0# CAPA 11.6.14 VEJA www.veja.com Editora ABRIL edição 2377 – ano 47 – nº 24 11 de junho de 2014 [descrição da imagem: letra A, grande em maiúscula e ao preenchendo a letra aparecem fotos, em preto e branco, de 1950. Algumas destas fotos são – Carmem Miranda, Gonzaga, Bibi Ferreira, Seleção de futebol de 1950, Kombi e outras. Ao lado da letra A está a letra Z, também em maiúscula com fotos, coloridas, preenchendo a letra, de 2014. Algumas dessas fotos são - Bibi Ferreira, Dilma Roussef, Seleção de futebol atual, Neymar e outras.] O BRASIL MODERNO QUE NASCEU ENTRE AS DUAS COPAS [parte superior da capa] EXCLUSIVO Da investigação do cérebro do campeão, a verdade sobre o boxe e a saúde GRÁTIS 100 páginas Guia da Copa ______________________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# INTERNACIONAL 5# GERAL 6# GUIA 7# ARTES E ESPETÁCULOS _________________________________ 1# SEÇÕES 11.6.14 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – “TODO O PODER AOS SOVIETES” 1#3 ENTREVISTA – THOMAS PIKETTY – É POSSÍVEL CORRIGIR O RUMO 1#4 MAÍLSON DA NÓBREGA – CARGA TRIBUTÁRIA, CENTRALIZAÇÃO E SERVIÇOS PÚBLICOS 1#5 LEITOR 1#6 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM NOSSA PRIMEIRA COPA A reportagem de capa de VEJA desta semana contrasta o Brasil da primeira Copa do Mundo realizada no país, em 1950, com o Brasil de hoje. Reportagem em VEJA.com acrescenta um elemento a essa comparação ao expor o conteúdo dos arquivos da Fifa. Os documentos consultados em Zurique, na Suíça, mostram muitas semelhanças entre as dificuldades enfrentadas agora e há 64 anos: improviso, obras finalizadas em cima da hora, muita negociação com a entidade que comanda o futebol mundial e o recurso, ontem como hoje, ao jeitinho brasileiro. O ATRASO DA ANVISA A Anvisa adiou o debate sobre a reclassificação do canabidiol, composto derivado da maconha que pode ajudar pacientes com convulsões frequentes. Mesmo que deixe de ser uma substância proibida, o canabidiol terá de entrar na fila da análise de registro de novos medicamentos da agência - processo que, hoje, leva em média 512 dias. Reportagem no site de VEJA traz uma lista de tratamentos inovadores utilizados no exterior que ainda não foram aprovados no Brasil, e mostra quanto o brasileiro perde com a burocracia. MARATONA DO ENEM Que tal manter a forma durante a Copa estudando uma hora por dia? A parceria entre VEJA.com e a startup AppProva vai oferecer simulados breves durante as quatro semanas de realização do Mundial: os testes vão apresentar questões das quatro áreas da prova na medida certa para quem quer acompanhar os jogos, curtir as férias e manter-se afiado para o exame de novembro. "Ao final, o estudante terá um diagnóstico de desempenho, com seus pontos fortes e fracos", diz Matheus Goyás, diretor de estratégia do AppProva. A Maratona começa na sexta-feira. Acesse: veja.com/appprova. IRMÃOS MOURA Ex-assaltante e ex-presidiáno, o deputado estadual Luiz Moura (PT) foi flagrado em reunião com membros da facção criminosa PCC. Seu irmão, o vereador Senival, também do PT, empregou um assessor que responde por receptação de cargas na SPTrans, controlada pelo secretário munícipe dos Transportes, Jilmar Tatto. Reportagem do site de VEJA mostra como os irmãos Moura montaram uma base política estratégica para o partido na Zona Leste de São Paulo, comandando cooperativas de transporte público que mantém perigosa ligação com o mundo do crime. 1#2 CARTA AO LEITOR – “TODO O PODER AOS SOVIETES” Uma reportagem desta edição de VEJA revela como Henrique Alves, presidente da Câmara dos Deputados, está se virando para lidar com o mais ousado e direto ataque à democracia representativa em dez anos de poder petista no Brasil, o decreto nº 8243, que cria a "Política Nacional de Participação Social" e o "Sistema Nacional de Participação Social". Um grande perigo se esconde sob essas denominações inofensivas. Alves poderia ter submetido uma proposta de anulação do monstrengo a votação em regime de urgência. Temeroso, porém, de se indispor com o Executivo e perder o apoio que Dilma Rousseff lhe prometeu na campanha eleitoral no Rio Grande do Norte, optou pela via do convencimento. Alves vai tentar persuadir o governo a voltar atrás em sua ruinosa iniciativa. É melhor para o Brasil que tenha êxito. O decreto recebeu a condenação pública de dezenas de juristas. Até mesmo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), sempre obediente aos desígnios do PT, se insurgiu contra a peça enviada ao Congresso. Com ela, o governo propõe que "todos os órgãos da administração pública direta ou indireta" tenham em suas instâncias decisivas conselhos formados por integrantes da "sociedade civil". Ou seja, os ministérios, as estatais, as agências reguladoras, as prefeituras, os órgãos policiais e até as Forças Armadas deverão ter conselhos formados por "cidadãos, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações". Aqui, mais uma vez, a falsa inocência disfarça a estratégia de entregar o comando da máquina do Estado ao que os ideólogos de esquerda chamam de "movimentos sociais", grupos atrelados principalmente ao PT, a cuja ideologia servem e a cujas ordens obedecem. Se o decreto passar, sem terem recebido um único voto nas urnas, o MST ganhará o direito de exigir assento no Alto-Comando do Exército, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) de questionar se a Itaipu pode continuar gerando energia ou se deve começar a se dedicar à produção de flechas; já as medievais Ligas Camponesas vão palpitar nas linhas de pesquisa da Embrapa. É dessa aberração que se trata. Novidade no Brasil, esse golpe mortal nas instituições é manobra consagrada nos nossos infelizes vizinhos caídos nas garras dos ditadores bolivarianos. Basta um pouco de conhecimento histórico para perceber a raiz oblíqua do decreto. É uma tentativa canhestra de imitar a União Soviética, que, como o próprio nome informa, se organizou como um conjunto de conselhos, ou sovietes, em russo. A palavra de ordem propagada por Lenin, líder da facção bolchevique (que, aliás, significa Campo Majoritário, a denominação escolhida pelo grupo comandado por José Dirceu no PT), era "Todo o poder aos sovietes". Foi a senha para que os comunistas esmagassem as instituições e conquistassem o poder total — ou a hegemonia, palavra que, não por acaso, aparece em quase todos os documentos do PT. Que os radicais façam das suas no PT, não é novidade. A perplexidade vem do fato de Dilma ter assinado um decreto que contraria frontalmente sua pregação e, sobretudo, sua atuação democrática como presidente. A única explicação plausível é que ela se viu obrigada a trair suas convicções e ceder à pressão daqueles que nada esqueceram e nada aprenderam. 1#3 ENTREVISTA – THOMAS PIKETTY – É POSSÍVEL CORRIGIR O RUMO O economista francês que se tornou célebre com um livro sobre a desigualdade diz que os governos têm de agir para diminuir o abismo entre pobres e ricos mas não prega a revolução. ANA CLARA COSTA, DE PARIS Desde os tempos do britânico John Maynard Keynes, um dos maiores pensadores econômicos do século XX, o trabalho de um economista não despertava debates tão acirrados quanto O Capital no Século XXI, do francês Thomas Piketty (que será lançado pela Editora Intrínseca no Brasil em novembro). O livro traz um apanhado histórico da evolução da riqueza e da desigualdade nas sociedades capitalistas e propõe remédios para os males que enxerga — como a adoção de um imposto progressivo de até 80% sobre o patrimônio dos mais ricos. Piketty rapidamente se tornou vedete de ganhadores do Nobel alinhados à esquerda, como Paul Krugman e Joseph Stiglitz, mas também viu a consistência dos dados que embasam seu livro ser duramente contestada — por exemplo, numa longa investigação do jornal britânico Financial Times. Em entrevista a VEJA concedida em seu escritório na Escola de Economia de Paris, onde leciona, Piketty defendeu sua pesquisa e procurou se dissociar de qualquer campo político. Diz ele: "Fui beneficiado por pertencer a uma geração que tem acesso mais fácil aos dados devido à tecnologia e que não é movida necessariamente pela ideologia". O senhor dedicou toda a sua carreira à pesquisa sobre a desigualdade. Por que o tema o atrai tanto? A divisão da riqueza sempre foi um tema central para a política e a economia. Contudo, minha motivação foi perceber que um tema tão interessante tinha tão poucos dados disponíveis para pesquisa. Pouquíssimas pessoas estudaram a desigualdade do ponto de vista histórico. O debate sempre existiu, mas sem muitos dados que o embasassem. Ninguém havia feito uma pesquisa completa nos arquivos fiscais de diferentes países para analisar a evolução da desigualdade no mundo, por exemplo. Parecia ser um trabalho histórico demais para os economistas e econômico demais para os historiadores. A originalidade da minha pesquisa está justamente em juntar essas perspectivas e contar a história desse dinheiro ao longo dos últimos séculos. Fui beneficiado por pertencer a uma geração que tem acesso mais fácil aos dados devido à tecnologia e que não é movida necessariamente pela ideologia. No tom e nas propostas, como a de taxação da riqueza, semelhante à encampada pelo presidente francês Francois Hollande há algum tempo, o senhor parece bastante alinhado com o socialismo francês. Faço parte de uma geração pós-Guerra Fria. Tinha 18 anos quando o Muro de Berlim caiu. Nunca fui tentado pelo comunismo. Durante a Guerra Fria era difícil avançar no debate sobre o tema, porque havia um embate político muito forte entre os dois blocos. O recuo temporal de hoje, aliado aos dados mais acessíveis, nos permite retomar este que foi um dos grandes debates do século XIX, a saber, o debate sobre a desigualdade no capitalismo. O senhor acredita que o capitalismo é um sistema que precisa ser superado? Eu acredito no capitalismo, no livre mercado e na propriedade privada, não apenas como origem de eficácia e crescimento, mas também como elemento de liberdade individual. Sou muito positivo quanto a isso. Mas vejo que há um risco se não mostrarmos que existem formas de repartir os ganhos da globalização de forma mais equilibrada. Para que o processo virtuoso do capitalismo continue, é preciso que todos se beneficiem. Caso contrário, surgem tentações como as que assombram a Europa de hoje. Quando não conseguimos resolver nossos problemas domésticos e sociais, procuramos um culpado, que pode ser o imigrante, a Alemanha, a China, o Brasil. O jornal britânico Financial Times publicou uma reportagem que contradiz a base de sua pesquisa histórica, que é justamente o aumento da desigualdade desde 1970. Sua base de dados é inconsistente? De forma alguma. Serei bem claro sobre isso. Não há nenhum erro na minha pesquisa. É claro que ela pode ser melhorada. É por isso que tudo foi colocado na internet. Mas o ponto é que as pequenas correções feitas pelo Financial Times, com as quais eu não concordo, têm impacto mínimo no resultado geral. No caso dos dados sobre o aumento da desigualdade nos Estados Unidos, a pesquisa mais recente dos economistas Emmanuel Saez e Gabriel Zucman, da Universidade da Califórnia, reforça meu estudo. No caso da Grã-Bretanha, outro foco de críticas do jornal, é óbvio que pesquisas que são baseadas em declarações entregues pelos próprios contribuintes não mostram um quadro fiel sobre o aumento da renda em nenhum lugar do mundo, ao contrário do que afirma o jornal. É um fato: todos os rankings de riqueza indicam que os mais ricos estão cada vez mais ricos, e cada vez mais rápido. O que não é errado. É apenas um fato que o jornal quer ignorar. Eu acho que eles estão com medo do meu livro, mas deveriam estar com medo do aumento da desigualdade. O senhor discorda de que o crescimento econômico, e não as medidas redistributivas criadas por lei, seja a ferramenta primordial para melhorar a vida das pessoas? De forma alguma acredito que o crescimento da riqueza seja algo inútil. Para os países emergentes, como o Brasil, o crescimento é a chave do desenvolvimento e da melhora da qualidade de vida. Ele é fundamental, mas não suficiente. É preciso refletir sobre a desigualdade. O que observamos nos países ricos é que a riqueza do topo da pirâmide, ou seja, da parcela de 1% da população, avança três vezes mais rápido que o crescimento do produto interno bruto (PIB). E isso, eventualmente, vai acontecer com os emergentes também. Até onde isso irá? Eu não sei. Não posso ter certeza das taxas de crescimento econômico dos anos que virão. Se os países ricos conseguirem crescer mais de 4% ao ano, por exemplo, a desigualdade tende a se equilibrar. Mas não há evidências de que isso deva ocorrer. Então é melhor termos outro plano caso essa taxa de crescimento não ocorra. O que eu digo no livro é que será preciso transparência sobre a renda e a riqueza dos indivíduos. Isso servirá para que possamos produzir informações sobre a evolução do nível de renda e do patrimônio e, em consequência, fortalecer nossa democracia, para que ela disponha de mais dados sobre ela mesma. A base para sua tese sobre a desigualdade é a relação r>g, segundo a qual a renda sobre o capital (r) é sempre maior que o crescimento econômico (g). Por que, para sua tese, é tão vital relacionar essas duas variáveis, uma microeconômica e outra macro? São duas variáveis certamente de natureza distinta. Mas a comparação entre r e g é importante, porque uma diferença muito grande entre elas significa que a desigualdade inicial de riqueza tende a se ampliar a ponto de ameaçar a estabilidade em muitos países. A ideia de comparar essas duas variáveis não é novidade. Quando se abre um romance do francês Balzac, que viveu na primeira metade do século XIX, um período de crescimento nulo e retorno sobre o capital de 4% a 5% ao ano, essa preocupação está muito clara. Essa relação é, inclusive, a base da sociedade tradicional, pois permite que um grande proprietário viva da renda de seu patrimônio. Um ponto crucial do livro é mostrar que a industrialização não mudou fundamentalmente essa dinâmica. Mesmo que tenhamos passado de um mundo de crescimento zero para um mundo de crescimento positivo, a longo prazo a produtividade não se mostrou tão alta assim, foi de 1% ou 2% ao ano. Uma taxa de crescimento de 4% só é possível para países ainda em desenvolvimento. Em países que já estão na dianteira do avanço tecnológico, um crescimento de 4% ao ano parece improvável. Seria necessário um salto inaudito de produtividade. Ou talvez um choque, como uma guerra mundial que leve a um longo processo de reconstrução. Suponho que não queremos isso. Em vez de depender de um milagre de crescimento, deveríamos nos acostumar a viver com um crescimento positivo mas limitado e pensar no que mais somos capazes de fazer. O senhor propõe uma taxação progressiva de até 80%. O Estado já não abocanha uma fatia grande demais da riqueza produzida por empresas e indivíduos? Certamente. Por isso, minha proposta para a Europa é, na verdade, reduzir os impostos para a classe média e aumentá-los para os maiores patrimônios. O problema na Europa é que a concorrência fiscal entre os países faz com que as grandes empresas paguem muito pouco imposto em comparação às pequenas e médias. Por outro lado, aumentam-se as taxas sobre os salários, ou o IVA, que é o imposto sobre o consumo. Então, o problema não é aumentar os impostos, e sim reparti-los melhor. Por exemplo, o principal tributo sobre o patrimônio nos Estados Unidos e na Europa é o imposto proporcional sobre o valor dos imóveis. Eu não proponho aumentá-lo, mas transformá-lo num imposto progressivo sobre o patrimônio líquido. Se um indivíduo tem um apartamento que vale 300.000 euros, mas foi financiado em 290.000 euros, sua riqueza líquida sobre esse bem é de 10.000 euros. Hoje, esse indivíduo paga o mesmo imposto que aquele que não tem financiamento, herdou seu apartamento ou tem várias casas e uma ampla carteira de investimentos. Eu proponho mudar essa lógica. Para aumentar tributos, é preciso que a população confie no Estado como gestor. Como essa proposta se sustenta se essa confiança está cada vez menor? Tem razão. Uma das complicações nos países ricos é que, ao mesmo tempo em que há um questionamento sobre a desregulamentação, há um questionamento sobre o papel do Estado. A desconfiança é totalmente justificável. Nos países ricos hoje, quando temos 40% ou 50% do PIB em carga tributária, não dá para aumentar mais. Mas há outras formas de perseguir o mesmo objetivo. Uma delas é permitir um pouco de inflação, o que traz riscos enormes. A outra é pôr em prática o imposto progressivo sobre o patrimônio, que atinge de forma concentrada a camada mais alta da população e, ao mesmo tempo, protege a classe média. Medidas como essa não desencorajam o empreendedorismo? Por que se arriscar em um empreendimento quando se sabe de antemão que seus frutos serão duramente taxados? Não se trata de "cortar a cabeça" dos ricos ou interditar o enriquecimento. É crucial que um país tenha empreendedores, ricos, classe média e pobres. Não há nenhum problema nisso. Mas precisamos assegurar que a riqueza dos diferentes grupos cresça num ritmo minimamente coerente. Não precisa ser exatamente o mesmo ritmo, mas, se a riqueza das classes mais altas cresce três ou quatro vezes mais que as outras, há um desequilíbrio. É preciso que as instituições democráticas e fiscais ajudem a retomar o equilíbrio desse crescimento. Mas a taxação não é a única saída. A meu ver, aliás, a educação é e continuará sendo a maior força de redução da desigualdade. O senhor trata executivos com altos salários como vilões da desigualdade. Salários altos são pagos para atrair gente capaz e talentosa. Há algo errado com a meritocracia? As desigualdade salariais são fundadas na lógica do mérito e da produtividade. O problema é que o aumento dos salários dos grandes executivos pode ser justificado por muitos indicadores, menos pelas estatísticas de produtividade das empresas. Nos Estados Unidos, quando se comparam empresas que pagam a seus executivos 10 ou 50 milhões de salário anual com empresas que pagam muito menos, não se verifica que as empresas que pagam mais bônus cresceram mais. Então, esse discurso precisa ser visto com cautela. Mas é certo que a meritocracia é melhor que os sistemas do passado. Ela permite que as pessoas consigam construir um patrimônio sem que tenham sido beneficiadas por uma herança. O problema é que o ideal da meritocracia foi, em muitos casos, deturpado. O Brasil dificulta o acesso a dados e ficou fora de sua pesquisa. Algo mudou depois da publicação do livro? O Brasil foi o país em que tivemos mais dificuldades, e, por enquanto, continuamos sem dados significativos. É uma pena, porque foi um dos países que mais conseguiram, nos últimos anos, conciliar crescimento e redistribuição de renda. Mas as conversas avançam. Não se pode ter medo da transparência, da democracia. Espero, em breve, ter o Brasil em nossa base de dados. 1#4 MAÍLSON DA NÓBREGA – CARGA TRIBUTÁRIA, CENTRALIZAÇÃO E SERVIÇOS PÚBLICOS Nos últimos 25 anos, a carga tributária saltou de 22,2% para 36,3% do PIB, e por isso há tempos se demanda uma reforma para reduzi-la. Tem aumentado a sensação de piora dos serviços públicos, o que justifica a demanda em favor de sua melhora, como nas manifestações que pediam escolas e hospitais de "padrão Fifa". Uma terceira demanda, menos conhecida, é a da descentralização de receitas em prol dos governos subnacionais sob um novo pacto federativo. Há verdades e inverdades em tudo isso. As verdades estão no aumento da carga tributária e na piora dos serviços públicos. Basta utilizar estradas, portos e aeroportos para se convencer da deterioração. As inverdades nascem do desconhecimento da origem da elevação da carga tributária, localizada basicamente no aumento dos gastos sociais. A sociedade apoia a ampliação dos benefícios, mas poucos percebem o seu custo, qual seja a explosão da despesa pública e, assim, da carga tributária. O Brasil se tornou um país de transferências sociais, que são benefícios para aposentados, pensionistas e destinatários de programas como o Bolsa Família. Estudo recente de Mansueto Almeida, um dos nossos melhores especialistas na área, mostra que, nos últimos quinze anos, tais benefícios responderam por 82% do crescimento dos gastos não financeiros da União como proporção do PIB. Se considerados os programas de educação e saúde, chega-se a 93%. Logo depois da Constituição de 1988, que é a grande responsável por esse processo, os gastos não financeiros da União alcançavam cerca de 10% do PIB. Subiram para quase 19% em 2013, quando os programas sociais equivaliam a 62,7% dos mesmos gastos. Há quem pense que a carga tributária aumentou por causa dos gastos correntes, mas eles caíram 31,5% nos últimos quinze anos relativamente às despesas financeiras da União como proporção do PIB. Os 39 ministérios são uma extravagância, mas não haverá queda relevante da despesa se forem reduzidos, embora seja preciso diminuir seu número para melhorar a gestão e combater ineficiências, fisiologismo e corrupção. Na verdade, o brutal aumento da despesa dos últimos anos se deve muito mais à opção por um padrão europeu de gastos sociais, sem dispormos de condições similares de renda e riqueza. É perda de tempo, pois, lutar por uma redução da carga tributária sem antes enfrentar a questão desses gastos, pelo menos para estancar sua insustentável expansão. Será preciso rever a política de reajustes reais do salário mínimo, que impacta metade dos gastos do INSS e a maioria das transferências. Quanto aos serviços públicos, uma redução drástica das indicações políticas e a privatização competente dos serviços de transportes contribuiriam para melhorar sua qualidade. A demanda por descentralização da receita tem rala justificativa. Seria preciso também descentralizar a despesa, mas nem sempre os serviços podem ser mais bem prestados localmente. O Bolsa Família fica melhor sob gestão da União do que pulverizado em mais de 5000 municípios. O mesmo se dirá da Previdência, que representa perto de 40% das despesas não financeiras da União, e não há lógica alguma em transferi-la para estados ou municípios. Não há como transferir responsabilidades típicas da União como estabilidade da moeda, preservação da concorrência, comércio exterior, defesa, entre outras. Com quem ficaria a atual dívida federal? A ideia de descentralizar é boa em tese, mas fora da realidade. No campo tributário, a rigidez do gasto impede a redução da carga. Consideradas todas as despesas, inclusive as de pessoal e as financeiras, a União despende obrigatoriamente cerca de 90% das receitas. Daí a redução dos investimentos federais dos últimos anos. O foco terá de ser a simplificação do sistema tributário, que abrangeria a substituição dos atuais tributos sobre o consumo, incluindo o ICMS, por um imposto sobre o valor agregado (IVA) nacional, como sucede nos mais de 150 países que adotam essa forma de tributação. O sistema tributário é provavelmente a maior fonte de ineficiência da economia brasileira. Precisamos mudar o foco das demandas e eleger líderes capazes de promover as reformas. 1#5 LEITOR JOAQUIM BARBOSA O Brasil perde com a precoce aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa ("O Brasil precisa de exemplos", 4 de junho). A honestidade, o senso de justiça e a sua coragem foram importantes para que o povo brasileiro pudesse entender o que se espera de um verdadeiro juiz de direito. Chegamos a um ponto na nossa história em que ser honesto virou exceção em nossos poderes; por isso, quando encontramos pessoas assim, temos de venerá-las. Por um tempo, achei que o Brasil iria mudar, mas fui percebendo que não se consegue fazer nada sozinho. Hoje, sou uma cidadã envergonhada por ser brasileira em um país que está sendo loteado por oportunistas que enriquecem com a desgraça alheia. Em tempo de manifestações sem direção, mas repletas de razões, rezo para que o povo brasileiro acorde antes que seja tarde demais. ADRIANA CURY MARDUY SEVERINI São Paulo, SP Muitos precisam esgotar o seu tempo para mostrar a que vêm. Outros até teriam de, quiçá, merecer um tempo extra, uma segunda vida. Alguns poucos, mesmo saindo no meio do jogo, são capazes de, em prazo tão exíguo, deixar transparecer o seu vulto, o seu valor. O ministro Joaquim Barbosa foi o nosso Davi negro, que sai de cena por ter se sentido incapaz de derrotar o Golias da impunidade que nos aniquila. ALEXANDRE ALDRICHI RAGONHA Limeira (SP), via tabtel Obrigada, excelência Joaquim Barbosa, o senhor nos deu por alguns anos a oportunidade e a honra de saborear o que é justiça. Chorei... Tenha um excelente, necessário e merecido descanso, amado amigo do Brasil. MARIA GUIMARÃES LOPES Brasília, DF Nós precisamos de mais pessoas com coragem para mudar as estruturas do poder. O futuro do Brasil depende de cada um de nós, e isso fica mais evidente com a proximidade das eleições. CORONEL CAMILO Vereador São Paulo, SP Pobre Brasil, cada vez mais órfão dos homens de bem. ANTÔNIO CARVALHO Cuiabá (MT), via tablet Joaquim Barbosa devolveu a venda à "musa do direito" ao horizontalizar a aplicação da lei. O maior desejo dos cidadãos de bem é que esse tipo de atitude se torne regra nas ações penais no Brasil. MERION CARVALHO PINHEIRO Brasília, DF E agora, Brasil? MARIA STELLA MACHADO BOTELHO DE SOUZA Piracicaba, SP Chegamos a ver a luz no túnel, que foi apagada com a aposentadoria prematura de Joaquim Barbosa. DENIS MELLO Goiânia (GO), via tablet Uma história de vida dessas só pode incomodar muitas pessoas, principalmente aquelas que não honraram dignamente o cargo que assumiram. SEVERINO COELHO VIANA João Pessoa, PB Joaquim Barbosa mostrou que é possível fazer a coisa certa. No entanto, em inúmeros casos, faltaram ao nobre ministro humildade, paciência e respeito para com seus pares. DIOGO LICURGO M. NUNES Natal, RN Com todo o respeito, o senhor Joaquim Barbosa não é herói, não salvou a pátria, não fez mais que o seu dever como servidor público do Judiciário, e, como ele próprio já disse, também não é exemplo de superação, mas alguém que soube aproveitar as oportunidades. GUSTAVO H. DE BRITO FREIRE Recife, PE Ao não querer compartilhar da mediocridade estabelecida pela atual composição no Supremo Tribunal Federal, o ministro Joaquim Barbosa nos deixa órfãos da Justiça e mais próximos do perfil traçado por outro Barbosa (Rui), em 1914: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto". É uma pena. JOSÉ CARLOS FERNANDES São Paulo, SP Tinham de implodi-lo! Lamentável para nós, mas sorte dele. Ministro Barbosa, cuide de sua saúde. Vossa excelência já fez sua parte, e muito benfeita. MARIA DE LOURDES BARBOSA DOS SANTOS Rio de Janeiro, RJ J.R. GUZZO No artigo "Agora, só rezando'' (4 de junho), J.R. Guzzo relatou de forma realista a vergonha que nós, brasileiros, passamos pela incompetência do governo petista. ODAIR LIMA DUARTE Campinas, SP A esmagadora maioria que vota no PT não lê revistas nem jornais, não assiste ao noticiário da TV, e assim embarca na cartilha de mentiras desse partido. Quando o PT deixar o poder, e um dia deixará, ficará uma herança que tornará quase impossível normalizar o Brasil. PEDRO D. FATTORI Caxias do Sul, RS Se, em vez de rolar a bola dos pés ricos, rolasse a bola da cabeça de craques educadores, trabalhadores do saber, teríamos — então sim! — um povo alegre, hospitaleiro, hospedeiro da modernidade, com equilíbrio socioambiental, com Justiça justa, prosperidade, paz. JOSÉ MARIA LEAL PAES Belém, PA Quem trouxe esta desastrada Copa para o Brasil o fez com objetivos populistas e eleitoreiros VALDEVINO L. DE CASTRO Taubaté, SP LYA LUFT O artigo "Devorando a Esfinge" (4 de junho), de Lya Luft, nos deixa a imaginar esfinges a devorar o Brasil. Não se iluda, senhora Luft, as esfinges vão continuar nos devorando, pois têm a anuência tácita dos desvalidos e desalentados que elas dizem proteger. AIRTON NORATO DE SOUZA Contagem, MG Nenhum rei Édipo vai surgir, em meio a tamanha exaustão, para nos salvar de tão trágico destino. ROSSANA MATNE VIECAS FERNANDES Recife, PE É possível acreditar num país em que não se acredita mais no homem? As instituições estão falidas; o crime organizado infiltrou-se de vez na política; a escola, com seu ensino placebo, não atinge nenhum resultado; os juízes dos tribunais rendem-se ao medo. GÉSNER BATISTA Rio Claro, SP LUXOS DE FIDEL CASTRO A excelente reportagem "A ilha do cara" (4 de junho) mostra para onde parte do nosso dinheiro está indo. Isso me faz retroceder a 1996, quando vi integrantes da segurança de magistrados cubanos pedir os pratos e as bebidas mais caros no restaurante do antigo Hotel Meridien, em Copacabana. Naquele momento, cada família cubana recebia migalhas de arroz, feijão e frango. Quanta hipocrisia... Infelizmente, há ainda muita gente que acredita em Fidel. LUIZ FELIPE SCHITTINI Rio de Janeiro, RJ Com certeza, alguns que se dizem admiradores do regime cubano pensam na vida "dura" de Fidel Castro, que em nada se parece com a realidade da população cubana que acaba pagando pela "ideologia" de seu "herói". Estamos no mesmo caminho? MARLO VINICIOS DUARTE LEMOS Joinville, SC É impressionante a vida nababesca de "revolucionários", sejam eles cubanos ou norte-coreanos, em contraste com a miséria de seu povo, e mesmo assim temos uma "esquerda caviar" que ainda ovaciona esses tiranos. O mais paradoxal é que nenhum desses iludidos se arrisca a buscar asilo por aquelas bandas. FÁBIO TORRES São Paulo (SP), via tablete LEI DE CLARKE Em mensagem a VEJA, o leitor Adams Von Zeidler observou que a definição "uma tecnologia tão convincente não se distingue da mágica", atribuída ao astrônomo americano Carl Sagan na reportagem "A carta, por favor?" (4 de junho), na verdade é do escritor britânico Arthur C. Clarke. Acrescentou Von Zeidler: "A citação 'uma tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de mágica' é conhecida como a terceira lei de Clarke, uma brincadeira com referência às três leis do físico inglês Isaac Newton e às três leis da robótica do escritor Isaac Asimov”. ÍNDIOS EM BRASÍLIA Interessante o posicionamento dos índios no contexto brasileiro. Quando lhes convém, cobram pedágio, alugam terras para a exploração ilegal de madeira, usam laptops e smartphones. Alegando questões culturais, sentem-se no direito de ameaçar qualquer cidadão com suas flechas e ocupam locais públicos ("Isso é progresso?", 4 de junho). Como fica a Constituição, que garante sermos todos iguais perante a lei? SUELY ROSSET Rio de Janeiro, RJ CARTA AO LEITOR A Carta ao Leitor "A farsa dos movimentos sociais" (4 de junho) disse tudo o que está entalado na garganta dos cidadãos honestos e éticos do Brasil. O caos social está mais do que instalado. Nunca se colocou tanto um grupo contra outro como nos dois últimos governos. Para onde caminha o Brasil? Essa pergunta é bem difícil de responder. Os lastimáveis e preocupantes acontecimentos que dia a dia são presenciados e noticiados deixam no ar um clima de guerra ainda não declarada. IVETE CASSIANI FUREGATTI Campinas, SP VEJA nos representa! Excelente o editorial "A farsa dos movimentos sociais". A mobilização popular organizada deve ser amplamente incentivada, mas a ingenuidade é imperdoável. Devemos estar atentos para não levantarmos bandeiras típicas dos aproveitadores de plantão ou postarmos mensagens "sou contra tudo", típicas do vandalismo politiqueiro. São ações que, ao engessar o raciocínio e cercear a coerência, inibem o sincero movimento de transformação, contribuindo tão somente para aterrorizar e manter a nociva passividade. Podemos torcer, vibrar e nos emocionar tendo, ao mesmo tempo, o discernimento e o bom-senso de questionar o que quer que seja, mas a posteriori, na ocasião mais oportuna — para o Brasil. Sem dúvida, o Mundial não é o responsável pelos males que desde sempre nos afligem. E não se iludam: a crescente decepção com os dirigentes públicos e o profundo descontentamento com os serviços básicos também não se resolvem instantaneamente com um simples abracadabra, por mais magia que nosso time demonstre na "Copa das Copas". A necessária voz das ruas não deve calar o grito esperançoso da imensa torcida nem ofuscar o brilho das vitórias que, mesmo pelo placar mínimo, não merecem ser jogadas para escanteio. Em outubro vamos ter o que realmente interessa: as eleições. MAURO WAINSTOCK Rio de Janeiro, RJ CARLOS TILKIAN Excelente a entrevista "De volta à brincadeira" (4 de junho). Carlos Tilkian demonstra ser profundo conhecedor do mercado e do gosto e costumes das crianças sobre o tema e salvou, com sabedoria e estratégia, a Estrela. Foi uma aula. PEDRO RONALDO PEREIRA Florianópolis, SC Sem rancores e críticas pejorativas, o executivo Carlos Tilkian valeu-se da sensatez nas decisões táticas da Estrela diante do caótico panorama industrial brasileiro. Só acrescento que, além de dificuldades logísticas e tributárias, temos como agravante a baixa qualidade versus o alto custo de mão de obra. Mesmo sabendo que, além do Brasil, a indústria mundial luta contra a concorrência desleal da chinesa, é lamentável ver como o governo brasileiro vem esmorecendo e optando por nos transformar em um grande latifúndio sul-americano. FÁBIO MARTINS SANTOS SOUZA Salvador, BA CARTUNISTA FORTUNA Sou um dos fundadores do Salão Internacional de Humor de Piracicaba e filmei, em Super 8, as duas primeiras edições, que estão no YouTube. Imediatamente, fiquei amigo do cartunista Fortuna e, todos os anos, nossos encontros foram festivos. Pessoa amável, o Fortuna me distinguiu com a honra de ser correspondente de O Bicho, em Piracicaba. Quando do lançamento dessa revista, o Fortuna colocou muitos exemplares sobre a mesa, na entrada da exposição, esperando vendê-los. Quando me viu entrando, veio me cumprimentar, e o pessoal que passava acabou pegando todas as unidades. Ele ficou desesperado com o prejuízo. Nisso, chega um amigo com duas revistas e entrega uma delas, que diz ter pegado para mim. O Fortuna explica que as revistas eram para ser vendidas, e o meu amigo, imediatamente, pagou pelos exemplares. Fortuna fez a seguinte dedicatória: "Ao Amadeu, que roubou, mas pagou". Para mim, os salões não são os mesmos sem a presença do Fortuna ("Humor firme, traço forte", 4 de junho). ROBERTO ANTONIO CÊRA Piracicaba, SP PRESERVATIVOS Ficamos abismados com a recomendação do governo americano para que seus cidadãos em viagem ao Brasil usem apenas preservativos comprados nos Estados Unidos (Desce, 4 de junho). Como profundos conhecedores do mercado mundial de camisinhas, no qual representamos três das grandes fábricas mundiais da China, podemos afirmar que todos os preservativos certificados pela Anvisa vendidos legalmente no Brasil são seguros. MARTIN JOSEPH KONIG Qualy Comércio, Importação e Exportação de Artigos para Saúde Ltda. São Paulo, SP FORA DA COPA DO MUNDO, NA ÚLTIMA HORA Na sexta-feira (6), o atacante francês Franck Ribéry foi cortado da seleção francesa que virá para a Copa por não ter se recuperado de dores nas costas. No início do mês, o atacante Falcoa García também foi riscado da lista final da Colômbia, em virtude da demora na recuperação de uma lesão no joelho esquerdo. São ausências fenomenais, em especial Ribéry, por muitos considerado o terceiro melhor do mundo, atrás de Cristiano Ronaldo e Messi. Ribéry e Falcão aparecem com destaque no Guia da Copa que acompanha esta edição de VEJA e foi impresso no último dia de maio, antes, portanto, dos cortes. As listagens das seleções com as alterações de última hora estão no site de VEJA e nas edições diárias para tablets e smartphones. PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação. VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP; Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até a quarta-feira de cada semana. 1#6 BLOGOSFERA EDITADO POR KÁTIA PERIN kperin@abril.com.br COLUNA RICARDO SETTI BRASIL A presidente Dilma Rousseff anda muito preocupada com sua imagem diante das forças produtivas e, por isso, tem intensificado suas conversas no setor. Nesse contexto, ela afirmou, recentemente, que "nós (o Brasil) não somos um 'paisinho', somos um paisão" — o que não significa, a rigor, nada, pois ser grande, terminar em "ao", não chega a ser virtude se não estiver associado a determinadas virtudes. www.veja.com/ricardosetti COLUNA REINALDO AZEVEDO EDUCAÇÃO O investimento de 10% do PIB em educação não passa de uma caríssima demagogia barata. Será que o Brasil investe pouco em educação? A resposta, acreditem!, é "não!". O nosso país investe é mal. Se não houver uma profunda reforma do sistema — que passe pela implementação de mecanismos de aferição de qualidade, podem esquecer! Nada vai acontecer. www.veja.com/reinalikiazevedo VEJA MERCADOS GERALDO SAMOR TURISMO A CVC, a maior operadora de turismo do Brasil, anunciou dados que confirmam o que o senso comum já previa: a Copa no país deprimiu o turismo doméstico e não arrefeceu o ânimo do brasileiro em viajar para fora, aproveitando o dólar a 2,20 reais. www.veja.com/vejamercados SOBRE PALAVRAS COPA OU TROFÉU "Caríssimo Sérgio, eu soube que é errado chamar o Mundial de Copa do Mundo, porque o troféu da Fifa um dia foi uma 'copa', mas não é mais. Faz sentido?" (MARCELO CHAVES) Palavra oriunda do latim cupa ou cuppa, copa é parente de copo e cuba no vocabulário do português —, e também de cup (inglês) e coppa (italiano), para citar apenas dois de seus primos estrangeiros. Ao pé da letra, um troféu esportivo só deveria ser chamado de copa se tivesse no alto uma forma côncava de taça. Ocorre que implicar com isso é absurdo. Nenhuma língua viva é estática, e faz tempo que os sentidos do vocábulo copa se expandiram. Por analogia, a palavra virou sinônimo de troféu, seja de que forma for — o mesmo se deu com o vocábulo taça, aliás. O troféu que a Fifa mandou fazer para substituir a velha Jules Rimet, aquela, sim, uma copa na acepção original do termo, pode ser chamado de taça ou copa sem susto, embora seja encimado por um globo maciço. www.veja.com/sobrepalavras IMPERDÍVEL DANIEL ALARCON À Noite Andamos em Círculos é o novo livro do peruano radicado nos Estados Unidos Daniel Alarcón, um dos convidados da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de 2014. O romance retrata Nelson, um ator e dramaturgo que tem sua vida transformada após ser escolhido para encenar a peça O Presidente Idiota. Ao lado de um grupo de teatro composto apenas de dois integrantes, Nelson é levado aos cantos mais remotos de um país da América Latina recém-saído de uma guerra civil. O livro foi chamado de "envolvente" pelo jornal The New York Times e de "impressionante" pelo Los Angeles Times. www.veja.com/imperdivel QUANTO DRANA! FEITA DE SILÊNCIOS Sem medo de ser emotiva, a novela Meu Pedacinho de Chão tem quase todos os dias um momento intenso e algumas boas lágrimas derramadas. De modo geral, a emoção anda meio capenga na telenovela, que tem visto a audiência aumentar apenas em dia de barraco. Um encontro entre mocinho e mocinha já não causa arrepios no público com a mesma frequência de outros tempos e, pior, para conquistar a atenção de quem está no sofá parece ser preciso fazer um personagem esbofetear o outro de vez em quando. Em Meu Pedacinho..., no entanto, muito do que se conta é manifestado nos silêncios, artigo raro na teledramaturgia atual. Os capítulos trazem cenas sempre cheias, completadas em detalhes pela coreografia dos atores, da câmera e da luz. É uma novela única no ritmo de sua narrativa e no propósito de servir a personagens tão peculiares. Afinal, não se pode filmar um Zelão como, por exemplo, o pessoal do Leblon. www.veja.com/quantodrama ________________________________________ 2# PANORAMA 11.6.14 2#1 IMAGEM DA SEMANA – RESGATANDO O INIMIGO 2#2 DATAS 2#3 HOLOFOTE 2#4 CONVERSA COM MANOEL SOBRAL – E NO MEIO DA PISTA HAVIA UMA... 2#5 NÚMEROS 2#6 SOBEDESCE 2#7 RADAR 2#8 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – RESGATANDO O INIMIGO Em vez do soldado Ryan, Obama soltou um desertor comprovado e se deu mal. Mentir, mentir e mentir mais um pouco é uma atitude que espíritos menos crédulos esperam de políticos. A diferença entre os bons e os maus mentirosos é que os primeiros sempre deixam terreno para uma retirada estratégica caso algo dê errado. Os maus fazem o que o presidente Barack Obama fez quando trocou o sargento americano Bowe Bergdahl, em poder dos talibã desde que havia desertado de sua base, em junho de 2009, por cinco dos mais comprovados criminosos da cúpula fundamentalista que barbarizava no Afeganistão, presos em Guantánamo. Obama achava que seria saudado como um estadista solidário, justificando o descumprimento da lei que torna obrigatória a comunicação prévia ao Congresso da libertação de qualquer dos barras-pesadas que restam na prisão especial, e que ninguém se lembraria da ficha comprovadamente suja de Bergdahl. Até mandou a sua menina de recados, Susan Rice, a assessora de Segurança Nacional usada para fazer o papel de mentirosa oficial, dizer que Bergdahl havia cumprido seu dever com "honra e distinção". De maneira consistente e até equilibrada, considerando-se a fúria despertada, companheiros de armas do ex-refém expuseram os planos conscientes de Bergdhal para fugir da base e as subsequentes operações de busca, em que morreram pelo me menos seis militares. Obama também achou que ia faturar prestígio levando à Casa Branca os pais do sargento. De barba de talibã, Bob Bergdahl falou em pashtun e árabe (uma frase religiosa também usada por extremistas quando vão decapitar algum inimigo). Que pai não lutaria pela libertação do filho — mas que tipo de pai continuaria no papel quando ele já estava solto? E que tipo de mãe de um combatente prisioneiro teria no armário um sapato vermelho de salto agulha, novinho em folha, para saltitar ao lado do presidente? VILMA GRYZINSKI 2#2 DATAS MORRERAM Marinho Chagas, lateral-esquerdo que se destacou jogando pelo Botafogo, atuou na seleção brasileira e foi eleito o melhor de sua posição na Copa da Alemanha, em 1974. Nascido em Natal, ganhou o apelido de Bruxa pelos cabelos loiros compridos. Era conhecido também pelo temperamento difícil. Na Copa de 74, protagonizou uma memorável briga com o goleiro Leão, no último jogo da seleção, na derrota por 1 a 0 para a Polônia, na disputa pelo terceiro lugar. Aposentou-se em 1988, no Augsburg, da Alemanha. O lateral sofria com o alcoolismo havia pelo menos uma década. Dia 1º, aos 62 anos, em decorrência de uma hemorragia digestiva, em João Pessoa. Yuri Kochiyama, ativista que lutava pelos direitos civis e estabeleceu uma improvável amizade com Malcolm X quando ele ainda promovia o nacionalismo negro. Filha de japoneses imigrantes, conheceu Malcolm cm 1963. Apesar de discordar das opiniões do líder negro acerca da integração racial, aproximou-se dele com os anos. Por muito tempo, Malcolm propagou que a solução para o racismo era a segregação. Em 1965, a ativista apareceu em uma célebre foto da revista Life (acima, em destaque), em que segurava a cabeça de Malcolm logo depois de ele ser baleado. Dia F, aos 93 anos, de causas naturais, na Califórnia. Susan Spencer-Wendel, jornalista e autora do bestseller de memórias Antes de Dizer Adeus, lançado neste ano no Brasil. Aos 43 anos, casada e mãe de três filhos, Susan recebeu o diagnóstico de esclerose lateral amiotrófica, doença que causa atrofia muscular e leva à morte em até cinco anos. Ela pediu demissão do jornal em que trabalhava e foi curtir o que lhe restava de vida. Levou a filha para provar vestidos de noiva, nadou com golfinhos, encontrou sua mãe biológica, que não havia conhecido. Dia 4, aos 47 anos, em sua casa, na Flórida. Edward Finkelstein, empresário americano que tornou a Macy's uma das lojas de departamentos mais famosas do mundo. Foi dele a ideia de diversificar os produtos vendidos, apostando em uma área só para utensílios domésticos e reunindo farmácia, banca de flores e restaurante em um mesmo local. Foi ele também quem trouxe roupas de designers famosos para as araras da Macy's. Apesar da visão apurada para os negócios, Finkelstein endividou a companhia entre os anos 80 e 90. Deixou a presidência da Macy's pouco depois de a empresa buscar proteção na lei federal americana de falências. Dia 31, aos 89 anos, de causas naturais, na Califórnia. • QUA|4|6|2014 INTERNADO o ex-presidente da Fita João Havelange, de 98 anos, em razão de uma infecção respiratória. O cartola está no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro. Há um ano, Havelange renunciou ao cargo de presidente de honra da Fifa após acusações de que havia recebido propina de uma empresa de marketing. SEX|6|6|2014 CONFIRMADO o divórcio do jogador de futebol Kaká e da socialite Carol Celico, juntos desde 2005. O casal, que tem dois filhos, Luca, de 6 anos, e Isabella, de 3, se conheceu na adolescência, por intermédio dos pais. A assessoria de Carol negou a separação, mas uma pessoa próxima ao jogador confirmou a VEJA que eles já estão separados há alguns meses. 2#3 HOLOFOTE BRASÍLIA • O PL vai voltar O ex-prefeito Gilberto Kassab tem um leque imenso de possibilidades eleitorais. Pode ser candidato a governador de São Paulo pelo PSD, o seu partido, tem proposta para ser o candidato ao Senado na chapa de Paulo Skaf, do PMDB, e também estuda a alternativa de ser o candidato a vice do tucano Geraldo Alckmin. Cobiçado e, por causa disso, poderoso, ele tem até o fim do mês para decidir seu futuro. Independentemente da opção, o poderoso Kassab já tem planos para 2015: vai refundar o antigo Partido Liberal (PL), sua primeira legenda, para acomodar os insatisfeitos pós-eleições. Calcula que terá a adesão de oitenta deputados logo de início. • No lixo do deputado Desde que renunciou à vice-presidência da Câmara, o deputado André Vargas tenta acomodar seu material de trabalho no antigo e bem mais modesto gabinete que ocupa num dos anexos do Congresso. Missão impossível. Por isso, a assessoria do parlamentar promoveu uma limpeza nas gavetas, desfazendo-se de muitos documentos. Entre os papéis jogados no lixo havia um cartão de apresentação de Marcus Moura, diretor institucional da Labogen, o laboratório- fantasma que armou um golpe de 150 milhões de reais contra o Ministério da Saúde. Marcão, como é chamado pelos mais íntimos, é um velho conhecido do ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, candidato do PT ao governo de São Paulo. PRESIDENGIÁVEIS • Agora decola? O ex-deputado José Maria Eymael foi candidato a presidente da República em 1998 (171.831 votos), 2006 (63.294 votos) e 2010 (89.350 votos). A baixa performance nas urnas, segundo seus estrategistas, pode ter algo a ver com o famoso jingle "Ey, Ey, Eymael...". Em outubro, o democrata-cristão vai tentar mais uma vez chegar ao Palácio do Planalto, mas seus assessores de marketing querem deixar a música fora do horário gratuito de TV. Acreditam que assim terão mais tempo para mostrar as propostas e as ideias do ex-deputado nos 55 segundos de propaganda eleitoral do partido. MATO GROSSO • A grande família Preso na operação Ararath da Polícia Federal, o deputado estadual José Riva (PSD-MT) não pretende abrir mão de seu espólio eleitoral. Réu em mais de uma centena de processos, Riva está inelegível por causa da Lei da Ficha Limpa. A escolhida para substituí-lo nas urnas foi a filha mais velha, Janaína Greyce Riva, de 25 anos. Ela é casada com o ex-presidente da Câmara de Cuiabá João Emanuel "Pilintra", preso sob acusação de liderar um esquema de grilagem de terras e fraudar uma licitação. Além disso, o irmão de Janaína já foi exonerado do Tribunal de Contas do Estado acusado de ser um funcionário-fantasma. • O mais corrupto No início dos anos 2000, o PT era reconhecido como um vigoroso defensor da ética e da honestidade na política. Três governos depois, tudo mudou. Uma pesquisa encomendada pelo próprio partido mostra que os brasileiros consideram o PT a mais corrupta das agremiações que disputarão as eleições de outubro. O partido lidera o ranking, com 23% das indicações. O mais estranho: os petistas parecem achar natural o resultado. 2#4 CONVERSA COM MANOEL SOBRAL – E NO MEIO DA PISTA HAVIA UMA... ..anta. Por causa dela, o comandante amazonense com 26 anos de profissão quase perdeu o controle de um bimotor com 49 pessoas a bordo. Habilmente, seguiu o voo até fazer um pouso de emergência. Qual a sua reação quando bateu na anta? Fui pego pela adrenalina e nem tive tempo de falar nada. Percebi na hora que a anta tinha entrado na pista e batido no trem de pouso, em Urucu, no município de Coari. Antes de qualquer coisa, precisávamos retomar o controle do avião. Depois, quando já estávamos todos a salvo, alguns passageiros até brincaram: "A anta não atravessou na faixa de segurança". Ficaram mesmo nessa calma toda? Eles estavam cientes do procedimento que havíamos tomado e do motivo. Não tínhamos como voltar, pois já estávamos praticamente voando. Quando nos aproximamos para o pouso no aeroporto de Manaus, mais bem equipado para uma emergência, todos estavam preparados. O avião voava normalmente, já com pouco combustível, e isso manteve a tranquilidade de todos. Uma das comissárias até falou que os passageiros foram uns docinhos. Qual o maior perigo de voar na região amazônica: animais terrestres ou voadores? Tempestades ou aqueles aviõezinhos não contabilizados? Todos. Temos muitos pássaros e urubus, além de tempestades. Mas, com os equipamentos meteorológicos, conseguimos nos livrar delas. Já as aeronaves são identificadas através de um aparelho chamado TCAS, em que esses voos aparecem para nós. Voos ilegais geralmente seguem numa altura muito baixa, justamente para que não sejam captados. Na novela Em Família existe um personagem piloto. O senhor e seus colegas comentam suas atitudes? A aviação que aparece em filmes e novelas é a mais pura ficção. O personagem já disse: "Piloto que não bebe, não fuma e não tem amante não chega a comandante". É ficção mesmo? Eu não fumo e não tenho amante, mas eu bebo, confesso. E virei comandante. 2#5 NÚMEROS 36 greves estão hoje em curso em dezesseis estados no Brasil, com 21 categorias envolvidas. Entre elas, a de professores, operários da construção, agentes penitenciários, agentes de trânsito e garis. 82 dias já dura a mais longa delas - a dos técnicos das universidades federais. 3,9 milhões de pessoas foram atingidas no primeiro dia da greve dos metroviários de São Paulo, a mais recente. 20 milhões de reais foi quanto o comércio da cidade deixou de ganhar em um dia da paralisação, segundo a Fecomercio. 2#6 SOBEDESCE SOBE • Estado-babá - O Senado aprovou a Lei da Palmada, que prevê punição para quem impuser castigo físico a crianças e adolescentes. • Insatisfação - Segundo o instituto americano Pew Research Center, 72% dos brasileiros estão descontentes com a situação do país. No ano passado, essa taxa era de 55%. • Carro popular - O governo adiou o aumento que elevaria o IPI de veículos para 7%. O imposto continuará em 3% para modelos populares. DESCE • Japão - Com baixa taxa de natalidade, o país terá perdido um terço de sua população daqui a cinquenta anos. O governo estuda receber mais imigrantes. • DOC - A transferência bancária deixará de existir após a extinção do piso para a TED, prevista para 2015. • Aeroporto Juscelino Kubitschek - Inaugurada há duas semanas, a área de embarque doméstico do aeroporto de Brasília ficou debaixo d'água por causa de problemas na tubulação. 2#7 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • ELEIÇÕES FIDELIDADE A QUEM? Ministra de Dilma Rousseff, Marta Suplicy ainda sonha — e trabalha — pelo Volta, Lula. Isso mesmo antes do Datafolha de sexta-feira passada... PARA CIMA DE SKAF Paulo Skaf que se prepare. Tanto o PT quanto o PSDB planejam o mesmo tipo de ataque quando a campanha começar a ferver: o uso (e abuso) da máquina da Fiesp/Sesi/Senai para alavancar sua candidatura. DOIS CENÁRIOS Sabe-se lá por quê, Eduardo Campos encomendou a um grande instituto uma pesquisa de intenção de voto com dois cenários. No primeiro, Marina Silva consta como sua vice. No segundo, ela aparece apenas como apoiadora de sua candidatura. O que Campos quer descobrir com isso, não se sabe. O VICE A convenção do PSDB de sábado que vem ungirá Aécio Neves como o candidato do partido a presidente, mas não cravará o nome do vice. Só no fim de junho o eleitor saberá quem vai compor a chapa com Aécio. VÃO ENCARAR Deputados e senadores do PP, como Francisco Dornelles, contrários à aliança com Dilma Rousseff, gente que apoia tanto Eduardo Campos como Aécio Neves, articulam-se para encarar o presidente do partido, Ciro Nogueira, na convenção. Querem que o PP se mantenha neutro na disputa presidencial, como o partido fez nas duas últimas eleições. POR POUCO Em conversas com interlocutores, Eduardo Cunha, que conhece como poucos a alma do PMDB, tem estimado que a aliança do partido com Dilma Rousseff será aprovada com 55% dos votos na convenção desta terça-feira, 10. ÚLTIMA CHANCE O governo federal e os estaduais estão enfiando o pé no acelerador nas propagandas oficiais nos meios de comunicação em junho. A partir de 1º de julho, o TSE veta a publicidade de governo até o fim da eleição. • BRASIL PUNIÇÃO PÓS-CONSUMO Uma decisão recente do STJ dá um recado objetivo às grandes fabricantes de bebidas: as empresas serão punidas pela poluição causada pelo descarte das embalagens dos seus produtos. Uma associação de defesa do meio ambiente processou uma fabricante de bebidas de Curitiba por não recolher e dar o devido fim às garrafas PET que produzia. A sentença obriga a empresa a dar uma destinação "ambientalmente adequada" às embalagens plásticas e reverter 20% dos seus investimentos em publicidade para campanhas educativas. O SECRETÁRIO DE PAULO ROBERTO Na entrevista que deu à Folha de S.Paulo no dia 1º, Paulo Roberto Costa negou que uma agenda apreendida pela PF com o nome de empresas que colaborariam com doações para políticos tivesse sido escrita por ele. De acordo com o que Costa disse a interlocutores, a letra que aparece ali seria a de João Cláudio Genu, o notório ex-assessor do PR condenado a sete anos de cadeia no mensalão. Não que Costa negue sua participação nas reuniões. Mas, pelo visto, Genu as secretariava. Costa, aliás, tomava certas precauções. Nas conversas com empreiteiros, cuidava de emudecer quando certos assuntos entravam em pauta. Tinha medo de escuta. Anotava valores num papel, mostrava ao interlocutor e depois o rasgava. • ECONOMIA NEM PENSAR Em sua recente viagem a Cuba, onde passou a Páscoa, Jorge Paulo Lemann declinou de um convite para um encontro, certamente com fotos, com os irmãos Castro. Lemann já é avesso a aparecer, ao lado de ditadores então... LOBBY TRIBUTÁRIO O novo presidente da Fiesp, Benjamin Steinbruch, está tentando emplacar um nome na vice-presidência do poderoso Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), responsável por julgar milionárias questões tributárias no país. Rodrigo Miranda, o atual gerente tributário da CSN, é o seu nome preferido para o cargo contra outros dois candidatos. A CSN hoje tem um passivo a ser julgado pelo Carf de 13,5 bilhões de reais. • AVIAÇÃO NOS ARES A Azul prepara uma novidade quando iniciar seus voos internacionais para a Flórida, no primeiro trimestre de 2015: parte da classe econômica terá assentos que viram camas. • COPA MÃO NA TAÇA O que ela fará no Maracanã no dia da final da Copa ainda não se sabe direito — uma das possibilidades é entregar a taça ao capitão do time vencedor. Mas Gisele Bündchen confirmou à Fifa sua presença no estádio. Vem com o marido, Tom Brady. Gisele só não virá se as confusões nas ruas saírem do controle. NA MIRA A Polícia Federal começou a fazer um pente-fino na vida pregressa de todos aqueles que compraram ingressos para a Copa. A PF está com a relação nominal de quem comprou os bilhetes e já começou a analisar um a um, na tentativa de encontrar criminosos entre os torcedores. Se for estrangeiro, a PF pode inclusive pedir que o torcedor seja impedido de entrar no Brasil. LONGE DOS ESTÁDIOS Ricardo Teixeira passou os últimos meses no Rio de Janeiro, mas comprou uma passagem para desembarcar em Miami quatro dias antes de a Copa começar. DE GRAÇA Os estrangeiros que vierem ao Brasil com ingressos para jogos da Copa do Mundo não vão desembolsar nem 1 real pelos vistos temporários. Mais uma determinação da Fifa? Não desta vez. Assim como a África do Sul em 2010, o Itamaraty criou a categoria Vistos Temporários Especiais, isentos de custos consulares para a Copa. Basta apresentar os ingressos para entrar e ficar à vontade. Os que mais se beneficiarão da generosidade do Itamaraty serão os americanos. Somados, os estrangeiros compraram 908.786 entradas destinadas a eles pela Fifa. TELEVISÃO TEMPO QUENTE As novas investidas de setores petistas ameaçando empresas jornalísticas com o nefando "controle da mídia" são vistas pela Globo — pelo menos por enquanto — como resultado esperado da temperatura em alta de uma eleição. IDEIA FIXA A propósito, Franklin Martins não esconde de ninguém que o seu objetivo é partir a Globo em vários pedaços para diminuir-lhe o poder. 2#8 VEJA ESSA EDITADO POR THAÍS OYAMA “Melhor eu não responder a essa.” - EDWARD SNOWDEN, ex-técnico da NSA (Agência de Segurança Nacional americana), ao ser indagado, em entrevista à Rede Globo, se usa algum disfarce quando sai às ruas de Moscou, onde vive escondido há dez meses. “Não é que eu não queira falar, eu não posso.” - GRAÇA FOSTER, presidente da Petrobras, indagada se não iria responder à declaração do ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa de que o custo da Refinaria Abreu e Lima subiu de estimados 2,5 bilhões de dólares para 18,5 bilhões porque a empresa fez "conta de padeiro". “Nunca participei de um governo do PT, por exemplo.” - AÉCIO NEVES, pré-candidato à Presidência pelo PSDB, ao responder no programa Roda Viva à pergunta sobre quais seriam as diferenças entre ele e o concorrente Eduardo Campos (PSB). “Por que o melhor jogo do planeta é liderado por um grupo de medíocres, notadamente (Joseph) Sepp Blatter, chefe da Fifa desde 1998?” - THE ECONOMIST, revista inglesa, sobre a forma como há décadas se administra o futebol mundial. “Uma exposição de três horas, à noite, à luz azul enriquecida tem um impacto enorme sobre o mecanismo da fome e o metabolismo da glicose." - IVY CHEUNG, pesquisadora da Universidade Northwestern e coautora de um estudo que dá mais uma desculpa a quem come demais: a luz emitida por computadores e smartphones aumenta a fome. “Esses soldados da situação, patrulheiros vermelhos, gente xiita completamente cega e com um discurso enraizado na segunda metade do século passado, em que só existem companheiros e inimigos, o mundo contra nós, o certo e o errado, a verdade absoluta e a mentira. Não têm nenhuma vergonha de mascarar o óbvio (...). Quadrilha, sim!” - THIAGO LACERDA, ator, em texto publicado em seu site, criticando a patrulha petista que usa as redes sociais para perseguir artistas não petistas. “Yo voy a Paraguai comprar uma maleta de maconha." - SILVIO SANTOS, gastando o portunhol e trocando as bolas, ao brincar com uma "colega de trabalho" nascida naquele país. No Paraguai, ao contrário do que ocorre no Uruguai, o comércio da droga é proibido. “Eu vou inaugurar daqui a trinta dias, chova ou faça sol, certo?” - PAULO OCTAVIO, empresário e ex-vice-governador do Distrito Federal, em escuta feita pela Polícia Civil, afirmando que abriria o seu JK Shopping com ou sem autorização municipal. Ele foi preso na semana passada acusado de tentativa de suborno. “O maluco estava tentando enterrar a cara no meio das minhas pernas.” - BRAD PITT, contando o ataque que sofreu do ucraniano e engraçadinho profissional Vitalii Sediuk no tapete vermelho da première de Malévola, estrelado por sua mulher, Angelina Jolie. “É melhor não discutir com mulher. Mas a senhora Clinton nunca foi muito elegante em suas declarações.” - VLADIMIR PUTIN, presidente da Rússia, sobre a comparação que Hillary Clinton, ex-secretária de Estado e provável candidata à Casa Branca, fez entre ele e Hitler na questão da Ucrânia. “Não sei.” - DILMA ROUSSEFF, a jornalistas estrangeiros que lhe perguntaram por que a economia brasileira cresce tão lentamente. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto dos avanços da ciência para desvendar de que modo o cérebro constrói o que somos - e o que pode afetá-lo nisso, como no caso do ex-campeão de boxe Eder Jofre “A consciência é a última e a mais tardia evolução da vida orgânica e, consequentemente, o que há de menos rematado e mais frágil nela.” - F.W. NIETZSCHE, filósofo alemão (1844-1900) __________________________________ 3# BRASIL 11.6.14 3#1 UM DECRETO NOS MOLDES BOLIVARIANOS 3#2 NO ESCURINHO DO PLENÁRIO 3#3 COM ESSA O PT NÃO CONTAVA 3#4 E MAIS UMA VEZ OS CORREIOS... 3#5 EXPEDIÇÃO VEJA – MADE IN BRASIL 3#1 UM DECRETO NOS MOLDES BOLIVARIANOS O governo cede aos radicais do PT e agora quer que os "movimentos sociais" participem das decisões em quase todos os órgãos oficiais. O nome disso é sovietização. ADRIANO CEOLIN O PT nunca escondeu sua admiração pelos métodos e pelas práticas políticas de países que usam a democracia apenas como meio para fragilizar a própria democracia e, com o tempo, destruí-la por completo. No governo Lula, a primeira incursão nessa direção se deu no terreno da liberdade de informação. O partido tentou, sem sucesso, implantar o chamado Conselho Federal de Jornalismo, que nada mais era do que uma investida para controlar e censurar a imprensa, sempre um dos primeiros alvos da ideologia bolivariana, o totalitarismo populista tropical. Apesar da pressão da militância radical, Dilma Rousseff sempre rechaçou essa iniciativa. Ela também nunca tinha compartilhado outras tentações autoritárias latentes nos setores do seu governo que a luz não alcança. Queriam, por exemplo, que ela restringisse a atuação do Ministério Público. Há duas semanas, no entanto, o campo de força da presidente foi vencido, e ela cedeu ao ímpeto bolchevique de companheiros de partido. Dilma assinou um decreto que, levado ao pé da letra, aproxima perigosamente o Brasil da incivilidade democrática de vizinhos como Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina. Sob o pretexto de aumentar a participação popular nas decisões de governo, Dilma assinou o decreto que institui a "Política Nacional de Participação Social" e o "Sistema Nacional de Participação Social". O Executivo propõe que todos os órgãos da administração direta ou indireta tenham em suas instâncias decisórias conselhos formados por representantes da sociedade civil. Na forma, tudo muito democrático. Na prática, o conceito de sociedade civil, amplo demais para ser definido com justeza, se transforma nos chamados "movimentos sociais", aqueles grupos aparelhados pelos radicais de esquerda, como o MST, as Ligas Camponesas e o segundo time vasto de idealistas que lucram com o próprio ideal ou querem que os brasileiros que trabalham duro se responsabilizem por sua sobrevivência. São os quilombolas, os "sem-isso" e "sem-aquilo". Pelo decreto presidencial, esse pessoal colonizaria os ministérios, autarquias, agências reguladoras, empresas de economia mista, enfim, quase toda a máquina administrativa do Estado. O decreto não esclarece qual seria o poder efetivo dos "sovietes", conselhos em russo, nas decisões dos órgãos públicos. O governo não sabe explicar. Ou não pode explicar. A oficina onde o decreto bolivariano foi feito aposta que, com a sovietização do Brasil pelos conselhos, os radicais continuariam no comando do governo mesmo na hipótese de alternância de poder no Palácio do Planalto. Essa era uma das teses centrais de Vladimir Lenin, o principal ideólogo da revolução que implantou o comunismo na Rússia, criando uma "união de sovietes", a União Soviética. A palavra de ordem leninista "todo o poder aos sovietes" esclarece a dúvida que o texto do decreto bolivariano não quis dirimir. O primeiro passo é incrustar capilarmente os "conselhos", ou "sovietes", na máquina governamental. O segundo é garantir que eles tenham influência. O terceiro é, naturalmente, exigir "todo o poder aos conselhos". Não é por acaso que a coordenação do Sistema Nacional de Participação Social ficará a cargo da Secretaria-Geral da Presidência, comandada pelo ministro Gilberto Carvalho, o "Gilbertinho", que atua no governo como comissário-geral dos "movimentos sociais", os quais sua pasta financia e sobre os quais tem total ascendência. Gilbertinho usa os movimentos sociais como arma política. Cuida para que eles continuem existindo, fazendo com que suas pautas de reivindicação sejam, por definição, impossíveis de ser atendidas — pelo menos dentro da ordem constitucional de um país com democracia representativa em que viceja uma sociedade aberta. Basta conferir: os movimentos sociais da falange de Gilbertinho só podem se dar por satisfeitos com a derrubada radical do regime democrático representativo e a implantação de uma ditadura disfarçada de modelo venezuelano. De tão descaradamente soviética, a iniciativa assustou até mesmo os deputados do PT na Câmara, que externaram reações desse tipo: "O que é esse decreto?! Mais um decreto mirabolante". Em público, porém, como sempre, submeteram-se à férrea disciplina partidária, defendendo timidamente a medida. A oposição reagiu. O DEM apresentou um decreto legislativo que, se aprovado pela Câmara, anula a decisão presidencial. A proposta contra os arroubos dos radicais petistas conta com o apoio de mais oito partidos, inclusive governistas. Nos bastidores, o PMDB também sinalizou que votará contra o decreto de Dilma. Para evitar um desgaste com ela, o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), trabalha por uma solução negociada. A ideia dele é convencer o governo a desistir do decreto bolivariano e mandar no seu lugar um projeto de lei ao Congresso. Os oposicionistas e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também cogitam recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a ofensiva bolivariana. "Nas democracias é o Congresso que representa o povo", diz o jurista Ives Gandra. Felizmente, para os brasileiros, o decreto bolivariano deve ficar na lembrança como apenas mais uma daquelas tentativas "se colar, colou" dos radicais petistas. 3#2 NO ESCURINHO DO PLENÁRIO Em público, o PT defende uma punição exemplar para o deputado André Vargas. Nos bastidores, porém, o partido se articula para salvá-lo da cassação. ROBSON BONIN Desde que o deputado André Vargas foi flagrado em conversas comprometedoras com o doleiro Alberto Youssef, preso pela Polícia Federal por chefiar um bilionário esquema de lavagem de dinheiro, as instituições políticas em Brasília o trataram com surpreendente rigor. Em menos de dois meses, o parlamentar, então poderoso vice-presidente da Câmara e integrante de prestígio da cúpula do PT, foi obrigado a deixar o cargo na Mesa Diretora, viu os antigos companheiros defender a sua renúncia publicamente e tornou-se alvo de um processo de cassação no Conselho de Ética. Expulso do partido, por meio do qual ambicionava presidir a Câmara no ano que vem ou eleger-se senador em outubro, ele foi transformado num pária, abandonado pelos correligionários, obrigado a se esconder dos colegas, visto esgueirando-se pelos corredores do Congresso, condenado, enfim, a encerrar a carreira política da maneira mais infame. Uma punição e tanto para um político que traiu seus eleitores — se parte dessa história não fosse mera encenação. André Vargas segue viajando de carro de Brasília a Londrina (PR), um percurso de 1100 quilômetros, por receio e vergonha de frequentar aeroportos. Na Câmara, porém, o clima é bem mais ameno. Quando está entre os seus, no plenário da Casa, ele continua bajulado por deputados dos mais diferentes partidos. Basta observar um pouco. Instalado em uma poltrona no canto esquerdo do plenário, o espaço historicamente ocupado pelo PT durante as sessões, o deputado conta piadas, ri, abraça e é abraçado. Dependendo do interlocutor, eleva o tom de voz para que todos ouçam o que pensa sobre determinado assunto — especialmente quando o tema é a operação da polícia que flagrou suas traficâncias. "Foi o próprio juiz que disse que eu não tenho nada a ver com a Operação Lava Jato. Estou sendo punido por ter viajado num avião emprestado. Só isso!", repete diante dos colegas, que assentem com a cabeça. E há também aquelas conversas travadas em tom de cochicho, as mais relevantes, as que não devem ser conhecidas, as que serão negadas em público, que acontecem numa área penumbrosa do plenário e giram em torno de um único e audacioso objetivo: salvar o deputado da cassação de mandato. E já há uma estratégia bem definida nessa direção. Nas últimas semanas, André Vargas vem procurando pessoalmente cada um dos integrantes do Conselho de Ética para clamar por misericórdia. Ele sabe que o período eleitoral aumenta consideravelmente o seu risco de cassação e pede apenas que os colegas engavetem o processo até as eleições. Se conseguir arrastar seu julgamento para depois de outubro, o deputado acredita que escapará da pior das punições. "O Vargas me pediu ajuda. Mas, em ano eleitoral, você acha que alguém vai ser louco de livrar a cara dele?" diz o vice-presidente do Conselho de Ética, deputado José Carlos Araújo (PSD-BA). E completa: "Eu disse que ajudo, desde que não me prejudique, porque, por mais que você queira ajudar, tem hora que não dá. É ele ou eu, né?" É exatamente essa a aposta do parlamentar. Sem a pressão das urnas, o ex-vice-presidente da Câmara já ouviu de alguns dos membros do conselho que sua punição será branda, no máximo uma advertência pelo "mau comportamento". Afinal, ele não é o único que tem amizade com criminosos, não é o único que usa jatos emprestados de empresários, não é o único que se aproveita do cargo para encher os bolsos de dinheiro viabilizando negócios escusos no governo. A estratégia é apelar para o espírito de corpo com doses de vitimização. Na frente de colegas de outras siglas, Vargas reclama do PT dizendo que foi jogado na rua pelo partido, diz que está deprimido, que emagreceu e que a família e os amigos de Londrina (PR) o tratam como um doente. Presidente do Conselho de Ética, o deputado Ricardo Izar (PSD-SP) conta que o discurso "sentimental" do ex-petista está comovendo os conselheiros: "Ele já procurou todo mundo no colegiado e está apelando para o que há de pior aqui dentro, que é a chantagem emocional. Ele diz que a família foi destruída, que a carreira política dele acabou. Eu não sei como o conselho vai reagir a isso. Até eu fico mal nos dias de reunião, porque é muito ruim julgar um colega". Se tudo correr como planeja André Vargas, ele não disputará as eleições neste ano, mas estaria livre para voltar a orbitar o poder em 2015. Diz o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), relator do processo: "Para escapar, ele vai ter de conseguir derrubar meu relatório. E eu já falei para ele parar de retardar o trabalho do conselho. Afinal de contas, se eu apresentar meu relatório perto da eleição, isso vai ser bom pra mim ou pra ele? Quem perde é ele". 3#3 COM ESSA O PT NÃO CONTAVA Parte do PMDB declara apoio a Aécio no Rio de Janeiro, abre caminho para uma vitória dos tucanos no estado e fragiliza as demais candidaturas governistas. A presidente Dilma Rousseff espera receber, nesta semana, o apoio formal do PMDB à sua reeleição. Com a reedição da parceria, quer conquistar dois importantes trunfos: os cerca de dois minutos e vinte segundos a que o partido tem direito na propaganda eleitoral e a adesão dos 1007 prefeitos, seis governadores, 73 deputados federais e vinte senadores peemedebistas à campanha petista. Se a aliança for selada, com Michel Temer de novo no posto de vice, a primeira parte da mercadoria será entregue. O tempo de TV do PMDB será acrescido ao do PT, o que contribui para o plano de Dilma de contar com o dobro do tempo de propaganda reservado aos seus dois principais oponentes, o senador Aécio Neves (PSDB) e o ex-governador Eduardo Campos (PSB). Já a ajuda dos peemedebistas nas ruas, mesmo que a coligação seja formalizada, será negada em estados estratégicos. O bom e velho PMDB, como se sabe, não costuma embarcar numa única canoa. Para manter-se no poder, distribui seus tentáculos entre várias chapas. Nesta eleição, não será diferente. Perde Dilma, que deu o comando de cinco ministérios ao partido, pagando caro pela aliança, e ganham os oposicionistas. Na última quinta-feira, peemedebistas do Rio de Janeiro lançaram o movimento "Aezão", que prega votos no correligionário Luiz Fernando Pezão, na disputa pelo governo, e no tucano Aécio, na corrida presidencial. Ou seja: no terceiro maior colégio eleitoral do país, o partido trairá Dilma. Uma perda considerável para a presidente, já que o PSDB comanda São Paulo e Minas, que concentram o maior número de eleitores. Outros diretórios do PMDB atuarão contra a presidente. Os peemedebistas da Bahia pedirão votos para Aécio. Já o diretório do Rio Grande do Sul marchará ao lado de Eduardo Campos. Há possibilidade de deserção também no Ceará. Já houve uma tentativa de alas do PMDB de vetar a coligação formal com a presidente. Faltaram adesões. Agora, com a presidente em queda, o movimento pode se intensificar. Na pesquisa Datafolha divulgada na semana passada, Dilma perdeu 3 pontos porcentuais. Caiu de 37% para 34% das intenções de voto. Aécio Neves perdeu 1 ponto (20% para 19%) e Eduardo Campos recuou 4 (11% para 7%). O movimento "Aezão" retrata à perfeição essa situação. "Já reconhecíamos no Aécio o melhor para o Brasil. A chapa Aezão está consagrada aqui no Rio", disse Jorge Picciani, presidente do PMDB no estado. Defensores da reeleição de Dilma em discursos públicos, os três principais caciques do partido no Rio, o ex-governador Sérgio Cabral, o sucessor Pezão e o prefeito Eduardo Paes, não participaram do evento em defesa da candidatura de Aécio. Mas, nos bastidores, incentivaram o movimento. Eles não digeriram a decisão do PT de lançar a candidatura do senador Lindbergh Farias ao governo fluminense. Consideraram-na mais uma prova do projeto de hegemonia de poder petista. Um projeto que importantes setores do PMDB tentarão sabotar em outubro — explicitamente ou não. DANIEL PEREIRA 3#4 E MAIS UMA VEZ OS CORREIOS... O alto escalão da estatal no Rio surrupiou milhões em fraudes no plano de saúde. Nem o número 1 ficou de fora. Quem tem boa memória lembra que a primeira falcatrua da bola de lama que desembocou no processo do mensalão foi a imagem, gravada em vídeo revelado por VEJA, de um maço de dinheiro vivo sendo embolsado por um funcionário dos Correios. Era de supor que a exposição e o escândalo tivessem servido de lição. Nada disso. O submundo das negociatas continuou ativo na estatal, desta vez na regional do Rio de Janeiro. Ali, uma quadrilha integrada pelo alto escalão armou um esquema milionário de desvios através de fraudes no plano de saúde dos funcionários — tudo em conluio com hospitais e fornecedores. A Polícia Federal investiga a atuação do bando há um ano, mas só agora uma testemunha-chave resolveu expor todos os meandros, em troca de um abrandamento de pena. O depoimento não deixa por menos: pela primeira vez, coloca no topo da roubalheira o número 1 dos Correios no Rio, o diretor Omar de Assis Moreira, indicado pelo PT ao cargo. Falando a VEJA na condição de não ser identificada, a testemunha contou que a máquina de desvios que ajudou a montar começou a operar em setembro de 2011, o mesmo ano em que Moreira tomou posse. De um lado atuavam o diretor, dois de seus assessores diretos e um funcionário da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae). De outro, três hospitais credenciados junto ao plano de saúde. O pessoal de dentro da estatal garantia aos hospitais o pagamento de faturas de atendimento médico em até um mês, em vez dos três de praxe; em troca, os quatro embolsavam 20% do valor. Era eficiente, mas simples demais para as ambições da quadrilha. Em pouco tempo, outros hospitais aderiram à bandalha e novas frentes de fraude se abriram. Na primeira, cirurgias pré-programadas eram relatadas como emergenciais (uma operação de coluna de 120.000 reais, por exemplo, saltava para quase 1 milhão). Em outra, fornecedores de próteses passaram a emitir notas com valores estratosféricos. Também as tabelas de preços dos hospitais foram reajustadas em até 600%. Os integrantes do bando amealhavam até 100.000 reais por mês. "O Omar recebia o dinheiro em casa, em posto de gasolina ou no gabinete mesmo. Quando atrasava, ele reclamava", relata a testemunha. A ganância, no entanto, deixou rastros. O primeiro a cair foi o sindicalista e ex-assessor João Maurício Gomes da Silva, o Janjão, indiciado por peculato. Marcos Esteves, gerente da área de saúde dos Correios, foi afastado por avalizar os pagamentos ilícitos. Citado no inquérito como um dos idealizadores do esquema, Daniel de Melo Nunes deixou a Cedae e encontrou abrigo na Assembleia Legislativa do Rio, amparado pelo PT. Em sua página pessoal do Facebook, ele apoia a candidatura de Lindbergh Farias ao governo e participa de um grupo chamado "Solidários a José Dirceu". Moreira, o diretor-geral, continua no cargo. CECÍLIA RITTO 3#5 EXPEDIÇÃO VEJA – MADE IN BRASIL PIETER ZALIS E BELA MEGALE Até o fim do ano, um colosso militar deixará os hangares da Embraer para riscar o céu pela primeira vez. Maior e mais importante projeto da empresa brasileira, o cargueiro KC-390 não foi criado apenas para ser um sucesso comercial (coisa que já é, antes mesmo de seu protótipo ter saído do chão: 28 unidades do modelo foram encomendadas pela Força Aérea Brasileira (FAB) e outras 32 estão reservadas para cinco países). O KC-390 nasceu para ser um marco na história da aviação militar. Com 34 metros de comprimento, tem capacidade para atingir 80% da velocidade do som e carregar carros blindados de até 20 toneladas. Perto dele, o americano C-130 Hercules, o atual líder no segmento, lembra um teco-teco. O KC-390 é o voo mais alto de uma empresa que nasceu em berço de ouro (os primeiros 150 funcionários da Embraer vieram do ITA, o principal centro de excelência da engenharia brasileira), esteve à beira da falência, foi privatizada e hoje ocupa o terceiro lugar no ultracompetitivo ranking das maiores fabricantes de aeronaves do mundo, só superada pelos pesos-pesados Boeing e Airbus. A Embraer deve seu sucesso, primeiro, ao fato de nunca ter abandonado o padrão de excelência que lhe deu origem. É ainda hoje a empresa privada que mais atrai estudantes do ITA, e só em cursos de treinamento e aprimoramento de seus profissionais investe 9 milhões de reais por ano. No campo estratégico, a partir da privatização, em 1994, adotou princípios que se revelaram acertos fundamentais: a diversificação de produtos e clientes, o estabelecimento de parcerias internacionais e a alocação contínua de investimentos pesados — no ano passado, foram 737 milhões de dólares, recorde histórico. Até o ano 2000, 90% da receita da Embraer vinha do mercado de aeronaves comerciais. Naquele ano, no entanto, depois de realizar pesquisas que previam um aumento anual de 2,2% no mercado de jatos executivos, a empresa passou a diversificar sua produção. O resultado foi que, em pouco mais de uma década, as linhas Legacy, Phenom e Lineage venderam mais de 700 jatos executivos. A área militar, segmento que remonta às origens da companhia, produziu receitas de 1,2 bilhão de dólares em 2013, e hoje o principal produto, os Super Tucanos, voam nos céus de nove países. Com essas iniciativas, a Embraer diminuiu sua dependência de um único mercado (no ano passado, apenas 53% da receita veio da aviação comercial), aumentou sua carteia de clientes (hoje exporta para mais de cinquenta países) e tornou-se uma multinacional de produção — possui seis fábricas espalhadas pelo Brasil, Estados Unidos, Portugal e China. No Brasil, a principal unidade fica no município paulista de São José dos Campos e é a prova de como o investimento em produtos de alto valor agregado e que envolvem uma cadeia produtiva complexa contribui para formar um círculo virtuoso que beneficia todos ao seu redor. A Embraer foi a primeira empresa do setor tecnológico a se instalar em São José dos Campos. Não fosse ela, e o ITA, dificilmente a cidade seria o que é hoje: um polo tecnológico com mais de 100 empresas do setor aeroespacial, sessenta de tecnologia da informação e 27 startups, grande parte delas fornecedora da própria Embraer. Cerca de 40% das exportações de alta tecnologia brasileiras partem do município. Por essas características, a cidade foi escolhida para ser a última parada da Expedição VEJA, projeto criado para mostrar o Brasil que empreende, supera as adversidades e compete ombro a ombro com os melhores do mundo. Em 28 dias, o ônibus de VEJA visitou onze municípios de catorze estados brasileiros, além do Distrito Federal, na busca de histórias de sucesso individual e coletivo, que foram publicadas nas páginas da revista e no site de VEJA. O ônibus deixou a estrada, mas o projeto continua — na forma de matérias semanais que, até o fim deste mês, poderão ser lidas em VEJA.com e por meio dos debates que a revista organizará com o objetivo de discutir os problemas e soluções encontrados ao longo dos 11.938 quilômetros percorridos pela equipe de reportagem. ____________________________________ 4# INTERNACIONAL 11.6.14 4#1 UM REI PARA SALVAR O TRONO 4#2 O BOLIVARIANISMO TELEPÁTICO 4#1 UM REI PARA SALVAR O TRONO A abdicação de Juan Carlos, da Espanha, em favor do filho, o príncipe Felipe, é uma tentativa de estancar o declínio da confiança na monarquia em um país que ainda sofre os efeitos da crise econômica. TATIANA GIANINI Os 46 anos de vida do espanhol Felipe João Paulo Afonso de Todos os Santos de Bourbon e Grécia, o príncipe de Astúrias, foram planejados para dar ao herdeiro real as aptidões necessárias para assumir o mais alto posto da monarquia espanhola. Desde muito jovem, ele teve aulas de oratória, relacionamento interpessoal e dicção, além de decorar todas as infindáveis regras de protocolo da realeza. Com 9 anos, dominava a língua materna, o inglês e o francês. Felipe ainda cumpriu com louvor o treinamento nas academias militares, estudou relações internacionais em Washington e visitou sessenta países em viagens oficiais. O cuidado com a formação de sucessor da coroa lhe rendeu o apelido de "Felipe, o Preparado". Com a abdicação de seu pai, o rei Juan Carlos, anunciada na segunda-feira 2, Felipe terá de se esmerar para mostrar que suas qualificações serão suficientes para reverter o estado de agonia de uma monarquia desacreditada pelos seus súditos e maculada por uma série de escândalos ocorridos justamente no momento em que a Espanha passa pela pior crise econômica em quatro décadas. Entre eles, o indiciamento por lavagem de dinheiro e fraude fiscal da infanta Cristina de Bourbon, sua irmã, e a viagem luxuosa que o rei Juan Carlos fez à África para caçar elefantes a convite de um magnata saudita. A longa lista de percalços da monarquia está entre as razões que levaram Juan Carlos a abdicar aos 76 anos, depois de 39 de reinado, embora em discurso na televisão ele tenha falado apenas em passar a chefia de Estado para "as gerações mais novas, com mais energia". Em sua aventura em Botsuana, em 2012, sem a companhia da rainha Sofia, mas sim de sua amante, a princesa alemã Corinne zu Sayn-Wittgenstein, 27 anos mais jovem, o rei quebrou o quadril. Desde então, fez cinco cirurgias, mas nunca recobrou a saúde. "O rei pode ter se convencido de que existe pouca chance de recuperar a popularidade, que é a base de sobrevivência da monarquia, ou simplesmente ele se deu conta de que estava cansado demais para tentar", diz o inglês Paul Preston, da London School of Economics, autor de quatro biografias sobre Juan Carlos. Felipe nasceu em Madri em janeiro de 1968, um ano antes de seu pai ser designado sucessor do ditador Francisco Franco e iniciar a reinstituição da monarquia, interrompida em 1931 com a proclamação da República e o exílio do rei Afonso XIII. Após a Guerra Civil Espanhola (1936 a 1939), o general Franco assumiu o poder com um golpe de Estado. Ao contrário dos republicanos, o ditador tinha grande apreço pela monarquia. Em 1947, a Lei de Sucessão declarou a Espanha um reino e deu a Franco o direito de nomear seu eventual sucessor. Em 1948, Franco fez um acordo com dom Juan, filho de Afonso, para que o príncipe Juan Carlos, então com 10 anos, fosse enviado à Espanha para estudar. Franco achou que poderia preparar o jovem para ser seu sucessor. Era o filho que nunca teve. Vinte e um anos depois, nomeou Juan Carlos "sucessor a título de rei". Três anos após assumir o trono, em 1978, em vez de manter poderes absolutos, Juan Carlos assinou uma nova Constituição democrática, segundo a qual todos os atos do rei devem ser referendados pelo governo eleito. Por isso, o anúncio da abdicação, na semana passada, foi feito antes pelo primeiro-ministro Mariano Rajoy. Pela Carta, o rei também é considerado "inviolável", o que o protege de processos judiciais, incluindo pedidos de teste de paternidade (Juan Carlos pode ter de responder a dois deles depois de entregar a coroa). Apesar dos escândalos recentes, os espanhóis ainda respeitam Juan Carlos pelo papel que ele teve na transição democrática, com direito a impedir uma quartelada militar em 1981, e pela firmeza com que representava o país no exterior, como na ocasião em que mandou o ex-presidente venezuelano Hugo Chavez calar-se, depois que este chamou o ex-primeiro-ministro espanhol José Maria Aznar de fascista. A realeza espanhola é a menos perdulária da Europa — o seu orçamento anual representa apenas a sexta parte do que consome a monarquia inglesa. Juan Carlos e sua família vivem desde 1962 no Palácio da Zarzuela, construído no século XVII como uma residência de temporada. Antes de conhecer Letizia Ortiz, a futura rainha consorte, Felipe namorou a modelo norueguesa Eva Sannum, com quem tinha planos de se casar. A Casa Real, porém, a considerava inapropriada para ser rainha. Felipe se casou com Letizia, uma jornalista divorciada, em 2004. As filhas Leonor, de 8 anos, e Sofia, de 7, estudam em um colégio privado e laico com mensalidade de 2000 reais. Felipe e Letizia costumam levar as duas para as aulas, a dez minutos de sua casa, de onde não pretendem se mudar. Leonor vai ser a primeira na linha de sucessão e ganhará o título de princesa de Astúrias. Por isso, no pronunciamento na TV da semana passada, Juan Carlos tinha sobre a mesa uma foto dele com o príncipe Felipe e a neta Leonor. A caçula ficou enciumada. Se Felipe tiver um filho homem, ele passará à frente na linha de sucessão. A monarquia espanhola nasceu junto com a Espanha. Até o século XV, o país estava dividido entre vários reinos, dos quais Castela e Aragão eram os mais poderosos. O casamento de Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão, os reis católicos, uniu os territórios. Entre as tarefas de Felipe VI, o Preparado, estará a manutenção desse legado. Em 9 de novembro, em Barcelona, capital da Catalunha, a população fará um plebiscito, considerado ilegal pelo governo espanhol, para decidir sobre a independência em relação à Espanha. COM REPORTAGEM DE LETÍCIA NAÍSA 4#2 O BOLIVARIANISMO TELEPÁTICO Cristina cria secretaria de controle do pensamento. Nenhum governante totalitário gosta de escutar vozes dissonantes. Se eles pudessem, reprogramariam o cérebro de todos os cidadãos. Na ausência de um expediente mágico, dá-lhe censura, prisão de opositores, fechamento de jornais. Na América Latina, a Venezuela é a primeira colocada na tentativa de controlar o pensamento alheio, com a Argentina logo atrás. Onze anos com Néstor e Cristina Kirchner no poder deixaram o país em estágio avançado de bolivarianismo. A telepatia bolivariana ganhou um novo instrumento na semana passada, quando a presidente criou por decreto a Secretaria de Coordenação Estratégica para o Pensamento Nacional. Entre as suas funções, está forjar a "percepção do ser argentino" financiando filmes patrióticos — e ideologicamente alinhados com o governo, claro. A autarquia será comandada pelo filósofo Ricardo Forster, um dos fundadores do Carta Abierta, grupo chapa-branca definido pelo oximoro "intelectuais kirchneristas". Uma das primeiras medidas para doutrinar as massas foi a Lei de Mídia, que pôs quase todos os veículos de comunicação na mão de empresários governistas ou do Estado. Apenas um em cada cinco canais de rádio e televisão hoje pode criticar a Casa Rosada, a sede do Executivo. Em 2011, criou-se o Instituto Nacional de Revisionismo Histórico Argentino e Iberoamericano. Isso mesmo. O país tem um órgão oficial, com burocratas bem pagos, para manipular o estudo da história e deixar os fatos do jeito que o governo gosta. Um seminário dado no mês passado no instituto falava sobre o "Peronismo dos anos felizes (1943 a 1949)" e chamava a década de 60 de um intervalo "entre peronismos", já que o caudilho Juan Domingo Perón retornou ao poder nos anos 70. Em entrevista concedida pelo presidente do instituto, Víctor Ramos, a um jornal (oficialista, claro), ele conta esta: "Meu pai esteve numa reunião com Fidel Castro, e a conclusão a que chegaram sobre o que é ser revolucionário atualmente é que revolucionário é aquele que está pela unidade". No fim de marco, a Argentina foi o tema do Salão do Livro de Paris. O escritor Martin Caparrós, que estava na comitiva, foi desconvidado quando o governo decidiu excluí-lo por causa de seu pensamento político. Na sequência, Ricardo Piglia desistiu de ir ao evento. Criticado pelo diretor do salão, Bertrand Morisset, respondeu: "Parece-me que monsieur Morisset tomou a sério a ideia de que a literatura argentina se divide em K (de Kirchner) e anti-K, e não sabe que a maioria de nós pensa a nossa literatura de outra maneira". Um dos inúmeros mitos no país de Cristina é que "todo argentino é peronista". Até o papa Francisco. A realidade, obviamente, tem suas sutilezas. Cristina quer ir além e transformar todo argentino em kirchnerista. Ela tem até as eleições do ano que vem para tentar. DUDA TEIXEIRA _______________________________________ 5# GERAL 11.6.14 5#1 GENTE 5#2 COPA – RETRATO DE DOIS BRASIS – 1950 – 2014 5#3 COPA – MARCAÇÃO CERRADA 5#4 HUMOR – MENDES PEDREIRA – AGAMENON 5#6 SAÚDE – UMA PUXADA E A VIDA FICA MELHOR 5#7 ARTIGO – J.R. GUZZO – ANALFABETOS VOLUNTÁRIOS 5#8 ESPECIAL – O DERRADEIRO NOCAUTE DE EDER JOFRE 5#1 GENTE THAÍS BOTELHO. Com Marília Leoni e Taísa Szabatura A RAINHA ESTÁ NUA Desde que Marilyn Monroe cantou Parabéns a Você para John Kennedy, um vestido transparente sobre um corpo espetacular não causava tanta repercussão como a quase invisível roupa usada por RIHANNA numa cerimônia de premiação de moda em Nova York. A beleza da cantora superou até as regras habituais de decoro — nudez em público, só no Carnaval. Tampouco se viram defensores dos animais atacando Rihanna por usar uma pele de raposa tingida de rosa-claro para fingir alguma modéstia. Pouca gente reparou que Chris Brown, ex-namorado de Rihanna, foi solto no mesmo dia da festa, depois de mais uma violação da condicional imposta por ter agredido a cantora. E, como todos os homens devem ter reparado, ela também usou brincos de pedra da Lua. QUATRO A ZERO Enquanto colegas de profissão vão abdicando, a mais veterana monarca reinante da Europa, Elizabeth II, da Inglaterra, 88 anos, continua firme e forte. E ainda dá show de resistência e figurino, como fez no primeiro dia de sua viagem à França, para as comoventes cerimônias em memória dos setenta anos do desembarque na Normandia. Entrou no TGV em Londres com uma roupa e, dentro do trem, trocou o casaco longo por um curto e mudou o chapéu, mantendo o mesmo vestido brilhante. No Arco do Triunfo, usou um tailleur rosa de derreter os mais republicanos corações franceses, pela evocação aos tradicionais modelos Chanel. E ainda sobrou fôlego para trajar outro vestido com brilhos numa recepção no fim da tarde. Segura, Juan Carlos. HASHTAG RAINHA DOS NERDS Para interpretar Ludmila, uma "maria-arroba" — nome dado às mulheres que perseguem nerds com potencial de enriquecer —, na novela Geração Brasil, ELLEN ROCCHE perdeu 9 quilos e recorreu ao conhecimento adquirido quando, antes de se tornar famosa, interpretava a personagem de videogame Lara Croft e era idolatrada pelos jogadores. "Nerds querem uma companheira que jogue videogame com eles e, ao mesmo tempo, uma musa dos quadrinhos", resume a atriz, que não decepciona em nada seu antigos fãs na parte corpo que só existe em sonhos de cartunistas. "Eu acho que o maior desafio é se reinventar dentro de uma personagem sensual. Nem toda gostosa é igual", filosofia. Disso, ninguém duvida. E VIVA, NOVAMENTE, A DIFERENÇA A esguia dinamarquesa CAROLINE WOZNIACKI já foi até acusada de racismo por colocar uns enchimentos nas comissões de frente e, principalmente, de fundos, para imitar a americana SERENA WILLIAMS. Bobagem; as duas tenistas são amigas, uma raridade num campo de extrema competitividade. Foram juntas à praia em Miami deixar nas ondas as mágoas recentes: ambas foram eliminadas do Aberto da França; para piorar, Caroline foi abandonada pelo noivo, o jogador de golfe irlandês Rory McIlroy, quando os convites para o casamento já tinham sido enviados. Espíritos maldosos vão fofocar? "Se fosse homem, seria gay", já disse Serena. "Adoro homens. 5#2 COPA – RETRATO DE DOIS BRASIS – 1950 – 2014 Imagine a cena de um filme de ficção científica em que um torcedor fecha os olhos no Maracanã em 24 de junho de 1950, data de abertura do primeiro Mundial realizado aqui, e quando volta a abri-los está no Itaquerão, nesta quinta-feira 12, palco do primeiro jogo desta Copa. O que se verá nas próximas páginas é a tentativa de recriar com fotografias e textos a estupenda experiência sensorial daquele choque do futuro do personagem fictício. A seguir, de A a Z, VEJA contrasta o Brasil de 1950 com o de 2014 em quase todos os domínios da vida — estética, cultura, economia, política, comportamento e, claro, futebol. Alguns vícios brasileiros, atraso, por exemplo, parecem invencíveis. Mas o resultado da caminhada civilizatória desses 64 anos que se passaram desde a Copa de 50 é, como se verá, animador. RINALDO GAMA A ATRASOS No futebol, o time que atrasa a bola para o goleiro costuma ser vaiado. Sobram vaias para o Brasil na organização de seus dois Mundiais. Em 1950, a 39 dias da abertura da Copa, não se sabia qual seria a cidade-sede do Nordeste. Projetado para ser o maior estádio do planeta, o Maracanã só foi inaugurado uma semana antes do início da competição, inacabado. Em 2014, a um mês da primeira partida, o país tinha concluído menos da metade das metas que havia se comprometido a cumprir. E, a onze dias de a bola começar a rolar, o Itaquerão, palco da estreia, não pôde ser inteiramente testado pela Fifa. Vaias, vaias. NO RIO... O MARACANÃ NA INAUGURAÇÃO: ANDAIMES NO MEIO DOS TORCEDORES ..E EM SÃO PAULO ARQUIBANCADAS PROVISÓRIAS DO ITAQUERÃO: SEM TESTE B BIBI FERREIRA Às vésperas do primeiro Mundial no Brasil, a companhia de Bibi Ferreira estreou a peça Escândalos 1950. Considerada uma superprodução para a época, a revista tinha um quadro dedicado ao torneio. "A Mara Rúbia simbolizava a Copa e descia do palco toda vestida de dourado. Era desejada por todos, como seria a Jules Rimet nos gramados", lembra a atriz e cantora. Ela, no entanto, não guarda boas recordações daquela montagem. "O teatro em que estávamos pegou fogo. Perdi tudo e precisei pedir dinheiro emprestado para sobreviver." Aos 92 anos, a carioca segue na ativa: acaba de estrear em São Paulo Bibi, Histórias e Canções. Como se vê, quem supõe que o gosto - e o talento - dos brasileiros por musicais seja algo recente está enganado. BUROCRACIA O título, estampado na primeira página do jornal O Globo de 3 de fevereiro de 1950, intrigava: "As uvas do pobre e os pêssegos dos granfinos". O texto, entre irônico e arrastado, comentava de que modo a burocracia, essa impertinência do Brasil, impedia o transporte de uvas pelo território nacional. Barcos estrangeiros estavam impedidos de transportar 30.000 caixas de uvas gaúchas, que apodreciam. Enquanto isso, pêssegos, mais caros, iam de avião. A burocracia, como se sabe, ainda atrapalha os negócios em 2014. Navios de cabotagem precisam cumprir doze normas burocráticas, sem muito sentido - nos EUA, basta declarar quem e o que está a bordo. É um dos motivos de o transporte de carga no país ser predominantemente rodoviário. C CONSTITUIÇÃO A charge abaixo (O Globo, 1950) alfineta o iminente retorno de Getúlio Vargas ao poder. A Constituição hoje não corre risco. A discussão recorrente é sobre a judicialização da política. [charge] Privilégio GETÚLIO — Se eu for eleito estou certo que você não irá rasgar a Constituição! DUTRA - Claro que não! A Constituição ficará intacta, para você rasgá-la depois... D DUTRA E DILMA Assim como agora, a Copa de 1950 aconteceu em ano eleitoral. O general Eurico Gaspar Dutra, que havia assumido a Presidência quatro anos antes, vivia momentos de apreensão. Com a inflação em alta e a crise energética fustigando o país (leia o verbete Racionamento), Dutra tinha na volta de Getúlio Vargas, a quem ajudara a depor em 1945, um fantasma de carne e osso. Seu candidato era o mineiro Cristiano Machado, eleito deputado constituinte em 1946. Sessenta e quatro anos depois, Dilma Rousseff atravessa fase semelhante - talvez mais grave porque tenta a reeleição. Além de ter de driblar os simpatizantes do "Volta, Lula" - o ex-presidente que a levou ao Planalto -, recebe críticas por não controlar bem a inflação e, apesar de o país ser abundante em recursos renováveis, um racionamento não é descartado por falhas no planejamento. VENDO FANTASMAS ANO ELEITORAL: VOLTA, VARGAS; VOLTA, LULA E ESTÉTICA As mulheres de 1950 preferiam cabelos arrumadinhos, com todos os fios mantidos no devido lugar à base de muito laquê (spray fixador). Os penteados tinham sempre algum volume e o rabo de cavalo despontava como nova tendência, depois que a atriz Helen Gallagher o tornara moda nos Estados Unidos. Na maquiagem, a pele era pálida, sem o rosado do blush; os olhos, destacados com delineador; e os lábios, coloridos em tons de vermelho. Hoje, equipamentos práticos facilitam a tarefa de se embelezar. A maioria das mulheres recorre à chapinha para eliminar qualquer traço de volume nos cabelos. Elas preferem usá-los lisos. A maquiagem é usada com parcimônia, buscando um resultado mais natural - e que transmita um ar saudável. F FÉ Com 126,7 milhões de fiéis, o Brasil é hoje o maior país católico do planeta. Em 1950, com 48,5 milhões de brasileiros que declaravam pertencerá fé romana, já ocupávamos o primeiro lugar na classificação internacional das nações católicas. Um olhar mais profundo, porém, revela um cenário um pouco diferente. De lá para cá, a proporção de católicos em relação à população geral caiu drasticamente. Há sessenta anos, eles representavam um bloco monolítico, com 93,4%. Agora, são 65%. O rebanho vem sendo ceifado pelo avanço acelerado de outros credos, sobretudo dos evangélicos, que despontaram a partir dos anos 90. Os espíritas cresceram, mas pouco: de 1,59% para 2,17% da população. G GEOPOLÍTICA No dia seguinte à abertura da Copa de 1950, os jornais brasileiros noticiavam a invasão da Coreia do Sul, aliada dos Estados Unidos, pela comunista Coreia do Norte. O Brasil resistiu à pressão americana para mandar tropas. O jogo não é mais capitalismo x comunismo, mas a geopolítica mundial afeta o Brasil. Edward Snowden revelou que Dilma foi espionada, e a presidente cancelou sua visita aos EUA. GASOLINA A gasolina, importada, custava 1,98 real o litro. A Petrobras só seria criada três anos depois - mas o movimento "O petróleo é nosso" estava nas ruas. Hoje, o Brasil produz 1,9 milhão de barris de petróleo por dia, mas, mesmo subsidiada, a gasolina, ainda importada, custa quase 50% a mais e vale 2,80 reais o litro nos postos. É difícil entender esse quadro. Uma CPI do Senado apura a corrupção na Petrobras. GORDURA A obesidade não preocupava, e a hipercalórica gemada era sucesso entre as crianças. A sorveteria Kibon tinha a marca semipronta mais popular de gemada, anunciada como "alimento completo" e de fácil preparo. Hoje, 39% das crianças brasileiras estão acima do peso e as dietas calóricas são desaconselhadas para elas pelos médicos. H HINO A melodia que embalou a Copa de 1950 foi a Marcha do Scratch Brasileiro, composta por Lamartine Babo e sucesso na voz de Sílvio Caldas: "Eu sou brasileiro, tu és brasileiro (...) Vamos torcer com fé". Neste ano, além da música oficial, há todo um álbum em homenagem ao torneio. A canção-tema, We Are One, interpretada pelo rapper Pitbull, com Jennifer Lopez e Claudia Leitte, é um pop eletrônico que só lembra o Brasil nos escassos trechos cantados pela estrela nacional e nas batidas do Olodum. PERDA DE IDENTIDADE: A BRASILIDADE DE LAMARTINE BABO DEU LUGAR AO POP DE CLAUDIA LEITTE I INGRESSOS O ingresso mais caro para a final da Copa de 1950 custava 150 cruzeiros, o equivalente a 154 reais. Com o salário mínimo de então (380 cruzeiros, ou 390 reais), era possível comprar duas entradas - e ainda sobrava algum para a pipoca. Hoje, ver a decisão do Mundial na categoria 1, a mais cara do Maracanã, custa 1980 reais. O salário mínimo de 2014 (724 reais) não cobre metade de um ingresso. J JOÃO E JOHN O destaque literário de 1950 foi O Cão sem Plumas, do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto. Hoje, a poesia não mobiliza mais. O líder de vendas de livros no Brasil é o americano John Green, autor de A Culpa É das Estrelas, um romance juvenil. K KOMBI As três primeiras chegaram prontas ao Brasil em 1950. Três anos depois, começaram a ser montadas aqui. A perua da VW foi aposentada em 2013. Hoje, o Brasil produz 3,7 milhões de veículos das marcas mais famosas do mundo, como a alemã BMW. FIM DE LINHA - O MODELO DA VW: 63 ANOS DE HISTÓRIA NO PAÍS L LEI DA COPA Só na antevéspera do início da Copa de 1950 o comitê organizador vetou a entrada, nos estádios, de fogos de artifício, garrafas e laranjas, das quais jogadores e juízes eram alvos contumazes. A Lei da Copa de 2014, sancionada há dois anos pela presidente Dilma, teve foco mais comercial, reservando à Fifa os direitos de uso de termos como "pagode" e "Brasil 2014". LOTERIA O ganhador do grande prêmio da Loteria Federal em 1950 recebia o equivalente a 5 milhões de reais. Dava para comprar seis apartamentos de frente para o mar em Copacabana. A Mega-Sena já pagou 244 milhões de reais. É muito mais dinheiro, e Copacabana perdeu prestígio para Ipanema e Leblon. O felizardo de hoje poderia comprar 87 apartamentos em Copacabana. M MANIA O álbum de figurinhas da Copa de 50 foi produzido por uma fábrica de doces. Elas eram vendidas junto com as Balas Futebol e retratavam apenas os onze titulares das treze seleções. Que contraste com o álbum de 639 figurinhas do Mundial de 2014, distribuído em 110 países. Quase 4% dos jogadores estampados nas figurinhas do passado não foram convocados para a Copa. O erro agora é o triplo. São 12,5% os jogadores faltantes. NA FIGURINHA, SIM; NA COPA, NÃO O ÁLBUM DE 2014 ERROU MAIS DO QUE O DE 50. ROBINHO É O ENGANO NA SELEÇÃO BRASILEIRA MATERIAIS SINTÉTICOS Na primeira Copa do Brasil, uma fabriqueta de Niterói, a Superball, foi responsável pelo maior avanço tecnológico de então. A bola Duplo T, de couro marrom, não tinha mais cadarços, as costuras ficavam escondidas e a válvula foi embutida. Era feita 100% com materiais naturais: borracha e couro. A Brazuca, de 2014, da Adidas, tem câmara de ar de látex sintético coberto por cinco camadas de poliuretano formulado especialmente pelos químicos da alemã Bayer, de modo a dar à Brazuca uma estrutura indeformável e superfície repelente à água. MARGARINA Em 1950 surgiu a grande novidade do café da manhã dos brasileiros: a margarina, vendida como alternativa mais saborosa, barata e saudável à manteiga. Um sucesso imediato. Nos anos 80 veio o alerta. Colocadas lado a lado, as curvas de incidência de ataques cardíacos e de consumo de margarina coincidiam. A suspeita recaiu sobre a gordura artificial da margarina, que foi condenada. Hoje, as margarinas contêm ômega-3, fitosteróis e outros ingredientes benéficos. MÚSICA General da Banda, Balzaquiana, Nega Maluca e Paraíba foram os maiores sucessos em 1950. Com o refrão "Paraíba masculina / Muié macho, sim sinhô", a canção de Luiz Gonzaga causaria certa repulsa no mundo politicamente correto de hoje, ao qual o Brasil aderiu de modo quase integral. Como os hits atuais serão lembrados daqui a 64 anos? "...os plaque de 100, dentro de um Citroën", canta MC Guimê, ídolo atual do funk ostentação. As gírias são incompreensíveis e caem em desuso da noite para o dia. Uma boa aposta talvez seja que Gonzagão ainda será reverenciado em 2078 e o hoje grande MC Guimê será superado antes de 2018. N NUVEM Comunicação veloz e barata eram cartas par avion. Os telegramas custavam fortunas. Hoje a comunicação de baixo custo e rápida vai pelas nuvens — não as cumulus nimbus varadas pelos pilotos do Correio Aéreo Nacional. Nuvens são servidores de internet, alguns até em balões. NO AR - DOS AVIÕES DE CORREIO AOS BALÕES COM WI-FI DO GOOGLE O OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA Uma geladeira era feita para durar décadas. A indústria ainda não adotara a obsolescência programada - estratégia, mais comum depois de 1954, de fabricar bens com prazo de validade e, assim, vender mais, substituindo-os por modelos mais novos. Hoje é diferente. Os carros modelo 2014 já foram mostrados em 2013. Não passa um ano do lançamento de um modelo e um novo iPhone é anunciado. Vivemos em um mundo 2.0...Oops, já é 3.0! P PRODUTIVIDADE NO CAMPO Fora a enxada e o arado e alguns poucos insumos, a produção de alimentos era artesanal no Brasil de 1950 e mal dava para alimentar uma família. Até as culturas de exportação, como a cana-de-açúcar e o café, dependiam totalmente de braços de homens e mulheres. Anos mais tarde, Getúlio Vargas faria uma tentativa de mecanizar as lavouras. Mas a produtividade brasileira no campo, uma das maiores do mundo hoje, só veio com a correção da acidez do solo do cerrado pela Embrapa durante o regime militar. Atualmente cada homem do campo no Brasil produz alimentos para cerca de 200 pessoas. MÃOS E MÁQUINAS - PROGRAMA DE MECANIZAÇÃO FOI INCENTIVADO POR VARGAS Q QUEIXADA Ademir de Menezes, o Queixada, do Vasco, foi o artilheiro do Brasil em 1950, com oito gols. Tinha 1,76 metro de altura e 73 quilos. Era mais pesado que a média da seleção de Flávio Costa (68 quilos) e também mais alto (1,74 metro). Quando se compara a anatomia dos craques de 1950 com a dos de 2014, percebe-se como atletas normais viraram máquinas. A canarinho de Felipão tem, em média, 1,81 metro e 75 quilos. OS DOIS ESCRETES – O ATUAL É MAIS ALTO E MAIS PESADO R RACIONAMENTO A história se repete: o Brasil de 50 estava à beira do colapso energético, ameaça atualíssima. Curiosamente, ou não, as causas são as mesmas. 1950 foi um ano tremendamente seco. Além disso, o governo havia imposto um teto de 10% de lucratividade às empresas energéticas, que, desanimadas com o negócio, deixaram de investir em novas usinas justamente quando a demanda crescia mais. Às vezes, como nesse caso, o passado ilumina o presente. AS DONAS DE CASA E O RACIONAMENTO DE ELETRICIDADE ANTES... ANÚNCIO SOBRE COMO LIDAR COM A FALTA DE ENERGIA .E AGORA O BAIXO NÍVEL DA REPRESA DE FURNAS S SUPERSTIÇÃO O uniforme todo branco com gola e manga azuis usado no Maracanazo de 1950 virou símbolo de mau agouro. Por isso, a camisa amarela passou a ser usada a partir de 1953. Na quinta-feira, a seleção estreará contra a Croácia vestindo seu uniforme tradicional. Esconjuro. T TELEVISÃO Por pouco o Brasil não se tornou o primeiro país a transmitir uma Copa pela televisão. A TV Tupi entrou no ar em 18 setembro de 1950. Na ocasião, Lolita Rodrigues cantou o Hino da TV Brasileira no lugar de Hebe Camargo (1929-2012). Para ter um aparelho, era preciso gastar então 41 salários mínimos. Hoje, compra-se uma boa TV por menos de um. U URBANIZAÇÃO O número de brasileiros saltou de 51,9 milhões, em 1950, para 201 milhões, em 2013. No mesmo período, o país passou de oitavo a quinto mais populoso do mundo. A mudança mais drástica foi em relação à urbanização. Antes, 64% dos habitantes moravam no campo. Agora, quase 90% dos brasileiros vivem em cidades. V VIGOR Para esculpir o corpo, encomendava-se pelo correio o programa de Charles Atlas. Os menos radicais adotavam a popular ginástica calistênica da Força Aérea Canadense. Pois não é que o crossfit, que atrai os brasileiros hoje, deve muito ao método dos canadenses. W WM A tática de jogo representada por essas letras era badalada em 1950 e foi adaptada pela seleção. O Brasil de 2014 também utiliza um sistema "da moda". O 4-2-3-1 é o mesmo empregado atualmente pelo Bayern de Munique, do técnico Guardiola. Y YES, NÓS TEMOS BANANA Historiadores costumam dizer que o Brasil de 1950 era o de Carmen Miranda, que ficou famosa cantando e dançando com bananas e outras frutas acomodadas na cabeça. Em abril de 2014, o protesto do baiano Daniel Alves, lateral da seleção e do Barcelona, que comeu uma banana atirada em sua direção por um torcedor racista, mobilizou as redes sociais. X XIS DA QUESTÃO Em 1950, os xavantes foram estreias de famosas reportagens fotográficas. Hoje, as lentes focam os xucurus flechando policiais em Brasília. Os xucurus estão extintos desde 1822. A reaparição teatralizada deles é o xis da questão indígena no Brasil. Z ZAGALLO A história de Zagallo, bicampeão mundial como jogador (58-62) e campeão como treinador (70), nasceu em 1950. Servindo no Exército, ele trabalhou nas obras e na segurança do Maracanã. Agora, aos 82 anos, quer estar na abertura da Copa. COM REPORTAGEM DE ADRIANA DIAS LOPES, ALEXANDRE SALVADOR, CARLO CAUTI, CAROLINA MELO, FERNANDA ALLEGRETTI, JENNIFER ANN THOMAS, LEONARDO COUTINHO, NATALIA CUMINALE, PEDRO DIAS LEITE e RENATA LUCCHESI. 5#3 COPA – MARCAÇÃO CERRADA Para evitar nos Jogos de 2016 os descalabros do Mundial, o COI quer mais garantias do Brasil — mas Dilma se recusa a falar disso agora. MONICA WEINBERG E THIAGO PRADO Com a Copa do Mundo em marcha e as eleições à espreita, a Olimpíada virou um daqueles vocábulos fora de hora e lugar, até incômodo para a cúpula palaciana em Brasília. Ali, os Jogos de 2016, no Rio de Janeiro, são assunto para depois. Há tempos a morosidade federal vem sendo mal digerida pelo alto escalão do Comitê Olímpico Internacional (COI), mas agora a turma de Lausanne resolveu endurecer. A ideia é pôr os pingos nos is e evitar ver reprisados no Rio a desorganização e o descalabro financeiro que marcaram o período pré-Copa. É esse o pano de fundo da queda de braço que o COI trava nos bastidores com os cardeais do governo, um enrosco que preocupa por seu potencial de emperrar o já atrasado cronograma da Olimpíada. No centro do imbróglio reside um documento balizado de Broadcast Refund Agreement, conhecido no mundo olímpico como BRA. Trata-se de uma carta de garantia usual no COI, em que o poder federal se coloca como uma espécie de fiador de um adiantamento de recursos vindo da Suíça. Ela diz respeito aos direitos de transmissão de imagens dos Jogos — algo que renderá em torno de 1,4 bilhão de reais ao Comitê Organizador Rio 2016. O esperado é que a maior parte dessa bolada entre apenas no ano Olimpíada. Só que o comitê está precisando do dinheiro agora, conta com ele, e os suíços estão dispostos a dá-lo. Não é nada sem precedentes: aconteceu em Londres, por exemplo. A única pendência é exatamente a assinatura do tal BRA, um texto sucinto no qual o governo federal diz que, em caso de cancelamento dos Jogos, vai retornar tal verba ao COI. A operação embute um risco, evidentemente, porém ele é baixo, já que a probabilidade de um evento dessa magnitude mudar de sede beira zero. Mesmo assim, a presidente Dilma Rousseff resiste em assinar. E, enquanto ela não assina — e lá se vai mais de ano —, aquele 1,4 bilhão de reais continua nos cofres de Lausanne. Se o aporte não chegar nos próximos meses, será necessário pisar no freio justamente quando é premente acelerar. Não são só a lentidão e a burocracia naturais da máquina que atravancam a assinatura da carta. Irritada com a pressão em plena Copa, Dilma tem externado a seus assessores um incômodo com a insistência do COI. Em janeiro, numa visita a Brasília, o próprio presidente do comitê internacional, o alemão Thomas Bach, colocou na mesa a pendenga do BRA. Ela ouviu com atenção, trocaram gentilezas, mas o problema seguiu se arrastando. A não assinatura da carta ainda confere ao Planalto maior poder de barganha junto ao comitê local (ao qual, aliás, Dilma só se reporta por meio de seus ministros). Ela também não se sente perfeitamente à vontade com o teor do documento propriamente dito; classifica- o como um "cheque em branco". Antes de sair por aí dando garantias, diz, quer saber em detalhes a quantas andam as finanças do comitê presidido por Carlos Arthur Nuzman. O Tribunal de Contas da União (TCU) pediu que todos os cargos e salários do quadro de funcionários viessem à luz, mas o comitê até agora não os mostrou. Alega a inconsistência jurídica da medida. Na verdade, o grande cheque em branco federal já foi emitido ainda nos tempos em que o Rio se lançava como sede dos Jogos. Por lei, ficou acertado lá atrás que, no fim da Olimpíada, caberia ao governo cobrir um eventual buraco financeiro e fazer a conta fechar. As negociações eram então capitaneadas por um esfuziante Lula em fim de mandato; agora estão nas mãos de uma presidente às voltas com uma duríssima briga pela reeleição. "O COI sabe que o cenário mudou radicalmente e já entendeu o jogo de empurra entre os vários poderes envolvidos na organização dos Jogos", afirma um observador das costuras. "Por isso, valoriza mais do que nunca garantias formais, como o BRA." Quem acompanha a rotina pré-olímpica assegura que Dilma não só não demonstra grande afeição pelo tema como às vezes até trabalha contra. Soaria como néctar aos ouvidos da alta cúpula do COI a notícia de que a Petrobras, a maior empresa brasileira, assumiria uma cota de patrocínio nos Jogos. Nuzman fez duas investidas recentes na estatal — em vão. Com o devido respaldo presidencial, Graça Foster, a presidente da empresa, declinou. Tinha lá suas razões: a Petrobras está afundada num lamaçal de escândalos sem precedentes, e Graça ainda considerou a pedida de Nuzman — 300 milhões de reais — alta demais. O comitê continua, portanto, à caça de patrocinadores no setor de óleo e gás, o que pode ajudar a reforçar o caixa, que anda à míngua. Como se vê, é ainda longo e tomado de obstáculos o caminho da Olimpíada carioca. Que o caos que precedeu o grande espetáculo do futebol não se repita nos próximos dois anos. 5#4 HUMOR – MENDES PEDREIRA – AGAMENON PATRÃO FIFA Com medo de ser criticada pela imprensa golpista, a presidenta Dilma Roskoff resolveu se antecipar e já ensaiou todos os micos que o Brasil vai pagar durante a Copa. O apagão está confirmado e o apaguão também, porque vai faltar água. Outra providência tomada (tomada trifásica, é claro) pela INFRAERRO é o caos aéreo que foi exaustivamente testado e já está funcionando a todo o vapor nos aeroporcos brasileiros. Para receber bem as hordas de turistas, a presidenta-gerenta também criou um novo programa assistencialista, o Meu Primeiro Assalto. Assim, os gringos que estão chegando há pouco de fora vão ser assaltados pela primeira vez na vida no Brasil. Graças a esse programa de inclusão marginal, o governo pretende criar uma nova fonte de renda pára os criminosos excluídos. Os quebra-quebras, uma das manifestações mais espontâneas da nossa cultura, também vão marcar presença nos estádios superfaturados. Superfaturados no padrão Fifa, é claro. O pau vai comer e não vai ser lá em casa, para tristeza da Isaura, a minha patroa! O clima é de pânico contido e desespero generalizado. Além do transporte ruim e das ruas esburacadas, o torcedor vai ter que ir pros estádios de armadura para não apanhar da polícia e dos baderneiros. E, se o pacato cidadão cair no meio de uma manifestação e acabar espancado, já era: não vai ter vaga em nenhum hospital público! E a segurança dos jogadores? Imagine se um índio revoltado acertar uma flechada na bunda do Hulk, o jogador-melancia. Enquanto os empreiteiros e o governo correm para ver se os estádios e aeroportos ficam prontos até a Olimpíada, a população também está correndo, mas noutra direção, pra fugir da polícia e dos black blocs. Pelo menos, a barbárie está funcionando perfeitamente no Brasil e, o que é melhor, no padrão Fifa de boçalidade. Os baderneiros profissionais se anteciparam ao calendário da Copa e já começaram a quebrar tudo o que vêem pela frente agora. São as "eliminatórias". Os donos de empresas rodoviárias estão com medo de não sobrar nenhum ônibus pros grevistas torcedores tacarem fogo quando a Copa começar. E eu continuo aqui na Granja Comary, aviário-sede da CBF Confederação Brasileira de Frango. Graças às minhas conexões com a cartolagem, arrumei uma vaga no galinheiro onde estão hospedadas as penosas que formam a base da alimentação de nossos craques. O rigoroso Felipão, um técnico disciplinador, exigiu que os jogadores vão cedo pra cama: eles têm que dormir com as galinhas. Mas quem acorda com o cacarejar das criaturas bicudas chegando da balada sou eu. INFRIN GENTE LUÍS FELIPE PRÉ-SCOLARI O Brasil pode não ganhar a Copa, mas o técnico Felipão ganhou uma baba! Felipão sozinho fez mais comerciais de TV que o Fábio Porchat, o Luciano Huck e o Neymar juntos. Incapacitado de atender a todos os convites publicitários que recebeu, Felipão foi obrigado a passar alguns anúncios para o seu fiel assistente, o Murtosa, que, verdade, é o Baixinho da Kaiser. Por falar nisso, tem uma coisa que eu não entendi até agora. Naquele comercial da Sadia, o técnico da seleção retira do forno um suculento frango assado. Em vez de entregar o frango ao goleiro Júlio César, Felipão oferece a iguaria ao seu bigodudo amigo e, subitamente, puxa fora a bandeja, deixando o guloso Murtosa na mão. O Felipão cozinha pro Murtosa? Ele e o Murtosa moram juntos naquela casinha? Será que eles são um casal gaúcho afetivo? A impressão que dá é que a Sadia realizou a primeira propaganda brasileira com duas criaturas do mesmo sexo e da mesma seleção. Não vejo a hora de assistir na TV aos dois amigos inseparáveis fazendo anúncio de linguiça e peru. Da Sadia, é claro. “A seleção é a pátria das marias-chuteiras.” - NELSON RODRIGUES SOBE - Flecha do índio - Inflação - Ingresso de cambista pra Copa DESCE - Reservatório da Cantareira - Passageiro de ônibus em greve - Figurinha do Robinho MINHA ABREUGRAFIA NÃO AUTORIZADA! Eu desafio os decanos da MPB (Muito Pouca Biografia) Caetano Velhoso, Chico Buarque de Hollanda e o Rei Roberto Carnes, o maior censor romântico do Brasil, a expor sua abreugrafia como eu estou fazendo aqui para os meus dezessete leitores e meio (não se esqueçam do anão)! 5#6 SAÚDE – UMA PUXADA E A VIDA FICA MELHOR Técnica de correção de orelhas de abano se aprimora e crianças a partir de 6 anos agora passam por cirurgias mais rápidas, menos invasivas e com nível de dor reduzido. THAÍS BOTELHO Dumbo. Orelhão. Fusquinha de porta aberta. Quem nasceu com orelhinhas de abano sabe como cala fundo ouvir esses apelidos. A cirurgia para correção dessa característica é feita em crianças no Brasil há pelo menos cinco décadas; mas há quatro anos foi aprimorada por um grupo de cirurgiões plásticos. A intervenção agora é mais rápida (o tempo da operação caiu de duas horas para quarenta minutos), mais barata (de até 10.000 reais para 1650) e menos dolorida (não há pontos internos). Por tudo isso, ficou mais acessível e 3500 crianças já se beneficiaram das novas técnicas. A carioca Kamily Rodrigues, 7, nasceu com as orelhinhas abertas. Sua mãe intuiu que ela teria problemas com as outras crianças, mas era professora na escola em que Kamily estudou até os 6 anos e sempre dava um jeito de proteger a filha das zombarias. "Quando mudou de colégio, neste ano, Kamily foi operada para evitar que as brincadeiras maldosas começassem", conta Andressa Rodrigues. Ela sugeriu cuidadosamente a operação e Kamily gostou da ideia. "Agora que tenho a orelha certinha, uso rabo de cavalo toda hora", diz a menina. Ela foi operada pelo cirurgião plástico Marcelo Assis, criador do Projeto Orelhinha, uma ONG com sede em Campinas, interior de São Paulo, que atende, desde 2010, crianças e adultos com renda que em geral tornaria a intervenção inacessível. "Em comparação com a técnica tradicional, nós tiramos mais pele e cortamos a cartilagem. Dessa maneira, podemos aplicar o principal diferencial da nossa prática, que é remodelar, manualmente, a cartilagem que sobrou, em vez de refazer a orelha por meio de dezenas de pontos", explica o médico. Para que o novo desenho se solidifique, o paciente fica quatro dias com um molde de algodão nas orelhas, que é preso por meio de faixas de gaze que envolvem a cabeça. Depois, por mais trinta dias, é preciso usar uma faixinha de elástico, mais simples, na hora de dormir. O corte que é feito na parte de trás das orelhas é costurado com monocryl, um material que, ao contrário do náilon tradicional das suturas, é absorvido pelo corpo. Orelhas de abano são o motivo número 1 de bullying nas escolas. "As crianças afetadas se recolhem, interagem pouco com os amigos e durante a aula, e essa vergonha pode prejudicar o aprendizado", diz a psicopedagoga Nívea Fabrício, presidente da Associação Nacional de Dificuldades de Ensino e Aprendizado. Ginecomastia — disfunção hormonal que faz crescer as mamas de meninos adolescentes — e estrabismo são os dois outros principais motivos. Ambos tratáveis. A ginecomastia tende a desaparecer sozinha em 90% dos casos. Para os casos remanescentes, há a indicação de cirurgia. O estrabismo costuma ser tratado com exercícios oculares, tampões e óculos. Por fim, a cirurgia de reposicionamento de alguns ou de todos os seis pares de músculos oculares pode ser feita em crianças a partir dos 5 anos. Quando o guarda municipal paulista Saulo Corrêa tinha 15 anos, viu desabar a alegria de ter ingressado em um colégio técnico. "Não imaginei que raspariam minha cabeça no trote. Careca, eu não conseguia mais esconder minhas orelhas e virei motivo de chacota", conta. Corrêa carregou a mágoa para a vida adulta e acredita que ela o impediu de se destacar no trabalho. "Sempre sentei na última fileira durante o treinamento para guarda e, já atuando, dei um jeito de não ter de fazer ronda escolar, por medo de sofrer gozação dos alunos." Por causa dessa experiência, Corrêa entendeu os problemas de seu filho. "Quando Caio deixou de ir à aula de futebol e chegava triste da escola, eu logo percebi. Perguntei se queria fazer a cirurgia e ele concordou, mas desde que eu fizesse também." Pai e filho, de 40 e 14 anos, foram operados no mesmo dia, em junho do ano passado, em procedimentos que duraram quarenta minutos, apenas com anestesia local e sedação. "Agora não preciso mais viver de boné", diz Caio. Existem mais de 100 técnicas de otoplastia, a operação de correção de orelhas. Algumas exigem anestesia geral, em outras toda a cartilagem é raspada e depois reconstruída. Naturalmente, só um médico especializado pode identificar o procedimento mais adequado. Todos podem ser feitos em crianças a partir do fim dos 6 anos, época em que a cartilagem para de crescer. Entre 2% e 8% da população tem orelhas de abano e muitas vezes também grandes, ocupando mais de 30% do tamanho do rosto, proporção considerada ideal. É claro que muita gente que nasce com os flaps levantados não recorre ao bisturi (no Orelhinha, só é operada a criança que falar para o médico que quer fazê-lo, não basta o desejo dos pais). O presidente Barack Obama, que costuma fazer piada com suas orelhas, já disse: "O Shrek foi inspirado em mim". A lindíssima atriz americana Kate Hudson passou a infância inteira ouvindo do irmão o conselho para ter cuidado para não levantar voo em dias de vento. E foi um golpe de vento que traiu Nigella Lawson e revelou o segredo que não aparece nas poses sensuais de seus programas de cozinha. 5#7 ARTIGO – J.R. GUZZO – ANALFABETOS VOLUNTÁRIOS Quem não lê nem escreve nunca, embora saiba como fazer as duas coisas, não tem realmente nenhuma vantagem prática em relação a quem não sabe ler nem escrever — como ensina Mark Twain, não vale mais do que um analfabeto puro, simples e legítimo. É um sujeito que conhecemos muito bem no Brasil: aquele infeliz que tem de decorar a cor do seu ônibus, porque não é capaz de ler os números e letras que aparecem no letreiro, ou assina o seu nome com um X, porque não aprendeu a escrever. Caso você esteja entre a multidão que nunca lê um livro, ou uma frase com mais de 140 toques, e nunca escreve nada mais longo do que isso, aqui vai uma notícia interessante: você é um analfabeto. Eu? Sim, você mesmo. É uma pena; infelizmente, também é a verdade. Tanto faz que tenha se formado na universidade, seja um alto executivo multinacional ou nacional, disponha de um certificado de "celebridade", por ser top model ou alguma coisa "famosa", possa utilizar 150 "apps" no seu celular, conte com 1000 amigos no Facebook e, em casos extremos, tenha até sido presidente da República. O indivíduo que nunca lê nada é uma vítima do analfabetismo — vítima voluntária, certo, mas analfabeta do mesmo jeito. Exagero? Se você se recusa a ler ou escrever porque acha chato, inútil, obsoleto ou por qualquer outro motivo, faça o seguinte teste: tente explicar, no duro, qual é realmente a diferença entre você e um analfabeto — além, naturalmente, da capacidade de ler letreiros, assinar seu nome num pedaço de papel e outras miudezas. Vamos ver quem consegue. A maré está na vazante. A substituição do alfabeto por sinais como "rsrsrs", "kkkkk" ou ":)", por exemplo: adiantou alguma coisa para melhorar os índices atuais de inteligência ou de cultura? Não parece. O tempo ganho com essa economia ortográfica não resultou no aumento da produtividade mental de ninguém — não levou à produção de mais ideias, digamos, ou de ideias melhores do que as que vemos por aí. Esse tipo de conquista, que aumenta o volume do som mas não melhora a voz do cantor, só confunde ainda mais a linha divisória entre alfabetizados e analfabetos. Eis aí mais um fenômeno da vida moderna: a universalização da ignorância. Não deveria ser assim. Como todos sabem, a "mobilidade", a "nuvem", a comunhão entre 1 bilhão de pessoas numa rede social e outras conquistas extremas da "conectividade" provocaram uma "revolução dentro da revolução" e outros prodígios. Não se consegue traduzir direito essa linguagem para o português comum; só nos garantem que a internet vem fazendo cair cada vez mais as barreiras entre quem tem e quem não tem "conhecimento". Mas a impressão é que tais barreiras podem estar caindo do lado errado — ou seja, os que têm conhecimento vão ficando cada vez mais parecidos com os que não têm. A tecnologia não pode ser culpada pelo avanço da ignorância entre os que deveriam ser os mais instruídos; é neutra e imparcial. A verdade é que não lê e não escreve quem tomou, livremente, a decisão de não ler nem escrever. Ninguém, graças a Deus e à Constituição, é obrigado a ler nada; na verdade, um dos direitos fundamentais do homem, e alicerce indispensável da liberdade de expressão e de imprensa, é, justamente, o direito de não ler coisa nenhuma. Mas o fato de algo ser lícito não quer dizer, automaticamente, que seja bom — assim como ter um direito não significa que você seja obrigado a usá-lo. Não há, aqui, uma questão de direitos. O que há é uma questão de escolhas. A opção por fechar a cabeça a trinta séculos de sabedoria, de inteligência e de verdades acumuladas por tudo o que o homem escreveu até hoje é lícita, mas é ruim. Qual o bem que poderia vir de uma escolha dessas? É como no comentário do jogador de baralho que desiste de disputar uma mão, diante das cartas miseráveis que acaba de receber: "O meu jogo não está nada bom. Em compensação, está muito ruim". Esse entusiasmo em adotar a opção "perde-perde" em relação à leitura e à escrita vem se tornando um elemento cada vez mais comum no comportamento cultural dos jovens — considerando-se como jovem, aqui, quem tem entre 18 e 50 anos, ou seja, é gente que não acaba mais. Há, felizmente, um bom número de exceções, mas são só isso, exceções. A regra, para os demais, é clara: ler é chato, escrever é inútil e ambas as coisas são típicas de um passado que está tão morto quanto a civilização asteca. Na verdade, vigora hoje em dia um desprezo ativo pela leitura — um "porre", tanto maior quanto menos recentes são os autores. Se você já leu um livro de Eça de Queiroz, por exemplo, é melhor não ficar contando isso por aí — corre o risco de ser considerado um mala, e ainda por cima metido a besta. Escrever, então, pode ser até pior. A carta, em que as pessoas aprendiam a se expressar, transmitir emoções e juntar uma ideia com outra, é hoje um objeto extinto. Foi substituída por e-mails cada vez mais subnutridos, áridos e sem alma; um operador de código Morse escreveria com estilo melhor. Há rapazes e moças que já estão com 25 anos de idade, às vezes mais, e nunca escreveram nada na vida. Redigir mais de 100 palavras em seguida, por exemplo, deixa um executivo de primeira linha exausto, como se tivesse acabado de escrever Os Lusíadas. Jornalistas que trabalham em rádio e televisão passam anos sem escrever uma palavra; precisam ler o papel que lhes foi entregue. A grande maioria dos brasileiros que completam o curso superior sai da universidade com dificuldades extremas para conectar entre si os diversos mecanismos cerebrais que permitem ao ser humano comunicar-se por escrito; contentam-se em ser "o animal que fala", como Aristóteles descrevia o homem primitivo. O mundo onde há animais que, além de falar, também são capazes de ler continua vivo, mas questiona-se cada vez mais o sujeito que tem um livro na mão. A maneira realmente moderna de encarar a leitura é medir a sua utilidade com uma pergunta-chave: "Ler para quê?". Hoje em dia é possível ficar sabendo qualquer coisa, em qualquer lugar e a qualquer hora — da data da Batalha de Tuiuti ao dia do aniversário de Cate Blanchett. Qual a necessidade de saber as respostas antes de serem feitas as perguntas? É um modo de encarar a vida — não é preciso mais aprender, basta chamar o Google. É errado pensar assim? Com certeza é melancólico. Privar-se, por livre e espontânea vontade, do que escreveram Machado de Assis, Charles Dickens ou Victor Hugo — ou Nelson Rodrigues, Balzac e Fitzgerald, numa sucessão de gênios que passa de 100, talvez 200 nomes — é um desperdício que mete medo. Perde-se, sem ganhar nada em troca, o que nos deixaram as melhores mentes que a civilização humana já produziu — algo provado com fatos objetivos, e não com teses universitárias. Shakespeare, que escreveu há 500 anos, continua sendo o autor mais representado, até hoje, em teatros de todo o mundo; não passa um único dia sem que alguma peça sua esteja em cartaz, em algum lugar. Vendeu tantos livros que não cabe nas listas de best-sellers de "todos os tempos" — calcula-se que tenha vendido entre 2 e 4 bilhões de exemplares, seguido de perto pela rainha das histórias de mistério, Agatha Christie. Dickens, que também faz parte desse grupo, pode ter vendido 1 bilhão de exemplares ao todo. É certo que o seu livro de maior sucesso e de circulação mais bem contabilizada, Um Conto de Duas Cidades, vendeu sozinho 200 milhões de cópias. Será que toda essa gente estava errada, e que só agora, depois da vinda ao mundo do iPhone, a humanidade começou enfim a entrar no caminho correto, dispensando-se da ultrapassada tarefa de ler? Será que abolir da vida a imaginação e a curiosidade, como tanta gente está fazendo, torna as pessoas mais inteligentes, produtivas ou eficazes? Todas as vezes em que você perceber que está ao lado da maioria, é hora de fazer uma pausa e pensar um pouco. 5#8 ESPECIAL – O DERRADEIRO NOCAUTE DE EDER JOFRE Os estudos do cérebro do lendário pugilista de 78 anos, acompanhados com exclusividade por VEJA, podem fornecer o argumento que faltava para derrotar a malignidade do boxe sem afetar sua arte: a decisão de que os profissionais passem a lutar com protetor de cabeça. FÁBIO ALTMAN E NATALIA CUMINALE Em Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Márquez, o patriarca José Arcadio Buendía inventa um engenhoso método para compensar uma peste, sucedânea da insônia, que engole o povoado de Macondo e apaga a memória dos cidadãos. Com um pincel começa a marcar em etiquetas o nome e a utilidade de cada objeto. No pescoço de uma vaca, uma placa informa: "Esta é a vaca que deve ser ordenhada todas as manhãs para produzir leite e o leite deve ser fervido para poder ser misturado ao café". E seguia a vida, com mais de 14.000 bilhetes e a euforia da reconquista das lembranças. Na Macondo particular de Eder Jofre, um quarto tão simples quanto bem arrumado, de 2 por 4 metros, na casa da filha, no bairro de Campo Limpo, Zona Sul de São Paulo, uma folha de papel A4 colada na porta do armário de madeira compensada avisa com letras femininas e carinho: "Eu, Eder Jofre, moro com a minha filha Andrea, o marido, Oliveira, e os filhos Lanika, Axel, Babi e Sidney. Moro aqui há nove meses. Quem cuida das minhas coisas são os meus filhos Marcel e Andrea. Estou morando aqui desde que minha esposa, Maria Aparecida Jofre (Cidinha), faleceu, em 10 de maio de 2013. Aqui sou lembrado dos meus remédios e compromissos. Pela manhã, após o café, tenho que me exercitar, desenhar e escrever. Depois do almoço descanso e desenho, com a mão esquerda. Depois do lanche me exercito e assisto TV. Depois do jantar volto a assistir TV até a hora de dormir". É — ou deveria ser — leitura diária a caminho de jornadas árduas, de recuperação da consciência de quem é ou foi. Eder Jofre é o maior pugilista brasileiro de todos os tempos, campeão mundial em duas categorias (galo e pena), reverenciado por especialistas em boxe de todo o mundo — a capa da edição número 500 da revista americana de referência para o esporte, The Ring, em outubro de 1963, tinha foto de Eder e a pergunta que pressupunha uma única resposta, incontornável: "O maior boxeador do mundo?". Aos 78 anos, Eder foi à lona pela primeira vez na vida com a morte repentina da mulher, em maio do ano passado, de infarto. "Ela era a cabeça e meu pai, o corpo", resume Andrea Jofre. Funcionaram perfeitamente nessa combinação durante os 52 anos de casamento. No relato dos filhos, Eder era um homem até 10 de maio do ano passado, virou outro a partir do dia 11. Parou de comer, chorava copiosamente. Enfraquecido, começou a apresentar episódios de confusão mental. Há pelo menos nove anos já dava sinais, silenciosamente enganadores, de perda de memória — a chave do carro que punha todos os dias no mesmo móvel e já não conseguia encontrar, os sinais vermelhos ultrapassados, o esquecimento das listas de compras de supermercado que não passavam de cinco itens, as diversas vezes que indagava "que dia é hoje?". Mas nada comparado ao estado de prostração no qual mergulhou. A morte da mulher alterou o funcionamento do seu cérebro. Eder ficou grogue com o desequilíbrio dos neurotransmissores serotonina, dopamina e noradrenalina, responsáveis por sensações de satisfação e bem-estar. Deprimido, foi internado na Santa Casa de São Paulo. Era incapaz de realizar mesmo as sinapses cerebrais básicas, quanto mais as que o fizeram famoso no auge da carreira de 81 lutas e apenas duas derrotas por pontos. Seu corpo jovem obedecia com exatidão às ordens emanadas do cérebro, uma sinfonia química e elétrica que fazia dele no ringue uma casamata de músculos contraídos de onde surgiam sem aviso punhos rápidos como o raio e duros como o aço. O cérebro do jovem lutador liberava cortisol no momento certo e na dose exata e o fazia contrair o abdômen, rearmar a guarda, recolher os punhos quando o adversário ainda estava avaliando o castigo que acabara de levar. Em Eder Jofre se combinaram admiravelmente a habilidade, a velocidade, a força, o sacrifício, o coração, a inteligência e os reflexos, qualidades que fazem do boxe, se não a única maneira civilizada de liberar a violência inata do homem, com certeza a forma esportiva mais pura de atender ao instinto de domínio sobre o outro. Eder encarnou a expressão máxima dessa arte. O Brasil sabe disso. O mundo reconhece. A tragédia é que o próprio Eder Jofre, aprisionado no porão de um cérebro que decai, não compreende mais as alturas que galgou. Eder recebeu alta do hospital com diagnóstico preliminar de Alzheimer associado a depressão. Passou a tomar dois medicamentos para Alzheimer — memantina e galantamina — e um antidepressivo. Impressionado com o estado de saúde do ex-pugilista, em rápida deterioração, o médico da Confederação Brasileira de Boxe, Bernardino Santi, indicou ao filho de Eder, Marcel, o nome do neurologista Renato Anghinali, do Hospital das Clínicas de São Paulo, com quem divide um projeto inédito de estudo dos efeitos dos golpes de boxe na saúde dos profissionais. Anghinah, de reputação internacional, é um estudioso da encefalopatia traumática crônica — mal deflagrado depois de concussões repetidas na cabeça e associado ao boxe desde a década de 20. Ele integra o grupo liderado pelo neurologista Ricardo Nitrini, que investiga, no banco de encéfalos da Universidade de São Paulo, o cérebro do zagueiro Bellini, capitão de 1958, morto em março deste ano, criador do gesto imortal de erguer a taça acima da cabeça, que também se supunha ter Alzheimer. Bellini, porém, pode ter sido vítima das cabeçadas na bola e dos choques com os atacantes adversários nas jogadas aéreas. VEJA obteve dos filhos de Eder a autorização para acompanhar os exames realizados no Hospital Samaritano, em São Paulo, sob a supervisão de Anghinah. Os resultados confirmam: os golpes recebidos durante a carreira são responsáveis pelo estado atual de Eder. Não se trata de Alzheimer. "Com todos os elementos estudados, o quadro é compatível com a encefalopatia crônica", diz Anghinah. Inicialmente conhecida no meio científico como demência pugilística — nome depois abandonado, porque ela afeta também atletas de outras modalidades, como o futebol americano e o hóquei no gelo —, a encefalopatia atinge cerca de 20% dos boxeadores. Ocorre, em média, dezesseis anos depois de jogada a toalha. Mas pode despontar meses, anos ou décadas depois do último golpe. No caso de Eder, a doença começou a dar os primeiros sinais 28 anos depois do fim da carreira. Apesar de protegido pelo crânio, o cérebro não está imune às concussões em sequência. A cada pancada, o órgão chacoalha dentro da caixa craniana, e é inevitável que se choque contra suas paredes. Nesse vaivém, os neurônios sofrem rupturas. Como consequência, ocorre a liberação da proteína tau — em quantidades normais, ela é responsável pela boa estrutura dos neurônios. Com os socos, volumes exponenciais da proteína se acumulam no cérebro e viram veneno. A tau é liberada duas horas depois do trauma e fica lá por três meses, no mínimo. Ao longo da carreira, o cérebro de Eder foi inundado por um mar tóxico de proteína tau. Os sintomas começam com uma diminuição discreta da memória e da atenção. Conforme avançam, a amnésia torna-se frequente, assim como a lentidão do pensamento e a dificuldade para planejar e realizar ações concretas, como pegar a chave do carro deixada no aparador. Pode vir acompanhada também de episódios de agressividade ou parkinsonismo. É um comportamento típico de danos cerebrais que atingem o lobo frontal, a região responsável pelas funções executivas, planejamento e organização. Apesar dos extraordinários recursos tecnológicos de análise do cérebro por imagem, um diagnóstico mais detalhado da encefalopatia traumática crônica só pode ser dado depois de exames anatomopatológicos, feitos a partir da dissecção do cérebro. No microscópio, é possível perceber depósitos de proteína tau no tálamo, na amígdala e no córtex frontal. A proteína é distribuída de forma irregular nas camadas superficiais do córtex. Ela se aloja, principalmente, nas regiões mais profundas e nas áreas ao redor dos vasos sanguíneos. Somente a dissecção, como ocorre agora com o cérebro de Bellini, permitirá um entendimento 100% certeiro do que há com Eder. Mas, desde já, um novo tratamento foi proposto. Anghinah retirou os medicamentos que Eder tomava contra o Alzheimer e prescreveu amantadina, cuja função é estimular os receptores de dopamina no cérebro. A alteração já garantiu uma melhora. Eder voltou a se alimentar, anda com mais firmeza, parece mais atento — mas ainda é um espelho quase sem distorções do que a medicina descreve como resultados comportamentais da encefalopatia traumática crônica. Os estudos de funcionalidade e das estruturas do cérebro de Eder se completam com a observação do cotidiano do grande campeão. Seu universo está em acelerada contração. Ele apenas balbucia palavras e frases. Sua janela para o exterior são os desenhos, hábito que vem da infância e ele nunca abandonou. Os punhos que batiam tinham a paradoxal delicadeza de lidar com pincéis e canetas nanquim. Um mergulho na caixa de desenhos de Eder mostra o reflexo da doença sobre seu traço — a complexidade de quem aprendeu a desenhar com Clóvis Graciano e Aldemir Martins hoje transformada em imagens de tons pastel, simétricas, quase ingênuas. O desenho do boxeador confiante e soberano no punching ball desta reportagem foi rabiscado em 15 de abril de 1962, pouco tempo depois da luta em que derrotou o irlandês Johnny Caldwell. Foi nesse combate que o brasileiro unificou os títulos da Associação Mundial de Boxe e do Conselho Mundial de Boxe. A mãe que protege o filho é de 28 de maio de 1966, três dias antes da segunda derrota para o japonês Harada, em Tóquio, quando Eder vivia o drama da reconquista do título e parecia pedir um colo afável. O casario colorido de 2013 já é resultado do cérebro atingido. Desenhar é uma tarefa cerebral complexa. Utiliza-se o lobo parietal para habilidades visoconstrutivas; o hipocampo para o resgate das memórias que servem de inspiração; e o lobo frontal para planejar e executar o desenho com requinte. Diz Renato Anghinah: "Eder ainda consegue desenhar, pois seu lobo parietal não está danificado. Os traços estão menos elaborados, porém, porque há perda das funções executivas, área do lobo frontal". O pintor americano de origem holandesa Willem De Kooning (veja o quadro na pág. 108) deixou o registro pictórico dos efeitos do Alzheimer sobre a capacidade expressiva do artista. VEJA mostrou a Eder Jofre uma série de fotografias históricas de sua carreira. Ele consegue dizer o nome do adversário da luta que antecedeu a disputa pelo título mundial, contra o mexicano Joe Medel, em Los Angeles, em 18 de agosto de 1960, um combate descrito como uma enciclopédia de todos os recursos do boxe (veja detalhes na pág. 104). Mas Eder não se recorda de ter trocado luvas com o japonês Harada, para quem perdeu o cinturão em 17 de maio de 1965. Também não aparece no filme mental que projeta de sua própria vida a noite do segundo título mundial, contra o cubano José Legrá, já como peso-pena, em Brasília, em 5 de maio de 1973. No entanto, confrontado com uma foto da família na escada do avião que os levaria, em novembro de 1960, para Los Angeles, em busca do título mundial contra o mexicano Eloy Sanchez, recita o nome de um por um, pausadamente. "Eu, meu irmão Dogalberto, a Cidinha, meu irmão Mauro, minha mãe, Angelina, meu pai, Aristides, e o Katznelson (o empresário)". E para onde vocês estavam indo? "Não sei." Quem o conheceu no auge bem que poderia tomar esses vácuos produzidos pelas alterações neurológicas por brincadeiras. Quantas vezes ele não respondeu a perguntas de respostas óbvias apenas com um "caramba" cheio de ironia, traço que herdou dos tios, do clã Zumbano, introdutores do boxe no Brasil. Angelina Zumbano, mãe de Eder, casou-se com o argentino Kid Jofre, pai, treinador e confidente do campeão, com quem ele — que segue a religião espírita — dizia conversar mesmo depois de morto. O humor do campeão tinha a pureza cortante de seus golpes no ringue. Quando lhe pediam à mesa de jantar que falasse sério, ele dizia: "Sério". Diante de uma máquina fotográfica: "Essa foto vai ser colorida? Espera um pouco, preciso pôr perfume, caramba!". Não se sabe bem em que recôndita região cerebral o humor de Eder se escondeu, mas ele dá o ar de sua graça. Apresentado a um álbum amarelado de fotos da família, dos anos 40, frágil, Eder ergue o lado direito do lábio superior, tique recorrente, e diz: "Vixe, isso é antigo". Induzido a puxar pela memória, a buscar o passado, evidentemente incomodado com o esforço, pede desculpas e, gentil, põe a mão na garganta para sinalizar que está com a voz rouca. Para de falar. É generosa a atitude dos filhos em permitir que o cérebro do pai seja esmiuçado. Exige coragem e desprendimento também saber que do diagnóstico dos médicos poderia vir, como veio, uma inequívoca condenação do boxe pelos riscos que oferece à saúde do cérebro de seus praticantes. Essa realidade tão óbvia sempre foi mascarada no mundo das lutas. Em 1983, a revista americana Sports Illustrated convenceu o grande campeão dos pesados Muhammad Ali a se submeter a exames neurológicos. Os resultados nunca foram publicados e, portanto, não se sabe se eles desmentiriam a versão oficial de que Ali sofre da doença de Parkinson, distúrbio degenerativo resultante da morte das células cerebrais produtoras de dopamina e cuja relação causal com o boxe é mais difícil de estabelecer. "Meu pai teria feito tudo o que fez na vida do mesmo jeito, ainda que tivesse sabido das consequências para sua saúde que esses exames demonstram", diz Marcel Jofre. Marcel já se comprometeu com os médicos a, assim como a família de Bellini, doar o cérebro de Eder quando a hora chegar. Da investigação do cérebro de Eder pode, então, surgir seu derradeiro nocaute, o que vai derrubar a malignidade do boxe, preservando sua arte. Eder pode fornecer o argumento decisivo para a proposta que vem ganhando força, a de que os boxeadores profissionais passem a lutar com protetor de cabeça, que era obrigatório nas disputas olímpicas, mas também foi abandonado. A elegância de garça da esgrima está nos leves toques, e não em ver contendores estraçalhados por golpes de espada, florete e sabre. A beleza do boxe não pode residir em produzir danos permanentes à saúde. O boxe com proteção pode ter a mistura de inocência e força que Nelson Rodrigues viu no fenomenal pugilista brasileiro: "Eder tem, mesmo no ringue, a candura de menino que ainda não disse o primeiro palavrão". UM FILME DE CENAS APAGADAS Apresentado a fotos de suas mais espetaculares glórias, Eder Jofre tem lembranças muito esparsas. Consegue citar um único combate, o mais famoso de todos, contra o mexicano Joe Medel. Eder fez 81 lutas, de 1956 a 1976, com períodos de interrupção. Perdeu apenas duas vezes, por pontos. Abandonou a carreira aos 40 anos. [lembra] MAIOR DAS LUTAS - A vitória contra o mexicano JOE MEDEL por nocaute no décimo assalto, em 18 de agosto de 1960, é considerada uma das mais espetaculares da história, entre todas as categorias. Vencedor, o brasileiro teve direito a disputar o título mundial dos galos. Quando ainda conseguia expressar-se com riqueza de detalhes, ele fez o seguinte relato daquela noite em Los Angeles: "'Pai, acho que não vai dar', falei com voz abafada. Então meu pai disse: 'Eder, senta aí'. E pela primeira vez na carreira sentei no córner”. [não lembra] PRIMEIRA DERROTA - Depois de defender o título sete vezes, Eder perdeu o cinturão para o japonês MASAHIKO "FIGHTING" HARADA, em 18 de maio de 1965. Foi derrotado por pontos, no fim de quinze assaltos, em Tóquio. A batalha contra o peso, que o fez treinar desesperadamente antes da luta, e a dieta rigorosa para perder quilos enfraqueceram o campeão. Rápido, Harada conseguiu entrar na guarda sempre fechada do brasileiro. [não lembra] O CINTURÃO DOS PENAS - Já na categoria pena, depois de quatro anos afastado dos ringues, ele voltou a galgar o ranking mundial. Em Brasília, em 5 de maio de 1973, venceu por pontos o cubano radicado na Espanha JOSÉ LEGRÁ e conquistou o cinturão. O então presidente Médici pediu-lhe de presente uma das luvas. Eder recusou. Perderia o título sem lutar, ao deixar de pô-lo em disputa no prazo estipulado pelas autoridades internacionais do boxe. Em 1976, dois anos depois da morte do pai, Aristides Jofre, o "Kid Jofre", pendurou as luvas. A SINFONIA DESAFINADA NO CÉREBRO DO CAMPEÃO Há um ano, Eder Jofre foi diagnosticado com a doença de Alzheimer, estado incompatível, no entanto, com sua atual realidade. O histórico de pugilista sugeria outra hipótese: a ENCEFALOPATIA TRAUMÁTICA CRÓNICA, razoavelmente comum em boxeadores e jogadores de futebol americano. Eder foi submetido a uma investigação detalhada no Hospital Samaritano, em São Paulo. Os resultados dos exames, cedidos com exclusividade a VEJA pela família do lutador, afastam a hipótese de Alzheimer e indicam, com boa dose de certeza, que os socos afetaram o cérebro do Galo de Ouro. 1- PET-CT - Exame que associa a tomografia por emissão de pósitrons à tomografia computadorizada. Para realizá-lo, injeta-se uma pequena quantidade de glicose radioativa no paciente. A ideia é visualizar em que áreas do cérebro há o metabolismo da substância - quais regiões, portanto, estão funcionando corretamente (ou acesas). Lobo frontal - É responsável pelas funções executivas, de planejamento e realização de atividades. Há evidência de vastas áreas apagadas. Região temporal – Está mais relacionada à memória — se fosse confirmado o diagnóstico de Alzheimer em Eder, essa região estaria menos ativa. Resultado: as regiões apagadas indicam baixo metabolismo de glicose principalmente na área frontal do cérebro, responsável pelas funções executivas, relacionadas primordialmente ao planejamento de atividades. Essa área costuma ser a mais prejudicada em pacientes com encefalopatia traumática crônica. O cérebro de uma pessoa saudável estaria completamente aceso. 2- ELETROENCEFALOGRAMA - Mapeia a atividade elétrica do cérebro. Apesar de não ser um exame específico para diagnóstico, serve para acompanhar o grau de evolução de uma doença neurológica. Comentário - Se há algum tipo de degeneração cerebral, como é o caso de Eder, o traçado das ondas cerebrais tem menos amplitude, se comparado ao de um eletro normal (Para efeito de clareza, a imagem acima representa apenas um fragmento do exame feito por Eder, composto de 153 páginas). 3- TRATOGRAFIA (ressonância magnética) - É o mais moderno exame de alta resolução para identificar a integridade das fibras nervosas, os axônios, prolongamentos dos neurônios. A reconstrução tridimensional do cérebro é feita a partir da movimentação das moléculas de água. O desenho da chamada substância branca do cérebro, na qual estão concentrados os axônios, assemelha-se às ruas de uma metrópole. No caso de Eder, as ruas (em azul e amarelo) não chegam ao destino, o lobo frontal. Resultado: déficit cognitivo e alterações na atenção, na memória e nas funções executivas. Foram detectadas também perdas de tecido nervoso no lobo frontal e em toda a extensão do corpo caloso, estrutura responsável pela conexão entre os dois hemisférios cerebrais. 4- O EXAME DO LIQUOR - Níveis aumentados da proteína tau no liquor combinados com baixas concentrações de outra proteína, a beta-amiloide, indicam 85% de risco para a doença de Alzheimer. Resultado: o exame de Eder mostrou níveis normais das duas proteínas. Há, portanto, apenas 15% de risco de ele ter Alzheimer e 85% de ter outra doença neurodegenerativa. 5- AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA - A partir de entrevistas e testes, é possível identificar quais funções cognitivas podem estar prejudicadas por uma doença neurológica. Domínio avaliado: MEMÓRIA Exemplos de tarefas exigidas: Foi exibido para Eder o desenho de um garoto pegando biscoitos em cima de uma mesa. Para testar a memória imediata, ele teve de descrever a imagem sem olhá-la. Minutos depois, voltaram a perguntar-lhe sobre a cena - o objetivo foi avaliar a memória tardia. Déficit de Eder Jofre: Leve a moderado Déficit esperado (Para pacientes com Alzheimer após dez anos do início da doença): Severo Domínio avaliado: ATENÇÃO Exemplos de tarefas exigidas: Pediram-lhe que repetisse, em ordem, números aleatórios. Depois, ele teve de refazer a contagem, mas na ordem inversa. Déficit de Eder Jofre: Leve a moderado Déficit esperado (Para pacientes com Alzheimer após dez anos do início da doença): Severo Domínio avaliado: FUNÇÕES EXECUTIVAS Exemplos de tarefas exigidas: Eder observou a palavra VERMELHA escrita na cor verde. Foi-lhe solicitado que informasse a cor da palavra. O objetivo era avaliar a capacidade de organizar a informação e dissociar a palavra da cor. Déficit de Eder Jofre: Severo Déficit esperado (Para pacientes com Alzheimer após dez anos do início da doença): Severo Domínio avaliado: LINGUAGEM Exemplos de tarefas exigidas: Para medir a fluência, Eder teve de dizer o nome de todos os animais dos quais conseguia se lembrar. Depois, de todas as frutas. Também foi pedido que dissesse, em um minuto, todas as palavras que lhe vinham à mente com a letra "F". Déficit de Eder Jofre: Moderado Déficit esperado (Para pacientes com Alzheimer após dez anos do início da doença): Severo Fontes: Renato Anghinah, chefe do serviço de reabilitação cognitiva pós-traumatismo cranioencefálico do Hospital das Clínicas em São Paulo; e Rita Pincerato, radiologista do Hospital Samaritano. A LEVEZA DOS PUNHOS Eder Jofre sempre desenhou bem, hábito dividido com os treinos pesados e as lutas. As mãos que batiam eram as mesmas que pintavam com delicadeza. Abaixo, a transformação dos traços ao ritmo das mudanças no cérebro. ABRIL DE 1962 - Eder teve aulas de desenho com os artistas plásticos Clóvis Graciano e Aldemir Martins, com os quais chegou a subir no ringue. O traço elegante do boxeador no punching bali, a nanquim, revelava a confiança do então campeão do mundo. MAIO DE 1966 - Três dias antes de enfrentar pela segunda vez o japonês Masahiko "Fighting" Harada, para quem perdeu o título dos galos, em 1965, Eder desenhou um filho acolhido pelo colo da mãe. Foi derrotado. 2013 - Numa mesa colocada na varanda da casa da filha, onde mora, Eder tem pincéis, lápis de cor e canetas. Os desenhos ganharam cores mais suaves, linhas mais simples - mas a habilidade ainda é notável. RETRATOS DO ALZHEIMER O pintor americano de origem holandesa Willem De Kooning (1904-1997), um dos maiores representantes do expressionismo abstrato, permaneceu em atividade mesmo com o declínio de suas atividades cognitivas, provocado pelo Alzheimer. Depois do diagnóstico, na década de 80, De Kooning pintou mais de 300 obras. Seus trabalhos foram considerados pelos críticos de arte alguns dos melhores e mais sensíveis já registrados na pintura contemporânea. Com a doença, a forma como De Kooning se expressava nas telas mudou. As grossas camadas de tinta deram lugar a pinturas de pouca textura. Os traços tornaram-se mais leves e harmônicos. Sua paleta passou a ter cores primárias. David Shenk, autor do livro The Forgetting (O Esquecimento), afirma que os trabalhos do pintor "pareciam mais felizes e não tinham a angústia de antes". A memória declarativa, formada a partir de uma associação entre o hipocampo e o córtex cerebral, armazena os fatos vivenciados e aprendidos pela pessoa ao longo da vida. Esse tipo de memória é mais suscetível à formação de placas de beta-amiloide no cérebro, típica do Alzheimer - e por isso é abalada com mais rapidez pela doença. Essa bagagem sumiu das pinturas. Mas ele não desaprendeu a desenhar. A memória de procedimento, aquela que comanda atos como subir escadas, tocar piano e desenhar, se manteve. Em 1996, o médico Carlos Hugo Espinel escreveu sobre De Kooning no periódico científico The Lancet. "Essas pinturas não são mero produto de alguém que simplesmente manteve a percepção das cores e a força motora para copiar", apontou. "Seu ressurgimento é um testemunho do potencial da mente humana." ________________________________________ 6# GUIA 11.6.14 6#1 PROCURA-SE INTÉRPRETE 6#2 PARA QUEM PREFERE A PALAVRA ESCRITA 6#3 INTÉRPRETE DE SINAIS 6#1 PROCURA-SE INTÉRPRETE O BOOM NO CALENDÁRIO DE EVENTOS INTERNACIONAIS NO BRASIL AQUECEU O MERCADO DE TRABALHO PARA INTÉRPRETES DE CONFERÊNCIA — SÓ A COPA DO MUNDO DEVE TRAZER AO PAÍS 600.000 VISITANTES ESTRANGEIROS. Segundo a International Congress and Convention Association (ICCA), o número de congressos e convenções internacionais sediados no Brasil saltou de 62, em 2003, para 315, no ano passado, o que representa um aumento de 408% em uma década (e não entram nessa conta os eventos esportivos e religiosos). Outro dado da ICCA mostra que o eixo Rio-São Paulo não detém a exclusividade desse roteiro: em 2013, 54 cidades brasileiras sediaram eventos internacionais, contra apenas 22 em 2003. "O mercado de intérpretes de conferência se desenvolveu intensamente na última década, não só pelo aumento do número de eventos, mas também porque mais empresas estrangeiras passaram a fazer negócios no país", diz Tereza Sayeg, presidente da Associação Profissional de Intérpretes de Conferência (Apic). A remuneração é outro atrativo: pode chegar a 1500 reais por seis horas de trabalho, em São Paulo. VEJA conversou com profissionais experientes para ajudar quem quer ingressar na carreira. QUAL A FORMAÇÃO NECESSÁRIA? A profissão de intérprete não é regulamentada. As faculdades de letras oferecem habilitação em tradução e interpretação, mas, segundo os profissionais da área, são os cursos de extensão oferecidos pelas universidades ou instituições do ramo, como a Associação Alumni, em São Paulo, que melhor preparam para a profissão. "É possível se tornar tradutor sem passar por um curso, mas a interpretação simultânea exige muito treinamento. Os cursos de extensão ou profissionalizantes treinam os alunos em cabines, simulando situações reais comuns em eventos. Sem essa prática, é como fazer um curso de medicina sem tocar em um bisturi", compara o intérprete paulista Ulisses Wehby de Carvalho O QUE O TREINAMENTO ABRANGE? Tão importante quanto a abrangência é saber o que ele não abrange: antes de mais nada, é preciso já ter profundo conhecimento do idioma com o qual se quer trabalhar. "Ninguém entra num curso de interpretação para aprender um idioma", avisa Heloísa Martins Costa, intérprete e vice-presidente do Sindicato Nacional dos Tradutores (Sintra). "Não se trata apenas da tradução literal de cada palavra. O curso ensina o aluno a compreender o que está sendo dito, com todas as falhas, idiossincrasias e imprevistos da comunicação humana, e traduzir em tempo real", completa. No Brasil, os principais cursos duram dois anos, e só há opção para inglês. Quem quer trabalhar com algum outro idioma, mas domina o inglês, pode fazer o curso para aprender a técnica de interpretação. QUAL O PERFIL IDEAL DO PROFISSIONAL? O candidato a intérprete deve ter ampla cultura geral, pois vai deparar com diferentes temas ao longo da carreira. A cada congresso, ele terá de lidar com termos técnicos e jargões próprios de cada área, e por isso seu vocabulário deve ser extenso. "Mais importante ainda do que uma graduação específica ou a experiência profissional é a maturidade emocional: trata-se de um trabalho que exige calma e concentração - e isso só se adquire com experiência de vida", diz Jayme Costa Pinto, intérprete e tradutor e coordenador do curso da Associação Alumni. Na escola, que aceita alunos a partir de 21 anos sem exigir um curso superior prévio, a turma atual tem idade média de 35 anos. "Em uma cabine de conferência, o stress é inevitável. O intérprete pode ter de traduzir um especialista em turbinas de avião chinês com forte sotaque, por exemplo. É preciso estar concentrado e saber lidar com a dificuldade", diz Carvalho. "O intérprete tem de ter uma curiosidade intelectual aguçada. Ele faz um curso de dois anos para aprender a técnica, mas nunca pode parar de estudar os idiomas com os quais trabalha. O treino é constante: ele abre uma bula de remédio e começa a traduzi-la", diz Costa Pinto COMO COMEÇAR? Segundo os intérpretes, os cursos de interpretação servem também para formar uma rede de contatos para iniciantes. Como os professores são profissionais que atuam na área, eles podem ajudar os novatos a ingressar no mercado, indicando-os para vagas em grandes eventos ou para cobrir uma desistência de última hora. No Brasil, a demanda é maior para intérpretes de inglês, espanhol e francês QUANTO SE GANHA? Um intérprete pode receber até 15.000 reais em um mês, mas vale lembrar que, por ser um profissional autônomo, ele está na dependência do calendário de eventos no país. Segundo o Sintra, São Paulo é o estado com a diária mais alta: 1500 reais por seis horas de trabalho em cabine (os profissionais atuam em pares, revezando-se a cada meia hora). Como os intérpretes dificilmente conseguem trabalhar todos os dias - em muitos eventos, a participação exige uma preparação prévia de dois ou três dias -, multiplicar essa diária por 22 dias úteis não é um cálculo realista. "Em média, um intérprete já estabelecido trabalha dez dias por mês, dez meses por ano. Além disso, por ser autônomo, ele vai ter de pagar encargos como impostos e plano de saúde. Os ganhos líquidos ficam em torno de 8000 a 10.000 reais por mês", explica Heloísa Costa. Tereza Sayeg, da Apic, lembra que a rotina do intérprete inclui viagens e trabalho nos fins de semana e feriados QUAIS AS ÁREAS DE ATUACÃO? Em geral, os intérpretes não se tornam especialistas em uma área específica, pois isso reduziria muito suas oportunidades de trabalho. Um profissional que se especializasse em oftalmologia, por exemplo, teria apenas sete eventos internacionais neste ano. "Mas é possível, sim, escolher as áreas de atuação. Eu não faço eventos médicos, mas trabalho em áreas tão diversas quanto aviação, agricultura e economia", exemplifica Carvalho 6#2 PARA QUEM PREFERE A PALAVRA ESCRITA A profissão de tradutor, assim como a de intérprete, não é regulamentada. Como não há exigência de um diploma universitário específico para entrar na carreira, o mercado de tradutores é heterogêneo, formado por profissionais que migraram de diferentes áreas. Veja, a seguir, como chegar lá Onde aprender: os cursos de tradução são oferecidos como uma habilitação dentro da graduação em letras ou em cursos de extensão para estudantes de outras graduações. Cursos livres, como o da Associação Alumni, em São Paulo, consistem em três semestres com aulas mistas de tradução e interpretação e um quarto semestre centrado em uma das duas profissões. "O formato do curso é o mesmo dos que existem na Europa e nos Estados Unidos, em que o aluno escolhe no decorrer do período qual caminho pretende seguir", explica Jayme Costa Pinto, coordenador do curso da Associação Alumni. No mercado de tradutores, ao contrário do que ocorre com o dos intérpretes, há muitos profissionais que não frequentaram aulas de tradução. Sem um diploma, porém, o tradutor pode atestar a qualidade de seu trabalho por meio do credenciamento oferecido pelas associações de tradutores - tanto brasileiras, como a Associação Brasileira de Tradutores e Intérpretes (Abrates), quanto de outros países, a exemplo da American Translators Association (ATA). "Além disso, é importante participar de congressos internacionais para se manter sempre atualizado", diz a tradutora Liane Lazoski, presidente da Abrates. Quem contrata: os principais trabalhos estão nas traduções técnicas, e as áreas jurídica e médica são as que mais demandam profissionais no Brasil. Nesse mercado são comuns os tradutores especializados em determinadas áreas - o que não acontece na interpretação Quanto se ganha: o tradutor pode ter ganhos mensais superiores a 15.000 reais, mas é preciso ter dedicação: trabalhar todos os dias úteis do mês e traduzir 2500 palavras por dia. "É possível traduzir um volume maior, mas isso pode afetar a qualidade do trabalho", explica Liane Lazoski. Para textos e manuais técnicos, os profissionais cobram por palavra traduzida (na tradução literária, a cobrança é por lauda). Segundo a pesquisa de valores praticados divulgada pelo Sindicato Nacional dos Tradutores, para cada palavra vertida do inglês, espanhol ou francês para o português, o valor é de 30 centavos. Parece pouco, mas o manual de um eletrodoméstico, que pode ser traduzido em menos de dois dias, chega a render 1000 reais 6#3 INTÉRPRETE DE SINAIS No Brasil, onde vivem 2,1 milhões de pessoas com deficiência auditiva severa, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi oficializada em 2002, e há apenas quatro anos a profissão de intérprete de Libras passou a ser regulamentada. "Esse é um mercado de trabalho em expansão. Hoje, há carência de profissionais qualificados, e os bons intérpretes estão com a agenda lotada", diz a professora Vânia Chiella, coordenadora do curso de extensão em Língua Brasileira de Sinais da Unisinos, em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Para ser intérprete de Libras é preciso completar o curso de graduação nessa linguagem ou fazer um curso de extensão oferecido pelas universidades. O candidato deve ainda passar por um exame nacional, o Prolibras, para obter a certificação de proficiência no uso, ensino e tradução e interpretação de Libras SIMONE COSTA e DANIELA MACEDO daniela.macedo@abril.com.br ____________________________________ 7# ARTES E ESPETÁCULOS 11.6.14 7#1 ARTE – SELVA DE PEDRA 7#2 LIVROS – BELAS E FERAS DE HITLER 7#3 MÚSICA – É PRECISO SABER VIVER 7#4 CINEMA – TAREFA CUMPRIDA 7#5 VEJA RECOMENDA 7#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 7#7 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – O ANTÍDOTO LUCINHA 7#1 ARTE – SELVA DE PEDRA Uma mostra em São Paulo traz tesouros dos maias, que ergueram a maior civilização indígena da América — e depois a levaram ao esgotamento. MARCELO MARTHE Na Europa do século XVI, os tesouros produzidos pelos povos da recém-descoberta América causavam assombro. O renascentista alemão Albrecht Dürer (1471-1528) assim reagiu ao vislumbrá-los: "Em toda minha vida, nunca vi nada que alegrasse tanto meu coração, e me maravilhei com a genialidade sutil dos homens de terras distantes". Nos tempos de Dürer, os colonizadores espanhóis devotavam-se à conquista das duas civilizações cuja riqueza em prata e ouro despertou interesse imediato: os astecas, que dominavam a região central do México, e os inças, donos de um império nos Andes. Mas, àquela altura dos acontecimentos, já fazia seis séculos que a mais avançada civilização pré-colombiana vivera seu apogeu. Criadores de centros urbanos na Península de Yucatán, no sul do México, e nas florestas da Guatemala e Belize, os maias estiveram muito à frente dos rivais surgidos antes e depois deles: foram os únicos a desenvolver a escrita em plenitude, além de conhecer a astronomia e inventar um calendário tão preciso quanto aquele então em voga no Velho Mundo. Também alcançaram refinamento notável na arquitetura, muito embora desconhecessem as utilidades da roda ou dos animais de tração. Na produção de adornos em geral, não extraíam sua força do ouro, escasso em seus domínios. Mas isso não afetava o brilho do resultado: valendo-se de calcário, argila e pedras preciosas como o jade, os maias elaboraram peças que intrigam ainda hoje por seu esmero e realismo. A partir desta terça-feira, essas maravilhas estarão ao alcance dos brasileiros em uma exposição na Oca (agora rebatizada de Museu da Cidade), em São Paulo. A mostra Mayas: Revelação de um Tempo sem Fim — que atraiu quase 300.000 pessoas ao Palácio Nacional, na Cidade do México — é um belo pretexto para refletir sobre um tópico inevitável: as razões que levaram tal civilização do clímax ao colapso em poucas décadas, por volta do ano 900. Entre as 386 relíquias vindas de 22 instituições mexicanas, há coisas que valem os tubos: um colar de jade tem preço estimado em 6 milhões de dólares, e uma vasilha de cerâmica chega ao dobro disso. Os objetos ficam dentro de vitrines blindadas, sob vigilância de câmeras. Se as autoridades mexicanas não brincam em serviço, é por razão compreensível: as relíquias pré-colombianas alimentam um ávido mercado de colecionismo. O tratamento dispensado a elas hoje é bem diferente do que mereceram quando os espanhóis afinal se empenharam na conquista do que restava do disperso mundo maia. No período que se estendeu de 1527 a 1697, a sorte desses tesouros esteve nas mãos de figuras ambíguas como o bispo Diego de Landa: ao mesmo tempo em que deixou escritos valiosos sobre a cultura e a língua maias, o religioso patrocinou a destruição de tudo relacionado a seus costumes pagãos. Ainda que somente quatro manuscritos tenham escapado da caça às bruxas, Landa registrou informações que mais tarde permitiram decifrar os hieróglifos maias. Só aí se teve uma noção precisa de suas crenças e modo de vida. A cosmogonia maia é mucho loca. Não era só sua economia que se assentava sobre o cultivo do milho: o cereal ocupava um lugar central na Criação. Segundo o livro sagrado Popol Vuh, o homem teria sido moldado a partir da papa de milho, depois de tentativas frustradas feitas com barro e madeira. Por isso, governantes como Pakal, que viveu no período conhecido como Clássico Tardio, em algum momento entre os anos 600 e 900, eram retratados com penteado que emulava o cabelo de uma espiga. Na mostra, o Visconde de Sabugosa maia dá mote a duas esculturas magníficas. Enquanto os europeus achavam que a Terra era plana, os maias acreditavam que o mundo se distribuía sobre as costas de um lagarto ou o casco de uma tartaruga. Abaixo da superfície, haveria uma esfera subterrânea, o inframundo, habitado por entidades pavorosas. Aos olhos dos cristãos europeus do século XVI, as relíquias maias deviam provocar não só fascínio, mas pavor. Boa parte de seus objetos possuía fins rituais. "Não se pode chamar o que eles faziam de arte. Não eram obras para a fruição estética", diz Daniel Cossio, diretor da seção maia do Museu Nacional de Antropologia da Cidade do México e um dos curadores da exposição. Boa parte dos recipientes tinha o fim de armazenar sangue humano ofertado aos deuses. Os pratos e as estátuas que representavam nobres e divindades se destinavam a ser sepultados com seus donos — e por isso se preservaram. Ao contrário da antiga noção de que os maias seriam pacíficos, sua cultura tinha uma essência cruel. Eram apreciadas pela elite local representações como o Monumento 114 de Toniná, que exibe um nobre aprisionado por um inimigo. O fim desses troféus humanos era, em geral, deprimente: após sofrerem toda sorte de tortura, eles acabavam decapitados. É possível que os primeiros espanhóis tenham testemunhado outro ritual sinistro: o Jogo da Bola. Nessa espécie de mata-mata de consequências bem mais nefastas que as refregas do futebol de hoje, os praticantes deviam tocar a pesada bola de borracha com a anca. Além da partida, os derrotados também podiam perder coisa mais importante: a cabeça. Até 1839, o grosso dessas tradições era desconhecido. Coube ao americano John Stephens, rico advogado interessado em arqueologia, descobrir as ruínas das cidades maias e suas pirâmides de pedra no meio da selva. Suas descobertas estimularam as especulações sobre seu declínio. Como apontou o geógrafo americano Jared Diamond em Colapso, livro sobre as causas que levaram muitas sociedades ao ocaso, não houve uma única catástrofe maia, mas uma sucessão delas, provocada por uma combinação de fatores. É comum os ecologistas sacarem do exemplo maia para alertar para os efeitos da atividade humana sobre o meio ambiente. De fato, embora esses aborígines tenham alcançado um patamar cultural destacado, sua economia continuou a depender de uma agricultura primitiva, que levava à exaustão dos solos. Mas não há evidência de que sua ação tenha alterado o clima. "O colapso coincidiu com um período de grandes secas na Europa", lembra o curador Cossio. No fim das contas, a tragédia se deve aos culpados de sempre: maus governantes. Eles canalizaram recursos demais para obras monumentais e se esqueceram de investir na inovação, que poderia ampliar a produtividade dos milharais. Os poderosos de hoje deveriam prestar mais atenção ao destino dos maias. BELEZA ASSOMBROSA - A representação de um nobre aprisionado pelo inimigo no Monumento 114 de Toniná e uma máscara mortuária feita de conchas e jade (abaixo): os objetos rituais que assustavam os cristãos europeus viraram relíquias milionárias. CRIAÇÃO PARALELA - A magnífica cabeça do governante Pakal, que viveu em algum momento entre os anos 600 e 900: para os maias, o homem foi moldado a partir da papa de milho — e, por isso, o penteado em estilo Visconde de Sabugosa era a fina flor da moda entre os figurões. DELICADOS E CRUÉIS - Em sentido horário, a partir da esq., o Disco de Chichen-Itzá, feito de corais, conchas, turquesa e ardósia; a estátua de cerâmica representando uma divindade feminina; e um ancião que emerge da flor do filodendro-azul: objetos que impressionam pelo realismo e pelo esmero — e que muitas vezes eram acessórios em rituais de sacrifício humano 7#2 LIVROS – BELAS E FERAS DE HITLER Na contramão do simplismo que considera as mulheres sempre como vítimas da história, uma autora americana desvenda a colaboração feminina nos horrores nazistas. MARY DEL PRIORE Violência e mulheres: assunto sombrio. Como pensar a transformação da bela em fera, quando a violência contra as mulheres é permanente? Historiadores sabem, porém, que elas não são e nunca foram tão somente vítimas. E, para estudá-las no papel de carrascos, Wendy Lower, professora de história do Claremont McKenna College, se debruçou sobre sua ação nos campos de extermínio. Segundo ela relata em As Mulheres do Nazismo (tradução de Ângela Lobo; Rocco; 288 páginas; 34,50 reais), meio milhão de mulheres participaram do terror do Holocausto. E 13 milhões eram filiadas ao Partido Nazista. Sem o massivo voto feminino, Hitler não teria chegado ao poder. As reuniões públicas eletrizavam suas seguidoras, muitas delas pertencentes a organizações-satélite como a Liga das Meninas Alemãs, cuja doutrinação começava aos 10 anos. O treinamento físico associado a uma cultura de "guerra total" preparava "combatentes patrióticas". A propaganda em torno da valorização da mãe obrigada a dar soldados para a pátria criou o mito de um espaço feliz num universo de ódio e sangue. Fazer bebês arianos saudáveis foi tarefa de milhares. Para além desse papel tradicional, muitas viram no nazismo a oportunidade de uma maior independência (a cineasta Leni Riefenstahl, autora de grandes filmes de propaganda, que o diga). A máquina de terror do Reich instituiu inúmeras opções de carreira, inclusive nos campos de concentração. Segundo Wendy Lower, as mulheres acreditavam que, ao aderir ao regime, deixariam para trás a insegurança política, a disparada da inflação e as desordens da modernidade, encontrando seu lugar na luta contra o comunismo e na restauração da ordem e da tradição, cada vez mais atraentes diante do caos em que se transformara a Alemanha depois da I Guerra Mundial. Para muitas, matar judeus ou perseguir o "bolchevismo judaico" significou servir ao novo regime com lealdade. O assunto não é novo, nem a responsabilidade de mulheres na ascensão do regime, contestada. Mas o novo livro aprofunda o tema, desenhando retratos biográficos de várias delas. Legiões de jovens secretárias, arquivistas e telefonistas, depois de passar por testes de aparência física, genealogia e caráter, mantiveram a máquina da morte funcionando. Professoras ministravam aulas de "higiene racial", ensinando como distinguir quem era ariano de quem não era. "O ódio é nobre", pregavam. Parteiras eliminavam crianças deficientes, deixando-as morrer de fome. Primeiras testemunhas do Holocausto, as enfermeiras assistiram a experimentos médicos e aplicaram injeções letais. Segundo uma delas, o processo da eliminação nos campos não era tão mau assim. "Morte com gás não dói", justificou. Guardas femininas se exibiam com seu chicote e se destacavam por atirar na cabeça dos presos. Pelo menos 35.000 delas foram treinadas em Ravensbrück, de onde partiam para outros campos, inclusive Auschwitz-Birkenau. O uniforme era imponente, o salário, bom, e a perspectiva de exercer poder, sedutora. Foi na Frente Leste — Polônia, Ucrânia, Bielorrússia e Báltico, região considerada "ninho imundo de judeus" — que a barbárie feminina deixou seu melhor retrato. Frente a frente com o genocídio, mulheres assistiram a execuções em massa, participaram de "orgias de tiros", executaram crianças e enfermos, massacraram bebês. Munidas de pistolas, não hesitavam em oferecer doces para depois atirar na boca de pequenos famintos. Senhoras da vida e da morte, podiam matar a costureira que não terminara seu serviço ou salvar a cabeleireira que as atendesse bem. "Mamãe, o mundo é um enorme matadouro", escreveu uma delas numa carta para casa. Wendy Lower revela uma Alemanha cada vez mais encarniçada na qual as mulheres matavam porque queriam. A atração do regime nazista, a mentalidade brutal, o antissemitismo sem limites tornavam-nas monstros. A Frente Leste se tornou a fogueira diabólica à qual elas forneceram lenha sem dó nem piedade. Finda a guerra, as feras voltaram a ser belas. Poucas foram julgadas por seus crimes. Ninguém acreditava que mulheres pudessem ter participado de tais monstruosidades. Longe das abordagens feministas que, por décadas, descreveram as mulheres apenas como vítimas, Wendy Lower encarna a nova historiografia que as vê como agentes. Convicção e oportunismo explicaram a barbárie de saias. A historiadora sublinha a complexidade e a ambivalência de muitas delas — mulheres que, para se justificar, alegaram obediência ao marido e ao sistema. Conclui que jamais saberemos tudo sobre o Holocausto ou o nazismo. Mas o que conhecemos é suficiente para ver do que as mulheres são capazes. 7#3 MÚSICA – É PRECISO SABER VIVER Pioneiro do rock brasileiro, Erasmo Carlos fala de sua música, da parceria com Roberto Carlos, de drogas — e da dor da morte de um filho, vítima de um acidente de moto. SÉRGIO MARTINS Na quinta-feira passada, Erasmo Esteves, carioca nascido e criado no bairro da Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro, completou 73 anos. E continua em plena atividade — como Erasmo Carlos, nome artístico que adotou nos anos 1960, quando foi um dos expoentes da jovem guarda, movimento pioneiro do rock brasileiro. Erasmo está lançando Gigante Gentil, o 26º disco de sua carreira. O álbum traz a marca de seu criador, que gosta de unir velhos colaboradores com nomes da nova geração. Estão lá uma parceria com Caetano Veloso e a participação do guitarrista Luiz Carlini, uma lenda do rock paulistano, e de Marcelo Jeneci, jovem compositor (e fã de Erasmo). Em abril, Erasmo Carlos recebeu VEJA para falar do novo disco, de sua carreira, de suas experiências com drogas e de seu envolvimento no Procure Saber, o desastrado grupo de artistas que se posicionou contra a liberação de biografias não autorizadas. Pouco depois dessa primeira entrevista, Alexandre Pessoal, o Gugu, filho mais velho do cantor, sofreu um grave acidente de motocicleta, em decorrência do qual morreu, em 13 de maio. Erasmo então deu, na semana passada, um novo depoimento, sobre como está encontrando forças para superar a morte do filho. Como o senhor recebeu a notícia do acidente de seu filho Gugu? Eram 5 da manhã quando o Léo, meu outro filho, me ligou. E, você sabe, quando alguém liga a essa hora raramente traz uma boa notícia. Logo pensei: "Foi o Gugu". Porque ele ficou gravando o videoclipe da banda dele até de madrugada. Eu estava certo. Chorando, o Léo me contou que o Gugu tinha caído de moto e estava hospitalizado. Os médicos disseram que o Gugu estava em coma induzido. Nossa expectativa era que ele retornasse, mas não houve como salvá-lo. Desligamos a máquina que o mantinha vivo e doamos seus órgãos. Logo após a morte de Gugu, o senhor se apresentou no Rio de Janeiro. Como foi subir ao palco nessas condições? Desde o acidente do Gugu, só cancelei duas apresentações. Não sou um coitadinho, vou em frente e enfrento meus problemas. Meus filhos também são assim. Fui para o palco e só desabei no final da apresentação. Mas ainda tive força de falar alguma coisa, do meu jeito. Não procurei palavras bonitas, queria extravasar. Os berros e os palavrões fizeram parte da minha resignação. Mas às vezes eu penso que o Gugu está na casa dele e vai ligar. Não parece que ele morreu. Quando acontece uma tragédia pessoal como a que levou seu filho, qual sua atitude em relação a Deus e à religião? Eu contesto, mas sempre chego à conclusão de que não é Deus que faz essas coisas. O Gugu não estava usando um capacete adequado. Não vou ficar amargo porque aconteceu uma coisa dessas na minha vida. Amanhã pode acontecer o mesmo com outra pessoa. No ano passado, o senhor fez parte do grupo Procure Saber, que se posicionava contra as biografias não autorizadas de artistas. Qual sua avaliação dessa campanha? Sou roqueiro, talvez a expressão mais pura que exista de liberdade. Ainda sou membro do Procure Saber e mantenho a mesma postura que tive no início do grupo: sou a favor das biografias e contra a obrigação de pedir autorização ao biografado. Mas defendo punições severas para quem escreva mentiras ou publique algo que me faça sentir agredido. Nos anos 1980, houve uma tentativa de criar um romance meu com a Roberta Glose. Minha mulher e meus filhos sofreram muito com isso. E ali eu tive duas lições valiosas. Primeiro, que existem péssimos profissionais da imprensa. Segundo, que eu deveria preservar a minha vida pessoal. No período da jovem guarda, a gente era acostumado a expor o dia a dia. Mostrava os carros, as namoradas, os familiares. Hoje, não faço mais isso. Quando lancei Minha Fama de Mau, disse que era um livro de memórias. Se fosse uma biografia, eu teria de contar as minhas derrotas, as coisas erradas que eu fiz. E sabe de uma coisa? Biografia só deveria ser lançada com o biografado morto. Quero mesmo é olhar o que foi escrito sobre mim lá de cima, no céu. Porque vamos combinar que deve ser muito chato passar os dias admirando aquele cenário branco e escutando música suave. O senhor colaborou com Roberto Carlos em Detalhes, biografia de seu parceiro escrita por Paulo César de Araújo. O que achou do livro? Paulo César nunca me disse que iria me entrevistar para uma biografia do Roberto. Ele veio aqui na minha casa com um grupo de estudantes e conversou comigo a respeito da jovem guarda. Tempos depois, ele me ligou e fez perguntas mais específicas sobre o Roberto Carlos. Ora, eu sempre fui cabreiro com isso, porque geralmente as pessoas me usam em matérias sobre o Roberto. Da biografia, li só as partes que falam de mim, e posso dizer que está tudo certo. E não li o novo livro do Paulo César, O Réu e o Rei. Se não tive paciência para ler o primeiro livro, por que iria perder tempo com o segundo? Nas letras de seu novo disco, Gigante Gentil, o senhor fala de alguns livros — do filósofo grego Aristóteles a Cinquenta Tons de Cinza, de E.L. James. Bem, todo mundo falou tanto de Cinquenta Tons de Cinza que nem precisei ler o livro, né? Nunca achei graça em sadomasoquismo; de dor, já basta a dor da alma. Aristóteles surge na música Coisa com Coisa, porque ouvi falar dele. Mas toda a minha cultura vem de filmes e histórias em quadrinhos. Parei de estudar no ginásio, e fui um péssimo aluno. Queria mesmo era ir para a bandalha. Qual o legado cultural da jovem guarda? O nosso principal legado foi difundir a liberdade. Liberdade de você ser quem você quiser, se vestir como quiser, gritar e até andar nu se você quiser. E foi uma coisa intuitiva, não havia estudos nem direções marcadas para que aquilo acontecesse. Nem tínhamos cultura para isso. Todo mundo era pobre e com pouco estudo, bem diferente do pessoal politizado e mais engajado. Chico Buarque, Edu Lobo, Vinícius de Moraes tinham estudo. Nós, não. Na minha turma, ninguém lia jornal. A gente queria saber de mulher, futebol e música. O senhor usava drogas então? Na época da jovem guarda, nunca. Nossas drogas eram Coca-Cola, Guaraná, Crush e Grapette. Depois usei todas, menos as injetáveis. Nos anos 1990, passei a beber demais e perdi meu foco. Eu e minha banda bebíamos tanto que nos apelidamos de Os Inflamáveis. Era vodca às 9 da manhã. Eu via as pessoas nas ruas, trabalhando e se divertindo, e me sentia impotente para fazer o mesmo. Só dei um tempo quando nasceu meu neto, que estampa a capa do disco É Preciso Saber Viver, de 1996. Nem gosto daquele álbum, mas ele mudou a minha vida. Troquei de turma, de lugar, de banda. Comecei tudo do zero. Hoje, só bebo um pouquinho antes dos shows. É verdade que seu neto brigou na escola porque um amiguinho dele não acreditava que o senhor era parceiro de Roberto Carlos? Sim, o menino dizia que Jesus Cristo era apenas do Roberto Carlos. Às vezes eu me sinto meio deixado de lado. E a culpa não é minha, nem do Roberto. Por exemplo, acontece de muitos jornalistas escreverem que Lulu Santos fez um disco de canções do Roberto Carlos. Ora, as músicas são de Roberto e Erasmo Carlos. O próprio Lulu Santos faz questão de dizer isso. Por que não escrevem direito? Por que sua parceria com Roberto Carlos não acontece mais com frequência? Acontece quando tem de acontecer. Por exemplo, Furdúncio, que acompanhou o single Esse Cara Sou Eu, é uma canção que escrevemos anos atrás e só depois foi gravada. Eu e Roberto somos diferentes. Sou compositor, não gosto de ficar tanto tempo sem fazer algo novo. Por isso lanço discos e faço músicas com novos parceiros — entre eles, Marisa Monte e Marcelo Jeneci. Só virei intérprete porque um dia o Carlos Imperial me disse que era importante que eu interpretasse as minhas próprias músicas. Já o Roberto é cantor. Compõe quando tem necessidade. Mas é uma parceria muito especial. É o único parceiro com quem eu me encontro pessoalmente — com os outros, eu me comunico por telefone ou e-mail — e de quem me permito discordar. 7#4 CINEMA – TAREFA CUMPRIDA Em A Culpa É das Estrelas, uma excelente personificação dos personagens concebidos pelo escritor John Green. Espera-se de A Culpa É das Estrelas (The Fault in Our Stars, Estados Unidos, 2014), já em cartaz no país, que cumpra duas tarefas dificílimas. A primeira, satisfazer os milhões de jovens fãs do escritor John Green. A segunda, repetir o feito do autor de escapar das armadilhas sentimentais inerentes ao enredo. Uma menina de 16 anos, com câncer de tireóide e metástase pulmonar em estágio avançado, conhece no grupo de apoio — que ela detesta frequentar — um rapaz de 18 anos que perdeu uma perna para um osteossarcoma mas está em remissão. Hazel, a garota, há anos luta com a doença e tem plena consciência de que no futuro próximo perderá de vez a briga. É uma veterana, e aprendeu a recusar os eufemismos com que se fala da morte e os apelos fúteis ao otimismo. Se disfarça em algo em sua atitude austera, é pelos seus pais (Laura Dern e Sam Trammell). Só há uma coisa pior que morrer de câncer, diz Hazel: ter um filho que está morrendo de câncer. Já Gus, o garoto, é todo otimismo, planos e carisma. Vendo-o pela primeira vez, Hazel esvoaça em torno dele como uma mariposa perto de uma lâmpada acesa. Shailene Woodley, de Os Descendentes e Divergente, é mesmo um talento: sua Hazel tem o humor acerbo da personagem concebida por Green, sua inteligência e sua determinação em ver as coisas como elas são — mas é em tudo uma adolescente, e é claro que se sentiria atraída pelo calor e pela disposição para a vida do Gus que o encantador Ansel Elgort (o irmão de Shailene em Divergente) tempera com um algo mais — uma nota de excesso, talvez, ou de negação. Assim como Hazel precisa do seu realismo para manter a sanidade, Gus precisa de seu otimismo. São estratégias, ambos, para contornar o incontornável. Tendo encontrado dois protagonistas tão acertados (cumprida portanto a primeira tarefa, a de satisfazer os fãs), espera-se ainda que o filme faça o favor de não manipular as emoções da plateia: o que se prometeu é uma história de doença e morte sem subterfúgios nem edulcoração, e se o espectador chorar é porque está sendo de alguma forma extorquido. Ora, é provável que ele chore, sim — e copiosamente, em toda a hora final. Que o faça então sem culpa nem vergonha (exceto na cena ridícula em que desconhecidos aplaudem um beijo). No livro e no filme, chora-se pelo mais trágico de todos os eventos, a morte na juventude. E chora-se pelo que esse evento evoca: não importa quanto vivam os seres humanos, eles estão fadados a sofrer a melancolia de todos os futuros que não tiveram. É essa, afinal, a culpa magnífica das nossas estrelas, a de nos fazer querer sempre um pouco mais. ISABELA BOSCOV 7#5 VEJA RECOMENDA CINEMA O LOBO ATRÁS DA PORTA (BRASIL, 2014. JÁ EM CARTAZ NO PAÍS) • Sylvia (Fabíula Nascimento) chega à escolinha e descobre que sua filha foi entregue a uma desconhecida. Mas a menina reconheceu a mulher que a foi pegar, defende-se a diretora, e até a abraçou. Sylvia tem inimigos, ou vizinhos vingativos, ou um amante?, indaga o delegado (Juliano Cazarré). Não — mas o marido de Sylvia, Bernardo (Milhem Cortaz), ele, sim, tem uma amante. Ou tinha: Rosa (Leandra Leal), com quem ele diz já ter rompido, e de quem jamais escondeu ser casado. "Só sexo, sem emoção", é como Bernardo descreve o caso à polícia. Chamada a depor, Rosa é reconhecida pela diretora da escolinha: sim, foi ela quem pegou a menina. Mas só porque outra mulher a coagiu a fazê-lo, replica Rosa, começando a tecer uma trama que, ao ser desenovelada, revelará que a versão de "só sexo" oferecida por Bernardo em nada corresponde ao que se passou. A bem urdida estreia do diretor Fernando Coimbra faz uma espécie de casamento entre Rashomon e Nelson Rodrigues: como na obra do dramaturgo, o que se tem aqui é uma história de paixão e traição sórdidas no subúrbio carioca — e, como no filme de Akira Kurosavva, três versões de um crime terrível vão se confrontar de formas inesperadas. DISCO WHITE WOMEN, CHROMEO (WARNER) • O duo canadense é uma versão atualizada de Daryl Hall e John Oates, dupla americana que deixou sua marca no showbiz dos anos 1970 e 1980, com uma benfeita mistura de pop e elementos da música negra. David Macklovitch e Patrick Gemayel também utilizam a mesma alquimia musical — embora a sua matéria-prima nessa busca pelo pop perfeito sejam o tecno e Prince em sua fase de funk eletrônico. White Women (o título é uma referência a Mulheres Brancas, Noites de Insônia, Grandes Nus, mostra do fotógrafo alemão Helmut Newton) traz vários convidados especiais. Solange Knowles — a pugilista amadora que atacou o cunhado Jay Z em um elevador — canta em Lost on the Way Home. Ezra Koenig. do grupo de afropop Vampire Weekend, mostra seus dotes como cantor de balada em Ezra's Interlude. E o produtor Toro y Moi abrilhanta Come Alive, uma faixa de refrão forte e baixo pulsante. E, como nem tudo se resume a se jogar na pista, Sexy Socialite, a melhor canção do álbum, oferece uma crônica ácida do mundo das celebridades. No Brasil, White Women está disponível apenas em versão digital. LIVROS DEZ DE DEZEMBRO, DE GEORGE SAUNDERS (TRADUÇÃO DE JOSÉ GERALDO COUTO; COMPANHIA DAS LETRAS; 248 PÁGINAS; 42 REAIS) • O americano George Saunders costuma ser saudado como um paladino da narrativa breve. Desde sua estreia na ficção, em 1996, com CivilWarLand in Bad Decline — elogiado pelo sempre arisco Thomas Pynchon —, ele tem se especializado na arte do conto e da novela, mesclando sátira, nonsense e um permanente pessimismo que leva seus personagens ao delírio e à violência. Saunders, de 55 anos, reúne aqui dez histórias sobre perdedores que habitam cidades pequenas e carregam nomes monossilábicos como Al e Jeff. A linguagem coloquial e os jogos de palavras — uma espécie de assinatura do autor — podem se perder na tradução, mas o espírito de tédio ou revolta diante da banalidade da vida permanece ali, intacto. AGUAPÉS, DE JHUMPA LAHIRI (TRADUÇÃO DE DENISE BOTTMANN; BIBLIOTECA AZUL; 440 PÁGINAS; 44,90 REAIS) • Em Calcutá, na Índia, Subhash e seu irmão, Udayan, são inseparáveis na infância. As diferenças surgem na juventude, nos anos 1960, quando o mais novo se envolve num movimento revolucionário radical e Subhash, avesso a arroubos políticos, opta pelos estudos em uma universidade americana. Nos Estados Unidos, o rapaz, que se sentia invisível em seu próprio país, abraça sem reservas outra cultura e outros hábitos. Mas uma tragédia o faz voltar: Udayan é morto em um confronto com a polícia, deixando uma jovem esposa grávida. Seguindo um antigo costume, Subhash se casa com a cunhada e a leva para viver na nova pátria. Quando a sobrinha nasce, ele decide que não revelará a ela sua verdadeira paternidade. Finalista do Man Booker Prize e do National Book Award no ano passado, o romance da inglesa Jhumpa Lahiri — convidada da próxima edição da Flip, em julho — é um novelão daqueles. Mas a autora revela jogo de cintura para unir referências históricas e políticas ao drama familiar sem cair na pieguice que esse tipo de tema costuma ensejar. TELEVISÃO ORANGE IS THE NEW BLACK — A SEGUNDA TEMPORADA (JÃ DISPONÍVEL NO NETFLIX) • Condenada a quinze meses de prisão por ter transportado drogas como um favor à sua namorada, a loira de classe alta Piper (Taylor Schilling) tenta, com mais ou menos êxito, equilibrar-se entre as facções de um presídio feminino. Aquilo que começa quase como uma comédia farsesca, porém, vai de maneira quase imperceptível se aprofundando em drama: nem a vida atrás das grades é fácil, nem a vida que levou até lá em geral o foi, é o que a criadora Jenji Kohan foi habilmente mostrando nos treze episódios iniciais desta série que, mais ainda do que House of Cards, transformou o serviço Netflix em protagonista do jogo concorridíssimo da televisão. A primeira temporada terminou em um momento de alta tensão: Piper, que vive se escorando em suas aliadas, viu-se obrigada a sujar as mãos diante das ameaças da desvairada Pennsatucky (Taryn Manning, um dos destaques do elenco fortíssimo). A série é um salto à frente para Jenji, que antes assinara a bem mais fraca Weeds, e um dos programas mais viciantes no ar hoje. Sorte que a segunda temporada já está disponível na íntegra para os assinantes. 7#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA 2- A Escolha. Kiera Cass. SEGUINTE 3- Quem É Você, Alasca? John Green. MARTINS FONTES 4- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA 5- Divergente. Veronica Roth. ROCCO 6- O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 7- O Teorema de Katherine. John Green. INTRÍNSECA 8- Insurgente. Veronica Roth. ROCCO 9- A Menina que Roubava Livros. Markus Zusak. INTRÍNSECA 10- Convergente. Veronica Roth. ROCCO NÃO FICÇÃO 1- O Réu e o Rei. Paulo Cesar de Araújo. COMPANHIA DAS LETRAS 2- Demi Lovato – 365 Dias do Ano. Demi Locato. BEST SELLER 3- Sonho Grande. Cristiane Corrêa. PRIMEIRA PESSOA 4- A Estrela que Nunca Vai Se Apagar. Esther Earl. INTRÍNSECA 5- Indefensável. Leslie Leitão. Paula Sarapu e Paulo Carvalho. RECORD 6- O Livro da Psicologia. Nigel Benson. GLOBO 7- 1889. Laurentino Gomes. GLOBO 8- Guia Politicamente Incorreto do Futebol. Jones Rossi e Leonardo Mendes Junior. LEYA BRASIL 9- Assassinato de Reputações. Romeu Tuma Jr. E Claudio Tognolli. TOPBOOKS 10- O Livro da Filosofia. Vários. GLOBO AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros. Augusto Cury. BENVIRÁ 3- Casamento Blindado. Renato e Cristiane Cardoso. THOMAS NELSON BRASIL 4- Eu Me Chamo Antonio. Pedro Gabriel. INTRÍNSECA 5- Foco. Daniel Goleman. OBJETIVA 6- O Mapa da Felicidade. Heloisa Capelas. GENTE 7- Milagres. Padre Reginaldo Manzotti. AGIR 8- Kairós. Padre Marcelo Rossi. PRINCIPIUM 9- O Monje e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 10- A Magia. Rhonda Byrne. SEXTANTE 7#7 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – O ANTÍDOTO LUCINHA Pensemos na doutora Lúcia Willadino Braga. Ela é um antídoto contra a onda de pessimismo que assola o país. Já, já a doutora Lúcia entrará nesta história. Fiquemos por enquanto com a onda de pessimismo. Em pesquisa divulgada na semana passada, o instituto americano Pew encontrou 72% dos brasileiros insatisfeitos "com as coisas no Brasil hoje". A situação econômica é ruim para 67%, e 61% acham que sediar a Copa do Mundo foi uma má decisão, "porque tira dinheiro dos serviços públicos". A presidente Dilma Rousseff ainda é vista favoravelmente por 51% dos entrevistados, mais do que Aécio Neves (27%) e Eduardo Campos (24%), mas ao mesmo tempo seu governo é reprovado nos itens combate à corrupção (86%), combate ao crime (85%), saúde (85%), transporte público (76%), política externa (71%), educação (71%), preparação para a Copa (67%), combate à pobreza (65%) e condução da economia (63%). Dilma é considerada "boa influência" no país por 48% dos entrevistados contra os 84% que assim pensavam de Lula em 2010. (Os resultados estão em http://www.pewglobal.org/2014/06/03/brazilian-discontent-ahead-of-world-cup/.) Copa do Mundo é uma grande festa. A esta altura a euforia deveria estar reinando no país. E o que ocorre? A presidente Dilma já mais de uma vez teve de argumentar que o legado do torneio está garantido, porque os estrangeiros não levarão os estádios e os aeroportos na mala. Com todo o respeito, presidente, é uma pena que não o façam. Teremos de ficar nós mesmos com os estádios de Manaus, de Natal e de Cuiabá. Se os visitantes os levassem com eles, ao preço que custaram, proporcionariam algum alívio a nossas combalidas contas externas. Os aeroportos já seriam mais difíceis de vender. Só um entre os doze da Copa, o de Brasília, estava pronto na semana passada. Os outros apresentavam um festival de tapumes e variados improvisos, quando não um monte de terra e outro de entulho, logo à saída, como o de Cuiabá. E com o de Brasília, a joia da coroa, o que ocorria? Não resistiu à primeira chuva. Na terça-feira, partes alagadas no solo, resultado do entupimento dos bueiros, dialogavam com goteiras no teto. Funcionários de companhias aéreas trabalhavam protegidos por lonas penduradas no teto, para aparar as águas. Não é à toa que o pessimismo seja o sentimento dominante, nesta véspera de Copa. Para compensar, temos a doutora Lúcia Willadino Braga, a "Lucinha" para quem, como este colunista, tem a sorte de conhecê-la. Lucinha é neurocientista com múltiplas distinções no exterior e diretora da rede Sarah de hospitais do aparelho locomotor. A rede Sarah já é em si um milagre. Fundada pelo médico Aloysio Campos da Paz, hoje seu cirurgião-chefe, consiste num conjunto de hospitais públicos com padrão muitos furos acima do apregoado padrão Fifa. É despudorada demagogia dizer que em vez de estádios deveríamos investir em mais hospitais padrão Sarah, mas, vá lá, sejamos despudorados: deveríamos. Lucinha é outro milagre, para muitos dos pacientes que estiveram aos seus cuidados. Há duas semanas ela foi tema de capa da revista VEJA BRASÍLIA. As repórteres Clara Becker e Lilian Tahan contaram então uma história que começa em maio de 2010, quando a unidade carioca do Sarah foi visitada pela senhora Mozah bint Nasser Al Missned, uma das atuais duas mulheres do sheik do Catar. A doutora Lúcia está acostumada com tais visitas. Já recebeu a princesa Diana e Michelle Obama, entre outras. Mas essa foi especial. As duas ficaram amigas, passaram a corresponder-se, e um dia veio um convite para a brasileira visitar o Catar. Lucinha aceitou. Partiu em outubro de 2011, claro que em primeira classe da Qatar Airways, e naquele país empenhou-se num ciclo de visitas a instituições médicas e palestras a profissionais de saúde. No fim — surpresa — recebeu uma proposta da amiga sheika: trocar o Brasil pelo Catar. O salário estava mais para Neymar, ou pelo menos para David Luiz, do que para um reles neurocientista. Lucinha não precisou pensar. Disse não. "Tenho um compromisso com a saúde do meu país", justificou. Logo, se tudo der certo, e especialmente se a seleção brasileira for bem, o pessimismo que assola o país será contrabalançado, ou talvez mesmo substituído, pelo Hino Nacional cantado aos urros, como na Copa das Confederações. Já Lucinha tem compromisso com o país. Não é engraçado?