0# CAPA 25.2.15 VEJA www.veja.com.br Editora ABRIL Edição 2414 – ano 48 – nº 8 25 de fevereiro de 2015 [descrição da imagem: foto, do peito para cima, de Ricardo Pessoa. Está de frente, com olhar para o lado direito.] OS SEGRUDOS DO EMPREITEIRO * O que Ricardo Pessoa, da UTC, preso em Curitiba, quer contar sobre a Lava-Jato. * O ministro da Justiça tentou mesmo evitar sua delação premiada * Desde 2003 ele dá dinheiro de propina ao PT e outros partidos * Em 2014 deu a candidatos do PT 30 milhões de reais obtidos no petróleo * Pagou despesas pessoais de José Dirceu * E muito mais... [parte superior da capa: uma mulher, jovem, com um bebê no colo] O ABISMO DO VÍCIO VEJA acompanhou durante cinco meses o doloroso cotidiano de uma ex-universitária dependente de crack e mãe de uma recém-nascida. _______________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# ECONOMIA 5# INTERNACIONAL 6# GERAL 7# ARTES E ESPETÁCULOS _____________________________ 1# SEÇÕES 25.2.15 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – ECOS DO GRANDE ERRO 1#3 ENTREVISTA – MARINE LE PEN – UNIDOS PELO NACIONALISMO 1#4 MAÍLSON DA NÓBREGA – SOBRE O IMPEACHMENT 1#5 LEITOR 1#6 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM OPERAÇÃO DEFESA Já foi feito há quatro anos com a Operação Castelo de Areia, que investigava a atuação da construtora Camargo Corrêa em vários crimes financeiros. Agora, o Brasil assiste a outra operação de guerra montada por advogados para sepultar as investigações da Lava-Jato. Reportagem de VEJA.com explica como as principais bancas de defesa do país vão tentar impedir que seus clientes empreiteiros sejam levados a julgamento, com pelo menos cinco argumentos: a ilegalidade de grampos telefônicos, o uso de prisões preventivas para forçar delações premiadas, apreensões indiscriminadas nas empreiteiras, o impedimento do juiz Sérgio Moro e a necessidade de a Lava-Jato ser julgada integralmente no STF. CURSOS ON-LINE De MBA no exterior a cursos on-line de curta duração, o investimento profissional é o que separa uma carreira estagnada de uma promoção ou contratação na empresa dos sonhos. "Além do aperfeiçoamento técnico, o profissional que investe em cursos se destaca por demonstrar iniciativa, determinação e autodisciplina", explica Ricardo Ribas, gerente executivo da empresa de recrutamento Page Personnel, Reportagem de VEJA.com traz opções de cursos on-line gratuitos para impulsionar a carreira a curto prazo. UM ANO DE CLÁSSICOS Uma boa notícia para os leitores: neste ano, entram em domínio público diversos textos fundamentais do século XX, caso de O Pequeno Príncipe, a obra-prima do francês Antoine de Saint-Exupéry. Duas editoras iniciam suas operações voltadas para títulos clássicos e duas já consolidadas, a Hedra e a Rocco, preparam novas coleções com o mesmo foco. Reportagem do site de VEJA aborda uma velha questão - por que ler os clássicos? - e explica por que a movimentação no mercado editorial vai beneficiar quem deseja formar uma biblioteca. 1#2 CARTA AO LEITOR – ECOS DO GRANDE ERRO Uma reportagem de VEJA publicada em 29 de junho de 2005, portanto há quase dez anos, trazia na capa uma chamada que, em boa parte, explica os escândalos do ciclo petista no poder: "O grande erro: confundir o partido com o governo". Acima do texto, o brasão nacional adaptado às circunstâncias sobre as quais a revista queria chamar atenção: "República Federativa do Zé — 1º de janeiro de 2003". O Zé era José Dirceu, que acabava de se tornar ex-ministro da Casa Civil, afastado por Lula na tentativa de conter a escalada de indignação popular com a revelação do mensalão. Dirceu perdeu o cargo na crise, foi julgado e condenado pelo crime de corrupção ativa, pena que passou a cumprir em regime semiaberto depois de oito meses preso em cela da penitenciária da Papuda, em Brasília. Outros três nomes da cúpula do partido também foram condenados e presos. A punição dos infratores, porém, não deu cabo da infração. É o que demonstra uma reportagem desta edição ao revelar os segredos que guarda um dos empreiteiros presos na Operação Lava-Jato, que apura o esquema do petrolão, o engenheiro baiano Ricardo Pessoa, da UTC. O mensalão e o petrolão têm a mesma origem. Por tudo o que se revelou na Lava-Jato e, agora, com as informações que Pessoa se dispõe a relatar à Justiça, fica evidente que confundir governo e partido continua a ser o grande erro do PT no poder — um erro pelo qual os brasileiros pagam um alto preço na forma de corrupção, de colonização do Estado por agentes ideológicos e de uso indevido das instituições republicanas com o objetivo de conter os danos políticos que os escândalos possam trazer ao núcleo do poder em Brasília. Esse desvio de conduta se verifica agora pela intromissão de José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, nos rumos da Operação Lava-Jato. Cardozo teve contato com advogados dos acusados, com os quais travou conversas primeiro negadas e depois admitidas, mas dadas como "normais". As conversas, porém, foram relatadas pelos defensores a seus clientes como tentativas impróprias de evitar que surjam mais revelações prejudiciais ao governo. Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), e Sérgio Moro, juiz da Lava-Jato, condenaram a iniciativa de Cardozo. Barbosa defendeu até a destituição do ministro. Moro classificou os encontros de "intoleráveis". Na semana passada, VEJA aprofundou a investigação do episódio com os mais próximos assessores de Ricardo Pessoa, da UTC. Ouviu deles que a ideia do encontro partiu de Cardozo e que o ministro foi muito claro em tentar demover Pessoa de fazer a delação premiada. Ouviu também que Pessoa está disposto a relatar à Justiça detalhes de sua ajuda financeira a políticos efetuada com dinheiro de propinas dos contratos conseguidos pelo PT para a UTC junto à Petrobras. Confundir governo com partido é muito perigoso. 1#3 ENTREVISTA – MARINE LE PEN – UNIDOS PELO NACIONALISMO A aversão ao liberalismo e o antiamericanismo da mulher que pode se tornar a próxima presidente da França são a prova de que a direita e a esquerda se encontram nos extremos. Marion Anne Le Pen, chamada de Marine, é a favorita nas pesquisas para as eleições presidenciais de 2017 na França, com 30% das intenções de voto. Advogada de 46 anos, ela comanda o partido Frente Nacional (FN), fundado por seu pai, Jean-Marie, em 1972. Marine despacha três dias por mês em seu escritório no Parlamento Europeu, do qual é deputada, em Estrasburgo, na França. Na entrevista a VEJA, interrompida por baforadas em um cigarro eletrônico, ela se mostrou fortemente estatizante, antiamericana, protecionista e nacionalista. Embora situe no espectro de oposição à FN os políticos de esquerda (entre os quais os chavistas venezuelanos e os gregos do Syriza), ela não consegue esconder sua admiração por eles. Podemos chamá-la de líder da extrema direita francesa? A Frente Nacional não é um partido de extrema direita. Somos uma organização patriota, que preza o Estado-nação, o nacionalismo econômico, a independência diplomática em relação aos Estados Unidos e defende uma imigração controlada. Na França, a direita e a esquerda desenvolveram uma mesma e frouxa política. São responsáveis pelos mesmos números elevados de imigração. Por isso, a divisão entre esquerda e direita aqui não existe. É uma miragem. A verdadeira separação é aquela entre os que defendem a nação, como nós, e os que, em benefício do comércio global, advogam o desaparecimento das nações, a abolição das fronteiras e o fim das identidades nacionais. O atentado à redação do Charlie Hebdo, em Paris, fortaleceu o seu movimento? Os atentados não tiveram vencedores. Só perdedores. O certo é que nós fomos os únicos que há muito tempo advertimos que tudo o que estava sendo feito no país só aumentava o poder do fundamentalismo islâmico e punha em risco nossa segurança interna. A senhora é favorita nas pesquisas de intenção de voto para o pleito de 2017. Qual seria sua primeira medida como presidente da França? Devolver aos franceses seus direitos, sua soberania. Hoje, com a União Europeia (UE), nossos direitos foram retirados. Não controlamos nossas fronteiras. Nosso orçamento e nossas leis são inferiores àqueles impostos pelos tecnocratas europeus. Quero o poder para devolvê-lo ao povo. Para isso, pretendo organizar um referendo sobre a saída da UE, que é um modelo totalitário. Que dados justificariam a saída da França da UE? Um dos continentes mais ricos do mundo está falido. Isso começou com o euro. O desemprego e a pobreza explodiram. Nossas economias estão em crise. As políticas de austeridade criaram um sofrimento imenso. Hoje a UE é sinônimo de guerra. O conflito na Ucrânia, as disputas em Kosovo, a luta econômica que coloca os povos uns contra os outros e elimina direitos sociais. Isso criou o que chamo de "dumping social", que agora se torna também ambiental e monetário. O que é exatamente o "dumping social"? É a eliminação dos direitos sociais locais que exacerba a concorrência entre os trabalhadores, produzindo um efeito do qual apenas algumas multinacionais se aproveitam. Não foi justamente o fim dos nacionalismos e do protecionismo econômico, dois pilares da UE, que garantiu tantas décadas de paz na Europa? Isso é uma grande mentira. Foi a paz que permitiu a construção da UE, e não o contrário. Então o que produziu a paz, em sua opinião? Foram a vontade das nações e o aprendizado com os erros das guerras do passado que evitaram novos conflitos. Na Ucrânia, o que está acontecendo hoje é resultado da influência americana. Para defenderem seus interesses, os Estados Unidos mostraram-se dispostos a lançar uma guerra no seio da Europa depois de terem feito o mesmo por todo o Oriente Médio. O que a senhora acha da coalizão internacional, liderada pelos Estados Unidos, para combater o Estado Islâmico (Isis)? A França está indo atrás dos americanos, que estão deslegitimados naquela parte do mundo. Eles são responsáveis pelo desequilíbrio da região, pela ascensão do Isis e do fundamentalismo islâmico. Quero a França com uma diplomacia independente. Antes, tínhamos reputação e influência. Isso foi perdido. Estamos submissos à diplomacia americana. Os Estados Unidos devem mandar armas aos ucranianos? Não. A Rússia não é um agressor. Foram os Estados Unidos que criaram as condições para a violência na Ucrânia. São os europeus que devem solucionar esse problema. Os americanos não têm nada que fazer em nosso território. Seria melhor que os Estados Unidos não fizessem nada? Eles deveriam parar de tentar ser os policiais do mundo. Se os Estados Unidos não ajudarem, como os ucranianos poderão se defender? Como não há agressão, não há do que se defender. São os ucranianos que estão bombardeando parte de sua população civil. O resultado das conversas diplomáticas deve incluir a federalização da Ucrânia, mas para isso é preciso um compromisso de que Kiev não se junte à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Isso é desejo dos americanos, que querem, por meio da Otan, abrir frentes até a fronteira russa, o que é inadmissível para Moscou. O papel da Otan não seria impedir ou pelo menos retardar o expansionismo de Putin? A Otan não tem razão de existir. Depois do fim da União Soviética, essa entidade deveria ter sido dissolvida. Em vez disso, ela se tornou uma arma nas mãos dos Estados Unidos. A Rússia e Vladimir Putin, por outro lado, não têm nenhuma pretensão expansionista. Só o que fazem é responder a uma agressão dos americanos em sua zona de influência econômica. O Brasil tem uma empresa energética, a Petrobras, que, por ser estatal, virou presa da corrupção. Não é um contrassenso defender a estatização hoje? Acho que os governos precisam atuar a partir de uma estratégia, mas não digo que isso signifique estatizar tudo. É precisamente quando há pessoas que só pensam no próprio bolso e põem a mão em bens do Estado que se deve intervir. Nicolás Maduro, na Venezuela, também fala, a exemplo da senhora, em defesa de interesses nacionais, mas os resultados são desastrosos. A senhora admira esse pessoal? Uma nação precisa preservar sua identidade econômica e fazer escolhas que são do interesse do povo. Olhe só a questão da indústria do aço na França. Um país grande como o nosso, com uma grande indústria de armamentos, não pode depender de uma multinacional estrangeira e fundos de investimentos multinacionais para esse setor. O Estado tem de ter em suas mãos os setores essenciais para seu desenvolvimento. É preciso independência alimentar, energética e militar. Isso dá liberdade para que o povo faça as próprias escolhas. Quando uma empresa estratégica está nas mãos de um país como o Catar, que financia o fundamentalismo islâmico, nossa nação fica vulnerável. Hugo Chávez era um político de esquerda. Qual é sua opinião sobre ele? Chávez tinha uma posição política totalmente oposta à da Frente Nacional. Mas vale refletir que os americanos há muito tempo demonizam seus adversários. Separam o mundo entre bem e mal. Isso pode funcionar para crianças, mas não para pessoas que pensam com o livre-arbítrio, que julgam os fatos a partir de um ponto de vista mais inteligente e equilibrado. Os venezuelanos que já protestaram contra o governo julgaram de maneira errônea o ex-presidente Chávez? Poderiam apreciá-lo por não se submeter à pressão estrangeira. Nós, franceses, sofremos muito por estar submetidos à União Europeia. O primeiro direito de um povo é não ser submisso a outros. Não posso julgar a política econômica do ex-presidente Chávez porque não a conheço em detalhes. Não posso dizer o que ele deveria ou não ter feito. Mas concordo integralmente com o conceito de não se curvar a pressões externas. Que pressões são essas, na opinião da senhora? No século XX, houve dois tipos de totalitarismo: o comunismo e o nazismo. Os de hoje são outros. São o islamismo, que quer impor a lei muçulmana em tudo e a todos, e a globalização, que reconhece apenas a lei do comércio. Eu combato o totalitarismo e, portanto, me coloco como oposição a essas forças. A senhora apoiou a ascensão do partido de esquerda Syriza, na Grécia? O Syriza é uma sigla que defende muita coisa totalmente contrária às ideias da Frente Nacional. O que apoio é a decisão do povo grego de tomar as rédeas do próprio destino. Defendo a vontade manifesta dos gregos de se opor aos mandos da União Europeia e admiro sua luta para escapar da escravidão que lhes foi imposta pela dívida que contraíram. A senhora acredita ou vê progressos nas iniciativas de muçulmanos moderados dispostos a agir com o objetivo de conter a radicalização? Uma grande parte dos muçulmanos moderados tem medo de fazer qualquer coisa nesse sentido. Muitos moram em subúrbios, onde sofrem com o terrorismo intelectual dos radicais sobre eles. Vivem sob pressão. As instituições, por seu lado, que deveriam proteger os moderados, são tão fracas que não conseguem lhes passar segurança alguma. Assim, eles se sentem à mercê da onda islamista. A iniciativa patética do governo francês foi abrir um site no qual se lê: "Pare o jihadismo". Sinceramente, não sei se é para rir ou para chorar. Falta coragem para enfrentar questões reais. Temos mesquitas financiadas por países estrangeiros, e não existe nenhum controle sobre elas e suas finanças. A República francesa já não existe em determinados subúrbios. Tudo isso ocorrendo, e o governo se limita a criar um site na internet. A senhora concorda que, no passado, o período de bonança econômica na Europa se deveu aos imigrantes? Não, absolutamente. A França acolheu imigrantes europeus em uma proporção razoável, e eles foram assimilados completamente pela cultura do nosso país. Nos anos 1970, a pedido dos patrões das maiores empresas, a França aceitou um fluxo massivo de imigrantes com o objetivo único de forçar a diminuição dos salários. Foi uma manobra para reduzir os custos das empresas e repassá-los ao povo. O resultado foi que o sistema social francês teve de acolher os imigrantes sub-remunerados, e a pobreza e o desemprego continuaram intactos. Deportar imigrantes é uma solução? Primeiro, é preciso interromper a imigração. A assimilação na Europa tem sido um fracasso total. A situação econômica não permite receber as pessoas nas condições desejáveis. Precisamos mostrar isso e, assim, reduzir a atratividade do nosso país junto às populações pobres que têm a intenção de vir para cá. O que fazer com os filhos de imigrantes que foram se juntar a extremistas na Síria e no Iraque e agora querem retornar à França? Eu os mandaria de volta ao lugar de onde vieram. Como a senhora explica que judeus na França tenham medo da ascensão da Frente Nacional? Muitos judeus franceses esperam, impacientes, que cheguemos ao poder. Eles não devem ter medo de nós, pelo contrário. Nossa vontade é lutar de maneira mais firme contra o islamismo e dar a eles mais segurança. Se os judeus forem embora da França, não será por causa da Frente Nacional, e sim por causa do Islã radical. Os judeus, sim, são o maior alvo dos radicais. Mas, incontestavelmente, todos estamos na mira. 1#4 MAÍLSON DA NÓBREGA – SOBRE O IMPEACHMENT Conversas e especulações sobre um eventual impeachment de Dilma aumentaram com a forte queda de sua popularidade, que se explica pelos desastres derivados de má gestão. Sobressaem o escândalo na Petrobras, o risco de racionamento de energia e os maus resultados na economia. Apesar disso, a menos que novos fatos venham a justificá-la, não parece boa a ideia de buscar a interrupção de seu mandato. Em estudo de 2006, Kathryn Hochstetler examinou as tentativas de interrupção do mandato de presidentes eleitos na América do Sul após a redemocratizaeão das décadas de 70 e 80 ("Rethinking presidentialism: challenges and presidential falLs in South America"). Até 2003, dezesseis presidentes enfrentaram tentativas de impeachment e nove deixaram o governo antes do fim do mandato. Apenas um impeachment se concretizou, o do brasileiro Fernando Collor. Os demais fracassaram por outros motivos. A autora lista três fatores que motivaram tentativas de impeachment na região: 1) insatisfação com a política econômica, 2) acusações de corrupção e 3) governo minoritário no Congresso. Adicionalmente, os protestos de rua representam um forte determinante. Na ausência de um desses fatores ou de movimentos de rua, os presidentes concluíram o mandato. Foi assim no Brasil nas tentativas de impeachment de Getúlio Vargas e Fernando Henrique. O caso de Vargas (1954) teve por motivação o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, que resultou na morte do major-aviador Rubens Vaz. O mandante do delito, Gregório Fortunato, era chefe da guarda pessoal de Vargas. O pedido de impeachment foi apresentado pelo deputado Afonso Arinos, mas Vargas era majoritário no Congresso. A proposta foi rejeitada por 136 votos a 35. No caso de Fernando Henrique (1999), a iniciativa foi do PT, no início do segundo mandato do presidente. FHC enfrentava queda de popularidade com a desvalorização da moeda, que durante a campanha pela reeleição ele prometera não realizar. O PT mobilizou protestos de rua sob o lema "Fora FHC!". Os movimentos, porém, não se encorparam. Havia insatisfação com a política econômica, mas inexistiam escândalos. O governo não era minoritário. Não houve processo de impeachment. No escândalo do mensalão (2005), falou-se em impeachment de Lula, mas a oposição temeu a interrupção do mandato de um líder tão popular. Preteriu apostar numa agonia lenta, que acarretaria a derrota nas eleições do ano seguinte. Acontece que a expansão da economia, do emprego e da renda contribuiu para a recuperação da popularidade de Lula. O impeachment abortou. Há quem, na oposição, se lembre do caso para defender a tese de que agora não se deveria contemporizar. A contínua deterioração da economia e os desdobramentos do petrolão disparariam protestos. Caberia à oposição atiçar os movimentos de rua que já se esboçam, desgastar a presidente mediante ações no Congresso e, assim, criar o ambiente para instaurar o processo. O impeachment é um recurso legítimo e constitucionalmente válido para descontinuar más administrações. É um processo político. Não requer prova inequívoca, típica dos casos que envolvem crime. Indicações de que o dinheiro da corrupção na Petrobras serviu para financiar a campanha eleitoral de Dilma bastariam. Ocorre que buscar o impeachment poderia não ser a estratégia mais conveniente. Mesmo que protestos de rua acontecessem em escala crescente, o governo ainda reuniria condições para manter a maioria no Congresso. Embora improvável de acontecer, no decorrer do seu mandato normal a presidente ainda tem a oportunidade de reconhecer erros, reformular políticas, desenvolver habilidades no exercício do novo governo e melhorar a qualidade de sua equipe, recuperando a confiança na sua administração e na economia. A eventual interrupção do mandato presidencial eliminaria as chances de reversão, pela própria Dilma, dos erros cometidos no primeiro governo. Permitiria, além disso, que os petistas utilizassem o processo de impeachment para posar de vítimas das elites, acusando-as de liderar um golpe contra o PT. Não se aproveitaria também o efeito pedagógico do julgamento de um fracasso pelos eleitores nas urnas. MAÍLSON DA NÓBREGA é economista 1#5 LEITOR CAPA VEJA inova com bastante criatividade na capa da edição 2413. Apesar da sugestão, não resisti e optei por não me isolar das informações, folheando a revista assim que a recebi, antes do Carnaval. Uma edição rica em informações não poderia ser deixada de lado para ler depois. Excelente a reportagem que sugere que durante a folia tentemos ficar off-line e desligados das redes sociais; importante a divulgação da escolha dos novos cardeais do papa Francisco e do perfil de cada um. Destaco a reportagem sobre a Operação Lava-Jato, entre outras. A opção de ler depois do feriadão infelizmente não iria mudar a realidade do Brasil nem fazer com que nos desvinculássemos dos fatos negativos, porque eles já estão impregnados na memória. Devemos sim ter o cuidado de não nos deixar escravizar conectados pelos aparelhos e redes sociais, como lembra a Carta ao Leitor de VEJA. FRANCISCO JOSÉ VALE, VIEIRA Belém, PA Entendo até a intenção de VEJA de propor certo descanso e, ao mesmo tempo, instigar a vontade de abrir a revista para ler seu conteúdo, porém acredito que os problemas do Brasil são muito grandes para que fiquemos quatro dias “curtindo” o Carnaval como se nada estivesse acontecendo. Parece que todos eles vão desaparecer por quatro ou cinco dias e só depois do Carnaval é que devemos nos preocupar. Nossos problemas estão apenas começando em 2015. Não podemos parar e ficar esperando que se resolvam sozinhos. MAURÍCIO GARCIA Medianeira (PR), via tahlet Não resisti e abri a revista. Era melhor ter seguido o conselho... Fui nocauteado por confetes de corrupção, serpentinas de larápios e lança-perfume com odores fétidos que inebriaram minha esperança de uma Quarta-Feira de Cinzas ética. MAURO XAVIER BIAZI Guarapuava, PR Não deu pra resistir: VEJA é indispensável — inclusive no Carnaval. HELAINE PÓVOA Brasília, DF É difícil atender ao pedido de VEJA. Essa revista causa dependência! PETUEL PREDA São Paulo, SP Peçam qualquer coisa, exceto procrastinar o maior prazer dos sábados e domingos: ler VEJA! Meu cérebro deseja esse deleite. Parabéns à equipe de VEJA pela coragem, determinação, criatividade... Enfim, parabéns por ser a revista VEJA! VIVIANE CABRAL DE SOUZA Vitória (ES), via tablet Joinville, SC DESINTOXICAÇÃO DIGITAL Importante, como VEJA deixa claro, é equilibrar as facilidades da vida digital com a indispensável convivência humana. ROBERTO SZABUNIA Excelente a reportagem "Tchibum!". Estamos cada vez mais escravos de tantas informações e aplicativos digitais. Hoje há e-mail, WhatsApp, Instagram, Facebook, Twitter em smartphones, tablets, computadores... Não sabemos onde isso vai parar. Sem falar nos desmandos e na roubalheira de nossos políticos que todo dia pipocam nos noticiários. É preciso mesmo dar um refresco. CARLOS HUMBERTO SCIGLIANO Ilhéus, BA PETROLÃO Li com apreensão que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se reuniu — "por um acaso" — com Sérgio Renault, nada mais nada menos que o advogado da UTC, empresa capitaneada pelo executivo Ricardo Pessoa, um dos presos na Operação Lava-Jato ("'O chefe da polícia pelo telefone mandou avisar...'", 18 de fevereiro). Tal apreensão prende-se ao fato de que — revelam relatos de conversas vazadas para a imprensa — os envolvidos poderiam tranquilizar-se porque, depois do Carnaval o rumo das investigações mudaria radicalmente. Fica a pergunta: o ministro usará de seu poder para bloquear a Polícia Federal ou a presidente Dilma indicará o citado ministro para assento no STF, uma vez que o indicado será um dos integrantes da Segunda Turma, que julgará os réus denunciados pela Procuradoria-Geral da República? JOSÉ LUCIANO DE AZEVEDO JÚNIOR Palmas, TO A busca ávida por neutralizar os testemunhos dos principais implicados na Operação Lava-Jato, com alternativas para se safarem de suas devidas penalidades a ser impostas, indica claramente que essa ação frenética é a "maior das confissões". O ministro da Justiça, que deveria ser o maior interessado em elucidar o caso, trabalha para acobertá-lo. Pode? Luís ANTÓNIO MARDEGAN São José ao Rio Preto (SP), via smartphone Ótimo... Temos um ministro da Justiça que maquina para não se fazer justiça. ADEMAR BIRCHES LOPES Ribeirão Preto, SP Mais uma vez, o mensaleiro José Dirceu parece estar envolvido nas falcatruas do PT. Agora, o mestre do disfarce aparece como "Bob" ("O consultor do esquema", 18 de fevereiro). Apesar dos esforços do ministro da Justiça para tranquilizar as empreiteiras, meu desejo é que tanto empreiteiros como políticos sejam trancafiados na Papuda. Entretanto, o que realmente eu e milhares de outros brasileiros mais almejamos é que desta vez nosso Bob Esponja entregue "o chefe". LEONARDO GIORDANO Brasília, DF J.R. GUZZO Muito oportuno o artigo "Na rua, o Pró-Furto" (18 de fevereiro), de J.R. Guzzo. Realmente, para Dilma Rousseff colocar "o povo na rua" precisaria mesmo era renunciar ao mandato de presidente imediatamente, entregar-se ao juiz federal Sérgio Moro, fazer um acordo de delação premiada e contar tudo o que sabe sobre o petrolão de seu governo e do governo Lula e o envolvimento do PT. Dessa forma, anteciparia o processo do petrolão e deixaria o Brasil voltar à normalidade tão necessária. E a Petrobras voltaria a crescer, no comando de uma nova quadrilha — a do PMDB. GLICÉRIO BARBOSA DE BRITO Salvador, BA Tirar de quem tem para dar aos que não têm (até que todos fiquem sem...) é a proposta que as "esquerdas" costumam bradar para seduzir eleitores que desejam chegar ao cume da montanha sem o esforço da escalada. Já estive em países que experimentaram essa máxima populista dos falaciosos que se locupletam no poder e constatei quanto retardaram seu progresso. Até quando nossas massas serão tangidas pelos políticos que insistem em implantar aqui o que a história já provou que não funciona? Estou pronto para sair às ruas, sim, mas para expurgar de vez do Brasil os manipuladores das inteligências que — ingenuamente — lhes confiam preciosos votos. LUIZ BARBOZA NETO Florianópolis, SC LYA LUFT O brilhante artigo "A nação estarrecida" (18 de fevereiro), da escritora Lya Luft, nos faz refletir muito sobre nossa atual situação. Um país tomado pela corrupção, pela baderna e que, a cada dia, nos faz perder quaisquer referências de conduta. Afinal, aqui parece que tudo pode e nada tem limites. Aonde se pretende chegar? RODRIGO HELFSTEIN São Paulo (SP), via smartphone É impressionante como Lya Luft descreveu o sentimento que assola boa parte dos brasileiros. Queria muito que esse sentimento fosse da maioria e se tornasse uma força motriz de mudança, mas temo pelo contrário. Até temos consciência, mas nos falta atitude. EDNALDO NETO João Pessoa, PB GUSTAVO IOSCHPE Excelentes as reflexões do economista Gustavo Ioschpe no artigo "Dilma Shiva ataca novamente" (18 de fevereiro). É triste saber que as novas regras do Fies comprometem a permanência em cursos superiores de 71% dos estudantes brasileiros, a maioria pobre — quase 2 milhões de acadêmicos de baixa renda. Como as universidades particulares poderão sobreviver com despesas com esses alunos doze meses por ano se só receberem a verba referente a eles em oito meses do ano? Pena! O dinheiro que foi desperdiçado agora faz falta e começa a sangrar projetos importantes como o do Fies. JOSÉ MARTA FILHO Vice-reitor universitário Bauru, SP LUIZ FERNANDO PEZÃO Li com especial atenção a entrevista com o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão ("A chance de um voo-solo", 18 de fevereiro). Confesso que sempre nutri por ele certa descrença devido a sua forte ligação com o ex-governador Sérgio Cabral. Entretanto, Pezão pareceu-me homem de coragem, que não foge de perguntas embaraçosas. Gostaria de poder olhá-lo diretamente e perguntar-lhe como se sente sendo responsável pelo caos instalado na saúde de nosso estado. Gostaria também de ver sua fisionomia ao ser questionado, olhos nos olhos, como se sente remunerando seus médicos estatutários, aprovados em concurso há quase trinta anos, com míseros 1400 reais. JOÃO CARLOS GOBBI Macaé, RJ PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação. VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP: Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até a quarta-feira de cada semana. 1#6 BLOGOSFERA EDITADO POR KÁTIA PERIN kperin@abril.com.br ESPELHO MEU LÚCIA MANDEL PROTEÇÃO SOLAR O fator de proteção ultravioleta (FPU) indica a eficácia de um tecido em bloquear a radiação ultravioleta do sol. O padrão FPU foi criado na Austrália e é adotado em vários países por fabricantes de roupas. Quanto maior o FPU do tecido, mais eficaz é o bloqueio dos raios UVA e UVB e, portanto, melhor é a proteção que o tecido oferece, www.veja.com/espelhomeiu COLUNA REINALDO AZEVEDO . HADDAD Os progressistas do xixi, do coco, do vômito e das drogas adoram a cidade inventada por Fernando Haddad, esse flagelo que se abateu sobre São Paulo. Em 2016, ele concorre à reeleição, tendo Chalita como vice. Quer dizer: pode piorar! www.veja.com/reinaldoazevedo COLUNA LEONEL KAZ BEIJA-FLOR Nossa música é nossa história; não a história dos outros. Muito menos a história de sanguinários ditadores, como o da Guiné Equatorial, que se perpetua no poder há 35 anos e faz do país um dos mais deserdados e pobres da Terra. E o que fez ele? Comprou o enredo da escola de samba Beija-Flor para exaltar as "virtudes" de seu país. Agora, vai filmar o desfile e projetar a seus súditos mortos-vivos, depauperados e famintos como se o país fosse louvado no exterior. www.veja.com/leonelkaz ______________________________________ 2# PANORAMA 25.2.15 2#1 IMAGEM DA SEMANA – MUITAS FURTIVAS LÁGRIMAS 2#2 DATAS 2#3 CONVERSA COM SARAH CHOFAKIAN – CONTO DE FADAS, COM PÉ NO CHÃO 2#4 NÚMEROS 2#5 SOBEDESCE 2#6 RADAR 2#7 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – MUITAS FURTIVAS LÁGRIMAS Ainda vão rolar no país afligido pelo caso do procurador que enfrentou a presidente. Um mar de guarda-chuvas sob um silêncio em tudo oposto aos escandalosos bumbos peronistas, nenhuma palavra de ordem e cartazes simples pedindo duas coisas: verdade e justiça. Por mais emocionante que tenha sido a marcha silenciosa replicada em muitas cidades argentinas em memória do procurador Alberto Nisman, a possibilidade de que a justa reivindicação seja atendida parece cada vez mais distante na espiral de delírio em que entrou o governo da presidente Cristina Kirchner desde o fatídico 18 de janeiro em que foi encontrado o corpo do homem que a acusava de cumplicidade com o Irã para acobertar o atentado contra uma entidade judaica. Parece um caso clínico, mas existe método no delírio. Através do Facebook, seu meio predileto de comunicação, ou em discursos ao vivo, Cristina joga com o papel de vítima de forças ocultas que conspiram para derrubá-la. Primeiro insinuou que Nisman se suicidou quando viu que o processo não se sustentava; depois que foi morto numa conspiração do serviço de inteligência que mandou desmantelar. Mas ela não se intimida de jeito nenhum. "Somos um país de ovários", declarou, numa elegante comparação com a parte do corpo masculino associada à coragem. Ou de otários, como na letra do clássico Cambalache? CIA e Mossad brotam como cogumelos em todos os lados do campo kirchnerista. Um senador aliado disse explicitamente o que outros falavam nas entrelinhas: o procurador foi vítima de "um crime passional homossexual". Novas testemunhas colocaram no apartamento de Nisman pegadas sanguinolentas, provas contaminadas e até um saquinho com cinco cartuchos. Cristina foi indiciada pelo procurador que assumiu o lugar de Nisman e a palavra que começa com I voltou a ser falada. Impeachment, insanidade ou impunidade? VILMA GRYZINSKI 2#2 DATAS MORRERAM Lesley Gore, cantora americana que fez sucesso ainda na adolescência com músicas feministas como It's My Party e You Don't Own Me. Essa última canção, composta por John Madara e David White, chegou ao segundo lugar na parada da Billboard em 1964, quando sua intérprete tinha apenas 17 anos. Lesley Sue Goldstein — este era o seu verdadeiro nome — nasceu no Brooklyn. O sucesso precoce não a fez abandonar os estudos: marcava seus shows e aparições em programas de TV para os fins de semana ou períodos de férias. Formada em inglês e literatura americana, passou a criar as próprias músicas em meados da década de 70. Out Here on My Own, escrita em parceria com seu irmão, Michael Gore, para o filme Fama (1980), do inglês Alan Parker, foi indicada ao Oscar de melhor canção — mas perdeu a estatueta para a música-tema do longa, assinada por Michael e Dean Pitchford. Dia 16, aos 68 anos, de câncer no pulmão, em Nova York. Michele Ferrero, o homem mais rico da Itália, criador da pasta de avelãs Nutella. Com patrimônio estimado em 26,5 bilhões de dólares, ocupou o 22º lugar da mais recente lista de bilionários da revista americana Forbes. Sua empresa, batizada com o sobrenome da família, produz também as balas Tic Tac, o Kinder Ovo e o chocolate Ferrero Rocher. A pasta Nutella foi idealizada durante a II Guerra pelo pai de Michele, Pietro. O cacau era, então, caro e racionado. Como não faltavam avelãs no território italiano, Pietro teve a ideia de juntá-las ao chocolate para poder oferecer aos clientes um produto mais barato. No início, a mistura se chamava Gianduja e era vendida já dentro do pão. Quando Michele assumiu a Ferrero, em 1949, aprimorou a receita e em 1964 passou a comercializar a pasta com o nome atual. Nascido em Dogliani, Michele foi o responsável pela globalização da companhia, que hoje opera em 53 países. Dia 14, aos 89 anos, em Monte Carlo. David Carr, jornalista americano, colunista do diário The New York Times e autor do best-seller A Noite da Arma, sua autobiografia. Na obra, ele conta como conseguiu largar o crack e a cocaína e criar as filhas gêmeas, fruto da relação com uma traficante. Nascido em Minneapolis, Carr graduou-se em psicologia e jornalismo. Escreveu para as revistas The Atlantic Monthly e New York antes de começar a trabalhar no Times, em 2002. Entusiasta das novas plataformas de comunicação, havia 25 anos que se dedicava à análise da tecnologia a serviço da imprensa. No fim de sua biografia, lançada em 2008, o jornalista, que esteve no Brasil em 2014 para participar da Flip, anotou: "Agora vivo uma vida que não mereço, mas todos nós caminhamos pela Terra sentindo que somos fraudes. O truque é ser agradecido e esperar que essa travessura não termine logo". Carr morreu após sofrer um mal súbito na redação do New York Times; pouco antes mediara um debate sobre Edward Snowden, que participou do evento ao vivo, da Rússia, por meio de videoconferência. Dia 12, aos 58 anos, em Nova York. Philip Levine, poeta americano, vencedor do Pulitzer de 1995 pela coletânea The Simple Truth. Nascido em Detroit, filho de judeus russos, foi o primeiro da família a concluir a universidade — formou-se em inglês. Tradutor do chileno Pablo Neruda, Levine produziu uma obra pouco difundida em português. Dia 14, aos 87 anos, de câncer no pâncreas, na Califórnia. 2#3 CONVERSA COM SARAH CHOFAKIAN – CONTO DE FADAS, COM PÉ NO CHÃO Ela juntou a experiência familiar no negócio com a formação em psicologia e virou especialista no mercado de sapatos artesanais de luxo, aqueles que as mulheres desejam. Vai até fazer o sapatinho da Cinderela. Como sua herança armênia, ou seja, de um povo com habilidade proverbial para os negócios, a ajudou? O armênio sabe vender, negociar e investir o que ganha. Além disso, tem conhecidas habilidades na confecção de sapatos. Com cinco anos, eu já brincava com eles no estoque da loja dos meus avós. Percebe em clientes com altos postos o desejo de usar salto para ficar no mesmo plano que colegas homens? Sim. Altura, simbolicamente, é poder. E mulher que não anda bem de salto passa insegurança. Acontece muito com plataforma, porque ela desequilibra. Ou sofrer sobre salto alto é simplesmente um preço que muitas mulheres estão dispostas a pagar pela sensualidade? Sofrimento não traz sensualidade, ainda que várias mulheres não vejam isso. Quase 80% das minhas vendas são de saltos grossos; dão altura, mas também conforto. Por que acha que a Disney a escolheu para fazer o sapato da Cinderela, um produto de marketing do novo filme da empresa? Fui uma das pioneiras em fazer sapato moderno e com feminilidade e estou há dezoito anos no mercado. O sapatinho é cravejado de cristais, forrado com seda e encapado com filó de algodão; ambos os tecidos são franceses. Ele custará 3850 reais. Quais são as diferenças entre modelos que custam 100 e 1000 reais? Começa pela criação, que é diferente da cópia. Levo três meses para finalizar um sapato, porque faço a mão. São 500 peças num mês, diferentemente das 10.000 produzidas por hora numa fábrica da China. E não uso nada sintético, porque esses materiais deixam o pé escorregadio. Se pudesse produzir um sapato ideal, sem considerar custos e fronteiras, de onde viriam material, acabamento e desenho? A França é o berço do patchwork e os franceses são capazes de trabalhar a simplicidade da palha com a nobreza do tweed, por exemplo. Os italianos têm os melhores designers, as pelicas e os segredos de produção. 2#4 NÚMEROS 322 cristãos são mortos por mês no mundo por causa de sua religião, a maior parte deles vítima do extremismo islâmico, segundo o relatório de 2014 da ONG Open Doors. 5 das dez nações listadas pela organização como as mais hostis com os seguidores do cristianismo ficam no Oriente Médio. No Iraque, 70% dos cristãos deixaram o país desde 2003 para fugir da perseguição de terroristas muçulmanos. 2014 foi o ano da era moderna em que mais cristãos foram perseguidos, torturados, presos ou mortos por causa de sua fé, diz o relatório. 2#5 SOBEDESCE SOBE Velocidade da rede - Ela aumentará em algumas semanas graças à atualização do HTTP, o protocolo de comunicação mais popular. Ovos - Pela primeira vez, o produto apareceu ao lado de legumes e grãos integrais no relatório dos departamentos de Agricultura e Saúde americano que define o que é uma "dieta saudável". Beyoncé - Depois que fotos da cantora em estado pré-Photoshop vazaram na internet, fãs inundaram a rede de comentários para defendê-la: uns dizendo que era linda, outros afirmando que as imagens só podiam ser falsas. DESCE Pronatec - O programa de ensino técnico, uma das principais bandeiras da campanha da presidente Dilma Rousseff, ficou cinco meses sem receber dinheiro do governo. França - O país registrou deflação de 1,1% em janeiro. A queda nos preços ameaça contagiar a economia da zona do euro. Putin, o Homem - Putin, the Man, documentário da TV alemã ZDF mostrou que o líder russo não se comporta mal apenas em público. Testemunhas afirmam que ele tinha o hábito de espancar sua ex-mulher, Lyudmila. 2#6 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • GOVERNO A DISTÂNCIA Neste ano, Dilma Rousseff não teve ainda nenhuma conversa a sós sobre política com Michel Temer. Não que Dilma esteja chateada com seu vice. É falta de vontade (ou autossuficiência) mesmo. NOS BRAÇOS DO POVO Dilma Rousseff começa na quarta-feira seu périplo pelo Brasil. Vai entregar 1000 casas do Minha Casa Minha Vida em Feira de Santana (BA). É a primeira das cidades que Dilma visitará inaugurando obras, falando à imprensa regional e nacional e tentando sair das cordas. Inicialmente, irá a municípios de Minas Gerais e do Nordeste, tidos pelo governo como fortalezas petistas. • CÂMARA "JE SUIS EDUARDO" Embora tenha postado cerca de sessenta comentários em seu Twitter na semana do Carnaval — aparentando estar no Brasil —, Eduardo Cunha se mandou para Paris. Não fez por menos. Hospedou-se num dos melhores cinco-estrelas da cidade, o centenário Plaza Athénée. A não ser que presidente da Câmara tenha desconto, a diária de uma suíte igual àquela em que Cunha ficou custa 1745 euros. • LAVA-JATO NA BOCA... A Odebrecht não teve nenhum executivo preso. E sempre que é necessário publica desmentidos veementes rechaçando qualquer ligação com a Lava-Jato. Apesar disso, os delatores continuam a envolvê-la no petrolão. Entre os treze que já fizeram delação premiada, quatro a citaram: Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco, Alberto Youssef e Júlio Camargo. Nos depoimentos, o nome da construtora aparece pelo menos 62 vezes em 38 páginas nas delações já tornadas públicas. ...DOS DELATORES Esses números ainda devem aumentar. Shinko Nakandakari, ex-gerente da Odebrecht, fechou acordo de delação para contar o que sabe. CARTOLA FURADA Quase cinco meses após o fim do primeiro turno das eleições de 2014, quando foram derrotados, o PT de São Paulo e o PT do Rio de Janeiro ainda não conseguiram desatar o nó das dívidas das duas campanhas. O diretório de São Paulo deve 25 milhões de reais na praça e o do Rio, 12 milhões de reais. A expectativa de Padilha e Lindbergh era que o cofre do PT nacional e o mágico João Vaccari Neto fizessem o dinheiro aparecer, mas está praticamente impossível arrecadar em tempos de Lava-Jato. E da cartola de Vaccari hoje é mais fácil sair um par de algemas do que moedas. • PETROBRAS HORA DE MUDAR 1 É grande a possibilidade de ser anunciada a nova composição do conselho de administração da Petrobras em meados da próxima semana. HORA DE MUDAR 2 Uma das novidades: os ministros da Fazenda e de Minas e Energia, que tradicionalmente integram o conselho, devem ser substituídos por executivos de renome. • FUTEBOL ROLO FENOMENAL Uma decisão da Justiça de São Paulo pode fazer com que o Corinthians e Ronaldo Fenômeno percam milhões de reais. A 3ª Vara Cível determinou a apresentação de todos os contratos celebrados com a Hypermarcas, patrocinadora que injetou mais de 100 milhões de reais na parceria de três anos com o clube e o ex-jogador. A ação foi proposta pelo empresário Paulo Palomino, que diz ter direito a cobrar 10% de comissão dos valores envolvidos por ter apresentado as partes — o que o Corinthians e Ronaldo negam. Pelo fato de Palomino ter concedido gravações e documentos, a Justiça já colocou no papel que considera "plausíveis" suas alegações. 2#7 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “A desumanização do artista é uma coisa que insistem em fazer, como se ele não pudesse errar, ser antipático, como se tivesse de estar o tempo todo sorrindo. Erro para caramba. Quero ser normal, as pessoas é que não deixam.” - ALEXANDRE NERO, ator, em O Estado de S. Paulo. “Profanar é insultar todas as religiões e sujar a República.” - FRANÇOIS HOLLANDE, presidente da França, ao comentar a profanação de 250 túmulos de um cemitério judaico na região da Alsácia, no nordeste do país, durante uma cerimónia realizada no local. “Dominique Strauss-Kahn pagava por sexo com prostitutas? A resposta é não. Ele atuou como cafetão de prostitutas? A resposta é não.” - FREDERIC FEVRE, promotor de Lille, defendendo a absolvição do ex-chefe do FMI da acusação de proxenetismo. DSK deixou o cargo e abandonou suas pretensões políticas em 2011, ao ser acusado de tentativa de estupro de uma camareira nos EUA; o inquérito foi arquivado por falta de provas. “Somos racistas, somos racistas, e é assim que gostamos de ser.” - TORCEDORES DO CHELSEA, clube inglês, cantarolando no interior de um vagão do metrô parisiense, depois de impedirem um homem negro de embarcar, horas antes do jogo contra o Paris Saint-Germain, pelas oitavas de final da Liga dos Campeões. “Esse comportamento é repugnante e não tem lugar no futebol nem na sociedade.” - NOTA OFICIAL DO CHELSEA, emitida após a divulgação, na internet, pelo diário britânico The Guardian, de um vídeo que mostrava o ato discriminatório. “O que eu iria dizer aos meus filhos? Que o pai foi empurrado no metrô porque é negro? Isso seria inútil.” - SOULEYMANE S., a vítima do episódio, em declaração ao jornal francês Le Parisien. “Acho que está bom assim. Adequado.” - MAITÊ PROENÇA, 56 anos, atriz e escritora, falando sobre o próprio corpo, em O Globo. “Há um imperativo de ser feliz. (...) É preciso ser feliz em casa, com a companheira, no trabalho, na cama, nas férias...” - ROGER-POL DROIT, filósofo francês, no diário espanhol El País. “Eu não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Amei e fui amado. (...) Li, viajei, pensei e escrevi. Eu tive uma relação especial com o mundo.” - OLIVER SACKS, 81 anos, neurologista inglês, autor de Tempo de Despertar, em artigo publicado no jornal americano The New York Times no qual afirma que está com câncer terminal. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto do ano que se inicia agora no Brasil - passado o Carnaval “As ilusões caem uma após a outra, como as cascas de uma fruta, e a fruta é a experiência. Seu sabor é amargo; no entanto, ela possui algo acre, que a fortifica.” - GÉRARD DE NERVAL, escritor frances (1808-1855). _______________________________________ 3# BRASIL 25.2.15 3#1 O QUE ELE SABE É DINAMITE PURA 3#2 ESPERANDO JANOT 3#3 OS TRABALHOS DE LEVY 3#4 A MATEMÁTICA DO APAGÃO 3#5 VAI DAR PARA ESCAPAR? 3#1 O QUE ELE SABE É DINAMITE PURA Ricardo Pessoa, presidente da UTC, preso na PF em Curitiba, quer fazer delação premiada e contar tudo. As manobras para convencê-lo do contrário seguem o padrão do ciclo petista no poder: o ministro da Justiça vira advogado de defesa do governo e tenta evitar que os escândalos atinjam o Planalto. DANIEL PEREIRA E ROBSON BONIN Muito se discute sobre as motivações que um empreiteiro há três meses preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba teria para contar o que sabe — não por ter ouvido falar, mas por ter participado dos eventos que está pronto a levar ao conhecimento da Justiça. O engenheiro baiano Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC, tem várias. A primeira, evidente, é não ser sentenciado pela acusação de montar um cartel de empreiteiras destinado a fraudar licitações na Petrobras, quando a festa pagã de que ele tomou parte na estatal foi organizada pelo PT, o partido do governo. A segunda, também óbvia, é atrair para o seu martírio o maior grupo de notáveis da política que ele sabe ter se beneficiado das propinas na Petrobras e, assim, juntos, ficarem maiores do que o abismo — salvando-se todos. A terceira, mais subjetiva, é, atormentado pela ideia de que tudo o que ele sabe venha a ficar escondido, deixar registrado para a posteridade o funcionamento do esquema de corrupção na Petrobras feito com fins eleitorais. Antes dono de um porte imponente e até ameaçador, Pessoa está magro e abatido. As acusações de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa que pesam sobre ele poderiam ser atenuadas caso pudesse contar, em delação premiada, quem na hierarquia política do país foi ora sócio, ora mentor dos avanços sobre os cofres da Petrobras. "Vou pegar de noventa a 180 anos de prisão", vem dizendo Ricardo Pessoa a quem consegue visitá-lo na carceragem. Foi com esse espírito que fez chegar a VEJA um resumo do que está pronto a revelar à Justiça caso seu pedido de delação premiada seja aceito. A negociação com os procuradores federais sobre isso não caminha. Pessoa reclama que os procuradores querem que ele fale de corrupção em outras estatais cuja realidade ele diz desconhecer por não ter negócios com elas. Já os procuradores desconfiam que Pessoa está sonegando informações úteis para a investigação. O impasse só favorece o governo, pois o que Pessoa tem a dizer coloca o Palácio do Planalto de pé na areia do mar de escândalos. SOBRE O MINISTRO DA JUSTIÇA Pessoa recebeu de seus advogados a informação de que partiu de José Eduardo Cardozo a iniciativa de procurá-los para uma conversa que foi relatada a ele como tentativa de evitar sua delação premiada. PROPINAS O empreiteiro quer contar à Justiça que em 2014 deu 30 milhões de reais desviados da Petrobras aos candidatos do PT. A maior parte do valor percorreu caminhos legais e foi declarada como doação eleitoral. Em depoimentos às autoridades, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef já haviam declarado que o dinheiro roubado dos cofres da companhia era transferido ao PT e aliados, como PMDB e PP, por meio de doações legais. A descrição do mecanismo que Pessoa quer relatar não é nova. Mesmo assim, se repetida aos procuradores, tem potencial para fechar um elo da cadeia criminosa. Por um motivo crucial. Costa e Youssef eram operadores do esquema, conheciam o caminho do dinheiro, mas não o desembolsavam. Já Pessoa, caso conte ao Ministério Público o que narrou reservadamente, será o primeiro grande empreiteiro a confessar o pagamento de propina — com a autoridade, repita-se, de quem atuou nesse campo por mais de uma década. ALIANÇAS ANTIGAS Fornecedora da Petrobras, a UTC cresceu no governo Lula. Pessoa era amigo do ex-presidente, com quem se encontrava sem agenda específica. A empreiteira contratou Lula para dar uma palestra aos seus funcionários. O clima era de confraternização. Não sem razão. A pessoas próximas, o empresário confidenciou que a UTC pagava propina ao PT, em troca de contratos e aditivos na Petrobras, desde a chegada do partido ao poder, em 2003. No início, a ponte com a direção petista era o então tesoureiro Delúbio Soares, que deixou a operação depois de ser flagrado no escândalo do mensalão. Segundo Pessoa, o esquema de corrupção sempre contou com o conhecimento do ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabnelli e financiou diretamente as campanhas, entre outros, do atual ministro da Defesa, Jaques Wagner, ao governo da Bahia em 2006 e 2010. Wagner era um dos padrinhos da indicação de Gabrielli ao comando da companhia. Gabrielli, por sua vez, tentou se utilizar do posto para pavimentar sua candidatura à sucessão de Wagner no estado. Não deu certo. Coube ao petista Rui Costa, também com o apoio financeiro da UTC, vencer a eleição para o governo em 2014. Pessoa garantiu a interlocutores que a UTC também fez doações à campanha de Costa utilizando recursos obtidos de contratos superfaturados. SENTINDO-SE TRAÍDO Com mais de uma década de parceria com o PT, Ricardo Pessoa se ressente da falta de solidariedade dos políticos que, garante ele, receberam ajuda financeira em campanhas. Não se sabe o que esses bolsos que conheceram o dinheiro da UTC podem fazer por Pessoa agora — a não ser morrer politicamente de braços dados com ele. "O Ricardo pode destruir o Wagner", diz um auxiliar do empreiteiro. Tome-se o exemplo do mensaleiro José Dirceu, a quem Ricardo Pessoa diz ter dado 2,3 milhões de reais entre 2011 e 2012 a título de consultoria, rubrica, aliás, que nos dias de hoje é quase sinônimo de propina. Pessoa conta que Dirceu precisava de dinheiro para bancar despesas pessoais. Qualquer ajuda de Dirceu agora seria a do náufrago tentando salvar o afogado. O PROBLEMA DILMA De outro velho camarada de propinoduto, João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, o empreiteiro Ricardo Pessoa pode esperar o que em termos de ajuda? Pessoa lembra que se considera amigo de Vaccari. Diz-se pronto a contar à Justiça que a pedido de Vaccari colocou 10 milhões de reais na campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff. Esse é o ponto fulcral de todas as forças que giram em torno de uma eventual deposição de Ricardo Pessoa em delação premiada. Perante a Justiça, o empreiteiro teria de detalhar se o dinheiro que ele deu a Vaccari foi obtido ilegalmente, como sugere. E, sendo dinheiro ilegal, mesmo que doado dentro das regras eleitorais, a presidente Dilma terá mais um sério problema. Obviamente, Ricardo Pessoa terá de exibir provas de tudo o que afirma. O lado recebedor poderá alegar que Vaccari pode até ter pedido dinheiro a Pessoa para a campanha de Dilma, mas, por alguma razão, os recursos foram destinados aos cofres de outras candidaturas. O que Pessoa afirma é grave e deveria ser bastante para que a Justiça aceite sua delação premiada — mas é insuficiente para embasar um processo eleitoral mais agudo contra a presidente. Do ponto de vista exclusivo da Lei Eleitoral, o candidato é responsável direto pela sanidade das finanças de sua campanha, mas é discutível se cabe a ele exigir dos doadores provas de que suas contribuições foram obtidas honestamente. Conforme VEJA revelou, outra fatia da doação eleitoral da UTC, vinda de propinas obtidas em contratos da Petrobras, foi negociada diretamente com Edinho Silva, tesoureiro da campanha da presidente-candidata. Duas testemunhas disseram a VEJA ter presenciado Luciano Coutinho, presidente do BNDES, informar a diretores da UTC que a empresa seria procurada por Edinho com o objetivo de obter doações adicionais à campanha da presidente. Luciano Coutinho negou ter feito qualquer pedido ou insinuação nesse sentido a diretores da UTC com quem se reuniu para tratar da continuação das obras do Aeroporto de Viracopos, em parte financiadas pelo banco de fomento estatal. CANAL DIRETO "O PT usou a Petrobras para financiar seu projeto de poder", resume um executivo da UTC que fala frequentemente com Pessoa. É disso que se trata. A esta altura, se Pessoa quer desabafar ou se vingar dos parceiros políticos de uma década, se manda recados ou faz ameaças, não tem tanta relevância. O que importa é se os promotores e a Justiça vão deixar escapar essa oportunidade de ouvir o que o empreiteiro tem a dizer em delação premiada. Em um de seus bilhetes manuscritos na cadeia, Ricardo Pessoa escreveu: "Edinho Silva está preocupadíssimo". Em outro registrou: "Todas as empreiteiras acusadas do esquema criminoso da Operação Lava-Jato doaram para a campanha de Dilma". O juiz Sérgio Moro e os procuradores federais não têm foro para tratar das repercussões políticas dos fatos revelados pelos acusados da Operação Lava-Jato. Mas isso não pode ser motivo para deixar de ouvir oficialmente o empreiteiro. Mas, por lidarem com uma questão altamente complexa e com interesses monumentais e distintos, Moro e os procuradores têm razões de sobra para ser cuidadosos. Antes de começar a deixar seus desabafos virem a público, o chefão da UTC mandou recados diretos ao PT. A UTC garante ter 600 milhões de reais a receber por serviços já prestados à Petrobras e vem pressionando os petistas amigos a conseguir a liberação do dinheiro. A cobrança chegou, entre outros, a Paulo Okamotto, braço-direito do ex-presidente Lula e bombeiro escalado para tentar apagar os incêndios que mais ameaçam o PT. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Okamotto confirmou a conversa com representantes da UTC. Ao ser questionado sobre a acusação de que João Vaccari Netto recolhia propina na Petrobras, Okamotto cometeu um sincericídio histórico: "Funciona assim: 'Você está ganhando dinheiro? Estou. Você pode dar um pouquinho do seu lucro para o PT? Posso, não posso'. É o que espero que ele tenha feito". Mesmo depois da conversa com Okamotto, a UTC não recebeu os 600 milhões a que teria direito. O calote e os três meses de prisão de Ricardo Pessoa acirraram ainda mais os ânimos do empresário. Foi isso que levou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a pedir a um dos advogados do escritório que representa a UTC que o dono da construtora não feche o acordo de delação premiada com o Ministério Público. Cardozo insistiu, na semana passada, na versão de que não tratou dos rumos da Lava-Jato numa conversa com o advogado Sérgio Renault. O ministro reafirmou que, como bons amigos, tiveram apenas um bate-papo sobre assuntos fortuitos. Executivos da UTC responsáveis pela contratação do escritório do qual Renault é sócio confirmam que Cardozo pediu a Pessoa que não formalizasse o acordo de delação premiada. "O ministro pediu que não usássemos um instrumento legitimo de defesa", diz um executivo da UTC. A reunião, que não consta da agenda oficial, foi devidamente registrada numa agenda extraoficial, sob os cuidados de Simone Fernandes, assessora especial do ministro. Normais aos olhos de Cardozo, seus encontros foram vistos como transgressão pela Associação dos Magistrados Brasileiros, por Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, e pelo próprio juiz Sérgio Moro. Barbosa pediu a demissão de Cardozo; Moro descreveu os encontros como "intoleráveis". Como lembra a Carta ao Leitor desta edição de VEJA, as agruras do PT com o petrolão são fruto do mesmo pecado original que produziu o escândalo do mensalão: a ideia assombrosa de que o partido pode se servir do Estado como se fosse sua propriedade, das leis como se existissem apenas para os outros e das instituições como bombeiros de suas eternas crises. O ELO As revelações de Ricardo Pessoa • O esquema de cobrança de propina na Petrobras começou a funcionar em 2003, no governo Lula, organizado pelo então tesoureiro do PT Delúbio Soares • A UTC financiou clandestinamente as campanhas do ministro Jaques Wagner ao governo da Bahia em 2006 e 2010 • A empreiteira ajudou o ex-ministro José Dirceu a pagar despesas pessoais a partir de simulação de contratos de consultoria • Em 2014, a campanha de Dilma Rousseff e o PT receberam da empreiteira 30 milhões de reais desviados da Petrobras PESSOA E AS PESSOAS... ... QUE DEVEM... ...TEMÊ-LO 30 MILHÕES NA CAMPANHA - O empreiteiro disse que carreou 30 milhões de reais para as campanhas do PT e da presidente Dilma Rousseff em 2014 - dinheiro, segundo ele, integralmente oriundo dos contratos superfaturados da Petrobras. O MARCO ZERO - O esquema de corrupção da Petrobras, de acordo com Ricardo Pessoa, começou em 2003, logo depois da posse do então presidente Lula. As empreiteiras foram contatadas por emissários do governo que expuseram as novas regras "em que todos sairiam ganhando". MENSALÃO E PETROLÃO - Em 2003, quando começou a funcionar o esquema de corrupção, o interlocutor dos empresários para tratar da propina era o então tesoureiro do partido, DELÚBIO SOARES. Após a queda dele no mensalão, a tarefa foi transferida, entre outros, para João Vaccari Neto. O ARRECADADOR - Os valores e a forma de repassar o dinheiro desviado da Petrobras ao PT eram combinados, conforme o empresário, diretamente entre ele e JOÃO VACCARI NETO, tesoureiro do partido. Se contar o que sabe, segundo o, empreiteiro, "Vaccari será destruído". BONUS-CORRUPCÃO - Em 2011, João Vaccari procurou a UTC para pedir mais uma colaboração: o ex-ministro JOSÉ DIRCEU, na iminência de ir para a cadeia, precisava de dinheiro para pagar despesas pessoais. A empresa simulou um contrato de prestação de serviços e repassou 2,3 milhões de reais ao mensaleiro. A EXPLICAÇÃO DO BILHETE - O tesoureiro EDINHO SILVA, segundo o empreiteiro, estaria "preocupadíssimo" porque saberia a origem do dinheiro que abasteceu a campanha da presidente Dilma Rousseff. Os dois se reuniram entre o primeiro e o segundo turno da eleição, ocasião em que a UTC doou mais 3,5 milhões de reais à campanha petista. A REVELAÇÃO - Ao tentar explicar o envolvimento do tesoureiro João Vaccari no escândalo, PAULO OKAMOTTO, diretor do Instituto Lula, foi de uma sinceridade desconcertante: "As empresas estão ganhando dinheiro. Ninguém precisa corromper ninguém. Funciona assim: 'Você está ganhando dinheiro? Estou. Você pode dar um pouquinho do seu lucro para o PT? Posso, não posso.' É o que espero que ele tenha feito". DA MESMA FONTE - Baiano, nos últimos doze anos Ricardo Pessoa sempre foi requisitado pelas campanhas do PT no estado. Ele disse que, no ano passado, mesmo depois do escândalo, "ajudou muito" a eleição do governador RUI COSTA. De onde veio o dinheiro?... AGENDA PARALELA - O encontro entre o advogado da UTC e o ministro JOSÉ EDUARDO CARDOZO não estava na agenda oficial, mas consta da agenda particular do gabinete, anotado pela assistente do ministro, Simone Fernandes. 3#2 ESPERANDO JANOT O círculo da corrupção começa a se fechar nos próximos dias, quando o procurador-geral da República enviará ao STF os primeiros nomes de políticos acusados de se aliar a diretores da Petrobras e construtoras para assaltar os cofres da estatal. MARIANA BARROS No cafezinho, nos corredores e nos gabinetes do Congresso, o assunto nesta semana será um só: a lista de Janot. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, passou os últimos meses analisando os indícios que pesam contra políticos acusados nas investigações da Lava-Jato. A operação que revelou a existência de um esquema montado para assaltar os cofres da Petrobras completará um ano no mês que vem. Na primeira fase, ela se concentrou na gangue que atuava dentro da estatal e que tinha como um dos principais obreiros o ex-diretor e agora delator premiado, Paulo Roberto Costa. No fim do ano passado, o alvo foi o clube do bilhão. Nessa etapa, os investigadores fizeram um cerco em torno de empreiteiros que, segundo os delatores, pagaram centenas de milhões de reais em propinas para obter contratos, bilionários e superfaturados, com a estatal. Para fechar o círculo da corrupção, no entanto, faltava entrar na mira da Justiça uma última categoria: a dos políticos que ajudaram a montar o esquema ou acobertá-lo em troca da parte mais polpuda das "comissões" pagas pelo clube do bilhão. Agora, chegou a vez deles. A lista de Janot contém em torno de quarenta nomes de deputados, senadores e governadores acusados de se locupletar dos milhões do petrolão. Ela foi elaborada com base nas investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, além dos testemunhos de mais de uma dezena de delatores premiados — entre eles, Paulo Roberto Costa, o doleiro Alberto Youssef, o ex-gerente da estatal Pedro Barusco e os executivos Júlio Camargo e Augusto Mendonça, ambos da construtora Toyo Setal. Cada um dos políticos incluídos na relação de Janot pode ter três destinos diferentes. Se o procurador-geral considerar que há elementos suficientes para levar o político a julgamento, ele será denunciado ao Supremo e, caso a corte aceite a denúncia, vai se tornar réu. Se avaliar que há indícios contra ele, mas não o suficiente para levá-lo a julgamento, pedirá a abertura de um inquérito para que as investigações prossigam. O procurador pode também simplesmente pedir o arquivamento das investigações sobre um acusado se considerar que não há nada que as justifique. Com a chegada do caso ao STF, todos os nomes de políticos acusados de envolvimento no petrolão vão se tornar públicos. Até agora, estavam sob sigilo — por terem foro privilegiado, políticos não podem ser processados na Justiça comum como os outros envolvidos no caso, cujos nomes já são conhecidos e que estão desde março sob a pesada caneta do juiz federal Sérgio Moro. No ano passado, porém, VEJA antecipou que entre os suspeitos de envolvimento no petrolão com foro privilegiado estão ao menos seis senadores — incluindo Renan Calheiros (PMDB-AL), Ciro Nogueira (PP-PI), Edison Lobão (PMDB-MA) e Romero Jucá (PMDB-RR). Mais tarde, em depoimentos de testemunhas e delatores, outros nomes de políticos surgiram como beneficiários do dinheiro do petrolão, como o senador Fernando Collor (PTB-AL), a hoje senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e o deputado Nelson Meurer (PP-PR). Alguns dos acusados deixaram de ter mandato no fim do ano. Foi o que aconteceu com os ex-governadores Roseana Sarney (PMDB-MA) e Sérgio Cabral (PMDB-RJ), os ex-deputados Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), Luiz Argolo (SD-BA), Cândido Vaccarezza (PT-SP), André Vargas (ex-PT-PR) e João Pizzolatti (PP-SC) e o ex-ministro das Cidades Mário Negromonte. Com isso, eles perderam o direito de ser julgados pelos tribunais superiores. A lei prevê que o procurador- geral da República devolva a análise dos seus casos à primeira instância — o que significa que eles voltarão às mãos do juiz Moro. Ao contrário do que ocorreu com o mensalão, quando todos os processos foram condensados em uma única ação penal no STF, desta vez o procurador-geral deve apresentar denúncias individuais e pedidos também separados de abertura de inquérito para os suspeitos de participação no esquema da Petrobras. Dessa forma, Janot e sua equipe esperam agilizar os julgamentos. Há outra diferença em relação ao julgamento do mensalão que também promete tornar as decisões mais rápidas. Em maio do ano passado, o STF decidiu que os crimes comuns de congressistas — e rapinar a Petrobras se encaixa nessa categoria — não seriam mais julgados pelo plenário, formado por onze ministros, e sim pelas Turmas, grupos menores compostos de cinco integrantes. A Segunda Turma, à qual caberá a análise da Lava-Jato, é constituída pelos ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Celso de Mello. Deveria haver um quinto integrante, mas uma das cadeiras está desocupada desde a aposentadoria de Joaquim Barbosa, em agosto. A presidente Dilma Rousseff tem dado indícios de que planeja finalmente preencher a vaga, que, por sinal, é a que por mais tempo ficou aberta no STF em toda a sua gestão. Para que o círculo da Justiça comece finalmente a se fechar, no entanto, o primeiro passo agora tem de ser dado pelo procurador. O Brasil aguarda por Janot. E, neste caso, a espera não será vã. OS ALVOS DA LAVA-JATO Depois dos funcionários da Petrobras e dos donos de empreiteiras, chegou a vez dos políticos. Dentro de alguns dias, eles entrarão no foco da investigação. A TURMA DA PETROBRAS - Em março do ano passado, a Polícia Federal prendeu trinta pessoas envolvidas em um esquema de lavagem de dinheiro - entre elas, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef. Os dois fecharam acordo de delação premiada com a Justiça e revelaram o esquema de corrupção que ficou conhecido como petrolão. OS EMPREITEIROS - Em novembro, como consequência dos depoimentos dos delatores, a PF prendeu onze executivos da OAS, Camargo Corrêa, Mendes Júnior, Queiroz Galvão, UTC, Engevix, Iesa e Galvão Engenharia. Eles são acusados de formar um cartel com o objetivo de fraudar licitações e superfaturar obras na Petrobras, com a ajuda do ex-diretor Costa e de outros funcionários corruptos da estatal. Parte do dinheiro superfaturado ia para o bolso dos funcionários e parte para o bolso de políticos que organizavam ou acobertavam o esquema. E AGORA... OS POLÍTICOS - Nos próximos dias, o procurador-geral da República vai denunciar ao STF os políticos acusados de receber dinheiro para chefiar ou acobertar o esquema de desvio de dinheiro da Petrobras. Os nomes foram citados ao longo dos últimos meses por delatores e testemunhas, mas, por terem foro privilegiado, políticos não podem ser denunciados na primeira instância como os outros réus. No ano passado, VEJA revelou alguns dos principais nomes da lista. Ela inclui ao menos seis senadores, um ministro e 25 deputados federais. ARTHUR LIRA OU ARTHUR CÉSAR? O deputado federal Arthur Lira é um nome dado como certo na lista de políticos implicados em ações ilícitas na Operação Lava-Jato a ser divulgada em breve por Rodrigo Janot, procurador-geral da República, Lira, do PP alagoano, aparece, e muito bem colocado, em outra lista também ligada ao tema da Justiça. Esta, porém, é mais nobre. Lira é nome quase certo também para assumir um dos postos-chave da Câmara, a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Conviver com o nome de Lira nas duas listas vai exigir da Câmara dos Deputados um grau de elasticidade moral talvez inédito. O deputado Arthur Lira tem suas credenciais para estar em ambas as listas. Não foi parar nelas por obra do acaso. Lira foi líder do PP na Câmara, posto que ocupou até meados de 2013 e que o qualifica, pelo menos teoricamente, para postular a presidência da CCJ. Na outra lista, a do procurador Janot, ele deve ter seu lugar assegurado por suas relações com o doleiro Alberto Youssef, a cujo escritório em São Paulo ele comparecia, identificando-se como "Arthur César Pereira". Reveladas por VEJA no ano passado, as imagens das câmeras de segurança do prédio do escritório de Youssef ilustram as relações de negócio dos dois personagens. Não se sabe exatamente sob que luz Arthur Lira aparecerá na lista de Janot, mas Youssef já esquadrinhou em detalhes à Justiça como funcionava o esquema do PP na Petrobras. O deputado Arthur Lira nunca explicou o motivo da visita ao doleiro. Isso ficará esclarecido em detalhes no decorrer do processo, no âmbito da Procuradoria-Geral da República, que vai apurar responsabilidades de políticos com foro privilegiado, que só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal. A indicação de Lira para a CCJ faz parte de acordo entre o PP e o PMDB que garantiu a presidência da Câmara ao deputado Eduardo Cunha. O PMDB também tem representantes na relação de investigados na Lava-Jato. Para os políticos tragados pelo escândalo, ter um aliado no comando da comissão é questão de sobrevivência. O PT testou a fórmula na legislatura passada. No mensalão, o partido pôs o deputado João Paulo Cunha no comando da CCJ. Ele fez de tudo para dificultar as investigações. Tentou cooptar apoios e simpatia e preservou o mandato até fevereiro de 2014, quando foi condenado por corrupção passiva, preso e confinado no Centro de Prisão Provisória de Brasília, de onde deve sair nos próximos dias por ter conseguido o benefício de cumprimento domiciliar da pena. A estratégia de emplacar Lira na CCJ se combina com a ideia de preencher apenas com deputados sem nada a perder diante da opinião pública o Conselho de Ética, o órgão responsável por julgares pedidos de cassação. Como em geral quem nada tem a perder em público tem muito a ganhar debaixo do pano, não se corre o menor risco de as manobras para salvar os políticos pegos na Lava-Jato enobrecerem o Parlamento. ROBSON BONIN 3#3 OS TRABALHOS DE LEVY O ministro da Fazenda tenta vencer o ceticismo dos investidores estrangeiros e vende lá fora a confiança na recuperação da credibilidade da economia brasileira. MARCELO SAKATE O Carnaval foi de trabalho para o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Ele se encontrou com membros do governo americano em Washington e, na Quarta-Feira de Cinzas, diante de uma plateia com 200 investidores e analistas de mercado, em Nova York, o chefe da equipe econômica cumpriu um script que já se torna rotina: tentar resgatar a credibilidade de um governo que, nos últimos anos, sob o comando de Dilma Rousseff, esmerou-se em fazer o contrário. O objetivo é mostrar com palavras sinceras e realistas — uma vez que resultados ainda vão demorar a aparecer — que o comprometimento com a nova política econômica de austeridade é para valer. Reconquistar a confiança de investidores traduz-se em custo menor para governo e empresas captarem recursos. O efeito esperado são a ampliação dos investimentos e o aumento do crescimento. O caminho de Levy será pedregoso. A deterioração das contas públicas e da inflação ameaça a conquista da estabilidade. Como consequência de desastradas intervenções na economia, o governo criou e alimentou um quadro persistente de baixo crescimento. Essa equação negativa deixou o país à beira de um rebaixamento da nota de crédito pelas agências de classificação de risco, algo que Levy busca evitar com as medidas de ajuste e o discurso. O prêmio de risco exigido por investidores para comprar títulos brasileiros já é equiparável ao de países que não possuem o grau de investimento. Isso não acontecia desde 2007, meses antes de o país ter sido alçado a esse patamar. Em janeiro, Levy representou o governo no Fórum Econômico de Davos, na Suíça. Ele sabe que a comunicação e a transparência são fundamentais para a conquista da credibilidade e que cumprir com o prometido não é mais do que obrigação. Trata-se de uma postura oposta à de seu antecessor no cargo, que se notabilizou por fazer previsões otimistas — e infundadas — que não se concretizavam. Coerente com a convicção, Levy apresentou um diagnóstico realista do estágio atual da economia brasileira. "Nós lamentamos que o crescimento tenha desacelerado", disse o ministro em Nova York, para emendar: "Talvez no ano passado tenha sido até negativo, por causa de um grande declínio no investimento". É a primeira vez que uma autoridade admite tal possibilidade. Como a estimativa do mercado para 2015 é uma retração de 0,4%, o Brasil pode completar dois anos seguidos de queda do PIB. Pelas projeções mais recentes, o crescimento médio anual nos dois mandatos de Dilma será de 1,4%. Nunca o país avançou tão pouco, em um século de história, em um período de oito anos. Os investidores, apesar dos elogios a Levy, continuam céticos. Não faltam obstáculos para que o programa de recuperação da economia seja levado adiante. Não é para menos. Sem uma liderança mais efetiva de Dilma e seus assessores políticos, as medidas anunciadas para reduzir as despesas do governo em até 18 bilhões de reais ao ano, como as que tornam menos permissivas as regras para benefícios sociais e trabalhistas, correm o risco de ser desfiguradas no Congresso. O PIB NOS ANOS DILMA Variação do produto interno bruto, em relação ao ano anterior 2011: 2,7% 2012: 1% 2013: 2,5% 2014: 0% (*Projeção do mercado) 2015: -0,4% (*Projeção do mercado) Fontes: Banco Central e IBGE 3#4 A MATEMÁTICA DO APAGÃO Para que se evite o racionamento de energia, os reservatórios do sistema Sudeste/Centro-Oeste precisam chegar ao fim de abril, quando acaba o período úmido, com pelo menos 35% de sua capacidade. BIANCA ALVARENGA Passado o apagão de 19 de janeiro, que deixou 5 milhões de brasileiros sem luz, o novo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, recorreu à divindade para explicar como resolver a crise energética: "Deus é brasileiro. Temos de contar que ele vai trazer um pouco de umidade e chuva para que possamos ter mais tranquilidade". Para alívio do governo, o volume das precipitações começou a se normalizar. Nos últimos dias, as chuvas nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste provocaram um aumento de até 5 pontos percentuais no nível de alguns reservatórios das usinas hidrelétricas. O governo paulista também respirou aliviado, porque a chuva amenizou a situação precária das represas que abastecem a população do estado, reduzindo a possibilidade de um rodízio no fornecimento de água. Técnicos da Sabesp, a companhia responsável pelo saneamento básico do Estado de São Paulo, estimam que, se o Sistema Cantareira chegar ao fim do período de chuvas, em abril, com ao menos 14% de sua capacidade, já será possível evitar um rodízio oficial na distribuição de água — na prática, ele já ocorre em algumas cidades e em alguns bairros da capital desde o ano passado (veja a reportagem nas páginas seguintes). Ainda é prematuro, entretanto, decretar o fim da crise hídrica, particularmente no que diz respeito ao fornecimento de energia. O diretor do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp, disse que os reservatórios das usinas do Sudeste e do Centro-Oeste, onde se concentram 70% da produção nacional, precisam atingir 35% da capacidade até abril para evitar problemas adicionais no segundo semestre. O nível das represas estava em 19% do total na última quinta-feira e as usinas hidrelétricas trabalhavam muito aquém de sua capacidade, por causa do baixo volume de água armazenada para fazer girar as turbinas. Segundo um levantamento da Comerc, empresa de gestão e comercialização de energia, a média de geração de fevereiro das três principais usinas desse subsistema — Furnas, Emborcação e Nova Ponte — corresponde a apenas 20% da capacidade. Em outras palavras, a situação continua crítica, com as usinas produzindo abaixo de seu potencial em pleno período úmido, o que deixa o país dependente da cara geração térmica a gás e óleo. Para as próximas semanas, as previsões meteorológicas não são favoráveis. Diferentemente do que acontece nos arredores da cidade de São Paulo e em parte do interior paulista, tem chovido menos da metade do esperado nos reservatórios das usinas do Sudeste e do Centro-Oeste (as principais estão no Estado de Minas Gerais). A estimativa mais otimista é que fevereiro termine com o equivalente a apenas 60% da média histórica de chuvas para o mês. Nesse cenário, analistas do banco Itaú BBA calculam que os reservatórios da região vão chegar a abril com apenas 21% da capacidade, bem menos que os 35% estipulados pelo ONS. Ainda segundo essa análise, se um racionamento não for decretado, o volume de água nas represas cairá para apenas 2% em novembro, quando começa o período de chuvas. O risco de um racionamento, de acordo com as previsões do banco, é de 75%. "Mesmo que o índice de 35% de armazenamento se cumpra, há risco de os reservatórios não conseguirem atingir o nível mínimo operacional de 10% quando se iniciar o próximo período de chuvas", diz Christopher Vlavianos, presidente da Comerc. Abaixo de 10%, a água existente não consegue chegar até as turbinas. Ele explica que o governo está contando com uma série de fatores que podem não se concretizar, como a redução do consumo, a produção extra de energia eólica e de biomassa, além da expectativa de que o índice pluviométrico do segundo semestre fique dentro da média histórica, algo que já não aconteceu nos últimos meses. Para analistas do banco J.P. Morgan, mesmo que o governo acerte nos seus cálculos, um corte no fornecimento será inevitável em 2016. Isso porque o próximo ano começaria com as represas em um patamar ainda mais crítico que o atual. Desde o início do ano passado, associações do setor elétrico defendem, em reuniões com o Ministério de Minas e Energia, a tese de que seria necessário realizar campanhas educativas para reduzir o consumo de energia, com o objetivo de poupar água das usinas. Em encontro em abril passado, o próprio ONS assumiu que, se o consumo fosse diminuído em 5%, seria possível preservar o equivalente a até 10 pontos percentuais dos reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste. Ou seja, se a estratégia tivesse sido adotada, as represas da região poderiam ter agora 30% da capacidade. A proposta previa que as interrupções de energia fossem feitas durante a madrugada. Na mesma reunião, o ONS alertou o setor para os riscos de ocorrerem cortes seletivos de energia em dias com alta demanda, exatamente como aconteceu em 19 de janeiro. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tem uma regra prudêncial em relação ao preço de produção da energia. Desde o início do mês, o custo está acima do patamar considerado aceitável, por causa da combinação de geração reduzida das usinas hidrelétricas e do funcionamento ininterrupto das usinas térmicas. Nesses casos, a agência recomenda um corte de até 5% no fornecimento. A explicação é simples: quando o cenário é crítico, é melhor poupar do que pagar para ver. Afirma Vlavianos, da Comerc: "O governo apostou em análises otimistas, mas acabará sendo obrigado a remediar a crise com uma dose muito amarga". 3#5 VAI DAR PARA ESCAPAR? Com o mês de fevereiro mais chuvoso em nove anos, aumentam as chances de São Paulo se livrar do racionamento. Mesmo assim, o volume de água do Cantareira ainda equivale a míseras duas colheres de sobremesa no fundo de um copo. PIETER ZALIS Ainda não dá para cravar que será possível evitar o racionamento de água em São Paulo — o oficial, não aquele que muita gente já experimenta faz tempo quando abre as torneiras de casa. Mas, pela primeira vez neste ano, isso agora parece possível. Depois de dois verões seguidos com muito menos chuvas do que o habitual, elas voltaram a cair sobre os reservatórios que abastecem a Capital. Fevereiro ainda nem terminou e já é o mais chuvoso em nove anos, com 30% acima da média histórica, muito mais úmido que os meses de outubro, novembro, dezembro e janeiro, período em que choveu a metade do esperado. O nível do Sistema Cantareira, o principal da cidade e responsável pela água nas torneiras de mais de 6 milhões de paulistanos, subiu pelo 15º dia seguido e estava em 10% na sexta-feira passada. Se subir mais 0,7 ponto, vai recompor a segunda cota do volume morto, que tinha começado a ser usada em 24 de outubro do ano passado. Ainda é pouco, pouquíssimo. O Cantareira tem 980 bilhões de litros de capacidade total e está agora com 98 bilhões de litros. Isso equivale a dizer que, se fosse um copo, ele teria agora o correspondente a duas colheres de sobremesa de água molhando seu fundo — nada mais do que um gole, portanto. Mas a chuvarada dos últimos dias autoriza alguma esperança. "Ela desembarcou no Sudeste com quatro meses de atraso", afirma José Marengo, coordenador de pesquisa do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Um estudo feito pelo Cemaden traça cinco cenários para os próximos meses. Em um dos mais otimistas, o volume de chuvas se mantém acima da média, como está agora, até o fim de abril e o Cantareira chega a até 28% de sua capacidade. Nesse caso, é praticamente certo que o racionamento será descartado. Em outro cenário, as chuvas voltam à média histórica e o nível do sistema fica em torno de 13%. Esse é precisamente o patamar a partir do qual otimistas e pessimistas divergem sobre a obrigatoriedade de racionamento. Embora o governador Geraldo Alckmin (PSDB) negue que exista uma "meta mágica" para evitar o rodízio de água, técnicos da Sabesp, por exemplo, acreditam que, se o Cantareira atingir essa capacidade no fim da temporada de chuvas, será possível evitar o racionamento — o que, conforme antecipou o governo, significará algo em torno de cinco dias de torneira seca para dois dias de água. No pior cenário do estudo, as chuvas voltam a ficar cerca de 50% abaixo do normal, como vinha ocorrendo até janeiro. Nesse caso, o maior reservatório de São Paulo chegará ao mês de abril com 5% de sua capacidade — e, aí, o racionamento seria inevitável. Para o Cemaden, o mais provável dos cenários é o segundo. Desde o início da crise hídrica, o governador Geraldo Alckmin foi superado pela população na capacidade de tomar providências para minimizá-la. Alckmin resistiu, durante meses, a reconhecer a gravidade do problema. Ao longo da campanha à reeleição, chegou a descartar a hipótese de rodízio. Enquanto isso, a população tratou de adotar as medidas que estavam ao seu alcance. Desde que ficou clara a profundidade do poço vazio em que estavam metidos, os paulistanos já economizaram em torno de 100 bilhões de litros de água, o equivalente a 10% do Sistema Cantareira. Isso significa que, se não fosse a economia das famílias, as reservas estariam chegando ao terceiro e último volume morto, em vez de estarem quase de volta ao primeiro. O governo paulista agora corre para fazer a sua parte. As obras emergenciais em curso têm por objetivo melhorar a distribuição de água entre os vários sistemas que abastecem São Paulo. Uma delas pretende aliviar o Cantareira fazendo com que 1,2 milhão de moradores da Zona Leste, atualmente abastecidos pelo sistema, comecem a receber água do Alto Tietê, que hoje está com 17,8% do volume armazenado. Para reforçar o Sistema do Alto Tietê, estão previstas obras que captarão água do braço do Rio Grande na Represa Billings, do Rio Itatinga e do Rio Guaió. Mesmo sem a conclusão dessas obras, se as chuvas continuarem a cair, o paulistano poderá escapar do racionamento. Mas vai ser raspando. ______________________________________ 4# ECONOMIA 25.2.15 4#1 FURO NO SIGILO SUÍÇO 4#2 A GRÉCIA SE DOBRA AOS FATOS 4#1 FURO NO SIGILO SUÍÇO Roubo de dados do HSBC em Genebra expõe a indústria da evasão tributária. A lei bancária suíça de 1934, com o seu famoso artigo 47, aquele que transformou em crime federal a revelação do nome dos proprietários dos depósitos e contribui para criar o sistema financeiro mais sigiloso e confiável do mundo, nunca havia sofrido um abalo de tamanhas proporções. Em um vazamento sem precedentes, foram expostas as informações de mais de 100.000 correntistas, de mais de 200 países, com depósitos na filial do HSBC na Suíça. O feito, já apelidado de "Swiss Leaks", foi obra do sujeito ao lado, o engenheiro da computação franco-italiano Hervé Falciani. Motivado por objetivos ainda não muito claros, Falciani, o então encarregado da segurança do banco de dados da instituição, copiou as informações sobre os nomes e as movimentações bancárias dos correntistas da unidade de private banking, a divisão destinada à administração de fortunas, do HSBC na Suíça. Os dados estavam nas mãos de autoridades internacionais havia alguns anos, mas vieram à tona agora depois de terem sido obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos. Foram expostos nomes de personalidades do esporte e da música, herdeiros de impérios empresariais, políticos e ditadores, todos proprietários de contas milionárias e, imaginavam, invioláveis. O Brasil aparece em quarto lugar em número total de clientes do banco suíço, com 8677 contas. Um notório correntista é Pedro Barusco, um dos denunciantes do esquema do petrolão, que confessou ter recebido 6 milhões de dólares em contas abertas no HSBC em Genebra. O vazamento, na verdade, ocorreu em 2008, depois de Falciani ter passado a mão nas informações nos dois anos anteriores. Ao lado de sua colega Georgina Mikhael, viajou para Beirute e teria oferecido uma lista com os dados sigilosos a bancos libaneses. A suspeita é que a dupla tentava vender os arquivos para lucro próprio. Falciani tem outra versão. Em Genebra, ele teria sido abordado por agentes de um serviço secreto, supostamente o israelense Mossad, que haviam sugerido fazer os contatos no Líbano para rastrear eventuais financiadores do grupo terrorista islâmico Hezbollah. Falciani e Mikhael distribuíram também e-mails oferecendo a lista a serviços de inteligência de diversos países. A iniciativa, segundo ele, seria apenas para revelar as brechas no sistema de segurança. O fato é que Falciani foi preso pelas autoridades suíças. Depois de um dia de depoimentos, em dezembro de 2008, Falciani foi liberado, com a condição de retornar no dia seguinte para dar novos esclarecimentos. Não foi isso que fez. Alugou um carro e fugiu para a França, de posse de 100 gigabytes de informações do HSBC. Em troca de proteção, passou então a contribuir com autoridades americanas e europeias. Acabou se transferindo para a Espanha, onde, mesmo detido certa vez, encontrou um abrigo seguro: o país se negou a extraditá-lo para a Suíça. A essa altura, a França dispunha da lista e passou a usar as informações para investigar casos de sonegação fiscal. Os franceses compartilharam os dados com outros países, e milhões de dólares já foram recuperados. Até recentemente, apenas as autoridades tinham acesso às informações. No ano passado, entretanto, a lista chegou às mãos de jornalistas do diário francês Le Monde, que decidiu dividi-la com a associação dos repórteres investigativos. Entre os dados revelados, consta que houve troca de e-mails que sugerem o auxílio de funcionários do banco em esquemas usados para burlar o pagamento de impostos no país de origem dos correntistas. Os jornalistas expuseram o sigilo bancário de celebridades como os cantores David Bowie e Tina Turner, o ator John Malkovich e o piloto de Fórmula 1 Fernando Alonso. A princípio, não existe nada de ilegal no fato de eles serem os donos dessas contas. Bowie e Turner possuem residência fiscal na Suíça há muito tempo, algo comum também entre as estrelas do esporte. Os fiscais, entretanto, deram mostras de que se valerão desses dados. O campeão de motociclismo Valentino Rossi, por exemplo, fez um acordo com o governo italiano e pagou 19 milhões de euros. Na França, estão sendo processadas cerca de cinquenta pessoas que não quiseram fechar acordos do gênero. Em relação ao Brasil, além do banqueiro Edmond Safra, morto em 1999, só foi revelado o nome de Barusco, mas por causa de sua própria delação. O HSBC será investigado sob a suspeita de ter contribuído para a evasão de tributos e também para a lavagem de dinheiro ilícito. A instituição, cuja sede fica em Londres, reconheceu que alguns de seus correntistas podem ter usado as contas suíças para driblar o Fisco. Informou, no entanto, que vem seguindo diversas iniciativas para coibir a lavagem de dinheiro. Em um caso não muito diferente, o HSBC já havia sido multado nos Estados Unidos em 1,9 bilhão de dólares, um valor recorde, depois de uma investigação do Senado ter revelado a falha do banco no controle de operações feitas por narcotraficantes do México e por países sujeitos a sanções, entre eles Ira e Síria. Ainda não se sabe se Falciani, afinal, foi movido por ideais nobres ou pela sedução barata do vil metal. Continua livre, dando entrevistas, divulgando o seu livro e tentou uma carreira como parlamentar europeu pela Espanha. O “SWISS LEAKS” O vazamento dos dados confidenciais do HSBC na Suíça é o maior da história. Contas 106.000 Países 203 Os principais países ESTADOS UNIDOS Depósito (em dólares): 13,4 bilhões Contas: 4183 BAHAMAS Depósito (em dólares): 7 bilhões Contas: 202 VENEZUELA Depósito (em dólares): 14,8 bilhões Contas: 1138 BRASIL Depósito (em dólares): 7 bilhões Contas: 8667 REINO UNIDO Depósito (em dólares): 27 bilhões Contas: 8844 SUÍÇA Depósito (em dólares): 32,2 bilhões Contas: 11.235 FRANÇA Depósito (em dólares): 12,5 bilhões Contas: 9187 ITÁLIA Depósito (em dólares): 7,5 bilhões Contas: 7499 TURQUIA Depósito (em dólares): 3,5 bilhões Contas: 3105 ISRAEL Depósito (em dólares): 10 bilhões Contas: 6554 A REAÇÃO DOS PAÍSES As medidas tomadas, até aqui, a partir das informações da lista de contas do HSBC na Suíça. Argentina - As autoridades estão processando o HSBC e os clientes suspeitos por evasão fiscal e associação ilícita Austrália Nos últimos cinco anos, o governo recuperou 23 milhões de dólares em acordos com os responsáveis por 300 contas Bélgica - Foram abertos processos contra quase 500 pessoas. O governo pede 492 milhões de dólares em retorno de impostos, além das multas BRASIL - A Receita diz que identificou suspeitos de omissão de informações, mas não deu detalhes sobre os valores envolvidos Espanha - No total, foram recuperados 339 milhões de dólares em acordos com 3 000 suspeitos Estados Unidos - O governo está processando o HSBC e os clientes suspeitos de irregularidades na prestação de contas ao Fisco França - As autoridades estão processando o HSBC e recuperaram 290 milhões de dólares em acordos com os donos de mais de 3 000 contas Grécia - O ex-ministro de Finanças enfrenta um processo por ter supostamente mandado retirar o nome de três parentes da lista de suspeitos Reino Unido - O governo recuperou 208 milhões de dólares por meio de acordos com mais de 6000 clientes e uma pessoa foi condenada penalmente 4#2 A GRÉCIA SE DOBRA AOS FATOS O governo grego produziu muito barulho e pouca luz, e no fim cedeu para obter uma extensão do resgate financeiro. A Alemanha não cedeu nem um único milímetro, e a Grécia retrocedeu milhas, ou "dez milhas", nas palavras do sempre verborrágico Yanis Varoufakis, o ministro grego das Finanças. Prevaleceram os princípios do ministro alemão Wolfgang Schäuble, implacável diante do histórico grego de não cumprir o combinado. O Syriza, partido esquerdista grego radical eleito recentemente com o discurso do fim da austeridade, do aumento dos gastos públicos e da renegociação da dívida com os seus credores, rendeu-se à impossibilidade de suas ambições. O país precisa desesperadamente de dinheiro, particularmente das linhas emergenciais do Banco Central Europeu (BCE). Estima-se que 2 bilhões de euros estejam saindo, a cada semana, do sistema financeiro grego. Os poupadores, temendo as perdas que poderiam sofrer caso a Grécia abandone o euro e volte a usar a sua antiga moeda, a dracma, preferem deixar suas reservas em casa ou transferi-las para bancos de outros países. Sem os fundos emergenciais (Emergency Liquidity Assistance, ou ELA) promovidos pelo BCE, o sistema financeiro grego entrará em colapso. Esse dinheiro, entretanto, só continuará irrigando os bancos se o país seguir risca os termos do acordo assinado pelo governo antecessor. Apesar dos apuros econômicos e sociais da Grécia, a Alemanha e os outros países da região do euro não deram margem a renegociações drásticas nos termos do acordo, firmado originalmente em 2010, por duas razões essenciais. Em primeiro lugar, as condições oferecidas ao país foram razoavelmente favoráveis. Apesar de a dívida da Grécia ser gigantesca, superior a 320 bilhões de euros e equivalente a 175% do PIB do país, o desembolso anual não é tão expressivo, porque as taxas de juros cobradas são muito baixas. Em segundo lugar, um eventual novo acordo teria de ser negociado e aprovado novamente pelos parlamentos dos países europeus, em um processo de profundo desgaste político e que abriria a possibilidade de políticos radicais contrários à estabilidade das finanças públicas ganharem espaço no debate público. O grego Varoufakis apresentou uma carta de intenções, na quarta-feira passada, para prorrogar por mais seis meses o programa de ajuda financeira, que vence no fim do mês. Schäuble, entretanto, considerou o documento vago demais, "aberto a interpretações". Ou, como definiu outra autoridade alemã, sem se poupar de recorrer a um clichê óbvio, poderia representar um verdadeiro "cavalo de Tróia". Na sexta-feira, em uma reunião com os ministros dos dezenove países que usam o euro, a Grécia capitulou. Aceitou assinar um acordo para manter o programa de apoio por mais quatro meses, ao menos. Ela terá de seguir o controle severo das despesas e perseverar no plano de reformas estruturais. Assim, o primeiro-ministro Alexis Tsipras e o ministro das Finanças, Varoufakis, ganham tempo para repensar uma nova estratégia. A renegociação de última hora afasta, pelo menos por enquanto, a possibilidade de a Grécia deixar o euro. Esse é, no fim, o desejo de todos. Se gregos e alemães concordam em algo é justamente na necessidade de a Grécia permanecer no bloco. Pela demonstração de força exibida pela Alemanha nas últimas semanas, Tsipras e Varoufakis terão de buscar outros caminhos para cumprir sua agenda de expansão dos gastos sociais, sem ter de contar com a benevolência de seus credores externos — principalmente os alemães. __________________________________________ 5# INTERNACIONAL 25.2.15 5#1 NÃO VÊ QUEM NÃO QUER 5#2 ARRASTADO COMO UM CACHORRO 5#3 UM CALOTE ESPACIAL 5#1 NÃO VÊ QUEM NÃO QUER A relutância em reconhecer o caráter religioso do terrorismo paralisa o Ocidente diante de uma ameaça real. NATHALIA WATKINS. DE PARIS “Na nossa sociedade, aqueles com o melhor conhecimento do que está acontecendo são também os que estão mais longe de ver o mundo como ele é." Assim o escritor inglês George Orwell imaginou o mundo em 1984, título de seu romance publicado em 1949. Na segunda década do século XXI, também há uma dificuldade de entender os fatos como eles são. Na tarde de sábado 14, Ornar Abdel Hamid Hussein, de 22 anos, atirou contra um café onde ocorria um debate sobre liberdade de expressão, em Copenhague, matou uma pessoa e fugiu. Entre os participantes do encontro estava Lars Vilks, o artista sueco que desenhou uma caricatura de Maomé em 2007. Horas depois, Hussein voltou a atacar na sinagoga central da capital dinamarquesa, onde se comemorava um bar mitzvah. Um judeu que fazia a segurança do evento foi assassinado e dois policiais ficaram feridos. Hussein, muçulmano nascido na Dinamarca, foi morto pela polícia horas depois. No dia seguinte, uma dúzia de jovens mascarados visitou o local onde Hussein morreu e gritou: "Alá é grande", em árabe. Também no domingo, foi divulgado na internet um vídeo em que terroristas do Estado Islâmico decapitam 21 cristãos coptas em uma praia da Líbia. O título do vídeo era Uma Mensagem Assinada com Sangue para a Nação da Cruz, em uma referência óbvia ao cristianismo. Os fatos falam por si. Em um encontro nos Estados Unidos para discutir a violência extremista, porém, o presidente americano Barack Obama não quis estabelecer vínculo entre as palavras "terrorismo" e "islâmico". O autoengano tem raízes no medo de ser chamado de racista ou, pior, islamofóbico. Em um comunicado, a Casa Branca esquivou-se de falar que as vítimas na Líbia eram cristãos. Mencionou apenas "21 cidadãos egípcios". Obama também se esforçou para encontrar justificativas para a barbárie dos terroristas. Ao falar sobre os jovens do Oriente Médio, deu uma longa lista de motivos para a radicalização: pobreza, corrupção, falta de educação. "Se isso fosse verdade, os países que primam pelo bem-estar social, como a Dinamarca, estariam livres de radicalismo", diz o americano Angel Rabasa, autor do livro Eurojihad. Obama chegou a ponto de justificar os crimes de hoje com conflitos religiosos do tempo em que nem sequer existia o conceito de direitos humanos: "Lembrem-se de que, durante as Cruzadas e a Inquisição, as pessoas cometeram atos terríveis em nome de Cristo". Com essas palavras, ele inverte os papéis de agressor e de vítima. As pessoas assassinadas nos últimos dias, judeus e cristãos, não são culpadas por sua morte. Da mesma forma, os atos dos terroristas não têm justificativa e são, sim, motivados pela religião. É com base nela que escolhem suas vítimas e seus métodos. Por ironia, quem conseguiu ligar os pontos foi um muçulmano devoto, o presidente do Egito, Abdel Fattah Sisi. Em um encontro com imãs no início do ano, ele disse: "Precisamos de uma revolução religiosa. Vocês, imãs, são responsáveis perante Alá. O mundo inteiro conta com vocês". Os líderes do Ocidente têm todas as condições para saber o que está acontecendo, mas parecem não querer ver. 5#2 ARRASTADO COMO UM CACHORRO A prisão arbitrária do prefeito de Caracas demonstra o desespero do chavismo e é o prenúncio de um autogolpe. A cena superou os padrões históricos de truculência política das ditaduras latino-americanas. Na quinta-feira 19, cerca de cinquenta agentes encapuzados do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) foram até o escritório de Antônio Ledezma, prefeito de Caracas, a capital da Venezuela, e o prenderam. Não tinham mandado de prisão emitido por um tribunal, tampouco informaram de qual crime o político estava sendo acusado. De acordo com o deputado Ismael Garcia, um ex-chavista que testemunhou o ocorrido, Ledezma foi agredido e levado à forca pelos mascarados. "Acabo de ver como arrastaram Ledezma de seu escritório, como se fosse um cachorro. Arrebentaram as portas e o levaram sem ordem judicial!'', escreveu Garcia no Twitter. A justificativa para a prisão só foi divulgada horas depois pelo presidente Nicolás Maduro, em um discurso transmitido em cadeia nacional. Maduro acusou o prefeito de ter participado do movimento que tirou o então presidente Hugo Chávez por dois dias do Palácio Miraflores, em 2002, e de conspirar com a Embaixada dos Estados Unidos para um novo golpe. São alucinações que servem apenas para esconder a real motivação do presidente: tirar de cena mais um importante político oposicionista eleito democraticamente para um cargo público. Há cerca de um ano, Leopoldo López, líder do partido Vontade Popular, foi preso. Nesse caso, foi providenciado um mandado judicial na véspera, e López se entregou à Guarda Nacional. Seu julgamento prossegue indefinidamente, já que o governo não consegue apresentar provas que possam condená-lo por convocar manifestações contra Maduro. Em dezembro, foi a vez de a deputada cassada Maria Corina Machado ser indiciada sem provas, por conspirar para matar Maduro. A prisão de Ledezma representa uma nova fase na repressão à oposição. "É difícil lembrar de um caso, em qualquer das inúmeras ditaduras na América Latina, de um político ser detido assim, em pleno exercício do cargo", diz o historiador Marco Antonio Villa. Um raro exemplo foi a prisão do então governador de Pernambuco, Miguel Arraes, em 1º de abril de 1964, em meio ao golpe que inaugurou os 21 anos de ditadura militar no Brasil. A diferença no caso de Ledezma é que o grupo político que o prendeu está no poder há dezesseis anos. Mesmo essa distinção pode ser ilusória. Há indícios de que a prisão do prefeito é justamente o início de um autogolpe para Maduro assegurar-se no poder, apesar do esfacelamento social e econômico do país. No fim de janeiro, Maduro baixou uma resolução inconstitucional que permite que a polícia e o Exército usem armas letais para controlar manifestações contrárias ao governo. Há duas semanas, foram presos sete militares que estariam conspirando contra o governo. Nos últimos dois anos. Maduro denunciou sete planos mirabolantes para tirá-lo do poder. Tudo inventado, claro, para justificar a repressão. FELIPE CARNEIRO 5#3 UM CALOTE ESPACIAL Ao interromper um projeto de lançamento de satélites com a Ucrânia, o Brasil pode ter um prejuízo de 2 bilhões de reais. Em 2003, o então presidente Lula criou, em parceria com a Ucrânia, a empresa binacional Alcântara Cyclone Space (ACS), para a construção de uma nova geração de foguetes e de uma base de lançamento em Alcântara, no Maranhão. O acordo previa para 2006 a estreia do país no bilionário mercado de satélites. A Ucrânia se comprometeu a arcar sozinha com a produção do foguete, e os custos das obras civis seriam divididos por igual entre os dois países. A base, porém, só começou a sair do papel cinco anos depois da data prevista para a inauguração. E, em março de 2013, as obras foram paralisadas por falta de pagamento. A ACS deve 96 milhões de reais às empreiteiras. A Ucrânia acusa o Brasil de ter parado de investir no projeto, que já consumiu o equivalente a 2,6 bilhões de reais dos cofres públicos de ambos os países. Em 2013, dos 546 milhões de reais prometidos pelo Brasil, apenas 12% foram efetivamente transferidos para a ACS. No ano passado, o repasse representou só 3% dos 431 milhões de reais previstos. Há duas semanas, o presidente da Agência Espacial Estatal da Ucrânia, Oleh Uruskyi, enviou ao ministro Aldo Rebelo, da Ciência e Tecnologia, uma carta afirmando que, como o Brasil deixou de cumprir com suas obrigações, seu país pagou 50,1 milhões de dólares — cerca de 144 milhões de reais — às construtoras, como um esforço derradeiro para salvar o projeto. Kiev enviou outras cinco correspondências oficiais pedindo um posicionamento do Brasil. Nenhuma foi respondida, nem mesmo uma assinada pelo presidente Petro Poroshenko e endereçada a Dilma Rousseff em julho do ano passado. Quem mais tem a perder com o calote é o Brasil. O governo da Ucrânia estuda sair do projeto e associar-se a outro país para lançar o foguete, que já está 80% concluído. O Brasil será cobrado nas cortes internacionais para ressarcir o equivalente a 822 milhões de reais gastos pelos ucranianos. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação diz, em nota, que o projeto não foi suspenso, e que a crise política na Ucrânia "gerou grandes incertezas e prejudicou a interlocução em curso". Uma explicação plausível é que o Brasil cedeu a pressões da Rússia, que apoia a guerra separatista no leste da Ucrânia, para abandonar a parceria espacial. Documentos internos do Itamaraty divulgados no passado revelaram que o chanceler russo pediu ao Brasil que não condenasse a atuação da Rússia na Ucrânia. No que foi prontamente atendido. LEONARDO COUTINHO ___________________________________________ 6# GERAL 25.2.15 6#1 GENTE 6#2 TECNOLOGIA – PRÓTESES FEITAS EM DOMICÍLIO 6#3 TECNOLOGIA - PROIBIDO VOAR ALTO 6#4 ESPECIAL – OS FILHOS DO CRACK 6#1 GENTE JULIANA LINHARES. Com Daniella De Caprio, Leslie Leitão e Thaís Botelho. O SAMBA DO DÉSPOTA DOIDO NO ESTADO ANTI-ISLÂMICO Os deuses do Carnaval — ou seriam as forças ocultas do inconsciente? — baixaram em massa na avenida e os sambistas, como os profetas, viajaram na linha do tempo. Em enredos preparados muito antes dos fatos que viriam a acontecer, anteciparam tragédias como o piloto jordaniano queimado vivo pelos jihadistas do Isis, numa cena em que o horror foi substituído pela originalidade da comissão de frente autoinflamável da Mocidade Independente de Padre Miguel. E a campeã Beija-Flor fez uma crítica ácida à explosiva mistura de riquezas do petróleo com políticos corruptos. Ah, não foi crítica? Teve dinheiro envolvido na homenagem à Guiné Equatorial? E o petroné nunca aconteceu? Nossa, que surpresa. • Carnaval com SABRINA SATO no centro dos acontecimentos é um evento previsível, mas continua tão impactante que pode se enquadrar na teoria do cisne negro, aquela sobre acontecimentos que mudam o mundo. Ou pelo menos os limites do tamanho das fantasias. "Fui eu quem pediu o maiô assim. Adoro cavas dos anos 80", diz a apresentadora a respeito do modelo que avançava sobre território pélvico com mais ímpeto do que o Estado Islâmico no Iraque. Sabrina que se cuide: neta de libanês, ela vai visitar neste ano o país que está na mira dos degoladores. Tem medo da cimitarra ou, no mínimo, da burca obrigatória? "Não acompanho muito a política de lá. Prefiro a comida." • Vamos começar pelo lado positivo: não há provas vivas do canibalismo de Teodoro Obiang, o déspota do país homenageado pela Beija-Flor (Um Griô Conta a História: um Olhar sobre a África e o Despontar do Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a Trilha de Nossa Felicidade). Tudo o mais é verdade: chegou ao poder derrubando o tio, que foi julgado numa jaula suspensa numa sala de cinema e lá fuzilado; já ganhou eleição com 103% dos votos; assumiu o controle direto do petrolificamente engordado Tesouro nacional para "evitar políticos corruptos" (ai, se a ideia pega). Dizem que tem câncer avançado de próstata há mais de quinze anos, mas continua firme no poder — será a dieta? Representando o nobre estadista estava seu filho e, por incrível coincidência, vice-presidente, TEODORÍN OBIANG, que fechou sete suítes da cobertura do Copacabana Palace para uma turma de amigos e, principalmente, amigas. De camarote, apreciou os dotes já conhecidos e ainda mais ampliados de RAÍSSA OLIVEIRA, a rainha de bateria da Beija-Flor. E quem pagou o contrato de 10 milhões assinado entre a Guiné e a escola? Umas empresas não identificadas, mas bem conhecidas pelo apreço às artes. Fazem até ode ao dramaturgo alemão que escreveu uma das citações favoritas da esquerda, sobre o analfabeto político cuja ignorância produz "a prostituta, o menor abandonado e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais". Lavagem de dinheiro ainda não era comum naquele tempo. • Homenagem igualmente formosa, mas muito mais honrosa, à África foi a feita por CRIS VIANNA. Como rainha africana, e de bateria da Imperatriz Leopoldinense, com protuberante cauda produzida com sessenta mechas de crina de cavalo, mostrou um pouquinho mais do que na requebrante pele da Juju Popular de Império, contida pelas normas tácitas que regem a exposição carnal nas novelas. "Não tem como eu me comparar a Luiza Branet", diz sobre a ex-ocupante do posto, numa modéstia que só perde em tamanho para seu quase 1,90 metro — com a bota. • Alguns estilistas chamam de tule illusion, outros, de trompe-l’oeil, mas o velho e útil tule, ressuscitado na maioria das fantasias de beldades de bateria, não tinha a mínima imperfeição a esconder na atriz JULIANA PAES. Ao contrário, ressaltou um modelo quase esquecido de beleza feminina: curvas naturais moldadas por exercícios que não evocam os treinamentos para fuzileiro naval, sem silicone nem 1 grama de hidrogel. Que se rompam os grilhões dos corpos estufados! • E brilhem os mil sóis da alegria. Mesmo à custa de algum sofrimento. "Foi acabar o desfile para ela arrancar o costeiro. Até hoje, está toda roxa e machucada", conta o stylist Renato Thomaz sobre os 10 quilos das 67.000 pedrarias da fulgurante fantasia de CLAUDIA LEITTE. Igualmente dourada, BRUNA BRUNO acha que já deu sua cota de sacrifícios e desfilou pelo último dos onze anos como rainha de bateria da União da Ilha. "Cansei de ser linda", brinca. "Vou me dedicar à minha loja de roupas do Flamengo e à minha clínica de depilação." Pode ter melhor modelo do próprio negócio? Outra presença solar foi a ex-bailarina do Faustão CAROL NAKAMURA, fantasiada de Sublime Criatividade. E furinho na barriga da musa da Viradouro não é uma celulite do tamanho de um buraco negro, mas só a marca de uma cirurgia para a retirada de um rim. • VIVIANE ARAÚJO é rainha de bateria da carioca Salgueiro há oito anos, mas, a cada Carnaval, pede ao estilista da escola que sua fantasia tenha novidades tecnológicas. "Neste ano, instalamos lâmpadas de LED nas asas", explica Guilherme Alves. Não reparou? Bom, é só deslocar os olhos do centro da foto para os lados dela. Difícil? "Quando a Viviane samba, o bumbum dela simplesmente não se mexe. Mulher que está com o corpo ruim pede que a gente esconda essa parte do corpo. Ela, não." Não, mesmo. • "Chegou gente bamba / É do Borel / O Prêmio Nobel do samba", diz um trecho do samba-enredo da escola Unidos da Tijuca, que homenageou a Suécia? Não, a Suíça! Ah, quem liga para uma confusãozinha menor entre países quando JULIANA ALVES surge à frente da bateria emoldurada em 800 penas de pavão albino? "A bateria veio fantasiada de Guarda Suíça, a que faz a segurança do Vaticano, e eu vim representando a fé desse lugar", diz Juliana. Fé à brasileira: "Minha roupa cobria a barriga e eu pedi para mostrar um pouquinho mais". Só não teve ninguém fantasiado de contas secretas. "Elas não representam esse lindo país", ensina Juliana. • O Big Bang todos conhecem. E o Big Crunch? É só perguntar à ex-Panicat e atual ajudante de palco do Legendários JUJU SALIMENI, que compactou o que parecia impossível: o tamanho do tapa-sexo. Apesar dos colapsos que Salimeni provocou, a Mancha Verde, ligada ao Palmeiras, foi rebaixada. Se alguém daquele bando de loucos quiser fazer gracinhas, saiba que o marido dela, responsável pelos cuidados estéticos ao patrimônio familiar, é fisiculturista. • Dietas e malhação evidentemente não fazem parte da rotina do ator RAPHAEL KHALEB, que saiu na União da Ilha como uma exótica Cleópatra rechonchuda. "Anos atrás, eu tentei fazer aula de dança do ventre, mas o problema é que não tenho um ventre, tenho a maior pança de todas", autoironiza-se Khaleb, cujo sobrenome é pura fantasia. "Sou Soares da Silva, mas um diretor de teatro disse que eu tinha cara de árabe, aí adotei o Khaleb." No Estado Islâmico, seria jogado do alto de uma torre. Aqui, no anti-islâmico, foi elevado ao topo de um carro alegórico. Só por isso dá até para rir do samba do ditador. 6#2 TECNOLOGIA – PRÓTESES FEITAS EM DOMICÍLIO As impressoras 3D deixam o campo da mera promessa e começam a ser usadas pela medicina na construção de mãos artificiais, instrumentos cirúrgicos e mesmo órgãos humanos. RAQUEL BEER Desenvolvidas nos anos 80, as primeiras impressoras 3D foram tratadas nos criativos laboratórios do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, como porta de entrada para uma nova Revolução Industrial, sendo capazes de baratear e simplificar a cadeia produtiva. Soaram durante muito tempo como promessa inalcançável, peças de ficção fadadas a permanecer como protótipos de computador. Nos últimos cinco anos, as impressoras 3D se popularizaram, com modelos domésticos vendidos a menos de 1000 dólares. Essas versões caseiras deram início a um movimento conhecido como DIY (sigla em inglês para "faça você mesmo"), pelo qual amadores criam variados produtos, de brinquedos a armas de verdade. Os exemplares industriais, evidentemente mais caros, tiveram seus custos exponencialmente diminuídos em fábrica. No entanto, apesar do espaço conquistado, as 3D ainda deixam a impressão de algo desnecessário. Não para os profissionais e pacientes envolvidos na medicina de ponta, área afeita aos avanços da impressão em 3D. As impressoras podem ser utilizadas para criar instrumentos cirúrgicos, construir modelos fac-similares de apoio a investigações de novas técnicas, além de produzir próteses eficientes e órgãos funcionais que em breve devem ser usados em transplantes. Um dos primeiros sinais desse extraordinário passo teve origem na iniciativa de uma ONG americana cujas intenções originais eram quase singelas, comoventes, mas sonhadoras. A E-nable nasceu em 2013, fruto da parceria inusitada entre um marceneiro sul-africano e um produtor americano de efeitos visuais. O marceneiro perdera quatro dedos da mão direita em um acidente de trabalho com uma serra elétrica em 2011. Sem dinheiro para comprar uma prótese tradicional de 10.000 dólares, ele resolveu estudar sozinho para fabricar a sua. Em suas pesquisas, deparou com um vídeo no YouTube feito pelo produtor com demonstrações de como funciona uma mão de metal que ele mesmo fez. Os dois conversaram pela internet e desse casamento brotou uma ideia. Juntos, fizeram um modelo de alumínio e documentaram o processo de construção em um blog. Rapidamente, pais de crianças que haviam perdido ou nascido sem uma ou ambas as mãos, ou sem os dedos, descobriram a dupla e passaram a pedir ajuda para minimizar os problemas dos filhos. Na busca por diminuir o preço das peças, a ponto de zerá-lo, os dois se viram diante da evolução das impressoras 3D. A E-nable, hoje, tem listados 3000 voluntários, 2400 dos quais donos de impressoras 3D, nem sempre médicos, responsáveis por fabricar as mãos mecânicas. Cada unidade sai por 300 reais, valor insignificante se comparado aos milhares de dólares das próteses tradicionais. Em dois anos, 700 crianças de todo o mundo receberam modelos, inclusive no Brasil. A E-nable pode ter solucionado um problema pouco conhecido, mas assustadoramente prevalente. De cada 1000 bebês, um nasce sem dedos, e todos os anos 9000 crianças têm as mãos amputadas em consequência de acidentes. Em setembro do ano passado, o veterinário mineiro Leonardo José Camargos Lara leu uma notícia sobre o trabalho da E-nable e entrou em contato para contar a história do seu filho Antônio, de 7 anos, que nasceu sem a mão esquerda. A ONG encaminhou-o a um voluntário brasileiro que cuidou da fabricação do dispositivo. Em janeiro, a mão artificial de Antônio chegou pelo correio, acompanhada de chocolates e de um carrinho de brinquedo. "Como o Antônio não está acostumado a utilizar os músculos da mão esquerda, ainda só consegue agarrar e levantar objetos bem leves com a prótese", diz o pai do menino. "Essa condição deve evoluir, mas para minha família o mais relevante é que essa experiência tem mostrado ao meu filho que existem boas soluções, ainda que longe da perfeição, para ele lidar com sua deficiência." O sucesso da ONG despertou a atenção de profissionais da área. O hospital americano Johns Hopkins, em Maryland, nos Estados Unidos, não só comprou uma impressora 3D para começar a produzir as mãos de plástico como também promoveu, em setembro do ano passado, uma conferência em parceira com a E-nable para medicos, pacientes, voluntários e fabricantes de próteses, com a intenção de popularizar o novo método. "Não importa se você tem seguro de saúde ou não, qualquer um pode ter uma dessas próteses", entusiasmou-se Albert Chi, médico e professor do Johns Hopkins. No Hospital das Clínicas, em São Paulo, o Instituto de Ortopedia e Traumatologia testa impressoras 3D para criar próteses. O projeto prevê a instalação de uma sala de impressoras, e já foram criadas duas mãos artificiais como teste. As próteses são o atalho para outras magníficas vitórias na medicina apoiada nas impressoras 3D. Em 2011, por exemplo, o peruano Anthony Atala, diretor do Instituto de Medicina Regenerativa de Wake Forest, nos Estados Unidos, desenvolveu um rim do mesmo tamanho do humano usando uma dessas máquinas. Para isso, utilizou como material células-tronco misturadas a colágeno e acrilato, composto químico que agrupa as células como se fosse uma cola. Depois de ser exposto à luz ultravioleta, o material se desenvolveu como um rim similar ao humano em apenas sete horas. O órgão artificial já é utilizado em pesquisas. São vários os casos que servem de emblema dessa bela janela de aplicação de novas tecnologias para salvar vidas. Em julho do ano passado, cientistas da Universidade Princeton desenvolveram uma orelha biônica, apta a captar frequências mais amplas que aquelas de que o ouvido humano é capaz. Quatro meses depois, a empresa americana Organovo passou a imprimir e comercializar pedaços de tecido humano para testes farmacêuticos. As impressoras 3D ainda estão na infância, mas seu crescente uso na medicina anuncia um leque de possibilidades — são mais interessantes, evidentemente, que os drones recreativos (veja a reportagem ao lado), aparelhos ainda em busca de reais utilidades para além da diversão. COM REPORTAGEM DE GABRIELA NERI A MÃO IMPRESSA Como os 3000 voluntários da ONG americana E-nable fabricam as próteses infantis com impressoras 3D. 1- Os pais fotografam e medem com uma régua os braços e a mão da criança que servirá de molde 2- As imagens são enviadas à E-nable, que possui um software para desenhar a prótese com base nas medidas e na fotografia 3- Voluntários donos de impressora 3D usam essa máquina para criar as peças de plástico que compõem a mão mecânica 4- Outros voluntários montam as peças utilizando pinos para fixá-las, velcro para prender a mão no braço da criança e cordas para ligar os dedos de plástico ao pulso da prótese 5- A prótese é enviada por correio à família da criança Quanto custa uma prótese 300 reais (sem considerar o preço da impressora 3D) COMO FUNCIONA • O punho da criança e as cordas que ligam os dedos mecânicos fazem o movimento de fechar e abrir da mão, utilizado para pegar objetos • Cordas elásticas deixam dedos esticados quando punho está reto • Outras, inelásticas fazem com que os dedos se fechem sempre que o punho se inclina para a frente; eles voltam a se abrir quando o punho retorna à posição original 6#3 TECNOLOGIA - PROIBIDO VOAR ALTO A agência americana de aviação divulga o rascunho da legislação que deve guiar o uso de drones nos Estados Unidos. A popularização dos drones, aeronaves controladas a distância, apresentou um novo desafio: a regularização do uso de um gadget que, com o tamanho de uma pizza, é mera brincadeira, soa como aeromodelismo, mas com as dimensões de um avião se transforma em uma eficiente arma para guerras, embora seja vastamente discutida por não levar pilotos ao coração dos combates e tornar os confrontos desiguais. No fim do mês passado, um singelo modelo doméstico superou as defesas da Casa Branca e caiu no jardim da Presidência. O dono do aparelho, um tanto quanto bêbado, admitiu ter perdido o controle do brinquedo, que foi se espatifar diante do nariz de Barack e Michelle Obama. O incidente foi inofensivo, resultou em troças, mas o drone poderia ter transportado 1,5 quilo de explosivos, numa modalidade inovadora de terrorismo. O risível susto em Washington fez com que o governo dos Estados Unidos acelerasse a normalização dos drones no país — os de uso comezinho, vendidos a granel na Amazon e similares. Na semana passada, a FAA, órgão responsável por fiscalizar a aviação americana, divulgou um primeiro rascunho de como serão as regras. A ideia é liberar para civis apenas drones de até 25 quilos que atinjam a altitude máxima de 150 metros e não ultrapassem a velocidade de 160 quilômetros por hora. Além disso, só os voos diurnos serão permitidos e apenas os maiores de 17 anos, e que passem em um teste teórico, poderão pilotar os aparelhos. Quem desrespeitar essas regras deverá ser punido com multas ou prisão. O rascunho será aberto a consulta pública antes de começar a vigorar. E já surgiram críticas, principalmente das empresas que pretendiam utilizar as inovações em seus negócios. É o caso da Amazon, que testa a tecnologia para entregar encomendas. Se aprovada, a legislação minaria tal ambição nos EUA — e abriria espaço para o sucesso de companhias como a chinesa Alibaba, que voa sem lei nem regras e já começou a distribuir experimentalmente pacotes de chá na China. O importante é haver regras, sejam frouxas, sejam rígidas. Ainda são poucos os países, como a Austrália, que contam com leis apropriadas. No Brasil, apenas recentemente a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) começou a se preocupar com os drones. 6#4 ESPECIAL – OS FILHOS DO CRACK VEJA acompanhou durante quase meio ano a luta de Ligia, usuária de droga e mãe de um bebê de 7 meses, contra o vício que já está em 1 milhão de lares brasileiros. LEONARDO COUTINHO De poetas a biólogos evolucionistas, não faltaram ao longo da história tentativas de explicar, quantificar e enaltecer o sentimento mais nobre e inquebrantável do ser humano. O amor de mãe desafia as forças destruidoras da guerra, da miséria e do preconceito. Prontifica a mulher ao autossacrifício e lhe dá coragem redobrada quando se trata de salvar os filhos. Se há objetivo no amor, o materno é todo voltado para a proteção da prole. O instinto impele a mãe a ficar do lado dos filhos — para tê-los em seus braços, para assegurar-lhes as condições para crescer felizes e em segurança. O que dizer do surgimento de uma força que se tem mostrado potente o bastante para superar até o amor de uma mãe pelo próprio filho? Essa força existe, só pode ser descrita como infernal e está se espalhando pelo Brasil com o nome de crack. Essa droga barata, feita de pastabase de coca, bicarbonato de sódio e amônia, quando inalada, leva à produção no cérebro de quatro vezes mais dopamina (um hormônio que dá sensação de prazer) do que a cocaína. Quatro em cada dez dependentes de crack têm endereço fixo. Não são, ainda, parte daquela multidão de andarilhos que vemos nas ruas, pele e osso, maltrapilhos, com o olhar petrificado. O crack está destruindo famílias, jogando no lixo décadas de estudo de suas vítimas e produzindo uma geração dickensiana de órfãos de pais vivos, abandonados em "lares sociais" para ser criados pela caridade dos outros. Muitos são filhos da classe média que, não fosse pelo crack, estariam de mãos dadas com o pai ou a mãe indo para a escola ou aprendendo a andar de bicicleta nos parques nos fins de semana. Oito em cada dez crianças abandonadas são filhas de dependentes químicos. Milhares de brasileiras engravidaram sob o efeito do crack, gestaram seus bebês drogadas e agora lutam contra o vício para não perder seus filhos. São mulheres como a ex-estudante de pedagogia Lígia Carvalho Fiochi, de 34 anos, de São Paulo, cuja história é contada nestas páginas. A reportagem de VEJA acompanhou Ligia durante pouco mais de cinco meses, começando três meses depois de ela dar à luz Lethicia. O embate entre o desejo de cuidar da filha e a vontade por diversas vezes incontrolável de usar a droga que a afasta do instinto materno é uma síntese do que enfrentam diariamente muitas outras mães brasileiras. Ligia conheceu o crack em 2008. Viciada em cocaína desde os 26 anos, ela passou a fumar "mesclado", uma combinação de crack com maconha. A cocaína já não bastava para satisfazer sua busca pelo prazer efêmero das drogas. Nos quatro anos seguintes, o uso da mistura foi se tornando mais constante e ela passou a usar pedras de crack. Como consequência do vício, Ligia abandonou a faculdade de pedagogia e não conseguiu se manter em nenhum emprego. Diz ela: "Passei a viver na rua. Não era dona de mim. Não sentia mais fome nem sono. Só vontade de fumar mais uma pedra, depois outra, depois outra". Quando o dinheiro evaporou, Ligia furtou em supermercados e se prostituiu em troca de pedras de crack. Ela foi contaminada com sífilis. Engravidou duas vezes. Sofreu dois abortos. "Eu me envergonho, mas é importante que as pessoas saibam que, depois que o crack vence uma pessoa, não há mais limites para o que ela possa fazer para tê-lo", diz Ligia. Na terceira gravidez, o bebê se desenvolveu dentro dela. Ligia continuou sobrevivendo em buracos escavados por outros dependentes próximo dos alicerces de um condomínio às margens do Rio Aricanduva, na Zona Leste de São Paulo. Fumava trinta pedras de crack por dia. Às vezes, mais. Edna, sua mãe, funcionária pública, tirou-a das ruas um mês antes de Lethicia nascer. Quando uma gestante inala o crack, as substâncias tóxicas que invadem a corrente sanguínea são levadas até o feto. Embora a placenta seja uma barreira para alguns tipos de intoxicação, ela não é impermeável às moléculas da droga, que penetram no organismo do feto, principalmente no cérebro. A médio e longo prazo, isso poderá ter efeitos graves no desenvolvimento do bebê após o nascimento. Enquanto em um adulto os efeitos do crack duram apenas cinco minutos, no feto, por causa da imaturidade do fígado, podem se estender por horas ou dias. Está comprovado que, quando uma gestante interrompe o uso da droga, o feto passa por uma crise de abstinência ainda no ventre. Quando a mãe fuma até a véspera do parto — situação mais comum observada pelos profissionais de saúde —, a criança nasce ainda sob os efeitos da droga. Os sintomas são choro e tremores agudos, taquicardia, problemas respiratórios, vômitos e sucção exacerbada. O bebê leva até sete dias para se desintoxicar. O tratamento é semelhante ao que é reservado a dependentes adultos de crack ou cocaína, com o uso de remédios como metadona e lorazepam, só que em doses menores. Lígia foi internada pela mãe na Maternidade Estadual Leonor Mendes de Barros, em São Paulo, referência no tratamento da dependência química em gestantes e bebês. No ano passado, 71 mães viciadas em crack tiveram filhos ali. Lígia fugiu, voltou para a casa da mãe, que a levou a outra instituição, a ONG católica Amparo Maternal. Lethicia nasceu em julho, pesando 3,7 quilos e medindo 50 centímetros. Passou o primeiro mês de vida na ONG onde nasceu. Lígia aguentou firme e se manteve longe do crack, dando esperança a todos de que a maternidade operara o milagre da reabilitação. Enquanto outras mães sem recursos nem forças para evitar o consumo da droga perderam a guarda de seus bebês, Lígia foi para a casa da mãe com a pequena Lethicia nos braços. Na manhã de 14 de outubro de 2014, Lethicia estava com 3 meses de vida, e a mãe, quatro meses longe do crack. Era dia também da consulta médica mensal de Lethicia. Os exames seguem um protocolo clínico a que se submetem recém-nascidos filhos de mães viciadas em crack. Os médicos procuram sinais de possíveis doenças neurológicas, visuais, cardíacas ou auditivas, que, diagnosticadas cedo, podem ser tratadas com maior taxa de sucesso. Para Lethicia, o terceiro exame mensal tinha ainda mais significado: os resultados poderiam descartar a possibilidade de ela ter herdado da mãe a bactéria causadora da sífilis. Seu organismo estava livre do Treponema pallidum. A notícia foi comemorada nos corredores da maternidade. Lethicia e Ligia posaram para fotos junto com as enfermeiras e a médica. A epidemia do crack no Brasil teve o poder de aumentar o número de crianças abandonadas e os casos de doenças venéreas. Segundo o Juizado da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, 480 filhos de usuárias de crack foram abandonados nos hospitais e maternidades da capital mineira no ano passado. No Rio de Janeiro, cerca de 90% das crianças abandonadas têm pais dependentes. O aumento do número de usuários de crack, que passou de 200.000 para 2,5 milhões em quinze anos, é apontado também como causa de uma epidemia colateral, a de sífilis em gestantes. Segundo o Ministério da Saúde, em 2005 foram registrados 1863 casos em mulheres grávidas. Em 2012, o número de gestantes com sífilis chegou a 7043, e o de recém-nascidos contaminados foi de 4447. ''O crack tem levado as mulheres a fazer sexo sem proteção, e muitas vezes em troca de dinheiro para sustentar o vício'', diz o psiquiatra Marcelo Ribeiro, da Universidade Federal de São Paulo. Passou-se mais um mês em que o único químico em excesso presente no corpo de Ligia era a oxitocina, o "hormônio do amor", que, garantem os cientistas, é sintetizado já durante a gravidez de modo que as mães possam superar todo o sofrimento do parto, bastando para isso um simples esgar no rosto do bebê em seu colo. Cinco meses sem crack é uma marca memorável. Não é a reabilitação, que, segundo se convencionou, exige dois anos sem fazer uso da droga. Para Ligia, o quinto foi o mais cruel dos meses. Ela decidiu visitar o pai, separado da mãe. Discutiu com a madrasta. Abalada com o tom da conversa, lembra-se de ter saído dali precisando usar alguma droga. Na noite de 8 de novembro, Ligia sucumbiu. Foi às suas conhecidas fontes fornecedoras e cheirou 2 gramas de cocaína. Era a temida recaída. O momento, terrível para quem está disposto a se livrar do vício, já foi descrito como a tentativa de saltar um abismo com dois passos — o primeiro, na beirada, desequilibra; o segundo, no vazio, derruba. Ligia descreveu assim sua recaída: "A maior armadilha da recaída é a vergonha. Depois que cheirei o primeiro 'pino de coca' (cápsula com grama), a sensação era de que tudo estava perdido, e esse medo só me levou a me drogar cada vez mais". Testemunha angelical da visita da mãe às profundezas escuras, Lethicia balbuciava algo quando, de madrugada, Ligia percorria as ruelas da Favela Esmaga Sapo, na Zona Leste de São Paulo. Ela conta que, naquele momento, tentou ligar para o repórter e o fotógrafo de VEJA a quem ela e a família deram autorização para acompanhar sua luta contra as drogas. Desistiu das ligações e trocou o celular por mais droga. Ligia decidiu procurar um amigo, também dependente químico. Passou seis dias na casa dele. Foram seis dias em que Ligia fumou maconha diariamente. Lethicia, sempre com ela. Dia 15 de novembro, feriado da Proclamação da República. Mais uma visita à Favela Esmaga Sapo e, finalmente, o crack proclamou sua vitória sobre Lígia. O repórter e o fotógrafo de VEJA a encontraram em um barraco de tábuas, fincado às margens de um canal de esgoto, fumando crack com uma moradora. Ela pediu dez minutos para se recompor. Ao final desse período, tirou uma pedra presa ao elástico da calça e começou a preparar mais um cachimbo. E outro, e outro... "Só mais esta", insistia. Ligia repetiu o ritual diversas vezes por cinco horas. Com toda a droga consumida, ela passou a procurar freneticamente por alguma pedra de crack extraviada no chão, enquanto dizia: "Só mais uma..." A recaída é uma consequência quase certa para os viciados em crack que tentam largar a droga sem um acompanhamento médico e psiquiátrico constante. Depois de um período sem fumar, o usuário de crack tende a se ver como autossuficiente e capaz de controlar o vício. Justamente nessa fase, eles se expõem ao risco da recaída. Estima-se que 70% dos casos de reincidência estejam associados a condições conhecidas por ser favoráveis ao uso da droga, como a ida a determinados locais, o relacionamento com pessoas específicas e certas situações de stress. "O fato de a pessoa que acredita ter vencido a droga voltar a frequentar os locais e a visitar pessoas que sempre estiverem associados à sua dependência é um comportamento comum e arriscado. É possível vencer o crack, mas não sem tratamento", diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Mesmo para quem passa por internações e recebe o devido acompanhamento, a taxa de reincidência chega a 15%. A compulsão pela droga se explica pela sua dinâmica no organismo. O crack inalado leva apenas oito segundos para elevar a produção de dopamina no cérebro, criando uma sensação imediata de prazer. Esse estado, porém, dura pouco. O efeito da droga passa em cinco minutos — enquanto o da cocaína leva até 45 minutos para se dissipar. Por isso, o usuário de crack tende a recorrer a uma pedra atrás da outra. Ligia só deu mostras de sair um pouco do transe quando alguém lembrou a ela que, daquela maneira, a perda da guarda de Lethicia era certa. Só pôs de lado o cachimbo quando ouviu que, ao amamentar naquelas condições, estava injetando no organismo de Lethicia as mesmas substâncias tóxicas que inalava. Passado o efeito do crack, Ligia teve uma crise de choro entremeada de um monólogo desesperado: "Aceito tudo, mas não vou me separar de minha filha. Não sei se minha mãe vai me aceitar depois disso. Se ela não me quiser, não sei para onde vou". Edna, a mãe, que cuidou dela nos momentos finais da gravidez de Lethicia, estava à espera na portaria do prédio. Serenamente, pegou a neta no colo, disse à filha para tomar banho e foi preparar uma mamadeira para Lethicia. Depois, no quarto, abraçadas a Lethicia, choraram em silêncio quase total. A orientação das autoridades brasileiras tem sido afastar os filhos do convívio da mãe viciada. A maioria das crianças é enviada para abrigos, onde elas ficam até que um familiar assuma a guarda ou até ser encaminhadas para adoção. "A gravidez tem sido uma janela para convencer essas mulheres a buscar ajuda profissional, pois é quando elas se vêem ameaçadas de perder a criança que se mostram mais abertas para o tratamento", diz a assistente social Tânia Marcolino, responsável pelo acompanhamento das mães viciadas na Maternidade Leonor Mendes de Barros. "É uma forma de curar as feridas", disse Edna quando, em novembro, embarcava para uns dias no litoral com Lígia e Lethicia. Além de Lethicia, Ligia tem outros três filhos, nascidos antes de seu envolvimento com o crack. Eles vivem com os avós. No dia 4 de fevereiro, Ligia deixou Lethicia em casa com Edna e saiu para a reunião de pais na escola de um dos filhos. Depois passou em uma casa lotérica e sacou 465 reais que conseguiu dos quatro meses acumulados no Bolsa Família por estar desempregada. Em três dias, gastou tudo em pedras de crack. No dia 7 de fevereiro ela foi internada para desintoxicação no Instituto Bairral, em Itapira, no interior de São Paulo, onde conseguiu uma vaga pelo sistema público de saúde. Lethicia ficou com a avó. AS PEQUENAS VÍTIMAS 15% dos recém-nascidos de mãe viciada em crack morrem em decorrência de distúrbios respiratórios, contra 0,9% da média geral. 5% das substâncias tóxicas do crack fumado por uma gestante entram na corrente sanguínea do feto 6 dias é o tempo que as substâncias do crack ficam presentes no leite materno Crianças e adolescentes sob a guarda do Estado (vivendo em abrigos e casas-lares) Total 30.000 80% filhos de pais viciados em drogas. RANKING DO VÍCIO (em milhões de usuários no Brasil) MACONHA: 3,8 Preço: 5 reais o cigarro COCAÍNA: 2,5 Preço: 25 reais o grama CRACK: 2,5 Preço: 10 reais a pedra Um problema também da classe média 30% dos frequentadores da Cracolândia, no centro de São Paulo, têm curso superior ou passaram pela universidade 8941 pessoas foram afastadas do trabalho por causa do consumo de cocaína e crack em 2013 40% dos dependentes de crack do país não vivem na rua QUANDO MOSTRAR É DENUNCIAR As atrocidades cometidas no Vietnã ficaram gravadas na memória das pessoas como testemunhos indeléveis da iniquidade das guerras - de todas as guerras. Em parte isso se deve ao fato de que os americanos, lutando com um exército regular contra uma força de guerrilheiros infiltrados nas aldeias e em simbiose com os civis, atingiram um número desproporcional de inocentes. Mas a Guerra do Vietnã (1961-1975) ganhou essa imensa simbologia também por ter sido, entre todas, a mais fotografada, filmada, televisionada - e a menos censurada. A fotografia que mais tristemente ilustra o conflito na Indochina é a da vietnamita Phan Thi Kim Phúc, de 9 anos, em prantos, fugindo de sua aldeia atacada com bombas incendiárias pela aviação sul-vietnamita, aliada dos americanos. O fósforo gelatinoso e o napalm parecem ainda arder em seu corpo quando o fotógrafo Nick Ut registrou a cena. Corria o ano de 1972 e a opinião pública americana mal conseguia metabolizar a sequência de imagens dramáticas vindas do Vietnã. Quando decidiu distribuir a foto feita por Ut, a Associated Press passou por cima de uma regra interna da agência que barrava fotos de nu frontal. Mas aquela foto era muito mais do que isso. Era uma das mais formidáveis condenações da guerra - de todas as guerras - que uma imagem poderia produzir. Assim foi. Atribui-se à fotografia da menina vietnamita em meio ao horror o poder de ter apressado o fim da Guerra do Vietnã. Para retratar nesta reportagem sobre crack a vida de Ligia e sua filha recém-nascida, VEJA contratou o fotógrafo André Liohn, paulista de Botucatu, veterano de cobertura de guerras na Somália e no Oriente Médio, onde trabalhou para os jornais e revistas mais respeitados do mundo. Disse André Liohn sobre a decisão de VEJA de publicar a foto do rosto de olhos plenos de ternura e indagações do bebê de Ligia: "Como documentar uma guerra ou uma catástrofe natural sem expor o sofrimento das vítimas, sem mostrar o impacto dos acontecimentos sobre a infância de um país? A epidemia do crack pode ser comparada a uma guerra, em que a sociedade brasileira está sendo derrotada. Na foto da criança e nas de sua mãe não há filtros nem poses para modificar a realidade. Dessa forma, procurei expor os problemas materiais do crack, que diariamente corrompe e inferniza a vida de tantos brasileiros, inclusive da minha própria família. Considero que cumpri bem meu dever se minhas fotos apresentarem de forma quase clínica a dor daqueles que precisam e merecem vencer essa doença". _____________________________________________ 7# ARTES E ESPETÁCULOS 25.2.15 7#1 LIVROS – A VIDA POR ESCRITO 7#2 TELEVISÃO – PAPEL DE PAREDE 7#3 CINEMA – IMPÁVIDO COLOSSO 7#4 VEJA RECOMENDA 7#5 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 7#6 J.R. GUZZO – SUPREMO TRIBUNAL CULTURAL 7#1 LIVROS – A VIDA POR ESCRITO A vigorosa literatura de Philip Roth é iluminada em uma obra híbrida, que conjuga crítica e pesquisa biográfica. EDUARDO WOLF Nos próximos anos, duas coisas me esperam: a morte e uma biografia. Esperemos que a primeira venha antes." Assim falava o escritor americano Philip Roth, então com 79 anos, no documentário Philip Roth: Unmasked, de 2013. Hoje ele tem 81, a morte ainda não lhe prestou a inadiável visita, e a biografia vem sendo escrita por Blake Bailey (biógrafo também de outra figura maiúscula das letras americanas, John Cheever) com a entusiasmada ajuda do biografado. Roth afirmou, em 2012, que sua carreira como escritor estava encerrada. Entre o frustrante anúncio da aposentadoria e a biografia autorizada que ainda não chegou, os entusiastas da vigorosa ficção do autor podem se satisfazer com Roth Libertado (tradução de Carlos Alfonso Malferrari; Companhia das Letras; 480 páginas; 52,90 reais, ou 36,90 na versão eletrônica), da jornalista e crítica da revista The New Yorker Claudia Roth Pierpont (sem parentesco com o autor). Neste livro de "forma híbrida", como o descreve sua autora, temos certamente menos que uma biografia: não se encontram aqui as datas nem as sequências de informações ordenadas que definem o gênero. Mas este tampouco é um simples apanhado crítico dos livros de Roth, desde a premiada estreia com Adeus, Columbus (1959) até o encerramento, em grande forma, com Nêmesis (2010). Pierpont contou com a colaboração direta de Philip Roth sob a forma de oito anos de conversas francas e de acesso às pilhas de arquivos e anotações pessoais do escritor. A autora avalia a produção de Roth, livro a livro, cronologicamente, reconstituindo seus contextos de elaboração e avaliando os resultados literários obtidos, quase sempre com acerto no juízo crítico. A biografia comparece mais para ajudar a desvendar os efeitos artísticos que o autor buscava obter com o mundo ficcional que ia criando do que para pintar um quadro exclusivo do homem por trás da obra. E o caso de Philip Roth é particularmente sensível à justaposição de crítica e biografia. Os polos da experiência e da imaginação, em sua literatura, frequentemente se tocam e se confundem. O êxito de Roth Libertado talvez esteja sobretudo na impressão que passa de que seu método de análise biográfica é exigido pela ficção de Philip Roth. Sua imaginação literária, afinal, aproveitou fartamente a experiência vivida. Seu primeiro e traumático casamento, com Maggie Williams, seria a matéria de base de As Melhores Intenções... (1967). A infância em Newark e diversos episódios de sua criação judaica seriam incorporados, por exemplo, em O Complexo de Portnoy (1969), romance que o lançou para uma fama global. Em The Facts (1988) — este, sim, um texto autobiográfico —, Roth transforma suas memórias em uma carta a Nathan Zuckerman, seu alter ego literário, que responde desaconselhando a publicação da obra. Contudo, a maior "libertação" trazida por Roth Libertado não é a da obra em relação ao seu autor, mas sim a do autor em relação às agendas políticas que desde sempre quiseram cerceá-lo. Primeiro, o autor de Adeus, Columbus teve de insistir que, como escritor, seu papel não era o de um "relações-públicas do povo judeu" (na expressão do grande mestre inspirador e futuro amigo Saul Bellow). Depois, durante as décadas seguintes, ele começou a ser tratado com sistemático e surdo ódio pela militância feminista em razão de seus personagens masculinos — Nathan Zuckerman e David Kepesh, em particular, renderam ao autor acusações de misoginia. No esforço de separar política de literatura, experiência real de criação literária, quem ganha é o leitor, que passa a apreciar o amadurecimento de Roth. Afinal, o autor do tour de force erótico que tinha sido Portnoy e dos kafkianos O Seio (1972) e A Orgia de Praga (1985) será capaz, nos anos seguintes, de ombrear com seu grande modelo literário americano, Saul Bellow, ao produzir uma obra com a força e a completude de O Teatro de Sabbath (1995), em que o retrato do sexo como desafio à morte e a reflexão sobre a finitude alcançam um nível que nenhuma outra obra contemporânea de ficção logrou. A história do velho e decadente titereiro Morris "Mickey" Sabbath e de sua amante, a imigrante croata Drenka Balich, inaugura uma nova fase na obra de Roth, em que antigos temas — a celebração erótica, o adultério, o humor quase violento e o cinismo em seu limite último na figura do protagonista — ganham uma densidade dramática tocante: é nesse livro "esplendidamente perverso" (nas palavras do crítico Frank Kermode) que, para além das estripulias eróticas, Roth oferece a seus leitores a busca de Sabbath por um vínculo genuíno e por algum sentido existencial mais profundo que o sexo, especialmente em uma idade na qual as possibilidades libidinosas encontravam seu fim. "Tudo começou porque eu estava procurando um lugar para ser enterrado", confessou Roth, que perdera o pai nos anos anteriores a Sabbath, além de amigos próximos, como a escritora e ex-amante Janet Hobhouse, a quem o livro é dedicado. Depois viria a enérgica "trilogia americana", submetendo à análise impiedosa e criativa os Estados Unidos do delírio macartista (Casei com um Comunista, de 1998), da Guerra do Vietnã (Pastoral Americana, de 1997) e dos anos Clinton (A Marca Humana, de 2000). A primeira década do século XXI seria marcada por narrativas de fôlego mais curto, mas de alta intensidade existencial. É o caso de O Animal Agonizante (2001), que dramatiza a tragédia do corpo: a velhice que chega, o desejo que permanece, a doença aniquiladora da vida e da beleza. Ou ainda de Homem Comum (2006), um livro "sobre mortes, funerais, covas no chão, e as doenças que levam até lá". Há aqui, novamente, um fundo biográfico: com a morte de amigos como Saul Bellow e William Styron, Roth diz que abrir sua agenda telefônica é percorrer um cemitério. Que Roth tenha conseguido extrair da velhice e da morte resultados literários notáveis é apenas uma das provas do que seu regime rigoroso de escrita foi capaz de produzir. Não por acaso, tomou uma frase de Flaubert como lema: "Seja metódico e ordeiro como um burguês em sua vida, assim você poderá ser violento e original em sua obra". Por isso mesmo, o que mais importa na vida do homem Philip Roth é sua obra. 7#2 TELEVISÃO – PAPEL DE PAREDE O Off devota sua programação aos esportes radicais. Mas as imagens de ação e paisagens deslumbrantes fizeram dele o canal preferido dos bares e lanchonetes. BRUNO MEIER O cliente entra na lanchonete, pede um sanduíche e um suco e deixa o celular de lado. Olha para os televisores ligados — sem som — em lugares estratégicos do ambiente e logo cai hipnotizado por imagens de ondas gigantes, manobras acrobáticas em pistas de skate ou brancas paisagens polares. Cenários deslumbrantes e sequências de esporte radical são a especialidade do Off, o canal de TV paga preferido de bares e restaurantes do país pelo efeito calmante que exerce sobre a clientela. Numa rede de lanchonetes carioca, o dono cancelou o contrato com uma produtora independente que fazia vídeos na Califórnia para exibir ininterruptamente a programação do canal. "A ideia é que, mesmo quando está chovendo lá fora, o frequentador se sinta como se estivesse em um dia ensolarado na praia", diz o proprietário, Sérgio Rodrigues. O Off tem uma grande estrela nacional: o paulista Gabriel Medina, que em dezembro venceu o campeonato do WCT, o circuito profissional mundial do surfe. Ele é, desde 2013, o protagonista de um reality show esportivo, Mundo Medina, que acompanha suas viagens em busca de azulíssimas ondas no Havaí, no Taiti, na Austrália. Um episódio especial foi produzido (e é muito reprisado) para celebrar a vitória no WCT. Mas o Off tornou-se, sobretudo, uma peça de decoração dinâmica para ambientes onde pessoas se reúnem socialmente. "É o canal de fundo de tela, aquele feito para quem quer dar uma relaxada", define Guilherme Zattar, diretor do Off e do Multishow, ambos da Globosat. Lançado há três anos, o Off é um produto da era HD: não faria sentido sem a imagem em alta definição. Zattar, carioca cinquentão apaixonado por surfe (equilibra-se na prancha, mas diz que não é muito bom), concebeu um canal de esportes radicais destinado a um público de 18 a 34 anos. O modelo era Zona de Impacto, programa do qual foi criador e que continua no ar, no SporTV. De início, 80% das atrações eram compradas de produtoras estrangeiras. Hoje, a estrutura do canal é mais robusta. Na sede, no Rio de Janeiro, doze profissionais trabalham para coordenar uma equipe de 200 pessoas (em geral, na faixa dos 20 aos 30 anos) que prestam serviço a 36 produtoras de pequeno e médio porte contratadas para produzir mais da metade do que é levado ao ar. Cada episódio custa, em média, de 50.000 a 70.000 reais (alguns ainda se sustentam na faixa dos 25.000 a 30.000 reais). As produções do Off são feitas por equipes enxutas, com três a cinco membros, e muitas vezes os custos mais altos já estão cobertos antes de o programa ir ao ar: despesas de passagem e hospedagem em viagens internacionais frequentemente são pagas, ao menos em parte, pelos patrocinadores dos esportistas que correm o mundo em competições. As filmagens de Mundo Medina na Austrália, França, México e Havaí foram bancadas por uma marca de surfe que patrocina Gabriel Medina. "O programa acompanha a vida dele. Ele sai do Brasil para competir e eu vou atrás", diz o produtor Henrique Daniel, de 29 anos. Em um recente grupo de pesquisa promovido pelo canal com oitenta pessoas de São Paulo e do Rio de Janeiro, a frase "papel de parede da minha casa" foi dita por mais de um entrevistado. "Gostei de saber que o canal é muito visto em São Paulo. O paulistano, por viver numa selva de pedra, busca uma fuga em nossos programas", diz Zattar. Mas não bastam só paisagem e ação: a pesquisa constatou o desejo de mais shows que tragam boas histórias e personagens. No esforço de atender a essa demanda, já está sendo gravada na Indonésia uma série sobre a rotina do surfista Kian Martin, garoto de 12 anos, filho de um brasileiro e de uma sueca, que pega onda desde os 5. Outros programas já cobrem essa função, ainda que não contem com personagens tão conhecidos quanto Medina é hoje. As belas irmãs Nicole e Alana, atletas de destaque no stand-up paddle e no surfe, e o pai delas, o surfista Jorge Pacelli, são os astros de Família Pacelli. Acabaram de voltar do Havaí, onde gravaram a segunda temporada. A fórmula jovial do Off está toda ali: sol, praia, família descolada e feliz, mulheres e homens bonitos em trajes de verão. “As pessoas acham que tenho o trabalho dos sonhos, mas, nos quinze dias que fiquei no Havaí, só dei um mergulho", lamenta o diretor Pedro Montes, da Guru Filmes. Seu trabalho para acompanhar o clã Pacelli estende-se pelo dia todo, das 5 e meia da manhã ao início da noite: no Off não podem faltar, em hipótese alguma, aquelas cores do nascer e do pôr do sol que fisgam a freguesia dos bares brasileiros. 7#3 CINEMA – IMPÁVIDO COLOSSO Sniper Americano é contra a guerra ou a favor dela? É um filme de ação ou um estudo moral? Seu protagonista, o atirador de elite Chris Kyle, é um herói ou um homem indigno? No centro da divergência — que diminui mas não anula as chances de o filme sair do Oscar deste domingo com um ou vários prêmios —, Clint Eastwood permanece sereno: em uma fase da vida na qual não é incomum que se acredite ter certezas a oferecer, o diretor de 84 anos continua buscando perguntas a fazer, sem se incomodar se é possível ou não encontrar as respostas certas para elas. Feliz com a bilheteria estrondosa (quase 400 milhões de dólares, e contando) e em grande medida inesperada do filme, a maior de toda a sua longa carreira, Eastwood conversou com a editora executiva Isabela Boscov sobre a controvérsia em torno de Sniper Americano, os eventuais fracassos, a importância de não planejar demais e o único conselho que ele acredita ter a dar aos filhos. A seu ver, surgiu da controvérsia em torno de Sniper Americano algo de iluminador ou instigante, ou ela seria mera polarização de opiniões? Minha impressão é que algumas das pessoas que têm alimentado essa controvérsia estão mais interessadas em obter reconhecimento e manter seu nome em evidência do que em debater. O filme tem, é claro, uma mensagem sobre as urgências do combate, mas eu diria que sua mensagem contra a guerra tem peso idêntico; não são poucos os soldados que sentem estar no lugar errado, e mesmo Kyle tem de se esforçar mais e mais para se convencer de que o que está fazendo é o certo. Eu não fui a favor dessa guerra. Mas, a partir do momento em que os soldados são enviados à batalha, meu desejo é que possam cumprir sua missão e voltar vivos para casa. Essa questão, a dos efeitos da violência cometida com a convicção do justo e certo, é constante em seu trabalho. É difícil discutir intenções: enquanto você está rodando um filme, uma multiplicidade de opiniões a respeito dele cruza a sua cabeça, toma forma e então muda - de tal modo que, no fim, se alguém vier lhe perguntar quem são as pessoas que vão querer vê-lo, a única resposta possível é "não tenho a menor ideia". Um filme só existe de fato nos olhos de quem o vê. A lição que aprendi a aceitar é que tenho de dar o meu melhor; mas, quando o resultado do meu trabalho chega aos cinemas, só o público decide se quer vê-lo ou prefere escolher outra coisa. Dói quando o público decide que não é o seu filme que ele quer ver? J. Edgar, por exemplo, foi praticamente ignorado. Talvez o público mais jovem não conheça J. Edgar Hoover, e talvez o público que tem idade para se lembrar dele não frequente mais o cinema. O mesmo talvez possa ser dito de Invictus, sobre Nelson Mandela. É sempre uma pequena decepção, mas remoer desapontamentos não leva a nada. É partir para outra. Inversamente, se cinco meses atrás me tivessem dito que Sniper Americano seria o maior sucesso comercial da minha carreira, eu teria ficado surpreso. Vai ver é o pessoal que não foi ver J. Edgar que está comprando os ingressos. Oitenta e quatro anos é uma idade respeitável, mas ela não parece ter diminuído sua disposição: faz apenas meio ano que o senhor lançou Jersey Boys. Sinto-me ótimo e estou com boa saúde. Sem querer me comparar a sir Edmund Hillary, a justificativa que tenho para o número de filmes que faço é a mesma que ele deu para conquistar o Everest: eles estão lá à espera, ora. Mas admito que, depois desse 2014 puxado, a pior coisa que poderia me acontecer seria dar de cara com outro bom roteiro. Não consigo parar de olhar projetos, mas acho que uns meses de folga me fariam bem. Um filme com tanta ação a coordenar, como Sniper Americano, exige energia extra, não? Faz mais de 60 anos que trabalho como ator e 45 como diretor, então essa é uma habilidade que aprendi a dominar: a de priorizar - decidir o que está sob meu controle direto e o que depende de outros, e então ir caminhando pelo filme como uma equipe. Porque um filme é um trabalho de equipe: cerque-se dos melhores profissionais, e eles farão você parecer melhor do que é. Preparação e análise em excesso podem ser inimigos de um cineasta? Sim. É preciso ter algum frescor, alguma abertura nas concepções e atitudes, quando se entra em um set. Às vezes, imprevistos podem ser benéficos e melhorar uma cena; não é bom reagir com desaprovação a situações inesperadas que por acaso surjam. Alguns atores entram na cena em ponto de bala e vão esfriando; outros chegam frios e vão esquentando. É preciso aceitar as pessoas pelo que elas são e tirar o melhor partido do que elas têm a oferecer. Tudo é um julgamento. E tem-se também de aceitar que às vezes fazemos bons julgamentos, e outras vezes, maus. Em retrospecto, quais são os cineastas com quem o senhor mais aprendeu? Eu destacaria Sérgio Leone e Don Siegel, e também William Wellman. Mas, na verdade, aprende-se com todos eles, os bons e os nem tão bons. Quando eu fazia o seriado Rawhide (1959-1965), tínhamos um diretor diferente a cada semana, e essa é uma escola daquelas. Quanto maior a variedade de pessoas com que você trabalha, mais fácil é encontrar seu próprio estilo, sua energia pessoal, quando finalmente tem a oportunidade de passar para trás da câmera. Em sete anos, o senhor estrelou apenas dois filmes, Gran Torino e Curvas da Vida. Perdeu o prazer em atuar? De maneira nenhuma. Mas esses calharam de ser bons roteiros, com sentimentos que aprovo e personagens de certa idade. A maioria dos roteiros é escrita para um pessoal mais jovem, e não posso interpretar o velho ranzinza todo ano. Vários dos seus filhos estão envolvidos de alguma forma com a indústria do entretenimento. Isso o deixa apreensivo? Quero que eles façam aquilo de que gostam. Minha única exigência é que, seja qual for a profissão que escolham, eles se dediquem a ela ao máximo. Meu pai dizia que, se seu trabalho é cavar buracos, então cave os melhores buracos de que é capaz. É isso que eu digo aos meus filhos também. Trabalhar é bom? É ótimo. Gosto de trabalhar e da atividade que o trabalho cria. A aposentadoria não é uma ideia convidativa. Adoro golfe, mas não quero ser obrigado a jogar golfe por falta do que fazer. O que o senhor planeja, mais uns vinte anos na ativa? Dos seus lábios para os ouvidos de Deus! Soa meio otimista, mas eu topo. 7#4 VEJA RECOMENDA TELEVISÃO HOUSE OF CARDS — A TERCEIRA TEMPORADA (DISPONÍVEL A PARTIR DE SEXTA-FEIRA NO NETFLIX) • Na segunda temporada de House of Cards, Frank Underwood (Kevin Spacey) e sua mulher, Claire (Robin Wright), posaram de cordeirinhos enquanto tramavam a tempestade perfeita que poria uma palavra fatal na rota do presidente dos Estados Unidos: impeachment. Sempre escoltado por sua jararaca loira, Underwood passou de parlamentar influente a vice-presidente — e não combinaria com sua natureza, claro, contentar-se só com isso. Animais políticos comparáveis àqueles que se encontram nas tragédias gregas e nos dramas de Shakespeare, os dois buscam o poder como um fim em si mesmo. Mas, ainda que dominem a arte da insídia, não deixam de pagar pelas rasteiras que dão nos inimigos. Em certa medida, o Netflix se vê diante de um paradoxo similar: o serviço de vídeos cometeu a deliciosa maldade de viciar os espectadores em House of Cards — mas agora se arriscaria a tomar cartão vermelho se não oferecesse mais uma dose da versão americana do sucesso da TV inglesa dos anos 90. Pois o povo pode se esbaldar com esse ópio: a nova temporada ilustra com a eficácia de praxe como é duro até para as cobras criadas manter-se no topo o tempo todo. DISCOS BEM-VINDO AO BAILE, CARLOS DAFÉ (ATRAÇÃO) • Carlos Dafé é cria do Black Rio, movimento de valorização da música e da cultura negra surgido no Brasil nos anos 70. Seus vocais apaixonantes de longa extensão e suas composições, que faziam um amálgama de samba e soul music, renderam-lhe o epíteto de Príncipe do Soul (o rei, obviamente, era Tim Maia) e uma exagerada comparação com Marvin Gaye. Dafé interpretou músicas que caíram na boca do povo, até que um acidente de automóvel o tirou de cena e das paradas de sucessos. O cantor, contudo, nunca parou de produzir — mesmo que esses lançamentos cheguem às lojas em espaços cada vez maiores. Bem-Vindo ao Baile levou quase uma década para ficar pronto. Seis das doze faixas são regravações. Trata-se de uma estratégia oportuna, porque os discos de Dafé estão há muito tempo fora de catálogo. Entre as releituras estão Venha Matar Saudades (com participação de Toni Garrido) e A Cruz (parceria com a pianista de jazz Tânia Maria). Entre as inéditas há a dançante Sigo Só, que nem Zeca Baleiro conseguiu estragar, e Quando o Amor Chegar, cover de um hit do soulman Hyldon. BLUES PILLS (VOICE MUSIC) • O Blues Pills é uma banda com jeito de smörgasbord — o copioso bufe de pratos quentes e frios típico da Suécia. O quarteto, surgido no país escandinavo em 2011, tem integrantes nascidos nos Estados Unidos (o baixista Zack Anderson e o baterista Cory Berre que deu lugar ao sueco André Kvarnström) e na França (Dorian Sorriaux, um guitarrista de dedos ansiosos), além da sueca Elin Larsson nos vocais. Mas seu estilo musical não tem nada de sincrético: trata-se de uma respeitável banda de blues rock e psicodelia, com poder de fogo para agradar não somente ao fã do gênero que acha que não surgiu nada de bom depois do Led Zeppelin, como também a quem busca bandas que não economizem em garra e distorção. O cartão de visita de seu ótimo álbum de estreia é a faixa High Class Woman. Ali estão todas as qualidades do grupo: seção rítmica suingada, guitarra com forte influência do blues e uma intérprete que rasga as cordas vocais (além de ser uma gracinha, Elin mostra-se uma aluna aplicada nas escolas de Janis Joplin e Black Sabbath). Nos últimos tempos, a Suécia tem se mostrado um excelente celeiro de bandas que se inspiram na sonoridade dos anos 70 — e o Blues Pills engrossa com louvor essa tendência. LIVRO O LIVRO DA GRAMÁTICA INTERIOR, DE DAVID GROSSMAN (TRADUÇÃO DE PAULO GEIGER; COMPANHIA DAS LETRAS; 536 PÁGINAS; 59,90 REAIS, ou 39,90 REAIS EM E-BOOK) • Aharon Kleinfeld, de 12 anos, é mais esperto que a garotada da sua idade no bairro em que vive com a família, na Jerusalém dos anos 60. Às portas da adolescência, ele é o líder da turma e começa a observar de maneira diferente o mundo dos adultos, ao mesmo tempo em que sente as primeiras manifestações da sexualidade. Mas, se o intelecto é precoce, seu corpo não segue o mesmo compasso: durante três anos, ele permanece com a aparência infantil, enquanto os amigos ficam mais altos e mais fortes. Em seu terceiro romance, o autor israelense David Grossman retrata um momento importante da história de seu país — a Guerra dos Seis Dias — a partir de um ambiente doméstico, descrito em prosa lírica com toques surrealistas, humor amargo e gírias iídiches. O pequeno Aharon — que ouve os canhões de combate ao longe e vê o melhor amigo e a garota que ama se engajarem no movimento sionista — tem aquele charme rebelde dos heróis infantojuvenis, mas carrega também o desencanto e a ironia ancestrais de seu meio. DVD PLAY TIME —TEMPO DE DIVERSÃO (FRANÇA/ITÁLIA, 1967. CULT CLASSIC) • Com uma filmografia de apenas cinco títulos, o francês Jacques Tati (1907-1982) realizou ao menos duas obras-primas, estreladas por ele mesmo como o personagem que o tornou famoso: o avoado Monsieur Hulot. À semelhança do Carlitos chapliniano, ele também não fala — emite só resmungos — e enverga sempre os mesmos chapéu e capa, além de empunhar um guarda-chuva e um cachimbo. Nove anos antes, no adorável Meu Tio, Hulot era o camarada atrapalhado com as engenhocas da vida moderna. Em Play Time, ele é o velho parisiense engolido pela cidade coalhada de turistas que se esforça para entrar no ritmo da era espacial. Os móveis, máquinas e edifícios têm temperamento e servem de "escada" para o humor físico com um mínimo de diálogos. Basicamente, são três situações: um grupo de estrangeiros chega ao Aeroporto de Orly, visita uma feira tecnológica e termina na inauguração de uma boate — que se revela um desastre. A hábil pantomima de Tati no filme foi citada como influência por cineastas como Francois Truffaut e Steven Spielberg. 7#5 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- Cinquenta Tons de Cinza. E.L. James. INTRÍNSECA 2- Cinquenta Tons Mais Escuros. E.L. James. INTRÍNSECA 3- O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 4- Se Eu Ficar. Gayle Forman. Novo Conceito 5- Cinquenta Tons de Liberdade. E.L. James. INTRÍNSECA 6- Para Onde Ela Foi. Gayle Forman. NOVO CONCEITO 7- Divergente. Veronica Roth. ROCCO 8- Insurgente. Veronica Roth. ROCCO 9- Convergente. Veronica Roth. ROCCO 10- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA NÃO FICÇÃO 1- Eu Fico Loko. Christian Figueiredo de Caldas. NOVAS PÁGINAS 2- Nada a Perder 3. Edir Macedo. PLANETA 3- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 4- O Capital no Século XXI. Thomas Piketty. INTRÍNSECA 5- Bela Cozinha: As Receitas. Bela Gil. GLOBO 6- A Teoria do Tudo. Jane Hawking. ÚNICA 7- Diário de um Adolescente Apaixonado. Rafael Moreira. NOVAS PÁGINAS 8- Sonho Grande. Cristiane Correa. PRIMEIRA PESSOA 9- A Economia da Desigualdade. Thomas Piketty. INTRÍNSECA 10- Livre. Cheryl Strayed. OBJETIVA AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 3- Geração de Valor. Flávio Augusto da Silva. SEXTANTE 4- O Poder da Escolha. Zibia Gasparetto. VIDA & CONSCIÊNCIA 5- 60 Dias Comigo. Pierre Dukan. BEST SELLER 6- De Volta ao Mosteiro. James Hunter. SEXTANTE 7- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 8- O Livro do Bem. Ariane Freitas e Jessica Grecco. GUTENBERG 9- As Regras de Ouro dos Casais Saudáveis. Augusto Cury. ACADEMIA DE INTELIGÊNCIA 10- O Poder do Hábito. Charles Duhigg. OBJETIVA 7#6 J.R. GUZZO – SUPREMO TRIBUNAL CULTURAL Se alguém, seja lá pelo motivo que for, quer impedir que alguma tarefa útil seja executada na cultura brasileira, pode chamar o Ministério da Cultura; o resultado é 100% garantido. E as secretarias de Cultura, ou outros mamutes culturais do poder público — haveria algum risco de fazerem algo de bom? Fiquem todos sossegados: não há o menor perigo de que venha a acontecer, também aí, qualquer coisa que preste. Os fatos, sempre eles, são a prova disso. O Museu do Ipiranga, monumento básico da cultura de São Paulo, está fechado até 2022; é uma proeza que se candidata ao livro de recordes da cervejaria Guinness. A formidável Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro vive esperando o padre para receber a extrema-unção. (Ainda recentemente passou meses a fio sem ar condicionado, com temperaturas internas que chegaram aos 50 graus. Nos últimos doze anos o governo fez três planos de carreira para seus funcionários; não cumpriu nenhum.) O Museu Nacional de Belas Artes, também no Rio, com 200 anos de história e sua notável fachada de estilo Renascença francesa, é humilhado por goteiras. As construções das cidades históricas de Minas Gerais e do Norte, relíquias únicas da arquitetura colonial brasileira, podem virar entulho. Cinquenta anos após sua fundação, Brasília, a capital do Brasil Potência, ainda não tem um museu decente. É a vitória do Bolsa-Cupim. Mas as figuras que mandam desde 2003 na máquina pública brasileira não se contentam com isso. Além de se negarem a fazer o trabalho pelo qual são pagas, querem, acima de tudo, decidir o que é cultura neste país e o que não é — ou o que é cultura certa e o que é cultura errada. São contra, é claro, essa cultura "que está aí". A única que admitem é a sua, e no Brasil de hoje isso quer dizer "cultura popular". Basicamente, trata-se de um conjunto de atividades exercidas por pessoas que não sabem pintar, escrever, compor uma melodia, fazer um filme ou montar uma peça de teatro capazes de interessar a alguém — e que são sustentadas, de um jeito ou de outro, pelo Erário, por serem contra a "arte burguesa", a favor da "arte dos desvalidos" ou praticarem algum outro truque que esconda a sua falta de talento, de mérito e de público. Seu grão-vizir no momento é o doutor Juca Ferreira, ministro da Cultura (pela segunda vez), ex-secretário da Cultura da prefeitura de São Paulo e marechal de campo no combate contra o modelo de cultura ''excludente"; imagina que "uma política cultural abrangente é um essencial instrumento da construção de uma nova cultura política". O ministro Juca e todos os que ganham a vida como ele formam hoje o Supremo Tribunal Cultural brasileiro. Não cabe nenhum recurso contra as suas decisões. O último feito de armas dos árbitros que ora determinam se podemos ou não gostar disso ou daquilo deu-se na cidade de São Paulo, governada pelo PT do prefeito Fernando Haddad. Para executar sua "política de cidadania cultural", a prefeitura resolveu convocar grafiteiros amigos para pichar os "Arcos do Jânio", um modesto conjunto de arcadas que alivia um pouco a paisagem de deserto do centro de São Paulo. Esses arcos nunca fizeram mal a ninguém. Não são o Coliseu de Roma ou a Catedral de Notre-Dame de Paris, mas é o que temos — e, já que temos tão pouco, supõe-se que esse pouco deveria ser deixado em paz. Nada disso: a prefeitura de São Paulo tem uma política cultural a executar. No caso, sem consultar ninguém, sepultou as arcadas sob um amontoado de rabiscos, borrões e desenhos deformados. Oficialmente, isso é "arte da periferia". Na prática, trata-se apenas de degradar a superfície de um muro. Esse tipo de coisa, como se sabe, sempre pode ficar pior, e ficou. Não demorou muito e apareceu, no meio da pichação, um rosto que é a própria fotografia do coronel Hugo Chávez, o líder de massas da Venezuela que a esquerda mais rústica tenta transformar num novo "Che" Guevara, ou algo assim. Chávez? Nem pensar, diz a autoridade municipal. O autor queria apenas pintar um "rosto negro", só isso. Foi pintando, pintando — e no fim, quem diria, saiu uma figura que é a cara do Chávez. Que coisa, não? Essa vida é mesmo uma caixinha de surpresas. O prefeito se encanta com o homem que presenteou a Venezuela com a falta de papel higiênico? Problema dele. Mas Haddad foi eleito para governar a cidade por quatro anos; não tem o direito de privatizar a paisagem urbana para exibir suas crenças políticas, nem de mudar o "gosto conservador do paulistano". Isso não é promover cultura. É fazer propaganda, apenas.