a FAB concluir, horas depois, que também não havia um dispositivo para registrar dados fundamentais, como mudanças de velocidade e altitude. A gravação de voz é obrigatória, mas falhou (não é raro que falhe). A de dados, segundo a legislação dos Estados Unidos, onde o avião foi fabricado, e do Brasil, não é compulsória em aeronaves desse tamanho. As informações frustrantes deram asas a malucas teorias da conspiração. Mesmo com uma caixa-preta incapaz de falar, há outros caminhos de investigação para buscar indícios do que houve em Santos. Por enquanto, a esperança reside nas turbinas, a ser analisadas por militares na cidade de São José dos Campos (SP). O revestimento dos compressores, feitos de titânio, resistiu ao impacto e pode indicar como funcionavam os motores no momento da queda. O modo como o metal se deformou ajudará a descobrir a rotação no instante fatal. Será possível saber o que provocou a pane. À falta de provas concretas, resta separar a verdade da ficção e as teses cabíveis das improváveis. As especulações começaram a aparecer minutos depois da tragédia. As suspeitas vão de um provável choque com um drone, que estava sendo testado na região (mas, até onde se sabe, não naquela quarta-feira chuvosa), a supostos, e prováveis, problemas das turbinas, ou mesmo falha dos pilotos ao realizar a manobra de arremetida na Base Aérea de Santos (veja o quadro na pág. 72). De certo, o que se sabe é pouco. O bimotor Cessna 560 XL Citation Excel decolou do Santos Dumont, no Rio, às 9h21 da quarta-feira 13 e viajou até a Base Aérea de Santos. Ao se aproximar, o piloto comunicou à torre: "Quem tá falando é o Papa Romeo Alfa Fox Alfa, vai (sic) fazer a Echo Uno da pista 35". Ao dizer Echo Uno e pista 35, o piloto avisava que se aproximava pelo oceano — o que o colocava a favor do vento de 12 quilômetros por hora, condição ruim para pouso. "Normalmente se escolhe ir contra o vento, mais seguro, pois isso ajuda a reduzir a velocidade", diz o piloto Joselito Sousa, supervisor de aeronaves no Aeroporto de Guarulhos. "Nesse caso, não havia opção", acrescenta. Em teoria, a alternativa era se aproximar pelo continente, contra o vento. Mas a manobra não é permitida com baixa visibilidade, em nevoeiros por exemplo, como no caso, já que se sobrevoa a Serra do Mar. Daí a opção pelo pouso a favor do vento. O Cessna encontrou alguma problemática, como a velocidade excedente, e foi necessária a arremetida. Arremeter é um procedimento comum, adotado quando as condições não são ideais para pouso. O piloto acelera e ganha altitude para se preparar para uma segunda tentativa. Cada pista possui uma carta com a recomendação a ser seguida. Na Base de Santos, deve-se virar à esquerda, num movimento em laço. O piloto Marcos Martins começou a manobra, mas parece ter feito a curva mais fechada. Foi quando o Cessna, por motivo desconhecido, perdeu a estabilidade. Pessoas que trabalham na base aérea trocaram mensagens dizendo que avistaram fumaça nas turbinas. É indício de falha mecânica ou choque contra algo. Esse "algo" pode ser um pássaro, como um dos urubus que costumam sobrevoar um lixão próximo, mas raramente em dia de chuva. Ou mesmo o tal drone, o que é pouquíssimo provável. A queda foi brusca, e por enquanto se consideram duas trajetórias: ou o avião teria passado rente a um prédio, sobre casas baixas, ou entre dois edifícios. Em ambos os casos, o Cessna caiu com força suficiente para destrocar o jato e os corpos, cujos pedaços se espalharam por 130 metros, pulverizados de tal maneira que o reconhecimento terá de ser feito por DNA. As características da queda sugerem que o piloto realizou uma manobra para desviar dos prédios e cair no lugar mais vazio à vista. Acidentes aéreos sempre criam temor. Só que é preciso destacar a raridade de um evento como esse. Trata-se do primeiro acidente com mortes de um Cessna 560. Há cerca de 90.000 aviões sobrevoando o planeta, e a probabilidade de um de seus passageiros morrer é de 1 em 7229, muito menor que a de ser vítima de um acidente de carro (1 em 108) ou mesmo morrer engasgado com comida (1 em 3842). OS MINUTOS FINAIS DO PR-AFA Um vento de 12 quilômetros por hora acertava a cauda do avião, havia névoa a 250 metros de altitude e a visibilidade era de 3000 metros, o limite do que se recomenda para o Cessna. As condições climáticas, por si sós, porém, não justificam o acidente. O EMBARQUE – 9h21 - Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro DESTINO: Baixada santista. Tempo de viagem 29 minutos A ARREMETIDA – 9h50 (horário aproximados) O piloto informou à torre de controle que faria a manobra, que consiste em desistir de pousar, acelerar para ganhar altitude e se reposicionar para uma segunda tentativa. Arremeter é um procedimento normal, que ocorre devido a condições meteorológicas desfavoráveis, objetos que estejam bloqueando a pista, velocidade excessiva ou em qualquer situação na qual o piloto julgue haver risco para a aterrissagem. No Aeroporto de Guarulhos, o mais movimentado do país, são feitas ao menos duas dessas manobras por dia. Altitude mínima na arremetida: 210 metros Base Aérea de Santos, no Guarujá. Medidas da pista: 1390 metros por 45 metros. Distância da pista até o local da queda: 4,5 quilômetros A QUEDA – 10h. Bairro do Boqueirão, em Santos. • O padrão para arremeter na base aérea é virar à esquerda e subir a 4000 pés (1200 metros) • Pelo local da queda, o piloto parece ter feito uma curva mais fechada. Isso, porém, estaria dentro do limite e não justifica, por si, o acidente • O avião pode ter passado entre dois prédios, um de onze andares e o outro de oito, antes de cair em um terreno baldio, entre uma academia, uma loja de ferragens, outra de suplementos e uma casa de festas • A queda foi tão violenta que abriu um buraco de mais de 3 metros de profundidade, destroçou o avião (uma das turbinas entrou numa casa) e deixou os corpos despedaçados A AERONAVE Modelo: Cessna 560 XL Citation Excel • Prefixo: PR-AFA • Ano de lançamento do modelo: 1996 • Ano de fabricação: 2010 • Autonomia de voo: 3900 quilômetros • Velocidade máxima de cruzeiro: 816,7 km/h • Capacidade: nove passageiros e dois pilotos • Preço: 9 milhões de dólares • Acidentes fatais com o modelo: o de Campos foi o primeiro COM REPORTAGEM DE ALANA RIZZO 3#4 ARTIGO – ANDRÉ PETRY – A HISTÓRIA E OS LÍDERES: QUEM PUXA QUEM? A morte de Eduardo Campos convida à reflexão sobre a influência dos líderes políticos nos rumos da história de uma nação — e como os mortos viram símbolos às vezes até mais poderosos do que em vida. Há mortes que silenciam lideranças promissoras e outras que lhes abrem caminho. Em 1994, Tony Blair tornou-se líder do Partido Trabalhista depois da morte inesperada de John Smith. Três anos depois, encabeçou uma arrasadora vitória eleitoral e, aos 43 anos, virou o mais jovem primeiro-ministro inglês desde Lord Liverpool, em 1812. A tragédia da semana passada é uma coisa e também a outra. De um lado, silenciou uma liderança jovem, promissora, com aquele viés moderado que faz tanto bem à estabilidade das instituições na hora das turbulências. De outro, ocupando a vaga aberta, Marina Silva, 56 anos, 20 milhões de votos em 2010, sobe ao centro do palco como, digamos, um Blair de saias — sem, no entanto, a coincidência de ser aqui a versão da terceira via que Blair representava lá. A natureza da proposta do PSB muda, mas a questão fica: a força individual de um líder move a roda da história? A morte de Campos, mesmo que estivesse apenas começando a exercitar seus músculos políticos nacionalmente, pode mudar o rumo que o Brasil seguia, interferindo na eleição e, por extensão, em todo o resto? Ou líderes são só figuras decorativas da história? O suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, alterou o curso da história ou, de algum modo, esse curso acabou retomando a trilha original? A morte de Tancredo Neves, em 1985, cedendo lugar ao vice, José Sarney, levou o Brasil a um desvio definitivo do seu caminho? Ou os efeitos da morte foram apenas uma névoa enganadora, passageira, pois o rumo da história não se altera ao sabor de fatalidades individuais? Leon Tolstoi, que além da obra-prima Guerra e Paz criou uma teoria histórica, é talvez o mais negativo quanto à influência do indivíduo na construção da história. Para ele, o líder é mero acessório de acontecimentos cuja ocorrência não deve nada à influência pessoal. Karl Marx, no 18 de Brumário, concede que líderes podem ter alguma influência, mas a prevalência é das condições econômicas e da força das massas, acionadas pela luta de classes. O sociólogo Max Weber, mais centrista, dizia que as condições econômicas não explicam tudo. É preciso levar em conta os valores, a cultura, a ética — e, nesse contexto múltiplo, o papel do líder pode, sim, mudar o curso da história. No outro extremo das interpretações, há historiadores — sobretudo militares — que atribuem a marcha da história aos líderes. Dizem que o século XX é resultado da liderança de dois russos, um americano, um inglês, um austríaco e um chinês: Vladimir Lenin, Josef Stalin, Franklin Roosevelt, Winston Churchill, Adolf Hitler e Mao Tsé-tung. Contando-se a história dos seis, conta-se a história do século XX. Sem eles, o século seria outro. Quem tem razão? ________________________ Em meados da década passada, dois economistas americanos chamados Benjamin — um é Jones, o outro é Olken — tentaram medir matematicamente a relevância de líderes nacionais. Decidiram examinar o grau de influência que um dirigente exerce no crescimento econômico de seu país. Recolheram dados de 130 países no período que vai da II Guerra Mundial até 2000. Em seguida, estudaram a biografia dos 1108 homens e mulheres que governaram seu país nesse período. No pacote havia presidentes, primeiros-ministros, ditadores. Os pesquisadores escolheram então apenas os que haviam morrido no exercício do cargo. Excluíram os que foram assassinados, porque há casos de homicídio motivado por razões econômicas e políticas, e ficaram apenas com os que morreram de causas naturais ou por acidente. Terminaram com uma lista de 57 líderes, uma mostra bastante fornida para estabelecer as comparações. (As causas de morte mais comuns, pela ordem: ataque cardíaco, câncer e acidente aéreo.) Cruzando os dados econômicos antes e depois da morte, detectaram um padrão de comportamento do PIB nacional. Concluíram que, sim, a figura do primeiro mandatário faz diferença — e uma diferença da ordem de 1,5% de crescimento do PIB. Pode parecer pouco, mas é uma enormidade. No caso brasileiro, equivale a 500.000 empregos na iniciativa privada e mais 75 bilhões de reais de riqueza. Os economistas também descobriram que a qualidade do líder morto tem mais relevância, para o bem ou para o mal, em regimes autoritários do que nas democracias. Faz sentido. Afinal, nas democracias os líderes são contidos pelas restrições impostas por eleições periódicas atuação dos partidos de oposição, regras constitucionais. Por isso mesmo, as democracias tendem a produzir líderes moderados, que, por sua vez, reforçam a liberdade do regime que os produziu, criando um ciclo virtuoso. ____________________________ Em Édipo em Colono, Sófocles conta que Atenas e Tebas passaram a disputar entre si o privilégio de enterrar Édipo em seu território depois que os oráculos profetizaram que a cidade que o fizesse atingiria os píncaros da glória. Era um corpo político. Napoleão Bonaparte e Jacques Rousseau foram desenterrados e enterrados uma segunda vez para marcar transformações políticas. Depois que seu legado caiu em desgraça, o cadáver de Stalin foi retirado do mausoléu na Praça Vermelha em 1961 e enterrado num canto remoto das muralhas do Kremlin. O grande poeta Maiakovski, fiel à sua paixão revolucionária, intuiu a força política dos mortos quando disse o seguinte sobre a morte de Lenin: "Mesmo agora, Lenin está mais vivo que os vivos". O peso político de um cadáver foi ilustrado com perfeição — e com toda aquela demência platina — no caso de Evita Perón, morta em 1952. Primeiro, seu corpo foi embalsamado e exposto num imenso mausoléu em Buenos Aires. Iguaria para as massas. Depois, Juan Domingo Perón resolveu levá-lo consigo para o exílio na Espanha. Em 1974, Evita finalmente voltou à Argentina. Está enterrada no cemitério de La Recoleta. (Em 1987, o próprio cadáver de Perón foi violado. Suas mãos foram cerradas e roubadas.) São "cadáveres políticos". Faz-se política em nome dos mortos, para reescrever o passado ou modelar o futuro. Sobre a morte de Che Guevara, Ferreira Gullar captou num poema esta interação: "a vida muda a vida muda o morto em multidão". Por tudo isso, é desolador para o Brasil, país carente de líderes jovens capazes de trazer alguma lufada de ar novo ao ambiente político, perder uma liderança como Eduardo Campos, que deixa uma incógnita eterna sobre a relevância da obra que nunca fará. 3#5 A PLANILHA DA CORRUPÇÃO Documentos do doleiro Alberto Youssef registram o recebimento e o pagamento de "comissões" de 8 milhões de reais. Os beneficiários são dois deputados federais e um ex-ministro do governo Fernando Collor. ROBSON BONIN A entrevista com a contadora Meire Poza publicada na última edição de VEJA teve um desdobramento imediato. Na quarta-feira passada, Meire prestou depoimento ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara como testemunha no processo de cassação do deputado baiano Luiz Argolo (ex-PP, atual SDD). O parlamentar é um dos políticos que aparecem na lista de beneficiários do esquema bilionário de lavagem de dinheiro chefiado pelo doleiro Alberto Youssef. Ele vinha até então se valendo de manobras protelatórias para tentar salvar seu mandato e contava com a simpatia de uma parte dos seus pares, porque jurava não haver provas que pudessem incriminá-lo. Esse otimismo, no entanto, começou a ruir quando a contadora reafirmou tudo o que dissera: Argolo era sócio nos negócios escusos do doleiro e recebeu gordas comissões da quadrilha que, entre outras atividades, intermediava pagamentos de propina a políticos corruptos — as famosas malas de dinheiro. VEJA teve acesso a uma planilha que revela o método usado pelos criminosos para dar aparência legal ao dinheiro movimentado em malas. Elaborada com base nas notas frias que a empresa de Meire Poza emitiu, a relação mostra que o grupo faturou 8 milhões de reais em apenas quinze operações distribuídas pelos anos de 2012 e 2013. Comparado às transações globais da quadrilha na Petrobras e em outros negócios com prefeituras e governos estaduais, o valor parece insignificante. Mas ele é apenas uma amostra da dimensão da engrenagem criminosa. As operações relacionadas na planilha dizem respeito exclusivamente às transações feitas a partir de notas fiscais do escritório da contadora. O método é sempre o mesmo. A pedido do doleiro Alberto Youssef, Meire Poza emitia notas frias para simular a prestação de serviços de consultoria. As empresas simulavam a contratação do escritório da contadora e transferiam o dinheiro combinado. Quando a bolada entrava na conta de Meire, ela repassava aos beneficiários. No caso de Argolo, a planilha mostra que o deputado mediou negócios que somam 1,7 milhão de reais junto às empresas Grande Moinho Cearense e M Dias Branco S/A. Negócios classificados por Meire Poza como "ilícitos". A contadora revelou ainda que o parlamentar recebia sua parte por meio de repasses em dinheiro ou transferências para a conta de assessores e familiares. Um desses pagamentos, a pedido de Youssef, foi depositado na conta de Élia Santos da Hora, então assessora de Argôlo. Outro foi parar na conta do pai do deputado, Manoelito Argôlo. As cópias desses dois depósitos já foram entregues ao Conselho de Ética. Apesar de convocada para prestar informações exclusivamente sobre Luiz Argôlo, Meire Poza acabou confirmando também o envolvimento do deputado André Vargas (sem partido). Ela disse que, por orientação do doleiro, pagou 115.000 reais para alugar o jato que levou Vargas e sua família de férias para a Paraíba, em janeiro passado. Anunciado como um presente de amigo, o pagamento era, na verdade, uma comissão pelos serviços de Vargas, que foi expulso do PT após o escândalo. Em dezembro do ano passado, o parlamentar participou de um negócio envolvendo uma empresa do Paraná, estado que é sua base eleitoral, que rendeu 2,4 milhões de reais à quadrilha. Além dos negócios dos deputados Argôlo e André Vargas, a planilha registra nove operações que totalizam quase 4 milhões de reais. São, como as demais, pagamentos por serviços que nunca existiram. Segundo a contadora, foram emitidas notas frias a pedido de Pedro Paulo Leoni Ramos, ex-ministro do governo Fernando Collor e apontado pela polícia como parceiro de Alberto Youssef. Durante a Operação Lava-Jato, a polícia apreendeu no escritório do doleiro comprovantes de depósito em favor do ex-presidente Collor. Segundo a contadora, as transferências foram feitas por Youssef a pedido de Pedro Paulo. Em nota, o ex-ministro afirma que "não conhece nem nunca esteve" com Meire Poza e, portanto, não tem participação nas irregularidades denunciadas por ela. A contadora ainda tem muito a dizer sobre a origem e o destino das malas de dinheiro. Em três anos de atuação no núcleo duro da quadrilha, ela viu, ouviu e participou de muita coisa. Sabe, por exemplo, o nome de personagens importantes que serviam como elo entre corruptos e corruptores. Sabe como mapear o destino de parte do "pedágio" que o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa cobrava dos prestadores de serviço à estatal. E sabe, principalmente, como funcionava a rede de financiamento clandestino de políticos do "PMDB, do PT e do PP" a partir da lavanderia de Youssef. No depoimento da semana passada, ela se colocou à disposição para contar o que sabe à CPI da Petrobras. Aguarda agora a disposição dos parlamentares para ouvi-la. NOTAS FISCAIS EMITIDAS DATA | EMPRESA | VALOR 06/09/2012 | Revita Engenharia S/A | 600.000,00 10/09/2012 | Companhia Águas de Itapema | 300.000,00 - PEDRO PAULO LEONI RAMOS - EX-MINISTRO - 3,9 milhões 12/09/2012 | Conasa Companhia Nacional de Saneamento | 778.200,00 25/09/2012 | Synthesis Empreendimentos Ltda. | 650.000,00 28/09/2012 | Conasa Companhia Nacional de Saneamento | 250.000,00 01/10/2012 | Companhia Águas de Itapema | 250.000,00 11/12/2012 | Sanesalto Saneamento Ltda. | 200.000,00 19/12/2012 | Globalbank Assessoria Ltda. | 729.338,84 21/12/2012 | Companhia Águas de Itapema | 187.500,00 12/09/2013 | M Dias Branco S/A Ind. e Com. de Alimentos | 321.285,14 12/09/2013 | Grande Moinho Cearense Ltda. | 160.642,57 05/11/2013 | Grande Moinho Cearense Ltda. | 775.495,04 - LUIZ ARGÔLO - DEPUTADO - 1,7 milhão 26/11/2013 | Grande Moinho Cearense Ltda. | 142.752,97 26/11/2013 | M Dias Branco S/A Ind. e Com. de Alimentos | 325.452,04 27/12/2013 | IT7 Sistemas Ltda. | 2.399.850,00 - ANDRÉ VARGAS - DEPUTADO - 2,4 milhões TOTAL 8.070.516,60 3#6 A FARSA INVESTIGADA A Procuradoria da República vê indícios de crime e vai atrás dos autores da trama montada para enganar o Congresso e desmoralizar a CPI da Petrobras. HUGO MARQUES E RODRIGO RANGEL Na semana retrasada, VEJA trouxe à luz a prova de que a CPI aberta no Senado para investigar os desmandos na Petrobras foi transformada em um jogo de cartas marcadas. A gravação de uma reunião no gabinete mais importante da companhia em Brasília escancarou uma combinação para evitar que ex-dirigentes suspeitos de provocar prejuízos milionários aos cofres da maior estatal brasileira fossem surpreendidos com indagações incômodas ao prestar depoimento à comissão. Era o flagrante de uma fraude: os investigados recebiam com antecedência as perguntas que lhes seriam feitas pelos senadores e, para não correrem o risco de dizer o que não poderia ser dito, ensaiavam as respostas. Tudo combinado entre investigadores e investigados, numa trama que envolveu a cúpula da petroleira, integrantes da própria CPI e assessores do PT e do Palácio do Planalto. Exposta a armação, à Petrobras e ao governo restou tratar a combinação como algo normal. O Ministério Público, porém, discorda — e quer identificar os envolvidos na armação que expôs a CPI ao ridículo e, por tabela, desmoralizou o Congresso. A Procuradoria da República em Brasília abriu duas investigações sobre o caso. Uma delas vai apurar se houve improbidade administrativa na ação da turma que montou a farsa. A outra pode ter consequências ainda mais drásticas: os envolvidos poderão ser processados criminalmente. O enquadramento penal vai depender de análise, mas desde já é possível avistar indícios de crimes como falso testemunho, violação de sigilo funcional e advocacia administrativa — quando um funcionário público usa as prerrogativas da função para defender interesses alheios. Todos os participantes da trama serão chamados a prestar depoimento, a começar por Bruno Ferreira, advogado da Petrobras. No vídeo, é ele quem segura a caneta-gravador usada para registrar a reunião. Serão intimados ainda os outros dois funcionários que aparecem nas imagens: o chefe do escritório da estatal em Brasília, José Eduardo Barrocas, e o coordenador do departamento jurídico, Leonan Calderaro Filho. Ex-dirigentes da Petrobras beneficiados pela combinação das perguntas, como José Sérgio Gabrielli e Nestor Cerveró, e a atual presidente da companhia, Maria das Graças Foster, também serão chamados a dar explicações. Além da possibilidade de punir os responsáveis pela maquinação da farsa, a investigação ajudará a elucidar outro mistério. Na própria Petrobras, há a suspeita de que a gravação seja produto de uma guerra interna. Funcionários ligados a ex-dirigentes da estatal estariam interessados em expor a farsa para criar uma crise e, com isso, desestabilizar a atual direção da companhia. A gravação seria parte do plano. Nos últimos dias, VEJA identificou uma personagem-chave da trama, cujo testemunho poderá ser de fundamental importância para entender o que aconteceu. Trata-se de Mariana Martins dos Santos, funcionária da Petrobras, que, a pedido de Bruno Ferreira, levou até ele um calhamaço de documentos junto do qual estava a caneta espia, já ligada. "Não tenho nada a declarar", disse ela, que, na semana passada, continuava trabalhando normalmente no escritório da Petrobras em Brasília. _____________________________________ 4# ECONOMIA 20.8.14 AS PEDRAS NO CAMINHO No EXAME Fórum Brasil 2020, economistas mostram como superar os obstáculos que minam a confiança dos investidores e focam o aumento de produtividade. ANA LUIZA DALTRO Uma correção de rumo na atual política econômica brasileira, a busca por mais produtividade e uma melhor gestão nos órgãos públicos. Foram esses os temas que dominaram as discussões no EXAME Fórum Brasil 2020, evento promovido na última quarta-feira, em São Paulo, pela revista EXAME, da Editora Abril. O objetivo foi discutir o caminho a ser trilhado para que o Brasil encerre a atual década avançando em um ritmo mais acelerado. O cronograma do evento precisou ser ajustado depois da notícia do desastre aéreo que matou o candidato Eduardo Campos. O economista Alexandre Rands, que falaria sobre as propostas do candidato do PSB, acabou cancelando sua participação, bem como o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Com isso, as atenções ficaram concentradas na apresentação do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, o coordenador de assuntos econômicos da campanha do candidato Aécio Neves, do PSDB. Na avaliação de Fraga, o fato de o Brasil ter uma renda média equivalente a apenas 20% da registrada nos países ricos deveria se traduzir em um potencial maior para crescer em ritmo mais forte, e não de forma anêmica e inferior à média da América Latina, como tem sido a tônica. O conselheiro econômico de Aécio procurou desfazer "mitos" que o PT estaria tentando associar à candidatura tucana. O primeiro deles é que a oposição defende um arrocho na economia. "Digo não a isso, e um não enfático. Há certa bagunça na economia que está paralisando os investimentos. O arrocho já ocorreu neste governo", afirmou. "Vamos crescer menos de 1% neste ano, e as perspectivas para o ano que vem são ruins. A inflação deve chegar a 6,5%, mesmo assim contida por um evidente congelamento de preços. Uma arrumação da casa só vai trazer mais crescimento, e não o oposto." Fraga rebateu a acusação dos governistas de que ele planeja um "tarifaço" caso Aécio Neves chegue à Presidência. O economista criticou a pouca transparência nas decisões da política econômica. "A pergunta com a qual deveríamos começar esta discussão é a seguinte: quem congelou esses preços? E que resultados tivemos a partir do congelamento desses preços?", indagou. O socorro ao setor industrial, baseado em empréstimos baratos e desonerações, também foi criticado pelo economista. "Apesar de certo esforço por parte do governo, o que precisamos reconhecer, a indústria nunca esteve tão mal. Esse esforço, na verdade, é o esforço errado. O governo não faz o fundamental e vai tentando resolver as coisas com medidas mais casuísticas. Isso já se esgotou", disse. Com a ausência de Mantega, coube ao ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda Nelson Barbosa defender a atual política econômica. O economista reconheceu que o cenário em 2015 não será fácil, mas destacou os avanços obtidos nos últimos anos. "Estamos em um período de transição, com a integração de uma nova sociedade. Isso vai requerer um aumento de recursos para áreas como educação, saúde, transporte, o que já vem acontecendo", afirmou Barbosa. "Mas não dá para fazer tudo ao mesmo tempo. Então, como distribuir torna-se uma questão política mais aguda." Responsável pela abertura do fórum, o presidente da Abril Mídia, Fábio Barbosa, lembrou o fato de o Brasil passar por um momento demográfico favorável mas com data para terminar, o que torna imperioso não desperdiçar essa janela de oportunidade. Disse Barbosa: "O Brasil precisa enriquecer antes de ficar velho. É por isso que falamos tanto em crescimento econômico e em produtividade. É para atingir esse objetivo maior. Educação e política econômica são pilares para construir um país mais próspero". A baixa produtividade foi o tema do economista José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade Colúmbia, em Nova York: "Não estamos absorvendo as revoluções tecnológicas do resto do mundo. É um absurdo total pensar que somos um país complexo e que isso nos impede de crescer mais de 2% ao ano". Scheinkman disse que já se esgotaram as desculpas para tentar justificar por que na economia brasileira a produtividade por trabalhador é de apenas um quinto ou um quarto da verificada nos países mais avançados. O economista ressaltou, porém, que, enquanto a produtividade na indústria e na construção civil teve queda de 1% ao ano entre 2000 e 2009, a agricultura brasileira elevou a sua a um patamar 60% acima do índice registrado nos Estados Unidos desde os anos 90. O sucesso da agricultura brasileira se deveu à desregulamentacão, ao investimento em tecnologia e à integração competitiva ao mercado internacional — exemplo que deveria ser seguido por todos os demais setores econômicos do Brasil. _______________________________________ 5# INTERNACIONAL 20.8.14 5#1 O ÊXODO DO INFERNO 5#2 OPAS, QUE NEGÓCIO É ESSE? 5#1 O ÊXODO DO INFERNO Depois de escaparem do extermínio nas mãos do Estado Islâmico, milhares de integrantes de uma minoria religiosa vagam pelo deserto da Síria e do Iraque. Seu suplício não acabou. DUDA TEIXEIRA, DE DIYARBAKIR Visivelmente desconfortáveis ao ser indagados sobre o assunto, os yazidis, uma minoria do Iraque, não carregam consigo nenhum sinal externo ou objeto que indique sua religião. Para mostrarem a um estrangeiro a imagem do profeta Malak Tawus, que tem a aparência de um pavão, eles precisam recorrer a uma pesquisa na internet em um telefone celular. Malak Tawus é o mais poderoso de sete anjos que, segundo a tradição yazidi, trabalham como ministros de Estado de Deus, gerindo o mundo. Não há para esse povo a dicotomia entre o céu, bom, e o inferno, mau. Apesar disso, nas últimas semanas, os discretos yazidis tiveram de atravessar uma situação infernal como nunca poderiam imaginar em suas concepções. As trevas foram abertas com a chegada de terroristas do Estado Islâmico (anteriormente conhecidos pela sigla em inglês Isis) a cidades de maioria yazidi na região do Curdistão, no norte do Iraque. Para esses jihadistas sunitas, os yazidis são adoradores do diabo e devem ser exterminados. Era o princípio do que poderia ter se tornado um genocídio comparável ao que vitimou cerca de 800.000 tutsis pelos hutus em Ruanda, em 1994. Na semana passada, nos dois centros feitos para acolher refugiados na cidade turca de Diyarbakir, todos diziam ter algum parente ou conhecido "sem conexão" no Iraque. O temor dos refugiados é que, por não atenderem uma ligação de telefone há duas semanas, essas pessoas tenham sido mortas e enterradas com escavadeiras em valas comuns pelos combatentes do Estado Islâmico. Quase todos os refugiados entrevistados por VEJA na Turquia também conhecem alguma menina ou mulher que foi raptada pelos terroristas. Segundo os relatos que ainda chegam por telefone dos amigos que ficaram no Iraque, hoje elas são "vendidas como esposas" na cidade de Tal Afar. Trata-se de um eufemismo. Na realidade, isso significa que elas são obrigadas a se prostituir para afegãos, paquistaneses e — para indignação ainda maior dos yazidis — para árabes que até há pouco tempo eram seus vizinhos. Para os homens e meninos que caíram nas mãos dos jihadistas, foi reservado um suplício mais rápido. Mais de 500 foram executados por métodos que vão da degola ao tiro na nuca. Pegos de surpresa quando os terroristas chegaram a Sinjar durante a madrugada, 150.000 fugiram da cidade. Os que não tinham carro, cerca de 40.000, correram desesperadamente em direção a uma montanha próxima, levando consigo apenas a roupa do corpo. Durante dias, o monte ficou cercado pelos homens do Estado Islâmico. Sem água, comida nem proteção contra o clima implacável, os fugitivos começaram a definhar. Alguns pais cortavam as mãos para que os filhos se alimentassem do seu sangue. Aproximadamente 300 pessoas morreram no monte Sinjar, a maioria bebês e idosos. A tragédia teria sido ainda maior não fosse uma operação conjunta de salvamento feita pelos Estados Unidos e pelo Exército do Iraque. Ao longo da semana passada, aviões cargueiros e helicópteros lançaram mais de 114.000 refeições e 130.000 litros de água para os sobreviventes. Ao mesmo tempo, caças atacavam os terroristas que se colocaram à espreita ao pé da montanha, para o caso de os yazidis retornarem, vencidos pela exaustão. Com esse apoio aéreo dos Estados Unidos, as forças curdas abriram uma rota de escape que permitiu aos yazidis atravessar o deserto em direção à Síria. De lá, rumaram para o norte e cruzaram mais uma vez a fronteira para uma área do Curdistão iraquiano ainda não dominada pelo Estado Islâmico. O grupo sunita foi criado no Iraque durante a ocupação americana como uma filial da Al Qaeda, a rede terrorista fundada por Osama bin Laden. Quando começou a guerra civil na Síria, seus integrantes aproveitaram o vácuo de poder para ocupar vastas áreas do país vizinho e atrair jihadistas sunitas do mundo todo. Fortalecidos e bem armados, eles retornaram ao Iraque com o objetivo claro de exterminar xiitas e outros grupos religiosos e de instalar uma teocracia nos moldes dos primeiros califados islâmicos do século VII. Seu avanço foi barrado a poucos quilômetros da capital, Bagdá, pelas forças regulares iraquianas e da cidade curda de Erbil pelos bombardeios americanos. Nos vídeos que colocam na internet, os integrantes do Estado Islâmico falam até em hastear sua bandeira na Casa Branca, em Washington. Ao contrário da Al Qaeda, cuja prioridade era mesmo atacar o coração do Ocidente, como de fato fez nos atentados de 11 de setembro de 2001, o Estado Islâmico tem uma meta mais imediata e concreta de instituir um governo baseado na lei religiosa e expandir sua jihad, a guerra aos infiéis, a partir do Oriente Médio. Na região, o grupo é conhecido pelo acrônimo Da'sh. É impossível não perceber o rosto deformado de espanto dos yazidis ao pronunciar essa curta palavra. Entre os refugiados em Diyarbakir, uma das histórias mais comentadas é a de uma mulher que estava grávida de seis meses em Sinjar. Depois de matá-la, os terroristas abriram sua barriga e arrancaram o bebê. A glorificação da morte e o desprezo a todos aqueles que não abraçam a violência ao aderir ao ramo sunita do islamismo estão no cerne da estratégia de expansão desse grupo. A estética da barbárie funciona como arma de propaganda em duas frentes. Primeiro, serve para aterrorizar os inimigos e garantir a obediência das populações das cidades conquistadas. Segundo, atrai desajustados e radicais sunitas, recém-convertidos ou não, de todas as nacionalidades. Na semana passada, o australiano Khaled Sharrouf, integrante do Estado Islâmico, colocou em sua página na internet uma foto de um de seus filhos, de 7 anos de idade, segurando a cabeça de um soldado sírio decapitado. "Este é o meu rapaz", comemorava Sharrouf na mensagem que acompanhava a imagem. O australiano já cumpriu quatro anos de prisão por planejar atentados em seu país e depois se mudou com os filhos para a cidade síria de Raqqa, hoje o quartel-general do Isis. Um em cinco integrantes do grupo é estrangeiro. O avanço do Estado Islâmico no Iraque beneficia-se da inesgotável fonte de rixas entre etnias, tribos e religiões no país. Muitas tribos sunitas aliaram-se aos terroristas na esperança de enfraquecer o governo do primeiro-ministro Nuri Maliki, um muçulmano xiita. O político, que no passado fez oposição à ditadura do sunita Saddam Hussein, perdeu o cargo neste mês. As derrotas para o Isis no Curdistão levaram o presidente iraquiano, um curdo, a indicar outro nome para o posto, Haider Abadi, xiita. Embora Maliki tenha sido apoiado pelos Estados Unidos, por sunitas e curdos no início de seu governo, em 2006, foi só o último soldado americano deixar o Iraque, em dezembro de 2011, para ele começar a acumular cargos, elevar a censura contra críticas e fortalecer o poder dos xiitas em detrimento dos sunitas. Sem os americanos atuando como mediadores nos corredores da burocracia de Bagdá, o entendimento entre as facções foi reduzido a quase zero. No início de agosto, a saída de Maliki foi colocada pelos americanos como precondição para um apoio militar contra o Isis. Após alguma resistência, Maliki aceitou sair de cena na quinta-feira passada. A ajuda humanitária dos Estados Unidos ao seu povo foi festejada pelos yazidis na Turquia. Para eles, o período que se seguiu à deposição do ditador Saddam Hussein pelas forças americanas, em 2003, foi de calmaria e felicidade. A região do Curdistão, onde vivem, ganhou autonomia e uma fatia fixa da receita originada pela exportação de petróleo. A maioria, contudo, não pretende voltar ao Iraque. Ao subirem a rampa que os tirou do inferno, os yazidis entenderam que estão proibidos de olhar para trás. Como o mito grego de Orfeu, temem perder o que reconquistaram. Mesmo sem recursos, falam em morar na Europa. "Queremos que a ONU nos leve para lá", diz Loreen Chatow Bedran, estudante de 24 anos que deixou a cidade de Sharia uma semana depois do ataque a Sinjar. Barrado ao norte pela Força Aérea americana e pelas tropas curdas, o Estado Islâmico pode voltar-se para o sul, onde estão as populações e os santuários xiitas do Iraque, ou para a Jordânia. Quando uma porta do inferno se fecha, outra começa a se abrir. Eu sabia que meu destino seria terrível" - A dona de casa Jwana Alo vivia com os quatro filhos e o marido, um professor, em Sinjar, cidade habitada quase toda por yazidis como ela. Há duas semanas, acordou no meio da noite com um telefonema de parentes que a alertavam de que os terroristas do Isis se aproximavam da cidade. "Eu sabia que meus filhos seriam mortos e que meu destino seria terrível. Entramos no carro sem pegar nada e saímos de lá", diz ela. Sua família era uma das que têm automóvel e, por isso, não precisou escapar para as montanhas. Em vez disso, refugiou-se na cidade turca de Diyarbakir. "No Isis há muitos árabes que, até pouco tempo atrás, viviam em paz conosco. É incompreensível", diz Jwana. 5#2 OPAS, QUE NEGÓCIO É ESSE? A relação da organização de saúde com o governo brasileiro vai além da transferência de recursos para Cuba. LEONARDO COUTINHO Há um ano, era agosto de 2013, chegavam ao Brasil os primeiros cubanos que vieram dar corpo ao Mais Médicos, do Ministério da Saúde. Antes mesmo que os 400 profissionais enviados por Cuba desembarcassem, já estava claro que o programa tinha uma finalidade eleitoreira — aumentar o número de consultas em regiões pobres sem muita preocupação com a qualidade e sem resolver os problemas estruturais da saúde pública nacional — e outra ideológica — auxiliar financeiramente um regime ditatorial decadente. O balanço desses doze meses mostra que a transferência de dinheiro do contribuinte brasileiro para os cofres de Raul Castro foi de nada menos que 1,16 bilhão de reais, já descontados os cerca de 75 milhões de reais que a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) recebeu por intermediar o negócio e os 260 milhões de reais que o governo cubano efetivamente repassou aos seus médicos em atuação no Brasil. Isso porque, do salário de 10.400 reais mensais a que oficialmente os profissionais do Mais Médicos de qualquer nacionalidade têm direito, os cubanos recebem apenas 30%. O restante é confiscado por seu governo. Atualmente, há 11.400 médicos de Cuba no Brasil participando do programa e, portanto, sendo submetidos a essa situação discriminatória. O Ministério da Saúde já negocia para aumentar esse número e, consequentemente, injetar ainda mais dinheiro na combalida ditadura comunista. Sob qualquer ótica, o lucro líquido que Raul Castro tem com a exploração da mão de obra barata enviada ao Brasil é portentoso. A quantia de 1,16 bilhão de reais equivale a quase um terço do total investido pelo governo brasileiro na ampliação, reforma e construção de hospitais, postos de saúde e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) em 2013. Para Cuba, obviamente, o valor é ainda mais impactante, pois supera em cinco vezes toda a receita anual de exportações da ilha para o Brasil. Recentemente, a cubana Maritza Rivaflecha Castellano foi bastante direta ao avaliar a importância do dinheiro brasileiro para a sobrevivência do regime no site do jornal Granma: "Os trabalhadores de saúde, na atual batalha econômica do nosso povo, exercem papel de protagonistas no aporte de numerosas entradas de recursos em nossa economia". Maritza faz parte do grupo de 28 "coordenadores" que estão espalhados pelo Brasil e que, com um salário mensal de 25.000 reais, têm a função de controlar e espionar os médicos cubanos para evitar que eles fujam, engravidem ou violem qualquer outro item da cartilha de conduta recebida antes de partirem da ilha. Em outros períodos históricos, dava-se a quem exercia essa função o nome de "capataz". É de perguntar por que a Opas, uma entidade vinculada à Organização Mundial de Saúde (OMS), da ONU, se coaduna com essas relações de trabalho imorais, para dizer o mínimo. Há pelo menos duas explicações para isso. Primeiro, porque o quadro de altos funcionários da Opas é dominado por gente alinhada ideologicamente com Cuba ou diretamente indicada pelo regime castrista. Esse é o caso do chefe da entidade no Brasil, o cubano Joaquín Molina, um dos arquitetos do programa Mais Médicos, junto com o ex-ministro Alexandre Padilha, hoje candidato ao governo do Estado de São Paulo pelo PT. Segundo, porque a Opas, cuja gestão atual não é das mais competentes nem transparentes, fechou 2013 com um déficit de 2,6 bilhões de dólares e depende imensamente das contribuições regulares e das comissões por serviços prestados repassadas pelo Brasil. Os tais "serviços" não se restringem à importação de médicos cubanos. A Opas também atua no Brasil intermediando a compra de medicamentos e a contratação de consultores de saúde. As parcerias com a entidade aumentaram muito no governo do PT. Na última década, os pagamentos do Brasil à Opas quase triplicaram — e isso sem contar os aportes feitos por causa do programa Mais Médicos. Em 2004, o Tribunal de Contas da União descobriu que a comissão cobrada pela Opas variava de um contrato para outro com o governo. O TCU considerou essa falta de critério ilegal, e o governo baixou uma norma estabelecendo a fatia da Opas em 5% do valor dos projetos. No governo Dilma Rousseff, a Opas faturou 130 milhões de reais somente em comissões. Em 2011, os ministros do TCU definiram como irregular a maneira como o Ministério da Saúde contrata funcionários por meio da Opas. "Os consultores, em sua grande parcela, não prestam serviços especializados. De forma geral, tais consultores desempenham as mesmas atividades que os servidores efetivos e os temporários", afirma um documento da Controladoria-Geral da União (CGU) de julho do ano passado. Em 2011, a CGU já havia pedido o fim dos contratos de consultoria com a Opas e classificou-os de ilegais. A maioria dos consultores nem sequer tinha pós-graduação e não apresentava as qualificações necessárias para os serviços contratados. Os auditores da CGU também descobriram que 59 das 183 pessoas que davam expediente na Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde eram "consultores". Ou seja, o governo estava usando a intermediação da Opas para burlar os mecanismos de mérito e de transparência na contratação de funcionários. Afinal, por ser um organismo internacional, a Opas não é obrigada a prestar contas de seus gastos ou justificar seus critérios de recrutamento. Apesar das recomendações do TCU e da CGU, a prática de aparelhar os órgãos federais de saúde com funcionários que não prestaram concurso público nem tiveram o nome e o salário divulgados, como ocorre inclusive com os cargos comissionados, continua. VEJA obteve, por meio da Lei de Acesso à Informação, a lista dos contratos firmados com a Opas. Somente em 2013 foram fechadas 1229 parcerias de consultoria, a um custo de 68 milhões de reais. Os "consultores" da Opas têm rendimento mensal médio de 5500 reais. Alguns chegam a receber 15.000 reais por mês. O último relatório financeiro da Opas demonstra preocupação com a possibilidade de o programa Mais Médicos ser julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Afinal, assim como a ditadura cubana, a entidade ganha muito com a generosidade do governo brasileiro. A FILIAL DE CUBA NOS PAMPAS O governo federal não está sozinho no esforço de sustentar financeiramente a ditadura cubana. O governador petista Tarso Genro, do Rio Grande do Sul, também se mostra empenhado nisso. Ele pretende anunciar neste ano a construção, no estado, de cinco fábricas de insumos biológicos e de um laboratório farmacêutico em consórcio com a estatal cubana Labiofam. O plano é produzir em escala industrial microrganismos que possam ser empregados na agricultura no lugar de defensivos agrícolas e fertilizantes químicos. Um desses produtos é o Nitrofix, que teria a função de fixar nitrogênio no solo. Não há nenhuma evidência de que ele funcione. Em Cuba, 1 hectare plantado de soja não produz mais que vinte sacas do grão. No Brasil, a média é de cinquenta sacas e, no Rio Grande do Sul, um produtor colheu no mês passado 108 sacas por hectare. A Embrapa, uma das principais ilhas de excelência em pesquisa agropecuária do planeta, possui uma divisão de pesquisas dedicada à agrobiologia, mas o governo gaúcho preferiu se associar aos cubanos. As fábricas de insumos custarão 60 milhões de dólares para os contribuintes gaúchos. Já o laboratório da Labiofam, a ser instalado na cidade de Santa Maria, deverá produzir um "remédio" a partir do veneno de um escorpião endêmico de Cuba, o alacrán. O Vidatox, como é chamado o produto, já foi apresentado pelo governo cubano como um milagroso medicamento contra vários tipos de câncer. O pedido de liberação no Brasil já foi entregue à Anvisa. Não há, porém, um único artigo científico em revistas internacionais que avalie o produto. Na apresentação da Lei do Orçamento de 2014, Genro dá pistas dos motivos de sua benevolência com o regime comunista de Cuba. O texto denuncia a globalização, prevê uma possível transição para o socialismo (veja abaixo), defende o distanciamento do Brasil em relação aos Estados Unidos, ataca a "grande mídia" e enaltece o modelo chavista de governo. GOVERNO DO ESTADO DO GRANDE DO SUL PLOA 2014 Uma indefinição permanece. O novo papel do Estado ou avançará no sentido de iniciar uma transição ao socialismo ou ficará restrito a uma reforma capitalista que fortaleça a autonomia de suas burguesias nacionais e .... _____________________________________ 6# GERAL 20.8.14 6#1 GENTE 6#2 ESPECIAL – UM BRASILEIRO NO TOPO DO MUNDO 6#3 AQUI SE FORMOU O “NOBEL” BRASILEIRO 6#4 ARTIGO – J.R. GUZZO – O BONDE DO PLANALTO 6#1 GENTE JULIANA LINHARES. Com Marília Leoni e Thaís Botelho BAIANOS, PREPAREM O FÔLEGO Aviso aos que ficam cansados só de ler sobre a habitual maratona de CLAUDIA LEITTE no Carnaval de Salvador: em 2015, a cantora será também rainha de bateria da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel. O desfile no Rio vai se sobrepor à folia baiana e demanda uma logística especial. "No domingo, vou de jatinho para o Rio. Desfilo durante a noite e, na madrugada, volto para Salvador. No avião, vão comigo um preparador físico e uma fonoaudióloga, já que na segunda e na terça canto por até seis horas em cima do trio", enumera Claudia. Ela gravou recentemente um CD na produtora de Jay-Z, marido de Beyoncé. Nos jantares que teve com o casal em Los Angeles, conversaram "não sobre a internacionalização, mas sobre a expansão" de sua carreira. Também salta aos olhos a expansão das legendárias pernas? "Musculação pesada só começo em setembro." CORRA, HILLARY, CORRA Desde que enfrentou quatro pontes de safena, BILL CLINTON segue um regime estritamente vegetariano, mas engana um pouquinho. Uma vez por semana come peixe ou ovos e às vezes mordisca uma carninha. Quem esperaria outra coisa dele? Sua mulher, a altamente presidenciável HILLARY CLINTON, tem disciplina de aço e disfarçados problemas de saúde, mas o que aparece sob ou em torno da bata comprida a deixa algo distante da boa forma do marido. Ela andou dando umas espetadinhas na política externa de Barack Obama, mas os dois casais saracotearam numa festa na praia dos ricos e chiques em que certamente discutiram como diminuir as desigualdades. Ou falaram de dieta? DE VOLTA À LUTA, COM TUDO EM CIMA Ser mãe muda a vida de toda mulher. Mas a de uma que tem as medidas e os empreendimentos de ANA HICKMANN muda em números cuidadosamente controlados. Como apresenta um programa diário, Ana achou melhor tirar apenas setenta dias de licença-maternidade. Com 2500 produtos associados a ela à venda no mercado, também perdeu em cinco meses os 30 quilos ganhos na gravidez. E, como tem um corpo feito para a fotografia e uma cabeça voltada para os negócios, já existe a possibilidade de fazer publicidade ao lado do filhinho no ano que vem. Essa linda foto é a primeira de Ana com o corpo exposto pós-gravidez, mas ela, claro, não está satisfeita. "Cortei pão, bolo e churrasco, o que, para uma gaúcha, é um pesadelo", diz Ana. "Mas meu abdômen ainda está inchado." Quem enxergar o inchaço ganhará pão, bolo e churrasco. O ÚLTIMO ROUND Em 61 anos de vida, o irlandês FRANK MALONEY iniciou estudos para ser padre ("desiludido", desistiu), casou-se duas vezes, teve três filhas e fez carreira como bem-sucedido empresário de boxe (cinco de seus lutadores ganharam títulos mundiais). Aposentado, sumiu de cena por algum tempo e reapareceu de vestido, salto alto, cabelos loiros e cachorrinhos. "Sempre soube que nasci no corpo errado. Continuar carregando essa carga teria me matado", contou num programa de televisão em que se apresentou com o novo nome, KELLIE. Os ternos estapafúrdios, as poses duronas e até a distância que manteve de bairros onde havia "muitos gays" quando tentou carreira política eram encenação. Desde os 27 anos frequentava reuniões de transexuais que, secretamente, usam roupas e pintura de mulher. Seus ex-lutadores reagiram como perfeitos cavalheiros, todos apoiando a decisão de Maloney ser quem acha que é. 6#2 ESPECIAL – UM BRASILEIRO NO TOPO DO MUNDO O carioca Artur Ávila conquistou, aos 35 anos, o prêmio máximo da matemática por sua produção portentosa e constante de soluções para enigmas que há décadas desafiam seus pares. MONICA WEINBERG, DE PARIS “A matemática possui não apenas verdade, mas também suprema beleza — uma beleza fria e austera, como a da escultura." Para quem apanhou da matéria na escola, a definição do filósofo e matemático inglês Bertrand Russell (1872-1970) é uma afronta. Afinal, no mesmo instante em que esta reportagem está sendo lida, crianças e jovens em todas as partes do mundo estão repetindo em dezenas de idiomas: "Eu detesto matemática!". Isso não a torna menos verdadeira, austera e bela. A matemática é a linguagem que a natureza usa para expressar seus segredos aos seres humanos e, assim, se deixar dominar por nosso intelecto. Embora alguns símios demonstrem habilidades básicas com números, reconhecendo conceitos como muito e pouco, o pensamento matemático é tão e somente humano quanto a linguagem e, quem diria, o comércio. Nenhuma outra espécie descobriu o potencial de criação de riqueza das trocas vantajosas para os dois lados. Sem a capacidade matemática, não teria havido civilização. Os grandes gênios que semearam o terreno dos números para a evolução do conhecimento sempre buscaram harmonia e beleza ao se mover na direção da verdade, a grande recompensa. No começo, eram cientistas no sentido universal do termo, mas, à medida que a disciplina foi ganhando complexidade, o desbravamento ficou a cargo de especialistas — ou ultraespecialistas. É a esse grupo seleto que pertence Artur Ávila, 35 anos, o primeiro brasileiro a gravar seu nome entre os pesos-pesados da matemática deste século como ganhador da honraria máxima, a Medalha Fields, prêmio que ombreia em prestígio com o Nobel. Nenhum brasileiro voou tão alto no mundo acadêmico. O jovem carioca do Leblon ingressou em um panteão no qual só entra quem dá nova estatura à ciência germinada pelos egípcios, cultivada pelos gregos e elevada às alturas pelos homens pós-Renascença. Apenas aqueles cujos trabalhos lançam verdadeira e duradoura luz sobre enigmas resistentes da matemática e têm potencial para produzir mais podem sonhar em ser lembrados para receber a Medalha Fields. O brasileiro Ávila é desses poucos e felizes 56 agraciados — aí computados os que, como ele, receberam a distinção durante o Congresso Internacional de Matemáticos, na Coreia do Sul. Mais do que virtuoses em seus campos, eles são autores de descobertas que reverberaram de forma poderosa na comunidade científica pela originalidade e pelo poder de abrir novas portas para o saber. Quando tomou conhecimento, há dois meses, de que seria agraciado com a medalha, Ávila conjecturou em sua lógica peculiar: "Ótimo. Pronto. Esse problema acabou". "Artur Ávila foi escolhido pelo conjunto da obra, um sinal de maturidade e vigor criativo", explicou a VEJA o matemático francês Étienne Ghys, 59 anos, integrante da comissão que elegeu os atuais medalhistas. O número de publicações com seu nome nas principais revistas especializadas é três a quatro vezes maior do que as assinadas por geniozinhos da mesma idade: são 56 trabalhos feitos em colaboração com estudiosos de todo o mundo. Dali se extrai a maturidade. Artur "atacou" e "destroçou" (esse é o jargão) problemas que prendiam a comunidade acadêmica em labirintos teóricos fazia décadas. Diz ele: "Na matemática, você está perdido quase o tempo todo, sem nenhuma garantia de que vai sair do escuro, por mais força que coloque em cima de um problema". Nesse mundo de esforços sem garantias de sucesso, Ávila foi escolher como sua especialidade justamente uma das áreas mais complexas. Seu nicho é conhecido pelos matemáticos como sistemas dinâmicos. Simplificadamente, é o campo que tenta encontrar ordem no caos ou descobrir padrões em certos fenômenos que, à primeira vista, parecem completamente aleatórios. Albert Einstein, talvez o maior gênio científico de todos os tempos, intuitivamente rejeitava a incerteza — e com sua famosa expressão "Deus não joga dados com o universo" quis dizer que o desmonte teórico de um sistema inevitavelmente abriria caminho para outro tipo de ordenamento. Einstein bagunçou a sinfonia celestial de sir Isaac Newton e o balé perfeito dos astros em suas órbitas. Einstein encheu o céu de galáxias instáveis, estrelas explosivas, buracos negros devoradores de matéria. Um caos. Mas um caos obediente a uma regra fundamental, única, imutável: nada pode superar a velocidade da luz. Essa constante harmoniza o universo de Einstein e o torna tão previsível que até Newton se daria por satisfeito. Mas onde estaria o equivalente da velocidade em outros sistemas nos quais certamente existem ordem e regras, mas elas estão escondidas? Bem, elas estão em desvãos que só a matemática consegue iluminar. É nesses desvãos que o brasileiro Artur Ávila tenta ver ordem no caos, o que ilumina mas, para desespero de nosso cérebro limitado, não acaba com todos os enigmas, a exasperação que, de novo, Einstein formulou com perfeição: "A coisa mais incompreensível do universo é justamente o fato de ele poder ser compreendido". O mais incompreensível no caos é justamente o fato de ele poder ser compreendido. É a isso que se dedica o brasileiro premiado com a Medalha Fields na semana passada. Deve-se ao meteorologista americano Edward Lorenz (1917-2008) a primeira reflexão sistemática sobre, afinal, o que rege o caos. Lorenz concluiu que, mesmo de posse de todas as informações — temperatura, pressão, chuva, sol —, era impossível cravar a previsão do tempo com dias de antecedência. Isso porque uma imperceptível alteração no ponto de partida — o vento provocado pelo singelo bater de asas de uma borboleta, comparou ele famosamente — poderia alterar tudo, tudo mesmo. Daí a questão: "O bater de asas de uma borboleta no Brasil pode causar um tornado no Texas?" O lugar onde a borboleta bate as asas e o efeito causado mudam ao gosto do freguês, mas a indagação central de Lorenz permanece: como, por que e em sistemas de que tipo eventos aparentemente insignificantes podem dar origem a fenômenos avassaladores aparentemente desconexos em pontos remotos? A melhor aposta em uma resposta está em Ávila e seus colaboradores. "A matemática é um ser vivo alimentado de lógica, fruto da mente humana, e Artur se nutre o tempo todo dele", resume César Camacho, diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), onde o jovem fez o doutorado (veja na pág. 105). As questões que o rondam, portanto, repousam nesse mundo de abstração e são de uma complexidade tal que muito matemático se perde. "Às vezes, nem mesmo meus coautores entendem o que escrevo", reconhece ele, que não se incomoda em ser pouco compreendido. Fiel ao lema "Quanto mais complicado, mais interessante", Ávila resolveu estudar a evolução do movimento de uma bola em um bilhar pentagonal — no jargão, um "brinquedo" matemático. Por que pentagonal? Simples: no quadrado ou no hexágono tudo é muito previsível. A ideia desses "brinquedos" não é tornar o jogo de salão (que Ávila, por sinal, não pratica) mais atraente, mas extrair deles leis que possam reger tanto bolas de bilhar quanto partículas subatômicas interagindo com campos magnéticos em uma dimensão quântica. "Grandes matemáticos impactaram de forma decisiva diversas áreas do conhecimento sem nunca ter ambicionado nem sabido disso", lembra Jairo da Silva, doutor em lógica e epistemologia. O alemão Johannes Kepler (1571-1630) usou os princípios divisados 2000 anos antes pelos gregos para descrever a órbita elíptica dos planetas. Wernher von Braun e os engenheiros do Projeto Apollo utilizaram tão somente os cálculos de Kepler para colocar o primeiro homem na Lua, em 1969. É uma cadeia de transmissão de verdades reveladas pela matemática graças à "beleza fria e austera" que Bertrand Russell viu nela. A trajetória de Ávila combina um talento anunciado cedo, a exposição a um ambiente que o puxou para a fronteira de sua área e o pragmatismo para fazer escolhas na carreira. Na escola ou no Impa, Ávila era daqueles alunos que pareciam ter pouca expressão, mas, quando abria a boca, mostrava que estava dois, três anos à frente dos colegas e levantava questões que emudeciam os professores. Quando descobriu as olimpíadas de matemática, praticamente deu adeus à escola. Aos 16 anos, no Impa e já fazendo mestrado, esqueceu as olimpíadas. "Fez" (entre aspas mesmo) a faculdade de matemática, na Universidade Federal do Rio, junto com o doutorado. Aos 21 anos, Ávila já tinha concluído o Ph.D. e ainda estava pendurado em álgebra linear "básica" porque perdera o exame. Vingou-se solucionando um problema no qual o professor trabalhava fazia uma década. Moral da história para Ávila? "Nunca subestime um aluno." Filho de funcionários públicos, ele escolhe onde e como quer trabalhar. Há treze anos, reveza-se entre o Rio, onde segue baseado no Impa, e Paris, onde aprendeu a apreciar foie gras e tornou-se diretor de pesquisas no Centro Nacional de Pesquisa Científica, uma espécie de CNPq. O cargo é pomposo, mas, tirando um ou outro formulário que precisa preencher, Ávila se recusa a deixar que as aparências de ordem, sejam burocráticas, sejam acadêmicas, perturbem seu caos criativo. Oficialmente ele divide uma sala na Universidade Paris VI com um colega que ele nunca viu. No Rio, faz da praia o "escritório". Conta que um amigo dos tempos do Colégio São Bento, onde passou quase toda a fase escolar, achava que sua vida era tão mansa que decidiu entrar para a faculdade de matemática. "Claro que não funcionou", lembra Ávila. Fazer política não é com ele. Diz um ex-colega do Impa, Jairo Bochi, 39 anos: "O Artur não assiste a palestras só por educação e não perde tempo com quem não lhe interessa". Sua casa em Paris fica estrategicamente localizada a poucos minutos a pé de alguns dos melhores centros da matemática do mundo: na Rua D'Ulm, próxima ao Panteão, enfileiram-se a École Normale Supérieure, o Collège de France e o Instituto Poincaré. O espremido apartamento parisiense é um caos à procura de ordem: roupas no sofá, no chão, na mesa, documentos espalhados e caixas vazias de leite. Nenhum livro à vista. O último que leu foi O Retrato de Dorian Cray, de Oscar Wilde, em 2009. "Perdi esse hábito, prefiro conversar", diz. A escolha do terno, a barba e o corte de cabelo para ser apresentado ao mundo na cerimónia da premiação em Seul se transformaram em odisseia. De frente para o Museu do Louvre, no qual nunca botou os pé nesses anos todos de Paris, ele conclui: "Só a matemática me interessa". O OURO MAIS COBIÇADO Concedida pela primeira vez em 1936, a Medalha Fields é sempre acompanhada da comparação "o Nobel da matemática", e foi criada para ser isso mesmo. A iniciativa partiu do matemático canadense John Charles Fields, que desenhou a medalha com o perfil de Arquimedes, o grego do século III a.C. considerado o maior matemático de todos os tempos, Fields pretendeu reparar a falha do sueco Alfred Nobel, que excluiu de seu legado prêmios para a matemática e para a biologia, que via apenas como meras ferramentas da física e da medicina, respectivamente. John Charles Fields deixou estabelecido por escrito que o prêmio com seu nome deveria ser dado não como o reconhecimento por contribuições legadas à humanidade, mas como incentivo a matemáticos que poderiam fazer ainda mais do que já haviam logrado. Os administradores do testamento de Fields interpretaram seu desejo limitando o número de ganhadores a quatro e a idade máxima do agraciado a 40 anos. A cobiçada Medalha Fields e uma quantia em dinheiro fixada em 13.700 dólares são entregues a cada quatro anos. Por sua tradição, o Congresso Internacional de Matemáticos (ICM) é o evento escolhido para o anúncio dos ganhadores das medalhas Fields. Não existe ocasião mais solene para um matemático. O principal palestrante do segundo ICM, em 1900, foi o alemão David Hilbert, e o presidente do terceiro, em 1904, foi o francês Henri Poincaré, dois dos maiores matemáticos modernos. No mesmo congresso são anunciados os ganhadores de quatro outros prêmios. Um deles é a Medalha Chern, acompanhada de 250.000 dólares - que se espera que sejam doados a uma instituição de caridade. A exceção é o Prêmio Abel, instituído em 2003 pela Noruega, que destina ao vencedor um cheque de 1 milhão de dólares e é entregue em Oslo. O Congresso Internacional de Matemáticos deste ano, realizado em Seul, será lembrado por nós, brasileiros, pela distinção ao carioca Artur Ávila, e por todo o mundo, pela premiação da iraniana Maryam Mirzakhani, 37 anos, nascida e criada em Teerã e professora de Stanford - a primeira mulher a triunfar espetacularmente em uma área dominada por homens. Os outros dois premiados foram o austríaco Martin Hairer e o canadense de origem indiana Manjul Bhargava. A matemática brasileira foi reconhecida também pelo anúncio de que o ICM de 2018 será realizado no Rio de Janeiro. Diz Marcelo Viana, pesquisador do Impa e coordenador do ICM no Brasil: "É um inequívoco indicador de nossa maturidade". SER FELIZ É UMA QUESTÃO DE CÁLCULO Forma suprema do pensamento abstrato, que, por sua vez, é a manifestação suprema do intelecto humano, a matemática deveria ser a maneira mais eficiente de transmitir emoções. Mas não é. Embora os professores de matemática, às vezes, façam seus alunos chorar, ninguém se comove com uma equação ou se alegra com um algoritmo. Mas essa fronteira pode estar começando a cair. Um grupo de neurocientistas do University College de Londres acredita ter encontrado o que seria a fórmula matemática da felicidade. Usando scanners cerebrais, os pesquisadores mediram a reação de um grupo de pessoas diante de prêmios e recompensas obtidos em um joguinho simples de computador. Munido dos dados sobre em que momento da atividade elas mais registravam satisfação, aliados a outras variáveis, um programa comparou expectativas e resultados e chegou à fórmula. Ela foi em seguida aplicada a milhares de voluntários que baixaram em seu celular o joguinho, agora trazendo embutido um dispositivo para avaliar periodicamente seu grau de satisfação. Na maioria dos casos, a fórmula aceitou quais jogadores sairiam "felizes" ou "infelizes" do jogo. Nada muito sério ou ambicioso, o experimento londrino, no entanto, parece ser capaz de descrever matematicamente a sensação de felicidade de curta duração. A equação da felicidade do University College, em essência, define a satisfação em termos da comparação matemática entre a expectativa da pessoa sobre algo e o que ela efetivamente obtém. Sempre que a expectativa é superada, a pessoa sente algo parecido com o que chamamos de felicidade. A equação da felicidade feita pelos neurocientistas de Londres já está sendo aprimorada. A nova equação vai levar em conta a, talvez, mais preponderante variável de satisfação ou frustração do ser humano: o outro. Os pesquisadores esperam aprender a calcular o peso, na equação da felicidade, da comparação que cada um faz de suas próprias conquistas em relação às dos amigos, parentes e vizinhos. Nem é preciso esperar o resultado. O peso vai ser muito grande. CIÊNCIA SOBERANA Filósofos de todos os tempos celebram a importância da matemática como base e motor do conhecimento. ALBERT EINSTEIN Físico alemão (1879-1955) "Quando as proposições da matemática correspondem à realidade, elas não são certezas; e, quando são certezas, elas não correspondem à realidade.” STENDHAL Escritor francês (1783-1842) “A matemática não tem espaço para hipocrisia e imprecisão." ISAAC NEWTON Físico e matemático inglês (1642-1727) "A verdade só pode ser achada na simplicidade, nunca na multiplicidade e na confusão. SÓCRATES Filósofo grego (século V a.C.) “É necessário entender a matemática para alcançar uma real compreensão da ética.” EUCLIDES Matemático grego (século III a.C.) “As leis da natureza não passam de raciocínios matemáticos de Deus." HENRI POINCARÉ Matemático francês (1854-1912) "Criar consiste precisamente em não elaborar combinações inúteis e só examinar as que são úteis. A invenção é um discernimento, uma escolha." VENDO O INVISÍVEL As barras azuis acima parecem não ter significado. O olhar matemático, porém, distingue nelas a representação gráfica do Conjunto de Cantor. Proposto pelo alemão Georg Cantor no século XIX, esse conjunto é fechado, infinito não numerável, fractal e tem medida nula. Entendeu? Não. Então bem-vindo ao grupo formado por 99,999% da humanidade. Artur Ávila faz parte de uma minoria do restante 0,001% de pessoas que não apenas sabem que Cantor formulou uma pedra fundamental da matemática, mas que são capazes de aplicar esse conhecimento a outros campos da ciência. No caso de Ávila, foi a física quântica, em especial a teoria segundo a qual, na interação com um campo magnético, um elétron adquire diferentes estágios de energia, formando um espectro ou leque que, por Deus não jogar dados com a natureza, deveria ter uma sequência não aleatória. Os físicos quânticos, coitados, não podem, por definição, medir diretamente os fenômenos sem arruinar todo o processo. Eles então teorizaram que o leque de energia do elétron deveria ser um Conjunto de Cantor. Ávila deu a eles a certeza matemática de que é isso mesmo e, assim, fez o invisível se tornar visível. COM REPORTAGEM DE CECÍLIA RITTO E CINTIA THOMAZ 6#3 AQUI SE FORMOU O “NOBEL” BRASILEIRO No Impa, a competição é de peito aberto com o mundo e a meritocracia é exercida sem rodeios: um modelo que salvaria a universidade brasileira da mediocridade. A conquista de Artur Ávila, o brasileiro que ganhou a prestigiada Medalha Fields, é uma conquista também da instituição que o formou, o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), um centro de excelência instalado no bairro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. "Meu prêmio leva as pessoas a considerar a existência da matemática e enfatiza o papel do Impa como um lugar que não deixa nada a dever aos melhores do mundo", avalia Ávila. Criado em 1952, o instituto é sustentado por verbas públicas e doações privadas (uma delas, a do economista Armínio Fraga, financia justamente o trabalho que o jovem laureado desenvolve lá). O Impa teve um início modesto — o que, de certa forma, foi um lance de sorte: parco em recursos, livrou-se de se transformar em mais um cabide de empregos na esfera dos serviços públicos. Pôs-se então a formar mentes brilhantes que invariavelmente tomavam o rumo dos Estados Unidos e da Europa para o doutorado. Quando os investimentos em ciência começaram a ganhar volume no Brasil, muitos desses ex-alunos se interessaram em prosseguir suas pesquisas no instituto, e a história virou. Choveram estudantes e pesquisadores de dentro e de fora do país, os auditórios entraram no circuito de palestras dos grandes mestres, as publicações se multiplicaram, e o Impa se tornou o que é hoje: um disseminador de conhecimento de alto nível. Longe das amarras da burocracia pública, o instituto dispensa o pré-requisito do diploma para gente talentosa que quer pesquisar lá — basta que prove sua capacidade. O próprio Ávila estreou ali aos 16 anos, egresso das olimpíadas de matemática que o Impa organiza, seu grande celeiro de talentos. "Nossa palavra de ordem é meritocracia", afirma o diretor-geral, o peruano César Camacho. Em vez de estabilidade, estimula-se a renovação constante. Depois de vencer a acirrada disputa por uma vaga, aberta a qualquer nacionalidade, o pesquisador é contratado por um período de quatro anos, quando, então, será reavaliado. Dos cinquenta que formam o atual quadro, dezenove vêm de outros países. Nos corredores, a variedade de sotaques testemunha a universalidade da instituição. Dois ganhadores da Medalha Fields trabalharam no Impa: o francês Jean-Christophe Yoccoz e o americano Stephen Smale. "Nos anos 60, já era a melhor instituição de matemática fora de países desenvolvidos", disse Smale a VEJA. Com 153 alunos de mestrado e doutorado, o instituto planeja ampliar suas instalações para abarcar mais talentos e áreas. Uma de suas especialidades hoje é exatamente a pesquisa em sistemas dinâmicos, o campo de Ávila. "O Impa é a prova de que é possível realizar projetos bem-sucedidos no Brasil", diz o economista e ex-aluno José Alexandre Scheinkman, hoje na Universidade de Columbia. A fórmula está pronta. Replicá-la faria um imenso bem ao Brasil. M.W 6#4 ARTIGO – J.R. GUZZO – O BONDE DO PLANALTO Pouco a pouco, os brasileiros começam a se perguntar o que valeria mais a pena para o país, e sobretudo para eles próprios, nas eleições de outubro próximo: manter Dilma Rousseff na Presidência da República, em sociedade com o ex-presidente Lula e o PT, ou enviar para lá um candidato contrário às figuras que mandam no Brasil há doze anos, e querem continuar mandando? Cada um chegará às suas conclusões até a hora de votar, e aí seja o que Deus quiser. Mas, além das questões sobre crescimento da economia, atendimento nos hospitais públicos, Bolsa Família e mais um mundo de temas que vão da construção de aeroportos no interior de Minas Gerais à compra de refinarias de petróleo no Texas, seria muito saudável que a campanha eleitoral colocasse em cima da mesa de discussões, sem medo, a seguinte pergunta: o que vai acontecer com as liberdades públicas e individuais depois de anunciado oficialmente o lado que ganhou? Num país onde os adversários políticos estão de acordo sobre o que é democracia e o que é tirania, não é preciso fazer indagações desse tipo — ganhe quem ganhar, está combinado que ninguém mexe nos direitos e deveres de ninguém. O problema, em nossa vida real, é que o Brasil não é um país assim. Como vai ficando cada vez mais claro na atual disputa pela Presidência, um dos lados não quer jogar segundo o que está escrito no regulamento democrático. Mais ainda, anuncia publicamente que quer para o Brasil um futuro em que as garantias de liberdade em vigor no presente não estarão valendo mais; pelo que o governo propõe, seriam substituídas por um angu de normas que ele próprio pretende ir tirando da gaveta à medida que achar necessário. Esse lado, para não ficar perdendo tempo com conversa fiada, velhaca e hipócrita, é o lado de Lula, de Dilma e do PT. O que adianta esconder-se por trás de uma imparcialidade meia-boca, fingindo que estamos diante de uma disputa leal entre duas partes? Não adianta nada, quando a cada dia fica demonstrado que o governo não respeita as ideias do adversário, propõe um regime que não combina com a Constituição vigente e, em vez de responder às críticas com argumentos lógicos, prefere ameaçar, insultar e agredir quem critica. Nenhuma dessas observações vem da imaginação, ou da vontade de falar mal do governo. Vem diretamente do que estão fazendo, dia após dia, a própria candidata oficial e o seu padroeiro número 1. O que se pode dizer, entre tantas outras coisas esquisitas, desse "decreto 8243" que Dilma enviou há pouco ao Congresso, onde sonha usar sua maioria de 70% dos votos para trocar o baralho do jogo? Se não tivesse aparecido no Diário Oficial, com todos os carimbos do Palácio do Planalto, o texto seria uma piada. No português de terceira categoria que os redatores do governo costumam utilizar, constipado, metido a besta e cheio de palavras que não querem dizer nada e podem servir para tudo, o decreto inventa para o Brasil um regime desconhecido pelo resto do mundo. Pelo que escreveram ali, o poder público, na prática, não seria mais exercido em conjunto pelo Executivo, Legislativo e Judiciário; também não estaria subordinado ao voto livre e universal de todos os cidadãos e aos demais controles democráticos que se conhecem. Quem vai decidir as coisas é um ente sobrenatural que se apresenta em estado gasoso e se coloca acima do Congresso Nacional e da Justiça brasileira: a "PNPS", ou "Política Nacional de Participação Social". Em matéria de pescaria em água turva, é o que há. O papel enviado por Dilma ao Congresso, para encurtar a conversa, nos informa que fica criada no Brasil a sociedade brasileira. "Para os fins deste decreto", como se diz logo no começo, a sociedade deste país é formada pelos "movimentos sociais", tenham ou não tenham existência legal, e por uma nebulosa de "coletivos", "organizações", "redes" etc.; caberá a esses "movimentos" formar "conselhos" que na prática vão tomar decisões de obediência obrigatória para todo mundo, seguindo "as orientações da Secretaria-Geral da Presidência da República", citada dez vezes ao longo do decreto. É isto, em suma, o que Dilma realmente propõe: abrir espaços para que o Brasil se submeta a regras criadas fora do Legislativo e do Judiciário. Segue-se uma alucinação burocrática falando de entidades exóticas como o Sistema Nacional de Participação Social, o Comitê Governamental de Participação Social, a Mesa de Monitoramento das Demandas Sociais, Conselhos, Comissões e Conferências Sociais, Fórum Interconselhos, Mesas de Diálogo — enfim, um sanatório geral que faz cessar tudo o que a antiga musa canta em termos de empulhação. Não há nada que preste nos 22 artigos do decreto. No que é ruim é ruim; no que não é ruim é inútil. O secretário-geral da Presidência, ministro Gilberto Carvalho, tem dito que o governo não está fazendo nada de mais: tudo o que diz o texto presidencial já existe. Mas, se é mesmo assim, por que raios querem aprovar no Congresso uma aberração dessas? Também não se entende por que o ministro insiste na urgência da aprovação e diz que os senadores e deputados terão de enfrentar "as consequências" de uma rejeição do decreto — algo que, salvo engano, parece muito com uma ameaça. Murmura-se em volta do governo que nada disso é para valer; seria apenas falatório de campanha, como as obras do PAC e outras miragens, para acalmar os petistas mais bravos. Seja como for, o recado que Lula, Dilma e PT estão passando é o seguinte: nós gostamos dos "movimentos sociais" e queremos que eles venham governar junto com a gente. Esses grupos são os que existem aí — invasores de terras, invasores de imóveis, delinquentes que querem manifestar sua opinião jogando bombas na rua, destruindo propriedade pública e privada e cometendo crimes que chegam ao homicídio, como o que praticaram meses atrás contra um cinegrafista de televisão. Todos esses, e dezenas de outros, têm em comum a convicção de que podem agir acima da lei, porque não gostam da lei "que está aí". Totalitarismo, pelo que se sabe, é isso. Seria o que a campanha eleitoral do governo propõe? "Sininho" no ministério Dilma-2015? Fica complicado acreditar, diante da pregação agressiva do Pró-Dilma, que as forças dedicadas a mantê-la na Presidência da República tenham um compromisso sincero com as liberdades no Brasil. Lula propõe uma "reforma política" que tira dos eleitores o direito de escolher seus parlamentares — só poderiam votar nos partidos, e os donos dos partidos ficariam com o direito de nomear os eleitos. O PT, em nota oficial, apoia os "ativistas" que estão sendo investigados pela prática de crimes previstos no Código Penal, em inquéritos que o Ministério Público e a polícia conduzem perfeitamente dentro da lei — acha que os acusados são réus "políticos", e que a autoridade pública não deve mais incomodá-los. O governo não deixa praticamente nenhum espaço para a manifestação de críticas ou de mera discordância; como não tem poder para proibir que as pessoas falem, acusa de sabotagem, traição ao Brasil etc. qualquer adversário que abra a boca. A conduta de Dilma e das forças que lhe dão apoio está construindo no país um ambiente de intolerância em estágio avançado. Dizer que a economia vai crescer 1% em 2014 e que a inflação está acima da meta, por exemplo, é agir contra o Brasil — embora o Banco Central diga exatamente as mesmas coisas. Temos também essa prodigiosa história da analista do banco Santander acusada de crime de lesapátria por ter opinado que a economia vai melhorar se Dilma perder, e piorar se ela ganhar. E daí? Opinião dela, que já foi dada por um monte de gente. A reação do governo foi uma exibição pública de histeria. Dilma disse que se tratava de uma "interferência inadmissível", uma agressão à soberania nacional e um insulto à "sétima economia do mundo" — economia bem iraquiana essa aí, que se abala com a previsão de uma pobre consultora de banco. O Santander, numa espetacular demonstração de coragem, colocou a moça na rua. Dilma continua de cara feia. Seu governo não hesita em fraudar as investigações sobre corrupção na Petrobras e usar a máquina pública em proveito da candidatura oficial. Esse é o bonde do Planalto. Pelo cheiro da brilhantina, não vai parar até a eleição. _______________________________ 7# ARTES E ESPETÁCULOS 20.8.14 7#1 TELEVISÃO – O TEMPO É O SENHOR DA FICÇÃO 7#2 TELEVISÃO – SANGUE, SUOR E LÁGRIMAS 7#3 CINEMA – HORA DO LANCHE 7#4 CINEMA – NO PRINCÍPIO ERA O COOL 7#5 MEMÓRIA – OLHAR MATADOR 7#6 MEMÓRIA – RIR OU NÃO RIR, EIS A QUESTÃO 7#7 LIVROS – UMA TRAGÉDIA ANUNCIADA 7#8 VEJA RECOMENDA 7#9 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 7#10 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – O CÉU É O LIMITE 7#1 TELEVISÃO – O TEMPO É O SENHOR DA FICÇÃO Aos 51 anos, a série inglesa Doctor Who se reinventa com um novo protagonista. A chave da longevidade: dar a bons roteiristas liberdade total para flertar com o absurdo. MARCELO MARTHE Como o tempo voa. Mesmo. O escocês Peter Capaldi tinha 5 anos quando estreou na rede BBC uma série de ficção científica concebida para atrair marmanjos e crianças no horário de transição entre os jogos de futebol e os dramas da TV britânica dos anos 60. O personagem-título de Doctor Who era um viajante do tempo com a missão de proteger a Terra contra monstros de outras eras e galáxias. A imagem mais marcante que Capaldi guardou foi a dos maiores inimigos do personagem: os Daleks, robôs extraterrestres que tinham um jeitão de eletrodoméstico retrô-futurista e uma voz que emulava o grasnado de um pato rouco. "Minhas memórias são fugidias. Mas me lembro como se fosse hoje de um episódio clássico com os Daleks", diz ele. Meio século depois, Capaldi é agora um homem grisalho, macérrimo como um cão da raça whippet. Os Daleks, quem diria, continuam os mesmos. Aos 56 anos, o ator enfim terá a chance de enfrentar os monstros que povoavam sua infância. Ele assumirá o posto de 12º intérprete do personagem na nova temporada do programa, que terá estreia mundial no sábado 23 — na TV brasileira, pelo canal BBC HD. Doctor Who é a série de ficção científica mais antiga da televisão. Ainda que sua produção regular tenha sido interrompida por dezesseis anos, a partir de 1989, eis aí um cinquentão sacudido. Depois de ser ressuscitado, em 2005, o programa que consistia em uma curiosidade arqueológica tomou um banho de modernidade capaz de convertê-lo em fenômeno planetário. Prova disso é a turnê que marca o lançamento da nova temporada. A caravana de atores e produtores já viajou da Coreia do Sul aos Estados Unidos. Nesta semana, deverá chegar ao Rio de Janeiro. No Brasil, como em tantos lugares mundo afora, eventos relacionados a Doctor Who reúnem multidões de adolescentes, na companhia cúmplice de pais que um dia cultuaram suas antigas versões. Capaldi é, obviamente, a estrela maior da turnê. "Sempre fui fã da série. Mas juro que nunca, nem nos maiores devaneios, imaginei que um dia seria escolhido para o papel", disse o ator a VEJA, por telefone, enquanto embarcava em um aeroporto australiano para mais uma etapa da romaria internacional (leia trechos da entrevista na pág. 115). O próprio Capaldi admite não saber qual a razão misteriosa da longevidade de Doctor Who. Mas é lícito supor que essa capacidade de resistir ao tempo passa por uma sacada dos primeiros roteiristas diante de uma contingência. Três anos após seu lançamento, o programa teve seu sucesso ameaçado pela saúde claudicante do primeiro protagonista, William Hartnell. Para substituí-lo sem melindrar o público, criou-se a pedra fundamental da riquíssima — e ponha-se riquíssima nisso — mitologia da série: o herói, pertencente a uma raça alienígena, teria o poder de se regenerar e assumir uma identidade diferente ao final de cada ciclo de vida. O que torna o programa tão versátil, aliás, são as inesgotáveis deixas para licenças poéticas proporcionadas por um formato que alia à ficção científica um bocado de humor e nonsense britânicos. Em um contexto no qual o absurdo e a esquisitice são a regra, causa mais deleite do que incredulidade ver um Doutor jovem como o ator Matt Smith ser trocado por um veterano como Capaldi. É um charme, não inverossimilhança grotesca, que inimigos com aparência robótica como os Cybermen sejam, na verdade, humanoides. Ou que a Tardis, a nave abarrotada com os equipamentos que permitem as viagens no tempo, caiba milagrosamente dentro de uma cabine da polícia inglesa dos anos 60. Por sinal, o conceito de viagem no tempo desde o início liberou os roteiristas para voos de imaginação inacreditáveis: eles já foram da Idade da Pedra ao limiar do fim do mundo, que seria daqui a 5 bilhões de anos. Como notou a revista americana Entertainment Weekly, Doctor Who se encaixa em plenitude na definição de um fenômeno cultural à moda inglesa: assim como a família real, a torta de rins ou o roqueiro Keith Richards, é coisa antiquíssima — e muito excêntrica. Mas, para além da possibilidade de eterna reinvenção fornecida por sua fórmula, o trunfo da série é que há vida inteligente, e até um lado sensível, em Doctor Who. A mística de Londres se reafirma toda vez que a nave do Doutor surge sobrevoando o Tamisa ou algum símbolo da cidade é envolvido nas suas missões. Na origem, Doctor Who carregava também um componente político. Não, não era uma alegoria da Guerra Fria, como muito se viu na ficção científica americana dos anos 50 e 60. O autoritarismo de vilões como os Daleks refletia mais o pesadelo do fascismo, ameaça que a Inglaterra contribuiu de forma decisiva para varrer do mapa na II Guerra, a um custo altíssimo. Em alguma medida, a série lembra ainda obras como Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll (1832-1898): a trama que mescla nonsense e ação desvenda algo de substancial sobre a condição humana (ou sobre como os ingleses a concebem). Veja-se o absurdo da existência e a solidão que aflige o Doutor e suas assistentes (entre os quais, às vezes, se sugere alguma tensão amorosa). Doctor Who teve roteiristas da qualidade de Douglas Adams, da saga Mochileiro das Galáxias, e Neil Gaiman, da série de quadrinhos Sandman. Sua densidade cresceu muito na atual encarnação, com Matt Smith no papel central e sob o comando de Steven Moffat, o mais brilhante produtor da TV inglesa, da excelente Sherlock. Peter Capaldi terá de levar essa tocha adiante — e provar que panela velha é que faz ficção científica boa. UNIVERSO MUITO ESTRANHO A mitologia um tanto imaginativa da série inglesa de ficção científica Doctor Who O DOUTOR Apesar da aparência humana, o Doutor faz parte de uma poderosa raça alienígena, os Senhores do Tempo. Vez por outra, o herói - cuja idade poderia chegar a mais de 2000 anos - sofre um processo de regeneração que altera por completo sua aparência física, expediente providencial que permitiu que ele fosse vivido por doze atores até hoje, de William Hartnell, nos anos 60, ao atual, Peter Capaldi As COMPANHIAS DE VIAGEM O Doutor extraterrestre tem uma queda por seres humanos, notadamente do sexo feminino. Enquanto vaga pela Terra dos séculos XX e XXI, ele nutre certa paixão platônica por bonitinhas como a assistente Clara (Jenna Coleman). Mas a função dessas personagens não é romântica: elas servem para lhe conferir humanidade A NAVE Seu nome, Tardis, significa "Tempo e Dimensão Relativa no Espaço". Ou seja, é um misto de veículo espacial e máquina do tempo. Mas não só: a Tardis é uma entidade viva capaz de sentir emoções e até cometer loucuras caso o dono desapareça. Seu disfarce improvável - uma típica cabine azul usada pela polícia londrina nos anos 60 - é uma das marcas do futurismo-retrô da série Os CYBERMEN São humanoides de dimensões ampliadas graças ao auxílio da cibernética. Conforme o tempo e o lugar em que surgem, contudo, os vilões podem ser muito diferentes entre si: há linhagens de Cybermen de origem orgânica ou semissintética, por exemplo. Têm como traço em comum a falta de nome e individualidade, além do extremo desprezo pelas emoções humanas Os DALEKS Os maiores inimigos do Doutor são descendentes de uma raça de ETs presos a uma armadura metálica. De início, os bonecos meio ridículos irritaram o produtor Sydney Newman, que não queria fazer mais uma série de ficção científica povoada de robôs. Mas a audiência gostou tanto que os Daleks nunca mais saíram de cena "É UM SUCESSO INEXPLICÁVEL" O escocês Peter Capaldi, de 56 anos, é o 12º protagonista de Doctor Who, série que estreou em 1963. Ele falou a VEJA sobre a experiência de viver um tipo que marcou sua vida. Em que medida Doctor Who marcou sua juventude? Foi uma paixão que atravessou minha infância e adolescência. Eu escrevia cartas para os produtores e tinha autógrafos de todos os doutores. Era tão obcecado que certa vez a BBC me enviou um roteiro de verdade. Não diria que me tornei ator porque me achava bom a ponto de interpretar o Doutor. Mas de fato isso teve certa influência na escolha de minha profissão. Pena que, ao chegar aos 17 anos, me tornei cantor rebelde de uma banda punk e joguei fora toda a memorabilia da série. O senhor se iguala ao Doutor original, William Hartnell, como o ator mais velho a assumir o posto. É uma volta às origens do personagem? De fato, minha escolha recupera um pouco do espírito dos doutores antigos. Mas é um desafio substituir um jovem como Matt Smith, que foi tão brilhante. Costumo, aliás, trocar ideias com ele e seu antecessor, David Tennant, sobre o personagem. São tantos detalhes acumulados por décadas. O que explica a vida longa de Doctor Who? Eis um mistério que me intriga. É uma mistura tão estranha de ficção científica com aventura e fantasia, não? E tantos tentaram imitá-la, em vão. É um sucesso inexplicável. 7#2 TELEVISÃO – SANGUE, SUOR E LÁGRIMAS Na série The Knick, retraio cru da medicina no início do século XX, a transpiração dos cirurgiões de pouco serve para salvar os pacientes, que morriam feito moscas. MARCELO MARTHE Em um bordel de Nova York, no ano de 1900, o médico John Thackery (Clive Owen) olha fixamente para as pontas de seus sapatos brancos. Uma prostituta se aproxima para comunicar que é hora de ele ir para o trabalho. Com cara de ressaca, Thackery sobe em uma carruagem, saca uma seringa e procura alguma veia ainda não arruinada por picadas. Acaba injetando uma dose de cocaína em um dos pés, debaixo de seus solenes sapatos brancos. Ele já é outro homem, aceso e resoluto, quando adentra um anfiteatro lotado para estrelar seu show peculiar: a realização da cesariana em uma mulher que enfrenta certa complicação na gravidez. O que se vê a seguir na série americana The Knick — no ar desde a última sexta-feira, dia 15, no canal Max — é o frenesi angustiante de uma operação feita com frieza metódica, mas recursos precários. Uma geringonça movida a manivela recolhe o sangue que jorra da barriga da mulher e o derrama em vidros de aparência vintage. Para bombear ar para os pulmões do recém-nascido, a enfermeira pressiona um pedal que lembra o de uma velha máquina de costura. É a 12ª vez que a equipe faz esse procedimento, sempre com o mesmo resultado: a mãe e o bebê morrem. O exaurido cirurgião-chefe — de quem Thackery é braço-direito — justifica-se para a plateia: "Espero que o trabalho ao menos tenha sido instrutivo". The Knick é uma aula fascinante sobre a medicina. Com crueza naturalista, a série produzida e dirigida por Steven Soderbergh mostra quanto a atividade evoluiu em um século. Ao mesmo tempo, revela-se que não mudou nada sob vários aspectos. Horas depois da desastrada cesariana, o cirurgião-chefe se suicida. Novo comandante do pedaço, Thackery engata um discurso otimista no velório do colega. "Vivemos um tempo de possibilidades infinitas", diz ele. Nos cinco anos anteriores, a medicina tinha evoluído mais que nos últimos cinco séculos. Desenvolveram-se técnicas de anestesia. Os cuidados com a assepsia viraram rotina. Mas, como demonstra o tratamento dado aos tuberculosos e a um paciente com septicemia, era dura a vida sem antibióticos (que só seriam descobertos no fim dos anos 20 e difundidos a partir da II Guerra). Submeter-se então a uma cirurgia — qualquer cirurgia — era entrar em uma loteria difícil de ganhar. E perder, claro, significava ir para o caixão. Ao ver como funcionavam as coisas nos tempos de sua bisavó, o leitor se julgará sortudo por ter nascido muitas décadas depois. Mas, embora técnicas e equipamentos tenham evoluído, cirurgias são ainda procedimentos em que há sangue, certa dose de brutalidade e considerável risco. Com o título inspirado em uma instituição real de Nova York, The Knick ilustra ainda um problema que se desenrola não nas alas cirúrgicas, mas nos setores administrativos: os hospitais de ontem, como os de hoje, já lutavam contra o fantasma do colapso financeiro, em razão dos altos custos. A série mostra, por fim, como vem de longe o problema do vício entre os médicos. Algo como um Dr. House do neolítico da medicina. Thackery é um sujeito irascível, capaz de arroubos racistas contra o cirurgião negro que vem se juntar à sua equipe. Mas é, no fundo, um homem melancólico, emparedado entre a impotência diante da morte dos pacientes e a dependência de cocaína, então usada como anestésico, e de morfina — na qual médicos se viciam até hoje. A mão que cura é a mão que se fere. 7#3 CINEMA – HORA DO LANCHE Jon Favreau, diretor de dois Homem de Ferro, respira com o baratinho Chef Grande e bravo como um urso, Carl Casper (Jon Favreau) se descontrola de vez na noite em que um certo blogueiro de gastronomia (o inimitável Oliver Platt) visita pela segunda vez seu restaurante. Da primeira vez, Carl foi obrigado pelo dono do estabelecimento (Dustin Hoffman) a servir ao crítico seus "clássicos" de sempre: ovo com caviar, sopa de cebola. Apanhou feio no blog pela falta de imaginação, revidou pelo Twitter, criou uma formidável briga viral, chamou o crítico para a revanche — e acabou expulso da própria cozinha. Agora, enquanto o crítico olha o menu de sempre sendo servido à sua mesa e tuíta que Carl arregou, o próprio chega babando ao restaurante para atacar o crítico. A sommelière (Scarlett Johansson) tenta segurá-lo, mas não adianta: dezenas de celulares filmam a crise. Antes um chef estrelado, ele agora é um desempregado. A saída? Com a ajuda do primeiro marido (Robert Downey Jr.) da ex-mulher (Sofia Vergara) — é, é complicado mesmo —, cair na estrada, de Miami a Los Angeles, em um velho caminhão de lanches, na companhia do filho de 10 anos (o ótimo Emjay Anthony) e de um festivo ajudante de cozinha (John Leguizamo). No cardápio, queijo derretendo dentro de pão tostado com muita manteiga, pernil bem assado e desfiado, churrasco abafado durante toda a noite, mandioca frita. Um sonho. Em Chef (Estados Unidos, 2014), já em cartaz no país, é essa a verdadeira gastronomia: a que preenche, reconforta e une. Diretor dos dois primeiros Homem de Ferro, amigo de meio mundo, dialoguista inspirado e um ator frequentemente subestimado, mas com um dom para a exasperação, Jon Favreau volta a ser, com Chef, o cineasta independente que estourou com o pequeno Swingers em 1996. Tudo o que importa, aqui, está nos detalhes. Não só detalhes como o instante exato de tirar um sanduíche da chapa, que uma cena ilustra com apuro. Mas também minúcias como a intimidade amigável de Carl e sua ex-mulher, seu jeito brusco de tratar o filho e então fazer as pazes com comida, a camaradagem da cozinha, o efeito terapêutico de rodar de cidade em cidade sem hora para chegar. É óbvio que Carl, em sua peregrinação, vai reencontrar o gosto pela comida e pela vida. E é óbvio, também, o paralelo: chef de uma franquia bilionária em cuja receita os produtores não querem saber de muita inovação, é nesse food truck baratinho que Favreau é mais feliz. ISABELA BOSCOV 7#4 CINEMA – NO PRINCÍPIO ERA O COOL Adam e Eve, de Amantes Eternos, são a quintessência do cinema de Jim Jarmusch. E calha de serem vampiros. Em Detroit, hoje uma ruína da cidade que outrora foi o templo da indústria automotiva e da música negra, Adam (Tom Hiddleston) vive recluso numa mansão decadente, colecionando guitarras vintage trazidas a ele pelo jovem Ian (Anton Yelchin), fazendo música funérea e às vezes entrando disfarçado em um hospital para comprar "do bom" de um médico do banco de sangue (Jeffrey Wright). Em Tânger, hoje um fantasma da cidade onde outrora artistas como o escritor Paul Bowles iam pirar, Eve (Tilda Swinton) se recobre de sedas e lãs em sua casa na casbá, passeia feliz pelas ruas desertas da madrugada e obtém também ela sua cota "do bom'', fornecida pelo seu velho — ou antiquíssimo — amigo Christopher Marlowe (John Hurt). Que, em Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, Estados Unidos, 2014), já em cartaz, não morreu esfaqueado em 1593, como registra a história: da mesma forma que Adam e Eve, é um vampiro — e, pela vida eterna, pagou o preço de ter de deixar o campo aberto para que William Shakespeare o suplantasse como o maior dramaturgo da era elisabetana. No novo filme de Jim Jarmusch, porém, nem a imortalidade é mais o que era antes: os vampiros têm sua existência ameaçada pela contaminação generalizada do sangue humano (pelas drogas, é o que se sugere), pela vulgaridade e pela imaginação pobre do presente. Não restam mais gênios; os humanos, a que Adam e Eve se referem como "zumbis", são hoje seres tacanhos: e até os vampiros mais novos são idiotas sem nenhuma noção de sofisticação ou cultura. Veja-se a desmiolada Ava (Mia Wasikowska), que, ao se reunir a sua irmã Eve e a Adam em Detroit, põe a perder o estilo de vida (ou não vida) que eles cuidadosamente cultivam há tantos séculos ou mesmo milênios. Às vezes, Adam, Eve e Marlowe bebericam um cálice de sangue. Mas, à parte essa singularidade dietética, não são tão diferentes assim de qualquer outro personagem dos filmes de Jarmusch: um ícone do cinema marginal dos anos 80 — para o qual contribuiu com clássicos instantâneos como Estranhos no Paraíso e Daunbailó —, ele quase sempre se ocupou de criaturas que são a essência do cool e que em geral preferem a noite, conhecem o passado e o abarcam na sua experiência, têm um quê de melancólico mas também o humor seco de quem gosta mais de observar do que de participar. O efeito cômico de levar esse raciocínio à sua conclusão lógica e fazer destes protagonistas vampiros autênticos é sutil, mas nem por isso menos eficaz: quanto mais depressivo e lânguido Adam se torna, contemplando nostálgico os retratos da gente interessante que conheceu (Buster Keaton, Mark Twain etc.), mais engraçada fica a situação. O inesperado, nela, é quão amorosa é a longuíssima relação de Adam e Eve — a versão, à moda de Jarmusch, de um conto de fadas no qual os apaixonados vivem (ou não vivem) felizes para sempre. ISABELA BOSCOV 7#5 MEMÓRIA – OLHAR MATADOR A americana Lauren Bacall — morta na terça-feira 12, aos 89 anos, em Nova York, em decorrência de um derrame — contava que seu primeiro dia em frente às câmeras quase foi um desastre. Com 19 anos e inexperiente, ela deveria encarnar uma loira fatal que seduzia o superastro Humphrey Bogart, com o dobro de sua idade. Disfarçou a tremedeira empunhando um cigarro e driblou a timidez baixando o queixo e levantando os olhos. Foi ali, a partir daquele olhar, que Bogart e o público se apaixonaram por ela. Era 1944, o filme se chamava Uma Aventura na Martinica e a dupla, que fez outros três filmes, se casaria no ano seguinte, formando um dos casais mais célebres do cinema até a morte dele, em 1957 (e além dela: Lauren seria lembrada sempre como a "sra. Bogart"). Em seus tempos de Hollywood, Lauren, nascida Betty Joan Perske, foi mais uma estrela do que propriamente uma grande atriz — embora tenha trabalhado sob a direção de mestres como Douglas Sirk e Howard Hawks. Foi a partir dos anos 60, quando se casou com o ator Jason Robards, que ela ampliou seu campo profissional, conciliando o trabalho em filmes — invariavelmente como senhoras elegantes e autoritárias — com a Broadway, que lhe rendeu dois prêmios Tony, pelos musicais Applause (1970) e Woman of the Year (1981). Em quase setenta anos de carreira, foram mais de quarenta filmes e apenas uma indicação ao Oscar, como coadjuvante, por O Espelho Tem Duas Faces, em 1996 (ela perdeu para Juliette Binoche, mas recebeu um Oscar honorário em 2009). Entre seus últimos trabalhos estão Dogville e Manderlay, de Lars von Trier, e uma participação no desenho animado politicamente incorreto Family Guy, Sobre sua experiência no cinema, costumava dizer: "É um veículo masculino e, quando você não é a gostosona do pedaço, esse senhor não quer nada com você". Ela sabia do que estava falando. MÁRIO MENDES 7#6 MEMÓRIA – RIR OU NÃO RIR, EIS A QUESTÃO Popularíssimo na comédia, prestigiado no drama: com seu gênio às vezes atordoante, Robin Williams tornou irrelevante a distinção entre uma coisa e outra. ISABELA BOSCOV Quem nunca viu Robin Williams fazer stand-up não tem ideia do que ele era capaz. Na forma mais classicamente americana e desafiadora de comédia, aquela em que o comediante fica sozinho no palco, de microfone na mão, sem cenário, efeito sonoro nem nada que o possa amparar, e enfrenta a plateia, Robin Williams era, sem tirar nem pôr, um gênio. A maioria dos comediantes se lança nesse abismo munida de pelo menos um paraquedas — o texto cuidadosamente preparado, testado, lapidado, afiado de tal maneira que os espaços para o improviso vão sendo criados pela reação da audiência mas nunca se transformam em vácuo letal. Williams preferia a queda livre. Com uma rapidez de raciocínio inigualável, um repertório descomunal de referências, um dom singular para a imitação e paixão cega pelo risco, Williams ia de zero a cem em segundos: qualquer ocasião — uma entrevista, uma participação num talkshow, um depoimento num documentário, um mergulho com golfinhos para um programa de natureza — podia virar (geralmente virava) um stand-up antológico simplesmente ao sabor do momento. A porção cômica de sua imensamente bem-sucedida carreira no cinema é, nesse sentido, uma amostra não raro brilhante, mas ainda assim incompleta e imperfeita, de seu talento monstruoso. Williams, porém, teve êxito comparável, ou até maior, no drama: se filmes como Uma Babá Quase Perfeita o tornaram um ícone do humor-família (e quando ele fazia humor nada familiar os resultados eram ainda melhores), foi no papel do professor de Sociedade dos Poetas Mortos, aquele que incita seus jovens alunos a aproveitar o dia — carpe diem —, ou ainda no do mentor de Matt Damon em Gênio Indomável (pelo qual ganhou o Oscar de coadjuvante) que ele se consagrou. A comédia dá popularidade, mas não confere prestígio. Como se ela fosse uma arte menor, ou mais fácil, ou menos sofrida do que o drama. Por transitar livremente entre uma e outro, Williams — que se suicidou por enforcamento, aos 63 anos, na segunda-feira 11, em sua casa na Califórnia — indignava-se em dobro com esse menosprezo. "A comédia é a tragédia mais o tempo", disse o comediante (além de escritor, compositor etc.) Steve Allen nos anos 50. A formulação, de notável simplicidade e portanto elegância, é também de uma precisão indiscutível. Consta que existem, sim, comediantes ou humoristas felizes, serenos, satisfeitos. Os grandes raramente o são: Groucho Marx, Lenny Bruce, Richard Pryor, Woody Allen, Steve Martin, Jim Carrey — a lista segue — têm todos biografia em que sentimentos como a insegurança, a neurose, a angústia, a raiva, o medo, a compulsão, a autodestruição, desempenham papel saliente. Robin Williams, tataraneto de senador, filho de executivo da indústria de automóveis, estudante por um breve período de ciências sociais e egresso da prestigiosíssima escola de artes Juilliard, foi assombrado por demônios persistentes: álcool, drogas, depressão. Os dois primeiros, ele conseguiu conter: desde 1983, quando nasceu Zak, o mais velho de seus três filhos (ele deixa ainda Zelda e Cody), estava sóbrio ("A cocaína é o jeito de Deus dizer que você está ganhando dinheiro demais", observou). O terceiro demônio, a depressão, nunca deixou de rondá-lo; seu humor de altíssima velocidade era, de certa forma, ao mesmo tempo uma expressão da mania que se opõe aos vales mais profundos do ânimo e uma libertação deles. Nunca se saberá o que empurrou Williams à sua decisão trágica, mas especula-se que o diagnóstico de Parkinson que ele recebera havia pouco — informação revelada por Susan Schneider, sua terceira mulher, alguns dias após sua morte — tenha contribuído para ela. Com seu estouro no seriado de TV Mork & Mindy, em 1978, Williams inaugurou uma carreira profícua e duradoura. Foram mais de sessenta filmes e inúmeras participações em humorísticos e episódios de seriados, além de dublagens para desenhos animados — como para o Gênio de Aladdin. Entre o ano passado e este, ele estrelara uma série, The Crazy Ones, cancelada após a primeira temporada. Deixa três filmes inéditos, sendo um deles uma animação. Seria uma desonra para com um homem de tal inteligência, porém, omitir as várias ocasiões em que seus excessos não resultaram positivos. Williams podia ser constrangedor (em Jack), piegas (Patch Adams), equivocado (Amor Além da Vida). Mas, entre uma coisa e outra, provava-se também assustador (Insônia), anárquico (Morra, Smoochy, Morra), ácido (Candidato Aloprado), hilariante (A Gaiola das Loucas), encantador (Bom Dia, Vietnã). Provava-se, enfim, uma criatura rara: um homem com um talento que não apenas era imenso, como não se parecia com o de mais ninguém. O que Williams fazia, só ele sabia fazer. “Fazer comédia é fingir otimismo”- Robin Williams 7#7 LIVROS – UMA TRAGÉDIA ANUNCIADA O último volume da biografia de Lira Neto confirma que, havia mais de duas décadas, Getulio Vargas contemplava o suicídio como única forma de vencer a derrota. AUGUSTO NUNES Sozinho em seu labirinto, o maior ator da política brasileira ensaiou pelo menos cinco vezes, ao longo de 24 anos, o desfecho da tragédia incomparável. Cartas, anotações e bilhetes enfileirados pelo biógrafo Lira Neto comprovam, já no capítulo de abertura do terceiro e último volume de Getulio 1945-1954 (Companhia das Letras; 430 páginas; 49,50 reais, ou 34,50 reais na versão eletrônica), que o protagonista do drama encerrado em 24 de agosto de 1954, quando apertou o gatilho do Colt 32, já costumava levar a mão ao coldre sempre que entrevia o fantasma da derrota irreversível — e, por trás dela, as humilhações reservadas aos apeados do poder. Getulio Dornelles Vargas sempre enxergou no suicídio a única forma de sobreviver à morte física, antecipar-se à vingança do inimigo vitorioso e seguir existindo na memória popular. Para o gaúcho de São Borja, nascido e criado em paragens conflagradas por duas guerras civis e antagonismos ferozes, a abreviação voluntária da vida não era a rendição que interrompe o confronto. Era a senha para o contra-ataque que desencadeia a guerra póstuma. "E se perdermos?", perguntou-se Getulio num manuscrito datado de 3 de outubro de 1930, horas depois da deflagração do movimento armado que o levaria ao coração do poder. A resposta ("Sinto que só o sacrifício da vida poderá resgatar o erro de um fracasso") seria repetida, com variações na forma que em nada afetam o conteúdo, em 10 de julho de 1932, quando registrou em uma carta o início da Revolução Constitucionalista, e em 19 de janeiro de 1942, ao optar pela adesão aos Aliados na II Guerra Mundial. Nos três episódios, a vitória interrompeu o flerte com a morte — que seria retomado em abril de 1945, quando se multiplicaram as evidências de que a cúpula do Exército tramava a deposição do ditador. "Estou resolvido ao sacrifício para que ele fique como um protesto, marcando a consciência dos traidores", avisou. Desta vez, não cumpriu a promessa por acreditar que não fora liquidado politicamente. As urnas logo gritariam que o genial intuitivo estava certo. Os adversários triunfantes ainda decoravam o nome das secretárias quando, com uma declaração de apoio divulgada a quatro dias do pleito, ele implodiu o favoritismo de Eduardo Gomes e garantiu a chegada de Eurico Dutra à Presidência da República. Meses mais tarde, Getulio elegeu-se senador por São Paulo e pelo Rio Grande do Sul, além de deputado federal por seis estados. À impressionante demonstração de força, contudo, seguiu-se a confirmação de que não exagerava ao avaliar a extensão e a intensidade dos ódios acumulados ao longo dos quinze anos em que governou o país. Bastaram algumas sessões, todas tumultuadas pelo som da fúria, para que desistisse de aparecer no Congresso. Não fez nenhum discurso nem apresentou projeto algum. Transformado pela bancada oposicionista em tema único dos virulentos comícios diários, retirou-se para a estância em São Borja. Ali, ao saber que os inimigos queriam castigá-lo com o desterro, escreveu a quinta mensagem de despedida. Afastada a ameaça, aproveitou a trégua para planejar o regresso ao Palácio do Catete. Antes de optar pelo reinicio da guerra, consultou apenas a filha Alzira. Amparado nas revelações que hibernam nos originais do segundo e ainda inédito livro de memórias da autora de Getulio Vargas, Meu Pai, Lira Neto constata que Alzira foi a única confidente de um introspectivo visceral. Numa das cartas trocadas entre a filha que chamava de "Ge" o pai que a tratava por "Rapariguinha", Getulio enumera os perigos que espreitavam todos os caminhos possíveis e pede a opinião da destinatária na última linha: "Que pensas?''. Admiravelmente precisas e argutas, as considerações de Alzira convenceram a esfinge de que era hora de regressar pela rota do voto à trincheira que havia conquistado pela trilha da insurreição armada. Ao lado da exposição da face mórbida de um sedutor de multidões, a relação entre pai e filha figura entre os momentos especialmente luminosos da obra que, ao reconstituir exemplarmente a trajetória do homem que empunhou por quase vinte anos o bastão de mando, incorporou Lira Neto à tropa de elite dos biógrafos brasileiros. "Da volta pela consagração popular ao suicídio", resume o subtítulo do volume que exuma o período que vai de 1945 a 1954, provavelmente o mais instável, perturbador e sombrio do Brasil republicano. A temperatura política sempre roçando o ponto de combustão, o primitivismo da democracia ainda no berço e a selvageria eleitoral escancaram já nas primeiras páginas a inevitabilidade do final infeliz. Em agosto de 1954, quando se conformara em sonhar apenas com a conclusão do mandato, Getúlio foi surpreendido pelo atentado contra Carlos Lacerda e entendeu que a 25ª hora chegara. Fundiu as mensagens pressagas na carta-testamento, o mais belo e comovente adeus produzido por um político. Ninguém suspeitou da partida iminente, nem mesmo Alzira Vargas. Às 8 e meia da manhã, fechou a porta do quarto para abrir a bala. dois minutos depois, a porta de entrada na História. 7#8 VEJA RECOMENDA A TORTURA DO MEDO — EDIÇÃO DEFINITIVA (PEEPING TOM, INGLATERRA, 1960. VERSÁTIL) • Para entender o tamanho da rejeição causada por A Tortura do Medo quando de sua estreia, em 1960, basta dizer que o filme significou o fim da carreira do diretor inglês Michael Powell e seu banimento do circuito comercial — até os anos 80, quando a obra maldita foi relançada pelo americano Martin Scorsese, que a considera um dos maiores filmes já feitos. Trata-se de um ensaio sobre o voyeurismo perverso: jovem cinegrafista (Karlheinz Böhm) é também um assassino serial que mata com uma faca oculta no tripé da câmera e filma a expressão de terror e agonia das vítimas — mulheres por quem se sente atraído. Ele alterna o trabalho em um grande estúdio de cinema com o ambiente sórdido dos filmes eróticos, tendo prostitutas como principal alvo. Mas apaixona-se pela garota do andar de baixo (Anna Massey), a quem se recusa a registrar em película: "Tudo o que eu fotografo morre", diz. Esta "edição definitiva" teve o colorido devolvido à sua saturação original — que faz lembrar as revistas pornô do período — e inclui dois bons documentários com depoimentos de Scorsese e de outros cineastas e críticos que dissecam o status cult do filme. DISCOS INDIE CINDY, PIXIES (LAB 344) • De 1986 a 1993, Black Francis (guitarra, vocais), Joey Santiago (guitarra), Kim Deal (baixo, vocais) e Dave Lovering (bateria), os Pixies, foram a régua e o compasso do chamado indie rock americano. A combinação de guitarras distorcidas, harmonias vocais e letras com referências culturais inusitadas (do criador da Torre Eiffel a Um Cão Andaluz, obra-prima surrealista do cineasta espanhol Luis Buñel) foi absorvida nos anos seguintes pelas principais vertentes do rock — do grunge do Nirvana ao britpop do Supergrass. Reduzido a um trio depois da nada amistosa saída da baixista Kim Deal, o Pixies retomou as atividades em 2004. Indie Cindy, seu mais recente disco, soa às vezes como a criação não da banda original, mas de músicos influenciados pelo Pixies (é assim, por exemplo, em What Goes Boom). Já Bagboy aponta para novos caminhos, ao reforçar as batidas de Lovering com uma bateria eletrônica. Kim faz falta, mas o guitarrista Santiago se mostra em estado de graça. Faixas como Greens and Blues, Jaime Bravo e Ring the Bell estão entre os melhores momentos da discografia da banda. IN THE LONELY HOUR, SAM SMITH (UNIVERSAL) • Dois anos atrás, Sam Smith ganhava o pão de cada dia num pub londrino quando Latch, sua colaboração com o duo eletrônico Disclosure, passou quinze semanas na parada de sucessos inglesa. O projeto seguinte do cantor de voz aguda foi ainda mais longe: La La La, parceria com o produtor Naughty Boy, esteve entre os cinco singles mais vendidos da Inglaterra em 2013. Os dois sucessos aumentaram a expectativa em torno de In the Lonely Hour, disco de estreia do inglês. O álbum traz um bom equilíbrio entre faixas dançantes, canções inspiradas pelo gospel e pela soul music dos anos 60, e baladas delicadas, com violão, piano e arranjos de cordas. No primeiro grupo, destacam-se Money on My Mind, com sua bateria quebrada, e Restart — esta, sob medida para se tornar o momento mais animado de qualquer festa. Stay with Me e Like I Can têm um pé na sonoridade retro de 21, disco que catapultou a carreira da cantora Adele. Já I’ve Told You Now e Life Support (com direito a agudinhos de Smith) são de cortar os pulsos. De presente, In the Lonely Hour traz as duas canções que fizeram a fama de Smith: Latch (aqui em versão acústica) e La La La. LIVRO TEATRO, DE DAVID MAMET (TRADUÇÃO DE ANA CAROLINA MESQUITA; CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA; 176 PÁGINAS; 25 REAIS) • O espectador que deixa o conforto de seu apartamento para ir ao teatro não é muito diferente do homem primitivo que saía para a caça. O que se representa no palco é sempre o drama de um indivíduo em busca de um objetivo, um caçador perseguindo sua presa — e por isso o proselitismo ideológico é estranho à arte teatral: uma tragédia ou comédia não serve para transmitir ideias, mas para envolver o público na "emoção da caça comunal". Quem diz isso é um experiente homem do teatro: o dramaturgo americano David Mamet, 66 anos, autor de Oleanna, entre outras grandes peças, e também consagrado roteirista e diretor de cinema. Em uma série de ensaios saborosos e provocativos, Mamet relativiza a importância do diretor e ataca a pesada teorização que, a partir sobretudo da obra do russo Constantin Stanislavski, se faz em torno da interpretação e seus "métodos". Obviamente, o livro será apreciado sobretudo por quem gosta de teatro. Mas seu alcance cultural é mais amplo — como se verifica no arguto ensaio sobre a "correção política" e suas nefastas consequências artísticas. CINEMA METEORA (GRÉCIA/ALEMANHA/FRANÇA, 2012. JÁ EM CARTAZ NO PAÍS) • Nas paisagens escarpadas da Grécia Central, dois antiquíssimos monastérios olham um para o outro a distância, cada um em seu pico: para subir ao dos homens, há uma escada íngreme que circunda a montanha: ao das mulheres, só se chega içado em uma rede primitiva. Às vezes, porém, a freira russa Urania (Tamila Koulieva) e o monge Theodoros (Theo Alexander) se encontram no vale abaixo, entre as oliveiras, e é evidente que a amizade entre eles já lançou raízes bem mais profundas e complexas. Urania, a princípio, recusa sua atração erótica por Theodoros. Ele, por sua vez, parece determinado a ceder a ela a despeito de qualquer convicção ou estrutura. O diretor grego-colombiano Spiros Stathoulopoulos encarregou-se ele próprio de fotografar seu filme, uma decisão que acentua a intimidade silenciosa entre os protagonistas e confere deliberação ainda maior aos seus planos já tão estudados. Às vezes, animações executadas ao estilo da iconografia bizantina revelam o tumulto interior dos personagens, ou sublinham suas ações — elementos estéticos que ultrapassam o exotismo e se aliam ao drama intenso dos protagonistas. 7#9 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA 2- Se Eu Ficar. Gayle Forman. Novo Conceito 3- Quem É Você, Alasca? John Green. MARTINS FONTES 4- Cinquenta Tons de Cinza. E.L. James. INTRÍNSECA 5- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA 6- Felicidade Roubada. Augusto Cury. SARAIVA 7- Cinquenta Tons de Mais Escuros. E.L. James. INTRÍNSECA 8- Cinquenta Tons de Liberdade. E.L. James. INTRÍNSECA 9- A Menina que Roubava Livros. Markus Zusak. INTRÍNSECA 10- A Escolha. Kiera Cass. SEGUINTE NÃO FICÇÃO 1- Getúlio 1945-1954. Lira Neto. COMPANHIA DAS LETRAS 2- Sonho Grande. Cristiane Corrêa. PRIMEIRA PESSOA 3- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 4- 1889. Laurentino Gomes. GLOBO 5- A Estrela que Nunca Vai Se Apagar. Esther Earl. INTRÍNSECA 6- A Vida Secreta de Fidel. Juan Reinaldo Sánchez. PARALELA 7- 1808. Laurentino Gomes. PLANETA 8- 1822. Laurentino Gomes. NOVA FRONTEIRA 9- O Livro da Filosofia. Vários. GLOBO 10- Eu, Christiane F. – A Vida Apesar de Tudo. Christiane V. Felscherinow e Sonja Vukovic. BERTRAND DO BRASIL AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 3- Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros. Augusto Cury. SARAIVA 4- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 5- De Volta ao Mosteiro. James Hunter. SEXTANTE 6- Casamento Blindado. Renato e Cristiane Cardoso. THOMAS NELSON BRASIL 7- Sonhos Não Têm Limites. Ignácio de Loyola Brandão. GENTE 8- O Poder da Coragem. Jober Chaves. GENTE 9- Kairós. Padre Marcelo Rossi. PRINCIPIUM 10- Eu Não Consigo Emagrecer. Pierre Dukan. BEST SELLER 7#10 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – O CÉU É O LIMITE A cada trinta anos, com margem de erro nunca superior a alguns poucos meses, o sr. Absurdo da Silva bate ponto, com o característico estardalhaço, na política brasileira. Por obra sua, em agosto de 1954, o senhor que então ocupava o Palácio do Catete saiu de uma exaustiva reunião fazendo crer que se licenciava do cargo para, poucas horas depois, amanhecer morto, com uma mancha vermelha no pijama a denunciar o tiro que desferira no coração. Em março de 1985, observada a aludida margem de erro, pregou uma peça no senhor que no dia seguinte ocuparia o Palácio da Alvorada. Forçou-o, em vez disso, a internar-se num hospital, acometido do mal que o mataria no mês seguinte. Na semana passada, com a brutalidade que também lhe é característica, roubou a vida de uma jovem promessa da vida pública brasileira e fez a campanha eleitoral para a Presidência voltar à estaca zero. Os dois primeiros eventos envolvem diretamente a Presidência da República, não uma candidatura, e por isso têm peso histórico maior. Iguala os três, no entanto, uma outra característica das intervenções do Absurdo da Silva: deixar à sua passagem um fortíssimo rastro emocional. Ao clima de choque com a notícia seguem-se enterros históricos. Foi assim no caso de Getúlio Vargas, a vítima de 1954, assim no de Tancredo Neves, a de 1985, e não há dúvida de que no caso de Eduardo Campos, o sorteado de 2014, ocorrerá o mesmo (esta coluna está sendo escrita quando ainda transcorrem os trabalhos de reconhecimento dos corpos das vítimas do acidente aéreo de Santos). Sendo Absurdo da Silva primo-irmão do Sobrenatural de Almeida, o clima emocional pode operar milagres. Getúlio Vargas recolheu-se a seus aposentos, naquele dia, como um cadáver político — abandonado, vilipendiado, humilhado e sem chance de redenção. Ao amanhecer cadáver de verdade, assestou golpe de mestre nos adversários e garantiu-se o lugar de martirizado por uma causa perante a posteridade. A morte de Eduardo Campos já provocou, se não um milagre, uma primeira grande reviravolta na campanha eleitoral, e pode provocar uma segunda. A primeira reviravolta foi fazê-lo superar, embora da pior maneira possível, o maior dos desafios que tinha pela frente: tornar-se conhecido. Esse era o motivo pelo qual dormia tão pouco e tanto voava, nestes últimos tempos. Hoje provavelmente superou a todos, até a própria presidente da República, como o candidato mais conhecido da população. A segunda e mais espetacular reviravolta esboça-se no horizonte com o impulso que, morto, pode dar à provável sucessora na candidatura presidencial, a ex-senadora Marina Silva. Quando se formou a surpreendente chapa com Eduardo Campos para presidente e Marina para vice, a expectativa era que Marina, com seus 20% dos votos na eleição passada, alavancaria as pretensões de Campos. Inverte-se agora o quadro, e a memória e o martírio de Eduardo Campos fazem-se de poderosos multiplicadores do potencial de Marina. Há problemas no caminho. Se Marina fazia um par afinado com Campos, é notória a desafinação com o partido dele, o Socialista, no qual ela se abrigou por mera conveniência, derrotadas suas pretensões de criar o próprio partido. Caso tal estado de coisas impeça a promoção da vice à cabeça da chapa, está pronto o caminho para uma dupla autoimolação: a das aspirações de Marina à Presidência e a do PSB a um papel maior do que o de eterno coadjuvante. Caso se confirme a candidatura de Marina, teremos uma campanha na TV que começará com cenas de Eduardo Campos em ação, lembrará sua sorte ingrata e terá sua figura a servir de fundo à nova candidata. Daí em diante, com o reforço do Sobrenatural de Almeida à ação do Absurdo da Silva, o céu é o limite. ____________________________________ Resta uma palavra sobre o Miguel. Miguel é o bebê de 7 meses que Eduardo Campos deixa órfão de pai, o caçula de seus cinco filhos. Quando ele nasceu, Eduardo Campos escreveu no Facebook: "Hoje os médicos confirmaram o que já estava pré-diagnosticado havia algum tempo. Miguel, entre outras características que o fazem especial, nasceu com a síndrome de Down. Seja bem-vindo, querido Miguel. Como disse seu irmão, você nasceu na família certa". Um pai e uma família que recebem com tanta alegria um filho com síndrome de Down merecem respeito e admiração. Miguel nasceu mesmo na família certa.