0# CAPA 31.12.14 VEJA www.veja.com Editora ABRIL Edição 2406 – ano 47 – nº 53 31 de dezembro de 2014 [descrição da imagem: desenho de uma pequeno macaco (mico), vestido com uma calça listrada de branco e vermelho, colete vermelho e pequeno chapéu. Com braço esquerdo para cima, segurando na letra E da palavra veja (título da revista). Olha fixo para frente, sorrindo] 2014 O ANO EM QUE PAGAMOS O MICO 7 x 1 Petrolão Crise da água PIB zero Mentiras na campanha eleitoral... [parte superior da capa] ESPECIAL RETROSPECTIVA 120 PÁGINAS ______________________________ 1# BRASIL 2# RETROSPECTIVA 2014 3# PERSPECTIVA 2015 _________________________________ 1# BRASIL 31.12.14 1#1 VEJA.COM 1#2 AOS NOSSOS LEITORES 1#3 J.R. GUZZO – O FIM DA HISTÓRIA 1#4 MAÍLSON DA NÓBREGA – O DESGASTE DE ESTAR NO GOVERNO 1#5 ARTIGO – LUIZ FELIPE d’AVILA – DO PETROLÃO À BOA GESTÃO SEM DEMAGOGIA 1#6 GUSTAVO IOSCHPE – APRENDI QUE 1#7 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – NA AURORA DA REPÚBLICA 1#8 LEITOR 1#9 A SEMANA – DELIVERY INTERNACIONAL 1#19 A SEMANA – TIME DE ARREPIAR 1#20 A SEMANA – RACHA NO CLUBE DO BILHÃO 1#21 A SEMANA - INTERNACIONAL – CRISE EM GOTHAM 1#22 A SEMANA – INTERNACIONAL – O PODER DA ATRAÇÃO FATAL 1#23 A SEMANA – ENERGIA – LUZ NA BANDEIRA DOIS 1#24 A SEMANA - ESPORTE – TEMPESTADE PERFEITA 1#25 A SEMANA – MEMÓRIA – A FÊNIX ROUCA 1#26 LEGISLATIVO – OS MELHORES DO PARLAMENTO 1#1 VEJA.COM FEIRA DE FÃS Inspirados em feiras americanas como a Comic Con, que teve início em 1970 e se tornou o epicentro da cultura pop mundial, brasileiros abrem empresas para trazer ao país grandes nomes dos quadrinhos, TV e cinema e lucrar com a paixão dos fãs. Em dezembro, a Comic Con Experience, o mais bem-sucedido evento do gênero já feito no Brasil, cobrou de 249 a 4999 reais a entrada e atraiu 80.000 visitantes com astros como Jason Momoa, da série épica Game of Thrones, e Richard Armitage, da franquia O Hobbit. Reportagem do site de VEJA mostra que em 2015 devem vir ao Brasil ainda mais estrelas, fazendo crescer por aqui um mercado que nos Estados Unidos já movimenta 600 milhões de dólares por ano só com venda de ingressos. LITERATURA E BOA MESA EM TVEJA Dois programas estrearam na grade de TVeja em dezembro: Clube do Livro, dedicado à literatura, e fions de Garfo, sobre gastronomia. No "clube" mais recente, os jornalistas de VEJA Carlos Graieb e Jerônimo Teixeira e a colunista Paula Pimenta conversam sobre o best-seller John Green e o filão dos livros que fazem chorar. Os "bons de garfo" Arnaldo Lorençato e Helena Galante, de VEJA SÃO PAULO, e Joice Hasselmann, de TVeja, discutem nos dois programas de estreia as mesas de Natal e Ano-Novo. 2014, NA VISÃO DO LEITOR VEJA.com revela neste sábado o resultado das enquetes de Personalidade e Fato do Ano. Em parceria com o Twitter, o site de VEJA selecionou dezesseis pessoas e dezesseis acontecimentos que marcaram 2014 e perguntou ao leitor: qual episódio e qual rosto marcaram 2014? Até terça-feira, já haviam sido computados mais de 210.000 votos. Reportagem examina o resultado da enquete e analisa desdobramentos do fato do ano e como os feitos da personalidade do ano podem repercutir no futuro. 1#2 AOS NOSSOS LEITORES [descrição da imagem: foto de um bebê, sentado, sorrindo, com chapéu em cone dourado, e faixa no peito com o número 2015] Realização para ele não é nunca cair, mas sempre se levantar com um sorriso. QUE 2015 SEJA PARA TODOS UM NOVO COMEÇO! 1#3 J.R. GUZZO – O FIM DA HISTÓRIA É possível que 2014 acabe entrando para a memória política brasileira como o ano em que o Partido dos Trabalhadores morreu. Morreu por suicídio involuntário ou, então, por ter inoculado em si mesmo uma doença prolongada, progressiva e incurável chamada corrupção — enfermidade que degenerou suas células e o transformou em algo que não tem mais nada a ver com aquilo que sonhava ser quando nasceu. O PT continua vivo, aliás, vivíssimo, como máquina de ocupação do Estado. Mas não é mais, como pretendeu ser um dia, o partido dos brasileiros que vivem do seu trabalho; ou, menos ainda, um movimento que chegou a se imaginar como alternativa para o capitalismo no Brasil. Hoje, tragicamente, o PT da vida real é apenas o partido das empreiteiras de obras públicas, dos vendedores de bens e serviços para o Estado e de todos os que têm como ramo de negócio o assédio permanente ao Erário. É coisa que vem de longe — desde que o PT começou a tomar gosto pelo desfrute do governo. Agora, neste fim de 2014, está reduzido a um empreendimento comercial. É o que comprovam os fatos indiscutíveis revelados na presente investigação judicial sobre a corrupçà£o na Petrobras — a roubalheira sem limites, sem controle e sem paralelo na História do Brasil que ganhou o título de petrolão e passou a ser a marca mais notável dos 34 anos de existência do PT. Como um partido político pode sobreviver se perdeu a honra? Talvez pudesse haver alguma esperança se o ex-presidente Lula, a presidente Dilma Rousseff e a maioria das lideranças do PT decidissem romper com a estratégia de corrupção serial que hoje é a principal razão de ser do partido, e o centro vital de seu programa como organização política. Mas nenhum deles dá o menor sinal de querer alguma coisa parecida com isso. Ao contrário, o partido se mantém amarrado pelos quatro cantos com a corrupção — como prova, dia após dia, seu compromisso de defender a todo custo a conduta central da Petrobras e do seu alto-comando. Em vez de condenar os crimes cometidos ali durante os últimos doze anos, ou pelo menos tomar distância deles, o PT mergulhou de cabeça na cumplicidade com os ladrões. Chegou a ponto de conduzir no Congresso uma CPI que concluiu, em 900 páginas de relatório, que não havia nada de errado na Petrobras do petrolão; teve de voltar atrás, depois, ao perceber o tamanho da insensatez. A situação de Dilma, que desde 2003 à© a pessoa mais influente na empresa, não é melhor que a do partido. Para ter certeza disso, basta fazer uma pergunta bem simples: a presidente pode ir hoje à televisão, em cadeia nacional, e jurar que durante esse tempo todo nunca soube de nenhum problema sério nos negà³cios mais importantes da Petrobras? Não pode. Xeque-mate. Ao deixar-se contaminar pela corrupção, logo depois de ganhar suas primeiras eleições municipais, há cerca de trinta anos, o PT certamente não queria se matar. Na verdade, imaginava que roubar um pouco não faria mal a ninguém. (O ex-presidente Lula nà£o admitiu, pouco tempo atrás, que achava razoável assaltar um banco aqui ou acolá, pois banqueiro tem dinheiro de sobra? Eis aí o espírito da coisa.) Mas esses cálculos, na melhor das hipà³teses, eram puro autoengano. Como se sabe muito bem, não há vício que leve à virtude, e, no caso do PT, roubar um pouco sà³ levou a roubar mais — das prefeituras para cima, da propina paga pela companhia de ônibus do município às pilhas de dinheiro ofertadas pelas maiores construtoras do país, do mundinho da merenda escolar ao mundão dos negócios de cachorro grande. Ali se fala inglês. Vai-se do real aos milhões de dólares depositados em contas no exterior. Do outro lado do balcão estão multinacionais, fundos de pensão, a carteira do BNDES — e, como se vê no petrolão, o saco sem fundo da Petrobras. É onde estamos. Hoje, quando se fala em PT, é raro ouvir alguma coisa ligada ao mundo do trabalhador. Pelo que se ouve, o PT virou um partido obrigado a explicar o tempo todo coisas como sobrepreço, obra sem licitação, "aditivo contratual" e outras maravilhas parecidas. O PT de Lula, do governo Dilma e da "base aliada" no Congresso continua existindo, é claro, com toda a sua capacidade para fazer o mal — e até o bem, se quisesse. Continua sendo o maior partido polà­tico deste país. Continua nomeando gente que manda. Tem, pelos seus cálculos, quase 1,5 trilhão de reais para gastar no Orçamento de 2015. Mas virou outra coisa. Depois de andar durante três dà©cadas com a carteirinha de autoridade no bolso, principalmente nos àºltimos doze anos, o PT perdeu a fé. Não foi capaz de trazer para o debate nacional, durante esse tempo todo, uma única ideia que prestasse, ou que pudesse ser chamada de ideia. Não conseguiu formar nenhuma liderança real em toda a sua história, uma só que fosse — continua, exatamente como na sua fundação, em 1980, só tendo Lula e, abaixo dele, um abismo. Alguém poderia citar um nome remotamente parecido para desempenhar seu papel no partido? Na última campanha eleitoral, o PT teve cerca de 350 milhões de reais, mais que qualquer outro competidor, para reeleger a sua candidata à Presidência. Partido dos Trabalhadores? Está na cara que uma organização com mais de 350 milhões para torrar numa campanha nà£o pode ser o partido dos trabalhadores; pode ser qualquer coisa, menos isso. É incompreensível, da mesma forma, que esteja do lado da população brasileira, para valer, um grupo político que causou tanta destruição no patrimônio popular quanto o PT. Nunca antes, desde a fundação da Petrobras, em 1953, um governo foi capaz de provocar tantas perdas em seu valor, em seus cofres e em sua reputaà§ão. As ações da Petrobras, cotadas a mais de 50 reais em 2008, quando chegaram a seu preço mais alto, estão fechando este ano abaixo de 10; o valor da empresa, então acima de 730 bilhões, caiu hoje para 115. A tenebrosa Refinaria Abreu e Lima, em construção desde 2007, em Pernambuco, e a grande estrela das atuais investigações de corrupção, é um dos maiores desastres da história da indústria brasileira; orçada inicialmente em 2,5 bilhões de dólares, pode acabar custando até oito vezes mais, e continua sem data de entrega após sete anos em obras. Desde que o PT chegou ao governo, cerca de 800.000 contratos sem licitação foram assinados pela Petrobras. Tanto Lula como Dilma sabiam perfeitamente disso — mas hoje, depois que a casa caiu, dizem que jamais perceberam irregularidade alguma nos negócios da empresa. Esperavam o quê? Há muito mais a dizer, e a História certamente dirá — a esta altura, por sinal, não existe mais nenhuma possibilidade de que a calamidade geral da Petrobras deixe de ter um peso decisivo no julgamento final da passagem de Lula, Dilma e PT pelo governo do Brasil. A alegação de que a roubalheira se limitava ao quintal da arraia-miúda da companhia, longe dos excelsos olhos de Suas Excelências, tornou-se comprovadamente inverossímil diante dos fatos — à© uma "fabulação", como diria a presidente Dilma. Um único episódio, ocorrido cinco anos atrás, é suficiente para deixar isso mais do que claro. Em 2009 o Tribunal de Contas da União informou a existência de indícios sérios de corrupção nas obras da Refinaria Abreu e Lima, e o Congresso, com "base aliada" e tudo, aprovou uma resolução que suspendia o repasse de verbas para o projeto. Lula, muito simplesmente, vetou a decisão. Ela poderia pà´r em risco "25.000" empregos, explicou o então presidente — uma repetição ao pé da letra da desculpa mais velha, e mais eficaz, que as empreiteiras utilizam quando a coisa aperta para o lado delas. Dilma, que segundo o delator-mor do petrolão foi informada, sim, dos desatinos então cometidos na estatal, não pode, obviamente, ter ignorado esse veto — como vem dizer, agora, que o governo "apurou" todas as denúncias? O que a presidente e Lula fizeram foi exatamente o contrário — sabotaram as investigações, isso sim, enquanto acharam possível esconder a realidade. Dilma, para complicar as coisas, está diretamente envolvida na compra da refinaria americana de Pasadena pela Petrobras, talvez o mais inexplicável de todos os maus negócios já fechados em mais de meio século de existência da empresa. Sua amiga de confiança, braço-direito e alma gêmea Graça Foster, a atual presidente da companhia, mentiu expressamente ao declarar que ignorava denúncias de corrupção em negócios da empresa com pelo menos uma fornecedora estrangeira; tem a seu crédito, também, a ideia de lançar no balanço da Petrobras valores relativos a propinas pagas no processo geral de corrupção ora em apreciação pela Justiça. Como resultado direto de toda a ladroagem já denunciada, a maior empresa do Brasil está encerrando o ano com uma humilhação sem precedentes: não conseguiu fechar até agora o balanço de suas contas do terceiro trimestre de 2014, pois nenhuma firma de auditoria séria está disposta a examinar o documento. Quem teria coragem de acreditar em algum número apresentado pela Petrobras de Dilma & Graça? O jornalista Fernando Gabeira escreveu há pouco que o PT morreu quando Lula chegou à Presidência, em 2003; a partir dali, continuou morrendo. É precisamente isso. Suas lideranças desistiram de construir o futuro; ficaram 100% absorvidas em desfrutar as atrações do presente. Agora é só isso que têm — e isso sà³ dura enquanto o chefe durar. A história do PT acabou porque o partido não tem mais nenhum interesse em buscar um país diferente desse que está aí, pois descobriu no governo que gosta das coisas exatamente do jeito que elas estão. O partido não resistiu, lá atrás, à primeira mala de dinheiro que jogaram em uma de suas mesas; na verdade, sua resistência aos métodos políticos da "direita" revelou-se, para surpresa geral, de curtíssima duraçà£o. Agora não dá para voltar atrás — colocar "a pasta de volta no dentifrício", na imagem da presidente Dilma. Hoje o PT e sua máquina de propaganda estão reduzidos a ficar defendendo empreiteiras de obras — é isso, na prática, que significa seu combate contra as investigações do petrolão — e a organizar rotas de escape para as punições ora em gestação nas engrenagens da Justiça penal. Há um vale de lágrimas pela frente. A corrupção na Petrobras não é sà³ a malfadada Refinaria Abreu e Lima; estende-se às obras do Comperj, no Rio de Janeiro, ao consórcio de empresas montado para fornecer sondas e outros equipamentos pesados à empresa e sabe lá Deus o que mais. Pior ainda, a corrupção no governo não fica só na Petrobras; espalha-se por toda a vasta porção da máquina pública que o PT e a "base aliada" privatizaram em seu benefício. Não adianta grande coisa, aí, atolar-se ainda mais na cumplicidade com as gangues partidárias do Congresso em busca de "blindagem política", ou esperar que "a mídia canse" de falar do assunto. Os políticos podem dar apoio, mas não assinam sentenças. Os fatos podem sair do noticiário, mas não vão sair dos autos. Ninguém, em toda a história política do Brasil, foi tão longe na estrada do sucesso, nem tão rápido, como o PT. Quem poderia imaginar, na época da fundação, que uma entidade montada por chefes de sindicatos em comícios num estádio de futebol iria se tornar o maior partido político do Brasil? Como prever que esse partido criado no calor de greves operárias, sem nenhuma consulta à "esquerda" que até então se achava a única forà§a autorizada a falar pelos trabalhadores brasileiros, viria a ocupar quatro vezes seguidas a Presidência da República? O triunfo foi realmente imenso — mas não foi duradouro. O PT, enquanto crescia, foi perdendo a alma. Para ganhar cada vez mais, teve de ficar cada vez menos parecido com o que foi, ou quis ser. O resultado é que hoje, quando poderia estar vivendo a sua hora mais brilhante, chega, também ele, ao fim da História. 1#4 MAÍLSON DA NÓBREGA – O DESGASTE DE ESTAR NO GOVERNO Vitorioso em quatro eleições presidenciais seguidas, o PT vive o desgaste natural da longa permanência no poder. O êxito nas urnas vê-se ofuscado pelo fracasso na economia e pelos dois maiores escândalos de corrupção da história do país. Na eleição de 2002, Lula perdeu apenas em Alagoas. Na seguinte, foi derrotado no Sul. Agora, Dilma perdeu também no Centro-Oeste. A maioria de 2002, de 61,2% dos votos válidos, caiu para 60,8% em 2006, 56,1% em 2010 e 51,6% em 2014. Dilma recorreu a uma infame campanha eleitoral para ganhar por muito pouco. A ideia de que o PT representa a ética na política se esvai. A simpatia pelo partido, de 34% em agosto de 2002, caiu para 21% atualmente, segundo pesquisa do Ibope (O Estado de S. Paulo, 18/5/2014). Entre os jovens com até 24 anos, encolheu de 27% para 17%. Na faixa de renda acima de cinco salários mínimos, despencou nos últimos vinte anos de 41% para somente 11% agora. Para a diretora do Ibope, Márcia Cavallari, "o PT começou com a simpatia dos intelectuais e hoje tem a preferência dos necessitados". O declínio é inequívoco. Desde o seu início, o PT professou o ideal socialista, embora associando-o à democracia. Propunha construir um "socialismo petista" distinto do "socialismo real" de Stalin. Em sua Carta de Princípios (1979), afirmou seu "compromisso com a democracia plena, exercida diretamente pelas massas, pois não há socialismo sem democracia nem democracia sem socialismo". O "socialismo petista" foi tema do 3º Congresso do PT (2007), que o reafirmou "como partido socialista". Destacou "a classe trabalhadora como sujeito histórico da transformação" e o objetivo de criar "as condições políticas necessárias para implementar na sociedade brasileira um projeto socialista". Antenado com os males do capitalismo excludente do século XIX, que inspirou o socialismo e já não existe, o congresso adotou uma perspectiva "profundamente anticapitalista, na medida em que o capitalismo se caracteriza por um anti-humanismo que se revela na naturalização da exclusão". No século XIX, o socialismo buscava completar "a revoluçà£o iniciada pela burguesia, arrebatando-lhe o poder social, exatamente como ela conquistara o poder político", segundo Adam Przeworski. O grupo dos anarquistas se recusava a participar de disputas políticas burguesas. Outra corrente advogava a participação com fins propagandà­sticos, enquanto uma terceira sonhava conquistar o poder para implantar o socialismo. A moderada via a oportunidade de ganhar o poder para beneficiar a classe trabalhadora. O PT preferiu o socialismo da última dessas posições. A denominação Partido dos Trabalhadores — e não Partido Trabalhista — não traduzia uma tendência uniclassista. Ao contrário, o PT buscava conquistar as massas. Arrogante, imaginou deter o monopólio da defesa dos menos favorecidos e do caminho para a felicidade. Daí suas pretensões à hegemonia gramsciana, não admitindo que outro partido sem esses dons quase divinos empalmasse o poder. Por suas visões estatistas, o PT adotou o dirigismo do nacional-desenvolvimentismo. Pior, defendia esquisitices como moratória da dà­vida interna e externa e ampla estatização da economia. Apà³s três derrotas seguidas, percebeu que a vitória requeria conquistar a confiança dos mercados e das classes de renda mais alta. Daí a Carta ao Povo Brasileiro (2002), na qual incorporou ideias responsáveis: superavit primário, respeito a contratos e cumprimento de obrigações internacionais do país. Com o tema "paz e amor", um empresário como companheiro de chapa e uma nova forma de vestir-se e falar, Lula se tornou favorito em 2002. Beneficiou-se da queda de popularidade de FHC, provocada por uma tempestade perfeita: o apagão de energia elétrica, o contágio da grave crise argentina — ambos em 2001 — e o efeito, nas expectativas, do medo da adoção das ideias econômicas do PT, que ainda não se dissipara. Por causa disso tudo, houve forte desvalorização cambial, que agravou a inflação, desacelerou a economia e diminuiu o emprego, solapando as chances eleitorais da situação. O PT venceu. Lula adotou uma política econômica sensata. Não reverteu as privatizações que condenara. Seu competente ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ganhou a confiança do setor privado com um discurso coerente. Muitos enxergaram, então, uma mudança semelhante à da Europa, onde partidos social-democratas como os da Alemanha, da Espanha e da Inglaterra perfilharam a democracia e a economia orientada pelo mercado. Essa impressão foi reforçada por reformas no início do governo que ampliaram o acesso ao crédito e expandiram o financiamento imobiliário. Uma nova Lei de Falências e outros avanços melhoraram o ambiente de negócios. A elevação da produtividade, incluindo a advinda das reformas da era FHC, e os ganhos do comércio com a China permitiram forte expansão do PIB e elevação da receita tributária. Criou-se o espaço para aumentos não inflacionários do salário mínimo e para elevar o gasto social. Lula brilhou. Com a saída de Palocci, em 2006, iniciou-se a reversão da política econômica. O sucessor, Guido Mantega, retomou velhas ideias do PT. Ficou claro que a metamorfose se limitara a Lula, Palocci e gatos-pingados. Não se incorporara aos princípios do partido. Para completar o retrocesso, a crise internacional de 2008 — justificadora de intervenções na economia nos países ricos — foi a senha para legitimar a volta de políticas que haviam perdido validade: expansionismo fiscal, juros baixos na marra, protecionismo, regras de conteúdo nacional mínimo, formação de empresas campeãs nacionais, concessão generosa de subsídios, desonerações tributárias tópicas e desarticuladas, controle de preços de combustíveis e de energia elétrica, e por aí afora. As mudanças não revigoraram a economia, como Mantega prometia. Ao contrário, acarretaram baixo crescimento, inflação alta, queda de produtividade, perda de competitividade da indústria, dà©ficit público crescente e deterioração do balanço de pagamentos. Dificilmente isso se reverterá por inteiro nos próximos quatro anos. Os ganhos de comércio se ressentem da queda de preços das commodities. No mercado de trabalho, sem a colaboraçà£o da demografia dos tempos recentes, a taxa de desemprego vai subir. A massa de rendimentos tende a crescer menos do que a população. A popularidade de Dilma sofrerá. Mesmo na hipótese de êxito da nova equipe econômica, é pouco provável o retorno do ambiente que embalou vitórias eleitorais petistas. O PT enfrentarà¡ o risco de encerrar seu atual ciclo no poder em 2018. Se for assim, será discutido então o destino do partido após a derrota. à‰ possível que fique na oposição por dois períodos. Só em 2026 poderia tentar a volta. Lula, com 81 anos, não seria candidato. Mesmo que o partido se oxigene e se renove, parece difícil surgir, nesse período, um líder com carisma e liderança comparáveis. Outro risco do PT, ainda que remoto, viria da sua eventual dominaà§ão pelos radicais. Poderia repetir a experiência do Partido Comunista Francês (PCF), a segunda maior força eleitoral logo depois da II Guerra. Em 1946, o PCF obteve 28,6% dos votos e elegeu 182 parlamentares, o melhor resultado de sua história. Acontece que o partido se submeteu a ordens de Moscou, manteve a linha de pensamento stalinista e se opôs ao revisionismo pós-morte de Stalin (1953). Silenciou na invasão da Hungria por tropas soviéticas (1956). Isolado, sofreu longo declínio. Ganhou apenas dez cadeiras nas eleições de 2012, menos de 2% do Parlamento. Diferentemente de outros partidos comunistas europeus, como o italiano, o PCF não se reinventou. A continuidade do PT no poder depende do êxito do segundo mandato de Dilma e da recuperação da economia, da renda e do emprego. Se isso acontecesse, o partido preservaria o apoio da classe média intermediária, que representa cerca de um terço do eleitorado e costuma definir as eleições presidenciais. Em caso de insucesso, o PT perderia em 2018, mas poderia voltar a vencer mais tarde. Apesar do declà­nio, continua enraizado em amplos segmentos da sociedade. Sua taxa de identificação partidária caiu, mas ainda é a mais alta entre os demais partidos. Só o domínio dos radicais faria o partido perder relevância. O desafio do PT é adotar e institucionalizar a metamorfose de Lula. O pragmatismo precisa vencer o ranço ideológico. O partido não pode subestimar os riscos a que está sujeito. MAÍLSON DA NOBREÇA é economista 1#5 ARTIGO – LUIZ FELIPE d’AVILA – DO PETROLÃO À BOA GESTÃO SEM DEMAGOGIA Este ano foi a Quarta-Feira de Cinzas da era Lula-Dilma. A realidade se impôs sobre a fantasia petista. A presidente da República sonhou em revigorar o crescimento econômico por meio de medidas protecionistas, da concessão de créditos subsidiados e da interferência do Estado na economia, mas acabou arruinando as finanças públicas e despertando a desconfiança dos empresários que deixaram de investir num país no qual as regras do jogo mudam de maneira errática e arbitrária. O governo que se vangloriava de ser o "defensor dos pobres" viu a desigualdade voltar a crescer no Brasil. O partido que orquestrou o mensalão acabou envolvido no maior escândalo de corrupção da história do país. A Petrobras, símbolo do orgulho nacional, tornou-se presa de um gigantesco esquema criminoso que parece ser apenas a ponta do iceberg de um projeto de poder que consiste em locupletar o Estado, aparelhar as instituições e assegurar a compra de apoio político. Felizmente, o Brasil provou ser maior e mais resiliente que os seus corruptos e corruptores. Crises testam a resiliência dos valores e a credibilidade das instituições. Provamos por meio dos nossos atos cívicos e institucionais que valorizamos a democracia e a liberdade. Os brasileiros ocuparam as ruas e foram às urnas para manifestar a sua indignação contra a corrupção. Revigorados pelo apoio popular, os partidos de oposição acordaram após uma década de hibernação e voltaram a exercer o seu papel constitucional de cobrar, fiscalizar e servir de contraponto ao partido no poder. O Supremo Tribunal Federal, o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público e a Polícia Federal deram demonstração nítida de autonomia e não se prostraram de cócoras para o Poder Executivo. A imprensa livre e independente cumpriu bem o seu papel de noticiar o mar de lama que ameaçava corroer a credibilidade das nossas instituições. Crises oferecem uma ótima oportunidade para que os líderes políticos revejam valores, crenças e atitudes. Lula, em 2002, por exemplo, aprendeu que precisava manter os fundamentos da política econômica concebida pelo presidente Fernando Henrique para implementar os seus programas sociais. Dilma, por enquanto, não deu sinal de ter aprendido com a crise. Ela continua a culpar a conjuntura externa pelos infortúnios do país e a acreditar nas virtudes do capitalismo de Estado. Sua narrativa do atraso consiste em defender a atuação do Estado intervencionista e paternalista. Dilma acredita que, aumentando impostos e obrigando o contribuinte a pagar os benefícios e subsídios da "meia-entrada" para determinados setores da economia e categorias privilegiadas (como os sindicatos), ela será capaz de tirar o país da crise. Essa crenà§a esconde outro preconceito que revela as suas escolhas políticas. A presidente pensa que o mercado é um mal necessário — um jogo de soma zero — que precisa ser regulado e tutelado pelo Estado para evitar o aprofundamento da desigualdade social e frear a ambição de empresários gananciosos. Portanto, a escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda não deve ser vista como um sinal de mudança de crenças da presidente, mas como uma concessão à necessidade imperiosa de evitar o descarrilamento da economia e a perda da confiança do mercado internacional e do grau de investimento do país. A autonomia de Levy será limitada pelo arcabouço de crenças e valores que ditam as ações e o comportamento da presidente. Não devemos nutrir esperanças em relação à  disposição de Dilma para rever suas crenças sobre o papel do Estado e do mercado. Mas o que se pode esperar de Dilma nos próximos quatro anos? Se tiver visão, coragem e determinação, poderá melhorar significativamente a qualidade e a eficácia da gestão pública. Os brasileiros sofrem nas mãos de um Estado caro, ineficiente e perdulário que sequestra 37% do PIB em impostos e investe um pouco mais de 1% na melhoria dos serviços públicos. O resultado desse pouco-caso com o bolso dos brasileiros está estampado nas estradas esburacadas, nos portos congestionados, na péssima qualidade do atendimento nos hospitais públicos e na preservação de um dos piores sistemas educacionais do mundo. Estamos produzindo uma geração de jovens semianalfabetos incapazes de conquistar empregos na sociedade do conhecimento. A péssima qualidade da educação pública destrà³i a igualdade da oportunidade e aumenta a desigualdade social. O Brasil é o recordista mundial em gasto público entre os países emergentes. A nossa economia é uma das mais regulamentadas do mundo; a legislação trabalhista está entre as mais arcaicas do planeta; e o nosso caótico sistema tributário penaliza o investimento, a inovação e a produtividade. A ineficiência da gestão pública vem colaborando para aumentar o fosso entre o Estado e a sociedade. Os brasileiros já deram sinais claros de que não toleram mais ser tratados como a vaca leiteira que sustenta um Estado que beneficia políticos e empresas corruptas, servidores públicos que só pensam em benefícios e aposentadoria e tratam mal o cidadà£o que paga o seu salário. Se a presidente Dilma tiver coragem e determinação para atacar os problemas que comprometem a qualidade e a eficácia da gestão pública, ela poderá deixar um legado valioso para o país. Será uma batalha árdua que envolverá o enfrentamento de três grandes obstáculos. Primeiro, será preciso redefinir o propósito da gestão pública. Em vez de funcionários pàºblicos zelosos pelo cumprimento de processos e insensíveis ao resultado de suas ações, Dilma terá de introduzir a meritocracia e a cultura de resultado. Isso implica dar mais autonomia aos funcionários públicos e aos governantes para poder cobrar o resultado de suas ações e responsabilizá-los pelas suas escolhas. Os governos de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, por exemplo, instituíram avaliações de resultado para professores que se aplicaram em melhorar o aprendizado dos seus alunos; esse esforço teve um profundo impacto positivo no desempenho dos alunos nas avaliações estadual e federal e também no bolso dos professores, que receberam bônus por desempenho. Esses exemplos precisam deixar de ser exceções e se tornar regra. Segundo, é fundamental investir na formação e capacitação do funcionalismo público. Os focos de excelência na gestão pública estão nos órgãos que se preocupam com a qualificação e a excelência de seus quadros. Itamaraty, Ministério da Fazenda e Forças Armadas são exemplos de instituições que formam bons servidores. Terceiro, Dilma terá de promover mudanças no marco legal e regulatório. Ela terá de empregar sua capacidade de mobilizar o Congresso e a sociedade para conter as resistências do corporativismo estatal e do fisiologismo partidário, que tentarão impedir as reformas. Em vez de preservar o princípio da isonomia e da equidade, serão instituídos a meritocracia e o desempenho por resultado. Mérito ainda é uma palavra execrada no setor público: significa mensurar desempenho, criar distinção, dar mais recurso e poder a quem merece. Os grandes políticos sabem que a melhoria da qualidade da gestão pública não é um desafio técnico. É um desafio de liderança LUIZ FELIPE D'AVILA é presidente do Centro de Liderança Pública 1#6 GUSTAVO IOSCHPE – APRENDI QUE Você sabe que um ano foi ruim quando uma derrota de 7 a 1 em uma semifinal de Copa do Mundo, em casa, não é, nem de longe, o evento mais traumático do ano. O que o boleiro português João Pinto disse a respeito do seu clube poderíamos falar a respeito do país: "Estava à beira do precipício, mas tomou a decisão correta: deu um passo à frente". Mas, se a vida pública foi lastimável, confesso que meu 2014 particular foi excepcional. Compartilho aqui o que de mais interessante aprendi no ano que passou (exceto pelo último item, as fontes bibliográficas estão em twitter.com/gioschpe). • Racionalismo demais pode ser prejudicial. Em um experimento, colocou-se comida para ratos em uma das pontas de uma caixa de formato T. A escolha do canto era feita de modo supostamente aleatório, jogando-se um dado. Mas esse dado era viciado, e o lado esquerdo era escolhido 60% das vezes. Os ratos aprenderam isso e rapidamente iam para o lado esquerdo em todas as oportunidades. O experimento foi repetido com alunos de Yale, uma das melhores universidades do mundo. Eles ficaram tentando entender qual era o padrão para a escolha do lado, analisando suas previsões e seus erros. Em vez de se contentarem com ir sempre para a esquerda e acertar 60% dos casos, acabaram variando as escolhas e acertando só 52%. Pior do que os ratos. • Em interações entre casais, são necessários cinco comentários positivos para apagar o efeito negativo de uma crà­tica. • Seres humanos têm mais medo de perder algo do que alegria por ganhar a mesma coisa. Em um experimento em que um grupo de alunos recebia 20 dólares se fosse bem em uma prova e o outro recebia 20 dólares antes de fazer a prova e precisava devolver o dinheiro se tirasse uma nota baixa, o segundo grupo teve desempenho bem melhor do que o primeiro. O mesmo mecanismo explica a grande magia do cartão de crédito: ela dissocia a compra do sentimento negativo da perda de dinheiro, o que faz com que as pessoas gastem mais. Em um experimento, dois professores do MIT colocaram a leilão ingressos de jogo da NBA, do Boston Celtics. Metade dos apostadores podia pagar apenas em dinheiro, a outra metade apenas com cartão, e os grupos não se comunicavam. O resultado: o valor mà©dio do grupo do cartão de crédito foi o dobro do daqueles que pagaram com dinheiro. • Outra característica importante do cérebro é o viés de confirmação: só gostamos de ouvir aquilo que confirma algo em que acreditamos. Em um experimento engenhoso, foram selecionados grupos de ateus e cristãos fervorosos para ouvir um discurso gravado criticando o cristianismo. Foi inserido um ruído na gravaçà£o, e um botão que permitia ao ouvinte acabar com esse ruído. Resultado: o botão foi apertado pelos ateus, mas os religiosos preferiram a gravação cheia de ruído. • Pessoas de bom humor resolvem 20% mais problemas difíceis do que as mal-humoradas ou deprimidas. • Uma foto com flash envelhece a pessoa sete anos. • Dados de um site de relacionamento mostram que mulheres de 20 anos são atraídas por homens de 23. Essa diferença vai diminuindo até que as idades se igualam aos 29 anos. Depois disso, a mulher começa a ter uma leve preferência por homens mais jovens, até que, aos 50 anos, a idade desejada para o homem é de 46 anos. Já os homens começam sendo atraídos por mulheres de 20 anos e... permanecem assim toda a vida. Até homens de 50 anos preferem mulheres de 20. • Haverá mais palavras escritas no Twitter nos próximos dois anos do que em todos os livros publicados na história da humanidade. Com os 2,5 bilhões de câmeras digitais que temos hoje em circulação, a cada dois minutos são tiradas mais fotos do que em todo o século XIX. • Um casamento é mais duradouro quando um esposo serve de ponte para o grupo social do outro. Há um algoritmo gratuito para testar isso baseado nos relacionamentos do Facebook. É grátis, vá lá: dataclysm.org/relationshiptest. • Lei de Zipf: há uma expressão matemática, inicialmente descoberta em análises de texto, que mostra que a multiplicaà§ão do ranking de presença de uma palavra em um corpo de texto pela quantidade de vezes que ela aparece é constante. Ou seja, se a primeira palavra mais popular aparece 1000 vezes, a segunda aparecerá 500, a quarta 250, a quinta 200... Depois descobriu-se que a mesma lei é encontrada na relação entre distribuição de renda e o tamanho das cidades em um país. • Olhando apenas para os "likes" de uma pessoa no Facebook, sem consultar nenhuma informação do perfil dela, pesquisadores do Reino Unido conseguiram acertar com 95% de acurácia se ela é branca ou negra e com 88% se ela é gay. • Aparentemente, parte importante da razão pela qual as mulheres recebem menos do que os homens é que elas têm aversão à  competição. Elas têm uma performance pior em cenários explicitamente competitivos e se candidatam menos a vagas de emprego em que a remuneração é baseada em ranking. Em experimentos em que essas condições foram alteradas, as mulheres tiveram o mesmo desempenho dos homens. Na tribo dos khasi, que é matriarcal e vive no nordeste da Índia, as mulheres competem mais do que os homens. • Um experimento mostrou que, se um negro de 20 anos pede ajuda para achar um endereço, ele é ajudado por 31% das pessoas e a interação média dura treze segundos. Uma mulher branca da mesma idade recebe ajuda de 75%, por 24 segundos. Outro experimento mostrou que, quando um cadeirante orça o conserto do carro, recebe um valor 30% mais alto do que uma pessoa sem a deficiência. Em experimento de compra de carros, gays recebem preços mais altos do que héteros. Em filantropia, se a pessoa que pede a doação for da mesma etnia que o doador, a doação será maior. Se ela for bonita, a doaçà£o será maior ainda. • Somos animais sociais e de manada. Em estudo sobre a obesidade, o fator preditivo mais importante para explicar o ganho de peso é o sujeito ter conhecidos (não amigos próximos: conhecidos bastam) que ganharam peso. Esse fator explica mais do que todas as variáveis pessoais (sexo, idade, bem-estar etc.) somadas (!). Quem come com uma pessoa come 35% mais do que quando come sozinho; em grupos de quatro, 75% mais; em grupos a partir de sete, 96% mais. • O fator mais importante para prever a performance de um grupo à© a igualdade da participação na conversa. Grupos em que poucas pessoas dominam o diálogo têm desempenho pior do que aqueles em que há mais troca. O segundo fator mais importante é a inteligàªncia social dos seus membros, medida pela capacidade que eles têm de ler os sinais emitidos pelos outros membros do grupo. As mulheres têm mais inteligência social do que os homens, por isso grupos mais diversificados têm desempenho melhor. • O padrão de compras das pessoas é parecido com o padrão de busca de alimento de animais na natureza: a maioria das transações é feita numa área pequena perto de onde a pessoa mora, mas ocasionalmente fazemos expedições rumo a áreas desconhecidas. Cidades com maior proporção de pessoas que fazem essas explorações terão maior crescimento econômico e populacional e maior diversidade de lojas e restaurantes no futuro. • Diferenças sutis mudam de forma significativa nosso comportamento. Um experimento mostrou que se você pergunta a um università¡rio se ele está feliz, e depois a frequência com que tem tido encontros amorosos, a correlação entre as respostas é de .11. Se você simplesmente inverte a ordem das perguntas, a correlação vai para .62. • Pessoas que moram juntas por muito tempo realmente se tornam mais parecidas. Em parte por compartilharem da mesma nutrição, e em parte por adotarem os trejeitos uma da outra. E, quanto mais parecidas ficam, mais felizes são. • A felicidade está mais associada ao número de incidentes positivos na vida do que à intensidade deles. É melhor ganhar 100.000 reais por ano durante dez anos do que 1 milhão no primeiro ano e nada nos nove seguintes. Da mesma forma, é melhor ter uma dose concentrada de infelicidade do que pequenas doses espalhadas. • Estudo de previsões de experts em economia e política mostrou que a qualidade das previsões era indiferente se a pessoa tinha doutorado ou só ensino universitário. A única relaçà£o constante era entre reputação e qualidade da previsão: quem tinha uma grande reputação fazia previsões piores do que quem não tinha. • A introdução dos computadores em escala, na década de 70, coincidiu com uma estagnação de produtividade muito semelhante àquela que se manifestou na introdução da eletrificação, nos anos 1890. Em ambos os casos, as décadas seguintes viram um crescimento acelerado de produtividade. Para surtirem efeito, essas tecnologias precisaram de outra inovação complementar: a dos processos empresariais. Nas fábricas da era do motor a vapor, a forà§a era transmitida a partir de um grande eixo central, que movimentava polias e engrenagens. Se o eixo fosse longo demais, ele se quebraria, entà£o o que se fazia era agrupar as máquinas perto da fonte de energia, inclusive nos pisos logo acima e abaixo de onde estava a fonte. Quando os motores elétricos começaram a substituir aqueles a vapor, eles eram simplesmente colocados no mesmo lugar onde os motores a vapor estavam. Levou aproximadamente trinta anos — tempo suficiente para os administradores e engenheiros originais serem substituídos por uma nova geração — para que o layout das fábricas mudasse e fosse adotado o formato que vemos hoje, com a produção se dando ao longo de um extenso piso e sem um grande motor central, tendo, em vez disso, um motor pequeno para cada máquina. • Informatização e globalização geram valor desproporcional para os "stars". Nos EUA, a renda mediana chegou ao pico em 1999 e vem caindo desde então. Havia caído 10% até 2011. O top 1% da renda capturou 22% da riqueza, mais do que o dobro da sua fatia em 1980. A relação entre o pagamento de CEO e o do trabalhador mà©dio foi de setenta vezes em 1990 para 300 em 2005. Ainda que a expectativa de vida da população continue a subir, em alguns grupos ela começou a cair: para mulheres brancas sem ensino médio foi de 78,5 anos em 1990 para 73,5 anos em 2008. • Nossos problemas políticos e econômicos têm história: até 1852, havia 41 feriados religiosos no Brasil. Em 1868, 354.000 manufaturas funcionavam nos EUA. No Brasil, eram 200. Em 1888, Deodoro da Fonseca, o proclamador da República, escreveu o seguinte: "República no Brasil é coisa impossível, porque será uma verdadeira desgraça. Os brasileiros estão e estarão muito mal-educados para republicanos''. Benjamin Constant, o cérebro da proclamação da República, era professor de matemática, tinha 1,55 metro e tentou o suicídio por afogamento. Foi salvo por uma escrava. Na proclamação da República, o Brasil tinha 14 milhões de habitantes e só 15% sabiam escrever o próprio nome. Getàºlio Vargas, aos 55 anos, presidente do Estado Novo, teve um encontro sexual com sua amante em uma floresta, à beira de uma estrada. No dia do golpe que o apearia, em 1945, o líder dos golpistas, general Góes Monteiro, tirou uma soneca depois do almoço. Era para descansar sà³ alguns minutos, mas acabou dormindo por mais de duas horas. Foi acordado pelo auxiliar às 3 da tarde. Em 1964, só 47% da populaçà£o era alfabetizada, e a taxa de matrícula no ensino superior era de 1%. • Por último, aprendi neste ano que é possível ser reeleito presidente da República mesmo sem carisma, no meio de um gigantesco esquema de corrupção, com o país em recessão, contas públicas desarranjadas e inflação saindo da meta. E, ainda assim, um mês depois fazer o contrário de quase tudo o que fora prometido em campanha. GUSTAVO IOSCHPE é economista 1#7 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – NA AURORA DA REPÚBLICA Funcionário exemplar, M.J. Gonzaga de Sá demorava-se quase só na repartição pública em que trabalhava, no dia 15 de novembro de 1889, quando vieram avisá-lo: "Seu Gonzaga, hoje não se trabalha; o Deodoro, de manhã, proclamou a República". O funcionário levantou os olhos dos papéis de que se ocupava e, placidamente, perguntou: "Mas qual?" Gonzaga era homem ilustrado. Conhecia tantos e tão diferentes tipos de república que não se podia contentar com um simples "proclamou a República", e acabou. O leitor está cansado do Brasil atual? Enjoou das roubalheiras, do toma cá dá lá, das políticas que, quando não são ineficazes, são nocivas, e dos políticos que, quando nà£o são ladrões, são ineptos? Bem-vindo ao Brasil dos inà­cios do sistema republicano, 100 ou cento e poucos anos atrás. Nosso guia, nesta jornada, serão os cinco romances do escritor carioca Lima Barreto (1881-1922). É de um deles, Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá, o fragmento acima. Com olhar sempre crítico, e pinceladas variando da ironia ao sarcasmo, Lima Barreto legou-nos uma obra fundamental para nos acercarmos daqueles primeiros anos de República. Com este passeio pelo passado não queremos dizer que as coisas hoje são iguais. O Brasil é outro. De uma população que não chegava aos 20 milhões de habitantes, nos alvores da República, hoje avanà§amos para dez vezes mais; o PIB é um dos dez maiores do mundo; a sociedade é mais diversificada e complexa. Mas também não queremos dizer que são muito diferentes. Vamos nos contentar com um simples passeio, sem preocupação com essa ordem de conclusões. No mínimo nos servirá de evasão destes tempos de transição, de uma presidente para si mesma, que, em vez da esperança característica das transições, traz temores de que, se já está ruim, pior pode ficar. O ambiente em que, instaurada a República, se processou a corrida aos cargos governamentais é ilustrado numa passagem de outro livro de Lima Barreto, Numa e a Ninfa. Formado médico, o doutor Neves Cogominho iniciava a carreira quando, advindo o 15 de Novembro, vislumbrou caminho mais rápido e fácil para o sucesso: "lembrou-se de que era republicano" e que tinha um tio, coronel, íntimo de Deodoro. Resultado: elegeu-se deputado e ato contínuo "seus primos, concunhados, sobrinhos, aderentes e afins" aboletaram-se em cargos que lhe garantiram o domínio político no estado natal. A Deodoro sucedeu Floriano Peixoto — e de Floriano, em seu livro mais famoso, Triste Fim de Policarpo Quaresma, Lima Barreto deixou um célebre e cruel retrato. A cena se passa no Itamaraty, o então palácio presidencial, à época da Revolta da Armada, promovida por setores da Marinha contra o governo constituído. Policarpo Quaresma foi levar sua solidariedade ao presidente e encontrou-o de palito ainda na boca, como sinal de que vinha do almoço. Eis um homem que enfeixava nas mãos "poderes de imperador romano, pairando sobre tudo", e que no entanto tinha uma aparência "vulgar e desoladora", "os traços flácidos e grosseiros", com um olhar sem nada "que revelasse algum dote superior". O homem que passaria para a história como o "Marechal de Ferro" tinha, como "qualidade predominante", a "tibieza de ânimo" e, como marca do temperamento, "muita preguiça". "Pelos lugares que passou, tornou-se notável pela indolência e desamor às obrigações de seus cargos." Lima Barreto tinha razões pessoais para implicar com a República. Nascido pobre e negro, características que marcariam fundamente sua obra, vinha de família que encontrara proteção no visconde de Ouro Preto, antigo patrão de seu pai. Ouro Preto foi o chefe do último gabinete do Império; com a queda do regime, o pai de Lima Barreto perdeu o emprego que o protetor lhe arrumara, como tipógrafo da Imprensa Oficial. As razões pessoais podem tê-lo impelido a carregar nas tintas; não invalidam, porém, a totalidade do quadro. Em seu livro de estreia, Recordações do Escrivão Isaà­as Caminha, o jovem personagem-título, um alter ego de Lima Barreto, recém-chegado ao Rio de Janeiro, assiste a uma sessão da Cà¢mara dos Deputados, então sediada na chamada Cadeia Velha, o prà©dio colonial que adiante seria substituído, no mesmo terreno, pelo Palácio Tiradentes. "Feita a chamada, as bancadas começaram a povoar-se. Junto ao presidente — a seu lado, nas costas, junto aos secretários — foi-se fazendo uma aglomeração imprevista. No espaço desguarnecido entre a mesa do presidente e a primeira das bancadas, havia o trânsito de rua frequentada." O primeiro orador do dia assoma à tribuna e, por cinco minutos, se faz silêncio. Logo o "zum-zum" recomeça, e a visão que o narrador tinha das galerias era de dispersão: "A esquerda, lá ao longe, quase na minha frente, alguns viam cartões-postais; um outro, sob meus pés, isolado, no burburinho, escrevia febrilmente, erguendo de quando em quando a caneta para pensar; uma roda de três, à esquerda e ao fundo, conversava sorrindo; ao fundo ainda, mas um pouco à direita, um deputado gordo, com o calor que com o correr do dia se fizera mais forte, esquecido no sono, por trás de um par de óculos azuis, roncava perceptivelmente". Falta a Lima Barreto o nível artístico de um Machado de Assis. Sua escrita é frequentemente descuidada, os entrechos carecem de arredondamento, a emoção cede ao sentimentalismo, os personagens tendem à caricatura. Ao leitor com expectativas de alta literatura ele ficará devendo. Oferece de sobra, no entanto, ao que tem em vista um testemunho de uma época e de um lugar. O lugar, no caso, é o Rio de Janeiro, do qual nunca saiu, o qual esquadrinhou em toda a sua extensão, inclusive a pé, andarilho contumaz que era, e que em toda a sua obra tem presença esmagadora a ponto de ele gastar capítulos inteiros na descrição de ruas e bairros. O olhar é quase sempre amoroso, mesmo quando trata dos pobres bairros dos subúrbios. Era um Rio de Janeiro em que para ir do Méier a Copacabana, segundo nos informa Lima Barreto, demorava-se duas horas. No romance Clara dos Anjos, todo passado no subúrbio, o autor detà©m-se na descrição dos diversos bairros, na hierarquia entre eles, segundo as classes mais ou menos pobres que os habitam, e nos costumes dos locais — do "ajantarado" dos domingos aos "tiros que os suburbanos dão de quando em quando para afastar os ladrões de seus galinheiros". Um pouco da cultura local transparece do comentário do jovem narrador de Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá: "Não gosto de Botafogo. É Buenos Aires, supercivilizado". O tempo de Lima Barreto é aquele em que as mulheres se chamavam Alcmena, Engrácia, Salustiana, Hermengarda, Laurentina, Vicência, Etelvina, Rosalina, Edmeia, Castorina, e os homens Praxedes, Felino, Quitério, Clodoveu, Patápio, Xisto. Fumavam-se cigarros São Lourenço e Fuzileiros, bebia-se parati e andava-se de bonde, no começo o de burro, depois os primeiros modelos elétricos. Mas a corrupà§ão já tinha sido inventada, ah, isso sim. Em Numa e a Ninfa, o personagem-título, o apalermado deputado Numa Pompílio de Castro, recebe um dia a visita de Fuas Bandeira, um dono de jornal conhecido pelos golpes com que foi galgando posições e amealhando fortuna; Fuas vinha lhe pedir o voto em favor da controvertida venda da Estrada de Ferro de Mato Grosso. Numa não lhe promete nada. Diz que vai pensar. "Pensar?!", indigna-se a mulher de Numa, a esperta Edgarda, quando o marido lhe dá conta da visita. Ela tenta fazer o marido se dar conta do que està¡ em jogo. Se é coisa de dinheiro, argumenta, quer dizer... "Quer dizer o quê?", pergunta o marido. "Quer dizer que você deve aproveitar, seu tolo!" "Como?", pergunta Numa. A mulher ri "gostosamente". "Como? Eu sou deputado, por acaso? Por que não pergunta aos seus colegas? Veja como o Cristiano está rico! Quando foi eleito, tinha alguma coisa? Tinha nada, seu tolo! Tinha nada!" Na Presidência de Rodrigues Alves (1902-1906), sendo Pereira Passos o prefeito do Rio de Janeiro, enceta-se a reforma urbana que terá como resultado o arrasamento de vários quarteirões populares para a abertura da Avenida Central, hoje Rio Branco, com seus magníficos edifícios no estilo de Paris. Ao anunciar-se a reforma, corre um frisson nos meios políticos e financeiros. O argumento a favor corria assim, segundo Lima Barreto, em Isaías Caminha: "A Argentina não nos deve vencer; o Rio de Janeiro não podia continuar a ser uma estaçà£o de carvão, enquanto Buenos Aires era uma verdadeira cidade europeia. Como é que não tínhamos largas avenidas, passeios de carruagem, hotéis de casaca, clubes de jogo?". Já sabemos, pelo jovem de Gonzaga de Sá, que Buenos Aires era sinônimo de civilizaà§ão. Mas o que mais atraía aos "cinco mil de cima", segundo escreve Lima Barreto, era "o enriquecimento dos patrimônios respectivos com indenizações fabulosas e especulações sobre terrenos". De par com a corrupção, a burocracia marcava sua forte presença, no intuito de infernizar o cidadão. Numa fase da vida em que comprou um sítio e tentou dedicar-se à agricultura, Policarpo Quaresma viu-se atazanado por exigências que lhe estorvavam a açà£o: "Aquela rede de leis, de posturas, de códigos e preceitos, nas mãos desses regulotes, de tais caciques, se transformava em potro, em polé, em instrumento de suplícios para torturar os inimigos, oprimir as populações, crestar-lhes a iniciativa e a independência, abatendo-as e desmoralizando-as". Até a morte, em 1922, Lima Barreto viu passar onze presidentes da República. Os protagonistas desses anos, quando não aparecem com nome e sobrenome, surgem nos romances sob disfarces. Em Numa e a Ninfa, narra-se a campanha presidencial em que a certa altura se impõe, com o respaldo das Forças Armadas, a candidatura de um tal de general Bentes. "Vamos ter um governo forte", exultavam alguns. Outros temiam a volta aos governos ditatoriais de Deodoro e Floriano. "A ditadura não é isso que vocês pensam. É a ditadura republicana", replicavam os adeptos de Bentes. "Em que consiste a diferença?", insistiam os céticos. "Consiste em suprimir, em diminuir as atribuições desse Congresso, dessa Justiça que perturbam o governo." A campanha de Bentes esconde, na ficção de Lima Barreto, a campanha do marechal Hermes da Fonseca, afinal eleito presidente em 1910. "A cidade estava apreensiva e angustiada", escreve Lima Barreto. "É que ela conhecia essa espécie de governos fortes, conhecia bem essas aproximações de ditadura republicana. O florianismo deu-lhe a visà£o perfeita do que eram." Exultante com o surgimento de um candidato de farda, no romance, mostrava-se a sra. Forfaible, mulher de um general. "Isso tudo vai mudar", dizia ela à amiga Mariquinhas, também mulher de militar. Mariquinhas igualmente se animava. "Quem fez a República não foram os militares? Então fizeram a República para os outros?" A sra. Forfaible concordou: "Certamente. Não nos tem adiantado nada. Os paisanos tomaram os lugares, os bons, e nos deixaram os ossos, uma ova!". O deputado Numa, de seu lado, esteve atordoado com os rumos da campanha presidencial até concluir que "só havia um alvitre: esperar que as coisas se decidissem, aderindo então ao vencedor". Lima Barreto teve vida sofrida. Alcoólatra, por duas vezes teve crises de insanidade e foi internado no Hospício Nacional de Alienados, na Praia Vermelha. As condições de vida, somadas à cor da pele, aguçaram-lhe o senso de justiça e o inconformismo com a desigualdade que lhe perpassam a obra. Morreu aos 41 anos, no mesmo ano do centenário da Independência, em sua casa do subúrbio de Todos os Santos. As "festas próximas do centenário da Independência" são mencionadas numa passagem de Clara dos Anjos. O próprio Lima, numa das últimas vezes em que saiu de casa, foi assistir aos festejos da Independência. "Vagara pela cidade, durante todo o dia, percorrendo os pontos prediletos, como quem faz uma visita de despedidas", escreveu seu biógrafo, Francisco de Assis Barbosa. Nesta passagem do ano de 2014 para o de 2015 estamos a apenas sete anos de outro marco — o segundo centenário da Independência. Lima Barreto nos mostrou o país que tínhamos ao chegar perto de completar os primeiros 100 anos de vida independente. Seria hora de darmos um sentido de urgência ao país que gostaríamos de ter ao chegar perto dos 200 — mas tantas urgências já se apresentaram e já se foram, tantas. Demais. 1#8 LEITOR ESTADOS UNIDOS E CUBA A decisão dos Estados Unidos de deixar para trás o desentendimento com Cuba, a última recordação da Guerra Fria, foi um grande alívio no noticiário da última quinzena de 2014 — assim como a primorosa cobertura de VEJA, clara e eficiente em apontar os fatos, como tem de ser ("Tudo no seu devido lugar", 24 de dezembro). GABRIEL CORDEIRO MARTINS DE OLIVEIRA São Paulo (SP), via smartphone Tudo em Cuba está roto: os telefones públicos, o serviço de abastecimento de água e luz, o sistema de transporte público, as companhias de aviação e até mesmo o que se pensa que Cuba tem de melhor — os sistemas de educação e de saúde. A população espera. E reza, não importa se para os deuses da religião afrocubana ou se para a Virgen de la Caridad del Cobre, patrona de Cuba. É preciso crer que dias melhores virão. MARIA DAS GRAÇAS TARGINO Teresina, PI Assinei VEJA durante a Guerra do Vietnã. Continuo com minha revista preferida em um novo tempo de paz entre duas nações há anos inimigas. Que em 2015 VEJA nos mantenha informados com fatos que entrarão para a história da humanidade. KÁTIA AZEVEDO Natal, RN É muito importante e boa para o povo cubano essa retomada de relaà§ões com os Estados Unidos. ROBERTO MOREIRA DA SILVA São Paulo, SP Ditaduras socialistas são um atraso porque, sem liberdade de expressão, sem direito de ir e vir e sem poder sobre sua vida, as pessoas recebem o estritamente necessário para sobreviver. E Obama está, de fato, sendo amigo dos cubanos? JOSÉ OLÍMPIO DA SILVA CASTRO São Luís, MA A esquerda espera que os Estados Unidos mudem o sistema político de Cuba. EUGÊNIO JOSÉ ALATI Campinas, SP Sem a mesada da Venezuela, que respira por aparelhos, e com um porto moderno e novinho em folha fornecido pelos "cumpanhero†brasileiros, los hermanos Castro dão um solene chute nos traseiros esquerdopatas latino-americanos e abraçam-se ao "grande Satã" do norte. ETIENNE DOUAT Joinville, SC Icônica a capa da edição 2405 de VEJA, que compõe um híbrido "Che Barakevara" contemplativo. RICARDO C. SIQUEIRA Niterói, RJ A capa de VEJA com o "Che Obama" merece um Grande Prêmio de Capas. Parabéns aos profissionais de VEJA — que, a cada edição, se superam no quesito "capa inspirada". SÉRGIO J. CIPES São Paulo, SP ESCÂNDALO DA PETROBRAS Uma empresa, seja pública, seja privada, tem a obrigação de pôr em prática os fundamentos da boa governança e, no caso da Petrobras, que tem o governo como o principal acionista, o primeiro passo deveria ser a redução da ingerência política e o fim do loteamento de cargos para acomodar companheiros da base aliada. São urgentes um choque de gestão e um culto à meritocracia ("A Petrobras resistirá à tormenta", 24 de dezembro). MARCOS A. L. SANTANA Palmas, TO Qualquer aspirante à administração de uma tenda de esquina tomaria a decisão de demitir toda a diretoria da Petrobras a partir da revelação das primeiras fraudes. LAUDI VEDANA Pato Branco, PR Eu não acredito que os desvios na Petrobras tenham se limitado a 3% do valor dos contratos. Isso é porcentagem de gorjeta para garçons, não para políticos. MÁRIO A. DENTE São Paulo, SP O povo brasileiro vai descobrir que a Petrobras ainda não chegou ao fundo do poço... MARCOS BELLIZIA São Paulo, SP Espero que passemos este país azul de anil em branco de decência e sem corrupção. Feliz vergonha na cara em 2015! ANTONIO JOSÉ G. MARQUES Rio de Janeiro, RJ MÁFIA NA SAÚDE A reportagem "Três stents e uma viagem" (24 de dezembro) narra procedimentos criminosos feitos por médicos, hospitais e empresas do Rio de Janeiro e demonstra o caos da moralidade e da falta de ética que reina no Brasil. Isso não deve ocorrer somente no Rio... Milhares de vidas colocadas em risco pela ganância de alguns. Isso vem provar que no Brasil os políticos são corruptos porque são um espelho da nossa sociedade. Precisamos urgentemente de uma revolução — não armada, mas sim de ética, de valores morais e de amor ao prà³ximo. Só isso poderá nos salvar e permitir que as crianças de hoje tenham um amanhã melhor. LUIZ ALBERTO ZEILMANN Santa Maria, RS Parabenizo VEJA pela dolorosa reportagem "Três stents e uma viagem". Essa forma de corrupção é muito mais espessa do que poderia revelar a reportagem. Virou negócio, o mais "assimétrico" do mundo (para os economistas, negócio assimétrico é aquele em que um dos envolvidos é lesado e o valor é estabelecido a partir de informações falsas). Está em estágio avançado a degeneração moral no Brasil. Nos planos de saúde, ela vai desde a prosaica consultinha que se desdobra em dezenas de atos, exames, encaminhamentos, internações com e sem cirurgia e passa pela prática deliberada de causar ansiedade, que é muito "produtiva" para o sistema. Fenômeno que, generalizado, já atinge a medicina particular. EMERSON RIBEIRO Sinop, MT Como médico (cardiologista e professor titular da Universidade do Estado do Pará), gostaria de aqui poder dizer que VEJA errou e que o desvio de conduta objeto da reportagem não existe. Mas tenho de admitir que, infelizmente, existe! Seria possível erradicá-lo? Muito difà­cil, não consigo acreditar. E diminuí-lo? Sim. Na minha visà£o, em duas linhas: 1) ação conjunta das entidades médicas (CFM, AMB, Sociedade Brasileira de Cardiologia e estaduais) no sentido de alertar, educar e, até, punir os recalcitrantes; 2) conversar, abertamente, com os jovens que estão nas faculdades, com a esperança de motivá-los a abraçar o comportamento ético como o patrimà´nio maior que legarão a seus filhos. Acredito que a maioria deles é sensível a essa discussão. A maioria dos médicos nà£o se comporta da maneira desonesta mostrada pela reportagem de VEJA. à‰ preciso cuidado, portanto, para não generalizar. PAULO ROBERTO PEREIRA TOSCANO Belém, PA Parabéns pela reportagem. Sou cardiologista e esse comportamento de alguns "médicos" enoja qualquer ser humano. Acredito que não seja algo isolado. É preciso que as investigações continuem para punir os responsáveis e colocar os valores da medicina, descritos no juramento de Hipócrates, acima de questões econômico-financeiras, e com isso dar a assistência que nossos pacientes merecem. MAYLER OLOMBRADA Por e-mail Cadê o Conselho Federal de Medicina, as leis, a ética e o juramento desses hipócritas? ARLETE DE SÁ BARRETO Juazeiro do Norte, CE BERNARDINHO É triste saber e ter certeza da crueldade que fizeram com os heróis do vôlei do Brasil, tão carente de homens sérios. A esperança do brasileiro cai drasticamente com tantas notícias de corrupção e roubo. Espero pela justiça dos homens e acredito na divina. Parabenizo VEJA por nos presentear com as palavras puras de um homem probo como o treinador Bernardinho ("Uma doença a ser extirpada", Entrevista, 24 de dezembro). LENISIO BRAGANTE DE ARAÚJO João Pessoa, PB A onda de escândalos que assola o Brasil atingiu a Confederaçà£o Brasileira de Vôlei. Desapontamento, tristeza, decepção! Qual a motivação que os técnicos e atletas poderão ter diante de episódios dessa natureza? JULIANA A. MOREIRA GOBS Uberlândia, MG Causa tristeza assistir a Bernardinho ser surpreendido pela realidade execrável da política nacional que vem empurrando o Brasil, inexoravelmente, na direção da mediocridade. ARNALDO DE MESQUITA BITTENCOURT FILHO Rio de Janeiro, RJ Bernardinho é um dos poucos brasileiros que podem levantar a cabeà§a e ainda dar muitas alegrias ao nosso esporte. Muitos têm em você, Bernardinho, uma bandeira para voltar a se orgulhar desta nação. Parabéns! ARNALDO LEONARDI São Paulo, SP No Brasil, liderança é confundida com fome de poder; seriedade, com fanatismo; paixão pelo trabalho, com tirania; e persistência, com teimosia. Por isso, Bernardinho, por favor, continue nos tornando pessoas melhores. Não se contamine com a corrupção que o cerca. PATRÍCIA SILVA DE ANDRADE Por e-mail MAÍLSON DA NÓBREGA Muito didática e interessante a forma como o economista Maílson da Nóbrega descreve a origem e o significado de termos tão corriqueiros no vocabulário da população brasileira: Operaçà£o Lava-Jato, lavagem de dinheiro e delação premiada ("Instituições por trás da Operação Lava-Jato", 24 de dezembro). LUCIANA GUIMARÃES MERÇON Vitória, ES ROBERTO POMPEU DE TOLEDO As "Perspectivas 2015" (24 de dezembro), no artigo de Roberto Pompeu de Toledo, são as mais coerentes com a realidade do Brasil, se comparadas com tantas perspectivas das quais temos tomado conhecimento. Preocupantes e tristes, é verdade. Mas isso tudo acontecendo, e nós "dando milho aos pombos"... Até quando? JOSÉ SALIM CHAIB DE OLIVEIRA Araras, SP No artigo, Roberto Pompeu de Toledo afirma que o aumento que os ministros do STF, os membros do Congresso, o presidente da República e os ministros de Estado terão provocará um "efeito tsunami" de reajustes salariais na totalidade do funcionalismo da União, dos estados e dos municípios. Tal realidade não ocorrerá, posto que somente as categorias "elitizadas" dos servidores estatais gozarão de tais privilà©gios. JOSÉ DE ANCHIETA NOBRE DE ALMEIDA Rio de Janeiro, RJ CARTA AO LEITOR Com profunda emoção, li a Carta ao Leitor "Por quem os sinos dobram" (24 de dezembro). O ser humano cresce e se diviniza quando é capaz de ações edificantes; mas, ao contrário, perde sua dignidade quando é autor das mais vis e dolorosas. O ato terrorista que atingiu a escola paquistanesa afronta a todos pela brutalidade e crueldade com que foi orquestrado e perpetrado, de maneira covarde e insana, contra crianças indefesas. Solidarizo-me com as vítimas e seus familiares, com as autoridades do Paquistão e com os ativistas como a jovem Malala, e oro a Deus por seu consolo e coragem. Com certeza, os sinos continuarà£o dobrando — e muito — por nós, que também somos vítimas. THEREZINHA KROISS FERIGATO Jundiaí, SP SOLIDARIEDADE Espetacular o Especial Natal "O bem mais humano" (24 de dezembro), sobre o espírito solidário. Que 2015 traga paz, renove esperanças, multiplique alegrias e seja um ano de crescimento e positivismo para todos. JOSÉ RIBAMAR PINHEIRO FILHO Brasília, DF Correção: a muralha à beira-mar da capital cubana chama-se Malecón, e não Malcón ("Tudo no seu devido lugar", 24 de dezembro). PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação. VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP: Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderà£o ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até a quarta-feira de cada semana. 1#9 A SEMANA – DELIVERY INTERNACIONAL Investigações revelam conexões no exterior do esquema de corrupção da Petrobras. A OAS, uma das empreiteiras envolvidas, mantinha uma "conta-corrente" usada, entre outras coisas, para enviar dinheiro sujo a vários países. ROBSON BONIN Há duas semanas, VEJA revelou em detalhes como funcionava a entrega de propina em domicílio, o já imortalizado "money delivery'' do petrolão, um serviço inovador em matéria de corrupção criado pelo doleiro Alberto Youssef para agradar a "clientes especiais" da quadrilha que desviou bilhões da Petrobras. Rafael Ângulo Lopez, braço-direito do doleiro, era quem comandava esse setor. Durante a última década, ele cruzou o país de norte a sul em voos comerciais com fortunas em cédulas escondidas sob as roupas que eram entregues aos figurões da República em hotéis, apartamentos, escritórios, estacionamentos, postos de gasolina e aeroportos. Rafael aprimorou o trabalho do clássico "homem da mala". Em vez de valise, ele cumpria suas missões mais delicadas com o corpo coberto por camadas de notas fixadas com fita adesiva e filme plástico, daquele usado para embalar alimentos. Ciente da influência e do prestígio dos destinatários de suas "encomendas", Rafael registrou o dia, o local e o montante de cada entrega que realizou a políticos. Um arquivo valioso que, para desespero dos corruptos, ele resolveu entregar à Justiça em troca de um acordo de delação premiada. Isso era o que se sabia até agora. Detalhes inéditos do arquivo em poder da Polícia Federal mostram que, além de implantar a entrega de propina em domicílio em todo o território nacional, a quadrilha estendeu o serviço de remessas a outros países. Destacado nos últimos anos para fazer a entrega de quantias que variavam de 50.000 a 900.000 reais a figuras importantes da República, como o ex-presidente e senador Fernando Collor, o tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto, governadores (Roseana Sarney), ministros do governo Dilma Rousseff (Mário Negromonte) e deputados federais (Nelson Meurer, Luiz Argolo e André Vargas), o "homem das boas notícias", como o carregador de dinheiro era conhecido, também cumpria missões para as grandes empreiteiras do cartel da Petrobras. Uma delas, a Construtora OAS, com 10 bilhões de reais em contratos com a estatal, usava os serviços de Rafael Ângulo para levar dinheiro sujo a pelo menos três destinos da América Latina, Panamá, Peru e Trinidad e Tobago, todos países onde a Petrobras e a OAS mantêm escritórios e negócios milionários com governos locais. Com quantias que variavam de 300.000 a 500.000 reais presas ao próprio corpo, o braço-direito do doleiro deixava o Brasil pelo Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro. A porta de saída do paà­s era estratégica, porque lá ele contava com a cobertura de outro comparsa da quadrilha, o policial federal Jayme Alves de Oliveira Filho, o "Careca", que, infiltrado no aeroporto, conseguia garantir a passagem tranquila de Rafael pela fiscalização. Uma vez alojado na sala de embarque, Rafael Ângulo alternava as entregas em três principais destinos: Lima, Cidade do Panamá e Porto de Espanha. No arquivo em poder dos investigadores, o entregador de dinheiro narra em detalhes o roteiro de cada "serviço" internacional. A missão começava no escritório central da OAS em São Paulo. A empreiteira tinha uma espécie de "conta-corrente" que era administrada pelo doleiro. Rafael retirava o dinheiro na sala do executivo Josà© Ricardo Nogueira Breghirolli, preso e apontado como o elo financeiro entre a empreiteira e o esquema de corrupção que atuava na Petrobras. Alojados em grandes sacolas pretas, os pacotes de cédulas, divididos — dependendo da ocasião — em euros, dólares e reais, eram levados do escritório da OAS para o escritório de Alberto Youssef, em São Paulo. Depois, com a passagem comprada e o dia da viagem definido, Rafael Ângulo viajava para o Rio de Janeiro, onde iniciava a parte mais arriscada do trabalho. Em Lima, a capital do Peru, Rafael entregava o dinheiro ao gerente de contratos da OAS Alexandre Mendonà§a. O ponto de encontro era em uma universidade. O estilo reservado e a aparência europeia do carregador — um senhor de 61 anos com dupla nacionalidade, brasileira e espanhola — ajudavam Rafael a se passar por um provável acadêmico — ninguém desconfiaria de sua "bagagem cultural" no câmpus. No Panamá, o ponto de encontro era indefinido. Rafael Ângulo apenas informava o hotel em que ficaria hospedado e dois funcionários da OAS encarregavam-se de fazer as retiradas. Um dos representantes da empresa citados pelo entregador é José Alexis Carvalho, diretor operacional da OAS. Em Porto de Espanha, a capital de Trinidad e Tobago, as entregas eram feitas no próprio escritório da OAS a um homem identificado como Marcelo, que os investigadores acreditam tratar-se de Marcelo Falcochio Coura, gerente de contratos da construtora no país caribenho. Outro destino internacional do dinheiro desviado da Petrobras era Miami, nos EUA. Segundo o próprio Alberto Youssef admitiu nos depoimentos à  Justiça, uma conta bancária em nome de Rafael Ângulo era constantemente abastecida com recursos desviados da estatal. O dinheiro vertia na conta desde 2005 e o destino final pode revelar nomes ainda inà©ditos de beneficiários do esquema. Um acordo de cooperação com o governo americano vai facilitar o acesso às informaçàµes sobre a movimentação da conta. A OAS está entre as empreiteiras com o maior número de executivos presos na Operação Lava-Jato. Além de José Ricardo Breghirolli, estão detidos na carceragem da Polícia Federal o presidente da construtora, José Aldemário Pinheiro Filho, o Leo Pinheiro, e mais três integrantes da cúpula da empresa (veja a reportagem na pág. 52). Amigo pessoal de Pinheiro, antes da Lava-Jato o ex-presidente Lula costumava usar sua influência junto a governantes de alguns países do continente para catalisar os negócios das empreiteiras brasileiras — e, em direção inversa, sua suposta ascendência sobre o governo brasileiro. Nove meses antes da operação Lava-Jato, o ex-presidente liderou uma delegação a um encontro em Lima com empresários e autoridades peruanas. Em sua palestra, Lula defendeu parcerias do governo com a iniciativa privada. A certa altura, os peruanos reclamaram da fiscalização numa ponte que liga o Peru e o Brasil. E ouviram a confirmação daquilo que é tido como o grande atrativo das palestras de Lula — a influência que tem o ex-presidente sobre a atual: "Já liguei para a presidenta Dilma hoje de manhã. Já liguei. E disse para ela da ponte; disse para ela da falta de fiscal. Ela disse: 'Pode deixar que eu vou chamar o pessoal para resolver isso'." Estavam presentes executivos das principais empreiteiras envolvidas nos desvios da Petrobras, entre elas a OAS. Em agosto de 2011, Lula embarcou num jato da OAS para realizar uma expedição pela Bolívia e Costa Rica. Na época, protestos de indígenas impediam a OAS de tocar uma rodovia de 415 milhões na Bolívia. Depois de conversar com o presidente Evo Morales, a empreiteira conseguiu uma compensação de 10 milhões de dólares pelo cancelamento de contrato com os bolivianos. Na Costa Rica, após a viagem de Lula, a OAS ganhou uma concessão milionária para administrar a rodovia mais importante do país. O negócio virou alvo de investigações na Justiça costarriquenha. SEM FRONTEIRAS O entregador contou à Polícia Federal que transportou e remeteu reais, dólares e euros a quatro países. Lima (Peru) Cidade do Panamá (Panamá) Porto de Espanha (Trinidad e Tobago) Miami (EUA) A ORDEM, DE NOVO, É DESQUALIFICAR A funcionária da Petrobras que denunciou irregularidades vira alvo de ataques. As ditaduras ensinaram algumas coisas a certos políticos brasileiros. Uma delas é reescrever a história, numa tentativa de suavizar crimes cometidos. Outra é desqualificar os adversários, usando o poder para intimidar. Ex-gerente executiva da Petrobras, Venina Velosa da Fonseca tornou-se alvo dessa engrenagem depois de afirmar que, em 2008, avisou a ex-diretora e atual presidente da empresa, Maria das Graças Foster, das irregularidades que superfaturavam os contratos e, conforme a Polícia Federal, enriqueciam lobistas, servidores públicos e polà­ticos. Quadro de confiança da presidente Dilma Rousseff, Graça, segundo o relato de Venina, não pediu detalhes nem esclarecimentos sobre o que ela disse — apenas silenciou. A acusação, ainda que indireta, é clara: a presidente da Petrobras teria sido cúmplice do esquema, o que Graça nega. Só essas declarações seriam suficientes para levar Venina à lista negra do PT. Mas ela subiu ao topo dessa relação ao incluir Lula no enredo. De acordo com Venina, o ex-diretor da Petrobras e delator do petrolà£o Paulo Roberto Costa, ao ouvir dela relatos parecidos aos feitos a Graça Foster, apontou para um quadro do ex-presidente e disse: "Você quer derrubar todo mundo?". A reação foi imediata. Venina passou a ser acusada de beneficiar o marido na Petrobras, de atuar ao lado de Paulo Roberto para roubar os contribuintes e de atacar Graça Foster em retaliação a uma punição administrativa que sofrera. Tenta-se, mais uma vez, espalhar uma cortina de fumaça sobre o caso. Verdadeiras ou não, as acusações contra Venina não invalidam o que ela disse nem afastam a necessidade de uma apuração rigorosa sobre o envolvimento de peixes graúdos nas águas profundas da corrupção na Petrobras. Basta lembrar que o mensalão foi desbaratado com a ajuda decisiva de participantes do esquema, muitos deles condenados como corruptos e corruptores. 1#19 A SEMANA – TIME DE ARREPIAR Cid Gomes, Ricardo Berzoini... E ainda faltam os ministros do PP, PR, PDT... A presidente Dilma Rousseff anunciou mais treze ministros do próximo governo. Outra vez, as conveniências políticas prevaleceram na escalação da equipe, formada por candidatos derrotados nas eleições, aliados que ficariam sem mandato e parlamentares do baixo clero. Quadros técnicos de competência reconhecida, considerados fundamentais para melhorar a péssima qualidade dos serviços pàºblicos, ficaram de fora novamente. O novo ministro da Educação, por exemplo, será Cid Gomes (Pros), governador do Ceará em fim de mandato. A ex-gerentona sucumbiu à necessidade da presidente de fortalecer sua base no Congresso. Ao distribuir ministérios a partidos e afiliados de caciques implicados até no petrolão, Dilma tenta garantir apoio para aprovar medidas na área econômica e proteger o governo na CPI que será aberta em 2015 para investigar a roubalheira na Petrobras. Com as mudanças, Dilma também reduziu o espaço do PT e apeou do coração do poder dirigentes e afilhados que passaram os últimos anos conspirando pela volta de Lula. O partido, no entanto, pode ser recompensado. A tendência é que a presidente nomeie Ricardo Berzoini para o Ministério das Comunicações. Berzoini presidia o PT quando seus subordinados foram flagrados no chamado "escândalo dos aloprados" e era um dos falcões que apostaram na CPI do Cachoeira como forma de intimidar a imprensa e abrir brecha para a censura oficial. Como ministro, é certo que tentará tirar o projeto da gaveta. Mesmo num novo governo, em tese revigorado pelas urnas, o que já era ruim pode piorar. DANIEL PEREIRA 1#20 A SEMANA – RACHA NO CLUBE DO BILHÃO A Camargo Corrêa negocia um acordo de leniência com o Ministà©rio Público e pode ser a primeira grande empreiteira a abrir o jogo sobre o esquema de corrupção na Petrobras. BELA MEGALE E ALEXANDRE HISAYASU A Camargo Corrêa está negociando com o Ministério Pàºblico a possibilidade de fechar um acordo de leniência com a Justiça. O acordo de leniência equivale à delação premiada para pessoas jurídicas — empresas envolvidas em crimes decidem contar o que sabem em troca de benefícios e atenuantes penais. Dois advogados da empreiteira confirmaram a VEJA que as conversas nesse sentido com os procuradores responsáveis pela Operação Lava-Jato estão em curso e devem ser retornadas logo depois do Ano-Novo. Se elas derem resultado, a Camargo Corrêa será a primeira dissidente do clube do bilhão, grupo formado pelas maiores empreiteiras do país que, segundo o doleiro Alberto Youssef, combinava o resultado de licitaà§ões da Petrobras, superfaturava os preços e pagava a propina destinada a subornar políticos e funcionários da estatal. Três executivos da empresa estão presos desde a segunda semana de novembro: Dalton Avancini, diretor-presidente, João Ricardo Auler, presidente do Conselho de Administração, Eduardo Leite, vice-presidente. Junto com eles, a Polícia Federal prendeu naquela data outros dezoito altos executivos de grandes empreiteiras — onze, incluindo os funcionários da Camargo Corrêa, continuam detidos na carceragem da PF em Curitiba (PR). Logo depois das prisões, as construtoras chegaram a conversar sobre a possibilidade de fechar um acordo coletivo de colaboração com a Procuradoria, mas a iniciativa foi rechaçada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que considerou a proposta um "cartel da leniênciaâ€. Desde então, os advogados indicavam ter desistido do acerto. Mas, há duas semanas, um dos advogados da Camargo Corrêa voltou a se reunir com os procuradores para discutir os termos de um acordo. A empresa já concordou em fazer a admissão de culpa, uma das exigências do Ministério Público que o grupo que tentou fazer o acordo coletivo não aceitava. Até agora, apenas a Toyo Setal, que não está entre as líderes do setor, fechou um acordo de leniência com o Ministério Público. A aposta da Procuradoria é que um acerto com um dos gigantes da área ajudará a mapear corrupção em outros setores do governo e das estatais, além da Petrobras. Mas os investigadores não pretendem estender a oferta a todas as dezesseis empreiteiras acusadas no petrolão. "Apenas as que forem mais rápidas serà£o beneficiadas'', afirma o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima. As que decidirem colaborar por último não terão mais novidades a contar, argumenta. Até o início de dezembro, os empresários presos tinham a expectativa de deixar a prisão antes das festas de fim de ano. Mas há três semanas o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki negou os pedidos de habeas corpus impetrados por seus advogados. As defesas ainda tinham a esperança de que o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, responsável pelas decisões durante o recesso do Judiciário, pudesse decidir de forma diferente. No dia 23, no entanto, a exemplo do colega, o magistrado negou um novo pedido de habeas corpus do presidente da UTC, Ricardo Pessoa, apontado por Youssef como o chefe do clube do bilhão. Com isso, os executivos passaram o Natal não apenas presos como impossibilitados de circular pelos corredores da carceragem, como normalmente são autorizados a fazer, uma vez que os funcionários trabalharam em regime de plantão. As visitas, que ocorrem às quartas-feiras, foram antecipadas para a terça 23. Todos os presos, incluindo o doleiro Youssef e o lobista Fernando Baiano, detidos na ala vizinha à dos empreiteiros, receberam familiares. A exceção foi Eduardo Leite, da Camargo, que pediu à família que não comparecesse. A àºnica regalia permitida aos detentos por causa da data foi a de comer panetone. Pelas regras, apenas produtos em embalagens fechadas, que dispensam grande verificação, como biscoitos e chocolates, podem entrar na cadeia. 1#21 A SEMANA - INTERNACIONAL – CRISE EM GOTHAM O assassinato de dois policiais em Nova York e o clima de tensão racial expõem a perigosa divisão estimulada pelo prefeito Bill de Blasio. NATHALIA WATKINS Todo mundo já viu um filme americano em que policiais heróicos — também cínicos, desiludidos, destemperados e fora de controle, ou uma combinação disso tudo — entram em choque com instâncias superiores, como seus próprios comandantes ou políticos interesseiros, indiferentes à sorte dos bravos homens de azul. Nova York, epicentro de todas as simbologias urbanas, simultaneamente Metropolis e Gotham City nas histórias de Batman, está vivendo uma peculiar versão desse filme. A força policial da cidade, dirigida por sindicatos poderosos — e às vezes até meio mafiosos, criados nas primeiras ondas de imigração de irlandeses e italianos —, está em pé de guerra com o prefeito, Bill de Blasio, um democrata quase tão à esquerda quanto possível no espectro político americano. Os atritos começaram quando De Blasio — nome verdadeiro, Warren Wilhelm, Jr — se cercou de crà­ticas à força policial, acreditando que garantiria as mudanà§as pretendidas com a nomeação de Bill Bratton, o comissário de polícia da antológica era Giuliani de combate à criminalidade. Pioraram quando o prefeito disse que ele e a mulher, que é negra e foi lésbica (característica divulgada durante a campanha para ajudar a angariar votos do eleitorado liberal), orientavam o filho adolescente a pisar em ovos em qualquer contato com policiais. A declaração foi vista como uma decretação de culpa coletiva, e ainda por cima por racismo, à luz da morte de um vendedor clandestino de cigarros, Eric Garner, sufocado acidentalmente num mata-leão aplicado por um policial. Em vingança declarada pela morte de Garner e por outro caso infame, o de Michael Brown, em Ferguson, Ismaaiyl Brinsley, 28 anos, vinte passagens pela cadeia e inúmeras manifestações de desequilíbrio, assassinou a sangue-frio dois policiais em seu carro de patrulha, um descendente de porto-riquenhos, Rafael Ramos, e o outro, de chineses, Wenjian Liu. Culpa praticamente sem escalas de De Blasio, denunciou com paixão corporativista um líder sindical da polícia. Quando o prefeito e o comissário entraram no hospital onde jaziam os dois corpos, policiais presentes fizeram uma demonstração dramática de repúdio, dando-lhes as costas. De Blasio saiu do humilhante corredor humano disposto a fazer de tudo para se reaproximar não apenas da polícia, mas do eleitorado que se comoveu com as mortes e não gosta da perspectiva de uma desmoralização ou de um boicote das forças da ordem, abrindo caminho ao aumento da criminalidade. Nos Estados Unidos, as polícias funcionam na esfera municipal e são um fator fundamental para a viabilidade dos prefeitos. "De Blasio não pode permitir um racha entre a prefeitura e a polícia porque isso destruiria sua governabilidade", analisa o sociólogo Jeffrey Alexander, da Universidade de Yale. Acuado, o prefeito de esquerda chegou a pedir o fim das manifestaçàµes de repúdio à morte de cidadãos negros. Manifestantes não deram bola e voltaram às ruas, entre eles os que conclamam abertamente a morte de policiais. Talvez esteja na hora de chamar o homem-morcego. 1#22 A SEMANA – INTERNACIONAL – O PODER DA ATRAÇÃO FATAL Brasileiro detido na fronteira da Bulgária com a Turquia é investigado na Espanha por envolvimento com terror. Trocar uma vida em que praticamente tudo é permitido e as necessidades básicas são supridas por um lugar violento, fanatizado ao extremo e com alta probabilidade de morte súbita é um caminho que alguns milhares de jovens europeus estão fazendo com entusiasmo. Kayke Luan Ribeiro Guimarães, de apenas 18 anos, dos quais sete vividos na Espanha, foi interceptado na Bulgária, a pedido do governo espanhol, quando fazia uma das rotas alternativas dos voluntários, muçulmanos de origem ou convertidos, que querem combater nas fileiras do Estado Islâmico. À Justiça búlgara, que determinará sua extradição, disse que só queria fazer uma viagem de turismo à  Turquia, o país de fácil acesso aos diferentes grupos do Estado Islâmico, a organização ultrafundamentalista que trava duas guerras simultâneas, na Síria e no norte do Iraque. A narrativa da "perseguição aos verdadeiros muçulmanos" é martelada continuamente em mesquitas da Europa, da Austrália e dos Estados Unidos. Pelas redes sociais, o trabalho de convencimento continua, e, uma vez preparado o caminho, recrutadores fazem a filtragem final e dão as instruções para a viagem. Dois marroquinos foram presos juntamente com Kayke: Tafik Mauhouch, de 24 anos, e Mohammed El Gabbro, de 27. Mauhouch é considerado pelos serviços espanhóis de informaçàµes um dos principais agenciadores de militantes para o Estado Islâmico, conhecido também pela sigla original, Isis. Kayke, nascido na cidade goiana de Formosa, foi criado em Terrassa, nos arredores de Barcelona, uma localidade tida como terreno fértil para a radicalização islamista, e abraçou a religião muçulmana por influência de amigos. Líderes fortes, mensagem político-religiosa altamente unificada e até a violência extrema funcionam como apelo entre jovens sem muito rumo na vida da mesma forma que seitas religiosas radicais e ideologias maximalistas. Também ajudam a combinação de vida moderna, com redes sociais fervilhantes, e práticas primitivas, como a venda de mulheres e meninas como escravas sexuais aos soldados de Alá. 1#23 A SEMANA – ENERGIA – LUZ NA BANDEIRA DOIS A partir de agora, o preço das tarifas de eletricidade subirá quando o nível de água dos reservatórios estiver baixo. BIANCA ALVARENGA O custo de geração da energia elétrica passará a influenciar mensalmente o valor total da conta de luz. Quanto mais baixos os reservatórios das usinas hidrelétricas e quanto mais ativas as usinas termelétricas, maior será o acréscimo na tarifa para os consumidores. A sinalização será feita por meio de bandeiras exibidas na conta. Verde significa situação de tranquilidade para o sistema elétrico nacional, com os reservatórios em nível adequado. Quando faltar água, as térmicas serão acionadas a todo o vapor e a bandeira ficará vermelha. Nesse caso, uma tarifa que deveria ser de 100 reais será acrescida de um valor extra de 6 reais (veja o quadro). A medida serve para alertar os consumidores e incentivar a economia de energia, além de cobrir gradualmente os custos de acionamento das usinas termelétricas, que geram energia a partir de combustíveis fósseis e a preços mais altos. Em 2013 e em 2014, as bandeiras já foram estampadas nas contas de luz dos consumidores, mas sem efeito de cobrança extra. Foram anos de testes para mostrar como o sistema funcionará. Cada região tem um cálculo diferente para determinar a cor das bandeiras. Isso acontece porque o sistema nacional de geração é dividido em quatro subsistemas, e o índice de chuvas e o custo de operação das usinas térmicas são diferentes em cada um deles. Nos últimos dois meses tem chovido mais em determinadas regiões e alguns reservatórios estão mais cheios do que outros. Os reservatórios do subsistema do Sul, por exemplo, estão operando com 51% da capacidade média. Já os do Sudeste/Centro-Oeste funcionam com somente 19% do total. As chuvas recentes não recuperaram o volume perdido por causa da seca nos meses anteriores e, apesar da elevação de alguns reservatórios nos últimos dias, atualmente todas as regiões operam em situação de bandeira vermelha, indicando para o próximo mês um aumento no valor da energia. A previsão inicial era que a tarifa começasse a valer em janeiro de 2014, mas em dezembro de 2013 o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, considerou que seria apressado usar o sistema no ano seguinte. Se tivesse entrado em vigor ainda neste ano, as bandeiras tarifárias teriam arrecadado 9,6 bilhões de reais e aliviado o prejuízo causado pelo acionamento de térmicas em 2014. Com a falta de chuvas em pleno ano eleitoral, o governo federal adiou o início dessa cobranà§a, já usada em diversos países e que poderia ter poupado um volume precioso de água — além de ter economizado alguns bilhões do orçamento federal. AS BANDEIRAS TARIFÁRIAS Com o objetivo de conter o desperdício, a conta de luz vai ficar mais cara quando os reservatórios das hidrelétricas estiverem baixos. • BANDEIRA VERDE - Os reservatórios estão cheios e as usinas térmicas não precisam ser acionadas Tarifa: não há acréscimo na conta de luz • BANDEIRA AMARELA - Os reservatórios não estão operando com total capacidade e as térmicas começam a ser acionadas Tarifa: acréscimo de 1,50 real por 100 kWh consumidos. Em uma conta de 100 reais, há um valor adicional de 3 reais • BANDEIRA VERMELHA - O nível dos reservatórios está baixo e as térmicas estão funcionando a todo o vapor Tarifa: acréscimo de 3 reais por 100 kWh consumidos. Em uma conta de 100 reais, há um aumento de 6 reais Fonte: Aneel 1#24 A SEMANA - ESPORTE – TEMPESTADE PERFEITA Gabriel Medina ganha o inédito título mundial de surfe e abre as comportas para o "Brazilian storm", como já é chamada a torrente de brasileiros que promete fazer sucesso no esporte. RENATA LUCCHESI Om o perdão do clichê inevitável: o Brasil está na crista da onda do surte mundial. Na sexta 19, o paulista Gabriel Medina sagrou-se vencedor do WCT, o circuito profissional de surfe disputado nas ondas de Pipeline, no Havaí, templo sagrado dos surfistas. Embora liderasse o ranking desde junho, Medina só confirmou o título na derradeira etapa do ano, e depois de muito suspense — a decisão teve de ser adiada por cinco dias por falta de boas ondas. Com a queda precoce de seus adversários — o americano Kelly Slater, onze vezes campeà£o, e o australiano tricampeão Mick Fanning —, ele não precisou vencer a etapa havaiana para levantar o troféu (o campeão em Pipeline foi o australiano Julian Wilson). Mas. quando saiu da sua àºltima onda, os braços erguidos e o sorriso eram de campeão: pela manobra, ganhou dos juízes a raríssima nota 10. A chegada de um brasileiro ao topo do surfe mundial muda a configuração dessa disputa, historicamente dominada por australianos e americanos. E a mudança pode ir além do campeão Medina, 21 anos recém-completados: em 2015, outros seis brasileiros vão competir no circuito formado pelos 36 melhores surfistas do planeta. O fenômeno até ganhou apelido na imprensa especializada: é o "Brazilian storm", a tempestade brasileira que está desabando sobre o circuito. O que mudou, afinal? Segundo o próprio campeão, a modalidade no Brasil está colhendo os frutos do esforço de desbravadores que, em condições adversas, fizeram muito para colocar o surfe brasileiro entre os melhores do mundo. "Eu, o Teco Padaratz e depois o Victor Ribas não tínhamos base, fomos aprendendo no decorrer do próprio circuito. Esta atual geração já sabe o que esperar e está mais madura", diz um desses veteranos, o paraibano Fábio Gouveia. Os novatos correm, no entanto, o risco de sofrer com a inexperiência em campeonatos, já que o do Brasil está suspenso: em 2014 não houve um circuito nacional da Associação Brasileira de Surf Profissional, apenas algumas etapas regionais. "Os meninos disputam o circuito amador e passam direto para a divisão de acesso ao circuito mundial. Não existe um campeonato forte no meio", lamenta o surfista Adriano de Souza, o Mineirinho. A esperança de o surfe nacional se fortalecer está, inteira, depositada na prancha de Medina (e seus onze patrocínios são um enorme incentivo). "O Gabriel chegou na hora e no lugar certos. Com suas vitórias, o esporte vai crescer e as associaà§ões vão melhorar", prevê Mineirinho. Com recepçà£o de herói nacional, Medina desembarcou no Brasil na terça-feira 23 para passar o Natal com a família e matar a saudade das ondas da Praia de Maresias, no Litoral Norte de São Paulo, onde agora vai ter até estátua. PARA ENTENDER O "10 PERFEITO" Gabriel Medina foi o único a conquistar a nota máxima na etapa de Pipeline, no Havaí. Saiba o que os juízes viram de tão espetacular na onda surfada pelo brasileiro. A ESCOLHA DA ONDA - Um dos primeiros fatores analisados pelos árbitrosé o risco. Eles querem ver se o atleta se aventura ou se é conservador nas ondas que escolhe. Gabriel optou por uma boa onda de backdoor, que quebra à direita do surfista PREPARAÇÃO - Medina "dropou a onda" — a expressão usada pelos surfistas para descrever a descida em alta velocidade — bem equilibrado, de costas para o mar. Depois de chegar ao ponto mais baixo, ele usou a mão direita para frear sua prancha e ser encapsulado pelo mar, iniciando a parte mais difícil da onda: o tubo. A MENINA DOS OLHOS - "Na etapa de Pipeline, estamos julgando principalmente os tubos", diz o catarinense Luli Pereira, um dos juízes da Associação dos Surfistas Profissionais. Ou seja, quanto mais longa e profunda é a imersão, melhor a nota. Medina desapareceu debaixo da crista por seis segundos, um tempo excepcional. SAÍDA TRIUNFAL - E não basta sobreviver ao tubo; a comissão de árbitros também avalia a harmonia dos movimentos. Como o brasileiro saiu bem equilibrado e em alta velocidade, a pontuação mà¡xima já estava garantida - os braços levantados, em sinal de comemoração, já indicavam a confiança pela performance. "BRAZILIAN STORM" Os brasileiros que estarão na elite do surfe mundial em 2015 GABRIEL MEDINA 21 anos São Sebastião, SP ADRIANO DE SOUZA 27 anos Guarujá, SP FILIPE TOLEDO 19 anos Ubatuba, SP MIGUEL PUPO 23 anos Itanhaém, SP JADSON ANDRÉ 24 anos Natal, RN WIGGOLLY DANTAS 25 anos Ubatuba, SP ÍTALO FERREIRA 20 anos Baía Formosa, RN 1#25 A SEMANA – MEMÓRIA – A FÊNIX ROUCA O cantor hippie de costeletas abusadas se contorce no palco como se estivesse empunhando uma guitarra imaginária. Mas o som distorcido sai é de sua garganta — cuja potência não fica a dever ao instrumento elétrico. Assim John Robert Cocker, mais conhecido como Joe Cocker, protagonizou um momento célebre do rock. Ao lado de Janis Joplin e Jimi Hendrix, esse inglês com voz e atitude de ídolo negro do soul tornou-se um nome inescapável na história de Woodstock, festival que resumiu a era do "paz e amor", em 1969. Incendiário à© o adjetivo que melhor se aplica ao roqueiro morto no último dia 22, aos 70 anos, de um câncer no pulmão. Com seu vozeirão grave e rouco, Cocker se consagrou no palco de Woodstock injetando fúria em uma canção dos Beatles, intitulada With a Little Help from My Friends, que não atingia nem um décimo de sua voltagem na interpretação de Ringo Starr. Cocker personificou não apenas a figura do artista que soube extrair a glória de uma oportunidade histórica: foi também uma espécie de fénix do rock. No começo dos anos 70, a vida de excessos — ao que consta, ele consumia uma garrafa de bourbon, oitenta cigarros e mais umas tantas doses de heroína por dia — parecia prestes a lançá-lo em uma rota de combustão sem volta. Mas ele conseguiu se levantar. Conforme contava, o impulso para reagir veio quando Ray Charles (1930-2004) o citou em uma entrevista como uma das maiores vozes da música. A prova de respeito pelo veterano soulman é que outro de seus hits, Unchain My Heart, foi também do repertório de Ray Charles. Cocker fez sucesso, ainda, com a canção que embalava o striptease de Kim Basinger diante de Mickey Rourke no filme 9 1/2 Semanas de Amor, em 1986, e marcou toda uma geração no Brasil como intérprete da música-tema da série Anos Incríveis, na década de 90. Como o público nacional atestou na segunda edição do Rock in Rio, na mesma década, e durante a última passagem do artista pelo país, em 2012, era no palco que Joe Cocker encontrava sua explosiva razão de ser. “Quando me excito, a música toma meu corpo. É um jeito de pôr os sentimentos para fora.†– Joe Cocker (1944-2014) MARCELO MARTHE 1#26 LEGISLATIVO – OS MELHORES DO PARLAMENTO VEJA publica pelo quarto ano o seu Ranking do Progresso, uma avaliação objetiva do desempenho dos senadores e deputados — que, sim, no conjunto, tratam o país com seriedade. FABIANO SANTOS Todo último ano de uma legislatura, como foi 2014, é, por natureza, especial. Para dizer o mínimo, ele encerra um período de expectativas depositadas nos parlamentares juntamente com o voto de cada eleitor. A divulgação, pela quarta vez consecutiva, do Ranking do Progresso — avaliação anual objetiva do desempenho de senadores e deputados feita por VEJA em parceria com o Núcleo de Estudos sobre o Congresso (Necon), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp- Uerj) — permite refletir não apenas sobre a etapa derradeira de mandatos iniciados em 2011, ano em que se fez o primeiro levantamento, como também convida a um balanço do país espelhado por seu Parlamento. Antes de tudo, é fundamental recordar aqui alguns pontos sobre os parâmetros conceituais do ranking VEJA — que, aliás, à© pioneiro no Brasil. Pelo mundo afora, os vários indicadores que mapeiam as ações dos parlamentares têm o objetivo de definir o posicionamento dos congressistas em relação a temas-chave do cotidiano da sociedade. A relevância disso é cristalina: de posse desses dados, é possível analisar comparativamente a atividade de deputados e senadores, desenvolvendo e testando hipóteses explicativas, e preditivas, sobre o comportamento coletivo do Legislativo; ao mesmo tempo, eles possibilitam aos eleitores avaliar em que medida os parlamentares se aproximam — ou se afastam, evidentemente — dos seus pontos de vista. No caso do ranking da revista, são levadas em conta propostas de ajuste na legislação capazes de contribuir para um paà­s mais moderno e competitivo, segundo a perspectiva de VEJA e da Editora Abril (veja o quadro, com os nove eixos considerados fundamentais para isso). O Necon desenvolveu uma metodologia que observa todas as etapas de uma proposição, de sua origem à votação final, com peso específico em cada uma das fases. Esclarecidas as diretrizes que norteiam o ranking, pode-se passar à  análise dos resultados — para além da frieza dos nàºmeros. Nos anos anteriores, enfatizamos a contribuição que o Parlamento brasileiro tem dado à discussão de projetos que visam a aperfeiçoar o status quo legal do país. Destacamos, em 2011, 2012 e 2013, a presença de uma resistência oposicionista de qualidade. Com isso, caiu por terra a ideia de uma oposição atordoada após sucessivas derrotas no pleito presidencial, reduzida à tarefa de reverberar o trabalho investigativo da imprensa e desprovida de uma agenda consistente de políticas públicas a ser apresentada à populaà§ão. No contrafluxo dessa visão, registramos que os parlamentares que sobressaíram na Câmara dos Deputados como defensores de propostas condizentes com o aumento da competitividade e modernizaçà£o da economia brasileira, de novo, segundo os parâmetros de VEJA e da Editora Abril, eram basicamente políticos eleitos por partidos de oposição (em especial PSDB e PPS, e alguns do novo PSD, egressos do DEM). Pois bem: é outro o cenário apresentado pela sessão legislativa de 2014. Neste ano, temos maior equilíbrio entre parlamentares do governo e da oposição na Câmara Federal. Entre os vinte mais bem colocados, sete integram os quadros da dupla PSDB/DEM, o mesmo número do par PT/PMDB (os seis deputados restantes pertencem a PPS, PTB, SD, PSOL e PMN). O que explicaria tal mudança? É impossível não considerar como determinante do ranking de 2014 o fator "calendário eleitoral". Tivemos um longo e árduo ano de campanhas para os pleitos presidencial e legislativo — contaminadas, mais uma vez, por uma sucessão de escândalos que envolveram a classe política e alguns candidatos-protagonistas. Senadores e deputados passaram boa parte de 2014 empenhados em levar aos seus eleitores o resultado do trabalho desenvolvido a partir de 2011. Além disso, muitos congressistas se lançaram na disputa para os executivos federal e estaduais. Isso trouxe pelo menos duas consequências: a) um número pequeno de deliberações no Congresso, se considerarmos como base o período 2011-2013; b) pouco trabalho feito por parlamentares que, em outro momento, teriam maior atuação nos processos decisórios do Legislativo. O número relativamente baixo de deliberações teve relevância para o cálculo do Ranking do Progresso porque, diante da escassez legislativa, aumentou o peso de pequenas ações ou decisàµes tomadas por senadores e deputados. Um simples discurso ou uma votaà§ão em plenário podem ter sido decisivos na definição do lugar de um congressista no ranking VEJA. Isso não teria tanto impacto se, no conjunto, houvesse um número muito maior de matérias votadas ou discursos pronunciados. Já a segunda consequência decorrente de 2014 ter sido um ano eleitoral é de difícil verificaà§ão. Na verdade, ela é até, de certa maneira, desmentida pelo fato de os dois primeiros colocados no Senado terem se candidatado ao governo de seus respectivos estados. Seja como for, é razoável supor que as disputas estaduais e as esperanças de vitória possam ter contribuído para um maior ou menor empenho nas atividades legislativas. Não se deve imaginar, no entanto, que só a ausência nas sessões do Senado e da Câmara dos Deputados explicaria a má colocação de um parlamentar no Ranking do Progresso. Estar em plenário e votar mal, vale dizer, na contramão daquilo que a revista e a Editora Abril consideram decisivo para a modernização do Brasil, conta, e muito, para que o senador ou deputado em questão desabe no ranking. Outro aspecto a ser ressaltado são as diferenças de desempenho entre as duas Casas do Congresso. Nas sessões legislativas de 2011 a 2013 tínhamos observado que o Senado não era exatamente a sede mais efetiva da oposição. Em 2014, esse traço se aprofundou: o número de congressistas oposicionistas caiu drasticamente entre os de maior destaque na chamada Câmara Alta. Não temos explicação para isso; o fato é que os deputados de oposição continuaram oferecendo contribuição mais substantiva em proposià§ões que levam o país para a frente do que seus colegas do Senado. Na próxima legislatura, a Câmara terá reforçado o seu caráter mais conservador. Para onde isso a levará começaremos a saber em 2015. Um terceiro resultado digno de nota diz respeito à confirmação do que vimos nas edições passadas quanto ao perfil daqueles que acabaram recebendo boa pontuação. Com as exceções de praxe, trata-se de um conjunto de parlamentares com alguma experiàªncia na vida política e, em especial, parlamentar. Isso prova que a política brasileira é uma atividade profissionalizada, que exige dedicação integral e boa assessoria. Por último, mas não menos importante, vale frisar o que verificamos desde o início da publicação do Ranking do Progresso: não temos um Legislativo ocupado única e exclusivamente por maximizadores do bem próprio. A agenda em torno da qual foi montado o Ranking VEJA se compõe essencialmente de projetos enviados pelo Executivo, de impactos significativos a curto e longo prazo. As intervenções e modificações introduzidas pelos parlamentares, e que serviram de medida para a montagem de nossa lista, acabaram moldando o resultado final de várias dessas políticas. Portanto, também não é verdadeira a tese segundo a qual o Congresso brasileiro pouco quer saber do Brasil. Trata-se de uma instituição na qual o destino do país é discutido e tratado com seriedade — apesar, ressalve-se sempre, de lastimáveis desvios de conduta. OS EIXOS DE ATUAÇÃO • Carga tributária menor, mais simples e sem impostos em cascata • Infraestrutura (estradas, portos, aeroportos...) • Combate à corrupção • Melhor gestão de gasto público • Sistema educacional universal e eficiente • Marco regulatório claro e respeitado (agências reguladoras técnicas e independentes) • Simplificação de regras e poda da selva burocrática • Governabilidade (relação entre os poderes) • Relações trabalhistas OS CAMPEÕES DE 2014 SENADORES – PARTIDO – UF – NOTA 1º Eduardo Amorim – PSC – SE – 10 2º Lindberg Farias – PT – RJ – 9,53 3º Armando Monteiro – PTB – APE – 9,32 4º Aníbal Diniz – PT – AC – 8,23 5º Eunício Oliveira – PMDB – CE – 7,75 6º Antonio Carlos Valadares – PSB – SE – 7,72 7º Zezé Perrella – PDT – MG – 7,48 8º Waldemir Moka – PMDB – MS – 7,12 9º Randolfe Rodrigue – PSOL – AP – 7,04 10º Gleisi Hoffmann – PT – PR – 7 DEPUTADOS – PARTIDO – UF – NOTA 1º Antonio Imbassahy – PSDB – BA – 10 Marcus Pestana – PSDB – MG – 10 2º Gabriel Guimarães – PT – RMG– 9,98 3º Angelo Vanhoni– PT – PR – 9,36 4º Raul Henry – PMDB – PE – 8,69 5º Alessandro Molon – PT – RJ – 8,86 6º Hélio Santos – PSDB – MA – 8,64 7º Cláudio Puty – PT – PA – 8,62 8º Jorge Côrte Real – PTB – PE – 9,61 9º Lira Maia – DEM – AP – 8,60 10º Amauri teixeira – PT – BA – 8,58 A listagem completa do ranking pode ser consultada em VEJA.COM e nas edià§ões para tablets. O PRIMEIRO ENTRE OS SENADORES EDUARDO AMORIM (PSC/SE) Transparência nos gastos públicos Apesar de ainda estar nos primeiros quatro anos de mandato, o médico e bacharel em direito Eduardo Amorim, do PSC de Sergipe, não chegou por acaso em primeiro lugar no Ranking VEJA. Ele já vinha se destacando desde que assumira sua cadeira no Congresso por ter uma intensa produção legislativa voltada para o desenvolvimento do país. Amorim é um inabalável defensor da transparência dos gastos pàºblicos, da simplificação da cobrança de impostos e da eficiência dos serviços prestados pelo governo. "Embora a lei da transparência exista, precisamos sedimentá-la, petrificá-la na nossa democracia. Os atos públicos precisam ser expostos, de forma clara. É por meio da transparência que o cidadão pode cobrar mais do governante e fazer valer o voto que depositou na urna", diz o senador. Em 2013, Amorim ocupou um posto relevante na Comissão de Orçamento do Congresso Nacional. Ele foi designado relator da receita, que discrimina o montante de recursos para os gastos do governo no exercício seguinte. Amorim chegou a bater de frente com setores governistas e do próprio Legislativo ao defender uma rigorosa exposição dos números de crescimento e inflação. Isso causou transtorno ao Ministério da Fazenda, que, nos últimos anos, se acostumou a utilizar sua "contabilidade criativa" para maquiar as contas públicas. "O governo dizia que a inflação seria menor que 5% e eu pedia que comprovasse isso. Foi um debate intenso. Até mesmo colegas do Congresso queriam apenas que eu assinasse o relatório com os dados do governo", conta ele. O senador não aceitou e colocou no seu relatório os dados que considerava serem reais: inflação a 5,8% e crescimento por volta de 2%. "O governo queria colocar 4%. Eu dizia o tempo todo que não seria um instrumento para elaborar uma peça fictícia", conta Amorim. Além da transparência e da precisão dos atos públicos, o senador está entre os parlamentares que acreditam que a cobrança de impostos precisa ser mais racional e menos burocrática. Ele também defende a ideia de que é preciso dar estímulos tributários a regiões menos favorecidas do país. Amorim é autor de um projeto de lei que prevê incentivo fiscal para fomentar projetos turísticos em cidades do Nordeste que utilizem mão de obra recrutada no local do empreendimento. Ainda na área tributária, o senador é autor de uma iniciativa que prevê isenção do imposto sobre produtos industrializados (IPI) para automóveis movidos a energia elétrica. No âmbito da gestão, Amorim afirma que é preciso melhorar o funcionamento dos órgãos de fiscalização e controle, como os tribunais de contas municipais, estaduais e federal. Ele é autor de uma proposta que determina a criação do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas. Segundo o parlamentar, o novo órgão funcionaria com características similares às do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça. Amorim também defende a reforma política para melhorar a relação entre Executivo e Legislativo: "Sou a favor do fim das coligações proporcionais, que acabam elegendo parlamentares que tiveram menos votos que outros". ADRIANO CEOLIN OS PRIMEIROS ENTRE OS DEPUTADOS ANTONIO IMBASSAHY (PSDB/BA) • MARCUS PESTANA (PSDB/MG) Pela reforma política e tributária Desde que foi criado, em 2011, o Ranking do Progresso jamais havia registrado um empate no primeiro lugar. Aconteceu agora: os deputados Antonio Imbassahy (BA) e Marcus Pestana (MG), ambos do PSDB, chegaram juntos ao degrau mais alto do levantamento. Eles se destacaram na Câmara Federal como os parlamentares que tiveram a melhor performance na defesa de propostas capazes de transformar o Brasil num país mais competitivo e moderno. "De fato, nós temos muita afinidade em temas fundamentais, como o combate à corrupção e as reformas política e tributária", afirma Imbassahy. Entre outras semelhanças, ele e Pestana està£o no seu primeiro mandato e foram reeleitos para mais uma legislatura, que tem início em fevereiro de 2015. Apesar de novatos no Legislativo, os dois já passaram pelo Executivo. Imbassahy foi prefeito de Salvador, entre 1997 e 2004. Quanto a Pestana, ocupou a Secretaria de Saúde do governo do Estado de Minas Gerais de 2003 a 2010. "A experiência no Executivo nos ajuda a enxergar melhor quais são os problemas e como se pode tentar resolvê-los", acredita o deputado mineiro. A corrupção, claro, é um dos entraves para o desenvolvimento do país. Por esse motivo, a ação dos parlamentares para combatê-la foi incluída entre os nove quesitos que servem de critério para a elaboração do ranking. O ano de 2014 ficou marcado pelo escândalo que envolve a maior empresa do Brasil, a Petrobras. Antonio Imbassahy teve papel decisivo no esclarecimento do estarrecedor caso do petrolão. Foi dele o requerimento de informações sobre a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. A resposta confirmou oficialmente que a Petrobras havia desembolsado 1,2 bilhão de dà³lares por uma refinaria comprada um ano antes ao preço de apenas 42,5 milhões de dólares. A apresentação de requerimentos de informação é uma das ferramentas do Congresso para fiscalizar o governo. Como se trata de um pedido formal, a resposta tem de ser dada em, no máximo, trinta dias. Foi utilizando esse artifício que Imbassahy conseguiu informações preciosas sobre a Petrobras. Ele revelou a VEJA que obteve êxito porque contou com a ajuda de funcionários da petrolífera. A dupla ressalta que o país precisa melhorar sua governabilidade. "As coisas só vão mudar com a reforma política", diz Imbassahy. "Nossa democracia está consolidada, mas não há dúvida de que o atual modelo mostrou seu esgotamento. Dois anos depois das eleições, 70% dos brasileiros não sabem sequer o nome do deputado em que votaram", comenta Pestana. ADRIANO CEOLIN _________________________________________ 2# RETROSPECTIVA 2014 31.12.14 2#1 O LAMENTÁVEL ANO DAS FALÁCIAS 2#2 BRASIL 2#3 INTERNACIONAL 2#4 GENTE 2#5 MEMÓRIA 2#6 HUMOR 2#7 VEJA ESSA 2#8 COPA 2#1 O LAMENTÁVEL ANO DAS FALÁCIAS Em um ano tão peculiar, o discurso da enganação chegou ao apogeu na política, na economia, na corrupção — atà© no futebol. ANDRÉ PETRY O filho anuncia à mãe grega que vai ser político. Desesperada, a mãe tenta dissuadi-lo: — Esqueça isso, meu filho. Se você falar a verdade, os homens vão odiá-lo. Se mentir, os deuses vão odiá-lo. Como você terá de mentir ou falar a verdade, será odiado pelos homens ou pelos deuses. O rapaz pensa sobre as ponderações da mãe e responde, convicto: — Está decidido, mãe. Vou ser político. Porque, quando eu mentir, os homens vão me amar. Quando falar a verdade, os deuses vão me amar. Dirá a desconfiada sabedoria popular que o rapaz, pela profissà£o que escolheu, vai ser bem mais amado pelos homens. Mas o diálogo acima merece uma análise mais detida. Ela mostra que mãe e filho estão presos em uma armadilha lógica que os aprisiona irremediavelmente a dois extremos opostos, o amor e o ódio. É perfeito exemplo de falácia: um truque de lógica ou de linguagem que faz com que uma afirmação pareça ser o que não é. A falà¡cia nesse caso está em limitar todo o raciocínio ao amor e ao ódio. É a falácia da bifurcação ou a falácia do falso dilema. O julgamento que se pode fazer sobre um político à© muito mais nuançado. Talvez os homens respeitem um político que diz a verdade. Quem sabe os deuses gregos, sempre tão humanos na sua inveja e na sua fúria, tolerem pequenas mentiras ditas para evitar uma grande tragédia. Estudadas há pelo menos dois milênios e meio, as falácias são usadas para enganar, não para explicar. Para esconder, não para revelar. Podemos afirmar, sem risco de sermos falaciosos, que 2014 foi no Brasil o ano das falácias. Na campanha para as eleições presidenciais, nas discussões de uma economia em desarranjo, no aparentemente infindável escândalo da Petrobras, na calamitosa falta de água em São Paulo, até no vexame dos 7 a l na Copa do Mundo, lá estavam elas. Com o discurso da enganação por toda parte, VEJA resolveu fazer este "guia prático das falácias". Nele, o leitor poderá se deliciar com falácias que já havia identificado, surpreender-se com as que não havia percebido ou apontair outros tantos exemplos que não constam do nosso guia. Desde que Aristóteles classificou treze tipos de falácia em seu Refutações Sofísticas, và¡rios estudiosos se debruçaram sobre o tema, ampliando a lista com novos truques de lógica. A relação de VEJA foi baseada na classificação do livro How to Win Every Argument (Como Vencer Qualquer Discussão), do inglês Madsen Pirie, que, em seu trabalho como pesquisador em economia, história e filosofia, um dia tropeçou em uma falácia e, fascinado, decidiu classificar todas elas — aproveitando a nomenclatura em latim de muitos dos argumentos falaciosos, numa dupla homenagem a sua profunda raiz histórica e aparente imortalidade. ARGUMENTUM AD ANTIQUITATEM É a falácia que apela ao antigo, ao tradicional. Por ser velho, é bom, verdadeiro e respeitável. O que foi bom no passado é bom no presente. Bem, nem sempre. Ou, quem sabe, quase nunca. Na Copa do Mundo, o tradicional imbatível era a mística da "camisa amarela". O alemão Paul Breitner, lateral-esquerdo da seleà§ão campeã em 1974, bem que avisou, num programa de TV: "Os brasileiros precisam aceitar que estão jogando um futebol do passado"'. Luiz Felipe Scolari, o Felipão, continuou vendendo à torcida a crença de que antiguidade é virtude. Deu sete falácias a um. ARGUMENTUM AD HOMINEM Define-se pelo ataque à pessoa, e não ao seu argumento. Marina Silva, impiedosamente atacada pelo PT na campanha, sentiu na carne o argumentum ad hominem. Tudo o que dizia contra Dilma vinha da mágoa "por não ter sido escolhida sucessora de Lula". Na modalidade escrachada dessa falácia, Levy Fidelix (PRTB), ao ser instado por Eduardo Jorge (PV) a pedir ''perdão" pelas ofensas que fizera aos gays, disparou: "Você não tem moral nenhuma. Você propõe que o jovem consuma maconha, isso é apologia do crime". Argumentum ad hominem puro. Na versão circunstancial — chamada urgumentum ad hominem circumstantiae —, atacam-se a pessoa e suas circunstâncias. Sendo herdeira do Itaú, Neca Setúbal, colaboradora de Marina, foi triturada nessa falácia ao ser acusada de defender os banqueiros sempre que abria a boca. Na malícia, era apresentada como "educadora" Neca Setúbal, assim mesmo, entre aspas. No submundo da internet, o argumentam ad hominem virou um sistema. O embate de ideias foi expulso em favor de classificações zoológicas, insultos às habilidades cognitivas e até associaçà£o das conformações cranianas das pessoas com atributos desmoralizantes. ARGUMENTUM AD IGNORANTIAM É o apelo à ignorância. Aquilo que nunca foi desmentido deve ser aceito como verdadeiro. Exemplo: alienígenas existem porque nunca se provou que não existem. Em novembro, o deputado Marco Feliciano, do PSC de São Paulo, apresentou um projeto na Câmara instituindo o ensino do criacionismo em todas as escolas públicas e privadas do país. Na justificativa do projeto, ele afirma: "Hoje, mais do que nunca, o cientificismo tem rejeitado qualquer conceito ou ensino de origem divina como se fosse possível submeter a autenticidade do Criador ao laboratório de experimentos humanos". A ciência não rejeita nem aceita conceitos divinos. Os laboratórios simplesmente não são aparelhados para validar assuntos de fé. É ignorância esperar provas científicas da existência de entes divinos. ARGUMENTUM AD METUM É o apelo ao medo. Fere a lógica pois nem sempre o medo leva à  melhor decisão. O PT abriu a temporada política de 2014 com uma peça publicitária que assustava a massa com as sete pragas bíblicas caso saísse do poder. Repetiu a falácia ao longo da campanha, docemente deslembrado de quanto criticara o PSDB por ter feito o mesmo em 2002, quando escalou a atriz Regina Duarte para o papel de medrosa. ARGUMENTUM AD NAUSEAM É a falácia da repetição, que tenta impor seu argumento pelo cansaço. Dilma demitiu Paulo Roberto Costa da Petrobras. Dilma demitiu Paulo Roberto Costa da Petrobras. Dilma demitiu Paulo Roberto Costa da Petrobras. ARGUMENTUM AD NUMERUM Consiste no apelo aos números, à suposta autoridade dos números. A seleção brasileira seria campeã em 2014 segundo todos os números. Só a Itália e a Alemanha perderam um título em casa. França (1938), Brasil (1950) e Espanha (1982) foram derrotados em casa, mas ainda não tinham sido campeões. E só o Mà©xico perdera duas vezes em casa: 1970 e 1986. Com seus tradicionais levantamentos estatísticos, o Itaú e a Goldman Sachs, poderosa casa bancária de Wall Street, concluíram: o Brasil seria campeão. Nate Silver, festejado por ter acertado os resultados das eleições de 2012 em todos os cinquenta estados americanos, cravou: "É muito difícil bater o Brasil no Brasil". Para Silver, as chances brasileiras eram de 45%. Lá atrás vinham Argentina (13%) e Alemanha (11%). Pena que esses números não jogaram contra a Alemanha. ARGUMENTUM AD POPULUM É a falácia de recorrer ao argumento mais popular, ainda que nà£o seja o melhor. Como acontece em todas as campanhas, tucanos e petistas abusaram do argumentem ad populum para cabalar votos. Aécio Neves e Dilma Rousseff disputaram, debate a debate, a paternidade do Bolsa Família. Aécio: "Se fizermos um raio X do DNA do Bolsa Família, o pai será o presidente Fernando Henrique". Dilma: "Aí, passou de todos os limites. Já estamos na fabulaçà£o". Os dois se empenharam na busca da paternidade, não por achar que o Bolsa Família é a coisa mais sensacional do planeta, mas para se identificar com sua alta popularidade. ARGUMENTUM AD VERECUNDIAM É o apelo à falsa autoridade. É um recurso onipresente no mercado publicitário, pelo qual o craque Neymar, durante a Copa, foi promovido a especialista em televisores, refrigerantes, operadora de celular, automóveis, meias, baterias, bancos, balas, energéticos, emplastros, desodorantes — até em material esportivo, talvez a única propaganda em que o jogador de fato sabia do que estava falando. DISPUTA DE FALÁCIAS Nos dois casos seguintes, é uma enganação tentando vencer a outra enganação. 1- ARGUMENTUM AD CRUMENAM É a falácia do apelo aos ricos - quando riqueza e dinheiro sà£o medida de correção. Sutilmente, ou nem tanto, tucanos tentaram mostrar que o voto dos ricos — e nas regiões mais ricas do país — tinha mais qualidade do que o voto dos pobres. O tu cano Alberto Goldman, depois de sugerir que o eleitor do PT era pobre, inculto e improdutivo, decretou: "A pergunta que qualquer pessoa intelectualmente honesta deve fazer é se, com esse perfil político do eleitorado, ainda que vitoriosa nas urnas, Dilma teria condições de governar o Brasil". 2 - ARGUMENTUM AD LAZARUM É a falácia do apelo aos pobres - quando pobreza e escassez sà£o medida de correção. Bem votados nas regiões mais atrasadas, petistas martelaram sua condição de partido dos humildes, sugerindo que tudo o que vem dos pobres é mais nobre e virtuoso. Inclusive o voto. Insistiram em divulgar pesquisas em que Aécio aparecia bem na preferência do eleitor com renda superior a dez salários mínimos. Burrice e vício não são monopólio nem de ricos nem de pobres. BIFURCAÇÃO Ou falso dilema. É a falácia que abre esta reportagem, com a qual se tenta limitar as possibilidades do interlocutor. Nada apareceu com maior frequência nas eleições presidenciais. Notório pelo sectarismo, e inspirado no dilema bíblico ("aquele que não está comigo é contra mim e aquele que não se une a mim desagrega"), o PT empunhou a bandeira do "nós e eles", como se não houvesse alternativa. A falácia balançou, quase caiu, com o surgimento de Marina Silva, a ex-petista. No escândalo da Petrobras, os tucanos abusaram da mesma opção binária: "conivente" ou "inepto". Dilma sabia de tudo na Petrobras e, portanto, é cúmplice; ou não sabia de nada e, portanto, é incompetente — como se não houvesse possibilidade intermediária. Com frequência, lê-se nos jornais: "A cúpula da Petrobras, a maior empresa do Brasil, é inepta ou cúmplice". Pode ser as duas coisas. Ou nenhuma. No debate econômico, as mentes se bifurcaram em "crescer ou distribuir" e, com mais frequência, em "austeridade ou gasto social". Ora, desafio mesmo, que vale a pena, é crescer e distribuir ao mesmo tempo, é ser austero com o dinheiro pàºblico por dever social. DICTO SIMPLICITER É uma das falácias mais antigas. Consiste em fazer uma generalização indevida, dar ao todo uma característica das partes. "Os ricos são insensíveis." "Tênis é esporte de burguês." "Os patrões são maus." Lula disse isso tudo acima. Mas, naturalmente, petistas não gostam de estar do lado errado de um dicto simpliciter. "Petistas são ladrões". ESPANTALHO É uma formulação deliberadamente exagerada do argumento. Aécio usou a falácia do espantalho na discussão da inflação, mas para apoiar seu argumento, não para derrubar o da adversária. Num debate, afirmou o seguinte: "A senhora disse que a inflação está sob controle, e não está. Eu pergunto: a dona de casa que aí está, indo ao mercado, compra hoje a mesma coisa que comprava há seis meses com o mesmo dinheiro?". Onde está o truque? Em seis meses, os preços aumentaram, mas isso significa ''fora de controle"? Sabendo que não faz mais a feira com o mesmo dinheiro de antes, a dona de casa tende a aceitar a afirmaà§ão de que a inflação está mesmo "fora de controle". FALSA PRECISÃO Quando se usam números e porcentuais só para dar a impressão de algo rigoroso. Dilma, em debate na Rede Record: "O Mapa da Violência demonstra que, de 2002 a 2012, houve um crescimento de 52% nos homicídios em Minas Gerais, enquanto no Sudeste, como um todo, houve queda de 37% dos homicídios. De fato, eu acredito que tem mãe chorando em Minas Gerais". Tudo certo, mas errado. Os assassinatos em Minas subiram 52% naqueles dez anos, mas Dilma omite que Aécio governou Minas de janeiro de 2003 a março de 2010. Sob seu governo, os homicídios subiram 11% de 2003 para 2004 — e nunca mais aumentaram. De 2004 a 2009, o último ano inteiro do tucano no governo, os homicídios caíram ano após ano. Dilma, fiel a sua tática de falsa precisão, simplesmente omitiu que a expressiva queda de 37% no Sudeste como um todo se deveu às grandes reduções ocorridas no Rio, menos 44,9%, e sobretudo na vitrine tucana, São Paulo, uma queda de 56,4%. IGNORATIO ELENCHI Essa é quase um sinônimo de política. É a falácia em que o político se defende enfaticamente do que não é acusado. Aécio construiu uma pista de pouso numa área que desapropriou na fazenda de um tio-avô. Por que não fez a obra em outro lugar? Aécio respondia: as terras já haviam sido desapropriadas (quem perguntou isso?). Também respondia: "O Ministério Público Federal disse que a obra é correta". Ninguém questionou o senador mineiro com base nos mesmos critérios usados pelo MP Federal para concluir pela correção da obra. O que não teve explicaçà£o foi por que, entre tantos locais que poderiam ser usados para fazer uma pista de pouso, o governador de Minas escolheu justamente as terras de um parente próximo. Em entrevista ao Jornal Nacional, quando o assunto da pista apareceu, Aécio quis se defender do fato de a pista não ter sido homologada pondo a culpa disso na Agência Nacional de Aviaà§ão Civil. Antes que a falácia de Aécio funcionasse, o apresentador William Bonner o interrompeu, com absoluta correção: "Candidato, homologação é uma questão burocrática... A pista valorizou ou não as terras do seu tio?". Dilma Rousseff, por sua vez, no debate da Rede Bandeirantes, em 14 de outubro, lançou mão de uma variante da mesma falácia: "Quero lembrar que duas leis aprovadas no meu governo no ano passado dão base para esse processo de investigação da Petrobras. A primeira, a Lei 12.830, garante a independência do delegado. Por quê? Antes, no passado, por exemplo na 'pasta rosa', o delegado começava a investigar, mandavam ele para um exílio dourado. A outra, que regulamentou a delação premiada, é número 12.850". Dilma estava sendo acusada de patrocinar, ocultar ou ignorar as lambanças do petróleo, nunca de não fazer leis. Mais: aceitar que Dilma apoiou as tais leis para "dar base" à investigação na Petrobras é o mesmo que acreditar que Fernando Collor proibiu o cheque ao portador de valor alto em 1990 para pegar PC Farias em 1992. PALAVRAS CARREGADAS A falácia é autoexplicativa: narra-se um fato (que pode até ser verdadeiro), mas com vocabulário convenientemente pesado. O amigo "comete erros". O inimigo, ''crimes". O amigo faz "sindicância". O inimigo, '"caça às bruxas". No Nordeste, há "seca; No Sudeste, "crise hídrica". O amigo faz Proposta de Emenda Constitucional (PEC). O inimigo "estupra a Constituição". O amigo faz "denúncia". O inimigo, "golpe". O amigo tem "más companhias". O inimigo, "organização criminosa". Nessas horas, socorra-se do grande historiador inglês Edward Gibbon (1737-1794), evitando ver na conquista de Roma pelas tribos germânicas a vitória da selvageria sobre a civilização: é falácia detestar em um bárbaro aquilo que se admira em um grego. PETITIO PRINCIPII Essa falácia ocorre quando a conclusão apenas repete o enunciado, só que com palavras diferentes. Exemplo: os juízes merecem aumento porque os magistrados devem ganhar bem. Os aeroportos brasileiros são campeões no petitio principii para disfarçar a baderna de alterar portão de embarque: "Devido ao reposicionamento da aeronave, seu embarque, quando autorizado, será feito pelo portão 7". A frase significa o seguinte: "Seu embarque será no portão 7 porque seu avião foi parar no portão 7 quando deveria estar no portão 1". Ou seja, o "reposicionamento da aeronave" ocorreu devido à bagunça, e não por um fenômeno misterioso em que os aviões decidem por si próprios onde querem estacionar. POST HOC ERGO PROPTER HOC Em latim, traduz-se por "depois disso, por causa disso". É a falácia que confunde correlação com causalidade: "O sol nasce porque o galo canta". Há correlação entre o nascer do sol e o canto do galo, pois um segue-se ao outro, mas o sol não nasce por causa do galo. Não foi uma, nem duas, nem três vezes: Geraldo Alckmin atribuiu a falta d'água em São Paulo à "pi-or se-ca dos úl-ti-mos oi-ten-ta e qua-tro a-nos". Bem, se a seca fosse o único motivo para a falta d'água, Israel já teria morrido de sede. E a Califórnia, então? Em momento glorioso do post hoc ergo propter hoc, Dilma disse: "Vocàªs falam que querem fazer a inflação convergir para 3%. Ora, é importante que a dona de casa, que está nos escutando, saiba. Eu vou falar para ela. O que é que acontecerá, se ela for para 3%? Nós vamos ter uma taxa de desemprego de 15%". A formulação é, na hipótese benigna, apenas falaciosa. Na hipótese mais provável, é fruto de formação acadêmica deficiente. REDUCTIO AD HITLERUM É a falácia que equipara o oponente ao nazismo ou a Hitler, associando-o a uma posição repudiada universalmente. Lula, em comício no Recife, em 21 de outubro: "Estão agredindo a gente (no caso, os nordestinos) como os nazistas agrediam no tempo da II Guerra Mundial". Aécio, em entrevista em São Paulo, em 16 de outubro: "Ela (no caso, a presidente) pode seguir o seu marqueteiro, que, na verdade, me parece discípulo de Goebbels, ministro da Propaganda nazista de Hitler, que dizia que uma mentira repetida mil vezes se transforma em uma verdade". WISHFUL THINKING É a falácia em que a conclusão é fruto do desejo. O exemplo veio a público em agosto, quando o governador Geraldo Alckmin visitava a represa de Atibainha e disse: "É evidente que vem chuva". ENTIMEMA É o argumento em que uma das premissas fica oculta. O ministro Guido Mantega, da Fazenda, afirmou o ano inteiro que as contas públicas não sofrem quando o Tesouro Nacional repassa bilhàµes ao BNDES ou à Eletrobras. A afirmação é falaciosa, a começar pelo fato de que o governo empresta por 3% ao banco e à  estatal o dinheiro que capta oferecendo 11% no mercado. Mas também porque o ministro da Fazenda vendia a ideia de que se empresta 100 e ficam-lhe devendo 100, então a dívida é zero. Só funciona na versão falaciosa do entimema, pois o ministro esconde a premissa de que empresta dinheiro de verdade à vista e em troca recebe uma promessa de pagamento incerta e a prazo. TREM EM DISPARADA Essa falácia consiste em querer fazer crer que basta dar um primeiro passo em determinada direção para que se torne inevitável chegar ao fim do percurso. "Se permitirmos que se vendam bebidas alcoólicas a jovens de 17 anos, daqui a pouco as mães estarão amamentando seus filhos nas maternidades com garrafas de cerveja." Os políticos são mestres nesse recurso. "Querem que acomodemos as crianças no topo de vagões?", foi a reação de Jânio Quadros quando era prefeito de São Paulo à proposta de encontrar espaço para creches nas estações do metrô. Uma variante foi usada pela oposição para lançar dúvida sobre a capacidade do governo de organizar a Copa do Mundo: "Se os voos estão com atraso agora, imagine na Copa". Ou: "Se perdem bagagem agora, imagine na Copa". Pois na Copa os voos foram pontuais, com raras queixas de bagagens perdidas. O repórter esportivo escocês Gary Meenaghan pegou 29 voos no Brasil durante a Copa e escreveu: "Nenhum atrasou, e minhas bagagens chegaram perfeitas todas as vezes". TU QUOQUE "Tu também", em latim. É a falácia em que o acusado, em vez de se defender da acusação, faz a mesma acusação ao acusador. E, convenientemente, ninguém se explica. Quem não lembra de Dilma dizendo que os tucanos também fizeram um mensalão em Minas? ARENQUE VERMELHO É o argumento que desvia a atenção da questão central. Inspira-se no cheiro forte do arenque vermelho, que exerce atração irresistível ao olfato dos cães de caça. Guido Mantega, da Fazenda, é o campeão da modalidade: a crise internacional é o seu arenque vermelho. Dezenas, talvez centenas de vezes, o ministro explicou que o mau estado da economia brasileira não se deve à política do governo, mas aos desarranjos do "cenário externo". No seu melhor momento de fuga da responsabilidade, numa entrevista em agosto, Mantega disse: "Se você tem uma crise internacional, a culpa é do ministro, a culpa é do presidente?" NIRVANA Quando nenhuma alternativa é aceitável porque nenhuma é perfeita. O programa Mais Médicos recebeu diversas críticas, mas uma delas é a materialização da falácia do Nirvana. Diz-se que o programa é ruim porque não resolve o problema da saúde no país. Nem o governo, tão habituado a glorificar suas ações, apresentou o Mais Médicos como "solução para a saúde". ARGUMENTUM AD SUPERBIAM É o apelo ao orgulho. Quando denunciou, na primeira fornada de acusações, 36 pessoas no escândalo da Petrobras, o procurador-geral Rodrigo Janot teorizou: "Essas pessoas roubaram o orgulho dos brasileiros". Não. Roubaram 1 bilhão de reais. ARGUMENTUM AD CONSUMMATIONEM SAECULI A campanha de Dilma deu sua contribuição original à longa lista de falácias. Vamos batizá-la de argumentam aa consummationem saeculi. É a falácia em que o acusador se despe de integridade, renuncia à decência e se entrega ao despudor com o objetivo apenas de iludir. Entraram para a história universal da infâmia as imagens do programa de Dilma em que, para demonizar a proposta de dar independência ao Banco Central feita por Marina Silva, a comida sumia do prato dos pobres. à‰ o fim do mundo. 2#2 BRASIL DILMA E OS MAQUIADORES Em 2010, a então candidata Dilma Rousseff apareceu rejuvenescida com os cabelos mais curtos, mais claros e penteados para cima – trabalho competente do cabeleireiro Celso Kamura. O visual foi repetido na campanha deste ano, quando a petista conquistou um segundo mandato presidencial por uma diferença de apenas 3,4 milhões de votos. Além do placar apertado e das reviravoltas, as eleições de 2014 serão lembradas pela nada elegante campanha comandada por outro mestre do ilusionismo. Remunerado com 70 milhões de reais, o publicitário João Santana “fez o diabo†nela (como alias, a própria Dilma já havia anunciado que faria). A propaganda de Dilma mentiu, deturpou e ofendeu os oponentes, tratados não como adversários, mas inimigos. De volta à cadeira de presidente e longe do Brasil imaginário criado pelo marketing eleitoral, Dilma acaba o ano acuada por problemas reais que vão da estagnaçã7o econômica e inflaçà£o ao escândalo do petróleo e um Congresso hostil. Não basta saber ganhar eleições, é preciso saber para que ganha-las. COM SANGUE NOS OLHOS Quando a roda do destino girou e Aécio Neves ocupou o terceiro lugar na campanha presidencial, viu que aliados se afastaram de fininho, os microfones sumiram da sua frente e o celular parou de tocar. A roda girou novamente e ele chegou a roçar os calcanhares de Dilma Rousseff, quando então a natureza de seus problemas mudou: o tucano teve de experimentar a fúria da máquina petista de moer verdades, disseminar infâmias e trucidar oponentes. Aécio enfrentou com altivez os dois momentos e saiu da eleição mais renhida da história da redemocratização não apenas inteiro como maior. Dono de 51 milhões de votos, sua estratégia para 2018 será manter-se em cena, bater firme no governo e mostrar, à turma da casa, que seu bico é maior que o dos outros. MARINA E OS ESTADOS DA MATÉRIA Quando o destino a transformou de vice em titular, Marina Silva respirou fundo, montou numa catapulta armada com os 20 milhões de votos obtidos na eleição de 2010 e lançou-se no ar. Atingiu altura surpreendente: no fim de agosto, a candidata à Presidência pelo PSDB tinha 34 pontos nas pesquisas, empatada com Dilma Roussess. Atacada pelo bombardeio petista, porém, liquefez-se na paisagem, assim como havia ocorrido em 2010. Aliados dizem que sua turma trabalha para recolher 30.000 assinaturas que faltam para erguer a Rede, o partido que ela tenta colocar de pé há dois anos. E que a ex-candidata está apenas temporariamente recolhida – empenhada em fortalecer a saúde e recuperar os 3 quilos que perdeu durante a campanha (até agora, ganhou apenas 1: está pesando 47 quilos) Em breve, afirmam, voltará à arena sólida como uma rocha. Os próximos meses dirão de que matà©ria Marina Silva é feita. O DESTINO DE UMA DINASTIA O olhar de José, 9 anos, abraçado ao caixão do pai, refletiu a tristeza dos brasileiros pela morte de Eduardo Campos, trágica em tantos aspectos. Vítima de um acidente de avião, o ex-governador de Pernambuco tinha 49 anos e havia acabado de se tornar pai pela quinta vez. Como político, era tido como uma das grandes promessas do cenário nacional. Como candidato do PSB à Presidência da República, estava no auge da carreira. Sua morte convulsionou a disputa eleitoral no plano nacional, com a entrada de última hora de Marina Silva na disputa, e também no estadual. Paulo Câmara, seu candidato ao governo de Pernambuco, que chegou a estar 34 pontos atrás do primeiro colocado, venceu a eleição com 68% dos votos. Mas o governador não é o único herdeiro político de Campos no estado. O mais velho de seus filhos homens, João, planeja ser candidato a deputado federal nas próximas eleições, e sua viúva, Renata, que jà¡ atuava no PSB local, virou, nas palavras de filiados, a "última instância" do partido no estado. Resta saber se a dinastia que comeà§ou com Miguel Arraes e continuou com Campos terá forças para manter a influência além das fronteiras pernambucanas. O “ESCANDALÃO†Considerado o maior caso de corrupção da história, o mensalão perdeu em 2014 o posto para um escândalo ainda pior: o petrolão. Investigando um grupo de doleiros, a Polícia Federal descobriu uma gigantesca rede de desvio de dinheiro na Petrobras. O esquema funcionava desde 2004 e contava com a participação de diretores da estatal e das maiores empreiteiras do Brasil. Os números envolvidos são superlativos. Só na conta bancária de um gerente da Petrobras, os investigadores encontraram o equivalente a 270 milhões de reais — quase o dobro do que os mensaleiros roubaram dos cofres públicos. O resultado final das apurações pode provocar um terremoto político de dimensões e consequências imprevisíveis. Em troca da redução de pena, alguns criminosos fizeram acordos de delação premiada. Com isso, grandes empreiteiros já estão presos (na foto, Ricardo Pessoa, dono da UTC, uma das empresas envolvidas, chega à carceragem da PF), e cerca de setenta políticos, entre governadores, deputados, senadores e ministros, serão investigados como beneficiários do esquema. Um dos delatores afirmou em seu depoimento à Justiça que o ex-presidente Lula e a presidente Dilma sabiam de tudo. A CAMINHO DO VOLUME ZERO Volume morto, volume útil e a pergunta que não quis calar: "Choveu no Cantareira?". Em 2014, as paulistas ouviram coisas que nunca tinham ouvido antes. E viram o que jamais pensariam ver um dia, como procissões de caminhões-pipa pelas ruas de algumas cidades e a imagem do leito das represas do maior sistema de captação e tratamento de água do estado transformado num deserto de barro que lembra um pedaço de couro esturricado. No estado onde vive um em cada cinco brasileiros, và­tima da pior seca em oito décadas, mesmo que as chuvas tornem a cair regularmente daqui para a gente, as coisas vão levar muito tempo para voltar ao normal — e algumas jamais voltarão. Na capital, ainda que chova dentro da média histórica até março, o Sistema Cantareira terá recuperado apenas 10% de seu volume útil. Já na categoria das coisas que nunca voltarão a ser o que eram, estão a quantidade de água que sai das torneiras à noite (a redução da pressão no período é medida que veio para ficar, informou a Sabesp) e (espera-se) o desperdício com que o governo e os consumidores trataram o produto até hoje. Na Região Sudeste, 2015 será o ano da gota — e não é na acepção nordestina. DE CARA LAVADA Depois de três anos e sete meses foragido, o ex-médico Roger Abdelmassih foi capturado pela polícia em estado quase natural. Ao contrário do que cogitaram investigadores, o estuprador serial de pacientes procurado pela Interpol não se deu ao trabalho de operar grandes mudanças na aparência para despistar. Contentou-se em raspar o bigode que usava no tempo em que era o "médico das estrelas", dono da clà­nica de reprodução assistida mais famosa do Brasil. Sua prisão, ocorrida em Assunção, no Paraguai, logo depois de deixar na escola os filhos gêmeos que teve com a terceira mulher, foi o maior baque que o ex-médico sofreu em 2014, mas não o único. Em agosto, um de seus netos escreveu numa rede social que queria ver o avà´ "apodrecer na cadeia". Em outubro, seu filho mais velho e ex-braço-direito na clínica famosa processou-o por danos morais, alegando que ele arruinou a imagem da família, hoje soterrada por dívidas e processos deixados no rastro de sua fuga. Por fim, o ex-médico soube queé enorme a probabilidade de a praga rogada pelo neto virar realidade. Caso os recursos da defesa não prosperem, cairá por terra sua chance de ir para o regime semiaberto em doze anos, o que fará com que Abdelmassih, septuagenário, veja o sol nascer quadrado pelos próximos trinta anos. ELE NÃO ESTÁ MAIS SÓ Na entrada de Três Passos (RS), um outdoor traz a mensagem: "Bernardo, não nos cansaremos de lutar por você. Justiça!". Quase toda semana, um grupo de moradores da pequena cidade gaúcha se reúne diante da casa em que vivia o menino órfão de mãe, maltratado pelo pai e assassinado pela madrasta. Na calçada, os vizinhos rezam por ele e discutem o andamento do processo que apura o crime. Nos dias de audiência, o encontro é no fórum da cidade, o mesmo aonde Bernardo, aos 11 anos, foi sozinho pedir para mudar de família — isso três meses antes de morrer. Seu pai, o médico Leandro Boldrini, continua a negar a participação no crime. Em maio, um mês depois de ser preso, ele entrou na Justiça com um pedido de separação da mulher, a enfermeira Graciele, que admitiu ter enterrado o corpo de Bernardo e ter dado a ele os remédios que o mataram. A separação não foi adiante, já que, com bens e contas bloqueados, Boldrini diz não ter como pagar os custos da ação. Ele e Graciele nunca mais se encontraram (os dois foram liberados de compareceràs audiências diante do juiz) nem conversaram por carta ou telefone, segundo uma pessoa próxima da família do médico. "Ele quer que ela morra", diz a amiga. O julgamento do casal está previsto para 2015. O "EXÉRCITO DA SELVA" Os índios que aparecem nesta foto são apenas uma pequena fraà§ão do autodenominado "Exército da Selva", uma milícia de mais de 150 homens da etnia caapor que dizem "patrulhar" a terra indígena Alto Turiaçu, no norte do Maranhão. Em agosto, eles perseguiram, renderam, amarraram e espancaram dezesseis madeireiros que entraram ilegalmente em suas terras. Em seguida, soltaram-nos na mata com vários ossos quebrados e atearam fogo em seus caminhões. A Funai, que alega escassez de recursos para evitar esse tipo de conflito, não se mostrou impressionada com a imagem, feita por um fotógrafo da Reuters que acompanhava os caapores. Para a entidade, ela mostra madeireiros sendo "castigados" numa "iniciativa de defesa de um povo constantemente ameaçado dentro de sua própria terra, que decidiu enfrentar a violência sofrida ao longo de anos de forma enérgica". Detalhe: as flechas que aparecem na foto podem ser cenográficas, mas as espingardas são de verdade. 2#4 INTERNACIONAL A ERA DAS TRIBULAÇÕES Terroristas que cortam cabeças e postam vídeos de qualidade profissional sobre suas atrocidades, um vírus letal que sai do coração da floresta africana e assusta o mundo, Israel sob o ataque de bombas e constrangimentos morais, meninas vendidas como escravas sexuais, um avião que some sem deixar vestígio e outro que faz chover corpos ao ser estilhaçado no ar, os avanços do príncipe da Rússia... Para quem gosta de procurar sinais, 2014 foi quase um livro de profecias sobre o fim dos tempos. Na maioria dos casos, com grande exagero, como aconteceu com o ebola, uma tragédia nos três países africanos que atingiu, mas sem a devastação mundial que nos acostumamos a ver em tantos filmes-catástrofe sobre vírus letais. Nada, porà©m, poderia ter preparado o terreno das previsões para a súbita erupção de um novo grupo unido sob a bandeira negra do radicalismo muçulmano, com um nome estranho e difícil de explicar — Isis, segundo o acrônimo mais usado em inglês, que acabou pegando. Uma espécie de legião estrangeira do terrorismo islâmico, o grupo lançou as primeiras raízes no Iraque, floresceu no campo sangrento da guerra civil na Síria e voltou para o país de origem, conquistando um espaço de tamanho e ambições sem precedentes: criar um califado, um estado teocrático ao qual todos os muà§ulmanos deveriam obediência. A pretensão, a coreografia de videogame e os discursos grandiosos pareceriam risíveis se não fosse a realidade incorporada pelo terrorista apelidado de John Jihadista, que fala como os jovens das quebradas de Londres, dá uma paradinha para a câmera quando empunha a faca das decapitações e, cheio de satisfação, multiplica as iniquidades. TRAGÉDIA DENTRO DA TRAGÉDIA Só sobreviveram os mais fortes e, em alguns casos, nem eles. A saga da perseguição aos yazidis, uma isolada minoria que segue uma religião que remonta a no mínimo mil anos antes da era cristã, criou nas montanhas do Iraque cenas de um sofrimento quase impossível de imaginar na era contemporânea. Cercados pelos ultrafundamentalistas do Isis, os yazidis fugiram para o Monte Sinjar — na verdade uma à¡rida cordilheira —, enfrentando fome, sede e calor em escala bíblica, com bebês mortos por desidratação no colo das mães, crianças com os olhos incinerados pelo sol escorchante, velhos que não aguentavam a marcha e se sentavam para morrer. Alguns poucos helicópteros iraquianos levavam alimentos e voltavam carregados de pessoas desesperadas, que chegavam a jogar os filhos dentro dos aparelhos. Um deles, pilotado pelo major-general Majid Ahmed Saadi, caiu pouco depois de decolar. Refugiados e jornalistas ficaram feridos, mas foram resgatados por outro helicóptero. O fotógrafo Moisés Saman estava nos dois voos e registrou os momentos de desespero dos tripulantes da equipe de resgate, em prantos pela única vítima fatal do acidente, o general Saadi. LETAL ATÉ DEPOIS DA MORTE A humanidade já foi destruída tantas vezes em filmes sobre pandemias de vírus que muita gente estava preparada para o pior quando o ebola irrompeu numa faixa daquela saliência da África que parece se encaixar, com o Atlântico no meio, no extremo norte do Brasil. O nàºmero de infectados, de fato, foi sem precedentes. Entre dezembro de 2013, quando o pequeno Emile Ouamouno, o paciente zero, morreu numa aldeia do interior da Guiné, e o fim de 2014, os casos registrados ficaram por volta de 19.000. Ao contrário do que ocorreu em surtos anteriores, menores porém mais letais, quase 12.000 dos contaminados sobreviveram. Nos Estados Unidos e na Europa, entre os vinte casos tratados, houve cinco mortes - nem de longe o tipo de propagação que se temeu. Mas foi impossível apagar da memória os estragos causados pela "minhocazinha" de apenas sete genes que invade diferentes células do organismo, leva os infectados a se esvair em sangramentos e ainda permanece no corpo das vítimas por até sete dias depois da morte. Essa capacidade de contágio além da vida provocou cerca de 20% dos casos, na maioria parentes dos falecidos — pela tradição, cabe a familiares preparar o corpo para os ritos funerários. Mudar a forma de enterrar os mortos, que está entre os traços mais arraigados em qualquer cultura, foi um dos métodos usados para tentar preservar a vida. O ANO DE VIVER ALUCINADAMENTE A Ucrânia começou 2014 pegando fogo, de um lado, e chegou ao fim do ano consumindo-se em chamas, do outro. Entre uma coisa e outra, uma sequência estarrecedora de acontecimentos. Os protestos iniciados em 2013, quando o presidente Viktor Yanukovieh mudou de aliança e voltou aos braços da Rússia à véspera de assinar um acordo de integração com a União Europeia, engolfaram Kiev, a capital. Cada vez havia mais gente na praça central, enfeitada por um estranho monumento a uma entidade mítica eslava. Quanto mais manifestantes, mais brutal a repressão, e vice-versa. Até um daqueles momentos em que a história dá uma guinada: de repente, Yanukovieh sumiu, e a estrutura de poder desabou. Ele deixou para trás um patético palacete avaliado em 75 milhões de dólares e uma fúria anti-Moscou, que desencadeou sua própria roda de tragédias, sob a forma de levantes nas regiões identificadas com a Rússia. Numa dessas, a Península da Crimeia se separou. Noutra, um avião de passageiros foi derrubado. A todo instante, presságios de uma invasão russa e a triste sensação de que, quanto mais muda, mais a história da Ucrânia fica a mesma. CORPOS QUE CAÍRAM DO CÉU Como não pensar numa espécie de praga divina quando corpos começaram a chover do céu? Caíram nos campos de trigo, nas plantações de girassol, nos quintais e até dentro das casas modestas de Grabovo, um lugarejo perdido do interior da Ucrânia, perto da fronteira com a Rússia. Era 17 de julho, um dia claro de verão, e o ar ficou negro com a fumaça. O lugar é distante, mas a onipresença dos celulares - e dos sistemas de escuta - registrou quase que imediatamente: o Boeing da Malaysia Airlines, com todas as 298 pessoas que haviam embarcado no voo 17, em Amsterdã, esperando chegar a Kuala Lumpur, foi derrubado a 10.000 metros de altitude por um míssil Buk, uma arma poderosa, feita para estilhaçar aviões de guerra. Quem cometeria um crime assim? Militantes de origem russa que se rebelaram contra o governo da Ucrânia, o único contingente armado presente na região. Quem colocaria uma ultrassofisticada bateria de mísseis russos em mãos de operadores despreparados ou suficientemente negligentes para cometer um engano absurdo como confundir um Boeing comercial com um avião de combate? Nem é preciso responder. Não foi nenhuma praga divina que apagou o voo 17 deste mundo - embora ainda não existam explicações que atendam à necessidade humana de respostas para o outro desastre com um avião da Malaysia Airlines, o que fazia o voo 370 no dia 8 de março e sumiu sem que nenhum sinal dele fosse achado. O MUNDO DE PUTIN: GANHAR SEMPRE OU DERRETER Imaginem se Vladimir Putin vai ter coragem de anexar a Crimeia. Nunca, jamais ele escapará de sanções brutais se enviar por baixo do pano uma bateria de mísseis de guerra que, usada por engano, derrube em território ucraniano um avião de passageiros. A economia russa está enfraquecendo; a população, diminuindo; e a queda no preço do petróleo vai acabar com ele. Recriar uma esfera de influàªncia russa à moda imperial? Pura ilusão — Putin é um líder forte de um país fraco. É claro que o principal envolvido fez exatamente o contrário de todas as argumentações, utilizadas menos para desqualificar o adversário e mais para justificar a tibieza de líderes políticos avessos ao risco. Quem iria à guerra por causa da Crimeia, a península que Nikita Kruschev deu de presente à Ucrânia em 1954 (era tudo parte da União Soviética) e Putin pegou de volta em março? Engolir as desfeitas russas é um ato de realpolitik, dizem os apaziguadores. Já Putin vive em um mundo onde impera a vladpolitik: ele planeja, arrisca, faz jogadas estratégicas e avalia as reações. Os amigos batem continàªncia e os inimigos dão uns latidinhos - de poodle, como tripudiou o vice-primeiro-ministro Dimitri Rogozin, que postou uma foto do presidente Barack Obama com um cachorrinho fofo no colo, ao lado de Putin com um leopardo. Pelo menos até que o derretimento do rublo ressuscite um princà­pio atemporal para quem ocupa o topo da cadeia alimentar no Kremlin: czar fraco é czar morto. O PODER É UM LUGAR PERIGOSO Querido Papai Noel, quero um PIB bem grande em 2014. Muitos dirigentes políticos pediram, mas Barack Obama foi um dos poucos que receberam: 5% de crescimento econômico no terceiro trimestre, uma ótima surpresa ao fim de um ano complicado, em que foi acusado até de desrespeitar o cargo ao usar um terno claro, uma bobagem. Os danos reais que sofreu foram causados por ele próprio. Com apenas cinco palavras — "Ainda não temos uma estratégia" —, passou a imagem de líder despreparado exatamente num momento em que o explosivo avanço dos ultrafundamentalistas do Isis no Iraque demandava uma postura enérgica. Obama também foi dolorosamente abalado por um dos mais conhecidos axiomas da política americana: não existem maiorias permanentes. A esperança democrata de vitórias subsequentes devido a mudanças demográficas desconjuntou-se em 5 de novembro, quando os republicanos se tornaram majoritários no Senado. As proteções contra "a tirania da maioria" foram embutidas na Constituição americana por seus geniais autores. Um dos mais obcecados pelos mecanismos de controle do poder era James Madison. Eleito presidente — o quarto —, Madison teve de fazer um bocado de coisas de que não gostava, incluindo declarar uma guerra, a segunda contra os ingleses, em 1812. "A guerra à© a mãe dos exércitos, e destes decorrem dívidas e impostos: exércitos, dívidas e impostos são os instrumentos comprovados para submeter muitos ao domínio de poucos'', escrevia ele em 1795. Se nem James Madison escapou das contradições do poder... O QUE ACONTECEU COM AS MENINAS? O chefe da seita muçulmana radical Boko Haram, que inferniza o norte da Nigéria, caiu na risada quando falou no assunto. "A questão das meninas já foi resolvida há muito tempo. Elas foram dadas em casamento", disse Abubakar Shekau. "Nessa guerra, não tem volta." O và­deo dele foi divulgado em outubro, quando já caía no esquecimento o caso das 278 adolescentes nigerianas sequestradas numa escola e mostradas depois vestidas à moda muçulmana. "Tragam nossas meninas de volta", bradaram bem-intencionados mundo afora, incluindo Michelle Obama — mulher do único homem que poderia realmente fazer alguma coisa para tentar recuperá-las. Estranhamente, os jihadistas não ligam a mínima para campanhas pelo Facebook. Eles seguem os mesmos princípios fundamentalistas dos militantes do Estado Islâmico: mulheres e meninas tomadas como espólio de guerra podem se transformar em "esposas" forçadas, se convertidas ao Islã, ou concubinas, quando pertencentes a religiões que chamam de politeístas, como os yazidis do Iraque. A revista on-line do Estado Islâmico fez até uma defesa teológica da escravização das "pagãs", invocando o exemplo do profeta Maomé e seus discípulos, que viveram entre tribos do deserto há mais de 1400 anos. Nenhuma esperança para as meninas. A FORÇA DO IRREALISMO MÁGICO Foi difícil não simpatizar com os grandalhões que pintaram a cara de azul, tomaram umas e outras e saíram pelas ruas de Edinburgh - pronuncia-se como quem fala Edinbrrra depois de vários uísques — e outras cidades escocesas, dispostos a mostrar o que existe por baixo da parte de trás do saiote xadrez para os pérfidos ingleses. Até os próprios escoceses se entusiasmaram e, em um fugaz momento de setembro, as pesquisas de opinião sinalizaram que havia uma maioria disposta a votar pela independência. Para o bem do Reino Unido, da coroa e de quem acha de forma geral que, se está funcionando, é melhor não tentar consertar, venceu o realismo: 55,3% votaram por nà£o mudar o atual arranjo, contra 44,7%. Apesar da reversão, o impulso secessionista causou convulsões ao longo de 2014, desde a Crimeia, que voltou para a Rússia, e as regiões da Ucrânia que tentaram fazer o mesmo até a faixa entre a Síria e o Iraque que caiu sob o controle do Estado Islâmico. Nada, porém, vai testar o embate entre o direito à independência e o respeito às fronteiras nacionais livremente decididas como o caminho quase sem volta que a Catalunha está tomando para se separar da Espanha. Mesmo em Estados democrà¡ticos modernos, é difícil adormecer as forças vulcânicas do nacionalismo. BIG BROTHER E BARBIES BOLIVARIANAS "Entre um emprego estável e a política, escolhi a política. Foi uma ideia irracional movida pela fé." Assim Leopoldo López, formado em administração pública por Harvard, definiu certa vez a mudança de rumo que o levou, em fevereiro de 2014, a uma prisà£o dramática, na rua, cercado de manifestantes que o saudavam como o líder forte e carismático que a oposição venezuelana não tinha encontrado até então na paisagem política devastada pelo bolivarianismo. Isolado na prisão militar de Ramo Verde, acusado de incêndio criminoso, homicídio qualificado e terrorismo, López tornou-se, a contragosto, um retrato da irracionalidade dominante, temperada pelo entrelaçamento do trágico e do cômico que se tornou padrão na Venezuela. A mistura incluiu o assassinato de uma ex-miss Universo - a criminalidade foi um dos desencadeadores dos protestos que deixaram mais de quarenta mortos - e o boato de que estavam em falta próteses de silicone no mercado das cirurgias plásticas. Nos mercados mais corriqueiros, faltavam frango, café, leite, óleo e mais uma longa lista de produtos, problema que o governo de Nicolás Maduro achou que resolveria com a implantação de um sistema de biometria nos caixas, para garantir que os pobres cidadãos que precisam alimentar a família não burlem as cotas de racionamento. Em compensaà§ão, sobravam bonecas Barbie a preços mínimos e, claro, subsidiados. Mensagem implícita do arremedo de Big Brother: feliz Natal, tolinhos. NATAL SEM MILAGRE, MAS MELHOR Num mundo ideal, o regime cubano se dissolveria sem violência, o povo celebraria a liberdade e alguns dissidentes sairiam da cadeia direto para o comando político. Como 2014 foi um ano no qual ficou excepcionalmente comprovado que vivemos num mundo muito distante do ideal, a canetada de dezembro do presidente Barack Obama, que restabeleceu relações diplomáticas com Cuba, foi uma alternativa boa para uma situação ruim: o castrismo celebrar como vitória o que é mais um dos sinais de fracasso de um regime que só sobrevive pela insularidade, pelo controle policialesco e pela existência de um senhor que o ajude — a dissolvida União Soviética primeiro, a insolvente Venezuela depois. A troca de prisioneiros mostrou a diferença entre o gigante americano e o mosquitinho cubano. Alan Gross, preso há cinco anos por levar laptops e equipamentos para conectar a pequena comunidade judaica de Cuba, estava com 50 quilos e cinco dentes a menos. Forte e bem tratado, Geraldo Hernández, um dos três espiões cubanos que cumpriam pena nos Estados Unidos, esbanjava saúde ao lado da mulher, já no fim da gravidez. Não foi milagre de Natal, mas uma prova da diplomacia, digamos, seminal, que antecedeu o reatamento: Hernández mandou da cadeia o material para a inseminação artificial. Que a filhinha por nascer, Gema, um dia viva em Cuba livre. GUERRA DA DESCONSTRUÇÃO O que conta mais, a guerra real ou a guerra das narrativas? Nos conflitos atuais, a percepção é quase tão importante quanto os resultados dos confrontos armados. Por esse critério, Israel perdeu muito na última guerra de Gaza, ao contrário do que mostram a extensa destruição material na faixa do território palestino e os 2192 mortos, dos quais mais de 1000 eram civis. Imediatamente depois do cessar-fogo de 26 de agosto, 79% dos palestinos, em Gaza e nas outras áreas, achavam que o Hamas havia saído vitorioso pelo simples fato de aguentar cinquenta dias de confronto — o número diminuiu um pouco posteriormente, quando a implacável poeira da realidade assentou. Tragicamente, para Israel todas as outras opções eram absurdas: renunciar à própria superioridade militar, deixar-se atacar pelos foguetes do Hamas sem reagir ou permitir brechas no sistema de proteção antimísseis que interceptou a maioria desses ataques. Na impossibilidade disso, enfrentou um inimigo escondido em túneis, em bairros superlotados, em escolas, num bunker debaixo de um hospital e, pior do que tudo, nos corações da parte majoritária de uma população desesperada, disposta a sacrificar tudo. Numa guerra assim, toda vità³ria será desconstruída. TODOS NÓS ESTAMOS LÁ É difícil estacionar numa vaga pequena — pouco mais de 4 quilômetros na parte maior — que anda a 135.000 quilômetros por hora; por isso mesmo, quem acha que a astrofísica é mais incompreensível do que hieróglifos egípcios entendeu genericamente a importância do que aconteceu no dia 12 de novembro, pelo calendário terrestre predominante, quando a sonda Philae pousou, quicou, flutuou na gravidade mínima e precariamente se agarrou à superfà­cie rochosa do cometa conhecido como Chury (diminutivo carinhoso para 67P Churyumov-Gerasimenko, o nome completo). Três dias depois, acabou sua bateria, mas ficou o sentimento de orgulho e de esperança que os humanos têm quando alguns membros da espécie fazem coisas grandiosas, seja decifrar a Pedra de Rosetta — a cidade egípcia onde foi encontrada a chave para entender os hieróglifos, daí o nome da nave-mãe da missão espacial europeia —, seja avançar na compreensão da origem do sistema solar e da prodigiosa gama de vida na Terra, ambas possivelmente encapsuladas nos cometas. Muito tempo depois que tudo isso acabar, a Rosetta continuará no espaço, imune à  erosão e à decadência das coisas terrestres, mais um dos gestos humanos em direção ao desconhecido. "Salvete quicumque estis; bonam ergo vos voluntatem habemus, et pacem per astra ferimus", diz a mensagem em latim, uma das 55 línguas usadas no disco fonográfico da missão Voyager, composto de duas naves lançadas em 1977 rumo ao espaço interestelar. O disco dourado pretende ser um resumo do conhecimento e da variedade da espécie humana, incluindo composiçàµes de Bach, Beethoven, Mozart, Stravinsky e Chuck Berry, canto de baleias, o som de erupções vulcânicas e as mensagens em línguas vivas e mortas, feitas com a ideia de que talvez um dia encontrem quem as entenda. "Saudações, quem quer que sejam", diz o trecho em latim. "Trazemos boa vontade e paz através do espaço." Quem não gostaria de assinar embaixo? 2#4 GENTE JULIANA TAVARES A INSUPORTÁVEL TRANSPARÊNCIA DA FAMA É um pacto faustiano, que nada tem a ver com o célebre programa da TV dominical, apesar de aparentes semelhanças: mulheres lindas e com talentos variados buscam sucesso e aplausos. Em troca, precisam dar um pedaço de sua vida íntima. Em 2014, multiplicaram-se as fotos comprometedoras vazadas, os amores roubados e outros perdidos, até na marca do gol, à luz da exposição pública. Como é possível ser a protagonista da principal novela, tornar-se a mulher com maior presença nos meios de comunicação — 670 milhões de pageviews —, namorar Neymar, o maior craque do país na Copa, e depois desistir de discutir a relação, tudo isso aos 19 anos, sem desmoronar sob a pressão da fama? Sendo BRUNA MARQUEZINE, muito dona do próprio narizinho, para ficar num de seus atributos. "Ela administrou bem a exposição pessoal", analisa o diretor Wolf Maya, que convidou Bruna para protagonizar Eu Paraisópolis, a próxima novela das 7. Já JENNIFER LAWRENCE administrou mal. "Sabia que os paparazzi fariam parte da minha vida, mas não que, a cada vez que abrisse a porta, seria cercada por dez homens que não conheço e que iria sentir medo e ansiedade todos os dias", queixou-se a atriz americana, que ganhou um Oscar com apenas 22 anos e perdeu o controle quando fotos enviadas a um ex-namorado apareceram na internet. É constrangedor e criminoso, mas outras atrizes na mesma posição preferiram não atiçar ainda mais a situação. Jennifer classificou a invasão de "crime sexual", um exagero quando se consideram os abusos da vida real. Sem nada para esconder, a cantora RIHANNA esgarçou ela mesma o tecido comportamental — para não falar no vestido transparente. Foram tantas as fotos sem roupa, fumando e aprontando todas postadas por ela no Instagram que a rede social a deixou de castigo, fora do ar, durante seis meses. Muito mais grave foi a saída de circulação de ISIS VALVERDE. Durante 100 dias, recuperou-se em casa e no Vale do Matutu, no interior de Minas Gerais, de um grave acidente de carro e da tempestade desencadeada pela incendiária interação com Cauã Reymond na série Amores Roubados. "Tomava pílulas de morfina para a dor. De manhã, abria os olhos e chorava de emoção", descreve Isis, recuperada de corpo, alma e juízo, com um novo amor e uma novela menos perigosa, Boogie Oogie. "Em 2015, serei mais cautelosa. A vida é frágil e não se deve ser negligente." NO REINO DAS FANTASIAS Austeridade, transparência e integridade. Onde já se viu um rei assumir o trono com plataforma de político de país corrupto? Na Espanha, onde em junho FELIPE VI tomou o lugar do desmoralizado Juan Carlos e, ainda tisnado pelas encrencas na Justiça da irmã Cristina, fez de LETIZIA uma rainha consorte igualmente preocupada com a imagem da monarquia. Austera sem descer do salto e vestida nos trinques, em geral pelo costureiro Felipe Varela, para deleite das massas que adoram um figurino real. A ex-jornalista raramente usa chapéu e só põe tiara por extrema exigência protocolar, mas sempre aparece em público produzida até o último tufo de cílios postiços. Um truque mais para o show business do que para a realeza tradicional que também à© usado pela rainha MÁXIMA, da Holanda, para ficar bem na foto. A rainha argentina sempre surpreende os holandeses com manifestações de emoção — em julho, segurando a mão do marido, o rei Willem-Alexander, chorou no desembarque dos primeiros corpos das vítimas do avião da Malaysia Airlines derrubado na Ucrânia. Quem liga se não aderiu ao truque monárquico dos chumbinhos costurados na barra da saia para escapar de lufadas traiçoeiras? Pouca gente: o índice de aprovação a Máxima bateu em 80%. Na Inglaterra, a futura rainha KATE foi mais cobrada por episódios semelhantes, mas acabou perdoada: está grávida pela segunda vez e, de novo, sofreu com enjoos extremos. Kate teve de fechar os olhos e pensar na Inglaterra durante os quase três meses que passou trancada em casa. O irmãozinho ou irmãzinha de GEORGE nasce em abril. Até lá, meninas de todo o mundo podem assistir pela milionésima vez a Frozen, uma Aventura Congelante, o filme que fez da princesa do gelo ELSA a mais popular cabecinha coroada do ano. A boneca com seus traços tornou-se o presente de Natal mais pedido pelas meninas americanas, desbancando onze anos consecutivos de domínio da Barbie. E as pequenas fãs não precisam tirar a onipresente fantasia: o filme, a quinta maior bilheteria da história, vai ter continuação, claro. NA ALEGRIA E NA VILEZA Num ano com tantos casamentos de famosos, foi preciso um esforço danado para superar a concorrência, mas o ator americano GEORGE CLOONEY fez um trabalho de mestre. Primeiro, pela original escolha da noiva, a libanesa radicada em Londres AMAL ALAMUDDIN, que se veste e se comporta igualzinho a uma celebridade, mas tem o apelo da carreira própria como advogada de renome internacional. Segundo, pelo local da festa: Veneza. Terceiro, pela festa em si, com quatro dias de libações cheias de amigos famosos dele e de parentes dela, na maioria drusos, adeptos de uma religião sincrética de matriz muçulmana que até há pouco tempo era completamente fechada e marcada pelo conceito de vingança ao estilo tribal. Clooney que se comporte. Ou cogite no que aconteceu com FRANà‡OIS HOLLANDE, o presidente ao qual os franceses já davam mais de 80% de desaprovação quando o segredo que poderia salvar alguma coisa de sua reputação — um caso com a provocante atriz JULIE GAYET — foi transformado em outra de suas patetices. VALÉRIE TRIERWEILER, a mulher dispensada, saiu do estado de choque para o estado de cheque: escreveu um livro em que escava as miudezas de Hollande. Nada de muito comprometedor — é um homem de esquerda que, pouco supreendentemente, não gosta de pobres —, mas o suficiente para engordar a conta bancária dela em mais de 1,3 milhão de euros. Hollande jurou celibato, mas foi fotografado de novo com Julie, num jardim do Palácio do Eliseu. Em novembro, afastou cinco funcionários palacianos por suspeitar que algum deles tirou a foto sub-repticiamente. Quatro deles haviam sido indicações de Nicolas Sarkozy, o homem que o antecedeu e pensa em sucedê-lo, de forma a garantir que o espetáculo continue. A DAMA E A OUTRA Uma atingiu o ápice ao receber uma honraria da rainha da Inglaterra e a outra ganhou o prêmio de equilibrismo do ano, ao sustentar uma taà§a de champanhe no derrière fotograficamente manipulado — como se precisasse... ANGELINA JOLIE e KIM KARDASHIAN, americanas nascidas em Los Angeles que encarnam dois espetaculares e antagônicos tipos de beleza, têm mais em comum do que parece. As duas acumulam históricos agitados e em 2014 se casaram, ambas pela terceira vez, com homens tà£o ou mais famosos que elas, pais de seus filhos. Também têm equipes de stylists — as pessoas que providenciam as roupas das muito ricas e famosas — com o mesmo foco nas cores da moda: elas praticamente só usaram branco, cinza, preto e nude (o velho e rejeitado bege). Com resultados diferentes, claro. Angelina, 39 anos, avançando no processo de santidade, cada vez mais encoberta e etérea, com a clavà­cula e o acrômio quase furando a pele sobre os ombros. Depois de receber da rainha Elizabeth o título de dama honorária pelo trabalho humanitário em favor de vítimas de violência sexual em guerras, admitiu que pensaria num cargo político para continuar fazendo o bem. Já a explosivamente curvilínea Kim, 34 anos, usou seus cinquenta tons de cinza para deixar o público masculino passando mal. Quantos não sonharam começar 2015 emulando a trajetória balà­stica daquele jato de champanhe? 2#5 MEMÓRIA EDITADO POR RINALDO GAMA VIDAS PLENAS CONTRA A MORTE Personagens vigorosos e tramas fantásticas deram ao colombiano a imortalidade na literatura. Outros nomes de peso que morreram em 2014 passeariam com naturalidade nas páginas de Gabo GABRIEL GARCIA MÁRQUEZ, escritor, aos 87 anos "Uma das maiores tristezas de morrer é que este será o único evento da minha vida sobre o qual não poderei escrever", disse, jà¡ em sua fase derradeira, o escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez, conforme lembrou recentemente seu filho Rodrigo ao jornal americano The New York Times. A declaração guarda duas constatações incontornáveis. A primeira delas: a morte não era um tema indiferente ao Nobel de 1982. A segunda: para além de qualquer coisa próxima a "profissão", "necessidade" ou "fonte de prazer", escrever para ele era a diferença entre viver e morrer. Com isso em mente, pode-se compreender melhor por que sua obra o levou tão longe. A rigor, Garcia Márquez foi o último grande contador de histórias de nosso tempo. E elas costumavam estar inacreditavelmente sintetizadas no primeiro parágrafo de seus romances, novelas e contos. O autor revelou certa vez que aprendera a narrar de modo tão extraordinário com sua avà³ materna, que contava os mais fantásticos episódios sem alterar a expressão do rosto. Tudo era, por assim dizer, "natural". Essa era a chave do realismo mágico que ele representou sobretudo em Cem Anos de Solidão (1967). A imaginária Macondo, calcada na sua Aracataca natal, resumia o atraso latino-americano sob uma atmosfera que abrigava o absurdo metafísico. Curiosamente, o escritor que tanto se orgulhava de sua veia realista deixou-se obnubilar pela fantasia do comunismo, mantendo com o regime ditatorial cubano a melhor das relações. O equà­voco beira o inexplicável. A obra literária de Gabriel Garcia Márquez, no entanto, é maior do que sua visão política. Foi o que o levou ao auge. O que o trouxe até aqui. Também no auge de sua trajetória estão retratadas outras personalidades nas páginas a seguir. (17 de abril). COM LETRAS MAIÚSCULAS NADINE GORDIMER, escritora, aos 90 anos Em menos de um ano, a África do Sul perdeu dois expoentes da luta contra o apartheid. Primeiro morreu o maior deles, Nelson Mandela, em dezembro de 2013. Sete meses depois foi a vez de Nadine Gordimer, Prêmio Nobel de Literatura de 1991. Romancista, contista e ensaísta, a autora integrou os quadros do Congresso Nacional Africano, partido pelo qual Madiba se elegeria presidente em 1994 - e fez da segregação racial um tema recorrente em sua obra. Nascida na cidade mineira de Springs, em uma famà­lia judia, Nadine publicou seu primeiro romance aos 15 anos. "Se eu fosse negra, provavelmente não teria me tornado escritora, uma vez que as bibliotecas que eu frequentava eram proibidas para eles", declarou ao receber o Nobel. (13 de julho) P.D. JAMES, escritora, aos 94 anos Ela sabia desde a adolescência o que queria ser. Mas Phillis Dorothy James, inglesa de Oxford, só estrearia como ficcionista aos 42 anos. Convocado para trabalhar no front, seu marido, que era médico, voltou da II Guerra com problemas mentais. Com isso, ela foi obrigada a assumir o comando da casa, empregando-se no Serviço Nacional de Saúde. Seu primeiro livro, O Enigma de Sally, já colocava em cena o inspetor Adam Dalgliesh, que a ajudaria a se tornar uma das rainhas do romance policial, comparada a Agatha Christie. (27 de novembro) BEN BRADLEE, jornalista, aos 93 anos Na década de 70, circulou uma espécie de cartão-postal com a foto do ex-presidente americano Richard Nixon e a seguinte legenda: "Alguém ainda duvida do poder da imprensa?". A referência era ao famoso Caso Watergate, cuja implacável cobertura feita pelo diário The Washington Post levou Nixon a renunciar, em 1974. Na coordenação das investigações realizadas pelos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein estava Ben Bradlee, então editor executivo do dià¡rio. Nos 26 anos em que ele esteve à frente do Post, o jornal colacionou dezessete prêmios Pulitzer. Bradlee ensinava: "Faça o melhor e o mais honesto jornal que você puder hoje. E um ainda melhor no dia seguinte". (21 de outubro) MANOEL DE BARROS, poeta, aos 97 anos Tomado, frequentemente, como um autor de versos "primitivos", "espontâneos", voltados sobretudo para a natureza, o mato-grossense Manoel de Barros buscava conjugar em sua obra elementos regionais com aflições existenciais e um surrealismo bastante particular. Sua formação era cosmopolita. Graduado em direito e familiarizado com a moderna poesia francesa, chegou a viver no Rio de Janeiro, mas acabou se recolhendo a uma fazenda no Pantanal. Cultivava uma literatura de metáforas e neologismos como "eu me eremito". (13 de novembro) ARIANO SUASSUNA, escritor, aos 87 anos "A arte é uma forma precária mas eficaz de imortalidade", acreditava o paraibano Ariano Suassuna. Formado em direito e filosofia, Ariano iniciou a carreira como poeta e dramaturgo. Se seus versos jamais alcançaram a repercussão que lhes cabia, a obra teatral o consagrou - não só nos palcos, como também no cinema e na TV. A peça Auto da Compadecida (1955) tornou-se um clássico. Mas seu monumento literário é Romance d'A Pedra do Reino (1971), marco do movimento armorial, lançado por Suassuna com o propósito de construir uma arte brasileira erudita a partir de raízes populares. (23 de julho) MAX NUNES, roteirista de humor, aos 92 anos Alguns dos personagens mais célebres da televisão brasileira sà£o humorísticos. O Primo Rico e o Primo Pobre, por exemplo, e o casal Fernandinho e Ofélia (aquela esposa, digamos, pouco inteligente, mas que sempre lembrava ao marido: "Eu só abro a boca quando tenho certeza".).Todos eles saíram da imaginação do carioca Max Nunes. Parceiro de Jô Soares até seus últimos dias de vida, driblou a censura do regime militar satirizando a própria televisão. Acreditava: não há sabedoria maior do que rir de si próprio. (11 de junho) JOÃO UBALDO RIBEIRO, escritor, aos 73 anos Para quem apostava que "o segredo da verdade é que não existem fatos, só histórias", a arte da ficção não deveria ser um "mistério". Mas era dessa forma que João Ubaldo Ribeiro, baiano de Itaparica, encarava sua vocação: como algo inexplicável. A chave que empregou para tentar desvendá-la foi a busca da identidade nacional. De Setembro Não Tem Sentido (1968), o livro inaugural, até sua obra máxima, Viva o Povo Brasileiro (1984), o mote à© o mesmo. O que tornou singular a sua produção foi a competàªncia com que ele aliou a temática da brasilidade com o refinamento das referências literárias. É isso que explica o "mistério" de Hamlet intrometer-se em Sargento Getúlio (1971) e a Odisseia, de Homero, ecoar em Viva o Povo Brasileiro. (18 de julho) PAPÉIS VITAIS SHIRLEY TEMPLE, atriz, aos 85 anos Não é de estranhar que a lembrança que o público tenha da americana Shirley Temple, a despeito de sua longa vida, seja de uma menina. A infância foi, de fato, o auge do seu estrelato. Com apenas 3 anos, ela já sapateava. Não demorou para que os inconfundíveis cachos dourados e o rosto de boneca da garotinha conquistassem os Estados Unidos, país mergulhado na Grande Depressão. Tornou-se, assim, a mais jovem atriz a ganhar um Oscar Especial - tinha 6 anos quando recebeu uma miniatura da estátua. Fez mais de quarenta filmes, o que a levou ao posto de maior celebridade de Hollywood, superando até Clark Gable e Greta Garbo. (10 de fevereiro) PHILIP SEYMOUR HOFFMAN, ator, aos 46 anos O talento irretocável para viver personagens marcados pela desilusà£o, pela angústia e pela derrota insinuou-se desde o início na trajetória do americano Philip Seymour - e o transformou em um dos maiores astros de sua geração. Soaria ingênuo, portanto, imaginar que só por coincidência seu primeiro papel de fôlego tenha sido o de Willy Loman em A Morte do Caixeiro Viajante, a obra-prima de Arthur Miller, numa montagem colegial, aos 17 anos. Vencedor do Oscar de 2006 por seu trabalho como protagonista de Capote, Hoffman também exibiu desenvoltura ao atuar em blockbusters como Jogos Vorazes. (2 de fevereiro) ALAIN RESNAIS, cineasta, aos 91 anos Enquanto seus colegas da nouvelle vague, como Jean-Luc Godard e François Truffaut, se inspiravam em faroestes, policiais e suspenses americanos para dar corpo à "nova onda" do cinema francês, Alain Resnais se esmerava em trazer para as telas uma complexa aliança com a literatura. Assim, desde a estreia com Hiroshima, Mon Amour (1959), resultado de sua parceria com a escritora Marguerite Duras, ficou claro que ali estava um cineasta literário. O modo original com que este diretor nascido em Vannes, na Bretanha, explorava a interioridade humana rendeu cinquenta filmes e prêmios, como os dos festivais de Berlim e Veneza. (1º de marà§o) Robin Williams, ator, aos 63 anos Poucos atores alcançaram na comédia e no drama o mesmo grau de excelência que o americano Robin Williams - a ponto de tornar irrelevante a separação entre ambos os gêneros. Se o humor o tornou popular - teve seu papel de maior projeção como protagonista de Uma Babá Quase Perfeita (1993) -, foi como o mentor de Matt Damon em Gàªnio Indomável que ele ganhou seu único Oscar, como ator coadjuvante, embora seja mais celebrado por sucessos como Bom Dia, Vietnã (1987) e Sociedade dos Poetas Mortos (1989). Williams fez mais de sessenta filmes. Assombrado pelo álcool, pelas drogas ilícitas e pela depressão, o ator freou as duas primeiras ameaças, mas não suportou a terceira, que o levou a se enforcar dentro de sua própria casa. (11 de agosto) LAUREN BACALL, atriz, aos 89 anos Foi por timidez que, obrigada a seduzir o superastro Humphrey Bogart em Uma Aventura na Martinica (1944), a americana Lauren Bacall, de apenas 19 anos, abaixou o queixo e levantou os olhos. O personagem, o ator e, sobretudo, o público não resistiram. Bacall e Bogart se tornaram um dos mais célebres casais do cinema, até a morte dele, em 1957. Sozinha, ela ainda teria vigor para deixar de ser apenas uma estrela e passar a atuar com maior firmeza, inclusive nos palcos - foram dois prêmios Tony. Em 2009, recebeu um Oscar honorário. (12 de agosto) MIKE NICHOLS, diretor, aos 83 anos Se tivesse dirigido apenas A Primeira Noite de um Homem (1967), Mike Nichols, nascido na Alemanha e radicado nos EUA, já teria assegurado um lugar entre os clássicos. Mas o filme, estrelado por Dustin Hoffman e que lhe rendeu um Oscar, não é exceção em sua carreira. Antológico é também seu trabalho em Quem Tem Medo de Virgínia Woolf? (1966), com Elizabeth Taylor e Richard Burton. (19 de novembro) RICHARD ATTENBOROUGH, ator e cineasta, 90 anos À frente das câmeras, este inglês de Cambridge ia do drama à comédia sem nenhuma hesitação. Contudo, foi a carreira por trás das lentes que o levou mais longe. Seu Gandhi (1982) venceu oito dos onze Oscar aos quais foi indicado, incluindo o de melhor diretor e melhor filme. (24 de agosto) ROBERTO BOLAÑOS, humorista, aos 85 anos O apelido "Chespirito", forma diminutiva, em castelhano, de Shakespeare, dado em razão de sua versatilidade na escrita, nunca se desprendeu do mexicano Roberto Gómez Bolaños. Entretanto, foi superado pela consagração de dois personagens humorísticos criados por ele: Chaves e Chapolin Colorado. O garoto órfão e pobre e o super-herà³i atrapalhado, interpretados por ele mesmo, alcançaram uma extraordinária popularidade na TV - e se tornaram sinônimos de Bolanos. O humorista, que estudou engenharia, trabalhou como redator publicitário em rádio e televisão antes de ter seu próprio programa, que lhe garantiu fama internacional. (28 de novembro) EDUARDO COUTINHO, documentarista, aos 80 anos Entre as inúmeras derrotas do golpe militar de 31 de março de 1964 figura esta: de nada adiantou interromper as filmagens de Cabra Marcado pra Morrer, do paulista Eduardo Coutinho, sob o pretexto de "comunismo". Lançada em 1985, a história do líder de uma liga camponesa nordestina veio à tona na forma de um filme estupendo, que unia o registro original ao seu próprio e acidentado percurso, além de rastrear o destino dos personagens. Coutinho, que ajudou a modelar o Globo Repórter, esbanjou talento em outras produções, como Edifício Master e Jogo de Cena. Uma tragédia familiar interrompeu sua vida: com problemas mentais, seu filho Daniel o matou a facadas, feriu a mãe e tentou suicídio. (2 de fevereiro) HUGO CARVANA, ator e diretor, aos 77 anos Não é exagero afirmar que o ator e diretor carioca Hugo Carvana conquistou notoriedade ao se especializar em um personagem: o malandro. Tudo começou na comédia O Capitão Bandeira contra o Dr. Moura Brasil (1970), de Antônio Calmon, e atingiu o ponto culminante em Se Segura, Malandro! (1978), dirigido e interpretado por ele mesmo. Carvana, que participou com destaque do cinema novo, também deixou sua marca na TV — como o repórter Valdomiro Pena, por exemplo, do seriado Plantão de Polícia, da Rede Globo. (4 de outubro) PAULO GOULART, ator, aos 81 anos Apesar de ter sua trajetória quase sempre associada à TV, na qual estreou na década de 50, o paulista Paulo Goulart atuou também com desembaraço no teatro e no cinema. Nos palcos, fez Shakespeare e Nelson Rodrigues e filmou com Nelson Pereira dos Santos (Rio Zona Norte) e Bruno Barreto (Gabriela, Cravo e Canela). Em resumo: um ator completo. (13 de março) JOSÉ WILKER, ator, aos 67 anos Versatilidade e ousadia. Eram essas as características que singularizavam o trabalho do ator cearense José Wilker, fazendo-o dar credibilidade a personagens tão distintos como o Lord Cigano, de Bye Bye Brasil (1979), de Caca Diegues, e o protagonista de A Cabra ou Quem É Sylvia?, peça teatral de Edward Albee, em 2008. Para não falar dos popularíssimos Vadinho, de Dona Flor e Seus Dois Maridos, que Wilker encarnou no longa-metragem de Bruno Barreto (1976), e do bicheiro Giovanni Improtta, que saltou da telenovela Senhora do Destino (2004), de Aguinaldo Silva, para o cinema. (5 de abril) SONS E SILÊNCIO JAIR RODRIGUES, cantor, aos 75 anos O sorriso largo, larguíssimo, antecipava a voz poderosa, e ambos se completavam com uma coreografia particular de insuperável simpatia. Jair Rodrigues de Oliveira consagrou-se como cantor e showman na década de 60. Ancorou, ao lado de Elis Regina, o programa O Fino da Bossa, da TV Record; gingou com as mãos em Deixa Isso para Lá, espécie de antecessora do rap; e coroou-se com a vigorosa interpretação de Disparada no Festival da Canção de 1966. Seu talento contribuiu também para popularizar a moderna música sertaneja. (8 de maio) CLÁUDIO ABBADO, maestro, aos 80 anos "Aplausos me deixam embaraçado. Sou um maestro e não um showman", dizia o italiano Cláudio Abbado, um dos maiores regentes de seu tempo. Um tempo que inclui o americano Leonard Bernstein (Abbado foi assistente dele na Filarmônica de Nova York) e o austríaco Herbert von Karajan (a quem sucederia na Filarmônica de Berlim). Econômico nos gestos, deixou belas gravações de gigantes como Mozart, Beethoven e Mahler. (20 de janeiro) MARLENE, cantora, aos 89 anos A paulista Victória Delfino dos Santos ganhou o apelido de Marlene por sua semelhança com a atriz alemã Marlene Dietrich. Mas, apesar de haver atuado em diversos filmes, foi como cantora - um ícone da era do rádio - que ela ganhou alcance nacional. Sua histórica rivalidade com a carioca Emilinha Borba, com quem disputava fãs, ajudou-a a se projetar. Gravou mais de 4000 músicas e chegou a dividir o palco com Edith Piaf. (13 de junho) LORIN MAAZEL, maestro, aos 84 anos Os músicos da orquestra da rede NBC ficaram furiosos quando souberam que um menino de 11 anos iria conduzi-los. Decidiram recebê-lo chupando pirulito. Mas recuaram quando o garoto os interrompeu para corrigir uma nota. Prodígio, o franco-americano Lorin Maazel era dono de ouvido absoluto, memória excepcional - regia de cor - e pulso firme. Dessa maneira, esteve à frente de potências como a Filarmônica de Nova York e a Ópera de Viena. (13 de julho) PACO DE LÚCIA, violonista, aos 66 anos A renovação da música flamenca, gênero tradicionalà­ssimo da Andaluzia, de origem mourisca, foi a contribuição maior deste espanhol de Algeciras. Para tanto, Paco mesclou o flamenco com o rock e o pop - nas gravações feitas ao lado do cantor Camarón de La Isla, nas décadas de 60 e 70 - e, em carreira-solo, incursionou pelo jazz. Em suas andanças pela América do Sul, descobriu o cajón, instrumento peruano de percussão, e decidiu incorporá-lo ao seu repertório. No cinema, compôs para filmes como Carmen, de Carlos Saura, e Vicky Cristina Barcelona, de Woody Allen. (26 de fevereiro) COLEÇÃO DE FORMAS OSCAR DE LA RENTA, estilista, aos 82 anos Quando, ainda jovem, o dominicano Oscar de la Renta resolveu se mudar para Madri, seu plano era estudar artes plásticas e, claro, dedicar-se à s telas. Na capital espanhola, no entanto, começou a se interessar por moda e foi estagiar com Cristóbal Balenciaga. Iniciava-se ali uma das mais bem-sucedidas carreiras do mundo fashion. Na década de 60, passou a vestir ninguém menos do que Jacqueline Kennedy, a mulher mais famosa do planeta. Também usaram suas criações atrizes como Penélope Cruz e Nicole Kidman, e outra primeira-dama americana: Hillary Clinton. (20 de outubro) SÉRGIO RODRIGUES, designer, aos 86 anos Há uma sadia confusão entre o nome do carioca Sérgio Rodrigues e a ideia de design brasileiro. Pudera: sua reverenciada poltrona Mole, de 1957, ajudou a inserir a criação nacional nessa área no mapa do mundo. A obra faz parte da coleção permanente do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA). Formado em arquitetura, Rodrigues migrou para o design convencido de que sua profissão também deveria se preocupar com o mobiliário de um imóvel. (1º de setembro) MEDICINA E DIREITO ADIB JATENE, cardiologista, aos 85 anos O cardiologista Adib Jatene enfrentava com tranquilidade os momentos tensos de sua profissão. Não foi diferente quando, em setembro, sentiu uma forte dor no peito e decidiu internar a si próprio no Hospital do Coração, cuja direção-geral era dele. Seus pares o consideravam um sábio. Era mesmo: em 1968, fez a primeira cirurgia de ponte de safena no Brasil e, na década de 70, desenvolveu uma técnica de correção de artérias infantis hoje conhecida como "cirurgia de Jatene". Foi ministro da Saúde duas vezes: no governo Collor e na primeira gestão de FHC, quando articulou a criação da CPMF, o imposto do cheque. (14 de novembro) MÁRCIO THOMAZ BASTOS, advogado, aos 79 anos Se Jatene era tido como "sábio", muitos dos colegas de Márcio Thomaz Bastos se referiam a ele de modo mais superlativo - como "Deus", ou melhor, "God". Bastos deu ao Judiciário boa parte de seus atuais contornos. Como ministro da Justiça de Lula, teve papel de relevo: graças a ele, o PT pôde se agarrar à tese do caixa dois no escândalo do mensalão. Entusiasta de primeira hora do golpe de 64, participou da campanha das diretas na década de 80. Enriqueceu defendendo clientes tão diferentes quanto o seringueiro Chico Mendes e o médico Roger Abdelmassih. (20 de novembro) NEGÓCIOS E NÚMEROS NORBERTO ODEBRECHT, engenheiro e empresário, aos 93 anos Descendente de imigrantes alemães, Norberto Odebrecht, nascido no Recife, mudou-se com a família, aos 5 anos, para Salvador - que acabaria sediando seu grupo empresarial, um dos maiores do Brasil, com atuaçà£o em mais de duas dezenas de países. Aos 15 anos, Norberto já trabalhava nas oficinas do pai, nas quais era instruído por pedreiros, serralheiros, mestres de obras. Antes mesmo de se formar em engenharia pela Escola Politécnica da Bahia, assumiu a presidência da empresa. Aos 24 anos, fundou a própria construtora, que inicialmente tinha seu nome. Em 1991, deixou o comando da Odebrecht S.A., que passou a ser exercido por seu filho Emílio. Ao morrer, ocupava o posto de presidente de honra do grupo, hoje dirigido por seu neto Marcelo Odebrecht. (19 de julho) ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES, empresário, aos 86 anos Um bilionário austero? O que pode parecer uma contradição definia de modo irretocável a personalidade do paulista Antônio Ermírio de Moraes, que, ao lado do irmão mais velho, José Ermírio, transformou a Votorantim, uma indústria têxtil fundada pelo avô materno, em um dos maiores conglomerados empresariais do mundo. O marco da expansão do negócio foi a fundação, em 1955, da Companhia Brasileira de Alumínio. Com presença em mais de vinte países, o grupo atua em outras frentes, produzindo aço, cimento, celulose e suco de laranja. Em 1986, Antônio Ermírio decidiu concorrer ao cargo de governador de São Paulo. Derrotado por Orestes Quércia, não voltou a disputar cargos públicos e passou a escrever peças teatrais sobre o Brasil. Também atuou como presidente do hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, em carà¡ter filantrópico. (24 de agosto) SAMUEL KLEIN, empresário, aos 91 anos Para um jovem judeu polonês que escapou do campo de concentraçà£o durante a II Guerra Mundial, estar vivo e livre no Brasil do início da década de 50 era quase um milagre. Depois de desistir de morar na Bolívia, o jovem em questão, Samuel Klein, estabeleceu-se em São Caetano do Sul. Comprou uma charrete e começou a vender toalhas e cobertores de porta em porta. Em 1957, adquiriu a primeira loja, que batizou de Casa Bahia, em homenagem à clientela que frequentava o estabelecimento. Apostando no comércio varejista popular, o empreendimento cresceu a ponto de se tornar um dos líderes do mercado. Klein, que se naturalizou brasileiro, jamais se afastou do negócio, apesar da idade avançada. (20 de novembro) ALEXANDER GROTHENDIECK, matemático, aos 86 anos Especialista em geometria algébrica, o matemático Alexandre Grothendieck, nascido na Alemanha e naturalizado francês, tem seu trabalho refletido em campos tão diversos como a robótica e a genética. Na década de 50, depois de uma temporada no Brasil - lecionou na USP -, regressou a Paris, onde se empregou no Instituto de Altos Estudos Científicos. Lá permaneceu até os anos 70, quando se demitiu ao saber que a entidade era financiada pelo Ministério da Defesa. Pacifista, já se recusara, em 1966, a viajar até Moscou para receber a prestigiosa Medalha Fields, espécie de Nobel da Matemática, em protesto contra a prisão de autores russos. Não surpreende que nas últimas décadas tenha vivido como eremita. (13 de novembro) GUERRA E PAZ BABY DOC, político, aos 63 anos Jean-Claude Duvalier, ex-ditador do Haiti, era o Baby Doc porque o pai, François Duvalier, ficou conhecido como Papa Doc. Baby assumiu o comando do país em 1971, aos 19 anos, após a morte de Papa, e nele permaneceu até 1986, quando uma revolta popular o arrancou do poder. Enquanto governou, Baby fez tudo o que Papa lhe havia ensinado: perseguiu opositores implacavelmente, levou muitos deles à prisão sem direito à  defesa e - com o perdão da redundância, em se tratando de um ditador - empregou a tortura sem hesitar. Derrubado, Baby permaneceu 25 anos na França. Em 2011, decidiu voltar para o Haiti e, ao desembarcar, foi detido. Liberado em seguida, passou a residir num hotel de luxo da capital, Porto Príncipe. (4 de outubro) ARIEL SHARON, político, aos 85 anos Se fosse preciso definir o ex-premiê de Israel em uma palavra, a mais adequada seria esta: contraste. Sharon ganhou fama em uma guerra, a do Yom Kippur (1973), que lhe rendeu o apelido de Rei de Israel. Contudo, no fim da vida, tomou medidas que iam na direção da busca pela paz com os inimigos. Assim, é provável que ele seja lembrado por dois episódios díspares: o massacre de Sabra e Shatila (1982), que resultou na morte de pelo menos 800 pessoas, aumentou o ódio dos árabes e o tornou conhecido como "o açougueiro de Beirute"; e o desalojamento de 21 assentamentos israelenses em Gaza (2005), dos quais havia sido o idealizador - um ato que surpreendeu o mundo. Depois disso, criou o partido Kadima, de centro-direita, pelo qual possivelmente seria reconduzido ao posto de primeiro-ministro, mas um AVC o derrubou dois meses antes das eleià§ões. Foram oito anos em coma até a morte. (11 de janeiro) WOJDECH JARUZELSKI, general e político, aos 90 anos A exemplo de Ariel Sharon, o último líder comunista da Polônia também teve sua trajetória marcada por dois fatos contradità³rios. Em 1981, como primeiro-ministro, Jaruzelski decretou a lei marcial, com o propósito de reprimir o movimento pró-democracia encabeçado pelo sindicato Solidariedade, que tinha no comando o eletricista Lech Walesa. Na via oposta, em 1989, ocupando o cargo de presidente do país, o general supervisionou a transição democrática e promoveu nada menos do que as primeiras eleições livres da Polà´nia. Acabou conquistando o direito de permanecer no posto, ficando com o Solidariedade a chefia do governo, entregue ao premiê Tadeusz Mazowiecki. (25 de maio) EDUARD SHEVARDNADZE, político, aos 86 anos Negociador habilidoso, o ex-presidente da Geórgia, e, antes disso, ministro das Relações Exteriores da extinta União Soviética, foi um colaborador fundamental de Mikhail Gorbachev na perestroika e uma figura central no processo que resultou no fim da Guerra Fria. Ao conduzir as conversas sobre desarmamento nuclear com os Estados Unidos e abrir caminho para a redemocratização do Leste Europeu, Shevardnadze colecionou opositores ferozes, que prepararam contra ele insistentes atentados - em 1992, 1995 e 1998 -, os quais resultaram apenas em alguns ferimentos. Shevardnadze deixou a Presidência de seu país após a chamada Revolução das Rosas (2003). Em contradição com a prà³pria trajetória, disse na ocasião que não era conveniente ter "muita democracia". (7 de julho) FIM DE JOGO EUSÉBIO, atacante, aos 71 anos Ainda em Moçambique, onde nasceu, começaram a chamá-lo de Pelé. Mas, quando chegou ao Benfica, em 1960, para se transformar no maior craque de Portugal e em um dos mais extraordinários atacantes da história do futebol, Eusébio da Silva Ferreira passou a ser o Pantera Negra, o Pérola Negra, o King. Destro, veloz e fortíssimo, Eusébio enfrentou o maior dos kings, Pelé, na Copa de 1966 - e levou a melhor. Fez dois gols na vitória contra o Brasil por 3 a 1 (com a ressalva de que Pelé foi deslealmente caçado até sair carregado de campo). Portugal terminou a competição em terceiro lugar, até hoje sua melhor performance em Mundiais. Nas quartas de final, Eusébio fez aquela que talvez tenha sido sua maior partida. A Coreia do Norte vencia por 3 a 0. O Pantera marcou, então, quatro vezes, e os portugueses acabaram vencendo por 5 a 3. (5 de janeiro) BELLINI, zagueiro, aos 83 anos As duas mãos apertaram a base da Jules Rimet e os braços ergueram-se em arco acima da cabeça, levantando a taça. O gesto do zagueiro Bellini, capitão da seleção brasileira que acabara de conquistar sua primeira Copa do Mundo, em 1958, na Suécia, surgiu dos insistentes pedidos dos fotógrafos, que precisavam ter o troféu mais visível para os seus cliques, mas acabou imortalizado - e repetido inúmeras vezes por outros campeões mundiais. Paulista, Hideraldo Luís Bellini se consagrou como jogador no Rio, atuando pelo Vasco. Eusébio, o supercraque de Portugal - considerado pelo astro argentino Alfredo Di Stéfano "o maior de todos" (o.k., desconte-se a rivalidade do país vizinho com o Brasil) -, costumava incluir Bellini no seu "time dos sonhos". Por uma dessas estranhas coincidências, os três encontraram a morte em 2014. (20 de março) ALFREDO DI STÉFANO, atacante, aos 88 anos Não, o primeiro supercraque da Argentina não foi Diego Armando Maradona; tampouco Lionel Messi pode ser apontado como o primeiro do país a se tornar ídolo de um grande clube espanhol. Ambos os atributos pertencem, incontornavelmente, a Alfredo Di Stéfano Laulhé. Descoberto pelo River Plate, o extraordinário atacante chegou ao Real Madrid em 1953 e nele brilhou ao lado de ninguém menos do que Puskas. Venceu cinco vezes a Champions League, porém jamais teve a oportunidade de disputar uma Copa: a Argentina se recusou a ir aos Mundiais de 1950 e 1954; em 1958, já naturalizado espanhol, Di Stéfano viu seu novo paà­s não conseguir se classificar para o torneio; e em 1962 uma contusão o impediu de entrar em campo. Realizado, o Flecha Loira mandou construir no jardim de sua casa na Espanha a escultura de uma bola com a inscrição "Gracias, vieja". (7 de julho) 2#6 HUMOR DA CAVERNA AO GENOMA, SÓ RINDO MESMO “Não sei pra vocês, mas pra mim chega dessa dieta paleolítica†– [imagem: desenho três do tempo das cavernas, sentados ao redor do fogo, comendo carne, com ossos ao redor deles] “Estamos todos juntos vendo televisão, mas não vendo televisão juntos†– [imagem: desenho de família, pai mãe uma filha e um filho, cachorro, numa mesma sala, cada um com seu próprio instrumento de mídia. Mulher é quem fala ao celular.] “Temos de repensar nossa estratégia de esperar que a onda da internet passe†[imagem: desenho de cinco pessoas, meia idade, sentadas ao redor da mesa conversando.] “Tudo o que eu sei sobre ser uma pessoa aprendi com os animais†– [imagem: desenho de crianças assistindo TV] “Andreia, você aceita Roberto e seu genoma como seu legítimo esposo?†[imagem: desenho de casamento, ao ar livre] “Acho que não vamos chegar a um acordo sobre um tipo de pizza que resolva todos os nossos problemas†– [imagem: casal, em mesa de restaurante, cada um com um cardápio na mão. Quem fala é a mulher] “Preciso muito falar sobre minha vida interior†– [imagem: desenho de mulher cm filho no colo, fazendo comida. Homem é quem fala] “Essa sua mania de beber e mandar e-mails está nos criando problemas†– [imagem: desenho de dois cavaleiros, idade medieval, conversando. A sua frente um exército.] “Quero que pareça uma selfie†– [imagem: desenho de pintor, em uma praça, com seus instrumentos de trabalho, e em sua frente mulher, sentado em uma cadeira falando] “Meu trabalho todo gira em torno do tema da exclusãoâ€- [imagem: desenho de dois cachorros, estão em frente a uma porta de casa toda arranhada. Um fala para o outro, olhando para a porta] “Só estou dizendo que muitos pais usam lápis para marcar o crescimento dos filhos na parede†– [imagem: desenho que lembra personagens da época medieval. Homem com arco e flecha, à frente de seu filho, que tem uma maçã em cima da cabeça, e está em frente de uma árvore. Aparece ao lado, quatro árvores, com flechas fincadas no tronco marcando diferentes alturas] “Estou escrevendo meu livro de memórias. A maior parte é de receitas†– [imagem: desenho de duas bruxas conversando ao lado do caldeirão, cada uma com uma pá na mão, mexendo o caldeirão] “Já tentou desligar sua consciência e depois ligar de novo?†[imagem: desenho de homem, sentado em posição de buda, em uma montanha. É careca, tem barba branca, e está usando fones de ouvido com microfone] “Aguenta firme! A calota polar está derretendo†– [imagem: desenho de uma baleia, encalhada na beira da praia. Homem à  sua frente dizendo a fala] É, meu, uma temporada no canil muda um cachorro†– [imagem: dois cachorros, sendo que num, os pelos na cabeça e costas estão cortados aos estilo moicano, e tem tatuagens nas patas] “Não tem equívoco nenhum – vocês dois està£o no assento 28-B. Não oferecemos mais assentos individuais†– [desenho de casal, com malas, no balcão de linhas aà©reas] “Então o ursinho Pooh decidiu que era hora de o papai checar o e-mail de novo†– [criança na cama, e pai ao lado, com seu computador] “Já não sei mais quem você 醖 [um peixe dentro da água, falando com outro que está em terra, já modificado com patas] “Não é porque tenho casca grossa que eu não sou sensível†- [rinoceronte falando para lebre] “Vá direto para aquela parte em que a princesa chega ao topo da carreira na empresa†– [menina, que está na cama, falando para o pai, que está sentado ao lado, lendo livro de história] “Só parei de comer glúten há uma semana e já me tornei insuportável!†– [duas mulheres conversando em uma mesa, ao ar livre]. 2#7 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA ELEIÇÃO, DIVISÃO, PETROLÃO 2014 foi marcado por rimas pobres e não por soluções. Dividido, o país deu mais quatro anos de Presidência ao PT — e viu a corrupção tecer de novo a trama da política nacional. CONVERSAS COM AS URNAS “Não vamos desistir do Brasil.†- EDUARDO CAMPOS, em entrevista ao Jornal Nacional, da Rede Globo, na véspera de sua morte (agosto) “Não é um discurso, é uma vida.†- MARINA SILVA, em comício realizado em Fortaleza e aproveitado depois em sua propaganda eleitoral (setembro) “A senhora está sendo leviana, candidata, leviana.†- AÉCIO NEVES, respondendo a um ataque de Dilma Rousseff no primeiro debate do segundo turno, na TV Bandeirantes (outubro) “Essa presidente aqui está disposta ao diálogo e é esse o meu primeiro compromisso do segundo mandato: diálogo.†- DILMA ROUSSEFF, no discurso da vitória (outubro) COMO SEMPRE NA HISTÓRIA DESTE PAÍS (SÓ QUE PIOR) “Esse caso da Petrobras consolida o que já vem de 2005. Ó mensalão foi o prefácio, agora o Brasil está lendo o epà­logo.†- ROBERTO JEFFERSON, ex-deputado federal (PTB), condenado por lavagem de dinheiro e corrupção passiva no mensalão, um esquema que ele mesmo denunciou (outubro). “— O Planalto sabia de tudo! — Quem do Planalto? — Lula e Dilma.†- Diálogo entre Alberto Youssef e um delegado da PF, revelado por VEJA, durante o depoimento de seu processo de delação premiada no escândalo que ficou conhecido como petrolão (outubro). “Acho que nenhum outro país viveu tamanha roubalheira. Pelo valor das devoluções, algo gravíssimo aconteceu.†- FELIX FISCHER, ministro do Superior Tribunal de Justiça, em sessão que julgou pedido de habeas corpus de um dos investigados na Operaçà£o Lava-Jato (novembro) IMAGINA, NA COPA! Temia-se um desastre fora de campo: atraso nos estádios, manifestaà§ões nas ruas, violência. Engano. Deu tudo certo, mas terminou mal, com a vexaminosa goleada de 7 a 1 para a Alemanha. “Vou ser lembrado pela pior derrota, mas era o risco.†- LUIZ FELIPE SCOLARI, técnico da seleção brasileira, após o massacre sofrido diante da equipe alemã (julho) “Fiquei muito envergonhado com a cataclísmica derrota do Brasil diante da Alemanha (...), mas confesso que não me surpreendeu tanto. De um tempo para cá, a famosa seleção canarinho se parecia cada vez menos com o que havia sido a mítica esquadra brasileira que deslumbrou a minha juventude.†- MÁRIO VARGAS LLOSA, escritor peruano, prêmio Nobel de Literatura, em um artigo apropriadamente intitulado "A máscara do gigante" (julho) “Eu só queria poder dar uma alegria ao povo, a essa gente que sofre tanto todos os dias. Infelizmente, não conseguimos. Peço desculpas a todos os brasileiros†– DAVID LUIZ, capitão do Brasil na ausência de Thiago Silva, aos prantos, no momento em que deixava o gramado do Mineirão depois da incontestável vitória alemã (julho) “Certamente haverá problemas, já que é um país do tamanho de um continente.†– JÉRÔME VALCKE, secretário-geral da Fifa, diante dos atrasos nos preparativos para o Mundial (janeiro) “Eu me sinto envergonhado.†- RONALDO FENÔMENO, ex-atacante da seleção e membro do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo, ao falar também sobre os atrasos do país nos preparativos para a competição (maio) “Estamos no purgatório. Se ganharmos a Copa, vamos para o cà©u. Se perdermos, vamos todos para o inferno.†- JOSÉ MARIA MARIN, presidente da CBF, ao comentar as expectativas em torno da participação brasileira no Mundial (março) “Estamos tentando sair do inferno. Voltamos ao purgatório.†- JOSÉ MARIA MARIN, numa alusão à nova fase do Brasil, com a volta de Dunga ao comando do time (novembro) “Brasileiros sempre choram. Toca o hino? Choram. Eliminam o Chile? Choram. Perdem para a Alemanha? Choram. O que eles devem mostrar é que são homens e que são fortes.†- LOTHAR MATTHÄUS, capitão da seleção alemã campeã do mundo em 1990, num balanço sobre a campanha do Brasil na Copa de 2014 (julho) ENSAIO SOBRE O RACISMO “somostodosmacacos†- Hashtag propagada por Neymar (na foto ao lado, com o filho, Davi Lucca) depois do ato racista sofrido pelo lateral Daniel Alves (acima), do Barcelona, que teve uma banana atirada em sua direção em um jogo contra o Villarreal; irônico, ele pegou a fruta, descascou-a e comeu (abril) “E tudo para ver um macaco... Brasileiro, mas ainda macaco.†- CARLOS TREVINO NÚÑEZ, ex-secretário de Desenvolvimento Social da cidade mexicana de Querelara, referindo-se a Ronaldinho Gaúcho, contratado pela equipe local (setembro) “Se eu fosse querer parar o jogo cada vez que me chamassem de macaco ou de crioulo, todos os jogos iriam parar.†- PELÉ, comentando a reação do goleiro Aranha, do Santos, às manifestações de racismo dirigidas a ele por integrantes da torcida do Grêmio (setembro) TERRA 2.0: ACESSO NEGADO “Não há plano B porque não temos um planeta B.†- BAN KI-MOON, secretário-geral da Organização das Naà§ões Unidas (setembro) “Se houver alguma crise maior, vamos distribuir água de canequinha.†- PAULO MASSAJO, diretor metropolitano da Sabesp, sobre a seca na capital paulista (maio) “Ciclovia é um caminho sem volta.†- FERNANDO HADDAD, prefeito de São Paulo, que prometeu criar 400 quilômetros de vias exclusivas para ciclistas até o fim do seu mandato (agosto) PALAVRAS DO SENHOR (FRANCISCO, O PAPA) “Sinto-me impelido a responsabilizar-me por todo o mal que alguns padres causaram (...) e a pedir perdão pelos danos que provocaram com os abusos sexuais de crianças. A Igreja é consciente desses danos.†(abril) “O celibato não é um dogma de fé, é uma regra de vida, que eu aprecio muito e creio que seja um dom para a Igreja. Não sendo um dogma de fé, há sempre uma porta aberta.†(maio) “Talvez não se possa ter um diálogo (com o Estado Islà¢mico), mas você não pode nunca fechar a porta. É difà­cil, alguém poderia dizer que é quase impossível, mas a porta está sempre aberta.†(novembro) “O Big Bang, que hoje temos como a origem do mundo, não contradiz a intervenção criadora, mas a exige. A evolução da natureza não é incompatível com a noção de criaà§ão, pois a evolução exige a criação de seres que evoluem.†(outubro) “Como ator, eu represento para viver. Interpreto personagens fictícios que resolvem problemas fictícios. Acredito que a humanidade tem olhado para as mudanças climáticas da mesma forma: como se fossem ficção, acontecendo no planeta dos outros, como se não fossem reais.†LEONARDO DICAPRIO, ator americano, falando na ONU (setembro) CURSO BÁSICO DE LÓGICA “Se eu morrer, morri. Se não morrer, então não morri.†- MORRISSEY, ex-vocalista dos Smiths (outubro) “Sou uma piada ambulante.†- MILEY CYRUS, cantora americana (outubro) “O fato de termos o melhor martelo não significa que todo problema é um prego.†- BARACK OBAMA, presidente dos EUA, ao defender a ideia de que a liderança de seu país não seja exercida preferencialmente pelo uso da força (junho) LEGAL OU ILEGAL: EIS A QUESTÃO DO URUGUAI “Não estou legalizando (a maconha); estou regulando um mercado que já existe. para que não cresça mais. No fundo, estou lutando contra isso por um caminho mais inteligente.†– JOSÉ MUJICA, presidente do Uruguai (julho) “Pela via repressiva, o narcotráfico está se matando de rir. Cada vez se trafica mais. Estamos cultivando uma esplêndida derrota.†- JOSÉ MUJICA (novembro) “Não acho que (fumar maconha) seja mais perigoso do que o à¡lcool.†- BARACK OBAMA (janeiro) “O Brasil está maduro para debater a questão da legalização das drogas, mas não sei se para aceitar.†- FERNANDO GABEIRA jornalista e ex-deputado federal (abril) CURSO BÁSICO DE ECONOMIA “Preços administrados são preços administrados.†- ALOIZIO MERCADANTE, ministro-chefe da Casa Civil (maio) “Só louco investe no Brasil.†- BENJAMIM STEINBRUCH, presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (agosto) “Faço até dança do ventre, se for preciso, para chegar lá.†- CHRISTINE LAGARDE, diretora-gerente do FMI, sobre seu empenho para que países não ocidentais como a China tenham mais peso dentro da instituição (setembro) “A inflação é uma doença que vai nos ameaçar sempre. (...) É como o alcoolismo: não existe cura, só abstinência.†- GUSTAVO FRANCO, economista e um dos formuladores do Plano Real (junho) MODA, MODOS E MODISMO “Esqueça a legging (faça disso um mantra para a sua vida). Observe se algo está marcando e, se estiver, não saia de casa!†- IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, num guia publicado em seu site com o objetivo de orientar as mulheres que desejem frequentar o Templo de Salomão (agosto) “(Angela) Merkel não sabia comer direito com garfo e faca. (...) Nos jantares oficiais, ficava andando de um lado para o outro, me forà§ando a chamar a sua atenção.†- HELMUT KOHL, ex-chanceler alemão (outubro) “Só a palavra 'rolezinho' (...) é já uma grande beleza. (...) Os rolezinhos são a sociedade brasileira se mexendo.†- CAETANO VELOSO, cantor e compositor (janeiro) A IGREJA BOLIVARIANA “Chávez nosso que estais no céu, na terra, no mar e em nós, os delegados. Santificado seja teu nome. Venha a nós o teu legado para levá-lo aos povos daqui e de lá. Dai-nos hoje tua luz para que nos guie a cada dia e não nos deixes cair na tentação do capitalismo.†- TRECHO DA ORAÇÃO DO DELEGADO, versão chavista, como se vê, do Pai-Nosso, lançada pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (setembro) “Eu estou disposto a ser um soldado da Venezuela para o que me mandarem.†- DIEGO ARMANDO MARADONA, ex-craque e ex-técnico da seleção da Argentina, ao anunciar sua contratação por um canal venezuelano, criado por Hugo Chávez, para comentar partidas da Copa (fevereiro) “Aproximou-se de mim um passarinho, outra vez se aproximou e me disse que o comandante (Hugo Chávez) estava feliz e cheio de amor pela lealdade de seu povo.†- NICOLÁS MADURO, presidente da Venezuela, em plena posse de suas alucinações (julho) A PRIVACIDADE CAI NA REDE “Não é um escândalo, é um crime sexual. É nojento.†- JENNIFER LAWRENCE, atriz americana, sobre o vazamento, na web, de fotos íntimas suas e de outras celebridades (outubro) “Eu fui a paciente zero, a primeira pessoa a ter sua reputação completamente destruída no mundo todo por meio da internet.†- MONICA LEWINSKY, sobre a repercussão de seu caso com o entà£o presidente Bill Clinton, denunciado em 1998 (outubro) “Pode me chamar de velha, mas eu me distanciei da cultura da internet.†- JULIANNE MOORE, atriz americana (setembro) MASCULINO, FEMININO ETC. “Eu odeio o feminismo. Sou machista.†- BRIGITTE BARDOT, atriz francesa (novembro) “Realmente, não sabia o significado desta palavra (feminista), e agora eu sei; significa que eu me amo como mulher e também adoro homens.†- KATY PERRY, cantora americana (março) “Parte do progresso social é entender que uma pessoa não se define apenas por sua sexualidade, raça ou gênero.†- TIM COOK, CEO da Apple, ao admitir que é homossexual (novembro) MODELO UNIVERSAL DE BELEZA “Eu não nasci com o corpo de Gisele Bündchen, infelizmente.†- MADONNA, cantora e compositora americana (fevereiro) “Essas câmeras modernas, que aumentam e mostram tudo, são de enlouquecer.†- JULIANA PAES, atriz (agosto) “Eu preferiria morrer a ficar analisando o meu rosto toda manhà£.†- GWYNETH PALTROW, atriz americana (novembro) EPÍGRAFE DO ANO A pretexto do que se viu nos campos de futebol — e da política “Os vencedores perdem sempre todas as qualidades de desalento com o presente que os levaram à luta que lhes deu a vitória.†- FERNANDO PESSOA, monumento da literatura portuguesa (1888-1935) LOREDANO 2#8 COPA “PREFERIRÍAMOS TER VENCIDO POR 2 A 0†Os jogadores da seleção alemã revelam ter descido ao vestiário no intervalo do 7 a 1 no Mineirão com medo da reaçà£o da torcida e constrangidos com o placar (5 a 0 nos primeiros 45 minutos). Um pacto firmado com a anuência do treinador Joachim Löw os fez voltar a campo mais leves. GREGOR DERICHS Eles entraram no vestiário do Mineirão sem entender nada. O placar marcava incríveis 5 a 0 a favor da Alemanha na semifinal da Copa do Mundo. Em apenas um tempo de jogo, estava tudo resolvido, no mais inesperado resultado de todos os tempos em Mundiais. O que ocorreu nos quinze minutos de intervalo foi extraordinário. No lado brasileiro, era o silêncio. No alemão, o espanto. Foram quinze minutos de trégua, de rearranjo de posições em um combate que fez história. "Isso não pode ser real", disse o tanque Bastian Schweinsteiger, ao entrar no túnel. "O que está acontecendo com os brasileiros?", berrava o capitão Philipp Lahm. A euforia era grande, os jogadores alemà£es estavam cada vez mais certos de que levariam a seleção pela oitava vez a uma final de Copa. Ainda assim, o clima entre o grupo era de preocupação. "Temos de tomar cuidado com o que vai acontecer", afirmou Thomas Muller. "Nosso lugar no Maracanã, com certeza, já está garantido. Mas como será que a torcida brasileira vai reagir a isso tudo?", concluiu o camisa 13. Frases aflitas como essas destacavam-se em meio ao tumulto de emoções. O técnico Joachim Löw carregava um sorriso de satisfação nos lábios. Confiante, pediu aos jogadores que se acalmassem. A nova leva de camisas para o segundo tempo já estava posicionada diante dos armários dos atletas, e em cima de uma maca de massagem eram servidas frutas e bebidas. Aos poucos, os ânimos foram se acalmando, era preciso voltar ao gramado. Nesse momento, o do retorno à realidade, firmou-se um acordo entre o time, hoje conhecido como "O Pacto". Qual pacto? "Não queríamos ser arrogantes nem humilhar os brasileiros, jogando com displicência. Não queríamos, em hipótese alguma, fazer firulas, sair driblando ou trocando passes rapidamente, recursos pelos quais nossos adversários pudessem sentir que nà£o estavam sendo levados a sério. Algo como passar a bola pelo meio das pernas do adversário era tudo o que queríamos evitar", lembra Muller, descrevendo o acordo selado. "Queríamos e tínhamos a obrigação de nos comportar de forma extremamente séria, jogando o futebol a que estamos acostumados, sem prepotência por causa do resultado do primeiro tempo. E foi assim que fizemos." O pacto seria um ato de lealdade para com os jogadores brasileiros, um símbolo de respeito a um futebol venerado pelos alemães, uma homenagem à trajetória da amarelinha. "Os brasileiros estão muito inseguros. A pressão de ter de chegar à final a qualquer custo provavelmente está forte demais para eles", disse o meia Toni Kroos na entrevista feita durante o intervalo do jogo. A seleção brasileira de Luiz Felipe Scolari era a favorita ao título para quase a unanimidade dos especialistas. Os alemães eram realistas, evitavam sonhar alto. Ao deixarem o "Campo Bahia", como nomearam sua concentração, sediada nas cercanias de Porto Seguro, a impressão era de estar marchando rumo à final antecipada. No documentário Die Mannschaft (A Seleção), em cartaz nos cinemas alemães desde o mês passado, as primeiras cenas, que antecipam o magistral epílogo, mais até do que a taça erguida no Rio, mostram flagrantes da partida contra o Brasil. Na chegada ao Mineirão, um membro da comissão técnica fez questão de escrever num pequeno quadro a palavra FINALE, reforçando o cará- ter decisivo daquele embate. A ausência de Neymar e de Thiago Silva apontava para o à³bvio: a seleção brasileira não entraria em campo em sua melhor forma. Poderia ser uma vantagem para a Alemanha, sim, mas brincar com o Brasil, e na casa brasileira? Não. "Foi uma pena, preferiríamos ter enfrentado o time completo. Mas mesmo assim venceríamos", diz Schweinsteiger. O intervalo pareceu muito pouco tempo para mastigar o que houve entre os minutos 23 e 29 do primeiro tempo (que Felipão, sem outra explicação possível, chamou de "o apagão"). Em seis minutos foram marcados um, dois, três, quatro gols. O Brasil dava a saída, perdia a bola e levava gol. "Gol da Alemanha", frase que virou um bordà£o. O festival, depois do 1 a 0 de Muller, começou com o 16º gol de Miroslav Klose em Copas do Mundo. Naquele momento, 2 a 0 no placar, todos os jogadores sabiam que Ronaldo Fenômeno estava sendo destronado do posto de maior artilheiro em Copas. Aquele Ronaldo que na final da Copa do Mundo de 2002 havia roubado as esperanças alemãs de chegar ao quarto título mundial. A comemoração foi frenética, assim como a que sucedeu ao terceiro e quarto gols marcados um após o outro por Toni Kroos. De repente, o velho orgulho de carregar a águia alemã estampada no peito voltou a reinar. E no entanto... "Todos nós sabíamos que não deveríamos nos gabar da situação", diz Kroos. "Era nítido quão chocados estavam nossos adversários dentro de campo, e a decepção do público que assistia à partida era absoluta." O constrangimento era evidente. A comemoração dos gols que se seguiram tornou-se mais branda — apenas alguns movimentos com os ombros, o peito e a cabeça já eram mais que suficientes, qualquer euforia era evitada. Foi assim com o quinto gol, de Sami Khedira, e com os dois que viriam a ser marcados no segundo tempo. "Cinco gols antes do intervalo, 7 a 1 no placar final. Números históricos para uma semifinal de Copa do Mundo, mas preferiríamos ter vencido por 2 a 0", confessou Schweinsteiger. O pacto de lealdade no segundo tempo era a única saída alemã. O discurso sobre respeito foi reiterado pelos jogadores na pré-estreia de Die Mannschaft. O longa explorou os dias gloriosos protagonizados pela Alemanha no Brasil e é sucesso de bilheteria. Da semifinal, foram coletadas imagens em que Muller, Schweinsteiger, Lahm, Neuer e outros campeões mundiais aparecem consolando seu colega de time Dante, que joga no Bayern de Munique. Júlio César, Marcelo e outros brasileiros também aparecem sendo abraçados, enquanto ouvem palavras de conforto dos campeões. Não só para Schweinsteiger, oficialmente vice-capitão e o verdadeiro líder da equipe dentro de campo, o pacto de lealdade e o consolo à seleção brasileira tiveram papel fundamental na vitória final sobre a Argentina. O técnico Löw compartilhou o sentimento. "O modo como meus jogadores se comportaram foi espetacular", disse Löw. "Estou muito orgulhoso deles. Todo time está suscetà­vel a perder partidas, e minha seleção sabia que o Brasil sà³ estava enfrentando um dia difícil." Logo depois do episódio, no entanto, chegaria da Inglaterra uma declaração que poria em xeque todo o respeito e a lealdade demonstrados pelos alemães. Nas entrevistas feitas após o jogo em Belo Horizonte, os jogadores afirmaram que não queriam diminuir (erniedrigen, em alemão) os colegas brasileiros, não queriam tratá-los desrespeitosamente. O tabloide inglês The Mirror, por sua vez, traduziu a declaração utilizando o verbo humiliate (humilhar, em traduà§ão direta), em uma versão grosseira. A língua alemã é, em muitos aspectos, mais rica e precisa do que a inglesa. Por conseguinte, o verbo alemão correspondente a humiliate, demütigen, carrega uma carga de significado muito mais forte e negativo que erniedrigen, e nunca seria empregado pelos jogadores nessa situação. Nunca foi intenção do time alemão se colocar em uma posição de superioridade em relação aos brasileiros, a ponto de não querer humilhá-los. Um dia após a declaração do jornal inglês, Hummels desabafou em seu perfil no Twitter: "Não consigo me imaginar dizendo que nós fizemos um pacto para não humilhar o Brasil, ou algo do gênero. Essa não é a maneira com a qual me refiro a meus adversários". (No inglês, para não haver dúvida: "I can't imagine I said 'we agreed a pact not to humiliate Brasil' or something in that way. It's not the way I speak about opponents".) No caminho do Aeroporto de Confins, no dia seguinte aos 7 a 1, a presenà§a de torcedores brasileiros que acenavam para o time alemão era grande. O clima amistoso repetiu-se também na chegada a Porto Seguro. Para a equipe, serviu de conforto, foi entusiasmante. Todos ficaram tocados com gestos de tamanha generosidade. Nenhum insulto foi ouvido, e pouco a pouco foi ficando claro para o time que ele tinha conseguido realizar algo grandioso. Wolfgang Niersbach, presidente da Federação Alemã de Futebol, fez um breve discurso aos campeões durante a viagem de volta para casa, na Bahia. "O que realmente acabou de acontecer hoje? Essa é uma história que seus netos vão relembrar daqui a trinta anos." O pacto de lealdade, assim esperam os alemães, ficará para sempre associado à grande vitória contra a seleção recordista de títulos mundiais. E o apoio do povo brasileiro na final disputada contra a Argentina, no Maracanã, jamais será esquecido. GREGOR DERICHS, 60 anos, é jornalista e cobriu nove Copas do Mundo desde 1982 Tradução de JULIANA DORACIOTTO ENQUANTO ISSO, NO VESTIÁRIO AO LADO. O técnico Luiz Felipe Scolari (foto), seu auxiliar Flavio Murtosa, o preparador físico Paulo Paixão e o diretor técnico Carlos Alberto Parreira saíram do banco e caminharam em silencio para o interior do Mineirão. Reuniram-se por pouco mais de três minutos em uma sala reservada. Cada um falou um pouco. O sentimento dos quatro era que, naquele momento, o único discurso possível seria o de lutar para evitar uma humilhação maior. Tomaram uma decisão tática por Paulinho no lugar de Fernandinho e Ramires no de Hulk e saíram da sala. Depararam com um cenário de desolação: alguns jogadores estirados no chão, tentando relaxar a musculatura; outros sentados, inertes, de cabeça baixa. Silencio, Felipão e Parreira percorreram o espaço falando com os jogadores que teriam a inglória missà£o de diminuir os estragos feitos na primeira etapa. "Sabíamos que não tinha como virar, mas precisávamos dar força a eles para, no segundo tempo, perder de 5 a 2, 5 a 3, e pelo menos sair de campo com dignidade. Era uma ideia ao mesmo tempo viável e honrosa", conta Parreira. O capitão Thiago Silva, que não jogou porque estava suspenso, tomou a palavra: "Esquece o resultado. A gente é a seleção brasileira e dá pra melhorar esta situação", pregou o zagueiro, sem muita convicção. 7 a 1. LESLIE LEITÃO ___________________________________ 3# PERSPECTIVA 2015. 31.12.14 3#1 TECNOLOGIA – O TEMPO DA INTENET DAS COISAS 3#2 VALORES E PRINCÍPIOS 3#1 TECNOLOGIA – O TEMPO DA INTENET DAS COISAS A rede que interligou nossos computadores e celulares entra em uma nova fase, ainda mais ambiciosa, na qual pretende conectar tudo o que existe na Terra. FELIPE VILICIC E JENNIFER ANN THOMAS O nome é saborosamente didático: internet das coisas. Coisas são carros e semáforos. Coisas são relógios, geladeiras e televisores. Coisas são até informações sobre nosso metabolismo pessoal, medidas à flor da pele. Esqueça o tempo em que apenas computadores de mesa, notebooks, tablets e smartphones estavam interligados. Bem-vindo a uma nova era, e 2014 poderá ficar conhecido, na história da tecnologia, como o ano zero de uma revolução que começa a ocupar as 24 horas do dia de qualquer indivíduo, em casa, no trabalho, na rua. É um movimento extraordinariamente silencioso, cujo sucesso depende justamente de não percebermos que as informações estão sendo colhidas, distribuídas, comparadas e analisadas sem que notemos, por meio de objetos. O mundo todo, nesse aspecto, é um colossal Big Data, nada escapa. É uma transformaçà£o capaz de fazer tabula rasa da noção da internet como uma mera rede de computadores. Essa ideia é página virada. Adeus, enfim,à internet. Longa vida — até que logo mais surja outra curva fechada — à internet das coisas. A internet, aquela do passado, nasceu nos anos 60, resultado de estudos conjuntos feitos por universidades americanas, empresas do Vale do Silà­cio e laboratórios militares dos Estados Unidos, com o nome de Arpanet. Em plena Guerra Fria, foi criada para ser uma rede de comunicações capaz de sobreviver a qualquer ataque, mesmo uma ofensiva nuclear. A rede deixou o ambiente acadêmico e militar e logo se tornou comercial. Mas era intrincada demais para ser compreendida por leigos. Só foi ganhar a cara com a qual estamos familiarizados em 1989, quando o cientista da computação inglês Tim Berners-Lee desenhou os protocolos que deram origem ao World Wide Web, o www. Assim, a internet começou a operar em uma linguagem fácil de ser compreendida. Em benefício do progresso da humanidade, Berners-Lee decidiu não patentear a invenção, para que ela se espalhasse democraticamente. Visionário, vislumbrou como sua criação permitiria conectar o planeta. Disse ele, em entrevista recente a VEJA: "Incluí a palavra world por ambicionar que a rede abraçaria a Terra e todo tipo de coisa que existe''. Foram visionários como Berners-Lee que constituíram as bases para a internet das coisas. Nos anos 80, antes mesmo da criação dos navegadores que popularizaram a web, a Apple começava a construir um futuro em que qualquer dispositivo estaria on-line. Inicialmente, com a criação e popularização do primeiro computador pessoal de sucesso, o Apple II, feito pela dupla Steve Jobs e Steve Wozniak. Depois, por meio de estudos de quais seriam os próximos passos da computaà§ão. Em 1986, Alan Kay, icônico professor de computaçà£o do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), então consultor da Apple, abordou o presidente da companhia, John Sculley (que havia forçado o afastamento do fundador Jobs), com uma provocação: toda inovação, não importa quão simples seja, demora uns vinte anos para ser desenvolvida. Se quisessem lançar um produto disruptor em 2010, seria preciso começar a pensar nele imediatamente. Kay circulou por universidades para detectar o que havia de tecnologia de ponta. Seu trabalho rendeu uma série de vídeos, conhecidos como Knowledge Navigator (Navegador de Conhecimento), que mostravam como poderia ser a vida de um professor universitário nos anos 2000, utilizando dispositivos móveis, muito parecidos com os iPads e iPhones de hoje, que se atualizavam sozinhos, funcionavam como assistentes pessoais inteligentes e permitiam a comunicação a distância, além da troca de arquivos. Nos anos 80, portanto, mentes brilhantes do Vale do Silà­cio já anteviam o surgimento de aparelhos móveis on-line e, portanto, o atalho e meio de propagação da internet das coisas. Soava como ficção científica e, sabemos hoje, não é. Em paralelo, a internet regular, essa que banalmente liga computadores, se popularizava com velocidade. Em 1995, eram 50 milhões de pessoas on-line. Bastaram duas décadas, um piscar de olhos em comparaçà£o com os 200.000 anos de história do homem moderno, para que 3 bilhões de seres humanos passassem a se conectar a computadores, tablets e celulares. A rede cresceu, assim como a ideia primária de usá-la para ligar tudo o que existe. Quando Berners-Lee, enfim, alinhavou essa ambição, nos anos 80, era impossível que ela fosse realizada, por evidentes fronteiras técnicas. Na última década, os limites foram transpostos. Eram dois os maiores empecilhos. O primeiro: o número de servidores instalados no mundo. Nos anos 80, só um punhado de computadores podia entrar on-line ao mesmo tempo antes de a internet cair. Agora, com fazendas de servidores do tamanho de estádios, é possível conectar trilhões. O segundo obstáculo limitador tem duas meras letras: IP. A sigla, que significa protocolo da internet, refere-se à sequàªncia de números que compõem o endereço virtual de aparelhos conectados. A versão usada até dois anos atrás utilizava 32 dígitos para formular o número, único para cada máquina, o que permitia a conexão de 4,3 bilhões de dispositivos. Parece muito, mas não dava para fabricar um smartphone para cada pessoa. A solução veio em 2012: a sexta versão do IP usa 128 dígitos, o que possibilita 340 trilhões de aparelhos on-line. O suficiente para dar início à era da internet das coisas. Prevê o economista Jeremy Rifkin, autor do livro The Zero Marginal Cost Society (em português, A Sociedade a Custo Marginal Zero), que analisa como a internet das coisas transformará radicalmente a economia mundial: "Dentro de dez anos, os prédios modernos terão de ser equipados com aparelhos conectados, como termostatos, eletrodomésticos ou mesmo fechaduras". A progressão dessa nova etapa deve ser tão rápida quanto foi a popularização da web entre as décadas de 1990 e 2000. Em 2007, eram apenas 10 milhões os dispositivos sobre os quais se podia dizer que viviam no mundo da internet das coisas. Agora, são 3 bilhões e estima-se que serão 100 trilhões em 2030. Computadores de mesa, smartphones e tablets representarão uma pequeníssima parcela, menos de 1% do total. "Interligar todas as coisas ajudará a quantificar informações com precisão inà©dita e tornará todos os processos da vida menos burocráticos, velozes e, com isso, econômicos", completa Rifkin. Imagine trafegar pelas ruas de uma cidade conectada dentro de um carro on-line e que se comunica com todos os veículos e objetos ao redor, também atrelados à rede. Já há protótipos de automóveis desse tipo, como um do Google. O carro não precisa ser guiado por um motorista, pois detecta os arredores e se comunica com semáforos, postes, órgãos de trânsito. Ele anda em velocidade constante, respeitando as leis de trânsito, assim como fazem os outros veículos. Logo, não haveria congestionamentos, nem colisões, nem atropelamentos. Os passageiros não se ocupariam com o volante e poderiam aproveitar o tempo para descansar ou trabalhar. É clara a economia de tempo e de gastos, como os da administração pública, que poderia contar com uma rede de sensores conectados para fiscalizar as ruas. Um estudo publicado em 2014 pela americana Cisco, outra pioneira dessa área, calculou que as vantagens de interconectar a infraestrutura de todas as metrópoles renderiam uma economia anual de 4,6 trilhões de dólares. A internet das coisas parece futurista, dá a falsa impressão de ser algo que nunca virá. Mas veio, faz parte de nosso cotidiano e não para de avançar. Há cidades, apelidadas de inteligentes, que começam a funcionar como completos laboratórios para experiências de total conexão. É o que ocorre em Copenhague, capital da Dinamarca, palco de inovações que depois se espalham pelo mundo. A prefeitura iniciou em 2013 a instalação de sensores conectados a semáforos, câmeras de segurança ou equipamentos que medem a poluição do ar. "Ao deixarmos on-line as coisas que formam nossa infraestrutura, começamos a monitorar tudo. Coletamos até dados que à primeira vista parecem desnecessários'', diz Marianna Lubanski, chefe do projeto de Copenhague. ''Mas, no fim, todas as informações se mostram úteis para guiar com precisão políticas públicas." A internet das coisas começa a aparecer em todos os lugares e, em breve, estará mesmo em todos os lugares. Como nos produtos que utilizamos. De um termostato da Nest (startup americana que neste ano foi comprada pelo Google, numa manobra reveladora do interesse das grandes empresas nesta novíssima fase) a relógios "smart", inteligentes, a exemplo do Apple Watch, apresentado em setembro e que chegará às lojas com estardalhaço em 2015. Há quase vinte anos, Neil Gershenfeld, diretor do Center for Bits and Atoms do MIT, referência em pesquisas de computação, apostou: ''A World Wide Web foi o gatilho para a explosão que ocorrerà¡ quando as coisas começarem a usar a internet". É esse espetacular avanço que presenciamos, capaz de mudar não só a forma como utilizamos essas "coisas", como também a maneira pela qual a sociedade produz, inventa, funciona. Os pares de Gershenfeld acreditam que sà³ haverá benefícios; com máquinas operando em prol de nossa vida, sobrará tempo para nos dedicarmos às tarefas que essas máquinas não conseguem fazer, como pensar, e a partir do pensamento desenvolver novas tecnologias. Mas há, naturalmente, um exército mais cauteloso, para quem a existência de uma inteligência artificial sofisticada, apta a assumir tarefas de nosso cotidiano, fará do ser humano o campeão da preguiça, avesso à produtividade, tranquilamente à sombra. Escreveu o escritor americano Nicholas Carr, ao defender essa abordagem: "A internet está tirando a minha capacidade de concentração e contemplação. A minha mente espera receber informações da forma como a internet as distribui, em uma suave transição de partículas. Houve um tempo em que eu era um mergulhador no oceano de palavras. Agora eu passo pela superfície como um cara em um jet ski". Fato: a internet das coisas é incontornà¡vel, e mesmo que nos faça trocar o cilindro de oxigênio pelo jet ski, impedindo maiores profundidades, é o que temos, e o que cada vez mais teremos. ESTÁ TUDO INTERLIGADO Até 2030, estima-se que 100 trilhões de dispositivos estarão ligados à internet e conectados entre si. Não só os 7,2 bilhões de smartphones, computadores e tablets que existem, mas tambà©m relógios, geladeiras, carros e até os semáforos de cidades. Os quadros desta matéria mostram como esses aparelhos, conhecidos por levar o prefixo smart (inteligente), vão transformar nossa vida. EM CASA Em dez anos, um quinto dos objetos pertencentes a uma família de um país rico estará ligado à internet. A maioria, como geladeiras e TVs, ficará em casa. EM CÂMERAS DE SEGURANÇA * O que já existe: diversos fabricantes têm itens a venda * Preço médio: 200 dólares * Vantagens de estar on-line: registram-se padrões de comportamento dos moradores para detectar quando o ambiente deve estar movimentado ou tranquilo, e são enviados alarmes ao smartphone do dono avisando quando há irregularidades com um vídeo em alta resolução, que mostra o que está ocorrendo. Se a família estiver em viagem, a polícia será acionada. NA GELADEIRA * O que já existe: marcas como LG e Samsung comercializam modelos * Preço médio: 4000 dólares * Vantagens de estar on-line: sensores nas prateleiras lêem o código de barras de produtos para verificar, por exemplo, se eles estão vencidos ou se o conteúdo de uma embalagem está para acabar; a resposta é enviada ao smartphone do usuário, que pode agendar um pedido de compras on-line no supermercado para repor o estoque. NAS LÂMPADAS • O que já existe: marcas tradicionais, como Philips, lanà§aram versões • Preço médio: 30 dólares • Vantagens de estar on-line: usando a rede wi-fi, elas podem ser ajustadas por apps de smartphone e tablet com o usuário fora de casa. Se o dono sair, desligam-se sozinhas porque identificam, por sinais de GPS, que o usuário está distante. NO MICRO-ONDAS... • O que já existe: versões comerciais estão em desenvolvimento • Preço médio: 500 dólares • Vantagens de estar on-line: conectado a uma geladeira smart e a sensores que mostram o que há na despensa, pode sugerir receitas garimpadas na internet; o aquecimento é automático (não é preciso programá-lo), de acordo com o alimento a ser esquentado, e um aplicativo de smartphone avisa quando ele está pronto. NA TV • O que já existe: smart TVs estão nas lojas • Preço médio: 500 dólares • Vantagens de estar on-line: pela conexão, acessa canais de vídeo, e-mails, permite a instalação de aplicativos e jogos, faz tudo o que um computador realiza. Conectada a outros dispositivos da casa, ela funciona como um painel central que verifica o status dos outros aparelhos, e os comanda a distância. NO TERMOSTATO • O que já existe: o mais conhecido é da Nest, empresa do Google • Preço médio: 250 dólares • Vantagens de estar on-line: possui sensores que detectam padràµes da rotina dos moradores para saberá temperatura preferida pela manhã, à tarde e à noite (quando percebe, por GPS, que ninguém está em casa, pode desligar-se); conectado a outros aparelhos, como câmeras de segurança, detecta fumaça no ambiente e avisa se é preciso chamar os bombeiros. NA CAMA • O que já existe: a marca americana Sleep Number é a mais reputada do mercado • Preço médio: 999 dólares • Vantagens de estar on-line: sensores captam dados como respiraà§ão, batimentos cardíacos e movimentos do corpo, enviados a um app de smartphone que os usa para avaliar a qualidade do sono e propor aà§ões para melhorá-la. NAS FECHADURAS DAS PORTAS • O que já existe: diversos fabricantes têm itens à venda • Preço médio: 200 dólares • Vantagens de estar on-line: com sensores de wi-fi e Bluetooth, o dispositivo abre a porta ao detectar a aproximação de smartphones ou chaves de moradores (o dono da casa pode receber notificações no celular toda vez que alguém entrar). Há modelos, ainda protótipos, mais avançados que reconhecem a face das pessoas - se houver a invasão de um estranho, a polícia será avisada. NO TRABALHO Estima-se que 75% das empresas já exploram a internet das coisas em seus escritórios. Ela pode estar na mesa de trabalho ou mesmo no vaso de plantas. NA MESA DE TRABALHO • O que já existe: versões do móvel com superfície touchscreen, como fruto de uma parceria entre a Microsoft e a Samsung • Preço médio (estimado): 8400 dólares • Vantagens de estar on-line: é como um tablet gigante, com as mesmas funcionalidades; um ponto positivo é que documentos podem ser digitalizados e são organizados com poucos toques (adeus à papelada em cima da mesa). NO AR-CONDICIONADO • O que já existe: modelos que podem ser regulados a distà¢ncia e que se ajustam de acordo com a previsão do tempo • Preço médio: 250 dólares por unidade • Vantagens de estar on-line: as saídas de ar ligam-se e desligam-se de acordo com a localização, por GPS, de smartphones, tablets e outros aparelhos dos funcionários. NO VASO DE PLANTAS • O que já existe: modelos com sensores que detectam quando falta água ou luz às plantas • Preço médio: 60 dólares • Vantagens de estar on-line: o recebimento de mensagens no smartphone quando as plantas precisam de água, fertilizante ou luz solar e o acionamento automático de dispositivos de luz artificial, quando necessário. EM VOCÊ Já permanecemos quatro horas diárias on-line, mas no futuro ficaremos 24 horas, mesmo dormindo, por meio de aparelhos que colarão a internet diante de nossos olhos, em nosso pulso ou em nossa testa enquanto tiramos um cochilo. NA CABEÇA • O que já existe: há modelos de tiara, como os da startup americana Melon • Preço médio: 149 dólares • Vantagens de estar on-line: as tiaras lêem sinais elétricos emitidos pelos neurônios quando pensamos, mesmo durante o sono, e os dados são registrados por um programa que propõe mudanças de hábitos necessárias para, por exemplo, diminuir o stress, NOS ÓCULOS • O que já existe: o modelo mais conhecido é o Glass, do Google • Preço médio: 1500 dólares • Vantagens de estar on-line: com uma tela de computador projetada nas lentes (logo, diante dos olhos), os óculos contam com navegação por GPS, previsão do tempo, acesso à internet e aplicativos. NO RELÓGIO • O que já existe: há de várias marcas, como o Apple Watch, que chega às lojas em 2015 • Preço médio: 400 dólares • Vantagens de estar on-line: o aparelho tem todas as funçàµes de um smartphone e ainda conta com sensores que medem atividades diárias, como quantos passos damos ao longo do dia. NOS TÊNIS • O que já existe: algumas experiências desenvolvidas por startups e comercializadas pela internet • Preço médio: 100 dólares • Vantagens de estar on-line: os calçados têm sensores que detectam características dos passos de uma caminhada ou corrida, como a distribuição do peso do corpo em cada perna e o tipo de pisada. Os dados são enviados a um smartphone ou tablet. NA CIDADE Calcula-se que tornar todas as metrópoles do mundo completamente conectadas geraria uma economia de 4,6 trilhões de dólares em gastos públicos ao ano. NO POLICIAMENTO • O que já existe: testes em Washington,capital dos Estados Unidos • Preço médio: 350.000 dólares para implementar 84 sensores (suficientes para cobrir dois bairros de médio porte, como o de Pinheiros, em São Paulo) • Vantagens de estar on-line: dispositivos espalhados pelas ruas detectam barulho de tiros, cruzam dados para identificar o local da ocorràªncia e enviam, pela rede, as informações diretamente para os carros, também conectados, de patrulhas policiais. NOS SEMÁFOROS • O que já existe: o sistema foi implementado em Londres, na Inglaterra • Preço médio: 500 milhões de dólares para os 6000 semáforos da cidade, em contrato de oito anos • Vantagem de estar on-line: os semáforos detectam quantos veículos e pedestres há, e onde estão, na intersecção e com isso podem mudar do verde para o vermelho, e vice-versa, de acordo com o fluxo de automóveis. NOS CARROS • O que já existe: o protótipo do Google foi o pioneiro, mas fabricantes como Toyota e BMW já experimentam modelos • Preço médio: 300.000 dólares • Vantagem de estar on-line: com um radar que mapeia todos os arredores em tempo real, o carro trafega automaticamente pelas ruas, sem necessidade de um motorista. Isso deixa o trânsito mais seguro, já que o automóvel não é programado para cometer irregularidades, e faz com que as pessoas ganhem tempo (elas podem, por exemplo, ler enquanto o veículo as leva). EM VAGAS DE ESTACIONAMENTO • O que já existe: projetos em São Francisco e Los Angeles, nos Estados Unidos • Preço médio: 19 milhões de dólares para implantação no centro de uma cidade ou em um estacionamento coberto com 7000 vagas • Vantagens de estar on-line: sensores indicam ao motorista onde há uma vaga livre na rua, reservam o espaço para ele (se outro parar no lugar, poderá ser multado) e, caso haja parquímetro, o valor é pago automaticamente, pela conexão com o sistema bancário. NO COMBATE À POLUIÇÃO • O que já existe: o Projeto Rescatame, na cidade de Salamanca, na Espanha, é pioneiro • Preço médio: 3 milhões de dólares para instalação em Salamanca, que tem 152.048 habitantes • Vantagem de estar on-line: aparelhos conectados são espalhados para monitorar a qualidade do ar e, assim, traçar quais são as rotas menos e mais poluídas; a informação é repassada às pessoas, que podem escolher morar ou trafegar somente nas regiàµes mais limpas, e ao governo, que usa os dados para guiar políticas públicas de combate à emissão de poluentes. NAS RUAS • O que já existe: aplicativos que usam dois sensores de smartphone e tablet, o acelerômetro e o GPS, para detectar quando o carro passa por um buraco nas ruas e identificar a localização • Preço médio: 45.000 dólares para implementação em uma cidade com cerca de 1 milhão de habitantes • Vantagens de estar on-line: se os moradores de uma cidade aceitarem instalar o app em seus dispositivos, a prefeitura conseguirá detectar rapidamente problemas nas ruas e repará-los - também é útil para os próprios motoristas, que poderão acompanhar pelo programa onde há buracos e, assim, desviar-se deles. COM REPORTAGEM DE GABRIELA NERI 3#2 CARTA AO LEITOR - VALORES E PRINCÍPIOS No intenso ano de 2014, VEJA, mais uma vez, cumpriu seu papel de acender a luz e expor aos olhos da nação os fatos relevantes, em especial aqueles que muitos gostariam de manter na escuridão. No cumprimento de seu dever, a imprensa investiga e analisa os fatos, faz sua interpretação deles e, em muitos casos, aponta caminhos e correções que lhe parecem apropriados de acordo com sua visão de mundo. à‰ natural que isso agrade a alguns e desagrade a outros. O fim de ano é uma circunstância adequada à reafirmaà§ão de nossos valores e crenças, as lentes através das quais interpretamos os fatos. Deixar claro nosso eixo de referência à© essencial, não para convencer ou converter quem quer que seja, mas para que se entenda o que nos move e qual é nossa missão. VEJA é a favor das ideias e ideais que entendemos serem os mais apropriados para levar mais rapidamente a sociedade brasileira a uma condição melhor, de forma sustentável. VEJA não é contra ou a favor de partidos políticos ou pessoas. Nosso alinhamento sempre foi com programas e propostas. O eixo central da revista é o convencimento profundo de que a principal função do Estado é assegurar a todos os brasileiros o acesso aos meios de que precisam para lutar por uma vida digna. Que todos tenham acesso ao saneamento, à educação e à saúde de qualidade. Não podemos cruzar os braços enquanto uma parte marginalizada da população começa a vida em desvantagem e, por mais que se esforce, não consegue competir em igualdade de condições com os privilegiados. Não basta constatar a brutal desigualdade de renda no Brasil. Para reparar essa distorção, é vital ter em mente que ela é consequência da brutal e histórica desigualdade no acesso à educação de qualidade. Não hà¡ política de distribuição de renda capaz de, sozinha, corrigir essa injustiça histórica. É preciso produzir riqueza e gerar recursos, e o caminho para isso é o crescimento econômico. São infindáveis os debates sobre como crescer. Isso é saudável. Mas a situação crítica em que nos encontramos nos encoraja a defender com ênfase a manutenção e o aprofundamento de valores básicos necessà¡rios ao crescimento econômico sustentável, frutos do conhecimento chancelado por experiências de sucesso nas sociedades abertas: • Liberdade de expressão • Democracia representativa • Livre-iniciativa • Estado de direito • Transparência e ética. É nesses valores que acreditamos estar o mapa do caminho para a construção do país justo e próspero que desejamos. Crà­ticas, por vezes enfáticas demais, ao crescimento pífio e à  leniência com a corrupção são feitas em defesa daqueles valores básicos. Desprezá-los é aceitar correr o enorme risco de deixar de aproveitar o momento favorável propiciado pelo "bônus demográfico". É resignar-nos a um Brasil que vai envelhecer antes de enriquecer. Em outras palavras, é negar aos jovens a oportunidade de crescer e se desenvolver em toda a sua plenitude. Isso provoca nossa indignação e, acreditamos, a de todos os brasileiros com olhos no futuro. É certo que só com reformas estruturais retomaremos o crescimento vigoroso imprescindível. É preciso começar já as negociações para reformar as práticas políticas, tornar o sistema tributário mais saudável e permitir que as relações trabalhistas sejam mais vantajosas para empregados e empregadores. O esforço exigido nesse processo é monumental. Ele só dará resultado se superarmos a visão simplista de que para que uns ganhem outros têm de perder. As férias natalinas nos dão também a oportunidade de refletir sobre a reforma sem a qual nenhuma das engenharias sociais propostas aqui pode funcionar, a reforma de valores. Esta não requer negociaà§ões complexas ou custosas, pois depende apenas das atitudes cotidianas de cada um de nós. -- Você está participando do grupo "DV-Escola", dos grupos do Google. Sua inscrição é de sua inteira responsabilidade. Atenção! 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