0# CAPA 2.7.14 VEJA www.veja.com Editora ABRIL Edição 2380 – ano 47 – nº 27 2 de julho de 2014 [descrição da imagem: um bolo, para festa, de dois andares. Entre um e outro estão duas faixas, um verde e outra amarela. Acima, também como enfeite do bolo, está escrito, em verde, Plano Real, e em amarelo, 20 anos. Bem em cima do bolo, uma bomba com um relógio marcando dez para as oito. O ponteiro que marca a hora de despertar está no número 9] PLANO REAL 20 ANOS O plano que matou a hiperinflação, estabilizou a economia e fez do Brasil um país sério corre o risco de explodir MAIS: a inflação real de 50 produtos e serviços de 7 perfis de consumidores faixa superior da capa [descrição da imagem: dois torcedores de futebol, um rapaz, do Brasil, e uma mulher, não sei dizer de onde] ESPECIAL COPA POVO BRASILEIRO A arte de bem receber os estrangeiros ESTADOS UNIDOS A Copa bate recordes de audiência na televisão CRAQUES Os jogadores diferenciados são decisivos nas partidas COSTA RICA Como o Davi virou Golias NÃO MORDERÁS A agressão do uruguaio Suárez supera em bizarrice a cabeçada de Zidane em 2006. ______________________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# ECONOMIA 5# INTERNACIONAL 6# COPA 7# GUIA 8# ARTES E ESPETÁCULOS _________________________________ 1# SEÇÕES 2.7.14 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – O PLANO QUE SALVOU O BRASIL 1#3 ENTREVISTA – RICARDO FERRAÇO – O TORDESILHAS DO SÉCULO XXI 1#4 LYA LUFT – O MELHOR GOL 1#5 LEITOR 1#6 RODRIGO CONSTANTINO – BRASIL X CHILE 1#7 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM SUCESSO HEREDITÁRIO Em seu novo livro, The Son Also Rises, o economista escocês Gregory Clark, da Universidade da Califórnia, afirma, com base em informações genealógicas e estatísticas coletadas em nove países sobre milhares de famílias, que a ascensão social duradoura — aquela que beneficia não apenas um indivíduo, mas também seus descendentes — é um fenômeno raro e pouco influenciado pela adoção de políticas sociais. Segundo Clark, a prosperidade, a longo prazo, parece estar determinada por fatores culturais, e talvez até genéticos. "Governos podem fazer muitas coisas para melhorar a vida das pessoas, mas nenhuma política parece capaz de quebrar a divisão estrutural da sociedade em linhagens de sucesso e de pobreza", diz em entrevista ao site de VEJA. A EDUCAÇÃO NOS TRIBUNAIS Em 2012, nove estudantes da Califórnia pediram na Justiça a revogação da lei que dava estabilidade a professores de escolas públicas. O objetivo era impedir que maus docentes continuassem na rede. Há três semanas, veio o veredicto: favorável ao pedido - e inédito nos Estados Unidos. Testemunha no processo, John Deasy, superintendente de Educação de Los Angeles, explica a VEJA.com a posição tomada no tribunal, em um tema que merece reflexão também no Brasil: "A questão central não é demitir maus professores, mas garantir ensino de qualidade às crianças. É um direito constitucional". O FIM ESTÁ PRÓXIMO A humanidade está com os dias contados. Pelo menos é nisso que acredita a nova leva de séries da TV americana. Reportagem no site de VEJA mostra que a criatividade para acabar com a espécie humana (ou o planeta inteiro) é ilimitada. As tramas são recheadas de alienígenas, pandemias, zumbis, guerras e até anjos como agentes apocalípticos. Entre elas está The Leftovers, que estreia na HBO, em 29 de junho, no Brasil e nos Estados Unidos. Nela, o arrebatamento bíblico dá cabo de 2% da população terrestre. FUTEBOL NO TABLET E NO IPHONE Acompanhe todos os lances da Copa do Mundo nas edições eletrônicas diárias produzidas por VEJA e PLACAR, disponíveis em tablets e iPhones sempre às 7 da manhã, grátis. Elas trazem os resultados, as histórias, os dramas e as glórias das partidas da jornada anterior e um guia completo do que acontecerá ao longo do dia que se inicia. 1#2 CARTA AO LEITOR – O PLANO QUE SALVOU O BRASIL Vinte anos é mais do que suficiente para um país com a fama de a cada quinze anos apagar da memória todo o seu passado enxergar o Plano Real como um evento perdido no tempo. Contribuiu para essa distorção a pregação feita pelos governos do PT com o objetivo de anular os méritos do então presidente da República, Itamar Franco, de seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, e dos economistas pais do Real. Primeiro, porque o PT foi contra o Plano Real — o que não impediu que Lula, por pragmatismo e sabedoria, não mexesse nos seus fundamentos durante os oito anos no Palácio do Planalto. Segundo, porque faz parte do salvacionismo petista a tese de que a chegada do partido ao poder significou o advento da primeira era de luz para o Brasil, que, antes dele, era um país imerso na escuridão. Uma reportagem desta edição de VEJA revisita as circunstâncias em que o Plano Real surgiu e mostra como sua implantação exigiu um esforço hercúleo de convencimento da opinião pública brasileira, então totalmente descrente da possibilidade de um dia viver sem o martírio da hiperinflação. O Real tirou a economia brasileira do caótico turbilhão inflacionário, colocou-a em um círculo virtuoso de crescimento com estabilidade monetária, transparência, valorização de preceitos racionais e responsáveis de gestão pública. Pilares do Plano Real, o combate à inflação, o câmbio flutuante e o superavit primário — resultado de quanto o governo economiza das receitas depois de seus gastos e antes de pagar os juros da dívida pública — foram conquistas de toda uma geração de brasileiros e precisam ser preservados como valioso patrimônio público. A inflação é o mais cruel dos impostos, pois atinge mais brutalmente os mais pobres. Ao acabar com a hiperinflação, o Plano Real teve um efeito social raramente enfatizado como deveria, uma distribuição mais equitativa da renda. A reportagem conclui tristemente que os pilares garantidores da tão buscada estabilidade estão sendo corroídos. A inflação, mascarada pela contenção artificial dos preços da gasolina e das contas de luz, tem ignorado o aumento dos juros, sinaliza chegar a 6,5% em dezembro e está sendo contida no curto prazo pelo controle do câmbio pelo Banco Central. Isso significa que os dois primeiros pilares do Real foram para o espaço — a inflação voltou a assustar e o câmbio deixou de flutuar. O terceiro, o superavit primário, vem sendo atingido por meio de manobras contábeis que desvirtuam por completo sua função primordial de indicar o controle eficiente de gastos pelo governo. Tudo perdido? Não. Mas, se nenhum erro fatal e irreparável foi cometido pelo governo até agora, substituir por medidas corretas todos os remendos vai ter um custo social alto que se manifestará na forma de estagnação econômica duradoura, com queda de investimentos produtivos e aumento do desemprego. Em seu vigésimo aniversário, o Plano Real enfrenta os maiores desafios de sua curta história. Seu destino está nas mãos dos eleitores que vão às urnas nas eleições presidenciais de outubro. Cabe aos donos dos votos exigir de seu candidato preferido o compromisso com a retomada das mesmas condições que, pela implantação do Real, abriram para os brasileiros um inédito período de crescimento sustentável e justiça social. 1#3 ENTREVISTA – RICARDO FERRAÇO – O TORDESILHAS DO SÉCULO XXI O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado diz que o governo federal escolheu o lado errado da linha imaginária, agora ideológica, que divide a América Latina. DUDA TEIXEIRA O capixaba Ricardo Ferraço (PMDB-ES) assumiu a presidência da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado em fevereiro de 2013 com uma promessa. "A comissão tinha de deixar de ser um cartório, que simplesmente homologava o nome das indicações presidenciais para as missões diplomáticas", diz Ferraço. Com ele no comando, a comissão tornou-se um contraponto às políticas seguidas pelo Palácio Itamaraty. Apesar de pertencer a um partido da base governista, Ferraço tem sido crítico e severo com o Executivo. Recentemente, por exemplo, a indicação para o próximo embaixador brasileiro em La Paz, capital da Bolívia, foi "sobrestada", ou seja, tirada da pauta. O posto continuará vago até que Ferraço e os outros membros da comissão recebam esclarecimentos convincentes sobre as relações bilaterais com o país do presidente Evo Morales. O senador de 50 anos concedeu a seguinte entrevista a VEJA. Por que o Senado brasileiro deve se preocupar com os problemas internos de países vizinhos, como a Venezuela? No caso específico da Venezuela, os problemas que ela enfrenta também são nossos porque se trata de um membro do Mercosul. Uma das cláusulas mais importantes do bloco econômico é aquela que prioriza a democracia e a liberdade de expressão. O governo brasileiro não pode se fazer de morto quando esses valores são suprimidos. É uma questão de autodefesa. Ao promovermos a democracia dentro do Mercosul, também apontamos aquilo que não queremos que aconteça dentro de nosso próprio país. Nossa sociedade tem de estar muito vigilante e alerta. Quando vemos a oposição venezuelana sendo massacrada, violentada e invadida em suas prerrogativas, não podemos ser coniventes. Temos de dizer ao mundo e aos nossos parceiros o que consideramos relevante e declarar o que queremos para nós mesmos. O senhor encaminhou à Organização dos Estados Americanos (OEA) e ao chanceler Luiz Alberto Figueiredo uma carta da deputada venezuelana María Corina Machado, que foi agredida e ameaçada de morte. Recebeu alguma resposta? Nenhuma. María Corina teve seu mandato cassado por fazer oposição ao presidente venezuelano Nicolás Maduro, sem direito a defesa. Foi um rito sumário. Maduro foi eleito democraticamente, mas ao longo de seu mandato já deixou evidente que está levando seu país para uma ditadura. É algo que claramente vai na contramão dos princípios expressos na Constituição brasileira, que devemos defender. Apesar disso, Figueiredo não me respondeu. Ele foi enviado à Venezuela para tentar um acordo entre o governo e a oposição, mas não conseguiu chegar a consenso algum. O Brasil perdeu qualquer capacidade de influenciar a situação depois que a Unasul se colocou ao lado de Maduro. Isso tirou a nossa neutralidade e, com ela, também a credibilidade. Em agosto, o senador boliviano Roger Pinto Mofina, após passar mais de um ano na embaixada brasileira em La Paz, fugiu para o Brasil com a ajuda do diplomata Eduardo Saboia. O que o episódio revela sobre a política externa do governo Dilma Rousseff? O Brasil decidiu dar asilo político ao senador após analisar detalhadamente seu caso. Ele era um opositor do presidente Evo Morales e estava sendo perseguido por denunciar as relações entre altas autoridades do governo boliviano e narcotraficantes. Esse tema é da maior gravidade para a nossa sociedade. O presidente Morales publicamente estimula a produção de coca em território boliviano, e todos sabemos quanto a droga e a cocaína importada da Bolívia infernizam a vida dos brasileiros. No meu estado, o Espírito Santo, cerca de 80% dos homicídios têm relação com o tráfico e o consumo de drogas. A concessão do asilo foi uma atitude soberana e unilateral de um Estado. Mas o senador não pôde sair da embaixada em La Paz porque Morales se recusou a dar um salvo-conduto para que ele viesse ao Brasil. Recentemente, revelou-se que a chancelaria brasileira o teria procurado, ainda na embaixada onde estava refugiado, para propor que abrisse mão do asilo político e fosse para outro país. Essa proposta contrariou todo o histórico de princípios e valores que regem nossa diplomacia. Quando Roger Pinto chegou a Corumbá, o senhor usou o jatinho de um empresário amigo para levá-lo a Brasília. Há um conflito de interesses aí? Eu não solicitei esse avião para meu uso privado, mas para uma causa humanitária. Se precisasse, faria de novo. O que leva o governo e o Itamaraty a dar as costas a políticos estrangeiros que sofrem perseguição política, como Maria Corina ou Roger Pinto? O erro está em submeter a política externa, que deveria buscar os interesses de Estado, a uma política de governo. Mais do que isso, submetê-la aos ditames do partido hegemônico no momento, o PT. Isso explica a assimilação automática de políticas chavistas no Brasil. O debate que está vindo por aí em torno do controle dos meios de comunicação é algo que já vimos na Venezuela e na Argentina. Aqui, há aqueles que querem reproduzir a mesma coisa, mas estou seguro de que não encontrarão nenhum espaço no Brasil. São posturas que seguem diretrizes ideológicas e que não podem ir adiante, sob o risco de contrariar nossos interesses nacionais e enfraquecer nossa democracia. De que ideologia o senhor está falando? Do bolivarianismo. O governo brasileiro está fazendo uma opção pelo que há de mais atrasado e populista. A América Latina está dividida em duas, como no antigo Tratado de Tordesilhas. O lado do Pacífico, que inclui países como Colômbia, Peru, Chile e México, adotou o que há de mais dinâmico em economia e desfrutou muita prosperidade com isso. Eles fizeram vários acordos comerciais, incentivaram a indústria e ampliaram as oportunidades para seus empreendedores, gerando mais empregos. Do lado do Atlântico estão os países mais atrasados, como Venezuela, Bolívia e Argentina. Eles seguiram caminhos que já sabemos que não levarão a lugar algum. O comércio está estagnado e seus governantes, mesmo tendo sido eleitos pelo voto direto, têm forte inclinação para violar princípios civilizatórios. Estão todos a caminho de tornar-se ditaduras. É com eles que o Brasil tem preferido fazer alianças, por afinidade ideológica ou por causa de relações pessoais com os presidentes Nicolás Maduro e Evo Morales. Fora isso, não existe nenhuma outra orientação? Vivemos um apagão em política externa. Estamos em um voo cego. Nossa presidente não lidera e também não delega poderes. A ausência de estratégia a médio e a longo prazo é um fato absolutamente verdadeiro. Tudo o que vemos é uma sucessão de improvisos. Não se sabe aonde se quer chegar. Os dois últimos presidentes, Lula e Fernando Henrique, tinham aptidão para o tema, uma característica que falta à nossa presidente. Em raros momentos da história brasileira a chancelaria foi tão pouco prestigiada. Tradicionalmente, o Itamaraty abre um concurso público anual para 100 diplomatas. No último, houve apenas dezoito vagas. Há uma contenção orçamentaria muito grande, um esvaziamento. O Itamaraty se apequenou. Essa instituição nunca teve tão pouco prestígio como no atual governo. É uma pena, pois é lá que estão alguns dos mais experientes e capacitados funcionários públicos que temos. As novas gerações de diplomatas do Itamaraty também comungam da ideologia bolivariana? Muitos estão tendo de se submeter a essa lógica para manter o cargo e o salário. Vários têm medo de expressar o que pensam. Participei recentemente dos debates para a montagem do Livro Branco da Política Externa Brasileira. Foi uma tentativa de fazer um balanço com vários académicos e profissionais de diversas entidades sobre a nossa política externa. Queríamos dar um viés estratégico à coisa. Mas já percebi que essa discussão não chegará ao governo. O Itamaraty está totalmente fechado. O que se comenta é que há um chanceler de direito, o Luiz Alberto Figueiredo, e um chanceler de fato, o Marco Aurélio Garcia, assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República. Marco Aurélio Garcia contínua dando as cartas na política externa do governo petista? Não tenho nenhuma dúvida. Na abertura e no encerramento dos debates para o Livro Branco ficou claro que havia ali um comando duplo. Figueiredo abriu os trabalhos. Garcia os fechou, coroando toda a discussão. Em fevereiro, o senhor pediu informações sobre o contrato do BNDES que financiou o Porto de Mariel, em Cuba. Solicitou dados como o valor já pago por Cuba, as garantias e a expectativa de retorno financeiro. Conseguiu descobrir algo? Não tive retorno algum. Não acho errado investir no exterior, para que companhias nacionais tenham presença na região. A questão central continua sendo por que fizeram isso sob sigilo. A transparência é uma boa conselheira em qualquer circunstância da atividade pública. Por que uma operação dessas deve ficar em segredo se estamos todos convencidos de que é importante para o Brasil e para a América Latina? A recusa do governo em dar informações nesse caso é indefensável. Há muitas empresas brasileiras aproveitando-se das boas relações com o governo para ter seus projetos no exterior aprovados com mais facilidade? Acho que sim, mas acho também que atualmente essas companhias estão bem pouco à vontade. A Venezuela tem uma dívida superior a 3 bilhões de reais com firmas brasileiras que apostaram nessas relações. O nível de inadimplência está fora da curva, e vários segmentos empresariais brasileiros já se retiraram dessas negociações, pois não estão dispostos a se submeter a suas regras e riscos. Esses países têm problemas com o câmbio, e as reservas internacionais estão muito baixas. Os contratos entre empresas e outros países foram forjados muito mais em torno de relações pessoais do que em termos estáveis e previsíveis. Por causa disso, não têm muita garantia. Isso é extremamente perigoso. O risco de calote está posto. Dilma não dá nenhum valor à política externa. Ela crê que pode resolver tudo só olhando para dentro das nossas fronteiras. Fernando Henrique Cardoso também viajou para Cuba quando era presidente e apertou a mão de Fidel Castro. Qual a diferença para as relações que Lula e Dilma estabeleceram com o regime cubano? Quando Fernando Henrique foi a Havana, acredito que ele estava flertando com um certo saudosismo do tempo em que militou na esquerda, durante a ditadura. Mas ele não transigia quanto ao respeito aos direitos humanos. Também soube guiar a política externa segundo os interesses do Estado, e não de seu partido. Com Lula e Dilma, as viagens tinham outro viés. Em 2007, quando o Brasil deportou os boxeadores cubanos Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, ficou claro que se tratava de uma orientação partidária. Esse tipo de coisa não existiu no governo FHC. O senhor é do PMDB, um partido aliado ao governo Dilma. Já recebeu alguma pressão para amenizar o tom? Nunca recebi coerção, tampouco aceitaria isso. Dentro do meu partido, também tenho sido um crítico. Acredito que o PMDB é sócio de um modelo esgotado. Na última convenção, votei contra a aliança com o PT. O presidencialismo de coalizão só funciona quando se tem uma base constituída em torno de um projeto. Esse requisito é fundamental para aprovar as emendas constitucionais que interessam ao país. Dilma conta com uma base ampla, mas não tem mais um projeto. Ninguém governa um país assim. Nos últimos anos, o que se fez foi varrer para debaixo do tapete as transformações de que o país precisava para ganhar competitividade internacional. O Brasil hoje carece de um projeto de nação. 1#4 LYA LUFT – O MELHOR GOL Interessante, nestes dias de Copa do Mundo, observar os dois países dentro de um só Brasil. Na verdade são vários, mas eu hoje destaco dois: aquele que nos preocupa e preocupava, com violência, infrações e impunidades, politicagem e corrupção, insegurança e tantas mazelas por resolver. Outro, o que nas arenas e ruas torce, sofre, celebra, se une, se diverte, confraterniza com tantas diversas nacionalidades e raças: este deveria, utopicamente, perdurar, mas sabemos que festa dura o tempo da festa. Que as sobras sejam mais vantagens do que perdas deve ser a nossa torcida maior, e que a gente não perca a noção de realidade, isto é, aquilo com que precisamos nos preocupar, especialmente num ano de eleições. Porque não somos um povo que se contenta com "pão e circo", com que se tentava acalmar a crescente insatisfação do povo romano antigo. Somos, devemos ser, precisamos ser um povo cada vez mais consciente: de seus direitos, que incluem manifestações ordeiras — não é o que em geral temos visto —, e do cumprimento de seus deveres — também tantas vezes falhado. Como numa casa, num país o exemplo tem de vir de cima. "Que chato", disse-me um pai de adolescentes, "ter de ser exemplo para os filhos". Chato, sim. Incômodo, sim. Restritivo, sim. Mas, no momento em que temos filhos — ou governamos uma comunidade, qualquer que seja o seu tamanho, ou representamos sua gente em vários cargos —, perdemos, sim, parte da nossa liberdade. Poder e influência significam responsabilidade: fatos negativos que ocorrem demasiadamente em nossos altos círculos de poder contaminam o povo inteiro, jovens, velhos, adultos, pobres, ricos, remediados, como um poderoso vírus de desânimo e descrença. Assim, quando passarem essas celebrações entusiásticas que reúnem milhares de pessoas de tantas nacionalidades, num espetáculo fascinante dentro e fora dos campos de futebol, voltará o cotidiano dever. E a real responsabilidade, de olhar, analisar, refletir, decidir. Pois vão chegar as eleições — hora de mudar, se quisermos mudanças: o voto é muito mais poderoso do que violência e destruição. Quanto a estas, minha indagação recorrente e enfática é: onde está a segurança quando mascarados ou não mascarados destroem a pauladas, pedradas, pontapés e outros a propriedade alheia pública ou privada, que vai de luxuosas concessionárias de automóveis a modestas bancas de jornal e pequenas farmácias, caixas eletrônicos que servem aos mais simples e aos mais pobres? Quem devia ter impedido a invasão da ala de imprensa do Maracanã, por exemplo? Dizem que seria a Fifa. Então, meus caros, o padrão Fifa cai por terra e nós fizemos papel de bobos. Mas, se era responsabilidade brasileira, não há grande novidade: roubos, assaltos, depredações, violência são — infelizmente — o pão nosso de cada dia, e desgraçadamente fazem quase parte da nossa cultura. Estamos nos habituando a isso. Quando roubam nosso carro, dizemos: "Pelo menos não me levaram junto". Quando pegam nossa carteira ou bolsa dizemos: "Pelo menos eu saí vivo"; "Não me mataram: que alívio" — que tristeza pensar assim. Expressões como essas, reais e frequentes, revelam quanto acreditamos pouco em qualquer proteção que nos ampare. Numa época de grande alegria como a da Copa, tudo isso fica mais ou menos relegado à prateleira dos fatos desagradáveis que queremos esquecer. É hora de deixar aflorar sentimentos bons, como ajudar o outro, rir, cantar, aplaudir, até vaiar sem insultar. Isso pode nos dar renovada lucidez e renovada coragem para promover as mudanças que queremos — se as quisermos. Pois nós, povo (que inclui os privilegiados e os despossuídos), temos uma força que ultrapassa em muito essa violência que vai prejudicar exatamente as classes mais necessitadas: podemos escolher o Brasil que queremos, se o quisermos. Passados os grandes e bons festejos, que por nossa ação esse Brasil vá se tornando uma imensa comunidade mais justa, mais segura, mais rica, mais positiva. E já que a vida é uma permanente Copa, esse será o nosso melhor gol. 1#5 LEITOR COPA DE 2014 Fiquei emocionado com a reportagem "Show como no tempo de Pelé" (25 de junho). A qualidade e a seriedade de VEJA fazem com que valha a pena esperar a revista, sempre interessante, direta, objetiva e clara. JOSÉ RIBAMAR PINHEIRO FILHO Brasília, DF Mesmo quem não tem o costume de assistir a jogos de futebol e de torcer por algum time se transforma na Copa do Mundo. É perceptível o patriotismo no verde e amarelo em todos os cantos do Brasil. Desde um discreto lenço ou uma camiseta até uma bandeira estampada nas janelas das residências ou nos carros, vemos quanto o brasileiro acredita na seleção. PAULA REGINA COSTA DE OLIVEIRA São Paulo, SP Com a Copa no Brasil, os protestos, greves e manifestações deram lugar a outro cenário. O verde e o amarelo imperam nas ruas, nos gramados. Agora, longe das preocupações, é só alegria. A Copa do Mundo se tornou uma catarse para os brasileiros. RUVIN BER JOSÉ SINOAL São Paulo, SP Está tudo correndo normalmente nos estádios, nos aeroportos, nas cidades... Uma Copa bem disputada com muitos gols e nossa seleção apresentando um futebol bonito. Brasil é isto: país do futebol, povo alegre, receptivo e caloroso. EUGÊNIO MACEDO Por e-mail Torcer pela seleção é o mesmo que torcer pelo clube. Não tem nada de patriotismo. ROBERTO DOGLIA AZAMBUJA Brasília, DF Até que enfim o espírito de Copa do Mundo contagiou o brasileiro. Já era hora, pois um bom anfitrião deve demonstrar alegria ao receber seus 'convidados'. SOELI SANTOS Montes Claros, MG AGAMENON MENDES PEDREIRA Trocadilhos impagáveis e humor inteligente no texto "Ou vaia ou racha!" (25 de junho). Vida longa, Agamenon! FELÍCIA NOBUKO MATSUDA KATO Londrina, PR JOAQUIM BARBOSA Preocupante a saída do ministro Joaquim Barbosa da relatoria do mensalão ("O império da lei", 25 de junho). Se ela se deu devido a ameaças e intimidações, então a democracia e o próprio Judiciário estão ameaçados. Isso pode abrir um precedente perigoso, pois juízes não podem e não devem se sentir acuados por perseguições de quem quer que seja. CARLOS FABIAN SEIXAS DE OLIVEIRA Campos dos Goytacazes, RJ As instituições brasileiras caminham rapidamente para o bolivarianismo, e a economia, a passos largos para a década de 80. Nossa democracia está na UTI. JOÃO MARCELO PAIXÃO LAGES Belo Horizonte, MG Gostaria de fazer observações sobre a reportagem "O império da lei": 1) O que deslegitima a decisão de um julgador não são os comentários feitos pelas partes e outras coisas mais comentadas pela reportagem, e sim não levar a plenário, com a devida celeridade, recursos interpostos pelos réus para exame dos demais ministros, ou seja, do colegiado; 2) Pior, recursos interpostos por réus presos que, na esteira do regimento interno do STF, têm prioridade absoluta de tramitação; 3) Pior, recursos que contam com parecer da Procuradoria-Geral da República (Ministério Público = fiscal da lei) para reforma da decisão monocrática do ministro Joaquim Barbosa, que, diga-se de passagem, no caso do trabalho externo, contrariou jurisprudência já consolidada há anos do STJ (guardião da lei federal). GUSTAVO LUIZ FREITAS DE OLIVEIRA ENOQUE Advogado e procurador do Estado de Minas Gerais Divinópolis, MG GILBERTO CARVALHO O colunista Reinaldo Azevedo, de VEJA, acusa no site da revista o ministro Gilberto Carvalho de haver cometido crime de responsabilidade por ter se reunido com partidários da tática black bloc. Cabe esclarecer que o ministro fez reuniões públicas nas doze cidades-sede da Copa, todas elas acompanhadas por diferentes veículos da imprensa. As reuniões foram realizadas com vários movimentos sociais, parte deles contrária à realização da Copa do Mundo da Fifa no Brasil, entre os quais movimentos de moradia, sindicais e os autodenominados Comitês Populares da Copa. Nessas reuniões, membros desses movimentos se declararam adeptos e fizeram a defesa da chamada "tática black bloc", objeto de condenação e comentário do ministro em recente entrevista à Folha de S.Paulo. SÉRGIO ALLI Assessoria de Comunicação Secretaria-Geral da Presidência da República Brasília, DF I GUERRA MUNDIAL Sou apaixonado por história, especialmente por aquela ligada aos conflitos bélicos e particularmente pelas duas guerras mundiais. De todas as reportagens comemorativas do centenário da I Guerra Mundial publicadas na imprensa brasileira, esta da edição 2379 de VEJA ("100 anos da Grande Guerra", 25 de junho) se destaca das demais pelo rigor histórico, primor de síntese e inteligência nas análises. Parabenizo a equipe que nos legou essas 48 páginas, que merecem lugar de destaque em nossas bibliotecas. BENHUR LUIZ MAIERON Brasília, DF Excepcional o resumo claro, abrangente, lógico e de rara inteligência histórica que nos foi oferecido na reportagem especial. LÚCIA WILHELM VÉRAS DE MIRANDA Porto Alegre, RS Sou professor de história de escola pública. Estava elaborando um plano de aula para trabalhar com meus alunos sobre a I Guerra Mundial quando recebi o exemplar de VEJA com o especial "100 anos da Grande Guerra". Imediatamente li a reportagem, anotei os principais pontos e as curiosidades do conflito. Caiu como uma luva para enriquecer o meu planejamento e aperfeiçoar o meu conhecimento sobre o assunto. Parabenizo a equipe de VEJA pelo histórico trabalho, que demonstrou com precisão e com uma linguagem não vista nos livros didáticos os principais fatores que proporcionaram a eclosão de um conflito bélico de magnitude mundial, abordando de maneira esclarecedora as consequências deixadas pela Grande Guerra no mundo. ELISONALDO CÂMARA Mossoró, RN Excelente reportagem. Informativa, didática, analítica, além de bem ilustrada. A Carta ao Leitor de VEJA já era um indicativo e tanto. Dos antecedentes aos desdobramentos, passando pelo desenrolar do conflito e por alguns detalhes (geralmente omitidos nos manuais didáticos), foi possível mergulhar em páginas interessantíssimas, lidas com intensa avidez, sobre a verdadeira "mãe de todas as guerras". WELLINGTON CORRADE Belo Horizonte, MG Aos 77 anos, chafurdei, lambuzei-me e acima de tudo curti o especial "100 anos da Grande Guerra". Se 1% de nossos jovens lesse essa reportagem, já seria bom demais! GLORIA TERESINHA PENA R. DA CUNHA Santos, SP MARCO ANTONIO ZAGO Excelente a entrevista "É preciso arriscar muito mais" (25 de junho), com o reitor da Universidade de São Paulo, Marco Antonio Zago, especialmente pelo foco na qualidade e no mérito na avaliação docente, em todas as vertentes da produção acadêmica, do ensino e da extensão. Na mesma linha e cientes da necessidade de apoio às pesquisas na fronteira do conhecimento, o CNPq e as agências de fomento estaduais vêm empregando critérios de avaliação que premiam a qualidade, e não apenas a quantidade, da produção científica e tecnológica. GLAUCIUS OLIVA Professor titular da USP e presidente do CNPq São Carlos, SP Concordo plenamente com a afirmação do reitor da USP. Não é momento de greve, e sim de tentarmos fazer uma ciência mais ousada, de sairmos da mesmice, de lutarmos pela qualidade. Contamos com o apoio das agências financiadoras (CNPq e Fapesp em São Paulo), que viabilizam projetos científicos de qualidade com critérios unicamente meritórios. Já foi amplamente demonstrado que os melhores cientistas são os melhores professores. É o momento de buscarmos novas parcerias, sermos criativos e nos reinventarmos. Em resumo, refraseando John Kennedy: não pergunte o que a universidade pode fazer por você, mas o que você pode fazer pela universidade. MAYANA ZATZ Professora titular de genética Diretora do Centro de Pesquisas do Genoma Humano e Células-Tronco Instituto de Biociências da USP São Paulo, SP Correção: Marko Porto é detentor da marca que já vendeu 330 franquias de salões de beleza especializados em sobrancelhas, e não proprietário dos estabelecimentos (Conversa, 25 de junho). 1#6 RODRIGO CONSTANTINO – BRASIL X CHILE Brasil enfrentará o Chile nas oitavas de final da Copa, e escrevo estas linhas antes de saber o resultado, torcendo pela nossa seleção. Mas, se no futebol o time brasileiro é o favorito, no campo da economia levamos uma goleada. O Chile, nesse caso, deveria ser um exemplo a ser seguido. Enquanto o Brasil tem crescido cerca de 2% ao ano durante a gestão de Dilma, o Chile tem expandido seu produto interno bruto (PIB) a uma taxa perto de 5% ao ano. Não obstante, a inflação brasileira tem rodado próximo de 6,5% ao ano, apesar dos preços represados pelo governo, enquanto a inflação chilena, embora tenha subido nos dados mais recentes, ficou abaixo de 3% ao ano nos últimos anos. A renda per capita chilena chegou perto de 20.000 dólares em 2013, contra pouco mais de 12.000 da brasileira. Ou seja, o chileno médio é quase 60% mais rico que o brasileiro médio. Quando analisamos o índice de Desenvolvimento Humano, o Chile fica em quadragésimo lugar, contra um vergonhoso 85º lugar do Brasil. Vários outros indicadores contam a mesma história: o Chile tem dado um banho no Brasil na economia. O que explica isso? Para começo de conversa, o Chile foi pioneiro no processo de privatizações e liberação das amarras estatais na América Latina. Apesar de viver sob uma ditadura política na era Pinochet, o fato é que ao menos na economia o ditador foi uma espécie de "déspota esclarecido", convidando os liberais da Universidade de Chicago para tocar as reformas no país. Deu certo. Até a Previdência Social foi privatizada no Chile, tornando-se um caso de sucesso internacional, estudado por vários outros países. Isso permitiu um acúmulo de poupança doméstica bem acima da média regional, possibilitando uma taxa de investimento expressiva. A carga tributária chilena está perto de 20% do PIB, praticamente a metade da brasileira. Além da magnitude bastante inferior, trata-se de uma arrecadação bem menos complexa do que a nossa. No "manicômio tributário" brasileiro, as empresas gastam 2600 horas por ano só para pagar impostos, nove vezes mais que no Chile. No ranking "Doing Business", organizado pelo Banco Mundial, que mede a facilidade de fazer negócios no país, o Chile aparece na 34ª posição, acima de Israel, Bélgica e França, enquanto o Brasil ocupa a absurda 116ª posição, perto de países como República Dominicana, El Salvador e Indonésia. No índice de Liberdade Econômica, feito pela Heritage Foundation, os nossos vizinhos chilenos ocupam uma invejável sétima posição, ostentando uma economia relativamente livre para padrões globais. Já o Brasil está na 114ª posição, ao lado de países como Grécia e Butão. Deve ser por isso que alguns políticos de esquerda já falam em medir a subjetiva "felicidade" em vez do PIB, para fugir da humilhante comparação mais objetiva. As instituições chilenas gozam de maior confiança dos investidores, e, mesmo quando a esquerda social-democrata assumiu o poder, ela não ousou mexer nas "vacas sagradas" da era liberal. O respeito aos contratos é levado a sério, enquanto no Brasil, como já disse o ex-ministro Pedro Malan, até o passado é incerto. Em suma, o Chile é o país latino-americano mais próximo de uma economia de livre mercado capitalista. Não é por acaso que é também o mais próspero e avançado. Não se trata de uma coincidência; ao contrário, o elo causal é evidente aqui: quanto mais liberdade económica e respeito às regras do jogo, maior o progresso material e social. Durante a gestão liberal do empresário Sebastián Pinera, a economia do Chile despontou como uma das que mais cresceram no continente. Com o México, o Peru e a Colômbia, o Chile fez vários acordos de livre-comércio por meio da Aliança do Pacífico, enquanto o Brasil permaneceu com a camisa de força bolivariana do Mercosul, completamente ideologizado. É verdade que Michelle Bachelet voltou ao poder com um discurso mais radical de esquerda. Ainda é cedo para dizer se haverá um grande retrocesso no país, se a socialista terá a coragem (ou a estupidez) de matar as galinhas dos ovos de ouro, criando mais obstáculos aos empreendedores que produzem riqueza. Sua retórica tem sido preocupante, na linha bolivariana. Se o Chile for por esse caminho à esquerda, então suas conquistas estarão em risco. O populismo é sua maior ameaça atualmente. Resta torcer para que os chilenos consigam evitar essa derrota na economia, para que continuem sendo um farol a iluminar uma rota alternativa com mais liberdade na América Latina, infestada de vermelho por todo lado. 1#7 BLOGOSFERA EDITADO POR KÁTIA PERIN kperin@abril.com.br NOVA TEMPORADA FERNANDA FURQUIM SÉRIE DE TV O canal Starz encomendou a produção de treze episódios para a primeira temporada de The Girlfriend Experience. A série, criada por Steven Soderbergh e Philip Fleishman, mostra a rotina de trabalho de prostitutas. www.veja.cem/novatemporada COLUNA RICARDO SETTI MESA-REDONDA O "comentarista" de futebol Lula disse que a Inglaterra foi eliminada da Copa do Mundo porque os gramados dos estádios brasileiros são bons demais. Só para lembrar: ele também já disse que a poluição só existe porque a Terra é redonda... www.veja.com/ricardosetti ESPELHO MEU LÚCIA MANDEL RUGAS Se uma versão sua aos 50 anos viesse do futuro para falar com você, que tem seus 20 anos hoje, ela diria: cuide bem da sua pele, assim poderá mantê-la bonita por muito mais tempo. www.veja.com/espelhomeu VEJA MERCADOS GERALDO SAMOR SHOPPING CENTER A Multiplan vai construir seu quarto shopping center em São Paulo, um projeto de 80.000 metros quadrados na Marginal Pinheiros. www.veja.com/vejamercados VEJA MEUS LIVROS J.K.ROWLING No livro O Chamado do Cuco, o detetive Cormoran Strike desvendou a morte da modelo Lula Landry. Ele volta para investigar um novo mistério em The Silkworm (ainda sem título em português), o segundo livro de Robert Galbraith, pseudônimo de J.K. Rowling (Harry Potter, Morte Súbita). Strike continua passando noites em claro e morando em lugares precários, porém sua lista de clientes aumentou com a fama do último caso. Seu novo trabalho é descobrir o paradeiro de um escritor desaparecido. A obra será lançada em novembro no Brasil, porém os curiosos já podem conferir no blog VEJA Meus Livros a tradução oficial dos dois primeiros capítulos, feita por Ryta Vinagre para a editora Rocco, que detém os direitos da série no Brasil. www.veja.com/meuslivros QUANTO DRAMA! O REBU Remakes sempre são cercados de desconfiança, mas o de O Rebu, ao contrário, é mais do que aguardado pelos noveleiros. Escrita por Bráulio Pedroso e dirigida por Walter Avancini, em 1974, a novela é perfeita para adaptações. Reescrever uma obra emblemática é sempre um risco, mas a produção, que estreia no próximo dia 14, na faixa das 23 horas, parece coberta de cuidados para causar um impacto que fará jus ao trabalho de quarenta anos atrás. O blog Quanto Drama! traz sete motivos para você não perder a nova O Rebu. www.veja.com/quantodrama SOBRE PALAVRAS JOGAR PELADA A origem do substantivo feminino pelada — que significa partida de futebol improvisada por amadores ou, em sentido estendido e pejorativo, mal jogada por profissionais — costuma ser cercada de mal-entendidos. Tudo indica, porém, que pelada tem uma origem mais simples, ligada diretamente à palavra pela (pronuncia-se péla), oriunda do latim vulgar pilella, diminutivo de esfera, globo, bola. Pela — que perdeu o acento na última reforma ortográfica — é um vocábulo que existe em português desde o século XIV e, embora seja hoje pouco usado, é um sinônimo perfeito de bola, especialmente de bola de borracha. Ninguém precisa chutar a bola longe, portanto, para encontrar a origem de pelada. Registre-se ainda que, antes de chegar ao futebol, a palavra deu nome ao jogo de pela — ou simplesmente pela —, um antepassado do tênis e do squash que era praticado com raquetes e uma bola pequena numa sala fechada, www.veja.com/sobrepalavras • Esta página é editada a partir dos textos publicados por blogueiros e colunistas de VEJA.com ____________________________________ 2# PANORAMA 2.7.14 2#1 IMAGEM DA SEMANA – QUEM FALA O QUE QUER... 2#2 DATAS 2#3 HOLOFOTE 2#4 CONVERSA COM VILSON CARLOS ZAREMBSKI – “ESTÁ NA MODA TER MACACO” 2#5 NÚMEROS 2#6 SOBEDESCE 2#7 RADAR 2#8 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – QUEM FALA O QUE QUER... Ministro polonês diz a verdade — só faltou checar se não havia grampo escondido O que fazem os políticos quando estão em particular, conversando entre amigos? Exatamente o que todos fazemos: exprimem livremente suas opiniões e até soltam palavras menos católicas. O problema é quando há uma interceptação clandestina. Exatamente o que aconteceu com Radek Sikorski, o preparado e bem informado ministro das Relações Exteriores da Polônia. "A aliança com os Estados Unidos não vale nada. É até prejudicial, pois cria uma falsa sensação de segurança", disse ele numa conversa privada, divulgada nesta semana. É tudo uma bobagem, acrescentou — só que usou uma palavra mais forte que bobagem. Achamos que está tudo bem, continuou, só porque fizemos um agrado aos americanos — só que usou uma palavra muito mais forte do que agrado. E, já que estava se afundando, acrescentou que David Cameron, o primeiro-ministro britânico, é um incompetente que está ferrando a União Europeia — deu para desconfiar qual foi a palavra real que ele usou, certo? De forma geral, Sikorski, que se formou em Oxford durante o exílio na Inglaterra e é casado com a jornalista e escritora americana Anne Applebaum, tem razão. A Polônia, com sua história convulsionada de invasões estrangeiras, sentiu-se amparada no pós-comunismo graças às garantias dos Estados Unidos. O governo Obama abandonou-a em favor do hoje comprovadamente desastroso reposicionamento das relações com a Rússia. Note-se que o ministro foi grampeado em janeiro, antes da crise na Ucrânia e da tomada da Crimeia pela Rússia. Ele foi essencial no acordo que colocou a Ucrânia a um passo da União Europeia, cuja ruptura gerou a crise atual. Alguma dúvida sobre quem os poloneses acham que grampeou o ministro? VILMA GRYZINSKI 2#2 DATAS MORRERAM Rose Marie Gebara Murara, editora carioca, uma das mais expressivas representantes do movimento feminista no Brasil. Nascida praticamente cega em uma família de imigrantes libaneses, que aqui se estabeleceram como comerciantes de tecidos, quase deixou a escola na infância por orientação de um médico. Na juventude, entrou para a Ação Católica e se aproximou do então padre Hélder Câmara, que se tornaria um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Chegou a ingressar na faculdade de física, mas abandonou o curso. Entre as décadas de 70 e 80, trabalhou na editora católica Vozes ao lado de Leonardo Boff. Ambos acabariam afastados do cargo em 1986 por influência de setores conservadores da Igreja. Em 1990, esteve à frente da criação da primeira editora do país voltada para temas femininos, a Rosa dos Tempos. Escreveu mais de trinta livros — entre os quais se destacam Os Seis Meses em que Fui Homem (1990) e Sexualidade da Mulher Brasileira: Corpo e Classe Social no Brasil (1996) —, que tiveram perto de 1 milhão de exemplares vendidos. Na função de editora, publicou cerca de 1600 obras. Com um repertório extraordinário, pensamento veloz e discurso afiado, acostumou-se a percorrer o país participando de debates sobre temas feministas. Fazia dez anos que lutava contra um câncer na medula óssea. Dia 21, aos 83 anos, no Rio de Janeiro. Gerry Conlon, preso injustamente por quinze anos sob a acusação de haver participado de um atentado a bomba do IRA, o Exército Republicano Irlandês, em 1974, junto com três outros jovens. O caso se tornou conhecido como o dos Quatro de Guildford (referência ao local dos fatos). A história inspirou o filme Em Nome do Pai (1993), de Jim Sheridan, com Daniel Day-Lewis fazendo o papel do protagonista. Originalmente condenados à prisão perpétua, o irlandês Conlon e os outros envolvidos tiveram sua pena revogada em 1989. Dia 21, aos 60 anos, em razão de um câncer, em Belfast. Eli Wallach, ator americano que ganhou visibilidade após o filme Três Homens em Conflito, de 1966, no qual fazia o papel de um bandido mexicano. Nascido em Nova York, estreou no teatro e na televisão aluando como italiano. Seu currículo inclui mais de oitenta longas — como O Poderoso Chefão III (1990) e Wall Street (2010). Apesar da carreira profícua nas telas, declarou que o cinema era apenas um meio para sustentar sua verdadeira paixão: o teatro. Em 2010, recebeu um Oscar honorário. Dia 24, aos 98 anos, em Nova York. Marco "Manga" dos Santos, ex-jogador da seleção brasileira de polo aquático. Já se destacava como atleta quando um tio lhe disse que, se quisesse ter sucesso fora do esporte, precisaria melhorar a dicção. Na verdade, sua dificuldade ao falar era um sinal da esclerose lateral amiotrófica, que o mataria. Dia 24, aos 28 anos, em Miami. Howard H. Baker Jr., ex-senador republicano que se tornou famoso com o caso Watergate. Em audiência da comissão que investigava o assunto, fez a pergunta que virou uma espécie de bordão: "O que o presidente (Nixon) sabia e quando soube?". Dia 26, aos 88 anos, no Tennessee. Felix Dennis, ex-editor inglês da revista Oz, marco da contracultura, e criador das publicações The Week e Maxim. Em 1971 foi acusado de atentar contra a moral em uma edição da Oz. John Lennon e Yoko Ono saíram em sua defesa. Dia 22, aos 67 anos, em decorrência de um câncer, em Dorsington, Inglaterra. 2#3 HOLOFOTE • Os bons companheiros Ministro do governo de Dilma Rousseff em duas oportunidades, o deputado Luiz Sérgio (PT-RJ) abandonou a convenção nacional do PT no meio do discurso da ex-chefe. Não foi obra do acaso. O parlamentar é um dos mais ativos defensores do "Volta, Lula", o movimento que tenta sabotar a candidatura da presidente. Luiz Sérgio não estava sozinho no protesto. Além dele, os deputados petistas Cândido Vaccarezza e José Mentor debandaram no instante em que a presidente falava à militância. O principal esporte dos três congressistas nos últimos meses é criticar o governo e a candidata petista ao Planalto. TOCANTINS • Capitania hereditária Com medo de perder, o ex-senador Eduardo Siqueira Campos (PTB) desistiu de concorrer ao governo do Tocantins, mas não de ocupar o cargo. Ele fechou um acordo que prevê apoio à reeleição de Sandoval Cardoso (SD), que, em contrapartida, promete renunciar junto com o vice em 2018. Quando isso ocorrer, o Tocantins passará a ser comandado pelo presidente da Assembleia Legislativa. E quem será o presidente da Assembleia? Se tudo der certo, o próprio Siqueirinha, que tentará um mandato de deputado estadual agora em outubro. Todo o arranjo para torná-lo governador daqui a quatro anos no mandato- tampão, sem a necessidade de receber um voto sequer para o posto, foi costurado por outro Siqueira Campos, que vem a ser pai do ex-senador e ex-governador do Tocantins. • Ataque e defesa Comandada pelo marqueteiro Paulo Vasconcelos, a cúpula da área de comunicação da campanha presidencial do senador Aécio Neves (PSDB) trancou- se por três dias em um hotel no Guarujá, no litoral paulista, para fazer a famosa análise de situação SWOT (sigla em inglês para Pontos Fortes, Pontos Fracos, Oportunidades e Ameaças) do candidato e dos seus adversários. Cerca de vinte pessoas participaram das reuniões no litoral. A conclusão do trabalho ainda levará algum tempo e servirá para balizar a estratégia tucana — mas já surgiram algumas indicações muito claras, evidentemente guardadas em segredo total pelos marqueteiros. • A culpa é do Mercadante Destino de peregrinos insatisfeitos com Dilma, o Instituto Lula é o centro de inteligência para a articulação das alianças pré-eleitorais do PT — e também o altar das lamentações. Do PR ao PP, do PTB ao PMDB, os caciques procuram Lula para reclamar de promessas não cumpridas pelo governo. O problema é que Lula faz os acordos, mas não combina com o outro lado. Resultado: os aliados batem a cara na porta quando tentam cobrar a fatura em Brasília. O ex-presidente, porém, tem o discurso pronto. Poupa a si próprio e a presidente de qualquer culpa e canaliza a fúria dos aliados frustrados para Aloizio Mercadante, ministro da Casa Civil, de novo no papel de para-raios que preserva o chefe. • Efeito multiplicador A aliança do PSB com a Rede de Marina Silva foi celebrada como uma tacada de mestre do PSB do candidato à Presidência Eduardo Campos. Depois vieram as dificuldades, e o que parecia solução virou um grande problema. A união, porém, ainda deve render dividendos eleitorais. O partido fez uma pesquisa com jovens de 16 a 29 anos da periferia de São Paulo. Constatou que poucos conhecem Eduardo Campos, mas a maioria declarou voto nele quando seu nome aparece associado ao de Marina. O diagnóstico dos estrategistas: jovens da classe C, por serem mais estudados que seus pais, conseguem influenciar o voto da família inteira. Marina, portanto, ainda deve ajudar muito. 2#4 CONVERSA COM VILSON CARLOS ZAREMBSKI – “ESTÁ NA MODA TER MACACO” O jogador Emerson Sheik, o estilista Ricardo Almeida e a socialite Renata Scarpa têm seus primatas. O criador, de Santa Catarina, diz que eles são como bebês. Quais as dúvidas mais frequentes de quem compra seus macacos? Se eles são mansos e se podem usar roupinha. Ter um filhote de macaco-prego é como ter uma criança. Eles dão tchau e beijo. Renata Scarpa tem um quarto só para a macaquinha dela. Por que esse súbito interesse por macacos? Entre a classe alta, está na moda. Vendi oito no último ano. Eles custam de 25.000 a 60.000 reais. Os mais caros são os novinhos. Os clientes querem dar mamadeira. Não é ilegal? Não. O Ibama me autoriza a comercializá-los. Só vendo os nascidos em cativeiro, filhos de pais que foram resgatados maltratados. Mesmo sendo permitido, ter animais silvestres pode criar complicações? Há casos em que saguis, cuja venda está suspensa em Santa Catarina, mordem e gritam. Muita gente não se adapta. O macaco-prego é meigo, fica agarrado nas pessoas. Todos gostam. Ricardo Almeida dorme com sua macaca na cama. Problema? Não. Só precisa pôr fralda, apesar de ser possível ensiná-los a fazer xixi no sanitário. Que outros cuidados exigem? Um viveiro e não ser deixados sós, porque bagunçam a casa. Sheik tem uma babá só para o macaco. Instintos primais podem deixá-los agressivos? Sim e, por precaução, só vendo um macaco para cada pessoa. A fêmea entra no cio se houver um macho por perto. Por que uma macaca sua deu uns tapinhas em Ana Maria Braga? Pode ter sido o barulho ou porque a Ana estava com amendoins na mão. 2#5 NÚMEROS 7 centímetros a seleção brasileira cresceu entre a Copa de 1970 e a deste ano, em que a média de altura é de 1,82 metro. A média de crescimento das demais seleções foi de 5 centímetros no período. 1,95 metro tem o goleiro reserva Victor, o mais alto entre os jogadores brasileiros e o 13fi na colocação geral. Carlos Alberto Torres e Jairzinho, ambos com 1,80 metro, eram os mais altos da seleção de 1970. 1,98 metro tem o alemão Per Mertesacker, o mais alto desta fase de mata-mata. O inglês Fraser Forster, de 2,01 metros, foi o mais alto da primeira etapa. 45 centímetros separam o gigante inglês do menor jogador deste Mundial, o meia hondurenho Marvin Chávez, de 1,56 metro. 2#6 SOBEDESCE SOBE • Valdemar Costa Neto - O mensaleiro preso e mandachuva do PR exigiu e conseguiu que a presidente Dilma Rousseff substituísse o ministro dos Transportes em troca do apoio do seu partido à reeleição. • Mamografia 3D - O exame aumenta em 29% a chance de detectar tumores e reduz em 15% os diagnósticos errados na comparação com as imagens em duas dimensões. • Olho no lance - Segundo o instituto Data Popular, 69% das mulheres e 77% dos homens têm assistido aos jogos da Copa do Mundo no Brasil. DESCE • TV analógica - O governo federal anunciou que vai iniciarem 2016 o desligamento desse tipo de transmissão, que até 2018 deverá ser exclusivamente digital. • Cantareira - Em maio, o volume de chuva acumulado no reservatório que abastece parte de São Paulo foi de 37,3 mm. É menos da metade da média do período, de 83,2 mm. • Ações da Petrobras - O valor da estatal na Bolsa caiu 13 bilhões de reais em dois dias, depois que o governo anunciou medidas supostamente destinadas a fortalecê-la. 2#7 RADAR • ELEIÇÕES ELE BOBEOU No PT e no governo, a culpa pela deserção de última hora do PTB da aliança de Dilma Rousseff em direção a Aécio Neves caiu na conta de Aloizio Mercadante, que teria dormido no ponto enquanto o PSDB agia. O TIME Gilberto Carvalho vai, sim, deixar o governo e integrar a cúpula da campanha de Dilma Rousseff. Mas só na segunda quinzena de julho, depois da Copa. RITMO NERVOSO Mudanças na legislação elevarão a temperatura dos programas eleitorais na TV, que começam na primeira semana de agosto. A partir desta eleição, os partidos poderão entregar os programas às emissoras todos os dias, inclusive nos fins de semana — até 2012, os comerciais só podiam ser entregues às emissoras até as 17 horas das sextas-feiras; depois, só na segunda-feira. Isso fará com que as reações às estratégias dos adversários sejam mais dinâmicas. SEM LIGAÇÃO Roberto Kalil, médico de Dilma, não ligou para ninguém para atestar que ela estava doente e, por isso, não poderia participar da convenção que sagrou Alexandre Padilha candidato ao governo de São Paulo. LONGE, MAS NEM TANTO Henrique Meirelles não será candidato nestas eleições. Mas não deve ficar fora do processo. Vai declarar o seu voto a um dos presidenciáveis. QUEM NOMEIA? Há cerca de um mês, Lula esteve com Marcelo Crivella e lhe propôs renunciar à candidatura ao governo do Rio de Janeiro, virar vice de Lindbergh Farias e, em 2015, ganhar um ministério importante num eventual segundo governo Dilma. Pode parecer uma articulação como outra qualquer. Não é. Significa que Lula já está nomeando ministros em um governo que não é o seu. E, até onde se sabe, Dilma não lhe deu essa procuração • ECONOMIA VEIA EMPREENDEDORA Com três sócios, Luis Cláudio Lula da Silva, o filho mais novo de Lula, acaba de abrir em São Paulo uma corretora de seguros, a Silva e Cassaro. Já conseguiu o registro na Susep. Seu foco será vender planos de previdência complementar e de saúde para construtoras. EM RITMO DE ELEIÇÃO O mercado financeiro e as decisões de investimentos estão uma paradeira só. Não é por causa da Copa, mas pela indefinição do quadro eleitoral. NA RUA Marcus Berto, o executivo que sobrou da derrocada da EBX e desde o ano passado era o queridinho de Eike Batista, foi dispensado do grupo. • COPA TEMPO QUENTE As relações entre governo e Pifa se deterioram dia a dia. Nesse ritmo, não se sabe se ainda restará algum diálogo entre as partes no dia da final, em 13 de julho. DANDO CERTO Com o bom andamento da Copa, os patrocinadores respiram aliviados. Havia o temor de ver suas marcas associadas a um evento fracassado. Foram meses e meses com medo de depredações, manifestações violentas etc. O McDonald’s, por exemplo, montou um forte esquema de segurança e monitoramento dos restaurantes. • CULTURA PERFIL DE CONSUMO O Ministério da Cultura traçou um mapa para saber em que os beneficiários do Vale-Cultura gastam os 50 reais que recebem por mês. O levantamento indica o perfil de consumo de produtos e eventos culturais dos trabalhadores com renda de até cinco salários mínimos. De janeiro a maio, foram gastos 5,3 milhões de reais: 89%, ou 4,7 milhões de reais, foram usados na compra de livros, jornais e revistas. O segundo na lista de preferência é o cinema, destino de 370.000 reais do Vale-Cultura, seguido de instrumentos musicais, CDs e DVDs. • TELEVISÃO MENOS DEPENDENTE Até os anos 90, Silvio Santos respondia por 32% do faturamento do SBT. Hoje, apenas 6% das receitas da emissora dependem do seu programa. Já foi o primeiro e hoje é o quarto maior faturamento do SBT, atrás das novelas, filmes e do telejornal SBT Brasil. Embora SS ainda seja a alma da emissora (além de dono, claro), o dado é revelado com orgulho dentro do canal, como forma de mostrar que o SBT não é mais dependente do apresentador, hoje com 83 anos. 3#8 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “Contra fatos não há argumentos.” - CID GOMES, governador do Ceará (Prós), ao admitir, no Valor Econômico, que a violência cresceu em seu estado. “Foi uma decisão ruim, e eu admito isso claramente.” - DAVID CAMERON, premiê inglês, manifestando-se sobre o fato de haver contratado como chefe de comunicações de seu gabinete o ex-editor do News of the World, Andy Coulson, condenado no caso das escutas que resultaram no fechamento do jornal. “Essa sentença é uma forte mensagem de que dificilmente o Egito está cumprindo a transição para a democracia.” - JULIE BISHOP, chanceler da Austrália, ao comentar a condenação à prisão de três jornalistas da Al Jazira, sob a acusação de "colaborarem com organização terrorista"; um dos sentenciados é australiano. “Esta realidade democrática não apenas não é o paraíso como pode chegar a ser o inferno. Há corrupção, falta de transparência, de vitalidade das democracias, e isso leva os jovens a aderir à indiferença e ao desprezo pelo social e pelo político, o que acho muito grave.” - MÁRIO VARGAS LLOSA, escritor peruano, Nobel de Literatura, em entrevista ao diário espanhol El País. “Estou arrependido.” - KADOM AL-JABOURI, iraquiano dono de uma loja de peças para motos, que em 2003 teve divulgada mundialmente sua imagem dando marretadas em uma estátua de Saddam Hussein, em depoimento à Folha de S.Paulo. “Há indícios de sobra de que ela (Cristina, irmã do rei Felipe VI) interveio, de um lado, lucrando em benefício próprio, e, de outro, facilitando os meios para que seu marido (Iñaki Urdangarin) o fizesse.” - JOSÉ CASTRO, juiz espanhol, que manteve o indiciamento da infanta, acusada de fraude fiscal, lavagem de dinheiro e apropriação de recursos públicos. “Seria antiprofissional da minha parte topar um trabalho que não me deixasse plenamente confortável. Se aceitei, nada mais natural que eu estivesse disposta a fazer o que fosse preciso.” -TAINÁ MÜLLER, a fotógrafa Marina da novela Em Família, falando à revista ESTILO de julho sobre o que pensa a respeito do possível beijo gay entre sua personagem e a de Giovanna Antonelli, a dona de casa Clara. “Como é a sua, vida? É uma comédia ou um drama? É um pouco de ambos. Por melhor que a vida seja, as coisas ruins são sempre uma ameaça.” - RICKY GERVAIS, premiado ator e humorista inglês, que faz o papel de um vilão no filme Muppets 2, em O Globo. “Estamos no sul, no momento de resgatar a nossa identidade.” - DAVID CHOQUEHUANCA, chanceler da Bolívia, tentando justificar por que o relógio da Assembleia Legislativa Plurinacional passou a funcionar no sentido anti-horário. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto da extraordinária primeira fase do Mundial no Brasil “A bola não é a inimiga como o touro, numa corrida.” - JOÃO CABRAL DE MELO NETO, poeta pernambucano (1920-1999). _________________________________________ 3# BRASIL 2.7.14 3#1 SOB NOVA ADMINISTRAÇÃO 3#2 EXPEDIÇÃO VEJA - POR ROTAS PRÓPRIAS 3#1 SOB NOVA ADMINISTRAÇÃO Sem Joaquim Barbosa e com Luís Barroso na relatoria do caso, o STF autoriza o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro Delúbio Soares a trabalhar fora da cadeia. A decisão seguiu jurisprudência mais liberal adotada por tribunais inferiores. DANIEL PEREIRA O ministro Ricardo Lewandowski lembra aqueles jogadores de futebol polivalentes. Durante a instrução e o julgamento do processo do mensalão, postou-se como um zagueiro aguerrido, rechaçando todas as acusações apresentadas pelo Ministério Público contra os réus petistas. Xerifão do sistema defensivo, fez até cera para impedir ou, pelo menos, adiar a derrota na votação. Colegas dele no STF reagiram a essa postura. Carlos Ayres Britto, então no comando da corte, chegou a cobrar de Lewandowski a apresentação de seu relatório de revisor, ao perceber que a demora na conclusão da tarefa poderia resultar na prescrição de certos crimes. Já Joaquim Barbosa, relator do caso, acusou Lewandowski de tentar "eternizar" o processo com chicanas, votos longos e até mesmo a leitura de reportagens de jornal. Depois de mais de sessenta sessões plenárias, o STF decidiu que o governo subornou parlamentares, no primeiro mandato de Lula, com dinheiro desviado dos cofres públicos e obtido por meio de empréstimos fictícios. Como punição, mandou a antiga cúpula do PT, parlamentares de partidos aliados, empresários e banqueiros à prisão. Na semana passada, o maior esquema de corrupção política da história do país voltou à pauta do Supremo. Os ministros analisaram recursos apresentados por mensaleiros contra a decisão de Joaquim Barbosa de proibi-los de trabalhar fora da cadeia. Foi a vez de Lewandowski mostrar sua versatilidade e adotar um estilo completamente diferente. O zagueiro deu lugar a um atacante que fez da velocidade, ou da pressa, sua principal arma para virar o jogo em favor, entre outros, do ex-ministro José Dirceu e do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Presidindo os trabalhos no lugar de Barbosa, que não participou da sessão, Lewandowski chamou para julgamento, logo no início, os recursos dos mensaleiros. Foi prontamente advertido pelos colegas de que, antes de mais nada, o plenário deveria concluir um processo que tratava do tamanho das bancadas estaduais de parlamentares. Confrontado, Lewandowski até tentou manter sua programação original. Vencido, dedicou-se a pedir celeridade na decisão sobre as bancadas. A um dos advogados, quem diria, o outrora prolixo Lewandowski recomendou uma "rapidíssima explanação". Ele também tentou abreviar um aparte do ministro Marco Aurélio, que reagiu à intervenção. Terminado o julgamento das bancadas, Lewandowski suspendeu a sessão por "vinte minutos". Era claro que, dessa vez, ele queria jogo. A vitória dos mensaleiros foi quase completa. Quase porque a maioria dos ministros negou ao ex-presidente do PT José Genoino o direito de deixar a Papuda para cumprir pena em prisão domiciliar. Genoino é um paciente cardíaco. Sua defesa alegava que, no presídio, ele corria o risco de não receber o atendimento médico adequado e morrer. Tais argumentos só convenceram Lewandowski e Dias Toffoli. Novo relator do caso, em substituição a Barbosa, o ministro Luís Barroso disse ser um defensor ardoroso da prisão domiciliar para presos que não representam perigo à sociedade. No caso em questão, no entanto, ele negou o benefício. Barroso lembrou que laudos médicos oficiais atestaram que Genoino não tem cardiopatia grave que justifique a sua saída do presídio. Afirmou ainda que há no Distrito Federal cerca de 400 presos em condição de saúde igual ou pior que a do petista. Todos continuam atrás das grades ou em alas especiais dos hospitais públicos. Na sequência, o relator lembrou que o ex-presidente do PT terá cumprido, em 24 de agosto, um sexto da pena e poderá, assim, pleitear a mudança para o regime aberto. Barroso deu a entender que já no dia 25, devido à idade e ao estado de saúde de Genoino, garantirá ao petista o direito de voltar para casa. Depois desse caso, o plenário teria de se debruçar sobre os recursos de quatro mensaleiros que queriam autorização para trabalhar fora da cadeia. A análise demandaria muito tempo. Nada que Lewandowski, o atacante comprometido com a celeridade processual, não pudesse contornar. Ele propôs aos colegas que decidissem sobre um único pedido e que a decisão tomada fosse depois replicada aos demais condenados, de forma monocrática, por Barroso. Assim foi feito. O recurso escolhido para servir de parâmetro foi justamente o de José Dirceu. A Justiça havia negado duas vezes autorização para que o ex-ministro trabalhasse fora da prisão. No mais recente veto, Barbosa alegou que Dirceu e os mensaleiros condenados ao regime semiaberto só poderiam trabalhar fora da cadeia depois de cumprir um sexto da pena. Antes disso, deveriam realizar trabalhos internos em colônias penais agrícolas ou industriais. Apenas o decano Celso de Mello acompanhou Barbosa. A maioria dos ministros, no entanto, argumentou que o regime semiaberto permite o trabalho externo, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e de tribunais de Justiça estaduais. O pragmatismo também imperou na decisão. Os ministros afirmaram que, diante da escassez de vagas nas colônias penais, o trabalho externo se impõe como uma necessidade, inclusive para evitar o agravamento da superlotação nas cadeias brasileiras. Com o sucesso do recurso, Dirceu deixará a Papuda e será transferido para o Centro de Progressão Penitenciária (CPP), cujas instalações foram reformadas pelo governo do Distrito Federal, comandado pelo petista Agnelo Queiroz, para abrigar com mais conforto os mensaleiros. Nos próximos dias, Delúbio Soares também poderá trabalhar fora da cadeia e mudar de endereço. Ele despachará na CUT, a Central Única dos Trabalhadores. Já Dirceu dará expediente no escritório de advocacia de José Gerardo Grossi, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Durante a sessão, ministros criticaram a situação carcerária do país. Lembraram, por exemplo, que o número de presos supera em quase 200.000 o de vagas nas prisões, num flagrante desrespeito aos direitos humanos. "A população carcerária é uma minoria invisível que não tem quem a represente", disse Barroso. Ele tem razão. Os presos não merecem a atenção das autoridades — a não ser, obviamente, aqueles que já ocuparam os gabinetes mais poderosos do país. Eis aí uma das razões da aposentadoria precoce de Joaquim Barbosa. 3#2 EXPEDIÇÃO VEJA - POR ROTAS PRÓPRIAS O Brasil que dá certo assume ônus que deveriam ser do Estado, recuperando estradas esburacadas ou construindo portos para escoar a produção por hidrovias — uma alternativa de transporte ainda subutilizada. GABRIEL CASTRO O debate sobre os problemas do transporte brasileiro normalmente inclui lamentos pela falta de investimento em ferrovias no passado e pela ausência de manutenção das rodovias no presente. Em Três Lagoas (MS), a Eldorado Brasil, uma das maiores produtoras de celulose do mundo, interrompeu os lamentos e olhou em outra direção. A empresa construiu o próprio porto para escoar parte da produção por meio da hidrovia Tietê-Paraná e, atualmente, metade de sua produção anual de 1,5 milhão de toneladas é transportada de barco. A carga segue por 375 quilômetros até Pederneiras (SP), no meio do caminho para o terminal de Santos. Um único carregamento pode levar o equivalente à carga de 140 carretas. A alternativa aquática ainda é subaproveitada no Brasil. O país só utiliza metade das potenciais hidrovias. Em 2013, 80 milhões de toneladas foram transportadas por esse meio. Os Estados Unidos, que têm um potencial aquaviário menor, movimentam mais de 600 milhões de toneladas anualmente. Em Mato Grosso, no entanto, os produtores rurais vêm ampliando o uso de barcos, o que permite uma economia de pelo menos 10% no frete. Hoje, cerca de 7% da produção do estado passa por rios. O número não é maior porque a hidrovia do Paraguai, a mais importante da região, está paralisada por falta de licenciamento ambiental. A expansão do transporte fluvial permite contornar em parte a deficiência da malha de transporte. O Brasil investe apenas 0,6% do produto interno bruto (PIB) nesse setor. Isso é, em média, um sexto do que aplicam outros países emergentes, como China, Índia e Colômbia. A ausência de uma rede de distribuição adequada causa perdas anuais de mais de 9 bilhões de reais ao país. Também falta planejamento. O aumento da área plantada se dá de forma muito mais rápida do que a expansão da infraestrutura de transporte. Em razão disso, o custo do frete em Mato Grosso, por exemplo, aumentou 50% nos últimos seis anos. "A gente não sente tanto os efeitos por causa do valor das commodities no mercado internacional. Mas, se houver queda nos preços, vai ser desastroso", diz Marcelo Duarte, diretor executivo da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso. Um quarto da soja brasileira é cultivada em solo mato-grossense, e a maior parte dessa riqueza acaba transportada em caminhões. Um dos piores trechos percorridos pela Expedição VEJA em trinta dias de estrada fica justamente na BR-163, o principal eixo para o escoamento da soja na região. A situação só não é pior por causa da iniciativa dos produtores locais. Mato Grosso tem cerca de 30.000 quilômetros de rodovias. Destes, cerca de 6000 são asfaltados. Boa parte deles foi pavimentada por meio de parcerias público-privadas. Na década passada, o estado implementou um sistema apelidado de "PPPs caipiras". Os produtores rurais arcam com uma parcela do valor das obras e, depois disso, têm o direito a recuperar o que investiram por meio da cobrança de pedágios. Deu certo. Modelo semelhante foi adotado em Luís Eduardo Magalhães (BA), onde os produtores rurais passaram a recuperar por conta própria rodovias vicinais. A prefeitura da cidade paga apenas o combustível usado nas obras. A economia com o frete, para os fazendeiros, é de 8%. Neste ano, eles já recuperaram 134 quilômetros de vias e devem reconstruir outros 300. Além de produzir em alto nível de competitividade, o empreendedor brasileiro frequentemente assume responsabilidades típicas do Estado. É um ônus do Brasil que dá certo. ___________________________________ 4# ECONOMIA 2.7.14 4#1 AS AMEAÇAS AO REAL NO SEU 20º ANIVERSÁRIO 4#2 A INFLAÇÃO DE CADA UM 4#1 AS AMEAÇAS AO REAL NO SEU 20º ANIVERSÁRIO A derrota da hiperinflação reordenou a economia brasileira e foi o pontapé inicial de uma nova fase de prosperidade. Duas décadas depois, no entanto, esse avanço corre riscos. GIULIANO GUANDALINI Em 1994, a seleção brasileira entrou em campo, na Copa dos Estados Unidos, sob o estigma de nunca ter vencido um título mundial desde 1970. No dia 17 de julho, com a vitória suada sobre a Itália, nos pênaltis, o time provou que era possível conquistar a taça novamente, mesmo sem ter Pelé vestindo a camisa 10 — afinal, todas as outras conquistas haviam sido obtidas com a ajuda decisiva do melhor jogador de todos os tempos. Mas as atenções dos brasileiros não estavam, na época, concentradas apenas nos gols de Romário e Bebeto. No dia 1º de julho de 1994, entrou em circulação o real, a nova moeda brasileira. Para o futuro do país, havia então um estigma extremamente mais importante a ser superado. O desafio era derrotar, de uma vez por todas, a hiperinflação, o maior mal pelo qual passou a economia brasileira em sua história. Os prognósticos de sucesso do Plano Real, que completa agora vinte anos, não eram dos melhores. Desde 1986, quando foi lançado o Cruzado, cinco planos para domar o dragão inflacionário foram testados, e todos fracassaram. Os brasileiros estavam cansados dos transtornos causados por medidas como congelamento de salários, tabelamento de preços, confisco de poupança. Por isso o time de políticos e economistas que concebeu e executou o Real precisou saber tirar lições decisivas dos erros cometidos nos planos anteriores. O Real vingou e prosperou. A geração de brasileiros que sai hoje das universidades não tem a menor ideia do que é viver em um país onde os preços nos supermercados eram remarcados duas ou três vezes no mesmo dia, e os salários perdiam metade de seu poder de compra em um único mês. O plano, porém, segue incompleto e, além disso, sofre ameaças decorrentes de equívocos cometidos, nos últimos anos, pela política econômica. Essas ameaças podem ser resumidas em três pontos: inflação acima da meta, truques nas finanças públicas e baixa produtividade. 1- A INFLAÇÃO FORA DA META A inflação acumulada desde o primeiro dia de vida do real, em 1º de julho de 1994, até hoje foi de 360%. Na média, houve uma alta de 8% ao ano — sem dúvida, ainda acima dos padrões de países desenvolvidos. Porém, antes do real, a inflação superava facilmente 8% em poucos dias. O recorde foi registrado em março de 1990, com uma alta de 82,4% — em um único mês. Isso significa que o dinheiro suficiente para adquirir uma cesta básica, depois de trinta dias, comprava pouco mais da metade dos produtos dessa mesma cesta. Chegar a esse estágio de descalabro monetário foi possível depois de anos de desequilíbrio nas finanças públicas, pois uma inflação extrema e de tal magnitude só pode ser atingida quando o governo vive para além de seus meios e imprime cada vez mais dinheiro, sem nenhum controle, para poder gastar ainda mais. Num ambiente assim, de incerteza com relação ao valor real da própria moeda, os investimentos minguam, porque as empresas não conseguem calcular exatamente os custos e a rentabilidade de seus projetos. Para os assalariados, a inflação representa uma queda no poder de consumo, porque os rendimentos nunca serão corrigidos numa velocidade superior à dos preços. O único a ganhar é o governo. Para o país como um todo, a hiperinflação significou duas décadas perdidas, por causa da queda no ritmo de crescimento econômico e da maciça concentração de renda, porque apenas os mais ricos, graças à indexação, conseguiam se defender da corrosão no poder de compra. Por tudo isso, perseverar no combate à inflação é essencial. Entretanto, esse é um ponto em que o governo tem fraquejado. Desde 2010, a inflação permanece continuamente acima do centro da meta oficial, de 4,5%. Nos últimos meses, o índice gira acima de 6% e existe grande possibilidade de encerrar o ano além do teto aceito para a meta, de 6,5%. O índice apenas não está mais elevado porque o governo vem se valendo de estratagemas como o represamento no reajuste de tarifas e do preço dos combustíveis. Além disso, o governo tem feito intervenções na cotação do dólar, impedindo uma desvalorização mais acentuada da moeda brasileira. Não fossem tais intervenções, calculam os economistas, a inflação já estaria na casa dos 8% ao ano. Não se trata, obviamente, de uma situação como a do passado hiperinflacionário. Porém, já há sinais de que os reajustes vêm corroendo o poder de compra das famílias, que são obrigadas a rever hábitos de consumo (leia a reportagem seguinte, a partir da pág. 60). O governo, entretanto, precisou fazer ajustes na sua política econômica, depois de ter ficado evidente o descontentamento da população. Afirma o economista Edmar Bacha, um dos pais do real: "Quando a presidente Dilma começou a perder popularidade por causa do aumento da inflação, ela mudou de rumo e jogou pela janela a chamada 'nova matriz econômica'. O Banco Central, de maneira atrasada, fez o que tinha de ser feito, aumentando os juros, e abandonou a tentativa de baixar a taxa na marra". O ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto também acredita que houve uma correção de rumo: "O governo foi pouco cuidadoso com a meta de inflação. O limite de tolerância acabou se transformando na meta. Mas houve uma mudança clara nos últimos meses". Valeu a manifestação de insatisfação dos eleitores para recolocar o governo no caminho do bom-senso, ainda que existam ajustes a ser feitos — algo que deverá ocorrer apenas depois das eleições de outubro. 2- TRUQUES NAS FINANÇAS PÚBLICAS O governo anunciou, na semana passada, a decisão de repassar à Petrobras, sem licitação, o direito de explorar mais quatro campos petrolíferos das jazidas do pré-sal. Com isso, a empresa estatal terá de pagar ao governo, ainda neste ano, estimados 2 bilhões de reais. A medida contribui para aumentar o valor dos ativos da estatal, debilitada pelas perdas bilionárias decorrentes da venda da gasolina abaixo do preço de custo. Para o governo, os 2 bilhões de reais adicionais representam um reforço no caixa, em um ano no qual, mais uma vez, não será fácil cumprir as metas orçamentarias. A nova transação relacionando uma grande estatal a interesses políticos e das finanças governamentais é o mais recente exemplo de como, na atual política econômica, um equívoco tem levado a outro. O governo mantém as suas despesas em alta e acima da arrecadação, mas, em vez de apertar o cinto, recorre a truques contábeis e à criação de receitas classificadas como extraordinárias (ou seja, não recorrentes), como a que será gerada pela concessão dos campos à Petrobras. O equilíbrio das finanças públicas constitui um dos pilares do chamado tripé da estabilidade macroeconômica, do qual fazem parte também as metas de inflação e o câmbio flutuante. Assim como os dois outros pilares, os seus princípios têm sido postos à prova nos últimos anos. Mesmo com o país tendo uma das maiores cargas tributárias do planeta, os recursos não são suficientes para fazer frente às demandas dos governantes e de seus aliados. Essa força exerce, por um lado, uma pressão por aumento do dinheiro em circulação, dificultando o combate à inflação, e, por outro, eleva o endividamento público. O resultado final é uma necessidade maior de financiamento público e uma alta das taxas de juros, reduzindo os recursos privados disponíveis para os investimentos. O corolário desse desequilíbrio é a queda no ritmo de crescimento da economia. Afirma o economista Pérsio Árida, sócio do banco BTG, ex-presidente do Banco Central e um dos principais formuladores do Real: "Um dos desafios atuais é implementar reformas estruturais e controlar os gastos do governo, além de abrir a economia à concorrência externa, para conseguir, ao mesmo tempo, taxas de inflação mais baixas e menores taxas reais de juros. Só assim criaremos as bases para o Brasil escapar da armadilha de baixo crescimento em que se encontra hoje". Para Gustavo Franco, ex-presidente do BC e também um dos pais do Real, os juros altos se devem a uma "condição patológica", conhecida como dominância fiscal. "Trata-se de uma situação em que as necessidades de financiamento do setor público, incluído o refinanciamento da dívida, estão além da capacidade dos mercados de capitais e da riqueza privada. Com isso, o financiamento do governo acaba competindo pela poupança privada. Competindo e vencendo, pois o Tesouro paga o que for necessário para se manter solvente", afirma Franco. "Nessa situação, os títulos públicos 'expulsam' os privados e o déficit público destrói ou enviesa o mercado de capitais — que existe quase exclusivamente para carregar a dívida pública. Há 2 trilhões de reais investidos em fundos mútuos no Brasil, e três quartos dessa quantia estão alocados em títulos da dívida pública. Conclusão: quem faz a taxa de juros no Brasil é a política fiscal, embora quem leve a culpa seja o BC." O governo, em vez de cortar gastos e fazer reformas, optou por truques contábeis que já não iludem mais ninguém. 3- A BAIXA PRODUTIVIDADE O crescimento econômico ocorre essencialmente graças a dois fatores. O primeiro deles é a incorporação de mais trabalhadores ao sistema produtivo. Assim, ocorre crescimento do PIB, o produto interno bruto, quando um maior número de operários produz mais carros ou máquinas, ou quando mais médicos atendem uma quantidade superior de pacientes, ou quando existem mais agricultores lavrando extensões maiores de terra. Mas país nenhum consegue crescer para sempre apenas graças à incorporação de novos trabalhadores. Quanto mais avançado o país, na verdade, menor o aumento de sua população economicamente ativa. Nesse estágio, o avanço do PIB depende de outro fator: o aumento da produtividade, ou seja, o aumento do total produzido individualmente pelos trabalhadores, tanto em quantidade como em qualidade. Por algum tempo, o Brasil conseguiu acelerar o seu ritmo pelo aumento do número de trabalhadores empregados, usando como estratégia a ampliação da oferta de crédito na economia e o incentivo ao consumo. Mas essa política funcionou enquanto havia ociosidade na economia. Agora o desemprego está historicamente baixo e falta mão de obra, sobretudo treinada. Por isso o avanço da economia dependerá, cada dia mais, do aumento na produtividade. "Só poderemos crescer, daqui para a frente, com mais produtividade dos trabalhadores empregados", afirma Delfim Netto. "Isso dependerá dos investimentos em infraestrutura. Precisamos incorporar mais tecnologia e preparar a mão de obra." Para Delfim, o governo possui esse diagnóstico, mas perdeu tempo na definição do modelo de concessão para os investimentos. Na avaliação do economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações, os investimentos, além de reformas estruturais, são vitais para reduzir o custo Brasil, principalmente no setor industrial. "É um desafio. Apenas um esforço concentrado do novo governo nas áreas técnicas, políticas e de consenso social poderá trazer resultados positivos no período mínimo que é o de um mandato presidencial." Já Edmar Bacha acredita que o problema para o país hoje não é mais a inflação, e sim a "carestia". Explica Bacha: "Carestia no sentido de tudo ser muito caro no Brasil. Os preços são surreais. O Brasil virou um país muito caro. É um problema que combina dois fatores: não apenas os custos, mas também a baixa produtividade. Não vivemos uma crise, como as anteriores, mas vivemos uma enfermidade: pibinho, déficit externo e desindustrialização. Precisamos de uma abertura da economia e da racionalização da carga tributária como dois critérios básicos para sair da atual enfermidade". A produtividade da economia brasileira tem aumentado, em média, a uma velocidade ao redor de 1%. Por isso não surpreende a queda no crescimento da economia para um ritmo interior a 2% ao ano, uma velocidade insuficiente para acelerar a queda na desigualdade de renda e para fazer o país superar, mais rapidamente, os anos de mazela e poucos investimentos. O Brasil, concordam os pais do real e também antigos ministros da Fazenda, não se vê diante de uma crise severa. O real também permitiu a derrota da inflação sem artifícios de fôlego curto, como a dolarização que lançou a Argentina no caos atual e numa crise sem fim. O país, entretanto, não pode dar os avanços como algo garantido e irrevogável. Os objetivos mais amplos do Plano Real, de colocar o Brasil no time das nações avançadas, ainda não foram atingidos. Se o país superar os desafios à frente, fará dos próximos vinte anos tempos ainda mais prósperos do que as primeiras duas décadas do real. O SONO DO DRAGÃO A inflação acumulada desde o primeiro dia de vida do real, em 1º de julho de 1994, até hoje é de 360%. Na média, os preços subiram a um ritmo de 8% ao ano nessas duas décadas. Antes do real, a inflação superava esse índice em poucos dias. Em 1993, às vésperas do Plano Real, a inflação anual, medida pelo IPCA, bateu seu recorde: 2477% (em porcentagem) Fontes: IBGE e Ipeadata 1980: 99,3 1981: 95,6 1982: 104,8 1983: 164 1984: 215,3 1985: 242,2 1986: 79,7 1987: 363,4 1988: 980,2 1989: 1972,9 1990: 1621 1991: 472,7 1992: 1119,1 1993: 2477,2 1994: 916,5 1995: 22,4 1996: 9,6 1997: 5,2 1998: 1,7 1999: 8,9 2000: 6 2001: 7,7 2002: 12,5 2003: 9,3 2004: 7,6 2005: 5,7 2006: 3,1 2007: 4,5 2008: 5,9 2009: 4,3 2010: 5,9 2011: 6,5 2012: 5,8 2013: 5,9 VISÕES PARA O FUTURO DO PAÍS E DO REAL Economistas experientes com passagem pelo governo, incluindo formuladores do plano de estabilização, analisam os riscos às conquistas do plano econômico e os desafios fundamentais que se colocam para a economia brasileira nos próximos anos. GUSTAVO FRANCO Ex-presidente do Banco Central “As ameaças à solidez do real têm a ver com reformas que não foram feitas ou ficaram pela metade ou foram revertidas nos últimos anos. Regredimos em resultado primário e, assim, mantivemos um nível elevado de endividamento público. Não avançamos nas disposições sobre orçamento da Lei de Responsabilidade Fiscal, tampouco sobre planos de contas públicas.” RUBENS RICUPERO Ex-ministro da Fazenda “O governo se desviou dos princípios do Real. Um deles era a recusa em adotar qualquer medida de congelamento de preços. O outro é o da transparência. No Real, para resgatar a confiança na política econômica, as medidas eram anunciadas com antecedência e explicadas à imprensa, à população e à opinião pública.” PÉRSIO ÁRIDA Ex-presidente do Banco Central “O risco é que a inflação ultrapasse o teto do sistema de bandas. Vários preços administrados estão defasados. O desafio é retomar a agenda de modernização: abrir comercialmente a economia, implementar reformas e controlar os gastos do governo para obter taxas de inflação mais baixas e menores taxas reais de juros. Só assim criaremos as bases para o Brasil sair da armadilha de baixo crescimento.” DELFIM NETTO Ex-ministro da Fazenda “As agências reguladoras são instituições importantíssimas e precisam ser preservadas. Devem ser órgãos técnicos, independentes. As concessões duram trinta anos. Se a agência tomar decisões políticas, ninguém investe. Com elas aparelhadas, os investidores não têm a garantia de que os contratos serão cumpridos. A produtividade só pode aumentar se houver investimentos em infraestrutura.” MAILSON DA NÓBREGA Ex-ministro da Fazenda “Quando há a sensação de que a inflação real é mais alta do que a que mostram os institutos, é comum que surjam propostas de mudança na cesta de produtos para tentar refletir melhor o indicador. Uma iniciativa cogitada pelo governo foi tirar do índice alimentos que sofrem reajustes sazonais muito altos. Mas, assim que a informação veio a público, o governo a negou, felizmente.” EDMAR BACHA Ex-presidente do IBGE e do BNDES “O problema hoje nem é mais de inflação, mas de carestia. Carestia no sentido de tudo ser muito caro no Brasil. Os preços são surreais. O Brasil virou um país muito caro. É um problema que combina dois fatores: a alta dos preços em si, que é a inflação, e também a baixa produtividade. Tudo aqui custa um absurdo. A economia é muito fechada e a carga tributária, absurda.” COM REPORTAGEM DE MARCELO SAKATE 4#2 A INFLAÇÃO DE CADA UM Dependendo dos hábitos de consumo, do estado conjugal, do número e da idade dos filhos, cada tipo de consumidor tem o próprio índice de preços. É esse o indicador que conta no planejamento doméstico. ANA LUIZA DALTRO E MALU GASPAR Mesmo em tempos de estabilidade relativa de preços e inflação sob controle por parte do governo, cada consumidor sofre diferentemente com a carestia. Essa inflação pessoal depende da cesta básica de produtos de cada um, que é determinada por diversos fatores. As pessoas solteiras gastam mais com bares, roupas, festas e viagens do que as casadas. Casais com filhos em idade escolar compram produtos que não entram na lista dos aposentados que moram sozinhos, e assim por diante. Como os preços de pacotes turísticos, cadernos, livros e remédios sobem em ritmo distinto, também a inflação de quem gasta mais com cada um desses itens vai variar de maneira diversa. Em períodos menos estáveis, como o que vivemos agora, saber calcular a inflação pessoal é decisivo para o planejamento doméstico. "No momento atual, em que a inflação de serviços é de 9%, contra 6,4% da taxa média, a classe média sofre mais", explica o economista e colunista de VEJA Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda. Nos tempos da hiperinflação, felizmente debelada pelo Plano Real, há duas décadas (veja a reportagem anterior), era vital ter disciplina para não sucumbir ao turbilhão de preços. A situação pode ser entendida assim: imagine que com 100 reais o consumidor podia comprar no dia em que recebia seu salário 8 quilos de filé-mignon, mas trinta dias depois a mesma quantia dava para comprar apenas 1 quilo da carne. O poder de compra da moeda se evaporava hora a hora. Ou se enchia o carrinho de supermercado no dia em que o pagamento caía na conta bancária, ou já no dia seguinte a lista de compras teria de ser menor. Estamos, felizmente, longe de um cenário de horror semelhante, mas para muitas pessoas o planejamento voltou a ser crucial. Diz a aposentada Darcy Mattos, de 76 anos, uma das fundadoras, em 1983, do Movimento das Donas de Casa de Minas Gerais e que hoje dá consultoria sobre como consumir com inteligência: "Se a presidente Dilma quiser, mostro a ela como os preços subiram mais do que se aceita oficialmente. Temos tudo anotado". Não é só a heroica geração da resistência à hiperinflação que percebe a subida dos preços. O engenheiro Felipe Nardi, 30 anos, acompanha a evolução dos preços de serviços e dos produtos que compra desde os tempos de faculdade. Segundo ele, essa disciplina, antes um registro útil, se tornou imprescindível agora. Diz Nardi: "Se eu bobear, o aumento do custo de vida atropela meu orçamento". Samy Dana, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), ressalta o fato de que, por mais disciplinado que seja o consumidor, em muitos casos não terá a opção de escolher o menor preço ou mesmo mudar seu perfil de gastos. "A concorrência no setor de serviços é muito menor do que parece. Em São Paulo, se eu trabalho no Brooklin, não adianta que exista nos Jardins um restaurante por quilo muito mais barato. Eu não tenho como almoçar lá e voltar", diz Samy. A preocupação com a carestia, que por tantos anos foi dando trégua, recrudesceu e hoje entra no radar das famílias e exige ajustes. Os pais do estudante Ricardo Paiva Renesto, de 22 anos, abriram mão de viagens e da compra de roupas para continuar a bancar a mensalidade de mais de 3000 reais da faculdade de administração do filho. Outras despesas foram remanejadas. "Os livros que a faculdade pede são importados e chegam a custar mais de 400 reais cada um", conta Renesto. Para enfrentar a nova realidade, ele pega livros na biblioteca, deixou de frequentar restaurantes e aprendeu a cozinhar. São ajustes brandos em comparação com as manobras de atletas olímpicos exigidas para sobreviver à inflação no passado. Mas o dragão inflacionário é tinhoso. Um de seus truques é justamente fingir que não existe. FAMÍLIA COM CRIANÇAS Assim que Kassem completou 2 anos, a empresária Barbara Saleh vendeu o berço, o carrinho e os acessórios. "Mas, pouco tempo depois, eu engravidei", diz. Ao montar o enxoval para Sueli, ela se assustou com preços até 40% mais altos e decidiu recorrer a uma amiga que estava na Alemanha, para importar os produtos. O PREÇO DA EDUCAÇÃO A administradora carioca Andrea Rocha, 50 anos, chamou os filhos Guilherme, 15, e Mariana, 12, para uma conversa séria no início do ano: precisavam economizar. "No ano passado, gastei 40.500 reais com a educação deles; neste ano, cortando despesas, serão 46.000 reais. Escola e curso de inglês são prioridades, mas a inflação torna tudo mais difícil", diz Andrea. A principal mudança se deu no transporte escolar - os dois agora voltam para casa de ônibus. A MÃE DO BEBÊ Quando estava grávida de Nina, sua primeira filha, a servidora da Justiça Federal Karina Medeiros de Abreu decidiu criar com amigas que também esperavam um filho ou têm crianças pequenas um grupo para doar as roupas de um bebê para outro. Dele fazem parte médicas, advogadas e outras mulheres com condições para comprar o enxoval, mas que adotaram a alternativa para aliviar o custo da despesa no orçamento. ECONOMIA NA NOITE O aumento de até 15% no último ano no preço de seus restaurantes preferidos e do cinema não impediu o engenheiro aeroespacial Felipe Nardi, 30 anos, de continuar a frequentá-los. Mas ele diz que só conseguiu preservar os programas de lazer graças a um controle minucioso das despesas. Ele monta planilhas no Excel, faz projeções dos ganhos e usa um aplicativo no celular para controlar os gastos e o saldo. "Consigo planejar as despesas e evitar o desperdício", diz Nardi. O JOVEM SOLTEIRO O futebol entre amigos toda segunda-feira agora exige uma viagem mais longa de carro, para uma quadra afastada do centro de Campinas. Foi essa a solução que o empresário Leandro Sobreira Vicente, 26 anos, e seus colegas encontraram para fugir do reajuste de 120 reais para 180 reais no valor do aluguel do local em que jogavam. A mensalidade da academia subiu 11%. Para contornar o aumento de 50% nos suplementos alimentares, passou a importá-los pela internet. ORÇAMENTO APERTADO O aumento no custo com alimentação e serviços, entre eles saúde e educação, reduz o poder de compra dos salários (variação em doze meses encerrados em maio, em porcentagem) O CUSTO DOS PETS O biscoito para cães foi eliminado. O tapete higiônico é substituído por jornal. Quando faz calor, o banho é dado no quintal de casa. Essa é a nova rotina de Nadal, um border collie, e Bibi, um vira-lata. São os animais da família Lopes Ronzani. "A ração aumentou mais de 50% desde o ano passado. Nós compramos o produto em grande quantidade para conseguir preços melhores, mas ainda está caro", diz Heloísa, a filha mais nova. ATIVISTA DOS PREÇOS A redatora publicitária Bianca Borges, 28 anos, não se contenta em reclamar da inflação. Ela colabora com iniciativas como "Rio $urreal" e "Se Vira no Rio", páginas no Facebook que denunciam preços abusivos, sugerem programas mais em conta e promovem atos de protesto. O mais comentado foi o "isoporzinho" em que cariocas levavam a própria comida e bebida a encontros em espaços públicos. "Fico indignada com os preços surreais", esbraveja. ÍNDICE GERAL 6,4 Tangerina 102,5 Chá 47,7 Carvão vegetal 19,3 Feijão-preto 18,2 Alface 18,2 Alcatra 16,5 Refrigerador 16,3 Ingresso para jogo 15,6 Cafezinho 15,1 Farinha de trigo 13,8 Leite em pó 13,4 Educação infantil 11,9 Fralda descartável 11,8 Eletrodomésticos e equipamentos 11,6 Cerveja 11,3 Cigarro 11,3 Hotel 11,2 Empregado doméstico 11,1 Ensino fundamental 11 Médico 10,7 Ensino médio 10,5 Aluguel residencial 10,4 Estacionamento 10,2 Manicure 10,1 Alimentação fora do domicílio10,1 Refrigerante e água mineral 9,8 Cimento 9,5 Alimento para animais 9,4 Plano de saúde 9,1 Cabelereiro 9,1 Sabão em pó 9 Tratamento de animais 8,4 Ensino superior 8,1 Energia elétrica residencial 8 Cinema 7,3 Aluguel e taxas 7,2 Creche 7,2 Táxi 6,5 Brinquedo 6,1 Tomate 5,7 Roupa 5,2 Automóvel novo 4,4 Gasolina 4,4 Etanol 4,2 Telefone celular 2,8 Passagem aérea 1,3 TV por assinatura com internet 1,1 Metrô -1,5 Televisor -4,6 Feijão-carioca -38,4 Fonte: IBGE COM REPORTAGEM DE BIANCA ALVARENGA, CINTIA THOMAZ, GIAN KOJIKOVSKI E LEONARDO MOTTA __________________________________ 5# INTERNACIONAL 2.7.14 5#1 O CHÁVEZ ESPANHOL 5#2 “CUBA AJUDOU A CAMPANHA DO PT” 5#1 O CHÁVEZ ESPANHOL Como um professor, cuja ONG recebeu 3,7 milhões de euros do governo venezuelano, quer implantar o bolivarianismo na Europa. TATIANA GIANINI Não há na atualidade um país em que uma ideologia política, sem nuances étnicas nem religiosas, tenha produzido uma tragédia tão vistosa como a Venezuela. O bolivarianismo de Hugo Chávez, morto em 2013, jogou o país em uma crise econômica incontornável. Faltam produtos básicos nos mercados e os protestos violentamente reprimidos seguem nas ruas. Na semana passada, o ministro do Planejamento, Jorge Giordani, foi demitido pelo presidente Nicolás Maduro por criticar a corrupção e o gasto excessivo na última campanha eleitoral de Chávez. Pois não é que esse modelo fracassado começou a ganhar terreno do outro lado do Oceano Atlântico, na Espanha? Com pouco mais de três meses de existência, o partido espanhol Podemos conquistou cinco cadeiras no Parlamento Europeu. Seu dirigente mais conhecido é Pablo Iglesias, de 35 anos, professor de ciência política na Universidade Complutense de Madri. Suas ideias são uma reprodução fidedigna de tudo o que foi feito na Venezuela pelo chavismo. A única diferença é a troca dos Estados Unidos pela Alemanha como bode expiatório para os problemas nacionais. A afinidade ideológica não é um acaso. Entre 2002 e 2012, a ONG Centro de Estudos Políticos e Sociais (Ceps), na qual Iglesias tem cargo de direção, recebeu 3,7 milhões de euros de diversas autarquias venezuelanas, incluindo o gabinete presidencial. Pela lei espanhola, partidos políticos não podem ser financiados por governos estrangeiros, mas nada impede ONGs de o fazer. Os detalhes dos pagamentos recebidos por Iglesias na Venezuela foram revelados pelo jornal El País, que teve acesso aos relatórios contábeis do Ceps no Ministério da Cultura espanhol. De acordo com os registros, o Ceps prestou colaboração técnica para a cadeia de televisão chavista Telesur, deu cursos a funcionários do Ministério do Interior e da Justiça venezuelano sobre "neoliberalismo, globalização e reação social", capacitou funcionários de prisões, montou uma rede de constitucionalistas e ainda deu apoio técnico nas áreas "administrativa, jurídica e econômica" diretamente a Chávez. Iglesias trabalhou na Venezuela entre 2006 e 2007. Em alguns anos, a contribuição venezuelana representou mais de 80% dos ingressos da ONG. Os petrodólares deram a Iglesias a liberdade para falar coisas que esquerdistas de outros países há muito tempo já não dizem em público. Ele chama as classes altas de "casta" e diz que "Chávez morto é invencível". O populista conquistou principalmente jovens desempregados. A maioria dos espanhóis, porém, rechaça o modelo venezuelano. "O país é um exemplo de tudo o que deve ser evitado, como autoritarismo, populismo, ineficiência, corrupção, violação de direitos e liberdades", diz o cientista político espanhol Ferran Requejo, da Universitat Pompeu Fabra, em Barcelona. Na segunda-feira 23, Iglesias foi interpelado durante um evento em Madri pelo garçom Alberto Casillas, que viveu 25 anos na Venezuela. "Em que você assessorou a Venezuela? Na repressão contra a minha filha, estudante de comunicação da Universidade Católica? Você assessorou a Venezuela, onde minha esposa não pode comprar papel higiênico nem comida? Na repressão contra os estudantes? Responda, responda! Na Venezuela estão matando os jovens." Direto ao ponto. 5#2 “CUBA AJUDOU A CAMPANHA DO PT” De 1977 a 1994, Juan Reinaldo Sánchez foi membro da elite do serviço de inteligência cubano e guarda-costas do ditador cubano Fidel Castro. Nas viagens internacionais, era ele quem fazia o trabalho de contraespionagem da comitiva de Fidel. Do exílio em Miami, Sánchez falou ao editor Leonardo Coutinho sobre um tema não incluído em seu recém-lançado livro A Vida Secreta de Fidel: as relações do PT com o regime cubano. Quando o senhor conheceu Luiz Inácio Lula da Silva? Foi em 1989, no Palácio da Revolução, na antessala do despacho de Fidel. Manuel Piñeiro, então chefe da Direção-Geral de Inteligência, apresentou Lula para mim e para os demais guardas. Piñeiro disse: "Lula da Silva será o futuro presidente do Brasil". O senhor acompanhou todo o encontro entre Fidel e Lula? O que foi discutido? Sim, eu estava presente. A conversa era sobre o apoio que Cuba, por meio do Departamento América do Comitê Central do Partido Comunista, daria à campanha de Lula à Presidência do Brasil. Não sei se foi enviado dinheiro. O que foi acertado, e disso eu tenho certeza, foi o envio, para o Brasil, de agentes cubanos capazes de garantir a segurança das comunicações da campanha e também de espionar as dos adversários. Esses agentes faziam espionagem e contraespionagem para conseguir informações com o objetivo de influenciar a eleição. É evidente que isso custou dinheiro a Cuba. Não sei se eles atuaram nas outras disputas eleitorais brasileiras. Em 2005, VEIA revelou que a campanha de Lula, em 2002, recebeu 3 milhões de dólares vindos de Cuba. O senhor sabe algo sobre isso? Eu não trabalhava mais na guarda pessoal de Fidel nesse ano. Mas, conhecendo a maneira de atuar do governo cubano, o mais plausível é que o regime tenha servido apenas de ponte, angariando recursos junto a outros países da região. Nessa fase, Cuba já não tinha condições financeiras de ajudar na campanha de Lula. Os médicos que Cuba enviou ao Brasil atuam como espiões do regime? Sim, sempre foi assim. Segundo o conceito da inteligência cubana, todo cidadão que sai em missão fora do país, seja diplomática, seja de cooperação, tem como tarefa a busca de informações sensíveis ao governo cubano. Antes de partir, os médicos recebem treinamento de dois oficiais, um da inteligência e outro da contra-inteligência. Quando chegam ao país de destino, há um coordenador a quem eles devem se reportar. Na Venezuela, por exemplo, os médicos cubanos que visitam a casa dos pacientes devem atentar para a orientação política da família. Como fazem isso? Observam se há fotos de Hugo Chávez na parede ou se os moradores reclamam do governo. Esses detalhes são incluídos em relatórios enviados ao coordenador. Posteriormente, essas informações permitem à inteligência cubana determinar as características ideológicas de determinadas áreas ou bairros. Os médicos também são orientados a delatar os colegas que ameaçam fugir. ___________________________________ 6# COPA 2.7.14 6#1 OS BONS ARES DO BRASIL 6#2 O PAÍS DO SOCCER 6#3 CRAQUELÂNDIA 6#4 CHOVA OU FAÇA SOL, LOUCOS POR FUTEBOL 6#5 UMA PÁGINA HISTÓRICA 6#6 HUMOR – MENDES PEDREIRA – AGAMENON 6#1 OS BONS ARES DO BRASIL O Mundial de 2014 ficará conhecido como um marco do soft power na conquista de corações e mentes LESLIE LEITÃO, DE PORTO ALEGRE Soft power, ou poder suave, é o termo usado na diplomacia para definir a competência de um país para conseguir o que deseja por meio de sua cultura e de sua imagem, de sorrisos e paciência, em oposição a balas e canhões. O conceito foi delineado nos anos 1990 pelo cientista político americano Joseph Nye. O Brasil da Copa é hoje o mais interessante laboratório do soft power do mundo. Para além do belo futebol nos gramados (veja a reportagem na pág. 74), a alegria que tomou conta do país talvez seja o único legado incontestável do torneio. Não é algo concreto, não há como medi-lo em cifras, não se vende na bolsa de valores, mas é inegável. Diz Stefan Szymanski, coautor do livro Soccernomics, detalhada avaliação dos quase inexistentes impactos econômicos positivos de grandes eventos esportivos: "A melhor razão de todas para sediar a Copa do Mundo é a felicidade nacional". Os problemas de sempre permanecem, ou foram apenas temporariamente abafados: os crimes, a inépcia do serviço público, o badalado jeitinho que nada mais é que a antessala da corrupção. Houve casos de furto de ingressos de gente desavisada dos gatunos e o onipresente pedido de dinheiro para parar o carro, mesmo em locais proibidos (nas cercanias do Itaquerão, o valor chegou a 50 reais). Tudo isso ainda está aí. Mas, se fosse possível transportar o Brasil para dentro de um estádio, teríamos um país menos desigual, honesto em quase todas as suas atitudes e francamente afeito a abraçar os estrangeiros. Antes da Copa, a presidente Dilma Rousseff disse que "ninguém, quando voltar do Brasil, sairá daqui e levará na mala estádio, aeroporto, obras de mobilidade urbana". Azar de quem fica, porque haverá muito estádio feito elefante branco (o que será mesmo das arenas Amazônia e Pantanal?), aeroportos precários e obras de mobilidade urbana que não saíram do papel. Mas, nas duas primeiras semanas do mágico mês da Copa, até agora deu tudo certo, no avesso das previsões apocalípticas. Estima-se que 1,2 milhão de turistas passarão pelas cidades-sede, em grupos migratórios deslocando-se prioritariamente de carro e ônibus, mais do que de avião. Desse total, 75% passariam pelo Rio de Janeiro. Uma das métricas usadas para contar o número de turistas que viriam ao Brasil era a venda de ingressos pelo site da Fifa. Os brasileiros, naturalmente, apareciam na liderança, com 1,3 milhão de tíquetes. Em seguida, os americanos, com pouco mais de 196.000. O terceiro posto era dos argentinos, com 61.000, um pouco à frente dos chilenos, com 38.000. Descobre-se, agora, que são números inconclusivos, dada a quantidade de torcedores de países vizinhos que vieram sem ingresso. "Ainda estamos procurando um hotel para ficar. Não temos nem bilhetes, nada", diz Maximiliano Garin, argentino que saiu com o irmão e três amigos da cidade de Ceres, ao norte de Santa Fé, e dirigiu 1700 quilômetros até Porto Alegre. "Era uma chance única na vida. Os próximos Mundiais serão na Rússia e no Catar, lugares distantes e sem graça." A euforia, contudo, pode embotar a visão. Tostão, craque na bola e nas crônicas, tem uma interpretação mais ponderada. "É um fenômeno que acontece em todas as Copas", diz. "No Brasil esse congraçamento fica um pouco mais em evidencia por termos um povo expansivo." A expansividade faz toda a diferença. Dentro desse laboratório demográfico em que o Brasil se transformou desde 12 de junho, nenhuma experiência é mais interessante que acompanhar os torcedores argentinos, que já passaram por Rio, Belo Horizonte e Porto Alegre. Próxima parada: São Paulo. Apenas em janeiro deste ano, 116.000 argentinos cruzaram as fronteiras a caminho das praias brasileiras. Na semana passada, somente nos quatro dias que antecederam o jogo contra a Nigéria, no Beira-Rio, pelo menos 37.000 entraram no país. VEJA acompanhou o êxodo rumo ao Brasil. No posto de Uruguaiana, na fronteira com a Argentina, um grupo de cinquenta argentinos entoava o clássico e provocativo "Maradona es más grande (melhor) que Pelé". Um policial brasileiro, amante de futebol, irritou-se e soltou um brado retumbante: "Se continuarem a cantar isso vamos parar o atendimento". Foi atendido. A maioria dos turistas seguiu viagem e não entrou no estádio. Foi para o clássico Acampamento Farroupilha, onde pelo menos 20.000 pessoas, numa maré alviceleste, acompanharam a vitória contra a Nigéria. Atrás deles, trailers, barracas e o indefectível churrasco. Turistas faziam selfies com policiais, no avesso do que ocorreu, por exemplo, na superprotegida Copa de 1974, na Alemanha. "Os brasileiros cedem água quente para tomarmos mate, e dão até comida para alguns que não tinham nem dinheiro para comer e mesmo assim vieram", conta o professor de tênis Esteban Magalinas. Uma canção entremeava os gritos de gol: "Somos locales otra vez", para dizer que se sentem em casa. Os brasileiros respondiam nos estádios onde jogou a Argentina, com medo de encontrar Messi lá na frente: "América Latina, exceto a Argentina". É uma provocação esmaecida por uma coleção de gestos simpáticos. Não há outro modo de enxergar a brandura no trato com os forasteiros do que observar pequenas histórias do cotidiano. Honestidade? O taxista Adilson Luiz da Cruz, de 42 anos, encontrou quarenta ingressos de jogos da Copa no banco de trás do carro e os devolveu aos donos, torcedores, mexicanos. Solidariedade? O porteiro Luiz Gonzaga, que trabalha em um prédio próximo ao Maracanã, virou sua televisão para que cerca de cinquenta torcedores chilenos sem ingresso pudessem ver, aglomerados em frente à grade, sua seleção bater a Espanha por 2 a 0. Em que outra Copa foram vistas cenas como a de um grupo de jogadores da seleção do México disputando uma pelada com garotos de 15 anos na praia, em Santos, tendo como estrela o astro Chicharito? Boa parte dos estrangeiros cita as pequenas atitudes gentis como o diferencial do Brasil. Na partida entre México e Croácia, na Arena Pernambuco, duas mexicanas tentaram, sem sucesso, comprar dois sacos de pipoca durante o intervalo. O motivo: só tinham dólares na carteira. Um brasileiro, ao ver a cena, fez as vezes da casa de câmbio para ajudá-las. Houve relatos de paulistanos e paulistanas que, nas ruas de um dos bairros boêmios da cidade, a Vila Madalena, fechada em dias de jogo, se passaram por estrangeiros para ter mais sucesso na hora da paquera. Deu certo, suavemente. O Brasil vence de goleada, mas é chato lembrar que um dia a Copa acaba. Não será pequena a depressão pós-Copa. COM REPORTAGEM DE ALEXANDRE SALVADOR, KALLEO COURA E RENATA LUCCHESI 6#2 O PAÍS DO SOCCER Não é como no Brasil, evidentemente, mas os Estados Unidos começam a se interessar pela bola redonda. Foi um momento curioso. Em 17 de junho de 1994, Alemanha e Bolívia jogavam a partida de abertura da Copa em Chicago. Como o Mundial era disputado pela primeira vez nos Estados Unidos, as redes abertas de televisão transmitiam ao vivo. Subitamente, vinhetas eletrônicas interromperam a programação. Foi ao ar a perseguição policial ao furgão do ex-astro de futebol americano e ator O.J. Simpson, procurado pelo assassinato da ex-mulher e um amigo. A Copa desapareceu das telas e não voltou mais. Imagine a Globo cortar Brasil e Croácia para exibir a fuga de um ex-futebolista decadente. Os responsáveis seriam levados ao paredão e fuzilados por cada um dos 42,9 milhões de brasileiros que acompanhavam o jogo inaugural no Itaquerão. Não haveria sanha semelhante, nos Estados Unidos, se na última quinta-feira, 26, na derrota americana para a Alemanha (1 x 0), as emissoras de lá trocassem o futebol por algo supostamente mais chamativo — no entanto, a grita seria imensa, exponencialmente maior do que em 1994. No empate entre EUA e Portugal por 2 a 2, no dia 22, 18,2 milhões de americanos acompanharam o jogo por emissoras a cabo (outros 6,5 milhões de espectadores viram a partida em canais latinos). É audiência menor apenas, neste ano, que a do futebol americano, especialmente o Super Bowl, visto por 111 milhões de telespectadores. O soccer, ops, o futebol, deixou para trás as últimas finais da NBA e do beisebol. Nas ruas de grandes cidades, como Chicago, dezenas de milhares de pessoas se aglomeraram diante de telões. O presidente Barack Obama se fez fotografar a bordo do Air Force One ligado na Copa. A renomada revista The Atlantic já compara o pequeno frenesi dos americanos durante a Copa com o entusiasmo pelos Jogos Olímpicos. É exagero, ainda que uma vitória contra a Bélgica nas oitavas, em Salvador, possa multiplicar as ondas de interesse. A recente paixão de alguns americanos pelo futebol é suficiente para expor ao ridículo opiniões como a da cronista Ann Coulter, a "musa conservadora", que atribui o sucesso do futebol à mudança demográfica americana, com o avanço das populações hispânicas. "Eu garanto: nenhum americano cujo bisavó tenha nascido aqui está vendo futebol. A esperança é que esses novos americanos, além de aprender inglês, percam o fetiche pelo futebol com o tempo", diz ela. Dos 23 convocados por Jürgen Klinsmann há apenas três latinos. São oito negros e doze brancos, alguns com jeitão de surfista californiano. ALEXANDRE SALVADOR 6#3 CRAQUELÂNDIA Numa vitória do talento individual sobre o jogo coletivo, coube a Neymar, Messi e Robben ditar o tom de uma primeira fase repleta de belos gols e jogadas antológicas. SÉRGIO RODRIGUES "No time de Pelé, só ele existe e o resto é paisagem", escreveu Nelson Rodrigues, o maior dos cronistas esportivos brasileiros, em 1966. Essa defesa intransigente da supremacia do brilho individual sobre o jogo coletivo encontra na Copa do Mundo de 2014, quase meio século depois, a mais contundente das provas. Bastaria substituir Pelé por Neymar, Messi ou Robben — os três talentos mais cintilantes da primeira fase, encerrada na quinta-feira 26 — para a frase de Nelson ganhar ares de uma explicação atual e convincente sobre a qualidade incomum do futebol exibido nos campos brasileiros. Quaisquer que sejam os próximos capítulos de uma trama que pode incluir todo tipo de surpresa, por levar os competidores a jogar sua sobrevivência em noventa minutos, a fase de grupos da Copa já deixou para a antologia dos Mundiais um punhado de lances protagonizados por craques em estado de graça. Se não contasse com Neymar no auge da forma e da autoconfiança para marcar quatro dos sete gols da equipe e criar suas principais jogadas, a insegura seleção brasileira teria corrido risco de eliminação num grupo de dificuldade mediana. Caso não tivesse Messi — que, mesmo sem participar dos jogos com a intensidade de seu companheiro de Barcelona, foi autor de quatro dos seis gols da equipe —, a Argentina certamente teria amargado o vexame da desclassificação num grupo fácil. Não se trata de enfatizar a "dependência" que essas seleções têm de seus astros, apontada com preocupação por alguns analistas: é normal que gênios sejam decisivos. Ocorre que apenas raramente, como Garrincha em 1962 e Maradona em 1986, chegam a se destacar tanto da "paisagem" mencionada por Nelson Rodrigues a ponto de merecer do torcedor o veredicto unânime de que "ganharam sozinhos". Bastaria o que já mostraram Neymar e Messi na fase classificatória para fazer do Mundial do Brasil, pelo menos até aqui, a Copa dos craques. Houve outros motivos. Com o auxílio do atacante Van Persie, que marcou de cabeça contra a Espanha o gol mais bonito das duas primeiras semanas do torneio, o velocista Robben, fenômeno capaz de dar um pique vertiginoso no último minuto de uma partida, tornou temível uma Holanda que, coletivamente, pouco fez além de se defender. Menos chamativo e mais sintonizado com o trabalho dos companheiros, o meia colombiano James Rodríguez foi um exemplo raro de craque clássico, organizador de jogo, mas mostrou que também tem luz própria ao marcar um lindo gol contra o Japão. Na Alemanha, o destaque individual coube a Müller, que voltou a mostrar grande facilidade para vazar goleiros e, mesmo estando alguns degraus abaixo de Neymar e Messi na exuberância futebolística, dividiu com eles a artilharia de uma primeira fase recordista em gols. Foram marcados 136 em 48 partidas, a maior média (2,83 gols) desde que os Mundiais passaram a ter tantos jogos, em 1982. Seria preciso recuar até 1970, uma Copa decidida em 32 disputas, para encontrar média superior (2,97 gols). Para esse toró de bolas na rede o centroavante Miroslav Klose contribuiu com uma só, mas decisiva, empatando em seu primeiro toque na Brazuca um jogo que a Alemanha perdia de 2 a 1 para Gana. Foi o suficiente para que alcançasse Ronaldo na artilharia dos Mundiais, com quinze gols, e também para demonstrar que nem sempre o brilho individual vem do craque. No caso de Klose, vem de um jogador limitado que, em sua quarta Copa, fez história. Sorte, oportunismo, predestinação? Tudo isso vale. O que não vale é morder o adversário, como fez o destemperado Luís Suárez com o zagueiro italiano Chiellini, privando o classificado Uruguai de seu craque (veja na pág. 78), numa cena que superou em bizarrice a cabeçada de Zidane em 2006. Outros astros também disseram adeus, entre eles Pirlo, o veterano maestro da Itália, e Cristiano Ronaldo, o atual melhor jogador do mundo, numa prova de que, se os grandes talentos têm o poder de transformar seus times numa paisagem povoada por coadjuvantes, podem encontrar dificuldade para sobreviver quando a paisagem é muito árida. Além de ser dos craques, a primeira fase da Copa foi também da surpreendente Costa Rica, a primeira colocada no chamado "grupo da morte" (veja na pág. 82). Bem organizada e com alguns jogadores de talento, em especial o atacante Campbell, mas sem um craque propriamente dito, a seleção costa-riquenha cumpriu o papel de demonstrar que o futebol, apesar da tirada rodriguiana, é um esporte coletivo. Estrelas podem fazer a diferença, mas só quando conseguem ter um desempenho à altura da fama. É difícil imaginar lição mais valiosa para as rodadas de fogo que vêm agora. PÉ DIREITO - Neymar lembra a clássica pose dos pés tortos de Jânio Quadros em seu primeiro gol contra Camarões: único jogador em estado de graça numa seleção nervosa e desprovida de meio de campo, o craque brasileiro esbanjou autoconfiança e marcou quatro dos sete gols do time, reacendendo na torcida a esperança de uma campanha vitoriosa. SÓ DEU ELE - Em jogada individual, Messi deixa dois bósnios no chão para marcar o gol da vitória em sua primeira vez no Maracanã, façanha que repetiria nos acréscimos do jogo contra o Irã: frágil na defesa e sem inspiração no ataque, a Argentina se mostrou ainda mais dependente de sua grande estrela do que o Brasil. CABEÇA PARA BAIXO - A hierarquia que situa os craques no topo do futebol foi contrariada mais uma vez: tecnicamente limitado, mas artilheiro nato, Miroslav Klose empatou com Ronaldo em número de gols marcados em Copas do Mundo e livrou a seleção alemã de uma derrota para Gana. TOQUE DE CLASSE - Com a cavadinha que venceu o goleiro japonês, após dois dribles secos no zagueiro, o jovem craque colombiano James Rodríguez, chamado em seu país de "o novo Valderrama", mostrou que não é apenas um meia clássico, daqueles que se dedicam mais à organização do jogo coletivo do que ao brilho individual. QUE BELEZA! - Um mergulho para a galeria dos mais plásticos gols da história das Copas: a difícil cabeçada que Van Persie acertou contra a Espanha abriu a goleada que ajudaria a eliminar os campeões do mundo, inscrevendo a Holanda entre os principais candidatos ao título. O VELOCISTA - Robben arranca pela ponta esquerda já nos acréscimos da partida contra o Chile: o fôlego de menino do veterano atacante holandês foi impressionante, mas não valeria muito sem a lucidez e a precisão do cruzamento que ele fez para Depay selar a vitória por 2 a 0. 6#4 CHOVA OU FAÇA SOL, LOUCOS POR FUTEBOL No sentido figurado, claro. Mas em alguns casos parece alucinação coletiva. Teve o mordedor serial suspenso, caso que uruguaios atribuíram a uma conspiração mundial; o que ameaçou o técnico com garrafa quebrada; um avião de dinheiro vindo da África sem nem estar escondido na cueca; e um príncipe submetido a assédio coletivo. E Maradona passou a usar brincos de pérola. Dois, na mesma orelha. Os bichos estão soltos, os instintos tribais começam a ultrapassar o campo simbólico do futebol e, cada vez mais, aqui tem um bando de loucos. • Saudados como campeões nos últimos 64 anos, desde aquela final trágica para o lado de cá da fronteira, os uruguaios finalmente tiveram a chance de retribuir o carinho e o respeito dos brasileiros: acusaram o Brasil de estar por trás da conspiração tramada entre Inglaterra e Itália para derrubá-los da Copa. Provavelmente se apossando da mente — e dos dentes — de LUÍS SUÁREZ para obrigá-lo a simular o famoso beijinho no ombro que deu em Giorgio Chiellini, o que redundou na sua suspensão por quatro meses de qualquer atividade relacionada ao futebol. Até José Mujica, o venerando presidente que inventou a estatal da maconha, meteu a bomba de chimarrão no meio, disse que não viu o reincidente Luisito morder ninguém e, seja como for, ele não foi colocado na seleção uruguaia "para ser filósofo ou mecânico". A única palavra elegante do lado de lá da fronteira veio, justamente, de Alcides Ghiggia. "Não sei o que esse menino tem na cabeça", disse o autor daquele gol de 1950. "Seja uruguaio ou de outra nacionalidade, é preciso reprovar essas coisas em campo; isso não é uma guerra." Foi apedrejado nas redes sociais pelos compatriotas. • Assistir à partida em que a Inglaterra nem sequer salvou a honra nacional foi apenas um dos programões a que o príncipe HARRY teve de comparecer. Ele também marcou presença na Cracolândia, em São Paulo, e numa recepção na qual suportou nobremente o cerco de admiradoras tão perfumadas que o prefeito Fernando Haddad, incomodado, suspirou: "Estou com a garganta fechada". Nada porém que se compare ao assédio de que foi alvo durante o jogo em Belo Horizonte. De um lado, estava o ministro do Esporte, ALDO REBELO, do partido que antigamente seguia a linha do progressista comunismo albanês. Do outro, o ministro das Relações Exteriores, LUIZ ALBERTO FIGUEIREDO, que aderiu elegantemente à moda da barriguinha de fora. Foi a diplomacia de linha brasiliense que ameaçou estremecer as relações com a Grã-Bretanha por causa da detenção em trânsito, considerada legal pela Justiça, de David Miranda, companheiro do jornalista que divulga as informações capturadas por Edward Snowden, o ex-espião americano que passou para o lado dos russos. Complicado, Harry? Melhor mesmo se divertir com o pedido de casamento que pipocou na torcida. • Lionel Messi vai sair desta Copa como o atleta com o segundo maior patrocínio, 51 milhões de reais. Cristiano Ronaldo saiu com 53. E, não importa o que aconteça com a seleção da Argentina, o Brasil está cravado em seu coração. Pelo menos através do "nome brasileiro" que, reclamaram alguns compatriotas, Messi deu ao pequeno THIAGO, seu filhinho com a linda ANTONELLA ROCCUZZO (a versão nacional vem da variante grega do nome original do apóstolo, Jacó). Uma variante em espanhol seria Diego, como MARADONA, o inigualável craque que mudou o modelo de brinco e se atracou retoricamente de novo com o cartola-mor argentino Júlio Grondona. "O que tenho, ganhei trabalhando, e o que ele tem é da Fifa", provocou. Imagine, Maradona: o que Grondona tem é de todos os argentinos. Basta checar o processo no caso do programa estatal Futebol para Todos. • "Modelos" e "musas" são categorias que pululam nas Copas. E a moda nessa área é dos corpos pintados. "Quase me prostitui. Cheirei todo o dinheiro que ganhei quando trabalhava como atriz em Portugal. Fui salva pelo conhecimento e também pela espiritualidade", esclarece HALIMA ABBOUD a de tiara na testa, que é brasiliense, filha de pai palestino e, atualmente, diz, em estado de abstinência da carne. Sua colega, KARINE GAGLIANONI, conta que, no estádio, teve de ser cercada por trinta policiais, mas valeu: "Minha família está me apoiando muito. O que eu quero com a vitória é ganhar mídia". Pronto, ganhou. • A eliminada seleção de Gana ganhou no quesito acontecimentos nunca, jamais vistos na história das Copas. Primeiro, teve o surreal avião com 3 milhões de dólares despachados pelo presidente da África para Brasília para acalmar os jogadores em estado de rebelião. Segundo, o caso dos dois jogadores despachados para fora da seleção. Sulley Muntari chegou a correr atrás de um membro da delegação, ameaçando-o com cacos de vidro. KEVIN-PRINCE BOATENG, um alemão encrenqueiro excepcionalmente autorizado a jogar por Gana, terra de seu pai, cobriu o técnico de insultos. Nem o avião de dinheiro acalmou os ânimos. • O Irã saiu fora, mas de onde saíram as torcedoras iranianas? Do exílio pós-revolução dos aiatolás, como as irmãs Hoseini, que fugiram ainda crianças, levadas pelos pais. Elas moram na Suécia, já vieram três vezes ao Brasil e gostam do clima local. "No Irã, o governo não deixa ninguém ser feliz. Fiquei chocada com os jovens que foram presos porque apareceram cantando e dançando em um clipe", disse a engenheira de operações de voo ASHRAF, a irmã de vermelho. Os seis detidos por colocar na internet um vídeo em que dançavam ao som de Happy, hino mundial da felicidade do rapper Pharrell Williams, pelo menos já foram soltos. 6#5 UMA PÁGINA HISTÓRICA A Costa Rica venceu o Uruguai e a Itália e empatou com a Inglaterra. Atropelar os mesmos três campeões mundiais, só o Brasil em 1970. As comparações param aí, claro. PEDRO DIAS LEITE, DE SANTOS O papel destinado à Costa Rica na Copa era claríssimo: três derrotas, para Uruguai, Itália e Inglaterra, países que juntos já ergueram sete vezes a taça do mundo. Era um prognóstico unânime como o de Austrália e Honduras. Qualquer que seja o resultado costa-riquenho contra a Grécia, no domingo 29, no Recife, entretanto, o que a seleção centro-americana fez até chegar às oitavas foi espantoso. Venceu o Uruguai de virada, por 3 a 1. Derrotou a Itália por 1 a 0 e, na última partida do grupo D, o "grupo da morte" (assim chamado dada a suposta força do trio dourado), empatou em 0 a 0 com a precocemente eliminada Inglaterra, tranquila e calmamente. Ficou à frente de três monstros sagrados. Mesmo para uma equipe de tradição, seria um feito. O Brasil de 1958 não venceu nenhum campeão mundial, idem em 1962. Em 1994, derrotou a Itália na final. Em 2002, Inglaterra e Alemanha. Apenas em 1970 atropelou três, os mesmos que a Costa Rica: Inglaterra, Uruguai e Itália. Se, para uma seleção pentacampeã, vencer outros vencedores é extraordinário, imagine no caso de uma seleção modestíssima em suas pretensões. A história do Mundial brasileiro será para sempre contada também pelas glórias iniciais da Costa Rica. Em 1990, ela também passou da primeira fase, mas perdeu do Brasil por 1 a 0 e ganhou de Escócia e Suécia. Mas Uruguai, Itália? É demasiado grande. Fazia 28 anos que uma seleção não batia dois campeões mundiais na primeira fase. Em 1986, a Dinamarca de Michael Laudrup, a "Dinamáquina", rapidíssima, massacrou o Uruguai por 6 a 1 e venceu a Alemanha por 2 a 0. Nos últimos seis Mundiais, a seleção que levou a taça precisou passar por, no máximo, dois campeões no caminho até o título. As estatísticas iluminam o espetáculo da Costa Rica, mas evidentemente não pavimentam o caminho futuro. São curiosidades. Trata-se de olhar para o passado e guardar numa cápsula do tempo o acontecimento. Diz Rafael Vargas Brenes, o chefe da delegação, ouvido por VEJA: "As pessoas que não sabiam onde fica a Costa Rica se deram ao trabalho de buscar no Google. Quem fez piada com costa pobre, piada bem boba, agora vai morder a língua". É bom ressaltar que nem mesmo os dirigentes do selecionado do país duplamente banhado pelo Atlântico e pelo Pacífico, de natureza exuberante, imaginavam produzir ondas no Brasil. Seria uma marolinha, se tanto. Os bilhetes de volta tinham sido comprados para o dia seguinte ao do terceiro jogo, em Belo Horizonte. "Ter reservado o retorno foi mero planejamento, como uma empresa que tem de prever todas as situações", afirma Brenes. "Não era questão de acreditar ou não no time." Houve cuidados especiais, como a atenção diuturna de um chef de cozinha especializado no gallo pinto, uma mistura de arroz e feijão servida no café da manhã. "Estamos na Costa Rica, com o mesmo tempero", resume Brenes. Contratar cozinheiros é praxe de seleções com boas chances, e por isso reproduzem em viagem o ambiente local. É menos comum para quem, supostamente, vai e volta rapidamente. E como foi ficando, e a euforia crescendo, a delegação da Costa Rica conquistou o carinho da população de Santos, onde está hospedada. No sábado depois da vitória na véspera contra a Itália, no Recife, dezenas de pessoas esperavam para tentar ver algum jogador de perto. No treino do time à tarde, a meia dúzia de repórteres que acompanhava o vaivém do ônibus nos primeiros dias se multiplicou para mais de uma centena. O discurso oficial é sempre aquele segundo o qual o time precisa manter os pés no chão. Mas, em conversas informais, sem perceber a presença de jornalistas, o clima é de genuína confiança. "E aí, final Costa Rica e Alemanha?", perguntou Edson Vargas, um entre dezenas de cartolas que integram a comitiva e irmão do chefe da delegação, ao terceiro goleiro da Costa Rica, Daniel Cambronero, no lobby do hotel, um quatro-estrelas acanhado mas muito confortável, o Mendes Plaza. "Não seria mau, ainda mais se a gente ganhasse", respondeu o jogador, dentes exibidos com orgulho tímido. "Ia ser 7 a 2", retrucou o cartola, sorrindo com a improbabilidade de seu vaticínio. A Costa Rica ganhou de campeões mundiais e empatou com um terceiro porque jogou melhor, e não por sorte. Além de dois bons e rápidos atacantes, Bryan Ruiz (do PSV, da Holanda) e Joel Campbell (do Arsenal, embora nunca tenha entrado em campo pelo time inglês), o segredo da equipe está no banco: o técnico Jorge Luis Pinto, um colombiano de 62 anos de gestos tranquilos, que teve um cunhado assassinado pelas Farc e estudou na Universidade de São Paulo por um ano. "Sou paulista, paulistano e torço para o Corinthians, a melhor equipe do mundo", disse a VEJA, ainda com a voz rouca de tanto gritar no jogo anterior, e evidente tom de provocação no último trecho da frase. Mais a sério, conta que aproveitou a permanência da Costa Rica em Santos, e os treinamentos na Vila Belmiro, para fazer com que seus jogadores mergulhassem num ambiente de glórias indeléveis. Não é algo que se pegue no ar, mas mal não faz. "Quando me perguntaram se concordava em treinar na Vila Belmiro, respondi imediatamente que sim", diz. "Queria que nossos jogadores sentissem a grandeza do Santos e do Pelé, que se impregnassem dessa história de sucesso em todos os lugares, nos vestiários, nos chuveiros, no banco e no campo de jogo do Pelé e do Santos." COLABOROU CARLOS EDUARDO FREITAS 6#6 HUMOR – MENDES PEDREIRA – AGAMENON IMAGINA SEM COPA! Graças a esta Copa do Mundo, o Brasil melhorou, e isso ninguém tem coragem de dizer! Sigam o meu raciocínio: tem feriado todo dia, ninguém rouba no governo, o trânsito ficou uma beleza, a polícia só está batendo nos chilenos e argentinos e até os assaltantes brasileiros resolveram tirar férias pra assistir à Copa. O que será do Brasil quando o Mundial acabar? Tenho medo só de pensar! Imagina ligar a TV e ser obrigado a encarar de novo a Dilma Karloff, suas horripilantes ministras que despacham no Palácio do Jaburu e a assustadora presidenta da Petrobras. Mas nem tudo é fan-festa na Copa. Na semana passada fui até Brasília para assistir a Brasil x Camarões e estacionei meu Dodge Dart 73, enferrujado, na porta da Arena Zé Mané Garrincha. O bilionário estádio assim foi batizado não em homenagem ao grande Garrincha, mas em honra ao Zé Mané, o torcedor contribuinte, que pagou esse elefante branco superfaturado PATRÃO FIFA. A grande discussão aqui na capital federal é o que vão fazer com o enorme e luxuoso estádio de futebol depois que a Copa acabar. Como em Brasília o futebol não é muito praticado (o esporte local é a roubalheira), minha sugestão é transformar o Mané Garrincha em presídio após o Mundial. E depois trancar lá dentro todos os políticos, empreiteiros, lobistas e funcionários públicos que meteram a mão nas verbas da Copa. O problema é que não ia ter vaga pra todo mundo e a Papuda (que é uma penitenciária padrão Fifa) já está lotada de mensaleiros do PT (Partido da Tranca). Como o futebol não me interessa e eu estava de bobeira em plena capital federal, resolvi então arrumar uma bolada! Infelizmente, o Congresso, os ministérios e autarquias estavam todos fechados, o que muito dificulta as jogadas. Felizmente, encontrei uma funcionária que estava atendendo na Secretaria das Piranhas, ligada ao Ministério da Pesca. A servidora "púbica" me atendeu de lingerie vermelha (é ligada ao PT), cinta-liga e meia arrastão e exigiu que eu pagasse a propina antes de começar o programa. Programa assistencialista, é claro! Em seguida, a funcionária de vida fácil mostrou que realiza um excelente trabalho de inclusão digital. Me explicou também que a Secretaria das Piranhas faz um trabalho de fundo ecológico. Mais de fundo do que ecológico. O Ministério da Pesca quer impedir a extinção das vorazes piranhas porque elas são um verdadeiro símbolo da hospitalidade brasileira, recebendo de braços (e outras partes) abertos os turistas que chegaram há pouco de fora. Vamos salvar as nossas piranhas, esse importante e cultural peixe de rio! De Rio, de São Paulo, de Brasília, tem piranha em tudo que é lugar. GOB SAVE THE PRINCE Quem chegou atrasado pra Copa foi o príncipe Harry Potter, herdeiro do trono britânico. E eu, Agamenon Mendes Pedreira, e a Isaura, a minha patroa, vamos ciceronear o jovem membro da realeza em suas andanças e lambanças pelo Brasil ÁLBUM DE FIGURAÇAS DA COPA NEYMAR JR. O Neymarketing é o nosso craque absoluto. Ele levou o time nas costas contra Camarões, o que lhe deu muitas dores na lombar. Já pensou carregar o Hulk, o Jogador Melancia, a Copa inteira? Neymarra mandou a CBF construir um camarim exclusivo para que ele pudesse receber a sua namorada, a Bruna Marquezine. Como todos sabem, a jovem e bela atriz é uma das principais atrizes da novela Em Família Scolari, de Manoel Carlos. Independentemente de o Brasil levar o caneco ou não, Neymar já garantiu que, ao final da Copa, vai receber das mãos de sua namorada o troféu Bolas de Ouro! 5/2/1992 20 cm ONDE JOGA: Lupo, Nike, Volkswagen, Guaraná Antartica, Barcelona ROBBEN O holandês voador é um dos maiores craques da Copa, todo mundo está careca de saber! Inclusive ele mesmo, que exibe para todo o mundo o seu incrível aeroporto de mosquito. Aliás, o único que está funcionando perfeitamente no país desde o começo do Mundial. O holandês goleador fez questão de jogar a Copa no Brasil porque quer fazer um implante igual ao do senador Renan Calheiros, que ainda não explicou o súbito aumento do seu patrimônio capilar. 23/1/1984 1,81 m ONDE JOGA: THC de Amsterdã VEJA BEM “Todo mundo tem seu preço, o problema é que na Copa todo mundo está cobrando mais caro.” - JOSEPH BLATTER INSTAGRANA DO AGAMENON Sempre civilizados e higiênicos, os torcedores japoneses se ofereceram para recolher o lixo no Congresso Nacional. ________________________________________ 7# GUIA 2.7.14 7#1 REMÉDIO SEM MORDIDA 7#2 A HORA CERTA 7#3 CARTEIRINHA CANINA 7#1 REMÉDIO SEM MORDIDA A EVOLUÇÃO DA MEDICINA VETERINÁRIA CAMINHA A PASSOS LARGOS. CADA VEZ MAIS OS TRATAMENTOS ALOPÁTICOS ESTÃO PROLONGANDO A VIDA DOS COMPANHEIROS DE QUATRO PATAS. Se para alguns (afortunados) donos de animais de estimação bastam um sorriso e um biscoitinho para levar o bicho a tomar o remédio, para a maioria é preciso muita paciência para fazer com que o gato ou o cachorro engulam um comprimido amargo — e sem morder ou arranhar a mão que o administra. Esse é um problema crítico quando o bicho é portador de alguma doença crônica, como um problema renal ou cardíaco, que exige medicação uma, duas ou até três vezes por dia. O velho truque de camuflar o comprimido no alimento predileto em geral tem efeito temporário, pois não demora muito para que o animal descubra o amargor intruso e passe a rejeitar a tal guloseima. Neste Guia, VEJA enumerou dicas de veterinários para ajudar na medicação de bichos teimosos. CAMUFLADO EM ALIMENTOS Ainda é o expediente mais simples e costumeiro, embora o animal possa rejeitá-lo depois de um tempo. Prefira patês e sachês feitos para animais. "Além de mascararem o sabor amargo do remédio, esses alimentos têm uma consistência que umedece e amolece o comprimido, facilitando a ingestão", explica Mário Marcondes, diretor clínico do Hospital Veterinário Sena Madureira. Por se tratar de alimentos próprios para bichos (ao contrário de frios gordurosos, carnes temperadas e outras iguarias que podem fazer mal se ingeridos com frequência), são recomendados principalmente para portadores de doenças crônicas, como problemas renais ou cardíacos. "Para o bicho não perder o interesse no patê, alimente-o com ração seca no dia a dia e reserve o patê ou sache apenas para o momento da medicação”, ensina Giselle Torrado, do hospital de medicina veterinária diagnóstica Provet, em São Paulo. Para os gatos não diabéticos, um ou outro comprimido pode ser lambuzado em leite condensado e "colado" ao céu da boca ou misturado a uma colher de sopa de iogurte ou requeijão - evite o leite, que pode provocar diarreia. MEDICAMENTOS MANIPULADOS Há duas formas de criar petiscos atraentes com efeito alopático. Na primeira, basta levar a receita médica à farmácia de manipulação e escolher o formato, tamanho e sabor do biscoito (picanha, bacon, frango). Assim, o princípio ativo do medicamento é incorporado à receita do petisco. A segunda maneira é levar o próprio medicamento adquirido na farmácia convencional para que ele seja remanipulado em formato de biscoitinho com sabor. "É possível criar biscoitos com fórmula inócua enriquecidos com vitaminas e minerais, de acordo com as necessidades do animal", explica a farmacêutica Sandra Schuster, sócia-diretora da DrogaVET. Em alguns casos, quando o veterinário prescreve remédios em cápsulas, a manipulação pode dividir uma cápsula grande em duas ou três menores. Independentemente do método, é importante não interromper o tratamento que garanta a saúde e o bem-estar do animal. ACESSÓRIOS DE APLICAÇÃO Aplicar remédios líquidos com a seringa sem agulha na parte interna da bochecha é a solução mais rápida e prática (misturar o xarope ou antibiótico à água do pote não engana o paladar dos bichos). Para os cães agressivos, as focinheiras de metal, com abertura nas laterais, são obrigatórias. Os gatos, em geral mais assustados, exigem paciência extra. "Nada de despejar o líquido de uma só vez; dê o remédio gota a gota, sem pressa", ensina o veterinário Eduardo Schmidt, do Hospital Veterinário Rebouças. Em último caso, enrole o animal em uma toalha para não sair todo arranhado do processo. Há versões de seringas próprias para administração de comprimidos, drágeas e cápsulas. Ao depositar o medicamento na parte posterior da língua do animal, o próprio aplicador provoca o movimento involuntário de deglutição. Também ajuda se o dono massagear a região da garganta com o focinho do bicho voltado para cima. REMÉDIOS PALATÁVEIS Alguns laboratórios produzem versões em pasta, gel ou comprimido de medicamentos com sabor atraente para o animal. Para os gatos, que passam boa parte do dia se lambendo, um artifício para medicá-los sem trauma consiste em passar o gel ou a pasta na patinha e deixar que o remédio seja ingerido enquanto ele se banha. O problema é que, assim como para os humanos, o que é ou não saboroso é uma questão subjetiva também para seu bichinho - portanto, não estranhe se o cachorro se recusar a morder o comprimido palatável ou se o gato preferir abrir mão da higiene e acabar sujando todos os móveis com a tal pasta ou gel. Nesse caso específico, os veterinários recomendam lambuzar o céu da boca do bicho com a quantidade prescrita do medicamento. 7#2 A HORA CERTA Além de contarem com acessórios e comida para mascarar o sabor do remédio, proprietários de cães e gatos em tratamento podem se beneficiar do comportamento animal. A seguir, dicas dos especialistas para quem precisa administrar remédios diariamente. Aproveite a fome: o primeiro ou o único comprimido do dia deve ser administrado logo cedo, antes da primeira refeição, ou misturado a ela. "Em jejum, o animal fica mais ansioso pela comida e aceita o remédio mais facilmente", ensina Giselle Torrado, do hospital de medicina veterinária diagnostica Provet. Evite surpresas: siga o mesmo ritual todos os dias. "Os animais são extremamente metódicos e adoram regularidade de horário e comportamento", diz o veterinário Eduardo Schmidt, do Hospital Veterinário Rebouças, em São Paulo. Minimize o sofrimento: o ideal é que o animal não fique angustiado, à espera do que será o pior momento do dia. "Para que o processo seja menos traumático, ele deve ganhar um prêmio logo depois, como o petisco preferido ou o passeio", diz a veterinária Carla Berl, proprietária do hospital Pet Care. O agradinho pode facilitar os processos seguintes. "Em uma semana, o animal começa a associar o remédio à recompensa e aceita melhor o medicamento", explica Mário Marcondes, do Hospital Veterinário Sena Madureira. 7#3 CARTEIRINHA CANINA Muitas clínicas e hospitais veterinários possuem planos próprios de fidelidade para seus pacientes. Em alguns casos, o proprietário paga uma mensalidade para usufruir os serviços de cuidados preventivos, como vacinação e exames, oferecidos exclusivamente por aquele estabelecimento - o PetCare, em São Paulo, entra nessa categoria. Em outros, como o Hospital Veterinário Sena Madureira, também na capital paulista, a cada real gasto com consulta, exame diagnóstico ou cirurgia o cliente ganha pontos que garantem desconto em procedimentos futuros. Para quem prefere ter à disposição um leque maior de veterinários e estabelecimentos, há três produtos disponíveis no mercado Seguro-saúde: funciona como o modelo de seguro-saúde para pessoas - o cliente pode optar por um veterinário, laboratório ou hospital da rede referenciada ou pelo sistema de livre escolha, contando com reembolso dos gastos. Tem cobertura para consultas de emergência e com especialistas, exames laboratoriais e de imagem, vacinas, internações, cirurgias, tratamentos em domicílio, terapias como acupuntura e fisioterapia, além de cremação ou sepultamento, em caso de morte. Os planos mais completos podem custar entre 100 e 200 reais por mês Plano de saúde: permite o acesso apenas a clínicas e laboratórios pertencentes a uma rede credenciada regional, geralmente de uma única cidade. Não oferece opção de escolha de profissionais e, portanto, não tem sistema de reembolso. A quantidade de consultas e exames disponíveis por ano é limitada Assistência à saúde: empresas de assistência à saúde entraram recentemente no mercado de animais de estimação. Assim como o plano de saúde, a assistência conta apenas com rede credenciada - sem opção de reembolso - e oferece coberturas limitadas, tanto em termos de valores como em quantidade de procedimentos. Em contrapartida à limitação de serviços, a assistência saúde é barata: há produtos a partir de 15 reais mensais Outras fontes consultadas: Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet) e PetPlan, que comercializa seguro-saúde animal. DANIELA MACEDO daniela.macedo@abril.com.br __________________________________ 8# ARTES E ESPETÁCULOS 2.7.14 8#1 MÚSICA – A SANFONA VAI RONCAR 8#2 CINEMA – A VIBRAÇÃO FICOU NO TEATRO 8#3 LIVROS – QUADRILHA DAS VAIDADES 8#4 VEJA RECOMENDA 8#5 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 8#6 J.R. GUZZO – ERRANDO À LUZ DO SOL 8#1 MÚSICA – A SANFONA VAI RONCAR O forró, que vinha sendo castigado por bandas plastificadas, passa por um momento de alegre vitalidade, com a ascensão de novos talentos e o retorno de figuras históricas. SÉRGIO MARTINS E LUIZ MAXIMIANO Parece coisa de estrela do rádio dos anos 1950. Durante a entrega do Troféu Gonzagão, uma espécie de Grammy da música nordestina que acontece todo ano na cidade paraibana de Campina Grande, o cantor (ou melhor, cantador) cearense Santanna é disputado, a tapas e empurrões, pelo público. "Santanna, eu sou tua fã!", grita uma mulher. "Santanna, por favor, tira foto comigo", implora outra. Em uma sala reservada, onde posou para uma das fotos que ilustram esta reportagem (veja na pág. 100), Santanna ainda declamou poemas do também cearense Xico Bizerra para o público que furou o minibloqueio. O cantador nem de longe era a maior estrela da festa, na qual se apresentaram as cantoras Alcione e Elba Ramalho. Muito menos é adepto do forró eletrônico, chamado jocosamente pela velha guarda de "forró de plástico". Santanna, com seu chapéu de cangaceiro e sandália de couro, é venerado por ser um forrozeiro "pé de serra" — termo usado para designar cantadores de estilo tradicional. Tradição que não se confunde com estagnação: sanfoneiros como Waldonys, Cezzinha e Mestrinho e cantores como Lucy Alves, Silvério Pessoa, Maciel Melo e Josildo Sá têm mostrado o caminho das pedras para modernizar o forró, sem ranço passadista, mas também sem sucumbir à lambada erótica dos tais forrozeiros eletrônicos. A atitude desses artistas dá seguimento ao trabalho de veteranos que estão retomando a carreira (caso do sanfoneiro Oswaldinho do Acordeon, da compositora Anastácia e do cantor Oséas Lopes) ou simplesmente foram colhidos pela boa novidade da revitalização forrozeira enquanto dão prosseguimento a seus trabalhos — e aqui temos os incansáveis cantores Biliu de Campina e Genival Lacerda. A sanfona, esse instrumento que tem uma ligação umbilical com o forró e com o baião, ainda ronca — e alto. Embora esteja longe de alcançar o patamar de popularidade do sertanejo e do funk carioca, o chamado forró pé de serra passa por um ótimo momento. Até no SuperStar, a canhestra competição musical promovida pela Globo, há dois forrozeiros no páreo para conquistar o grande prêmio — o sanfoneiro Luan e sua banda Forró Estilizado, e o grupo Bicho de Pé, conhecido nas casas de São Paulo dedicadas à música nordestina. Eles repetem a trajetória de Lucy Alves, cantora e instrumentista paraibana que foi uma das quatro finalistas do The Voice (este, sim, um programa musical bem realizado). "Não me lembro de outro gênero popular que tenha ido tão longe nessas competições. O forró superou outros estilos tradicionais como samba e choro", diz Paulo Rosa, apresentador do programa de rádio Vira e Mexe e proprietário da casa de espetáculos Canto da Ema, ambos dedicados ao ritmo nordestino. O forró também é objeto de um recém-lançado documentário, Dominguinhos (Brasil, 2014), de Mariana Aydar, Eduardo Nazarian e Joaquim Castro, que mostra a trajetória do sanfoneiro pernambucano que expandiu os limites do seu instrumento — e morreu no ano passado. "Forró" designa tanto o ritmo popular quanto a festa ou arrasta-pé que a música anima. A palavra vem de "forrobodó" (o leitor talvez já tenha ouvido a história de que se trata de uma corruptela do inglês for ali, "para todos" — mas isso é balela). Como gênero musical, o forró veio depois do baião, criação de Luiz Gonzaga. Assis Ângelo, um dos pesquisadores mais sérios da música nordestina, lembra que Gonzaga criou o baião a partir da batida da afinação dos violeiros. Em 1946, o sanfoneiro consagraria a palavra ao criar Baião, ao lado do letrista Humberto Teixeira. Três anos depois, ele eternizaria a palavra forró ao criar Forró de Mané Vito, parceria com Zé Dantas. A retomada do forró pé de serra vem sendo ensaiada desde meados dos anos 1990, com grupos como Falamansa que tiraram o excesso de eletronices de bandas como Calcinha Preta e Aviões do Forró. Redescobriu-se um fato básico da música nordestina: forró, o ritmo, é tradicional — mas nunca tradicionalista. Sua trajetória é marcada por instrumentistas e intérpretes que sempre se dedicaram a expandir o gênero. Dominguinhos o fundiu com o jazz e a bossa nova; Sivuca lhe deu um tratamento de música erudita. Nessa linhagem, Oswaldo de Almeida e Silva, o Oswaldinho do Acordeon, eletrificou a sanfona e misturou o Nordeste com Beethoven — seu disco Forró in Concert, de 1981, traz uma releitura sanfonística para a Quinta Sinfonia. "Eu tocava a sinfonia no forró do meu pai, o Pedro Sertanejo. No início, o povo estranhou. Mas depois já perguntava se não ia ter Beethoven", lembra. Cezzinha e Mestrinho, outros dois nomes expressivos na nova geração de sanfoneiros, são descendentes diretos de Dominguinhos. Até a voz de Cezzinha é parecida com a de seu professor. "Os novos forrozeiros não se limitam a repetir o que já foi feito. Eles injetam personalidade e vigor no gênero, atualizando temas e incluindo referências contemporâneas", diz Carlos Marcelo, autor de O Fole Roncou: uma História do Forró. Um dos exemplos apontados por Marcelo é Silvério Pessoa, que fez discos dedicados à obra de Jacinto Silva e Jackson do Pandeiro — e com toda a modernidade a que teve direito. "Muita gente acha bonito esse respeito ao triângulo e à zabumba. Mas creio que, se tivesse eletricidade em todos os grotões, os grupos já teriam trocado esses instrumentos por aparatos elétricos", diz Pessoa. Quem melhor define o forró é Biliu de Campina: "Não é um ritmo, é um evento". CHEIOS DE DEDOS Em Fruta Madura, canção de 1988, Luiz Gonzaga chamou o cearense Waldonys José Torres de Menezes de "garoto atrevido". Hoje com 41 anos, Menezes mantém o atrevimento: membro honorário da Esquadrilha da Fumaça, já desceu de paraquedas para um show de forró. Discípulo de Dominguinhos, o sergipano Erivaldo Junte Alves de Oliveira, 25 anos, ganhou da mãe o apelido que usa na carreira musical: Mestrinho da Sanfona. Também mestre, Heleno dos 8 Baixos é, como diz o nome, um feiticeiro da sanfona de oito baixos, cuja execução é mais complicada. Heleno chegou a ser posto em xeque pela mulher. "Ela disse: 'Ou eu ou a sanfona'. Respondi que ficaria com a sanfona, pois ela me ajudaria a arrumar outra mulher'." O casamento, porém, continuou inabalável: já tem mais de trinta anos. FILHOS DE JACKSON DO PANDEIRO José Gomes Filho, o Jackson do Pandeiro (1919-1982), cantou xotes, xaxados, forrós, frevos e rojão (uma espécie de antecessor do forró), sempre com uma poesia malandra. No forró de hoje, há pelo menos três herdeiros desse estilo. Grande intérprete, Genival Lacerda, 83 anos, o rei da munganga (palhaçada), se consagrou pelas letras de duplo sentido e pela coreografia maliciosa que fazia com o ventre. Severíno Xavier de Souza, o Biliu de Campina ("Sou paraibano de Campina Grande. Se Erasmo é de Roterdã e o Corcunda é de Notre Dame, por que não posso ser de Campina?", explica), herdou o dom da embolada (canto rápido, sem pausa) e as letras galhofeiras. O pernambucano Silvério Pessoa, 52, deu um tratamento contemporâneo ao estilo de Jackson e de Jacinto Silva (1933-2001), mestre do coco de roda. "As pessoas não se podem prender ao tradicionalismo excessivo", decreta. TRADIÇÃO DA CASA Cantar forró é coisa de família. De 1950 a 1972, Oséas Lopes, 75 anos, integrou o Trio Mossoró ao lado dos irmãos João e Hermelinda Batista. Eles deram voz às principais criações do maranhense João do Vale, como Carcará. Em carreira-solo, Lopes adotou o nome artístico de Carlos André e sobressaiu no repertório popular romântico - como o bregão Se Meu Amor Não Chegar, também conhecido como Quebra Mesa. Josildo Sá, 49 anos, é filho do sanfoneiro Agostinho do Acordeon e a princípio queria ser uma espécie de Cazuza do agreste - mas a herança familiar falou mais alto. "Eu posso cantar vários estilos, mas a essência do meu trabalho é forró." Anastácia, 74, foi mulher e parceira do sanfoneiro Dominguinhos. Juntos criaram sucessos como Contrato de Separação, Sanfona Sentida e Eu Só Quero um Xodó. Seu próximo disco tem três composições inéditas do sanfoneiro, saídas de fitas que ele deixou com a ex-parceira. "Quando nos separamos, eu coloquei muitas delas numa caixa, fui para um lixão e taquei fogo. Felizmente, essas sobreviveram." Já a paraibana Lucy Alves, 27, surgiu para o Brasil no programa The Voice, da Rede Globo. Mas sua afeição pelo forró vem de berço: ela integrou o Clã Brasil, ao lado de seus pais e de suas irmãs. DESCONHECIDOS DE SUCESSO "Nunca vi rastro de cobra, nem couro de lobisomem", disse certa vez Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo) na novela O Bem Amado. O compositor Antônio Barros, que já fora gravado pelo Trio Nordestino (Procurando Tu) e por Luiz Gonzaga (Forró Número Um), incorporou a frase a Homem com H, que escreveu com a mulher, Cecéu. "Compus pensando naquele magrelinho do grupo Secos & Molhados", diz. O magrelinho - Ney Matogrosso - só gravou a canção nos anos 1980, já em carreira-solo, e foi um de seus maiores sucessos. Juntos desde a década de 70 - chegaram a gravar um disco romântico com o nome de Tony e Mary -, Barras e Cecéu têm cerca de 1000 composições. O anonimato do casal compositor - na comparação com intérpretes como Ney e Elba Ramalho - rendeu versos bem-humorados: "Eu faço a moda e o cantor canta (...) / Mas o mundo é mesmo assim: / um escreve e o outro diz.” CANTO DA TERRA O cantador é uma versão nordestina do antigo trovador medieval. Fala de sua terra sempre com paixão e, em geral, interpreta as músicas como se estivesse declamando. O pernambucano Maciel Melo, 49 anos, tem canções gravadas por Fagner, Elba Ramalho e pelo forrozeiro Flávio José. É admirado por um ex-presidente natural de seu estado. “Cantei cinco vezes no Palácio do Planalto. Numa delas, era aniversário de casamento de Lula", diz. Muito influenciado por Luiz Gonzaga, o cearense Santanna, 54 anos, adotou o epíteto de O Cantador. Suas criações agregam cantos dos vaqueiros e dos violeiros nordestinos. 8#2 CINEMA – A VIBRAÇÃO FICOU NO TEATRO Adaptação de um musical da Broadway sobre o grupo The Four Seasons, Jersey Boys, de Clint Eastwood, é um filme correto. Mas não vai fazer ninguém levantar da cadeira. Nos anos 1950, eram três as alternativas para um jovem de Nova Jersey escapar ao cotidiano modorrento sempre associado ao estado vizinho a Nova York: o exército, a máfia e o showbiz. Tommy DeVito escolheu a terceira opção depois de perceber que nunca passaria de um bandido meia-sola. Formou o grupo vocal The Four Seasons, ao lado dos amigos Nick Massi e Frankie Valli — e do cantor e compositor Bob Gaudio, apresentado ao trio pelo futuro ator Joe Pesci (sim, ele mesmo: aquele baixinho irritante dos filmes de Martin Scorsese). Antes de os Beatles tomarem os Estados Unidos, The Four Seasons produziram a trilha de namoro dos adolescentes americanos, com sucessos como Sherry, Big Girls Don’t Cry e Walk Like a Man. Em 2005, a trajetória do quarteto se transformou em um musical de sucesso, Jersey Boys, até hoje em cartaz na Broadway. Jersey Boys: em Busca da Música (Estados Unidos, 2014; já em cartaz), com direção de Clint Eastwood, é, em tudo, menos no essencial, o mesmo espetáculo dos palcos americanos. Eastwood não é um estranho no ninho da música. Sabe muito de jazz, como fica atestado em Bird, cinebiografia do saxofonista Charlie Parker, e no documentário sobre o pianista Dave Brubeck. Em Jersey Boys, seu carinho pelo universo musical é palpável. Está excelente a reconstituição da Nova Jersey do pós-guerra (até a fotografia lembra as produções do período). E é muito bem construída a relação dos jovens cantores com o mafioso (e patrono) Angelo "Gyp" DeCarlo, interpretado por Christopher Walken — magnífico na cena em que chora ao ouvir My Mother’s Eyes na voz de Valli. Eastwood manteve também a estrutura narrativa do musical, com os quatro integrantes do Four Seasons dando cada um a sua versão da história. A fidelidade ao Jersey Boys da Broadway, contudo, é também o maior erro do cineasta. No cinema, por mais que o espectador se encante com as notas altas de Valli em Big Girls Don’t Cry, ele não se sente chamado a dançar e bater palmas, como acontece sempre nas apresentações do musical no teatro. John Lloyd Young, que ganhou um Tony de melhor ator em musical por sua caracterização de Frankie Valli, não mostra o mesmo carisma e expressividade na tela. É Vincent Piazza quem rouba a cena como Tommy DeVito. Com um número de encerramento deslumbrante, Jersey Boys, o filme, está alguns pontos acima de outras adaptações recentes de musicais, como Chicago. Mas, ainda assim, é mais um caso em que a transposição do palco para o cinema representou a perda de um componente essencial: vibração. SÉRGIO MARTINS 8#3 LIVROS – QUADRILHA DAS VAIDADES Uma sucessão aleatória de encontros entre as mais diversas celebridades conduz a engenhosa obra de um satirista inglês — mais que um livro, uma verdadeira festa. MARIO MENDES No século passado, antes de as grandes festas se tornarem eventos corporativos com o pretexto de promover ou lançar produtos, qualquer anfitrião mundano — um tipo de personagem igualmente passadista — tinha na ponta da língua os ingredientes ideais para o evento perfeito: decoração impactante, comida e bebida de excelente qualidade, ótima música, serviço impecável e, sobretudo, uma mistura eclética de convidados com charme e traquejo social suficientes para manter a cena em movimento. A animação seria inevitável, o bom humor contagiante e os mexericos mais do que bem-vindos. O jornalista britânico Craig Brown — colunista do jornal Daily Mail e conhecido sobretudo pelos textos mordazes publicados na revista de humor Private Eye — parece ter se imbuído mais do espírito de um anfitrião festeiro do que de um escritor ao reunir as histórias que compõem Um por Um — 101 Encontros Extraordinários (tradução de Renato Marques; Três Estrelas; 536 páginas; 59,90 reais). O resultado é tão agradável quanto uma festa à moda antiga. A partir da teoria dos seis graus de separação — aquela segundo a qual no mundo são necessários no máximo seis laços de amizade para que duas pessoas quaisquer estejam ligadas — e apoiado em farto material biográfico sobre os envolvidos, Craig construiu uma ciranda de celebridades que tem muito de história — a ação vai do fim do século XIX aos nossos dias — mas também de reality show. Banal como algumas atrações da TV, que apresentam o dia a dia de ilustres desconhecidos, é o encontro que abre o livro: um pedestre atropelado, de leve, por um automóvel último tipo em uma tarde ensolarada. Isto é, seria banal não fosse o ano 1931, a cidade Munique, o motorista imprudente o jovem herdeiro britânico John Scott-Ellis e a vítima ninguém menos do que o futuro Führer, Adolf Hitler. Claro que anos mais tarde, e até o fim da vida, Ellis — um tipo famoso em sua época apenas por ser dono de metade do centro de Londres — ficou matutando como poderia ter evitado uma tragédia mundial se tivesse pisado com um pouco mais de empenho no acelerador. Ao ser publicado na Inglaterra, há três anos, Um por Um recebeu algumas críticas negativas por parte dos próprios colegas satiristas de Craig, que consideraram o humor apresentado muito contido se comparado às caricaturas demolidoras que ele costumava escrever na Private Eye. Mas é justamente aí que reside o caráter eminentemente britânico, e mais divertido, do livro: o leitor é convidado a participar desse movimentado garden party como se estivesse acompanhado por um velho tio (ou tia) munido dos mais espirituosos comentários sobre personalidades tão díspares quanto a estrela de cinema Elizabeth Taylor ("combinava o pior do mau gosto americano e inglês") e o escritor Leon Tolstoi ("uma orquestra onde os instrumentos não tocam em uníssono"). Um exemplo extremo dessa mordacidade é o capítulo que descreve a vingança imaginada pelo escritor americano Truman Capote contra o crítico inglês Kenneth Tynan, que ousou falar mal do sua obra-prima, A Sangue-Frio, em 1966. Trata-se de um esquartejamento, cruel, mas com detalhes irresistivelmente engraçados. Provoca o riso, jamais uma gargalhada. O autor, escrupuloso, lista todas as fontes do livro em uma longa bibliografia. Também tomou o cuidado de rechear seus contos com valiosas notas que explicam melhor o "quem é quem" — incluem, por exemplo, um apanhado das sensacionais fugas do ilusionista húngaro Harry Houdini, tão famoso no início do século XX quanto hoje é o astro do seriado do momento. Aliás, o desfile de celebridades é notável: o duque e a duquesa de Windsor, a rainha Elizabeth II, Tchaikovsky, Patti Smith, Richard Nixon, todos ligados em uma sucessão de encontros, como no poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade. Madonna e Michael Jackson são responsáveis por um dos melhores encontros. Ainda em seus dias de Material Girl, ela quer seduzi-lo, tirá-lo do armário e se beneficiar da sua fama de Rei do Pop, tudo ao mesmo tempo. Michael, como era de esperar, fica mais do que assustado com a ousadia da colega, confessa que ela o deixou com náuseas e ainda recebe apoio incondicional da melhor amiga, Diana Ross, que aproveita para desancar o figurino da cantora mais jovem: "Que vestido cafona!". Na introdução, Craig relata que, por ter trabalhado com um material que lida com o acaso, resolveu pôr alguma ordem no caos de idas e vindas entre diferentes épocas e locais, escrevendo cada encontro com precisos 1001 vocábulos, totalizando um livro com 101.101 palavras. O editor brasileiro informa que os números foram respeitados na tradução. Trata-se de um expediente eficiente. Toda boa festa também tem hora para acabar. Britanicamente falando, é claro. CHOQUES CULTURAIS Em 1991, Madonna tentou seduzir mas só conseguiu enojar Michael Jackson, que em 1984, durante uma visita à Casa Branca, deixou intrigada a primeira-dama Nancy Reagan, que em 1981 deu uma entrevista decepcionante a Andy Warhol, que em 1978 foi esnobado solenemente por Jackie Kennedy, que... A quadrilha completa, com outros 97 encontros, está em Um por Um, do jornalista britânico Craig Brown. 8#4 VEJA RECOMENDA BLU-RAY COLEÇÃO ROBOCOP (ESTADOS UNIDOS, 1987, 1990,1993 E 2014. MGM E FOX/SONY) • Em uma violenta Detroit do futuro, o policial Alex Murphy (Peter Weller), assassinado por criminosos, é revivido na forma de uma máquina, meio humana, meio mecânica, que a polícia apresenta como a solução para a alarmante onda de crimes da cidade. Dirigido pelo holandês Paul Verhoeven, em 1987, o primeiro RoboCop, sombrio, brutal, chocava-se com o ufanismo patrioteiro da era Reagan. Recentemente, coube ao brasileiro José Padilha, de Tropa de Elite, remodelar o RoboCop para os presentes dias de crise americana. Como no filme original, Alex Murphy (Joel Kinnaman) é ferido e mutilado em um atentado, em 2028. A OmniCorp, líder mundial na produção de robôs, tem a chance de expandir seu negócio no mercado americano, convertendo o policial em mais uma máquina de combate ao crime. O original e a recriação de Padilha são os grandes filmes de ação desta caixa com quatro produções. Completam o pacote RoboCop 2 (1990), dirigido por Irvin Kershner, e RoboCop 3 (1993), de Fred Dekker, que não dão uma sequência digna ao personagem. DISCOS GREATEST HITS DELUXE REDUX/GHOSTS OF DOWNLOAD, BLONDIE (UNIVERSAL) • Cada época tem a Madonna ou a Lady Gaga que merece. A virada dos anos 1970 para os 1980 foi da falsa loura Debbie Harry. Com seu corpo de ex-garçonete da boate Playboy Club, a vocalista do grupo Blondie se tornou a primeira pop star egressa do movimento punk de Nova York. Como cantora, ela se revelou superior às sucessoras: tinha um vocal agressivo no rock e sussurrado nas baladas (a voz perfeita, aliás, é uma qualidade que Debbie, aos 69 anos, preserva). O novo álbum do Blondie, hoje reduzido a Debbie, ao guitarrista Chris Stein e ao vigoroso baterista Ciem Burke, combina faixas antigas com novas canções. Não se trata de uma antologia comum: o Blondie regravou, com uma cara contemporânea, alguns de seus hits, como Heart of Glass, Rapture (um dos primeiros raps da história da música pop) e Dreaming. Ghosts of Download, o disco de material inédito, é mais dançante do que o Blondie original costumava ser. Entre outras participações especiais. Beth Ditto, cantora do Gossip, duela com Debbie na eletrônica A Rose by Any Name. THE BOOTLEG SERIES VOL. 3: MILES AT THE FILLMORE, MILES DAVIS (SONY) • Em 1970, o trompetista americano Miles Davis já adicionava a energia do rock ao jazz a fim de remoçar sua plateia. Foi quando o empresário Bill Graham o convidou para uma temporada no Fillmore East, em Nova York, onde músicos do jazz e do blues abriam os shows de ídolos do público ripongo que frequentava o local. Coube a Davis a missão de esquentar a plateia para a cantante folk Laura Nyro. O trompetista e sua banda fizeram quatro performances memoráveis, compiladas em Live at Fillmore (1970). Era um álbum repleto de qualidades, mas nunca chegou perto de captar a ferocidade de Davis e comandados (que naqueles tempos incluíam os tecladistas Chick Corea e Keith Jarrett, o percussionista Airto Moreira, o saxofonista Steve Grossman, o baterista Jack DeJohnette e o baixista Dave Holland). A caixa quádrupla The Bootleg Series traz os shows na íntegra: são 100 minutos de material inédito e outros 35 minutos de um concerto da trupe no Fillmore West, em São Francisco. Embora repita as músicas nos diferentes sets. Davis nunca as toca da mesma maneira. Perto da potência de sua banda, qualquer roqueiro era mais dócil que gato de madame. LIVROS A ARTE DA NOVELA (GRUA LIVROS E LIVRARIA CULTURA; 19,90 REAIS CADA TÍTULO) • "Prefiro não fazer" é o bordão usado por Bartleby, funcionário de um escritório de advocacia, para recusar as tarefas que lhe são exigidas. Não é preguiça: é uma estranha forma de apatia, que se manifesta de forma mais crítica quando Bartleby é demitido mas se recusa a sair do escritório. Bartleby, o Escrevente, do americano Herman Melville (mais conhecido como autor de Moby Dick), é das mais acabadas representações literárias do vazio existencial das burocracias. E é um dos títulos desta simpática seleção de obras muito breves, mas essenciais, que a Grua Livros lança em parceria com a livraria Cultura (os títulos são vendidos só nas lojas da rede). Trata-se da coleção The Art of the Novella, da editora americana Melville House. O primeiro lote traz, além de Melville, A Briga dos Dois Ivans, do russo Nikolai Gógol, Freya das Sete Ilhas, do britânico-polonês Joseph Conrad, e A Lição do Mestre, do americano Henry James, todos em novas traduções. À NOITE ANDAMOS EM CÍRCULOS, DE DANIEL ALARCÓN (TRADUÇÃO DE RAFAEL MANTOVANI; ALFAGUARA; 320 PÁGINAS; 39,90 REAIS) • Daniel Alarcón nasceu em Lima, no Peru, em 1977, mas muito cedo mudou-se para os Estados Unidos, pois seus pais, médicos, queriam distância da violência do grupo guerrilheiro Sendero Luminoso (curiosidade: Alarcón foi colega de escola de John Green, de A Culpa É das Estrelas). Ele escreve ficção em inglês, mas mantém o olhar sobre seu país. Segundo romance do autor, A Noite Andamos em Círculos narra a história de Nelson, jovem e desorientado aspirante a dramaturgo que, em um país sem nome da América Latina, é aceito como ator no Diciembre, um velho grupo de vanguarda que tem certo estatuto lendário. O líder do Diciembre é Henry Nuñez, autor que, nos anos de guerra civil em seu país, acabou preso por razões políticas e amargou uma temporada em um presídio muito violento. Nelson participará de uma nova montagem de O Presidente Idiota, a peça que motivou a prisão de Nunez. O universo do teatro é exemplarmente aproveitado em um romance que critica o lado farsesco da política latino-americana. 8#5 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA 2- Cidade do Fogo Celestial. Cassandra Clare. GALERA RECORD 3- Quem É Você, Alasca? John Green. MARTINS FONTES 4- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA 5- A Escolha. Kiera Cass. SEGUINTE 6- O Teorema de Katherine. John Green. INTRÍNSECA 7- Felicidade Roubada. Augusto Cury. SARAIVA 8- A Menina que Roubava Livros. Markus Zusak. INTRÍNSECA 9- A Guerra dos Tronos. George R.R. Martin. LEYA BRASIL 10- A Seleção. Kiera Cass. SEGUINTE NÃO FICÇÃO 1- A Estrela que Nunca Vai Se Apagar. Esther Earl. INTRÍNSECA 2- Demi Lovato – 365 Dias do Ano. Demi Locato. BEST SELLER 3- Sonho Grande. Cristiane Corrêa. PRIMEIRA PESSOA 4- O Livro da Psicologia. Nigel Benson. GLOBO 5- 1889. Laurentino Gomes. GLOBO 6- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 7- Guia Politicamente Incorreto do Futebol. Jones Rossi e Leonardo Mendes Junior. LEYA BRASIL 8- 1808. Laurentino Gomes. PLANETA 9- O Réu e o Rei. Paulo Cesar de Araújo. COMPANHIA DAS LETRAS 10- O Livro da Filosofia. Vários. GLOBO AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 3- Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros. Augusto Cury. BENVIRÁ 4- Eu Me Chamo Antonio. Pedro Gabriel. INTRÍNSECA 5- Casamento Blindado. Renato e Cristiane Cardoso. THOMAS NELSON BRASIL 6- Eu Não Consigo Emagrecer. Pierre Dukan. BEST SELLER 7- Kairós. Padre Marcelo Rossi. PRINCIPIUM 8- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 9- Foco. Daniel Goleman. OBJETIVA 10- Crianças Francesas Não Fazem Manha. Pamela Druckerman. FONTANAR 8#6 J.R. GUZZO – ERRANDO À LUZ DO SOL Lá vamos nós, mais uma vez, fazer a costumeira penitência. É bobagem tentar esconder ou inventar desculpas: muito melhor é dizer logo de cara que a maior parte da imprensa de alcance nacional pecou de novo, e pecou feio, ao prever durante meses seguidos que a Copa do Mundo de 2014 ia ser um desastre sem limites. O Brasil, coitado, iria se envergonhar até o fim dos tempos com a exibição mundial da inépcia do governo para executar qualquer projeto desse porte, mesmo tendo sete anos de prazo para entregar o serviço. Ficaria exposta a ganância das empresas presenteadas com o suntuoso bufê da construção de estádios e das demais obras indispensáveis para abrigar a Copa. Haveria uma coleção inédita de aberrações, com o estouro sistemático de orçamentos, a miserável qualidade dos equipamentos entregues ao público e daí para pior. Deu justamente o contrário. A Copa do Mundo de 2014, até agora, foi acima de tudo o triunfo do futebol — uma sucessão de jogos espetaculares, a exibição de craques como não se via fazia décadas e a presença em campo de todos os oito países que levaram o título mundial em seus 84 anos de disputa. No jogo entre Bélgica e Rússia, para resumir o assunto, havia 70.000 torcedores no Maracanã — não é preciso dizer mais nada, realmente, sobre o sucesso da Copa de 2014. Para efeitos práticos, além disso, tudo funcionou: os desatinos da organização não impediram o espetáculo, os 600.000 visitantes estrangeiros acharam o Brasil o máximo e 24 horas depois de encerrado o primeiro jogo ninguém mais se lembrava dos horrores anunciados durante os últimos meses. É a vida. O que se viu com a Copa de 2014, mais uma vez, foi a aplicação da Lei Universal das Aparências que Enganam — segundo a qual quanto maior a antecedência com que é prevista uma catástrofe futura, tanto menor é a possibilidade de que ela venha de fato a acontecer. O momento mais notável na história dessa lei, possivelmente, foi o infame "bug do milênio". Lembram-se dele? O mundo iria parar a partir de zero hora do ano 2000, pelo derretimento inevitável de todos os computadores do planeta; bilhões de dólares foram gastos por governos e empresas para se defender previamente dessa alucinação, e na hora da desgraça não aconteceu absolutamente nada. As grandes crises financeiras, que de tanto em tanto tempo vão acabar com o capitalismo no mundo (cada uma delas, inevitavelmente, é apresentada pelos meios de comunicação como "a pior desde 1929"), vêm, vão e se dispersam como os desfiles de escolas de samba. Institutos de pesquisa de opinião, com todos os seus métodos de trabalho testados cientificamente em laboratório, vivem recorrendo a "viradas milagrosas" de última hora para explicar por que o candidato que iria ganhar perdeu, e vice-versa. A Copa de 2014 é uma boa oportunidade para repetir que a imprensa erra, sim — mas erra em público, à luz do sol, e se errar muito acabará morrendo por falta de leitores, ouvintes e telespectadores. Ao contrário do governo, que jamais reconhece a mínima falha em nada que faça, a imprensa não pode esconder suas responsabilidades. Não tem maioria de 70% no Congresso para abafar seus pecados. Não pode recorrer a embargos infringentes para manter-se impune, nem a ministros amigos no Supremo Tribunal Federal. Não tem a seu dispor cerca de 1,5 trilhão de reais, arrecadados a cada ano em impostos, para comprar quem e o que bem entende. Os jornalistas, no Brasil e no mundo, sem dúvida deveriam ser mais modestos e fazer mais força para errar menos — mas o jornalismo, infelizmente, é uma atividade em que se acumula pouco conhecimento. Fazer o quê? É preciso, bem ou mal, conviver com essa realidade. Afinal, jornalistas — têm de ganhar o seu sustento; de mais a mais, às vezes chegam até a estar certos. No caso da Copa, na verdade, o que importa é deixar bem claro que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O sucesso não muda em nada atos de desgoverno, e os atos de desgoverno não mudam em nada o fato de que a Copa foi um imenso êxito. São, apenas, duas realidades diferentes. A qualidade sensacional desta competição, que mexe como nenhuma outra na alma de bilhões de seres humanos, não vai fazer aparecer os benefícios para os brasileiros que foram prometidos e jamais serão entregues; no dia seguinte à final, o poder público nunca mais se lembrará das promessas que fez. As verdades que os jornalistas expuseram não passaram a ser mentiras. O que estava errado continua errado. É isso — e só isso. Esperemos, agora, a Olimpíada do Rio de Janeiro.