0# CAPA 7.5.14 VEJA www.veja.com Editora ABRIL Edição 2372 – ano 47 – nº 19 7 de maio de 2014 [descrição da imagem: ocupando quase toda capa, a foto do jogador Daniel Alves. Ele está de frente, olhando para frente com muita firmeza, determinação e seriamente. Tem o braço direito dobrado para frente, mostrando o punho fechado. A mão esquerda segura o braço direito acima do cotovelo. Ele está de terno e gravata em tons cinza com pequenos detalhes em vermelho. Na lapela do casaco tem uma joia dourada, em forma de banana descascada até a metade e faltando a ponta, que demonstra ter sido mordida.] AQUI, Ó! Daniel Alves, da seleção brasileira e do Barcelona, comeu a banana, os racistas dos estádios escorregaram na casca e o preconceito quebrou a cara — talvez para sempre [descrição da imagem: canto superior esquerdo, uma pintura de Iberê Camargo} IBERÊ CAMARGO A mostra dos 100 anos do maior pintor brasileiro. [descrição da imagem: uma pessoa segura uma peça de motor de carro, que está em primeiro plano] RECALL Como uma falha minúscula causou um estrago gigante ______________________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# ECONOMIA 5# INTERNACIONAL 6# GERAL 7# GUIA 8# ARTES E ESPETÁCULOS _________________________________ 1# SEÇÕES 7.5.14 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – REESCREVENDO A HISTÓRIA 1#3 ENTREVISTA – CLAUDIO HADDAD – O OBJETIVO É DOUTRINAR 1#4 LYA LUFT – REPOLHOS IGUAIS 1#5 LEITOR 1#6 LOBÃO – O BATERISTA 1#7 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM OS DUELOS DAS COPAS O retrospecto costuma ter muito peso nos Mundiais — seleções como Brasil, Itália e Alemanha são temidas não só pelos seus craques, mas também pela sua tradição no torneio. Ferramenta desenvolvida pelo site de VEJA reúne dados de 31.233 partidas entre mais de 200 seleções, conforme os registros do site da Fifa, desde um 0 x 0 entre Inglaterra e Escócia em 1872. Com ela você consegue comparar o desempenho de todas as 32 seleções participantes da Copa de 2014 e descobrir quem tem melhor histórico em cada possível confronto, tanto no placar geral (incluindo amistosos e outras competições) como nas partidas disputadas em Mundiais. É possível conferir todos os jogos disputados — e saber quem marcou mais gols e obteve mais vitórias nesses embates. OBAMA TAMBÉM TEM LINKEDIN Barack Obama mantém um alentado perfil no Linkedin, a maior rede de relacionamento profissional do planeta. Bill Gates, fundador da Microsoft, David Cameron, premiê britânico, e o apresentador Roberto Justus, também. Eles não buscam (por ora, ao menos) uma nova oportunidade profissional. Buscam influenciar pessoas. VEJA.com reuniu perfis de personalidades brasileiras e estrangeiras e, com a ajuda de uma headhunter, aponta os bons e maus exemplos de atividade na rede. NAMORADA ESPETACULAR Considerada uma das atrizes jovens mais bonitas e promissoras desta geração, Emma Stone vive sua melhor fase com a franquia O Espetacular Homem-Aranha. O segundo filme da série, que acaba de estrear no Brasil, traz reviravoltas no relacionamento da mocinha, vivida por Emma, e do herói, interpretado por Andrew Garfield. Eles são namorados na vida real, e a química entre os dois em cena é uma atração à parte. Em entrevista ao site de VEJA, ela admite: "Existe uma confiança maior entre nós, mas o roteiro também ajuda bastante..." NA ROTA DA IMPRUDÊNCIA Há um mês, o governo do Acre vem despachando para São Paulo centenas de haitianos que entram diariamente no país pela fronteira com o Peru. Os imigrantes embarcam em ônibus lotados, sem assistência nem acompanhamento, imprudência que provocou atrito entre governadores e prefeitos — e expôs os haitianos a novos perigos. O Ministério do Trabalho investiga o aliciamento de imigrantes para trabalho escravo, e o governo de São Paulo alerta para o risco de cooptação pelo tráfico de drogas. Responsável pela política de imigração, o governo federal mantém um perigoso silêncio. 1#2 CARTA AO LEITOR – REESCREVENDO A HISTÓRIA Uma reportagem desta edição de VEJA coloca lado a lado os ex-presidentes Fernando Collor (1990-1992) e Lula (2003-2011) e esquadrinha as razões de cada um ao enxergar em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) significados que elas não têm. Lula, em uma derrapada imperdoável para quem presidiu o Brasil por oito anos, falou mal do próprio país no exterior. Em entrevista concedida em Portugal, Lula desacreditou a mais alta corte brasileira, o STF, ao negar os crimes cometidos pelos seus companheiros da cúpula do PT e atribuir a condenação deles a mera conveniência política. Fernando Collor se valeu não de uma condenação, mas de uma absolvição, a sua própria, para sentir-se na posição de reivindicar o mandato que foi encurtado pelo Congresso Nacional há 22 anos. Tanto Collor quanto Lula fizeram uma leitura muito particular dos fatos. As razões de Collor e Lula são fáceis de entender, embora igualmente indesculpáveis. Os dois ex-presidentes tentaram reescrever o passado, quando as confusões em que ambos se enfiaram estão frescas demais para ser manipuladas. É muito cedo para tentar passar uma borracha na história. Os aliados de Lula no mensalão estão ainda cumprindo pena de prisão na penitenciária da Papuda, em Brasília. Eles foram julgados e condenados em um minucioso processo jurídico por ministros do STF em sua maioria indicados pelo próprio Lula e por Dilma Rousseff, sua sucessora e seguidora. Lula comprou a briga errada, no lugar errado e no tempo errado. Collor também viu cair no vazio sua tentativa de enxergar na absolvição dos crimes pelos quais foi indiciado a prova de que foi injusta a cassação de seu mandato pelo Congresso Nacional, em 1992. O STF acertou em absolver Collor de todos os crimes de que foi acusado. As denúncias feitas em dois processos não juntaram provas consistentes o bastante ligando diretamente o ex-presidente ao escandaloso esquema de corrupção que corroeu seu governo. Mas Collor errou ao se absolver de todas as culpas com base na decisão favorável a ele no STF. Se ter a ficha limpa é uma exigência para qualquer brasileiro maior de 35 anos se candidatar à Presidência da República, para o exercício do cargo é insuficiente não ser oficialmente criminoso. O que se espera de um presidente da República é que ele seja virtuoso, não que seja, na Justiça, capaz de escapar de condenação por sua conduta indecorosa. Collor não foi eleito nem cassado por decisão do STF. Foi eleito pelo povo e cassado por seus representantes legais em votação aberta no Congresso Nacional, que, depois de uma CPI que desnudou a corrupção em seu governo, se decidiu pelo seu impeachment, em 1992. Collor perdeu a confiança da nação por atos de abuso do poder. Não foram atos facilmente tipificados criminalmente, mas faltas gravíssimas punidas com a perda do mandato de acordo com a Constituição brasileira e as regras que regem as relações entre os poderes da República. Nada lhe foi tirado ilegitimamente. 1#3 ENTREVISTA – CLAUDIO HADDAD – O OBJETIVO É DOUTRINAR O doutor em economia fez a prova de conhecimentos gerais do Enade e concluiu que as respostas tidas como certas se baseiam em ideologias e opiniões, e não em fatos. MONICA WEINBERG Engenheiro e doutor em economia pela Universidade de Chicago, Cláudio Haddad, 67 anos, sofreu, digamos assim, uma reprovação no campo acadêmico. Ele resolveu fazer, só de curiosidade, a prova de conhecimentos gerais do Enade, o exame do Ministério da Educação para os recém-formados nas universidades. Segundo o gabarito oficial do MEC, ele errou metade das questões. Como assim? Haddad, que preside o Insper, faculdade que fundou em São Paulo com o nome Ibmec, em 1999, depois de quinze anos como sócio do Banco Garantia, está desatualizado? Nada disso. O defeito é da prova, que não se propõe a medir conhecimento, mas a aferir o grau de alinhamento do candidato com a ideologia em voga em Brasília. Diz Haddad: "É uma prova com viés ideológico, alta dose de subjetividade e um olhar simplista sobre as grandes questões da atualidade". O que o motivou a fazer uma prova de conhecimentos gerais para recém-formados? Meus alunos se saíram mal, e quis entender em que tipo de conhecimento eles patinavam. Passei o olho nas questões em uma cópia do teste. Eram enunciados enormes, que me deram a impressão de conter alto grau de subjetividade. Por isso, resolvi fazer a prova duas vezes. Na primeira, respondi tudo da maneira que julguei a mais correta: na segunda vez, assinalei as opções que imaginei serem aquelas que os avaliadores considerariam acertadas por terem um viés mais ideológico. Resultado: à luz de meus conhecimentos, errei quatro de oito questões de múltipla escolha, ou seja, um fiasco. Já na versão que fiz com o único intuito de dar as respostas que os examinadores queriam, fui muito bem. Acertei sete. Só errei mesmo uma em que, sinceramente, apesar de ter me detido nela inúmeras vezes, até agora não vi lógica. O senhor está dizendo que a prova foi mal formulada? Sem dúvida. Não se pode dizer que uma questão de conhecimentos gerais que se fia num viés político e ideológico e abre espaço para interpretações subjetivas seja bem formulada. Uma boa prova deveria se basear em fatos objetivos, e não em crenças individuais. Dê um exemplo de como o viés ideológico aparece no Enade. Uma das questões que mais me espantaram pede aos estudantes que reflitam sobre ética e cidadania, marcando as definições que expressem bem os dois conceitos. Uma das alternativas diz que, sem o estabelecimento de regras de conduta, não se constrói uma sociedade democrática e pluralista, terreno sobre o qual a cidadania viceja como valor. Está correto. A outra enfatiza que o princípio da dignidade humana é o avesso do preconceito. Também está certo. A zona de sombra paira sobre a terceira proposição, a que o MEC considera correta: "Toda pessoa tem direito ao respeito de seus semelhantes, a uma vida digna, a oportunidades de realizar seus projetos, mesmo que esteja cumprindo pena de privação de liberdade, por ter cometido delito criminal, com trâmite transitado e julgado". Isso é apenas uma divagação opinativa do formulador da prova sobre como seriam as condições ideais de vida de um preso. Existem maneiras bem mais objetivas e lógicas de testar o conhecimento do candidato sobre ética e cidadania. E por que o senhor discorda da afirmativa? Como alguém que cometeu um crime e está preso pode ter garantido o seu direito de realizar “projetos" como os demais cidadãos? É, antes de tudo, um absurdo lógico. Vejo aí uma condescendência típica de certas organizações de direitos humanos, que brigam indiscriminadamente por tudo o que é benefício para o preso: visita íntima, saída à vontade da cadeia. Isso, aliás, está bem em voga no Brasil. Faz parte do caldo ideológico incapaz de ver uma questão tão complexa sob todos os prismas. O desprezo pela lógica é o pior defeito das questões do Enade? A imposição de uma maneira de pensar é igualmente danosa. Uma das perguntas faz uma longa digressão sobre os jovens de hoje, que preferem ficar fechados em seu quarto mexendo no computador e jogando videogame a passear pela praça. O texto prega que a imersão no mundo eletrônico desvia a atenção das crianças dos impactos dos danos ambientais. A prova pede que o candidato escolha o título mais adequado para o texto que acabou de ler. Minha opção foi: "Preferências atuais de lazer de jovens e crianças: preocupação dos ambientalistas". Errei. Para os avaliadores o título correto é: "Engajamento de crianças e jovens na preservação do legado natural: uma necessidade imediata". Esse não é o título mais adequado para o texto, aliás de péssima qualidade. O que se tem no conjunto de texto e resposta é uma combinação de subjetividade total com pregação ambientalista. A questão não tenta medir o conhecimento do candidato, mas saber quanto ele está enquadrado na maneira de pensar oficial. Qual é a origem dessas distorções? Para mim, está claro que o Enade deixa à mostra o modo torto de ver o mundo da maioria de nossos educadores. Eles são mergulhados nessa ideologia antiempresa, antilucro, antimercado já nas faculdades de pedagogia. Depois tratam de plantar essa visão na cabeça dos estudantes. Essa é uma característica exclusiva da educação brasileira? Não. Há um movimento atualmente na França destinado a revisar o ensino de economia, que com o tempo foi se tornando distorcidamente anticapitalista. Está sendo difícil na França restaurar o equilíbrio. No Brasil a situação é pior. Aqui o discurso ideológico se mistura com a falta de conhecimento. O resultado é desastroso. É o triunfo de uma concepção de mundo simplista e equivocada. Gostaria de saber quantos desses pregadores leram Marx e Adam Smith no original. Sim, porque tem muito professor por aí que se baseia em textos curtos e apostilados para ensinar. A prova do MEC é um espelho dessa simplificação. O conhecimento verdadeiro consiste em entender realidades complexas, e não em contorná-las com resumos empobrecedores e enviesados. Qual a consequência imediata disso? A radicalização. O discurso ambientalista é um exemplo. Tornou-se uma sucessão de bandeiras e pregações alarmantes com evidente desprezo pela lógica e pela objetividade. A intervenção humana no meio ambiente é ensinada apenas como uma ''agressão". Muitas vezes faltam inteligência e informação na utilização racional dos recursos materiais, mas isso não significa que é impossível agir sobre a natureza sem provocar tragédias ambientais. As crianças também aprendem na escola a repudiar a Revolução Industrial inglesa, lembrada apenas pelas condições de trabalho miseráveis. Mas a miséria já estava lá bem antes e foi justamente com a Revolução Industrial que, pela primeira vez na história da humanidade, a riqueza aumentou exponencialmente para todas as classes. As economias cresceram, a renda per capita se multiplicou e os governos puderam arrecadar mais e implantar programas sociais. Mas a ideologia em voga demoniza a Revolução Industrial. Isso não é educação de qualidade. O Enade sofre dessa miopia em relação aos processos econômicos? Sim. Em alto grau. Uma questão sobre a crise financeira mundial de 2008 é a prova disso. O texto da pergunta diz que a desregulação dos mercados americanos e europeus levou à formação de uma bolha de empréstimos especulativos e imobiliários que, ao estourar, desencadeou a crise mundial. Falso ou verdadeiro? Para o MEC, é verdadeiro; para mim, falso. Para o MEC, o certo é pôr toda a culpa no sistema. Ponto. Com essa ênfase ideológica, perdem-se dimensões importantes para entender as razões da crise. A frouxa política monetária do Fed, o banco central americano, teve muito a ver com a crise. Como teve seu papel o incentivo do governo americano à concessão de crédito imobiliário mesmo para quem, claramente, não poderia pagar. Essas ações de Washington foram decisivas para que o mercado de casa própria inflasse em bases irrealistas. Mas a lente ideológica manda apontar a desregulamentação dos mercados como a causa da crise financeira. Isso não é produção de conhecimento, mas simplesmente a divulgação de uma visão equivocada. Por que as universidades brasileiras ainda são tão pouco inovadoras mesmo se comparadas às de outros países emergentes? Entre as instituições públicas de elite, dois fatores pesam contra a corrida pela produtividade: elas têm verbas garantidas e o grosso do dinheiro é distribuído sem considerar o relevo da produção científica de cada uma. O princípio do igualitarismo pode até soar bacana, mas contém em seu DNA uma armadilha perversa. Para que todos progridam no mesmo ritmo, o avanço de uns é refreado em função do passo mais lento de outros. Cadê a meritocracia? Nos Estados Unidos, as melhores universidades recebem mais recursos do que as de menor desempenho — e isso não é por acaso. É mérito. Na última década, o governo federal incentivou a abertura de universidades com o intuito de fomentar certas regiões carentes de ensino de qualidade. Isso ajuda? É clara essa preocupação em espalhar universidades por todo o território brasileiro, sob o discurso do desenvolvimento regional, mas, para mim, isso significa desperdiçar dinheiro baixando o nível de todos. Sim, porque o dinheiro é finito e a pulverização dele impede os melhores de chegar a um patamar ainda mais alto. Alguma coisa melhora no ensino superior brasileiro? Temos centros de excelência já conectados com o mundo lá fora. Poderíamos ter muito mais competição, porém. O economista Edward Glaeser faz uma colocação muito interessante em um de seus livros quando diz que as universidades americanas não resvalaram para o corporativismo justamente porque tinham de competir umas com as outras. No Brasil, nunca ouvi falar de uma turma de cientistas de um determinado centro de pesquisas preocupada em correr para superar o trabalho de outro grupo. Também não vejo ninguém consternado com o fato de que sua instituição não está entre as melhores do mundo nos rankings. A preocupação em gerar recursos adicionais, então, é algo mais raro ainda. De quem é a culpa? Vejo claros problemas de gestão e governança nas universidades públicas. Meu pai foi sub-reitor da UFRJ e não se conformava com o aluguel baixíssimo que a universidade recebia do Canecão. Ele achava que tinha de vender a casa de shows, que assim entraria mais dinheiro no caixa. Mas as resistências internas a qualquer iniciativa que mexa na velha maneira de fazer as coisas são tão grandes que não se faz nada. A UFRJ tem instalações no Rio de Janeiro inteiro. Por que não vender uma parte, concentrar tudo numa mesma área e otimizar recursos? Aí entra uma série de interesses específicos. Tem até o grupo que diz: "Mas está bom assim; a universidade é do lado da minha casa". O forte elo entre universidades e empresas ajuda a explicar o alto poder inovador de muitos países. Como o Brasil está nessa área? O Brasil vem melhorando, mas precisa romper de vez com uma ideologia antiga segundo a qual a parceria com o mercado é vista como ameaça à autonomia universitária. Bobagem. Todas as grandes instituições de ensino superior americanas recebem dinheiro de empresas e não se privam com isso de sua liberdade criativa. Ao contrário: são as maiores fornecedoras de prêmios Nobel do planeta. Se o pesquisador ficar isolado em sua torre de marfim, dificilmente produzirá conhecimento relevante. Mas percebo, inclusive pelas conversas dos alunos em minha escola, que surge no Brasil uma geração de mente mais aberta e empreendedora. Ela é essencial para a criação de um ecossistema favorável à inovação e à produção de riqueza. Quais as características desse ecossistema? Empreendedores, inovadores, academia, empresas e financiadores trabalhando juntos. São Paulo reúne condições para a criação disso, que se vê em ebulição em lugares como Boston e Tel-Aviv. Estamos falando de criar no Brasil uma cultura que tenha na produção de conhecimento seu maior valor. 1#4 LYA LUFT – REPOLHOS IGUAIS Sempre me impressiona o impulso geral de igualar a todos: ser diferente, sobretudo ser original, é defeito. Parece perigoso. E, se formos diferentes, quem sabe aqui e ali uma medicaçãozinha ajuda. Alguém é mais triste? Remédio nele. Deprimido? Remédio nele (ainda que tenha acabado de perder uma pessoa amada, um emprego, a saúde). Mais gordinho? Dieta nele. Mais alto? Remédio na adolescência para parar de crescer. Mais relaxado na escola? Esse é normal. Mais estudioso, estudioso demais? A gente se preocupa, vai virar nerd (se for menina, vai demorar a conseguir marido). Não podemos, mas queremos tornar tudo homogêneo: meninas usam o mesmo cabelo, a mesma roupa, os mesmos trejeitos; meninos, aquele boné virado. Igualdade antes de tudo, quando a graça, o poder, a força estão na diversidade. Narizes iguais, bocas iguais, sobrancelhas iguais, posturas iguais. Não se pode mais reprovar crianças e jovens na escola, pois são todos iguais. Serão? É feio, ou vergonhoso, ter mais talento, ser mais sonhador, ter mais sorte, sucesso, trabalhar mais e melhor. Vamos igualar tudo, como lavouras de repolhos, se possível... iguais. E assim, com tudo o que pode ser controlado com remédios, nos tornamos uma geração medicada. Não todos — deixo sempre aberto o espaço da exceção para ser realista, e respeitando o fato de que para muitos os remédios são uma necessidade —, mas uma parcela crescente da população é habitualmente medicada. Remédios para pressão alta, para dormir, para acordar, para equilibrar as emoções, para emagrecer, para ter músculos, para ter um desempenho sexual fantástico, para ter a ilusão de estar com 30 anos quando se tem 70. Faz alguns anos reina entre nós o diagnóstico de déficit de atenção para um número assustador de crianças. Não sou psiquiatra, mas a esta altura de minha vida criei e acompanhei e vi muitas crianças mais agitadas, ou distraídas, mas nem por isso precisadas de medicação a torto e a direito. Fala-se, não sei em que lugar deste mundo louco, em botar Ritalina na merenda das escolas públicas. Tal fúria de igualitarismo esconde uma ideologia tola e falsa. Se déssemos a 100 pessoas a mesma quantidade de dinheiro e as mesmas oportunidades, em dois anos todas teriam destino diferente: algumas multiplicariam o dinheiro; outras o esbanjariam; outras o guardariam; outras ainda o dedicariam ao bem (ou ao mal) alheio. Então, quem sabe, querer apaziguar todas as crianças e jovens com medicamentos para que não estorvem os professores já desesperados por falta de estímulo e condições, ou para permitir aos pais se preocuparem menos, ou ajudar as babás enquanto os pais trabalham ou fazem academia ou simplesmente viajam, nem valerá a pena. Teremos mais crianças e jovens aturdidos, crianças e jovens mais violentos e inquietos quando a medicação for suspensa. Bastam, para desatenção, agitação e tantas dificuldades relacionadas, as circunstâncias de vida atual. Recentemente, uma pediatra experiente me relatou que a cada tantos anos aparecem em seu consultório mais crianças confusas, atônitas, agitadas demais, algumas apenas sofrendo por separações e novos casamentos, em que os filhos, que não querem se separar de ninguém, são puxados de um lado para o outro, sem casa fixa, um centro de referência, um casal de pais sempre os mesmos. Quem as traz são mães ou pais em igual estado. Correrias, compromissos, ansiedade por estar na crista da onda, por participar e ser o primeiro, por não ficar para trás, por não ser ignorado, por cumprir os horários, as prescrições, os comandos, tudo o que tantas pressões sociais e culturais ordenam, realmente estão nos tornando eternos angustiados e permanentes aflitos. Mudar de vida é difícil. Em lugar de correr mais, parar para pensar, roubar alguns minutos para olhar, contemplar, meditar, também é difícil, pois é fugir do padrão. Então seguimos em frente, nervosos com nossos filhos mais nervosos. Haja psicólogo, psiquiatra e medicamento para sermos todos uns repolhos iguais. 1#5 LEITOR DILMISTAS VERSUS LULISTAS Vivenciamos um momento histórico na política do Brasil: a competitividade dentro do mesmo partido político (o PT), e não somente isso, entre um ex-presidente e a atual presidente ("Os dois lados de um mesmo problema", 30 de abril). Infelizmente, esse período ficará marcado por escândalos de corrupção e por instabilidade econômica. Isso ocasionará uma forte crise após a Copa do Mundo e as eleições. Apesar de termos plena consciência dos motivos e dos culpados por tantos problemas que o Brasil hoje enfrenta, ainda assistimos aos episódios deprimentes de rixa entre dois antigos companheiros, que agora disputam a apreciação dos eleitores. Diante desse constrangimento político, talvez ainda dê tempo de aprender a dar oportunidade ao novo. Por que não? Talvez este seja o momento crucial para analisar as possibilidades de eleger alguém que não esteja envolvido em todos esses escândalos e parar de insistir e apostar no que não está dando certo. PAULA REGINA COSTA DE OLIVEIRA São Paulo, SP A verdadeira "oposição" que realmente ameaça a reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014 está bem mais no seu próprio quintal do que nos adversários presidenciais: racha no partido, escândalo da Petrobras, PIB recuado, má gestão financeira... MARCELO DE MORAIS RIBEIRO Rio de Janeiro, RJ Na verdade, o PT chegou ao poder com muita sede. Tudo o que criticava quando estava na oposição passou a fazer. Para nós, basta! Não aguentamos mais a forma como o PT vem agindo no governo: corrupção, dólares na cueca, desvio de dinheiro junto a instituições financeiras e órgãos governamentais, propinas, além de acusações que vão do envio de dinheiro a Cuba, Venezuela etc., sem nenhuma contrapartida, a envolvimento em crime contra seus próprios companheiros. Acho que chegou a hora de nós, brasileiros, tirarmos nossa arma (o título de eleitor) da gaveta e passar a vez à oposição. Hoje, verificamos com tristeza que entre a juventude, quando reunida para falar de política, aquele que se diz petista é imediatamente ridicularizado pelos demais, que o enxergam como participante de uma "quadrilha". A que ponto chegou o partido que se intitulava defensor da moral e da honestidade... FRANCISCO MENDES CHAVES Fortaleza (CE), via tablete Finalmente, o que já era esperado, dada a ganância na divisão do butim, o PT entrou num processo autofágico. O Brasil agradece. ZEBINO BRASIL PEREIRA Santa Maria, RS MAÍLSON DA NÓBREGA Que alegria ler o artigo "Não desanime" (30 de abril), do economista Maílson da Nóbrega! Uma brisa de otimismo num ano tão conturbado e sob um regime tão populista nos faz muito bem. Agradeço a ele por esse texto maravilhoso. Sobre o racha no PT, é de espantar que um partido que historicamente se mostra unido, passa por cima de valores, ética e leis para defender seus companheiros, militando em todas as frentes e até mesmo em redes sociais, enfrente uma crise tão forte justamente na área que costuma dominar. Espero que a oposição saiba aproveitar este momento e use cérebros criativos, como faz o PT, para lançar campanhas de convencimento do eleitorado. Quem sabe o Brasil de uma vez por todas saia dessa aura negra da gestão PT. REGINA MARTINKZ PRAXEDES São Paulo, SP CASO LABOGEN A reportagem "Peixe grande na rede" (30 de abril) contém duas afirmações que repudio com veemência. A primeira é a afirmação grave e infundada de que faço parte de uma "quadrilha" supostamente ligada ao senhor Alberto Youssef. Nas investigações realizadas pela Polícia Federal e recém-encaminhadas ao Ministério Público Federal não há nenhuma referência a mim por irregularidades praticadas no laboratório Labogen. A outra afirmação inverídica é que sou "sócio oculto" do Labogen. Minha empresa, a GPI Participações e Investimentos, juntamente com outras companhias, assinou um pré-contrato de opção de compra do Labogen que nada tem de oculto. Esse contrato manifesta a intenção de adquirir o Labogen, desde que cumprida uma série de condições de viabilidade econômica e saneamento do laboratório. Essa opção de compra jamais foi exercida porque essas condições não se realizaram. PEDRO PAULO LEONI RAMOS São Paulo, SP ASSASSINATO DE BERNARDO Se todos nós que não conhecíamos o garoto Bernardo ficamos imensamente tristes com sua história, imagino o que não está se passando com o juiz Fernando Vieira dos Santos, que deu um voto de confiança ao pai desse menino e se viu traído. Espero que esse juiz seja o responsável pelo julgamento daqueles que deveriam zelar pelo bem-estar dessa criança. Que ele tenha a oportunidade de fazer justiça ("Novas pistas", 30 de abril). RICARDO WAGNER FIGUEIREDO PEREIRA Belo Horizonte, MG Lendo a história de Cinderela para minha filhinha, fiquei pensando no menino Bernardo. Quanta semelhança... Um pai, negligente, que se casa com uma mulher ambiciosa e deixa o enteado maltrapilho. O garoto sai em busca de uma fada madrinha para ajudá-lo... Meu Deus! Onde estava a "princesa encantada" para tirá-lo desse infortúnio e viver com ele feliz para sempre? ALESSANDRA DIAS Belo Horizonte, MG CLÁUDIO DE MOURA CASTRO Os obstáculos relatados pelo economista Cláudio de Moura Castro em seu artigo "A casa é ecológica, a burocracia não" (30 de abril) coincidem com os encontrados pelos não poucos profissionais da arquitetura envolvidos na premente questão da ecologia do construído. Sou arquiteto e urbanista e observo que, diferentemente de "atrapalhar", o desafio de manter o equilíbrio ecológico entre os seres humanos e seu entorno artificial é abraçado por muitos arquitetos e acaba por esbarrar no alto custo de implementação, em políticas públicas inexistentes ou ineficazes, na ausência de benefícios fiscais e acordos de cogeração energética. ANTONIO CARLOS DOMANSKI JÚNIOR Curitiba, PR A construção da minha ecocasa foi a mais ecológica que conseguimos fazer e pagar. Foi muito difícil, tivemos muitos contratempos e quase desistimos do projeto. Não foi fácil aprovar o financiamento da construção com utilização do FGTS, abrindo assim precedente para esse tipo de financiamento com tecnologias sustentáveis. Fizemos o tratamento do esgoto com tanques de biorremediação, e na captação da água da chuva utilizamos tanque de biorremediação e um filtro de esterilização por luz ultravioleta que torna a água potável. Também decidimos aprovar esses projetos na prefeitura. A burocracia e a má vontade foram tantas que quase desistimos de legalizar essas técnicas. Também me informei para tentar certificar o projeto da casa, mas isso ainda é coisa de Primeiro Mundo. O governo não incentiva as construções ecológicas. Sou ecodesigner e vejo que o Brasil, de ecológico, só tem o nome de uma árvore, que, por sinal, está ameaçada de extinção. FERNANDA PE PINHO MEZAPRI Tubarão, SC CABELEIREIROS E MAQUIADORES Ao ler a reportagem "Escovas progressistas" (30 de abril), concordei com as ideias expostas, pois acredito que cada vez mais existe essa procura pelo belo, enaltecendo a figura de um profissional de beleza. Um dos fatores que mais influenciam essa procura é a mídia, com programas cuja intenção é mostrar o trabalho de cabeleireiros e maquiadores. Como sou jovem e fortemente influenciada por esses meios, vejo donos desses estabelecimentos investir em bom atendimento e boa infraestrutura para se aproximar mais das clientes, além de tratá-las como realmente querem ser tratadas. Com isso, esses especialistas realmente ganham status e acabam mudando de vida. A sociedade preza muito a aparência física. MILENA KIMIE TESSARI SUMIDA Nova Londrina, PR JOÃO PAULO II Belíssima a reportagem "Rascunhos de um santo" (30 de abril). São preciosas informações, fornecidas pelo livro João Paulo II — Estou nas Mãos de Deus, escrito pela pessoa mais indicada para essa tarefa, seu secretário, hoje cardeal-arcebispo de Cracóvia. Várias vezes falei com o cardeal Dzivisz nas visitas ad limina que fiz a Roma como bispo de Parnaíba e, depois, arcebispo de Maceió. Ele prestou um grande serviço à Igreja, entregando à Congregação para as Causas dos Santos o precioso documento das notas pessoais do hoje São João Paulo II, mesmo contrariando seu desejo. Pelo artigo de VEJA, pode-se ver a personalidade de grande fé e de grande espírito de humildade que foi o papa canonizado no domingo (27). Que o livro do cardeal Stanislaw tenha a maior divulgação entre os fiéis e os estudiosos da história da Igreja, para conhecimento daquele que foi pastor e santo e que o povo, na Praça de São Pedro, no dia de seus funerais, já aclamou: santo logo! DOM EDVALDO G. AMARAL Arcebispo emérito de Maceió Recife, PE CORREÇÃO: o nome da empresa de recrutamento Robert Half foi grafado errado na reportagem "De malas prontas para o MBA" (seção Guia, na página 108 desta edição). PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação, VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP; Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até a quarta-feira de cada semana. 1#6 LOBÃO – O BATERISTA Um dia desses, em visita a uma redação de jornal, uma das editoras, talvez por cacoete de profissão, perguntou qual era a minha formação. Sem pensar muito, respondi: "Sou baterista. Baterista autodidata". Refletindo melhor depois, vi que a resposta não poderia ser outra. Penso como baterista, percebo e deduzo o mundo ao meu redor como baterista. Expandi meu universo de interesses e angariei uma série de outros ofícios a partir desse. Tocar bateria, pra mim, se confunde com o tempo em que aprendi a andar. Talvez por ter adquirido sozinho e tão cedo essa habilidade, acabei por desconfiar de qualquer tipo de professor que não fosse aquele que designasse. Todas as pequenas descobertas que fazia quando criança, e que me causavam intensas alegrias, eram sempre relacionadas ao fato de tocar bateria: todo número ímpar somado a si mesmo vira par. Toda proparoxítona é uma quiáltera. O ritmo ternário induz ao círculo, à espiral — daí a valsa. O binário tem a ver com o sexo, com a guerra — por isso o samba, a marcha. Todo problema virava uma questão a ser resolvida através da bateria. Ansiedade? Ah, se eu puder tocar cada vez mais lentamente, aniquilarei a ansiedade! Sim, pois se você estiver ansioso jamais conseguirá seguir um andamento lento com conforto e naturalidade (experimente baixar no seu celular um daqueles aplicativos de metrônomo e tente acompanhar um ritmo qualquer com os dedos. Em seguida, vá diminuindo gradativamente o andamento e verá a dificuldade que é manter a precisão na proporção em que ele cai). Percebi que, quanto mais se tem domínio sobre o andamento lento, mais maturidade musical se adquire. E isso vale para o resto das coisas da vida. Do sexo à conversa de botequim. Quem sabe toda criatura que ama seu ofício seja conduzida a enxergar o mundo sob a ótica dessa atividade. Para mim é assim. A bateria me apresentou conceitos como temperança, arrojo, contenção, paciência, concentração, precisão e também convicção (essa não tem porcentual: se você é 99,9% convicto, você é um vacilão). Também me ensinou a ver o outro: para saber tocar, antes de mais nada, é preciso aprender a ouvir. E a respirar, imaginar, entender o silêncio e o tempo. Minhas primeiras indagações sobre a alma tiveram a mesma origem: vieram da relação de gratidão que passei a ter com a minha independência motora. Afinal, se eu possuía membros de uma solicitude comovente (meus pés, meus braços, meu calcanhar — todos em sincronia com a minha vontade), onde minha alma habitaria? De onde partiria a vontade de organizar as ordens para o resto do corpo? A partir de que ponto eu não teria mais a fronteira que separa o que é meu (meu corpo) do lugar que eu verdadeiramente habito? E assim, impelido pela curiosidade e pela autoconfiança que a bateria me proporcionou, parti para outras várias atividades. Escrever foi uma das primeiras. Quando escrevia, sentia que as vírgulas eram as viradas dos tambores. A exclamação, a explosão dos pratos. A poesia, o fluir sonoro de uma levada. Tocar um instrumento nos desenvolve profundamente como indivíduos e nos educa para conviver numa coletividade — o aprendizado deixa clara a ordem natural das coisas: primeiro é preciso construir-se. Por isso decidi fazer esta pequena homenagem ao meu principal e primevo ofício — um sinal de gratidão e amor àquilo que me tornou uma pessoa melhor, mais útil e mais criativa. Desejo do fundo do coração que cada leitor experimente intensamente essa paixão. 1#7 BLOGOSFERA EDITADO POR KÁTIA PERIN kperin@abril.com.br COLUNA FELIPE MOURA BRASIL IDEOLOGIA A dor de parentes e amigos do dançarino DG é legítima e deve ser respeitada, mas, se nada justifica a sua morte como ela se deu, nada tampouco justifica tanto cinismo, tanta ignorância, tanta ideologia barata por causa dela, como se viu no programa Esquenta. www.veja.com/felipemourabrasil VEJA MERCADOS GERALDO SAMOR VENEZUELA A Gol informou aos investidores que tem 350 milhões de reais em caixa na Venezuela, mas que não sabe quando nem em que condições vai conseguir retirar o dinheiro do país. www.veja.com/vejamercados NOVA TEMPORADA FERNANDA FURQUIM SÉRIE DE TV O canal A&E anunciou a encomenda de dez episódios para a primeira temporada de The Returned, remake americano da série francesa Les Revenants. www.veja.com/temporada COLUNA CAIO BLINDER PUTIN Obama diz que não existe nada de pessoal contra Putin nas sanções que os EUA (e também a União Europeia) adotam contra a Rússia por sua intervenção na Ucrânia. Bobagem. Claro que também é pessoal. www.veja.com/denovayork SOBRE PALAVRAS COMIDA OU BÓIA? "Nunca entendi por que, na gíria, um prato de comida é chamado de bóia. O que tem a ver uma coisa com a outra?" (Álvaro Vasconcelos) Luís da Câmara Cascudo, que considera a boia-comida um brasileirismo, chega a formular a hipótese de que tal acepção tenha surgido por analogia com o salvamento dos afogados: o prato de comida, afinal, salva o faminto. Tudo indica que é uma pista falsa. O mesmo Câmara Cascudo parece se aproximar mais da verdade quando registra uma segunda tese, que atribui a Pereira da Costa: estaríamos diante de uma gíria nascida nos quartéis. "Bóia seria o feijão semicozido, boiando no caldo incolor e ralo. Bóia de soldado", escreve ele em seu livro Locuções Tradicionais do Brasil. O Houaiss aponta na mesma direção dos pedaços de comida que flutuam no caldo, mas desmente a exclusividade brasileira. Em Portugal, bóia pode nomear informalmente "pedaço de pão, de carne ou de toucinho que sobrenada num caldo ou sopa" e, por extensão, a própria sopa. www.veja.com/sobrepalavras LEONEL KAZ MAIS DOSTOIEVSKI! Estamos lendo pouco Dostoievski! Quando nós deletamos o outro, quando nos recusamos a ir mais fundo, elaborar mais, deixando a cargo da superficialidade do iPad ou do iPhone o nosso destino, tenho a sensação de que estamos lendo pouco Crime e Castigo ou Os Irmãos Karamazov. Ali, não há mídia eletrônica para os seres se comunicarem, mas somos tocados pela profunda sensação do trágico, fundamental para que situemos nossa carcaça neste mundo, www.veja.com/leonelkaz RICARDO SETTI OS CRAQUES REAGEM Pelo fator surpresa e pela irreverência, a atitude do jogador Daniel Alves na partida do último sábado de seu Barcelona contra o Villarreal, de comer uma banana atirada em sua direção por racistas, foi sem dúvida a reação a ofensas do gênero que obteve mais repercussão até hoje. Mas o celebrado ato do lateral-direito brasileiro não foi a primeira demonstração de rebeldia antirracista de atletas em pleno gramado. No YouTube é possível repassar os episódios em que jogadores como Boateng, do Milan, não apenas lamentaram a situação, cabisbaixos, mas resolveram tomar alguma providência. www.veja.com/ricardosetti • Esta página é editada a partir dos textos publicados por blogueiros e colunistas de VEJA.com 2# PANORAMA 7.5.14 2#1 IMAGEM DA SEMANA – A ESPERANÇA VESTE AZUL 2#2 DATAS 2#3 HOLOFOTE 2#4 CONVERSA COM ROSELY BAETA – “BANDIDO É QUE TEM DE TER MEDO” 2#5 NÚMEROS 2#6 SOBEDESCE 2#7 RADAR 2#8 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – A ESPERANÇA VESTE AZUL Reino desunido se a Escócia votar pela independência. • Dá para imaginar a Grã-Bretanha sem gigantes do pensamento filosófico e econômico como David Hume e Adam Smith? Sem inventores nem descobridores geniais da linhagem de James Watt (máquina a vapor e, com ela, a Revolução Industrial), Alexander Graham Bell (telefone), Alexander Fleming (penicilina), John Logie Baird (televisão)? David Livingstone irrompendo pela selva africana, Arthur Conan Doyle inventando o gênero detetivesco com Sherlock Holmes e seu substituto no mundo da espionagem, que só precisa se apresentar como Bond, James Bond? Ou a gaita de foles tocada por homens de saiote, sem nada por baixo? E o uísque? Coisas assim estão passando pela cabeça de muita gente do reino de Elizabeth II, que, como monarca constitucional, não pode dar nem um pio a respeito do plebiscito que em 18 de setembro decidirá se a Escócia se torna um país independente, mas que provavelmente até lá usará mais azul, a cor nacional da terra de sua mãe (e também do fundo da Cruz de Santo André, a parte que forma um xis branco na icônica bandeira britânica, que, no caso de vitória do "sim", se tornaria tão obsoleta quanto o nome oficial do país, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, constituído por Inglaterra, Escócia, País de Gales e, claro, a banda irlandesa ainda coligada). O plebiscito é a causa única do atual primeiro-ministro escocês, Alex Salmond, que chegou a chamar os compatriotas de beberrões, mas em razão da baixa autoestima nacional. Para incentivar os relutantes, prometeu que manteria a BBC, a libra e, claro, a rainha como chefe de Estado (da mesma maneira que Canadá e Austrália). O nacionalismo populista é uma força poderosa, mas os unionistas no armário, que preferem sem estardalhaço votar pelo não, estão vencendo. Por enquanto, a diferença é de 8 pontos percentuais. Deus continuará ajudando a rainha? VILMA GRYZINSKI 2#2 DATAS • MORRERAM Bob Hoskins, ator britânico que interpretou o detetive Eddie Valiant no filme Uma Cilada para Roger Rabbit, de 1988, premiado com os Oscar de montagem, efeitos sonoros e efeitos visuais. Hoskins imprimiu a Valiant, que contracenava com personagens de desenho — o coelho Roger e a voluptuosa Jessica —, um fascinante jeitão teimoso e charmoso emoldurado por decisões sempre muito atrapalhadas. O filme fez história ao reunir atores de carne e osso com animação. Portador da doença de Parkinson, diagnosticada em 2012, Hoskins morreu em decorrência de pneumonia. Dia 29, aos 71 anos, em Los Angeles. Rodolfo Konder, jornalista e escritor potiguar que acompanhou o interrogatório e ouviu a tortura de Vladimir Herzog, por militares, nas dependências do DOI-Codi, em 1976. Autor de mais de vinte livros, um deles ganhador do Prêmio Jabuti, Konder desapontou seus ex-companheiros do Partido Comunista ao aceitar o cargo de secretário de Cultura de São Paulo nas gestões de Paulo Maluf e Celso Pitta. Dia 1º, aos 76 anos, de insuficiência cardíaca e renal, em São Paulo. • SEG|28|4|2014 CONDENADO à morte pelo Tribunal Penal de Minia, no sul do Egito, Mohamed Badie, de 70 anos, o líder supremo da Irmandade Muçulmana. O governo militar egípcio considera o grupo ilegal e terrorista. Outros 719 seguidores da organização islamita também foram sentenciados à morte. Os réus foram acusados de atos de violência em manifestações de apoio ao presidente destituído Mohamed Mursi, em agosto de 2013. As sentenças serão encaminhadas ao mufti, a maior autoridade religiosa do país, que vai confirmá-las ou não. A decisão final deve ser divulgada em junho. • QUA|30|4|2014 REDUZIDA para dezoito meses de prisão a pena dos estilistas italianos Domenico Dolce, de 55 anos, e Stefano Gabbana, de 51, por evasão fiscal. No julgamento em primeira instância, em junho de 2013, os criadores da marca de luxo Dolce & Gabbana foram sentenciados a um ano e oito meses. Agora, o Tribunal de Apelação de Milão reduziu a pena porque alguns dos crimes foram prescritos. Segundo os juízes, os estilistas criaram, entre 2004 e 2005, uma empresa de fachada em Luxemburgo para controlar as marcas do grupo, que, na realidade, atuava na Sicília. PRESO Gerry Adams, o líder do Sinn Fein, o partido republicano da Irlanda do Norte. Adams foi acusado de ter ligações com a morte de Jean Mc-Conville, uma viúva de 37 anos, mãe de dez filhos, sequestrada e assassinada pelo Exército Republicano Irlandês (IRA) em 1972. O IRA só admitiu ter participação na morte de Jean em 1999. A viúva era considerada informante das forças de segurança britânicas, o que, posteriormente, foi desmentido. • QUI|1º|5|2015 REVELADO que a provável causa de morte da modelo e apresentadora de TV inglesa Peaches Geldof foi overdose de heroína. A filha do músico Bob Geldof, de 25 anos, foi encontrada morta em 7 de abril, no seu apartamento em Londres. Inicialmente, as autoridades britânicas classificaram a ocorrência como "inexplicável e repentina". Dias depois, a autópsia do corpo da modelo também foi considerada inconclusiva. A mãe de Peaches, a apresentadora Paula Yates, morreu de overdose acidental de heroína, em 2000. 2#3 HOLOFOTE OTÁVIO CABRAL • ÁGUA NO CHOPE Anunciado discretamente na semana passada, o aumento de até 30% nos impostos que incidem sobre as bebidas pode comprometer ainda mais a declinante popularidade da presidente Dilma Rousseff. Levantamento feito pela filial brasileira do instituto americano Provokers, especialista em pesquisas de consumo, mostra que 26% dos eleitores admitem mudar o voto em caso de acréscimo no preço da cerveja — principalmente na época da Copa do Mundo. O índice é maior do que os referentes ao aumento de outros produtos de consumo e até da energia elétrica, que chega a 24% dos 1439 entrevistados, nas cinco regiões do país. • CONFLITO NA FOLHINHA O presidente do PT, Rui Falcão, decidiu marcar a convenção que definirá o candidato a presidente para 30 de junho, o último prazo da Lei Eleitoral. Dilma não gostou e quer mudar para 10 de junho, o primeiro dia possível. Para ela, quanto antes sua candidatura à reeleição for homologada, menos espaço haverá para o "Volta, Lula". Mas boa parte da cúpula petista pretere prolongar a agonia. A definição formal do candidato, de qualquer modo, não impede uma eventual troca, que pode ser feita até a vinte dias do pleito. • AMIGOS EM TODA PARTE Não é só a políticos e empresários que o ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa fez favores. Para agradar ao presidente da BR Distribuidora, José Lima de Andrade Neto, indicado para o cargo pelo senador Fernando Collor de Mello, Costa criou um cargo de gerente específico para a advogada Andreia Damiani. Que vem a ser a mulher de Lima Neto. • CURRÍCULO SUSPEITO A Câmara Municipal de São Paulo instalou uma comissão para investigar a contratação do serviço 156, o call center da prefeitura. O fornecedor é a Call Tecnologia, do empresário José Celso Gontijo — investigado no processo do mensalão do DEM de Brasília. O valor do contrato subiu de 17 milhões para 70 milhões de reais no segundo mandato de Gilberto Kassab (2009-2012). Com Fernando Haddad, o contrato foi prorrogado e consumirá 102 milhões de reais ao ano. • DISCRETA ALEGRIA Em meio a uma série de denúncias que desgastam sua candidatura ao governo de São Paulo, Alexandre Padilha (PT) teve um motivo para comemorar: o número 2 da Secretaria da Educação de Geraldo Alckmin, João Cardoso Palma, deixou o cargo para juntar-se ao seu comitê de campanha. • CONTRA O VOTO NULO A cantora Daniela Mercury gravou na semana passada um jingle para rádio e comerciais para televisão da campanha #vempraurna, do Tribunal Superior Eleitoral, que tem como objetivo evitar um recorde de votos nulos, brancos e abstenções nas eleições deste ano. No segundo turno da votação de 2010, 36 milhões de eleitores não escolheram candidatos ou se abstiveram. Agora, após as manifestações e o descrédito dos políticos, o presidente do TSE, Marco Aurélio Mello, teme que esse número aumente, o que, segundo ele, comprometeria a representatividade dos eleitos. • VAQUINHA PARA VER ESTRELAS Um evento que reúne 775.000 alunos de mais de 9000 escolas não conseguiu do governo federal uma ajuda de 50.000 reais para a compra de um equipamento. Por isso, a organização da Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica resolveu fazer uma "vaquinha" na internet para adquirir um planetário móvel. A competição é voltada a alunos de ensino fundamental e médio e é promovida pela Agência Espacial Brasileira, do Ministério de Ciência e Tecnologia. A ideia da arrecadação na web veio em fevereiro, após o pedido do dinheiro oficial ser negado pelo ministério. Já foram arrecadados quase 97% do total. 2#4 CONVERSA COM ROSELY BAETA – “BANDIDO É QUE TEM DE TER MEDO” A delegada aposentada de Belo Horizonte que atirou em um assaltante se identifica com a escola filosófica bombástica de Valesca Popozuda também no quesito plástica e defende o porte de arma. No que a senhora pensou na hora de apertar o gatilho? Seria muito mais fácil eliminá-lo, claro, mas sou profissional e essa deve ser minha última opção. Quis imobilizá-lo e, por isso, atingi a perna e a região do abdômen, não a cabeça. Ele correu e fui atrás, de salto 13. Ouvi uma mulher gritar: "Dona, tira o sapato". Na hora, nem me ocorreu. Atirar contra um agressor dá uma sensação de poder? Mais do que usar salto alto? Sem dúvida. Mas sapatos, bolsas e perfumes são minhas paixões. Tenho mais de 100 pares e uso perfume francês até para dormir. Também uso dez anéis de ouro, quatro colares, treze pulseiras em um braço, além de um relógio Michael Kors no outro. Durmo montada. Não ficou com medo de represália? Em nenhum momento. Sou predadora. Bandido é que tem de ter medo de mim. Nos Estados Unidos, onde o direito ao porte de arma é consagrado na Constituição, seus defensores dizem que exatamente os grupos mais vulneráveis à violência, como mulheres e gays, precisam andar armados. Concorda? Qualquer cidadão de bem é vulnerável, e sou contra a lei do desarmamento. Acho que o Estado deveria facilitar a compra e o porte de arma quando há comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica do indivíduo. A senhora invocou a marra de Valesca Popozuda. No que mais ela a inspirou? Adoro cabelão. Faço as unhas toda semana, coloquei 360 mililitros de silicone, fiz uma lipoaspiração e malho seis vezes por semana. Como é possível estar aposentada aos 48 anos? Foi aprovado um projeto de lei que permite a aposentadoria de policial feminina com 25 anos de contribuição, mas eu não imaginava que meu requerimento sairia rápido. Era tudo o que não queria, pois amo minha profissão. 2#5 NÚMEROS 103 milhões de contas-correntes existem hoje no Brasil. É o dobro do que havia dez anos atrás, de acordo com levantamento da Federação Brasileira de Bancos e da consultoria internacional Strategy&. 57% dos habitantes do país são correntistas. É uma porcentagem maior que a do México (27%) e semelhante à da Turquia. 90% da população de nações desenvolvidas — como Estados Unidos, Alemanha e França — tem conta em banco 2#6 SOBEDESCE SOBE • Preço da cerveja - Pela segunda vez em menos de um mês, o governo elevou os impostos sobre a bebida. Com o repasse dos fabricantes, o preço do produto pode aumentar em até 10%. • Cristiano Ronaldo - O atacante português, que virá à Copa, marcou dezesseis gols e se tornou o maior artilheiro da história em uma edição da Liga dos Campeões. • Rombo na USP - O novo reitor criticou a gestão anterior por descontrole financeiro — só a folha salarial consome 105% do orçamento. Sem mudanças, sugeriu, a universidade pode quebrar em menos de dois anos. DESCE • Antibióticos - A Organização Mundial de Saúde anunciou pela primeira vez que o uso indiscriminado de antibióticos fez a eficácia desses medicamentos diminuir, até mesmo em casos de infecções simples. • Primeira classe – A TAM, companhia que domina 85% das rotas do Brasil para o exterior, vai acabar com a categoria em seus voos • Internet na Copa - A conexão será ruim em pelo menos seis dos doze estádios da Copa porque não houve tempo para instalar antenas de wi-fi, admitiu o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. 2#7 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • GOVERNO POSSO ENTRAR? Gilberto Carvalho, o petista mais próximo a Lula a ter assento no Palácio do Planalto, já se queixou a mais de um interlocutor de que não tem sido recebido por Dilma Rousseff. • ELEIÇÕES NUNCA ANTES O Palácio do Planalto recebeu na semana passada uma pesquisa de intenção de voto em que, pela primeira vez, a disputa para presidente vai para o segundo turno. EM CAMPANHA Segundo Marta Suplicy tem dito a alguns interlocutores, Lula está em plena campanha. Para ele mesmo. VEM, LULA O programa de TV do PT, que vai ao ar neste mês, terá o mesmo tom empregado no pronunciamento de Dilma Rousseff para o 1º de Maio. Ou seja, a ideia é atacar e tentar sair das cordas. A diferença é que Dilma dividirá os holofotes com Lula. • ECONOMIA QUASE FECHADO Fernando Cavendish está finalizando a venda da notória Delta para a NSG Capital, pequena gestora de recursos carioca. A juíza que cuida da recuperação judicial da empreiteira já foi avisada da transação. LEALDADE NOTÓRIA Se há uma coisa que irrita Dilma Rousseff é quando chega aos seus ouvidos que petistas a classificam como alguém de "alma brizolista", e não petista. Até Lula já andou dizendo isso, para desprazer de Dilma. Aliás, a frase dita por Dilma Rousseff sobre Lula num jantar com jornalistas na semana passada ("Sei da lealdade dele a mim") deve ser lida muito mais como um recado da presidente ao ex-presidente do que como uma declaração de amizade inquebrantável. EM BAIXA As vendas do varejo foram fracas em abril, exatamente como em marco. • PETRÓLEO O ENGODO DA AUTOSSUFICIÊNCIA Quem olha para o déficit da conta-petróleo do Brasil (exportação menos importação de petróleo e derivados) neste primeiro trimestre pode se impressionar com o vermelho de 4,5 bilhões de dólares. É, de fato, superlativo. Mas é café-pequeno diante do rombo de 53,3 bilhões de dólares registrado desde abril de 2006. A data não foi escolhida ao acaso. Naquele mês, Lula estufou o peito e declarou que o Brasil se tornara autossuficiente na produção de petróleo. • JUDICIÁRIO CALMO OU AGUDO? Joaquim Barbosa não virou diplomata porque os examinadores da prova oral do Itamaraty julgaram que o então candidato teria "uma autoimagem negativa, que pode parcialmente ter origem na sua condição de colored", além de atitudes agudas demais para a carreira. Ainda assim, Barbosa deixou boa impressão no Ministério das Relações Exteriores, em que trabalhou como oficial de chancelaria na década de 70. Na sua ficha funcional foi avaliado por seus superiores como alguém "calmo e que, se bem orientado, pode ser um excelente funcionário". • FUTEBOL EM XEQUE Uma evidência de fraude ronda a venda de Hulk para o Zenit em setembro de 2012, uma das transferências mais caras da história do futebol. O jogador comunicou recentemente aos russos que nunca jogou no Campinense, clube que passou a constar na CBF três meses depois da transação como o seu formador. Pelas regras da Fifa, os times que desenvolvem um atleta entre 12 e 23 anos de idade devem receber 5% do valor do negócio, que na ocasião chegou a 40 milhões de euros. Desde então, o clube paraibano já faturou quase 1 milhão de reais com a transferência. Quem teria enfiado o nome do Campinense nos documentos da CBF? • LIVROS DIAGNÓSTICO PRECISO A Intrínseca comprou os direitos de O Capital no Século XXI, do francês Thomas Piketty, o livro de economia de maior impacto no mundo nos últimos anos. Já está sendo traduzido e sairá no segundo semestre no Brasil. 2#8 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “Ó lá, a goteira.” - JOSÉ DIRCEU, preso na Papuda, ao mostrar a cela a um grupo de parlamentares que foi verificar suas condições de detenção, em vídeo obtido pela Folha de S.Paulo. “Não se trata de gente da minha confiança.” - LULA, ao respondera uma pergunta sobre o mensalão numa entrevista para uma emissora de televisão de Portugal, fingindo que José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares eram pessoas alheias a seu mundo. “Ninguém me separa do Lula, nem ele de mim.” - DILMA ROUSSEFF, em uma entrevista coletiva a jornalistas esportivos, no Palácio do Planalto. “Não há lado positivo no fato de que ele (Senna) tenha sofrido um acidente fatal, a não ser que não vimos o seu ocaso. Existem vários pilotos que ficam no esporte por muito tempo e acabam arrumando sua grandeza.” - RON DENNIS, dono da escuderia inglesa McLaren e chefe de Ayrton Senna entre as temporadas de 1988 e 1993 da Fórmula 1, para a agência Associated Press. “Você primeiro (...); nas procissões os coroinhas vão na frente.” - PAPA FRANCISCO, brincando com o rei Juan Carlos, da Espanha, que o visitou no Vaticano e quis lhe ceder a passagem quando entravam na sala onde seriam trocados presentes protocolares. “O que aconteceu com judeus no Holocausto foi o crime mais atroz contra a humanidade na era moderna.” - MAHMOUD ABBAS, presidente da Autoridade Nacional Palestina. “Você pode acabar numa clínica de reabilitação ou morto, a menos que haja alguma outra coisa na sua vida além de ser celebridade.” - KEVIN BACON, ator americano, no diário inglês The Sun. “Acho que a situação é pior do que em Atenas (em 2004). Até agora, os preparativos da capital grega haviam sido os piores que eu já vi." - JOHN COATES, vice-presidente do Comitê Olímpico Internacional, num fórum em Sydney, na Austrália. “Joguei mais do que o Ronaldo a vida toda.” - EDMUNDO, ex-atacante do Vasco, do Flamengo, do Palmeiras e da seleção, ao se comparar ao Fenômeno, em entrevista para a PLAYBOY que chega às bancas nesta terça-feira 6. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto da demonstração de racismo contra o brasileiro Daniel Alves, lateral do Barcelona e da seleção “Eu sou da cor daqueles que são perseguidos.” - ALPHONSE DE LAMARTINE, poeta francês (1790-1869). 3# BRASIL 7.5.14 3#1 OFENSIVA! 3#2 PARA QUE DUAS? 3#3 AFASTE DE MIM ESSE CARA 3#4 RETOCANDO O PASSADO 3#5 TIÃO, CAPITÃO DO MATO 3#6 NA ROTA DA COMPETITIVIDADE 3#7 “FOI ACIDENTE” 3#1 OFENSIVA! Dilma foi à televisão mostrar as garras. Mas seu plano de salvar a Presidência e a candidatura só terá êxito se der tudo certo para ela e tudo errado para os adversários. DANIEL PEREIRA A presidente gosta do confronto. Essa característica pessoal, geralmente lembrada por ministros que querem criticá-la, se manifestou na semana passada, quando Dilma Rousseff reagiu à conspiração de alas petistas destinada a forçá-la a desistir da reeleição e, assim, abrir caminho para uma nova candidatura do ex-presidente Lula. Pressionada por quedas nas pesquisas de intenção de voto, por ameaças de traição e pela sombra do antecessor, Dilma partiu para a ofensiva contra seus adversários, inclusive os internos. Pela primeira vez, disse publicamente que concorrerá a um novo mandato — com ou sem o apoio dos partidos da base aliada. Ela também fustigou o oposicionista Aécio Neves, sem citá-lo nominalmente, usando armas empregadas pelo PT contra o PSDB, com sucesso, em eleições anteriores. De quebra, anunciou um pacote de bondades direcionado à chamada nova classe média, o grupo de eleitores que, segundo os especialistas, decidirá a próxima votação. Cansada de esperar que o antecessor enterrasse em definitivo o movimento "Volta, Lula", Dilma assumiu as rédeas da própria sucessão. Saiu das cordas, finalmente, para impedir que a criatura seja engolida pelo criador. Essa reação ocorreu no momento em que a presidente se encontrava mais frágil politicamente. Uma pesquisa encomendada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostrou que a queda das intenções de voto em Dilma foi acompanhada pelo crescimento dos dois principais adversários. Pior: a sondagem apontou para a realização de um segundo turno na corrida presidencial, outro dado até então inédito. Também pela primeira vez, uma bancada governista defendeu, em alto e bom som, o retorno de Lula à Presidência. Foram os deputados do PR, partido que comanda o Ministério dos Transportes e é liderado na Câmara pelo desconhecido Bernardo Santana. Cupincha do mensaleiro preso Valdemar Costa Neto, Santana chegou a pendurar um quadro de Lula na sala da liderança do PR. Não foi a única provocação a Dilma. Um dos artífices do "Volta, Lula" no PT, o deputado Cândido Vaccarezza festejou os resultados da pesquisa postando numa rede social uma música de Francisco Alves que diz: "Bota o retrato do velho outra vez, bota no mesmo lugar". Esses movimentos criaram entre parlamentares governistas a sensação de que Dilma estava nas cordas, prestes a se curvar à pressão. Ledo engano. A presidente, como dizem seus ministros, gosta do confronto — e foi à luta. Travou a primeira batalha contra fileiras que, pelo menos formalmente, são suas aliadas. "Gostaria muito de que, quando eu for candidata, eu tivesse o apoio da minha própria base. Agora, não havendo esse apoio, a gente vai tocar em frente", declarou Dilma a uma rádio baiana. Os conspiradores do PT e de outras legendas apostavam que a pressão permanente levaria a presidente a abdicar da candidatura em nome de Lula. Com a declaração, Dilma dobra a aposta, deixa claro que disputará a reeleição e indica que, se for apunhalada pelas costas, dará muito trabalho aos traidores. Um petista estrelado acusou o golpe: “Muita gente teme o que a Dilma faria caso o partido a tirasse do páreo. Mesmo em fim de mandato, um presidente da República tem muito poder. Esse é um obstáculo real para a substituição". Dilma também operou nos bastidores para manter legendas aliadas perto de um acordo para embarcar em sua coligação eleitoral. Ela pretende montar a maior aliança desde a redemocratização, conquistando o dobro do tempo de TV de seus concorrentes. Apesar das críticas e das ameaças de traição, o governo aposta que, hoje, apenas o PP está perto de abandonar a nau da reeleição. Em seu contra-ataque, Dilma lançou mão ainda de um pronunciamento em rede nacional de rádio e TV, convocado sob o pretexto de celebrar o Dia do Trabalho. Por uma conveniência eleitoral, ele foi veiculado na quarta-feira — e não no dia seguinte, em pleno feriado — numa tentativa de garantir maior audiência à presidente-candidata. Durante doze minutos, Dilma, deixando a gestora de lado, provocou seus rivais na eleição e adulou as bases petistas. Ecoando uma velha cantilena lulista, ela alegou que os casos de corrupção vêm à tona no governo do PT porque este, ao contrário do anterior, não tem medo de combater roubalheiras. "O que envergonha um país não é apurar, investigar e mostrar. O que pode envergonhar é varrer tudo para baixo do tapete. O Brasil já passou por isso no passado, e os brasileiros não aceitam mais a hipocrisia, a covardia ou a conivência." Essa argumentação foi testada primeiramente depois de descoberto o esquema do mensalão. Dilma a retomou a fim de preparar o terreno para falar da crise que envolveu a Petrobras. A empresa será investigada numa CPI que começará a funcionar nesta semana, depois de fracassadas as tentativas do governo de barrá-la (veja reportagem na pág. 65). Como Lula, Dilma disse que o PT valoriza a Petrobras e se orgulha dela, enquanto os oposicionistas fariam de tudo para destruí-la por mero interesse eleitoral. "Não transigirei, de nenhuma maneira, em combater qualquer tipo de malfeito ou atos de corrupção, sejam eles cometidos por quem quer que seja. Mas igualmente não vou ouvir calada a campanha negativa dos que, para tirar proveito político, não hesitam em ferir a imagem dessa empresa que o trabalhador brasileiro construiu com tanta luta, suor e lágrimas." Em 2006 e 2010, petistas disseram que o PSDB, se voltasse ao poder, privatizaria a Petrobras. Não era verdade, mas os tucanos não souberam responder com eficiência a esse ataque. Segundo a pesquisa encomendada pela CNT, o senador Aécio Neves cresceu 4,6 pontos percentuais, roubando votos antes prometidos à presidente. Eduardo Campos, concorrente do PSB, subiu menos, mas finalmente alcançou a casa dos dois dígitos. Ou seja: o eleitor já vê outros concorrentes no páreo. Por isso os ataques de Dilma. Por isso também ela reservou a parte derradeira do pronunciamento oficial para anunciar uma série de bondades. De olho nos votos dos milhões de brasileiros que, conforme as estatísticas, saíram da miséria e ascenderam à classe média, ela aumentou em 10% o valor do Bolsa Família, que atende 36 milhões de pessoas. Além disso, anunciou a correção de 4,5% na tabela do imposto de renda em 2015 e prometeu manter, no próximo governo, a política de valorização do salário mínimo, alvo de críticas de oposicionistas e até mesmo de alas do PT, preocupados com o impacto desse mecanismo nas contas públicas. "Temos um lado: o lado do povo. E quem está ao lado do povo pode até perder algumas batalhas, mas sabe que no final colherá a vitória", afirmou Dilma. Os candidatos da oposição à Presidência criticaram o pronunciamento oficial, tachando-o de eleitoreiro. Também acusaram a mandatária de, com a iniciativa, usar de forma indevida a máquina pública para fazer campanha. Antigo aliado do PT, Eduardo Campos disse que o reajuste do Bolsa Família, que deve custar 2 bilhões de reais a mais aos cofres públicos, visa a neutralizar os efeitos negativos da inflação, que é uma das razões da queda da avaliação positiva do governo. "É na verdade uma medida que tenta reparar as perdas decorrentes da inflação que ela mesma deixou que se acelerasse nos alimentos." Já Aécio Neves, principal destinatário dos disparos de Dilma, respondeu com mais contundência. "A presidente da República protagonizou ontem um momento patético da vida pública brasileira. Ela utilizou um instrumento do Estado, que é a cadeia de rádio e televisão, para fazer proselitismo político, atacar adversários", declarou. O tucano ressaltou que as medidas anunciadas já eram defendidas pelo PSDB fazia tempo e afirmou que, na dose em que foram prescritas, não resolvem os problemas. O percentual de correção da tabela do IR, por exemplo, teria ficado abaixo da inflação oficial do ano passado, o que resultaria em prejuízo para os contribuintes. "É uma presidente que está acuada pelas pressões internas e, infelizmente, pelos atos do seu governo que levaram ao recrudescimento da inflação, isso, sim, perverso para a classe trabalhadora", disse Aécio. Para sair das cordas, a presidente redimiu velhas estratégias, incluindo a divisão do país entre "eles", a turma do arrocho, e "nós", o lado do povo. Com um cenário turvo no horizonte, preferiu olhar no retrovisor. Resta saber se essa estratégia dará certo. Afinal, está evidente que a maioria do eleitorado quer mudança — na qualidade do serviço público, no jeito de fazer política e até mesmo no discurso. Como ressaltou certa vez a própria presidente, "nós podemos fazer o diabo quando é ano de eleição". E Dilma, agora, está integralmente em campanha. DILMA CAI E ELES SOBEM Na pesquisa CNT/MDA divulgada na semana passada, pela primeira vez a queda nas intenções de voto da presidente coincide com o crescimento de Aécio e Eduardo Campos. CNT/MDA FEVEREIRO / ABRIL / Variação em pontos porcentuais Dilma: 43,7% / 37% / -6,7 Aécio: 17% / 21,6% / +4,6 Eduardo Campos: 9,9% / 11,8% / +1,9 Nas pesquisas anteriores Dilma caía e eles permaneciam quase no mesmo lugar DATAFOLHA FEVEREIRO / ABRIL / Variação em pontos porcentuais Dilma: 44% / 38% / -6 Aécio: 1% / 16% / Eduardo Campos: 9% / 10% / +1 IBOPE MARÇO / ABRIL / Variação em pontos porcentuais Dilma: 40% / 37% / -3 Aécio: 13% / 14% / +1 Eduardo Campos: 6% / 6% / 3#2 PARA QUE DUAS? Eles não queriam nenhuma. Agora os parlamentares decidiram instalar duas CPIs para apurar a corrupção na Petrobras. Será patético se uma discordar da outra. O governo não queria, muitos parlamentares não queriam e as empreiteiras, tradicionais financiadoras de campanhas políticas, também não queriam. Mas a CPI da Petrobras, destinada a investigar denúncias de corrupção nos bilionários contratos da maior estatal brasileira, deve sair do papel nos próximos dias. A comissão será instalada nesta semana no Senado — e, a despeito da vontade de tanta gente com motivos de sobra para se preocupar, é possível até que ela não seja a única. Muito provavelmente, o Congresso Nacional terá duas CPIs da Petrobras. A do Senado, já praticamente pronta para iniciar os trabalhos, e outra mista, formada por deputados e senadores. Ambas funcionando paralelamente, e com o mesmo objetivo. À primeira vista, parece que os congressistas de repente resolveram se unir num esforço descomunal para abrir a caixa-preta da petroleira. Nos bastidores, porém, o ímpeto apuratório passa longe disso. No fundo, todos sabem que mergulhar nas profundezas da Petrobras pode trazer muitos dissabores, e por isso a ordem é fazer uma investigação, digamos, comedida. A própria existência de duas CPIs revela esse desencontro. Parlamentares da oposição dizem que a CPI do Senado será integralmente controlada pelo governo, que tem o direito de indicar dez dos treze membros da comissão. Apostam que a investigação só evoluiria na Câmara, onde a participação dos oposicionistas é um pouco mais ampla. O que já se viu até agora é suficiente para explicar o temor por parte dos políticos, especialmente aqueles que alojaram apadrinhados em postos de comando da estatal. O rol de suspeitas mistura, além de corrupção, fisiologismo, doações de campanha e projetos mal explicados, como a construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e a compra da refinaria de Pasadena. Somam-se a isso as descobertas da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, que prendeu um ex-diretor da Petrobras e um doleiro, que intermediavam negócios, recebiam pagamentos de grandes empreiteiras contratadas pela companhia e repassavam dinheiro a políticos — um duto de propina com potencial para criar sérios embaraços para muita gente. A investigação já revelou o nome de alguns políticos que receberam dinheiro e favores do doleiro — coincidentemente, eles são dos mesmos partidos que mantiveram Paulo Roberto Costa na diretoria da Petrobras por nove anos. A maior preocupação dos envolvidos é que esse acervo reunido pela polícia possa, em breve, desaguar nas CPIs e acabar obrigando-as a avançar muito além do planejado. São, sem dúvida, ingredientes altamente inflamáveis, principalmente às vésperas de eleições presidenciais. Há quase dez anos, assim começou a CPI dos Correios: um funcionário da estatal foi flagrado recebendo propina em nome de um partido aliado ao governo. O desfecho é conhecido e as consequências até hoje atormentam corruptos e corruptores. ADRIANO CEOLIN 3#3 AFASTE DE MIM ESSE CARA Alexandre Padilha desmente e vai processar o deputado André Vargas, que o apontou como responsável pela indicação de um diretor para o laboratório-fantasma. ROBSON BONIN O PT escolheu o médico Alexandre Padilha para executar o audacioso projeto político de interromper a hegemonia do PSDB em São Paulo. Ministro da Saúde até fevereiro passado, Padilha é devoto do ex-presidente Lula e amigo do mensaleiro José Dirceu, com quem trabalhou diretamente, mas é um dos raros petistas com ares de que comanda o próprio destino. Nos dez anos em que esteve em Brasília ocupando postos no governo, nunca se teve notícia de corrupção em área sob sua responsabilidade. O ex-ministro, porém, começa sua campanha tendo de desmentir o envolvimento com uma quadrilha que planejava aplicar um milionário golpe contra o Ministério da Saúde. O mais constrangedor é que a acusação não veio da oposição, mas de um antigo companheiro de partido, o deputado federal André Vargas. O ex-ministro ameaça processar Vargas caso o parlamentar não desminta a versão que espalhou, segundo a qual Padilha não apenas sabia de tudo, mas ajudou, nomeando um diretor para um laboratório-fantasma, a Labogen, aríete de toda a operação criminosa. Em um diálogo interceptado pela Polícia Federal, o então petista Vargas informou ao doleiro Alberto Youssef, preso pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção e formação de quadrilha, que o então ministro Padilha havia indicado um ex-assessor para dirigir a Labogen Química Fina e Biotecnologia. Youssef e Vargas eram comparsas no golpe a ser aplicado no Ministério da Saúde. Foram eles que montaram o laboratório de fachada que pleiteou a parceria federal para fabricar remédios. A Labogen ficaria com metade dos lucros da operação, que renderia cerca de 30 milhões de reais em cinco anos. Estaria, desse modo, garantida, nos termos que Youssef usou para animar Vargas, a "independência financeira" da dupla. Um plano desses não teria chance de êxito sem a participação de funcionários do ministério e é grande a lista de suspeitos, todos, por enquanto, de segundo escalão. Mas a mensagem de André Vargas para o doleiro informando que Padilha teria indicado o diretor da Labogen arrastou o ex-ministro para o núcleo do escândalo. Padilha reagiu com vigor, sentindo-se prejudicado na biografia e na corrida para governar São Paulo, que está prestes a começar. Ele se disse "extremamente indignado" com o que classificou de mentiras de Vargas. Um documento elaborado pelos advogados do petista faz três perguntas técnicas ao deputado. A primeira é se ele de fato enviou a mensagem ao doleiro. A segunda, caso Vargas confirme a declaração, indaga se o Padilha a que ele se referiu era mesmo o então ministro. Por último, os advogados perguntam se o deputado confirma que partiu mesmo de Padilha a indicação de um diretor ao doleiro. Essa iniciativa é o primeiro passo rumo à ação judicial contra Vargas, que, por sua vez, não faz muito segredo do que responderá caso venha a ser notificado oficialmente. À primeira pergunta, sua resposta será: sim. Ao responder à segunda pergunta, confirmará que o Padilha citado na mensagem é mesmo o ex-ministro. A segurança e a firmeza de Vargas, porém, desaparecem na resposta à terceira pergunta. Ele dirá vagamente que "uma pessoa" apareceu no seu gabinete pedindo emprego e apresentou um currículo cujas referências o levaram a concluir que, pelo contexto, só poderia ter sido uma indicação de Padilha. Na semana passada, Leonardo Meirelles, também sócio da Labogen, foi mais conclusivo do que Vargas. Meirelles confirmou que a pessoa indicada para representar os interesses do laboratório-fantasma em Brasília era Marcus Moura, ex-assessor de Alexandre Padilha no ministério, que abandonou em 2011 para se dedicar a fazer lobby de empresas junto a órgãos do governo. O conteúdo de outra mensagem do doleiro Youssef interceptada pela Polícia Federal pode dar ainda mais dor de cabeça a Alexandre Padilha. A quadrilha usava o nome do ex-ministro com toda a liberdade e, na nova mensagem divulgada na semana passada, Youssef se jacta para uma doleira paulista que pergunta se ele tem acesso ao delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo e se poderia arrumar um cargo para um amigo. O doleiro preso responde que não, mas garante que, se Padilha ganhar a eleição para governador em São Paulo, ele não só terá acesso ao delegado como poderá ajudar o amigo da doleira. Um bandido que se diz poderoso o bastante para interferir em nomeações da polícia em um estado da importância de São Paulo ou é megalomaníaco ou louco. Mas a loucura de Youssef tem método. Ele se coloca no círculo íntimo de Padilha pelo fato de seu comparsa, Vargas, também aparentar intimidade com o ex-ministro. Padilha não admite sequer a amizade com Vargas. O pilar mais forte da defesa de Padilha no caso foi fincado em torno do fato de que, ao fim e ao cabo, o golpe da Labogen não arrancou um centavo de dinheiro público. Diz Padilha: "O ministério nunca teve e nunca teria contrato assinado com a Labogen". A Polícia Federal tem indícios de que a Labogen só apareceu no radar do Ministério da Saúde depois de um encontro entre Vargas e Padilha. Caso a Labogen tenha desaparecido do radar do ministério depois da ação dos policiais, a argumentação de Padilha perde muito o valor. Se Padilha demonstrar que seu ministério abortou o golpe antes mesmo do inquérito policial, ele terá levado a parada. 3#4 RETOCANDO O PASSADO Para um país desmemoriado, nada pior que dois ex-presidentes empenhados em manipular a história de modo a jogar uma sombra sobre suas traficâncias. ANDRÉ PETRY Atribui-se a Napoleão Bonaparte a afirmação segundo a qual a história é particularmente movimentada: "Nada muda mais do que o passado". Na última semana, dois ex-presidentes do Brasil comprovaram a tese de que, se a história não muda tanto quanto Napoleão queria, pelo menos as tentativas de mudá-la são persistentes. Absolvido em definitivo no Supremo Tribunal Federal das traficâncias de que era acusado durante seu governo (1990-1992), Fernando Collor, hoje senador pelo PTB, disse que a decisão veio "me aliviar as angústias que tenho vivenciado nos últimos 23 anos" e fez uma indagação com aquele mesmo tom triunfal que usava antes de ser enxotado do Palácio do Planalto: "Quem poderá me devolver tudo aquilo que perdi, a começar pelo meu mandato presidencial?". Em visita a Portugal, o ex-presidente Lula deu uma entrevista dizendo três enormidades. Afirmou que o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal "teve 80% de decisão política e 20% de decisão jurídica". Disse que os petistas condenados e presos na penitenciária da Papuda, entre os quais se encontram José Dirceu e José Genoino, agora regressando à cela depois de ter sua prisão domiciliar cancelada, "não são gente da minha confiança". E encerrou com uma afirmação fabulosa, em que simula a um só tempo dúvida e distanciamento: "O que eu acho é que não houve mensalão". O dado comum entre as manifestações de Collor e Lula é o que se chama de revisionismo histórico. No meio acadêmico, é uma prática legítima que reexamina a história à luz de fatos novos, documentos inéditos ou uma abordagem original. Na política, a revisão da história é, quase sempre, uma falsificação grosseira — à esquerda (vide a historiografia soviética) ou à direita (vide a negação do Holocausto). Embora seja um facciosismo inadequado para um ex-presidente falando no exterior, Lula tem o direito de criticar o julgamento do STF, mas é uma enganação torpe afirmar que os presos da Papuda não eram gente de sua confiança — José Dirceu era, nas suas palavras, o "capitão do time", lembra? — ou dizer que o mensalão não existiu. Na famosa entrevista de Paris, no auge do escândalo de 2005, Lula disse que a gente de sua confiança "não pensou direito", mas fez "o que é feito no Brasil sistematicamente". Queria reduzir o mensalão a caixa dois eleitoral. Sabia, portanto, que havia algo errado feito sem "pensar direito". Agora, faz de conta que nada havia. É grosseiro. Collor, por sua vez, pega carona na absolvição do STF (que é jurídica, seja lá qual for a proporção matemática que queira encontrar aí) para tentar desqualificar seu impeachment pelo Congresso Nacional (que é uma decisão 100% política). Ou seja: ser inocentado no STF não significa que o Congresso errou ao destituí-lo do cargo. Como diz a Carta ao Leitor desta edição: "Collor não foi eleito nem cassado por decisão do STF. Foi eleito pelo povo e cassado por seus representantes legais em votação aberta do Congresso Nacional". Confundir as duas coisas é uma forma ilegítima de retocar a história. Ninguém há de censurar políticos pela tentativa de jogar uma luz mais favorável à sua história, limando a ferrugem da imagem. É do jogo político em qualquer democracia. O dado intolerável é fazê-lo à base de falsificações, deformações e, no limite, mentiras rudimentares. Com ex-presidentes assim, os cidadãos precisam estar ainda mais alertas para outra afirmação atribuída a Napoleão: "A história é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo". 3#5 TIÃO, CAPITÃO DO MATO O governador do Acre despejou milhares de haitianos em São Paulo, em operação que custou 1,3 milhão de reais e precisou de 41 ônibus. Flagrado, pôs a culpa na "elite". ALANA RIZZO Desde o fim de março, mais de 2000 haitianos foram transferidos do Acre para São Paulo, em uma operação de despejo organizada e financiada pelo governador Tião Viana (PT) sem nenhum aviso prévio ao seu colega Geraldo Alckmin (PSDB-SP). A atitude provocou um bate-boca entre os dois governadores, mas o principal responsável pela situação — o governo federal — ficou de fora da discussão até agora. De janeiro de 2010, quando um terremoto devastou o Haiti e fez 250.000 mortos, a janeiro de 2012, cerca de 2000 imigrantes entraram no Brasil ilegalmente em busca de uma vida menos miserável. Para isso, pagaram em torno de 4000 dólares a coiotes para que os conduzissem do Peru até o Acre, através da Floresta Amazônica. Em 12 de janeiro de 2012, o governo brasileiro decidiu resolver a situação com uma canetada. Criou, sob medida para os moradores do país caribenho, um visto humanitário que os autorizava a ficar no país por cinco anos. A princípio, estabeleceu uma cota de 1200 concessões por ano. Meses depois, porém, já não havia mais limite. A partir daí, os haitianos não pararam de chegar: já somam 26.000 os que deram entrada no Brasil com o visto humanitário. Especialistas como Duval Magalhães Fernandes, professor da PUC de Minas e autor de estudo sobre a vinda dessa população, são favoráveis à concessão do visto: "No resto do mundo, o coiote fala: 'Fuja da polícia: Aqui, diz: 'Procure a polícia'". Muito bonito, de fato. Ocorre que o governo federal se limitou a escancarar as portas para os haitianos — feito isso, lavou as mãos. Não há nenhuma infraestrutura nem projeto para acomodá-los. A Procuradoria da República do Acre chegou a entrar com uma ação em que exigia da União que prestasse o auxílio adequado aos imigrantes, amontoados em abrigos insalubres, sem ter para onde ir. Afirma o procurador dos direitos do cidadão Aurélio Veiga Rios: "O governo federal tomou a decisão política de conceder o visto humanitário a eles. Agora precisa ter uma decisão política de acolhê-los decentemente". Enquanto isso não ocorre, os estados tentam resolver o problema mudando-o de lugar. Tião Viana gastou mais de 1,3 milhão de reais para fretar os 41 ônibus que despejaram os haitianos em São Paulo. Se nada indica que os imigrantes foram forçados a embarcar nos veículos, também não há provas de que partiu deles o pedido para mudar de estado. Em São Paulo, refugiados contaram a VEJA que foram abordados no abrigo em que se encontravam no Acre por representantes do governo estadual com a promessa de viagem paga para um lugar onde seria ''mais fácil obter trabalho". Alguns deles não imaginavam para onde iam, como conta Bruno, de 24 anos. "Eu não sabia que vinha para cá", afirmou. Ele está instalado na paróquia Nossa Senhora da Paz, na região central de São Paulo, junto com outras centenas de recém-chegados. A entrada de milhares de pessoas é um desafio para qualquer país, tão difícil que a Itália, por exemplo, adotou a medida radical de confinar em um campo de refugiados e posteriormente extraditar os imigrantes que conseguem completar a travessia do norte da África até a Ilha de Lampedusa — no ano passado, mais de 300 morreram num naufrágio. No Brasil, o ritmo de chegada dos haitianos não dá mostras de que vai diminuir. No ano passado, foram 16.357, média de 44 por dia. Só nos primeiros quatro meses deste ano, vieram mais 7305 — 63 por dia. Em Santa Catarina, 700 deles foram contratados para trabalhar nos setores frigorífico, têxtil e da construção civil. Empresas de Brusque, Blumenau e do Vale do Itajaí, que sofrem com a escassez de mão de obra, buscam os imigrantes no Acre e os transportam para o estado, onde eles recebem moradia e têm sua situação regularizada. Para o Brasil, a entrada maciça de haitianos pode resultar em um problema social ou em uma alternativa de mão de obra para o mercado, a depender da forma como será administrada. O empurra-empurra certamente não é a mais inteligente delas. COM REPORTAGEM DE LEONARDO MOTTA E LUCIANO PÁDUA “Como é que a elite paulista quer obrigar o povo do Acre a prender imigrantes haitianos em nosso território? Preconceito racial? Higienização?" - TIÃO VIANA “Não pode é despejar pessoas de forma desumana, sem ter um local adequado para recebê-las." - GERALDO ALCKMIN 3#6 NA ROTA DA COMPETITIVIDADE Caravana de VEJA parte nesta semana para mostrar o Brasil que supera as adversidades e compete ombro a ombro com os melhores do mundo. Nesta terça-feira, uma equipe de VEJA parte de São Paulo em um ônibus que percorrerá treze estados e o Distrito Federal com a missão de revelar um Brasil pouco visível: aquele formado por empreendedores que se dispuseram a enfrentar — e conseguiram superar — as enormes barreiras que o país apresenta aos que querem inovar, investir e competir ombro a ombro com as nações mais desenvolvidas do mundo. A Expedição VEJA terá a duração de um mês e envolverá vinte profissionais — entre editores, repórteres, fotógrafos e cinegrafistas. Ao todo, a equipe percorrerá 9737 quilômetros. No percurso, vai mostrar que o país que tem a carga tributária mais pesada entre os emergentes, em que a produtividade do trabalhador recuou pelo terceiro ano seguido e onde a precariedade da infraestrutura de transporte e escoamento é tamanha que chega a encarecer em 30% o valor de produtos como a soja é também o país que fabrica equipamentos agrícolas de alta precisão, tem ilhas de excelência em logística, polos de desenvolvimento industrial e inovações em educação e saúde públicas que vêm servindo de referência para o exterior. A Expedição VEJA mostrará o Brasil que superou o custo Brasil para ganhar o mundo. O ônibus partirá de Guarulhos (SP) e fará sua primeira parada em Jundiaí, cidade brasileira com o maior crescimento de famílias de classes A e B. Passará pelos estados de Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Bahia, Piauí, Ceará, Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro e pelo Distrito Federal. Retornará a São Paulo em 5 de junho. A cada semana, as principais reportagens produzidas pela expedição serão publicadas nas páginas de VEJA. Em VEJA.com, será possível acompanhar todo o trajeto do ônibus em um mapa interativo no qual reportagens, fotos e vídeos serão geolocalizados. Todos os eventos da viagem ficarão registrados nessa página. O site fomentará ainda o debate sobre os grandes temas da expedição em um mural das redes sociais — um painel em que vão se cruzar postagens de VEJA, de seus leitores, de especialistas e personagens que comporão a reportagem. Ao final do roteiro, os problemas e as soluções encontrados na viagem serão apresentados em um seminário. Bem-vindo a bordo. O ROTEIRO DA EXPEDIÇÃO VEJA percorrerá 9737 quilómetros, por treze estados e pelo Distrito Federal, para mostrar o Brasil que dá certo. Guarulhos Partida: 6 d maio Chegada: 5 de junho Jundiaí – SP Joinville – SC Não-Me-Toque – RS Guarapuava – PR Três Lagoas – MS Rondonópolis – MT Sorriso – MT Barra do Garças – MT Brasília – DF Luis Eduardo Magalhães – BA São Raimundo Nonato – PI Picos – PI Tauá – CE São Gonçalo do Amarante – CE Petrolina – PE Irecê – BA Janaúba – MG Sete Lagoas – MG Porto Real – RJ São José dos Campos – SP Guarulhos – SP 3#7 “FOI ACIDENTE” Graciele Boldrini diz à polícia que matou o enteado ao lhe dar uma dose equivocada de calmante. Mas ao menos duas evidências sugerem que ela mente. Depois de duas semanas em silêncio, a madrasta de Bernardo Boldrini, Graciele Boldrini, afirmou que matou o enteado de 11 anos acidentalmente, ao dar-lhe uma dose de calmante. A polícia mantém a tese de que se trata de um assassinato premeditado. Um laudo parcial recebido pela policia detectou a presença da substância midazolam no corpo do menino. Ela é usada em hospitais, sobretudo para sedar pacientes antes de uma cirurgia, e é também o princípio ativo do medicamento Dormonid. Em farmácias, a venda da droga é controlada e só pode ser realizada mediante apresentação de receita médica, que fica retida. Em hospitais, médicos e enfermeiros têm fácil acesso ao medicamento. A hipótese de a morte de Bernardo ter sido causada por um erro na dosagem de midazolam ministrada por Graciele, uma enfermeira, é frágil afirmam especialistas. O presidente da Sociedade de Anestesiologia do Rio Grande do Sul. Charles Pan, disse que, para matar o menino, seriam necessárias ao menos cinco ampolas do medicamento — uma quantidade que tornaria implausível a versão de "acidente". A declaração de Graciele é a mesma de Edelvânia Wirganovicz, que mudou o depoimento na semana retrasada. Logo após a sua prisão, há três semanas, a assistente social e amiga da madrasta de Bernardo disse que as duas haviam matado o menino com uma injeção letal e que ela tinha ajudado Graciele em troca de dinheiro — 20.000 reais. Quase duas semanas depois da prisão, Edelvânia apresentou o relato de morte acidental. Outra constatação que ajuda a enfraquecer a nova versão apresentada pelas mulheres, e que já era de conhecimento da polícia, é que a cova em que Bernardo foi enterrado foi cavada dois dias antes da morte dele. A diferença entre as punições previstas para os dois tipos de crime é de ao menos seis anos de cadeia. Se uma morte foi premeditada e proposital, a pena varia de doze a trinta anos. Se foi um acidente, vai de dois a seis anos. Em seu depoimento, Graciele isentou o marido de culpa na morte de Bernardo. Tanto a polícia quanto o Ministério Público, no entanto, continuam a crer no envolvimento de Leandro Boldrini, médico-cirurgião. Afirma a promotora Dinamárcia Maciel de Oliveira: "Vários indícios apontam a perfeita ciência do pai acerca da morte do filho, antes mesmo de o corpo de Bernardo ser encontrado". Uma das teses da polícia para o crime é que Bernardo teria sido morto para que Boldrini e Graciele não tivessem de dividir com ele a herança deixada por Odilaine Uglione. Mãe de Bernardo, ela morreu em 2010 em um caso de aparente suicídio, pouco antes de separar-se oficialmente do cirurgião. A delegada Caroline Machado, responsável pelo caso, declarou na terça-feira que vai indiciar Edelvânia, Boldrini e Graciele por homicídio qualificado. 4# ECONOMIA 7.5.14 Um dia, imaginou-se que a União Soviética superaria o PIB dos Estados Unidos. Depois, previu-se que o Japão alcançaria o feito. Mas será a China, neste ano, o primeiro país a sobrepujar a economia americana. MARCELO SAKATE O avanço na exploração do gás de xisto (shale gás, em inglês) revigorou a economia americana. A queda nos custos de energia deu mais competitividade à indústria e retomou empregos antes perdidos para países asiáticos. Essa transformação recente, no entanto, não é suficiente para alterar uma tendência muito mais profunda: a economia chinesa, apesar de sua desaceleração, ainda cresce em um ritmo muito superior ao da americana e é questão de tempo para que a ultrapasse e se torne a maior do mundo. O que não se imaginava é que essa troca de status fosse tão iminente. Ela deve ocorrer ainda neste ano, usando para a comparação o critério conhecido como paridade de poder de compra. Essa metodologia suaviza as oscilações e interferências cambiais e procura medir os países levando em consideração a diferença no custo de vida. Dados atualizados pelo Programa Internacional de Comparação (ICP), com a chancela do Banco Mundial, revelaram que a economia chinesa é cerca de 20% maior, nessa base de comparação, do que se estimara anteriormente. Assim, ela deverá alcançar os Estados Unidos em algum momento de 2014, e não em 2019, como era previsto. A liderança dos americanos perdura desde 1872, quando desbancaram os ingleses. Ainda segundo as novas medições, a Índia superou o Japão como a terceira maior economia mundial, e o Brasil ficou em sétimo. O PIB chinês, medido a preço de mercado (ou seja, convertido em dólares pela cotação vigente), ainda equivale à metade do americano. Em termos de PIB per capita, os americanos também são bem mais ricos. A população chinesa equivale a quatro vezes a americana. De qualquer maneira, a inversão de posições pelo critério do poder de compra é um feito histórico. É crescente a dependência do resto do mundo em relação ao desempenho econômico da China. No ano passado, o país respondeu por 28% do crescimento global. A economia chinesa passa por uma transição, iniciada há um ano e meio, quando uma nova geração de líderes assumiu o poder. O Partido Comunista jamais havia escolhido uma cúpula tão preparada para integrar o país com o mundo. Para alguns economistas, o predomínio chinês será mais abrangente do que muitos imaginam. É o caso do indiano Arvind Subramanian, do Peterson Institute for International Economics. No livro Eclipse, de 2011, ele afirma que a emergência da hegemonia chinesa começa a ser sentida e a compara com a exercida pelos ingleses no século XVII e pelos americanos no período pós-II Guerra Mundial. Afora o predomínio da China no comércio (o país se tornou em 2013 o líder no volume de exportações e importações, à frente dos Estados Unidos) e no PIB, Subramanian acredita que a moeda chinesa, o iuane, poderá tomar a posição ostentada pelo dólar como a mais negociada no mundo. Outros analistas, entretanto, consideram que isso não acontecerá tão cedo, devido ao fato de os chineses, comunistas, possuírem uma economia extremamente controlada, com administração centralizada e pouco democrática. Esse é um passo ainda a ser dado na abertura gradual da China. O PIB MEDIDO PELO CRITÉRIO DA PARIDADE DE PODER DE COMPRA (PPP) 2011 / 2014 Estados Unidos: 15,5 trilhões de dólares / 16,7 trilhões de dólares China: 13,4 trilhões de dólares / 16,7 trilhões de dólares OS DOIS PIBS Produto interno bruto (PIB) - Representa a soma de todos os bens e serviços produzidos pelo país em determinado período, calculada em valores correntes, na moeda local. É o chamado PIB em valor de mercado. Nas comparações internacionais, normalmente é convertido em dólares, na cotação vigente. Nesse critério, o PIB americano ainda é o dobro do chinês. PIB em PPP - O critério da paridade de poder de compra (purchasing powerparity, PPP, em inglês) ajusta o PIB pela capacidade de consumo da população de acordo com o custo de vida local. Por exemplo, em países mais pobres os preços tendem a ser menores do que nos ricos, e a mesma cesta de mercadorias pode ser adquirida com menos recursos. Nesse critério, o PIB chinês já é equivalente ao americano. Fontes: International Comparison Programme (ICP) e Banco Mundial 5# INTERNACIONAL 7.5.14 PUTIN DOBRA A APOSTA Os Estados Unidos e a Europa pressionam como podem, mas o leste da Ucrânia segue no caminho da Rússia. Pobre Ucrânia. Tão longe de Deus e tão perto da Rússia. Em fevereiro deste ano, a população na capital, Kiev, comemorava em êxtase a queda do presidente corrupto Viktor Yanukovich, um aliado do similar russo Vladimir Putin. Dois meses depois, o país já perdeu a Península da Crimeia para Moscou sem que os Estados Unidos e a União Europeia pudessem esboçar nenhum gesto para impedir a ação. As regiões do leste da Ucrânia estão tomando o mesmo rumo e correm o risco de cair no colo de Putin. Três rodadas de sanções já foram decretadas contra políticos e empresários russos sem efeito algum. Com aprovação acima de 80% em sua terra, Putin faz pouco-caso do Ocidente e diz que os homens mascarados que dominaram militarmente a Crimeia e atualmente invadem prédios públicos em uma dúzia de cidades ucranianas não estão a seu serviço. A tática nas duas investidas é a mesma. Com balaclava escondendo o rosto, os paramilitares separatistas espancam dissidentes, fecham rádios e canais de televisão e realizam um referendo às pressas pela independência da região. A anexação vem em seguida. A pressão estrangeira só fez Putin dobrar a aposta. Seus tanques e helicópteros fazem manobras a apenas 25 quilômetros da fronteira com o vizinho. Na semana passada, Putin falou para a chanceler alemã Angela Merkel que a Ucrânia deve tirar os militares do território que já chama de seu. Na quarta-feira 30, o presidente interino da Ucrânia, Oleksander Turchinov, deu como inútil a tentativa de defender as regiões de Lugansk e Donetsk dos paramilitares russos. As disputas recrudesceram e, no dia seguinte, Turchinov decretou o recrutamento de jovens entre 18 e 25 anos pelas Forças Armadas, o que eleva a probabilidade de uma guerra civil. O deboche com que Putin trata o assunto é um constrangimento à inércia das potências ocidentais. Seus mascarados nem sequer hesitam em assumir publicamente as demandas do chefe. No mês passado, uma missão de oito observadores da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (Osce) foi enviada para compreender o conflito in loco. O grupo foi sequestrado em Slaviansk. Entre as demandas dos separatistas para soltá-los estava o fim das sanções aos russos. Putin está engolindo a Ucrânia pelas bordas. 6# GERAL 7.5.14 6#1 GENTE 6#2 ESPECIAL – ELES FICARAM SÓ COM A CASCA 6#3 RODRIGO CONSTANTINO – PARASITAS DO CAPITAL 6#4 NEGÓCIOS – PREÇOS BAIXOS FOREVER? 6#5 SAÚDE – O TRIGO DA DISCÓRDIA 6#6 EDUCAÇÃO – UMA AULA DE INOVAÇÃO 6#7 AUTOMÓVEIS – DIFERENÇA MINÚSCULA, ESTRAGO ENORME 6#1 GENTE MARÍLIA LEONI. Com Taísa Szabatura e Thaís Botelho ALGUÉM VAI DEIXAR DE COMENTAR? A atriz FERNANDA PAES LEME nunca foi protagonista de uma novela, mas sai na frente de artistas do alto escalão em popularidade nas redes sociais. Só no Twitter ela tem 2,95 milhões de fiéis seguidores (para comparar: Flávia Alessandra tem 577.000 e Giovanna Antonelli, 1,95 milhão), que acompanham desde a escolha das suas roupas (ou não roupas, como na revista VIP deste mês) até seus comentários sobre futebol. "Faz sucesso falar desse assunto, mas não dou palpite no trabalho dos meus amigos jogadores, como também não quero ninguém falando sobre como seguro o microfone", diz ela. Entre os mencionados amigos, Neymar e Ronaldo. Em SuperStar, o novo musical da Globo, ela aparece como repórter e dribla situações mais complexas do que um microfone e uma certa descoordenação geral. "Fui entrevistar um músico e ele quis me agarrar!", diverte-se. Atire a primeira pedra... MUSA DOS TRONOS A atriz NATALIE DORMER já virou quase uma especialista no papel de atribulada rainha consorte. Depois de interpretar a personagem histórica Ana Bolena na série Os Tudors, ela encarna, em Game of Thrones, no corpinho sedutor e na mente esperta de Margaery Tyrell — que já enviuvou duas vezes de cabeças coroadas, mas garante continuar virgem e está determinada a se casar com mais um rei. Não foram só os olhos azuis cristalinos que ajudaram Natalie a conseguir o papel: ela estudou bale desde os 3 anos de idade, é mezzo-soprano, foi membro da Academia de Esgrima de Londres viajou o mundo com o grupo de debates do colégio. De fazer o queixo de qualquer rei cair, mas todo mundo sabe que na série são as cabeças que tombam. VESTIDAS PARA SE DESTACAR O que usar para uma cerimônia oficial com o papa? No caso das mulheres, preto dos pés à cabeça, que deveria ser coberta com mantilha, mas hoje aceita chapéu. Até a presidente Cristina Kirchner aceitou as regras e se vestiu de Maléfica nos encontros com seu conterrâneo, o papa FRANCISCO. E estas mulheres de branco na solene canonização de João XXIII e João Paulo II? Recorrem, com a devida autorização, ao Privilège du Blanc, uma concessão que remonta, segundo alguns historiadores, ao século XVI e beneficia as rainhas e outras soberanas católicas. As que aparecem na foto com Francisco, de costas: em primeiro plano, a rainha SOFIA, da Espanha; à direita, PAOLA, da Bélgica (esposa do rei que abdicou em favor do filho, mas mantém o direito de usar branco); e, lá no fundo, a grã-duquesa de Luxemburgo, a cubana MARIA TERESA. OS GATOS DE SELENA O que Bruna Marquezine está fazendo sentada na calçada ao lado do ator inglês ORLANDO BLOOM? Não é ela, mas sua quase sósia, a cantora americana SELENA GOMEZ? Mas Selena não acabou de ser vista escapando para um de seus vários reencontros com Justin Bieber? E Justin Bieber justamente não havia sido fotografado todo derretido diante da ex-mulher de Bloom, a modelo australiana Miranda Kerr? Acompanhar a vida amorosa dos belos e famosos exige uma flexibilidade similar à da hipótese quântica do gato de Schrödinger. Selena pode ou não estar, simultaneamente, com os gatos, embora certamente eles não pertençam ao mundo subatômico. 6#2 ESPECIAL – ELES FICARAM SÓ COM A CASCA Ao reagir com fina ironia à provocação, Daniel Alves derrotou os racistas que teimam em exibir seu primitivismo nos estádios de futebol de todo o mundo. RINALDO GAMA No imaginário Livro das Espécies, que, teimosamente, repousa na estante da história do futebol, os brasileiros figuram como macacos no mínimo há mais de noventa anos. Em 1920, ao disputarem o campeonato sul-americano no Chile, os integrantes da equipe nacional foram chamados de "macaquitos" por um jornal argentino. O Brasil se indignou, porém pelos motivos errados: para o governo, conforme se lê no apêndice do livro de Mário Filho (1908-1966), O Negro no Futebol Brasileiro, "a questão passava pela imagem que a República precisava construir de si própria, deixando para trás os vestígios ligados à escravidão e à miscigenação, em um momento em que os discursos em torno da eugenia eram imperativos". O escritor carioca Lima Barreto (1881-1922), mulato e pobre, para quem o futebol era "eminentemente um fator de dissensão", destacou, com ironia, em uma famosa crônica, que "a nossa vingança é que os argentinos não distinguem, em nós, cores; todos nós, para eles, somos macaquitos". No domingo 27, o tal Livro das Espécies ganhou, infelizmente, uma nova edição — mas, pelo menos, revista e atualizada. E, com isso, uma versão 2014 do "todos somos macaquitos". Eram trinta minutos do segundo tempo do jogo Villarreal versus Barcelona quando o brasileiro Daniel Alves, titular da equipe azul e grená, se encaminhou para bater um escanteio. Uma banana, então, foi atirada em sua direção. O lateral — um baiano de 30 anos, pardo, como se diz nos censos, e de olhos verdes — reagiu de forma inesperada para o público e certamente também para o agressor: pegou a fruta, descascou-a e a pôs na boca. Aquele era o oitavo caso de racismo nos gramados espanhóis somente na atual temporada. Teria sido alvo de tímidos protestos não fosse a reação irreverente do jogador brasileiro — e a entrada em cena do craque Neymar, seu companheiro de Barcelona e de seleção brasileira. Na noite do próprio domingo o atacante postou três imagens em sua conta no Instagram. Na última delas, aparecia empunhando uma banana ao lado de seu filho, Davi Lucca — que, por sua vez, segurava uma providencial banana de pelúcia. Na legenda, o ex-santista escreveu a hashtag #somostodosmacacos em quatro idiomas: português, inglês, espanhol e catalão. Até a última quinta-feira, essa postagem havia recebido quase 580.000 curtidas, enquanto uma legião de celebridades — dos esportes, das artes, da política etc. (veja algumas delas nestas páginas) — repetia o gesto em apoio a Daniel Alves. O que se soube depois é que a reação de Daniel contra a atitude racista do torcedor do Villarreal começou a nascer há um mês em conversas com Neymar. As insistentes agressões de teor racial fizeram acender uma luz vermelha entre os membros do estafe do atacante. Não era para menos: em 2010, o craque chegara a dizer que nunca havia sido vítima de racismo porque nem era negro. Preocupados com provocações racistas ocorridas no campeonato espanhol, o pai do atacante e Eduardo Musa, um de seus assessores mais próximos, procuraram a agência de publicidade Loducca, de São Paulo. "Eles me disseram que Neymar não poderia ficar quieto", conta Guga Ketzer, vice-presidente de criação e sócio da Loducca, que bolou a hashtag usada pelo jogador. "Foi uma ação pró bono", garante Ketzer. A notícia de que a foto de Neymar com o filho e também a avassaladora hashtag haviam sido resultado do empenho de publicitários pôs em xeque toda a reação antirracista, a começar pela atitude de Daniel Alves. O lateral negou qualquer relação entre sua resposta no estádio e a "ação" do ex-camisa 10 do Santos. "Ele (Neymar) chegou a dizer que estavam preparando uma campanha, mas evidentemente não pensei em nada disso (na hora do lance). Não teve nada combinado", explicou o camisa 2 da seleção a Daniel Setti, que o entrevistou em Barcelona para VEJA (leia na pág. 87). Diante das reações negativas à maneira como Neymar entrou na briga, Guga Ketzer saiu em defesa de seu cliente: "Qual seria o erro de Neymar ao fazer uma manifestação pública de maneira profissional? Por acaso isso é oportunismo?", pergunta ele. "Ainda que Neymar e Daniel Alves tenham articulado a reação, a iniciativa foi bastante inteligente. Daniel engoliu os racistas. Não importa se ele programou ou não a ação. O torcedor que levou a banana ao estádio também programou essa atitude", argumenta o antropólogo Roberto DaMatta. "Os jogadores negros, na imensa maioria das vezes, ganham mais do que seus detratores. Isso perturba os racistas." Para o filósofo Luiz Felipe Ponde, "muita gente pegou carona e só quis parecer bonitinho na foto, mas a origem da campanha de Neymar é inteligente. Pegar uma banana e dizer que #somostodosmacacos é muito mais criativo do que querer abrir um processo". O apresentador Luciano Huck, frequentemente associado ao chamado "marketing do bem", foi criticado por haver lançado, ao preço de 69 reais, uma camiseta com a hashtag #somostodosmacacos. Em sua página no Facebook, ele rebateu os ataques de que estivesse sendo oportunista: "Não quero e não vou ganhar um tostão com isso. (...) 100% da renda desta iniciativa sempre foi destinada ao terceiro setor". Para além da estratégia de ação, a iniciativa de Neymar, bem mais do que o gesto de Daniel Alves, não encontrou unanimidade entre especialistas da causa negra. Para a historiadora Renísia Cristina Garcia Filice, de Brasília, "Daniel respondeu de forma madura às provocações; já Neymar, ao afirmar que somos todos macacos, referendou o mito da democracia racial. E ao lidar com essa situação fazendo brincadeira amenizou sua gravidade". Reagir com virulência às agressões raciais é algo comum entre os atletas. Um caso exemplar é o do atacante italiano Mário Balotelli. Durante os jogos da Eurocopa de 2012, toda vez que ele tocava na bola os torcedores rivais imitavam macacos. Na semifinal contra a Alemanha, depois de marcar um belíssimo gol, Balotelli arrancou a camisa e exibiu, desafiador, seus músculos negros. Embora legítimas, tais reações costumam se revelar pouco eficientes — como as punições e as campanhas da Fifa e da Uefa e as ações de patrocinadores de peso. Uma atitude como a da NBA, que baniu de seus quadros o proprietário de um time por ter feito comentários racistas, seria exemplar para o futebol (veja o quadro na pág. 88). Assustado com a extraordinária repercussão do caso Daniel Alves, o Villarreal rapidamente localizou o torcedor e o puniu, proibindo-o, para sempre, de entrar em seu estádio. A polícia espanhola prendeu o criminoso (por algumas horas) e revelou seu nome e seu rosto. David Campayo Lleo, de 26 anos, era instrutor das categorias de base do clube. A ideia de que, mais do que em outros esportes, o futebol desperta emoções primitivas — capazes de levar os torcedores a infringir os códigos de civilidade — é recorrente entre estudiosos. "O movimento de chutar é um ato de agressão, por mais terna e flexível que seja a maneira com que o bom jogador saiba 'cuidar' da bola", observa o ensaísta Anatol Rosenfeld (1912-1973) em Negro, Macumba e Futebol. "O futebol é a nossa versão moderna dos gladiadores de Roma", analisa Luiz Felipe Ponde. "O problema não é o esporte, são as pessoas. Você continua encontrando hoje resquícios da base cultural e política que alimentou a escravidão; são as mesmas questões raciais que estão presentes na sociedade moderna", afirma o sociólogo Harry Edwards, professor emérito da Universidade da Califórnia em Berkeley. O que Edwards chama de "sociedade moderna" representa a vanguarda do atraso em termos científicos. Do ponto de vista biológico, são da mesma raça os indivíduos que podem cruzar entre si e produzir descendentes. Esse conceito, consagrado há décadas, foi recentemente aperfeiçoado. Descobriu-se que é possível existir maior variação genética entre, por exemplo, dois suecos do que entre um deles e um negro africano. Em outras palavras, nossa raça é uma só: humana. O resto são diferenças cosméticas sem importância. É verdade que a história registra casos notórios de uso da afirmação racial por esportistas negros. Na Olimpíada do México (1968), ao subirem ao pódio para receber suas medalhas, os americanos Tommie Smith e John Carlos, respectivamente ouro e bronze nos 200 metros rasos, fizerem a saudação do grupo revolucionário Panteras Negras. Nos anos 70, o boxeador Muhammad Ali disse em sua autobiografia que jogara no rio a medalha de ouro conquistada nos Jogos Olímpicos de Roma (1960) em represália ao fato de não ter sido atendido num restaurante restrito a brancos. Em O Rei do Mundo, David Remnick revelou que o episódio não passara de "folclore'' criado para dar apoio ao ativista negro Elijah Muhammad, mentor de Malcolm X. Ali simplesmente perdeu a medalha, nunca a atirou as águas. No Brasil, o histórico de racismo no futebol se confunde com o próprio início da prática do esporte. Mário Filho registra que, elitizados, os clubes não aceitavam negros em seus quadros. Um certo Carlos Alberto, jogador do Fluminense, chegava a passar pó de arroz para poder atuar (o que acabou virando o apelido do time carioca). Filho de um alemão com uma negra, o craque Arthur Friedenreich gastava um tempo enorme antes das partidas para assentar "o cabelo farto mas duro", que entregava suas origens, apesar dos olhos verdes. "O pente, a mão não bastavam. Era preciso amarrar a cabeça com uma toalha, fazer da toalha um turbante e enterrá-lo na cabeça", escreve Mário em O Negro no Futebol Brasileiro. Tricampeão do mundo, Paulo Cézar Lima, o Caju — alusão à pintura de seu cabelo —, enfrentou desconfianças quando voltou valorizado da Europa. Inteligente, fluente em francês e espanhol e à vontade com o fato de ser um atleta bem-sucedido, ele era, muitas vezes, tido como alguém arrogante. Primeiro juiz negro da Suprema Corte Americana, Thurgood Marshall foi acusado de estar advogando em causa própria quando, em 1957, expediu uma liminar a favor da admissão de estudantes afrodescendentes em uma escola do Arkansas. Em resposta, ele disse que não se preocupava com o futuro das crianças negras, mas sim com o das brancas, que "são ensinadas desde pequenas que a maneira de obter seus direitos é violar a lei e desafiar as autoridades legais". Com seu gesto, Daniel Alves — nascido em Juazeiro, onde os negros, com seus cinquenta tons de negritude, têm uma inabalável autoestima — não contribuiu apenas para a própria causa, mas para a de todos nós, humanos, demasiado humanos. #somostodosmacacos A postagem de Neymar de uma foto com uma banana na mão, acompanhado do filho (3), na noite do domingo 27, iniciou uma campanha contra o preconceito que repercutiu internacionalmente. A partir da iniciativa, outras celebridades, do futebol e fora dele, aderiram à campanha: a irmã de Neymar, Rafaella, e a mãe do craque, Nadine (1); a cantora Claudia Leitte (2); os jogadores Oscar, David Luiz e Willian (4), do Chelsea; o cantor Luan Santana (5); o primeiro-ministro italiano Matteo Renzi (6); o casal de apresentadores Luciano Huck e Angélica (7); o centroavante Fred (8), do Fluminense; o cantor Michel Teló (9); o jogador italiano Mário Balotelli (10); e a cantora Ivete Sangalo (11). "NÃO TEVE NADA COMBINADO” Daniel Alves, de 30 anos, é o segundo jogador estrangeiro a atuar por mais vezes com a camisa do Barcelona, atrás apenas de Lionel Messi. Em seis temporadas pelo clube, o brasileiro levantou dezesseis taças. Ele falou a VEJA a respeito de bananas, racismo, xenofobia e espontaneidade. Pegar a banana e comê-la foi um gesto espontâneo? Totalmente. Não é da minha personalidade fazer algo pensando no que pode acontecer depois. Vivo de instinto, e meu instinto naquele momento me encaminhou para fazer o que fiz. Peguei a banana e a comi. O Neymar, é verdade, já tinha comentado comigo, depois de uma partida contra o Espanyol, em março, quando houve gente jogando banana no gramado, que se uma delas tivesse caído perto trataria de pôr na boca. Ele chegou até a dizer que estavam preparando uma campanha, mas, evidentemente, não pensei em nada disso. Não teve nada combinado. Sentiu raiva no momento em que a banana caiu a seus pés? Se você é agredido e tenta se esquivar com algo mais inteligente, é muito melhor. Tanto é que gerou essa repercussão toda. Se eu tivesse tido outra reação, talvez mais agressiva, poderia não passar de mais um episódio de preconceito no futebol. Muito se falou, no Facebook e no Twitter, que houve um aproveitamento oportunista de seu gesto por pessoas que nunca se manifestaram contra o racismo. É isso mesmo? Não teve oportunismo. Temos de usar nosso status de personagem público para melhorar as coisas, deixar um legado ou fazer com que a cabeça dos demais evolua. Enquanto as atitudes forem de coração, serão bem-vindas. Não importa se tem o marketing por trás. Lideranças do movimento negro se incomodaram com a hashtag #somostodosmacacos. E você? A hashtag é uma ironia. O que a gente quer é que todos entendam que somos iguais. No meu caso, o gesto foi uma reação com o jeitinho brasileiro de ser, de levar as coisas na brincadeira, de tentar ter leveza e não bater de frente com essas coisas. Há solução para o racismo no futebol? Quem é racista não vai deixar de ser. Pode passar a respeitar, mas continuará com o sentimento de amargura. Você passou por algo semelhante quando ainda jogava no Brasil? Não, comigo nunca aconteceu. Mas houve, sim, no Brasil episódios recentes de racismo no futebol... Acho que é um reflexo das coisas que acontecem na Europa. No Brasil, copiam essas coisas. Mas toda ação leva a uma reação. O Tinga (jogador do Cruzeiro xingado no Peru de "macaco") tomou uma atitude, saiu reclamando; o árbitro gaúcho (Márcio Chagas da Silva, que encontrou bananas no capo de seu carro depois de um jogo) tomou uma atitude, relatou na súmula, divulgou fotos. Fora de campo, como cidadão, você sofreu racismo na Espanha? Pessoas próximas a mim, sim. Já aconteceu de entrarem numa loja e ninguém as atender. Não é preciso insultar para ser racista. Não quero generalizar, dizer que na Espanha todo mundo é racista, mas aqui é complicado para estrangeiros. E na sociedade brasileira, existe racismo? Também! O fato de eu estar falando da Espanha não quer dizer que no Brasil não exista. Existe. Só que não é explícito. DANIEL SETTI UMA PUNIÇÃO HISTÓRICA “Idolatre-o, traga-o aqui, dê comida, transe com ele, eu não me importo. Só não o coloque no Instagram para que todos vejam. E não o traga aos meus jogos, o.k.?" Essa frase, dita pelo proprietário da equipe de basquete Los Angeles Clippers, Donald Sterling, foi o rastilho do apedrejamento público do americano de 80 anos, magnata do ramo imobiliário. Sterling reclamava, numa conversa, com a modelo V. Stiviano, que postara uma foto ao lado do ex-jogador Magic Johnson, lenda viva. Stiviano, mestiça de negros e hispânicos, nega que tenha vazado a gravação para o site de fofocas TMZ e que ela tenha sido feita sem o consentimento de Sterling. Só que Stiviano também nega, contra todas as evidências, ser amante do ex-chefão dos Clippers, sumariamente banido do esporte na semana passada. É bom que não haja confusão. Sterling é evidentemente racista, e sua exclusão vitalícia da NBA, acompanhada de multa milionária, representa uma punição histórica. O problema é que a indignação popular tenha surgido apenas com o vazamento de uma gravação ilegal. Sterling tem um longo histórico de acusações de racismo e intolerância: em 2009, o dono dos Clippers pagou 2,7 milhões de dólares em um acordo judicial após ser acusado de discriminar inquilinos de cor negra e de origem hispânica. A reação violenta contra Sterling é a demonstração de que os Estados Unidos estão muito à frente da Europa no trato com o racismo no esporte. É inaceitável, e ponto. Os negros só começaram a fazer parte de equipes da NBA em 1950. Hoje eles são 76% do total de jogadores. Inverta-se a proporção para saber a quantidade de donos de equipes que são brancos. Com um a menos, desde o banimento de Sterling. COM REPORTAGEM DE ALEXANDRE SALVADOR, FERNANDA ALLEGRETTI E RENATA LUCCHESI 6#3 RODRIGO CONSTANTINO – PARASITAS DO CAPITAL O livro Capital in the Twenty-First Century, do economista francês Thomas Piketty, tem causado verdadeiro alvoroço nos Estados Unidos. É questão de tempo até sua principal proposta virar febre por aqui. Há anos que o PT vem flertando com a ideia. E qual seria ela? Uma enorme taxação progressiva, chegando a até 80% sobre os mais ricos, além de grande imposto sobre a herança. A tese de que a concentração de renda nunca foi tão grande e que ocorreu perda de mobilidade social, a riqueza sendo basicamente explicada pela posição ao nascimento, cria o arcabouço ideológico perfeito para aqueles que sempre desejaram avançar sobre o patrimônio alheio. Não há nada novo nisso. Em Manifesto Comunista, de 1848, Marx e Engels colocaram como as três primeiras medidas propostas para a tomada de poder pelos comunistas nos países desenvolvidos: 1) expropriação da propriedade fundiária e utilização da renda resultante para as despesas do Estado; 2) imposto acentuadamente progressivo; 3) supressão do direito de herança. Historicamente, foi na Alemanha autoritária que os advogados do imposto progressivo derrubaram a resistência e iniciaram sua evolução. Em 1891, a Prússia introduziu um imposto progressivo chegando a 4% da renda. Foi somente em 1910 e 1913 que a Inglaterra e os Estados Unidos adotaram impostos graduais atingindo o então espetacular montante de 8,25% e 7%, respectivamente. Em 25 anos, no entanto, esses números alcançaram o patamar de até 80%! Foram os anos do New Deal de Roosevelt, a época mais próxima do fascismo que os Estados Unidos viveram, com ampla intervenção na economia, controle de preços e prisão de pequenos comerciantes por não o acatarem, confisco geral de ouro, tudo isso produzindo um péssimo resultado e postergando a recuperação econômica efetiva por vários anos. Por que esse tipo de política distributivista não funciona? Roberto Campos resumiu bem a questão: "Tributar pesadamente, tirando do mais capaz e do mais motivado para dar ao menos capaz ou menos disposto, em geral redunda em punir aqueles, sem corrigir estes". A riqueza precisa ser criada. Não cai do céu, não é estática. Tampouco é estático o 1% dos mais ricos. O mecanismo de incentivos, portanto, é fundamental. Ninguém trabalha duro para deixar 80% para o Estado. Mesmo quando a riqueza é fruto de herança, ela só vai permanecer com o herdeiro se ele a investir adequadamente. Se o fizer, estará colocando a própria riqueza para trabalhar e gerar mais riqueza, beneficiando terceiros no processo. Basta pensar no capital investido ou emprestado para novos negócios produtivos. Já se o herdeiro for um playboy gastador ou filantropo, a fortuna logo mudará de mãos. Conhecemos alguns casos. Há outro problema: na prática, é inviável executar essa redistribuição de renda sonhada pelos igualitários tirando somente daqueles muito ricos. Deixando de lado se seria justo ou não fazer isso, tal medida seria totalmente ineficaz. A classe média acabaria sendo vítima também. No fundo, quem ganharia seriam os burocratas do Estado, sob um enorme aparato centralizador de arrecadação. Ocorreria uma transferência de riqueza de todos para o governo. Para justificar isso, novas medidas compensatórias seriam adotadas. A consequência seria um enorme avanço do papel estatal na economia, ameaçando as liberdades individuais. Marx sabia disso. Era justamente o que desejava com a taxação acentuadamente progressiva e o confisco da herança. Curiosamente, a França de Piketty adotou há pouco tempo um imposto de 75% sobre os mais ricos, com os péssimos resultados esperados pelos economistas liberais. Houve debandada de empresários do país, e até o ator Gérard Depardieu, defensor da "justiça social", decidiu ir embora. Sempre haverá países mais racionais dispostos a atrair os ricos com taxação menos punitiva. "A verdade, deplorável verdade, é que o gosto pelas funções públicas e o desejo de viver à custa dos impostos não são, entre nós, uma doença particular de um partido: é a grande e permanente enfermidade democrática de nossa sociedade civil e da centralização excessiva de nosso governo; é esse mal secreto que corroeu todos os antigos poderes e corroerá igualmente todos os novos." Quem escreveu isso foi o francês Alexis de Tocqueville (1805-1859). Profético. Os verdadeiros parasitas do capital não são os empreendedores nem os herdeiros legítimos, mas sim os burocratas e políticos que vivem para confiscar cada vez mais de quem produz riqueza. E ela precisa ser produzida. 6#4 NEGÓCIOS – PREÇOS BAIXOS FOREVER? A escala e a mão de obra barata explicam os preços no chão da Forever 21. O desafio da cadeia de fast-fashion agora é crescer e manter as ofertas apesar do custo Brasil. ÁLVARO LEME Desde que o fenômeno do fast-fashion se consolidou, trazendo à paisagem das grandes cidades cadeias globais repletas de mercadorias renovadas em tempo-relâmpago e a preços palatáveis, as brasileiras sabiam estar em desvantagem e, não raro, voavam para Miami ou Nova York para fazer o circuito completo. No Brasil, após uma chacoalhada de modernização e rejuvenescimento na década de 90, as grandes do setor andavam meio acomodadas, dividindo entre si público, mercadoria e preços semelhantes: a holandesa C&A, pioneira aqui no ramo, as brasileiras Renner e Riachuelo e, mirando classe social um pouco mais alta, a espanhola Zara. Aí veio a americana Forever 21, onde os preços oscilam da metade para baixo em relação à concorrência, e o mundinho fast-fashion brasileiro se pôs em alerta. As duas lojas recém-inauguradas, uma em São Paulo e a outra no Rio de Janeiro, juntaram uma multidão de adolescentes que, na esteira da novidade, esperaram, na ponta do cronometro, até nove horas para ingressar nesse templo de consumo onde uma camiseta de malha sai por menos de 10 reais e uma calça jeans, a 35. São valores que suscitam até mesmo entre os menos atentos à economia uma pergunta básica: como uma roupa importada e onerada por uma das mais elevadas cargas tributárias do planeta pode custar tão pouco? Criada em Los Angeles, em 1984, a Forever 21 tem 550 lojas em 34 países e faturou 3,7 bilhões de dólares em 2013. Escala tão superlativa ajuda a explicar seu poder de cobrar menos, mas está longe de esclarecer o enigma. Toda a linha de produção é barateada a níveis extremos — qualidade não é, claramente, prioridade nessas peças feitas para não durar. A mão de obra envolvida na confecção é outro pilar sobre o qual está fincada a fórmula dessa marca-sensação. Só nos Estados Unidos, onde são produzidos 30% das peças, pagam-se 12 centavos de dólar a uma costureira por uma roupa que chegará às araras por 14 dólares — uma diferença de 116 vezes. Na China e em Bangladesh, onde é feito quase todo o resto, os salários vão ao chão. Por isso, a rede é alvo de furiosas campanhas de ONGs e frequentes ações judiciais. No caso mais recente, o Ministério do Trabalho americano acusou a Forever 21 de pagar muito aquém do salário mínimo e ainda submeter seus funcionários a precárias condições de trabalho. Como se não bastasse, a companhia também responde a mais de cinquenta ações em que é acusada de piratear o design de algumas das peças que vende. Escala e mão de obra mal paga são dois dos expedientes que pavimentam o alto faturamento de qualquer gigante da moda, mas a rede americana alia a isso uma cartilha radical que mina até pequenos confortos de seus executivos em viagem. Isso tudo ainda não seria o bastante para o aparente milagre que se opera no Brasil. Aí, só há mesmo uma explicação: embora ninguém se pronuncie oficialmente, os analistas de mercado estimam que as margens de lucro foram decepadas por aqui — elas girariam em torno de 30%, enquanto a concorrência embolsa até 70%. A experiência mostra que o ímpeto de muita gente grande já teve de ser refreado pela dura realidade local. A Zara, que chegou ao país, em 1999, prometendo abrir 100 lojas em cinco anos, logo se viu obrigada a comprar peças de fornecedores brasileiros, diminuindo a importação da Espanha, para minimizar os impostos e os entraves logísticos. E redimensionou a ambição: tem hoje a metade das unidades previstas. Os concorrentes apostam que o custo Brasil pesará também para a Forever 21, que pretende abrir mais sete lojas por aqui até o fim do ano, uma delas em Brasília. "A curva de aprendizado das grandes cadeias de varejo no Brasil é longa. Leva-se muito tempo para ser bem-sucedido e se adaptar ao mercado local", ressalva Fábio Monteiro, analista de investimentos do BTG Pactual. Especialmente longe do eixo Rio-São Paulo. Nos bastidores, a concorrência já lançou mão de medidas para tentar fazer frente à companhia americana, entre elas o aumento de verbas para a publicidade. Outra estratégia para não ter seus lucros engolidos pela rival é investir em linhas de roupas mais sofisticadas e caras, de modo a ampliar o público consumidor — como já estão fazendo C&A e Riachuelo. Fundador e CEO do império que agora sacoleja o Brasil, o coreano radicado em Los Angeles Do Won Chang preferiu não ser específico quanto a custos, marketing, logística e planejamento de sua rede em solo brasileiro. Via e-mail, foi incisivo num único ponto: "Não vamos aumentar os preços no Brasil". Adolescentes e pais vigiarão as etiquetas com toda a atenção. COM REPORTAGEM DE CECÍLIA RITTO 6#5 SAÚDE – O TRIGO DA DISCÓRDIA Dois livros fazem sucesso ao defender o banimento total da grão (até o integral) da dieta. Os médicos Mais ortodoxos garantem que tudo não passa de bobagem. ADRIANA DIAS LOPES Era o que faltava. Depois do açúcar, da gordura, do ovo e da carne, agora é a vez de o trigo ser alçado ao posto de vilão da boa saúde. Com o best-seller Barriga de Trigo, o cardiologista americano William Davis tem feito enorme sucesso nos Estados Unidos ao apregoar o total banimento do grão na alimentação. Desde 2011, quando o livro foi lançado, Davis vendeu 1,8 milhão de exemplares, o que o mantém desde então na lista dos mais vendidos do jornal New York Times. No Brasil, Barriga de Trigo já comercializou 30.000 exemplares. Recentemente, a tese de Davis passou a contar com o apoio do neurologista David Perlmutter, também americano, presidente de uma fundação na área de saúde que leva seu nome. O médico é autor de A Dieta da Mente, recém-chegado às livrarias brasileiras. Para Davis e Perlmutter, os malefícios do trigo vão muito além do altíssimo teor calórico do alimento — uma xícara do cereal contém cerca de 340 calorias, o equivalente a dois pãezinhos franceses. O grão, segundo os autores, estaria associado a diversas afecções — do diabetes à esquizofrenia, da hipertensão à insônia. Consumido há cerca de 10.000 anos, quando a agricultura começava a florescer no Crescente Fértil, no Oriente Médio, o trigo é condenado por Davis e Perlmutter até em sua versão integral. O problema teria surgido nos anos 60, quando o agrônomo americano Norman Borlaug (1914-2009), considerado o pai da Revolução Verde, desenvolveu, por meio de cruzamentos de espécies da planta, o chamado trigo anão. Com cerca da metade da altura dos exemplares até então cultivados, o anão tem alto rendimento e é resistente a pragas. A semente dessa espécie híbrida fez a produção de trigo dobrar, salvando 1 bilhão de pessoas da fome — o que rendeu a Borlaug o Prêmio Nobel da Paz em 1970. Hoje, cerca de 90% do cereal cultivado no mundo é do tipo anão. Para Davis e Perlmutter, a hibridização também resultou em drásticas alterações nutricionais do alimento, nocivas para o organismo. Em um dos pontos mais intrigantes de Barriga de Trigo, Davis defende a ideia de que o trigo anão tem quantidades maiores de glúten e de amido em relação às outras espécies. Ambos os compostos contribuem para a elevação da carga glicêmica — medida que dimensiona quanto um determinado alimento aumenta as taxas de glicose no sangue. Quanto maior a carga glicêmica, mais alta é a concentração de açúcar na corrente sanguínea. Para os autores, estaria aí a explicação para a alta incidência não só da obesidade, mas também do diabetes e da pressão alta. Davis e Perlmutter condenam o trigo integral da mesma forma com que atacam o trigo branco. O valor nutricional do branco, sem a casca nem o gérmen do integral, é, sem dúvida, muito menor. Ambos os profissionais, no entanto, não consideram as propriedades benéficas das fibras encontradas no trigo integral — em uma quantidade três vezes maior em relação ao branco. Ao tornarem a digestão mais lenta, as fibras atrasam a chegada de glicose ao sangue. Como sempre acontece quando uma ideia é lançada, sobretudo na medicina, em que a cautela é uma qualidade essencial, a teoria de que o trigo (até o integral) faz mal à saúde recebeu uma saraivada de críticas de médicos especialistas das mais diversas áreas. "Os propósitos desses livros não têm suporte na boa ciência, tampouco na razão", disse a VEJA John Swartzberg, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, e um estudioso do metabolismo humano. Uma das pesquisas citadas por Davis foi publicada na revista de nutrição inglesa Journal of Nutrition and Metabolism, em 2009. O trabalho relata a história de uma mulher diagnosticada com esquizofrenia por cinquenta anos. A partir do momento em que o trigo foi cortado de sua dieta, a paciente apresentou uma melhora nos sintomas esquizofrênicos. "Isso não faz o menor sentido. É uma bobagem", defende o psiquiatra Valentim Gentil Filho, professor da Universidade de São Paulo e a maior autoridade do Brasil em esquizofrenia. "Além de a revista na qual foi publicado o tal estudo não ter maior reputação, depois de tantos anos as conclusões poderiam ter sido replicadas, mas não foram", completa o psiquiatra. "O autor desse livro deveria começar a comer trigo para parar com essas teorias." Alguém que corte o trigo de sua dieta emagrece e, consequentemente, experimenta as benesses da perda de peso. O motivo é simples: menos trigo, menos carboidrato e menos calorias. Na introdução de Barriga de Trigo, Davis escreve: "Reconheço que afirmar que o trigo é um alimento pernicioso é como dizer que Ronald Reagan era comunista". Nisso ele tem razão. O que seria da dieta dos americanos sem os muffins, os pretzels e o pão do hambúrguer? Dos italianos sem o macarrão? Dos franceses sem a baguete? Dos brasileiros sem o pão na chapa? O trigo é um dos cereais mais consumidos no planeta. São 439 milhões de toneladas por ano, o equivalente a 170 gramas ao dia per capita. Ou, então, a duas porções de macarrão ou a quatro fatias de pão de forma ou ainda a três pizzas brotinho por pessoa. Diferentemente do que ocorria na pré-Revolução Verde, o trigo hoje é consumido sobretudo em receitas recheadas de gordura e açúcar. 6#6 EDUCAÇÃO – UMA AULA DE INOVAÇÃO Versada em tecnologia e com um DNA empreendedor em alto grau, uma turma jovem começa a criar soluções para romper com o marasmo e elevar o nível da rede pública. HELENA BORGES Educadores sempre gostaram de conversar com educadores, e ai do forasteiro que vier romper com a tradição e inventar de ter ideias para sacolejar a velha sala de aula. O primeiro sopro de renovação no impermeável mundinho da pedagogia veio nos últimos tempos de uma jovem turma do Vale do Silício, na Califórnia, que começou a repensar o ensino à luz da tecnologia meio como diversão. O nome mais estelar dessa safra é Salman Khan, um matemático de 37 anos que tem despertado o interesse pelos estudos numa classe de dimensões planetárias na rede. No Brasil, é um pequeno mas crescente grupo de economistas, engenheiros e prodígios da computação — uma garotada que já nasceu na era do ensino médio e nunca ouviu falar do jurássico "colegial" — que está encabeçando essa corrente de mente inovadora e afeita ao risco. Alojados em ainda modestas startups, têm dado asas à nova carreira num nicho onde nem eles — muito menos seus pais — se imaginavam ver em ação: as escolas públicas brasileiras. Pois suas soluções para os gigantescos gargalos que situam o Brasil na rabeira mundial começam a frutificar e consolidam a ideia de que gente de fora da educação pode ser decisiva para um salto de patamar. Para que não haja mal-entendido, essa garotada não tem a ambição de inventar a roda nem a empáfia de deixar de ouvir quem é da área. O que eles fazem é dispor da tecnologia para dar novos ares à escola, numa tentativa de torná-la menos maçante e mais eficaz no seu papel de levar conhecimento a uma geração que, como eles próprios, é pouco conectada à lousa e ao giz. Esse, aliás, é um trunfo da força criativa da turma; ela conhece bem seu público-alvo. "Por que ensinamos tudo de forma tão abstrata se podemos reproduzir a vida real no computador de maneira muito mais estimulante?", questiona o economista Felipe Rezende, 27 anos e uma passagem por uma consultoria financeira. Ele saiu de lá para criar, com três colegas, uma startup voltada para animar, literalmente, a velha lição. Seus programas, já adotados em escolas municipais de São Paulo, Rio de Janeiro e Amazonas, permitem, por exemplo, simular experiências de laboratório e visualizar cada minúsculo detalhe do interior de uma célula, somando-se à aula tradicional. Um efeito já se viu. "A interatividade tem estimulado as crianças a participar mais das aulas. Elas não perdem uma", observa Cristiano Americano, da Secretaria de Educação do Rio. Um dos maiores potenciais do uso da tecnologia em sala de aula repousa na possibilidade que ela abre para um ensino mais individualizado, uma vantagem e tanto nas lotadas salas brasileiras. Foi na casa do estudante de engenharia carioca Bruno Damasco, 25 anos, que a ideia de uma ferramenta que permite acompanhar o desempenho dos alunos em tempo real começou a ser gestada; com ela, diretores, professores e pais podem saber da situação de cada um. O capítulo posterior ao invento de Damasco é muito semelhante à trajetória de outros jovens que alcançaram o pote de ouro das redes públicas. Ele abrigou seu projeto em uma aceleradora de startups, onde encontrou auxílio na gestão, caminhos para arranjar financiamento e uma rede de contatos que o levou a vender seu software a 500 colégios particulares e implantá-lo, em caráter piloto, em uma rede municipal do Paraná. Damasco convive lado a lado com gente movida por um misto de pragmatismo e idealismo. "Essa é uma geração muito bem preparada, que quer ganhar dinheiro e mudar o mundo ao mesmo tempo", define o indiano Dhaval Chadha, 28 anos, cientista social formado em Harvard e dono de uma dessas aceleradoras, baseada no Rio de Janeiro. Os números superlativos do mercado brasileiro — 40 milhões de alunos em 150.000 escolas públicas — motivam os grandes investidores a colocar dinheiro nas inovações dessa turma. Em geral, os negócios começam com 2,3 milhões de reais, mas é duro prosperar, especialmente diante do jogo pesado das concorrências públicas. A maioria entra nessa raia subcontratada por um grande grupo educacional ou até incorporada por algum deles. "Essa movimentação é natural. Só espero que não congele a principal característica dos pequenos núcleos de inovação: a inventividade", ressalva Rafael Parente, especialista em tecnologias para a educação. A experiência de uma leva de negócios que sobreviveu aos entraves iniciais e já ganhou certa escala pode ajudar a indicar a trilha para os que estão por vir. Todos concordam que a base essencial é conseguir unir profissionais de alto nível de duas tribos: a da pedagogia com a da tecnologia. Mas mesmo isso não é garantia de nada. "Educação é um setor conservador, no qual muita gente ainda vê a inovação como ameaça", diz o paulista Cláudio Sassaki, 40 anos, três deles à frente do Geekie, que conquistou a esfera pública com uma boa plataforma de aulas on-line. Loucos por novidade, jovens como ele têm tudo para abrir os portões da escola para o século XXI. 6#7 AUTOMÓVEIS – DIFERENÇA MINÚSCULA, ESTRAGO ENORME Um pino apenas 1,6 milímetro menor do que o tamanho correto provocou mais de uma dezena de acidentes fatais e motivou um dos maiores recalls da história nos Estados Unidos. BIANCA ALVARENGA Era noite de 10 de março de 2010, dia do aniversário de 29 anos da enfermeira Jennifer Brooke Melton. Ela dirigia a caminho da casa do namorado, perto de Atlanta, capital da Geórgia, nos Estados Unidos. Chovia bastante quando ela perdeu o controle do carro e bateu em outro veículo, caindo em seguida em um rio. Jennifer não sobreviveu. A polícia atribuiu inicialmente a culpa do acidente à jovem, alegando que ela "dirigia rápido demais para as condições da rodovia", embora estivesse dentro do limite de velocidade. Os pais dela chegaram a ser processados pelo homem que dirigia o veículo com que Jennifer colidiu. O relatório da perícia, no entanto, constatou que o airbag do carro não foi acionado na batida e que a ignição do carro estava no modo "acessório", em vez de estar na posição correta, em "partida". Quatro dias antes do desastre, o Chevrolet Cobalt, fabricado em 2005, havia apresentado um defeito: ele desligara de maneira súbita, com o carro em movimento. Na ocasião, Jennifer conseguiu controlar o carro, conduzindo-o ao acostamento. O Cobalt foi levado a uma concessionária da Chevrolet para conserto na manhã seguinte e então liberado em 9 de março, um dia antes do acidente. Jennifer, hoje se sabe, foi uma das vítimas fatais de acidentes causados por um defeito no sistema de ignição de oito modelos de carro da General Motors. Outras treze pessoas também perderam a vida em desastres atribuídos a essa falha. Agora a GM enfrenta um dos maiores recalls automobilísticos envolvendo mortes. Por um erro de projeto, o pino metálico responsável por manter a ignição na posição correta era menor do que o necessário — mais precisamente. 1,6 milímetro menor. Dessa maneira, o torque exercido pela pequena mola existente nesse pino era insuficiente. Em determinadas situações, como, por exemplo, quando o chaveiro era muito pesado ou o motorista esbarrava na chave por acidente, a ignição se deslocava para o modo "acessório". Nessa posição, os fios do miolo da ignição transmitem ao motor a mensagem para ele se desligar. Consequentemente, diversos dos dispositivos elétricos, entre eles os airbags e a direção, deixam de funcionar. Os carros, em sua maior parte, são projetados dessa maneira para poupar a bateria. Foi a insistência dos pais de Jennifer em esclarecer se ocorrera alguma falha mecânica que lançou luz sobre as razões da falha no sistema de ignição. Em 2011, eles contrataram o engenheiro de materiais Mark Hood, especialista em falhas de materiais em carros, aviões e trens, para analisar a ignição do Cobalt. Ele começou a investigar o problema desmontando, fotografando e radiografando repetidamente a ignição do carro de Jennifer. Depois de horas de teste, o engenheiro ainda não sabia dizer por que a ignição mudava de posição subitamente. Hood resolveu, então, comprar uma peça exatamente igual em um fornecedor local para compará-la à do carro de Jennifer. Ele descobriu que, embora estivessem identificadas pelo mesmo número de série, as peças eram muito diferentes. O pino metálico media 5,9 milímetros no modelo de 2005 e 7 milímetros no modelo novo. A mola acoplada ao pino tinha 4,7 milímetros na ignição antiga e 5,2 milímetros na nova. Ele testou o torque dos dois modelos e constatou que o pino 1,6 milímetro mais longo exerce maior pressão para manter a ignição no lugar, impedindo o movimento involuntário. Hood foi o primeiro engenheiro, fora da GM, a descobrir que essa diferença aparentemente insignificante era crucial para a segurança do sistema. O engenheiro recorreu a ferros-velhos e comprou mais dezessete ignições. Depois de testar peça por peça, estabeleceu uma linha do tempo e constatou que os pinos das ignições fabricadas antes de 2007 eram menores do que os demais. O relatório foi anexado ao processo que a família Melton moveu contra a GM. A empresa respondeu, então, que não sabia explicar a razão de os pinos serem de diferentes tamanhos. Documentos divulgados no início deste ano, entretanto, revelaram que houve uma autorização, em 2006, para substituir as peças por novas, ligeiramente maiores. A decisão nunca foi divulgada publicamente, e, apesar da mudança nas especificações, o número de série não foi alterado — o que é irregular e torna quase impossível rastrear os modelos defeituosos. Ao fim, a GM se viu obrigada a convocar um recall totalizando 2,6 milhões de veículos, de modelos Chevrolet, Saturn e Pontiac vendidos nos mercados americano, europeu e canadense. A GM terá de desembolsar mais de 1 bilhão de dólares para substituir as peças com defeito e batalha agora para evitar um desgaste profundo na confiança em relação à qualidade de seus carros. A sua nova presidente, Mary Barra, assumiu o cargo no início do ano. Foi a escolhida para comandar a retomada da empresa, que por pouco não faliu em 2009. Com uma dívida de 173 bilhões de dólares, foi socorrida pelo governo dos Estados Unidos, que comprou quase 61% de suas ações por 49 bilhões de dólares. Foi chamada então, ironicamente, de "Government Motors". Primeira mulher a liderar uma montadora multinacional na história, Barra tem 33 anos de experiência na GM e ocupava antes o cargo de vice-presidente executiva global de desenvolvimento de produtos. "Pedi ao nosso time para redobrar os esforços nas avaliações de qualidade, trazer os problemas à tona e resolvê-los rapidamente", disse a CEO em um comunicado interno. Vários recalls foram convocados pela montadora nas últimas semanas, não apenas para sanar os defeitos nas ignições, mas também para corrigir falhas não tão graves em outros modelos. O esforço para retomar a qualidade é essencial, mas a empresa terá um longo processo civil e criminal pela frente. A informação mais comprometedora é que seus engenheiros sabiam que a ignição havia sido mal concebida e poderia apresentar falhas. Ainda assim, diante da pressa em lançar modelos compactos para enfrentar os concorrentes, sobretudo japoneses, a GM orientou os responsáveis à época a fazer vista grossa para os possíveis riscos. A pressão por corte nos custos e diminuição no tempo para o lançamento de novos modelos está entre as principais razões da multiplicação dos recalls na indústria automobilística, mesmo com toda a evolução, no último século, da engenharia de produção e dos sistemas gerenciais de controle de qualidade. A Toyota, a maior montadora do mundo e tida como parâmetro de qualidade e eficiência para toda a indústria, recentemente foi condenada a pagar 1,2 bilhão de dólares por ter tentado acobertar informações sobre falhas que provocaram um recall de 3,8 milhões de carros. O valor representa a maior multa aplicada a montadoras nos Estados Unidos. Estima-se que 65% dos recalls se devam a defeitos nas peças, 25% a problemas na linha de montagem e 10% a modelos mal projetados. Por se tratar de uma indústria muito segmentada, os fatores que ocasionam problemas se multiplicam. Segundo Francisco Satkunas, diretor da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil), embora haja um rígido controle de qualidade, é praticamente impossível prever tudo o que pode dar errado. "Por mais que haja uma sequência de testes para detectar defeitos no produto final, alguma condição diferente pode passar despercebida", afirma. Métodos de verificação foram criados e instalados na linha de montagem para evitar que erros comuns aconteçam. O poka-yoke (teste de erros, em japonês), por exemplo, foi criado pela Toyota e é, de maneira geral, uma série de procedimentos adotados para impedir que uma peça defeituosa ou incorrera passe para a etapa seguinte de produção. Renato Romio, do Instituto Mauá de Tecnologia, considera o alcance dos testes satisfatório: "Existe uma série de mecanismos para testar a durabilidade e a viabilidade dos componentes do carro. São gastas muitas horas e muitos quilômetros são rodados". No caso da GM, os testes identificaram o problema, mas os funcionários da montadora possivelmente acreditavam que os fatores que causariam os acidentes eram específicos demais. "É provável que na época dos testes não fosse possível prever qual sobrepeso movimentaria a chave. A GM também poderia imaginar que poucos clientes andariam com o chaveiro cheio ou que não haveria a inclinação necessária para desligar a ignição", diz Satkunas. A empresa, de qualquer maneira, pagará pelos erros de sua antiga diretoria. O valor das ações já caiu 17% desde o início do ano. A CEO, Mary Barra, teve de prestar esclarecimentos no Congresso no começo do mês. Em seu discurso, Barra afirmou: "Dissemos ao mundo que temos um problema que precisa ser resolvido. Fizemos isso porque, apesar dos erros que cometemos no passado, não fugiremos das nossas responsabilidades. Hoje a GM fará a coisa certa". A ORIGEM DO DEFEITO 1. A chave gira o disco interno do sistema de ignição. Um pino metálico, contendo uma pequena mola, encaixa-se nos dentes do disco, na posição "acessório” (carro parado) ou "partida" (carro em movimento) 2. No modo acessório, o motor está desligado, e funcionam apenas alguns dispositivos. Em partida, o motor é acionado, e são ativados airbags e direção elétrica 3. Nos sistemas com defeito, o pino era mais curto e o torque exercido pela mola, menor. A ignição se deslocou para o modo acessório com o carro em movimento, causando acidentes 7# GUIA 7.5.14 7#1 DE MALAS PRONTAS PARA O MBA 7#2 DE OLHO NO CANADÁ 7#3 BOLSA PARA ESTUDAR LÁ FORA 7#1 DE MALAS PRONTAS PARA O MBA UMA PESQUISA DA EMPRESA DE RECRUTAMENTO CATHO MOSTROU QUE UM MBA PODE ACARRETAR UM AUMENTO SALARIAL DE ATÉ 31%, DEPENDENDO DO NÍVEL HIERÁRQUICO DO PROFISSIONAL. ESTUDAR FORA DO PAÍS TRAZ VANTAGENS ADICIONAIS. "Temos carência de profissionais fluentes em inglês, e o aluno de MBA é forçado a fazer apresentações e desenvolver projetos nesse idioma", diz Luís Testa, executivo responsável pela área de estratégia e pesquisa da Catho. Um estudo da empresa mundial de recrutamento Robert Ralf revelou que um MBA no currículo do candidato é muito relevante para 42% dos contratantes. "Há empresas no país que vão em busca desses profissionais quando eles ainda estão lá fora", diz Fernando Mantovani, diretor da Robert Half no Brasil. Para saber como se preparar, onde estudar e como financiar os estudos, VEJA conversou com especialistas que treinam candidatos para as seleções de MBA no exterior. MBA X MESTRADO A diferença entre o Master Business Administration (MBA) e um mestrado é o foco no mercado de trabalho. "O MBA é voltado para quem quer ser executivo numa empresa ou num banco, pois permite uma formação administrativa e uma visão de negócios. O mestrado é indicado para quem pretende seguir carreira acadêmica ou trabalhar com análise e teoria nas empresas", explica Miriam Viniskofske, sócia da The Point, empresa carioca que prepara alunos para as seleções de MBA no exterior A idade ideal Não há um limite de idade estabelecido, mas nos Estados Unidos a média é de 27 anos - quando o candidato já tem pelo menos três anos de experiência profissional. "Quem passou dos 35 e tem mais de dez anos de carreira não entra", resume Ricardo Betti, sócio da MBA Empresarial, de São Paulo. Na Europa, é comum encontrar alunos mais velhos. "O candidato pode ter 40 anos, desde que não esteja há muito tempo sem estudar", diz o espanhol Eduardo Melero, subdiretor do MBA da Universidade Carlos III, de Madri Os melhores cursos São cinco os principais rankings das escolas de negócios. Na relação da revista inglesa The Economist, lidera a Booth School of Business, da Universidade de Chicago. A Universidade Harvard encabeça as listas da Forbes e do U.S. News (que avaliam apenas instituições americanas) e a classificação global do jornal inglês Financial Times. Já o ranking internacional da Bloomberg Businessweek traz a London Business School em primeiro lugar. Os rankings são importantes, mas não devem ser fator determinante. "Há cursos e universidades com excelente estrutura que não estão entre os cinco mais cotados. É preciso pesquisar sobre a instituição pensando no próprio perfil", explica Miriam Viniskofske, da The Point Estados Unidos X Europa "Na Europa, os programas têm duração de um ano, e não se prevê trabalhar nas férias de verão, como acontece nos Estados Unidos, Para quem ainda não definiu o rumo que quer dar a carreira, recomendamos os Estados Unidos, pois o aluno tem maior tempo de reflexão - dois anos - e a oportunidade de trabalhar durante as férias. Para quem tem um objetivo claro, a Europa pode permitir uma volta mais rápida ao mercado de trabalho", explica o americano Darrin Kerr, sócio da empresa de treinamento FK Partners. "Os cursos europeus atraem alunos com maior experiência profissional e diversidade cultural - há europeus de vários países, além de muitos asiáticos e até americanos", diz Daniela de Souza Mendez, diretora da espanhola IE Business School no Brasil A seleção Antes de se candidatar a uma vaga nas principais universidades, é preciso providenciar o Toefl, certificado de proficiência em inglês (na Europa, há universidades que também aceitam o lelts), e também fazer um teste chamado Graduate Management Admission Test (Gmat). A parada é dura. No Toefl, é obrigatório atingir uma nota acima de 100 pontos de um total de 120. Em Harvard, por exemplo, são necessários 109. O Gmat, utilizado por mais de 6000 instituições, avalia habilidades matemáticas, verbais e de leitura e escrita analítica. Em um total de 800 pontos, os candidatos devem garantir ao menos 700 para pleitear uma vaga. "Além de realizarem as provas, os candidatos enviam relatos sobre as experiências de liderança e os projetos dos quais participaram. Essa é a parte mais importante do processo", diz Paulo César Moraes, sócio da Philadelphia Consulting. É preciso ainda enviar cartas de recomendação de gestores e passar por entrevista, normalmente feita no Brasil Como pagar Muitos estudantes recorrem a bolsas e financiamento. Em Harvard, por exemplo, 65% dos alunos recebem algum tipo de assistência financeira para bancar o custo anual, que pode chegar a 95.100 dólares (cerca de 214.000 reais) - incluindo-se aí o valor do curso (58.875 dólares, ou 133.000 reais) mais o seguro-saúde e a moradia individual. Os alunos estrangeiros podem obter crédito numa instituição ligada à própria universidade, sem precisar de fiador nos Estados Unidos. A pedido de VEJA, o consultor financeiro Conrado Navarro, autor do livro Dinheiro É um Santo Remédio, comparou o custo de financiar parte do valor na própria universidade e em um banco no Brasil Harvard University Employees Credit Union Valor financiado: 50.000 dólares (113.000 reais) Prazo: 180 meses Juros: 6,75% ao ano Dívida ao final: 79.000 dólares (178.000 reais) Valor das parcelas: 440 dólares (990 reais) Crédito direto ao consumidor (CDC) voltado a estudos no Brasil Valor financiado: 113.000 reais Prazo: 48 meses Juros: 33,78% ao ano Dívida ao final: 356.373,71 reais Valor das parcelas: 3976,37 reais MBA E TRABALHO O engenheiro eletricista carioca Felipe Castro, de 28 anos, enfrentou um duro processo seletivo antes de se matricular em Harvard. "Eu queria estudar numa das dez melhores universidades", diz. Durante as férias, o engenheiro não terá descanso: vai encarar um trabalho temporário em uma empresa de infraestrutura de telecomunicações nos Estados Unidos 7#2 DE OLHO NO CANADÁ Na última década, o percentual de brasileiros enviados pelas agências de intercâmbio para estudar no exterior cresceu quase 500% - passou de 34.000, em 2003, para mais de 200.000, em 2013. E, segundo uma pesquisa encomendada pela Brazilian Educational & Language Travel Association (Belta), o destino preferido pelos brasileiros foi o Canadá. O país foi escolhido por 60% das pessoas que buscavam cursos de idiomas e 42,5% dos estudantes de high school, equivalente ao ensino médio. "As escolas do Canadá são excelentes e os custos, menores que nos Estados Unidos", diz Rosa Maria Troes, presidente da Canadá Intercâmbio. Um curso de idiomas de quatro semanas com acomodação em casa de família, incluindo café da manhã e jantar, pode custar a partir de 4300 reais, enquanto nos Estados Unidos o total começaria em 5800 reais. As cidades mais procuradas no Canadá são Vancouver, Toronto e Montreal (essa última por quem quer estudar francês). As informações sobre o visto para o país estão no site vfsglobal.ca/canada/Brazil 7#3 BOLSA PARA ESTUDAR LÁ FORA Para concorrer a bolsas de estudos para cursar graduação, mestrado, doutorado ou MBA no exterior, o aluno pode dirigir-se diretamente às universidades - que usam recursos próprios ou oriundos de parcerias com organizações como a Fundação Lemann - ou recorrer a instituições no Brasil. A seguir, as duas principais entidades independentes que oferecem bolsas a brasileiros. Instituto Ling: em dezenove anos, já concedeu 205 bolsas de pós-graduação. Até o dia 9 deste mês, as inscrições estão abertas para quem quer pleitear uma bolsa para MBA ou mestrado em administração pública, direito e engenharia. Para concorrer, o estudante já deve ter sido aprovado numa instituição de primeira linha e precisa comprovar que não pode bancar o curso sozinho. O valor é parcial e pode variar de acordo com a necessidade do aluno. "Ele pode se candidatar mesmo que já tenha bolsa da universidade ou o curso todo financiado, e então utilizar o recurso para despesas pessoais, por exemplo", diz a coordenadora Sandra Moscovich. Fundação Estudar: oferece bolsas desde graduação até pós-doutorado. Aqui, a falta de recursos do aluno não é o primordial. "Não analisamos somente a condição financeira do candidato, mas principalmente o seu potencial", explica Mariel Vieira, responsável pelo processo de recrutamento e seleção do programa de bolsas da fundação. Para este ano, serão distribuídas cerca de quarenta bolsas. O processo seletivo deve ser aberto em outubro, e podem participar pessoas com idade entre 16 e 34 anos. UNIVERSIDADE DE COIMBRA VIA ENEM A instituição, uma das mais tradicionais de Portugal, é a primeira fora do Brasil a aceitar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) na seleção de estudantes para a graduação. Quem quiser se candidatar a uma vaga pode utilizar as notas de 2011 a 2013 em substituição aos exames portugueses de seleção. Ao todo são 622 vagas, em 45 cursos. Entre taxas de inscrição e matrícula, gastam-se 155 euros (cerca de 500 reais). A mensalidade custa 700 euros (2200 reais). O ano letivo começa no segundo semestre, e as inscrições terminam em agosto. SIMONE COSTA e DANIELA MACEDO daniela.macedo@abril.com.br 8# ARTES E ESPETÁCULOS 7.5.14 8#1 ARTE – A GUERRA DOS CEM ANOS 8#2 ARTE – LUZ NO FIM DO VÃO 8#3 CINEMA – CIRURGIA EXPLORATÓRIA 8#4 CINEMA – LÁ NO FUNDO, BATE UM CORAÇÃO 8#5 CINEMA – ONDE TUDO TERMINA 8#6 LIVROS – A CORAGEM ELEMENTAR 8#7 VEJA RECOMENDA 8#8 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 8#9 J.R. GUZZO – BRASIL BRASILEIRO 8#1 ARTE – A GUERRA DOS CEM ANOS O gaúcho Iberê Camargo atacava suas telas com duas armas: excelência técnica e vigor emocional. A mostra que festeja seu centenário comprova que ele foi o Pelé da pintura brasileira. MARCELO MARTHE Se a modesta história da arte brasileira coubesse numa refrega futebolística, o gaúcho Iberê Camargo (1914-1994) teria função bem definida em campo: ser o carrasco de camisa 9. Com o pincel na mão, em vez da bola no pé, ele partia para o ataque fulminante às telas. Por vezes, de jeito literal: após concluir as obras gigantes que deram o tom grave da fase final de sua carreira, nas quais figuras informes de olhos vazios fitam o espectador com arrepiante apatia, o pintor raspava a tinta sem dó, em ataques de fúria que podiam culminar na destruição das telas. Sua mulher, Maria, valia-se de uma piada para expor sua contrariedade nessas horas: "Minha vontade era construir um alçapão sob os pés do Iberê, para que, quando ele começasse a destruir o quadro, eu tivesse apenas de puxar uma corda e, pronto, lá se ia ele para baixo!". Esqueça o modernismo brejeiro de Tarsila do Amaral ou as bandeirinhas pueris de Alfredo Volpi: o Pelé da arte nacional no século XX foi Iberê Camargo. O momento é perfeito, aliás, para conferir ao homem sua devida estatura: uma retrospectiva em cartaz a partir deste sábado, dia 3, no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, abre oficialmente as comemorações do centenário de nascimento do artista conhecido pelos carretéis, pelos ciclistas e pelas já citadas figuras amorfas a que ele dava o nome de "idiotas". Os 140 óleos sobre tela, guaches, gravuras e desenhos reunidos em Iberê Camargo — Um Trágico nos Trópicos testemunham como o pintor, entrincheirado em seu ateliê, travou uma guerra monumental contra tudo o que era brandido como regra pelos luminares das artes de seu tempo. Solitárias eram, quase sempre, tais batalhas. Nascido em Restinga Seca, no Rio Grande do Sul, Camargo começou sua trajetória como um estranho num mundo essencialmente provinciano. Mais tarde, ao se mudar para a então capital do país, o Rio de Janeiro, o viés melancólico de sua obra destoava da irreverência e do colorido ufanista abraçados por boa parte dos medalhões do modernismo (nisso, tinha um único gêmeo espiritual: o gravurista Oswaldo Goeldi, que captava cenas de um Rio sorumbático bem distante do lugar-comum da "cidade maravilhosa"). Quando o barco virou para o lado dos concretistas, nos anos 1950, Camargo resistiu de forma heroica a ser levado de roldão por esse modismo de vanguarda. "É preferível ser um verme mas ser você mesmo", dizia. Ignorando os embates enfadonhos dos críticos sobre a suposta oposição entre a pintura abstrata e a figuração, ele trafegava de uma a outra conforme lhe dava na telha. A obsessão em pintar os carretéis com que brincava na infância foi inaugurada com o isolamento em seu ateliê carioca, em razão de uma hérnia de disco, em 1956. De repente, porém, os carretéis como que se desfizeram no ar, dando lugar a telas feitas de uma convulsão de cores e pinceladas grossas. No fim da vida, veio outra guinada extraordinária: ele passou a retratar patéticos ciclistas que transitam do nada a lugar nenhum, além das fantasmagóricas idiotas. Embora tenha obtido sucesso em vida, seu temperamento irascível o condenaria a ser um eterno outsider. Negando-se a fazer concessões ao gosto mediano, Camargo certa vez censurou um amigo por pintar quadros com motivos florais. "Flor foi um acesso de frescura que Deus teve", tascou. Pai de uma única filha, fruto de uma paixão da juventude, o artista se irritava com crianças. Incomodado com a algazarra de uma quadra ao lado de seu ateliê, transformou-o num bunker à prova de som. Paranoico com a violência do Rio de Janeiro, tinha porte de arma e envolveu-se num incidente que mancharia sua biografia. Em dezembro de 1980, o sexagenário pintor saiu de casa com sua secretária para comprar cartões de Natal. No caminho, teria sido agredido por um engenheiro — e matou o sujeito com dois tiros. O trágico dos trópicos, ironicamente, tinha algo em comum com o trágico-mor da pintura, o italiano Caravaggio (1571-1610): o estigma de assassino. Depois de um mês na cadeia e da absolvição por legítima defesa, ele voltou para seu estado de origem. É em Porto Alegre, num prédio estupendo projetado pelo arquiteto português Álvaro Siza, que hoje funciona a Fundação Iberê Camargo, de onde vem a maioria das obras da mostra. Mas voltemos ao principal: as razões que alçam Camargo a um lugar superior perante seus rivais nativos. Ele tinha uma fé inabalável na excelência técnica. Foi aluno do pintor metafísico Giorgio de Chirico, na Itália, e do reputado André Lothe, na França. E seu nome era trabalho: passava não raro mais de catorze horas por dia em busca da composição perfeita. Nesse ponto, sua obra tem muito a dizer ao Brasil atual. Inimigo do clima de esculhambação geral de que se via cercado, Camargo moveu uma cruzada pela redução de impostos para a compra de boas tintas importadas. Era ácido ao denunciar a "mediocridade do país gigante com cabeça de galinha". Mas o que torna seu trabalho arrasador e atemporal é aquela centelha que só os grandes artistas possuem. Camargo exprime suas angústias com tal transparência que estar diante de suas telas é como levar uma paulada. Como o próprio explicava: "Eu não nasci para enfeitar o mundo. Eu pinto porque a vida dói". 8#2 ARTE – LUZ NO FIM DO VÃO Mergulhado em nova crise, o Masp, o museu mais famoso do país, finalmente dá um passo para resgatar sua glória. Criado há 66 anos, o Museu de Arte de São Paulo — o Masp — é um tesouro nacional. Seu acervo de 8000 itens contém obras de Rafael, El Greco e Renoir. O conjunto, sem rival na América Latina, vale 2 bilhões de dólares. Instalado na Avenida Paulista, num prédio famoso do Oiapoque ao Chuí, o Masp é a instituição cultural mais visitada do país. As romarias para ver exposições como a devotada ao italiano Caravaggio (1571-1610), em 2012, são prova disso. Apesar de tantos trunfos, administrar o museu sempre foi um pepino. Na mais recente crise, o Masp, que é uma instituição privada, viu-se quase paralisado por um quadro agudo de anemia financeira. Além disso, a parceria com a operadora de telefonia Vivo para a construção de um edifício anexo emperrou, e o "mendigódromo" instalado no célebre vão livre criado pela arquiteta Lina Bo Bardi trouxe degradação a seu entorno. Emparedada por uma dívida de 12 milhões de reais, a gestão de Beatriz Pimenta Camargo, presidente do museu desde 2013, acaba de dar um passo histórico para romper com a crise crônica. Numa reunião de três horas, na última terça-feira, os dirigentes do Masp aprovaram mudanças de estatuto que deverão permitir uma dramática renovação de seu conselho e sua diretoria. A reforma era uma precondição do banco Itaú para atender a um pedido de ajuda feito pela gestão de Beatriz há cerca de três meses. O segundo passo será a eleição de um conselho ampliado dos atuais trinta para oitenta membros e de uma nova diretoria. "O Masp precisava mudar para oxigenar seus canais com a sociedade", diz Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural e um dos articuladores da negociação. "Inauguramos um período de transformações", comemorou a presidente do museu. De fato, a guinada não é pequena. Em 2008, durante outro apagão administrativo, o Ministério Público e as autoridades fizeram intensa pressão para que a sociedade fechada que dirige o Masp se abrisse — em vão. A costura política conduzida pelo Itaú ajudou a quebrar resistências, ao permitir uma abertura sem ruptura. Na semana passada, o banco socorreu o Masp com um aporte de 2 milhões de reais. As mudanças pretendem colocá-lo em sintonia com instituições como o americano MoMA, cuja gestão é conhecida pela eficácia em trazer doações e patrocinadores. "O desafio do Masp é adaptar-se à realidade dos museus do século XXI", diz o empresário Heitor Martins, ex-presidente da Fundação Bienal de São Paulo e provável futuro diretor do museu. O fato de o Masp ter rompido com seu isolamento é alvissareiro. Mas ainda há muito a fazer. MARCELO MARTHE 8#3 CINEMA – CIRURGIA EXPLORATÓRIA Camada por camada e fato por fato, o cineasta iraniano Asghar Farhadi, de A Separação, desencobre o tumulto por trás de um triângulo desamoroso no estupendo O Passado. ISABELA BOSCOV Ahmad retorna a Paris, vindo de Teerã, depois de quatro anos de ausência. Marie vai buscá-lo no aeroporto, mas diz que não reservou hotel para ele: da última vez, justifica ela, Ahmad dissera que viria e não veio. Eis então que, de volta à França para finalmente assinar os papéis do divórcio, o ex-marido terá de dividir um beliche com o pequeno Fouad — que, ele virá a descobrir, é filho de Samir, o homem com quem Marie agora pretende se casar. As meninas Lucie e Léa, filhas de um casamento anterior de Marie, estão felizes em rever Ahmad, que consideram um pai. Ainda assim, sua presença tão calma e sóbria catalisa perturbações. Por que Lucie (Pauline Burlet), a menina mais velha, odeia a ideia de que Samir (Tahar Rahim) venha a se casar com sua mãe, e por que Samir é em tudo tão reticente? Por que Fouad (Elyes Aguis) é uma criança tão arisca? Por que Marie (Bérénice Bejo) está em guerra com todos, e por que tem tantas acusações a fazer a Ahmad (Ali Mosaffa, o mais maravilhoso de todos os ótimos atores do elenco), se ele está ali, atendendo a todos os pedidos dela? Não é fácil navegar por entre as relações familiares de O Passado (Le Passé, França/ Irã/Itália, 2013), que estreia no país nesta quinta-feira — nem para o espectador nem para Ahmad, o elemento aparentemente neutro que se vê mergulhado nessa convulsão. Como no sensacional Separação, o filme anterior do iraniano Asghar Farhadi, aqui a discórdia, o ressentimento e a infelicidade são os frutos visíveis; as raízes a partir das quais eles vicejaram, porém, estão enterradas e recônditas, e nem mesmo os seus protagonistas sabem dizer que forma elas têm, ou onde foram plantadas. Como é seu hábito, Farhadi não deixa que as revelações surjam fáceis, e nunca elas são o que se espera: é preciso um paciente trabalho de escavação, fato por fato e camada por camada, para que venha à luz um pouco das razões de tanto tumulto. Mais complicado ainda é saber que lugar cabe a cada peça desencavada. Se em A Separação ou em À Procura de Elly o diretor trabalhava com um evento desencadeador, aqui o cenário se complica: em um complexo triângulo desamoroso como o formado por Marie, Ahmad e Samir, as possibilidades e ramificações são infinitas. Em dado momento, por exemplo, vai-se saber que Samir é casado, mas sua mulher está num coma que se acredita irreversível. Vai-se descobrir que Ahmad não se sentia bem na França, e foi ele quem abandonou o casamento com Marie — e que também a mulher de Samir é francesa. Mas as formas como essa biculturalidade infuencia o quadro estão longe de ser as óbvias. Mais e mais dados vêm à tona: Marie está grávida; ela escolheu o momento da visita de Ahmad para pintar sua casa já tão desorganizada; a mulher de Samir tentou se matar bebendo detergente industrial; houve uma briga entre ela e uma freguesa da lavanderia de Samir. A cada filme, Farhadi vem depurando um tema central com clareza crescente: a ideia de que só quando o presente recua e vira passado é que se conhece o impacto daquilo que se julgara serem fatos casuais, atitudes repentinas ou decisões encerradas. Muitas vezes, nem olhando para trás se saberá quais fatos, atitudes e decisões desaguaram no presente. Só o que se pode fazer é especular, e viver com a incerteza. Corrigir o rumo é uma impossibilidade. E valeria fazê-lo? E tudo o que veio junto com o desvio de rota, e que se perderia? Se aquilo que está oculto ou é ignorado pode ser desastroso, não menos importante, para Farhadi, é o perigo de se guiar pelo que está aparente — esse um ponto particularmente sensível para quem está sujeito a tantas preconcepções, em geral negativas, por sua simples nacionalidade. Em A Separação, um processo de divórcio servia para que o diretor expusesse a sociedade iraniana como tão heterogênea e fragmentada quanto qualquer outra, pulverizando assim tudo o que se dá como certo sobre a vida no Estado islâmico. Aqui, ele casa maridos de origem muçulmana com mulheres francesas para reforçar esse seu raciocínio anterior — de que o tão alardeado "choque cultural" pode ser bem mais complicado e também menos decisivo do que se crê — e demonstrar que certos dramas não têm pátria: são da natureza humana. Esta, ele vem dissecando em cirurgias penosas, para as quais não há descrição possível. É preciso olhar para as cavidades abertas e enfrentar o que se vê. Pior ainda seria não ver. E fica aí a dica para que se preste muita, mas muita atenção mesmo à última cena. 8#4 CINEMA – LÁ NO FUNDO, BATE UM CORAÇÃO Pena que a delicadeza do par central e do diretor de O Homem-Aranha 2 quase sempre termine soterrada pelos excessos da produção. Lançado apenas cinco anos após o encerramento da bem-sucedida trilogia dirigida por Sam Raimi, O Espetacular Homem-Aranha chegou aos cinemas, em 2012, com a pecha de supérfluo — e tratou de desmenti-la em todas as instâncias, da impecável escalação de Andrew Garfield e Emma Stone para o par central à direção em tudo acertada de Marc Webb. Se o Homem-Aranha de Raimi era um quadrinho efervescente, o de Webb era a história em escala humana do nascimento de um super-herói: um parto delicado, que só tinha êxito porque a vivaz e inteligente Gwen Stacy estava ali, ajudando Peter Parker a pôr em perspectiva sua nova persona, como uma igual e uma parceira de todos os momentos. Desde então, porém, o plano de negócios do gigante dos quadrinhos (e agora também do cinema) Marvel se revelou em sua real extensão. Produzindo os filmes de Thor, Capitão América, Homem de Ferro, Vingadores e Guardiões da Galáxia com a Disney, X-Men e Quarteto Fantástico com a Fox e Homem-Aranha com a Sony, entre outros empreendimentos, os estúdios Marvel viraram uma potência tentacular em que "mais" — mais tudo, mais qualquer coisa — é a palavra de ordem. As perdas que esse processo pode acarretar ficam evidentes em O Espetacular Homem-Aranha 2 — A Ameaça de Electro (The Amazing Spider-Man 2, Estados Unidos, 2014), já em cartaz no país: como no filme anterior, Marc Webb cuidadosamente faz da paixão entre Peter e Gwen a âncora e o coração do enredo. Mas é difícil ouvir os batimentos dele sob tanto barulho. Mais efeitos, mais vilões, mais trama, mais atores estrelados — tudo, em A Ameaça de Electro, é entregue com aquele estrondo que se convencionou ser o modo de operação dos filmes de super-herói. Mas muito redunda em decepção. O Electro de Jamie Foxx é um vilão apagado (Dane DeHaan se sai um tiquinho melhor no papel de Harry Osborn/Duende Verde). Quando Peter veste seu uniforme e voa por entre os edifícios de Nova York, ele vira aquilo que é, claro, mas não deveria parecer — uma mera animação digital. São tantas as subtramas com que se prepara o advento grandioso de um terceiro filme, e tantos portanto os clímax, que o verdadeiro desfecho, aquele que merece a investidura de toda a emoção e sentimento da plateia, meio que a pega desatenta para a importância do momento. Cenas excelentes desse ponto de vista, o do envolvimento (e algumas também da ação), há várias, porque Webb felizmente insiste em proteger seus personagens e a pungência de seus dramas. Mas tudo o que ele traz de especial para um filme do gênero é ao menos em parte soterrado pelos excessos da produção ou abafado pelo ruído. O Homem-Aranha não é um supersoldado como o Capitão América, um deus como Thor ou um megaindustrial como o Homem de Ferro; é um menino órfão e magrinho que mora com a tia, vive o primeiro amor e entende a vulnerabilidade das pessoas que têm de defender porque ele mesmo é frágil em tantos sentidos. Webb ainda entende isso muito bem. A Marvel, pelo jeito, não mais. ISABELA BOSCOV 8#5 CINEMA – ONDE TUDO TERMINA Em Entre Vales, de Philippe Barcinski, o lixão talvez não seja o fim da história, mas o ponto em que ela recomeça. Na primeira cena de Entre Vales (Brasil/Uruguai/Alemanha, 2014), que estreia nesta quinta-feira no país, o protagonista Vicente (Ângelo Antônio) é visto dirigindo perigosamente por uma estrada escura, enquanto bebe direto da garrafa e trava consigo mesmo um diálogo desconexo. Está claro que esse foi o ponto de inflexão em sua vida: daí por diante, o diretor Philippe Barcinski mostrará, alternadamente, dois Vicentes muito diversos. O Vicente original, por assim dizer, é o engenheiro e administrador de uma empresa de manejo de aterros sanitários que está prestes a ser arrancada dele pelo sócio estrangeiro, e que vive um casamento infeliz com a dentista Marina (Melissa Vettore). Para esse Vicente, já amargo, o filho Caio (Matheus Restiffe), de seus 10 anos, é tudo — o presente, o futuro e o consolo. O segundo Vicente, que de alguma forma trágica nasceu daquele primeiro, é um catador que vive entre as montanhas de dejetos e os urubus de um lixão paulista (fotografado por Walter Carvalho em todo o seu terror dantesco), sem identidade (nas raras vezes em que fala, apresenta-se como "Antônio") e reduzido à existência mais terrível e abjeta. Como do primeiro Vicente se pôde passar a este outro é a resposta que Barcinski — corroteirista em parceria com sua mulher, Fabiana Werneck Barcinski — constrói no decorrer do filme, com a deliberação e a inteligência que já demonstrara nos curtas-metragens Janela Aberta e Palíndromo e no seu longa de estreia, Não por Acaso, lançado em 2007. Um cineasta com o dom raro de casar uma racionalidade imperativa com sentimento verdadeiro, Barcinski tende menos a retratar os dramas de seus personagens que a equacioná-los. Só por isso seus filmes já constituiriam uma experiência recompensadora: ninguém, em suas narrativas, existe naquela redoma de emoções típica dos dramas íntimos; as pessoas são o que são e são também parte de algo maior — a vida na metrópole, por exemplo —, que as molda na mesma medida em que elas interferem no mundo à sua volta. Em Não por Acaso, o fluxo do trânsito e a geometria da sinuca eram os motes para falar das tentativas fúteis de dois homens de controlar o caos e o imprevisto. Aqui, a lógica é a da destinação de tudo o que se usou e então descartou, homens e vidas inclusive. No lugar onde se acredita que a história dos objetos e das pessoas termina Barcinski começa a tristíssima, e muito bela, história de Entre Vales. ISABELA BOSCOV 8#6 LIVROS – A CORAGEM ELEMENTAR Os cadernos de anotações de Albert Camus atestam a independência de um intelectual sem amarras ideológicas. EDUARDO WOLF “Não há criação verdadeira sem segredo", escreve Albert Camus (1913-1960) em uma passagem justamente famosa de seu ensaio O Mito de Sísifo (1942). Com o lançamento em português de seus cadernos de notas pessoais, o leitor brasileiro poderá se aventurar por alguns dos segredos de criação do escritor e pensador franco-argelino. Seguindo a divisão original das cadernetas escolares que Camus utilizava como uma espécie de laboratório de escrita e de reflexão, a editora Hedra publica agora os três primeiros títulos — A Esperança do Mundo, A Desmedida na Medida e A Guerra Começou, Onde Está a Guerra? (tradução de Raphael Araújo e Samara Geske; respectivamente 104, 134 e 138 páginas; 32 reais cada livro) — de um total de nove que serão lançados até o fim do ano. Com títulos extraídos das próprias anotações do autor, essa primeira leva dos cadernos cobre o período de maio de 1935 a fevereiro de 1942, às vésperas da publicação de O Estrangeiro. Lendo suas anotações, descobrimos como foi sendo gerado o escritor consagrado que ganharia o Nobel de Literatura em 1957, dois anos antes de sua morte, em um acidente de carro. Mais importante, compreendemos como aquele jovem pôde vir a ser identificado como a voz moral de uma era, atuante e influente durante os anos da Resistência Francesa, apenas para depois ser vilipendiado pela intelectualidade radical tão em voga nos anos do pós-guerra. As anotações do jovem Camus — ele tinha entre 21 e 28 anos no período desses cadernos — ora se assemelham a aforismos de pendor filosófico, ora a exercícios poéticos já bastante seguros do ponto de vista do estilo. Encontramos entre elas programas de trabalho ("Anotar todos os dias neste caderno. Em dois anos escrever uma obra"), bibliografias de estudo e roteiros para as obras que viriam a ser produzidas ao longo dos anos seguintes. O leitor de Camus terá o prazer de identificar versões preliminares de cenas, diálogos e descrições utilizadas depois em romances como O Estrangeiro e A Peste. Surgem também desde a primeira anotação os temas tradicionalmente associados ao autor — a filosofia do "absurdo" da existência, elaborada em O Mito de Sísifo, e uma certa obsessão do autor, órfão de pai na infância, pela relação entre mãe e filho. Também o caráter do intelectual público que seria referência nos terríveis anos da ocupação nazista da França vai se mostrando ao leitor nos registros que antecedem a eclosão da guerra. Quando ainda em 1937 Camus afirma que "só há uma questão: saber quanto se vale"; quando registra sua revolta por não poder combater durante a guerra (foi recusado por sofrer de tuberculose), está sendo forjado o homem que, a partir de 1944, estaria à frente do grupo Combat, escrevendo editoriais que dariam o tom humanista e progressista da vitória contra a ocupação nazista e da esperança de uma França renascida. Mas como, então, já a partir da publicação de A Peste, em 1947, Camus cairia em desgraça nos meios intelectuais franceses? Como é possível que, poucos anos depois de toda essa consagração, com a publicação de O Homem Revoltado (1951), cujas ideias já estavam presentes nesses cadernos, Sartre e seus colegas da revista Les Temps Modernes tenham feito de Camus uma figura quase risível para os intelectuais de Saint-Germain-des-Prés? Em 1960, o poeta polonês Czeslaw Milosz escreveu uma bela e pouco conhecida homenagem a Camus por ocasião de sua morte. Milosz, que depois também ganharia o Nobel, vivia exilado em Paris, fugido dos horrores do stalinismo em sua pátria, onde experimentara na pele o terror político que os radicais franceses — Sartre à frente — cultuavam, cheios de sua erudição de gabinete. Segundo Milosz, os intelectuais franceses eram dados a opinar sobre tudo, "da situação do Texas à política na Polônia", armados de uma certeza que lhes era garantida por sua ideologia hegeliana e marxista. Havia uma exceção: Albert Camus, que nunca se entregou às amarras ideológicas de sua geração, foi dos poucos intelectuais ocidentais a estender uma mão amiga ao poeta perseguido no exílio. Como bem mostram os cadernos, o escritor francês (que foi filiado ao Partido Comunista por dois anos, mas acabou expulso em 1937) não demonstra nenhum interesse pelas doutrinas marxistas. São as tragédias gregas que o animam, é a filosofia de Nietzsche que o inquieta, é sobre Santo Agostinho que ele escreve sua tese de filosofia, e serão sempre Dostoievski e as perguntas acerca da condição humana, da moralidade e da responsabilidade — e não os temas da revolução e do terror político, enaltecidos por Sartre — que o levarão a suas formulações sobre o sentido da existência e sobre o "absurdo". Em O Mito de Sísifo, Camus dirá que os heróis de Dostoievski se interrogam pelo sentido da vida, e nisso são modernos: "Não temem o ridículo". Também Camus não o temia, e por isso exibiu uma coragem que faltou a muitos de seus contemporâneos, sintetizada perfeitamente por Milosz: Camus teve "a coragem de dizer as coisas mais elementares". Tão elementares como dizer não ao terror, e sim ao poeta refugiado. 8#7 VEJA RECOMENDA CINEMA LONGWAVE — NAS ONDAS DA REVOLUÇÃO (LES GRANDES ONDES (À L'OUEST), SUÍÇA/PORTUGAL/FRANÇA, 2013. JÁ EM CARTAZ NO RIO DE JANEIRO E NO DIA 8 EM SÃO PAULO) • Em 23 de abril de 1974, uma desencontrada equipe da rádio pública suíça desembarca em Portugal para fazer uma série de reportagens sobre a ajuda de seu país a uma nação "menos desenvolvida, mas que ainda assim nos é simpática", conforme diz a propaganda institucional. O velho Cauvin (Michel Vuillermoz) é um ícone do jornalismo — mas está perdendo a memória. A jovem Julie (Valérie Donzelli) se acredita uma intrépida feminista, porém sua experiência é quase nula. O veterano técnico de som Bob (Patrick Lapp) acha que já viu de tudo. Surpresas o aguardam: acompanhados de Pelé (Francisco Belard), um rapaz que eles improvisam como intérprete, os três se embrenham pelo interior português perseguindo pautas insignificantes, sem suspeitar que, em Lisboa, está se armando a Revolução dos Cravos, que depôs uma ditadura de décadas (e completou quarenta anos no último dia 25). Ligeira e espirituosa, esta comédia satiriza não só seus distraídos personagens, como o próprio levante. É impagável a cena em que Cauvin discursa em pseudo-português aos revolucionários — e é ovacionado. DISCOS GOING BACK HOME, WILKO JOHNSON E ROGER DALTREY (UNIVERSAL) • Em 2013, Wilko Johnson, ex-guitarrista da banda Dr. Feelgood, foi diagnosticado com câncer no pâncreas. O médico recomendou que o músico fizesse sessões de quimioterapia para prolongar sua vida por mais alguns meses. Johnson preferiu trabalhar até morrer. Fez uma ponta no seriado Game of Thrones (é o carrasco que decepa a cabeça de Sean Bean), caiu na estrada com sua banda e gravou este magnífico álbum com Roger Daltrey, vocalista do The Who. Em apenas uma semana, Daltrey, Johnson e sua banda registraram onze faixas, de covers de Bob Dylan (Can You Please Crawl Out Your Window) a composições do guitarrista no Dr. Feelgood e na carreira-solo. Embora sejam de períodos distintos do rock inglês — Daltrey é um fruto dos anos 1960; Johnson surgiu no início do punk rock com um gênero balizado de pub rock —, os dois compartilham as mesmas matrizes: blues, rhythm'n'blues e rock americanos. Daltrey mostra uma empolgação que andou em falta nos últimos lançamentos do Who. Going Back Home não foi lançado em CD no Brasil, mas está disponível em lojas digitais. KIN, PAT METHENYUNITY GROUP (WARNER) • O guitarrista americano Pat Metheny fez fama e fortuna na década de 70, período em que o jazz foi dominado por músicos de fusion (mistura de jazz com rock). O timbre limpo de sua guitarra e os dedilhados suaves foram abraçados por um público que confundia jazz com música de fundo para conversas — ainda que Metheny seja superior a qualquer outro nome dessa vertente mais comercial do jazz. O guitarrista, no entanto, sempre equilibrou esse lado acessível com trabalhos experimentais, entre eles discos em parceria com o saxofonista de free jazz Ornette Coleman e com o pianista Brad Mehldau. Kin, o mais recente lançamento de Pat Metheny, faz uma ponte entre esses dois mundos. Metheny e seu Unity Group, que tem entre seus integrantes o soberbo saxofonista Chris Potter e o multi-instrumentista Giulio Carmassi, se desdobram em nove temas, que vão de canções pop e com influências de R&B (respectivamente, Born e We Go On) a longos temas instrumentais, que proporcionam um show particular de cada membro do grupo. Potter, por exemplo, colabora com um solo harmonioso na faixa-título, enquanto Carmassi toca nada menos que onze instrumentos em On Day One. LIVRO GAROTO ZIGUE-ZAGUE, DE DAVID GROSSMAN (TRADUÇÃO DE GEORGE SCHLESINGER; COMPANHIA DAS LETRAS; 424 PÁGINAS; 43 REAIS ou 30 REAIS NA VERSÃO DIGITAL) • Aos 13 anos, às vésperas de seu bar mitzvah, Amnon Feierberg — mais conhecido como Nono — embarca em uma viagem de trem de Jerusalém até Haifa, onde deve passar dois dias com um tio chato. Nono teme que, nesse curto período longe de casa, se rompa de vez a relação do pai, um detetive de polícia, com a namorada, Gabriela, que vem ocupando o lugar de mãe na vida do garoto. Mas ele não chegará a seu destino: no trem, Nono acaba se associando a Felix Glick, tipo duvidoso que já fora preso por seu pai. O espertalhão vai apresentar o menino a uma vida de pequenos golpes e transgressões, como ludibriar garçons para sair do restaurante sem pagar. Nono é tido como vítima de sequestro e procurado por todo o país, mas está, na verdade, gostando da ideia de ser um vigarista. Mais importante, Felix faz revelações sobre seu passado e sobre sua mãe. Lançado em Israel nos anos 1990, Garoto Zigue-Zague, com sua fantasia juvenil e vibrante, já mostrava as qualidades narrativas que fariam de Grossman um dos autores mais conceituados do país. TELEVISÃO 100 ANOS DE SELECÃO BRASILEIRA (ESTREIA SÁBADO 3, ÀS 22H30, NO NAT GEO) • "Os ingleses inventaram o futebol e depois não souberam o que fazer com ele", diz o jornalista Mauro Beting nos primeiros minutos de 100 Anos de Seleção Brasileira, documentário em cinco episódios que ele dirige ao lado de Ricardo Aidar. O caminho para que o futebol se tornasse o esporte mais popular do mundo passa, de modo decisivo, pelo Brasil. Cabe ao paulista Charles Miller, filho de pai escocês e mãe brasileira, o crédito por ter trazido a bola, as chuteiras e as regras do esporte para o país, que em 1914 já tinha sua seleção de futebol. No documentário, os casos mais saborosos são lembrados por um time de craques co,o Pelé, Amarildo, Rivelino, Zico, Robinho, David Luiz e Neymar. Além do programa, o projeto inclui um livro de fotos históricas, nas quais se revisa a Copa do Mundo desde sua criação pelo francês Jules Rimet, nos anos 1920, até os dias contemporâneos, em que o evento é acompanhado ao redor do mundo. Há imagens impressionantes, como a foto aérea do Maracanã na Copa de 1950, em dia de jogo, com um precário entorno repleto de lixo e obras incompletas. 8#8 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA 2- Divergente. Veronica Roth. ROCCO 3- Insurgente. Veronica Roth. ROCCO 4- Quem É Você, Alasca? John Green. MARTINS FONTES 5- Convergente. Veronica Roth. ROCCO 6- Adultério. Paulo Coelho. SEXTANTE 7- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA 8- A Menina que Roubava Livros. Markus Zusak. INTRÍNSECA 9- O Teorema Katherine. John Green INTRÍNSECA 10- A Guerra dos Tronos. George R.R. Martin. LEYA BRASIL NÃO FICÇÃO 1- Demi Lovato – 365 Dias do Ano. Demi Locato. BEST SELLER 2- Sonho Grande. Cristiane Corrêa. PRIMEIRA PESSOA 3- Assassinato de Reputações. Romeu Tuma Jr. TOPBOOKS 4- 1889. Laurentino Gomes. GLOBO 5- O Tempo É um Rio que Corre. Lya Luft. RECORD 6- 1808. Laurentino Gomes. PLANETA 7- O Livro da Psicologia. Nigel Benson. GLOBO 8- A Estrela que Nunca Vai Se Apagar. Esther Earl. INTRÍNSECA 9- O Livro da Política. Vários. GLOBO 10- O Livro da Economia. Vários. GLOBO AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros. Augusto Cury. BENVIRÁ 3- Kairós. Padre Marcelo Rossi. PRINCIPIUM 4- Casamento Blindado. Renato e Cristiane Cardoso. THOMAS NELSON BRASIL 5- Foco. Daniel Goleman. OBJETIVA 6- Eu Me Chamo Antonio. Pedro Gabriel. INTRÍNSECA 7- O que Falta para Você Ser Feliz? Dominique Magalhães. GENTE 8- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 9- Crianças Francesas Não Fazem Manha. Pamela Druckerman. FONTANAR 10- Eu Não Consigo Emagrecer. Pierre Dukan. BEST SELLER 8#9 J.R. GUZZO – BRASIL BRASILEIRO Voltou a ser moda no mundo político brasileiro falar mal de São Paulo; aparentemente, essa velhacaria parida pelo ressentimento e pela demagogia foi incluída de novo na caixa de ferramentas dos heróis da nossa vida pública. Para muitas estrelas do PT é uma tentativa de enfiar-se no coro contra as elites inventado pelo ex-presidente Lula — num desses repentes de inspiração que só ele tem para criar inimigos imaginários, em cima dos quais pode jogar a culpa de tudo sem citar o nome de ninguém. São Paulo, segundo essa visão, seria o covil mais perigoso das "elites brasileiras" de hoje. Trata-se, também, de um alvo multiuso. Serve tanto para o infeliz deputado André Vargas como para o senador José Sarney. Serve para governadores calamitosos, que tentam explicar seus fracassos inventando que São Paulo fica com "todos os recursos do país". Serve para a defesa de qualquer corrupto — estão sendo "linchados", costumam dizer, porque combatem "os interesses da elite paulista". Serve para rebater denúncias contra aberrações como a compra da refinaria de Pasadena ou a construção da refinaria Abreu e Lima, próxima ao Recife; tais denúncias, dizem os suspeitos, são armadas por elitistas de São Paulo, que querem "privatizar a Petrobras" e não se conformam com o avanço industrial de Pernambuco. Junta-se à tropa, agora, o governador do Acre, Tião Viana, que acusa São Paulo de abrigar elites culpadas pelo triplo delito de preconceito, racismo e tentativa de "higienização" contra imigrantes haitianos. Recentemente, uma secretaria do governo paulista havia reclamado que em três dias vieram do Acre para São Paulo três vezes mais haitianos do que nos últimos três anos — todos com passagens entregues por funcionários do governo acriano, incapaz de lidar com a massa de imigrantes do Haiti que vem se acumulando em seu território. O governador, um servidor opaco do médio clero do PT, estava apenas aplicando o velho golpe dos grão-senhores que reinam nos fundões mais atrasados do Brasil: combater a miséria através da exportação dos miseráveis. Mas não resistiu à tentação de enfiar na história a "elite paulista", embrulhando com palavrório ''ideológico" o que é uma simples trapaça para esconder sua inépcia. Esse gigante da luta de classes, como alguns ainda podem se lembrar, é o mesmo senador Tião Viana que em 2009 tentou empurrar para o Senado Federal uma conta de 15.000 reais que sua filha gastou com ligações no celular durante uma viagem particular de duas semanas ao México; só pôs a mão no bolso para devolver esse dinheiro aos cofres públicos depois que o caso foi revelado pela imprensa. Os outros militantes anti-São Paulo não estão muito acima. Até caciques do PT, como o secretário paulistano de Transportes, já chegaram a afirmar que "São Paulo é a cidade mais reacionária do Brasil". O ex-deputado cearense Ciro Gomes, nascido em São Paulo, é outro que gosta de bater bumbo nessa banda. Tempos atrás, veio com uma teoria bem estranha. Pelo que deu para entender, ele acha que São Paulo "não é bem o Brasil"; seria uma espécie de território estrangeiro, habitado por gente que talvez nem devesse ter pleno direito à nacionalidade brasileira, por lhe faltar "brasilidade". Esse tipo de devaneio, comum entre políticos do Nordeste, talvez venha da impressão de que São Paulo é o bairro dos Jardins, o único que conhecem. O deputado poderia passar uma ou duas horas num dos outros 500 jardins que há na cidade. Poderia ir, por exemplo, ao Jardim Peri-Peri ou ao Jardim Quá-Quá; teria oportunidade de verificar, então, se está ou não no Brasil. São Paulo, gostem ou não, é a mais brasileira das cidades do Brasil — nenhuma outra, nem de longe, é o lar de tantos brasileiros vindos de outros estados. Tem 3 milhões de habitantes nordestinos, mais que qualquer cidade do Nordeste. A eles se somam os filhos, netos e bisnetos das massas vindas do Norte — os verdadeiros paulistanos de hoje. "Elite branca", na cidade onde milhões de moradores formam a maior mistura de etnias de todo o Brasil? A cidade mais reacionária do país? São Paulo é onde o Brasil descobriu, com os imigrantes estrangeiros, que existia algo chamado "trabalho". Foi em São Paulo que o Brasil ouviu pela primeira vez a palavra "greve", e os senhores da corte no Rio de Janeiro ficaram sabendo de uma novidade revolucionária — a de que um trabalhador era um ser diferente de um escravo, precisava ser pago e tinha direitos. O ex-presidente Lula nunca teria existido sem São Paulo; não é com Acre ou Ceará, esses paraísos de progressismo político onde a "elite branca" já foi varrida do mapa, que se constroem mudanças assim.