0# CAPA 18.6.14 VEJA www.veja.com Editora ABRIL edição 2378 - ano 47 – nº 25 18 de junho de 2014 [descrição da imagem: a capa está dividida em três partes, no sentido horizontal. Na parte superior, foto dos jogadores da seleção, em campo, cantando o hino. Ao lado escrito HINO. No meio, a foto de Neymar, em posição de estar correndo, com os braços abertos. Escrito NEYMAR. Em baixo, foto da presidente Dilma, ao lado seu vice. A presidente tem as mãos em frente a boca, com os dedos cruzados. Escrito VAIA.] HINO NEYMAR VAIA Os três destaques da abertura da Copa mostram que para os brasileiros pátria não é governo e a paixão pelo futebol não combina com política. ______________________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# ECONOMIA 5# INTERNACIONAL 6# COPA 7# GERAL 8# GUIA 9# ARTES E ESPETÁCULOS _________________________________ 1# SEÇÕES 18.6.14 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – O CONGRESSO RESISTE 1#3 ENTREVISTA – CHRIS ANDERSON – O GRANDE FAROL DAS IDEIAS 1#4 LYA LUFT – RESPEITO E AUTORIDADE 1#5 LEITOR 1#6 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM O CÉREBRO ADOLESCENTE Impulsividade, rebeldia, tédio. Para o psiquiatra americano Daniel J. Siegel, professor da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, os conflitos da adolescência não são explicados pela invasão de hormônios, mas por uma remodelação profunda do cérebro de jovens de 12 a 24 anos. "Devemos mudar a maneira como vemos a adolescência. E cultivar suas características mais marcantes para ter um cérebro jovem e saudável em toda a vida", diz Siegel, autor do livro Brainstorm — The Power and Purpose of the Teenage Brain (Brainstorm — O Poder e o Propósito do Cérebro Adolescente, sem edição em português). Em entrevista ao site de VEJA, o cientista conta como é o cérebro na adolescência e explica de que forma as experiências vividas nessa fase moldam o adulto do futuro. A CASA DA APPLE A Apple apresentou recentemente a plataforma HomeKit, que vai integrar dispositivos de automação residencial com o iPhone. Com ela, será possível controlar, a partir de um único app, aparelhos domésticos tão diversos quanto termostatos, fechaduras, campainhas e até itens que aferem o ponto de cozimento da comida. Com essa tecnologia à mão, a vida certamente será diferente. Reportagem de VEJA.com mostra como a Apple pretende unificar as diferentes tecnologias e descreve os dez dispositivos essenciais da casa conectada. EDUCAÇÃO EMPERRADA O economista inglês Stijn Broecke é autor de um estudo publicado pela OCDE cujas conclusões devem inquietar até os observadores mais otimistas da política educacional brasileira. A primeira é que as cotas não fazem o setor avançar. A segunda é que a cobrança de mensalidade em universidades públicas poderia ajudar. "O problema mais urgente é a má qualidade do ensino fundamental. As cotas abrem portas, mas não são solução para esse problema e não ajudam na expansão do ensino superior", diz Broecke em entrevista a VEJA.com. "As instituições públicas são frequentadas por um pequeno número de estudantes ricos: taxar esses alunos traria recursos , adicionais." APRENDIZ DE GALÃ Zac Efron cresceu. Conhecido pelo inocente filme da Disney High School Musical (2006), o ator ganhou músculos, passou pela rehab e agora quer se firmar em Hollywood como um artista versátil. A comédia escrachada Vizinhos, que chega ao Brasil em 19 de junho, é seu novo cartão de visita. O filme obteve a oitava bilheteria do ano nos Estados Unidos - um ótimo resultado para uma comédia - e tem sido comparado à bem-sucedida Se Beber, Não Case!. "Tive a sorte de fazer filmes de gêneros diferentes", diz o ator, em entrevista ao site de VEJA. "Mas é tudo experimentação. Ainda estou aprendendo." 1#2 CARTA AO LEITOR – O CONGRESSO RESISTE Em algumas poucas e graves ocasiões, VEJA voltou em uma Carta ao Leitor ao mesmo tema da anterior. É o caso agora. Permanece em foco nesta semana a iniciativa do governo de tentar implantar, por decreto, uma mudança de regime no Brasil. O decreto em questão estabelece a "Política Nacional de Participação Social" e o "Sistema Nacional de Participação Social", que implicam a entrega de instâncias de poder a "conselhos populares" e, em última análise, se nada for feito, a desmoralização da democracia representativa, aquela em que os cidadãos mandam ao Parlamento pelo voto um certo número de deputados e senadores a quem se confia a missão de interpretar a vontade popular na formulação de leis e políticas públicas. Onde esse tipo de ruptura institucional ocorreu, ela veio no bojo de revoluções e guerras civis sangrentas. Não há na história o exemplo de um golpe dessa magnitude que tenha sido tentado por meio de um simples decreto. Uma reportagem desta edição de VEJA mostra que, depois de um momento de perplexidade em que se tentou entender as intenções às claras e, principalmente, às escondidas da iniciativa, o Congresso Nacional reagiu à altura da ameaça. Henrique Alves, presidente da Câmara dos Deputados, exigiu do Executivo a imediata revogação da medida e, se isso não ocorrer, prometeu colocar em votação a proposta de anulação do decreto. Renan Calheiros, presidente do Senado, foi à tribuna reafirmar seu compromisso com a liberdade de expressão e a democracia, e disse: "Quem representa o povo é o Congresso". A objeção que possa surgir em razão da controversa vida política pregressa de Renan e Henrique Alves não macula os gestos de resistência de ambos — e, como disse o escritor inglês Graham Greene, "nada a temer dos políticos cujos pecados pertençam apenas ao passado". Pode-se apontar a incoerência, pois Renan e Alves são do PMDB, partido que, na semana passada, reconfirmou com Dilma Rousseff a aliança que significa a forma mais valiosa de apoio na campanha presidencial deste ano: 2 minutos e 18 segundos a mais de tempo na televisão para a candidata do PT. Mas quem tenta encontrar coerência na política partidária brasileira está procurando no lugar errado. Fique registrado que, em vez de se paralisarem pela busca da perfeição de uma aliança sem arestas, os presidentes do Senado e da Câmara agiram como se espera de representantes do povo. Nos dias de hoje pode parecer a coisa mais comezinha do mundo, mas a ideia de que o povo exerce o poder por meio de seus representantes foi uma das maiores conquistas da civilização. A democracia representativa teve na política os efeitos que a Revolução Industrial produziu na economia. Ambas livraram a humanidade de amarras que pareciam eternas — a escassez material e a guerra permanente de todos contra todos. Bulir por decreto em uma conquista tão valiosa não é um bom caminho. 1#3 ENTREVISTA – CHRIS ANDERSON – O GRANDE FAROL DAS IDEIAS O dono do TED, a popular rede de debates na internet, diz que vivemos em uma era em que mudar o mundo parece estar ao alcance de muitos. O melhor é que isso pode ser verdade. FILIPE VILICIC O paquistanês Chris Anderson estudou um pouco de física, um tanto de economia e outro pouco de ciência política antes de se graduar em filosofia na prestigiada Universidade de Oxford e construir uma sólida carreira como empreendedor. Na década de 80, fundou a editora Future, que chegou a ser a sexta maior da Inglaterra, e que vendeu à inglesa Pearson. Depois, mudou-se para o Vale do Silício, onde fez a revista Business 2.0. em seguida vendida para a Time Warner. Essas transações o deixaram multimilionário e ainda mais inquieto. Em 2001 ele comprou o TED (sigla para Tecnologia, Entretenimento e Design), organização sem fins lucrativos que surgiu em 1984, na Califórnia, com a missão de promover ideias inovadoras e transformadoras. Anderson deu vida nova ao TED, atraindo palestrantes de alta visibilidade como o ex-presidente americano Bill Clinton e Bill Gates, fundador da Microsoft. Daí bastou apostar na internet como canal para o TED tornar-se um fenômeno. Já colocou no ar mais de 1600 palestras, que foram vistas 1,9 bilhão de vezes pela internet. Em outubro, Anderson fará no Rio de Janeiro o primeiro TED Global brasileiro, que contará com setenta palestrantes de vinte países. Nesta entrevista, ele explica como escolhe as ideias que merecem divulgação e rebate as críticas ao TED, que, ultimamente, aumentaram de intensidade. Os palestrantes do TED vão de empreendedores (como Larry Page, do Google) a artistas (o músico Bono Vox) ou cientistas (a exemplo de Stephen Hawking). O que os escolhidos têm em comum? Recebemos, todos os anos, em torno de 5000 sugestões de nomes. Não há algoritmo capaz de apontar quem vale a pena ser palestrante nosso. A seleção exige mesmo intuição e conhecimento. Na prática, procuramos pessoas que sejam relevantes em suas áreas de atuação. Elas precisam ainda mostrar que conseguem falar sobre o que fazem de forma motivadora, excitante e acessível para pessoas sem formação específica. Se o palestrante tem algo muito relevante a dizer mas não possui aptidão comunicativa, nós tentamos treiná-lo. Enfim, a palestra fica de pé quando se combinam na mesma pessoa o conhecimento profundo e a habilidade de compartilhá-lo de maneira simples. Existe uma fórmula infalível para criar a interação perfeita entre o palestrante e a audiência? Não há uma fórmula. Existem, no entanto, alguns requisitos, entre os quais se destaca o impacto global daquilo que o palestrante quer comunicar. Se não usamos uma fórmula pronta para escolher assuntos e palestrantes, temos, porém, uma maneira totalmente eficaz de saber se a apresentação foi um sucesso. Uma apresentação do TED tem de ser uma jornada na qual os pensamentos de quem está no palco reverberam na audiência. Literalmente. Tem de ser algo tão fortemente harmônico que, se analisarmos as configurações químicas do cérebro do palestrante e dos ouvintes, elas se mostrarão espantosamente similares. Isso significa que o compartilhamento do conhecimento se deu ao mesmo tempo pela emoção e pela compreensão racional da realidade. O TED Global do Rio de Janeiro fez suas escolhas de palestrantes com base na potencialidade deles de gerar polêmica — caso do neurocientísta Miguel Nicolelis e de Bruno Torturra, do Fora do Eixo? Nunca buscamos a polêmica que se esgota na polêmica. O que procuramos são temas que vale a pena discutir. Quem batalha por uma ideia com potencial transformador frequentemente arranja inimigos no meio do caminho. Achamos saudáveis os debates em torno de ideias desse tipo. Por que o senhor escolheu realizar o principal evento do TED no Brasil, justo no ano da Copa do Mundo, das eleições presidenciais e em meio à emergência inédita de tensões e protestos no país? O Brasil tem crescido muito e, por isso, ganhou uma projeção internacional bem grande. O país chama a atenção do mundo por passar a sensação de que está, finalmente, assumindo a estatura global condizente com suas potencialidades. Por isso o mundo passou a olhar mais para o Brasil. São muitas as organizações que, a exemplo da nossa, tiveram a ideia de escolher o país como sede de eventos de grande amplitude. Para o TED Global, no entanto, o fato de ter o Brasil como sede não limitará a discussão aos assuntos brasileiros. O foco da discussão será o Hemisfério Sul. Especialistas de várias nacionalidades, entre eles alguns brasileiros, vão debater esse tema. O russo Evgeny Morozov, especialista no impacto das tecnologias sobre as sociedades humanas, é o mais implacável, mas não o único, dos críticos do TED que o acusam de ser um eficiente propagador de ideias, mesmo as ruins. Como essas críticas afetam o senhor? Evgeny é um provocador profissional. É curioso notar que ele palestrou no TED, em 2009, e rendeu uma conversa interessantíssima. Depois passou a nos criticar. De qualquer forma, sim, reconheço que são muitas as críticas. Há dez anos, ninguém dava bola para o TED. Há cinco, nosso trabalho entrou em evidência. Como tudo o que tem sucesso, passamos a ser alvo de gente que quer nos pôr para baixo. O principal argumento é que as palestras do TED não são tão impactantes quanto aparentam, que não produzimos artigos científicos nem textos revolucionários. Ocorre que os críticos não compreendem a nossa verdadeira missão. Não pretendemos dar fruto a livros icônicos ou descobertas incríveis. Somos uma praça onde ideias são colocadas para receber a atenção que merecem dentro de um mundo cada vez mais repleto de distrações. Hoje é fácil ver-se mergulhado no mar de inutilidades da internet. Já é uma grande vitória convencer uma pessoa a deixar de ver centenas de vezes um vídeo amador de três golfinhos brincando com um cachorro e mostrar a ela que a internet tem coisas realmente interessantes. Acredito que possamos estar despertando vocações ou levando as pessoas a estudar certos temas em profundidade. Fico feliz em saber que fazemos sucesso. Todos os dias, convencemos quase 3 milhões de pessoas a parar o que estão fazendo para ver vídeos do TED. Mais que isso, temos tirado do anonimato mentes brilhantes cujas ideias estavam condenadas a nunca ser notadas, a ficar para sempre no anonimato. Quem exemplificaria melhor essa qualidade do TED de tirar gente boa do anonimato? Destacarei uma das primeiras dessas mentes brilhantes que tiramos do anonimato. O médico e estatístico sueco Hans Rosling passou três décadas estudando a saúde no mundo em desenvolvimento e como mostrar os problemas desses países por meio de gráficos provocadores e inspiradores. Quase ninguém sabia do trabalho dele. Mesmo que ele passasse a realizar 100 palestras ao ano sobre seu trabalho e, no melhor dos cenários, tivesse 500 ouvintes na plateia, conseguiria a atenção de 50.000 pessoas por ano. Em uma década, 500.000. Pois ele falou no TED, em 2006, por menos de vinte minutos, gravamos um vídeo, e agora já foi ouvido por uma dezena de milhão. Rosling conta que essa exposição deu outra magnitude ao seu trabalho e à sua vida. Cada palestrante do TED diz que está mudando o mundo de alguma forma, seja com uma transformação na área médica, ou uma no mundo digital, ou outra no modelo industrial. Estão mesmo ocorrendo tantas revoluções? Há certo exagero. O fato é que vivemos em um mundo muito mais conectado, onde qualquer ação pode causar certo impacto. Não falo só de alguém como Mark Zuckerberg, que criou o Facebook na universidade e hoje possui usuários e clientes ao redor do globo. Qualquer um consegue colocar um vídeo no YouTube, publicar uma experiência na internet, com possibilidade de ser visto. A visibilidade que um anônimo pode receber do dia para a noite é extremamente maior do que era há trinta anos. Isso não quer dizer, porém, que tudo o que surge, e se diz transformador, é mesmo revolucionário. Sim, há a clássica ideia de que mesmo os movimentos das asas de uma borboleta podem alterar algo na realidade. Mas, para avaliar se há uma revolução ou não, é preciso ver se a mudança proporcionada é grande ou não. Se é para melhor ou não. Se foi intencional ou não. Há importantes mudanças ocorrendo. Mas não são tantas quanto se acredita. Qual dessas revoluções atuais está mesmo mudando o mundo? Olhe, há avanços incríveis na ciência, em especial no campo da física fundamental, com os experimentos espetaculares, mas quase incompreensíveis para os leigos, feitos no acelerador de partículas LHC, na Suíça. Mas, quando considerarmos o real impacto no cotidiano da confirmação da existência de certas partículas subatômicas, temos de admitir que não há muito a ser dito. Já a internet foi a maior revolução das últimas décadas, tão impactante quanto o surgimento da prensa de Gutenberg, no século XV. A rede tem espalhado o conhecimento pelo mundo em velocidade e abrangência nunca antes vistas, o que abriu oportunidades inéditas de criação e empreendedorismo. Ainda é incalculável o impacto que a web teve, e terá, em nossa vida. Ela fez desta nossa era um momento empolgante para estar vivo. Revoluções ocorreram a todo momento, desde o surgimento da humanidade. Por que nossa era seria mais impactante que as anteriores? Se voltássemos a 1950 e perguntássemos a um idoso, um nosso avô, quais mudanças ele viu ao longo da vida, ele citaria transformações diversas que ocorreram no mundo físico, como a popularização de automóveis e aviões ou a descoberta da eletricidade. Agora, se levarmos a mesma questão para um avô de hoje, ele observará que nada de substancial mudou no universo físico. Ainda andamos de carro, voamos em aviões e usamos eletricidade. Nas últimas décadas, as transformações têm ocorrido em um universo insubstancial, o que abrange o armazenamento de conhecimento, o compartilhamento de informações, a evolução da inteligência artificial. Ainda temos carros, mas hoje eles podem ser dirigidos por um computador. Em menos de trinta anos é quase certo que todas as crianças do planeta terão acesso ao vasto banco de informações que é a web. Em sua palestra no TED, o inventor americano Bran Ferren levantou a questão "o que é inovação?". Em resumo, ele defendeu a tese de que a inovação realmente transformadora é aquela cujo impacto ainda é sentido pelas pessoas mesmo 1000 anos depois. Aposto que no futuro as máquinas inteligentes dominarão nosso cotidiano, e teremos de aprender a conviver com elas. O homem cada vez mais será suplantado por computadores. Sim, há perigo em como isso afetará as relações sociais, em como pode tornar nossa vida íntima cada vez mais devassada. Mas também será excitante viver nesse mundo. Qual palestra do TED mais marcou o senhor? Aquelas que trataram de ''felicidade", de como podemos alcançá-la. A ciência tem abordado esse tema de forma cada vez mais contraintuitiva e, por isso, curiosa, Como exemplo, o psicólogo Barry Schwartz recentemente falou no TED sobre o paradoxo da escolha. De como o melhor é reduzir o número de escolhas racionais a ser feitas na vida e seguir mais o instinto. Foi uma daquelas palestras que mudaram a minha forma de pensar. O sucesso do TED motivou o surgimento de concorrentes que também procuram fomentar discussões de ideias. Há espaço para todos nesse mercado? Nossa missão no TED é espalhar ideias. Alimentar a noção de que se pode aprender mais em uma boa palestra de minutos do que em um ano inteiro. Somos uma organização sem fins lucrativos. Isso explica por que não encaramos os outros como rivais. Quanto mais pessoas promoverem debates inteligentes, por vários meios, melhor para a sociedade. Há empresas e ONGs que, inclusive, modificaram suas conferências para deixá-las "no estilo TED". Para mim, isso é a melhor prova de que nosso trabalho tem sido feito de maneira correta. 1#4 LYA LUFT – RESPEITO E AUTORIDADE Certa vez, eu ia dar uma palestra sobre educação. Ainda no hotel, conversei com alguns jornalistas. O primeiro deles a falar, um rapaz simpático, perguntou qual seria o tema da minha apresentação. Respondi: "Educação e autoridade". Ele piscou os claros olhos e disse, espontaneamente: "Autoridade? Aquilo que diz isso pode, isso não pode?". Achei graça e confirmei: "Isso mesmo". O assunto me voltou à lembrança nestes dias em que tanto se fragilizam o conceito e a instituição "autoridade" no país varado de manifestações e greves. Não quero analisar se elas são justas: geralmente têm sido. Há miséria, omissão, desencanto e injustiça demais por aqui. Mas eu falo na questão da autoridade: quando se baseia no respeito, encontra eco. Quando mal fundamentada, vem a confusão, como nesta fase em que a inquietação pipoca em tantos pontos e momentos, em toda sorte de protesto. Um juiz manda que grevistas voltem ao trabalho, ninguém dá bola. Decretam uma greve ilegal, ninguém se impressiona. Ameaçam com demissões, alguns voltam ao posto de trabalho, ou tudo piora. Assim, os grupos de manifestantes de várias categorias, ou juntos, atiçados por partidos políticos ou simplesmente indignados (muito justamente) com sua condição de trabalho e vida, assustados, ou finalmente encontrando sua voz, parecem não se intimidar. Isso é bom, é ruim? Sinceramente: em outros tempos eu diria que é mau presságio. Neste momento, não me sinto com cacife para responder. Muitos dos movimentos parecem legítimos. Para atrapalhar, há o contraponto: milhões de pessoas prejudicadas por algumas centenas, é justo? Não sou do tipo severo, não sou rigorosa demais, porém me preocupa esse singular sentimento de mal-estar, expresso por tanta gente quando diz: "Tem algo esquisito no Brasil, algo estranho paira no ar, não consigo definir bem". Muitas coisas inquietantes acontecem, talvez tantas que não se possam qualificar com uma expressão só. Mas um dos fatores dessa situação é a quebra da autoridade, e de seu irmão, o respeito: isso se conquista. Respeito é essencial para que qualquer coisa funcione: tem a ver com hierarquia, com cuidados, como na família — organização em que tudo começa. Quem ama cuida e, em certos momentos, precisa exercer autoridade, sobretudo com relação a crianças e adolescentes. Pois, se os adultos não conseguem ter, e impor, um mínimo de ordem no ambiente familiar, na compostura dos filhos (e de si próprios), não haverá uma família, mas um grupo desordenado, possivelmente belicoso, confuso e de pouca ajuda na preparação para os embates da vida lá fora. Talvez, nesse território pessoal, fosse bom deixar um pouco de lado os psicologismos (não falo da verdadeira psicologia, que pode ajudar a minimizar graves problemas individuais ou de convivência), que nos sugerem exercer quase zero de autoridade, e nada de severidade, tentando sempre "o diálogo". Nem sempre é possível dialogar com uma criança enfurecida ou um adolescente confuso, e uma dose amorosa de rigor pode pôr as coisas de novo em ordem, aliviando a situação. No âmbito do que está acontecendo e do que está por vir no Brasil, me assombra e me assusta, entre outras questões, a do autoritarismo — jamais a autoridade conquistada com competência, sabedoria e honradez, cuidando de cada um de seus membros, acima e além de qualquer ânsia de poder, assim promovendo também a justiça verdadeira. Se não somos iguais — nem devemos ser, pois cada indivíduo é único, cada grupo, região, país e cultura são únicos —, o essencial é que todos tenham a máxima dignidade para se sentir respeitados, e as melhores condições para que possam se desenvolver. Segurança, tranquilidade, educação, saúde, moradia, transporte deveriam ser bens óbvios de cada pessoa. Copa ou não Copa, é bom rever nossos valores em todos os níveis. Pois, se continuar a generalizada inquietação social cada dia mais grave, desmoronam as instituições que nos orientam, amparam e nos tornam (ainda) uma democracia. LYA LUFT é escritora 1#5 LEITOR DOIS BRASIS Louvável a reportagem "Retrato de dois Brasis" (11 de junho). Torcemos para que durante o megaevento — a Copa do Mundo de 2014 — dê tudo certo no Brasil. Faço votos de que o Mundial seja um sucesso. Com incentivo da torcida e sorte, a gente chega lá! JOSÉ RIBAMAR PINHEIRO FILHO Brasília, DF O Brasil já demonstrou, sobejamente, com esta Copa do Mundo que não tem competência para organizar a Olimpíada de 2016, e muito menos o Rio de Janeiro pode oferecer segurança às delegações estrangeiras. Vão jogar dinheiro fora novamente? JANE FÁTIMA PAIVA F. BEDRAN DE CASTRO Araçatuba, SP Existem dois Brasis e dois tipos de brasileiro: o que trabalha, produz e vive de forma honesta, apesar da excessiva carga tributária no país; e o que depende do PT, do governo. RICARDO BERTOLI Por e-mail Sem dúvida, o Brasil melhorou entre as duas Copas, mas a corrupção, o superfaturamento e a falta de comprometimento com o Mundial de 2014 foram lamentáveis e vergonhosos para o 'país do futebol'. ANTONIO JOSÉ GOMES MARQUES São Paulo, SP AGAMENON MENDES PEDREIRA O humor é uma das mais duras — e divertidas — maneiras de falar uma verdade. Agamenon é craque nessa grande área ("Patrão Fifa", 11 de junho). MARLO VINICIOS DUARTE LEMOS Joinville, SC No texto de Agamenon, humor instantâneo na dose exata. MARCO SARMENTO Aracaju (SE), via tablet Era só o que faltava! Enfim, o humor inteligente volta às páginas da revista. GERALDO NUNES Maceió (AL), via tablet Bem-vindo, Agamenon! Agora já pode contar, comigo, dezoito leitores e meio. HAENDEL MOTTA ARANTES Rio de Janeiro, RJ ROBERTO POMPEU DE TOLEDO Que alegria senti ao ler o artigo "O antídoto Lucinha" (11 de junho), de Roberto Pompeu de Toledo. É um alento para a alma, um sopro de esperança em nosso coração. Oxalá "o antídoto Lucinha" funcionasse no escalão supremo da República, neutralizando a erva daninha da corrupção que devasta o nosso país. Lucinha, socorrooooo! Dissemine o seu antídoto, liberte o nosso povo, e vida longa! LINA APARECIDA FERREIRA Uberaba, MG Sempre fui fã de carteirinha de Roberto Pompeu de Toledo. Nunca, desde adolescente, fui ligada em ídolos, mas sempre admirei pessoas que escrevem artigos relevantes e lúcidos. A última página de VEJA me deixa silenciosa e reflexiva. Hoje (9 de junho), eu me emocionei — de chorar mesmo — com a "reles" neurocientista doutora Lúcia. Vou iniciar muito feliz a semana, pautada nesse exemplo de ser humano. Doutora Lucinha é o verde-amarelo de verdade. MARCARETH MARIA MISSEN DREFAHL Joinville, SC J.R. GUZZO O texto "Analfabetos voluntários" (11 de junho) mostra de cara limpa a criação de uma geração inteira de idiotizados e, portanto, facilmente domináveis. Pena que as pessoas a quem se destina não o lerão. DIOGO FERNANDES São Paulo, SP Nós educadores temos clara a percepção de que o pensamento e a inteligência hoje perdem espaço para o comodismo e o modismo. Parabéns, Guzzo. Vou aplicar como leitura e ação obrigatória nos trabalhos do dia a dia, procurando melhorar a maioria. JOSÉ CARLOS GIORDANO São Caetano do Sul, SP Um artigo para ser emoldurado e pendurado em cada sala de aula deste país. RÔMULO SIMÕES ANGÉLICA Belém (PA), via tablet O pior é que, além dos analfabetos propriamente ditos (com suas inúmeras bolsas de auxílio), temos esses alienados tão bem descritos no texto. SÉRGIO LUIZ DE O. FREITAS Brasília, DF As conversas também andam empobrecidas, tanto de conteúdo quanto de forma. Mas, como tudo na vida, isso também vai passar. NADJA MARINA BARROCA Rio de Janeiro (RJ), via tablet Como é feliz e faz feliz o homem que lê. HELAINE PÓVOA Brasília, DF DECRETO BOLIVARIANO DE DILMA Quando Lula vestia aquela fantasia de cão raivoso e paladino da moralidade, já vivia a bradar aos quatro cantos que a "sociedade organizada" deveria ser ouvida, ou seja: movimentos sociais, sindicatos, associações etc., quase todos já com algum grau de infiltração marxista, rezando pela cartilha do PT. Naquele período, já ficava intrigado com a insistência do PT em alinhar a tal da "sociedade organizada" nas decisões nacionais. E a maioria silenciosa (aqueles que trabalham, estudam, namoram, frequentam reuniões sociais e têm família para cuidar) seria esmagada por esses xiitas na sua maneira de ser e viver? Agora, o monstrengo se mostra através do decreto presidencial nº 8243, que cria a "Política Nacional de Participação Social" e o "Sistema Nacional de Participação Social" ("Um decreto nos moldes bolivarianos", 11 de junho). ROBSON LOPES COIMBRA Salvador, BA A "Política Nacional de Participação Social" criada por decreto pelo governo tem o objetivo de legitimar a atuação dos movimentos sociais, os coletivos, e as ONGs, o que significa a concepção do Estado ampliado no país. Ideal socialista cujo objetivo é a dominação do Estado. Contudo, a legitimação democrática, de acordo com a Constituição de 1988, só se dá pelas vias eleitorais. Assim sendo, esse decreto anacrônico, tresloucado, sub-reptício e inconstitucional está cuspindo, rasgando e jogando na lata de lixo a nossa Carta Magna, democrática e cidadã. LUIZ ADRIANO PREZIA CARNEIRO São Bernardo do Campo, SP A revista VEJA, que tanto defende a democracia, há de ouvir opiniões diferentes. A sociedade civil, os movimentos sociais, igrejas, enfim, qualquer entidade, ou mesmo um cidadão, serão somente ouvidos em suas reivindicações, que não terão nenhuma força de lei. O povo brasileiro, tão descrente de seus representantes nesta democracia indireta (políticos que chegam ao poder esquecem suas promessas, mancomunam-se por cargos e vantagens), teria outro modo para se mostrar presente nesta democracia brasileira? Talvez a crítica pudesse ficar por conta de a instituição dos conselhos vir em forma de decreto; de esses conselhos ficarem submetidos à Secretaria-Geral da Presidência da República; e de a presidente Dilma Rousseff tentar agora, perto das eleições, numa atitude meramente política, reaproximar-se dos movimentos sociais dos quais estava afastada. Mas ver nesse movimento um passo rumo à sovietização do país me parece um delírio. ENI MARIA MARTIN DE CARVALHO Botucatu, SP A democracia representativa é justamente o que impede que militantes psicopatas possam emergir rumo ao poder absoluto, sufocando a liberdade e usando o medo como forma de dominação hegemônica. SANTIAGO SANTOS GOTTSCHALL Porto Alegre, RS Se ainda restava alguma dúvida de que o PT nos levaria de volta ao século XIX, fazendo tudo aquilo que um povo subdesenvolvido precisa para ser humilhado e mergulhado nas trevas da ignorância, da pobreza e do atraso, pela pior espécie de ditadura que o mundo conhece, a "socialista", essa dúvida acabou. É verdade que ainda falta amordaçar a imprensa. JOAQUIM ANTONIO PEREIRA Goiânia, GO O PT e outros seguidores do comunismo continuam flertando com medidas antidemocráticas. IRAMAR BENIGNO ALBERT JÚNIOR Recife, PE Eu era universitário em 1964, quando o Brasil corria o perigo de se submeter ao jugo de uma ditadura de modelo soviético, copiando Cuba. Em que pese o regime militar que se seguiu seja execrado, fato incontestável é que, naquela ocasião, a atuação dos militares salvou o Brasil. A continuarmos sob o governo do PT, o risco de "sovietização" volta a existir. Quem nos salvaria desta vez? ALDO FERRARO Florianópolis, SC CARTA AO LEITOR Interessante, didática e profética a Carta ao Leitor "Todo o poder aos sovietes" (11 de junho). O decreto nº 8243, que cria a "Política Nacional de Participação Social" e o "Sistema Nacional de Participação Social", é uma manobra petista para imitar a ex-União Soviética, criando os conselhos ("sovietes") populares para que a presidente Dilma Rousseff possa discursar: "Todo o poder aos petistas". Se Dilma perder o encanto com o comunismo soviético, vamos correr o risco de um entusiasmo da presidente por Mao Tsé-tung, trocando seis por meia dúzia. ANTONIO LUIZ TOCALINO WALTER PORTO Marília, SP Não me espanta que a presidente Dilma Rousseff tenha assinado o decreto que cria a "Política Nacional de Participação Social", que se compara ao extinto império soviético, que, com sua economia planificada e ideologia marxista-leninista, foi à bancarrota. Cito o pensador Ludwig von Mises: "Na comunidade socialista, toda mudança econômica torna-se um empreendimento cujo sucesso não pode ser previsto nem determinado retrospectivamente. Apenas se tateia às cegas". Ou seja, o projeto do radicalismo do PT está claramente escrito em todos os seus manuais. Com a implantação dos "conselhos compostos de membros da sociedade civil petista", o projeto demonstra a intenção desse pessoal de se perpetuar no poder. Mas eles parecem esquecer que a experiência bolivariana dos nossos vizinhos "está vazando água", e o previsível pode acontecer. Citando o pensador Adam Smith: "Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que devemos esperar nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse". EVANPRO SUDÉRIO RIBEIRO Rio de Janeiro, RJ A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é uma entidade sem vinculação partidária. Em inúmeras ocasiões nos opomos a atos emanados do governo, seja ele do PT ou de outro partido. Para exemplificar, na atual gestão, o Conselho Federal da OAB se opôs à ideia de convocação de Constituinte; ingressamos com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF contra o decreto presidencial que permitia a contratação de plano de saúde sem licitação; contestamos a não correção da tabela do imposto de renda de acordo com o índice real da inflação. Estamos estudando a inconstitucionalidade do decreto que trata da participação social. Não temos compromisso com partidos de governo nem de oposição. Toda vez que o direito do cidadão for lesado e a Constituição for desrespeitada, a OAB reunirá esforços para defendê-los. Nossa única missão é expressar a voz constitucional da advocacia e da sociedade ("Todo o poder aos sovietes", Carta ao Leitor, 11 de junho). LAURO ROCHA Chefe da assessoria de comunicação Conselho Federal da OAB Por e-mail CORREIOS A respeito da reportagem "E mais uma vez os Correios..." (11 de junho), os Correios esclarecem que a investigação da Polícia Federal sobre possíveis irregularidades na gestão do plano de saúde no Rio de Janeiro foi solicitada pelo próprio diretor regional da estatal, Omar de Assis Moreira. Ele nega as acusações de suposto recebimento de vantagens ilícitas e envolvimento nos fatos citados. THELMA KAI Gerente corporativa de Representação Institucional dos Correios Brasília, DF THOMAS PIKETTY Estimulante a entrevista com o economista francês Thomas Piketty ("É possível corrigir o rumo", 11 de junho). Destaco da entrevista o reconhecimento da educação como "a maior forca de redução da desigualdade". ARMANDO REIS VASCONCELOS Recife, PE Não podemos mais conviver com a realidade de estarmos nos tornando a sexta economia do mundo e ocuparmos a incômoda posição de 85º lugar no IDH, como já havia alertado VEJA sobre tal paradoxo em reportagem de 2002 ("Miséria, o grande desafio do Brasil"). O título da entrevista de Piketty ("É possível corrigir o rumo") deve servir de orientação para os nossos governantes. JOSÉ ELIAS AIEX NETO Foz do Iguaçu, PR EDER JOFRE Com muita tristeza, li a reportagem "O derradeiro nocaute de Eder Jofre" (11 de junho). Há alguns anos, encontrei-o em um supermercado e o cumprimentei pela sua excelente forma física. Ele me perguntou de onde eu o conhecia. Respondi-lhe que havia acompanhado todas as suas lutas no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. Na ocasião, achei-o, além de simpático, lúcido e dono de uma excelente memória. Infelizmente, agora tomamos conhecimento da doença que está minando o "Galinho de Ouro". Nossa torcida e nossas orações pela saúde de nosso eterno campeão. LUIZ ANTONIO ALVES DE SOUZA São Paulo, SP Os jornalistas Fábio Altman e Natalia Cuminale mostraram de maneira clara e objetiva os danos que o boxe causou ao cérebro do campeão Eder Jofre. Fico a pensar como estarão, daqui a alguns anos, brutamontes travestidos de atletas que fazem o bizarro espetáculo denominado MMA. RENNI A. SCHOENBERGER Joinville, SC Existem personagens das mais diferentes áreas da atividade humana que podem ser definidos como poetas, apesar de nada escreverem. Cito: Oscar Niemeyer na arquitetura, Pelé no futebol, Mozart na música clássica, Bibi Ferreira nas artes cênicas. Eder Jofre foi o poeta daquela que foi definida sempre como a "nobre arte". VEJA o retratou com brilhantismo e maestria. TEODORO UBERREICH Ilhabela, SP O boxe é mais um espetáculo criado para substituir a arena dos gladiadores romanos. Agora descobrimos que a diferença entre as duas modalidades é que o gladiador morria sempre dentro da arena. Já o boxeador leva seus ferimentos consigo até o próximo combate, e o próximo, iniciando assim uma longa descida para a encefalopatia crônica. Sou fisiologista e observo que o alto índice de encefalopatia entre jogadores e ex-jogadores de futebol americano comprova a ineficácia de capacetes contra a concussão cerebral. No máximo, eles protegem contra fraturas da caixa craniana. Mas... o espetáculo continua. NORMAN C. BENJAMIN São Paulo, SP ORELHAS DE ABANO Apesar de atual e relevante, a reportagem "Uma puxada e a vida fica melhor" (11 de junho) incorre em alguns erros. A cirurgia para tratamento das orelhas proeminentes (otoplastia) é realizada por vários hospitais que atendem o SUS, principalmente os universitários que contam com serviços de cirurgia plástica. DOV CHARLES GOLPENBERG Professor doutor e cirurgião plástico Responsável pelos grupos de Cirurgia Plástica Pediátrica do HCFMUSP e do Hospital Municipal Infantil Menino Jesus — São Paulo São Paulo, SP Mais que uma condição estética, as orelhas de abano representam, para muitos, problemas de socialização, baixa autoestima. timidez e dificuldades de aprendizado. A reportagem nos ajudou muito na divulgação do nosso trabalho. Temos recebido ligações de pacientes de todo o Brasil. Acrescento que a técnica empregada pelos cirurgiões do Projeto Orelhinha, e citada na reportagem, resulta da reunião de várias técnicas cirúrgicas já reconhecidas. LEILA SOUTO MIRANDA DE ASSIS Presidente do Instituto Orelhinha Campinas, SP PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação. VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP; Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até a quarta-feira de cada semana. 1#6 BLOGOSFERA EDITADO POR KÁTIA PERIN kperin@abril.com.br QUANTO DRAMA! PATRÍCIA VILLALBA PROFESSORAS A Juliana interpretada por Renée de Vielmond em Meu Pedacinho de Chão, em 1971, foi a primeira de uma série de professoras que teriam destaque nas novelas de Benedito Ruy Barbosa. O autor dá atenção especial às mestras. Faz isso não só porque pretende ressaltar a importância da educação, mas porque ambienta suas histórias principalmente no meio rural, onde os professores são centrais. www.veja.com/quantodrama COLUNA RICARDO SETTI COPA Mesmo com os muitos e importantes desfalques nesta Copa, os atletas que jogam nos doze estádios brasileiros têm futebol de sobra para encher os olhos de centenas de milhares de compatriotas e de bilhões de torcedores mundo afora, www.veja.com/ricardosetti COLUNA CAIO BLINDER PÁTRIA DE CHUTEIRAS Esse negócio de pátria de chuteiras me incomoda. É só futebol, mas sou filho de David. Meu pai sabia calçar as chuteiras e amava futebol. David quase se tornou profissional (Portuguesa de Desportos), mas ainda era menor de idade e a mãe não o deixou assinar contrato. O sonho do meu pai, que morreu em 2003, era assistir novamente a uma final de Copa no Brasil. Que vença a pátria de chuteiras. www.veja.com/denovayork SOBRE PALAVRAS O USO DE "QUÊS" "O que é que eu posso fazer para que o número de 'ques' que eu escrevo não seja maior do que o número de 'ques' que os bons escritores acham que é bom que se use? Qual é o truque que você usa?" SÉRGIO CINTRA A palavra "que" tem de fato uma tendência à proliferação desmedida sempre que nos descuidamos. Principal cola sintática da língua portuguesa, pode assumir o papel de pronome, conjunção, interjeição e até advérbio — para não mencionar o "quê" que, acentuado, vira substantivo — e é usada de forma bastante liberal na linguagem falada. Por escrito, porém, seu excesso é menos tolerado e costuma ser visto como denunciador de construções toscas e deselegantes. Não existe um truque único, mas sim uma série de providências (confira no blog) que podem ser tomadas para aliviar a presença do "que" num texto que esteja muito carregado dele. www.veja.com/sobrepalavras SOBRE IMAGENS DONAS DA BOLA No clima da Copa do Mundo, a exposição As Donas da Bola, em São Paulo, reúne o trabalho de onze fotógrafas sobre o futebol. Da Região Norte, no Amapá, passando pelo sertão pernambucano até o centro e a periferia de São Paulo, as fotógrafas Ana Araújo, Ana Carolina Fernandes, Bel Pedrosa, Eliária Andrade, Evelyn Ruman, Luciana Whitaker, Luludi Melo, Marcia Zoet, Marlene Bergamo, Mônica Zarattini e Nair Benedicto mostram a intensa relação das brasileiras com o esporte mais popular do planeta. www.veja.com/sobreimagens NOVA TEMPORADA PRETTY LITTLE LIARS O canal ABC Family encomendou mais duas temporadas de Pretty Little Liars, que deverão ir ao ar em 2015 e 2016. A história de quatro amigas que escondem um segredo relacionado ao desaparecimento de Alison, a garota mais popular da escola, faz grande sucesso nas redes sociais. Segundo o canal, cada episódio consegue média de 675 comentários no Twitter. E tornou-se também uma das séries com o maior número de seguidores no Instagram. www.veja.com/novatemporada • Esta página é editada a partir dos textos publicados por blogueiros e colunistas de VEJA.com _______________________________ 2# PANORAMA 18.6.14 2#1 IMAGEM DA SEMANA – TIRO, CIMITARRA E BOMBA 2#2 DATAS 2#3 HOLOFOTE 2#4 CONVERSA COM THALITA REBOUÇAS – LINDA, FAMOSA E EM EXPANSÃO 2#5 NÚMEROS 2#6 SOBEDESCE 2#7 RADAR 2#8 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – TIRO, CIMITARRA E BOMBA Guerra entre muçulmanos leva o Iraque para braço bem armado do extremismo. Existe coisa pior do que a Al Qaeda? Existe, chama-se Estado Islâmico do Iraque e do Levante (tradução de Sham, a palavra árabe para o lugar onde o sol nasce, significando Grande Síria) e acaba de alcançar uma vitória estarrecedora. Em poucos dias, os jihadistas saíram de um bolsão perto da Síria, país onde operam livremente em áreas menos populosas, mas em desvantagem do ponto de vista militar, e tomaram a região de Mosul, a segunda cidade do Iraque. Com isso, controlam agora um território de tamanho equivalente ao de um país médio da região, poços de petróleo e quantia equivalente a 900 milhões de reais, subtraída dos cofres locais, tornando-se assim a mais rica e efetiva organização terrorista em operação no mundo. Conhecido como Isis, a sigla de seu nome em inglês, o grupo segue a mesma ideologia ultraextremista da Al Qaeda, mas teve uma briga pelo poder com a organização-mãe e saiu ganhando. Enquanto o chefe da Al Qaeda, o egípcio Ayman Zawahiri, vive entocado nas montanhas entre o Afeganistão e o Paquistão, sob risco de bater de frente com um drone americano, o líder jihadista ascendente, o iraquiano Abu Bakr aL Baghdadi, é um comandante em campo de batalha e faz tudo aquilo de que seus seguidores gostam, incluindo decapitação de infiéis (na tomada de Mosul, as ruas estavam coalhadas de corpos mutilados), sejam xiitas ou sunitas imperfeitos do ponto de vista dos fundamentalistas, e atentado com carro-bomba contra civis. Acuado na Síria pela aliança xiita-alauita, o grupo contra-atacou espetacularmente no Iraque, graças a uma combinação de fatores favoráveis: governo fraco, população dividida pelas lealdades sectárias e falência sistêmica da política externa dos Estados Unidos. Como já faz na Síria, o Irã está despachando unidades especiais para salvar seus aliados xiitas. Com dois países vizinhos em guerra civil em larga escala, a chapa no Oriente Médio vai ferver. 2#2 DATAS • MORRERAM Marcello Alencar, ex-governador do Rio de Janeiro e presidente de honra do PSDB no estado. Advogado, defendeu presos políticos na ditadura militar. Em 1969, perdeu o mandato de senador após a instituição do AI-5. Em 1983, foi nomeado prefeito do Rio pelo governador Leonel Brizola. Seis anos depois, voltou à prefeitura pelo voto popular. Ganhou fama de bom administrador por ter posto as finanças da cidade em ordem. Em 1993, rompeu com o PDT de Brizola, filiou-se ao PSDB e se elegeu governador. Dia 10, aos 88 anos, de causas não divulgadas, em sua casa no Rio. Fernando Lúcio da Costa, o Fernandão, ex-jogador de futebol. Natural de Goiânia, iniciou a carreira no Goiás. Na França, atuou como atacante no Olympique de Marselha e no Toulouse. Quando retornou ao Brasil, em 2004, virou ídolo no Internacional ao comandar o time na conquista da Libertadores e do Mundial de Clubes de 2006. Aposentou-se em 2011, pelo São Paulo. Preparava-se para comentar a Copa pelo canal SporTV. Dia 7, aos 36 anos, em um acidente de helicóptero na cidade goiana de Aruanã. Victória Delfino dos Santos, a Marlene, cantora icônica do rádio. Nascida em São Paulo, ganhou o apelido pela semelhança com a atriz alemã Marlene Dietrich. Mudou-se para o Rio de Janeiro a contragosto dos pais e lá se consagrou na Rádio Nacional. Teve rivalidade histórica com a cantora carioca Emilinha Borba, com quem disputava público. Consagrada no exterior, dividiu o palco com Édith Piaf. Gravou mais de 4000 músicas, além de filmes e programas de TV. Dia 13, aos 89 anos, de falência de múltiplos órgãos, no Rio de Janeiro. Hélcio Milito, percussionista do grupo Tamba Trio, de música instrumental de bossa nova. Criou a tamba, instrumento com três tambores apoiados num suporte. Tocou com João Gilberto, Maysa e Tony Bennett. Dia 7, aos 83 anos, após meses internado por causa de um infarto, no Rio de Janeiro. Rafael Frühbeck de Burgos, o maestro espanhol de maior prestígio. Entre 2004 e 2011, foi diretor artístico da Filarmônica de Dresden. Frühbeck se tratava de um câncer e, no início deste mês, anunciou sua aposentadoria. Dia 11, aos 80 anos, em Pamplona. Ruby Dee, atriz americana. Seu trabalho mais conhecido foi O Sol Tornará a Brilhar, peça teatral que mostrava o dia a dia de uma família negra em Chicago, representada 530 vezes na Broadway, e que virou filme. Foi indicada seis vezes ao Emmy, e levou o prêmio uma vez, por seu papel no filme Decoration Day. Dia 11, aos 91 anos, de causas naturais, em Nova York. • TER|10|6|2014 ANUNCIADA a parceria entre o Grupo Abril, que edita VEJA, as Organizações Globo, e suas respectivas fundações, para a realização do Prêmio Educador Nota 10. A iniciativa, criada há dezessete anos pela Fundação Victor Civita, é destinada ao reconhecimento do trabalho de professores da educação infantil e do ensino fundamental e de gestores de escolas de todo o país. O encontro de celebração da parceria aconteceu na sede da Editora Abril, com a presença de Victor Civita Neto, presidente do Conselho Editorial da Abril, e de José Roberto Marinho, vice-presidente de responsabilidade social das Organizações Globo. 2#3 HOLOFOTE DISTRITO FEDERAL • A vingança O senador Gim Argello (PTB-DF) costuma ter um plano A e um plano B. Há dois meses, seu plano A era assumir o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) com o apoio da presidente Dilma Rousseff, segundo ele, sua amiga e confidente. Deu tudo errado. Houve uma inédita reação no TCU depois que se descobriu que o parlamentar responde a diversos inquéritos. O senador, porém, acredita que houve sabotagem oficial ao seu nome e viu digitais do governo na operação para inviabilizá-lo. Eis o seu plano B: Gim vai disputar uma vaga no Senado contra o candidato do PT, anunciou o apoio à campanha de Aécio Neves e ainda tentará levar o PTB para os braços da oposição. SÃO PAULO • Quinta-coluna Defensor ardoroso do "Volta, Lula", o deputado Cândido Vaccarezza está em maus lençóis no PT. A presidente Dilma Rousseff derrotou o candidato dele a vice-presidente da Câmara e faz questão de mantê-lo no baixo clero da Casa. Já esquerdistas do partido, liderados por Valter Pomar, querem que o PT não dê a legenda para Vaccarezza disputar um novo mandato. Eles acusam o colega de contrariar uma determinação partidária ao manter, na proposta de reforma política, o financiamento privado de campanha. O PT, como se sabe, quer uma Constituinte exclusiva sobre o tema e, com ela, instituir o financiamento público e o voto em lista, considerados estratégicos para o projeto de poder do partido. RIO GRANDE DO NORTE • Apareceu o azarão Quando desistiu de uma reeleição tranquila à presidência da Câmara para disputar o governo do Rio Grande do Norte, o peemedebista Henrique Alves reagiu à incredulidade de seus aliados dizendo que a campanha seria barbada. Ele enfrentaria só um adversário forte, contaria com o apoio de vinte partidos e abriria o palanque para os três principais concorrentes ao Palácio do Planalto. Em três meses, a realidade se impôs. As pesquisas mostram que diminuiu a vantagem de Alves sobre o rival Robinson Faria (PSD). Para piorar, viu-se que é muito alta a rejeição a Alves até mesmo entre os eleitores de seus colegas de chapa. Findo o otimismo, começa o trabalho para reverter o quadro. • Prospectando A preocupação com o surgimento de novos malfeitos na Petrobras daqui até as eleições não se restringe aos políticos. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a procuradores de todo o país que informem a seu gabinete eventuais investigações relacionadas à estatal. A ideia é fazer um inventário nacional dos procedimentos em tramitação no Ministério Público Federal que envolvem negócios da empresa. Janot não quer ser apanhado de surpresa com a deflagração de novas operações que possam dar a impressão de que a instituição estaria sendo usada politicamente. Não tem graça nenhuma Disposto a conquistar mais um mandato na na Câmara, o deputado Tiririca (PR-SP) não poderá mais recorrer ao bordão "vote no Tiririca, pior do que tá, não fica", que o fez famoso nas eleições de 2010. A julgar pelos números da sua atuação parlamentar, Tiririca não fez esforço algum para melhorá-la. Em três anos e meio de mandato, o deputado não conseguiu aprovar nenhum projeto de lei e simplesmente ignorou um dos instrumentos de trabalho mais sagrados do Parlamento, a tribuna. Tiririca passou mudo as 362 sessões realizadas pela Câmara no período. Não fez um único pronunciamento para defender os interesses de mais de 1,3 milhão de eleitores que votaram nele em 2010, mas divertiu os colegas com seu enorme repertório de brincadeiras e piadas. Na campanha que se avizinha, Tiririca será de novo a grande aposta do PR para angariar votos em São Paulo. 2#4 CONVERSA COM THALITA REBOUÇAS – LINDA, FAMOSA E EM EXPANSÃO Ídolo do público juvenil, ela é autora de dezesseis livros e já vendeu cerca de 1,5 milhão de cópias. Agora, prepara-se para invadir a América Latina e ter sua obra transformada em um jogo de tabuleiro, filme e até mangá. Quais são os conselhos que as suas leitoras pedem com mais frequência? Eu devo ter cara de professora de beijo porque me perguntam como fazem para beijar e contam que todas as amigas já beijaram, menos elas. Também me perguntam como contar ao pai que não são mais virgens ou que estão namorando. Todas as questões são muito delicadas, não posso saber as reações. Você é vista como conselheira. E, na hora de se aconselhar, fala com quem? Antes de mandar meus livros para a editora, eu os mostro ao meu marido. Amigo sempre diz que o texto está lindo. Aprendi que só alguém muito próximo fala que está ruim, diz para trocar tudo. Todo mundo fala sobre os perigos do sucesso, mas poucos sobre suas delícias. Qual a melhor parte do sucesso? Eu não vejo lado ruim. Só tenho a parte boa, como receber um e-mail de uma menina que estava fazendo quimioterapia em que ela contava que era a única rindo durante o tratamento. Saber que eu fiz rir alguém que está passando por esse processo me faz pensar que eu não preciso de mais nada na vida. O sucesso só tem um lado negativo para quem é muito famoso e exposto. Como os que conquistam a fama muito jovens? Ver uma multidão cantando sua música pode fazer a pessoa achar que é dona do mundo. A fama pode enlouquecer qualquer um, como a Miley Cyrus, que agora resolveu fazer as bobagens que nunca fez. Minha sobrinha comentou que é triste ver o Justin Bieber cometer loucuras, mas ela gosta mesmo é da música dele. Fiquei aliviada. Quem, para você, é o melhor escritor do mundo? Amo o Mário Vargas Llosa. Ia ter um treco se ele resolvesse ler meus livros. 2#5 NÚMEROS 541 a 1200 milímetros de chuva por ano é o volume registrado pela maioria dos países de democracia estável, segundo estudo da Universidade Stanford e do Instituto Nacional de Pesquisas Econômicas dos Estados Unidos. 82% das nações democráticas e nenhuma autocrática se encaixam na zona de precipitação moderada estabelecida pela pesquisa. Os autores relacionam a coincidência com o grau de dependência que o setor agrícola tem do governo. Onde chove o suficiente, os empreendimentos privados tendem a ser mais bem-sucedidos, o que incentiva a formação de um Estado mínimo. Já nos países em que o regime de chuvas é desfavorável e os agricultores dependem de ações governamentais, a propensão ao autoritarismo seria maior. 1761 milímetros é o nível médio de precipitação no Brasil 2#6 SOBEDESCE SOBE • Milionários - Estudo do Boston Consulting Group mostrou que, em 2013, as riquezas privadas tiveram um aumento recorde de 14% em relação a 2012, saltando para 152 trilhões de dólares. • Drone - Agência Federai de Aviação dos Estados Unidos autorizou pela primeira vez um voo comercial do equipamento. Ele decolou do Alasca para inspecionar instalações da petrolífera BP. • Empolgação presidencial - Em pronunciamento na TV, Dilma Rousseff disse que 36 milhões de brasileiros saíram da extrema pobreza de 2002 a 2012. Esse número foi de 8,4 milhões. DESCE • 60 watts - As lâmpadas com essa potência sairão de circulação em julho por terem sido consideradas ineficientes pelo Inmetro. • Audiência na Copa - O ibope da TV aberta durante a estreia do Brasil no Mundial caiu 20 pontos percentuais em relação a 2010. • Juras de amor - Parte do alambrado da Pont des Arts, em Paris, desabou com o peso de milhares de cadeados colocados lá desde 2008 por casais apaixonados. 2#7 RADAR LAURA JARDIM ljardim@abril.com.br • GOVERNO NÃO PEGOU Em novembro, na esteira das revelações sobre operações de espionagem dos EUA no Brasil, o governo Dilma adotou um novo sistema de e-mails, o V3, criado pelo Serpro especialmente para comunicações entre integrantes de órgãos federais. Em tese, seria à prova de espionagem. Só que, sete meses depois, o tal V3 não pegou: como é lento e tem problemas para anexar documentos, boa parte dos ministros não o utiliza. Nem Dilma. ALÔ OBAMA A propósito, por questões de segurança, Dilma Rousseff tem (e usa) cerca de quarenta contas de e-mail. • ELEIÇÕES ESPÍRITO GUERRILHEIRO No núcleo duro da campanha de Dilma Rousseff, Franklin Martins defende a radicalização do discurso contra o PSDB e o recrudescimento da guerrilha na internet já nesta fase de campanha. Mas, por enquanto, é uma voz solitária no grupo. QUAL É A HORA? Em recentíssima conversa com um interlocutor, Lula respondeu assim a uma provocação sobre se não era hora de ele apresentar-se como candidato na eleição de outubro, dada a queda da taxa de aprovação de Dilma Rousseff nas pesquisas: "Ainda não é hora". Por essas e outras é que o "Volta, Lula" não morre. Mesmo que de modo oblíquo, o ex-presidente alimenta o movimento. A propósito, aos mais próximos ele revela grande pessimismo quanto às chances dos candidatos petistas ao governo dos quatro maiores colégios eleitorais do Brasil. Embora nem sob tortura vá admitir publicamente, avalia que Alexandre Padilha, Lindbergh Farias e Fernando Pimentel não serão governadores. Lula teme também pelas chances de Rui Costa na Bahia. • BRASIL ÊXITO EM ITAIPU Advogado de meia República em apuros, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, fechou um contrato com Itaipu. O objeto: duas ações trabalhistas coletivas que, por enquanto, correm no TST e podem gerar prejuízos de cerca de 100 milhões de reais à estatal. Kakay recebeu 200.000 reais após a assinatura, mas só atuará na defesa e receberá o restante se o processo chegar ao STF. Nesse caso, serão mais 25.000 reais mensais. Conseguindo um acordo judicial, Kakay embolsará 2,6 milhões de reais e, se Itaipu vencer, 7,8 milhões de reais. PADRÃO LESMA A linha de transmissão de energia entre Porto Velho (RO) e Araraquara (SP), conhecida como "linhão do Madeira", deveria ter sido concluída em fevereiro de 2012. Só que a pré-visão de conclusão dos dois circuitos que a compõem é para dezembro de 2017. Quase seis anos de atraso. • ECONOMIA PENSANDO GRANDE A CCX, empresa de Eike Batista detentora de minas de carvão na Colômbia, murchou, tem hoje apenas doze funcionários, mas continua pensando grande — como o chefe sempre fez. Talvez por isso tenha acabado de aprovar numa assembleia de acionistas um reajuste na remuneração dos seus diretores (inclusive Eike) e conselheiros de 50% em 2014, em comparação com 2013. Agora, no item remuneração prevê gastar 4,5 milhões de reais neste ano. • COPA INFLAÇÃO DOS JATINHOS A Copa acaba de inflacionar mais um preço no Brasil — o do estacionamento de jatinhos. No Galeão, onde a Infraero fez concessão sem licitação para uma empresa operar (e ampliar) o hangar durante o Mundial, os valores explodiram: um jato médio de oito lugares, que pagaria em torno de 400 reais para estacionar, pernoitar e decolar, agora tem de gastar 16.700 dólares pelo mesmo serviço. • TELEVISÃO DE VOLTA Gugu Liberato, exatamente um ano depois de ter seu contrato cancelado espetacularmente pela Record, está de volta à... Record. Em seu retorno, Gugu dará adeus ao domingo. Seu programa será apresentado nos fins de noite, de 22h30 a meia-noite, às terças e quintas-feiras. Os tempos de salários milionários (3 milhões de reais ao mês) também ficaram para trás. Agora, pelo acordo firmado, a Record comprará o programa, que será produzido pelo próprio Gugu. 2#8 VEJA ESSA EDITADO POR MARIANA BARROS “(Marco) Maia é o pizzaiolo da corrupção.” - FERNANDO FRANCISCHINI, deputado federal (SDD-PR), comentando as perguntas chapa-branca do colega petista a Graça Foster na CPI mista da Petrobras. “Fizemos por ideologia e por acreditarmos na mudança. Se erramos, não erramos sozinhos.” - LUCIANO cantor, arrependendo-se do apoio dado à campanha de Lula para a Presidência em 2002. O irmão do sertanejo, Zezé Di Camargo, declarou que vai votar agora no tucano Aécio Neves. “Vossa excelência veio pautar?” - JOAQUIM BARBOSA, presidente do STF, ao solicitar a retirada do plenário do advogado do mensaleiro José Genoíno, que tentava pressioná-lo a pôr em votação o recurso que concede prisão domiciliar ao petista. “Postarei no Facebook minha declaração completa.” - AMADO BOUDOU, vice da presidente argentina Cristina Kirchner, em resposta a jornalistas que o aguardavam ao fim do depoimento de sete horas que deu à Justiça. Ele é acusado de ter mandado imprimir notas de 100 pesos em sua própria gráfica quando era ministro da Economia. “Excuse-me aí.” - AGENTE DE TRÂNSITO abordado por repórter do jornal Folha de S.Paulo que se passou por turista estrangeiro. “Da próxima vez, faremos uma fornada.” - JEAN-MARIE LE PEN, reeleito deputado do Parlamento Europeu e fundador do partido francês de extrema direita Frente Nacional, referindo-se a artistas, inclusive judeus, que criticam o partido. “Foi um erro político.” - MARINE LE PEN, atual presidente do partido, criticando, ainda que pelas razões erradas, os comentários antissemitas do pai. “Será que vou ter de ficar de joelhos?” - CHRISTINE LAGARDE, diretora-presidente do FMI, desculpando-se novamente pelas críticas equivocadas ao bem-sucedido programa econômico de austeridade do governo britânico. “Ele tem sido um anjo em minha vida por muitas razões.” - SHAILENE WOODLEY, atriz americana, protagonista do filme A Culpa É das Estrelas, em entrevista à revista Vanity Fair, sobre o colega George Clooney. “Respeitar e proteger as mulheres deve ser prioridade para o 1,25 bilhão de pessoas do país.” - NARENDRA MODI, primeiro-ministro indiano, ao tentar remediar na TV a afirmação de um colega de partido de que o estupro pode ser aceito em "alguns casos". “Queria ver se você pode agilizar.” - ILZA QUEIROZ, primeira-dama do Distrito Federal, pega em grampo telefônico da Polícia Civil quando pedia a um funcionário público que liberasse da vistoria dos bombeiros uma clínica de oftalmologia. “Estou tão brava com esses manifestantes maldosos. Todos deveriam ser executados.” - WELUREE DITSAYABUT, miss Tailândia que renunciou ao título depois do comentário acima, postado no Twitter. Weluree se referia aos apoiadores da ex-primeira-ministra derrubada em maio por um golpe militar, o 12º ocorrido no país desde 1932. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto do início dos jogos da Copa do Mundo “A bola é um reles, um ínfimo, um ridículo detalhe. O que procuramos no futebol é o drama, a tragédia, o horror e a compaixão.” - NELSON RODRIGUES, dramaturgo e cronista esportivo (1912-1980). _________________________________ 3# BRASIL 18.6.14 3#1 UMA QUESTÃO DE TEMPO 3#2 A CAÇA AOS GATOS 3#3 REAÇÃO INSTITUCIONAL 3#4 EXPEDIÇÃO VEJA - ATALHOS DE LOGÍSTICA 3#1 UMA QUESTÃO DE TEMPO Em queda nas pesquisas, Dilma garante o apoio do PMDB e abraça o PDT, cujo presidente ela demitiu por irregularidades. DANIEL PEREIRA O governo sabia que a presidente Dilma Rousseff deveria manter uma distância regulamentar da Copa do Mundo. Em junho do ano passado, no auge das manifestações que derrubaram o apoio popular aos governantes, ela foi recebida com uma sonora vaia ao discursar na abertura da Copa das Confederações. Na ocasião, até fez aquela cara de poucos amigos que aterroriza os ministros, mas não conseguiu intimidar os torcedores. Pensado como peça de propaganda eleitoral, o discurso acabou se tornando um estrondoso tiro no pé. Recentemente, pesquisas encomendadas pela Presidência da República também detectaram que os brasileiros não querem os políticos pegando carona na Copa e na paixão dos eleitores pelo futebol. Esses precedentes provocaram um debate entre coordenadores da campanha à reeleição e assessores presidenciais. Dilma deveria discursar na abertura da Copa? Deveria ir aos estádios? Deveria fazer um pronunciamento sobre o tema? A ideia inicial era que não — para evitar desgastes desnecessários. Com a queda nas pesquisas, houve uma ligeira mudança nos planos, e a presidente colheu o que tanto temia. Na estreia do Brasil na Copa, contra a Croácia, Dilma foi vaiada e xingada. Temendo constrangimento diante dos torcedores, ela até abriu mão de discursar antes da partida, mas bastou aparecer no telão para ouvir um coro grosseiro, recheado de palavras de baixo calão. A repercussão foi imediata, principalmente nas redes sociais, que replicaram a cena. O Planalto sabia dos riscos que corria. Tanto que tentou minimizá-los na terça-feira, quando Dilma usou por dez minutos a rede nacional de rádio e televisão para exaltar a Copa, defender seu legado e atacar os "pessimistas". Em resposta a denúncias de superfaturamento em obras e a queixas com os gastos públicos, ela disse, por exemplo, que o poder público investiu 212 vezes mais em saúde e educação do que na construção de estádios. Pelas manifestações ouvidas no Itaquerão, a ofensiva televisiva não deu certo. Há o temor de que o coro se repita em outros jogos da Copa, com ou sem a presença da presidente. Por enquanto, está prevista apenas a ida dela à final, no Maracanã. Pior: com base nesse episódio, há o temor de que Dilma não consiga, mesmo com a propaganda eleitoral na TV, reduzir seu alto nível de rejeição e conquistar os votos que lhe garantam um novo mandato. A propaganda eleitoral é a principal arma dos coordenadores da campanha presidencial do PT. A meta deles é formar uma coligação com pelo menos dez partidos e, assim, assegurar à presidente o dobro do tempo reservado aos dois principais rivais: o senador Aedo Neves (PSDB) e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB). Com esse ativo, os governistas dizem que Dilma tem chance de vencer no primeiro turno. Uma chance que, segundo as pesquisas, é cada vez menor (veja reportagem na página 64). Levantamento do Ibope divulgado na semana passada mostrou Dilma com 38% das intenções de voto, quatro a menos que seus oponentes somados. Se confirmados em outubro, esses números levarão à realização do segundo turno. A vantagem dela sobre Aécio ou Campos, em eventual embate direto com cada um deles, também diminuiu. Hoje, é de 9 e 11 pontos, respectivamente. No início do mês, Dilma, o ex-presidente Lula, o marqueteiro João Santana e o ex-ministro Franklin Martins se reuniram no Palácio da Alvorada para analisar a conjuntura eleitoral. Eles elencaram os problemas que têm tirado votos da presidente, como a inflação e o pessimismo crescente com os rumos economia, e concluíram que a melhor maneira de superá-los, aos olhos dos eleitores, é com a propaganda eleitoral. "Os adversários não conseguem subir com a velocidade esperada e são pouco conhecidos. Já a presidente ainda conta com um nível de apoio popular bastante competitivo", diz um dos coordenadores da campanha. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda não divulgou de quantos minutos cada candidato disporá na propaganda eleitoral, mas Dilma pode ter até o dobro do tempo somado de Aécio e Campos (veja o quadro na pág. 62). Haverá vantagem também na quantidade de comerciais de trinta segundos. A presidente espera ter três vezes mais inserções diárias do que Aécio. A propaganda e as inserções serão usadas pelo PT para suprir o que auxiliares de Dilma chamam de ''déficit de informação". Eles alegam, como de costume, que o governo fez muito mais do que é divulgado — e que essas realizações, por falhas na comunicação oficial, ainda não são reconhecidas pela população. Outra meta é reforçar a imagem de programas considerados carreadores de voto, como o Mais Médicos e o Minha Casa, Minha Vida. "Eles querem surrupiar nossos programas. Eles subestimam a inteligência do nosso povo. Quando tiveram a oportunidade, não fizeram", declarou a presidente, referindo-se a tucanos e socialistas. Na reunião no Alvorada, ficou decidido que a propaganda também reforçará características pessoais da presidente que ainda são exaltadas pelos eleitores, como, segundo seus apoiadores, competência e honestidade. "Há uma dissonância, um descompasso, entre a aprovação a esses atributos e a aprovação às ações do governo. A meta é aproximá-los. Numa eleição, julga-se fortemente a pessoa", diz um dos coordenadores da campanha. Para ele, a Copa ajudará a presidente ao congelar o debate eleitoral. "Impressiona a resistência de Dilma. Ela está sobrevivendo à crise social de junho passado, aos protestos contra a Copa e à crise internacional. Chegaremos a agosto com as mesmas intenções de voto de agora. Com o início da propaganda, ela terá plenas condições de vencer no primeiro turno", acrescenta. O otimismo é uma das marcas de Lula e de seus seguidores. O otimismo e o pragmatismo. Para alcançar um tempo recorde de propaganda eleitoral, Dilma deixou de lado o figurino da faxineira ética e se entregou gostosamente à cooptação partidária. À mesa, ela negocia participação neste e no futuro governo. Na semana passada, a presidente recebeu o apoio do PDT à reeleição. O partido é presidido por Carlos Lupi, que foi demitido pela própria Dilma do cargo de ministro do Trabalho depois de ser alvo de uma série de denúncias. Correligionários de Lupi o acusam de ter montado um esquema de cobrança de propina na pasta (leia a entrevista na página 60). Dilma também corteja o PR — presidido pelo senador Alfredo Nascimento, que foi defenestrado por ela do Ministério dos Transportes — e o PP, partido a que prestava serviços o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, preso e investigado por suspeita de corrupção (veja o quadro na página 63). Maior aliado do PT no governo, o PMDB também anunciou adesão à campanha à reeleição. A parceria foi selada depois de uma convenção em que só 54% dos peemedebistas habilitados a votar se manifestaram a favor da reedição da chapa formada por Dilma e Michel Temer. Em 2010, o percentual foi de 85%. O PMDB controla atualmente cinco ministérios, mas acha pouco. Diz que com essas pastas não tem "instrumentos políticos" eficientes — leia-se: cargos, verbas e políticas capazes de agradar a financiadores de campanha e eleitores. Há tempos, o partido cobra uma melhor participação na Esplanada. Há tempos, exige que o PT abandone disputas estaduais para apoiá-lo. Pelas mãos de Dilma, os petistas já fizeram algumas concessões. Entre elas, embarcar nas candidaturas do ex-presidente José Sarney ao Senado e dos filhos de Renan Calheiros e Jader Barbalho aos governos de Alagoas e do Pará — três expoentes do partido que já foram considerados pelo PT como exemplos de vilania. Ao aprovar por pequena margem a coligação nacional com os petistas, os peemedebistas deixaram claro que querem novas concessões. O recado é claro: se essa fatura não for paga, Dilma usará o tempo de TV do PMDB, mas boa parte da legenda, se não a maioria dela, pedirá voto para Aécio ou Eduardo Campos. Se o PT é a legenda associada à corrupção, como demonstram as próprias pesquisas internas do partido, o PMDB é a cara do fisiologismo. Dilma não só fez vista grossa à fama do parceiro como o afagou: "Estamos nos aliando ao que há de mais moderno neste país". A presidente em início de mandato pensava diferente da presidente que está em campanha. Em 2011, Dilma demitiu dois peemedebistas do ministério. Nos anos seguintes, expurgou-os de estatais de ponta, como Furnas e Petrobras. Mas isso é passado. Em busca do novo mandato, Dilma agora confraterniza até com o deputado Eduardo Cunha, que já foi, para ela, a encarnação do mal na política brasileira. "Não vou me deixar perturbar por agressões verbais, não vou me deixar atemorizar com xingamentos que não podem sequer ser escutados pelas crianças e pelas famílias", disse a presidente. Desconsideradas as grosserias, as vaias refletem justamente o que "há de mais moderno" na política brasileira. SINAIS TROCADOS A última pesquisa do Ibope registrou queda nas intenções de voto na presidente Dilma Rousseff e a possibilidade de segundo turno, com o crescimento dos candidatos de oposição Março Dilma Rousseff (PT) 40% Aécio Neves (PSDB) 13% Eduardo Campos (PSB) 6% Abril Dilma Rousseff (PT) 37% Aécio Neves (PSDB) 14% Eduardo Campos (PSB) 6% Maio Dilma Rousseff (PT) 40% Aécio Neves (PSDB) 20% Eduardo Campos (PSB) 11% Junho Dilma Rousseff (PT) 38% Aécio Neves (PSDB) 22% Eduardo Campos (PSB) 13% "O QUE VALE É ACUMULAR CARGOS E VANTAGENS" O ex-ministro Brizola Neto é considerado um dos poucos amigos da presidente Dilma Rousseff. Pedetista como o avô, o ex-governador Leonel Brizola, ele foi escolhido para comandar o Ministério do Trabalho em 2012. No entanto, permaneceu por apenas dez meses no cargo, minado, segundo contou ao editor Rodrigo Rangel, por contrariar interesses nada republicanos da direção do partido. Por que o senhor critica tão fortemente Carlos Lupi, que afinal preside o seu partido e integra um governo do qual o senhor também fez parte? Hoje existe uma quadrilha que tomou de assalto a direção do PDT. Lupi e Manoel Dias (atual ministro do Trabalho) são verdadeiros corruptos que têm a cara de pau de permanecer no ministério mesmo diante de um pedido da polícia ao STF para investigá-los. Lupi foi o responsável por jogar no lixo um legado construído durante toda uma vida por meu avô, Leonel Brizola. A tragédia é ver que o patrimônio ético do PDT foi jogado no lixo. Hoje o partido é uma federação de interesses. O que vale para esses dirigentes é acumular cargos e vantagens. Ou seja: um balcão de negócios. A que o senhor se refere? A gestão de Lupi no ministério foi de seguidos escândalos, favorecimentos e propinas milionárias. O cálculo que se faz é que tenha havido desvio de mais de 400 milhões de reais. Esses atuais dirigentes do partido, Lupi e Manoel Dias, são figuras repugnantes. O Lupi mudou de padrão de vida em relação ao jornaleiro que eu conheci. Quanto a Manoel Dias, ele é apenas um empregado do Lupi. O que o senhor fez de diferente em relação a Lupi? Quando estive no governo, conseguimos fechar a fábrica de sindicatos que havia dentro do ministério. O que acontecia que fazia com que os processos ficassem sujeitos ao tráfico de influência? Chegou a haver 8000 pedidos acumulados. Para quê? Negavam, e os interessados ficavam sujeitos a toda sorte de influência da direção do ministério. Ficavam à mercê das vontades do ministério. É o ambiente ideal para o tráfico de influência, tanto que se criou ali uma expressão: fábrica de sindicatos. Quem era o gerente dessa fábrica? Era o Lupi. Eu fechei a fábrica. Ao admitir o grupo de Lupi de volta no governo, a presidente Dilma cedeu ao fisiologismo? A minha ida para o ministério foi à revelia dessa direção, num movimento que a presidente Dilma fez para enfrentar as cúpulas partidárias, das quais ela acabou se tornando refém. Eu lamento muito que a política nacional, e o sistema político, crie governos dependentes de bases fisiológicas. Hoje a presidente Dilma é refém de um exército de mercenários que formam sua base aliada. No Brasil, os partidos, com raríssimas exceções, não são programáticos nem democráticos. Só têm compromisso com sua manutenção no poder, com a ocupação de cargos e com a obtenção de vantagens junto ao poder público. Essa é a grande tragédia da política brasileira. O senhor se decepcionou com a presidente? Eu tenho uma grande admiração pela presidente Dilma. É importante lembrar que em 1989 e 1994 ela votou no Brizola e não no Lula. E ela tem um pouco daquilo que durante uma vida inteira eu vi no meu avô, e compromissos sinceros com a trajetória do trabalhismo brasileiro. Talvez ela não tenha conseguido avançar mais por se tornar refém de uma base parlamentar que põe em primeiro lugar seus interesses pessoais, regionais, eleitorais. O que eu posso afirmar é que ela tentou à exaustão combatê-los. Mas os interesses eleitorais e a necessidade de ter votos no Congresso falaram mais alto. Por que o senhor deixou o ministério? O Lupi queria continuar mandando e desmandando no ministério, como ele manda hoje no ministério do Manoel Dias, com todas as máculas que carrega, seja na concessão de registro sindical, seja na relação com ONGs que recebem verbas do ministério. Era a maneira que ele tinha de continuar influenciando e dando continuidade às suas práticas não republicanas. Em algum momento a presidente admitiu que estava demitindo o senhor porque precisava ceder ao fisiologismo? Interlocutores aconselharam mal a presidente, dizendo que era necessária, para recompor com o PDT, a volta do grupo do Lupi ao Ministério do Trabalho. A presidente conversou comigo e disse que estava entristecida, que estava fazendo um ato que não era da sua vontade. Mas que se viu obrigada pelas circunstâncias a me substituir e devolver o ministério à direção nacional do PDT. LONGA METRAGEM O PT já assegurou o apoio do PMDB e do PDT e aguarda a formalização da aliança com mais sete legendas, o que garantirá ao partido quase o dobro de tempo de televisão dos seus adversários somados. DILMA ROUSSEFF 12min12s (* Pela lei, um terço do tempo de propaganda eleitoral é dividido de forma igualitária entre todos os candidatos. Se forem nove concorrentes, serão acrescidos 56s ao tempo de propaganda de cada um deles.) Devem formalizar a aliança até o fim de junho: PSD - 1min34s PP - 1min16s PR - 1min PTB - 37s Pros - 35s PCdoB - 27s PRB - 16s Já formalizaram a aliança: PDT - 29S PMDB - 2min18s PT - 2min44s AÉCIO NEVES 4min16s (* Pela lei, um terço do tempo de propaganda eleitoral é dividido de forma igualitária entre todos os candidatos. Se forem nove concorrentes, serão acrescidos 56s ao tempo de propaganda de cada um deles.) Devem formalizar a aliança até o fim de junho: DEM 47s SDD 41s Já formalizaram a aliança: PTC - 2s PTN - 2s PTdoB - 6s PMN - 6s PSDB - 1min36s EDUARDO CAMPOS 2min13s (* Pela lei, um terço do tempo de propaganda eleitoral é dividido de forma igualitária entre todos os candidatos. Se forem nove concorrentes, serão acrescidos 56s ao tempo de propaganda de cada um deles.) Devem formalizar a aliança até o fim de junho: PPS - 16s PRP - 4s PHS - 2s Já formalizaram a aliança: PSB - 55s ELE GUARDOU 23 MILHÕES DE DÓLARES O ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa é um produto dessa associação política em que o interesse público sempre está em último lugar. Indicado ao cargo por um consórcio formado pelo PP, PT e PMDB, ele fez fortuna facilitando negociatas criminosas no submundo da estatal. Paulo Roberto foi preso há três meses - depois libertado por meio de um habeas corpus —, quando a Polícia Federal descobriu que ele agia em parceria com o doleiro Alberto Youssef. O esquema é padrão: Paulo Roberto facilitava a vida de algumas empresas que tinham negócios com a estatal. Em troca, elas contribuíam para um caixa clandestino administrado pelo doleiro - dinheiro que era rateado entre todas as partes envolvidas. Os investigadores já identificaram parlamentares, partidos e funcionários públicos beneficiados. O ex-diretor, sozinho, guardava 23 milhões de dólares em contas no exterior. O fisiologismo e os conchavos políticos são responsáveis pela existência de figuras como o ex-diretor da Petrobras. O caso permite compreender por que um cargo numa estatal qualquer é disputado com tanto afinco pelos partidos. Se Paulo Roberto Costa, que era apenas um elo da estrutura, escondeu 23 milhões de dólares em contas secretas, é razoável supor que o esquema tenha movimentado no mínimo dez vezes mais que isso. São recursos públicos desviados para campanhas políticas e para os bolsos de criminosos. Na semana passada, o ex-diretor prestou depoimento na CPI da Petrobras no Senado, composta de parlamentares governistas. Sem ser confrontado, Paulo Roberto respondeu a uma infinidade de perguntas. A parceria chegou a ponto de os parlamentares ouvirem em silêncio uma explicação bizarra para o que parecia inexplicável: perguntado sobre o dinheiro que a polícia apreendeu em sua residência – 762.000 reais, 181.000 dólares e 10.000 euros -, ele respondeu que era para pagar algumas despesas. E a origem? "Foram dólares que nos meus 35 anos de Petrobras economizei, e deixei esse dinheiro como uma garantia, como vários de nós têm dólares guardados em casa. Então, eu não sei qual é o problema disso." A Justiça viu alguns problemas e mandou prendê-lo novamente horas depois do depoimento. ROBSON BONIN 3#2 A CAÇA AOS GATOS Dilma cai nas pesquisas e, pela primeira vez, tem menos intenções de voto do que a soma de seus desafiantes. A briga agora é pelo indeciso, um tipo de eleitor valioso, mas dissimulado como um felino. BELA MEGALE E PIETER ZALIS É corrente no meio político a teoria que classifica a disposição do eleitor em relação a um candidato com base nas características comportamentais do cachorro, da serpente e do gato. O eleitor do tipo canino é sempre fiel ao candidato, não importa se ele honrou o voto ou se tornou uma nulidade no cargo. O eleitor de comportamento ofídio está sempre em prontidão para dar o bote traiçoeiro, mesmo que seja tratado a pão de ló pelo candidato. O gato é o típico eleitor que jamais jura lealdade a um candidato, mas tampouco se declara adversário dele. Fica rondando, dando mostras de que, enquanto lhe derem comida e carinho, ele não vai embora. Tecnicamente, esse eleitor arisco, mas conquistável, é chamado de indeciso. Nunca os indecisos foram tão decisivos em uma eleição presidencial no Brasil pós-democratização. A taxa de eleitores sem candidato (indecisos somados aos que declaram voto nulo ou em branco) chegou a 30% no último levantamento do Datafolha. É a mais alta porcentagem desde a redemocratização. Praticamente, para cada dez eleitores indecisos em eleições passadas existem quinze hoje. É desses felinos que os candidatos Aécio Neves e Eduardo Campos esperam conquistar a fidelidade durante a campanha eleitoral. Para quem está no poder, é sempre mais difícil cativar os indecisos — afinal, o candidato teve quatro anos de caneta na mão para convencer o eleitorado. Não é só com gogó que ele vai quebrar o gelo dos indecisos. Esses felinos crescem em importância à luz de outro dado que veio à tona na pesquisa Ibope divulgada na semana passada. Ali se vê que, pela primeira vez. o número de brasileiros que declaram votar em Dilma Rousseff (38%) é menor do que a soma dos que darão seu voto a Aécio Neves (PSDB), Eduardo Campos (PSB) e aos candidatos dos partidos nanicos. Isso significa que a disputa está aberta e, com grande dose de certeza, será levada ao segundo turno. Quem ultrapassará a barreira do primeiro turno e disputará a Presidência com Dilma no segundo? Pelo quadro atual, será aquele que conquistar mais indecisos para seu lado. Por essa razão, Aécio e Campos estão em pleno período de caça aos felinos. Cada um tem uma estratégia para aumentar a população de seu gatil. Aécio acha contraproducente recorrer somente às críticas a Dilma. O indeciso sabe quais são os defeitos do atual governo — do contrário, não estaria em cima do muro. Aécio vai focar as razões pelas quais ele merece ser presidente. Exporá suas conquistas no governo de Minas Gerais e reafirmará a qualidade pessoal que melhor o diferencia de Dilma: a capacidade para o diálogo, a disposição de convencer e ser convencido. Ninguém encarnou tão bem essas qualidades como o ex-presidente americano Bill Clinton. O campo de Aécio está estudando com atenção nas campanhas de Clinton a maneira como ele conseguia transformar uma fria promessa de política pública em um compromisso caloroso e emocional firmado entre duas pessoas: ele e o eleitor. Campos teve de priorizar o alívio da tensão criada com sua vice, Marina Silva, contrária à decisão do PSB de apoiar a reeleição de Geraldo Alckmin em São Paulo. Tudo indica que as escolhas de Campos no Rio de Janeiro e Minas Gerais também vão desagradar a Marina. Miro Teixeira é aliado de primeira hora de Marina Silva, mas o PSB não o engole. Em Minas, o candidato de Marina é Apolo Heringer. O PSB pende para Júlio Delgado. É barulho demais na casa para quem precisa criar um ambiente agradável aos ouvidos dos gatos. Mas Campos, hábil encantador de serpentes, tem seu arsenal de truques para atrair também os felinos. 3#3 REAÇÃO INSTITUCIONAL O Congresso se levanta contra o decreto bolivariano que estabelece que os "movimentos sociais" subordinados ao PT participem da administração pública brasileira. ADRIANO CEOtlN O Congresso Nacional se acostumou nos últimos anos com uma posição de subserviência em relação ao Palácio do Planalto. Parlamentares chancelam a maioria das decisões do presidente da República, sem debatê-las, desde que recebam em troca favores como cargos e emendas. Via de regra, o Legislativo vive de joelhos para o Executivo e não há uma relação de autonomia e independência entre os poderes, como determina a Constituição. Mesmo nesse quadro, contudo, surgem raros mas decisivos momentos de altivez do Parlamento. Um desses momentos nobres ocorreu na semana passada, quando o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o da Câmara, Henrique Alves, cobraram da presidente Dilma Rousseff a revogação do decreto já balizado de "bolivariano". por ser a mais completa tradução do populismo caudilhista que se espalhou pelos nossos vizinhos latino-americanos e encontrou na Venezuela sua expressão mais ruinosa. O decreto obriga os órgãos da administração pública a incluir em suas instâncias decisórias conselhos formados por "movimentos sociais" da "sociedade civil". Certamente esses conceitos eliminam de cara os brasileiros que trabalham durante cinco meses do ano só para pagar impostos e taxas ao governo, os mesmos que nada recebem em troca do Estado — tendo, para ficarmos em um exemplo, de pagar três vezes pelos tratamentos de saúde: a primeira ao SUS, a segunda ao seguro privado e a terceira ao médico, cujos honorários sempre superam os repasses dos planos. Esses brasileiros têm o tempo útil tomado pelas obrigações com o trabalho, a educação dos filhos e um pouco de lazer. É óbvio, então, que os tais "conselhos" serão formados pelo crescente grupo de pessoas para quem o "ativismo" virou profissão, a maioria em alguma folha de pagamento de “Gilbertinho”, o carinhoso apelido de Gilberto Carvalho, ministro com gabinete no Palácio do Planalto, o financiador dos manifestantes profissionais no país. Quando estiverem em ação nos conselhos de instituições vitais para o país como o Banco Central, a hidrelétrica de Itaipu ou a Embrapa, a quem os "conselheiros" vão obedecer? A quem lhes paga. A Gilbertinho. Ao PT. "Esse decreto fere a autonomia entre os poderes", disse Renan a VEJA. "O sentimento da Casa é pela derrubada do decreto", acrescentou Alves. Defensores da reeleição de Dilma, os dois peemedebistas tentaram na semana passada uma saída negociada que dê ao próprio Executivo a chance de voltar atrás e retirar a iniciativa. Do contrário, Renan e Alves têm certeza de que a presidente sofrerá uma derrota histórica no Congresso. Depois de uma audiência com Dilma, Renan até classificou de "meritória" a ideia de aumentar a participação popular na discussão de políticas públicas — mas não por meio de um decreto de redação confusa e propósitos obtusos. "Sempre defendi a ampliação da participação popular, mas não é aconselhável que se recorra a um decreto para tal. Quem representa o povo é o Congresso Nacional", disse o presidente do Senado. Renan também criticou o plano do PT de retomar a ofensiva pelo chamado controle social da mídia, um eufemismo para a obsessão em censurar a imprensa. Ele chamou de "insana" a pretensão de abolir o direito à liberdade de expressão — "a qualquer pretexto, inclusive administrativo, financeiro ou comercial, como ocorreu em países vizinhos". E concluiu: "Como já foi dito, o único controle tolerável é o controle remoto. E o controle remoto não deve ficar na mão do Estado, mas nas mãos dos cidadãos". Lembre-se que essa feliz expressão, de que o único controle tolerável é o remoto, foi cunhada por Dilma Rousseff, que a repetiu publicamente em várias oportunidades — o que torna ainda mais enigmática sua assinatura no decreto bolivanano. São necessários os votos de 257 deputados e 41 senadores para sustar o decreto. Na semana passada, Henrique Alves avisou o ministro Aloizio Mercadante, chefe da Casa Civil, da derrota iminente do governo e sugeriu um passo atrás. Desde que as pesquisas passaram a detectar queda nas intenções de voto da presidente, há um esforço hercúleo para reaproximar os movimentos sociais da candidata do PT. "Estamos buscando um estimulo a novos canais para a participação cidadã. A cidadania vai além da condição do cidadão de eleitor", disse Mercadante. Desgastado politicamente, Gilberto Carvalho, o patrono dos movimentos sociais, cederá a Mercadante a missão de convencer o Congresso a aprovar a medida. Gilbertinho argumenta que não há segundas intenções no decreto. O papel dele é este mesmo: ferver a água bem devagarinho para que o sapo não desconfie e pule da panela. Ocorre que as primeiras intenções já são absurdas. Em um artigo publicado há seis anos, Pedro de Carvalho Pontual, diretor do Departamento de Participação Social e, portanto, subordinado a Gilberto Carvalho, escreveu: "Propomos que seja priorizada a criação de mecanismos de controle social sobre o Banco Central, o Conselho Monetário Nacional, o BNDES, a Caixa e o Banco do Brasil". Controle. Esse é o objetivo. Aconselhar, que seria a função esperada de um conselho, serve apenas para que a água não ferva tão depressa. Mas, pelo jeito, o sapo já está pulando fora da panela de Gilbertinho. 3#4 EXPEDIÇÃO VEJA - ATALHOS DE LOGÍSTICA Surgem no Brasil centros que permitem às empresas compartilhar serviços — e dar saltos de competitividade. GABRIEL CASTRO Durante a II Guerra Mundial, o governo americano deparou com um problema: era preciso buscar uma forma mais eficiente de produzir e distribuir aos militares um grande volume de itens essenciais, como roupas, alimentos e equipamentos eletrônicos. A saída encontrada foi criar um complexo, na cidade de Memphis, onde tudo isso era fabricado num espaço concentrado. Cerca de três décadas mais tarde, também nos Estados Unidos, a crise do petróleo ensejou o surgimento de espaços onde diferentes empresas podiam compartilhar serviços de armazenagem e transporte, cujos custos haviam disparado: eram as plataformas logísticas, irmãs dos condomínios industriais surgidos na guerra. De seu país de origem, esses dois conceitos se espalharam pelo mundo e começam agora a chegar aqui, como constatou a Expedição VEJA em seu trajeto de quase 12.000 quilômetros pelo Brasil. O maior condomínio industrial do país funciona em Joinville (SC) e é um empreendimento 100% privado. Além do aluguel, as empresas instaladas no Perini Business Park pagam uma taxa de 1,41 real por metro quadrado. Em troca, não precisam se preocupar com segurança, coleta de resíduos e tratamento de esgoto. Também há abastecimento de água, gás natural e energia assegurados. Se a empresa quiser ampliar a área ocupada, tudo bem: os galpões são fabricados dentro do próprio condomínio, há terreno livre para expansão e a burocracia é zero. As exportadoras e importadoras também podem recorrer ao despachante alfandegário que funciona dentro do aglomerado. Ainda não é possível para elas recorrer a um escritório capaz de lidar de uma só vez com todas as instâncias do governo, como acontece na cidade industrial de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, por exemplo. Mas os ganhos de eficiência proporcionados pelo empreendimento catarinense são evidentes. O condomínio se tornou o endereço de mais de 100 empresas, como a Sherwin-Williams, a Bosch e a BMW, que ergueu no local o seu centro de distribuição no Brasil. Do Perini, saem 20% das riquezas de Joinville e 2,6% do que é produzido no estado. Muitas companhias instaladas no complexo fazem parte da mesma cadeia produtiva. Foi um dos motivos que atraíram o empresário Fernando Pereira Júnior, dono de uma fábrica de aditivos químicos para tintas. "Meu vizinho de muro me fornece matéria-prima e nós usamos a mesma transportadora", diz ele. Os benefícios da integração de diversas atividades em um mesmo ambiente também são demonstrados pelas plataformas logísticas, que permitem, por exemplo, que um caminhão parcialmente carregado de micro-ondas de uma fabricante possa ser usado para levar também produtos de beleza distribuídos por outra companhia — e as rotas mais eficientes são traçadas por programas de computador. O custo da logística representa 8% do produto interno bruto (PIB) dos Estados Unidos. No Brasil, são 12% — com tendência de alta, segundo o professor Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral. O especialista estima que, nos dois últimos anos, o índice tenha se elevado para a casa dos 14%. "O Brasil só vai evoluir quando o governo deixar de ser sócio. É uma atividade que se baseia em regra de mercado, e os governantes não entendem disso", diz. A primeira plataforma logística multimodal do Brasil, com integração entre ferrovias, rodovias e aeroporto de cargas, está sendo construída em Goiás. O terminal vai funcionar ao lado do Distrito Agroindustrial de Anápolis (Daia), que abriga mais de uma centena de médias e grandes empresas. O espaço da plataforma já tem a infraestrutura básica montada, e o governo estadual começou a selecionar a empresa privada que vai gerir a plataforma por 33 anos. Ainda falta a inauguração da Ferrovia Norte-Sul, que deveria ficar pronta em 2014, e do aeroporto de cargas, cuja pista está praticamente concluída. Outro empreendimento pioneiro no país está sendo montado na área do Porto do Pecém, em São Gonçalo do Amarante (CE). É uma zona de processamento de exportação (ZPE). Qualquer indústria que exporte pelo menos 80% do que produz pode se instalar no local e desfrutar benefícios como uma redução de 75% no imposto de renda. A presença na ZPE também assegura acesso privilegiado ao porto, o que reduz custo e tempo. E assim se driblam em parte os problemas da infraestrutura brasileira. _______________________________________ 4# ECONOMIA 18.6.14 A CULPA NÃO É DAS ESTRELAS Incapaz de identificar as reais travas ao crescimento, o governo transfere a fatores externos a responsabilidade pelo seu mau desempenho. MARCELO SAKATE A culpa, querido Brutus, não é das estrelas, mas de nós mesmos", diz Cassius, na peça de Shakespeare, depois que eles e outros conspiradores esfaquearam Júlio César no Senado Romano. No romance moderno do escritor americano John Green A Culpa É das Estrelas, fenômeno da literatura para jovens, a personagem heroína Hazel ensina que nós somos responsáveis pela forma como encaramos as adversidades — na história, o câncer. Não transferir culpas é uma característica da maturidade. Isso vale para pessoas e países. É o tipo de comportamento que faz falta às autoridades brasileiras. Depois de três anos e meio de baixo crescimento, o governo se exime diariamente das responsabilidades dos próprios erros e dos danos infligidos por eles ao país e prefere depositar a culpa em fatores externos e sempre a ele alheios. O vilão favorito é o cenário adverso na economia internacional. Os bancos também aparecem entre os antagonistas nessa narrativa fictícia engendrada no Planalto, porque não estariam concedendo empréstimos na velocidade desejada pela equipe econômica. A retórica oficial não resiste aos fatos. Os Estados Unidos estão em franca recuperação e voltaram ao nível de emprego anterior à crise, em 2008. Os europeus também apresentam sinais graduais, mas firmes, de recuperação. O avanço anualizado de 0,9% do PIB da zona do euro nos três primeiros meses do ano é a confirmação do efeito positivo das reformas em curso. Ao mesmo tempo, a indústria brasileira caminha no sentido contrário. O índice calculado pelo banco HSBC sobre a produção de manufaturas em 26 das maiores economias do mundo mostrou que, em maio, apenas cinco diminuíram a atividade, e o maior recuo foi do Brasil. Contraditoriamente, esse é o setor mais protegido e o que mais recebeu incentivos no atual governo. Tanto a produção da indústria como os investimentos na expansão da capacidade apresentaram estagnação ou queda nos últimos meses, como reflexo, segundo os economistas, da falta de perspectiva de aceleração do crescimento, ao menos a curto prazo. Os números recentes, aliás, apontam uma diminuição do PIB no segundo trimestre, que se encerra em junho. Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a diminuição nos empréstimos oferecidos pelos bancos privados também impactou negativamente a economia. "Há escassez de crédito para o consumo, embora o nível de inadimplência esteja baixo. Poderíamos estar com taxas maiores de crescimento se tivéssemos mais crédito para o consumo", disse Mantega. Há poucos meses, ele dizia que o país deveria se preocupar prioritariamente em fazer dos investimentos o novo motor da economia. É o retrato de um governo sem rumo certo, incapaz de identificar as reais causas da fragilidade momentânea. O crédito já não cresce como no passado porque os consumidores estão muito endividados e cuidaram de equilibrar suas finanças, uma reação extremamente saudável e que deveria ser seguida pelo governo. Não raramente, o governo prefere se gabar na comparação internacional, expondo que, de 2008 a 2013, o país teve o sexto maior crescimento do G20, o grupo de vinte das maiores economias do mundo. É a velha artimanha de torturar números para encontrar neles aquilo que se deseja. Os países ricos estão em outro estágio de desenvolvimento, e é natural que cresçam menos. Constrangedor e omitido no discurso oficial é o fato de o Brasil estar entre os de menor crescimento no grupo de países em desenvolvimento. Segundo o Banco Mundial, o Brasil terá o quarto desempenho mais fraco em 2014 entre os latino-americanos, à frente apenas de Argentina, Venezuela e Jamaica. O preço das ações dá uma mostra de como a realidade brasileira se afastou do cenário externo. Desde a vitória de Dilma, o índice S&P 500, da Bolsa de Nova York, subiu 64%, enquanto o Ibovespa caiu 22%. Não à toa, neste ano, quanto mais Dilma perde terreno nas pesquisas, melhor para as ações das empresas brasileiras — sobretudo das estatais, que tanto sofrem com a ingerência política. Os investidores se animam com a possibilidade de uma correção de rumo a partir de 2015. DILMA E AS BOLSAS Enquanto as ações americanas atingem valorização recorde, no Brasil a bolsa amarga prejuízos. Bolsa de Nova York – Índice S&P 500, em pontos 29/10/2010 – 1183 11/6/2014 – 1944 Variação +64% Bolsa de São Paulo – Ibovespa, em pontos 20/10/2010 – 70.673 11/6/2014 – 55.102 Variação -22% ____________________________________ 5# INTERNACIONAL 18.6.14 O ÊXODO DAS CRIANÇAS A política de imigração de Obama criou uma crise inédita: menores desacompanhados chegam aos milhares pelas fronteiras. NATHALIA WATKINS, DE NOGALES Na rodoviária do centro de Tucson, no Estado americano do Arizona, cortinas negras cobrem um antigo armazém, separando esse espaço do local onde passageiros aguardam os ônibus. Atrás dos panos, mulheres e crianças, todos imigrantes ilegais, recebem doações de roupas, brinquedos e alimentos das mãos de voluntários. A uma hora de carro dali, na cidade de Nogales, na fronteira com o México, um abrigo do governo aloja 1100 crianças que entraram nos Estados Unidos desacompanhadas. A média de idade é de 16 anos e a menor delas tem apenas 3. Aqueles que estiveram lá dentro (a imprensa não tem acesso ao lugar) contam que os banheiros são improvisados e que os pequenos não têm roupa limpa. O cheiro, dizem, é insuportável. As celas, onde estão acomodados, são frias e não há casacos nem mantas. A comida trazida pelos guardas não é suficiente para todos. Nos últimos meses, o país recebeu um volume inédito de imigrantes com menos de 18 anos de idade e de mães com bebês, os quais colapsaram o sistema imigratório. A patrulha de fronteira apreende entre 200 e 250 crianças e adolescentes por dia ao longo da cerca que separa os Estados Unidos do México. Nesse ritmo, até setembro o número total pode chegar a 90.000 — quatro vezes mais que o registrado no ano passado. Três bases militares foram preparadas na Califórnia, no Texas e em Oklahoma para abrigá-los. Três em cada quatro UACs (a sigla em inglês que a burocracia americana usa para se referir às crianças imigrantes) vêm de El Salvador, Guatemala e Honduras, países com alto índice de criminalidade associada às disputas entre gangues. A principal razão para o recente surto migratório está na convicção de que o presidente Barack Obama está recebendo os centro-americanos de braços abertos. Obama, que foi reeleito em 2012 com 71% do voto da população de origem latina, de fato tomou decisões que inflaram as esperanças de quem não consegue entrar legalmente nos Estados Unidos. Em 2011, funcionários da imigração foram instruídos a não deportar mães com filhos pequenos. No ano seguinte, o presidente eximiu de deportação por dois anos os jovens que entraram nos Estados Unidos quando ainda eram crianças. No início do mês, a Casa Branca estendeu o período por mais dois anos. Ao formar uma legião de 500.000 jovens em situação provisória, Obama esperava ter criado uma situação sem volta para a sua política de porteiras abertas. A ideia era pressionar a oposição republicana a aprovar uma reforma migratória que pretende dar visto de permanência a 11 milhões de clandestinos. Obviamente, em vez de desestimular, isso só incentiva quem está ao sul do Rio Grande a tentar a sorte no vizinho rico. Quem completou a travessia recentemente conta haver escutado rumores em seu país de que o governo americano já está anistiando os clandestinos e que a entrada e a legalização nos EUA são ainda mais fáceis para quem estiver com crianças ou adolescentes. "O papa Francisco pediu a Obama que desse documentos às mães que sofreram no deserto com crianças. Ele vai nos ajudar", diz uma guatemalteca de 20 anos, com um filho de 5, em Tucson. A travessia geralmente é feita em grupos de quinze pessoas orientadas por um "coiote" ou "guia". Eles cobram entre 3.000 dólares e 7.000 dólares por imigrante, dependendo do trecho a ser percorrido. O pagamento é adiantado. No caso de menores desacompanhados, mais vulneráveis, os coiotes recebem metade da quantia antecipada e a outra metade quando o menor se entrega às autoridades americanas. Uma guatemalteca de 25 anos conta ter cruzado a fronteira com seus dois filhos 6 e 10 anos, para reencontrar o marido. Ele é entregador de pizza em Chicago, onde vive clandestinamente há cinco anos. "Nós assistimos aos telejornais e concluímos que tinha chegado a hora de reunir a família", diz ela. O trajeto de 27 dias incluiu um trecho em cima de um trem no México durante uma tempestade. Diante de seus olhos, um menino caiu do comboio em movimento. A mãe, que pulou para socorrê-lo, foi esmagada entre dois vagões do trem de carga. No grupo dela havia dezesseis migrantes, entre eles oito menores. Dois tinham apenas 6 anos. "Eles sorriam o tempo todo. Não entendiam o perigo que estávamos correndo", diz a imigrante. Depois de abandonados na fronteira pelo coiote, eles caminharam e correram pelo deserto por mais de quatro horas até serem encontrados aliviados por guardas de fronteira americanos bastante solícitos. Nos abrigos, são vacinados e cadastrados. Com isso, já podem ser localizados pela internet pelos familiares que os esperam nos Estados Unidos. Nove em cada dez têm algum parente vivendo no país, em condição legal ou ilegal. Depois de reunirem os parentes, as autoridades americanas entregam aos recém-chegados uma intimação para que compareçam a um tribunal dali a duas semanas para iniciar o processo legal de deportação. Cerca de 40% deles nunca mais dão notícias e passam a viver clandestinamente nos Estados Unidos, como já fazem seus demais familiares. A crítica dos políticos republicanos é que Obama não está respeitando as leis de imigração e que não reforçou como prometido a vigilância na fronteira, o que incentiva muitos pais a enviar seus filhos em uma arriscada viagem. Ao mesmo tempo, Obama alimenta falsas esperanças, pois o número de deportações aumentou substancialmente nos últimos seis anos. "Os julgamentos por violação das leis de imigração dobraram nos Estados Unidos e já representam um terço de todos os casos em cortes federais", diz David FitzGerald, diretor do Centro para Políticas de Imigração Comparada da Universidade da Califórnia. Diz uma imigrante: "Obama é um mentiroso. Ele disse que ia dar documentos aos que fossem trabalhadores. Nós somos e não ganhamos nada”. ____________________________ 6# COPA 18.6.14 6#1 O HINO, AS VAIAS E NEYMAR 6#2 PEGARAM O TOURO À UNHA 6#3 GENTE – É NOSSA, É NOSSA, É NOSSA 6#4 HUMOR – MENDES PEDREIRA AGAMENON 6#5 O EXÍLIO DO CARTOLA 6#6 “A BOLA É REDONDA” 6#7 NO CALOR DA PARTIDA 6#8 UM DIVÓRCIO AMIGÁVEL 6#1 O HINO, AS VAIAS E NEYMAR Um consolo para Dilma: não veio do povo a retumbante e espontânea vaia que ela levou no jogo de abertura da Copa, na Arena Corinthians, em São Paulo, na semana passada. As 62.000 pessoas que assistiram à vitória de 3 a 1 do Brasil sobre a Croácia eram, majoritariamente, pessoas de classe média, pagadoras de ingresso, e convidados vips. Uma amostra viciada que invalidaria qualquer pesquisa eleitoral. Mas.. ...mesmo que a amostra fosse reprei sentativa do povo, o mais provável é que teria havido vaia do mesmo jei- I to. Lula foi vaiado no Engenhão durante os Jogos Pan-Americanos de 2007. A própria Dilma foi vaiada no Mane Garrincha, em Brasília, no jogo de abertura da Copa das Confederações, no ano passado. "O Maracanã vaia até minuto de silêncio", dizia Nelson Rodrigues, dramaturgo conhecedor do contato epidérmico entre intenções e gestos em uma torcida apaixonada pelo futebol. Bons tempos em que as vaias eram apenas longos "tmuusss!". Agora, com palavrões, no modo imperativo, a vaia contém o nome do vaiado seguido das ações indecorosas a que a multidão o condena. Virou grosseria, ofensa. Se melhoramos muito desde a última vez que sediamos uma Copa, em 1950, no quesito "vaia em estádio" regredimos ao estágio incivilizado de turba. Sinal dos tempos. Feito o registro — e antes que sejamos nós os vaiados —, vamos ao que interessava realmente aos 62 000 espectadores da partida de quinta-feira passada, 12, e a quem compra uma revista sobre a Copa: o futebol. O recado límpido da torcida brasileira na vitória sobre a Croácia foi que pátria não é governo e a paixão pelo futebol abomina interferências estranhas ao que se passa no gramado. Cantar o Hino Nacional a plenos pulmões depois de cessada a execução oficial da música foi um gesto patriótico, mas não de apoio ao mundo oficial, inédito em Copas do Mundo. Ao mesmo tempo foi uma bonita transgressão às liturgias milimetradas da Fifa nesses megaespetáculos. Mas, principalmente, foi um grito de guerra da torcida, entrando em sintonia com seus guerreiros de chuteiras e camisas amarelas (que acompanharam as arquibancadas no canto a capela) e isolando esse amor condicional (ele depende de vitórias) de outras manifestações do mundo exterior — sejam de Dilma, sejam da Fita e até do papa. Em uma pelada, em um jogo de várzea ou na Copa do Mundo, o torcedor aficionado quer jogo. Quem só vê futebol na Copa ou vai ao estádio atraído pela monumentalidade do espetáculo globalizado, pela inegável segurança e conforto proporcionados pelo padrão Fifa também quer ver gols e jogadas de craques. Não quer ser interrompido nem em pensamento. Bastaram dois segundos da imagem de Dilma no telão do estádio comemorando o chute de Neymar que venceu Pletikosa, excelente goleiro croata, para que a torcida interrompesse no meio o grito de gol e engatasse mais uma vaia na presidente. Quando um ídolo e craque faz um gol, especialmente um gol que tira a vantagem do adversário, igualando o placar, quando a partida é a estreia da sua seleção, no seu próprio país, a única coisa que interessa é viver o mais intensamente possível aquele momento mágico. Cada torcedor quer apenas ver como o craque comemora o gol, se faz o mesmo gesto de sempre, se mudou a maneira de extravasar, se se deixa abraçar pelos companheiros formando um bolo de gente ou se aponta alguém no banco (pode ser o técnico ou o médico que curou sua lesão em tempo recorde) ou se corre para a arquibancada sozinho. Aqui o que vale é tentar ver alguma coisa que ninguém mais viu no estádio, estabelecendo assim com o craque uma comunhão individual, particular e única. "Você viu ? O Neymar fugiu do abraço do Fred. Eu senti que eles estavam se estranhando." Neymar! Neymar! Neymar! Ele é o craque da seleção. Esse posto já foi de Pelé, de Romário e de Ronaldo Nazário, o "Fenômeno". Mas Pelé, Romário e Ronaldo não podem mais fazer nada por nós nos gramados. Neymar é o cara. É preciso encontrar um feito dele que seja superior ao dos ídolos do passado. Em número de gols marcados e partidas jogadas não tem comparação. Maturidade precoce, talvez? Pode até ser, mas isso é abstrato, difícil de explicar. Neymar tem apenas 22 anos e é titular absoluto da seleção. Pelé tinha 17 anos quando embarcou com a seleção para a Suécia, em 1958 — mas era reserva de Mazzola. Pelé, porém, voltou titular, consagrado como o responsável pela conquista do nosso primeiro campeonato mundial e o único candidato ao nunca antes ocupado posto de "Rei do Futebol". Bem... nem Pelé, nem Romário, nem Ronaldo fizeram dois gols em sua partida de estreia em Copas do Mundo. Só Neymar. Sim, só Neymar, o cara. É ele que vai levar a seleção à final da Copa, no Maracanã, no dia 13 de julho. É sobre os ombros de Neymar que pesa a responsabilidade. Diz o defensor Thiago Silva, capitão da seleção: "O Neymar só tem 22 anos e olhe a maturidade dele. É um líder". O hino cantado a capela, as vaias em Dilma e mesmo o batismo de craque de Neymar foram os grandes momentos do jogo de abertura da Copa de 2014 no Brasil. Mas quem conhece a invencível propensão do futebol para os lances duvidosos aposta que daqui a cinco Copas o fato que vai ser lembrado mesmo daquela tarde-noite fria de 12 de junho no "Itaquerão" será a marcação do pênalti inexistente do zagueiro croata sobre o atacante brasileiro Fred. O árbitro japonês Yuichi Nishimura deu o pênalti — e, assim, entrou para a história. 6#2 PEGARAM O TOURO À UNHA Mas atenção, porque é possível que uma humilhada Espanha enfrente o Brasil nas oitavas. Antes há o México. A Copa do Mundo tem 64 jogos. O campeão faz sete partidas. E, no entanto, em apenas dois dias e quatro disputas, as dos grupo A e B, na quinta e na sexta, abriu-se uma avenida de claras possibilidades, uma extraordinária janela para o futuro. Se o Brasil vencer o México de Peralta na terça-feira — Peralta, que marcou o gol da vitória por 1 a 0 contra Camarões; o mesmo Peralta que fulminou duas vezes a seleção canarinho na final da Olimpíada de Londres —, vai assegurar o primeiro lugar de seu grupo e possivelmente escapar, nas oitavas, da Holanda de Robben e Van Persie, responsáveis por um dos mais espetaculares segundos tempos de qualquer equipe numa Copa do Mundo. Os holandeses massacraram a Espanha por 5 a 1, depois de empate por 1 a 1 no primeiro tempo. Deixaram a rainha nua, na mais acachapante derrota de uma seleção campeã do mundo na primeira rodada da Copa seguinte. Mas é conveniente lembrar que em 2010 a Espanha de Iniesta também estreou com uma derrota para a Suíça, por 1 a 0. Mas 5 a 1? "Humilhação mundial", resumiu o diário esportivo espanhol Marca. Tudo deu errado, o celebrado toque de bola foi atropelado pela velocidade dos holandeses e seus gols extraordinários — o primeiro, de Van Persie, ao empatar a partida com um peixinho cinematográfico, já faz parte de qualquer antologia. Em 1950, quando o Brasil venceu a Espanha por 6 a 1 no Maracanã, os torcedores começaram a cantar uma marchinha de sucesso de 1938, Touradas em Madri, de Braguinha e Alberto Ribeiro: "Caramba! Caracoles! Não me amoles, pró Brasil eu vou fugir". Na tarde de sexta-feira em Salvador, o canto foi substituído por gritos óbvios de olé e vaias para o brasileiro naturalizado espanhol Diego Costa, atacante do Atlético de Madrid. Na quarta-feira os espanhóis enfrentam o Chile. A torcida brasileira é para um novo tropeço ibérico, que os tiraria de vez da Copa. Mesmo ferida pela vingança holandesa contra a derrota da final de 2010, com um campeão mundial é bom não brincar. ALEXANDRE SALVADOR, DE SALVADOR 6#3 GENTE – É NOSSA, É NOSSA, É NOSSA A taça de boa vontade, pelo menos no começo. Quando muita gente esperava que o futebol fosse ser engolido pelos interesses extracampo, brasileiros reclamam de volta o poder do povo sobre o esporte e estonteiam estrangeiros a golpes de empolgação. Até torcem pela Argentina. Fora tudo aquilo que todo mundo já ia conhece sobre o assunto, lista à qual se acrescentaram um show de abertura de nível ginasiano, gol contra e pênalti fake, os dias iniciais do Mundial deram aos brasileiros a copa de classe e elegância criativa em situações de adversidade. O mais importante foi que recuperaram o futebol, um patrimônio de todos, das garras de políticos aproveitadores, blocos depredadores e sindicatos que envergonham os trabalhadores. Fizeram-no com tanta gana que o encantamento extravasou as fronteiras da seleção nacional e chegou aos jogadores estrangeiros, escolhidos por uma espécie de princípio positivo da territorialidade: se estavam numa determinada cidade ou no campo do time local, transformavam-se automaticamente em ídolos. Assim, baianos inundaram de amor alemães ligeiramente espantados, gaúchos paparicaram equatorianos, moradores da plácida Águas de Lindoia, no interior de São Paulo, tornaram-se torcedores da Costa do Marfim desde criancinhas. Nada, porém, comparável ao fervor que atleticanos em particular e belo-horizontinos derramaram sobre a seleção da Argentina e sua divindade futebolística, Lionel Messi. Em que cidade argentina uma seleção brasileira seria recebida com tantas declarações de amor? • "Eu não torço para a Argentina, torço para o Messi, que é o melhor do mundo e um cara muito humilde", esclarece José Robson Batista de Oliveira, o sósia de Ronaldinho Gaúcho que invadiu o campo num treino argentino, ajoelhou-se aos pés do ídolo e conseguiu um fato raro: arrancou uma gargalhada do introspectivo craque. Um jornal argentino retribuiu gentilmente o gesto dos mineiros insinuando que eles só pretendiam afanar — do lunfardo, antiga gíria dos malandros portenhos — lembrancinhas lucrativas. Pesquisa: 20% dos argentinos acham que o Brasil vai ganhar a Copa e 40% torcem para que isso não aconteça. • Numa coisa, reconheça-se, nossos amáveis vizinhos têm razão: as zombarias ao show de abertura, concebido em todos os seus detalhes — inclusive as fantasias de araucária, cabaça e reco-reco, além do índio com body cor da pele e cinto de segurança para não cair da canoa — pela coreógrafa belga Daphné Cornez. Provavelmente porque ninguém no Brasil entende de fantasia, de espetáculo popular nem de ocupação de espaços. Pelo menos, Jennifer Lopez voltou atrás e deu as caras — além de todo o fenomenal resto — depois de bater cabeça com a Fifa por causa da exigência de passagem, hospedagem e mordomias para uma equipe de mais de vinte pessoas, quatro vezes mais do que o apoio de Claudia Lertte e Pitbull. "Era a abertura de um evento mundial, exigia elegância. Por isso, escolhemos deixar de fora só o que ela tem de melhor, as pernas", espeta, sutil como espinho de mandacaru, Renato Thomaz, o responsável pelo comportado maio azul-anil, que pesava 5 quilos por causa das pedrarias. • Também não é fácil o peso da fantasia — e da responsabilidade — que recai sobre os anônimos ombros dos atores contratados para entrar na personagem-mascote da Copa, o tatu Fuleco. Todos têm no máximo 1,67 metro de altura e 70 quilos de peso. Vestem a fantasia de 13 quilos nos estádios e eventos de patrocinadores. Há uma equipe de 100 pessoas responsável por dar vida à mascote, entre elas assistentes que aparam o tatu na hora de subir e descer escadas. Em compensação, um dos Fulecos apreciou bem de perto os translúcidos 60 metros de musselina de seda que envolviam a apresentadora Fernanda Lima no congresso da Fifa. O lado ruim é que Joseph Blatter também fez lá a sua dancinha da vitória, aparentemente também coreografada pela belga. • Boné, óculos escuros e cara fechada — o kit de sobrevivência das celebridades — quase fizeram Leonardo DiCaprio passar incógnito no jogo de abertura. Em compensação, ele pode extravasar à vontade no iate que seu amigo, o xeque Mansour, pôs à sua disposição no Rio de Janeiro. Ou até bater uma bolinha: o Topaz tem 147 metros de comprimento (42 a mais que o campo do Itaquerão) e custou o equivalente a 1,2 bilhão de reais (contra 820 multiplicados milhões do estádio corintiano). O amigo generoso é meio-irmão do emir de Abu Dabi, o mais rico dos riquíssimos emirados do Golfo Pérsico, e dono do Manchester City. • Por incompatibilidade de agenda, DiCaprio não cruzou com uma conhecida das altas rodas, a angolana Isabel dos Santos, a mulher mais rica da África. Ocupadíssima, ela nem ficou até o fim do jogo de abertura: negócios a chamavam de volta a Luanda. Mas deixou seus convidados, como a amiga Ana Paula Junqueira, bem instalados e a aura de verdadeira rainha do camarote. Ao todo, Isabel convidou 600 pessoas, um mix de homens de dinheiro e gente de fama, acomodados nos dois camarotes de luxo que bancou em cada uma das principais cidades-sede, São Paulo, Rio e Belo Horizonte. Isabel é a principal acionista da Unitel, a maior empresa de telecomunicações de Angola. Atribuiu a fortuna estimada em 4 bilhões de dólares "a muita matemática e estudo; minha base é a matemática, sou formada em engenharia". Por uma incrível coincidência, ela também é filha do presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, e da russa Tatiana Kukanova. • Comparado ao presidente angolano, no poder desde 1979, Joseph Blatter ainda é apenas um aprendiz esforçado: está há dezesseis anos no comando da Fifa. Mas pretende continuar lá por um bocado de tempo. Qualquer tentativa de removê-lo já foi classificada de antemão como preconceito contra idosos. Os 78 anos não impediram em absolutamente nada que desfilasse lépido e fagueiro ao lado da nova mulher, Linda Barras, 49. Quando apareceram em público pela primeira vez, no começo do ano, o marido de Linda, suíça de origem armênia, disse que não tinha sido comunicado de nada. Desde então, a questiúncula burocrática já foi resolvida com um divórcio. No dia do congresso, Linda acompanhou o novo marido usando um copiadíssimo vestido da inglesa Stella McCartney, o vestido que com suas ondulações de branco sobre preto cria a ilusão ótica de um corpo mais esbelto. • Livre, desimpedida e apaixonada, Bruna Marquezine recebeu o melhor presente de Dia dos Namorados do mundo: dois gols, um buque de rosas colombianas vermelhas e uma declaração de amor via Instagram ("Te amo, preta). Assinado, evidentemente, Neymar. Os dois se chamam mutuamente pela mais dengosa das cores. "Ela sabia que estava sendo observada e se comportou como uma torcedora qualquer", anota o amigo e cabeleireiro Marcos Proença. Bruna, Luiza na novela Em Família, chegou com a família de Neymar e um cinturão de seguranças, mas assistiu ao jogo com três amigas. • Na onda nacional de amor entre espécies, ou seleções, ninguém teve acolhida tão efusiva quanto Cristiano Ronaldo. Venerado por campineiros e, principalmente, campineiras, o madeirense só não foi engolido pelos olhos da recepcionista Paula Barreira, uma das contratadas para embelezar a chegada das quatro delegações que desembarcaram no Aeroporto de Viracopos. "Demos bom-dia, mas de forma alguma houve conversinha. Os jogadores não podem parar. Quando ele passou por mim, o sol estava forte e, como meus olhos são muito claros e tenho fotossensibilidade, virei o rosto", explica a bela Rapunzel nativa. "Aí falaram que eu o esnobei. Imagine que absurdo, foi uma honra recebê-lo." • Honra não estendida a Andressa Urach, conhecida por ter sido bem colocada em um concurso de Miss Bumbum e, mais ainda, numa suíte de hotel com o jogador português. Ele não quis saber de discutir estratégia com Andressa, mas ela tinha o que oferecer. "Convenci Andressa de que a ideia de pintar o corpo seria interessante. É tudo muito bem pensado, e sei o que vai chamar atenção e dar notícia", explica o estratego Cacau Oliver, assessor de imprensa da portentosa criatura. Desde que a musa cantou o caso com Ronaldo, um valor mais alto se alevantou: seu cachê subiu de 4000 para 8000 reais e ela ganhou participação num programa de televisão. • A presidente Dilma Rousseff envelheceu alguns anos nos dois dias entre seu pronunciamento televisivo à nação e o jogo no Itaquerão. Preocupada com as inevitáveis vaias? Ela mesma responde que já passou por coisa muito pior e de jeito nenhum se aborrece com reações assim. A explicação para a cútis impecável, os dentes resplandecentes e até os olhos esverdeados está numa técnica chamada colorgrading, amplamente utilizada para melhorar imagens. O recurso delimita a área da imagem que vai sofrer alteração e, num passe de magia tecnológica, apaga os pequenos defeitos da vida real. "Na área delimitada, foi usado algum tipo de blur, que minimiza os detalhes e suaviza linhas de expressão, espinhas e outras imperfeições presentes na pele", explica um especialista na área, Elieser Jairo. "Essa técnica pode rejuvenescer uma pessoa em até seis anos.'" Brasileiras e, por que não, brasileiros, está aberto o período de reivindicações pela bolsa blur. Sem quebra-quebra nem palavras feias, por favor. 6#4 HUMOR – MENDES PEDREIRA AGAMENON A Copa do Mundo começou e, ao contrário do que acontece no Brasil, até agora deu tudo certo. O metrô funcionou normalmente e levou milhares de torcedores de todas as partes do mundo até o Itaquerão numa boa. Ninguém foi assaltado e os roubos só ocorreram entre as empreiteiras e o governo e no pênalti que o juiz japonês marcou pro Brasil. A Arena Corinthians assistiu a uma bela abertura da Copa, que contou com duas das maiores bundas do planeta: Jennifer Lopez e Hulk. E a presidenta-gerenta Dilma Roskoff levou uma tremenda vaia talvez porque, assim como o Itaquerão, ainda está inacabada. Em 1950, o Brasil viveu o terrível "Maracanazo", quando levou uma piaba do Uruguai depois que Gighia meteu um gol no goleiro Barbosa, que, mais tarde, foi trabalhar no TV Pirata. Nesta Copa do Brasil, tomara que o país não sofra um grande "Engarrafamentazo" que impeça o público de chegar às monumentais arenas inacabadas. A que estádio Nós chegamos... quer dizer, só chegamos porque não teve greve dos metroviários. Mas o brasileiro é teimoso, guerreiro e não desiste nunca. Se o metrô ainda não deixa ninguém na porta do estádio, o melhor é seguir o exemplo de Lula e ir de jegue pros jogos. Era montado em um Lula que o ex-presidente Mula ia ver o seu Coringão jogar! Ou será que era o contrário? Ah. tanto faz.... Hoje, Luísque Inácio Lula da Silva, graças ao seu poder, conseguiu construir o ItaqueNão Ficou Pronto com a grana do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento de Estádios Superfaturados) e da Caixa, afinal, o futebol é uma Caixa Econômica de surpresas. O que o brasileiro quer agora é torcer! Torcer o pescoço dos empreiteiros, dos grevistas, dos deputados, dos ministros e até mesmo da presidenta-gerenta, que está caindo mais que ação da Petrobras. Recebemos as delegações que chegaram há pouco de fora de braços (e outras partes da anatomia) abertos. Os holandeses se esbaldaram com as garotas (de programa) de Ipanema e os alemães ficaram loucos com as índias papaxotas. Apesar de não ser da CBF nem da Fifa, estou aproveitando esta Copa no Brasil para faturar uma grana preta, quer dizer, uma grana afrodescendente, realizando jogadas mirabolantes que vão deixar o Messi e o Neymar de queixo caído. Por falar em Messi, eu morro de medo do marrento craque portenho. Espero que, no caso de o Brasil enfrentar a Argentina, Messi, num de seus perigosos ataques, leve uma bundada do Hulk, o Jogador Melancia, o que destruiria as chances de "nuestros hermanos" na Copa. INFRIN GENTE JOSEPH BLATTER O Poderoso Chefão da Fifa (Federação Internacional de Falcatruas Avantajadas) é um dos homens mais poderosos do mundo. Ele manda mais que o Obama, que o Putin e o Lula na Dilma. A Fifa é maior que a ONU e dizem que a entidade máxima do futebol tem até uma bomba atômica! Não é por acaso que sua sede é na Suíça e o seu quartel-general fica dentro do cofre de um banco de Zurique. Blatter sucedeu ao ancião João Havelhange, que governou a Fifa com mão de ferro desde os tempos do faraó Tutancâmon, presidente da Federação Egípcia de Futebol. Foi no Egito antigo que Havelhange conheceu o atual presidente da CBF, José Maria Marin. Segundo escavações recentes, os arqueólogos encontraram hieróglifos que provam que os dois cartolas estavam envolvidos no superfaturamento da construção das pirâmides. De quatro em quatro anos, as tropas da Fifa invadem um país e obrigam seus habitantes a construir um monte de estádios superfaturados. Quando a Copa acaba, eles vão embora e ficam na Suíça contando o dinheiro que ganharam no Mundial. Como é muita grana, isso demora quatro anos. E, se algum jornalista abelhudo resolve investigar alguma falcatrua, a Fifa manda imediatamente o curioso se Qatar. “Ladrão que rouba ladrão vira presidente de federação.” - RICARDO PEIXEIRA SOBE Oscar O preço da cerveja nos estádios O preço dos estádios pra Copa DESCE Fred O pau nos manifestantes O nível de xingamentos no Itaquerão INSTAGRANA DO AGAMENON O senador Renan Canalheiros, o novo garoto-propaganda da Head & Shoulder's, está cada vez mais satisfeito com o resultado do seu implante de cabelo. A oposição quer convocar uma CPI para investigar o exagerado crescimento do patrimônio capilar do senador alagoano. 6#5 O EXÍLIO DO CARTOLA Ricardo Teixeira queria fazer dos jogos no Brasil sua consagração — acuado, vive recluso nos EUA. Em 30 de outubro de 2007, quando Joseph Blatter anunciou o Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014, o então presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, suava com ar vitorioso. As doses de uísque que degustou durante a madrugada tinham o sabor da compensação de um dirigente que enfrentara duas CPIs — e das quais se livrara — e uma coleção de denúncias de corrupção. Os sete anos de travessia que culminariam com a abertura da Copa no Itaquerão representariam a antessala de sua entronização como presidente da Fifa, sucedendo ao suíço Joseph Blatter. Deu tudo errado, e Teixeira terá de acompanhar os jogos da Copa no Brasil (se acompanhar, porque não gosta de futebol) no autoexílio em Miami, onde vive numa casa avaliada em 17 milhões de reais. Depois de uma temporada de três meses no Rio de Janeiro, onde intercalou negócios com festas e jantares, ele retornou à reclusão dois dias antes do apito inicial e muito amigo de Yuichi Nishimura, alheio à festa que imaginara ser a de sua consagração. Escondido, Teixeira pretende fugir das acusações que o perseguem como David Luiz aos atacantes. Na semana passada, o site francês Mediapart revelou que o nome do ex-presidente da CBF aparece no relatório de uma investigação sobre o Banco Pasche, uma filial do grupo Crédit Mutuel. Em conversas telefônicas gravadas, um executivo diz que o cartola era um de seus principais clientes, mantendo uma conta secreta no principado de Mônaco com mais de 30 milhões de euros (cerca de 90 milhões de reais). "Sabemos que ele recebeu dinheiro em troca de favores", diz Jürg Schmid, diretor do banco investigado. A derrocada de Teixeira veio com a escolha do Catar como país-sede do Mundial em 2022. Um de seus principais aliados, o catariano Mohamed Bin Hammam, ex-presidente da Confederação Asiática, foi atingido em cheio, com a descoberta de que havia comprado votos por 2 milhões de dólares. Pressionado, deixou o cargo. Em seguida, vieram à tona indícios de que a relação de Teixeira e Bin Hammam ia além da amizade. Semanas antes da votação que optaria pelo Catar, as seleções do Brasil e da Argentina realizaram um amistoso em Doha, a capital do emirado, com cachê dobrado. O contrato foi firmado por uma empresa do paraíso fiscal das Ilhas Cayman, no Caribe. O escândalo fez com que patrocinadoras da Fifa, como a Adidas, a Sony e a Visa, exigissem explicações sobre as acusações de malversação para 2022. Blatter, no Congresso da Fifa em São Paulo, na semana passada, fingia não ser com ele. Em campanha antecipada para tentar seu quinto mandato na eleição do ano que vem, anunciou a distribuição de mais de 200 milhões de dólares em prêmios para as confederações. "Jamais estivemos tão ricos e fortes", discursou com ênfase. É postura que incomoda todo mundo que não tem crachá da cartolagem. No Itaquerão, os xingamentos contra a presidente Dilma foram democraticamente direcionados também à Fifa de Blatter. Sobrou até para quem se imaginava ser um totem ilibado, o alemão Franz Beckenbauer, de quem se dizia ter fora de campo a mesma elegância que apresentava nos gramados. Na sexta-feira 13, ele foi afastado por noventa dias de qualquer atividade relacionada ao futebol. Beckenbauer é acusado de se recusar a prestar explicações a respeito de uma viagem ao Catar, a convite de Bin Hammam, às vésperas da decisão agora contestada. LESLIE LEITÃO 6#6 “A BOLA É REDONDA” Carlos Alberto Parreira chega ao seu nono Mundial — ou décimo, dependendo da conta — cheio de ideias sobre motivação e com a certeza de que há mais filosofia do que se imagina em uma frase óbvia como essa do alemão Sepp Herberger. CARLOS MARANHÃO, DO RIO DE JANEIRO Há quem se preocupe com uma certa inexperiência da atual seleção brasileira. Afinal, entre os 23 convocados, dezessete — a começar por Neymar, a estrela da equipe — vão debutar numa Copa do Mundo. Só seis, portanto, já estiveram lá. Apenas o goleiro Júlio César foi a duas. Pelé, o artilheiro Ronaldo, os laterais Nilton Santos, Djalma Santos e Cafu e os goleiros Leão e Castilho foram a quatro. O goleiro mexicano Carbajal e o meia alemão Lothar Matthäus, a cinco. Em compensação, o Brasil tem no banco um coordenador técnico capaz de surpreender, com suas marcas, mesmo os fanáticos por estatísticas esportivas. Aos 71 anos, o carioca Carlos Alberto Gomes Parreira completa agora seu nono Mundial. Ou o décimo, dependendo do critério. Ele próprio, às vésperas da apresentação canarinho em Teresópolis, quase perdeu a conta. No terraço de seu apartamento em frente ao mar da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, entre goles de suco de maracujá, precisou puxar pela reconhecida memória de elefante para não confundir os números. "Deixa eu pensar um pouco", pediu. Parreira ostenta um recorde entre os treinadores difícil de ser batido. Ele foi técnico de cinco países em seis Copas. São tantas, e em tão diferentes circunstâncias, que acabou por atingir o céu e o inferno: em uma ganhou o título e em outra ficou na lanterna (veja o quadro na pág. 100), Atrás dele, com cinco Mundiais, está o sérvio Bora Milutinovic, um dos maiores nóômades do universo futebolístico, que dirigiu o México, a Costa Rica, os Estados Unidos, a Nigéria e a China. No total de jogos, Parreira é o segundo. Soma 23 (dez vitórias, nove derrotas e quatro empates), dois a menos que Helmut Schön, treinador da Alemanha entre as Copas de 1966 e 1978. Zagallo tem vinte e Felipão completará 21 em julho se for à final ou disputar o terceiro lugar. Schön, porém, em seus quatro torneios, esteve à frente de um escrete que invariavelmente avança, fazendo portanto mais partidas, enquanto Parreira pegou times que caíram logo na primeira fase, após apenas três encontros, caso de Kuwait, Emirados Árabes e África do Sul. Ou nem isso. Em 1998 — olhe mais um ineditismo em sua carreira —, foi demitido da Arábia Saudita ao perder o segundo jogo. Não lhe deram a chance do terceiro. Sua história mundialista vai além desse raro cartel. Ainda jovem, aos 27 anos (tinha menos idade do que seis jogadores), foi um dos preparadores físicos dos tricampeões de 1970. À parte a excelência técnica de craques que entraram para a história, a Organização Mundial de Saúde elegeu a seleção brasileira como a mais bem condicionada entre os dezesseis finalistas. Não por acaso, dos dezenove gols marcados por Pelé e companhia, doze saíram no segundo tempo — oito deles nos últimos 25 minutos, quando os atletas mantinham o fôlego a pleno vapor. Parreira orgulha-se de ter contribuído para aquele fabuloso desempenho. Permaneceu como preparador na fracassada Copa seguinte. Em 2002, foi observador técnico da Fifa. Dentro do TSG, sigla em inglês do grupo de estudos técnicos da entidade, teve a missão de analisar os esquemas táticos apresentados nos estádios da Coreia do Sul e do Japão. "Minha credencial dava direito até de entrar no gramado e em qualquer vestiário'', ressalta. Fluente em inglês desde a época em que treinou Gana, em 1967 com um africano salário de 100 dólares por mês (o equivalente a 700 dólares em 2014), ele sempre se saiu bem na tarefa de dissecar adversários para explicar como jogam, defendem e atacam. Devora as principais publicações internacionais especializadas, debruça-se sobre relatórios técnicos, cria gráficos, troca figurinhas com treinadores estrangeiros, que costumam chamá-lo de Carlos, em razão da dificuldade em pronunciar seu sobrenome, e registra infindáveis imagens. Pintor nas horas vagas e colecionador de arte — ficou eufórico ao adquirir em leilão, semanas atrás, um quadro do modernista pernambucano Cícero Dias —, é também um bom fotógrafo. Graças a essas habilidades, acredita que deu uma mãozinha para que Carlos Alberto Torres coroasse o tri com um golaço, na vitória de 4 a 1 contra a Itália na Cidade do México. Depois de espionar os italianos na semifinal, Parreira mostrou ao técnico Zagállo e seus comandados, com um carrossel de slides, a marcação homem a homem dos zagueiros. "O lateral Facchetti acompanhava o ponta-direita pelo campo todo", lembra. "No fim do jogo, Jairzinho o atraiu para o meio, abriu espaço e, graças a um passe do Pelé, Carlos Alberto surgiu livre para marcar." Jamais esqueceria uma declaração do meia-armador Gérson sobre aquele triunfo: "Ganhamos na véspera". Apaixonado por técnicas de autoajuda, Parreira aprendeu a desenvolvê-las de Copa em Copa. Descobriu na de 2006 que não basta motivar os jogadores, pois é preciso que eles queiram ser motivados. "Quem vai a um banquete de barriga cheia acaba não comendo nem o faisão", compara, referindo-se ao fato de que, naquele elenco, dez dos convocados haviam conquistado o título em Yokohama quatro anos antes, podendo assim ter se sentido saciados. Sem falar da má forma dos bem nutridos atacantes Adriano e Ronaldo. Adriano apresentou-se com 101 quilos; Ronaldo, perto disso. "O jogador deve estar hungry, faminto, como o grupo de hoje, em que não há nenhum campeão do mundo", afirmou ele, que tem 84 quilos e 1,74 metro, enquanto beliscava quadradinhos de queijo temperado. Em competições anteriores, levou ao pé da letra o lema que adotou na campanha do tetra, em 1994: "Só se ganha o troféu com erro zero e eficiência máxima. Errou, volta para casa. Basta uma única falha, como aconteceu nas nossas derrotas de 1974, 1978, 1982, 1986, 1990..." Tudo parece óbvio — e realmente é —, mas para o pragmático Parreira tais conceitos são a fórmula do sucesso. Sua inspiração vem do técnico Josef "Sepp" Herberger (1897-1977), que pilotou a seleção alemã em quatro Copas e conquistou, contra todos os prognósticos, o Mundial de 1954 ao derrotar a fabulosa Hungria na final. Entre várias frases que ele decorou, Herberger costumava repetir: "Der Bali ist rund", a bola é redonda. Ou: "O jogo tem a duração de noventa minutos". Ou ainda: "O jogo mais importante é o seguinte". Sem falar desta pérola: "É preciso atacar e defender com a máxima eficiência". Para quem vê somente clichês em tais, vá lá, axiomas — alguns deles citados nos filmes Corra Lola, Corra e O Milagre de Berna —, Parreira rebate com veemência. "Toda a filosofia do futebol está resumida aí, embora muita gente não entenda", diz. "Quando a bola rola, e ela rola por ser redonda, ninguém é capaz de prever o que vai acontecer. Por isso, o mais fraco pode ganhar do mais forte. O favorito vence na maioria das vezes, porque no futebol prevalece a hierarquia, mas para ser um grande time é necessário atingir a máxima eficiência no ataque e na defesa pregada por Herberger. Em determinado momento, o Barcelona e o Bayern de Munique alcançaram esse objetivo supremo. Eis, em poucas palavras, o que se tem de fazer para ganhar uma partida — ou uma Copa do Mundo." NO BANCO E NA PRANCHETA A trajetória de Parreira nos campeonatos mundiais 1970 – México. Preparador físico do Brasil, tricampeão. 1974 – Alemanha. Preparador físico do Brasil, 4º lugar (entre 16 participantes) 1982 – Espanha. Técnico do Kuwait, 21 e lugar (entre 24 participantes) 1990 – Itália. Técnico dos Emirados Árabes, 24º lugar (entre 24 participantes) 1994 – Estados Unidos. Técnico do Brasil, tetracampeão 1998 – França. Técnico da Arábia Saudita, 28º lugar (entre 32 participantes) 2002 – Coreia do Sul/Japão. Observador técnico da Fifa. 2006 – Alemanha. Técnico do Brasil, 5º lugar (entre 32 participantes) 2010 – África do Sul. Técnico da África do Sul, 20º lugar (entre 32 participantes) 2014 – Brasil. Coordenador técnico do Brasil 6#7 NO CALOR DA PARTIDA As seleções têm de encarar um rival extra: a temperatura elevada de algumas cidades, inimiga do desempenho em campo. CARLO CAUTI E JENNIFER ANN THOMAS O treinador italiano Cesare Prandelli aproveitou o sorteio dos grupos da Copa do Mundo, em dezembro do ano passado, no sol abrasante da Costa do Sauípe, na Bahia, para reclamar das temperaturas brasileiras, mesmo no inverno. "Há dois grandes problemas no Brasil, os mesmos que experimentamos na Copa das Confederações, em junho: o calor e a umidade", disse Prandelli, antes mesmo de saber que a Itália estrearia no Mundial contra a Inglaterra em Manaus. Os comentários de Prandelli provocaram uma crise diplomática entre as autoridades do futebol europeu e as brasileiras. O fim desse confronto climático — ou seu apogeu, a depender do que ocorrer em campo — se dará neste sábado, dia 14, às 18 horas locais, quando as equipes de Andrea Pirlo e Wayne Rooney inaugurarem a competição na Arena Amazônia, tratada como uma loucura de Fitzcarraldo aos olhos estrangeiros. Houve uma primeira pequena vitória quando a Fifa decidiu que partidas nas cidades mais quentes no Centro-Oeste (Cuiabá, máxima de 37 graus), Norte e Nordeste não começariam à 1 da tarde, e, sim, preferencialmente, a partir de 17 horas. A segunda vitória foi a permissão de até duas paradas técnicas desde que as equipes adversárias e o árbitro concordem com as paralisações para hidratação. Em campo, os problemas serão inescapáveis: as seleções devem encarar um calor que pode ultrapassar a marca dos 30 graus, limite recomendado para o funcionamento saudável do metabolismo. Acima disso, a temperatura interna do corpo chega a perigosos 40 graus, o que reduz em até 30% o rendimento do atleta, provoca desidratação e, em casos extremos, choque térmico (veja o quadro ao lado). Não será a primeira vez que o calor surge como um grande inimigo em campo. Na Copa de 1994, nos Estados Unidos, as seleções enfrentaram as partidas mais quentes da história dos Mundiais (veja na pág. 106). Na primeira fase, o time da casa enfrentou a Suíça em Pontiac, um distrito da cidade industrial de Detroit, sob mais de 40 graus e com umidade relativa do ar em quase 100%, aceleradores naturais da transpiração excessiva. Depois dos noventa minutos, os jogadores perderam 4 quilos e tiveram de tomar 4 litros de água para se hidratar. A arquitetura espetacular mas quase inexplicável do Silverdome, estádio onde jogaram, agravou a situação: coberto, sem janelas nem ar-condicionado, ele é chamado de "forno de pizzaria". O calor do torneio de 1994 fazia com que os atletas tomassem 7 litros de água diariamente e técnicos e médicos dos times jogassem barris de água nos jogadores. Em atitude radical, o holandês Ruud Gullit, então com 31 anos, abandonou o Mundial antes do embarque com uma dupla alegação: reclamou da posição em campo, isolado no ataque, o que o faria correr demais, situação impraticável no calor e na umidade dos Estados Unidos. Gullit ainda disparou diatribes contra as emissoras de TV europeias, que impuseram o horário do sol a pino. Agora, além do risco iminente do clima quente de algumas cidades, situação semelhante à dos Estados Unidos vinte anos atrás, há outro risco a ser considerado: o brusco gradiente de temperatura do território brasileiro, numa Copa tão espraiada. Os portugueses, por exemplo, treinam em Campinas, a 18 graus, e entram em campo contra os Estados Unidos, em Manaus, no dia 22, a um calor que pode chegar aos 28 graus. Diz o fisiologista Turíbio Leite de Barros: "Variações bruscas dificultam a recuperação dos músculos depois das atividades. Combinado à alta temperatura no estádio, o efeito será visto por todos os torcedores, que assistirão a um futebol lento, com menos vigor". Barros liderou um estudo, enviado à Fifa, que avaliou qual será o real impacto do clima na Copa. Ele realizou testes em quatro das doze cidades-sede — Manaus, Fortaleza, São Paulo e Brasília — com voluntários em plenas condições físicas. Concluiu que os jogadores perdem até 3% do peso corporal em suor — mesmo se tomarem líquidos nos intervalos —, o que diminui em 20% o desempenho físico. As seleções sabem do risco, e se prepararam. Nike, Puma e Adidas, que criam os uniformes de mais de 80% dos times, fizeram camisetas desenhadas para diminuir o incômodo. Elas pesam 40% a menos do que as usadas na Copa de 2010 e possuem zonas de ventilação, com furos feitos a laser. A seleção brasileira teve outro agrado. A Gatorade, fornecedora dos isotônicos, realizou testes com cada um dos jogadores para coletar dados como a intensidade da transpiração e o ritmo de queima de carboidratos. Com essa base, criou bebidas personalizadas, que auxiliam na hidratação. Já a seleção italiana foi radical: antes da Copa, treinou em Florença dentro de uma academia que simulava o clima de Manaus (apelidada de Casinha Manaus). A Fifa, lenta como sempre, reage tardiamente ao nó térmico. Em maio passado, o presidente da entidade, o suíço Joseph Blatter, admitiu o erro ao escolher o Catar como sede em 2022, "quente demais no verão", nas palavras do próprio cartola suíço. Sorte dele que o calor talvez seja o menor dos problemas da escolha do país do Golfo Pérsico, decisão repleta de acusações de pagamento de propina. JOGO QUENTE As consequências do calor elevado em um jogador de futebol típico, e em plenas condições físicas, nos 90 minutos de partida. NO CALOR • ACIMA DE 30 GRAUS Temperatura interna do organismo - Aumenta em até 3 graus e chega a 40 graus, e neles pode permanecer Efeito no corpo - Perdem-se 4 litros de suor e até 6% de peso total. Rendimento em campo - A capacidade física sofre um déficit de 30%. O jogador demora seis segundos a mais para correr uma distância de 1500 metros O risco - O atleta corre o risco de ter hipertermia, com redução de 20% do fluxo sanguíneo no cérebro, ou mesmo um choque térmico, o que pode até levar à morte O IDEAL • ENTRE 20 E 30 GRAUS Temperatura interna do organismo - Chega a 39 graus (2 acima do comum), imediatamente após a partida Efeito no corpo- Perdem-se 3 litros de suor e até 3% de peso total Rendimento em campo - Pela atividade intensa, juntas, como joelhos, sofrem redução de 3% no desempenho O risco - É mínimo. A saúde do atleta é preservada Fontes: Turíbio Leite de Barros, diretor da Physio Institute, e Marcelo Aragão Moraes, fisiologista. CONTRA O TERMÔMETRO A Copa de 94, na qual o Brasil se consagrou tetracampeão em uma final histórica contra a Itália em Los Angeles, foi a mais quente de todas. Vinte anos depois, a do Brasil pode chegar perto. COPA DE 94 (Estados Unidos) Temperatura média nas partidas – 33 graus Temperatura máxima em um jogo – 48 graus. Alemanha e Coreia do Sul, no estádio de Dallas Maior gradiente de temperatura entre jogos do mesmo time – 30 graus. A Alemanha encarou 48 graus em Dallas e 18 graus em Chicago, nas oitavas, contra a Bélgica Temperatura na final - 38 graus. Brasil e Itália, em Los Angeles, em 17 de julho COPA DE 2014 (Brasil) [estimativa] Temperatura média nas partidas – 31 graus Temperatura máxima em um jogo – 37 graus. Nas partidas na Arena Pantanal, em Cuiabá Maior gradiente de temperatura entre jogos do mesmo time – 25 graus (na primeira fase). No dia 17, a Rússia joga contra a Coreia do Sul, em Cuiabá, sob até 37 graus, e contra a Argélia, nove dias depois, em clima ameno de 12 graus Temperatura na final – 25 graus. No Maracanã, em 13 de julho 6#8 UM DIVÓRCIO AMIGÁVEL Por que a relação sempre apaixonada do povo com a seleção, justo numa Copa em que os dois estão geograficamente tão próximos, demorou tanto para esquentar. SÉRGIO RODRIGUES Mais do que provável, é previsível que uma campanha de sucesso da seleção incendeie finalmente a maioria dos brasileiros, afogando a onda de protestos contra o governo e a Fita num tsunami de bandeiras e transformando a Copa do Mundo na grande festa popular que se esperava do "país do futebol". Não se pode negar, porém, que a torcida chegou mais morna do que nunca ao início do Mundial, com um número relativamente modesto de ruas e janelas enfeitadas. O fenômeno intriga observadores estrangeiros e desafia interpretações: como explicar que uma certa distância tenha esfriado a relação apaixonada do povo com a seleção, : justo numa Copa em que os dois estão geograficamente tão próximos? O paradoxo é apenas aparente. Tudo indica que a própria proximidade gerou a distância ao misturar, num ano eleitoral, dimensões que mantêm entre si relações complexas e nada lineares: esporte e política. Quando Neymar disse, a uma semana da estreia, que os jogadores brasileiros merecem ser poupados da insatisfação com a organização atribulada do torneio, expressava uma verdade mais profunda do que pode parecer. "Nós não somos do governo, também buscamos um Brasil melhor", afirmou o craque, deixando no ar que, em sua opinião, os governantes não se preocupam com o futuro do país. "Um Brasil melhor" — ou pelo menos uma imagem positiva daquilo que o país tem potencial para ser — é o que as grandes seleções brasileiras da história sempre corporificaram para a população no plano simbólico. A arte de Pelé, Garrincha, Romário e Ronaldo não ocultava os graves problemas nacionais, mas funcionava como uma válvula de escape e uma luz no fim do túnel, impedindo nossa autoestima de descer ao subsolo. Em alguma coisa, afinal, os brasileiros podiam ser os melhores do mundo. Ainda podem, claro, mas a organização atribulada do Mundial de 2014 dificultou a tarefa simbólica atribuída à equipe verde e amarela. Vai dar mais trabalho fazer o povo sonhar com um país de elite em meio à realidade concreta demais de puxadinhos, gambiarras, obras atrasadas e promessas não cumpridas, mazelas típicas de nações da segunda divisão. O sentimento de "vergonha" inspirado por tal situação — verbalizado por dois dos maiores craques brasileiros de todos os tempos, Pelé e Ronaldo — é um dado fundamental da equação que torcida e seleção, ao início da Copa do Mundo, não resolveram em definitivo. Em tal cenário de constrangimento difuso, terminou por ecoar em alto volume o patrulhismo profissional, minoritário mas ruidoso, dos grupos reunidos sob o delirante slogan '"Não vai ter Copa". "Vejo muitas pessoas com medo ou vergonha de torcer pela seleção", afirma o sociólogo Ronaldo Helal, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que acaba de lançar como coorganizador o livro Copas do Mundo: Comunicação e Identidade Cultural no País do Futebol (Eduerj). Especialista em sociologia do esporte, campo de estudo em expansão no meio acadêmico brasileiro, Helal acredita que a "maioria silenciosa" dos torcedores que apoiam a seleção será inevitavelmente despertada caso a equipe tenha uma boa sequência de vitórias, mas reserva uma má notícia para aqueles que, por interesse político-eleitoral, aguardam ansiosamente tanto um êxito quanto um fracasso do time de Felipão. "É um equívoco associar a seleção ao governo. A sociedade amadureceu, derrotas e vitórias dentro de campo não são mais de um projeto de nação", afirma. "Em 1998, o Brasil perdeu e Fernando Henrique ganhou. Em 2002, o Brasil foi penta e a oposição levou", lembra. ____________________________________ 7# GERAL 18.6.14 EDUCAÇÃO - ASSIM SE INVENTAM OS INVENTORES Em sua versão século XXI, as feiras de ciências extrapolam os muros da escola e se tornam vitrines de talentos para a inovação que competem em escala global. CÍNTIA THOMAZ Esqueça o broto de feijão germinando em um tufo de algodão ou a réplica do sistema solar à base de isopor. O vocábulo mais empregado na versão moderna das feiras de ciências é "inovação". Isso mesmo: espera-se do aluno que crie algo original juntando a matéria de sala de aula a altas doses de inventividade. Um exemplo? O protótipo de um trem que flutua sobre os trilhos reduzindo atrito e poupando energia, inspirado em modelos disseminados na China e exibido na foto acima por seu criador, o paulista Vitor Heinzle, 17 anos. Em países de forte produção científica, como Japão e Estados Unidos, esse tipo de feira fervilha num imenso circuito de colégios, de onde os melhores projetos são alçados a competições nacionais e mundiais que atraem dinheiro e atenção de gigantes da tecnologia e do meio acadêmico. São, afinal, vitrines de jovens talentos que gostam de ciência tanto quanto ou mais do que de seus videogames. No Brasil, essa modalidade começou a ser adotada em um conjunto ainda pequeno mas crescente de escolas que querem emplacar seus alunos nos torneios nacionais e, por que não?, brilhar no pódio global. É razoável pensar que, figurando entre os últimos nos rankings do ensino de ciências, os brasileiros largariam atrás em disputas tão acirradas. Mas é uma turma obstinada e muito acima da média que vai passando de peneira em peneira, de prêmio em prêmio, até chegar ao picadeiro mundial. No mês passado, um grupo de 34 desses meninos e meninas embarcou para Los Angeles para competir com pesos-pesados de mais de setenta nacionalidades na maior de todas as feiras, organizada pela Intel. Até conquistarem uma vaga no torneio, destacaram-se na escola e no circuito nacional. Foi a primeira viagem ao exterior da paulista Ângela Oliveira, 17 anos, a campeã na categoria "saúde" da última Febrace, feira anual conduzida pela USP. Sua atual obsessão? Com a ajuda de uma professora da escola, Ângela se debruça sobre uma técnica de purificação da pele suína com o objetivo de convertê-la numa espécie de pele artificial compatível com o corpo humano. "A ideia é ajudar na reconstrução da pele em casos de queimaduras e feridas de difícil cicatrização", explica a jovem, que faz coro com seus colegas de caravana ao bater numa tecla só quando o assunto é o futuro: quer pesquisar, pesquisar e pesquisar. Ao promoverem competições em escala planetária e fazerem das ciências mais diversão do que dever, essas feiras têm o mérito de cultivar o gosto por uma matéria que espanta a maioria — especialmente no Brasil. Para aqueles cuja sobrevivência depende de mentes inventivas, o caminho parece acertado. "Nossa ideia é estimular uma atitude mais inovadora na escola, formando desde cedo pensadores de soluções para os complexos desafios que temos no horizonte", diz Victor Neto, um dos organizadores de uma dessas grandes feiras, promovida pelo Google. A primeira leva de laureados sai agora, em 26 de junho. Que ninguém espere como prêmio um daqueles kits básicos de ciências; o afã inventivo dos competidores será recompensado com uma visita ao laboratório Cern (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), onde está o maior acelerador de partículas do mundo, na Suíça. Os pavilhões tomados de objetos voadores e robôs em ação frenética também atraem as melhores universidades do mundo, que travam duelo pesado para levar às suas salas de aula os mais prodigiosos. Os países mais bem-sucedidos na missão de talhar talentos para as ciências aplicam há décadas uma cartilha que, no Brasil, ainda é para poucos: lá, a aula é prática e baseada em projetos. "As escolas brasileiras ainda se fiam demais na teoria e deixam o aluno longe do laboratório, sem botar a mão na massa. Não tem como ser estimulante", reforça o matemático Marcelo Viana, membro da Academia Brasileira de Ciências. O diagnóstico preocupa porque o país sabidamente precisa produzir mais e melhores cabeças, o único caminho possível para deixar a rabeira nos indicadores de inovação e avançar para valer no tabuleiro global. Não custa lembrar que o Brasil responde por não mais do que 0,1% da produção mundial de patentes. A garotada das feiras pode ser decisiva para virar o jogo. É gente de talento precoce como Paulo Fisch e Mateus Caruso, que aos 16 anos são mentores de um projeto que chamou atenção pela ousadia: eles revestiram as asas de um avião em miniatura de dimples, material com pequenas cavidades que reveste as bolas de golfe. A hipótese é que tal textura reduz o atrito com o ar, permitindo decolagens mais rápidas e menor dispêndio de combustível. A dupla nem pisou na universidade (de engenharia, claro), mas causou tão boa impressão entre os jurados da feira de ciências da USP que saiu de lá com a sugestão de fazer do experimento, recém-patenteado no Brasil, objeto de uma futura tese de doutorado. Está aí uma turma que vai longe. ______________________________________ 8# GUIA 18.6.14 8#1 DE OLHO NA FAMÍLIA 8#2 CASA VIGIADA 8#3 CHEGA DE SOLIDÃO 8#1 DE OLHO NA FAMÍLIA A CRIANÇA QUE PASSA O DIA SOB OS CUIDADOS DA BABÁ, A MÃE IDOSA QUE MORA SOZINHA OU O ADOLESCENTE QUE LEVA OS AMIGOS PARA CASA DEPOIS DA AULA: EM MUITOS CASOS, O MONITORAMENTO A DISTÂNCIA NADA TEM A VER COM EXCESSO DE ZELO DE FAMILIARES SUPERPROTETORES. Para algumas famílias, câmeras de vigilância e pulseira com botão de pânico podem oferecer proteção a quem fica e tranquilidade a quem trabalha fora de casa. As câmeras de segurança, por exemplo, deram um salto tecnológico nos últimos anos: os modelos analógicos foram substituídos pelos digitais, que, além de produzir imagens de maior qualidade, possuem conexão sem fio com a internet e são fáceis de instalar — basta ligar a câmera na tomada, conectá-la ao roteador via wi-fi e cadastrar seu número de identificação em um aplicativo próprio para acessar remotamente as imagens por meio de computador, smartphone e tablet. Outros equipamentos levam o monitoramento para além do ambiente residencial. Coleiras com sistema de geolocalização rastreiam o gatinho fujão e aplicativos para celular com GPS informam a localização do filho. Veja, a seguir, o que há de mais moderno no mercado para o monitoramento remoto da família. EM CASA • Olhos em todo lugar Câmeras IP (sigla para internet protocol, ou protocolo de internet) podem ser conectadas à internet por cabo ou via roteador sem fio. As imagens são acessadas por meio de aplicativos em smartphone, tablet ou computador Preço: há modelos de câmera IP com acesso à internet sem fio a partir de 150 reais. Os aplicativos podem ser escolhidos entre os fornecidos pelos fabricantes de câmeras e os independentes, como o gratuito MEye (iOS, Android e Windows Phone) • Resumo do dia A empresa b-datum desenvolveu um sistema que fornece ao dono da casa um resumo das imagens capturadas ao longo do dia, mostrando os momentos de maior movimentação em frente à câmera. Basta cadastrar as câmeras IP no site da empresa (b-datum.com) Preço; 29,90 reais mensais cada câmera cadastrada no site • Assistência em um clique O painel com viva voz da Telehelp é ideai para idosos que moram sozinhos. Em caso de emergência, o morador pressiona um dos botões de pânico espalhados pela casa - ou usados como pulseira ou colar - e a central avisa parentes, dá aconselhamento médico por telefone ou envia uma equipe de socorro à residência Preço: a adesão custa 120 reais. A mensalidade varia entre 100 e 200 reais, de acordo com os serviços incluídos no pacote • Porta inteligente A Touchdoor, da empresa iHouse, é uma fechadura com tela sensível ao toque e leitura biométrica. Além da impressão digital, cada morador tem uma senha numérica para abrir a porta. Como o aparelho armazena dados dos últimos 64 acessos, é possível controlar o horário de entrada e saída dos filhos - assim, o adolescente não tem como inventar história se extrapolar o horário permitido Preço: 3500 reais NA RUA • Família conectada O aplicativo de geolocalização Life360, disponível para iOS, Android e Windows Phone, forma uma rede de amigos e parentes em que os integrantes podem saber a localização um do outro. Assim, os pais monitoram a entrada e a saída do filho da escola, por exemplo. Por meio desse programa, também é possível rastrear celulares roubados ou perdidos Preço: gratuito • Rastreador portátil A empresa G-Eletro desenvolveu um aparelho de GPS que pode ser acoplado a mochilas escolares, bolsas e cintos ou carregado na carteira. É possível localizar uma criança ou um parente com Alzheimer, por exemplo Preço: 250 reais de taxa de adesão e mensalidade de 110 reais • Celular com botão de pânico Para ajudar idosos fora de casa, a Telehelp desenvolveu um celular extremamente simples, com teclas maiores, botão de pânico e GPS. O botão de pânico aciona a central da empresa, que entra em contato com os familiares, e o GPS permite localizar o idoso caso ele se perca, por exemplo Preço: o aparelho custa 350 reais. Para monitorar a localização, a mensalidade é de 95 reais NO ANIMAL DE ESTIMAÇÃO • Número de identidade na coleira Os anúncios de animais perdidos pipocam nas redes sociais. Para ajudar no processo de identificação, a startup brasileira Pinmypet desenvolveu uma medalha que é presa à coleira de cães e gatos. Quem encontrar o animal perdido poderá acessar o site da empresa (pinmypet.co) e entrar em contato com o dono por meio desse código Preço: 14,90 reais • GPS para cães e gatos A tecnologia de coleiras com geolocalização, exclusiva de produtos americanos ou europeus, deve chegar ao Brasil em julho. Do tamanho de uma caixa de fósforos, o rastreador GPS da Pinmypet é preso à coleira e envia sinais da localização do animal para o aplicativo instalado no smartphone dos donos Preço: ainda não definido 8#2 CASA VIGIADA Antes restritas aos ambientes comerciais e empresariais e aos grandes condomínios, as câmeras passaram a compor o sistema de segurança das áreas internas e externas das casas. "A simples presença das câmeras já inibe algumas ações ilegais e pequenos furtos", diz Leonardo Senna, presidente da iHouse, empresa de automação de residências. Elas também podem evitar maus-tratos por parte de babás e cuidadores de idosos, por exemplo. Veja, a seguir, dicas de especialistas para quem pretende se equipar. • Evite comprar aparelhos de baixa qualidade. "No caso de um assalto, imagens de má qualidade não ajudam em nada: não será possível identificar a placa de um carro ou o rosto de um criminoso, por exemplo", diz Wanderson Castilho, especializado em segurança digital. Segundo os especialistas, as câmeras HD produzem imagens de ótima qualidade e apresentam excelente custo-benefício • Verifique a necessidade de características extras, como captação de som e visão noturna, de acordo com cada ambiente em que o sistema será instalado. Embora seja indicada para ambientes externos, a câmera com luz infravermelha (visão noturna) pode ser colocada no quarto dos filhos, o que permite o monitoramento durante a noite. Os modelos com áudio são pouco usados, mas podem captar conversas entre cuidadores e idosos ou babás e crianças • A legislação brasileira só permite a instalação de câmeras ocultas em casos de suspeita grave, como de abuso e maus-tratos, com autorização judicial. Do contrário, é preciso avisar da presença de câmeras no ambiente", explica Cristina Sleiman, advogada especializada em direito digital. Portanto, avise os membros da família e os funcionários da casa sobre a instalação de qualquer equipamento do gênero. Além de evitar problemas judiciais, a informação ajuda a inibir maus-tratos e furtos. "O monitoramento deve ser claro, honesto e lícito", resume Wanderson Castilho • Na área interna, escolha dois ou três cômodos para monitorar. As câmeras devem ser posicionadas em um dos cantos do ambiente, a 2 metros de altura. A angulação média delas é de 60 graus, por isso é preciso direcioná-las para o ponto mais importante, como o berço do bebê, por exemplo • “Como as câmeras são pequenas e fáceis de instalar, a casa de praia e a obra no sítio também podem receber essa segurança extra", lembra Thiago Rondon, CEO da b-datum, empresa que desenvolve softwares de segurança 8#3 CHEGA DE SOLIDÃO O tédio dos animais que enfrentam horas de solidão em casa está com os dias contados. Nos próximos meses, o lançamento de dois aparelhos permitirá ao proprietário monitorar, conversar e até brincar a distância com o gato ou o cãozinho quando a família não estiver em casa PetChatz (petchartz.com) O equipamento conta com câmera, monitor, microfone e saída de áudio para o dono ver, ouvir e falar com o pet, vigiando-o e atenuando sua solidão. Além de interagir com o animal, o usuário também pode gravar vídeos. Como o aparelho possui um compartimento para petiscos com acionamento remoto, o dono pode oferecer biscoitos a distância ao bicho. O produto será lançado nos próximos meses nos Estados Unidos e deve estar disponível para venda no Brasil até o fim deste ano Preço estimado: 349 dólares Petcube (petcube.com) No segundo semestre, chega ao mercado o Petcube, um cubo com câmera de lente grande-angular e laser que pode ser direcionado pelo dono por meio de aplicativo. O cubo também grava e compartilha vídeos dos bichinhos. O produto já pode ser encomendado em pré-venda no site da empresa Preço estimado: 179 dólares KARIN SALOMÃO e DANIELA MACEDO daniela.macedo@abril.com.br ____________________________________ 9# ARTES E ESPETÁCULOS 18.6.14 9#1 TELEVISÃO – O SÉCULO DA VERTIGEM 9#2 MÚSICA – O ÍDOLO DISCRETO 9#3 MÚSICA – UMA SELVA DE SONATAS 9#4 MEMÓRIA – O BOM HUMOR DE PLANTÃO 9#5 VEJA RECOMENDA 9#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 9#7 J.R. GUZZO – SÓ UM INTERVALO 9#1 TELEVISÃO – O SÉCULO DA VERTIGEM A opulenta Penny Dreadful devolve à era vitoriana o seu verdadeiro caráter: um turbilhão em que nem o maravilhoso nem o terrível pareciam ter limite ISABELA BOSCOV Na Londres de 1893, uma congregação improvável se forma: o explorador lorde Malcolm (Timothy Dalton) e a atormentada Vanessa Ives (Eva Green) contratam os serviços do americano Ethan Chandler (Josh Hartnett), em visita à cidade com seu circo do Velho Oeste, para auxiliá-los na captura à terrível criatura da noite que se apoderou de Mina, filha de lorde Malcolm e amiga de infância de Vanessa. A criatura os elude, mas uma semelhante sua é morta: um ser medonho, de dentes afiados e pele cinzenta e espessa. Para examinar o cadáver, o grupo recorre a um jovem médico obcecado pelo estudo da anatomia: Victor Frankenstein (Harry Treadaway), que, ao primeiro corte, encontra sob a pele um torso recoberto de hieróglifos egípcios. Enquanto, em seu laboratório, Victor dá vida a uma criatura feita de partes de cadáveres, Londres é aterrorizada por um duplo assassinato de barbaridade indescritível, que pode ou não significar o retorno de Jack, o Estripador. Vanessa e lorde Malcolm procuram um egiptologista, em cuja casa Vanessa sofrerá um bizarro transe espiritual, testemunhado com interesse pelo dândi Dorian Gray (Reeve Carney). Penny Dreadful, a série de terror que começou a ir ao ar na sexta-feira 13 pelo canal HBO, tem alma catalográfica: não há elemento da imaginação vitoriana para o qual ela não encontre lugar. Começa pelo seu título, aliás, a homenagem à criatividade fabulosa desse período. Os penny dreadfuls ou penny awfuls eram livretes impressos em polpa de celulose da pior qualidade (daí vem também a expressão pulp fiction) e transbordantes de histórias macabras, palpitantes, violentas ou assombrosas: fenômeno de massificação da leitura entre as classes trabalhadoras, eram baratíssimos (custavam centavos, ou pennies) e aterrorizantes (ou dreadful), ao gosto de seu público. Se pode parecer espantoso aos homens e mulheres de hoje, por exemplo, que o celular usado com tanta displicência tenha uma capacidade de processamento mais de mil vezes superior àquela de que a Nasa dispunha para colocar a Apollo 11 na Lua em 1969, muito maior seria a vertigem que acometeria um cidadão vitoriano que parasse para examinar as transformações por que seu século passava. A partir dos anos 1830, esse cidadão hipotético teria deixado para trás um mundo rural, regido pela alternância natural entre dia e noite e pela lentidão da tração animal, e estaria tentando acompanhar um mundo intensamente urbano e fabril, iluminado a óleo ou gás e com sua potência e ritmo infinitamente multiplicados pelos motores a vapor. Teria ido dormir, um dia, convicto de que a Bíblia explicava a origem de tudo e despertado, na manhã seguinte, num universo expandido até o limite da incompreensão, no qual os homens se haviam revelado descendentes de macacos. Um mundo no qual tanto as terras distantes quanto aquilo que os seres humanos guardam sob a pele não mais eram mistérios sobre os quais especular: tudo agora era esquadrinhado, eviscerado e anotado por exploradores e cientistas. Em que as oportunidades de fazer riqueza se haviam tornado extraordinariamente numerosas, assim como as chances de escorregar da pobreza antiga para uma miséria nova e extrema. Em que, do lazer ao crime e à pornografia, tudo se democratizava e proliferava de forma antes inimaginável. Um mundo, enfim, em que tudo e qualquer coisa parecia possível. Como, por exemplo, que pudessem mesmo andar pelas ruas, em carne e osso, figuras da ficção como Victor Frankenstein e sua Criatura, o Conde Drácula e a Mina que ele fora arrebatar em Londres, e o Dorian Gray criado pelo escritor Oscar Wilde, que preservava a beleza e a juventude enquanto as marcas de sua depravação iam aparecendo em um retrato escondido em sua casa. E que eles convivessem sem maiores cerimônias com personagens decalcados da realidade como lorde Malcolm — um amálgama dos muitos exploradores tornados célebres por desbravar o interior da África — e o americano Ethan Chandler, este inspirado em Buffalo Bill, um astro dos shows que reconstituíam os perigos da conquista da Oeste para plateias de bigodão e sombrinha. No fervilhante imaginário popular vitoriano, todas essas pessoas, as verídicas e as imaginárias, poderiam parecer igualmente verossímeis. E, em Penny Dreadful, passado o estranhamento do primeiro ou segundo capítulo (são oito no lotal) de vê-las todas juntas, logo também parece natural que seja assim: fotografada em cenários suntuosamente realistas — a irlandesa Dublin, menos descaracterizada pelas transformações arquitetônicas do século XX, faz o papel da Londres do século XIX — e nos opulentos vermelho-rubi, verde-esmeralda, amarelo-ouro e azul-pavão com que os vitorianos tentavam conter o cinza industrial que avançava sobre seu mundo, a série é uma daquelas experiências imersivas que se valem da profusão de detalhes autênticos para tornar crível a fantasia. Nesse sentido, paradoxalmente, é mais digna de crédito historiográfico do que outras séries produzidas pelo canal Showtime, como The Tudors — que, por ser pretensamente histórica mas repleta de adulterações, servia uma salada mista bem mais desencontrada. Penny Dreadful deve seu êxito (de público, inclusive: já tem uma segunda temporada garantida) ao seu próprio Victor Frankenstein, por assim dizer: o seu criador e roteirista, John Logan, que costura todos esses braços e pernas de diferentes procedências em uma criatura harmoniosa, que de episódio em episódio vai revelando suas facetas: às vezes é sombria, ou sensacionalista, ou erótica, ou mesmo sensível. Ora essa criatura está fascinada com a ciência, ora se enredando no oculto; ora se debruça sobre a esqualidez tenebrosa da Londres de então, ora mergulha na riqueza luxuriante em que viviam alguns. Logan, curiosamente, não é inglês: é americano de Chicago. Mas já demonstrara compreender muito bem as idiossincrasias vigentes no outro lado do Atlântico em Operação Skyfall, o filme que devolveu James Bond ao seu britanismo mais essencial. A conexão Bond, aliás, é uma das graças de Penny Dreadful que dá emprego não só a Timothy Dalton, o mais reprovado e esquecido de todos os 007, como a Eva Green, uma bond-girl memorável (em Cassino Royale) e atriz que está em plena alta — em particular quando interpreta personagens cheias de desvãos e licenciosidade, como aqui. Quem mais brilha em Penny Dreadful, porém, é mesmo a sua protagonista — a era vitoriana. Cristalizada na história de colégio como um período de atitudes estáticas e confinantes, ela ressurge aqui no seu turbilhão voraz, de um mundo em que nada, nem o terror nem a maravilha, parecia ter limite. AS OBSESSÕES VITORIANAS Os temas que alimentavam a imaginação fértil dos ingleses do século XIX Egiptologia A curiosidade pelas relíquias do Egito antigo começara com a invasão de Napoleão à região do Nilo, no fim do século XVIII, e nas décadas seguintes não apenas ganhou caráter científico, como virou mania: sociedades de egiptologistas brotavam por toda a Europa e artefatos eram pilhados e vendidos. Descobertas de imensa magnitude, como a localização da múmia de Ramsés II, em 1881, davam impulso renovado à febre. Frankenstein Publicado em 1818 pela jovem Mary Shelley, o romance de horror sobre um cientista que dá vida a uma criatura feita de partes de cadáveres e então se horroriza com sua criação foi ganhando em notoriedade, e penetrando na imaginação popular, durante todo o século XIX. No fim deste, já se tornara a metáfora consumada da arrogância da ciência em equiparar os feitos divinos. Vampiros Penny Dreadful se passa em 1893, ano dos "eventos" que seriam "conhecidos" em 1897, com a publicação de Drácula pelo irlandês Bram Stoker. Os vampiros em si não eram novidade: havia séculos eles assombravam o folclore do Leste Europeu. Stoker, porém, pegou na veia do público ao ambientar o enredo na Londres de seu tempo. Orfandade Em Penny Dreadful, a obsessão de Victor Frankenstein em criar vida vem de sua orfandade. Em parte, essa fixação vitoriana foi exacerbada pela literatura do período, como a de Charles Dickens, cheia de protagonistas órfãos como Oliver Twist. Mas Dickens estava refletindo uma angústia: a da destituição, miséria e doença que vieram com a urbanização. Sessões espíritas De meados do século XIX em diante, o espiritualismo virou objeto de fascínio na Europa e nos Estados Unidos. Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes, foi um de seus mais entusiasmados defensores, e sessões espíritas como a que se vê em Penny Dreadful, como atração de uma festa, eram algo que todo bom anfitrião proporcionaria. Crime violento As cinco prostitutas retalhadas em 1888 por Jack, o Estripador, são a face icônica da obsessão dos vitorianos pelo crime: com a crescente industrialização e a urbanização, a miséria e a violência haviam se associado de forma devastadora nos bairros pobres. Junto com o crime, viera a curiosidade pela figura do detetive - e Penny Dreadful não é senão uma investigação, ainda que fantasiosa. Exploração africana A era vitoriana foi pródiga em exploradores que desbravavam o continente africano, incendiando a imaginação dos cidadãos com relatos de maravilhas estranhas a eles. Entre elas estaria uma figura como Sembene (Danny Sapani), o mordomo de lorde Malcolm - uma referência ao menino Kalulu, que o explorador Henry Morton Stanley adotou e levou consigo no retorno à Inglaterra. Ciências naturais Em 1859, a Teoria da Evolução de Charles Darwin virara de cabeça para baixo o establishment ocidental. O choque entre ciência, moral e religião que ela ensejou continuaria se reproduzindo com força nas décadas seguintes: ao mesmo tempo em que o estudo dos fenômenos naturais ganhou impulso e legitimidade sem precedentes, as questões em torno de sua moralidade adquiriram um volume inédito. Trens e navios A partir dos anos 1830 os navios a vapor passaram a dominar o transporte intercontinental, e era a eles que a Inglaterra devia muito de sua riqueza. Ao mesmo tempo, a malha ferroviária ia se capilarizando e tornando o deslocamento fácil, rápido e acessível como nunca: estima-se que, por volta de 1845, estarrecedores 30 milhões de ingleses estavam sendo levados para lá e para cá anualmente pelos trens a vapor. Pornografia Celebrizada como o auge da repressão sexual, a era vitoriana assistiu a uma explosão na pornografia: nas esquinas certas era possível adquirir fotografias e impressos apimentadíssimos, ou entrar em transações carnais elaboradas com profissionais. Em Penny Dreadful, Dorian Gray se aproveita ao máximo dessa facilidade para afastar o tédio. 9#2 MÚSICA – O ÍDOLO DISCRETO Desconhecido do público mas reverenciado por, entre outros, Rolling Stones e Robert Plant: este é o fundamental Allen Toussaint, que vem fazer shows no Brasil. SÉRGIO MARTINS Para quem não tem o hábito de pesquisar encartes de velhos LPs com o ímpeto arqueológico-aventureiro de um Indiana Jones, é bem provável que o nome de Allen Toussaint seja desconhecido. O pianista e compositor americano de 76 anos sempre brilhou nos bastidores da indústria musical, e não tanto como artista-solo. Suas canções foram gravadas por muita gente boa dos últimos cinquenta anos — dos então iniciantes Rolling Stones e Yardbirds aos astros da soul music e do funk Otis Redding e The Pointer Sisters; dos tradicionais Glen Campbell e Bo Diddley aos insolentes The Doors e DEVO, que viraram suas composições do avesso. Se os Beatles nunca se renderam ao seu trabalho, Paul McCartney o convidou para tocar piano em Venus and Mars, álbum dos Wings. Toussaint, acima de tudo, é uma espécie de embaixador cultural de Nova Orleans, cidade onde nasceu e cuja evolução musical ele acompanha e divulga. Em agosto, o pianista faz apresentações em São Paulo e no Rio de Janeiro. Será a principal atração do Bourbon Street Fest, que traz outros destaques ainda da cidade americana, como os cantores Glen David Andrews e Germaine Bazzle e o grupo de metais Brass-A-Holics. Nova Orleans é um dos berços da cultura americana do século XX. Ali nasceu o jazz, representado pelo cantor e trompetista Louis Armstrong (1901- 1971). A música gospel floresceu na cidade, com a cantora Mahalia Jackson (1911-1972). Toussaint ajudou a formatar a música pop, mais especificamente o rhythm'n'blues, o rock'n'roll e — no fim dos anos 60, quando se associou ao grupo The Meters — o funk. "Meu primeiro ídolo foi o pianista Professor Longhair, que considero o Bach de Nova Orleans", diz. "Ele adaptou para suas composições todas as manifestações musicais da cidade." O estilo de Toussaint ao piano, contudo, está mais próximo ao de Fats Domino, um dos arquitetos daquilo que depois se convencionou chamar de rock. Sua primeira gravação, aliás, ocorreu em 1955, quando ele foi contratado para substituir Domino, que tivera um mal-estar. Toussaint passou então a atuar regularmente como músico de estúdio. De vez em quando, compunha canções para artistas locais como a cantora Irma Thomas e Chris Kenner, intérprete original de Land of 1000 Dances, que mais tarde faria sucesso na voz de Wilson Pickett. Nos anos 1960, as criações de Toussaint foram assimiladas pelos emergentes grupos de rock da Inglaterra, que ambicionavam o mercado americano. Rolling Stones, The Who, The Hollies e Yardbirds estão entre os que gravaram Toussaint, que ganhou então a merecida fama de hitmaker. "Nunca tive contato pessoal com eles, pelo menos na época em que gravaram as minhas canções. Mas agradeci a cada um deles por divulgar meu trabalho." A exemplo de seu mentor, Professor Longhair, Toussaint agrega em suas composições diferentes estilos musicais de Nova Orleans. Eles são nítidos em sua associação com o cantor Lee Dorsey, que rendeu, entre outros sucessos, Working in the Coal Mine e Yes, We Can Can. São dois rhythm’n’blues que evocam o big beat, um estilo primitivo de rock criado pelo produtor Dave Bartholomew. A marca de Nova Orleans fica evidente também em sua associação com The Meters, grupo de funk que trazia em sua essência influência dos metais e da percussão furiosos da Second Line, a tradicional parada do carnaval de Nova Orleans. "Eu os conheci na Bourbon Street, justamente no momento em que buscava novas sonoridades", lembra o compositor. Em 1971, Toussaint tomou mais seriamente sua carreira de artista-solo com o álbum From a Whisper to a Scream. Seu disco mais recente é Songbook, trabalho que nasceu de uma tragédia. Depois do furacão Katrina, em 2005, ele se refugiou em Nova York, onde se apresentava num clube de Jazz local. Isolado da turma de sua cidade, rearranjou suas composições somente para o piano-solo — e acabou por registrá-las dessa maneira. Nos shows no Brasil, porém, o pianista vem acompanhado de uma banda. Se alguém ainda não sabe quem é Allen Toussaint, basta que ele dedilhe ao piano alguns de seus muitos hits — para que se tenha a certeza de que ele é uma instituição musical. PREFERÊNCIA INTERNACIONAL Algumas das canções de Allen Toussaint gravadas por grandes nomes do rock e do pop Pain in My Heart, Rolling Stones (1965) Por questões de contrato com sua gravadora, Toussaint assina a canção com pseudônimo. "Mas fiquei feliz ao saber que os Rolling Stones gravariam a música. Tinha certeza de que eles iriam ser bons para a minha conta bancária", diz. Yes, We Can Can, Joss Stone (2012) "Não é todo dia que um candidato à Presidência usa sua música como hino de campanha", diz Toussaint. O slogan da campanha de Barack Obama era "yes, we can". A regravação da inglesa Joss Stone seguiu de perto a versão do grupo The Pointer Sisters Fortune Teller, Robert Plant e Alison Krauss (2007) Rolling Stones, The Who e The Hollies já interpretaram essa canção. Quando o cantor Robert Plant se uniu à musa country Alison Krauss em um disco dedicado às raízes da música americana, a faixa foi uma escolha óbvia. Working in a Coal - Mine, DEVO (1981) - A canção foi escrita para Lee Dorsey, intérprete costumeiro de Toussaint. "Mas tenho certeza de que ele nunca entrou numa mina de carvão como a descrita na música", diz o compositor. O DEVO trocou o R&B dolente da gravação inicial por um arranjo eletrônico. Recentemente, a canção apareceu no filme Muppets 2: Procurados e Amados. 9#3 MÚSICA – UMA SELVA DE SONATAS O pianista Antonio Vaz Lemes cria um pioneiro aplicativo de música erudita brasileira, com visual de floresta. Em fevereiro de 2012, quando dava os retoques finais na gravação de seu álbum de sonatas — peças instrumentais de três movimentos —, o pianista Antonio Vaz Lemes surpreendeu-se com Biophilia, lançamento de Björk. Não foi tanto a esquisita música da cantora islandesa que o intrigou, mas a forma como ela foi apresentada: um aplicativo de celular, com jogos interativos. "Cheguei à conclusão de que estava trabalhando em um produto que tinha um prazo de validade curto", diz. Lemes decidiu então trocar o convencional CD por um projeto mais ambicioso que hoje atende pelo nome de Sonata Brasileira: o primeiro álbum-aplicativo da música erudita nacional. "E também o primeiro disco de compositores brasileiros totalmente dedicado ao formato sonata", diz. Com um menu que emula uma selva tropical, o aplicativo é compatível com os dois sistemas mais comuns, Android e iOS. O app de Vaz Lemes chega num período em que a música erudita patina na sua crônica crise mercadológica. No mercado americano, em 2013, o gênero teve um aumento de 5% em suas vendas — o que pouco atenuou a queda de 21% no ano anterior. Nos Estados Unidos, a música erudita é tão "impopular" quanto o jazz. Eles são consumidos por 2,8% da população, enquanto R&B e rock abocanham, respectivamente, 18% e 35% dos álbuns vendidos no país. A música erudita tem dificuldade em superar a imagem de coisa vetusta, apreciada por um público mais velho que decerto ouve até gramofone. Sonata Brasileira é, também, um esforço para buscar ouvintes jovens, ligados em tecnologia. O aplicativo traz, como seu ambiente virtual, uma selva, a partir da qual o menu permite chegar a peças dos brasileiros Camargo Guarnieri, Villani-Côrtes, André Mehmari e Marcelo Amazonas (o aplicativo é gratuito, mas, para ter acesso ao conteúdo integral do álbum, o custo é de 7,99 dólares). O comprador também pode ver e ouvir entrevistas com os compositores — no caso de Guarnieri, morto em 1993, o depoimento é da pianista Laís de Souza Brasil, a quem sua sonata foi dedicada —, partituras, fotos, textos e comentários de Leonardo Martinelli, diretor da Escola Municipal de Música de São Paulo. Mas o melhor de Sonata Brasileira é o intérprete. Vaz Lemes brilha tanto em peças musicalmente intrincadas, como a criação de Camargo Guarneri, quanto na sonata de Mehmari — composta especialmente para o projeto —, que está mais próxima da MPB. Pois nenhum esforço de popularização pela tecnologia vale a pena sem este fundamento incontornável: qualidade musical. SÉRGIO MARTINS 9#4 MEMÓRIA – O BOM HUMOR DE PLANTÃO Carioca de Vila Isabel, Max Nunes — morto na última quarta-feira, aos 92 anos, no Rio de Janeiro, de complicações decorrentes de uma fratura — foi por mais de seis décadas um dos humoristas mais populares do país e um dos menos conhecidos do público. Isso porque ele era um artista dos bastidores, autor de programas de rádio e televisão de enorme sucesso e também de material para outros humoristas — sobretudo Jô Soares, com quem estabeleceu uma longa parceria que durou até seus últimos dias de vida. Max Newton Figueiredo Pereira Nunes conheceu o humor por intermédio do pai, o jornalista e roteirista Lauro Nunes, que escrevia esquetes cômicos para o rádio. O rapaz raquítico, que os amigos chamavam de "Caveirinha", quase se desviou da vocação original ao optar pela medicina, nos anos 1940 — mas acabou indo trabalhar no rádio para custear os estudos. O resultado foi um médico engraçado, capaz tanto de dar plantão na emergência quanto de criar, na Rádio Nacional, o popularíssimo Balança Mas Não Cai ("O único edifício com pouca água, pouca luz e pouca-vergonha"), cujos personagens, como a dupla Primo Rico e Primo Pobre e o casal Ofélia e Fernandinho, ainda hoje são reciclados. Na TV, depois de passar pela Excelsior, Nunes foi para a Rede Globo em 1964. Durante 38 anos, além de reeditar o Balança, foi responsável pelos humorísticos Faca Humor, Não Faça Guerra, Satiricom, O Planeta dos Homens — do célebre bordão "O macaco tá certo" — e Viva o Gordo. No período mais sombrio da ditadura militar, driblava os censores com humor nonsense e sátiras à própria programação da TV. O bom humorista sabe, acima de tudo, rir de si mesmo. MÁRIO MENDES 9#5 VEJA RECOMENDA DISCOS NAÇÃO ZUMBI (SOM LIVRE/NATURA MUSICAL) • Vinte anos atrás, Chico Science & Nação Zumbi lançaram Da Lama ao Caos, pedra fundamental do movimento manguebit e um dos discos mais influentes do pop brasileiro. Chico Science morreu em 1997. Desde então, os integrantes da Nação Zumbi têm se destacado com uma produção respeitável, ora engordando sua discografia, ora se arriscando em trabalhos paralelos — caso das bandas Los Sebosos Postizos, Maquinado e 3 na Massa. O novo álbum é seu trabalho mais palatável até agora. O grupo suavizou o ribombar dos tambores de maracatu e privilegiou harmonias e melodias. Sim, há muito da Nação Zumbi original em faixas como Pegando Fogo e A Melhor Hora da Praia (com participação de Marisa Monte), mas há também uma faceta pop irresistível em Cicatriz, com sua guitarra mezzo iê-iê-iê, mezzo brega paraense, e na balada Um Sonho. E, se o vocal de Jorge du Peixe ainda ofende ouvidos afeitos à afinação, o problema é atenuado pelos timbres do guitarrista Lúcio Maia e pela presença forte da sessão rítmica formada pelo baixista Dengue e pelo baterista Pupillo. READY TO DIE, IGGY & THE STOOGES (DECK) • O cantor e compositor americano James Newell Osterberg não é um roqueiro, é um desafio à ciência. Aos 67 anos muito bem vividos e com todos os excessos do universo do rock'n'roll, James, mais conhecido como Iggy Pop, continua a fazer apresentações arrasadoras e a lançar discos relevantes. É o caso de Ready to Die, que marca o retorno do guitarrista James Williamson — responsável pela guitarra de Raw Power, clássico de 1973 — aos Stooges, lendária banda de apoio de Iggy. Williamson substituiu Ron Asheton, também parceiro do cantor nos Stooges, que morreu em 2009. Ready to Die é um legítimo disco de Iggy e os Stooges: agressivo, barulhento, repleto de guitarras distorcidas e letras insolentes. DD's, por exemplo, é uma homenagem às mulheres de seios voluptuosos. Williamson mostra-se um substituto à altura de Ron Asheton em riffs de rock pesado (Bunz, a ótima faixa de abertura) e solos inspirados (na ótima Beat That Guy). The Departed, composta em homenagem ao guitarrista morto, acabou servindo para outro membro dos Stooges: o baterista Scott Asheton, irmão de Ron, morreu em março, em consequência de um infarto. Iggy Pop, não se sabe como, sobrevive. CINEMA O MÉDICO ALEMÃO (WAKOLDA, ARGENTINA/FRANÇA/NORUEGA/ESPANHA, 2013. JÁ EM CARTAZ NO PAÍS) • Em 1960, Lilith (Florencia Bado) está se mudando com os pais e os irmãos para Bariloche, onde vão reabrir a hospedaria da família. Um alemão pede para segui-los na estrada: ele não conhece o caminho e está intrigado com Lilith, que tem 12 anos mas, baixinha, aparenta ter 9 — embora exiba proporções notavelmente harmoniosas, anota ele em sua caderneta. O estrangeiro (o espetacular Àlex Brendemühl), que diz ser médico e se chamar Helmut Gregor, tem em Bariloche vários conhecidos alemães, que o tratam com deferência. É de Lilith, porém, que ele se aproxima. Quer medicá-la com hormônios para que cresça e também cuidar de sua mãe, grávida de gêmeos. A essa altura, já está claro para o espectador que o homem é na verdade Josef Mengele, "o anjo da morte" de Auschwitz, onde realizava experimentos tétricos com judeus — gêmeos eram seu interesse especial. Baseado num episódio real da longa trajetória de fuga e exílio de Mengele (que morreu afogado em Bertioga, no litoral paulista, em 1979), o filme da diretora Lúcia Puenzo é primoroso no ritmo controlado e na audácia com que apresenta a face simpática de seu protagonista à família de Lilith. LIVRO AS COISAS INCRÍVEIS DO FUTEBOL, DE MÁRIO FILHO (EX MACHINA; 200 PÁGINAS; 42 REAIS) • Mário Filho (1908-1966) estreou no jornalismo na década de 20 e se dedicou a um filão até então pouco explorado, a crônica esportiva. Seu ouvido apurado para o linguajar dos torcedores em campo o fez inaugurar um novo estilo de escrita, bem distante dos textos rebuscados que se praticavam naquele tempo. Os artigos reunidos em As Coisas Incríveis do Futebol, livro organizado pelo pesquisador Francisco Michielin, foram publicados originalmente nos anos 1940, em O Globo Sportivo, quando o autor já era um nome celebrado, famoso por consagrar a expressão "Fla-Flu". Sempre elegante e bem-humorado, Mário Filho enaltece certo craque, faz justiça aos juízes (esses incompreendidos), descreve como um bode quase estraga uma partida em que se enfrentavam Bonsucesso e Madureira e lembra com saudade o "sururu", a invasão do campo por torcedores, muito antes de a violência nos estádios ser inventada. Quando morreu, aos 58 anos, seu irmão mais novo, Nelson Rodrigues, cravou no gol: "Mário Filho foi tão grande que deveria ser enterrado no Maracanã". DVD ADEUS, CAMARADAS! (ADIEU CAMARADES!, ALEMANHA/FRANÇA/FINLÂNDIA, 2012. VERSÁTIL) • A partir de um fio condutor fictício — uma filha criada na França tenta entender as razões que levaram o pai comunista a abandonar a família —, o diretor russo Andrei Nekrasov fez este documentário produzido para a TV, em seis episódios, sobre o colapso da União Soviética. Nekrasov, ex-colaborador do cineasta Andrei Tarkovski, se concentrou no período entre 1975 e 1991 para mostrar tanto o auge da Guerra Fria quanto as disputas políticas e crises internas que acabaram por desmontar o império comunista. Apesar de certo tom nostálgico — expresso em imagens raras de um país canhestro, mas poderoso —, o olhar é crítico: estão lá episódios como o acidente nuclear de Chernobyl e a invasão do Afeganistão, além de uma observação atenta da rivalidade entre Mikhail Gorbachev e Boris leltsin. Os depoimentos, filmados em doze países, incluem os de ex-dirigentes do Partido Comunista, ex-funcionários da KGB, rebeldes, estudiosos, ativistas e populares. Um retraio terno e amargo feito por quem viveu do lado de lá da Cortina de Ferro. 9#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA 2- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA 3- Quem É Você, Alasca? John Green. MARTINS FONTES 4- A Escolha. Kiera Cass. SEGUINTE 5- O Teorema de Katherine. John Green. INTRÍNSECA 6- Divergente. Veronica Roth. ROCCO 7- O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 8- Insurgente. Veronica Roth. ROCCO 9- A Menina que Roubava Livros. Markus Zusak. INTRÍNSECA 10- A Guerra dos Tronos. George R.R. Martin. LEYA BRASIL NÃO FICÇÃO 1- A Estrela que Nunca Vai Se Apagar. Esther Earl. INTRÍNSECA 2- Demi Lovato – 365 Dias do Ano. Demi Locato. BEST SELLER 3- O Réu e o Rei. Paulo Cesar de Araújo. COMPANHIA DAS LETRAS 4- Sonho Grande. Cristiane Corrêa. PRIMEIRA PESSOA 5- 1889. Laurentino Gomes. GLOBO 6- O Livro da Psicologia. Nigel Benson. GLOBO 7- Guia Politicamente Incorreto do Futebol. Jones Rossi e Leonardo Mendes Junior. LEYA BRASIL 8- Getúlio 1930-1945. Lira Neto. COMPANHIA DAS LETRAS 9- Assassinato de Reputações. Romeu Tuma Jr. E Claudio Tognolli. TOPBOOKS 10- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros. Augusto Cury. BENVIRÁ 3- Casamento Blindado. Renato e Cristiane Cardoso. THOMAS NELSON BRASIL 4- Kairós. Padre Marcelo Rossi. PRINCIPIUM 5- Eu Não Consigo Emagrecer. Pierre Dukan. BEST SELLER 6- O Monje e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 7- Eu Me Chamo Antonio. Pedro Gabriel. INTRÍNSECA 8- Foco. Daniel Goleman. OBJETIVA 9- Milagres. Padre Reginaldo Manzotti. AGIR 10- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 9#7 J.R. GUZZO – SÓ UM INTERVALO Um jogo de futebol, mesmo um jogo de abertura de Copa do Mundo e com o time brasileiro em campo, é apenas um jogo de futebol. Para a maioria da população brasileira, as aflições da luta diária e silenciosa pela sobrevivência são bem maiores, na prática, do que qualquer tristeza esportiva; ninguém tem tempo para ficar chorando quando é preciso encarar, logo na madrugada seguinte, três horas de ônibus, metrô e trem para ir até o trabalho. O ex-presidente Lula pode achar que é uma "babaquice" pensar em transporte público de primeira classe para quem vive na terceira, nesta bendita Copa que inventou de trazer para o Brasil sete anos atrás. Pode achar o que quiser, mas não vai aliviar em um grama a selvageria imposta à população para que ela exerça seu direito constitucional de ir do ponto A ao ponto B — e muitos outros prometidos em troca dos 30 bilhões de reais que custará a Copa mais cara da história, num país onde a classe média começa nos 290 reais de renda por mês. Do mesmo modo, as alegrias da vitória são apenas momentos que brilham, depois de leve oscilam, e se desfazem num prazo médio de 48 horas. A vitória do Brasil sobre a Croácia por 3 a 1, em sua estreia na mais grandiosa e emocionante disputa esportiva do planeta, foi um desses momentos que valem enquanto duram. Não garante nada, é claro, numa competição de alpinismo em que cada passo rumo ao topo é mais difícil que o passo anterior; garante mais, em todo caso, que uma derrota. Mas para a vida do Brasil e dos brasileiros é apenas um intervalo que não muda nada — justamente numa hora em que é urgente mudar tanto. É urgente porque o Brasil se encontra, neste mês de junho de 2014, em estado de desgoverno. A questão, a esta altura, não é dizer que o governo da presidente Dilma Rousseff tem tudo para ficar entre os piores que o país jamais teve. Isso muita gente, e cada vez mais gente, já está cansada de saber — segundo a última pesquisa do Pew Institute, organização americana de imparcialidade e competência indiscutíveis, mais de 70% dos brasileiros estão hoje descontentes com o governo; eram 55% em 2013. Esse nível de frustração, segundo o instituto, "não tem paralelo em anos recentes". Que mais seria preciso dizer? O problema real, seja qual for o resultado final da Copa, é que o governo federal deixou de existir como autoridade responsável; traiu os eleitores, suprimindo o seu direito de ser governados sob o império da lei, e passou a agir no mundo da treva. Não se sabe se os donos do poder estão sonhando em arrastar o Brasil para uma aventura totalitária. Mas certamente dão a impressão de quererem algo muito parecido com isso. Lula, Dilma, o PT e as forças postas a seu serviço não aceitam, por tudo o que dizem e sobretudo pelo que fazem, a ideia de perder a eleição presidencial de outubro. Por esse objetivo, mandaram a governança do país para o diabo e empregam 100% de suas energias, sua capacidade de cometer atos ilegais e seu livre acesso ao dinheiro público para impedir que a massa dos insatisfeitos possa eleger para a Presidência qualquer candidato que não se chame Dilma Rousseff. Uma greve ilegal e abusiva dos agentes do metrô de São Paulo, armada na zona escura dos apoios clandestinos ao governo, fez algo inédito: montou piquetes para impedir que os passageiros chegassem aos trens — dentro da estratégia de impor a desordem nos serviços públicos paulistas e, com isso, prejudicar candidatos da oposição. Um decreto da presidente criou, e quer tornar efetivos, uns "conselhos populares" com poderes e competências acima dos do Congresso Nacional e do Judiciário. Num país com 55.000 assassinatos por ano, o governo nega aos cidadãos o direito fundamental à vida, ao tornar-se cúmplice dos criminosos com sua tolerância máxima ao crime — em quase doze anos de governo, Lula e Dilma não disseram uma única palavra contra esse massacre, e muito menos tomaram a mínima providência a respeito. Ambos tiveram, ou compraram, o apoio de 70% do Congresso; o que fizeram de útil com essa imensa maioria? Zero. Ela foi usada apenas para impedir investigações sobre seus crimes, como na espetacular sequência de escândalos na Petrobras, por exemplo, e encher o PT e seus aliados com empregos públicos, verbas e oportunidades de negócio. O uso sistemático da mentira tornou-se a forma mais praticada de ação política. A presidente da República não fala ao público na abertura da Copa — fica num discurso pré-fabricado de elogio a seu governo. Um Brasil como esse perde se perder e perde se ganhar.