0# CAPA 15.10.14 VEJA www.veja.com.br Editora ABRIL Edição 2395 – ano 47 – nº 42 15 de outubro de 2014 [descrição da imagem: foto do rosto de Aécio Neves. Aprecen olhando para frente, e sorrindo.] AÉCIO NEVES O FATOR SURPRESA Em uma eleição histórica, com cinco viradas, o candidato do PSDB ganha mais 30 milhões de votos de um dia para o outro e sai na frente no segundo turno. ENTREVISTA: “Entrevista: "Bolsa família não é favor de partido político, é dever do estado. No meu governo, ela será mantida, melhorada e, se preciso, ampliada”. [parte superior da capa] O MÉDICO MONSTRO As confissões de Abdelmassih PETROLÃO O ex-diretor da Petrobras fala, o doleiro confirma e o PT se enrola ainda mais. FIAT LUX Do Gênesis aos prêmios Nobel de 2014, o triunfo da luz. ______________________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# ESPECIAL ELEIÇÕES 4# BRASIL 5# INTERNACIONAL 6# GERAL 7# ARTES E ESPETÁCULOS _________________________________ 1# SEÇÕES 15.10.14 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – DEMOCRACIA MADURA 1#3 ENTREVISTA – MACUS ANDRÉ MELO – O NORDESTE NÃO É DO PT 1#4 CLAUDIO DE MOURA CASTRO – YES OR NO? 1#5 MAÍLSON DA NÓBREGA – NÃO HÁ BOM SUBSTITUTO PARA O FATOR PREVIDENCIÁRIO 1#6 LEITOR 1#7 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM O BRASIL NA MIRA DA SAÚDE MUNDIAL O bilionário americano Bill Gates anunciou, na semana passada, doação de 11 milhões de reais para o desenvolvimento de pesquisas brasileiras com foco na infância. É o segundo ano em que a Fundação Bill & Melinda Gates investe no país, com o objetivo de encontrar soluções na área de saúde. "O Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes a ter um sistema de saúde universal e gratuito. Se suas inovações derem certo, podem ser exportadas para outros lugares do mundo com problemas parecidos", diz o sul-africano Trevor Mundel, presidente de Saúde Global da fundação. Em entrevista exclusiva ao site de VEJA, ele conta também quais são os planos para os próximos anos. SAÚDE PÚBLICA MELHOR Com o apoio de especialistas, o site de VEJA mapeou ideias e projetos internacionais na área de saúde pública que podem ser modelos para enfrentar alguns dos principais problemas do setor. São ideias de gestão de recursos e administração em saúde que, bem aplicados, levam ao atendimento de excelência aos pacientes. REDACÃO DO ENEM Em junho do ano passado, VEJA.com publicou uma reportagem com temas da atualidade que poderiam motivar a redação do Enem. Entre eles, estava a chamada Lei Seca, assunto que de fato foi o foco do texto dissertativo da avaliação federal. Com o intuito de ajudar estudantes também neste ano, voltamos a ouvir os professores: eles indicam cinco tópicos que podem servir de treino para os participantes do Enem - e, quem sabe, motivar a redação de 2014. AFINAL, O ROCK MORREU? Só duas bandas de rock chegaram ao topo do ranking anual Billboard 200 neste século: o Linkin Park, em 2001, e a inexpressiva Daughtry, em 2007, impulsionada pelo sucesso do vocalista no programa American Idol. No mesmo período, o hip-hop foi coroado quatro vezes com dois álbuns de 50 Cent, um de Eminem e um de Usher. O pop atingiu a liderança em cinco ocasiões: com Adele (duas vezes), Taylor Swift, Justin Timberlake e Alicia Keys. Reportagem de VEJA.com relaciona os fatos que muitos entendem como sintomas da agonia do rock e as terapias possíveis para o estilo. 1#2 CARTA AO LEITOR – DEMOCRACIA MADURA Uma reportagem desta edição de VEJA desmistifica a tese corrente de que a democracia brasileira é imatura. Já se vão quase três décadas desde que chegou ao fim o regime militar e os brasileiros retomaram os direitos plenos da cidadania, do voto direto para a Presidência da República e do exercício, com garantia constitucional, da liberdade de expressão. Nestes trinta anos incompletos desde janeiro de 1985, a democracia no Brasil foi testada, e resistiu a quatro grandes crises. A primeira foi a doença de Tancredo Neves, que no dia em que receberia a faixa presidencial estava inconsciente sob anestesia geral no Hospital de Base de Brasília, operado às pressas com um quadro grave de abdómen agudo, de cujas complicações morreria 38 dias depois da internação. "Façam de mim o que quiserem — depois da posse", dizia Tancredo aos médicos que, informados de suas fortes dores abdominais, vinham tentando interná-lo para exames. Tancredo, avô de Aécio Neves, candidato a presidente nas atuais eleições, temia que os militares linha-dura usassem a doença como pretexto para adiar a devolução do poder aos civis. José Sarney, o vice, tomou posse sem oposição. A segunda crise aconteceu com o impeachment de Fernando Collor, o presidente apeado do poder por corrupção, em 1992, pelo voto da maioria do Congresso Nacional. A terceira veio com a prisão de um presidente do Banco Central no governo de Fernando Henrique Cardoso. A quarta, mais recente, decorreu da condenação e do encarceramento na penitenciária da Papuda da cúpula do PT, o partido no poder, pelo escândalo do mensalão. A democracia brasileira, além de madura, fortificou-se nas crises a que sobreviveu. A reportagem de VEJA mostra que a alternância pacífica de poder entre forças políticas opostas dominantes é aceita universalmente como prova de maturidade democrática. Por esse conceito, o Brasil chegou lá. Os militares entregaram o poder em eleição indireta no Congresso e acataram o resultado. Depois o PSDB e seus aliados perderam nas urnas o poder para o PT, em 2002, tendo permanecido oito anos no comando do país. O PT terá ficado doze anos na Presidência, se apeado agora na votação popular em segundo turno, no dia 26 deste mês, e não há sinais de que isso provoque alguma ruptura na ordem pública ou constitucional. Estar maduro, porém, não é garantia de estabilidade permanente do regime democrático no Brasil Basta lembrar que, ao ser empossado na Presidência da República em 1961, Jânio Quadros saudou seu antecessor, Juscelino Kubitschek, com uma frase nada profética: "O governo de Vossa Excelência que ora se finda terá seu lugar marcado na história por ter estabelecido em bases definitivas os princípios do regime democrático no Brasil". Oito meses depois Jânio renunciou, lançando sobre a política uma dose cavalar de instabilidade que resultou, mais tarde, em 21 anos de ditadura militar. Durante o governo do PT surgiram de suas alas radicais tentativas de ferir a normalidade democrática com a campanha pelo terceiro mandato de Lula, a volta da censura à imprensa, a estatização da economia e o apoio externo a ditaduras. Todas vêm sendo rechaçadas, não por falta de vontade dos seus proponentes mais exaltados, mas por resistência da sociedade brasileira. VEJA se orgulha de ter feito parte dessa resistência. 1#3 ENTREVISTA – MACUS ANDRÉ MELO – O NORDESTE NÃO É DO PT O cientista político diz que o eleitor mais desfavorecido sempre tende a votar a favor do governo e que a educação é fator essencial para aumentar a qualidade da política. ANA CLARA COSTA No primeiro turno das eleições, a presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff se manteve na liderança em todos os estados nordestinos, à exceção de Pernambuco. No Piauí, Dilma levou 70% dos votos, o seu melhor desempenho estadual. Segundo o cientista político pernambucano Marcus André Melo, contudo, não se pode definir a região como petista. Professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com Ph.D. na Universidade de Sussex, na Inglaterra, e pós-doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Melo observa que, nas áreas economicamente desfavorecidas, não há uma fidelidade mecânica ao partido. O que existe é um comportamento de adesão a qualquer governo vigente, justamente devido à dependência que a população dos grotões do Brasil guarda em relação às políticas públicas. Qualunquismo é a expressão usada por Melo para descrever esse fenómeno. Isso significa que o eleitor não está fechado a novas propostas que, nas palavras do académico, "maximizem o seu bem-estar". Como explicar o comportamento do eleitor que, neste primeiro turno, levou Marina Silva a liderar as intenções de voto, e depois se voltou para Aécio Neves, permitindo que ele arrancasse e chegasse ao segundo turno? O que marcou esta eleição foi mesmo a desconstrução da imagem de Marina Silva pelo marketing agressivo do PT. Esse marketing atingiu em cheio a parcela volúvel do eleitorado. São os indecisos ou neutros, sujeitos a mudar de voto. Depois da morte de Eduardo Campos, esse eleitorado se voltou para Marina. Quando os ataques petistas, que miravam sobretudo a credibilidade da ex-senadora, se avolumaram, o grupo se dividiu e migrou para Aécio e para a própria Dilma. Mas este é o fato curioso: o marketing do PT beneficiou sobretudo o candidato tucano, pois devolveu-lhe os eleitores que haviam aderido momentaneamente a Marina, por achar que estavam com ela as chances de vencer o PT. Observemos que, descontados os volúveis, o eleitorado de Marina se manteve basicamente o mesmo de 2010. Esse eleitorado esposa uma combinação de valores que os cientistas políticos têm chamado de "pós-materialistas". São jovens preocupados com o meio ambiente, com novos padrões de consumo e que estão em crise com a representação política. Causa perplexidade ao eleitor de Marina, por exemplo, o modelo de coalizão no Brasil, que permite que partidos de extrema direita e de extrema esquerda se aliem sem nenhum receio. É um eleitor que não vota olhando o próprio bolso. Ele está insatisfeito com os serviços públicos, o modelo político e sua representação. Ele personifica um mal-estar institucional muito evidente nos protestos do ano passado. Que outros grupos se destacam no eleitorado brasileiro? O grupo mais numeroso, não só no Brasil, é sempre o do "ignorante racional". O termo foi criado pelo economista americano Anthony Downs, no clássico Uma Teoria Econômica da Democracia. Ele descreve o eleitor médio que, por meio do voto, tenta antes de mais nada maximizar seu bem-estar. Seu voto é coerente e racional. Mas ele não entende os indicadores econômicos, não sabe como as políticas se relacionam umas com as outras e se desdobram a médio e longo prazos. Só sente que as coisas vão mal quando a crise atinge o emprego ou a renda. Esse eleitor olha ao seu redor e decide se quer ou não mudança de status quo. Não tem nada de ideologia. Ora, apesar de o mercado de trabalho não ser o mesmo de dois ou três anos atrás no Brasil, o desemprego ainda não aumentou. E, mesmo que a inflação esteja no teto da meta, não se pode dizer que ela tenha afetado de maneira contundente a renda. Isso explica, em parte, a expressiva votação de Dilma. Qual é o horizonte de tempo no raciocínio político desse eleitor? A educação, muito mais que a informação, é fundamental para torná-lo mais consciente e ampliar o horizonte temporal de seu cálculo político. Sem educação, ele não consegue entender a sustentabilidade das políticas públicas e dispõe de menos subsídios para avaliar um governo. A educação melhora o debate público, que tem se mostrado tão deficiente no Brasil. Existe um momento específico em que o eleitor que o senhor descreveu como "ignorante racional" começa a pensar a longo prazo? Há estudos que fazem essa análise, mas nenhum consegue definir um padrão específico. O que acontece é um movimento contínuo de busca por melhoria de vida e bem-estar. Quando se está inserido em um processo de mobilidade social, é esperado que as pessoas queiram sempre mais. As expectativas aumentam. Quando determinado estrato da sociedade percebe que a capacidade de avançar estancou, ou não é suficiente para suprir suas ambições, há um movimento de insatisfação muito grande, como o que foi visto, de certa forma, nos protestos do ano passado. Isso ocorre quando um indivíduo se dá conta de que suas demandas vão além do que a velocidade da transformação da sociedade pode lhe proporcionar. Essa é a origem das grandes frustrações que, se não racionalizadas, explodem nas ruas, como aconteceu no ano passado nas maiores cidades brasileiras. O voto do brasileiro é fundamentalmente pautado pela economia, então? Em boa parte, sim. Em última instância, o eleitor sempre opta pela mudança ou manutenção de um governo olhando para a sua realidade e satisfação como cidadão. É uma percepção bem individualista tanto para o pobre quanto para o rico. Quando um eleitor se decide pela mudança, a credibilidade do novo candidato escolhido é o aspecto mais relevante. Isso explica por que a estratégia do PT foi desconstruir a credibilidade de Marina Silva, usando informações completamente irrelevantes para associá-la à imagem de mentirosa. Isso prejudicou a confiança na candidata e fez com que os eleitores neutros ou indecisos desistissem de votar nela. Tanto Marina Silva quanto Aécio Neves usaram os episódios de corrupção na Petrobras para atacar Dilma. Até que ponto isso funcionou? As denúncias afetaram mais o rótulo partidário, o PT, do que a própria Dilma Rousseff. Além disso, é preciso lembrar que nem Aécio nem Marina foram assim tão incisivos nos questionamentos a Dilma sobre a corrupção em seu governo. De forma alguma eles chegaram perto em intensidade e frequência dos ataques do PT no processo de desconstrução de Marina. Por que razão, na opinião do senhor, Aécio e Marina falharam em jogar a corrupção do PT no colo de Dilma? Primeiro, porque os candidatos de oposição tiveram muito pouco tempo de TV em comparação com o tempo dado à candidatura oficial. A informação que ficou gravada é que o PT está associado à corrupção, mas não Dilma. A redução das bancadas petistas no Senado e na Câmara pode ter sido resultado dessa associação do partido com a corrupção. Com tantos escândalos tendo o PT como centro, algo estaria muito eirado com a nossa democracia se não tivesse havido uma repercussão disso nas urnas. Mas houve. O bolso pesa mais na hora do voto do que a corrupção em que circunstâncias? As pesquisas sobre corrupção mostram um cenário clássico de dependência do ambiente econômico. Um escândalo tem maior potencial de afetar o voto quando a situação econômica de um país não está boa. Se tudo estiver relativamente bem, a população estará menos propensa a se indignar e exigir a punição dos corruptos. O mapa eleitoral brasileiro sugere um país dividido em regiões tucanas e regiões petistas. Os partidos são donos de certas áreas do país? Quando se opõe o voto concentrado do PT no Nordeste e no Norte ao voto do PSDB no Sudeste, muitos analistas políticos se esquecem de algo fundamental, que eu chamo de qualunquismo. Essa expressão vem da palavra italiana qualunque, que significa "qualquer um", e está associada a certo cinismo muito comum no sul da Itália no século passado, que consiste no voto ao governante que está no poder, seja ele quem for. Não se pode dizer que há um fenômeno de adesão ao petismo nos grotões do Brasil. Não houve uma "marcha ao Nordeste" que fez com que, de repente, essas pessoas tivessem adquirido consciência de classe. O que se observa é que, nas áreas desfavorecidas e mais dependentes de políticas de inclusão, se vota em quem está no governo. Qualquer governo? Desde que o PT chegou ao poder, essas áreas dependem muito de transferência de renda. Por isso, seus prefeitos e deputados têm muitos incentivos para apoiar o mandatário da vez. E é isso que o eleitor vê. Sua fidelidade não é com o partido. Não à toa, esse mesmo eleitor elegeu Fernando Henrique Cardoso em 1994 e o reelegeu em 1998. Na reeleição, o único estado do Norte e Nordeste em que FHC perdeu foi o Ceará, que votou em Ciro Gomes. FHC ganhou porque estabilizou a economia e eliminou a inflação, o que tornou a vida do pobre muito melhor. Por isso, ele foi premiado nas urnas. É preciso entender melhor esse eleitor desfavorecido: ele vai se aliar a quem o beneficiar. Isso acontece no interior do Piauí ou na periferia de São Paulo. O que explica a clara preferência da maioria dos eleitores de São Paulo ao PSDB? Meu próximo livro, que deve ser lançado no ano que vem pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, analisa justamente os dois valores primordiais na política atual: a inclusão e a estabilidade econômica. No Piauí, a preocupação é a inclusão. No Sudeste, há mais empresas, o setor privado é mais forte. É um cenário em que as questões macroeconômicas ganham mais peso, e o PSDB tem reputação mais sólida nesse aspecto. Não estou dizendo que todo eleitor do PSDB seja um exímio conhecedor de contas públicas. Mas a agenda de preocupações já é outra. Tenho muitas ressalvas ao pensamento que associa comportamento eleitoral a classe socioeconômica de forma mecânica. Isso simplifica o debate. Mas aqui é útil pensar na classe C, não só paulista, mas como um todo. Essa classe se beneficiou da expansão do crédito e do crescimento econômico de 2002 a 2009. Para ela, a questão fundamental são os serviços. A classe C está satisfeita, então? A classe C saiu do SUS e teve acesso a planos de saúde privados, mas, como a regulação desses planos é deficiente, está muito insatisfeita. Com a educação, acontece o mesmo. A classe C comprou carro, mas agora fica parada no trânsito. Agora, ela começa a captar os indícios de que a economia vai mal. Não é preciso saber o que é superavit primário para sentir os sinais de enfraquecimento da economia. Quem trabalha em construtoras, por exemplo, percebe que a quantidade de empreendimentos entregues em 2014 é menor que em outros anos. Em todas as empresas, os funcionários estão vendo que projetos são abortados ou adiados. Como os eleitores que vivem agora um embate entre o cansaço com a atual gestão e o medo de perder suas conquistas podem resolver essa contradição? A classe C não é o alvo primordial das políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, mas se beneficiou de cotas na universidade, crédito e outras políticas de inclusão. Ela tem mais informação que aquele eleitor dos grotões do Brasil e sabe que a inflação está alta e que as coisas não estão bem. Isso a faz oscilar entre o governo e a oposição. O PSDB lucra com isso, porque tem credibilidade quando se trata de estabilidade econômica. Existe uma escolha certa para esse eleitor? É complicado. Mas poderia ser mais simples se os partidos tivessem um papel diferente na sociedade. Em muitos países europeus, os partidos políticos fazem a intermediação entre os formadores de opinião e a população. Há uma identificação partidária forte na Inglaterra, na França e na Alemanha. Os partidos funcionam como atalhos cognitivos para o "ignorante racional". Eles ajudam a educar. No Brasil, essa identificação é mínima. Há, inclusive, cada vez mais aversão a partidos. Não há debate de políticas, mas acusações e uso deslavado de mentiras, como as usadas pelo PT nos ataques a Marina. 1#4 CLAUDIO DE MOURA CASTRO – YES OR NO? claudiodemouracastro@positivo.com.br Andrew Fletcher foi um intelectual e político escocês de grande talento e cultura, além de inflamado — como muitos de seus compatriotas. Em 1707, manifestou-se veementemente contra a anexação de seu país à Inglaterra. Na época, morava em um belo castelo nas proximidades de Edimburgo. O castelo sobreviveu, praticamente intacto. Faz alguns anos, foi comprado por nove famílias e dividido em pedaços independentes — é a maneira de dar vida nova a castelos impossíveis de manter e aquecer. Um dos donos é professor universitário e meu amigo. Por pura coincidência, passei lá um fim de semana, nas vésperas da votação — yes or no — para decidir a independência da Escócia. Provavelmente na mesma sala em que Fletcher redigiu seu manifesto, meu amigo Ken disse que ia votar "No" para a independência. Mas sua mulher era "Yes". Ele é mais realista, ela mais romântica. Pelo país afora, mesmo dentro das famílias, o voto ficou dividido. Passando na rua, uma casa tem um adesivo do "Yes", a seguinte tem o do "No". Na rua mais central de Edimburgo, pedia dinheiro para o "No" um tocador de gaita de foles, barba branca esvoaçante e indumentária escocesa. Um quarteirão adiante, uma figura ímpar tocava violino em uma corda bamba. Alguém lhe passou um cartaz do "Yes", que ele brandiu para o público. Jovens tendem a ser pela independência. Velhos, pelo status quo. Quem gosta de riscos vai de "Yes". Quem sabe de economia pende para o "No". Quem pensa mais na política opta pelo "Yes". O mais espantoso é a intensidade da mobilização do povo. Na estação local de trem, meu amigo perguntou a uma senhora sobre estacionamento, recebendo uma longa e amável explicação. Quando lhe perguntou pelo seu voto, disse a ele dois desaforos, levantou-se e foi esperar o trem na chuva. A sociedade estava dividida e eletrizada pela votação. O mais curioso é que os argumentos pró ou contra são detalhes, nada que a um estrangeiro pareça justificar tamanho furor — de lado a lado. São pendengas infinitamente pálidas, em contraste com as guerras de independência e outros movimentos separatistas. O Parlamento representa corretamente a Escócia, e as políticas refletem as preferências de muitos escoceses. O próprio brasão da Grã-Bretanha tem unicórnio e leão, representando os dois países. Não há argumentos contundentes que mostrem uma Escócia explorada ou diminuída pela dependência a Londres. É um país rico, bem administrado e de gente criativa e educada. Mas o ardor das discussões — que ocuparam os jornais por semanas — faz parecer que se debatem discrepâncias intransponíveis. É claro, há divergências, como é o caso entre os estados brasileiros. Mas nada de assustar. São dissensões menores. Contudo, se viesse a independência, pairariam grandes incógnitas sobre a moeda, as dívidas, as relações internacionais e o petróleo do Mar do Norte. Se as discordâncias são pequenas, por que tanta aflição? Simplificando, a resposta é a história. As animosidades são alimentadas pelo passado de um povo brigão e assiduamente dedicado a digladiar-se com a Inglaterra. Em seu momento, os escoceses se defenderam das estripulias dos vikings. Fora isso, desde o século VII, todas as muitas guerras foram contra a Inglaterra. Até recentemente, as duas sociedades guerrearam ferozmente entre si. Dependendo da incompetência dos militares, ora a Escócia ficava independente, ora fazia parte da Grã-Bretanha. No fundo, são sociedades parecidíssimas e imbricadas, a começar pelo aspecto físico — que não dá para distinguir. No século XIX, contudo, o escritor Walter Scott liderou um grande movimento para mostrar que os escoceses são diferentes. Por isso, passaram a usar kilt (sem cueca e inapropriado para o frio local) e insistem na gaita de foles, com seu uivo de gato estrangulado. De birra, promovem a língua gaélica, falada por apenas 1% da população. Quando anda por lá, a família real se vê obrigada a nela balbuciar meia dúzia de palavras. As últimas pesquisas, pela internet, davam ampla maioria ao "Yes", para pânico dos adversários. Mas era uma amostra com o viés da juventude dos internautas. O "No" ganhou. No dia seguinte, eles continuaram brigando. CLÁUDIO DE MOURA CASTRO é economista 1#5 MAÍLSON DA NÓBREGA – NÃO HÁ BOM SUBSTITUTO PARA O FATOR PREVIDENCIÁRIO A verdade, diz-se, costuma ser a grande vítima de campanhas eleitorais. Já a mentira pode correr solta em promessas inconsequentes como a da mudança do fator previdenciário, defendida por Aécio Neves e Marina Silva. Ambos reagiram a demandas de sindicalistas, que acusam o fator de "prejudicar" os aposentados ao reduzir o valor do benefício previdenciário. Acontece que a redução é efeito da natural necessidade de ajustar o benefício à elevação da expectativa de vida pós-aposentadoria. O fator previdenciário foi aprovado em 1999 (Lei nº 9876). Sua lógica é irrepreensível, mas ele continua pouco entendido. A rejeição ao fator é parte de outra lógica muito aceita, a de que a aposentadoria deveria ser a retribuição pelos anos trabalhados, e não o resultado de contribuições do segurado ao longo de sua vida profissional. O fator previdenciário, nascido na Suécia, é um mecanismo de ajuste automático entre a expectativa de vida pós-aposentadoria e o benefício a que teria "direito" o segurado pelo sistema de repartição, no qual os trabalhadores em atividade — a geração de hoje — custeiam a aposentadoria da geração de ontem. A expectativa de vida tem aumentado em todo o mundo. É crescente o tempo de usufruto da aposentadoria, o que é ótimo para homens e mulheres e péssimo para as finanças previdenciárias. Suponha que o cálculo atuarial considere uma sobrevida de dez anos na inatividade. Admita que o avanço da medicina mudou esse período para vinte anos. A despesa será o dobro do previsto. Por não ter acumulado recursos suficientes para tanto, o sistema entrará em déficit, ameaçando a sustentabilidade fiscal e o futuro da economia. O cidadão comum aceitaria o fator se encarasse o benefício como resultado de um esforço de poupança a ser por ele gasta mais tarde. Entenderia que o valor de uma aposentadoria aos 50 anos, a ser usufruída durante trinta anos, deveria ser inferior ao daquela de quem se aposenta aos 60 anos e terá uma sobrevida menor. O fator faz o ajuste automático dessa diferença. Sem o fator, uma alternativa seria elevar o tempo de aposentadoria mediante lei cuja aprovação é tarefa difícil e desgastante. Os governantes tendem a evitá-la. Outra saída seria aumentar as contribuições, o que é menos laborioso mas bastante complicado. Não fazer nada, a opção mais frequente, é transferir para as gerações futuras o ônus do inevitável colapso do sistema. Mesmo quando se consegue estender a idade de aposentadoria, como na maioria dos países ricos, a solução é apenas temporária. Mais tarde, novos avanços da medicina desatualizam o limite de idade para auferir o benefício. A vantagem do fator é considerar o aumento na expectativa de vida, corrigindo automaticamente o valor da aposentadoria. A ideia básica era induzir os trabalhadores a permanecer mais tempo em atividade, ampliando o período de contribuição. Isso restauraria o valor esperado da aposentadoria, mas evitaria o déficit. Se o trabalhador preferisse aposentar-se no tempo previsto, a redução do benefício manteria equilibradas as finanças previdenciárias. A experiência tem mostrado que a maioria opta por não prolongar a vida ativa. O fator previdenciário brasileiro é calculado com base em uma fórmula que leva em conta a alíquota de contribuição, a idade, o tempo de contribuição ao INSS e a expectativa de sobrevida (estimada pelo IBGE). Quanto maior a expectativa, maior a redução do valor da aposentadoria. Não se trata, ao contrário do que se apregoa, de prejuízo ao aposentado, mas de ajuste do benefício ao maior tempo de sobrevida. A Previdência ainda reclama reformas como a elevação da idade de aposentadoria, mas o fator previne a elevação do atual déficit. Sem ele, ou se aumentam os impostos ou nossos filhos e netos herdarão o temível colapso do sistema. Pode-se aperfeiçoar o cálculo do fator, mas inexiste mecanismo capaz de substituí-lo com vantagem. Acabar com o fator previdenciário, como querem sindicalistas e aposentados, seria uma decisão de altíssima irresponsabilidade. Espera-se que a promessa de sua substituição tenha sido mero estratagema eleitoral e que Aécio, caso eleito, se livre dessa má ideia. MAÍLSON DA NOBREÇA é economista 1#6 LEITOR DISPUTA PRESIDENCIAL VEJA acertou em destacar na capa da edição 2394 (8 de outubro) quem pode mudar o Brasil. Por sua habilidade em manter-se fiel a seus princípios, Aécio Neves pode propor a Marina Silva o Ministério de Minas e Energia, no qual aconteceram grandes problemas nos governos petistas e que precisa de mão firme. Aécio, mineiro matreiro, pode equilibrar o jogo em Minas Gerais com outro mineiro sério: Joaquim Barbosa. Seria o ministro da Justiça que o Brasil está precisando para enfrentar o "petróleo" e as delações premiadas que vão surgir. Romário, agora senador, pode ser o fato novo para equilibrar a disputa no Rio de Janeiro. Com a vitória assegurada em São Paulo e no Paraná, e com Marina e o PSB dando suporte nas regiões Norte e Nordeste, Rio de Janeiro e Minas Gerais serão o fiel da balança para decidir a eleição presidencial brasileira mais emocionante de todos os tempos. ANTÔNIO RIBEIRO Por e-mail São Paulo provou que tem inteligência e energia suficiente. Não precisamos de "postes"! CLÁUDIO JUCHEM São Paulo, SP Tida como um furacão das pesquisas eleitorais após a lamentável morte de Eduardo Campos, Marina Silva deixou escapulir a Presidência da República. Implacavelmente criticada no período de campanha, especialmente pelo PT, a candidata viu sua imagem ser paulatinamente desconstruída pelos adversários, desqualificando-a como uma personalidade capaz de comandar o Brasil. Marina, em vez de um furacão, provou-se uma brisa de primavera. Ela não era unanimidade nem entre seus correligionários. A queda é histórica e se justifica nessa falta de sintonia — uma relação tensa desde o início da chapa. GABRIEL BOCORNY GUIDOTTI Porto Alegre, RS A surpreendente subida de Aécio Neves, chegando ao segundo turno da eleição presidencial, mostra quanto o eleitor brasileiro está ávido por mudanças. O pobre de hoje necessita de trabalho, ser útil e andar com as próprias pernas. O PT acha que governar bem é fazer-se de babá de classes menos favorecidas, com doações de esmolas que incentivam a dependência e a acomodação, disseminando pelo Brasil pais ociosos e preguiçosos que não servem de referência para seus filhos. OSVALDO ALVES FONTENELLE Goiânia, GO Duelo formado! A responsabilidade está maior e a decisão é toda nossa. Que o final dessa história seja o recomeço de outra bem melhor para o país. PAULA REGINA COSTA DE OLIVEIRA São Paulo, SP EDUARDO JORGE Muito boa a entrevista com Eduardo Jorge ("O candidato sincero", 8 de outubro). Discordo, respeitosamente, quando defende o aborto. Não parece contraditório que uma pessoa que se diz partidária da não violência legitime que inocentes sejam exterminados por um fato a que não deram causa? E se, como diz o candidato, "pessoas ilustradas, viajadas e politizadas" deveriam necessariamente defender o aborto, então João Paulo II, por exemplo, deveria necessariamente ter sido defensor dessa prática criminosa. Argumento ruim esse... LUIZ EDUARDO PESCE DE ARRUDA São Paulo, SP J.R. GUZZO Senti-me inteiramente contemplada no artigo "Sem voz e sem vez" (8 de outubro), de J.R. Guzzo. Nenhum político, em qualquer esfera, seja estadual, seja federal, apresenta uma referência a quem realmente segura o piano no Brasil. Os que de fato trabalham e pagam altíssimos impostos não têm assegurado nenhum direito. ILZE MARIA GONÇALVES PA COSTA Cuiabá, MT Uma pérola do jornalismo brasileiro o artigo de J.R. Guzzo. Ele revela com sensibilidade a camada silenciosa da população trabalhadora que paga impostos, vive ordeiramente, não dá trabalho à polícia e é penalizada exatamente por ser honesta. EDSON ANTONIOLI São Bernardo do Campo, SP J.R. Guzzo teve a exata percepção do que é sentir-se invisível. Nenhum dos nossos candidatos ou governantes nos menciona em seu programa de governo ou discursos. A nós, classe média empobrecida, cabe pagar a conta e assistir atônitos ao descalabro administrativo e predatório de nossas riquezas e impostos. Parabéns ao cronista e à revista VEJA, tantas vezes porta-voz do cidadão brasileiro anônimo. SONIA CASTELLO BRANCO Belo Horizonte, MG Obrigada, Guzzo. Há muito tempo eu me sinto assim, absolutamente ignorada e totalmente cobrada. Você me representou. MARIA IZABEL R. SIMÃO E SILVA Barbacena, MG Guzzo traduziu em palavras corretíssimas o que falo aos meus amigos há muito tempo. Sou, como muitos outros brasileiros, a própria musa inspiradora de tão bem colocadas palavras. Parabéns! CECÍLIA DE ALMEIDA TERRA VIEIRA Mogi das Cruzes, SP Esse artigo de J.R. Guzzo é uma ode à realidade de milhões de brasileiros. Ele descreveu, na íntegra, quem sou eu no gigantesco, paquidérmico, hipócrita e indiferente Estado brasileiro. ALEXEY HERONVILLE GONÇALVES DA SILVA Jataí, GO Professores do Brasil, da pré-escola à universidade, leiam e discutam com seus alunos o brilhante e irretocável artigo de J.R. Guzzo. Tais momentos serão os melhores de sua vida profissional e inesquecíveis para os ouvintes, que certamente terão muito interesse em debater o assunto. JOÃO JOSÉ DUTRA Lençóis Paulista, SP OAB E JOAQUIM BARBOSA Com indignação, assim como milhares de brasileiros, soube da negação da revalidação do registro da OAB ao ex-ministro Joaquim Barbosa ("Ele pode... Mas ele não pode", 8 de outubro). O que incisivamente se apresenta como uma retaliação ao nobre cidadão Joaquim, por ter cumprido seu dever à frente do STF durante o julgamento do mensalão, é algo mais preocupante: a parcialidade de um órgão até então respeitado como defensor dos direitos individuais de todos, e não apenas de uma classe, a expor-se tão visceralmente defendendo "mensaleiros", traindo princípios e verdades sagradas, a saber, a administração da Justiça, patrocinando uma inversão de valores nunca vista no cenário jurídico institucional brasileiro. BENILTON FERREIRA DA SILVA São Luís, MA Terá o vírus da corrupção conseguido furar a sólida imagem que temos da classe causídica? Ou será apenas uma atitude intempestiva e raivosa de alguém que não sabe perder? ARIEL J. RESSETO Curitiba, PR Como brasileiro, filho e irmão de advogados, lastimo a postura da OAB do Distrito Federal, entidade que deveria exemplificar e representar toda uma valorosa classe, que certamente não comunga com essa decisão. Tentar ofuscar um dos baluartes da justiça, da honradez e da moralidade obriga-nos a refletir sobre as pessoas que nos representam, quer nas entidades de classe, quer nas esferas políticas. A entidade máxima nacional deve manifestar-se prontamente, evitando ser maculada por um pequeno grupo que não representa os advogados do Brasil, e também orgulhar-se de ter em seu seio o nome de Joaquim Benedito Barbosa Gomes. JEFERSON PUPPI WANDERLEY Curitiba (PR), via smartphone Espero que a OAB reveja urgentemente seu posicionamento. Como ex-juiz do TRT da 11ª Região, identifico-me com os ideais de Joaquim Barbosa. Atualmente, como advogado, reconheço que ele é um dos brasileiros mais dignos de receber a inscrição na Ordem. Se for negada a inscrição, vou deixar de apresentar-me como advogado e passar a apresentar-me como juiz aposentado. Quero manter minha semelhança com os éticos. VANIAS BATISTA DE MENDONÇA Manaus, AM Depois dos relevantes serviços prestados ao Brasil, renovar ou não a carteirinha da OAB para o ex-ministro Joaquim Barbosa é um mero detalhe irrelevante. WALMIR CIOSANI São Bernardo do Campo, SP LYA LUFT A escritora Lya Luft nos enche de esperança com o texto "O Brasil que podemos ter" (8 de outubro). Está mesmo em nossas mãos o botão da mudança tão almejada por milhões de brasileiros. Sabemos que temos a maior arma: o voto. Mas é preciso conscientização. Tudo o que Lya escreveu no artigo é possível, e precisamos começar já. Segurança, educação, saúde, justiça, dignidade, fim da corrupção, democracia real. Chega de mentiras, roubos e falcatruas. É preciso voltar a acreditar que nossos filhos e netos conseguirão vislumbrar um futuro à frente. Tenhamos fé que, muito em breve, o país estará transformado e seremos muito mais felizes! CLAUDIA LUNARDELLI STEMPNIEWSKI São Pauto, SP PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação, VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP: Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até 3 quarta-feira de cada semana. 1#7 BLOGOSFERA EDITADO POR KÁTIA PERIN kperin@abril.com.br RADAR LAURO JARDIM Surfando Gabriel Medina, o atual número um do ranking mundial de surfe, está em tempos de colheita. Depois de fechar um contrato com a Gillette, agora é o novo garotopropaganda da Oi. www.veja.com/radar COLUNA REINALDO AZEVEDO Petrobras O PT está numa enrascada. O pior é que, a depender do resultado das urnas, o Brasil também. O fato é que Paulo Roberto Costa está dizendo que a campanha eleitoral do PP, do PMDB e do PT — inclusive da então candidata Dilma Rousseff (em 2010) — foi em parte financiada com dinheiro sujo, roubado da Petrobras. Se ele estiver certo, a Papuda será pequena para abrigar tantos tubarões. www.veja.com/reinaldoazevedo VEJA MERCADOS GERALDO SAMOR Telefonia Duas das maiores empresas de telecom do mundo, a Vodafone e a AT&T estão monitorando de perto as eleições para decidir se entram no Brasil no ano que vem. A aposta no país, que dependerá do governo eleito daqui a dezoito dias, aproveitará o fato de que duas das maiores empresas do setor estão prontas para uma mudança societária: a Oi, que carrega uma dívida muito grande, e a TIM, cujo controlador já sinalizou que poderia vender a empresa. www.veja.com/vejamercados CIDADES SEM FRONTEIRA PARQUE SUSPENSO Há algumas semanas, foi inaugurado em Nova York o terceiro e último trecho do High Line Park, um dos principais pontos turísticos da cidade. Construído no espaço de uma linha de trem desativada, o parque deu à cidade uma nova perspectiva. E isso não apenas porque a antiga linha era suspensa, originando um passeio elevado de 30 metros de altura, mas também porque uma nova forma de convivência foi criada. O High Line oferece um extenso calendário de shows, instalações artísticas, degustação gastronômica e atividades infantis. A paisagem é outro ponto instigante: intercalam-se hortas, bancos de madeira de demolição, mesas de piquenique, arquibancadas de concreto e antigos trilhos aparentes. Inicialmente concebido para receber 200.000 pessoas por ano, o High Line contabiliza 5 milhões de visitantes anuais. www.veja.com/cidadessemfronteiras SOBRE IMAGENS FRANK SCHERSCHEL O passado, sempre associado à fotografia preto e branco, está cada vez mais colorido, tanto em novos acervos descobertos, como em trabalhos restaurados. Nas celebrações dos setenta anos do Dia D (1944), restauradores recuperaram fotografias coloridas do fotógrafo Frank Scherschel, da revista Life. As imagens, que não foram publicadas na época, mostram os dias anteriores e posteriores ao desembarque na Normandia. www.veja.com/sobreimagens NOVA TEMPORADA TWIN PEAKS DE VOLTA O canal Showtime anunciou a encomenda de nove episódios de uma minissérie que trará Twin Peaks de volta à TV. Os rumores começaram quando David Lynch e Mark Frost, criadores do clássico da década de 1990, postaram no Twitter mensagens que sugeriam o retorno do seriado. A produção terá início em 2015, com estreia prevista para 2016, quando Twin Peaks celebrará 25 anos de seu encerramento. Lynch e Frost serão responsáveis pelos roteiros e Lynch cuidará da direção. www.veja.com/novatemporada • Esta página é editada a partir dos textos publicados por blogueiros e colunistas de VEJA.com ___________________________________ 2# PANORAMA 15.10.14 2#1 IMAGEM DA SEMANA – TEERÃ É UMA FESTA 2#2 DATAS 2#3 CONVERSA COM TENOR JEAN WILLIAM – TUDO POR AMOR À ARTE 2#4 NÚMEROS 2#5 SOBEDESCE 2#6 HOLOFOTE 2#7 RADAR 2#8 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – TEERÃ É UMA FESTA Poucos sabiam, mas ricos e belos do Irã são iguaizinhos aos do resto do mundo. O Irã vive um momento crucial. Se os ultrafundamentalistas sunitas do Estado Islâmico continuarem a avançar no Iraque, o país terá degoladores de xiitas na sua fronteira. Para continuar sustentando seu maior protegido, o regime sírio, tem de fazer uma aliança, nem que seja tácita, com a potência que demonizou como inimigo-mor, os Estados Unidos. E uma instalação nuclear sofreu um daqueles ataques que parecem feitos pela Força Aérea da Noruega. E por que as meninas bonitas da foto, todas de cabelão, vestidinho e nariz cirurgicamente idêntico, não têm nenhuma ruga de preocupação? Porque acima de tudo pensam em ficar bem no Instagram, na conta Rich Kids of Tehran (os riquinhos de Teerã), em que mostram um lado bem menos conhecido do Irã das mulheres de negro e dos aiatolás puritanos. Rapagões que exibem os músculos dentro da piscina e os carrões fora dela, garotas de biquíni, festas com coisas extraordinariamente semelhantes a bebidas alcoólicas, tudo é coberto pelo manto de proteção do dinheiro. E quase idêntico ao original criado na Inglaterra, Rich Kids of Instagram, em que adolescentes abusados desfilam com champanhe caro (Armand de Brignac) e relógio de colecionador (Audemars Piguet). No Irã mais real, garotos de classe média que fizeram uma paródia caseira da música Happy foram condenados a chibatadas e cadeia. Por ordem judicial, foram fechados serviços de mensagem por celular como WhatsApp, Viber e Tango porque estavam sendo usados para propagar uma das mais perigosas armas antissistemas repressivos: piadas. Nem o fundador da república islâmica escapava. Tem aquela em que Khomeini morre e chega ao... Bem, não dá para contar, mas os riquinhos do Instagram certamente sabem o resto. VILMA GRYZINSKI 2#2 DATAS MORRERAM Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, ex-ditador do Haiti, que governou o país com mão de ferro entre 1971 e 1986. Nascido em Porto Príncipe, ascendeu ao poder com apenas 19 anos, após a morte do pai, François Duvalier, conhecido como Papa Doc. Durante o regime de Baby Doc, tal como ocorrera na época de seu pai, os opositores do governo foram perseguidos implacavelmente; muitas vezes, eram presos sem direito a defesa e torturados. No mesmo período, o país se tornou o epicentro da aids no Hemisfério Sul e um polo importante para o tráfico de drogas. Uma revolta popular conseguiu pôr fim à ditadura de Baby Doc, que passou 25 anos exilado na França. Em 2011, ele surpreendeu o mundo ao voltar para o Haiti. Foi detido, mas, liberado, continuou morando num hotel de luxo da capital. Dia 4, aos 63 anos, de infarto, em Porto Príncipe. Marian Seldes, atriz americana vencedora de dois prêmios Tony que atuou em séries de TV e longas, como Sex and the City e O Sorriso de Mona Lisa. Passou a infância em Manhattan, onde nasceu. Entrou para o Guinness Book por ter trabalhado 1809 vezes seguidas na mesma peça — Deathtrap, de Ira Levin. Foi professora na Juilliard School. Lá, deu aulas a Robin Williams e Christopher Reeve. Dia 6, aos 86 anos, em Nova York. Andrea de Cesaris, ex-piloto italiano de F1 que disputou mais de 200 GPs — sem jamais ter vencido um. Entre 1980 e 1994 correu pelas escuderias Alfa Romeo, McLaren, Ligier, Minardi, Brabham, Rial, Itália, Jordan, Tyrrell e Sauber. Como sempre se envolvia em acidentes, foi apelidado de Andrea de Crasheris, em referência à palavra inglesa crash ("colidir"). Dia 5, em um acidente de moto, aos 55 anos, em Roma. Pedro Almeida, filho caçula do telenovelista Manoel Carlos, da Rede Globo. Antes dele, o autor já perdera dois filhos: Ricardo, que morreu em 1988 em decorrência do HIV, e Manoel Carlos Júnior, vítima de um infarto em 2012. Pedro cursava teatro em Nova York e, de acordo com informações da Central Globo de Comunicação, não teria resistido a um "mal súbito". Dia 4, aos 22 anos, em Nova York. • QUI|9|10|2014 ELEITO o escritor maranhense Ferreira Gullar, de 84 anos, para a cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras, na vaga de Ivan Junqueira, que morreu em julho passado. Poeta, dramaturgo, cronista, ensaísta, tradutor, ficcionista e roteirista de televisão, José Ribamar Ferreira — o seu nome de batismo — nasceu em São Luís. Participou da fase inicial do movimento concretista e da criação do neoconcretismo antes de se voltar para uma literatura mais engajada politicamente. Presidia o Centro Popular de Cultura da UNE quando veio o golpe militar. Filiado ao PC e um dos fundadores do grupo Opinião, viveu fora do país de 1971 a 1977. Em sua obra, destaca-se sobretudo a produção poética, com clássicos como A Luta Corporal (1954) e Poema Sujo (1976). • SEX|10|10|2014 RECEBEU o título de Dama Honorária da Grã-Cruz da Ordem Mais Ilustre de São Miguel e São Jorge a atriz americana Angelina Jolie. A insígnia, conferida a civis que prestam serviços humanitários, foi entregue a ela pela rainha Elizabeth II no Palácio de Buckingham. Angelina, que é embaixadora da Boa Vontade da ONU, ganhou a honraria por seu trabalho para acabar com o estupro em zonas de guerra. 2#3 CONVERSA COM TENOR JEAN WILLIAM – TUDO POR AMOR À ARTE Para soltar a voz e derrubar preconceitos, o tenor de 28 anos só toma vinho muito de vez em quando, não sai à noite — e, no momento, nada de romances. Plácido, Carreras ou Pavarotti? Venho da escola italiana de canto, cuja principal característica é a técnica capaz de projetar a voz, de fazer o som fora da garganta, mais próximo do modo como se fala. Pavarotti é da mesma escola, e eu me identifico mais com ele. Pavarotti tinha o tipo físico associado aos tenores. Quando pessoas do público o vêem, com 1,65 metro e 64 quilos, chegam a duvidar se a voz é sua mesmo? Ouço essa pergunta em todo final de apresentação. A frequência da voz é mais determinada pelo tubo da laringe. Quanto menor o pescoço, maior a probabilidade de o som ser mais agudo. Do contrário, será maior a probabilidade de o som ser mais grave. Mas tem a ver com técnica também. Então, qualquer pessoa poderá estudar, dominar a técnica e cantar como você? Não é impossível. Eu acredito em 90% de estudo e 10% de talento. Claro que esse último percentual fará a diferença, mas é a técnica que domina a respiração. Faz algum sacrifício para não comprometer a voz? Adoro vinho, mas só tomo a bebida a cada quarenta dias. Se eu beber, não terei consciência de quanto estou forçando os músculos do pescoço para cantar. Evito sair à noite, para a voz não competir com o som externo. Fora a vida amorosa. Não ando tendo tempo nem para pensar nisso. Qual sua reação quando um professor de canto o aconselhou a desistir porque "não existem príncipes negros"? Fiquei muito triste e cheguei a ter dúvidas sobre o futuro. Não mencionou o Otello, de Verdi, interpretado por cantores brancos pintados de negro? O curioso é que participei de uma audição para A Rainha da Neve, de Pierangelo Valtinoni, mas achei que não poderia ser o protagonista, branco de olhos azuis. O próprio autor me corrigiu e disse que buscava um profissional que cantasse bem, já que a arte não tem cor. 2#4 NÚMEROS 697genes diretamente responsáveis pela definição da altura das pessoas foram identificados em um estudo publicado na revista Nature. É o triplo da quantidade que se conhecia até hoje. 250.000 pessoas tiveram o DNA analisado na pesquisa, a maior já feita sobre genética e estatura. Os resultados deverão contribuir para o desenvolvimento de novos tratamentos para a deficiência de crescimento. 80% da altura de um indivíduo é determinada por fatores genéticos, afirmam os cientistas, e 20% por fatores ambientais, como alimentação e cuidados com a saúde na infância. 2#5 SOBEDESCE SOBE * Inflação - Em 6,75% e acima do teto pela terceira vez no ano, teve taxa mensal de 0,57%. Não se ouviu, desta vez, o ministro Guido Mantega repetir que é preciso "anualizar" os índices mensais (o resultado seria uma taxa de 9,5%) . * Distração - O dinheiro do programa Nota Fiscal Paulista que consumidores se esqueceram de resgatar já soma 4,6 bilhões de reais. * Estilo Putin - Na estreia de canal estatal russo na Argentina, Cristina Kirchner fez coro contra o "monopólio da verdade" das TVs privadas. DESCE * Red Bull - A marca terá de pagar milhões de dólares para pôr fim a uma ação coletiva nos EUA que alega configurar propaganda enganosa o slogan "Red Bull te dá asas" * Sacolas plásticas - A proibição às sacolinhas na cidade de São Paulo, suspensa desde 2011, voltará a valer em trinta dias, por decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. * Petróleo - Com a produção em alta nos Estados Unidos e a demanda fraca no mundo, o preço do barril caiu 20% em quatro meses e fechou abaixo de 90 dólares, o menor valor em quatro anos. 2#6 HOLOFOTE * O pós-Dilma no PT Depois de ser eleito governador de Minas Gerais em primeiro turno, Fernando Pimentel transformou-se em aposta do PT para concorrer à Presidência da República no futuro. Seus principais trunfos são comandar um estado forte na economia e na política e ser ligadíssimo à presidente Dilma. Mas ele tem um concorrente de peso. Caso Lula decida não disputar mais eleições, a ala do partido fiel ao ex-presidente prefere o governador Jaques Wagner, que está concluindo o mandato na Bahia e conseguiu fazer o sucessor no primeiro turno. Wagner sempre foi mais ligado a Lula do que Pimentel. • O Bola-Murcha Os senadores Pedro Taques (MT) e Cristovam Buarque (DF) e o deputado Antônio Reguffe (DF), todos do PDT, contrariaram o partido e declararam apoio a Aécio Neves (PSDB) na disputa presidencial do segundo turno. Eles já sabem que entraram na lista negra do presidente nacional da sigla, Carlos Lupi. Se o tucano for derrotado, o trio que se prepare para as retaliações da cúpula partidária. Nas urnas, porém, quem passou vergonha foi Lupi, que conseguiu apenas 3% dos votos na disputa pelo Senado no Rio. Reguffe foi eleito senador e Taques, governador. • Falando sozinho A Único senador do PSOL, Randolfe Rodrigues está prestes a deixar o partido. Ele reclama da falta de autocrítica e de debate na legenda, além do fato de suas tentativas de discutir valores caros aos correligionários serem solenemente ignoradas. "Tenho insistido em dialogar com o PSOL, mas diálogo de um lado só é monólogo. Espero sinceramente que essa conversa interna ocorra logo após as eleições", alerta Randolfe. Em junho, o senador desistiu de disputar a Presidência da República pela sigla, missão que ficou a cargo de Luciana Genro. Desde então, ele conversa com marineiros sobre uma eventual filiação à Rede, alternativa que perdeu força depois da derrota de Marina Silva no primeiro turno da corrida presidencial. DISTRITO FEDERAL • Distância regulamentar Reza a tradição que apoio político não se recusa. Mas há exceções, como de costume, a justificar a regra. É o caso do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), cuja candidatura à reeleição foi derrotada no primeiro turno. Até pouco tempo atrás aliado do petista, Rodrigo Rollemberg (PSB), que disputará o segundo turno no DF com Jofran Frejat (PR), não quer saber de Agnelo no seu palanque, muito menos pedindo voto para ele. Qualquer declaração de Agnelo em defesa do pessebista será tratada como tentativa de sabotagem e devidamente rechaçada em público. O recado foi transmitido a deputados distritais eleitos pelo PT. * O MADURO DE DILMA Muitos líderes do PT comungam com Lula um misto de desprezo e hostilidade a Aloizio Mercadante. Contrariados, assistiram à ascensão dele no atual governo, em que comandou os ministérios de Ciência e Tecnologia, Educação, chegando à Casa Civil. Mais contrariados ainda, receberam agora a notícia de que Mercadante assumirá a coordenação da campanha de Dilma no segundo turno. Na língua ferina dos petistas, o ministro deixou de ser o "Dilmo da Dilma" para se tornar "o nosso Maduro", numa referência a Nicolas Maduro, que assumiu o poder na Venezuela depois de atuar como braço-direito de Hugo Chávez. Segundo o fogo amigo, Mercadante trabalha para ser o candidato do PT a presidente em 2018. O bigode se parece muito com o de Maduro, mas o Brasil não é a Venezuela - ainda. 2#7 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • BRASIL TEMPO DE DELAÇÃO Pelo menos um dos executivos da Camargo Corrêa, implicado na Lava-Jato, já está negociando uma delação premiada. EM DUAS PONTAS Márcio Thomaz Bastos é advogado de duas empreiteiras — a Camargo Corrêa e a Odebrecht. Mas não há conflito de interesses. Thomaz Bastos defende as questões da Odebrecht na área internacional e as da Camargo aqui. • ELEIÇÕES TOM & JERRY Apesar do lobby de Lula em favor dessa solução, é mais fácil Tom ficar amigo do Jerry do que Dilma Rousseff convidar Henrique Meirelles para ser o seu ministro da Fazenda num segundo governo. PROPAGANDA NEGATIVA Desde o domingo da eleição, Pastor Everaldo, Marco Feliciano, Silas Malafaia e Valdemiro Santiago indicaram que seguirão com Aécio Neves. Mas o apoio das lideranças evangélicas será tratado por Aécio de modo diferente do que foi por José Serra. Em 2010, Serra usou algumas dessas lideranças em seu programa de TV. Com Aécio não será assim. Ele acha que se os religiosos fizerem propaganda negativa de Dilma Rousseff para os seus fiéis já estará de bom tamanho. NO VERMELHO Além de amargar a maior derrota política da sua carreira ao ficar de fora do segundo turno das eleições para o governo do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho levou para casa uma dívida de campanha de 6 milhões de reais. CHANCE REMOTA Gestões em torno de Joaquim Barbosa têm sido feitas pela campanha de Aécio Neves para que o ex-presidente do STF declare voto ao tucano. Todas elas infrutíferas até agora. MARGEM DE ERRO 1 O polêmico desempenho do Ibope e do Datafolha nas pesquisas do primeiro turno não pode ser justificado pela falta de dinheiro. Os levantamentos estaduais e presidenciais dos dois institutos movimentaram, até o dia da votação, 24,6 milhões de reais somente em pesquisas registradas — ou seja, aquelas que eram divulgadas ao distinto público por partidos ou veículos de comunicação. Ainda há o equivalente a isso em reais em pesquisas encomendadas por bancos, empresas e partidos. MARGEM DE ERRO 2 Entre as pesquisas registradas, o Ibope faturou 15,8 milhões de reais e o Datafolha, 8,8 milhões de reais. MARGEM DE ERRO 3 A propósito, o Ibope bateu o martelo: não fará mais pesquisas de boca de urna. Nem no segundo turno. Nem nas próximas eleições. O Datafolha já não as faz desde 2006. SÓ SE PRECISAR E então, Dilma Rousseff anunciará parte de sua futura equipe econômica antes do dia da eleição? O assunto já teve idas e vindas na campanha, mas hoje a resposta é um "Não, mas...". Numa palavra, o Palácio do Planalto não quer, mas, se em algum momento julgar que isso é necessário para um empurrão final para a vitória, fará o anúncio. • ECONOMIA AOS POUCOS A decisão da Oi de vender a Portugal Telecom, já anunciada, é a primeira etapa da reorganização da empresa. A segunda é, a partir dessa transação, o BTG Pactual comprar a TIM, fatiando a operadora italiana entre Claro, Vivo e Oi. CAUSA ÚNICA Por sinal, a real causa da demissão de Zeinal Bava do comando da Oi foram mesmo as encrencas financeiras entre a Portugal Telecom, cujo conselho era presidido pelo executivo, e o Grupo Espírito Santo. DE VOLTA Depois de alguns avanços e recuos, a J&F voltou a tratar do IPO da JBS Foods. Encaminhará à CVM nos próximos dias o pedido de registro da oferta pública inicial de ações. Se o mercado ajudar, a ideia é fazer o IPO em dezembro. • FUTEBOL ELEFANTES BRANCOS A baixa média de público do Brasileirão está deixando as empreiteiras preocupadas. Esse foi um dos temas de uma reunião na CBF, em 17 de setembro, que contou com representantes da Globo e das operadoras dos novos estádios brasileiros. Afetadas pelo prejuízo, as empresas ficaram de ajudar na aprovação do projeto de lei que tramita no Congresso para refinanciar as dívidas dos clubes. QUEM MANDA Aliás, quem está dando as cartas na poderosa e lucrativa área de esportes da Globo é Roberto Marinho Neto, filho de Roberto Irineu Marinho. Até então, o poder era todo de Marcelo Campos Pinto, responsável por negociar com os clubes os direitos de transmissão do Brasileirão até 2018. Marinho Neto, conhecido pelos que o rodeiam como Robertinho, está sendo preparado para voos mais altos no grupo. BOLA DE OURO O Itaquerão foi inaugurado há quase cinco meses, mas o Corinthians ainda deve cerca de 415 milhões de reais à Odebrecht, empreiteira que ergueu o estádio. 2#8 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “(Angela) Merkel não sabia comer direito com garfo e faca. (...) Nos jantares oficiais, ficava andando de um lado para o outro, me forçando a chamar sua atenção.” - HELMUT KOHL, ex-chanceler alemão, no livro Legado — Os Protocolos Kohl, do jornalista Heribert Schwan, que teve trechos antecipados pela revista Der Spiegel. Schwan participou da preparação das memórias do político; demitido do projeto, decidiu publicar parte das entrevistas que fizera com ele. “O fanatismo já é um exército.” - SALMAN RUSHDIE, escritor anglo-indiano, ao abordar a ameaça representada pelo Estado Islâmico, no jornal espanhol El País. “Destruímos o sonho de um império e jamais voltaremos ao controle de Moscou.” - VITALI KLITSCHKO, prefeito de Kiev, na Ucrânia, em O Estado de S. Paulo. “(Simón) Bolívar acharia ridículo ser chamado de socialista. A forma como Hugo Chávez usava a imagem dele era incrivelmente manipuladora.” - MARIE ARANA, biógrafa peruana do "libertador" da América Latina, que fez palestra no TEDGlobal 2014, realizado no Rio de Janeiro, em entrevista a O Globo. “Acredito que em vinte anos ninguém terá carro.” - TRAVIS KALANICK, empreendedor americano, cofundador do Uber, aplicativo de transporte particular presente em 200 cidades, no El País. “O próximo pânico financeiro será o maior da história.” - JIM RICKARDS, economista americano, autor do best-seller A Guerra das Moedas, na Agência Reuters. “As urnas biométricas foram uma solução para um problema inexistente.” - BERNARDO GARCEZ, presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, diante do fato de que em Niterói, na região metropolitana, a votação atrasou porque o sistema demorava para reconhecer as digitais dos eleitores. “Meus pais nem no melhor dos cenários imaginariam que aquele menino que saiu da maternidade numa caixa de sapatos ocuparia um dos cargos mais altos da República.” - ROMÁRIO, ex-jogador de futebol e deputado federal, eleito senador pelo PSB com a maior votação para o cargo na história do Estado do Rio de Janeiro, em uma rede social. “Não é um escândalo, é um crime sexual. É nojento.” - JENNIFER LAWRENCE, atriz americana, falando à revista Vanity Fair sobre o vazamento, na internet, de fotos íntimas - suas e de outras celebridades - que estavam armazenadas no iCloud, da Apple. “O termo feminista mudou. Não preciso colocar um título em tudo. Todos deveriam promover a ideia de que as mulheres amem a si mesmas. (...) A vida é sobre amar a si mesmo, tanto homens como mulheres.” - CAMERON DIAZ, atriz americana, na Folha de S.Paulo. “Se eu morrer, morri. Se não morrer, então não morri.” - MORRISSEY, ex-vocalista dos Smiths, ao admitir, pela primeira vez, no diário espanhol El Mundo, que sofre de câncer. “O pior é quando as pessoas choram. É uma sensação horrível, especialmente quando são meninas de 13, 14 anos de idade. Eu me sinto péssimo por elas estarem chorando. Não vale a pena chorar por mim. Por favor! Sei que elas estão chorando de emoção, mas ainda não sei como lidar com isso.” - DANIEL RADCLIFFE, ator londrino que viveu Harry Potter no cinema, na revista americana As If. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto das alianças e dos apoios para o segundo turno “O semelhante só pelo semelhante é compensado.” - WILLIAM SHAKESPEARE, dramaturgo e poeta inglês (1564-1616). ___________________________________ 3# ESPECIAL ELEIÇÕES 15.10.14 3#1 A VIRADA DE AÉCIO 3#2 PÁGINA VIRADA 3#3 DÁ PARA CONFIAR NAS PESQUISAS? 3#4 O TEATRO DE OPERAÇÕES 3#1 A VIRADA DE AÉCIO Depois de amargar o terceiro lugar nas pesquisas para o primeiro turno, ser abandonado por aliados e pressionado a renunciar, o tucano chega à segunda fase com 2,8 milhões de votos a mais que Dilma. BELA MEGALE E MARIANA BARROS Já era mais de 1 da manhã da sexta-feira 3 quando Aécio Neves conseguiu se livrar da multidão de políticos e jornalistas que o seguia na saída dos estúdios da Rede Globo, onde ele participou do último debate entre os candidatos a presidente antes do primeiro turno das eleições. Com o rosto suado, sob o calor dos holofotes, o paletó amarfanhado pelos abraços recebidos, o candidato do PSDB finalmente entrou no carro que o levaria para casa. Acomodado no banco, virou-se para um assessor e disse, abrindo um sorriso: "É... Acho que sobrevivi". Madrugada adentro, seu celular não parou de tocar. Eram cumprimentos pelo desempenho no encontro, comentários eufóricos sobre uma ou outra fala e promessas de reiterado apoio num segundo turno no qual, dias atrás, quase ninguém acreditava que ele estaria. Um mês antes, em outra saída de debate na TV, o clima era totalmente diferente. O ex-governador havia terminado sua participação no debate do SBT praticamente como um nanico. Dezenove pontos atrás de Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PSB) e ainda desfavorecido no sorteio que definiu quem faria perguntas a quem, teve de assistir ao duelo das favoritas, enquanto se conformava em debater com Levy Fidelix (PRTB) formas de diminuir os congestionamentos nas grandes cidades. No fim do encontro, observou o batalhão de repórteres dividir-se em dois grupos. Um cercou Marina. O outro rodeou Dilma. Ao encontro dele foram apenas quatro constrangidos jornalistas, rapidamente satisfeitos em sua curiosidade pelas respostas curtas e protocolares de Aécio. Ele voltou para o hotel de carro na companhia de apenas um assessor e um segurança. Não pronunciou nem uma palavra no trajeto. Seu celular não tocou uma única vez. Naquela semana, até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos principais entusiastas da candidatura do senador mineiro, pareceu ter entregado os pontos. Em um jantar com amigos na sua casa, antes de embarcar para uma palestra em Nova York, chegou a discutir a necessidade de fazer um pacto de não agressão com Marina, já resignado com a possibilidade de o PSDB vir a apoiá-la no segundo turno. Os comitês de campanha do tucano no Rio e em São Paulo estavam praticamente às moscas. Um jornal de São Paulo chegou a defender em editorial a tese de que ele renunciasse à candidatura. Na propaganda eleitoral, aliados escondiam seu nome — alguns chegaram mesmo a incluir o de adversários no lugar. Aécio estava no fundo do poço. Existem apenas dois tipos de situação para um candidato quando ele está em um buraco. A primeira é a do obstinado e lutador, mas cujo esforço o enterra ainda mais, pois ele próprio está cavando o buraco. A segunda é a do político que foi jogado no poço por circunstâncias externas, fora de seu controle. A situação de Aécio era desse segundo tipo. A morte trágica de Eduardo Campos produziu um turbilhão de emoções que projetaram sua vice, Marina Silva, para o topo das pesquisas. Ela deixou Dilma e Aécio na poeira. Aécio contrariou todos os conselhos que recebia para subordinar sua campanha à de Marina e pegar carona no que parecia a vitória certa dela. Ele intuiu que a tática correta era atacar Marina e ligá-la ao PT. Nos dias seguintes, começou a subir ponto a ponto, enquanto a candidata do PSB se desidratava. Dois dias depois do debate da Globo e um antes do primeiro turno, apareceu pela primeira vez à frente de Marina. O resto é história: numa eleição marcada até ali por uma morte trágica e três viradas estonteantes, o candidato do PSDB produziu a quarta, derrotando Marina, e a quinta, abrindo os trabalhos do segundo turno à frente de Dilma. Na quinta-feira passada, os institutos de pesquisa Datafolha e Ibope apontaram curiosamente o mesmo resultado: Aécio Neves tinha 46% das intenções de voto e Dilma, 44%. Pelo grau de precisão das pesquisas, que não conseguem captar diferenças menores do que 2 pontos percentuais, os dois contendores estariam, então, empatados. Desde o domingo passado, seis novos partidos já aderiram à sua candidatura, entre eles o PV de Eduardo Jorge, o PSC de Pastor Everaldo e o PSB de Marina Silva — mas, nesse caso, veio o partido e faltou sua candidata. Quando mesmo o presidente da sigla, Roberto Amaral, governista até a última célula socialista, teve de anunciar o apoio a Aécio por decisão de seus correligionários, esperava-se que Marina fosse declarar o seu também. A expectativa ganhou força na última quarta, quando a ambientalista se encontrou com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na casa dele, em São Paulo. Tucanos esperavam que a reunião servisse apenas para ajustar os últimos pontos em torno de uma sinalização de apoio. Mas, no dia seguinte, a ex-senadora fez uma longa lista de exigências, que incluem um ponto nevrálgico e de difícil neutralização: a retirada, do programa do PSDB, da proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos no caso de crimes hediondos. Marina sabe que Aécio dificilmente recuará da proposta — vinda de seu vice, Aloysio Nunes Ferreira, e apoiada por 90% dos eleitores do PSDB. Até alguns de seus aliados acreditam que a demora de Marina em se decidir pode torná-la uma força insignificante na disputa, já que seus eleitores estão fazendo sua escolha mesmo sem a palavra final da líder. Mas, em uma eleição que se anuncia apertadíssima, o apoio inequívoco e caloroso de Marina a Aécio pode ser decisivo. Aécio quer muito, mas não pode esperar por Marina. Ele atraiu em apenas uma semana 30 milhões de eleitores, que, somados aos 35 milhões que votaram nele no primeiro turno, lhe deram os 46% que aparecem nas pesquisas do Datafolha e do Ibope. Em outras palavras, para cada dez eleitores que votaram em Aécio no primeiro turno, apareceram mais nove dispostos a fazê-lo no segundo. Uma candidatura dobrar de tamanho em uma semana é fenômeno raríssimo. Metade desse crescimento veio dos eleitores de Marina (15 milhões de votos) — 66% do total dela. Aécio conseguiu também atrair o voto antipetista, pulverizado entre vários candidatos no primeiro turno. Segundo Mauro Paulino, diretor do Datafolha, o candidato do PSDB vem avançando sobre a nova classe média: "Parte dos eleitores dos segmentos médios migrou para Aécio por acreditar que ele consegue representar os anseios por uma melhor qualidade de vida sem comprometer as conquistas do passado", afirma. Essa parcela do eleitorado melhorou de vida nos últimos anos, mas tem dúvidas sobre como avançar e medo de regredir. Avalia Paulino: "Quem conquistar esse segmento sairá vencedor". Aécio Neves sobreviveu às ondas que fizeram seu barco quase soçobrar no primeiro turno. Navegou com maestria por entre as pedras e evitou a arrebentação. Agora é ele o tsunami. COM REPORTAGEM DE PIETER ZALIS "VOU GANHAR ESTA ELEIÇÃO" Tido como derrotado até meados de setembro, o senador Aécio Neves afirma que, mesmo nos momentos mais desanimadores, nunca desistiu. Ele atribui sua chegada ao segundo turno à decisão de abandonar os conselhos de marqueteiros e assessores: "Se hoje avancei, não foi porque mudei a estratégia ou incorporei outras propostas, mas porque comecei a olhar nos olhos das pessoas, deixando de lado o teleprompter, os textos feitos e as sugestões". Ele acusa o PT de "terrorismo eleitoral", reafirma que vai manter e aprimorar o Bolsa Família e se permite ser otimista: "Vou ganhar esta eleição". Abaixo, a entrevista que ele concedeu a VEJA na manhã de sexta, em seu comitê no Rio de Janeiro. BELA MEGALE E SILVIO NAVARRO Como o senhor se sente, à frente nas pesquisas, depois de ter chegado a ser considerado uma carta fora do baralho? As pesquisas não vão me tirar do chão. Sei que vamos ter dificuldades lá na frente. Sempre acreditei na vitória, mesmo nos momentos de maior dificuldade. Nós tivemos duas eleições. Uma antes e a outra depois da trágica morte do Eduardo Campos. Naquele momento, minha candidatura se fragilizou, porque o emocional prevaleceu sobre o racional. Minha candidatura é baseada na razão. O meu desafio agora é deixar a emoção aflorar também. O senhor perdeu da presidente Dilma Rousseff em Minas Gerais, e o seu candidato a governador não se elegeu. O que deu errado? Quando saí do governo, minha aprovação era de 92%. Mas isso já faz algum tempo. Claro que gostaria de ter tido um resultado melhor lá, mas é preciso saber distinguir as coisas. A maioria dos eleitores optou pelo candidato do PT. Tenho que, democraticamente, aceitar essa opção. Agora, pode ter certeza de que vou chegar bem na frente no segundo turno em Minas Gerais. Como pretende explicar aos mais pobres que sua política também os beneficiaria, já que o PT afirma que o PSDB só governa para os ricos? Esse discurso do governo é de perdedor. O governo sabe que a vida das pessoas só vai melhorar se voltarmos a crescer, a gerar empregos com maior qualidade e se avançarmos em investimentos na área social. Um país que não cresce e não controla a inflação não vai melhorar a vida das pessoas. O governo quer blindar uma parcela do eleitorado que ele acha que lhe é cativa, que ele acha que domina em razão dos benefícios que distribui. É uma deslealdade para com os brasileiros usar essa tática do terror. Porque não é a mim que eles aterrorizam, mas aos cidadãos mais humildes, que dependem desse benefício. É a eles que a inflação pune mais. Quem ganha dois salários mínimos vê 35% de sua renda ir embora com alimentos. A inflação de alimentos no governo Dilma foi de 34%. O senhor é favorável ao décimo terceiro salário do Bolsa Família que Marina Silva propôs? Não fiz essa conta do ponto de vista orçamentário. Mas pelo custo atual do Bolsa Família não seria algo que impactasse as finanças públicas. Acho que é uma proposta para ser avaliada nesse conjunto de entendimentos que estamos tendo. Bolsa Família não é favor de partido político, é dever do Estado. No meu governo, ela será mantida, melhorada e, se preciso, ampliada. Vamos elevar a qualidade de vida dessas famílias, analisar as carências de cada uma delas e ajudá-las a se preparar para ter uma porta de saída. Uma das condições de Marina Silva para apoiá-lo é que o senhor desista da proposta de redução da maioridade penal. O senhor cogita recuar? Eu não toco na questão do fim da maioridade penal. A proposta com que a Marina não concorda, e eu respeito, é que, no caso de crimes hediondos, o promotor avalie se os autores são perigosos e o juiz possa processá-los com base no Código Penal. Isso vale para os Champinhas da vida (adolescente que estuprou e matou uma jovem em 2003 e está preso até hoje), não é relevante do ponto de vista estatístico, representa menos de 1% dos jovens infratores. Ocorre que hoje há uma indústria de cooptação de menores para cometer crimes. A quadrilha pega, leva um jovem junto, mata alguém no meio de um assalto, e quem assume o crime mais grave? É o menino de 16 anos, isso está claro nas estatísticas. Eu tenho um projeto que duplica as penas de qualquer criminoso que usou um menor de idade para cometer o delito. Marina foi alvo de uma das campanhas mais violentas da história das eleições por parte do PT. O senhor está preparado para ataques do mesmo calibre? Disputo contra o PT a vida inteira, sempre enfrentei. E quem disputa uma eleição contra o PT tem de estar preparado para tudo, inclusive para a calúnia e a mentira. Estou sereno. Minha vitória não é boa para mim, é boa para o Brasil. Vou fazer uma campanha propositiva, mas vou responder à altura a todo tipo de ataque leviano e irresponsável, e ele já está acontecendo no submundo das redes. Porque senão vai prevalecer a lógica covarde de que não dá para enfrentar o PT porque ele usa truques sujos contra seus adversários. A sociedade está madura para diferenciar aquilo que é verdadeiro do que é difamação. Vou ganhar esta eleição. O senhor fala muito de seu avô, Tancredo Neves. Qual foi o conselho mais útil dele de que o senhor se lembrou nesta campanha? Uma lição muito presente é que, para chegar a determinado objetivo, você pode alterar a estratégia, mas nunca abrir mão dos seus princípios. Do contrário, chegará derrotado ao final. E, claro, é preciso ter paciência, paciência e paciência. Porque, ao contrário do que alguns pregam, a verdade prevalece. Se hoje avancei, não foi porque mudei a estratégia ou porque incorporei outras propostas, mas porque comecei a falar mais espontaneamente, olhando nos olhos das pessoas, deixando de lado o teleprompter, os textos feitos e as sugestões. Respirava fundo e ficava lá na minha meia hora comigo mesmo. Tentava expressar o que ouvia nas minhas viagens, a indignação que ouvi das pessoas. Os debates também foram importantes porque são confrontos diretos, onde as pessoas têm de ser verdadeiras, não há como seguir script. No teleprompter, o João Santana (marqueteiro da candidata Dilma Rousseff) grava uma, dez, trinta vezes. Uma delas dá certo. O senhor disse que andou muito pelo país ouvindo as pessoas. Qual o maior problema do Brasil? Se eu quisesse dar uma resposta marqueteira, diria que é a corrupção. Mas o que mais ouvi mesmo foram queixas sobre a baixa qualidade do serviço público, com destaque para a saúde e a educação. São muito ruins. Uma coisa me incomoda muito: esse discurso do governo de que "nós mudamos a sua vida, o governo federal fez essa obra". Quem muda a vida das pessoas é o próprio cidadão, o sujeito que rala, que acorda cedo e vai trabalhar, que estuda à noite, que chacoalha nesse transporte público horroroso. Não temos governo, mas um transatlântico à deriva. Não temos uma presidente, mas uma candidata full time cuidando apenas de campanha e ninguém cuidando do Brasil. Para esse grupo que está aí, o poder é muito mais importante que um projeto de país. Por que o senhor já anunciou Armínio Fraga como seu ministro? Vou adiantar outros nomes. Anunciei o Armínio porque um dos ativos mais valiosos que nós temos é a qualidade do nosso time. Campanha não é a ação solitária de um salvador da pátria. Com a escolha dele, eu sinalizei a qualidade e a direção de uma política econômica transparente, que vai nos permitir o resgate da credibilidade. A base da política econômica é a credibilidade. Com ele, mostro um nível de ministério bem mais elevado do que esse que está aí. Eu anunciei o meu futuro ministro da Fazenda, a Dilma anunciou o ex-ministro da Fazenda dela (quando disse que iria mudar a equipe se ganhasse um segundo mandato). Quero sinalizar previsibilidade, respeito a contratos, valorização das agências reguladoras, transparência fiscal. O Armínio representa esse rumo. Fernando Henrique foi o presidente da estabilização econômica e da modernização. Lula, o da inclusão social. Que presidente o senhor quer ser? Quero ser lembrado como o presidente que preservou a sanidade econômica, acelerou a modernização, aumentou a inclusão social, mas que deixou seu maior legado na universalização da educação de qualidade. Quero deixar implantada uma nova escola brasileira - um ensino médio altamente qualificado, com a revisão e a regionalização dos currículos e a qualificação dos professores. Daqui a cinquenta, 100 anos quando se falar no governo Aécio, a primeira coisa que virá à lembrança será o presidente que revolucionou a educação e abriu o caminho do futuro para o Brasil. 3#2 PÁGINA VIRADA Com uma democracia que não tem mais nada de "imatura", o Brasil não comprou as teses sonháticas nas urnas e, agora, volta a prestigiar o que há de mais funcional num regime consolidado — a política. ANDRÉ PETRY O leitor já deve ter ouvido alguém dizer que a democracia brasileira é "imatura" ou está em "processo de amadurecimento". Dificilmente, porém, ouviu alguém enumerar as razões de nossa democracia ser "imatura" ou "incipiente" — talvez porque não seja nem uma coisa nem outra. Comparado aos mais de dois séculos da democracia dos Estados Unidos, o regime democrático brasileiro, em vigor desde 1985, é um bebê recém-nascido de tão jovem, mas não existe especialista ou estudioso que defina a solidez de uma democracia com base na sua idade. O cientista político austríaco Andreas Schedler, que atualmente dá aulas no México, diz que há inúmeros critérios para avaliar a consolidação democrática, mas três são fundamentais. Não será democrático o país em que as forças políticas fazem uso da violência para atingir seus objetivos. Ou desprezam o processo eleitoral: não participam de eleições, impedem que outros o façam, rejeitam o resultado das urnas ou fraudam o voto. O terceiro critério é a repetitiva violação de leis pela autoridade central. Por exemplo: um presidente que não cumpre lei aprovada no Congresso ou não respeita uma sentença judicial do Supremo Tribunal. Como se sabe, o Brasil é aprovado nos três critérios — com honra. O americano Samuel Huntington, especialista em estudos internacionais falecido em 2008, aos 81 anos, dizia que o melhor teste de uma democracia era a dupla alternância, ou seja, duas mudanças do partido no poder sem rupturas. O Brasil passou nesse teste em 2003, quando o PSDB de Fernando Henrique entregou o poder ao PT de Lula, a terceira força política a chegar lá desde a eleição de Fernando Collor, em 1989. O critério é especialmente relevante em países com o instituto da reeleição. A dupla alternância de Huntington mostra se os partidos aprenderam que a democracia é caminho para ganhar — e também para perder — o poder. Desde que Clístenes, cinco séculos antes da era cristã, aproveitou uma crise para ampliar o poder da assembleia de Atenas, conquistando a posição de pai da democracia ateniense, discute-se o que é, de fato, uma democracia. De lá para cá, o conceito evoluiu tanto que seria irreconhecível para um grego clássico. Tal como a concebemos hoje, a democracia só começou a germinar na guerra civil da Inglaterra (1642-1651), mas se materializou mesmo com a independência dos Estados Unidos, mais de um século depois. Ali, em terras americanas, nasceu o regime em que representantes eleitos pelo povo em seu nome exercem o poder — sistema que ganharia mais tarde o título de "democracia representativa". O Brasil chegou tarde à festa democrática (1946), saiu cedo (1964) e demorou a voltar (1985), mas a evolução que experimentou desde a redemocratização é extraordinária. Nesta eleição, há vários indicadores de solidez. Um deles é a ausência de denúncias de fraude. Outro é a civilidade com que se comportou Marina Silva, do PSB, telefonando a Dilma Rousseff e Aécio Neves para cumprimentá-los pela vitória. O próprio esforço de Dilma para chegar ao segundo turno é sinal de vigor democrático. Ao contrário de regimes em que o incumbente concorre apenas para cumprir um ritual protocolar, a presidente precisou remar para chegar lá — e ainda arrisca perder. Mesmo a nova composição da Câmara dos Deputados, tão criticada pela presença de 28 partidos, informa que a diversidade brasileira não carece de representação. No carrossel partidário, há bancada de sem-terra, ruralistas, gays, agricultores, policiais, evangélicos, banqueiros... A própria disputa entre PT e PSDB, em vez de ser um desconsolo bipartidário que se repete pela sexta rodada consecutiva, revela a maturidade democrática. São dois partidos de verdade, com presença nacional e identidade clara. Os candidatos, Dilma e Aécio, não são agentes políticos enigmáticos e representam visões de mundo bem definidas, concorde-se com elas ou não. Seja qual for o resultado do segundo turno, o país não vai cair em experimentalismos novidadeiros ou aventuras sonháticas. É segundo turno de país sério, entre o partido do governo e a principal legenda de oposição. No pano de fundo, é a volta da política. Eleitores apaixonados talvez vejam diferenças abissais entre PT e PSDB, mas, com distanciamento, constata-se que parte das divergências decorre mais de intensidade do que de natureza. De boa-fé, não se dirá que o PSDB é o pelotão avançado dos ideais de direita ou que o PT é a culminância partidária do ideário de esquerda. Basta ver que fizeram governos sem radicalismos. Será tão injusto dizer que o PT não liga para a estabilidade macroeconômica quanto afirmar que o PSDB não está nem aí para os avanços sociais. O espectro ideológico em que os dois partidos se situam, ainda que com convicções distintas, é garantia de estabilidade democrática — a menos que se acredite em caracterizações histéricas e eleitoreiras, nas quais o PSDB é apresentado como a gazua do barbarismo capitalista e o PT é acusado de querer implantar a ditadura comunista no país. A democracia brasileira patrocina alianças malucas? Paulo Maluf passeia de mãos dadas com o PCdoB. Temos políticos caricatos? Tiririca foi eleito com mais de 1 milhão de votos. Temos dinastias quadrilheiras? Examine-se a bancada de parentes na Câmara. Partidos quadrilheiros? Dos 32 existentes, quase metade vive atrás de favores do governo, do fundo partidário e da venda de espaço. Corrupção? Pode parecer inacreditável, mas é numa democracia como a nossa, e não na sua ausência, que se desossam os corruptos. Apesar desses defeitos, a consolidação democrática é uma página virada. De todos os critérios usados para avaliar uma democracia — institucionais, constitucionais, civis, políticos, jurídicos, culturais, econômicos, sociais, partidários, eleitorais, territoriais ou de representatividade —, o Brasil não tropeça em nenhum. Uma democracia assim atingiu a maioridade há tempos. 3#3 DÁ PARA CONFIAR NAS PESQUISAS? Seis dos maiores especialistas no assunto explicam por que elas são imperfeitas — e por que são indispensáveis. PIETER ZALIS Ansiosamente aguardadas antes das votações, as pesquisas eleitorais viram alvo de crítica assim que as urnas se fecham — como em todas as eleições no Brasil. Analisadas, porém, com a mesma lente usada por quem as produz — a da estatística —, a conclusão é que as pesquisas de intenção de voto no país têm errado bem menos do que acertado. Ouvindo, em média, apenas 0,0014% por pesquisa dos 143 milhões de pessoas que compõem o eleitorado brasileiro, os institutos acertaram os vencedores de todas as eleições presidenciais desde 1989, por exemplo. Mas as pesquisas têm limitações, como mostraram os erros observados nesta eleição. Para entender por que eles ocorreram e como funcionam os levantamentos, VEJA ouviu seis dos maiores especialistas no assunto do país. 1- Pesquisas eleitorais são confiáveis? Sim, mas têm limitações. Os institutos acertaram os vencedores de todas as eleições presidenciais brasileiras desde 1989. E agora conseguiram captar a tendência de crescimento de Aécio Neves e a queda de Marina Silva na reta final do primeiro turno. As pesquisas, no entanto, registram a situação do momento. Não conseguem prever as oscilações que podem vir a ocorrer nas horas que antecedem a votação. 2- Isso significa que os institutos captaram a tendência de subida de Aécio mas não a intensidade dela? Sim. Aécio apareceu à frente de Marina Silva (PSB) em levantamentos no sábado. Essa informação pode ter levado, sobretudo o eleitor antipetista, a considerar que o "voto útil" agora era o voto no tucano. Também há o fato de que, no grupo dos eleitores sem candidatos (brancos/nulos/não sabem), a taxa dos que consideravam o governo ruim/péssimo era maior do que a daqueles que avaliavam o governo como ótimo. Esses eleitores podem ter optado pelo tucano na última hora, num movimento que também passou ao largo dos radares dos institutos. 3- Mas o que explica o fato de os institutos terem errado inclusive na boca de urna, quando o voto já estava decidido? Embora pegue os eleitores a caminho de votar, a boca de urna tem uma metodologia menos rigorosa do que as outras pesquisas. A abordagem dos entrevistados leva em conta o perfil das zonas eleitorais onde eles votam, mas não a característica social de cada um dos eleitores, por exemplo. Assim, a amostra usada na boca de urna não obedece à proporcionalidade do eleitorado com o mesmo rigor que as pesquisas de intenção de voto. 4- Nas eleições estaduais, candidatos que estavam perdendo ficaram na frente no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Por quê? Nesses dois estados, diz Márcia Cavallari, CEO do Ibope, ocorreram mudanças abruptas nas escolhas dos eleitores, semelhantes às que ocorreram no caso do primeiro turno para presidente. E, assim como no exemplo nacional, o instituto não foi capaz de captar a tempo a intensidade da mudança. 5- É mais difícil prever os resultados locais do que o nacional? Não. A metodologia é idêntica à dos levantamentos da eleição para presidente. Outra hipótese para explicar as diferenças de resultado nos estados é a de falha no cálculo dos votos válidos. Para estimá-los, os institutos de pesquisa subtraem do total de votos o número previsto de brancos e nulos. Nos estados onde o erro foi maior nesta eleição, a soma desses grupos também se mostrou mais elevada. 6- Porque quase ninguém conhece alguém que foi entrevistado? Porque a probabilidade de alguém ser entrevistado é ínfima: de 0,002% a, no máximo, 0,013%, a depender do tamanho da amostra. As pesquisas ouvem, em média, 2000 eleitores, em um total de 143 milhões de pessoas aptas a votar no Brasil. Segundo o estatístico Neale EL-Dash, 0,1% da população foi entrevistada no primeiro turno desta eleição, se somadas as mais de cinquenta pesquisas publicadas. 7- As pesquisas acertam mais lá fora? Não há grandes diferenças entre o Brasil e outros países. Um estudo do instituto francês Ipsos com 800 pesquisas presidenciais em 37 países concluiu que a média geral de erro é de 3,2 pontos percentuais. No Brasil, a média nas eleições passadas variou de 0,9 ponto (1989) a 1,9 ponto (2006). Só nas eleições de 2014 é que o percentual ficou acima da média: 3,9 pontos. Em 2012, o estatístico Nate Silver acertou o resultado das eleições presidenciais nos cinquenta estados americanos. É possível repetir o feito aqui? Não. O modelo de Nate Silver agrega todas as pesquisas divulgadas e define os cenários finais mais prováveis. Em 2012, ele usou mais de 4000 levantamentos para chegar a esses cenários. No Brasil, o fato de terem sido publicadas apenas 52 pesquisas de primeiro turno em 2014 impede que se obtenha a mesma precisão. 9- Qual a influência das pesquisas no voto dos eleitores? Não há estudo no Brasil sobre isso. Uma análise da Associação Mundial de Pesquisa de Opinião Pública chegou a resultados "inconclusivos" sobre a questão. Mas, quando a influência ocorre, o efeito mais comum é levar os indecisos ou sem voto definido (os chamados "volúveis") a optar pelo candidato que tem mais probabilidade de vencer ou que está em alta nas pesquisas. 10- As pesquisas deveriam acabar? Não. Primeiro, porque quanto mais informações os eleitores tiverem à sua disposição para tomar uma decisão, melhor. Depois, porque, se os levantamentos fossem proibidos, surgiria um mercado negro de pesquisas. Candidatos e grupos que podem pagar continuariam a saber os resultados - mas os eleitores, não. Além disso, as pesquisas contam a história de uma eleição. Fontes: Cristiano Ferraz, estatístico da UFPE: José Carvalho, estatístico da USP: Clifford Young, diretor de pesquisa da Ipsos; Mauro Paulino, diretor do Datafolha; Márcia Cavallari, CEO do Ibope; Neale El-Dash, diretor do Polling Data. 3#4 O TEATRO DE OPERAÇÕES Pela primeira vez nos últimos doze anos, o PT começa em desvantagem a disputa no segundo turno. Para recuperar-se do atraso, a campanha de Dilma Rousseff vai se concentrar no Nordeste e aprofundar a tática do medo. DANIEL PEREIRA Desde a redemocratização do país, na década de 80, o candidato que venceu o primeiro turno se sagrou presidente da República. FHC não conta, pois precisou apenas do primeiro turno para vencer Lula duas vezes — em 1994 e 1998. Mas foi assim com Lula em 2002 e 2006 e com Dilma Rousseff em 2010. Essa tendência nunca teve sua continuidade tão ameaçada quanto agora. Pela primeira vez nos últimos doze anos, o PT inicia o segundo turno em situação de desvantagem em relação aos adversários. E que desvantagem. As pesquisas do Ibope e do Datafolha divulgadas na quinta-feira passada mostraram o senador Aécio Neves à frente de Dilma. Aécio subiu 10 pontos percentuais nas pesquisas quase que de um dia para o outro e abriu o segundo turno com 30 milhões de votos a mais do que recebeu no primeiro. O tucano também fechou o apoio de partidos que disputaram a Presidência. O PSB de Marina Silva e o PV de Eduardo Jorge aderiram. A própria Marina negocia uma adesão pessoal à chapa oposicionista. As eleições presidenciais deste ano serão lembradas pela volatilidade. Ocorreram nada menos do que cinco viradas espetaculares. A morte trágica de Eduardo Campos, em agosto, projetou sua vice, Marina, para o topo. Ela ultrapassou Aécio e Dilma em apenas uma semana. O fenômeno Marina foi perdendo força, e ela foi superada primeiro por Dilma e, depois, por Aécio já na boca da urna da votação em primeiro turno. Agora, Aécio é quem lidera as intenções de voto. O PT sentiu o golpe. Logo depois do anúncio do resultado no domingo passado, Dilma reapareceu em modo de combate. Falando a militantes em Brasília, não passou recibo da subida de Aécio, comemorou sua "vitória" no primeiro turno e cuidou de reagrupar os aliados sob suas asas, elogiando o vice-presidente Michel Temer, chamado de "companheiro". Depois de passar quatro anos como peça figurativa, Temer foi convocado pela presidente para evitar que seu partido, o PMDB, troque a nau da reeleição pela barca oposicionista. "Ela me procurou por necessidade", disse a aliados o vice, que, até então, vinha sendo solenemente ignorado. Dilma também se reuniu com ministros, senadores e governadores eleitos. Ela ainda estendeu o tapete vermelho aos aliados que disputarão o segundo turno nos estados. Publicamente, exala-se otimismo, mas abaixo da linha-d'água o clima atual entre os aliados é o da "Nau Catarineta", na versão do paraibano Ariano Suassuna, morto em julho passado, que Dilma tanto admirava: "Lá vem a Nau Catarineta que tem muito o que contar / Há mais de um ano e um dia que vagavam pelo mar / Já não tinham o que comer/ já não tinham o que manjar / Deitam sortes à ventura a quem se havia de matar / Logo foi cair a sorte do Capitão-General". Os coordenadores da campanha à reeleição prevêem um segundo turno acirrado, decidido por estreita margem de votos, como nas disputas entre republicanos e democratas nos Estados Unidos. Para conquistar um novo mandato, Dilma considera fundamental aumentar os 60% de votos conseguidos no Nordeste no primeiro turno para 75%. Esses votos seriam suficientes para contrabalançar a vantagem que Aécio deve abrir em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país. Na semana passada, a presidente fez campanha no Piauí, Paraíba, Bahia e Alagoas. Lula dará sequência a esse trabalho, dedicando-se prioritariamente aos eleitores nordestinos. Os petistas também esperam ganhar do PSDB em Minas e no Rio, mesmo que por diferença mínima. Isso compensaria derrotas esperadas, como, por exemplo, no Paraná. "Será no olho mecânico", repetem, como mantra, os dilmistas. Eles tentarão reduzir a abstenção em bases eleitorais do PT e levar às urnas eleitores "esquecidos" de assentamentos rurais e municípios com até 50.000 habitantes. A presidente apostará na comparação entre os resultados econômicos e sociais dos governos do PT e de Fernando Henrique Cardoso. Resta combinar a versão com a realidade. Um secretário graduado do Ministério da Fazenda sugeriu aos brasileiros, diante da carestia da carne bovina, que comessem ovos. O burocrata fez, sem querer, uma insólita releitura no socialismo tropical da lendária recomendação da rainha Maria Antonieta aos franceses famintos de pão para que comessem brioches. O PT vai precisar também de muita verve para afastar de Dilma as revelações novas que estão surgindo sobre o escândalo da Petrobras. "Meu governo não varre a corrupção para debaixo do tapete", disse a candidata em Maceió. Teria sido boa ideia tentar mostrar que a corrupção não aumentou em seu governo, mas simplesmente foi mais combatida e por isso os casos ficaram visíveis. No entanto, Dilma tinha a seu lado aquele belo tipo faceiro do senador Fernando Collor, o mesmo que o PT ajudou a pôr para fora da Presidência em 1992 por corrupção. Collor tomou jeito ou o PT tomou o jeito de Collor? A resposta pode ter chegado de avião. A Polícia Federal apreendeu 116.000 reais em um bimotor que tinha como passageiros Marcier Trombiere Moreira e Benedito de Oliveira Neto. Assessor especial do ministro das Cidades até julho, Moreira trabalhou na área de comunicação da campanha do petista Fernando Pimentel, eleito governador em Minas. Oliveira Neto tem contratos milionários com o governo federal e custeou, em 2010, despesas de campanha de Dilma. João Santana, o mestre-marqueteiro da nau de Dilma, tem acalmado a tripulação com a lembrança de que ela obteve 8 milhões de votos a mais do que Aécio no primeiro turno e só um fenômeno político seria capaz de reverter essa vantagem. Diz Santana: "O Aécio não tem força política nem carisma para tirar essa diferença". Pode ser que Santana, mais uma vez, faça aparecer nesta dura campanha da presidente Dilma o anjo que no cancioneiro de Suassuna salva o Capitão-General — "tomou nos braços /não o deixou se afogar". OS PODERES DO VOTO As manifestações populares de junho de 2013, a prisão de mensaleiros e a aplicação da Lei da Ficha Limpa semearam a sensação de que a mudança seria a tônica destas eleições. Na corrida presidencial, chegou-se a cogitar o fim da polarização entre PT e PSDB. Na disputa pelas vagas no Congresso, a aposta inicial era de uma renovação em larga escala. Nada disso ocorreu. Na Câmara, PT e PMDB até perderam cadeiras, mas continuaram com as maiores bancadas. No Senado, os dois partidos mantiveram a liderança, com os peemedebistas à frente. No varejo, houve aumento do número de partidos com parlamentares eleitos, de 22 para 28, o que obrigará o próximo presidente da República a negociar com mais interlocutores para formar maiorias. No atacado, no entanto, o cenário segue igual: o grosso dos congressistas e das legendas estará à disposição para integrar o novo governo, seja ele comandado por Dilma Rousseff, seja por Aécio Neves, Dos 513 deputados eleitos, 304 são filiados a siglas que apoiam a presidente. A maioria deles, devido ao governismo atávico da clássica política brasileira, não terá problemas para se juntar aos 128 colegas eleitos sob a aliança tucana. Diz o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília: "Se o Aécio for eleito, haverá um rearranjo de forças que permitirá a ele construir uma base de sustentação". Esse rearranjo, obviamente, não passa por mudanças profundas nas relações do Planalto com o Legislativo. Pelo contrário. Sob Dilma ou Aécio, a tendência é que os peemedebistas Renan Calheiros e Eduardo Cunha, ambos retratados como símbolos do fisiologismo, sejam escolhidos para presidir, respectivamente, o Senado e a Câmara. O bom e velho PMDB continuará com cadeira cativa no balcão. Apesar dos sucessivos escândalos de corrupção e de corporativismo no Legislativo, o eleitor não fez da punição a práticas daninhas uma regra. Protagonistas de episódios desabonadores, o senador Fernando Collor (PTB) e o deputado Paulo Maluf (PP), por exemplo, foram reeleitos, Maluf corre o risco de não assumir por ter sido enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Já o ex-líder do governo Cândido Vaccarezza (PT), citado pelo ex-diretor da Petrobras como beneficiário das propinas surrupiadas dos cofres da estatal, não conseguiu renovar o mandato. Na Câmara, 43,5% dos deputados não foram reeleitos. No Senado, veteranos conhecidos pela defesa da ética e da boa política também ficaram pelo caminho, como Eduardo Suplicy (PT) e Pedro Simon (PMDB). As eleições de outubro confirmaram outra tendência dos últimos pleitos: a votação em massa em candidatos que não têm afinidade com seus respectivos partidos. Caso de Jair Bolsonaro, no Rio, e de Tiririca, em São Paulo. Ex-presidente da Câmara, Ulysses Guimarães costumava dizer que uma nova legislatura é sempre pior do que a anterior. Pode até ser verdade, mas o certo é que o Congresso reflete as vontades e as angústias dos eleitores, para o bem ou para o mal. Eis a beleza da democracia. ADRIANO CEOLIN LARGA MAIORIA Com base nas coligações da eleição presidencial, a chapa de Dilma Rousseff ganhou quase 60% das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados. Dilma 304 Aécio 128 Marina 53 Outros 28 ________________________________________ 4# BRASIL 15.10.14 4#1 REVELAÇÕES DE ESTARRECER 4#2 ARTIGO – J.R. GUZZO – A HORA DA LIBERDADE 4#1 REVELAÇÕES DE ESTARRECER O ex-diretor Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef expõem as entranhas do esquema de corrupção na Petrobras. A companhia foi transformada num monumental centro de prospecção de propina para subornar políticos e financiar campanhas eleitorais de aliados dos governos Lula e Dilma. O PT foi o partido que mais se beneficiou dos desvios. RODRIGO RANGEL O CAIXA DA CORRUPÇÃO – PAULO ROBERTO DA COSTA confirmou que as diretorias da Petrobras recolhiam das empresas 3% sobre o valor de todos os contratos. O dinheiro era repassado a políticos e partidos. O CAIXA DO PT – A maior parte da propina era destinada ao PT, que controlava três diretorias da Petrobras. JOÃO VACCARI NETO, tesoureiro do partido, foi apostado como o interlocutor da quadrilha. A Petrobras é a maior empresa brasileira, a maior da América Latina e a décima petroleira do planeta. Se existir um ranking mundial de corrupção, ela também passará a ocupar um indecoroso lugar de destaque. Em setembro, VEJA revelou o conteúdo devastador das informações que o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa prestara em depoimento à polícia e ao Ministério Público. Preso, Paulo Roberto fez um acordo de delação premiada e confessou sua participação no esquema de corrupção na estatal do qual também faziam parte grandes empreiteiras, políticos influentes e os principais partidos do governo — PT, PMDB e PP. A engrenagem, segundo ele montada durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula, funcionava assim: as empresas que prestavam serviços à Petrobras eram convidadas a ceder um porcentual de seus ganhos, dinheiro que era repassado a deputados, senadores, governadores, ministros e campanhas eleitorais. Paulo Roberto forneceu uma lista com o nome de mais de trinta autoridades beneficiadas, identificou as empresas corruptoras e forneceu números de contas secretas no exterior. O volume dos desvios, a dimensão dos personagens envolvidos e o grau de contaminação das instituições eram surpreendentes. Parecia que a Petrobras havia sido tomada de assalto por uma quadrilha investida de poderes excepcionais. Não há mais nenhuma dúvida sobre isso. Intimado a prestar depoimento no processo sobre a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, na semana passada Paulo Roberto Costa contou outra vez como funcionava o esquema de arrecadação de propina na estatal. A diferença é que esse processo não está protegido por segredo de Justiça, e as declarações do ex-diretor, gravadas em áudio, foram tornadas públicas. O doleiro Alberto Youssef, administrador de parte do dinheiro desviado pela quadrilha, também foi ouvido no mesmo dia. Ao todo, são mais de três horas de perguntas e respostas. Ouvi-las é uma empreitada que exige uma boa dose de resistência de quem tem algum apreço pela honestidade. Com a naturalidade de quem parece revelar algo corriqueiro, Paulo Roberto contou como milhões de reais foram desviados dos cofres da Petrobras nos últimos anos. A partir dos testemunhos, fica evidente que, há muito tempo, a maior estatal brasileira escapou das mãos dos contribuintes e acionistas e foi capturada por um bando de saqueadores sem nenhum escrúpulo. Imaginava-se que o mensalão era o ápice da corrupção no país. O escândalo da Petrobras, mesmo diante do pouco que se conhece, mostra que a engenharia do crime é capaz de se reinventar — e rapidamente. Paulo Roberto Costa contou que o esquema começou a funcionar em 2006, um ano depois de o mensalão ter sido debelado. Em linhas gerais, o golpe seguia a mesma lógica. O PT montou uma estrutura clandestina para desviar dinheiro público, subornar parlamentares e financiar campanhas eleitorais. Trocou o cofre dos Correios, a gênese do mensalão, pelo da Petrobras, maior e mais difícil de ser descoberto. De resto, era tudo igual. Para ganharem os contratos bilionários, as empreiteiras pagavam comissões. O dinheiro, então, seguia para os políticos, os partidos, as campanhas, os diretores que faziam a engrenagem girar. Uma das consequências dessa parceria criminosa, segundo Paulo Roberto, é que a Petrobras está hoje subjugada a um cartel de empreiteiras, entre elas Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez e Mendes Júnior, que dividem entre si os grandes contratos da companhia. Diante do juiz, Paulo Roberto e Alberto Youssef confirmaram o que VEJA já havia antecipado em setembro e acrescentaram outros detalhes: • Os diretores da Petrobras eram indicados pelos partidos já sabendo da missão de arrecadar propina. • As empreiteiras eram instadas a recolher 3% do valor dos contratos para um caixa clandestino. • As empreiteiras superfaturavam o preço dos contratos, o que significa que era a Petrobras que pagava de fato a propina. • A propina arrecadada em pelo menos cinco diretorias era destinada aos três maiores partidos do governo: PT, PMDB e PP. • O esquema, montado durante o governo Lula e que continuou operando no governo Dilma, abasteceu campanhas eleitorais, inclusive a de 2010. • O PT ficava com a maior fatia do dinheiro, que era administrado pelo tesoureiro do partido, João Vaccari. A diretoria comandada durante oito anos por Paulo Roberto, a de Abastecimento, funcionava a mando de um consórcio de partidos. Dona de um orçamento bilionário, ela, inicialmente, pertencia ao PP. A cobiça, porém, levou os aliados do governo a um acordo de redistribuição dos royalties do crime. "Me foi colocado lá pelas empresas e também pelo partido que dessa média de 3% o que fosse diretoria de Abastecimento 1% seria repassado para o PP. E os 2% restantes ficariam para o PT. Isso me foi dito com toda a clareza", revelou o ex-diretor. Nas diretorias controladas pelo PT, a propina seguia integralmente para o caixa petista. Ou seja, o partido embolsava sozinho a comissão de 3%. Além da área de serviços, comandada por Renato Duque, o ex-diretor citou a diretoria de Exploração e Produção e a de Gás e Energia como nichos de negócio que serviam exclusivamente aos petiscas. Cada partido tinha seu operador. A cota do PP era administrada por Alberto Youssef, encarregado de fazer a distribuição aos políticos. Já a parte que cabia ao PT era gerenciada por João Vaccari. O ex-diretor citou ainda um terceiro personagem, o lobista Fernando Soares, o "Fernando Baiano", como responsável pelo recolhimento da propina que cabia ao PMDB. Além de ser o "dono" da Diretoria Internacional e da Transpetro, uma subsidiária da Petrobras, o PMDB se associou à Diretoria de Abastecimento, junto com o PT e o PP, por ter ajudado a chancelar a permanência de Paulo Roberto no cargo. Na delação premiada, o ex-diretor contou que de vez em quando tinha de tirar uma parcela da cota de propina de sua diretoria para atender a pedidos de peemedebistas. No rol de beneficiários do propinoduto, como se sabe, há deputados, senadores, governadores, um ministro e um ex-ministro de Estado, mas Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef não puderam nominá-los no depoimento à Justiça. Como têm foro privilegiado, essas autoridades só podem ser investigadas nos tribunais superiores, em Brasília. Por enquanto, a lista que assombra a República faz parte apenas dos depoimentos da delação, que permanecem sob segredo. Os acusados até o momento negam participação no esquema. Paulo Roberto já concluiu a primeira etapa de sua colaboração. Agora é Alberto Youssef quem está falando aos investigadores. A estrutura da quadrilha já foi desmontada. O maior desafio, no momento, é elucidar quem estava no topo da cadeia de comando. Em seu depoimento, Youssef deu pistas de onde procurá-lo: "Tinha gente muito mais elevada acima disso, inclusive acima de Paulo Roberto Costa. No caso, agentes públicos", afirmou o doleiro. A VEJA, autoridades ligadas à investigação disseram não ter dúvidas de que a cúpula do governo, no mínimo, tinha conhecimento do esquema. São muitas as indicações nesse sentido. A principal delas está justamente no fato de que era o próprio governo quem nomeava os diretores corruptos, indicados pelos partidos corruptos — e todos se beneficiavam do esquema corrupto, já que a distribuição de dinheiro mantinha a base aliada unida e fiel aos interesses do Palácio do Planalto. Assim como no mensalão, evidências não faltam. OS DUTOS DA CORRUPÇÃO Os partidos ligados ao governo indicavam os diretores da Petrobras. Estes, por sua vez, ficavam encarregados de arrecadar propina nas empresas prestadoras de serviços da estatal. Um percentual era cobrado sobre o valor de cada contrato. O dinheiro era repassado aos operadores do PT, do PMDB e do PP e, depois, transferido para deputados, senadores, ministros e campanhas eleitorais. Partido Progressista 1% PT e PMDB Diretoria de abastecimento 2% PT Diretoria de exploração e produção 3% PT Diretoria de gás e energia 3% PT Diretoria de serviços 3% PMDB Diretoria internacional PMDB Transpetro Alberto Youssef – doleiro – Partido Progressista João Vaccari Neto – tesoureiro nacional do partido – PT Fernando Soares – lobista – PMDB O PT PAGOU O CHANTAGISTA Há três semanas, VEJA revelou que a cúpula do PT estava sendo vítima de um grupo de chantagistas. Em pleno curso da Operação Lava-Jato, o mensaleiro Enivaldo Quadrado recebia pagamentos mensais do partido para manter silêncio sobre uma história que até hoje provoca calafrios na cúpula petista. Ele foi testemunha de outra chantagem feita contra o PT no passado. Em 2004, no primeiro mandato de Lula, o partido comprou por 6 milhões de reais o silêncio do empresário Ronan Maria Pinto, que ameaçava envolver o ex-presidente Lula, o ministro Gilberto Carvalho e o ex-ministro José Dirceu no assassinato do prefeito Celso Daniel, de Santo André. Enivaldo foi quem ajudou a fazer o contrato que camuflou o pagamento a Ronan. Ele tem condições de confirmar, portanto, que o partido pagou para não ser envolvido na morte do prefeito de Santo André. Para tirar dinheiro do PT, Enivaldo avisou ao partido que poderia colaborar com a polícia. Foi o suficiente para que o tesoureiro João Vaccari autorizasse o pagamento - um deles em dólares, devidamente fotografados antes da entrega. O partido, porém, negou que estivesse pagando pelo silêncio do mensaleiro e até conseguiu que a Justiça autorizasse um direito de resposta nas páginas de VEJA - suspenso pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. A farsa, porém, foi desmontada na semana passada. Em depoimento à CPI mista da Petrobras, a contadora Meire Poza, responsável pela engenharia financeira da quadrilha do doleiro Alberto Youssef, revelou que foi três vezes - em maio, junho e julho deste ano - à casa do jornalista Breno Altman, notório integrante da cúpula do PT e amigo do também mensaleiro José Dirceu, pegar envelopes de dinheiro a pedido de Enivaldo Quadrado. Os pagamentos, segundo ela, eram "parcelas" equivalentes a 15.000 reais, usadas por Enivaldo para pagar a sua multa no processo do mensalão. A revelação de que o PT financia secretamente a pena do mensaleiro já seria suficiente para fomentar mais um escândalo envolvendo o partido. Mas o caso dos dólares entregues por Breno Altman a Meire, que o PT tanto queria esconder, remete a um negócio ainda mais escabroso. Era chantagem mesmo. ROBSON BONIN 4#2 ARTIGO – J.R. GUZZO – A HORA DA LIBERDADE O Brasil tem em sua frente, pelos próximos quinze dias, uma escolha bem séria — junto com a opção entre Aécio Neves e Dilma Rousseff, precisará decidir entre democracia e alguma coisa chamada "projeto do PT". Ninguém explicou bem, até agora, o que poderia ser isso. Mas democracia com certeza não é. Não é democracia por um motivo simples: ou um país vive com liberdades individuais e públicas por inteiro, dentro do desenho que todos conhecem e pode ser explicado em menos de cinco minutos, ou vive numa ditadura. Exagero? Não, não é — não quando se quer lidar com ideias descomplicadas. Naturalmente, essa ditadura não requer um general de quepe, bigode preto e óculos escuros na Presidência da República; também não precisa seguir os moldes de Cuba ou da Coreia do Norte. Ela pode ser disfarçada. Pode fingir que é um novo modelo de justiça, no qual ficam dispensados direitos obsoletos que só atrapalham a tarefa superior de salvar os bons e punir os pecadores, missão que seria privativa da trinca Lula, PT e Dilma Rousseff. Ou, ainda, pode ser um desses regimes que dividem a liberdade em dois tipos, a boa e a ruim — cabendo a quem manda no governo decidir qual é uma e qual é a outra. O problema é que só existe um tipo de democracia: essa aí que temos, com todos os seus vícios, mas melhor que qualquer outro sistema já tentado até hoje na história. Se não é assim, é tirania, aberta ou oculta. Infelizmente, não há "terceira via". Ou é produto legítimo, ou é produto falso. A nuvem de gás totalitário que se espalha hoje pelo Brasil não é uma questão de palavras ou de opinião; pode ser detectada e medida pela observação direta dos fatos. Os fatos comprovam em alta definição, logo de saída, que o sermão oficial da campanha para a reeleição da presidente tem como alicerce o principal mandamento das ditaduras: "Os únicos votos legítimos são os nossos; todos os demais são viciados, desonestos e vêm de inimigos da vontade popular". A votação do primeiro turno mal tinha terminado e esse bumbo já estava sendo batido por Dilma. "O povo não quer de volta os fantasmas do passado", disse ela. Como assim? O povo tinha acabado de dar 57 milhões de votos a Aécio e Marina Silva, dois candidatos absolutamente de oposição; bem mais, por sinal, do que os 43 milhões dados à candidata oficial. Não é possível, simplesmente, que 57 milhões de brasileiros tenham sentido, justo no dia da eleição, uma súbita vontade de sofrer com a volta de fantasmas. Além disso, considerando que o eleitorado total do país é de 143 milhões de cidadãos, a aritmética mostra que 100 milhões de eleitores, no fim das contas, não votaram em Dilma. Eis aí uma dificuldade e tanto para a doutrina do governo. Segundo o evangelho do PT e dos seus subúrbios, o Brasil de hoje está dividido entre dois lados. Um deles, o lado de Dilma, é o dos pobres, da esquerda e de todos os que querem justiça e progresso; outro lado, onde ficam os que estão contra a sua candidatura, é o dos ricos, da direita e dos senhores de engenho que querem voltar aos tempos da escravidão. É uma divisão impossível. Pelo que as urnas do dia 5 de outubro acabam de mostrar, 100 milhões de brasileiros — ou no mínimo os 57 milhões que votaram em Aécio e Marina — seriam ricos etc. Que nexo faz uma coisa dessas? Nenhum, mas as ideias totalitárias são exatamente isto: dane-se o nexo, o que interessa é intimidar, agredir e calar a voz de quem discorda delas. Ou "desconstruir" os adversários, como o PT fez com Marina — desconstruiu tão bem, aliás, que acabou construindo Aécio para o segundo turno. Ninguém melhor que Lula para provar que a candidatura oficial não admite pontos de vista contrários. "Eu não entendo como tanta gente quer votar no Alckmin aqui em São Paulo", disse o ex-presidente, num surto de sinceridade, já no fim da campanha. É exatamente isto: Lula não admite que alguém tenha o direito de preferir um candidato diferente do seu. No caso, Geraldo Alckmin foi eleito pela terceira vez como governador do Estado de São Paulo com quase 60% dos votos: só perdeu em um dos 645 municípios paulistas e só em quatro das 58 zonas eleitorais da capital, enquanto o "poste" que Lula inventou para a disputa foi rejeitado por mais de 80% dos cidadãos que formam o maior eleitorado do Brasil. O que mais seria preciso para provar livremente a existência de uma maioria? Nada, é óbvio — mas o ex-presidente Lula diz que "não entende". Fica-se com a impressão, assim, de que ele acredita num fenômeno fabuloso: 644 municípios de São Paulo seriam controlados pelas elites que não se conformam com o bem-estar dos pobres etc. Ou, então, a imensa maioria da população paulista seria composta de idiotas incapazes de votar direito ou entender os próprios interesses. A campanha de Dilma deixou mais do que claro, também, seu maciço empenho em aproveitar todas as oportunidades de falsificar a realidade — outra instrução-chave do manual de regras das ditaduras. Não se trata apenas de inventar que durante o governo Fernando Henrique o Brasil quebrou "três vezes", catástrofe que pelo menos 60% da população nacional não chegou a perceber, ou que Aécio levará o país ao racionamento de energia elétrica. A marca da maldade, na vida real, está na negação de fatos visíveis para todos, dentro da doutrina segundo a qual qualquer barbaridade acabará ignorada pelo "povão" se os responsáveis disserem, o tempo todo, que não aconteceu nada. É exatamente o procedimento adotado por Dilma e sua tropa de apoio diante dos crimes de corrupção cometidos na Petrobras durante os últimos anos. Os dois principais acusados admitiram oficialmente os delitos que praticaram, tanto que recorreram ao benefício da "delação premiada"; a Justiça ainda tem um demorado caminho a seguir até uma avaliação completa do caso, mas a roubalheira está provada acima de qualquer dúvida. A única resposta do governo, até agora, tem sido a falsificação dos fatos e a recusa intransigente em aceitar as verdades mais elementares. Dilma, no caso da Petrobras, parece estar tendo um severo acesso da conhecida doença ocupacional dos governantes totalitários — a fé exagerada na própria capacidade de controlar os acontecimentos. A presidente chegou a dizer, em público, que foi ela quem demitiu da empresa o principal envolvido na ladroagem, o altíssimo diretor que hoje vive equipado com uma tornozeleira eletrônica para não fugir da cadeia. É falso. Está comprovado que o homem pediu demissão, e foi brindado ao sair com uma salva de elogios oficiais. Dilma sustenta que é praxe permitir que funcionários demitidos do serviço público por justa causa saiam "a pedido". Trata-se de uma desculpa desesperada; se o que a presidente afirmou fosse verdadeiro, não dá para entender por que raios o demitido recebeu tantos elogios na saída e menos ainda por qual motivo não foi imediatamente denunciado à polícia e ao Ministério Público. O DNA das tiranias está presente, também, numa das alegações em que Dilma mais insiste: a de que é ela, por seus méritos pessoais, que tem permitido à Polícia Federal e aos promotores de Justiça investigar atos de corrupção em seu governo. Só em regimes de força o chefe do governo permite ou proíbe que a polícia faça isso ou aquilo. Numa democracia, a autoridade policial e judiciária não tem de pedir licença a ninguém para apurar violações ao Código Penal; ao contrário, fazer isso é a sua obrigação legal. As liberdades, como se sabe, raramente se dão bem com a fraude. Mais informações a respeito no dia 26 de outubro. _____________________________________ 5# INTERNACIONAL 15.10.14 À NOSSA CUSTA A venda de gás natural e de cocaína ao Brasil e o controle da Justiça Eleitoral fizeram de Evo Morales o favorito nas eleições. Não é preciso jogar folhas de coca no ar para arriscar um palpite sobre o resultado da eleição presidencial na Bolívia, marcada para o domingo 12. O presidente Evo Morales, que tem 59% das intenções de voto, já afastou os seus adversários políticos do caminho. Os juízes ligados a seu partido inventaram dezenas de acusações contra os seus rivais. Muitos, ameaçados de ser presos, fugiram do país. Só no Brasil há 1000 exilados bolivianos, todos perseguidos por razões políticas. Vários dos nomes que poderiam enfrentá-lo nas urnas estão por aqui, como o senador Roger Pinto Molina e o empresário Branko Marinkovic. Manfred Reyes Villa, que concorreu com Morales em 2009, foi ameaçado de prisão pelo presidente e teve a prefeitura onde trabalhava incendiada por governistas. Terminou fugindo para os Estados Unidos. Morales também acabou com a independência do Poder Judiciário. "Desde 2011, os juízes bolivianos são eleitos diretamente pelo povo, mas a lista de candidatos é elaborada pela Assembleia, dominada pelo governo", diz a cientista política boliviana Maria Zegada, da Universidade Mayor de San Simón. Foi esse estratagema que permitiu a Evo disputar um terceiro mandato, algo proibido pela Constituição aprovada em 2009. A Justiça, leal aos interesses pessoais do presidente, considerou que a primeira eleição não conta, porque a Constituição era outra. Evo Morales provavelmente nem precisaria ter perseguido a oposição para garantir a continuidade no poder, já que o PIB do país cresceu mais de 6% no ano passado. Um dos principais motores da economia é a exportação de minérios e de gás natural, do qual uma terça parte é consumida no Brasil. O pagamento é feito de maneira generosa pela Petrobras, que em 2006 teve refinarias expropriadas por Evo Morales. Em agosto deste ano, a estatal decidiu mandar um valor extra por componentes nobres, propano e etano, transportados com o gás natural mas que não são aproveitados. O presentão para Evo, de 434 milhões de dólares, não era sequer uma exigência do contra inicial. Outro produto que movimenta a economia local é a coca. Enquanto a indústria da construção cresce 6% ao ano na média nacional, em Cochabamba, região cocaleira, o aumento é duas vezes maior. Sob o governo de Evo Morales, a exportação de cocaína para o Brasil dobrou. Em sua defesa, o governo afirma que as plantações de coca são para uso tradicional, como em chás, remédios, e para o acullico, a prática de mascar as folhas. Na realidade, há regiões de cultivo em que 95% da produção abastece o narcotráfico. O governo boliviano também segue a receita de distribuir dinheiro para aumentar a dependência do povo em relação ao Estado e garantir a fidelidade eleitoral. Todos os idosos, por exemplo, ganham o equivalente a 50 reais por mês, o que na Bolívia faz uma diferença e tanto. O problema é que, à exceção do gás natural e da coca, nada brota do chão. As estatizações dos últimos anos afugentaram os investidores. Um tratado bilateral que permitia a exportação de produtos isentos de taxas para os Estados Unidos foi cancelado em 2012. "A indústria foi o setor mais afetado e confiscaram-se muitas empresas, sem nenhum pagamento", diz Eduardo Bracamonte, presidente da Câmara Nacional de Exportadores da Bolívia. Já que outras atividades econômicas não prosperam, os bolivianos continuam sem empregos decentes. Seis de cada dez trabalham no setor informal. "Há uma felicidade momentânea, mas esse modelo não se sustenta", diz o economista Otto Nogami, do Insper, em São Paulo. Para Evo Morales, o que importa é manter-se no poder. NATHALIA WATKINS E PAULA PAULI __________________________________________ 6# GERAL 15.10.14 6#1 SAÚDE - O MEDO CHEGOU 6#2 GENTE 6#3 PRÊMIO NOBEL –“E DISSE DEUS: HAJA LUZ. E HOUVE LUZ” 6#4 PRÊMIO NOBEL – A LITERATURA COMO MEMÓRIA 6#5 PRÊMIO NOBEL – PELAS CRIANÇAS 6#6 POLÍCIA – AS CONFISSÕES DE ABDELMASSIH 6#7 JUSTIÇA – SEGURANÇA MÍNIMA 6#8 NEGÓCIOS – O FOCINHO DO TIGRE 6#9 EDUCAÇÃO – SOCORRO! O VESTIBULAR FICOU PIOR 6#10 TECNOLOGIA – A CÂMERA SOU EU 6#11 RELIGIÃO – O PEREGRINO CHIQUE 6#1 SAÚDE - O MEDO CHEGOU A suspeita de um caso de ebola no Brasil provocou pavor exagerado — o risco de disseminação do vírus é pequeno. De Conacri, capital da Guiné, o comerciante Souleymane Bah, 47 anos, desembarcou em São Paulo em 19 de setembro. Veio na condição de refugiado. De São Paulo, foi para Cascavel, no Paraná. Na quarta-feira passada, com febre, tosse e dor de garganta, procurou ajuda médica. Foi posto em isolamento e, vindo de onde veio, tratado como o primeiro caso suspeito de ebola no Brasil. O período de incubação do vírus varia de dois a 21 dias. Bah começou a passar mal no vigésimo dia depois de sair da Guiné, o que é atípico nas infecções por ebola — em 95% dos pacientes, a doença dá sinais em até dez dias. Na madrugada de sexta-feira, o guineano foi transferido para uma área de segurança máxima do Instituto de Infectologia Evandro Chagas, no Rio. Até o fim da semana, o paciente mantinha-se estável, subfebril e não apresentava vômito nem diarreia, reações características da infecção por ebola. O resultado do primeiro exame que atestaria ou não a contaminação estava previsto para sábado. Um segundo exame de confirmação seria realizado 48 horas depois. Ainda que Bah não esteja contaminado pelo ebola, a notícia da existência de um possível infectado em território brasileiro provocou pânico. Um dos vírus mais letais de que se tem notícia, o ebola é um inimigo invisível, voraz, contra o qual não temos defesa — a não ser a estreita vigilância. Qual é o risco de o ebola disseminar-se no Brasil, como aconteceu na África Ocidental? Baixíssimo. Na Guiné, Serra Leoa e Libéria, o epicentro da atual epidemia, faltam saneamento básico, profissionais de saúde e leitos. Além disso, a população ou desdenha da existência do vírus ou, com medo dos médicos e enfermeiros, por ignorância, esconde a doença. Na pior epidemia de ebola desde a sua descoberta, em 1976, até a sexta-feira passada, 8376 pessoas foram contaminadas e 4024 morreram. Há tratamento para o ebola? Não. Alguns pacientes receberam medicamentos experimentais, como o anticorpo monoclonal ZMapp e a transfusão do sangue de pacientes curados. Nenhum remédio ou terapia contra o ebola passou por estudos clínicos seguros. Quão contagioso é o ebola? O ebola não é um vírus de fácil transmissão, como o da gripe. A contaminação ocorre pelo contato com fluidos corporais do doente. E uma pessoa contaminada só transmite o vírus depois do aparecimento dos sintomas. A auxiliar de enfermagem espanhola Teresa Romero, internada em Madri, foi contaminada ao tocar o rosto com a mão enluvada, quando tirava um dos dois macacões cirúrgicos de proteção. Ela ajudou a cuidar de um missionário contaminado na África e transferido para a Espanha, onde morreu. Até sexta-feira, o estado de saúde de Teresa era grave. Em epidemias anteriores, a taxa de letalidade chegou a 90%. Hoje, está em 52%. É difícil conter o ebola? O vírus exige uma vigilância rigorosíssima. Uma pessoa vinda do oeste africano que apresente qualquer alteração de saúde associada ao ebola deve ser monitorada. Alguém que manifeste os sintomas deve comunicar isso imediatamente aos especialistas. Só assim será possível quebrar a cadeia de transmissão do vírus. Não pode haver falhas nesse sistema. O paciente guineano viajou do Paraná para o Rio fora da bolha de proteção. Segundo o ministro Arthur Chioro, a medida era desnecessária porque Bah "apresentava boas condições clínicas". Houve erro, por exemplo, no atendimento do liberiano Thomas Duncan, morto em Dálias, na semana passada. Cinco dias antes de receber o diagnóstico de contaminação pelo ebola, ele procurou um hospital com febre e dor abdominal. Disse que acabara de chegar da Libéria e, mesmo assim, foi liberado. Morreu. NATALIA CUMINALE 6#2 GENTE JULIANA LINHARES . Com Marília Leonel e Thais Botelho ESTÃO DE OLHO NELA TICIANE PINHEIRO é o paradigma, o modelo a ser imitado por toda uma tribo de jovens mulheres que sonham ser como ela: linda, loira, alta e magra (falsa, como se vê pelas curvas na foto). As seguidoras perguntam também. Diariamente, a apresentadora recebe em média 500 mensagens indagando sobre a marca da roupa que veste, de onde vêm suas joias e o que faz para manter o tom exato da cabeleira. "Quando criticam algo que fiz no cabelo, por exemplo, não repito mais", diz. Para monetizar a imagem, tem oito contratos publicitários, que lhe rendem faturamento médio mensal de 70.000 reais. E o que faz mesmo para manter os 62 centímetros de cintura de vinte anos atrás, quando foi modelo no Japão? Aulas de kenpo, arte marcial japonesa que reúne várias técnicas de lutas orientais. Ao tatame, meninas. SOBRENATURAL? Estabilidade, coordenação motora e controle emocional garantem o bom desempenho de um ginasta, mas não explicam o fenômeno KOHEI UCHIMURA. “Sua composição corporal e a atuação exata são tem de estudo. Já se sabe que seu córtex motor é mais desenvolvido que o das outras pessoas”, explica Andrea João, mestra em ciência da motricidade humana e professora da UFRJ. O japonês de 25 anos, carinha de bebê e com concentração de samurai já é considerado o maior de todos os tempos, ainda mais depois de conquistar pela quinta vez consecutiva o título mundial de ginástica na China. “Com orientação espacial surpreendente, ele mira o solo e a forma como vai aterrissar antes mesmo de concluir os giros. Deve ter um chip ali dentro”, brinca Andrea. PEQUENA GRANDE MISS Coração puro e saltos muito altos são as defesas da cearense MELISSA GURGEL contra as críticas preconceituosas que recebeu, por seu sotaque e pelo 1,68 metro de altura, depois que foi coroada miss Brasil. "Essas pessoas com certeza já devem ter pensado nas suas atitudes, melhorado e mudado. Não acho que devam ser excluídas das redes sociais", diz ela, soberanamente. Mas, na dúvida, a OAB Ceará interferiu. "Ingressamos com uma representação formal pedindo que o Ministério Público responsabilize os autores das ofensas racistas e que a Polícia Federal proceda à investigação", diz seu presidente, Valdetário Monteiro. E a altura, criticada como insuficiente? "Olivia Culpo é menor do que eu e foi miss Universo 2012", responde Melissa. MENINA DE SORTE Cortar um palmo da cabeleira ruiva e reduzir a maquiagem para parecer tão juvenil quanto seus 19 anos fez muito bem a MARINA RUY BARBOSA. É claro que as camisolinhas e outras peças diminutas que usa como Maria Ísis em império também ajudam. Sem contar que ela tem uma preparadora muito especial. "Estudo as cenas com uma psicanalista, que me ajuda a entender o que a personagem está passando em cada momento, o subtexto", conta. Nos próximos capítulos, a personagem vai sair um pouco do regime de semirreclusão e trabalhar no restaurante do genro de José Alfredo, o Comendador, vivido por Alexandre Nero. Com ele, filmará cenas de um casamento simbólico em Minas Gerais, cuja natureza grandiosa aparece como o Monte Roraima na novela. 6#2 PRÊMIO NOBEL –“E DISSE DEUS: HAJA LUZ. E HOUVE LUZ” A premiação da Academia Sueca nas áreas de ciências é o triunfo da luz como campo de estudo e uma celebração da unidade cósmica fundamental da vida. FILIPE VILICIC E FERNANDA ALLEGRETTI “Fiat lux", no latim. "Haja luz" é o que, pela narrativa bíblica, decretou Deus no primeiro dia da criação. E fez-se a luz, antes mesmo do Sol, criado no quarto dia. Deu-se, desde o início de tudo, do Gênesis, a luminosa distinção entre as trevas e a claridade. Na Bíblia, a escuridão representa o mal, a ignorância, enquanto seu avesso é o bem, a sapiência. "Aquele que pratica a verdade se aproxima da luz", diz outro trecho das escrituras sagradas. Luz é sinônimo de sabedoria. Se um sujeito é iluminado, é por ter habilidade, normalmente intelectual, acima do comum. Enquanto a deterioração cultural da era medieval fez com que esse período sombrio ficasse conhecido como Idade das Trevas, a posterior recuperação da razão como alicerce da erudição do homem levou o nome de Iluminismo, cujo apogeu se deu no século XVIII. Na ciência como decorrência natural do que nasceu na religião e passou pelas artes, a luz também é tudo, o objeto central de estudos. Sem a incessante busca por conhecer suas propriedades, a sabedoria humana teria sido apagada há milênios. Os prêmios Nobel deste ano, numa bela homenagem à história do conhecimento, foram o triunfo da luz. Laureados em Física, os japoneses Isamu Akasaki, Hiroshi Amano e Shuji Nakamura inventaram nos anos 90 o LED azul, forma eficiente e duradoura de iluminação (veja na pág. 86). O romeno Stefan Hell e os americanos Eric Betzig e William Moerner levaram o de Química por ter, segundo a Academia Sueca, "trazido a microscopia óptica para a nanodimensão". Por meio de um método que utiliza lasers e deixa moléculas fluorescentes, eles inventaram uma forma de observar por microscópio dimensões de 1 nanômetro, o que permite ver até mesmo as sinapses dos neurônios. O Nobel de Medicina, entregue ao psicólogo americano John O'Keffe e aos noruegueses Edvard Moser e May-Britt Moser, foi uma reverência à descoberta de como funciona o sistema de posicionamento cerebral, uma espécie de GPS bioquímico, responsável por guiar nossa orientação espacial. A relação com a luz pode não ser evidente, mas é fundamental: eles decifraram como percebemos o mundo ao redor — composto, em essência, de matéria e luz. Estudos das propriedades da luz foram agraciados com o Nobel já nos primórdios da premiação. O alemão Wilhelm Conrad Röntgen se tornou o primeiro laureado em Física, em 1901, por produzir e detectar os raios X. Se numerados os prêmios relacionados diretamente às pesquisas que procuram entender do que a luz é formada, nove foram concedidos à área, como o de Albert Einstein, cujo rosto é símbolo de genialidade, em 1921 (veja exemplos abaixo). O trabalho de Einstein esteve sempre intimamente ligado à luz, da descoberta do efeito fotoelétrico à sua fórmula mais famosa, E = mc2, segundo a qual a quantidade de energia de algo é igual à sua massa multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz. "Como resultado dessas mudanças nas leis ópticas, ganhamos novas informações sobre a natureza", destacou o físico americano Arthur Holly Compton, ao ser premiado com o Nobel de 1927 por suas pesquisas na área. Se forem considerados os laureados que não estudaram diretamente a composição da luz, mas cujos trabalhos estão diretamente relacionados ao tema, o número de prêmios da Academia Sueca nesse campo, em Física, Química e Medicina, passa de trinta (aqui se encaixa, por exemplo, a criação do LED). Não é tão premiado quanto a física de partículas (34 laureados), a genética (48) ou a bioquímica (50). Mas, afinal, sem saber como se comporta a luz (seja como onda, seja como partícula, em uma velha discussão), não existiriam avanços nos estudos das partículas, dos genes ou mesmo da bioquímica. Por essa extrapolação, o conhecimento da humanidade sobre a luz permeia todos os nobéis já concedidos. A importância do estudo dos fótons data de muito antes de essa partícula ser formulada, no século passado, por mentes brilhantes como a de Einstein. A curiosidade pela luz, e os avanços no conhecimento dessa energia que perpassa por toda a natureza, sempre esteve no centro das atenções da construção da sabedoria humana. Há 2400 anos, Platão usou a associação de luz e erudição para escrever o "Mito da Caverna". Na parábola, os seres humanos teriam nascido em uma caverna, presos diante de uma parede que só mostra sombras do mundo exterior, projetadas pelos escassos feixes de luz que adentram a penumbra. Só aquele que se libertasse e caminhasse em direção à claridade de fora teria contato com a realidade tal qual ela é. Pela alegoria, o homem só pode se livrar da ignorância, representada pela escuridão, ao observar a luz da verdade. O fascínio pelo tema se estendeu ao seu discípulo Aristóteles, para quem só podíamos ver o mundo porque a luz, ao incidir sobre os objetos, retirava deles uma microscópica camada de partículas, que seriam projetadas em direção aos nossos olhos. Agora sabemos que a explicação é errada, mas está certíssima a associação entre luz e visão, o que leva à conclusão de que só conseguimos observar o universo, do macro ao micro, por nele existirem fótons voando livremente. A astrofísica concluiu, em meados do século passado, que foi apenas quando o cosmo tinha 380.000 anos de existência (diante dos 14 bilhões de hoje) que ocorreu um fenômeno crucial: elétrons se combinaram com partículas de hidrogênio e deixaram os fótons livres para voar pela primeira vez. Assim, em um momento de "haja luz", o universo se tornou visível. Os maiores pensadores da história das ciências e das artes refletiram, direta ou indiretamente, sobre o enigma da luz. Quase sete séculos após Aristóteles, o bispo Agostinho de Hipona, o Santo Agostinho, associava Deus à iluminação da razão humana. Escreveu: "A verdade habita no coração do homem. E, se não encontras senão a tua natureza sujeita a mudança, vai além de ti mesmo. Em te ultrapassando, porém, não te esqueças que transcendes tua alma que raciocina. Portanto, dirigi-te à fonte da própria luz da razão". Em 1704, o físico e matemático inglês Isaac Newton lançou o Opticks, livro que serviu de base para a criação da moderna física óptica. Newton utilizava prismas, posicionados em frente à janela de sua casa, para estudar refração e difração. René Descartes, James Maxwell, Max Planck, Stephen Hawking... todos estudaram a energia que se espalha pelo cosmo. Dependemos da luz, enfim, para quase tudo. Além de metáfora perfeita da erudição, é forçoso ressaltar que sem ela a vida não existiria. A Terra, que chamamos de casa, está na região conhecida pela astrofísica como "zona habitável", na distância perfeita de sua estrela, o Sol, para receber a quantidade ideal de raios de modo a haver água líquida e vida. Nem longe demais que oceanos congelem, nem tão perto que evaporem, sob efeito do calor. Escreveu o poeta inglês Alexander Pope, no túmulo do conterrâneo Newton: "A natureza e as suas leis jaziam na noite escondidas. Disse Deus: 'Faça-se Newton', e houve luz nas jazidas". Além da bela homenagem, Pope traduziu nossa ambição por excelência: jogar luz nas jazidas. NOBÉIS ILUMINADOS O campo de estudo das propriedades da luz é premiado desde a primeira cerimônia do Nobel, em 1901. Eis os principais cientistas da área laureados com o prêmio de física. Laureado: WHILHELM CONRAR RÖNTGEN Nacionalidade: Alemão Ano: 1901 Ganhou o Nobel... por produzir e detectar em 1895, os raios X. Laureado: ALBERT EINSTEIN Nacionalidade: Alemão Ano: 1921 Ganhou o Nobel... pela descoberta do efeito fotoelétrico, que levou à conclusão de que a luz é composta de partículas, os fótons, o que serviu de base para fundar a física quântica. Laureado: ARTHUR HOLLY COMPTON Nacionalidade: Americano Ano: 1927 Ganhou o Nobel... após ter formulado o efeito Compton, segundo o qual a energia dos fótons da luz diminui ao interagir com matéria (assim, demoliu persistentes teorias que defendiam que a luz se comportava apenas como onda, não como partículas) Laureado: RICHARD FEYNMAN Nacionalidade: Americano Ano: 1965 Ganhou o Nobel... ...pela criação da eletrodinâmica quântica, teoria que explica como a luz e a matéria interagem. MAIS LUZ, MENOS GASTOS O LED, criação dos laureados com o Nobel de Física deste ano, virou símbolo de sustentabilidade: economiza energia, dura mais e tem maior luminosidade. Confira o desempenho de uma lâmpada do tipo diante das antecessora. Lâmpada: INCANDESCENTE (40 watts) Consumo: 0,04 kWh (Quilowatt-hora) Vida útil: 1000 horas Luminosidade: 440 lumens (1 lúmen é equivalente à intensidade de luz de uma vela) Energia convertida... em luz: 4%; em calor: 96% Lâmpada: FLUORESCENTE (9 watts) Consumo: 0,009 kWh Vida útil: 10.000 horas Luminosidade: 450 lumens Energia convertida... em luz: 20%; em calor: 80% Lâmpada: LED (7 watts) Consumo: 0,007 kWh Vida útil: 50.000 horas Luminosidade: 800 lumens Energia convertida... em luz: 100%; em calor: 0%. COM REPORTAGEM DE GABRIELA NERI E JENNIFER ANN THOMAS 6#4 PRÊMIO NOBEL – A LITERATURA COMO MEMÓRIA A ocupação nazista é o tema forte de Modiano. A França é o país que mais tem ganhadores do Nobel de Literatura. O romancista Patrick Modiano, 69 anos, foi anunciado, na semana passada, como o 15º francês a receber a distinção. Filho de uma atriz belga e de um judeu de origem grega que se conheceram durante a ocupação nazista da França, o escritor fez dos anos da guerra um dos temas fortes de seus mais de trinta livros. Colaborou com o cineasta Louis Malle no roteiro de Lacombe Lucien (1974), filme que trata de um tema que por muito tempo foi tabu na França: o colaboracionismo. No Brasil, a editora Rocco publicou Dora Bruder e outros quatro romances do autor, mas estão esgotados — nas livrarias, só se encontra o infantojuvenil Filomena Firmeza, publicado pela Cosac-Naify. Horace Engdahl, membro da Academia Sueca, que concede o Nobel, afirmou que, por sua exploração da memória, Modiano pode ser considerado "um Marcel Proust de nosso tempo". Marcel Proust (1871-1922), que também foi o Marcel Proust de seu tempo, não ganhou o Nobel. 6#5 PRÊMIO NOBEL – PELAS CRIANÇAS Em um ano de intensificação de guerras civis, o Nobel da Paz premia a luta pela educação e pela infância digna. A muçulmana Malala Yousafzai, do Vale do Swat, no norte do Paquistão, tornou-se, na semana passada, aos 17 anos, a mais jovem ganhadora do Prêmio Nobel da Paz. Ela dividiu a honraria com o hindu Kailash Satyarthi, de 60 anos, que liderou missões para resgatar 80.000 crianças que trabalhavam em condições análogas à escravidão na Índia. A escolha de dois militantes dos direitos das crianças em um ano marcado por guerras civis com centenas de milhares de vítimas tem o seu sentido. "Em áreas devastadas por conflitos, o abuso contra crianças leva à continuação da violência de geração em geração", disse o norueguês Thorbjorn Jagland, chefe do comitê do prêmio, ao justificar a escolha, em Oslo. Oriundos de países inimigos e pertencentes a dois grupos religiosos que em diversas ocasiões promoveram massacres um contra o outro, Malala e Satyarthi têm mais em comum do que apenas a defesa da infância. De uma maneira mais ampla, ambos lutam contra o obscurantismo. No caso de Malala, o enfrentamento é contra a interpretação fundamentalista do Islã, que se opõe ao livre saber e nega às mulheres os mesmos direitos dos homens. Em janeiro de 2009, o Talibã proibiu as meninas paquistanesas do Vale do Swat de frequentar escolas. Para a milícia, as mulheres devem se casar aos 14 anos e viver à sombra do marido. Em três anos, o regime conseguiu reduzir o número de estudantes mulheres em dois terços. Foi dentro desse ambiente que Malala começou a escrever um blog na internet, em que contava sobre os obstáculos para estudar e seguir seu sonho de ser médica. A ousadia lhe custou diversas ameaças de morte. Em 2012, o ônibus escolar em que estava foi parado por membros do Talibã, que subiram a bordo armados e perguntaram: "Quem é Malala?" Ninguém respondeu, mas um dos terroristas a reconheceu e disparou três tiros contra a cabeça da menina, então com 15 anos. Malala foi levada para a Inglaterra, onde se submeteu a tratamento, e hoje mora em Birmingham. Ela recebeu inúmeros prêmios internacionais e costuma dizer que se devem enviar livros em vez de fuzis e bombas aos países em conflito: "Nossos livros e canetas são as armas mais poderosas". A educação, evidentemente, não é uma solução a curto prazo para as guerras, mas o mérito de Malala é servir de inspiração para crianças e jovens que sofrem as mesmas dificuldades que ela enfrentou. Malala, porém, é encarada com desconfiança em seu próprio país. Muitos paquistaneses vêem a presença da menina em fóruns internacionais como um indício de que ela está a serviço do governo americano. Já o trabalho de Kailash Satyarthi é libertar crianças da escravidão e reintegrá-las à sociedade. Na Índia, por razões sociais e históricas, famílias inteiras são obrigadas a trabalhar até dezesseis horas por dia, às vezes acorrentadas. Entre os mais vulneráveis estão os integrantes da casta dos dalits, os "intocáveis". Engenheiro elétrico, ele organizou em 1988 uma marcha por 103 países que culminou com a assinatura de uma convenção internacional contra o trabalho forçado infantil. "Tirar uma criança da escravidão é interromper um ciclo vicioso. O menor subjugado pode se tornar um adulto explorador no futuro", diz o paulista Leonardo Sakamoto, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão. 6#6 POLÍCIA – AS CONFISSÕES DE ABDELMASSIH Em conversas telefônicas com seu psiquiatra gravadas pela promotoria, o ex-médico condenado a 278 anos por estupro se diz "injustiçado", mas admite que teve relações sexuais com suas pacientes. ALEXANDRE HISAYASU O ex-médico Roger Abdelmassih, sentenciado a 278 anos de prisão pelo estupro de 39 mulheres, considera-se injustiçado pela lei dos homens, mas admite que sua condenação pode ser resultado de punição divina. Nas conversas que manteve com seu psiquiatra enquanto esteve foragido, e que foram gravadas pela promotoria, ele afirma que está sendo "crucificado", mas que acredita que, com isso, "Deus quis quebrar o prepotente, o grande metido a isso, a aquilo, o comedor!". Abdelmassih diz que passava mulheres "pra trás constantemente" e que o fazia porque muitas pacientes — que agora o denunciam e a quem chama de "vagabundas" — se insinuavam para ele. Considerado um dos maiores especialistas em reprodução assistida do país até 2010, quando foi condenado, Abdelmassih permaneceu foragido por quase quatro anos, acompanhado de sua terceira mulher, a ex-procuradora federal Larissa Sacco. Sua prisão, no último mês de agosto, no Paraguai, teve como ponto de partida uma operação realizada pela Polícia Civil numa de suas fazendas em Avaré (SP). No local, investigadores encontraram anotações com diversos números de telefone celular — todos mais tarde grampeados com a autorização da Justiça. Reveladas agora, as escutas mostram como o ex-médico se valeu de uma rede de apoiadores — incluindo amigos, familiares e funcionários — para sustentar-se financeiramente e manter-se informado sobre os movimentos da polícia durante a fuga. Abdelmassih reservava uma linha telefônica exclusivamente para sessões a distância com um psiquiatra que o atendia de São Paulo. Nessas conversas, admite o que sempre negou: que teve relações sexuais com mulheres que o procuravam em sua clínica para conseguir engravidar. Sugere, no entanto, que apenas cedia ao assédio das pacientes. "A mulher jogava o milho e eu ia comer, e levei ferro. (...) Mulher é um bicho desgraçado mesmo." Desde junho, ele e Larissa consultaram-se com o psiquiatra em cinco ocasiões. Abdelmassih demonstrava preocupação com o futuro dos filhos que teve com a ex-procuradora, um casal de gêmeos hoje com 3 anos. O ex-médico (ele teve o registro profissional cassado depois da condenação) dava sinais de depressão e dizia que pensava em se matar, principalmente quando cogitava a hipótese de voltar para a cadeia. Chegou a comprar uma arma, que mantinha escondida na casa em que vivia com a família em Assunção. A irmã Maria Stela foi a pessoa da família com quem ele mais fez contato — ora para desabafar, ora para dar orientações sobre dinheiro. A polícia também registrou diversas conversas do foragido com o médico Ruy Marco Antonio, ex-diretor do Hospital São Luiz e seu conhecido de longa data. Em uma delas, Abdelmassih diz que não se conforma com o fato de o governador Geraldo Alckmin ter oferecido uma recompensa de 10.000 reais por informações sobre seu paradeiro. Queixa-se de Alckmin querer prendê-lo para ganhar prestígio político nas eleições. Segundo o Ministério Público, Marco Antonio fez diversos empréstimos a Abdelmassih, totalizando 500.000 reais. Marco Antonio afirma que emprestou dinheiro apenas a Maria Stela. O dinheiro que sustentava o ex-médico e sua família chegava a ele por meio de depósitos numa conta-corrente da Agropecuária Colamar, empresa de fachada montada por Larissa e sua irmã, Elaine Therezinha Sacco Khouri. Outra opção era o envio das quantias por funcionários, que as transportavam de automóvel até Foz do Iguaçu. Os promotores descobriram essa rota graças a um rastreador colocado no carro do administrador da fazenda de Abdelmassih em Avaré, Dimas Campelo. Os promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) apuram se as pessoas que aparecem nas conversas telefônicas incorreram em algum tipo de crime, como o de favorecimento pessoal. A Polícia Federal e a Promotoria do Paraguai investigam como o casal passou pela fronteira e conseguiu documentos de identidade falsos. As suspeitas incluem a participação no processo de um policial civil, que agiria também como informante do ex-médico. "Criou-se uma estrutura financeira e de comunicação que ajudou o réu a se manter foragido por todo esse tempo", diz o promotor Luiz Henrique Dal Poz. Há duas semanas, o desembargador José Raul Gavião negou o recurso dos advogados do ex-médico que pedia a anulação de sua condenação com o argumento de que não há provas técnicas que comprovem os estupros. Faltam os votos de mais dois desembargadores. Caso o pedido seja rejeitado, ainda poderá ser apresentado no Superior Tribunal de Justiça. A acusação provou na Justiça 28 casos em que Abdelmassih se aproveitou sexualmente de pacientes enquanto estavam sedadas para o procedimento de inseminação. Contabilizados também os episódios em que o ex-médico atacou pacientes durante as consultas, totalizam 56 os estupros que ele cometeu e que foram comprovados na Justiça. Abdelmassih está preso no Presídio de Tremembé 2, em São Paulo. Divide a cela com outros cinco detentos e recebe visitas semanais de Larissa. O MÉDICO NO DIVÃ O que o estuprador dizia ao seu psiquiatra “Deus quis quebrar o prepotente etc., o grande metido a isso, a aquilo, o comedor! Que passava mulher pra trás constantemente. O grande comedor, que provavelmente achava que tava tudo disponível, a mulher jogava o milho e eu ia comer, e levei ferro. Você sabe que mulher é um bicho desgraçado mesmo” “Essas vagabundas apareceram na televisão dizendo que eu fazia isso, fazia aquilo. Eu nunca fiz” “Sei o quanto eu vou ter que enfrentar aí... Até Jesus Cristo foi crucificado e era Deus! Então, o que que a gente vai fazer? Tenho que tocar a minha vida focando nessas três pessoas (a mulher e os dois filhos)” “O Juca, que é um dos advogados, falou pra mim: 'A liberdade você vai ter. Mas não vai poder voltar ao Brasil, porque não vai ser bom pra você'. Uma estupidez. Porque advogado também é tudo uma raça só” “Não tem mais solução? Pronto, acabou. Obviamente, se isso acontecer, por favor, o senhor diga que minha intenção era essa, para que amanhã não digam que minha mulher me deu um tiro... Se acontecer uma detecção da situação (prisão), não tem saída. Aí, tchau. Eu estou convicto disso” COM REPORTAGEM DE LUCAS SOUZA 6#7 JUSTIÇA – SEGURANÇA MÍNIMA Relatórios oficiais mostram que as penitenciárias federais que abrigam os criminosos mais perigosos do país estão funcionando em situação precária e alertam para riscos. RODRIGO RANGEL Em campanha pela reeleição, a presidente Dilma Rousseff tem prometido priorizar a segurança pública. Embora hoje seja atribuição dos estados zelar pela área, a petista afirma que pretende, se reeleita, mudar a legislação para que a União possa ampliar as suas responsabilidades e atuar mais diretamente no combate ao crime. No pouco que cabe atualmente ao governo federal, porém, os resultados não são nada animadores. Um exemplo está nos presídios federais de segurança máxima, administrados pelo Ministério da Justiça. As penitenciárias, que abrigam alguns dos presos mais perigosos do país, como o traficante Fernandinho Beira-Mar, passam por uma situação de penúria, conforme relatórios produzidos pelos juízes encarregados de fiscalizar as unidades. A gestão centralizada em Brasília tem se mostrado caótica. Falta dinheiro para comprar até mesmo itens básicos de higiene. Sistemas de vigilância não funcionam. A segurança dos quatro presídios, segundo os próprios juízes, está em risco. No início do ano, os magistrados enviaram um documento ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, alertando sobre os riscos e pedindo providências urgentes, mas nada foi feito. Os relatórios, obtidos por VEJA, traçam um panorama da precariedade no sistema, que deveria ser exemplo para o país. "Vários dos apontamentos (...) refletem diretamente nas questões de segurança dos estabelecimentos e merecem atenção especial, pois estamos lidando com os presos mais perigosos do país e é preciso garantir a contínua eficácia do sistema", dizem os juízes no ofício encaminhado ao ministro. Para continuarem funcionando, os presídios têm recorrido a doações. O de Catanduvas, no interior do Paraná, estava com o sistema de iluminação prejudicado até o mês passado: as lâmpadas em torno do presídio, onde ficam as torres de vigilância, queimaram e não havia dinheiro para substituí-las. Foi preciso que a Justiça Federal liberasse uma verba de 100.000 reais para que o entorno da prisão não permanecesse às escuras. Uma parte das câmeras do sistema de segurança também está inativa. "Estamos trabalhando em total precariedade e extrema vulnerabilidade", escreveu o então diretor da penitenciária, Jessé de Almeida. No presídio de segurança máxima de Porto Velho (RO), os problemas se repetem. "Do jeito que está, estamos pondo em risco a segurança pública e do corpo funcional que atua diretamente com os presos mais perigosos do país", escreveu a juíza Juliana Paixão. Por falta de estrutura, os juízes chegaram a negar autorização para a entrada de novos detentos. Os contratos com empresas encarregadas de tarefas como limpeza e conservação acabaram e, em alguns estabelecimentos, o Ministério da Justiça não fez novas licitações para reativar os serviços. Na penitenciária federal de segurança máxima de Mossoró (RN), o ambiente ficou insalubre, na definição do juiz Walter Nunes. Num despacho, ele anotou, após uma visita: "Foram constatados problemas de muita sujeira nos ambientes dessa unidade penitenciária, com presença de áreas empoçadas, fedentinas, mosquitos, moscas, sanitários imundos". Uma situação que, segundo o magistrado, põe em risco a estabilidade do sistema, já que é motivo de frequentes animosidades entre os detentos e os agentes carcerários. No fim de agosto, o caos no sistema provocou um pedido de demissão coletivo da cúpula do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o órgão do Ministério da Justiça que tem a incumbência de administrar os presídios federais. A VEJA, a pasta negou que estejam faltando recursos para a manutenção das penitenciárias e afirmou que os problemas são apenas "pontuais". O ministério garante que a segurança das unidades nunca esteve em risco. 6#8 NEGÓCIOS – O FOCINHO DO TIGRE O alemão Peter Schreyer é o mais reconhecido designer de automóveis comerciais da atualidade. Prima por desenhar modelos marcantes, sem apelo a modismos e capazes de agradar a diferentes públicos no mercado global. Nas duas décadas e meia em que trabalhou no grupo Volkswagen, notabilizou-se pela transformação da Audi em uma marca premium. De sua prancheta saíram clássicos contemporâneos, como o Audi TT e o New Beetle. Há oito anos, Schreyer surpreendeu a indústria automotiva ao se transferir para a sul-coreana Kia. Desde que assumiu o cargo de executivo-chefe de design da empresa, as vendas mais do que dobraram, de 1,1 milhão para 2,8 milhões de veículos ao ano. Ele deu à marca sua atual identidade visual, inspirada no focinho dos tigres. Em passagem pelo Brasil, Schreyer falou a VEJA. MARCELO SAKATE ASCENSÃO COREANA Vários aspectos explicam o sucesso das marcas Kia e Hyundai. Um deles é o design. Ao mesmo tempo, houve o investimento em qualidade. A garantia também é importante. No Brasil, ela é de cinco anos. A combinação desses fatores construiu as fundações que impulsionaram as vendas das duas marcas (hoje pertencentes ao mesmo grupo). CONSTRUÇÃO DA MARCA As montadoras coreanas não são premium como a BMW ou a Mercedes, mas avançaram muito. Não se evolui da noite para o dia. Tive essa experiência na Audi, no início dos anos 1980. Naquela época, era quase constrangedor falar da Audi, porque todo mundo só dava importância à BMW ou à Porsche. A empresa decidiu investir em tecnologia e em design para reverter a sua imagem. Nos Estados Unidos, os planos não deram certo num primeiro momento, e a marca quase sumiu do mercado. Mas a direção da Audi não desistiu e manteve os investimentos. A construção de uma marca leva tempo e, na verdade, não termina nunca. IDENTIDADE VISUAL Na Kia, criamos o focinho de tigre na frente do carro para dar uma identidade única aos diversos modelos. Funcionou. Não somos uma montadora tão tradicional quanto a BMW, por exemplo, com quase 100 anos de história. Temos cinco anos na fase mais recente e estamos ainda em um processo de desenvolvimento e de aprendizado. Em cada projeto tentamos criar uma variação: a frente pode ser um pouco menor ou mais larga, ou ficar mais abaixo, e as lanternas podem estar separadas ou não. Há muitas possibilidades. O focinho permanece, mas o resto pode ser trabalhado. Em uma analogia com as marcas alemãs, pode-se dizer que a Hyundai tem um estilo clássico, como se fosse a Mercedes, e a Kia tem linhas mais esportivas, como a BMW e a Audi. TECNOLOGIA E DESENHO Os carros deram um grande passo nos últimos anos em termos de design, mas o avanço é condicionado pela tecnologia. Quando olhamos para um aparelho de TV de antigamente e o comparamos com uma TV de tela plana, percebemos que só foi possível mudar o design por causa das novas tecnologias. As mudanças não acontecem apenas porque nós, designers, decidimos buscar novas formas. Vamos pensar no desenvolvimento do carro autônomo, que dispensa a ação do motorista. Se eu estiver em um veículo desses e viajar do Rio de Janeiro para São Paulo, poderei ligar o piloto automático e virar o banco para conversar com os demais passageiros. Talvez o interior do carro se torne diferente. Na teoria, se for desenvolvido um automóvel que seja 100% seguro em relação a acidentes, muitos dos itens de segurança que existem hoje não serão mais necessários. Sobrará espaço. Isso é muito interessante. Mas não é uma revolução que acontecerá da noite para o dia. São pequenos passos dos quais as pessoas nem sempre se dão conta. Se uma pessoa olha para um carro de dez anos atrás e o compara com o dos dias atuais, percebe a diferença. Isso é notável. É quase como observar um modelo clássico do passado. MODELOS GLOBAIS Existem muitos carros que têm o mesmo design em diversos países e ainda são bem-aceitos. As pessoas me perguntam sobre como seria um carro global. É claro que não há um único carro global. Quando desenhamos um automóvel, temos de estar atentos ao que cada mercado demanda. Mas o fato é que existem cada vez menos diferenças. As informações estão disponíveis em todo o mundo. Isso significa, de certa maneira, que os gostos estão se tornando similares. Para qual mercado um produto como o iPhone se destina? O americano? O europeu? O da América do Sul? No fundo, trata-se simplesmente de um produto com bom design. É o que eu tento fazer. ASCENSÃO DA CHINA Não devemos subestimar os chineses. O desenvolvimento tem sido muito rápido, ainda que vários carros sejam cópias de modelos famosos. Mas alguns já fogem desse padrão. Há uma montadora nova, a Qoros, cujos veículos têm um design muito bom. Uma diferença é que as montadoras chinesas ainda carecem de tradição. A Kia hoje já tem um pouco disso. Quando as montadoras coreanas começaram a produzir automóveis, não sabiam como fazê-lo e copiavam as americanas e as europeias. E funcionava. Mas hoje elas alcançaram um estágio mais avançado. Nós estamos desenvolvendo e projetando carros da nossa própria maneira. E as montadoras europeias e americanas agora prestam atenção no que fazemos. Isso é, sem dúvida, um sinal de que estamos no caminho certo. 6#9 EDUCAÇÃO – SOCORRO! O VESTIBULAR FICOU PIOR O número de candidatos por vaga nas carreiras muito concorridas bate recorde histórico e complica ainda mais a busca de um lugar nas melhores universidades do país. CINTIA THOMAZ Chega o fim do ano e milhões de jovens em todo o país se aprontam para o primeiro rito de passagem para a vida adulta: conseguir vaga em uma boa faculdade, sem a ajuda dos pais e donos do próprio destino. Desde sempre um fantasma que assombra os últimos anos da adolescência, o vestibular, vejam só, ficou ainda mais difícil. Não pelas provas em si, mas pela desproporção entre oferta e procura, que nunca foi tão alta quanto a da maratona que se avizinha nas próximas semanas: o número de candidatos que brigam por um lugar ao sol entre as carreiras mais concorridas nas melhores universidades do país disparou nos últimos quatro anos. No curso de medicina da estadual Unicamp, de Campinas, hoje o mais concorrido, a disputa, que em 2010 era de 89 candidatos por vaga, agora é de 145 — um recorde histórico aqui e, certamente, em qualquer país que adote sistema parecido de seleção. Um dos motivos determinantes para tal desproporção é o sistema de cotas, que reserva metade das vagas nas universidades federais para quem estudou em escolas públicas e, destas, metade para negros e índios. Com prazo de implantação total até 2016, as cotas, mesmo parcialmente em vigor, já encolheram drasticamente as chances de aprovação daqueles alunos avaliados apenas por suas notas e seu nível de conhecimento. Outro fator que fez estreitar a peneira de ingresso na faculdade foi a adoção do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, como porta de entrada de todas as instituições federais (e também de um grande número de particulares). Aplicado em nível nacional, ele permite ao estudante pleitear vaga em escolas do Brasil inteiro sem sair de sua cidade, uma facilidade que fez inchar o número de interessados nos melhores cursos, estejam onde estiverem. A turma que se muda em busca da excelência triplicou em 2013 — e a guerra se acirrou. A garotada que está prestes a ser testada tem ainda o desafio de se preparar para exames de naturezas distintas: os vários vestibulares e o Enem. É preciso ter na cabeça, portanto, um leque de informações sem paralelo com nada que a experiência brasileira já registrou — e olhe que o Brasil é campeão mundial em conteúdo. Já na década de 50, ficou célebre o relato do americano Richard Feynman, prêmio Nobel de Física, que, em viagem ao país, se espantou com a quantidade de matérias às quais os brasileiros eram apresentados: não vira nada parecido no mundo (também o admirava quão pouco assimilavam). Feynman ficaria ainda mais pasmo diante da situação atual do ensino médio, um amontoado de matérias obrigatórias que fazem o aluno penar — sejam elas relevantes ou não para a carreira que vai trilhar. "Quem opta por um curso concorrido precisa saber tudo, da hidrografia da China à fórmula de cálculo das ondas magnéticas, para se sair bem", observa Marco Fisbhen, fundador do portal Descomplica, a maior sala de aula virtual do Brasil, acessada por cerca de 1 milhão de estudantes de ensino médio. Sem poderem mexer nessa grade exaustiva, os melhores colégios do país, diante das novas dificuldades, tentam ganhar em "produtividade" (esse é o termo em voga) dentro dos limites da carga horária existente. "As escolas estão tendo de pisar no acelerador para acompanhar a escalada da concorrência. Está parecendo até concurso público", compara Rommel Domingos, diretor do grupo educacional mineiro Bernoulli. Muitas escolas contratam professores ultra-especializados em vestibular e Enem e reformulam o material didático na tentativa de ir mais direto ao ponto. "Pego as notas dos simulados e converso com cada aluno sobre suas chances. Eles precisam estar o tempo todo atentos a pontos fracos. Se o rendimento cair abaixo de 65%, em qualquer área, será muito difícil passar", alerta Adilson Garcia, diretor do Vértice, de São Paulo. Em casa, a pressão também subiu. "Meus pais me lembram o tempo todo de que a concorrência ficou mais alta e de que este é o ano mais importante para definir meu futuro", diz Vinícius Verzoni, 16 anos, do Colégio Bandeirantes, também de São Paulo, candidato a uma vaga em administração. "Pensar que preciso saber tudo é aterrador", desabafa Victória Orenbuch, 17, do Colégio pH, do Rio de Janeiro, candidata ao curso de medicina, que passa seis horas na escola, volta para casa, estuda mais quatro e, à noite, retorna ao colégio para uma aula extra (veja manual de sobrevivência ao lado). O vestibular tal qual o conhecemos é uma invenção brasileira, criada nos anos 1960. Nos Estados Unidos, o passaporte para a universidade depende não só do resultado de testes específicos aplicados em duas fases (a segunda, com as disciplinas de acordo com o curso escolhido), mas de todo o histórico escolar e até das atividades extracurriculares que possam valorizar o candidato. No Brasil, nos anos que precedem a prova, a carga de matérias aumenta e se dilui, em vez de afunilar-se. Pior: esse modelo atrasado foi se amoldando aos vestibulares, em exames que encaixotam alunos de interesses e objetivos completamente distintos em um mesmíssimo critério. Muitos pensadores do ensino concordam que uma via para sacudir o velho sistema seria dar peso diferente a cada área (exatas, humanas, biológicas), dependendo da faculdade almejada. "É evidente que os candidatos aos cursos de letras e de medicina não deveriam passar pela mesma prova, ou pelo menos os pesos na nota final deveriam ser diferentes", aponta o sociólogo Simon Schwartzman. Enquanto os critérios não mudam, as próximas semanas serão decisivas para uma multidão de adolescentes a um passo da vida adulta — um rito de passagem importante e inevitável, mas que não precisaria ser tão sofrido. AGORA É GUERRA Nunca foi tão difícil conseguir uma vaga nas carreiras mais concorridas das melhores universidades do país. Os cursos mais disputados (em número de candidatos por vaga). 1º Medicina (Unicamp) 2010: 89 2014: 145 2º Engenharia civil (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo) 2010: 22 2014: 138 3º Administração de empresas (Universidade Federal de Minas Gerais) 2010: 34 2014: 134 4º Direito (universidade de Brasília) 2010: 36 014: 104 5ºArquitetura (Unicamp) 2010: 60 2014: 104 ISTO VAI CAIR Especialistas ouvidos por VEJA apontam o que é imprescindível estudar e os aplicativos que podem ajudar na maratona • Aplicativos recomendados Português Tenha na ponta da língua: interpretação de textos, gramática e funções da linguagem • Gramática e Volp Geografia Tenha na ponta da língua: clima, fontes alternativas de energia e globalização • Countries Handbook e Maratoon História Tenha na ponta da língua: no Brasil, escravidão, república, era Vargas e movimentos sociais; no resto do mundo, as revoluções industrial, Francesa e Russa • História do Brasil, Presidentes do Brasil e History - Maps of World Redação Tenha na ponta da língua: raciocínio livre de chavões, bagagem literária e histórica que permita ampliar o tema além de seus limites, um bom arsenal de citações filosóficas e uma solução para o problema proposto • Manual Redação e Essay Writing Guide Física Tenha na ponta da língua: mecânica, energia, eletricidade e óptica geométrica • Aprender Física e Macetes Química Tenha na ponta da língua: aquecimento global, termoquímica, soluções e funções orgânicas • The Elements, Tabela Periódica Interativa e Chemistry Mobile Free Matemática Tenha na ponta da língua: equações, probabilidades, porcentagens, funções e geometria • MathsFormula, iCross e MathBoard Biologia Tenha na ponta da língua: evolução, ecologia, fisiologia e genética • Exercitando Biologia 6#10 TECNOLOGIA – A CÂMERA SOU EU A charmosa máquina portátil GoPro virou um fenômeno de vendas não por ser rápida, boa e barata — mas porque é a mais perfeita ferramenta para a era das selfies FILIPE VILICIC E JENNIFER ANN THOMAS Trezentos milhões de imagens são postadas no Facebook todos os dias. No YouTube, armazenam-se 100 horas de vídeos a cada minuto. Vivemos em uma época na qual qualquer situação pode ser gravada. Uma era apelidada por alguns de "o pan-óptico do povo", em referência à arquitetura arredondada de prisões onde um único observador central, o carcereiro, consegue ver tudo ao redor, especialmente as celas dos prisioneiros. Se as redes sociais se tornaram as plataformas para esse fenômeno, são duas as principais ferramentas pelas quais se grava, e compartilha, o que se vê. Os smartphones, em especial o iPhone, que em 2007 inaugurou esse período de selfies e hashtags. E a GoPro, a câmera portátil que cabe na palma da mão e leva ao nível máximo a ideia de fotografar, filmar e postar cada momento da vida. Com suportes para ser colocada em capacetes, pranchas de surfe, hastes, ou onde for, ela é a primeira máquina a registrar com apuro o mundo pela perspectiva da visão em primeira pessoa. Seus modelos mais recentes, que chegaram às lojas na semana passada em versões que custam entre 129 e 499 dólares, filmam em 170 graus com altíssima resolução (veja o quadro na pág. 105). Resultado: seus vídeos são o registro mais fiel que se tem da experiência pela qual passou o indivíduo no momento em que os gravou. Mais que uma novidade tecnológica, a GoPro ajuda a moldar um hábito de nosso tempo: a fixação em relatar o cotidiano em um diário visual que de nada valerá se não for compartilhado em redes sociais. "É a exacerbação do ego, pela necessidade não só de mostrar o que fazemos, mas de desafiar os outros a superar nossas experiências", analisa a psicóloga americana Andrea Bonior, da Universidade Georgetown. O exibicionismo é a base da criação da GoPro. O primeiro protótipo foi produzido em 2004, pelo surfista americano Nicholas Woodman, como forma de gravar suas manobras no mar. Disse ele: "Antes da GoPro, se quiséssemos ter uma imagem de nós mesmos fazendo algo, precisávamos não só de uma câmera, mas de um outro ser humano para dar o clique". Woodman desenhou um aparelho que pode ser preso no pulso ou na ponta da prancha, para assim registrar sozinho sua experiência surfando. "A ideia é celebrar nossa forma de viver e compartilhar isso com os outros", resumiu. Desde sua primeira versão, lançada há uma década, a GoPro agradou aos atletas radicais, como skatistas, alpinistas, paraquedistas e surfistas como Woodman, e a marca virou sinônimo de esportes que envolvem muita adrenalina. Em 2008, o aparelho ganhou uma lente grande-angular, que simula o ângulo de visão do olhar humano, e caiu no gosto popular. Além de ser utilizada para gravar um salto de paragliding de um penhasco ou um mergulho com tubarões na África do Sul (a GoPro é à prova de água), passou a ser muito usada para o registro de atividades cotidianas, como um momento de lazer com os filhos na piscina do quintal de casa. Por ano são vendidos em torno de 4 milhões de unidades do dispositivo. Somente em 2013, usuários armazenaram na internet o equivalente a mais de três anos de vídeos feitos com a câmera. Em junho, Woodman abriu o IPO (oferta pública inicial de ações) da empresa na bolsa de valores americana Nasdaq, e a GoPro foi avaliada, de imediato, em 3 bilhões de dólares. Em quatro meses, o sucesso da venda de ações multiplicou esse número por quase quatro, e hoje a companhia vale 11 bilhões de dólares. Entre corretores de Wall Street, a GoPro ficou conhecida como "um movimento". O que isso quer dizer? Seu trunfo não está no sucesso mercadológico nem na tecnologia embutida na câmera, que, em si, é simplória. Mas, sim, no tal conceito exibicionista em torno da marca, que fez com que ela se tornasse um ícone desta geração. Esse é o "movimento". E, por isso, a GoPro vale tantos bilhões. Woodman planeja agora expandir seus negócios. Além de vender a câmera, quer ganhar em cima do conteúdo produzido por ela, pondo anúncios nos vídeos que publica no canal da marca no YouTube (já são mais de 2 milhões de seguidores) e firmando parcerias com outras empresas. A BMW instalou em alguns modelos de seus carros um programa de computador com o qual se comandam as câmeras a distância. A GoPro pode ser, por exemplo, acoplada ao carpô, para gravar o que se passa fora, ou no banco de trás, para monitorar o que fazem os filhos. As câmeras portáteis, porém, não simbolizam somente o narcisismo do homem conectado. A possibilidade de gravar tudo começa a levantar outras possibilidades. Exemplo: poderia a polícia utilizar esses aparelhos para registrar tudo o que seus policiais fazem na rua? Esse é um tópico que já começa a ser discutido nos Estados Unidos. A prefeitura da cidade de Rialto, na Califórnia, fez um experimento de um ano no qual policiais tinham de utilizar câmeras em seu uniforme. Como suas ações passaram a ser monitoradas, ocorreu o óbvio: diminuíram os casos de uso abusivo da força pelos oficiais, e também as reclamações da população em relação aos agentes. Há, porém, complicadas questões morais associadas a experimentos do tipo. E se em uma operação o policial deparasse com pessoas nuas, ou usuários de drogas? Seria correto filmá-los? Até onde um indivíduo pode registrar tudo o que ocorre ao redor, nem sempre com o consentimento de quem é gravado? Entre os vídeos e fotos mais compartilhados pelos usuários da Go-Pro estão imagens de mulheres de biquíni, que, em muitas situações, não sabiam que estavam sendo filmadas. Discussões à parte, a GoPro é mais um fruto da indústria digital cujo impacto não só é evidente como irreversível. Ela muda a forma como registramos nossa vida, assim como fizeram as primeiras câmeras portáteis no começo do século passado. A icônica Kodak Brownie, cujo modelo inicial data de 1900 e era vendido a 1 dólar, foi a primeira a dar a amadores a possibilidade de fotografar o mundo. Seu slogan traduzia isso: "Você aperta o botão, nós fazemos o restante". Nas décadas seguintes, a pioneira Leica produziu máquinas fotográficas com filmes de 35 milímetros, portáteis, leves, de ação rápida e capazes de fazer imagens de qualidade. Foram as Leicas que possibilitaram que fotógrafos como Henri Cartier-Bresson e Alfred Eisenstaedt dessem início ao fotojornalismo. Com essas câmeras, eles passaram a tirar fotos discretamente, o que possibilitava o registro de cenas espontâneas — não era mais necessário posicionar as máquinas, pedir aos retratados que posassem e esperassem alguns minutos até a imagem ser captada. Foi com uma Leica que Eisenstaedt, alemão radicado nos Estados Unidos, fez um dos retratos mais famosos da história: o beijo dado por um marinheiro em uma enfermeira, em plena Times Square nova-iorquina, na celebração do fim da II Guerra Mundial. As câmeras tradicionais começaram a entrar em desuso com o surgimento do iPhone, que deu início ao advento de smartphones como o principal dispositivo fotográfico. Assim como foi símbolo do auge dessas máquinas na década de 70, quando dominava 85% do mercado, a americana Kodak virou ícone da decadência. A empresa trabalha no vermelho desde 2007, declarou falência em 2012, vendeu a maioria de suas patentes e voltou ao mercado no ano passado, comercializando apenas equipamentos de impressão. Por que a GoPro não foi ameaçada pelo iPhone? Ela faz o que smartphones não conseguem entregar. Com um iPhone se consegue tirar fotos do dia a dia? Sim. Mas não é possível mergulhar com ele a 40 metros de profundidade, usá-lo para registrar um salto de paraquedas em primeira pessoa, ou mesmo filmar uma cena enquanto se dirige, sem tirar as mãos do volante. Se as Leicas tornaram o fotógrafo um sujeito qualquer no meio da multidão, escondido, virtualmente sumido, a GoPro transformou o indivíduo na câmera. VISÃO EM PRIMEIRA PESSOA A câmera fotográfica e filmadora GoPro faz sucesso por simular com perfeição a forma como cada um enxerga o mundo. Os novos modelos, que chegaram às lojas na semana passada, levam a um novo patamar essa reprodução da perspectiva individual. Tamanho da versão mais cara da GoPro: Comprimento; 5,9 centímetro Altura: 4,1 centímetros Largura: 3 centímetros A lente grande-angular, conhecida como "olho de peixe", é capaz de registrar imagens em 170 graus, próximo da visão frontal em 180 graus do olhar humano. Na versão mais cara, a filmagem é em 4K, resolução quatro vezes maior que a de uma TV Full HD, e pode ser feita em slow motion. A câmera de altíssima resolução tira trinta fotos por segundo, o que possibilita, por exemplo, registrar detalhes dos movimentos de um esportista. O som dos vídeos é gravado em qualidade mediana, mas com o diferencial de que é possível anular a interferência de ruídos de fundo - assim o resultado parece melhor. Conta com cabos de 50 centímetros de extensão (o comprimento de um braço), em versões fixas ou retrateis. Ferramenta ideal para tirar fotos de si mesmo, as populares selfies. Tem suportes para ser colocada em capacetes, pranchas de surfe ou, ainda, ficar presa na cabeça como uma tiara. Preço: de 129 a 499 dólares Peso: 152 gramas, com a caixa de proteção (leve como uma bola de beisebol) COM REPORTAGEM DE GABRIELA NERI 6#11 RELIGIÃO – O PEREGRINO CHIQUE A mudança no perfil do romeiro do Santuário de Aparecida, no interior de São Paulo, está diretamente associada à devoção dos últimos papas a Nossa Senhora. ADRIANA DIAS LOPES, DE APARECIDA A Basílica de Aparecida, a meio caminho entre São Paulo e Rio, é um dos maiores centros de peregrinação mariana do mundo, atrás de Guadalupe, no México. Nos últimos anos, a pequena cidade paulistana recebe em torno de 12 milhões de visitantes — um número 330 vezes superior ao de sua população. São romeiros vindos de todos os cantos do Brasil e mesmo do exterior. De dez anos para cá, o perfil dos devotos da padroeira do Brasil, cuja data é celebrada em 12 de outubro, vem mudando. A multidão não é formada mais apenas por aquele fiel que vai ao santuário a pé, cajado na mão, em grupos grandes, depois de uma longa caminhada. O novo peregrino, mais endinheirado, chega à cidade de carro ou de helicóptero — o número de pousos e decolagens cresceu 75% entre 2012 e 2013. Em geral, ele vai acompanhado apenas da família e gasta cerca de três vezes mais (150 reais por pessoa) do que seus parceiros andarilhos de antes. A mudança no perfil dos devotos se deve essencialmente à atenção que Aparecida recebeu dos últimos três papas. Em 1980, João Paulo II sagrou o altar central da basílica. Mas foram as visitas de Bento XVI e Francisco que mais profundamente impactaram na formação do novo adorador. A ida de Bento XVI, em 2007, teve um caráter, digamos assim, mais intelectual. O pontífice foi à cidade para inaugurar a 5ª Conferência-Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, evento no qual o prelado discute questões seminais da Igreja. No ano passado, em julho, Francisco, o simples, fez um desvio de rota durante a Jornada Mundial da Juventude, no Rio, e foi até o interior paulista rezar para Nossa Senhora. Os novos peregrinos já são maioria em Aparecida. Pouco mais da metade deles pertence às classes A e B, e há dez anos esse número não passava de 30% do total (veja o quadro abaixo). Dona de uma das confecções mais reputadas do Brasil, a empresária paulistana Ciccy Halpern, de 29 anos, é devota de Nossa Senhora Aparecida desde pequena. Agora, adulta, todo dezembro, a caminho das férias de fim de ano, ela, o marido e os dois filhos interrompem a viagem de carro e dão uma parada em Aparecida. Defronte à imagem da padroeira, os quatro rezam. Ficam na cidade por cerca de uma hora e partem rumo a Paraty, no litoral fluminense. As amigas Elaine Bianchi, de 59 anos, e Laura Cominato, de 62, visitam a basílica, no mínimo, duas vezes por ano. Rezam na Sala das Velas, visitam a Sala dos Milagres e vão à missa. Algumas vezes dormem em um dos hotéis da cidade onde são alojados os bispos e os cardeais de passagem pelo santuário. "Sigo as palavras do papa Francisco", diz Elaine. "Em seus discursos, ele sempre reafirma o dever, a exemplo dele mesmo, de visitar a casa da Mãe". A devoção mariana no Brasil é manifestada de forma pungente. É fruto natural de uma característica do catolicismo no país, centrado no culto explícito aos santos, sobretudo à Virgem. A fé é alimentada com atos cerimoniosos, como novenas, promessas, procissões e as próprias romarias. Esse tipo de expressão vem dos tempos dos jesuítas, no Brasil colonial do século XVI. "A catequização teve resultados mais concretos quando a demonstração da fé pelo catequista era feita por meio de gestos, como rezar de frente a uma imagem", diz o teólogo José Lino Currás Nieto. A palavra peregrino tem origem latina — peregrinus, aquele que anda por terras distantes. Já o termo romaria foi adotado no cristianismo, no século V. Vindo da palavra Roma, ele remete aos primeiros peregrinos cristãos que visitavam a cidade para rezar no túmulo de São Pedro. Diz o cardeal Raymundo Damasceno, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e arcebispo de Aparecida: "Em qualquer tempo e condição social, a devoção do romeiro é um grande exemplo de fé que a Igreja pode ter". PERFIL DOS ROMEIROS Há dez anos 70% das classes C, D e E 30% das classes A e B Hoje 48% das classes C, D e E 52% das classes A e B. __________________________________________ 7# ARTES E ESPETÁCULOS 15.10.14 7#1 TELEVISÃO – O TEMPO REDESCOBERTO 7#2 TELEVISÃO – CHIQUEIRINHO MILIONÁRIO 7#3 CINEMA – SAUDOSA MALOCA 7#4 MEMÓRIA – MALANDRO DE PLANTÃO 7#5 VEJA RECOMENDA 7#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 7#7 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – SOBRE REELEIÇÃO, FILHOTISMO ETC. 7#1 TELEVISÃO – O TEMPO REDESCOBERTO As séries históricas vivem um período de glória na televisão. Ao retratar a Roma antiga ou os anos 80, a nova safra do gênero tem o passado como seu maior protagonista. MARCELO MARTHE Em uma estrada de terra no deserto do Novo México, o físico Charlie Isaacs (Ashley Zukerman) consulta o mapa na tentativa de localizar um destino que, àquela altura dos anos 40, seria o proverbial lugar onde Judas perdeu as botas. Aproveitando-se do momento de dúvida, sua mulher busca mais uma vez demovê-lo da ideia de arrastar a família para a remota Los Alamos. Mas Isaacs, que sonha com a fama na área da física nuclear, garante a ela que aquilo que os aguarda é algo tão civilizado como estar na Universidade de Cambridge, ainda que com "mais poeira". Como tantos personagens da série Manhattan, ele não sabia, na verdade, que a poeira que o aguardava era radioativa: Isaacs junta-se ao Projeto Manhattan, esforço científico e militar que resultaria na bomba atômica lançada sobre a cidade japonesa de Hiroshima 766 dias mais tarde, em 6 de agosto de 1945. Assim como o físico, o espectador respirará o ar carregado que preenche tudo na vida dos envolvidos na pesquisa, dos assuntos de alcova ao trabalho nos laboratórios — onde cientistas estão sempre em pé de guerra, já que a disputa entre diferentes times devotados à criação da bomba é atiçada pelo chefão J. Robert Oppenheimer (1904-1967, vivido na série por Daniel London). Manhattan combina sagacidade ficcional com uma reconstituição exuberante dos fatos e da cultura dos anos 40. A série é produzida por um canal que começa a se aventurar na teledramaturgia, o WGN — e não tem previsão de estreia no Brasil. Em um rápido passeio pelo controle remoto, porém, será possível constatar: as produções de época vivem sua era de glória na TV. A grande novidade do presente é o passado. Dramas históricos sempre tiveram seu espaço, mas passaram por uma notável mutação qualitativa nos últimos dez anos, em sintonia com a revolução que se operou nos seriados americanos em geral — tendência seguida de perto, aliás, pela televisão inglesa. Roma, da HBO, foi um marco nessa guinada. Sua recriação do dia a dia dos cidadãos comuns da Antiguidade é de uma crueza irresistível. Desde seu surgimento, as séries de época cresceram não só em quantidade, mas sobretudo em certa diversidade de cores e formatos. Do século I a.C. aos anos de 1980, a cronologia é vasta (confira nos quadros ao longo da reportagem). O registro quase documental de Roma é a nítida inspiração de Vikings, exibido no Brasil pelo National Geographic, que se esmera em revelar como era o modo de vida dos povos nórdicos que barbarizaram a Europa cristã na Idade Média. Na ponta oposta há o terreno no qual história e piração fantástica se fundem. Fazem sucesso na atual leva do gênero deliciosas bobagens como Outlander e Salem. Com as doses de sexo e pancadaria típicas das atrações do canal americano Starz, Outlander (que deverá chegar ao Fox Life brasileiro em 2015) é uma série de época dentro de outra. Sua protagonista é uma moça fogosa curtida nos horrores da II Guerra Mundial. Por força da feitiçaria, ela cai sem paraquedas nos braços de um guerreiro fortão na Escócia do século XVIII. Embora seja do mesmo canal WGN de Manhattan, Salem não está nem aí para a veracidade histórica: parte da premissa de que houve bruxaria, sim, na cidade colonial americana em que mulheres foram julgadas — e enforcadas — pela prática da magia negra no século XVII. Extrai-se prazer sádico do triste episódio de histeria religiosa. A ascensão das novas séries de época foi impulsionada por alguns saltos evolutivos no jeito de produzi-las. Da mesma forma que na era clássica do cinema, investir nelas significa prestígio: mesmo que não rendam tanta audiência, a eventual colheita de prêmios como o Emmy compensa. Mas só a queda dramática nos custos de produção, proporcionada por recursos como os efeitos de computação, foi capaz de convertê-las em um item corriqueiro — e convincente. Seu visual tomou um banho de loja — ou melhor, de brechó. Tomem-se a cenografia e os figurinos de The Americans, seriado do FX sobre um casal de espiões soviéticos que levam uma vida dupla de pacatos cidadãos americanos no começo dos anos 1980, quando a Guerra Fria tinha seus lances derradeiros. Nem tudo que se vê em cena pertence propriamente ao período: a presença de elementos de décadas anteriores cria uma superposição de camadas históricas que garante, em última instância, a verossimilhança. Em resumo: aquilo parece real, não uma festa à fantasia. Em um contraste instrutivo, a atual novela das 6 da Globo, Boogie Oogie, dá uma contribuição bizarra ao novo padrão visual: sua versão dos anos 70 tem até modas que só seriam inventadas depois, como o sushi-bar e um brinco Chanel que ficou popular na década seguinte. Por sinal, o tamanho do desafio não diminui no caso das séries que retratam períodos mais recentes. Produções como Roma ou Vikings, que tentam recriar com a precisão possível eras remotas, estão sujeitas à crítica de historiadores e especialistas. Séries que falam de períodos mais próximos encontram espectadores que se lembram da cara que as coisas tinham há trinta, quarenta ou cinquenta anos — e por isso é preciso cuidado com os pormenores. Depois de The Americans, a excelente Halt and Catch Fire puxou a fronteira explorada pelo gênero para mais perto do presente. A trama do canal AMC — o mesmo de Breaking Bad, Mad Men e The Walking Dead — deverá estrear no Brasil quando essa potência da nova teledramaturgia americana entrar no ar na TV paga nacional, nos próximos meses. Halt and Catch Fire se passa em 1983, quando um grupo de nerds se une a um empreendedor feroz em busca de um lugar naquele que se tornaria o mercado da computação pessoal. A realidade que se mostra ali está inextricavelmente colada à das pessoas de hoje: mesmo os mais jovens, que não viveram os anos 80, estão sob seu impacto tecnológico e cultural. "Como é antigo o passado recente", dizia Nelson Rodrigues. De fato, nada parece mais pré-histórico do que aquela gente barbuda consumindo noites na digitação de códigos binários em computadores rudimentares. O distanciamento temporal é um trunfo que explica parte do apelo das séries de época: os roteiristas podem abusar da pimenta ao abordar questões de classe, gênero ou raça — coisa proibitiva em tramas contemporâneas, mais expostas à patrulha politicamente correta. Outro fator é sua inevitabilidade: o espectador se vê na posição segura de quem adivinha qual será o desenlace dos eventos em pauta. Quem vê Manhattan sabe que o projeto da bomba, afinal, triunfará. Mas há, ainda, um atrativo que define a nova era das séries históricas. Em seus melhores momentos, o passado passa a ser protagonista, não mero pano de fundo. São as injunções culturais e as reviravoltas de cada tempo — da escandalosa incorreção política no mundo da publicidade dos anos 60 em Mad Men às consequências da I Guerra Mundial sobre as relações sociais na Inglaterra eduardiana retratada em Downton Abbey — que informam e determinam os rumos da ação. Como qualquer ser humano sabe, ninguém passa incólume pelo tempo. PÉROLAS D’ANTANHO Um mapa cronológico das séries que extraem sua razão de ser - e seu charme – da recriação do passado. ANTIGUIDADE ROMA-49A.C. O que retrata: a vida dos poderosos e anônimos na Roma dos tempos de Júlio César Pílula do tempo: é um marco na reconstituição de época na teledramaturgia, tanto pelo naturalismo com que pinta o período quanto pela sacada de mostrar o dia a dia dos romanos comuns, da alimentação aos modos afetivos IDADE MÉDIA VIKINGS - 793 D.C. O que retrata: as conquistas militares dos vikings sob o comando do chefe tribal Ragnar Lothbrok (Travis Fimmel) Pílula do tempo: dos figurinos às práticas religiosas, impressiona pelo esmero quase documental. Tudo é observado da perspectiva curiosa de um monge cristão feito prisioneiro pelos guerreiros loiros SÉCULO XVII SALEM-1685 O que retrata: o célebre período da caça às bruxas na cidade do Estado de Massachusetts nos tempos coloniais americanos Pílula do tempo: adiciona um item conspiratório e sobrenatural ao episódio histórico: a perseguição de mulheres inocentes é instigada por bruxas de verdade, que manipulam a histeria para minar a sociedade puritana SÉCULO XVIII OUTLANDER - 1743 O que retrata: a heroína Claire (Caitriona Balfe) viaja no tempo, dos anos 1940 à Escócia em guerra Pílula do tempo: a presença da observadora do futuro provoca trombadas culturais com os guerreiros escoceses - o que não atrapalha sua conexão amorosa com um deles TURN - 1776 O que retrata: a Guerra da Independência americana Pílula do tempo: sobre o pano de fundo dos esforços de espionagem dos colonos insurgentes contra os ingleses, investiga a complexidade de viver no limiar entre a opressão e a era de liberdade que se anunciava SÉCULO XIX HELL ON WHEELS - 1866 O que retrata: a construção da Ferrovia Transcontinental americana Pílula do tempo: a meio caminho entre a ausência da lei e a modernidade, os Estados Unidos são uma terra de relativismo moral e altas oportunidades de mamar nas tetas do governo PENNY DREADFUL - ANOS 1890 O que retrata: a Inglaterra vitoriana Pílula do tempo: com tipos que vão do doutor Victor Frankenstein a Dorian Gray, ilustra o caldo vibrante de ciência, terror, esoterismo e literatura que daria origem ao que se chama de cultura pop SÉCULO XX DOWNTON ABBEY - 1912 EM DIANTE O que retrata: a vida na mansão de um clã de aristocratas em decadência na Inglaterra eduardiana Pílula do tempo: capta o efeito dramático das mudanças sociais na década da I Guerra: os patrões penam ao constatar que já não podem tudo, e seus empregados ainda hesitam em exercer as oportunidades que se vão abrindo BOARDWALK EMPIRE - 1920-30 O que retrata: o domínio da máfia sobre os cassinos de Atlantic City durante os anos da Lei Seca americana Pílula do tempo: é uma aula sobre os desatinos produzidos em nome de uma causa hipócrita, a proibição do álcool - e também um panorama vigoroso de uma era de intensa corrupção moral e política MANHATTAN - 1943 O que retrata: os bastidores da construção da primeira bomba atômica Pílula do tempo: do isolamento compulsório no deserto americano do Novo México à exposição aos danos da radiação, mostra como a participação num projeto tão inovador e cercado de segredo impactou a vida das pessoas envolvidas CALL THE MIDWIFE - 1957 O que retrata: a atividade das parteiras em um subúrbio paupérrimo da Londres do pós-guerra Pílula do tempo: funciona como um lembrete de quanto, até nem tanto tempo atrás, era dura a vida da mulher que dava a luz. E é também uma crônica das desgraças - e eventuais virtudes - sociais londrinas MASTTRS OF SEX - ANOS 50 O que retrata: a evolução dos estudos pioneiros sobre sexualidade conduzidos pelo americano William Masters (Michael Sheen) e sua mulher, Virgínia Johnson (Lizzy Caplan) Pílula do tempo: enquanto tateiam por respostas para fenômenos fisiológicos como o orgasmo feminino, os próprios protagonistas vão vivendo a transição dos pudicos anos 50 para a era da liberação sexual MAD MEN - ANOS 60 O que retrata: uma agência de publicidade nova-iorquina em um período heroico Pílula do tempo: mais que uma estupenda recriação vintage daquele ambiente, oferece vislumbres de como eram as relações de trabalho, a dinâmica entre homens e mulheres e a propaganda no mundo pré-correção política THE AMERICANS - 1981 O que retrata: a vida de um casal de espiões soviéticos infiltrados nos Estados Unidos Pílula do tempo: além de iluminar a espionagem no fim da Guerra Fria, fala de um dilema humano: os protagonistas se dividem entre a fidelidade à pátria autoritária e a admiração pelo país livre e próspero onde vivem HALT AND CATCH FIRE - 1983 O que retrata: o nascimento da indústria da computação pessoal Pílula do tempo: os heróis da série possuem a disposição de passar noites insones digitando códigos binários em uma garagem - o que reforça a ironia: a revolução tecnológica começou de um jeito muito mambembe 7#2 TELEVISÃO – CHIQUEIRINHO MILIONÁRIO Programa mais visto da TV paga brasileira — e uma potência na venda de produtos —, Peppa Pig conquista as crianças pequenas pela simplicidade do traço e da história. BRUNO MEIER O garotinho de 8 anos com o cabelo arrepiado de gel veio só acompanhar a irmã mais nova. E está impaciente: "Ô, tio, coloca logo a Peppa", pede. Logo atrás, uma criança de colo abre o berreiro quando um jato de água cai na cabeça da garotada que, quase sem piscar, assiste ao desenho dentro de uma espécie de simulador — quando, por exemplo, os personagens andam de trem, a cadeira se move. Uma mãe que acompanhou a filha às atividades promovidas pelo canal pago Discovery Kids em um shopping de São Paulo comenta: '"Peppa' foi a terceira palavra que minha filha falou, depois de 'mamãe' e 'papai'". Havia outros programas do canal no espaço, mas Peppa Pig era de longe o mais procurado. Na média de audiência, é o programa mais visto da TV por assinatura, à frente de qualquer atração adulta. Nenhum pai com criança com menos de 5 ou 6 anos consegue ignorar a porquinha. Para informação de quem não tem criança em casa, eis o programa: Peppa, uma porca de 4 anos, convive com sua família afetuosa — pai, mãe, irmão menor, avós. E, se Tolstoi disse que as famílias felizes são todas iguais, não serão os porcos a desmentir o mestre russo: Peppa leva uma existência perfeitamente comum. Visita os avós, brinca com o irmãozinho, viaja para a praia. O traço também é simples, e as cores básicas encantam o pequeno espectador. Números musicais, nas vozes suaves de Peppa e amiguinhos, contribuem para manter as crianças sideradas. E, como as crianças pequenas adoram repetição, não se importam de ver inúmeras vezes o mesmo episódio. Na semana passada, o Discovery Kids renovou o repertório, colocando no ar a quarta temporada dessa produção inglesa. Sempre que a família suína está no ar, o canal alcança a liderança na TV por assinatura. "É um público muito fiel, fervoroso, que arrasta o irmão mais velho e os pais para a TV", diz Monica Pimentel, vice-presidente de conteúdo da Discovery no Brasil. Programas voltados para a primeira infância vencem pela simplicidade. Backyardigans, o fenômeno anterior do Discovery Kids, seguia sempre a mesma fórmula: amigos bichinhos se reuniam em um quintal e de lá partiam para mundos imaginários — sempre voltando, no final de cada episódio, para um lanchinho. Criado em 2004 e exibido em 180 países, Peppa Pig é ainda mais franciscano na sua concepção. Em cena, estão pequenos conflitos pueris: Peppa não quer dividir o brinquedo com o irmão George, ou tem medo de um animal, ou resiste a tomar o remédio de gosto ruim. "O desenho fascina pela identificação direta com a vidinha de seus espectadores. Eles vêem o que eles mesmos vivem", diz a psicanalista gaúcha Ana Laura Giongo, especializada em crianças. Os pais podem até cansar da mesmice, mas aprovam o modo como o programa retrata crianças superando angústias típicas da idade. Uma pesquisa inédita do instituto MultiFocus com crianças de até 7 anos, em doze capitais brasileiras, revelou que 71% delas assistem televisão acompanhadas da mãe, e 73% dos pais e mães consideram que é responsabilidade deles estar ao lado dos filhos quando eles vêem TV. Peppa Pig, claro, desponta na mesma pesquisa como o desenho animado favorito das crianças de até 6 anos. Peppa, é verdade, parece um tanto mimada. Seus pais são quase permissivos: num episódio, atendem ao pedido da filha para visitar o avô — no meio da madrugada. Gordo e atrapalhado, o papai porco parece uma versão não alcoolizada de Homer Simpson. Em outro episódio, ele entra em uma dieta. Mas, em vez de malhar, prefere se acomodar na frente da TV. "Papai bobinho", diz a filha. Não é a única vez em que ela o repreende assim, o que pode ser um golpe na autoridade de alguns pais. "É a representação fragilizada da figura paterna. Nem todos os homens assimilam bem", diz Ana Laura Giongo. A produção, no entanto, é sensível à vigilância da correção política familiar. Uma espectadora inglesa queixou-se de que, nas duas primeiras temporadas, os personagens andavam de carro sem cinto de segurança. Desde então, a família de Peppa passou a se afivelar. "Ronc-ronc", grunhem os porquinlios no meio das conversas. As crianças ouvem esse som muitas vezes: no Discovery Kids, são seis horários diários de exibição. Como todo personagem infantil de sucesso, Peppa tornou-se uma marca poderosa, com 250 produtos licenciados no Brasil. Sua estampa rosa decora de roupa de cama a sandálias. Peppa é também o produto mais pirateado do país. Os canhestros bonecos piratas muitas vezes realçam o narigão da porquinha, que ganha assim uma incômoda semelhança com certa porção da anatomia masculina. Mas os pequenos fãs ainda não têm essa malícia. Ronc-ronc. A LEITOA DE OURO No mundo todo, Peppa Pig, a marca, já vendeu 15 milhões de brinquedos. No Brasil, o sucesso também impressiona • 500.000 bonecos de Peppa já foram vendidos • Oito livros da porquinha já venderam 250.000 exemplares em um período de seis meses. • 12 milhões de figurinhas para o álbum • 300.000 pares de sapatos em dois meses • 500.000 dólares é a estimativa de faturamento de uma grande rede de lojas de departamentos com vendas de roupas infantis. 7#3 CINEMA – SAUDOSA MALOCA Trash, que o diretor inglês Stephen Daldry rodou no Rio de Janeiro, é um filme-favela sorridente, porém pálido. No ano passado, em um intervalo das filmagens no lixão cenográfico construído em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, o inglês Stephen Daldry — três vezes indicado ao Oscar, pelos irregulares Billy Elliot, As Horas e O Leitor — disse a VEJA que seu novo filme, Trash — A Esperança Vem do Lixo (Inglaterra, 2014), já em cartaz no país, seria "uma aventura sobre pobreza, amizade e, sobretudo, otimismo". Se ele acrescentasse à definição o rótulo "fábula infantil", talvez amenizasse a decepção que se revelou o resultado final. Estão em cena, claro, os elementos que fizeram dos filmes de Daldry sucessos de público. Como em Billy Elliot, há a infância desamparada tentando superar um ambiente hostil e, como nos outros dois títulos, os adultos estão às voltas com conflitos sociais e existenciais que determinam suas escolhas mais do que eles gostariam. Entretanto, aqui a receita do bolo desanda fragorosamente. Baseado no romance infantojuvenil homônimo do inglês Andy Mulligan — com experiência em trabalho social voluntário junto a crianças carentes na Índia, Filipinas, Malásia, Vietnã e Brasil —, Trash é sobre três garotos do Rio de Janeiro. Rafael (Rickson Tevez), Gardo (Eduardo Luiz) e Rato (Gabriel Weinstein), que vivem e trabalham em um lixão, certo dia encontram uma carteira que contém uma bolada e uma chave capaz de desbaratar um enorme esquema de corrupção que envolve a polícia e um político. A princípio, eles apenas ficam fascinados com o dinheiro, mas, quando surge um policial de maus bofes (Selton Mello) à procura da chave, farejam algo maior. Como justiceiros mirins, decidem investigar do que se trata, revelando uma capacidade de dedução digna de Sherlock Holmes. Enquanto se arriscam saltando de trens de subúrbio em movimento e se desviando de balas pelos telhados das favelas, os meninos têm o apoio de um padre (Martin Sheen) e de uma missionária (Rooney Mara), ambos americanos — impressiona como tanto moradores da favela quanto funcionários e internos de um presídio são fluentes em inglês. São evidentes os ecos de Pixote, a Lei do Mais Fraco, Cidade de Deus e Tropa de Elite (é o personagem de Wagner Moura, em breve participação, quem dispara toda a ação). Mas a marginalidade apresentada no roteiro — assinado por Richard Curtis, de Quatro Casamentos e Um Funeral e Um Lugar Chamado Notting Hill — está mais para o exotique de cartão-postal. Daldry faz um filme-favela estilizado e sorridente, no qual há lugar até para a jornalista da CNN Christiane Amanpour, como emissária de boas-novas. Às vésperas da decisão de um processo eleitoral feroz no país, Trash pode ser encarado como uma mensagem otimista por paladares ingênuos, ou como pura provocação escapista pelos revoltados de sempre. Porém, mesmo como entretenimento despretensioso, deixa a desejar. MÁRIO MENDES 7#4 MEMÓRIA – MALANDRO DE PLANTÃO Pode-se dizer que o ator e diretor Hugo Carvana — morto no sábado 4, em decorrência de um câncer no pulmão, no Rio de Janeiro — angariou fama ao se especializar em um único personagem: o malandro carioca, divertido, fanfarrão, malicioso, mulherengo e amigo de um bom trago — ou vários. Ele o encarnou pela primeira vez em 1970, na comédia O Capitão Bandeira contra o Dr. Moura Brasil, de Antônio Calmon, e a partir de então o transformou em seu, principalmente nos filmes mais famosos que dirigiu, Se Segura, Malandro, de 1978, e Vai Trabalhar, Vagabundo!, de 1973, que mereceu uma continuação em 1991. Sem falar que muito dessa malandragem foi usada no personagem mais célebre que interpretou na TV, o repórter Valdomiro Pena, do seriado Plantão de Polícia, exibido pela Rede Globo entre 1979 e 1981. Nascido em Lins de Vasconcelos, subúrbio do Rio — filho de uma costureira e um comandante da Marinha Mercante —, Carvana começou a carreira no cinema nos anos 1950, trabalhando inicialmente como figurante nas chanchadas da Atlântida. Na década seguinte participou ativamente do cinema novo, aluando sob a direção de Glauber Rocha, Ruy Guerra, Caca Diegues e Joaquim Pedro de Andrade, em filmes emblemáticos como Terra em Transe e Macunaíma. Dirigiu sete fitas — entre elas Bar Esperança, o Último que Fecha e O Homem Nu —, todas comédias, pois dizia que o humor era sua devoção. Se era malandro no cinema, na TV interpretou vários políticos e empresários, como na telenovela Celebridade (2003), na qual o assassinato de seu personagem rendeu um chamariz de audiência — "Quem matou Lineu Vasconcelos?", todos perguntavam. A última atuação de Carvana foi no ano passado, no filme Giovanni Improtta, dirigido por José Wilker. Em uma de suas entrevistas recentes, declarou: "Em meu trabalho, sempre busquei a simplicidade do gesto do homem brasileiro". MÁRIO MENDES 7#5 VEJA RECOMENDA DVD A PRIMEIRA GUERRA NO CINEMA (ESTADOS UNIDOS/FRANÇA/INGLATERRA/ALEMANHA, 1925-1964. VERSÁTIL) • Enquanto a II Guerra continua a dar assunto ao cinema, existem bem menos filmes dedicados ao primeiro conflito mundial, iniciado há 100 anos e encerrado em 1918. Esta caixa reúne seis títulos, entre obras-primas e pérolas esquecidas, produzidos em um período de quarenta anos e realizados por cineastas de três países envolvidos na hecatombe. Da França vieram Cruzes de Madeira (1933) e A Grande Ilusão (1937), clássico de Jean Renoir que examina as relações entre soldados franceses e seus captores alemães em um campo de prisioneiros — um embate liderado pelos monstros sagrados Jean Gabin e Erich von Stroheim. De Hollywood são o romântico Adeus às Armas (1932), de Frank Borzage, baseado no livro de Ernest Hemingway, e o épico mudo O Grande Desfile (1925), de King Vidor. O americano Joseph Losey rodou O Rei e o Cidadão (1964) na Inglaterra, embalado pela atmosfera pacifista dos anos 60. E o pouco conhecido Guerra, Flagelo de Deus (1930), filme-denúncia do alemão George W. Pabst, conserva intacto seu clima perturbador. Todos os títulos foram restaurados digitalmente. EXPOSIÇÃO FLIEG FOTÓGRAFO (ATÉ 22 DE FEVEREIRO DE 2015 NO MAC USP IBIRAPUERA, EM SÃO PAULO) • O alemão Hans Gunter Flieg chegou ao Brasil em 1939 trazendo na bagagem duas câmeras — uma Leica e uma Linhof — e exemplares da revista americana Life, sua principal fonte de inspiração. E fez a crônica visual da produção industrial e cultural brasileira entre os anos 1940 e 1980. Com olhar agudo e precisão técnica, registrou um período de modernização de São Paulo. A serviço de grandes empresas e agências de publicidade, Flieg acompanhou as transformações do design, da arquitetura e da arte. Documentou a 1ª Bienal e a construção do prédio do Masp. As imagens fazem parte do acervo do Instituto Moreira Salles — que lançou o livro Flieg para acompanhar a mostra — e, segundo o curador Sérgio Burgi, "mostram o êxtase das coisas em uma sociedade industrial". Em meio a essa estética austera, surgem momentos espontâneos, quando o fotógrafo retrata operários, transeuntes e amigos na cidade que adotou e onde vive, aos 90 anos. DISCOS ROYAL BLOOD (WARNER) • A guitarra é um instrumento essencial ao rock? Nos anos 1990, o Morphine, grupo liderado pelo cantor e baixista Mark Sandman, provou que não ao substituí-la pelo baixo distorcido e pelo saxofone. No rock pesado do Royal Blood, formado pelo baterista Ben Thatcher e pelo baixista e vocalista Mike Kerr, a guitarra tampouco faz falta — o baixo de Kerr, empapuçado de pedais de efeito, toma a frente. O álbum da dupla foi gravado praticamente ao vivo, com pouquíssimos acréscimos de estúdio. É para ouvir no volume máximo, principalmente faixas como Out of the Black e Loose Change. A formação em duo convida a comparações com The White Stripes e The Black Keys, bandas que também adotaram o formato econômico (nos dois casos, guitarra e bateria). Mas, ao contrário dos batuqueiros medíocres das outras duas bandas, Thatcher é bom de braço, como se pode constatar em Blood Hands. SMOKEY & FRIENDS, SMOKEY ROBINSON (UNIVERSAL) • Smokey Robinson já foi chamado de "o maior poeta vivo da América" por ninguém menos que Bob Dylan. Com voz de tenor, intacta do alto de seus 74 anos, ele canta o amor e a desilusão de maneira simples, direta, mas com referências culturais raras entre seus contemporâneos (Tears of a Clown, por exemplo, foi inspirada em Pagliacci, ópera de Ruggero Leoncavallo). Smokey & Friends, como o título indica, traz encontros do cantor e compositor da Motown com artistas de várias gerações. Os veteranos se saem melhor: Elton John canta e toca lindamente o piano em The Tracks of My Tears; Steven Tyler rasga a voz em You Really Got a Hold on Me; e James Taylor transforma em blues a outrora agitada Ain’t That Peculiar (já gravada por Marvin Gaye). No time dos mais jovens, John Legend mostra por que Quiet Storm ajudou a formatar o R&B moderno, e o trio formado pelos cantores Miguel, Aloé Blacc e JC Chasez entrega uma belíssima versão a capela de My Girl — uma homenagem tão bonita que até permite que se perdoem os fiascos de Jessie J. e Sheryl Crow neste disco. OS MAIS VENDIDOS VEJA • Em 2000, ao se tornar o primeiro tenista brasileiro a alcançar a liderança do ranking profissional, Gustavo Kuerten ouviu um enigmático vaticínio no aperto de mãos depois da partida. "Parabéns, merecido. Aproveita que passa rápido", disse seu adversário na final da Masters Cup disputada em Lisboa, o americano André Agassi. O diálogo é relatado em sua autobiografia, Guga — Um Brasileiro (Sextante; 384 páginas; 39,90 reais), segundo lugar entre os mais vendidos de não ficção. A trajetória de Guga pelas quadras ao redor do globo seria, de fato, tão brilhante quanto efémera. Do primeiro título, conquistado "sem querer" (palavras dele) em 1997, em Roland Garros, à consagração com o tricampeonato no Grand Slam francês, em 2001, foram apenas quatro anos. No relato registrado pelo jornalista Luís Colombini, Guga faz, à sua maneira, uma retrospectiva da carreira, desde os primeiros passos, em Florianópolis. Não há revelações bombásticas, mas a narrativa das partidas permite viver os lances mais emocionantes como que dentro da cabeça do tenista. ALEXANDRE SALVADOR 7#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- Se Eu Ficar. Gayle Forman. Novo Conceito 2- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA 3- o Sangue do Olimpo. Rick Riordan. INTRÍNSECA 4- O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 5- Eternidade por um Fio. Ken Follet. ARQUEIRO 6- Maze Runner – Correr ou Morrer. James Dashner. VERGARA & RIBA 7- Quem É Você Alasca? . John Green. WMF MARTINS FONTES 8- Divergente. Veronica Roth. ROCCO 9- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA 10- Felicidade Roubada. Augusto Cury. SARAIVA NÃO FICÇÃO 1- Aparecida. Rodrigo Alvarez. GLOBO 2- Guga — Um Brasileiro. Gustavo Kuerken. SEXTANTE 3- Getúlio 1945-1954. Lira Neto. COMPANHIA DAS LETRAS 4- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 5- Sonho Grande. Cristiane Corrêa. PRIMEIRA PESSOA 6- Mentes Consumistas. Ana Beatriz Barbosa Silva. PRINCIPIUM 7- Zero Zero Zero. Roberto Saviano. COMPANHIA DAS LETRAS 8- O Livro da Psicologia. Nigel Benson. GLOBO 9- Daniel – Minha Estrada. Daniel. BENVIRÁ 10- Do Outro Lado. Mary Del Priore. PLANETA AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 3- De Volta ao Mosteiro. James Hunter. SEXTANTE 4- As Regras de Ouro dos Casais Saudáveis. Augusto Cury. ACADEMIA DE INTELIGÊNCIA 5- O Poder do Perdão. Janise Beaumont. GENTE 6- Sonhos Não Têm Limites. Ignácio de Loyola Brandão. GENTE 7- Sonhos Não Têm Limites. Ignácio de Loyola Brandão. GENTE 8- Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros. Augusto Cury. SARAIVA 9- Casamento Blindado. Renato e Cristiane Cardoso. THOMAS NELSON BRASIL 10- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 7#7 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – SOBRE REELEIÇÃO, FILHOTISMO ETC. O projeto de fim da reeleição e coincidência de mandato de cinco anos para todos os cargos eletivos, defendido por Aécio Neves, antes piora do que melhora o modelo atual. Bem ou mal, a ocorrência de uma eleição sempre convida o eleitor a pensar no processo político e a participar dele. É o que ocorre hoje a cada dois anos. Uma distância de cinco anos entre uma eleição e outra gera uma longa desmobilização e tem tudo para multiplicar o já alto grau de desinformação e desinteresse do eleitorado brasileiro. Problemática é também a fixação dos cinco anos de duração para todos os mandatos, inclusive os legislativos. Isso significa que o senador teria mandato igual ao do deputado, ao contrário do que sempre ocorreu no Brasil e ocorre nos melhores modelos mundo afora. Senado é lugar dos seniores, da prudência e da moderação, portanto do vagar e da ponderação, e para o bom exercício de tais características entende-se como boa regra a duração mais longa dos mandatos. O próprio propósito de acabar com a reeleição é questionável. A experiência da reeleição é muito nova no Brasil para já ser descartada. Mais interessante, uma vez que seguimos o modelo do presidencialismo americano, seria copiá-lo direito e proibir a candidatura a mais de dois mandatos. Atualmente, mesmo que não se possa concorrer a uma segunda reeleição, pode-se voltar a concorrer, cumprido o intervalo do mandato subsequente. O resultado é a figura do eterno candidato, desde que não seja a três mandatos seguidos. Lula poderia ter sido candidato desta vez e não foi, mas desde já é candidato à próxima. O mesmo quadro se repete nos estados, onde pululam os eternos potenciais candidatos a governador, com a nociva consequência de perpetuar o coronelismo. A limitação a duas vezes do direito de candidatar-se ao mesmo cargo executivo seria poderoso estímulo a fazer a fila andar. E fazer a fila andar é condição para a alternância no poder e a renovação de quadros inerentes aos bons modelos de democracia. Filhotismo e, digamos, mulherismo são outros fatores que emperram a fila. O "filhotismo", expressão usada desde o Império, e devidamente dicionarizada, elegeu o governador de Alagoas, Renan Filho, rebento do presidente do Senado, Renan Carneiros, encarnou-se em Lobão Filho, candidato derrotado no Maranhão, e multiplicou-se com abundância nas candidaturas aos legislativos. Contra ele não há remédio institucional à vista. Mas contra o mulherismo, a prática dos candidatos fichas-sujas de substituir a própria candidatura pela da mulher, há — seria banido por uma lei que proibisse a substituição do ficha-suja por um parente. As eleições para os governos de Mato Grosso e Roraima tiveram madames fichas-sujas concorrendo neste ano. Em Brasília, a mulher de José Roberto Arruda é candidata a vice na chapa de Jofran Frejat, classificada para o segundo turno. Nunca antes neste país enfrentaram-se com chances iguais de vencer numa eleição presidencial dois candidatos do mesmo estado. Desta vez vai ser mineira contra mineiro. Se Minas Gerais quer consolidar sua liderança no elenco dos presidentes brasileiros, deve votar em Aécio Neves. Mineiros que efetivamente ocuparam a Presidência, de Afonso Penna a Dilma Rousseff, e incluindo Itamar Franco, que nasceu num navio, na costa da Bahia, são sete. Se a eles se acrescentam, como faz o site da Presidência da República (www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes), Tancredo Neves, que não assumiu, e Carlos Luz, que governou por quatro dias, chegam a nove. Paulistas de nascimento são cinco, incluindo-se, também como o site da Presidência, Júlio Prestes, que não assumiu, e Ranieri Mazzilli, interino duas vezes. São Paulo só empata se considerarmos os que, nascendo em outros estados, ali cresceram e fizeram carreira, caso de Washington Luís, Jânio, FHC e Lula. O Rio de Janeiro chega a sete se levarmos em conta os "paulistas" Washington Luís e FHC, o "alagoano" Collor e os almirantes Isaías de Noronha e Augusto Rademaker, membros de funestas juntas militares. E o Rio Grande do Sul chega aos mesmos sete com sua portentosa trupe de generais, de Hermes da Fonseca a Geisel, incluindo Menna Barreto, outro membro de junta. Minas chegará a dez presidentes com Aécio. Com Dilma não sai do lugar porque ela já entrou na conta.