0# CAPA 1.10.14 VEJA www.veja.com.br Editora ABRIL Edição 2393 – ano 47 – nº 40 1º de outubro de 2014 [descrição da imagem: foto de uma moça aparecendo da ponta do nariz até a cintura. Tem cabelos longos. Esta com braços cruzados. Vete uma blusa de cor azul, de alcinhas. Tem preso em sua roupa, no lado esquerdo, três pins, estrela do PT, um tucano, e uma pomba com uma ramo no bico. No lado direito tem um boton, grande onde está escrito Eu era indecisa. Agora não tenho mais certeza.] TODOS ATRÁS DELA Mais mulheres do que homens estão entre os "órfãos do primeiro turno”, que não vão eleger o seu candidato predileto mas definirão o resultado final da eleição. [parte superior da capa: foto de Paulo Roberto Costa] EXCLUSIVO O NÚCLEO ATÔMICO DA DELAÇÃO Paulo Roberto Costa diz à Polícia Federal que em 2010 a campanha de Dilma Rousseff pediu dinheiro ao esquema de corrupção da Petrobras ______________________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# ECONOMIA 5# INTERNACIONAL 6# GERAL 7# ARTES E ESPETÁCULOS _________________________________ 1# SEÇÕES 1.10.14 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – NO SÉCULO ERRADO 1#3 ENTREVISTA – JOÃO PEREIRA COUTINHO – VAMOS VIVER E DEIXAR VIVER 1#4 MAÍLSON DA NÓBREGA – CARTA AO POVO BRASILEIRO INVERTIDA 1#5 LEITOR 1#6 HUMOR – AGAMENON MENDES PEDREIRA – EM BUSCA DO TEMPLO PERDIDO 1#7 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM SAÚDE: COMO MELHORAR? O próximo presidente terá o desafio de melhora o que os brasileiros consideram o problema número 1 do país: a péssima qualidade do serviço de saúde. Especialistas ouvidos pelo site de VEJA disseram que é possível dar um salto de qualidade com seis medidas: aumento de repasse de verbas da União, redução do desperdício de dinheiro, definição de critérios e prioridades, incremento do programa de atenção básica, criação de uma rede integrada e ajuste das desigualdades regionais. Os temas foram confrontados com as propostas dos candidatos Dilma Rousseff, Marina Silva e Aécio Neves para a saúde. A CAMPANHA NOS ESTADOS A uma semana do primeiro turno, reportagem do site de VEJA mapeia os principais temas das eleições estaduais em cada uma das 27 unidades da federação: da cheia do Rio Madeira, no Acre, à estiagem em São Paulo, das dificuldades para escoar a produção agrícola do Centro-Oeste à implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro. POPOZUDAS IN CHARGE O que os shows do último Video Music Awards, os clipes de Nicki Minaj e Jennifer Lopez e o novo figurino de Miley Cyrus têm em comum? São evidências de que o chamado "popozão" está em alta nos Estados Unidos. A influência do hip-hop e da cultura latina - bem como a difusão de certas técnicas de cirurgia plástica - trouxe esse efeito colateral. Reportagem em VEJA.com mostra quem são as "popozudas" que dominam a cena pop americana. A PETROBRAS EM 2015 Ao longo de seus sessenta anos, não se tem notícia de que a Petrobras tenha vivenciado um ano tão turbulento quanto 2014. Reportagem do site de VEJA mostra que, para 2015, a sinalização é de mudanças - não importa qual partido assuma a Presidência. PSDB e PSB prometem implementar um choque de gestão e proteger a estatal da influência política. Já os petistas se articulam para substituir a cúpula da estatal, a fim de abafar a série de escândalos de corrupção. 1#2 CARTA AO LEITOR – NO SÉCULO ERRADO Em duas entrevistas coletivas concedidas em Nova York (no dia 23, após o discurso sobre clima, e no dia 24, depois da abertura da Assembleia-Geral da ONU), Dilma Rousseff criticou os ataques aéreos liderados pelos Estados Unidos, com o apoio de quase todos os governos do Oriente Médio, contra posições e campos de treinamento de terroristas na Síria. Na primeira entrevista, por não citar o grupo terrorista Isis, a presidente brasileira passou a impressão apenas de profundo desconhecimento do tema. Na segunda entrevista, Dilma mostrou que sabe a diferença entre o governo de Damasco e o Isis, que até a Al Qaeda do falecido Osama bin Laden considera muito violento e radical e que nenhum país do Oriente Médio reconhece como interlocutor. Dilma tropeçou na realidade, mas se levantou e seguiu em frente como se nada tivesse acontecido, sugerindo "diálogo" com os terroristas e "lamentando os bombardeios" a seus campos de treinamento. Enquanto isso, as pessoas com a responsabilidade de conter os terroristas, que torturam, degolam, escravizam e estupram como método de dominação, trataram de agir, não prestando a menor atenção na fala da presidente brasileira. No mesmo dia, à tarde, o Conselho de Segurança da ONU aprovou por unanimidade uma resolução determinando a todos os países-membros, entre eles o Brasil, que tomem medidas contra o Isis, prevenindo "o recrutamento, a organização, o transporte e a equipagem de indivíduos que viajam para outro país que não seja o de sua residência ou nacionalidade com o propósito de perpetrar, planejar ou participar de atos terroristas". Ganhador do Prêmio Nobel da Paz, Barack Obama, o menos belicoso presidente da história dos EUA, que retirou as tropas americanas do Iraque e do Afeganistão, reconhecendo o grau de perigo que o Isis representa para o mundo, disse: "A única língua que assassinos entendem é a força". Uma reportagem desta edição de VEJA tenta entender as razões da posição leniente de Dilma com o terror, atitude que o senador Aécio Neves, candidato a presidente da República pelo PSDB, descreveu como "vergonhosa". A reportagem mostra que, por nostalgia dos tempos da Guerra Fria, quase sempre foi garantia de sucesso apresentar-se diante da Assembleia-Geral da ONU com um discurso antiamericano ou revolucionário. Em 1964, Che Guevara foi aplaudido de pé depois de, cinicamente, confirmar as suspeitas de que o regime de Fidel Castro executava sumariamente os adversários do regime: "Fuzilamentos, sim, temos fuzilado... e vamos continuar fuzilando enquanto for necessário". Hoje as questões internacionais são muito mais complexas e o mundo é crescentemente intolerante com grupos que tentam impor suas ideias pelo terror. Alguém deveria alertar o Itamaraty. Isso evitaria colocar a presidente da República no lugar certo, mas no século errado. 1#3 ENTREVISTA – JOÃO PEREIRA COUTINHO – VAMOS VIVER E DEIXAR VIVER O cientista político diz que nenhum partido brasileiro se opõe a aumentar o tamanho e o poder do Estado e que a aversão aos corruptos é, nesse contexto, um grande contrassenso. DUDA TEIXEIRA O cientista político português João Pereira Coutinho é um conservador, mas não daqueles que torcem o nariz para o casamento gay ou para a legalização da maconha. "Esses temas despertam em mim o mais profundo bocejo", diz Coutinho, de 38 anos. Ele bebe na tradição britânica, que vê com saudável ceticismo qualquer político que queira conduzir a sociedade rumo a uma utopia, seja essa do passado ou do futuro. Suas críticas são contra o que ele chama de Estado-babá, que em Portugal chega ao exagero de ter um organismo estatal destinado a aconselhar os habitantes a vestir roupas frescas nos dias de calor. O Brasil, para ele, segue a mesma aragem. Colunista dos jornais Folha de S.Paulo e Correio da Manhã (de Portugal), ele falou a VEJA em São Paulo. Como os brasileiros reagem quando o senhor se apresenta como um conservador? Alguns imaginam que eu sou um dinossauro. Alguém que acabou de sair do Museu de História Natural, com aquelas placas nas costas. Ou pensam em um velhinho de bengala, que fuma cachimbo todo dia, às 5 da tarde em ponto. É estranho. No Brasil, a palavra "conservador" muitas vezes é usada como insulto. Muitos por aqui se dizem comunistas, e isso é visto como normal. O comunismo fez 100 milhões de mortos, mas acham que isso simplesmente foi algo que "aconteceu", e tudo bem. Mas, quando alguém como eu se define como conservador, pensam que eu deveria ser internado em um manicômio. Apesar dessa resistência, muitos brasileiros que se intitulam progressistas ou de esquerda são, na verdade, conservadores. Alguns leram meu livro As Ideias Conservadoras (Editora Três Estrelas) e depois me procuraram para dizer que já não sabiam muito bem se continuavam sendo progressistas ou não. Eles se assustaram porque concordaram com minhas ideias. O mérito do meu livro foi semear a dúvida, fazer com que os leitores questionassem clichês e os conceitos que tinham sobre si próprios. Sou um criador de problemas. Muitos compreenderam bem minhas ideias e ficaram perdidos. Não sei se precisarão ir a um psicanalista ou se entrarão em depressão. Espero que sim. São coisas que sempre fazem bem. O que é um conservador? É alguém que considera a natureza humana imperfeita. Como diz aquele jogador brasileiro (Neymar, que lançou uma campanha na internet contra o racismo no futebol em apoio a Daniel Alves), "somos todos macacos". Esse é o ponto de partida. Daí em diante, acreditar que um político, que é macaco como a gente, possa exercer um poder excessivo sobre a vida dos demais é um contrassenso. Um político não é alguém com uma sabedoria especial capaz de conduzir toda uma sociedade rumo a um fim que ele considera ideal. Isso é uma crença primitiva. Um conservador autêntico não entende as coisas assim e sempre vai desconfiar daquele que está no governo, porque sabe que esse indivíduo está sujeito aos mesmos erros que qualquer um. O poder deve ser limitado. O Estado deve apenas garantir as condições mínimas para uma sociedade civilizada, e os cidadãos devem buscar seus fins de vida por sua conta e risco, falhando e acertando. Os ingleses têm uma expressão para isso: viver e deixar viver. Que outras implicações essa visão sobre a natureza humana pode ter? Uma delas dá conta de que é pouco legítimo que o governo se aproprie da riqueza das pessoas como o faz nos níveis atuais, por meio dos impostos. Isso é dar poder demais ao Estado. Outra, de que deve ser colocado um olhar mais rigoroso sobre os políticos. Deputados eleitos devem estar o tempo todo prestando contas à população. Por fim, o conservador costuma nutrir uma indignação muito forte contra a corrupção. As manifestações que ocorreram no Brasil em junho do ano passado, antes da Copa, tiveram um lado positivo a esse respeito, que foi mostrar o descontentamento com o desvio de recursos públicos. Com a ascensão da classe média, as pessoas não se contentam mais com o mínimo necessário para viver e passam a querer também um governo honesto, saúde de qualidade, uma boa educação. Mas meu otimismo com esses protestos já acabou. Por quê? Em vez de os brasileiros protestarem pedindo que o governo os deixe em paz, eles passaram a exigir mais Estado, com mais poder. Por sua parte, as autoridades entenderam que era necessário fazer isso e os políticos voltaram-se para aqueles manifestantes e disseram: "Vamos cuidar de vocês, crianças". Os brasileiros têm algo de paradoxal. Quando se pergunta a eles a opinião sobre os políticos, as respostas oscilam entre "corruptos" e "totalmente corruptos". Seriam indivíduos "para lá da salvação", como dizemos em Portugal. Apesar disso, os brasileiros cultivam a ideia de que é preciso aumentar a presença do Estado na vida das pessoas. Eles não têm dúvida de que os políticos e os partidos são corruptos e, ao mesmo tempo, querem lhes dar mais poder para influenciar a vida de todos os cidadãos. Essa contradição é muito disseminada? As pesquisas de opinião mostram que a população brasileira quer que o Estado controle a Justiça (80%), o sistema de previdência (72%), a saúde (71%) e a educação (69%). Mais da metade gostaria que os bancos fossem estatais. A ideia corrente no Brasil parece ser a de que o governo é exercido por entidades celestiais, e não pelos mesmos políticos que os brasileiros consideram corruptos. Há alguns meses, a presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição, disse que não se pode "exigir da humanidade a virtude, porque ela não é virtuosa, mas alguns homens e algumas mulheres são, e por isso as instituições têm de ser virtuosas". O que isso revela sobre Dilma? A noção de que há pessoas perfeitas e instituições idem é uma atitude própria de quem está apaixonado por si mesmo. É um sentimento que predomina normalmente no fim da adolescência. Um dos grandes problemas atuais é que algumas pessoas sofrem de adolescência tardia. Crêem que têm toda a razão, que o mundo está errado e deve se submeter aos seus caprichos. Um tirano nada mais é que uma criança que não aceita o não como resposta. Não estou dizendo que Dilma é uma ditadora. Mas é fato que aqueles que se acham perfeitos têm problemas de desenvolvimento. Nunca questionam suas certezas e por isso oferecem um grau de periculosidade muito alto. Como o senhor vê os partidos brasileiros? Li os estatutos de vários deles. Não vi nenhum que poderia ser considerado de direita, no sentido mais nobre do termo. Nem o PSDB, nem o Democratas (DEM), nem o Partido Progressista (PP) poderiam ser tratados como tal. Todos eles nutrem uma visão patrimonialista da sociedade, que não separa o que é público do que é privado. Acham que o Estado é o agente principal da vida social, o pastor do rebanho, o salvador, o agente da redenção brasileira. Usam termos como "desigualdade" e "redistribuição de renda mais equitativa", que são geneticamente de esquerda. A obsessão por esses termos é reveladora. Parece que apenas uma linguagem é permitida. Os pensadores citados no seu livro, como Edmund Burke, Isaiah Berlin ou Michael Oakeshott, são praticamente desconhecidos no Brasil. Isso o surpreende? Fico triste, mas não surpreso. Durante a ditadura, enquanto uma direita autoritária assumiu a política, a esquerda tomou o poder do mundo cultural e universitário. É um caso clássico, que também se deu em Portugal. Isso levou muitas mentalidades primitivas a acreditar que ser de direita é estar ligado a alguma forma de regime ditatorial, o que não é verdade. Muitos universitários brasileiros já confessaram para mim o clima de medo que os leva a evitar certos autores e sofrer ostracismo nas faculdades. Há no Brasil uma espécie de índex moderno em que um pensamento de esquerda, politicamente correto, determina quais livros devem ser lidos e publicados e quais devem ser esquecidos. Isso explica por que o debate no Brasil é muito pobre. Mas as coisas estão começando a mudar. Alguns editores me confidenciaram que livros recentes, com um discurso liberal ou conservador, têm recebido uma boa aceitação e vendido muito bem. O que você acha do desempenho da candidata Marina Silva nas pesquisas? De início, pensei que o fenômeno se explicava por razões emocionais. Depois da morte de Eduardo Campos, seria previsível um deslocamento de votos para Marina. Em política, a parte emocional é poderosa, e um dos exemplos encontra-se em Washington: Barack Obama foi eleito não porque era melhor do que o republicano John McCain, mas porque havia uma culpa dos tempos da escravidão e da segregação racial a ser expiada. Mas logo percebi que a parte emocional não explica tudo o que está acontecendo no Brasil. O cansaço com o PT e a preocupação, justificadíssima, com a situação anêmica da economia também têm um peso no processo. Por que "justificadissima"? A melhor forma de responder a essa pergunta é com o exemplo de Portugal. O país faliu em 2011 pela terceira vez na sua história democrática porque houve uma combinação letal de fatores: crescimento econômico medíocre na primeira década do século XXI e endividamento público e privado crescente. A crise financeira representou a estocada final no moribundo país, que foi obrigado a recorrer, novamente, ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Ao visitar o Brasil, tenho tido uma estranha sensação de déjà-vu. Quando vejo as contas públicas brasileiras, os números pífios da economia, os gastos públicos sem controle, a inflação em alta, não fico nem um pouco otimista. O escritor Eça de Queirós dizia que o brasileiro é o português dilatado pelo calor. Os problemas do Brasil são os mesmos de Portugal inchados pelo calor. A visão patrimonialista a que o senhor se referiu contribuiu para essas causas da crise em Portugal? Naturalmente. Na minha opinião, babá é coisa para criança ou personagem de filmes adultos. Quando o Estado se torna uma gigantesca babá, que sustenta os cidadãos desde o berço até a cova, cria-se obviamente uma realidade insustentável. Em meu país, existe até um organismo estatal, a Direção-Geral da Saúde, que, quando está frio, aconselha a população a usar roupas quentes. Quando está fazendo muito calor, recomenda que as pessoas bebam vários copos de água, vistam roupa fresca e não deixem as crianças fechadas no interior dos carros. E cômico. O Estado age como se os portugueses, no calor, saíssem para as ruas com casacos e botas de alpinista. Nós nos tornamos um grande parque infantil. Mas não é possível viver em uma democracia saudável quando esse Estado-babá consome mais da metade da riqueza nacional. O nível dos impostos afugenta o investimento, espanta a iniciativa privada e priva os cidadãos de usufruir aquilo que eles ganharam. O Estado-babá é um perigo porque ganha vida própria e se agiganta de tal forma que a certa altura deixa de servir os cidadãos e passa a servir-se deles. O senhor é contra o aborto? Tendo a manter posições conservadoras em assuntos de vida ou morte. Sobre aborto, entendo que pode ser feito se a saúde da mulher está em jogo. Na eutanásia, sou contra terminar ativamente com a vida de um paciente, mas não me oponho quando o médico suspende o tratamento em casos terminais. Sou contra a pena de morte. Alguns criminosos devem ser condenados à pena perpétua. Qual a visão conservadora da união homossexual e da legalização das drogas? São temas que despertam em mim o mais profundo bocejo. É tão entediante quanto falar sobre o comportamento das formigas numa selva africana. No caso da legalização das drogas, está claro que não existe legislação que possa salvar os seres humanos deles próprios. O Estado não deve ter um papel preponderante, nem sequer relevante, nessas questões. 1#4 MAÍLSON DA NÓBREGA – CARTA AO POVO BRASILEIRO INVERTIDA Em 2002, o medo da possível eleição de Lula e das ideias equivocadas do PT abalou a confiança dos mercados. Temia-se, entre outras esquisitices, a proposta de plebiscito sobre o pagamento da dívida externa. Daí a "Carta ao povo brasileiro", na qual Lula prometia "respeito aos contratos e obrigações do país". E anunciava "preservar o superavit primário quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos". Já eleito, convidou um banqueiro, Henrique Meirelles, para comandar o Banco Central, ao qual assegurou autonomia operacional. A guinada foi essencial para o crescimento e para ampliar os programas sociais. Agora, no afã de destruir a ascensão de Marina nas pesquisas, Dilma percorre caminho inverso e assusta os mercados. Diz que a autonomia, prometida pela candidata do PSB, entregaria o BC aos bancos. Em sórdida propaganda, a comida some do prato como efeito de juros pagos a contentes banqueiros. A autonomia do banco central resultou de longa evolução. Todos os países ricos lhe concederam a independência (a rigor, as palavras autonomia e independência são sinônimas). A autonomia é exigida para o ingresso na União Europeia. Na América Latina, ela existe em países bem-sucedidos: Chile, Colômbia, México e Peru. Permite evitar o descontrole da inflação, que corrói a renda e inibe a geração de empregos. Até o século XVI, a inflação era fenômeno raro. Pagava-se com moedas de ouro ou prata, cuja oferta crescia a ritmo lento. Com a descoberta das minas nas Américas, isso mudou. A oferta de metais aumentou rapidamente. Na Europa, por 150 anos, os preços subiram em média 1,5% ao ano — nível excessivo para os padrões da época —, no que ficou conhecido como "revolução dos preços". Entre os séculos XVIII e XIX, o risco de transportar moedas metálicas ampliou o uso do papel-moeda ou moeda fiduciária, que surgira com os certificados emitidos por quem guardava os metais e que eram usados nas transações. Como nem todos vinham retirar os metais, emitiam-se certificados em maior volume, emprestando-se o excedente. Depois, os governos assumiram a função. Veio o risco de emissões sem controle, o que aconteceu na França na Revolução de 1789 e nos Estados Unidos na Guerra de Independência, provocando inflação. O padrão-ouro, em que as emissões são limitadas ao lastro do metal, eliminou o risco de emitir dinheiro para financiar a dívida pública e mais gastos. O padrão-ouro foi abandonado na primeira metade do século XX. Ressurgiu o risco de emissões sem lastro. Daí a introdução da ideia de autonomia formal para uma agência governamental, o banco central, a quem cabe emitir moeda. O banco se submete ao controle democrático mediante a obrigação, em lei, da prestação periódica de contas ao Congresso. A autonomia do banco central é, assim, uma defesa da sociedade. Com mandatos fixos e demissíveis apenas pelo Legislativo, sob justificativa plausível, seus diretores podem resistir à pressão dos governos da hora. Também não se curvam a banqueiros que busquem regulação indevidamente favorável. A civilização gerou muitas outras boas inovações institucionais. Uma delas, o controle de tráfego, surgiu da necessidade de segurança em meio a uma novidade: o aumento da circulação de veículos; primeiro das carruagens, depois dos automóveis. O Brasil compõe a lista de países emergentes onde não se enraizou a ideia da autonomia do banco central. Isso se explica pela combinação de baixa educação, desinformação e ideologia anticapitalista. Custa crer que alguém no exercício da Presidência possa recorrer à mentira para ganhar eleições e deseducar o povo. Por extensão, poderia defender o fim dos sinais de trânsito e requerer o comando do controle de tráfego. Dilma presta um desserviço indesculpável para quem exerce o mais alto cargo do país. Sua visão rasteira sobre a autonomia do Banco Central indica que dificilmente encontrará alguém respeitável para dirigir a instituição. Tenderá a interferir mais na política monetária, e a reeditar o atual ambiente recessivo e de inflação alta deste seu primeiro mandato. Triste. 1#5 LEITOR DISPUTA PRESIDENCIAL O marketing político transformou a corrida eleitoral no Brasil em uma telenovela, na qual a massa se deixa levar pela emoção, esquecendo-se dos verdadeiros problemas da sociedade ("A emoção vai ao palanque", 24 de setembro). É lamentável observar a população influenciada pelas pesquisas, histórias tristes e páginas falsas em redes sociais. O eleitor deve escolher seu candidato ponderando a qualidade das suas propostas de governo. A emoção não pode ofuscar a razão. RODRIGO GUIMARÃES FURTADO Curitiba, PR Se o partido que está no poder é capaz de mentir em sua campanha eleitoral, entende-se que ele não vê limites (de baixarias) para atingir seus objetivos... ERIC S. MOITINHO Santos, SP Dilma e Marina apelam para o emocional do "coitadismo", com o bolsa-esmola. Aécio vencerá se emocionar pelo sonho: proporcionar educação, saúde e oportunidade para que todos saiam da pobreza caminhando e crescendo com as próprias pernas. GILBERTO DIB São Paulo, SP Em harmonia com o poder, a emoção e a racionalidade, nossos governantes precisam de ética, honestidade e competência. RONIAR RUY CERUTTI São Paulo, SP Está nas mãos do eleitor o ‘poder’ para, com a ‘emoção’ controlada, votar com ‘racionalidade’ e tentar mudar o que não está bom no Brasil. ABEL PIRES RODRIGUES Rio de Janeiro, RJ DESVIO DE DINHEIRO NA BAHIA Ao ler a reportagem "A arte de roubar dos pobres" (24 de setembro), fiquei chocado. Políticos desonestos e capazes de qualquer ato para desviar dinheiro público não são nenhuma novidade. Mas ver esses atos cometidos por um partido que se intitula "dos trabalhadores", com um ex-líder estudantil exilado, outro que foi o líder dos "caras-pintadas", um ex-sindicalista de origem humilde que lutou contra a ditadura, entre alguns de seus principais expoentes, eu me faço algumas perguntas: qual o limite dessas pessoas? Quais são seus propósitos? Não se sentem mal frustrando o sonho de gente tão humilde como o lavrador Ualace em benefício próprio ou de aliados? Conseguem dormir direito? ALDO FERREIRA DE MORAES ARAÚJO Recife, PE A ONG que funcionava na Bahia representava Robin Hood às avessas. Dalva Sele, presidente da ONG em questão, o Instituto Brasil, é cúmplice. Se nós, brasileiros, não tirarmos o PT do comando central do nosso país, ele quebrará o Brasil. Parabenizo VEJA por nos manter tão bem informados. LENISIO BRAGANTE DE ARAUJO João Pessoa, PB Que nojo! E ainda há os que acreditam que no PT só tem "bonzinho" e que com ele a vida vai melhorar. Não enxergam que estão num curral alimentados por migalhas. PAULO VIANNA Curitiba (PR), via tablet AGAMENON MENDES PEDREIRA VEJA continua indispensável, principalmente porque a uso como ferramenta de ensino em minhas aulas de redação. Fiquei mais triste com a ausência do colunista Agamenon Mendes Pedreira na revista do que com a derrota vexatória do Brasil na Copa de 2014. Para minha satisfação, Agamenon está de volta ("Candidatos à campanha", Humor, 24 de setembro). Seu humor corrosivo, ferino, mas não menos verdadeiro, era o que faltava para tornar a leitura de VEJA ainda mais prazerosa. CLEBER LACERDA Montes Claros, MG Sou leitor contumaz de VEJA e tenho me sentido bastante constrangido ao ler a nova seção de "humor", do personagem Agamenon Mendes Pedreira. Aquilo, com todo o respeito, não é humor; é um escracho de muitíssimo mau gosto. JORGE ROCHA NETTO Caxias do Sul, RS Esse Agamenon Mendes Pedreira é um gênio. Fazia muito tempo que eu não ria tanto. LORETTA CLAUDIA DARIÉ SCHULZE Ottawa, Canadá, via tablet YUVAL STEINITZ Parabenizo VEJA pela entrevista de páginas amarelas com o ministro de Inteligência de Israel, Yuval Steinitz ("Para desarmar a bomba", 24 de setembro). Com efeito, se aqueles que declaradamente pretendem varrer Israel do mapa abaixassem as armas, haveria tranquilidade e, possivelmente, paz na região. Por outro lado, se Israel desistisse de se defender, certamente haveria um novo holocausto. Impressiona-me como essa circunstância é pouco meditada antes de julgarem apressadamente as partes em conflito. KLEBER LEITE Belo Horizonte (MG), via smartphone Nota 10 para a entrevista com o ministro israelense Yuval Steinitz. Mais do que conscientizar, o texto desmistifica conceitos e sublinha determinadas verdades. muitas vezes propositadamente ocultas em grande parte da imprensa — seja por lamentável ignorância, interesses escusos, preconceitos insensatos, seja por tudo isso junto. Parabéns, VEJA, você me representa! MAURO WAINSTOCK Rio de Janeiro, RJ LYA LUFT Esclarecedor o artigo "No amor, na guerra e na política" (24 de setembro), de Lya Luft. Realmente, deve interessar ao poder que os brasileiros se mantenham exaustos, fatigados e desanimados, não tendo ânimo nem para ler uma coluna como a dela. Assim, eles continuam indiferentes e na ignorância dos fatos reais que assolam o Brasil. Que pena! Esses estão correndo o risco de errar, mais uma vez, por desconhecimento da realidade — e, com isso, o "vale-tudo" da política poderá sair vencedor. LUCY MARIA DA PENHA Itapaci, GO Do ponto de vista com que Lya Luft procura descrever o brasileiro comum, eu não o seria pelo simples fato de ser alguém bem informado e gostar de ler muito. No entanto, nas demais condições, eu me identifico. Atualmente, tenho uma rotina massacrante e não tenho dinheiro nem tempo para luxos e lazer, situação bem diferente da fase pré-PT. Eu sou uma prova de quanto o PT piorou o Brasil: trabalho só para sobreviver. Nos últimos anos, tive de abrir mão de uma série de coisas. Sonho poder voltar aos padrões dos anos 90, época em que ser da classe média significava algo de bom. Por isso fico indignado com as mentiras e fantasias usadas pelo atual governo, e espero que elas não prevaleçam. DÉCIO LUIZ BOZZA Curitiba, PR J.R. GUZZO No brilhante artigo "O caráter fica" (24 de setembro), J.R. Guzzo teve a felicidade de expressar, em poucas palavras, um resumo dos acontecimentos reais e verdadeiros que estão preocupando as pessoas de bem do Brasil. A eleição passa e as promessas ficam no esquecimento. HÉLIO NOGUEIRA São Paulo (SP), via tablet CARMEN LÚCIA Ao ler a excelente entrevista com a ministra Cármen Lúcia ("Temos de ter pressa", 17 de setembro), senti orgulho de ser brasileiro e de saber que existem pessoas preocupadas com a lentidão da Justiça no Brasil. Sempre que posso, acompanho as sessões do STF pela TV Justiça e observo a performance da ministra Cármen Lúcia. Ela tem um senso crítico extraordinário, sem desmerecer os demais membros da Suprema Corte. Parafraseando Rui Barbosa: "A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta". LUIZ CARLOS SARAIVA DE ARAÚJO Fortaleza, CE ROBERTO POMPEU DE TOLEDO Diante do magistral conteúdo elaborado por Roberto Pompeu de Toledo no artigo "A xacina do testo" (17 de setembro), sugiro que o novo idioma que se quer impor ao Brasil seja, por mera adequação lógica, denominado "lulaleis". MARCELO FIGUEIREDO CORREIA DA ROCHA Salvador, BA Durante a leitura do artigo de Roberto Pompeu de Toledo, fui envolvida por um misto de tristeza, repúdio e indignação. Tenho duas filhas no ensino fundamental, e a cada dia aumenta a minha preocupação com os descaminhos do Brasil. É uma afronta a todos os brasileiros e à língua portuguesa tal proposta de reforma ortográfica. Sem dúvida, estamos nos tornando um país de medíocres! ANA CRISTINA B. DE MIRANDA Goiânia, GO ENVELHECIMENTO Ao ler a reportagem "O melhor lugar do mundo para envelhecer" (17 de setembro), pensei: por que não nasci na Suécia? Sabemos bem como vive a maioria dos idosos aqui no Brasil — o que nada nos agrada. Sou jovem, com 26 anos, mas já me preocupo com o que será quando eu estiver velho... Acho mesmo que vou me mudar para a Suécia! JOEL SOARES DE OLIVEIRA Maranguape (CE), via tablet PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação, VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP: Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até 3 quarta-feira de cada semana. 1#6 HUMOR – AGAMENON MENDES PEDREIRA – EM BUSCA DO TEMPLO PERDIDO Indignado com a liquidação e a queima total que Israel está promovendo na Faixa de Gaze, resolvi partir para um retiro espiritual no recém-inaugurado Templo de Salomão, o novo empreendimento imobiliário do rabino evangélico Edith Macedowitz. Esse megaempreendimento religioso é inspirado no antigo templo bíblico do rei Salomão, que, infelizmente, foi destruído há muitos anos pelos mísseis do Hamas. Fui recebido na porta do magnífico templo pelo pastor israelita, em pessoa, que me estendeu o seu quipá e me obrigou a colocar ali o dízimo. Envergando um megahair e uma barba de profeta, Ediv Macedostein me confidenciou que é um evangélico ortodoxo e compartilha a mesma fé que o Povo do Livro. O Povo do Livro-Caixa. Para se converter ao judaísmo de Cristo e ser bem-aceito pela comunidade judaica, o pastor Edavid Macedo primeiro tratou de ganhar muito dinheiro e ficar podre de rico (mais podre do que rico). Em seguida mandou colocar uma sofisticada bateria antimísseis israelense protegendo sua conta bancária dos ataques da Receita Federal, do Hamas e do Hezbollah. Mas voltando ao Templo de Salomão. Nunca em toda a minha vida deparei com um empreendimento religioso dessa magnitude. Maior que a Catedral de São Pedro, maior que a Basílica de Nossa Senhora de Aparecida, o Templo de Salomão é uma espécie de supermercado da fé. O fiel entra com sua fé, pega um carrinho, enche de litros de água do Rio Jordão, passa no caixa e sai dali mais aliviado, dos seus pecados e do seu dinheiro. Para agilizar o ato de fé, o pastor Edir Macedembaum colocou código de barras nas infrações contra as Leis do Senhor. Cada vez mais pró-Israel, o beligerante bispo Macedowitz está construindo uma mesquita bem ao lado do Templo de Salomão, só para ele poder bombardear. O bispo Macedo, sabendo que eu ainda resido no meu Dodge Dart 73 enferrujado, tentou me vender de qualquer maneira um apartamento no Templo de Salomão. Mas eu não fechei negócio porque todo mundo sabe que o bispo Macederman tem o rabino preso com a Justiça. A Federal e a Divina. 1#7 BLOGOSFERA EDITADO POR KÁTI PERIN kperin@abril.com.br VEJA MERCADOS GERALDO SAMOR ARGENTINA A política econômica brasileira está cada vez mais parecida com a argentina: o Estado não consegue poupar, o empresariado não quer investir, o governo massageia os números oficiais, a pressão inflacionária se acumula aqui (e explode lá) e — o mais grave de todos os pecados — o poder central é incapaz de fazer um mea-culpa. www.veja.com/vejamercados COLUNA LEONEL KAZ INSÔNIA Abstrair-se da vida é criar um vazio de silêncio para percebê-la na plenitude. Mas como? O último bastião do que parecia resguardado no humano — o sono — acaba de ser esquartejado, como aborda o livro 24/7 — Capitalismo Tardio e os Fins do Sono, de Jonathan Crary. A obra mostra que há uma legião de seres (vivos?) que acordam no meio da noite para checar e-mails. www.veja.com/leonel-kaz ESPELHO MEU LÚCIA MANDEL PROTEÇÃO SOLAR A FDA, a agência americana que regula alimentos e medicamentos, analisa o filtro solar em spray desde 2011 e ainda não deu um parecer a respeito do risco de inalar seu vapor. Enquanto isso, é recomendável tomar alguns cuidados: em crianças, não use spray. www.veja.com/espelhomeu SOBRE IMAGENS JAMES LUKOSKI O conflito entre israelenses e palestinos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, intensificado nos últimos meses, sempre foi um terreno fértil, e perigoso, para o fotojornalismo. No começo dos anos 1990, o fotodocumentarista americano James Lukoski realizou um dos trabalhos mais impactantes sobre a região. O blog Sobre Imagens mostra fotos que foram publicadas em grandes jornais, como o The New York Times, e distribuídas pela célebre agência Black Star. IMPERDÍVEL ESMERALDAS Depois da leveza do disco de estreia, Sweet Jardim, de 2009, e do amadurecimento musical em A Coruja e o Coração, de 2011, a cantora Tiê lança Esmeraldas, o mais intenso dos seus álbuns. Um exemplo dessa nova atmosfera de romantismo e força é o primeiro single, A Noite, versão em português feita por Tiê da italiana La Notte, que ficou popular na voz da cantora Arisa em 2012. Outras faixas já liberadas no iTunes são Gold Fish, que abre o disco, Par de Ases, Máquina de Lavar e Isqueiro Azul, todas coassinadas por Tiê. Produzido por Adriano Cintra e Jesse Harris, o disco conta com a participação do músico escocês David Byrne na faixa All Around You e do piano de Guilherme Arantes em Máquina de Lavar. www.veja.com/imperdivel SOBRE PALAVRAS TATUAGEM O capitão inglês James Cook (1728-1779) entrou para a história como o navegador ocidental que colocou a Oceania no mapa, tornando-se o primeiro a pisar na costa oriental da Austrália e em diversas ilhas polinésias. De lá ele trouxe uma palavra que estava destinada a ganhar o mundo: tatuagem. Na verdade, o que Cook relatou em seus influentes escritos foi o contato com um termo taitiano, tatau, que significava "desenho pigmentado na pele". O etimologista brasileiro Antenor Nascentes explica assim o processo: "Eles (os taitianos) picam a pele com um osso pontudo e derramam nessas picadas uma tinta azul que chamam tat-tow". A palavra deixou sua marca impressa na língua inglesa como tattoo, substantivo e verbo. A prática logo caiu no gosto dos marinheiros, e do inglês o termo chegou, ainda nos últimos anos do século XVIII, ao francês tatouer, verbo a partir do qual se formou o substantivo tatouage. _____________________________________ 2# PANORAMA 1.10.14 2#1 IMAGEM DA SEMANA – ADIVINHEM QUEM VOLTOU 2#2 DATAS 2#3 HOLOFOTE 2#4 CONVERSA COM LEANDRO HASSUM – A POLÍTICA DELE É FAZER RIR 2#5 NÚMEROS 2#6 SOBEDESCE 2#7 RADAR 2#8 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – ADIVINHEM QUEM VOLTOU Sarkozy quer salvar a França — nem que os franceses não queiram • O que esperar de um político que, derrotado, diz que nunca mais voltará à vida pública? Que caia na mesma vida de sempre, claro. Principalmente se ele se chamar Nicolas Sarkozy e tiver uma certeza quase supersticiosa das próprias habilidades. "A questão não é se eu quero ou não voltar", espalhou ele, por meio de amigos bem colocados. "Eu não tenho escolha. É o destino." Na semana passada, explicou melhor: quer salvar a França "do isolamento e da humilhação" a que o país estaria condenado caso a insatisfação atual de um eleitorado farto dos partidos tradicionais se materializasse sob a forma da eleição de Marine Le Pen, da direita até recentemente inconcebível no poder, na disputa presidencial de 2017. Ah, sim, ele não disse, mas ninguém duvida que também adoraria saborear uma revanche contra François Hollande, que em 2012 surrupiou o direito quase divino que os presidentes franceses julgam ter à reeleição. Sarkozy continua queimado: 62% dos franceses rejeitam sua candidatura. Hollande, em compensação, tem uma abissal reprovação de 87%. Existe uma curiosa expressão em francês, manger du lion — comer leão —, para caracterizar alguém que tem uma gana danada de fazer alguma coisa. Sarkozy está com cara de quem andou fazendo dieta leonina. VILMA GRYZINSK! 2#2 DATAS MORRERAM Abelardo da Hora, artista plástico pernambucano que tem várias obras em ruas e praças do Recife. Nascido em São Lourenco da Mata, produziu mais de 1800 peças — entre esculturas, cerâmicas e desenhos. A figura feminina era uma de suas principais inspirações, ao lado das manifestações populares, da pobreza e da religião. Participou da criação da Sociedade de Arte Moderna do Recife, em 1948, e mais tarde integrou o Ateliê Coletivo, por onde passaram artistas como Gilvan Samico e Aloisio Magalhães. No cargo de secretário de propaganda do Partido Comunista, na década de 40, foi preso dezenas de vezes. Uma de suas últimas obras, a escultura O Artilheiro, foi inaugurada em 31 de julho, data de seu aniversário, em frente à Arena Pernambuco. Dia 23, aos 90 anos, de insuficiência cardiorrespiratória, no Recife. Polly Bergen, atriz e empresária americana que ganhou o Prêmio Emmy, em 1958, por interpretar a cantora alcoólatra Helen Morgan na série Playhouse 90. Começou a carreira na década de 50 e trabalhou no cinema, na TV e no teatro. Ficou famosa por seu papel no thriller O Círculo do Medo (1962). Atuou também nos filmes O Biruta e o Folgado (1952), Eu, Ela e a Outra (1963) e Cry-Baby (1990) e nas séries Família Soprano e War and Remembrance. Seu último papel foi em Desperate Housewives. Dia 20, aos 84 anos, de causas não especificadas, em Southbury. Luiz Hildebrando Pereira da Silva, cientista santista, referência mundial no estudo de doenças tropicais, cuja carreira foi várias vezes interrompida por sua militância de esquerda. Graduou-se em medicina pela USP, da qual foi demitido como professor após o golpe militar de 1964. Trabalhou em Bruxelas e em Paris, onde dirigiu a Unidade de Parasitologia Experimental do Instituto Pasteur. Foi o idealizador do Instituto de Pesquisas em Patologias Tropicais de Rondônia (Ipepatro). Publicou mais de oitenta estudos sobre malária. Dia 24, aos 86 anos, de falência de múltiplos órgãos, em São Paulo. Caldwell Jones, astro da NBA que fez mais de 10.000 pontos ao longo de dezessete anos de carreira. Conhecido por ocupar a posição de reboteiro, jogou ao lado de craques como Julius Erving e Darryl Dawkins. Atuou nos times Philadelphia 76ers, Houston Rockets, Chicago Bulls, Trail Blazers e no San Antonio Spurs, no qual se aposentou, em 1990. Dia 21, de ataque cardíaco, aos 64 anos, na Geórgia. Maria Cecília Vieira de Carvalho Mesquita, acionista do Grupo Estado e diretora do Suplemento Feminino de O Estado de S. Paulo, de 1960 até sua extinção, em 2011. Filha de Francisco Mesquita, que administrou o Estado entre 1927 e 1969, tinha 4 anos quando foi para Portugal com a família, exilada após a derrota da Revolução Constitucionalista de 32. Dia 24, aos 86 anos, em São Paulo. • TER|23|9|2014 Anunciada pelo Vaticano a detenção do ex-arcebispo polonês Józef Wesolowski, por abuso sexual de menores, quando era núncio na República Dominicana, entre 2008 e 2013. A medida é inédita na história moderna da Igreja. Enquanto aguarda o julgamento, Wesolowski permanecerá confinado em prisão domiciliar da Santa Sé, sob vigilância policial. Na quinta, o papa Francisco também penalizou Rogelio Livieres, bispo de Ciudad del Este, no Paraguai, por ter acobertado um padre envolvido com pedofilia. Livieres foi destituído de suas funções no governo da diocese. 2#3 HOLOFOTE MINAS GERAIS • Pimenta e Pimentel No começo da corrida eleitoral em Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT) escolheu azul e laranja como as cores principais do seu material de campanha, abrindo mão do histórico vermelho petista. Curiosamente, seu adversário, o tucano Pimenta da Veiga, incluiu o vermelho para ressaltar seu nome nas peças publicitárias. Nas últimas semanas, diante da consolidação do favoritismo de Pimentel, com ampla vantagem nas pesquisas de intenção de voto, Pimenta resolveu retornar ao tradicional azul do PSDB. Ele argumenta que seu desempenho nas pesquisas tem sido abaixo do esperado porque, além da confusão com as cores, o eleitor mistura o nome dos candidatos. • Brinde ao sucesso A ascensão de Dilma Rousseff nas últimas pesquisas foi comemorada pelo marqueteiro João Santana e pelo presidente do PT, Rui Falcão, com um brinde durante um jantar em Brasília. O vinho escolhido, o predileto de Santana, foi um Amarone della Valpolicella, italiano de 400 reais a garrafa. Apesar do otimismo, a perspectiva de segundo turno assusta. "O brasileiro gosta de segundo turno", afirma Falcão. Santana brinca: "Vamos ver se a gente diverte mais". Como se sabe, a campanha petista deve ser muito mais raivosa que alegre. Os coordenadores planejam ataques ferozes a Marina Silva (PSB), a única que, segundo eles, tem chances reais de derrotar Dilma no segundo turno. • Incentivo final Responsável pelas pesquisas internas do PSDB, Ricardo Guedes enviou um relatório ao partido em que considera reais as chances de Aécio Neves ultrapassar Marina Silva. Segundo Guedes, os dois candidatos estariam numa situação inédita de empate técnico. Além disso, os eleitores preferiram, pela primeira vez, as propagandas eleitorais e as propostas do tucano às da socialista. Usado para injetar ânimo na tropa, o texto não convenceu todos os generais do PSDB. Para alguns deles, Aécio crescerá na reta final, mas só a ponto de valorizar mais um eventual apoio a Marina no segundo turno. CEARÁ • Bolso vazio Vice-presidente nacional do PT, o deputado federal José Guimarães (CE) viveu o pior momento de sua carreira política em 2005, quando um assessor dele foi preso no Aeroporto de Congonhas por carregar 100.000 dólares escondidos dentro da cueca. Na oportunidade, suspeitou-se que o dinheiro seria entregue ao parlamentar petista. Isso nunca foi comprovado. Nos últimos anos, Guimarães consolidou-se como uma das principais lideranças do PT na Câmara, na qual já foi líder da bancada. Neste ano, concorre ao terceiro mandato e enfrenta dificuldades financeiras para bancar sua reeleição. Já recorreu a vários companheiros influentes do partido, mas, até agora, o dinheiro não chegou. As piadas são inevitáveis. SÃO PAULO • Futuro incerto O péssimo desempenho de Alexandre Padilha na disputa pelo governo de São Paulo não preocupa apenas a presidente Dilma Rousseff, que está atrás de Marina Silva no maior colégio eleitoral do país. O PT paulista aposta que o número de deputados federais petistas eleitos por SP cairá de dezesseis para dez. Além de enfraquecer o grupo político que comanda o partido e já testemunhou a cassação e a renúncia dos mensaleiros José Dirceu, João Paulo Cunha e José Genoino, essa redução na bancada dificultará o plano do PT de retomar a presidência da Câmara em 2015, posto que é cobiçado, entre outros, por Arlindo Chinaglia. 2#4 CONVERSA COM LEANDRO HASSUM – A POLÍTICA DELE É FAZER RIR Ele levou quase 8 milhões de pessoas ao cinema com suas comédias. Com a nova, O Candidato Honesto, sobre um presidenciável que só fala a verdade, jura que não quer mudar o voto de ninguém. Até não muito tempo atrás, bastava um comediante entrar no palco, falar um palavrão e todo mundo ria. Hoje, dá mais trabalho? Muito mais. Se não pegamos o público com situações do cotidiano dele ou com alguma outra identificação, o show não se sustenta. Teatro custa caro e o público é seletivo. A competição dos exércitos de aspirantes a comediante que brotam na internet pesa? Todo engraçadinho quer subir no palco para fazer piada. Sou da escola Chico Anysio: existem dois tipos de humor, o engraçado e o sem graça. O que sabe que não vai funcionar só de ouvir as primeiras palavras? Imitação do que já é bom, como o Porta dos Fundos. Piadas cheias de ódio. No entanto, Joan Rivers, comediante americana recentemente falecida, deu o título de Odeio Todo Mundo... a Começar por Mim a uma biografia. Cabeça de humorista não funciona assim? A minha não. Apronto com todo mundo, inclusive comigo mesmo, mas não odeio nada. Quem tem graça sustentável hoje? Tatá Werneck, com um tempo de respiração muito engraçado, só dela. Fábio Porchat é um rolo compressor. Depois do suicídio de Robin Williams, dispararam as análises associando comediantes à depressão. Vê essa relação? Sim. O comediante é muito exigido pelo público. Não vou a shopping, por exemplo. O tumulto que minha presença provoca e a exigência de alguns me causam um enorme mal-estar. Acha graça no horário político? Muita gente ri, mas eu acho triste. O que aconteceria se os atuais candidatos a presidente resolvessem só falar a verdade? Não teria eleição. Antes que alguém pergunte: eu ainda não escolhi meu candidato. 2#5 NÚMEROS 5 minutos a menos terão de esperar na fila de vistoria do passaporte os brasileiros que chegarem do exterior pelo Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, a partir de janeiro do ano que vem, quando a checagem do documento passará a ser eletrônica. 24 minutos é hoje a média de espera na fila de imigração. Na de emigração, ela é de onze minutos, tempo que deverá ser reduzido em cerca de 20% também. 30 segundos levará a inspeção eletrônica, contra os três minutos do procedimento manual. O sistema só valerá para os passaportes com chip, emitidos no Brasil a partir de 2011. 2016 é o ano em que todos os passaportes brasileiros deverão ter chip. Atualmente, 7,47 milhões possuem o dispositivo. 2#6 SOBEDESCE SOBE * Bala perdida - Relatório da ONU mostrou que, entre 27 países latino-americanos, o Brasil fica atrás apenas da Venezuela em número de pessoas atingidas acidentalmente por tiros. * Aedes aegypti - Para tentar combater a dengue, foram soltos no Rio 10.000 mosquitos infectados com a bactéria Wolbachia, que impede a transmissão do vírus causador da doença. * Perfume de tirano - Fabricantes cubanos lançaram as fragrâncias "Hugo" e "Ernesto", em memória a Chávez e Che Guevara, que nunca foi propriamente cheiroso, já que não gostava de banho. DESCE * Programa cultural - No último ano, 42% dos brasileiros não frequentaram shows, cinemas, musicais, museus nem bibliotecas, segundo pesquisa do Ibope. * Calorias - As dos refrigerantes serão reduzidas em 20% até 2025, conforme acordo firmado pelos maiores fabricantes do mundo - Coca-Cola, PepsiCo e Dr. Pepper Snapple. * América do Sul - Puxada pela queda da economia brasileira, a região terá o pior resultado comercial do mundo até 2015, segundo projeções da OMC. 2#7 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • ELEIÇÕES OUVIDOS MOUCOS Há cerca de um mês, no auge da onda Marina, Lula conversou a sós com Dilma Rousseff e mandou esta: "Ou você ouve um pouco mais as pessoas ou não tem quem dê jeito nesta sua reeleição". O conselho foi relatado pelo próprio Lula a interlocutores próximos. O GULOSO Eduardo Cunha pode ser tudo — menos um homem sem prestígio em seu partido. Metade dos recursos que saíram do caixa do PMDB para seu comitê fluminense — ou seja, 3,4 milhões de reais — teve o mesmo destino: Cunha. Os outros 98 candidatos a deputado federal e estadual pelo partido no Rio de Janeiro dividiram a outra metade. Entre os gigantes que ajudam Cunha estão Ambev, BTG Pactual, Vale e Bradesco Saúde. SAI FORA José Serra insistiu muito nas últimas semanas para que Gilberto Kassab desistisse de disputar o Senado. A ESCOLHA MAIS DIFÍCIL O entorno de Dilma Rousseff trabalha com a possibilidade de a presidente anunciar seu ministro da Fazenda entre o primeiro e o segundo turno. O objetivo seria acalmar o mercado e a quase totalidade do setor produtivo - hoje francamente contrários a ela. O nome de Josué Gomes da Silva é uma carta que Dilma pode tirar da manga do casaco do seu tailleur vermelho. Grande empresário e prestes a ser banhado pelas urnas, Josué é visto pela presidente como uma opção para segurar o rojão da economia a partir de 2015, se reeleita. TEATRO DE CAMPANHA Aloizio Mercadante tem conversado com executivos do mercado financeiro para tentar tranquilizá-los. A mensagem que tem passado é: calma, agora é tempo de campanha, é hora de bater, mas, depois de reeleita Dilma Rousseff, sua postura será diferente. O CANDIDATO AMARELO Entre os candidatos a governador dos 27 estados, Wellington Dias, do Piauí, é o único a se declarar da raça amarela. No total, somadas todas as campanhas, os brancos são a maioria dos postulantes, com 55% dos candidatos, seguidos de pardos (35%) e negros (9%). COTA AMERICANA Dos 142,5 milhões de eleitores, 112.000 estão nos EUA. Parece pouco, mas é mais gente apta a votar do que em 96% dos municípios brasileiros. No total, são 354.000 brasileiros com título de eleitor no exterior. AJUDA AO PT Duda Mendonça é o marqueteiro de Paulo Skaf, mas, no último debate entre os candidatos ao governo de São Paulo, deu uma mãozinha ao petista Alexandre Padilha. Cruzou com ele num dos intervalos, cumprimentou-o e perguntou discretamente se aceitava um conselho. Ouviu um "sim" e foi em frente: "Fale com mais firmeza". EX-ANÔNIMA Entre julho e agosto deste ano, as buscas no Google Brasil sobre a ex-quase anônima Neca Setúbal cresceram 6960%. Saíram de 250 em julho para 17.650 em agosto. No Twitter, entre o fim de agosto e quinta-feira passada, Neca foi citada em 9517 tuítes, 1106 vezes em blogs e apareceu em 912 notícias de sites. Mais do que o irmão Roberto, presidente do maior banco privado do Brasil, que no mesmo período foi mencionado 326 vezes no Twitter, 42 em blogs e 46 em sites de notícias. A aparição de Neca na propaganda eleitoral do PT, na sexta-feira passada, multiplicará esses números. * ECONOMIA COM AÇÚCAR A recente captação bilionária de recursos para novos fundos de private equity por instituições como BTG Pactual, Gávea, Pátria e GP já movimenta o mercado que olha para o longo prazo. Um setor específico tem capturado o olho dos gestores — o de açúcar e álcool. As conversas entre as partes já começaram. A avaliação é que o setor vai crescer, seja quem for eleito presidente. TROCA DE PAPÉIS A TIM parece caça, mas pode ser caçadora. Apesar de haver bancos, como o BTG Pactual, se preparando para fazer uma oferta para comprá-la — a telefônica italiana já tem até banco contratado para olhar aquisições no Brasil. Neste caso, o singular é mais exato — aquisição. O alvo é a endividada Oi. • MULHER AVANÇO MODERADO 1 A mulher vem ampliando sua participação nas Forças Armadas. É o que revela uma pesquisa inédita do Instituto Igarapé, especializado em segurança pública. Hoje, há 23.787 mulheres no serviço militar, o que representa 7% do efetivo. O crescimento, como era de esperar, ocorreu mesmo na base da hierarquia. Em 2001, eram 6619 do sexo feminino com as patentes de primeiro e segundo-tenente, cabo, soldado e sargento — hoje, são 20.584. Já no universo de oficiais-generais, o topo das Forças Armadas, passou de zero, em 2001, para um, em 2014. AVANÇO MODERADO 2 Há também uma pesquisa sobre a presença feminina na diplomacia brasileira. Se comparado com 2001, o saldo é positivo — o problema é se a análise for feita em cima dos números de 2011. O número de embaixadoras brasileiras era de seis em 2001, passou para dezessete em 2011, mas caiu para quinze neste ano. • FUTEBOL A FONTE SECOU 1 Uma decisão judicial criou o caos no fluxo de pagamento dos clubes brasileiros nas últimas semanas. A Globo foi obrigada a pagar uma dívida de 9 milhões de reais do Botafogo, que já havia antecipado recursos da emissora relativos aos próximos anos de contrato de direitos de transmissão. A FONTE SECOU 2 O modelo atual prevê que os clubes peguem empréstimos em bancos com a Globo fazendo o papel de garantidora. Como Marcelo Campos Pinto, diretor da Globo Esportes, percebeu que a penhora abria o perigoso precedente de ter de arcar com o endividamento gigantesco de clubes, decidiu que o repasse para todos seja interrompido até que se resolva a questão. O resultado é que todos os clubes estão à míngua. 2#8 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “Que ninguém pense que pode se escudar em Deus quando projeta e realiza atos de violência e abusos.” - PAPA FRANCISCO, durante visita à Albânia. “Antes de entendermos a ciência, era natural acreditar que Deus criou o universo. Mas agora a ciência oferece uma explicação mais convincente.” - STEPHEN HAWKING, físico inglês, no jornal espanhol El Mundo. “Essa história de querer que as Forças Armadas Peçam desculpa... É lógico que ninguém vai aceitar isso aí.” - GENERAL AUGUSTO HELENO PEREIRA, militar da reserva, em O Globo. “Queremos esse jogo, e que seja logo, para espantar o que aconteceu na Copa.” - JOSÉ MARIA MARIN, presidente da CBF, referindo-se à revanche que pretende marcar contra a Alemanha, como se ela fosse capaz de apagar da lembrança o vexaminoso 7 a 1 do Mundial. “Homens, eu gostaria de aproveitar essa oportunidade para estender nosso convite formal. Igualdade de gênero é seu problema também.” - EMMA WATSON, atriz britânica e embaixadora da Boa Vontade da ONU para Mulheres, em discurso na sede da entidade no lançamento da campanha ElePorEla. “Como ator, eu represento para viver. Eu interpreto personagens fictícios que resolvem problemas fictícios. Eu acredito que a humanidade tem olhado para as mudanças climáticas da mesma forma: como se fosse ficção, acontecendo no planeta aos outros, como se não fosse real.” - LEONARDO DICAPRIO ator americano, falando na Conferência sobre o Clima da Organização das Nações Unidas, em Nova York. “Eu, antigamente via: 'bandido roubou um banco'. Eu ficava preocupado, mas falava: 'Pó, roubar um banqueiro... O banqueiro tem tanto que um pouquinho não faz falta’. Afinal de contas, as pessoas falavam: 'Quem rouba mesmo é banqueiro, que ganha às custas do povo, com os juros'. Eu ficava preocupado. (...) Era chato, mas era... sabe, alguém roubando rico.” - LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, ex-presidente da República, no comício, em Santo André, da campanha de Alexandre Padilha (PT) ao governo de São Paulo. “A fragmentação define mais a internet do que seu aspecto global.” - FRÉDERIC MARTEL, sociólogo francês, no Valor Econômico. “Se colocamos tudo nas redes sociais, estamos abrindo as portas para a crítica.” - KEIRA KNIGHTLEY, atriz inglesa, no britânico Daily Mirror. “Pode me chamar de velha, mas eu me distanciei da cultura da internet. (...) Não gosto das selfies, não gosto desse culto da imagem.” - JULIANNE MOORE, atriz americana, no diário espanhol El País. “Será que nunca vou ser mais do que a filha do João Gilberto?” - BEBEL GILBERTO, cantora, ao comentar, em O Estado de S. Paulo, que, apesar de compreender quando a associam à imagem do pai, sente falta de reconhecimento ao próprio trabalho. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto dos avanços da genética e das surpresas que ela pode trazer na investigação dos graus de parentesco “Não olhará para a posteridade, para os descendentes, quem nunca olhar para os antepassados.” - EDMUND BURKE, político irlandês (1729-1797). _____________________________________________ 3# BRASIL 1.10.14 3#1 ELES VÃO DECIDIR A ELEIÇÃO 3#2 A FARRA DO DOADOR FISIOLÓGICO 3#3 O NÚCLEO ATÔMICO DA DELAÇÃO 3#1 ELES VÃO DECIDIR A ELEIÇÃO Os brasileiros que ficarão "órfãos" do seu candidato no primeiro turno e ainda não decidiram qual vão adotar no segundo representam no máximo 6% do eleitorado. Mas serão o fiel da balança da eleição mais disputada desde 1989. PIETER ZALIS A uma semana do primeiro turno, a eleição presidencial de 2014 já é a mais apertada da história desde a de 1989. Em todas as que vieram depois - de 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010 —, era possível dizer às vésperas do segundo turno, com razoável segurança, quem subiria a rampa do Palácio do Planalto (veja os índices que tinham os candidatos na pág. 58). Mesmo na eleição de 1989, a única que pode se assemelhar à atual, o candidato do PRN, Fernando Collor de Mello, largou no segundo turno com folgados 9 pontos à frente do petista Luiz Inácio Lula da Silva — a diferença entre os dois só foi cair na reta final da segunda fase, para chegar à diferença de 1 ponto a alguns dias da votação decisiva. Agora, os levantamentos mostram que Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PSB), a primeira e a segunda colocadas no primeiro turno, estão a uma inédita diferença de apenas quatro pontos para a petista no segundo turno, um empate técnico dentro da margem de erro, segundo o último levantamento do Datafolha, divulgado na sexta-feira passada. Em um páreo tão disputado assim, em que qualquer pequena vantagem pode definir o resultado final, os olhos dos vitoriosos no primeiro turno se voltarão já na manhã de 6 de outubro para um pequeno grupo de eleitores: o dos indecisos — mais especificamente, aqueles que viram o nome de sua escolha sair derrotado da primeira fase e ainda não decidiram com quem ficarão depois. Cerca de 20% dos eleitores de Aécio e iguais 20% dos eleitores de Marina se encaixam nesse perfil — são, em sua maioria, mulheres e não sabem em quem votarão caso seu candidato fique de fora do segundo turno. Esses 20% de "órfãos" indecisos do tucano representam um contingente de apenas 3% do eleitorado brasileiro. Os 20% que comporiam os órfãos indecisos de Marina, na hipótese de ela perder para Aécio, equivaleriam a 6% do total de eleitores. Os cálculos são do estatístico Neale El-Dash, diretor do site Polling Data. Nos dois casos, trata-se de um contingente pequeno de brasileiros. Mas, com a disputa cabeça a cabeça, quem conquistá-lo será o próximo ou — mais provavelmente — a próxima presidente da República. Com base em cruzamentos dos diversos segmentos da pesquisa do Datafolha, VEJA traçou um perfil desses eleitores e listou o que os faria definir seus votos. O órfão indeciso de Aécio é um integrante da classe média tradicional, tem mais de 45 anos e mora na região Sul ou Sudeste. Ele é conservador do ponto de vista político e econômico, e por isso, embora avalie mal o governo petista, hesita em votar na candidata do PSB. Teme que a mudança com Marina seja muito "radical". Assim, balança entre a rejeição ao PT e o medo de uma mudança abrupta demais. Para ganhar seu voto, é preciso convencê-lo de que um novo governo será diferente do atual, mas que isso não trará prejuízos para a sua vida. No caso mais improvável de Marina ficar fora do segundo turno, o perfil do eleitor que ela deixou órfão e que ainda não tem uma segunda opção de candidato corresponderia a alguém pertencente à classe C e morador de uma cidade média ou grande, também da região Sul ou Sudeste. Para esse eleitor, as dúvidas são de outra natureza. Desencantado com a política, ele também avalia mal o governo petista — e portanto não votaria em Dilma Rousseff —, mas considera que tanto a petista quanto Aécio são representantes da "velha política" criticada por Marina. Ganhar o voto desse eleitor depende de fazê-lo crer que o tucano representa algo novo, e não apenas o outro lado de uma moeda que ele já não quer. Outra novidade desta disputa é a mudança do eixo geográfico eleitoral depois de doze anos do petismo no poder. Ao contrário de 2006 e 2010, quando votações esmagadoras no Nordeste asseguraram a vitória do PT, desta vez o peso do Sudeste na definição do vencedor será bem maior — em 2010, José Serra derrotou Dilma no Sul e ficou pouco atrás dela no Sudeste, mas a petista abriu mais de 30 pontos sobre ele no Nordeste. Agora, as pesquisas mostram Marina pouco mais de 10 pontos atrás da presidente no Nordeste, o que significa que uma vitória da ex-senadora no Sudeste — onde o colégio eleitoral é maior e ela lidera as pesquisas — pode garantir a sua vitória. A saraivada de ataques de que Marina foi alvo no último mês, no entanto, fez sua rejeição aumentar inclusive na região em que desponta como favorita. A ofensiva do marketing petista transformou em fumaça a vantagem de 10 pontos que a ex-senadora chegou a ter sobre a presidente Dilma no segundo turno e fez com que os eleitores de Aécio que diziam estar dispostos a migrar para a candidata do PSB no segundo turno caíssem de 70% para menos de 60%. "A campanha agressiva do PT afeta de imediato os eleitores de Aécio — mais escolarizados, urbanos, de renda mais alta. Nesses grupos, o acesso à informação é maior e os efeitos se fazem sentir mais rapidamente", diz o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino. Assustados com a velocidade da queda, apoiadores de Marina faziam críticas veladas à campanha da ex-senadora na semana passada. Diziam que, de um lado, estava o marketing do PT, cuja agressividade sobe na mesma proporção em que diminuem seus escrúpulos. E que, na outra ponta, estavam os marineiros orgulhosos da sua pureza e amadorismo na propaganda eleitoral. Nesse confronto, não haveria dúvida sobre qual lado estaria em desvantagem. Como disse um analista: "O jogo é bruto. Se Marina ficar tomando falta e esperar o juiz apitar, vai ficar falando sozinha". A ex-senadora, no entanto, já deixou claro que não tem intenção de devolver as caneladas. Repetindo o que havia declarado em 2010, quando perdeu a eleição para presidente como candidata do Partido Verde com 19% dos votos, disse a VEJA na terça passada: "Quero ganhar ganhando. Não vou ganhar perdendo, fazendo o mau combate". (Leia a íntegra da entrevista em VEJA.com.) Já o PT não dá mostras de que pretende recolher os canhões nem perder tempo avaliando a qualidade do combate. Na última sexta, a presidente Dilma voltou à carga. Como já havia feito antes, seu programa na TV repetiu a insinuação de que a proposta de conceder autonomia ao Banco Central tinha a intenção de favorecer os banqueiros e levar os mais pobres à miséria. O filme que foi ao ar na sexta-feira tinha um fundo preto e frases em letras brancas. Nele, um locutor dizia: "Marina ainda não respondeu por que quer dar independência ao Banco Central. Neca Setúbal, herdeira do Banco Itaú e coordenadora do programa de governo de Marina, talvez possa responder a essa pergunta". Em seguida, o filme mostrava uma reportagem em que o jornal Folha de S.Paulo informou que a educadora doou dinheiro ao Instituto Marina Silva em 2013. Com lugar garantido no segundo turno, a candidata do PT deverá intensificar os ataques contra sua adversária mais provável já a partir do dia 5. A eleição de 2006 mostrou como age nessas horas o partido no poder. Naquele ano, Lula, candidato à reeleição, obteve 47 milhões de votos no primeiro turno, e Geraldo Alckmin, do PSDB, 40 milhões. Menos de 24 horas depois de divulgado o resultado, o PT convocou uma reunião à qual compareceram dezessete ministros de governo. No dia seguinte, cada um deles se dirigiu a um estado com a missão de carrear votos para o candidato petista, e ao menos cinco receberam a tarefa extra de ocupar espaços nos telejornais para atacar o adversário tucano. "Tinha ministro batendo na gente no telejornal da manhã, no telejornal da tarde, no da noite e no da madrugada", conta um tucano. Enquanto isso, a oposição permaneceu paralisada e atônita. Alckmin perdeu para Lula com uma diferença de mais de 20,7 milhões de votos. Ao menos da parte do PT, não há dúvida de que a operação vai se repetir. Resta saber como reagirão os sonháticos. DÚVIDA NO SEGUNDO TURNO Quem são os eleitores que ainda não decidiram em quem votarão se o seu candidato perder no primeiro turno. O "ÓRFÃO" DE AÉCIO Tem mais de 45 anos Mora no Sul ou no Sudeste Ganha mais de 5 salários mínimos Considera o governo ruim/péssimo • É conservador do ponto de vista político e econômico • Rejeita o PT, já que avalia mal o governo, mas não confia em Marina, que foi ministra de Lula • Tem medo de que Marina seja radical, insegura e incapaz, além de sua equipe ser desconhecida O "ÓRFÃO" DE MARINA Tem entre 24 e 44 anos Mora no Sudeste ou no Sul Ganha de 2 a 5 salários mínimos Considera o governo ruim/péssimo • Aumentou sua renda durante o governo do PT, mas quer melhorias no serviço público • Está desencantado com a política e não gosta de Dilma, mas acha que Aécio é igual a ela • Vê Aécio e seu partido, o PSDB, como pertencentes à "elite" e distantes de sua realidade QUEM VAI COM ELA? O candidato que disputar o segundo turno com Dilma Rousseff repartirá com ela os votos do terceiro colocado. Como seria essa divisão hoje: SE FOR MARINA Quanto MARINA leva dos votos de Aécio 18/AGO 70% 1º/SET 64% 4/SET 59% 11/SET 60% 19/SET 59% Quanto DILMA leva dos votos de Aécio 18/AGO 19% 1º/SET 18% 4/SET 24% 11/SET 22% 19/SET 22% SE FOR AÉCIO Quanto AÉCIO leva dos votos de Marina 18/AGO 54% 1º/SET 57% 4/SET 55% 11/SET 57% 19/SET 58% Quanto DILMA leva dos votos de Marina 18/AGO 28% 1º/SET 28% 4/SET 28% 11/SET 27% 19/SET 26% NUNCA HOUVE UMA ELEIÇÃO TÃO DISPUTADA A eleição de 2014 tem a perspectiva de segundo turno mais apertada desde a redemocratização — 47% a 44% entre Dilma e Marina, segundo o último Datafolha. Saiba como estava a previsão dos pleitos anteriores nesta época. 1989 [Até 1989, o Datafolha não pesquisava o resultado do segundo turno antes da conclusão do primeiro. Naquela eleição, o primeiro levantamento no segundo turno mostrou Collor 9 pontos a frente] Collor 48% Lula 39% 1994 [Eleições decididas no primeiro turno, fonte: Datafolha] Fernando Henrique 59% Lula 31% 1998 [Eleições decididas no primeiro turno, fonte: Datafolha] Fernando Henrique 57% Lula 33% 2002 Lula 56% José Serra 35% 2006 Lula 54% Alckmin 39% 2010 Dilma 55% José Serra 38% COM REPORTAGEM DE MARIANA BARROS A MAQUINA DO PT CONTRA MARINA Um dos principais assessores de José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, foi à PF garimpar informações sobre a candidata do PSB à Presidência. Na noite de 5 de setembro, uma sexta-feira, o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, foi à sede da Polícia Federal em Brasília. Encontrou-se com seu diretor-geral, o delegado Leandro Daiello, e pediu informações sobre um inquérito que corria em segredo de Justiça e investigava irregularidades na gestão de Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente. Segundo duas fontes ouvidas por VEJA, o encontro, que não constava da agenda oficial de Abrão, ocorreu a pedido do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. O inquérito que despertou o interesse do governo federal é o 1209/20120. Foi comandado pelo delegado Elan Wesley Almeida Souza, da Superintendência da PF no Distrito Federal, e acabou arquivado por falta de provas. A Procuradoria da República no Distrito Federal, responsável pela decisão do arquivamento, considerou que não havia indícios para comprovar as suspeitas. A investigação tentava apurar suspeitas de corrupção em benefícios que teriam sido concedidos a uma empresa de cosméticos americana, a Natural Source International Ltd., por um órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético. De acordo com um integrante da PF, entre os nomes citados na investigação aparecia o do empresário Guilherme Leal, dono da Natura e candidato a vice na chapa de Marina em 2010. Na reunião com Abrão, o diretor-geral da PF disse que o inquérito havia sido relatado em 2012 e que o material era sigiloso e não poderia ser divulgado. Depois disso, o Ministério da Justiça voltou à carga. Procurado, o secretário nacional de Justiça confirmou o encontro, mas disse que apenas buscou a informação a partir do pedido de uma revista e que não sabia o teor do inquérito. Afirma a nota: "A única informação trazida pela revista foi a de que se tratava de uma empresa estrangeira, de nome Natural Source, acusada de contrabando. Tratava-se de informações simples sobre estágio processual que, de praxe, são buscadas de forma direta". Segundo ele, Cardozo não sabia do pedido nem da reunião. Acadêmico e especialista em direitos humanos, Paulo Abrão só não esclareceu por que um secretário de Estado se daria ao trabalho de pedir acesso a um inquérito que corria em segredo de Justiça, procurando o diretor da Polícia Federal numa sexta-feira à noite, fora do horário do expediente, e com o objetivo de atender ao pedido de uma revista cujas intenções desconhecia. Muito mais provável é que a iniciativa tivesse um propósito bastante claro: abastecer o governo com um material que pudesse ser usado como munição contra a candidata Marina Silva. Não seria a primeira vez que a estrutura do Ministério da Justiça seria utilizada para perseguir adversários. Em novembro do ano passado, descobriu-se que Cardozo estava por trás do surgimento de um documento apócrifo que ligava nomes de políticos graduados de PSDB, DEM e PPS a um cartel em licitações de metrô e trens no Estado de São Paulo. O papelório era atribuído a um ex-diretor da Siemens. Segundo a PF, tinha sido recebido do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Foi só quando o órgão desmentiu os policiais, depois de três dias em que o assunto dominou o noticiário, que Cardozo admitiu ter sido ele que entregara diretamente a denúncia - anônima, segundo sua versão - nas mãos do diretor-geral da PF. A atual ofensiva do governo para encontrar artilharia contra Marina não se resume aos escaninhos da PF. Segundo integrantes remanescentes da gestão da candidata no Ministério do Meio Ambiente relataram à cúpula de sua campanha, nas últimas semanas petistas têm feito uma varredura em documentos no órgão para tentar conseguir munição contra a ex-ministra. Três áreas específicas seriam o alvo da devassa: os cartões corporativos, as diárias de viagens a trabalho e os contratos firmados com ONGs - que, tradicionalmente, são focos de irregularidades em ministérios e secretarias de governo. Um dos principais assessores de Marina, e seu secretário executivo na época do ministério, João Paulo Capobianco, veio do setor (Fundação SOS Mata Atlântica e Instituto Socioambiental), mas nunca enfrentou denúncias públicas de irregularidades. Segundo os marineiros, os documentos estão sendo consultados sem que a tramitação seja registrada com carimbos e datas, como de praxe, para tentar não deixar rastro da ação do governo. ALANA RIZZO E MARIANA BARROS 3#2 A FARRA DO DOADOR FISIOLÓGICO Pois é, além de partidos, também temos doadores fisiológicos: eles não dão dinheiro a quem consideram ser o melhor candidato, mas a qualquer um com alguma chance de vencer. ANDRÉ PETRY Na geleia geral da política brasileira, até aberrações são tratadas como coisas normais. Quando as cracas dos partidos aliados ameaçam romper com o governo só para faturar mais cargos, os parlamentares gostam de chamar esse assalto de "crise política”, como se fosse crise, como se fosse política e como se fosse normal. Agora, na campanha presidencial, todos os meses os partidos entregam à Justiça Eleitoral uma prestação de contas parcial, informando quanto e de quem receberam contribuições financeiras. As contas mostram que, até agora, há três grandes financiadores na atual campanha presidencial: JBS, a maior processadora de carne do mundo, e duas empreiteiras, OAS e Andrade Gutierrez. Juntas, as empresas desembolsaram 64 milhões de reais e contribuíram para a campanha de todos os principais candidatos: Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB). A aberração está justamente aí: as três empresas contribuíram, todas elas, para os três principais presidenciáveis. Elas apoiam o candidato e o seu adversário. E isso é visto como coisa normal. Em condições de sanidade e clareza, uma companhia, em qualquer democracia, doa dinheiro para causas que defende e apoia. As empresas ajudam a preservar as florestas, melhorar a qualidade de ensino, financiar orquestras sinfônicas, manter um complexo de orfanatos — e eleger os candidatos de sua preferência. Ao fazerem isso, estão dizendo que querem promover a cultura, preservar o meio ambiente. Que são solidárias, filantrópicas, e têm uma ideologia, uma visão de mundo. No Brasil, quando a política entra em cena, boa parte das empresas perde o rumo e entra em pane. Não sabe qual é o melhor projeto de governo, o melhor programa, o melhor candidato. Não tem preferência, ideologia, opinião, nem visão de mundo. Aparentemente, acredita que Dilma, Aécio e Marina são igualmente bons ou igualmente ruins, e farão, qualquer dos três que venha a ser eleito, um governo semelhante, para o bem ou para o mal. Por isso, essas empresas apoiam todos os candidatos, os amigos e os inimigos, os aliados e os adversários. Como se fosse coisa normal. Na democracia dos EUA, onde se realizam as eleições mais caras do mundo, as empresas têm o curioso hábito de escolher um candidato e ajudar o escolhido. Em 2012, por exemplo, a AT&T, gigante da telefonia celular e da internet sem fio, contribuiu para o republicano Mitt Romney, e não deu um tostão ao democrata Barack Obama, que acabou reeleito. A Goldman Sachs, celebrada casa bancária de Wall Street, não deu dinheiro a nenhum dos candidatos a presidente. Mas, na hora de ajudar as campanhas de deputados e senadores, contribuiu apenas para os comitês de campanha dos republicanos. A Goldman Sachs, como se vê, sabe exatamente o que quer. Há várias empresas americanas que ajudam tanto candidatos republicanos quanto democratas ao Congresso, mas em estados diferentes — sem configurar apoio a dois adversários. É o caso da Microsoft, da General Electric, da Boeing. Na disputa para a Casa Branca, no entanto, a grande maioria financia apenas seu candidato preferido. Naturalmente, há exceções aqui e ali. Mas elas são apenas isto: exceções. Num ambiente em que a política é levada a sério e as eleições são vistas como um instrumento para pôr o país em determinado rumo, é feio acender uma vela a Deus outra ao diabo. Mesmo levando-se em conta que o cenário político brasileiro é mais difuso e multipartidário, um eleitor americano ficaria atordoado com uma Andrade Gutierrez, que doou alguns milhões de reais a Dilma, Aécio e Marina. Ainda que não tenha brindado os candidatos com quantias iguais, a pergunta salta: que tipo de país quer essa empreiteira? A campeã brasileira de doações, até agora, é a poderosa JBS, dona das marcas Friboi, Seara e Vigor. É uma potência. Na contabilidade de agosto, a JBS havia doado 5 milhões de reais a Dilma, 5 milhões a Aécio e 1 milhão ao então candidato do PSB, Eduardo Campos, que ocupava um distante terceiro lugar. Indagada sobre a divisão do bolo, a empresa disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que as "doações ao PT e ao PSDB foram maiores por conta da maior presença e pulverização desses partidos no país". Na contabilidade de setembro, a JBS redividiu o bolo. O PT recebeu 14,5 milhões, o PSDB não recebeu nada e o PSB, já com a candidatura de Marina Silva ocupando o segundo lugar nas pesquisas, levou 5 milhões de reais. Deve ter ocorrido alguma reviravolta na "presença e pulverização" dos partidos no país. Se as empresas não financiam um projeto político nacional, restam duas possibilidades: ou não acreditam em projeto nenhum, ou estão apenas interessadas em financiar, digamos assim, seus interesses imediatos. Quando desembolsam dinheiro para todos os candidatos com alguma chance de chegar lá, querem estar ao lado do vencedor, seja ele quem for. Nesse contexto, fica difícil negar que esperam receber algo em troca, na forma de contratos assinados, projetos aprovados, licenças liberadas. Ou a generosidade dos cofres do BNDES, dos quais a JBS, coincidência ou não, recebeu empréstimos bilionários nos últimos anos. Os críticos das contribuições financeiras de pessoas jurídicas afirmam que apenas os cidadãos deveriam ter o direito legal de fazer doações eleitorais. Dizem que empresas, com seu enorme poder financeiro, desequilibram uma eleição e influenciam os resultados das urnas, criando duas classes de eleitores. É uma crítica recorrente, em debate em muitas democracias. No caso brasileiro, até essa crítica tradicional perde nitidez. Afinal, as grandes financiadoras das campanhas, distribuindo dinheiro para meio mundo, abdicam desse poder de usar a força financeira para influir no curso do voto popular. Em vez disso, preferem fazer um agrado ao futuro vitorioso, seja quem for. É uma maneira explícita de mostrar que trocam um bom projeto de governo por um bom acesso — ao gabinete, ao jantar, ao ouvido do poderoso. Na política brasileira, portanto, a existência de partidos fisiológicos convive com a existência de doadores fisiológicos, que financiam o candidato e seu adversário. Com a tragédia aérea que matou Eduardo Campos, a atual campanha presidencial ajudou a jogar luz sobre o comportamento dos financiadores fisiológicos. Mostrou que tem muito dinheiro correndo atrás de candidato popular, e que nem sempre o candidato fica popular em função de receber muito dinheiro. A própria genealogia das doações eleitorais da JBS comprova esse desenho. A empresa deu 1 milhão de reais ao PSB quando o candidato (Eduardo Campos) não tinha chance, e aumentou o valor para 5 milhões quando o novo nome (Marina Silva) se mostrou viável. O bordão informa que o dinheiro não tem ideologia, e não há nada de errado nisso. O dinheiro vai aonde tem mais chance de se multiplicar. Na geleia geral da política brasileira, a aberração é uma empresa financiar uma campanha eleitoral como se fosse mais um negócio, um investimento. E isso ser visto como coisa normal. 3#3 O NÚCLEO ATÔMICO DA DELAÇÃO Paulo Roberto Costa, no processo de delação premiada, disse às autoridades que a campanha de Dilma em 2010 pediu dinheiro ao esquema de corrupção que ele liderava na Petrobras. RODRIGO RANGEL Desde o fim de agosto, quando começou a revelar os detalhes do megaesquema de corrupção montado no coração da Petrobras, a maior estatal brasileira, o engenheiro Paulo Roberto Costa já deu aos policiais federais e procuradores informações suficientes para abrir dezenas de inquéritos contra políticos e empresários com culpa no cartório. Paulo Roberto passou oito anos à frente da diretoria de Abastecimento. Chegou ao posto em 2004, no governo Lula, e lá permaneceu após a posse de Dilma Rousseff. Ficou até 2012. Paulinho, como era carinhosamente chamado por Lula, foi indicado para a diretoria pelo PP, um dos partidos da base governista. Ele se mostrou tão eficiente aos olhos dos políticos que logo passou a ser apoiado também pelo PT e pelo PMDB. Há três semanas, VEJA revelou que o ex-diretor da Petrobras havia dado às autoridades o nome de mais de trinta políticos beneficiários do esquema de corrupção. A lista, àquela altura, já incluía algumas das mais altas autoridades do país e integrantes dos partidos que dão sustentação ao governo do PT. Ficou delineada a existência de um propinoduto cujo objetivo, ao fim e ao cabo, era manter firme a base aliada. O esquema foi logo apelidado de "petrolão", o irmão mais robusto mas menos conhecido do mensalão, dessa vez financiado por propinas cobradas de empresas com negócios com a Petrobras. À medida que avançava nos depoimentos, Paulo Roberto ia dando mais detalhes sobre o funcionamento do esquema e as utilidades diversas do dinheiro que dele jorrava. Era tudo tão bizarro, audacioso, inescrupuloso e surpreendente, mesmo para os padrões da corrupção no mundo oficial brasileiro, que alguém comparou o esquema a um "elefante voador" — algo pesadamente inacreditável, mas cuja silhueta estava lá bem visível nos céus de Brasília. A reportagem de VEJA estampada na capa da edição de 10 de setembro passado revelou a mais nítida imagem do bicho. Ninguém contestou as informações. Agora, surge mais um "elefante voador” originário do mesmo ninho do anterior. Paulo Roberto Costa contou às autoridades que, em 2010, foi procurado por Antonio Palocci, então coordenador da campanha da presidente Dilma Rousseff. O ex-diretor relatou ter recebido do ex-ministro um pedido de pelo menos 2 milhões de reais para a campanha presidencial do PT. A conversa, segundo ele, se deu antes do primeiro turno das eleições. Antonio Palocci conhecia bem os meandros da estatal. Como ministro da Fazenda, havia integrado seu conselho de administração. Era de casa, portanto, e como tal tinha acesso aos principais dirigentes da companhia. Aos investigadores, Paulo Roberto Costa contou que a contribuição que o ex-ministro pediu para a campanha de Dilma sairia da ''cota do PP" na Petrobras. Para fecharem negócios com a estatal, as empreiteiras repassavam aos políticos um percentual que chegava a até 3% do valor do contrato. As comissões eram divididas entre os partidos que apadrinhavam os diretores das áreas com as quais os contratos eram fechados. Cada sigla recebia a sua parte. No caso da diretoria de Abastecimento, o caixa era controlado pelo PP e administrado pelo doleiro Alberto Youssef. Como VEJA já revelou, as propinas arrancadas por Paulo Roberto Costa das empresas eram entregues a Youssef disfarçadas de pagamentos por serviços prestados pelo doleiro, que atuava também como pagador, fazendo o dinheiro chegar aos políticos brindados pelo esquema. A polícia já tem provas contundentes sobre o envolvimento de algumas das maiores empreiteiras do país. Quando as autoridades quiseram saber se o dinheiro chegou ao caixa de campanha de Dilma em 2010, Paulo Roberto limitou-se a dizer que acionou o doleiro Youssef para providenciar a "ajuda". O ex-diretor disse aos investigadores que não poderia dar certeza de que Youssef repassou o dinheiro pedido pela campanha de Dilma, mas que "aparentemente" isso ocorreu, pois António Palocci não voltou a procurá-lo. Como diretor, Paulo Roberto era responsável por administrar contratos vultosos da Petrobras. Sob sua alçada estavam, por exemplo, obras de construção de refinarias, aluguel de navios e plataformas e manutenção de oleodutos. Eram negócios que, muitas vezes, passavam em muito a casa do bilhão. Aos policiais e procuradores, o delator contou que não punha a mão na massa. Embora tenha se beneficiado pessoalmente com dinheiro do esquema — que agora, com o acordo de delação premiada, terá de devolver —, ele garante que apenas negociava as comissões e administrava as "demandas" — como a do ex-ministro Antonio Palocci. A operacionalização da propina, em si, era feita por pessoas destacadas por cada um dos partidos envolvidos. Só para se ter uma ideia do volume de dinheiro movimentado pela quadrilha, em apenas uma conta que o ex-diretor da Petrobras mantinha no exterior havia um saldo de 23 milhões de dólares, fruto das chamadas "comissões". Mesmo que em seu depoimento o ex-diretor não chegue a confirmar se os 2 milhões de reais pedidos foram de fato repassados à campanha presidencial de Dilma Rousseff, a revelação que ele fez às autoridades é de alta gravidade. Independentemente de o dinheiro ter sido repassado ou não. Fica evidente que o PT e o coordenador da campanha presidencial sabiam do esquema de corrupção na Petrobras e tentaram se valer dele. Os depoimentos foram enviados ao gabinete do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A revelação de Paulo Roberto que liga o esquema de corrupção na Petrobras ao caixa da campanha presidencial agora depende do depoimento de outro envolvido. O doleiro Alberto Youssef, o operador da "cota do PP", poderá dizer o que se passou a partir do momento em que o ex-diretor o incumbiu de repassar o dinheiro. O caminho para isso está pavimentado. Na quarta-feira, seguindo os passos de Paulo Roberto, Youssef acertou com o Ministério Público os termos de um acordo de delação premiada, em que pretende contar o que sabe em troca da redução de pena. A decisão do doleiro aumentou ainda mais o nível de apreensão entre os políticos envolvidos no esquema. No papel de responsável pelo caixa clandestino do PP, também cabia a Youssef entregar a propina. Em junho passado, VEJA mostrou que o escritório do doleiro em São Paulo era um ponto de peregrinação de políticos do PP. Youssef também pode ajudar a polícia a estabelecer outras conexões do esquema. Segundo Paulo Roberto Costa, a diretoria de Serviços, ocupada durante quase dez anos por Renato Duque, ligado ao PT, recolhia comissões que abasteciam exclusivamente o caixa dois do partido e eram administradas por João Vaccari Neto, o tesoureiro oficial. Por meio de sua assessoria, Antonio Palocci disse que conhece Paulo Roberto Costa, mas "em momento algum fez a ele pedido de qualquer natureza". Garante que, em 2010, nem sequer se encontrou com o então diretor da Petrobras e que também “não tinha responsabilidade sobre a área financeira" da campanha. A presidente Dilma, informada sobre as revelações do delator, disse, por meio de sua assessoria, que o tesoureiro da campanha presidencial de 2010 era o deputado federal licenciado José de Filippi: "Todas as doações eleitorais recebidas pela campanha foram relacionadas na prestação de contas dirigida ao TSE. Essa prestação de contas foi aprovada e está à disposição de quaisquer interessados na Justiça Eleitoral". Enquanto isso, os elefantes voadores riscam o céu azul da capital em elegantes manobras aéreas. DA PETROBRAS AOS SUSPEITOS DE SEMPRE VEJA de 10 de setembro passado trouxe na capa a informação de que Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, valendo-se da delação premiada, contou a Justiça como funcionava o esquema de corrupção multipartidário na estatal ORIGEM – O governo Lula oferece a partidos aliados a indicação de diretores para a Petrobras. O GERENTE - Indicado por PP, PMDB e PT, o delator Paulo Roberto Costa foi para a diretoria de Abastecimento. O INVESTIDOR - Costa disse que seu papel no esquema era arrancar propinas de até 3% do valor dos contratos assinados por grandes empresas com a estatal. O BANQUEIRO - As propinas eram dadas pelas empresas ao doleiro Alberto Youssef, que emitia recibos ou notas fiscais de modo a simular a contratação de serviços por elas. O CAIXA - A Polícia Federal calcula que pelo esquema de Youssef tenham passado cerca de 10 bilhões de reais. O "PETROLÃO" - Como no mensalão, o dinheiro obtido das propinas pagas por empresas contratadas pela Petrobras era usado para comprar o apoio de políticos aliados. Acima, alguns dos citados por Costa na delação premiada. Cândido Vaccarezza Sérgio Cabral Roseana Sarney Mário Negromonte Eduardo Campos Edison Lobão João Pizzolatti Henrique Eduardo Alves Ciro Nogueira Renan Calheiros Romero Jucá NÚCLEO ATÔMICO VEJA obteve na semana passada mais uma parte da delação premiada de Paulo Roberto Costa. É apenas um trecho dos depoimentos, mas seu conteúdo tem poder explosivo muito mais destrutivo. A CAMPANHA DE DILMA EM 2010 - Em seu processo de delação premiada, Paulo Roberto Costa disse que, em 2010, foi procurado por Antonio Palocci, coordenador do comitê eleitoral do PT, que pediu dinheiro para a campanha. O QUE ACONTECEU DEPOIS - Paulo Roberto Costa disse aos investigadores que encaminhou o pedido de Palocci ao doleiro Youssef. As autoridades quiseram saber se Youssef foi procurado por Palocci e se ele deu o dinheiro pedido. Costa disse que não sabia, mas que "aparentemente sim", pois Palocci não o procurou mais. O QUE PODE ACONTECER AGORA - O doleiro Youssef está preso e decidiu também fazer delação premiada. Youssef pode esclarecer se o ciclo do propinoduto se fechou também no pedido de dinheiro para a campanha de Dilma em 2010. A ILUSTRE CLIENTELA DO DOLEIRO VEJA revelou que um grupo de parlamentares fazia uma verdadeira peregrinação pelo escritório do doleiro Alberto Youssef. As imagens são dos computadores da portaria do prédio, que mantinha arquivado o cadastro de visitantes. A polícia já recolheu os registros, que serão anexados como prova no inquérito que investigará a participação dos deputados no esquema de recebimento de propina. Deputada Aline Corrêa (PP-SP) Deputado João Pizzolatti (PP-SC) Deputado Luiz Argolo (SD-BA) Deputado André Vargas (ex-PT-PR) Deputado Arthur Lira (PP-AL) Deputado Nelson Meurer (PP-PR) Ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE) ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA Caso a Justiça homologue o acordo de delação premiada com o doleiro Alberto Youssef, novas e curiosas histórias envolvendo poder e dinheiro deverão eclodir. Em 2011, no primeiro ano de mandato da presidente Dilma, Mário Negromonte chefiava o poderoso Ministério das Cidades, que tinha um orçamento de 22 bilhões de reais. Ninguém nunca prestou muita atenção no que o ministro fazia depois do expediente. Como servidor público, ele implementava programas de construção de casas populares, viabilizava projetos de saneamento e propunha normas para facilitar a vida dos brasileiros. Exemplo: no fim de 2011, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), órgão subordinado ao ministério, editou uma portaria que obrigava as montadoras a instalar sistemas de localização em todos os carros. Bom para os consumidores, bom para as seguradoras, melhor ainda para as empresas credenciadas a realizar o trabalho de monitoramento de veículos. E excelente para Mário Negromonte, que fazia um bico como consultor de investimentos. Nessa segunda atividade, pouco antes de a portaria do Denatran ser editada, ele procurou o doleiro Alberto Youssef, seu amigo, e lhe deu uma dica valiosa: o governo estava prestes a editar uma norma que valorizaria muito as empresas de rastreamento de carros. Por acaso, o ministro também conhecia o dono de uma delas - a Controle, sediada em Goiânia - e sabia que ele, embora credenciado a prestar o serviço, enfrentava dificuldades financeiras. Estava à procura de um sócio com dinheiro para investir. Com um conselho tão qualificado, Youssef não pensou duas vezes. Meire Poza, a contadora do doleiro, foi encarregada de viabilizar o negócio. Ela confirma que o ministro deu todas as orientações: "O Negromonte chamou o Beto (Youssef) e disse que tinha uma empresa que tinha a licença do Denatran, só que estava quase quebrada: 'Vai lá e compra que nós estamos com o negócio na mão'". O doleiro investiu 3 milhões de reais na Controle e comprometeu-se a colocar outros 17 milhões. Com dinheiro em caixa, a empresa chegou a abrir uma filial em São Paulo para atuar no maior mercado do país. O investimento, porém, até agora não deu lucro. Atendendo a pedidos das montadoras, o governo ainda não fixou a data para que os carros novos saiam da fábrica com o equipamento, o que deve ocorrer apenas no ano que vem. Procurado, o empresário Luciano Mendes, um dos sócios da Controle, confirmou que esteve com Alberto Youssef e Mário Negromonte durante a negociação da sociedade: "Estive com o ministro no escritório do Youssef duas vezes em 2011". Seu sócio, Celso Secundino, lamenta o desfecho do negócio: "Fomos vítimas de um bandido". Mário Negromonte admite que conhece o doleiro, mas garante que nunca ouviu falar da Controle nem de seus sócios. Ele diz que contrariou muitos interesses quando era ministro e que por isso estaria sendo alvo de ataques. ROBSON BONIN E HUGO MARQUES ___________________________________________ 4# ECONOMIA 1.10.14 CERCO NO DESEMBARQUE A Receita vai usar as informações financeiras dos viajantes e dados das companhias aéreas para coibir as compras acima das cotas de isenção. ANA LUIZA DALTRO Os brasileiros viajam com cada vez mais frequência ao exterior. À expansão da renda seguiu-se o crescimento do turismo internacional e, com ele, a escalada dos gastos feitos lá fora. Em 2013, as despesas externas ultrapassaram 25 bilhões de dólares, batendo o recorde do ano anterior (22 bilhões de dólares). Não surpreende, portanto, que o número de passageiros flagrados com mais compras do que o permitido pela chamada cota de isenção também tenha crescido. Segundo os números da Receita Federal, foram retidos itens no valor estimado de 890 milhões de reais entre janeiro e junho deste ano, um crescimento de 20% em relação a 2013. Fazer compras em viagens a outros países, afinal, é item obrigatório no roteiro dos turistas brasileiros. Mesmo com a desvalorização recente do real, as lojas americanas e europeias são irresistíveis, com roupas e equipamentos eletrônicos que podem facilmente custar um terço do preço cobrado no Brasil. Por isso, muitos viajantes consideram que vale a pena comprar acima das cotas de isenção e pagar os tributos ao chegar ao aeroporto. A Receita vem acirrando a fiscalização, como mostram os números. Os impostos pagos por passageiros flagrados entre janeiro e junho deste ano pelos agentes com valores e volumes superiores aos permitidos somaram 129,6 milhões de reais, mais do que o dobro do registrado no último semestre do ano passado. E o cerco ao turismo de compras será reforçado ainda mais no próximo ano: A Receita, em parceria com a Polícia Federal, desenvolveu um sistema que fará uma triagem dos turistas supostamente mais propensos a exceder as cotas, e a fiscalização será focada neles. Antes mesmo do desembarque, os agentes já terão o nome desses "suspeitos", pois contarão com dados que deverão ser passados eletronicamente, a partir de agora, pelas companhias aéreas, como quantidade e peso da bagagem, além dos destinos visitados e da classe em que os passageiros voaram. Esses dados serão cruzados com a base de informações da própria Receita, como profissão e nível de renda do viajante. O objetivo será saber, entre outras coisas, se o padrão de compras é compatível com o histórico financeiro do passageiro. Assim será mais fácil, acredita a Receita, flagrar os muambeiros profissionais. Os passageiros a ser fiscalizados serão identificados por um programa de reconhecimento facial. O mecanismo também será usado pela PF no combate a crimes como lavagem de dinheiro e transporte de mercadoria ilegal. A fiscalização será intensificada, mas as cotas de isenção permanecem as mesmas, de 500 dólares em compras nas viagens aéreas e marítimas (veja o quadro na pág. ao lado). Segundo o subsecretário de aduana e relações internacionais da Receita, Ernani Checcucci, a ideia do novo sistema, que está em fase de testes e deve ser implementado em todos os aeroportos até o fim do primeiro semestre do ano que vem, é assegurar maior eficiência ao trabalho dos fiscais. "Nosso objetivo é dar celeridade ao passageiro comum. A ação da Receita Federal nos aeroportos não tem objetivo arrecadatório", afirmou Checcucci. "Nossa atuação visa a proteger a indústria e o emprego nacional", explicou. Segundo os números da Receita, em média, no primeiro semestre deste ano, os passageiros que tentaram entrar no Brasil sem declarar bens acima da cota trouxeram 5764 reais em produtos, e 124 viajantes, também em média, foram flagrados diariamente estourando o valor máximo permitido. Cerca de 90% desses passageiros pagam o imposto devido (50% sobre o que ultrapassar a cota de 500 dólares, acrescidos de mais 50% de multa sobre esse excedente). O restante simplesmente desiste de resgatar os bens adquiridos. Apesar de defensável do ponto de vista da já notória eficiência da instituição, o novo passo da Receita em direção a um aperto extra na fiscalização nos aeroportos é mais um exemplo de como o Brasil tem optado por aumentar o "custo mundo", ao restringir a possibilidade dos brasileiros de adquirir produtos de melhor qualidade e a um preço inferior lá fora, em vez de diminuir os custos de produção e comercialização no país. Os turistas brasileiros jamais gastariam tanto no exterior nem se submeteriam a torturantes maratonas em outlets se houvesse aqui maior oferta de mercadorias a preços mais razoáveis. Novamente, o governo, em vez de enfrentar as deficiências do ambiente produtivo brasileiro, notadamente na questão tributária, opta pela via fácil — e contraprodutiva — do protecionismo. Em outros países, a tecnologia de reconhecimento facial vem sendo usada por questões de segurança e para reduzir a burocracia no desembarque, mas não para fins tributários. Na Alemanha e no Japão, por exemplo, os viajantes podem reingressar no seu país sem passar pela checagem da polícia, bastando ter o passaporte checado automaticamente e as informações serem cruzadas com a base de dados do governo. A novidade brasileira levou alguns advogados a questionar se a Receita não estará avançando a linha no que diz respeito à invasão da privacidade e ao sigilo individual. O órgão ainda não explicou como será feita, nos aeroportos, a abordagem das pessoas a ser escrutinadas. Mas, obviamente, quando elas entrarem na fila do raio X, serão expostas aos demais. Todos saberão que estão ali suspeitos de ter comprado acima do permitido. Polêmicas à parte, o fato é que dificilmente as recentes novidades vão frear o apetite dos brasileiros. Medidas como o aumento do imposto sobre operações financeiras (IOF) sobre gastos feitos com cartão de débito ou com cartões pré-pagos não impediram que o consumo dos turistas brasileiros continuasse subindo. Seja levando dinheiro em espécie, seja preferindo correr o risco de pagar multas, os turistas não deixaram — nem deixarão — de gastar, atestando a ineficácia da atuação do governo na sua tentativa de proteger a indústria nacional. AS NOVIDADES NA FISCALIZAÇÃO DA BAGAGEM A Receita vai apertar o cerco sobre aqueles que fazem compras no exterior acima das cotas permitidas. Para isso, cruzará, com a ajuda de um novo software de reconhecimento facial, as informações do histórico do passageiro com as fornecidas pela empresa aérea INFORMAÇÕES AVALIADAS . frequência de viagens ao exterior . renda do passageiro . peso da bagagem e quantidade de malas . dados do voo, como origem e duração Objetivo: identificar os passageiros mais propensos a estourar os limites LIMITE DE COMPRAS As mudanças vão afetar a maneira pela qual a Receita faz a triagem de passageiros que terão a bagagem inspecionada. As chamadas cotas de isenção permanecem as mesmas $500 dólares em compras no exterior Equipamentos de uso pessoal: 1 celular 1 câmera fotográfica 1 relógio $500 dólares na loja duty-free de chegada COM REPORTAGEM DE LUCAS SOUZA _______________________________________ 5# INTERNACIONAL 1.10.14 SÓ DILMA QUER PAPO COM O TERROR A ONU e Barack Obama deixam a presidente brasileira falando sozinha sobre "dialogar" com o mais cruel grupo de assassinos do mundo. NATHALIA WATKINS Por uma tradição que remonta a 1947, cabe ao presidente brasileiro fazer o discurso anual de abertura dos trabalhos da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, em Nova York, nos Estados Unidos. É inevitável que os presidentes que se sucederam sob os holofotes na ONU não tenham resistido totalmente à tentação de engrandecer a si mesmos e a suas obras. Todos eles sempre deixaram escapar uma pequena frase de autolouvação. Mas nunca antes na história desses discursos o púlpito da ONU foi tão abertamente usado para propaganda pessoal quanto por Lula e Dilma Rousseff. Em 2003, na sua estreia ali como presidente, Lula disse que o programa contra a fome de seu governo era tão bom que o mundo deveria imitá-lo. Ele exortou a ONU a criar um certo Comitê Mundial contra a Fome. Por redundante, demagógica e impraticável, a ideia foi esquecida antes mesmo de Lula terminar o discurso. Na semana passada, ao abrir a 69ª Assembleia-Geral, Dilma Rousseff teve seu momento de irrelevância instantânea. Como alguém que tropeça na realidade, cai e se levanta como se nada tivesse acontecido, Dilma repetiu a velha e gasta pregação do diálogo como forma de dirimir conflitos. Só que o problema maior agora, o Isis, o grupo terrorista mais cruel e bárbaro da história contemporânea, não dialoga — corta a língua dos adversários. Por isso, mal Dilma deu sua receita de paz para o mundo, ela foi ignorada. Horas depois o Conselho de Segurança da ONU determinou a todos os países-membros que evitem atitude que possa ser positiva para os terroristas. Barack Obama, o mais pacifista dos presidentes americanos, resumiu a gravidade da situação provocada pelos terroristas do Isis: "Assassinos só entendem a linguagem da força". A ONU e Obama deixaram Dilma falando sozinha. O mundo mudou. A ONU também. Já se foi o tempo em que bastava ser antiamericano para ganhar o direito de cometer atrocidades. Em 1964, o argentino Che Guevara se sentiu tão à vontade que confirmou com todas as letras as suspeitas de que em Cuba os adversários do regime comunista eram assassinados: "Fuzilamentos, sim. Temos fuzilado. Fuzilamos e vamos continuar fuzilando enquanto for necessário. Nossa luta é uma luta até a morte". Nada muito diferente do discurso e da prática do Isis hoje no Oriente Médio. Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff juntou-se ao coro antiamericano na ONU, ainda que sem citar nominalmente os Estados Unidos. Na terça-feira 23, um dia antes de discursar na abertura da Assembleia-Geral, respondendo a uma pergunta de um jornalista sobre os ataques liderados pelos Estados Unidos na Síria que tiveram início na noite anterior, Dilma disse que, em vez de uma operação militar, era melhor recorrer ao diálogo. A dúvida então era se ela estava defendendo a ideia de que o presidente sírio Bashar Assad — que não era o alvo dos ataques americanos — fosse ouvido. No discurso lido no plenário na quarta-feira, ela repetiu o argumento de que o uso da força é incapaz de eliminar as causas profundas dos conflitos e citou os exemplos da Palestina, da Síria, do Iraque, da Líbia. Em seguida, em uma nova entrevista coletiva, ficou evidente que seu comentário era mesmo direcionado aos bombardeios americanos contra o Estado Islâmico, um exército terrorista que controla parte dos territórios do Iraque e da Síria. Questionada sobre se seria possível negociar com o Isis, ela deixou claro, apesar do confuso dilmês, que sim: "A gente querer simplesmente bombardear o Isis, dizer que você resolve porque o diálogo não dá. Eu acho que não dá, também, só o bombardeio". Por sorte, as frases foram ignoradas no noticiário internacional. Mais de sessenta nações já declararam apoio aos bombardeios contra campos de treinamento, armazéns, refinarias e centros de comando do Isis na Síria. Até a Turquia, antes reticente porque financiou vários grupos sírios que faziam oposição a Assad, cedeu. A essa altura, cinco nações árabes já haviam se unido aos Estados Unidos na operação militar. "Esses países são muito relutantes em bombardear o território de um vizinho árabe. Certamente foi uma decisão difícil e que exigiu muito diálogo entre eles e os americanos", diz o cientista político Paulo Wrobel, professor de relações internacionais da PUC-Rio. Todos, menos o Brasil, entenderam muito bem a urgência de conter a ameaça do Isis. O grupo possui milhares de combatentes estrangeiros, que depois podem retornar a seu país de origem e promover atentados. Enquanto Dilma fazia sua defesa genérica da paz na ONU, um grupo terrorista da Argélia divulgava o vídeo em que decapitava Hervé Gourdel, um guia turístico francês que havia sido sequestrado. Diálogo nenhum poderia ter salvado Gourdel, pois os terroristas estavam atendendo a uma ordem do Isis de matar qualquer cidadão francês em qualquer parte do mundo. Além disso, revelou-se na semana passada que o Khorasan, um obscuro grupo formado por veteranos da rede terrorista Al Qaeda e também sediado na Síria, planejava um ataque nos Estados Unidos. Foram os primeiros a ser bombardeados pelos caças e drones americanos. Nem a Rússia nem a China, que têm sérias divergências geopolíticas com os Estados Unidos, defendem conversas com terroristas. Apesar do discurso "paz e amor" de Dilma, horas depois o Conselho de Segurança (CS) da ONU se reuniu e aprovou, por unanimidade, uma resolução urgindo todos os países a reforçar suas leis para criminalizar cidadãos que viajam para celeiros terroristas, em especial para a Síria. O CS é formado por quinze países-membros, dos quais cinco são permanentes e têm direito a veto, e dez são temporários. Dilma defendeu na ONU a tese de que, para encontrar soluções para os conflitos mundiais, as cadeiras permanentes teriam de ser ampliadas e que o Brasil deveria ocupar uma delas. É de pensar se Dilma teria votado contra a resolução antiterror se estivesse ocupando uma cadeira no CS. "Ninguém é contra a paz. Até o Estado Islâmico se diz a favor dela, nos termos deles. O problema é como chegar a isso", diz o cientista político Leonardo Paz, coordenador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). O problema da diplomacia de Dilma, porém, é mais ruinoso para o Brasil. O Itamaraty é sempre o primeiro a questionar qualquer ação militar americana, mesmo contra o terror. Mas é rápido em justificar ações de terrorismo de Estado de países que considera aliados, caso da Rússia, de Vladimir Putin. Quando mísseis russos assassinaram nos céus da Ucrânia 298 civis indefesos a bordo de um Boeing 777 da Malaysia Airlines, Dilma e o Itamaraty fingiram que não era com eles. O mundo civilizado inteiro condenou o ataque terrorista de Moscou. Dilma, a pacifista, a amante do diálogo, a inimiga do uso da força, não deu um pio. ________________________________________ 6# GERAL 1.10.14 6#1 GENTE 6#2 ESPORTE – PODE ISSO, ARNALDO? 6#3 ESPORTE – AS FINANÇAS NA RETRANCA 6#4 ESPECIAL – “E AÍ, PRIMO?” 6#5 ESPECIAL – A MÃE DE TODOS NÓS 6#1 GENTE JULIANA LINHARES. Com Marília Leoni e Thaís Botelho O PENSAMENTO DO PRESIDENTE MA Quem no passado subestimou o chinesinho Ma Yun, de 1,53 de altura, com uma cabeça que lembra a de um cachalote, já teve um bocado de tempo para se arrepender. Depois da espetacular oferta pública de ações da Alibaba, criação sua que domina 80% do comércio eletrônico chinês, foi confirmado: JACK MA, seu nome adaptado, é o homem mais rico da China, com 25 bilhões de dólares. Lições de vida: é bom receber o primeiro salário — o dele era de 20 dólares, como professor de inglês — e quem chega a 1 milhão tem sorte; com 10 milhões, começam os problemas de como gerir o dinheiro. Com 1 bilhão, vem a responsabilidade de corresponder à confiança dos investidores. E o sorrisão aí de cima. FARO PARA OS NEGÓCIOS Começou como brincadeira: a atriz KARINA BACCHI vestia o primeiro dos seus lulus-da-pomerânia com seus próprios blazers, ajustados com prendedores, e jogava a foto numa conta de Instagram. Em pouco tempo, o aplicativo registrava 220.000 seguidores. Karina então criou uma linha de roupas para pets, incluindo fantasia de bailarina e outros adoráveis absurdos. Aumentou a turma canina e hoje o negócio fatura até 47.000 reais por mês e abriu caminho para a última tacada: um dos cachorrinhos virou bicho-propaganda de uma ração animal e "assinou" um contrato de 100.000 reais. "Eles só dormem ouvindo músicas calminhas", diz Karina. O abdômen trincado dela, adquirido há apenas quatro meses, não tem nenhuma relação com os passeios com os lulus, mas com outra área em que ela fareja lucro: a dos blogs de ginástica. CREMOSO — E COMPROMETIDO Será só em dezembro, quando The Voice acabar, que FERNANDA SOUZA, repórter do programa, vai pensar em seu casamento com THIAGUINHO. Enquanto isso, é o aplicado pagodeiro quem cuida de tudo: a cerimônia, em fevereiro, será na igreja mais chique de São Paulo, a Nossa Senhora do Brasil, e a festa terá 500 convidados. "Ele vai às reuniões com a cerimonialista e quis um convite clássico, com prata envelhecida", diz a responsável pela peça, Samara Costa. Thiaguinho foi revelado em um programa musical, mas Fernanda diz que a experiência do noivo contou pouco para sua entrada no The Voice: "Eles queriam alguém com humor, e eu já faço um stand-up". No espetáculo, a atriz conta sua impressão ao conhecer o cantor: "Era uma coisinha cremosinha da mamãe. ABAIXO A ALFACE Depois de dez anos de casamento com a atriz Gwyneth Paltrow, a autocoroada rainha das comidas e do estilo de vida ultrassaudáveis, muita gente desconfiava que CHRIS MARTIN (meio escondido na foto, de branco) ia se esbaldar na pizza quatro queijos. Mas o cantor do Coldplay superou as expectativas e começou um namoro com a desencanada apreciadora de comidas gordurosas, entre outros abusos, JENNIFER LAWRENCE. Como o divórcio dele ainda não foi sacramentado, os dois evitam ser fotografados juntos. Mas quem deixaria de perceber a presença de Jennifer, de barriguinha de fora, nos bastidores dos shows dele? E que espírito malicioso deixaria de imaginar Gwyneth atacando um chocolate inteirinho? 6#2 ESPORTE – PODE ISSO, ARNALDO? Não pode. Há uma razão para os árbitros brasileiros começarem a marcar tantas penalidades máximas quando a bola toca na mão — eles agora apitam com um olhar técnico, e não mais a partir da decisão subjetiva sobre se houve intenção no lance. ALEXANDRE SALVADOR Um lance do clássico entre Corinthians e São Paulo, realizado no domingo 21, no Itaquerão, provocou revolta dos tricolores e animação constrangida dos alvinegros: depois do chute do atacante corintiano Malcom, defendido pelo goleiro são-paulino Dênis, a bola subiu e resvalou no braço do zagueiro Antônio Carlos. Pênalti, decretou o árbitro Luiz Flávio de Oliveira. Entre o toque manual de Antônio Carlos e o apito de Oliveira se passaram apenas seis segundos. O excelente comentarista da Rede Globo Arnaldo Cezar Coelho, que apitou a final da Copa do Mundo de 1982, teve de aguardar a repetição exaustiva das imagens em câmera lenta e depois de 35 segundos deu seu veredicto: "Foi toque de mão, sim". Bola na mão ou mão na bola? Houve intenção do defensor de afastá-la sem a ajuda dos pés? A discussão atravessou a semana. Os vencedores (Corinthians 3 x 2 São Paulo) louvaram a rapidez da decisão em campo. Os derrotados lamentaram a precipitação. Há uma nítida razão para o discernimento a jato do juiz. Ele seguiu uma nova orientação da Fifa, chancelada pela CBF, apresentada a 72 árbitros brasileiros num seminário realizado na Granja Comary, em Teresópolis, de 25 de agosto a 2 de setembro. As palestras, nas quais se exibiram 26 vídeos com lances duvidosos, foram apresentadas pelo uruguaio Jorge Larrionda, membro da comissão de arbitragem da Fifa. A norma que passou a valer: se a bola bater no braço colado ao corpo, não será pênalti. Se o braço estiver estendido, de modo a aumentar a área de contato, sim, será penalidade máxima. Revelado o aconselhamento dos cartolas, que a CBF alardeia e a Fifa finge inexistir, em mais uma de suas clássicas confusões, entende-se a explosão recente de pênaltis apitados no Campeonato Brasileiro. De 1,85 anotado por rodada, saltou para 3,67 — 20% deles originados pela bola não mão. É louvável um homem de preto ter a seu dispor um critério essencialmente técnico, alheio à subjetividade de ler a mente de um jogador para descobrir se houve intenção. A Fifa, enfim, acertou — mas, dada sua afeição por tudo obscurecer, quer tirar o corpo fora, sob a alegação de que a mudança não altera a regra. Mas o sinal é claro. "A Fifa cria orientações sempre para beneficiar os atacantes", elogia o chefe da comissão de arbitragem da CBF, Sérgio Corrêa da Silva. "Quem tem de tomar cuidado são os defensores.'' Um conselho: mantenham os braços à frente do tronco. A lei número 12 do livro de regras do futebol define que é passível de falta o ato de "pôr a mão na bola deliberadamente". E, insista-se, como saber o que foi deliberado, salvo situações claríssimas como a do indomável atacante uruguaio Luís Suárez, na Copa de 2010? Para evitar um gol de Gana já nos acréscimos, que resultaria na eliminação uruguaia, ele deu uma de goleiro, com os braços totalmente erguidos. Defesaça! A recente orientação tira dos juízes um pouco do peso da decisão por critérios difusos. Pouco importa se houve intenção — com o braço esticado, e a bola nele, pênalti claro, mesmo que o atleta não pretendesse defender desse modo. Evidentemente, essa simplificação não resolve a vida de quem leva o apito à boca e invariavelmente sai xingado. Sem a ajuda da tecnologia de vídeo para revisar os lances, e apenas com o apoio dos auxiliares, um árbitro terá de decidir, como sempre foi, na hora, sem delongas possíveis — enquanto em casa o torcedor diante da televisão se esbalda com as repetições. "O objetivo da comissão de arbitragem era sair do campo interpretativo e ir para o campo exato, mas acabou trazendo ainda mais confusão", diz o ex-árbitro Sálvio Spinola, comentarista de arbitragem dos canais ESPN. Para Leonardo Gaciba, do SporTV, que apitou partidas profissionais até 2010, essa confusão se deu por uma falha de comunicação. ''O surpreendente é que o livro de regras não mudou seu texto uma linha sequer, e dentro do campo tudo mudou. Pior, as orientações da Fifa foram dadas dentro de quatro paredes e, repetindo um erro secular, não foram informadas ao público, aos atletas nem aos analistas", escreveu Gaciba em seu blog. A NOVA ORIENTAÇÃO ADOTADA NO BRASILEIRÃO De acordo com a lei nº 12 do livro de regras do futebol, a falta deve ser marcada caso um jogador "ponha a mão na bola deliberadamente (exceto o goleiro dentro de sua própria área)". Dada a subjetividade da decisão, colada à interpretação de um ser humano que pode falhar, ao não identificar o intencional do acidental, novas soluções estão sendo estudadas, à margem do regulamento escrito. Em agosto, logo depois da Copa, a CBF realizou um curso, ministrado por um instrutor e membro da Comissão de Arbitragem da Fifa, mudando a determinação O JUIZ MARCA PÊNALTI - Se a bola toca na mão ou no braço aberto ao lado ou acima do corpo, impedindo s trajetória do chute, a falta DEVE ser anotada. O JUIZ NÃO MARCA PÊNALTI - Se a bola toca na mão ou no braço à frente do tronco (indicação de que a bola bateria de qualquer forma no corpo), a falta NÃO DEVE ser anotada. O número de pênaltis marcados no Campeonato Brasileiro disparou depois da mudança do critério de interpretação ANTES DA ORIENTAÇÃO (ATÉ A 20ª RODADA) (*em 10 de setembro) – 37 penalidades, média de 1,85 por rodada DEPOIS DA ORIENTAÇÃO (DA 21ª À 23ª RODADA) – 11 penalidades, média de 3,67 por rodada. 6#3 ESPORTE – AS FINANÇAS NA RETRANCA A retração na economia segura o faturamento dos times de futebol, que ainda fazem pouco para ganhar com as suas marcas. A aguardada evolução do futebol brasileiro fora de campo está mais distante do que se imaginava. Depois de três anos de crescimento médio de 29%, as receitas somadas dos maiores clubes do país (dezenove na primeira divisão do Campeonato Brasileiro e quatro na segunda divisão) perderam fôlego e aumentaram apenas 10% em 2013, segundo um estudo do banco Itaú BBA. O faturamento avançou pouco acima da inflação e apenas graças aos recursos obtidos com a venda de jogadores ao exterior, caso de Neymar, do Santos para o Barcelona, e Lucas, do São Paulo para o Paris Saint-Germain. É o que se chama de receita extraordinária, com a qual não se pode contar todo ano — diferentemente dos recursos obtidos com a venda dos direitos de transmissão dos jogos para a televisão, por exemplo, que é a principal fonte de recursos. Em clubes europeus, um terço da receita se origina de patrocínios, do licenciamento e da venda de produtos. No Brasil, essa fatia não supera 15%. "Até 2012, o futebol brasileiro dava sinais de se viabilizar como um negócio atraente. Mas os números do ano passado mostram que não era algo sustentável", diz César Grafietti, que coordenou o estudo. "As receitas pararam de crescer, e as despesas subiram. É um reflexo do pensamento de curto prazo dos dirigentes de clubes de que o dinheiro sempre vai entrar." Em um ponto negativo, as empresas se afastaram dos estádios: o número de patrocinadores caiu de dezoito, em 2009, para dez, e um banco estatal, a Caixa, estampa sua marca em sete das agremiações. Segundo Pedro Daniel, consultor da BDO Brazil, os clubes brasileiros gastam em média 77% de sua receita com as atividades relacionadas ao futebol profissional, acima do patamar desejável, de 65% a 70%, para que pudessem equilibrar as suas finanças. Na Alemanha, o índice mal supera 50%. Com tamanho gasto só com o futebol, as outras despesas, como o pagamento dos demais salários e a manutenção da área social, empurram o resultado para o vermelho. Para equacionar a conta, os clubes precisam diversificar as fontes de receita. Um bom exemplo é o do Internacional de Porto Alegre, o clube com o maior número de sócios-torcedores do país: 121.000 pessoas pagam uma mensalidade que é revertida para o clube, em troca de descontos na venda de ingressos e na compra de produtos em supermercados. O objetivo é explorar a paixão mesmo de quem não vai ao estádio. O Cruzeiro, o atual campeão brasileiro, vai no mesmo caminho: no ano passado, a renda dos ingressos e do seu programa de sócio-torcedor respondeu por um terço de sua receita, o dobro da fatia média dos demais times. MARCELO SAKATE JOGANDO PARA O LADO Diminui o ritmo de avanço no faturamento dos 23 maiores times de futebol do Brasil (em bilhões de reais) 2010 1,7 2011 2,2 (+29% 2012 2,9 (+32%) 2013 3,2 (+10%) A DIVISÃO DAS RECEITAS, EM 2013 Direitos de transmissão de jogos (TV) 35% Venda e empréstimo de jogadores 21% Ingressos de jogos e mensalidade de sócio-torcedor 17% Publicidade e patrocínios 15% Estádio 6% Outros 6% Fonte: Itaú BBA 6#4 ESPECIAL – “E AÍ, PRIMO?” A pedido de VEJA, o lutador Vítor Belfort e o humorista Fábio Porchat fizeram um teste genético e descobriram ter ascendência comum — muito possivelmente cinco gerações atrás. A novidade soa anedótica, mas ajuda a iluminar um fascinante campo do conhecimento, o da ancestralidade por DNA, atalho para a compreensão da origem da humanidade a partir de seu berço africano. CAROLINA MELO, DE HOUSTON (EUA) Uma piada atrás da outra, como manda o figurino, parece estar no DNA do humorista Fábio Porchat, um dos criadores do grupo Porta dos Fundos. "E aí, primo?", ele exclama com um ponto de interrogação ao encontrar o lutador de MMA Vitor Belfort na sessão de fotos que abre esta reportagem. Porchat e Belfort aceitaram o convite de VEJA para participar de um teste genético de ancestralidade, capaz de estabelecer vínculos entre pessoas aparentemente sem relação alguma. Outras personalidades também aderiram à empreitada (acompanhe ao longo desta reportagem). A partir da raspagem de células da parte interna da bochecha, o material foi submetido a exame realizado pela empresa americana Family Tree DNA, pioneira nesse tipo de investigação, cujos resultados e cruzamentos podem ser consultados e compartilhados pela internet. As informações foram depois cotejadas com um banco de dados que já possui mais de 700.000 registros, de modo a traçar as histórias genéticas. "Que coisa maluca, cara", respondeu Belfort a Porchat, que, programado para fazer rir, mandou a tréplica brincalhona: "Quer dizer que, se eu precisar de um transplante de rim, posso pedir ao Vitor?". Eles são primos em quinto grau. "Segundo o sequenciamento do DNA, Belfort e Porchat compartilham material genético com as mesmas proporções que familiares com esse parentesco têm em comum, por isso o teste os considera primos", diz Salmo Raskin, geneticista e pesquisador do Projeto Genoma Humano. Eles tiveram, muito possivelmente, um mesmo ancestral há 150 anos, cinco gerações atrás. "O parentesco deles deve remontar a Portugal ou Espanha, pois a maioria das pessoas que fizeram o teste e apresentaram semelhança genética com a dupla veio da Península Ibérica", diz o sociólogo Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná. Porchat e Vitor têm 0,5% das informações genéticas iguais. De um total de 3 bilhões de pares de bases nitrogenadas — as moléculas que compõem o DNA —, os primos distantes (vamos chamá-los assim, a partir de agora) têm 16,4 milhões em comum. Se fossem primos em primeiro grau, a semelhança subiria para 25%. Cada pessoa tem 23 pares de cromossomos — o 23º é responsável por definir o sexo. Analisam-se, portanto, os outros 22, chamados de autossomos. São eles os responsáveis por características como a cor dos olhos, o tom da pele e o matiz dos fios de cabelo, herdadas da mãe, do pai, dos quatro avós, oito bisavós, dezesseis trisavôs, e assim por diante. Num bonito paradoxo, quando olhamos para trás, forma-se uma árvore genealógica cada vez mais frondosa e, no entanto, a viagem nos leva a um grupo ínfimo, ao Adão que nos legou o cromossomo Y, e especialmente a uma Eva mitocondrial africana que viveu entre 120.000 e 170.000 anos atrás na África Oriental. Do ponto de vista prático, o parentesco entre Porchat e Belfort não oferece muito mais que anedota — está na mesma família de uma descoberta como a que identificou, nos anos 90, uma correlação genética entre o terceiro presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson, e o descendente de uma escrava que trabalhava em sua casa, o que alimentou certeza na suspeita de que tiveram filhos juntos. Rendeu páginas de jornais, resultou em livros, mas não muito mais que isso. É mais interessante interpretar o estudo da ancestralidade genética — hoje feita pelo correio, por pouco mais de 230 reais — não pela porta dos fundos, e sim a partir de um extraordinário portal que nasce das pequenas narrativas individuais (sou parente longínquo deste ou daquele) para culminar na compreensão, ou ao menos na busca, da origem da humanidade. "Na genealogia, costuma-se dizer que em apenas três gerações as histórias e tradições contadas sobre nossa família são esquecidas", disse a VEJA Bennett Greenspan, fundador da Family Tree DNA, sediada em Houston, no Texas. "Do passado, quase tudo o que sabemos foi narrado por parentes próximos, e isso se limita a um século de informação. É com o DNA que descobrimos sobre nossos mais antigos ancestrais e percebemos que fizemos parte do nascimento da humanidade, mesmo não estando lá para testemunhar. Entendemos, então, que carregamos conosco um pedaço da origem humana." Iniciativas como a da Family Tree DNA são diferentes de outras de raiz semelhante, como a 23andMe, que até há muito pouco tempo detalhava o histórico de saúde das pessoas. A empresa americana fundada por Anne Wojcicki — ex-mulher de Sergey Brin, um dos fundadores do Google — oferecia, desde 2007, testes de sequenciamento de DNA que indicavam o risco de uma pessoa contrair doenças como câncer de mama, fibrose cística e Alzheimer. Depois de seis anos de conflito com a FDA — a agência do governo dos Estados Unidos de controle de remédios e alimentos —, preocupada com graves consequências que os testes com resultados imprecisos poderiam acarretar, a venda deles foi proibida. E o que prosperou, dado o fascínio magnético, foi a descoberta de ancestralidade. A Family Tree DNA surgiu há catorze anos. No início, não trabalhava com o teste autossômico — esse do qual participaram Porchat e Belfort —, espetacularmente preciso, afeito a escrutar pelo menos 700.000 dos 3 bilhões de pares de bases nitrogenadas do DNA. A geração anterior de testes, agora associada ao autossômico, olhava "apenas" o DNA mitocondrial feminino e o cromossomo Y, sempre de um único lado da família, as mulheres da família materna e os homens da família paterna. Isso ocorre porque o DNA mitocondrial e o cromossomo Y são heranças exclusivas da mãe e do pai. São, portanto, materiais genéticos puros, que não se misturaram com nenhuma estrutura genética de outro familiar — carregam uma porção de DNA quase igual ao DNA original, de mais de 120.000 anos. Ao sequenciar cada uma dessas estruturas, é possível desenhar os mapas de migrações desde o berço africano (veja a reportagem a seguir). O fácil acesso às investigações de ancestralidade, para muito além da curiosidade — os críticos a chamam de "astrologia genética", por prometer muito mais do que entrega —, ganha novos adeptos, por servir de fundação para a defesa de uma ideia incontornável, a de que o racismo é uma falácia, para usar a expressão do grande geneticista italiano Luigi Luca Cavalli-Sforza, "que pode ser cientificamente condenada". Os avanços no mapeamento genético nos permitem enxergar o que antes era escondido, e alimentava posturas racistas. Escreve Cavalli-Sforza: "Nós só conseguimos enxergar a superfície do corpo, que é afetada pelo clima e que distingue uma população relativamente homogênea de outra. Portanto, somos equivocadamente levados a crer que as raças são puras (isto é, homogêneas) e muito diferentes entre si". Não. As raças são variações cosméticas do núcleo genético humano, inadequadas, portanto, para determinar a superioridade de um indivíduo ou grupo sobre os outros. Viemos do mesmo lugar e somos todos muito parecidos, como provam Porchat e Belfort. Éramos negros porque vivíamos próximo ao Equador, a maneira mais adequada, na engenharia genética, de proteção contra as queimaduras provocadas pelo excesso de radiação ultravioleta, que também pode provocar cânceres de pele letais. Saímos da África para a Europa, e nessa travessia a pele ficou branca, numa mutação vantajosa, para captar mais adequadamente os raios solares e suprir a deficiência de vitamina D. Numa definição já clássica, "um sueco pode ser mais diferente geneticamente de outro sueco do que de um indivíduo negro de origem africana". É o que se lerá nas páginas a seguir. O CÓDIGO DA VIDA No núcleo celular há 23 pares de cromossomos, um deles responsável por definir o sexo da pessoa e os outros 22 - os autossomos - contendo todo o restante das informações genéticas. Esses autossomos são herdados das famílias materna e paterna e definem uma pessoa por completo: desde sua aparência física até a probabilidade de desenvolver uma doença genética. VITOR BELFORT, 37 anos Lutador de MMA Pai e mãe mineiros Os combates vencidos por Belfort não contaram com a ajuda da genética. O lutador foi submetido a um teste para saber se carrega uma mutação do "gene do guerreiro", como é conhecido pelos cientistas. Pessoas com essa variação se mostraram mais agressivas e com propensão a se colocar em situações de risco. Não foi o caso dele. FÁBIO PORCHAT, 31 anos Humorista Pai paulistano e mãe carioca O humorista sempre soube que tinha fortes raízes na Europa. E o teste confirmou - seu DNA contém 87% de herança europeia. Vítor e Fábio compartilham material genético com as mesmas proporções que primos em quinto grau. O parentesco foi encontrado no 20º cromossomo. Após análise, descobriu-se que eles têm 0,5% das informações genéticas em comum. Ou seja, são 16,4 milhões de pares de bases nitrogenadas - as moléculas que compõem o DNA - de um total de 3 bilhões. Se fossem primos em primeiro grau, a semelhança genética seria de 25%. O CALDEIRÃO DAS RAÇAS Ao sequenciar os 22 pares de autossomos, é possível encontrar a quantidade das diferentes etnias presentes no DNA de uma pessoa - uma herança genética passada de geração para geração. JAQUELINE SATO, 26 anos Atriz Pai paulistano e mãe gaúcha Os olhos puxados denunciam a neta de japoneses por parte de pai. Mas o sangue do avô alemão da família materna foi bem representado pelos resultados - 32,90% de origem europeia. 32,90% Europa 11,74% Oriente Médio 4,95% Sul da Ásia 50,41% Leste da Ásia JÔ SILVA, 27 anos Jogador de futebol Pai paulistano e mãe pernambucana Nem mesmo a semelhança genética do brasileiro com um atacante alemão, como Miroslav Klose, ou um holandês, como Arjen Robben, ajudaria Jô a diminuir a humilhação brasileira na Copa. Jô apresentou 15% de genes europeus. 71,72% África 14,99% Europa 9,61% Oriente Médio 3,68% América (Descendentes dos ameríndios, os nativos americanos) SUYNE MOREIRA, 31 anos Modelo Pai e mãe cearenses A neta de índios da tribo cariri, do sertão nordestino, é a típica brasileira de três etnias. Em seu sangue, ela tem herança africana, indígena e europeia – as principais populações que povoaram o país. 38,41% Europa 35,90% África 25,69% América (Descendentes dos ameríndios, os nativos americanos) 6#5 ESPECIAL – A MÃE DE TODOS NÓS Uma Eva mitocondrial que teria vivido na África Oriental está na origem da população contemporânea. Não há quem escape de sua herança genética. C.M., DE HOUSTON (EUA) A história da humanidade vive em nossos genes. O DNA em cada uma de nossas células não determina apenas a cor dos olhos, ele contém também a pegada de nossos antepassados. O genoma de uma criança é quase inteiramente a mistura do material genético herdado da mãe e do pai — o DNA mitocondrial transmitido da mãe para filhos e filhas, e o cromossomo Y, apenas de pai para filho. Mas é também o registro da longa travessia iniciada na África entre 120.000 e 170.000 anos atrás. Desde a década de 80, pesquisadores de universidades americanas e europeias utilizam o DNA para desenhar as principais rotas migratórias utilizadas pelos primeiros grupos populacionais. A exclusiva ferramenta de estudo sempre foram a arqueologia e os fósseis, levados a laboratório de modo a entregar seus segredos. Deu-se um passo magnífico quando o sequenciamento do DNA do ser humano permitiu, em espetacular progressão nos últimos vinte anos, inaugurar uma era, a da antropologia genética. O elevado custo a restringia a instituições de pesquisa. Não é mais assim, e o que chegava a dezenas de milhares de dólares atualmente pode não passar de três dígitos. Com a ancestralidade genética ao alcance da mão, tentar entender que rota tomamos desde o ponto de partida africano é quase tão acessível quanto discutir a cor dos olhos — e é bonito perceber que uMa coisa (os olhos) tem tudo a ver com a outra (a origem da humanidade) quando submetidas a microscópios e sequenciadores de última geração. Algumas descobertas científicas nos trouxeram ao estágio atual. O grande marco foi a identificação do ponto zero da humanidade: os primeiros Homo sapiens, que, na África, deram origem à população contemporânea. Atribuiu-se a eles o nome de Adão e Eva, e a citação bíblica é apenas um recurso extraordinariamente didático. Trata-se, na verdade, de uma contagem de tempo, o do DNA mais antigo encontrado pela ciência, dos sexos masculino e feminino, há cerca de 120.000 anos. Não é correto dizer, naturalmente, que havia então apenas um homem e uma mulher — Adão e Eva, a costela de um, a maçã do outro — e deles viemos todos nós. Adão e Eva foram todos aqueles que sobreviveram e transmitiram adiante seu material genético — genes hoje encontrados nas células dos 7 bilhões de pessoas que habitam a Terra. "É evidente que muitas mulheres viveram naquele período, só que suas mitocôndrias não sobreviveram", escreveu o geneticista Luigi Luca Cavalli-Sforza, autor de um clássico do assunto, Genes, Povos e Línguas. "A Eva africana é apenas a mulher cujas mitocôndrias foram os últimos ante-passados comuns de todas as mitocôndrias de hoje." Eva é, portanto, considerada pelos cientistas o ponto de partida feminino da humanidade — um elo comum entre todas as pessoas. Os testes com o cromossomo Y, definido pelo sexo masculino, e o DNA mitocondrial, de herança feminina, funcionam como mapas individuais de trajetórias familiares. Revelam a estrada iniciada no nordeste africano, de onde grupos de Homo sapiens partiram para conquistar o mundo. Aos poucos, em intervalos que duravam dezenas de milhares de anos, a população se multiplicou e, em grupos, migrou para novos continentes. Mas havia um processo paralelo às migrações, o das mutações genéticas, fundamentais para que os grupos populacionais sobrevivessem e migrassem para novas regiões. O DNA é uma molécula capaz de se duplicar — no entanto, como em toda reação bioquímica, não se produzem cópias perfeitas. Há influências externas de origem química, da radiação solar, do clima, motores das mutações. Essas mutações são, portanto, erros de cópia entre os nucleotídeos, as moléculas identificas pelas letras A, C, G e T que compõem o DNA. Adão e Eva tinham os nucleotídeos do cromossomo Y e os do DNA mitocondrial, respectivamente, organizados em uma determinada ordem. Seus descendentes nasceram com "erros ortográficos". Ou seja: todos nós temos a base Y e mitocondrial original, carbono do início, mas também as mutações, e elas, sim, é que respondem pelas diferenças. A distância entre o DNA de qualquer pessoa e o de seus ancestrais primevos é muito pequena. "Mesmo com as mutações genéticas, compartilhamos mais de 99% do DNA de Eva", afirma Max Blankfeld, um dos sócios da empresa americana Family Tree DNA. As mutações ampliaram os horizontes e moldaram o ser humano — há 35.000 anos, a adaptação do organismo para sobreviver às condições atmosféricas das grandes altitudes permitiu a habitação de regiões como o Tibete. O rosto e o corpo dos mongóis resultam da necessidade de sobrevivência ao frio cortante da Sibéria. A cabeça, em particular, anotou Cavalli-Sforza, tende a ser arredondada, aumentando o volume corpóreo. Desse modo, a área superficial de evaporação da pele é menor comparada com o volume do corpo, e com isso perde-se menos calor. As mutações, brotadas ao acaso e tornadas predominantes em determinada população porque se mostraram vantajosas, são hoje usadas pelos cientistas como marcadores de tempo e de lugar da movimentação da população humana. Um resultado de teste genético individual, desses que chegam pelo correio ou pela internet, é cotejado com um imenso banco de dados, cultivado durante vinte anos. Dessa comparação é que se estabelecem as origens, e, portanto, os mapas, que aparecem ao longo desta reportagem. As variações genéticas encontradas no maior número de pessoas foram consideradas as mais antigas, aquelas que surgiram ainda quando a população se formava — a mais recente delas tem 10.000 anos. A essas mutações a comunidade científica deu o nome de haplogrupo — os principais grupos populacionais que se caracterizaram por apresentar uma mutação que proliferou e se tornou típica daquele grupo. Qualquer pessoa do mundo faz parte de um dos trinta haplogrupos da linhagem materna (mulheres ou homens) ou dos 25 haplogrupos da origem paterna (apenas homens). Sabendo a qual haplogrupo pertence, uma pessoa é atrelada à rota migratória de seus antepassados longínquos. É a mágica da antropologia genética. Mutações, por princípio, não param de acontecer — e ainda hoje elas ocorrem. Mas já não proliferam em quantidade suficiente para se tornarem novos troncos da árvore genealógica. São, a rigor, galhos dessa árvore. A explicação é simples: com o tempo, a população ficou cada vez maior e mais dispersa — as pessoas se espalharam pelo mundo em vez de se concentrarem em um mesmo lugar por muito tempo até se tornarem absolutas e dominantes num grupo populacional. O próximo campo de investigação, ainda razoavelmente virgem mas muito próximo de nós, é o da evolução linguística associada às migrações, àquela saga humana que começou na África. É possível estabelecer uma comparação entre genes e línguas — ou, em outros termos, associar o nascimento e a morte das línguas com o nascimento e a morte de grupos populacionais? É possível sobrepor o mapa de uma evolução com o de outra, com trajetórias que se encaixam? Sim, é o que informam pesquisas recentes. Cavalli-Sforza nota que há semelhanças importantes entre genes e línguas. Em ambos os casos, uma alteração, que aparece primeiro num único indivíduo, pode espalhar-se para toda população. No caso de genes, como já vimos, chamam-se mutações. São raras e passam somente de pais para filhos. Já as mudanças linguísticas são mais frequentes e não se transmitem necessariamente entre parentes. As línguas, portanto, mudam mais depressa que os genes. ''Na realidade, se uma palavra pode resistir a mudanças por 1000 anos, um gene pode permanecer inalterado por milhões ou bilhões de anos", escreve Cavalli-Sforza. "Se houver alguma interação entre genes e língua, seria mais o caso de as línguas afetarem os genes, pois as diferenças linguísticas entre populações diminuem as chances de intercâmbio gênico entre elas." É uma avenida de investigação, um fascinante escaninho da antropologia genética — entender que mecanismos de seleção construíram as famílias de idiomas, fazendo uns prosperarem e outros desaparecerem, tal qual as adaptações genéticas. Uma mulher sapiens viveu entre 120.000 e 170 000 anos atrás na África e deixou descendentes. Hoje, todos os homens e mulheres carregam o mesmo DNA mitocondrial dela - um material genético passado apenas pela mãe. Eva é, portanto, considerada pelos cientistas como o ponto de partida feminino da humanidade — um elo comum entre todas as pessoas. Daniela Mercury, 49 anos • Cantora Pai português e mãe baiana Márcia Câmara, 16 anos • Estudante Paraibana, de pais desconhecidos Márcia foi adotada por Daniela há quase quatro anos. A investigação genética as aproxima por meio da Eva mitocondrial, o ancestral comum. 1- As ancestrais de Daniela e as de sua filha adotiva Márcia carregam as mesmas mutações do DNA mitocondrial até 70.000 anos atrás. 2- Enquanto as mutações genéticas das mulheres da família materna de Márcia não saíram do continente africano, as ancestrais de Daniela desenvolveram novas mutações no norte europeu. As ancestrais de Daniela, descendente de italianos, provavelmente chegaram ao Brasil durante a imigração italiana, entre setenta e 150 anos atrás. As ancestrais de Márcia provavelmente chegaram ao Brasil durante a diáspora africana, há cerca de 300 anos. PAOLA DE BRAGANÇA, 31 anos Designer e empresária Pai polonês e mãe carioca O sangue nobre da princesa Paola, trineta da princesa Isabel, se confirmou: seu DNA mitocondrial tem uma mutação rara, dificilmente encontrada em outras pessoas testadas. Muito embora a família de Paola esteja no Brasil desde o período da colonização, as mulheres de sua família materna chegaram ao país recentemente, na década de 40. A partida da Europa ocorreu com a avó de Paola, a princesa espanhola Esperanza de Bourbon. Adozindo Magalhães de Oliveira Neto, 55 anos Empresário Pai e mãe cariocas O trineto de Benjamin Constant não nega as origens republicanas. Sua mutação no DNA mitocondrial é considerada a mais comum entre os europeus conterrâneos. A chegada das ancestrais de Adozindo ao Brasil ocorreu há cerca de 200 anos, com a imigração ibérica 1- O DNA mitocondrial da trineta da princesa Isabel e do descendente de Benjamin Constant apresentava as mesmas mutações até 70.000 anos atrás. 2- As ancestrais da família materna do trineto de Benjamin Constant desenvolveram suas novas mutações na região da Península Ibérica . 3- As mulheres da família materna da trineta da princesa Isabel seguiram para o norte europeu carregando novas mutações genéticas. ANTES DA HISTÓRIA Adão Y e Eva mitocondrial foram os primeiros Homo sapiens que deixaram descendentes - pela ciência, são considerados o ponto de partida da humanidade. Eles foram responsáveis por transmitir de geração em geração o cromossomo Y e o DNA mitocondrial, respectivamente. Isso faz de Adão o antepassado comum a todos os homens vivos hoje, já que o cromossomo Y é exclusivo aos homens. Eva, contudo, passou adiante sua mitocôndria para homens e mulheres - ela é, portanto, a ancestral comum de toda a população mundial. HOMO HABILIS 2 milhões de anos atrás HOMO ERECTUS 1 milhão de anos atrás HOMEM DE NEANDERTAL 200.000 anos atrás HOMO SAPIES 170.000 anos atrás AS TRÊS PRINCIPAIS MUTAÇÕES O processo de humanização ocorreu exclusivamente na África, de onde grupos de Homo sapiens partiram para conquistar o mundo. Algumas mutações genéticas foram essenciais para que populações sobrevivessem e migrassem para novas regiões. ENERGIA – 70.000 anos atrás — A saída do continente africano rumo à Europa e à Ásia ocorreu graças à capacidade do corpo de gerar mais calor e assim sobreviver a baixas temperaturas. ALTITUDE – 35.000 anos atrás — A adaptação do organismo para sobreviver às condições atmosféricas das grandes altitudes permitiu a habitação de regiões do Tibete. DIGESTÃO – 10.000 anos atrás — A facilidade para digerir leite e derivados garantiu que algumas populações ampliassem sua fonte de alimentos, sem depender apenas da caça. Fonte: Ricardo Costa de Oliveira, sociólogo da Universidade Federal do Paraná. __________________________________________ 7# ARTES E ESPETÁCULOS 1.10.14 7#1 CINEMA – O JOGO DAS APARÊNCIAS 7#2 CINEMA – CAIXA DE SURPRESAS 7#3 LIVROS – O PAÍS DESCONHECIDO 7#4 MÚSICA – MATUSALÉM DO POP 7#5 VEJA RECOMENDA 7#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 7#7 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – O VÍCIO DE SEMPRE 7#1 CINEMA – O JOGO DAS APARÊNCIAS Ben Affleck é o marido que talvez tenha matado a mulher em Garota Exemplar, adaptado por Gillian Flynn de seu próprio best-seller. O deus invisível desta criação, porém, é o diretor David Fincher. ISABELA BOSCOV É cedo demais e Nick Dunne (Ben Affleck) já está bebendo no bar que tem em sociedade com sua irmã gêmea, Margo (Carrie Coon) — algo que não vai melhorar sua imagem junto aos policiais que logo mais estarão em sua casa, observando os móveis tombados, os cacos de vidro espalhados pela sala, os discretos respingos de sangue na cozinha. Um exame detalhado revelará que estes são o que escapou de uma limpeza malfeita: o chão esteve encharcado de sangue, e são claras nele as marcas de uma mão, como se a pessoa ferida estivesse sendo puxada pelos pés. O marido é sempre o principal suspeito, e as coisas estão feias para Nick; tudo demonstra que sua mulher, Amy (Rosamund Pike), não sumiu de casa por sua própria vontade. Pela quantidade de sangue na cozinha, possivelmente está morta. Não há nem pista de um corpo, porém. E, na ausência deste, a detetive Rhonda (a ótima Kim Dickens) tem de tratar o caso como um desaparecimento, não um homicídio. Mas um desaparecimento com sinais de violência no quinto aniversário de casamento da vítima, comunicado por um marido que jura inocência mas parece indiferente? Os policiais da cidadezinha do Missouri para onde Nick e Amy se mudaram ao perder seus empregos glamourosos em Nova York podem não ser muito experientes, mas ingênuos também não são. E assim, em Garota Exemplar (Gone Girl, Estados Unidos, 2014), que estreia nesta quinta-feira no país, começa o calvário de Nick Dunne, um sujeito simpático mas acomodado, sincero mas não totalmente honesto, que deu a sorte — ou o azar — de se casar com uma mulher que é a perfeição personificada. Adaptado pela autora Gillian Flynn de seu best-seller homônimo e dirigido por David Fincher, o filme, entretanto, é uma criatura que tem ela própria muito em comum com seus protagonistas: como estes, Garota Exemplar pratica um jogo de aparências no qual o que ele parece ser e o que ele de fato é nem sempre coincidem. É nos gestos cotidianos e casuais, não no circo que se arma em torno do sumiço de Amy, que se devem buscar as pistas substanciais sobre o desenovelar desse casamento — e é na encenação minuciosamente calculada, enganosamente simples e formidavelmente complexa de Fincher que se devem procurar suas intenções. Em entrevista a VEJA (leia nas páginas seguintes), Fincher, o cineasta hiperbólico de Seven e Clube da Luta que foi se tornando cada vez mais contido e minimalista com Zodíaco, A Rede Social, Millennium e a série House of Cards, diz que seu objetivo é ser "invisível". Se visto por quem não leu o livro e está portanto absorto nas guinadas que a trama contém, Garota Exemplar talvez crie mesmo essa impressão, a de que seu diretor é uma entidade capaz de se abstrair de sua própria criação. Visto por quem conhece a história e dispõe assim de um pequeno superavit de atenção para dedicar à maneira como ela está sendo transposta para a tela, o filme oferece outra perspectiva: não é porque um deus não queira se revelar que ele é senhor menos absoluto de seu universo. Como em Zodíaco e A Rede Social, talvez os trabalhos mais brilhantes da sólida carreira de Fincher, em Garota Exemplar não há um único elemento, por ínfimo que seja, que tenha sido deixado ao acaso: a direção de que vem o som em um ambiente, uma nuance passageira na performance de um ator, o caimento da roupa de uma personagem — tudo se une e se multiplica para criar textura, sentido e significado de modos que o espectador não necessariamente registra de forma consciente, mas sem dúvida acrescenta ao cenário mental que está compondo. Aquilo que outros diretores explicam com diálogos, Fincher expressa com a quantidade assombrosa de escolhas que faz, das altamente evidentes, como a escalação de Ben Affleek para o papel de Nick, até as sutis (caso da exímia trilha sonora de Trent Reznor, do Nine Inch Nails, e Atticus Ross) e as imperceptíveis — como uma cena de interrogatório em que Nick é o único personagem que está totalmente exposto e não parcialmente encoberto pela mesa no centro da sala. "Algumas pessoas dizem que há infinitas maneiras de filmar uma cena. Eu acho que há no máximo duas. E uma delas é errada", postula Fincher. A seguir, ele explica o que significa, na sua visão, fazer cinema: É limitante para um cineasta ter de proteger o trabalho de outra pessoa — de um autor, no caso? Não. Esse é o desafio que faz o trabalho de filmar valer a pena: imaginar como aquele mundo de informação contido num livro como Garota Exemplar pode se materializar na tela de maneiras que não sejam chatas, expositivas ou artificiais. Cada escolha de roupa, de objeto de cena, de posicionamento de câmera tem de se somar e se engrenar para isso. As pessoas acham que você escolhe um ator, ele vive o personagem e você registra o resultado em filme, mas é o contrário: o diretor e o roteirista têm de dar ao personagem razões legítimas para ser quem é e agir como age, e aí o ator vai começar seu trabalho. Esta é a minha função: ajudar o autor a fazer alterações radicais para que o efeito que ele pretendia com o livro chegue intacto à tela. Mudar tudo para deixar tudo igual. Por que as paisagens urbanas são um componente tão central de seus filmes? Quando você vai contar uma história, tem à disposição um leque de elementos que podem ajudá-lo nessa tarefa. E eu escolho usar todos esses elementos, sempre. Na minha experiência, tudo aquilo que você descarta ou desconsidera depois volta para assombrá-lo: você não se valeu deste ou daquele recurso mas deveria ter se valido, porque seu filme ficou mais pobre ou menos lógico por causa disso. E não estou falando só de locação: do microfone que você usa a quanto de racionalização colocou no penteado de um personagem, não há elemento que não tenha impacto no resultado final. Esse é seu arsenal, os diferentes pincéis que estão à sua mão para pintar um quadro. Se uma peruca que não está 100% ou um ator que decidiu roubar a cena desviam a atenção da plateia, você errou. Por isso prefiro já entrar na mesa com a aposta máxima. Garota Exemplar tem desde nomes muitíssimo conhecidos, como Ben Affleek, até rostos com que a plateia tem pouca ou nenhuma familiaridade, como Kim Dickens, que faz a detetive Rhonda — e todos são peças cuidadosamente encaixadas na engrenagem que é o filme. Como se escolhem os atores certos? Quero que cada personagem seja memorável, mas quero também que cada ator sirva precisamente às necessidades da trama. Em Garota Exemplar, Amy, a esposa sumida, exigia que déssemos enorme atenção a Rosamund Pike, que a interpreta: a roupa, o cabelo, a maquiagem, a forma física com que ela aparece em cada cena — às vezes mais magra, às vezes mais rechonchuda —, tudo tinha de estar absolutamente perfeito, porque Amy é uma personagem muito construída. Autoconstruída, inclusive. Ora, é impossível despender essa mesma energia com cada um dos integrantes do elenco. Então os atores escalados para os outros papéis tinham de já chegar com a coloração correta, por assim dizer. O ator certo no papel certo pode poupar o diretor de um monte de trabalho fútil: você adora tal atriz mas vai ser a maior mão de obra transformá-la para que ela convença no papel de uma policial do interior? Então encontre outra atriz que já traga consigo a bagagem necessária, que soe naturalmente autêntica naquele papel. Ben Affleek, assim como Nick, sabe o que é ser alvo dos tabloides e ter a vida esmiuçada publicamente. Mais importante: Ben tem uma visão cheia de inteligência e humor a esse respeito. Era imprescindível que o ator que interpreta Nick não irradiasse indignação. Que fosse alguém que compreende que ser amado e odiado, ser vilipendiado e então celebrado, tudo isso é só uma maré, algo que vem e vai. Acho que a maioria das pessoas não percebe quão inteligente e articulado Ben é. E acho também que ele costuma esconder a sua agudeza porque não quer parecer arrogante ou intimidante e gosta de parecer afável e acessível. Nick é assim também: o sujeito que, no meio de uma coletiva sobre o desaparecimento de sua mulher, sorri numa foto porque alguém pediu que ele sorrisse, sem calcular a idiotice que isso representa. Ben tem esse charme e simpatia espontâneos que são cruciais para Nick: a plateia tem de torcer, a despeito de todas as evidências, para que ele não seja capaz de ter realmente assassinado Amy. Já Rosamund emana outra energia: a de uma filha única, festejada e apreciada todos os dias de sua vida. Como Amy. E, como Amy, Rosamund tem também essa opacidade intrigante: você pode ver dez filmes com ela e nunca adivinhar que tipo de pessoa ela é, o que vai pela cabeça dela ou sequer que idade ela tem, se 25 ou 40 anos. O senhor certa vez fez uma distinção entre movies e films — movies são para diversão, films almejam algo mais. Qual dos dois é Garota Exemplar? Eu não quis dizer que uma coisa é menos que a outra, apenas que certas experiências cinematográficas podem ser digeridas de uma sentada só, enquanto outras continuam se desdobrando na sua cabeça após o término da sessão. O que eu gostaria é que meus filmes funcionassem nesses dois níveis. Com O Quarto do Pânico, por exemplo, a plateia sabia de coisas que estavam ocultas dos personagens, e era a única em condições de "montar" a trama na sua plenitude; Seven só nos nove minutos finais se revelava como um filme de horror: em Clube da Luta, somente aos 108 minutos o espectador se dava conta de quem era o narrador da história, afinal. Enfim, meu propósito nunca foi fazer um filme que se completasse ali mesmo, dentro da sala de cinema. Se tenho êxito ou não, isso são outros quinhentos. O senhor é conhecido como um dos cineastas mais capacitados, em termos técnicos, na ativa hoje. Mas a execução de Garota Exemplar é discretíssima. É preciso disciplina para resistir a ostentar a própria proficiência? Garantir que a plateia esteja sendo atendida com o máximo de clareza do ponto de vista da narrativa, do desenvolvimento dos personagens e dos temas explorados é a minha função, e é também satisfação suficiente. Minha meta é tornar-me invisível, não aparecer mais do que a história. Quando cria um filho, você o faz — ou deveria fazê-lo — com vistas ao dia em que será desnecessário para ele. Contar uma história é a mesma coisa. É pura vaidade isso de pretender que as pessoas saiam do cinema falando dos movimentos de câmera ou da qualidade dos efeitos. Quero que elas falem da experiência que foi estar com aqueles personagens durante duas horas. 7#2 CINEMA – CAIXA DE SURPRESAS Apesar das cores sombrias, Os Boxtrolls, do estúdio que criou Coraline e ParaNorman, é uma fábula fofinha. Os habitantes da pequena cidade de Cheesebridge podem ser definidos por apenas dois traços: adoram queijo e respeitam chapéus. Aliás, uma coisa está ligada à outra: o chapéu branco, emblema de nobreza, dá a seus detentores o direito de participar do restrito clube no qual se degustam os melhores bries e camemberts. O insidioso Archibald Snatcher deseja muito ter seu lugar nessa confraria de esnobes. Sua chance de chegar lá: livrar Cheesebridge dos monstrengos que, vindos dos subterrâneos, vagam pelas ruas à noite, quando o toque de recolher isola os habitantes em casa. Archibald consegue convencer a cidade de que esses seres são pragas terríveis. Sequestram crianças e — ainda mais grave — roubam queijo! Mas muito cedo em Os Boxtrolls (Estados Unidos, 2014), que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, o espectador descobre que as criaturas que dão título à animação do estúdio Laika são feiosas, desajeitadas, mas inofensivas — mais que isso, genuinamente bondosas. Os criadores do Laika conjugam o stop motion, técnica artesanal de produzir animação movendo bonecos, e tecnologia de ponta como a impressão 3D, com a qual os personagens são construídos. Os dois filmes anteriores do estúdio — Coraline, baseado em livro do escritor neogótico Neil Gaiman, e ParaNorman — eram contos sombrios, povoados por monstros e assombrações. Na comparação com os mortos-vivos de ParaNorman, os boxtrolls são até fofinhos. Meio sujos, pois vivem nas tubulações de esgoto, e com um bizarro gosto por insetos (não é verdade, portanto, que sejam ladrões de queijo), são basicamente trolls — os tradicionais monstros do folclore esandinavo — de baixa estatura. Por timidez, andam por aí dentro de caixas (box, em inglês), nas quais tentam se esconder quando perseguidos por Archibald e seus capangas. Os humanos, com seus dentes irregulares e suas caras meio parvas, são em geral mais assustadores do que os monstros. E bem menos generosos. O elo entre os boxtrolls e as pessoas será um garoto que foi criado, desde bebê, pelos monstrinhos — e que, aliás, pensa ser ele mesmo um troll (seu nome é Ovo, porque lhe coube uma caixa de ovos e todo troll empresta seu nome da caixa com que se veste). Aliado à esperta filha do prefeito, Ovo tentará mostrar aos cidadãos de Cheesebridge que o verdadeiro vilão é Archibald. O encanto particular desse esquema é o mesmo do clássico A Roupa Nova do Imperador: somente as crianças conseguem ultrapassar aparências e convenções para então denunciar a hipocrisia dos adultos. JERÔNIMO TEIXEIRA 7#3 LIVROS – O PAÍS DESCONHECIDO Dois lançamentos investigam a história do ocultismo e de seu esforço para garantir a permanência da personalidade humana — para além da morte. JERÔNIMO TEIXEIRA Charles Darwin foi a uma sessão espírita na casa de seu irmão Erasmus, em 1874. Achou a experiência "calorenta e cansativa" — e, sobretudo, considerou o que vira ali uma "impostura". Mas Alfred Russell Wallace, o naturalista que chegou à teoria da evolução quase ao mesmo tempo que Darwin, foi um amigo dos médiuns. Estava convencido de que o espírito humano não era mero resultado da seleção natural e acreditava que as manifestações desse espírito em mesas voadoras e fotografias de "ectoplasmas" não eram só matéria de crença pessoal: seriam passíveis de investigação científica. Não foi o único a pensar assim. Fundador da Sociedade de Pesquisa Psíquica, F.W.H. Myers, que estivera na mesma sessão espírita que Darwin, foi um entusiasmado investigador das "mesas volantes" — grande moda no século XIX — e das mensagens psicografadas (aliás, depois de sua morte, em 1901, vários médiuns de seu círculo passaram a "receber" mensagens assinadas por Myers). Na França, Allan Kardec, criador de uma doutrina até hoje muito popular no Brasil, também tinha a pretensão de ver os fenomenos espirituais, com objetividade científica. Exatamente quando se imaginaria que o materialismo roubara o chão das concepções religiosas do mundo — e o darwinismo foi o mais drástico movimento tectônico desse abalo —, houve uma grande voga espiritualista no século XIX. Esse é o tema de duas obras muito distintas mas igualmente instigantes que acabam de chegar às livrarias brasileiras: A Busca pela Imortalidade (tradução de José Gradei; Record; 252 páginas; 45 reais), do pensador inglês John Gray, e Do Outro Lado, da historiadora brasileira Mary Del Priore (Planeta; 192 páginas; 31,90 reais). Autora de biografias como Condessa de Barral — A Paixão do Imperador, Mary Del Priore mapeia, no novo livro, o papel do sobrenatural no Brasil Império e no raiar da República. Do Outro Lado reconstitui o caldo de cultura internacional que vai nutrir o movimento espírita brasileiro — em particular, detém-se na trajetória de Allan Kardec. Mas o centro da história é o ocultismo no Brasil, em suas várias manifestações: kardecismo, curandeirismo, cartomancia, assombrações. Há casos saborosos de aparições e fantasmas recortados de jornais de época, que a historiadora reproduz tal e qual eram então relatados, sem nota de dúvida (o leitor cético talvez considere a narrativa um tanto crédula). Mary documenta o forte vínculo de pioneiros do espiritismo brasileiro, como o médico Bezerra de Menezes e o jornalista Silva Neto, com a causa abolicionista e a República. Ironicamente, o primeiro código penal republicano faria do espiritismo um crime. A autora observa que o positivismo dos militares que derrubaram o imperador dom Pedro II tinha raízes na mesma "ditadura da ciência" que embalou as investigações de Allan Kardec. Pouco importava: o progresso perseguido pelos primeiros republicanos não abria espaço para o além. Ex-professor da London School of Economics, John Gray aprofunda-se em um paradoxo similar ao estudar certo círculo de figurões da política e da intelectualidade inglesas que, entre o século XIX e o início do XX, se devotou à psicografia e à mediunidade. Além de Myers e Russell Wallace, fizeram parte do grupo o político Arthur Balfour e o filósofo Henry Sidgwick, entre outros. Chocados com as implicações extremas da teoria da evolução — um universo sem sentido, no qual a inteligência humana é um acidente biológico —, eles buscavam na mesma ciência que desencantara o mundo a confirmação de um propósito superior e da permanência da alma. Da Inglaterra, Gray salta para a Rússia revolucionária. Lá, descobre uma esquisita vertente ocultista que insuflou o esforço dos bolcheviques para preservar o cadáver de seu primeiro grande líder, Lenin. A ironia nesse ponto é trágica: o regime que ambicionava a imortalização do novo homem socialista promoveu o extermínio de milhões de seus cidadãos. Em um epílogo breve, Gray analisa esforços mais recentes de garantir a imortalidade humana não mais pela via do ocultismo, mas com recurso à tecnologia. A criogenia e, mais recentemente, a ''singularidade" — o ponto em que a inteligência humana e a artificial se encontrarão e fundirão — profetizada pelo americano Ray Kurzweil são descritas por Gray como "religiões seculares da salvação". O ponto central do pensamento de John Gray é a crítica à ideia moderna de progresso, que ele denuncia como uma ilusão. Ainda que os gurus de novas eras supertecnológicas anunciem o contrário, Gray aposta que a morte será sempre um limite definitivo a essa e a todas ilusões humanas. O príncipe Hamlet, em um dos mais conhecidos monólogos escritos por Shakespeare, já acertava na mosca: a morte é o "país não descoberto'" — do qual ninguém volta. ENCARNAÇÕES DA IMORTALIDADE Algumas tentativas humanas de garantir a continuidade da vida — das sessões espíritas no século XIX à tecnologia do século XXI. Nos Estados Unidos, em meados do século XIX, as irmãs Fox diziam conversar, através de batidas na parede, com um espírito que habitava a casa onde viviam. Foi o primeiro grande episódio de uma onda de interesse pela mediunidade e pela comunicação com o além, que tomou conta de Estados Unidos e Europa. O educador francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), celebrizado com o pseudônimo Allan Kardec, estudou fenômenos como as "mesas volantes" - que seriam erguidas por espíritos em sessões mediúnicas - e a partir daí codificou uma nova doutrina, o espiritismo, que conquistaria muitos seguidores no Brasil. Na Inglaterra, uma parte considerável das elites vitorianas caiu sob o fascínio da comunicação com os mortos. Havia então certa obsessão "científica" de provar a existência da vida além-túmulo, por meio de comunicações psicografadas. Entre os figurões que participaram desses experimentos estava o político Arthur Balfour (1848-1930), que foi primeiro-ministro entre 1902 e 1905. Apesar de professar o "materialismo" marxista, o regime comunista na União Soviética tinha elementos de ocultismo. Um grupo de eminentes bolcheviques participou de um movimento esotérico chamado "Construtores de Deus", que substituía a religião tradicional pela idolatria ao novo homem socialista - dotado de ambições de imortalidade. A preservação do cadáver de Vladimir Lenin foi em parte inspirada por essas estranhas ideias. Seria possível chegar à imortalidade não pelo caminho da espiritualidade, mas pela ciência? Alguns gurus da tecnologia dizem que sim. Peter Thiel, financista do Vale do Silício, investe em empresas de biotecnologia dedicadas a pesquisas de reversão do envelhecimento. E o pensador americano Ray Kurzweil diz que, por volta de 2045, a nanotecnologia poderá dar novo corpo às pessoas. 7#4 MÚSICA – MATUSALÉM DO POP O canadense Leonard Cohen divide com Bob Dylan o título de melhor letrista do cancioneiro pop. Como prova seu novo CD, ele chega aos 80 anos melhor do que nunca. MARCELO MARTHE Em um café de Paris, lá pelo início dos anos 80, o canadense Leonard Cohen se reunia com o colega Bob Dylan para trocar ideias sobre letras de música. Numa dessas ocasiões, Dylan revelou que tinha levado só quinze minutos para compor uma nova e inspiradíssima canção, I and I. Cohen lhe mostrou a então recém-concluída Hallelujah, fadada a se tornar um sucesso. Dylan quis saber quanto tempo ele consumira para fazê-la. "Alguns anos", disse um embaraçado Cohen. Na verdade, foram cinco longos anos — e mais de oitenta blocos de anotações — até Hallelujah sair do forno. Ainda assim, o cantor permanecia indeciso sobre seus versos finais: coube a Dylan desempatar a questão. Decidir qual dos dois artistas merece o epíteto de maior poeta do pop é tarefa dura. Como consolo, resta a certeza de que ninguém ombreia com eles nessa matéria. Dylan e Cohen despontaram nos anos 60 e definiram boa parte da cultura musical depois deles. Mas, como prova a conversa no café parisiense, cada qual a seu estilo: se Dylan criou fama pelos rasgos de criatividade, Cohen consagrou-se como um escultor que burila seus versos com excruciante obsessão (veja o quadro). Para fãs acostumados aos seus intermináveis períodos sabáticos, a velhice do cantor trouxe uma bela surpresa: em vez de diminuir, ele acelerou o passo. Aos 80 anos, completados no último dia 21, acaba de lançar Popular Problems (Sony Music), seu 13º disco de estúdio, e o segundo em apenas dois anos. Em entrevista recente à revista americana Rolling Stone, o artista de voz grave e baladas carregadas de melancolia esclareceu, com humor negro típico, que não quer parar por aí: "Preciso terminar algumas canções antes de morrer. Há uma linda melodia, em particular, que vem me tirando do sério faz quinze anos". Que ele demore mais quinze para concluir a música em questão se, nesse meio-tempo, der à luz mais discos como Popular Problems. O passar dos anos exerce um efeito extraordinário sobre Cohen. Seu vozeirão de barítono ganha nuances mais profundas e aveludadas, e a idade acentua a lucidez desiludida com a qual o letrista fala do amor, do sexo, da morte — ainda que amplie também a ironia cínica com que ele mira suas aflições. Na faixa Slow, o octogenário Cohen acha graça de suas novas limitações sexuais — logo ele, um conquistador que, com seus ternos elegantes e papo sedutor, desencaminhou beldades mais jovens como a atriz Rebecca De Mornay. Em Nevermind, ele reafirma a condição de poeta enigmático. "Há a verdade que vive / Há a verdade que morre / Só não é possível distinguir qual é qual / Mas não se preocupe", entoa. Se há uma marca na carreira de Cohen, é não se preocupar com nada: a falta de pressa e o acaso determinaram suas mil reinvenções. Poeta e escritor que chegou a ser visto como um "James Joyce canadense", ele só se lançou como cantor depois de trintão. Nos anos 80, ganhou uma segunda vida musical: discos como I'm Your Man transformaram-no em figura cultuada pelas novas gerações. Mas, no auge do processo de santificação, o judeu praticante Cohen se internou em um mosteiro budista em busca da cura para a depressão e o alcoolismo. Saiu de lá livre desses males, só para mergulhar em outro pesadelo: enquanto levava sua vida de monge, a agente e ex-namorada surrupiou entre 10 e 13 milhões de dólares destinados à sua aposentadoria. Foi em razão da falcatrua que Cohen arregaçou as mangas para gravar novos discos e sair em turnê. Alguns fãs vêem a ex-agente traidora como uma espécie de Judas que, com seu beijo agourento, desencadeou a redenção do Messias. Faz sentido. O poeta ressuscitou, aleluia. FORÇA DA GRAVIDADE Seis canções que definem a essência do cantor canadense Leonard Cohen HALLELUJAH Lançada em 1984 e resgatada para o sucesso mundial ao virar tema da animação Shrek, em 2001, é uma das canções mais ensolaradas de Cohen - ainda que fale de desalento religioso e coração partido. WAITING FOR THE MIRACLE Nessa pérola de The Future, álbum de 1992 que aborda com ironia o fim dos tempos, Cohen discorre sobre seus desejos não concretizados. Ao mesmo tempo, às portas da velhice, vislumbra com incredulidade o romance com uma mulher bem mais jovem, a atriz Rebecca De Mornay - a quem pede em casamento na letra. EVERYBODY KNOWS É sua canção mais cultuada - e também aquela que define de forma cabal as virtudes de Cohen. Enigmático e transbordando humor negro, o cantor trata da era de incerteza trazida pela aids nas questões do amor e do sexo. TAKE THIS WALTZ A valsa pop é uma adaptação livre para o inglês de um poema do poeta espanhol Federíco Garcia Lorca (1898-1936), cuja obra foi uma influência decisiva sobre o adolescente Cohen - e atesta como poesia e música se casam com notável perfeição na sua voz soturna. SHOW ME THE PLACE A balada do disco Old Ideas, de 2012, é uma lição de como sobreviver à ruína financeira sem perder a classe. Em meio a versos românticos, o cantor alude ao golpe milionário que sofreu de sua agente e ex-namorada enquanto vivia isolado em um mosteiro budista. SLOW Na faixa de seu novo álbum, Popular Problems, Cohen dá a entender, com humor, que já não corresponde ao que as belas mulheres esperam na cama. Mas seu elogio à lentidão tem alcance filosófico: na ótica do octogenário, a vida é para ser sorvida o mais vagarosamente possível. 7#5 VEJA RECOMENDA CINEMA SIN CITY — A DAMA FATAL (SIN CITY: A DAME TO KILL FOR, ESTADOS UNIDOS, 2014. JÁ EM CARTAZ NO PAÍS) • A estonteante Nancy (Jessica Alba) ainda é a maior atração do inferninho onde dança, mas sua tristeza pela morte de seu protetor (Bruce Willis) tirou dela a alma: ela só pensa em matar o culpado, o senador Roark (Powers Boothe), que agora está planejando um destino bárbaro para Johnny (Joseph Gordon-Levitt), porque este ousou ganhar dele no pôquer. O detetive Dwight (Josh Brolin, no lugar de Clive Owen), sempre metido com a escória, vai sucumbir a uma fraqueza: a paixão por Ava (Eva Green), que o largou mas ressurge pedindo ajuda para escapar do marido violento. E Marv (Mickey Rourke), o mais cínico e mais puro dos tipos que povoam a criação do quadrinista Frank Miller, continua fazendo o que sempre fez: justiça — ainda que muito ambígua. Nove anos depois de lançar o experimento radical que era Sin City, Miller e o diretor Robert Rodriguez conseguiram fazer sua continuação se materializar. O clima é de noir retinto; o visual é esplêndido. E dois dos novos acréscimos ao elenco são notáveis: Gordon-Levitt está cativante como sempre no papel do jovem que se crê invencível, e Eva Green está ainda mais va-va-voom que de costume — se isso é possível. MISS VIOLENCE (GRÉCIA, 2013. JÁ EM CARTAZ NO PAÍS) • São concretas as possibilidades de haver algo de muito errado numa família quando uma menina se suicida enquanto os parentes cortam o bolo na festinha de seu aniversário de 11 anos. Mas é compreensível também que, na esteira de uma tragédia como essa, a dinâmica da família pareça forçada, falsa. Quais são então os elementos desse estranho grupo que decorrem da morte de Angeliki, e quais os elementos que podem tê-la provocado? Para os que têm nervos de aço, o filme do cineasta grego Alexandros Avranas é indispensável. Espere ir sentindo o estômago embrulhar sem nem saber bem por que enquanto o patriarca interpretado pelo formidável Themis Panou conduz o dia a dia de sua filha Eleni (Eleni Roussinou) e dos filhos desta sob vigilância e controle torturantes, com a cumplicidade silenciosa mas não menos tirânica de sua mulher. TELEVISÃO GOTHAM (ESTREIA NESTA SEGUNDA-FEIRA, ÀS 22H30, NO WARNER CHANNEL) • Na sombria e opressiva Gotham City, um garoto vê seus pais serem brutalmente assassinados na rua. Embora se trate da célebre metrópole onde Batman combate o mal, o herói não surgirá em seu socorro: o órfão vem a ser o próprio homem-morcego, retratado aqui aos 8 anos. A premissa desta série é engenhosa. Sob uma atmosfera de corrupção e violência que faz jus às melhores encarnações do personagem nos quadrinhos, a receita ganha um componente perturbador: não há um super-herói para proteger os homens dos homens. Quem ocupa o lugar deles é o muito humano — e falível — comissário Gordon. Vivido com respeitável dose de testosterona pelo texano Ben McKenzie (de Southland), o policial logo se percebe cercado de velhas raposas e arrivistas criminais que um dia serão vilões graúdos, como o tresloucado Pinguim (Robin Lord Taylor). LIVRO PIAF, DE MÔME A ÉDITH, DE JEAN-PAUL MAZILLIER, ANTHONY BERROT E GUILES DURIEUX (TRADUÇÃO DE MARCELO HARUKI MORI; SELO MARTINS; 236 PÁGINAS; 89,90 REAIS) • Pequena, frágil e feiosa mas dona de voz espetacular e senso dramático exacerbado, Édith Piaf foi a maior estrela da canção francesa do século XX. Sua vida passional e trágica rendeu vários livros, um espetáculo de teatro e um filme que deu o Oscar à atriz Marion Cotillard. Esta biografia feita por três admiradores que vasculharam os arquivos pessoais da artista, de sua família e de amigos apresenta imagens e documentos — páginas de diários, cartas, esboços de letras — inéditos. O material acompanha Édith desde a infância miserável, passando pelos dias da Môme (pardal) que cantava nos cabarés mal-afamados de Paris, até o sucesso internacional. Há curiosidades como o retrato do pai, palhaço de circo, o noticiário de quando ela foi acusada de matar seu mentor, Louis Leplée, e um momento romântico com o jovem Yves Montand, nos anos 40. Apesar da exaltação nostálgica, os autores evitam o chororô em torno da morte prematura da cantora — aos 47 anos, em 1963. OS MAIS VENDIDOS VEJA Líder na lista de ficção desta semana, Se Eu Ficar (tradução de Amanda Moura; Novo Conceito; 224 páginas; 29,90 reais) parece saído de um intensivão de redação com o americano Nicholas Sparks. O primeiro dos aspectos em que o romance da americana Gayle Forman faz lembrar os livros do rei do água com açúcar é sua heroína: Mia tem 17 anos, é violoncelista e, acima de tudo, batalhadora — quer porque quer entrar na prestigiadíssima escola de artes Juilliard. Ou seja, é um modelo de perfeição, e de fofura. Também sua família é irresistível: embora adorem rock, os pais de Mia dão a ela apoio incondicional em sua busca pelo virtuosismo na música erudita. O namorado? Uma coisa de sonho: Adam é a sensação na escola por ser bonito, mais velho e, OMG!, vocalista de uma banda punk-rock. Mas, como reza a cartilha de Sparks e congêneres, esse mundo cor-de-rosa logo se tornará cinza-chumbo: numa estrada do Oregon, enquanto a família escuta a Sonata para Violoncelo Nº 3 de Beethoven, o carro derrapa. Os pais e o irmão mais novo morrem, e Mia entra em coma. Lutar para viver, ou desistir? A dúvida da comatosa Mia tem feito adolescentes chorar copiosamente nos cinemas que exibem o filme baseado no romance de Gayle. Trata-se de uma fórmula, sem sombra de dúvida. Mas a reação químico-física que ela provoca em seu público parece continuar infalível. BRUNO MEIER 7#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- Se Eu Ficar. Gayle Forman. Novo Conceito 2- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA 3- Eternidade por um Fio. Ken Follet. ARQUEIRO 4- Cinquenta Tons de Cinza. E.L. James. INTRÍNSECA 5- A Guerra dos Tronos. George R.R. Martin. LEYA BRASIL 6- Cinquenta Tons de Liberdade. E.L. James. INTRÍNSECA 7- Cinquenta Tons de Mais Escuros. E.L. James. INTRÍNSECA 8- A Dança dos Dragões. George R.R. Martin. LEYA BRASIL 9- O Festim dos Corvos. George R.R. Martin. LEYA BRASIL 10- A Tormenta de Espadas. George R.R. Martin. LEYA BRASIL NÃO FICÇÃO 1- Getúlio 1945-1954. Lira Neto. COMPANHIA DAS LETRAS 2- Mentes Consumistas. Ana Beatriz Barbosa Silva. PRINCIPIUM 3- Guga — Um Brasileiro. Gustavo Kuerken. SEXTANTE 4- O Livro da Psicologia. Nigel Benson. GLOBO 5- Sonho Grande. Cristiane Corrêa. PRIMEIRA PESSOA 6- 1889. Laurentino Gomes. GLOBO 7- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 8- Aparecida. Rodrigo Alvarez. GLOBO 9- Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo. Leandro Narloch. LEYA BRASIL 10- O Livro dos Negócios. Vários autores. GLOBO AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 3- De Volta ao Mosteiro. James Hunter. SEXTANTE 4- As Regras de Ouro dos Casais Saudáveis. Augusto Cury. ACADEMIA DE INTELIGÊNCIA 5- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 6- Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros. Augusto Cury. SARAIVA 7- Casamento Blindado. Renato e Cristiane Cardoso. THOMAS NELSON BRASIL 8- Pó de Lua. Clarice Freire. INTRÍNSECA 9- Foco. Daniel Goteman. OBJETIVA 10- Eu Não Consigo Emagrecer. Pierre Dukan. BEST SELLER 7#7 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – O VÍCIO DE SEMPRE No balanço da campanha eleitoral, versão primeiro turno, ressalta o vício habitual: a esmagadora predominância da propaganda sobre a informação. Algumas sugestões para contra-atacar a tendência: 1- Obrigar que parte da propaganda na TV seja ao vivo. O público teria diante de si algo mais próximo da vida real, seja na pessoa do próprio candidato, seja na de seus correligionários, para contrabalançar a fantasia mistificadora dos filmes produzidos pelos marqueteiros. A proposta não é nova. Recentemente foi defendida em artigo na Folha de S.Paulo pelo jurista Ives Gandra Martins (edição de 2/9/2014). Ives Gandra propõe que todo o horário seja ao vivo. Este colunista se contentaria com, digamos, a metade. À vantagem de maior acesso ao candidato em carne e osso, acrescenta-se a do barateamento das escandalosamente caras campanhas brasileiras. 2- Redistribuir o tempo entre os candidatos. "Não há justificativa para que o tempo dos três principais candidatos à Presidência da República nesta eleição seja tão diferente", escreveu o cientista político Jairo Nicolau, também na Folha de S.Paulo (13/9/2014). Num quadro em que despontam em acirrada disputa duas candidatas, uma tem tempo cinco vezes e meia maior do que a outra. Jairo Nicolau avança proposta que imporia um teto de oito minutos ao tempo do partido ou coligação com mais votos na eleição anterior. Outras faixas de tempo seriam de cinco minutos, dois minutos e um minuto. Além de evitar o exagerado acúmulo de tempo por um ou alguns dos candidatos, a medida estabeleceria um limite às estapafúrdias e suspeitas barganhas por tempo na TV entre os partidos antes de cada campanha. No mesmo artigo, Nicolau observa que, entre 35 países por ele pesquisados, o Brasil é o que mais concede acesso dos candidatos ao rádio e à televisão — duas horas e dez minutos por dia. 3- Enxugar os debates na TV. A sucessão deles, por diferentes emissoras, tem como resultado banalizá-los. Debates deveriam ser — e são, em outras paragens — o grande e mais aguardado momento da campanha. Nos Estados Unidos, não é das emissoras a iniciativa dos debates presidenciais na TV. É de uma entidade independente, a Comission on Presidential Debates; transmite-os quem quiser. Foge-se assim da lógica da concorrência entre as emissoras. Restringi-los a um debate no início e outro no fim da campanha, ou mesmo a um apenas, no fim, ajudaria a restituir-lhes a preeminência. 4- Aos nanicos, segundo sua naniquice. A presença de candidatos com baixa ou nenhuma representatividade, e pífio desempenho nas pesquisas, é outro motivo de desprestígio dos debates do primeiro turno. A legislação em vigor, de 1997, estabelece que têm direito a participar dos debates os candidatos de partidos com representação na Câmara dos Deputados. Já foi pior: antes tinham o mesmo direito todos os candidatos, independentemente da representação na Câmara. Ainda assim os nanicos congestionam e atrapalham. Uma saída seria os promotores dos debates dividirem os candidatos em grupos, que se reuniriam em dias ou horários diferentes. Nada obsta que assim seja, segundo esclarecimento recente do Tribunal Superior Eleitoral. No panorama atual, divididos os candidatos entre os três primeiros nas pesquisas, para um debate, e os demais para outro, o mico de ter de bancar um debate só entre nanicos seria compensado pelo maior interesse em torno do debate que realmente importa. 5- Afinar as entrevistas. Candidatos à Presidência são pessoas hipertreinadas na arte da embromação. Para enfrentá-los, duas regras de ouro são: (1) não se alongar em premissas, antes das perguntas; e (2) não formular mais de uma pergunta de uma só vez. Premissas e mais de uma pergunta fazem as delícias dos embromadores; dão-lhes a chance de ou se agarrar às premissas ou escolher a pergunta mais fácil e caprichar nela até sufocar a outra, ou as outras. Brasileiros, cordiais como são, acham que fazer perguntas diretas e cortantes é falta de educação. Idem contestar as respostas do entrevistado. Procedem segundo tal modelo, com raras exceções (como William Bonner e Miriam Leitão, da Rede Globo), os entrevistadores brasileiros. Caso nem as perguntas cortantes nem as contestações resolvam, o remédio seria apelar para a buzina do Chacrinha. Um toque significaria "está embromando"; dois, "continua a embromação"; três, "acabou o tempo e não respondeu".