0# CAPA 24.12.14 VEJA www.veja.com Editora ABRIL Edição 2405 – ano 47 – nº 52 24 de dezembro de 2014 [descrição da imagem: fundo da capa em vermelho, no centro uma montagem da imagem do rosto do presidente dos Estado Unidos, Obama. Usa uma boina, tendo a bandeira dos EUA na frente, e com os cabelos, lembra a imagem de um revolucionário, lembra Che Guevara.] O AMIGO AMERICANA Obama reata laços diplomáticos com Cuba e apressa o fim da ditadura comunista, que logo não poderá mais culpar o embargo pelo seu fracasso. [outros títulos na parte superior da capa] PETROBRAS A maior empresa brasileira já chegou ao fundo do poço? TRÊS STENTS POR UMA VIAGEM A PF investiga médicos que recebem dinheiro e “prêmios†para pôr próteses desnecessárias nos pacientes. SOLIDARIEDADE Os brasileiros para quem é Natal o ano inteiro. ______________________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# ECONOMIA 5# INTERNACIONAL 6# GERAL 7# ESPECIAL NATAL 8# ARTES E ESPETÁCULOS _________________________________ 1# SEÇÕES 24.12.14 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – POR QUEM OS SINOS DOBRAM 1#3 ENTREVISTA – BERNARDINHO – UMA DOENÇA A SER EXTIRPADA 1#4 MAÍLSON DA NÓBREGA – INSTITUIÇÕES POR TRÁS DA OPERAÇÃO LAVA-JATO 1#5 LEITOR 1#6 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM A SEXTA EXTINÇÃO Em todo o mundo, 41% dos anfíbios, 26% dos mamíferos e 13% dos pássaros estão ameaçados de extinção. Os números, publicados na revista Nature, revelam que as taxas de extinção das espécies podem chegar a 0,7% ao ano, uma porcentagem 100 vezes maior que a registrada antes da era moderna. "Esse processo tem consequàªncias para nós. Ele pode estar por trás de epidemias, por exemplo. Mas não estamos falando de extinções-relâmpago, ou seja, podemos agir para mudar essa história", diz o pesquisador português Henrique Miguel Pereira, autoridade mundial no tema. Ao site de VEJA, cientistas explicam como as taxas se tornaram tão críticas e as maneiras de reverter o cenário. FLORES DE NATAL O programa em vídeo O Jardineiro Casual mostra como a poinsétia - planta nativa do México - se tornou um clássico da decoração natalina. Sua folhagem vermelha atinge o máximo da beleza durante o inverno do Hemisfério Norte. No Brasil, o arbusto também floresce no período de frio, em junho, mas os produtores desenvolveram uma técnica para garantir que as folhas vermelhas apareçam em dezembro. CINEMA-ALELUIA Neste ano, a superprodução Noé causou indignação de muitos por não ser fiel à narrativa bíblica. Nesta semana, estreia outro filme que poderá ser visto com olho torto pelo público cristão. É Êxodo - Deuses e Reis, de Ridley Scott, que faz uma leitura livre da história dos judeus que deixam o Egito guiados por Moisés. Reportagem do site de VEJA aponta um fenômeno oposto. São os chamados filmes de fé, feitos com orçamento baixo, distribuição forte no circuito de home vídeo e internet - e apego estrito às palavras da Bíblia. O RISCO DE BACHELET 2.0 Há pelo menos quatro décadas a economia chilena vem se beneficiando do modelo liberal que a tornou a mais competitiva da América Latina. As virtudes desse modelo pareciam ser consenso entre políticos de todos os matizes ideológicos, e a socialista Michelle Bachelet nada fez para alterá-lo quando ocupou a Presidência do Chile pela primeira vez, entre 2006 e 2010. No entanto, reeleita para mais um mandato, Michelle dá sinais de querer abandonar a receita vencedora. Reportagem do site de VEJA explica por que essa guinada pode levar a um grande retrocesso. 1#2 CARTA AO LEITOR – POR QUEM OS SINOS DOBRAM Uma reportagem desta edição de VEJA relata o bárbaro ato de terror que ceifou a vida de 132 crianças e adolescentes de uma escola no Paquistão. Há duas maneiras de lidar racional e emocionalmente com esses fatos que, querendo ou não, nos chegam com toda a sua crueza pelo rádio, pela televisão, pelas revistas e jornais. A primeira é considerar esse ataque insano dos terroristas do Talibã como mais uma notícia trágica vinda de um país distante e estranho onde grupos rivais se dilaceram há séculos por razões obscuras em torno de causas sem solução. A segunda maneira é compartilhar o desespero daquelas mães enterrando suas crianças, tentar entender o que fez a violência atingir o grau da loucura e o que pode ser feito para que de algum modo se ponha um fim aos massacres de inocentes. A moral civilizada e a consciência cristã nos impulsionam a encarar esses eventos da segunda maneira. Estamos às vésperas do Natal, data em que a cristandade comemora o nascimento de Jesus, o profeta da tolerância e do amor ao prà³ximo. Há poucos dias, as mesmas fontes que nos trouxeram a notà­cia de mais um ataque terrorista contra crianças nos deram conta do discurso da menina Malala Yousafzai ao receber o Prêmio Nobel da Paz, que ela ganhou neste ano junto com o indiano Kailash Satyarthi. Malala foi alvo das mesmas forças obscurantistas que atacaram a escola nesta semana. Ela se tornou símbolo da luta pelo direito de estudar sem que isso desperte a ira assassina dos terroristas islâmicos. Disse Malala: "Não importam a cor de sua pele, a língua que você fala, a religião que segue. O que importa é que nos tratemos todos como seres humanos". A mais nobre faceta da natureza humana, a consciência, nos leva a sofrer quando sabemos que outro ser humano sofre. O poeta inglês do século XVII John Donne capturou isso de modo exuberante. No poema Nenhum Homem É uma Ilha, John Donne escreveu: "A morte de qualquer ser humano me diminui / porque sou parte da humanidade; / portanto, não pergunte por quem os sinos dobram; / eles dobram por você". 1#3 ENTREVISTA – BERNARDINHO – UMA DOENÇA A SER EXTIRPADA O treinador da seleção de vôlei revela ter descoberto um tumor maligno no rim, já extraído, no auge das investigações de roubalheira da confederação, mas diz que não deixarà¡ o cargo, em protesto. ALEXANDRE SALVADOR A onde mais faltava chegar a onda de escândalos de corrupção no Brasil? Ao vôlei, talvez. Chegou. Relatório divulgado pela Controladoria-Geral da União (CGU) revelou o desvio de pelo menos 30 milhões de reais do dinheiro de patrocínio durante a gestão do presidente da Confederação Brasileira de Vôlei, Ary Graà§a, entre 2010 e 2013. Graça, que estava no comando da CBV desde 1997, renunciou ao cargo logo depois de o canal por assinatura ESPN revelar os primeiros desmandos. Os dirigentes ainda tiveram a ousadia de não repassar integralmente prêmios direcionados aos atletas e às comissões técnicas. A única boa notícia depois da eclosão do escândalo foi a decisão do Banco do Brasil, o principal apoiador do vôlei brasileiro, de cancelar o contrato de patrocínio, que era renovado sem interrupções desde 1991. Houve algum alívio também com a reação indignada dos jogadores da Superliga brasileira, que entraram em quadra com nariz vermelho de palhaço e faixa de luto nos braços. Ninguém melhor do que Bernardo Rezende, de 55 anos, o Bernardinho, treinador da seleção masculina e da equipe feminina da Unilever, dono de seis medalhas olímpicas, para cutucar as feridas do escândalo da CBV. Bernardinho recebeu VEJA no escritório de advocacia de seu pai (atuante, aos 84 anos), no Rio. Só diminuiu o ritmo da fala acelerada uma única vez em duas horas de conversa: quando o assunto foi sua saúde, supostamente abalada pelos recentes dissabores. O senhor também se sente um palhaço? Eu me sinto traído, isso sim. As pessoas dizem que estou por trás dessas acusações. Não estou por trás de nada. Primeiro, porque, se tiver de fazer algo, faço pela frente. Muito mais que revoltado, hoje estou triste. Por quê? O vôlei é um esporte lindo. Dediquei boa parte da minha vida a uma causa e, com base em todas essas evidências de corrupção, posso dizer que algumas pessoas se beneficiaram de um trabalho honesto. Quem são essas pessoas? É um grupo, não foi apenas o Ary Graça. Mas em 2012, quando soube que ele estava pleiteando a candidatura à presidência da Federação Internacional, fui ao seu gabinete pela primeira vez e disse: "Doutor Ary, o senhor hoje dirige a maior confederação esportiva do país fora o futebol. Quebre esse sistema de poder, profissionalize esse sistema". Ele dirigia uma "empresa" com 100 milhões de reais anuais de faturamento e tinha muito que fazer ainda no esporte brasileiro. Ele não me deu ouvidos. O senhor sabia de algo, ou tinha desconfiança de que, ao mesmo tempo em que as seleções subiam ao pódio, havia roubo? Foi só em outubro de 2013 que eu soube de um problema que tinha acontecido em Volta Redonda. A equipe da cidade havia sido impedida de disputar a Superliga. Existe uma norma segundo a qual o time que estiver inadimplente não pode participar do campeonato, e era esse o caso. Ao que consta, houve uma chantagem por parte dos dirigentes do Volta Redonda. Se fosse vetada a participação deles na competição, tornariam pàºblico uma operação irregular realizada junto com os dirigentes da CBV. Pensei: "Não é possível que vão ceder a uma chantagem dessa natureza". E o que o senhor fez? Voltei a Saquarema, a sede da confederação, e comuniquei a minha insatisfação: "Eu sei disto aqui e, se vocês não consertarem, amanhã sou demissionário e vou dizer por que estou saindo". Aquilo me fez muito mal, apesar de garantirem que estavam cancelando os contratos sob suspeita. Não sabia se iria ao Japão para disputar a Copa dos Campeões. Acabei viajando, mas visivelmente triste, incomodado. Não queria representar aquelas pessoas. O senhor acha justo que Ary Graça continue ocupando o posto de presidente da Federação Internacional? Em se comprovando as denúncias, quem estiver vinculado aos malfeitos, aos desvios, às formas erradas de gerenciamento não pode continuar a atuar como dirigente. E que se cumpra a legislação existente.À quase certeza da impunidade é o que, em minha opinião, gera tudo isso, toda a corrupção. Não é vergonhoso ver o dinheiro de prêmios aos atletas surrupiado? Os dirigentes do voleibol afastaram o esporte da sua essência, de valores como trabalho em equipe e disciplina. Acabou virando um balcão de negócios. Isso fere muito, e os jovens estão feridos. Numa época, em 2007, cheguei a brigar com os jogadores. Antes do Pan do Rio de Janeiro eles queriam uma premiação que não havia sido estipulada. Achei que não era correto e defendi a instituição, imaginando que realmente não houvesse como atender. Hoje eu peço desculpas publicamente porque fui enganado. Havia dinheiro, sim. O Murilo (Endres, atleta da seleção) também disse ter se sentido traído por ter "dado joelhos, ombros e tornozelos" ao vôlei brasileiro... Pois é, senti que dei minha saúde. Ainda não sei que desdobramento vai ter, mas faço aqui uma revelação. Cheguei do Mundial na Polônia e num exame de rotina descobri um tumor no rim direito. Nele havia células malignas. Extirpei o tumor e estou aparentemente bem. A cirurgia completou três meses. Fico ruminando essa história, porque há um ano e dez meses não tinha problema de saúde. Mas a irresponsabilidade vai te maltratando e maltratando. O médico do Hospital Sírio-Libanês que me atendeu disse assim: "O que tirei do seu corpo é uma metáfora do que deve ser extraído do país". A sensação que tenho hoje é essa mesmo: tudo o que está acontecendo com o vôlei é uma pequena célula doente de um organismo. Pode haver mais. Deu vontade de abandonar tudo? É claro. E por que não abandonou? Pelos rapazes, pelos atletas. Ao contrário do que muitos dizem, nà£o tenho essa relação patológica com o poder. Se pudesse ficar só com a equipe feminina da Unilever, ficaria. Não vou deixá-los agora, pela relação de cumplicidade. O escândalo da CBV é surpreendente? Não. No Brasil, em quase todos os setores, o sistema de poder precisa ser mais transparente. As pessoas precisam ser profissionais, dignamente remuneradas. Há muitos anos, ouvi uma coisa do meu pai que é a base de tudo para mim. Ele teve um professor, San Tiago Dantas, um dos maiores juristas que este país já conheceu. Um dia ele chegou para dar aula e disse que o tema seria civismo. Ele dizia que a base de tudo, a essàªncia, é o saber. O saber pode te levar ao ter. O saber pode te levar ao poder. Não é desejável que o ter leve ao poder. Mas à© inadmissível que o poder te leve ao ter. E meu pai continua me repetindo essa aula aos 84 anos. Não existe nada mais atual que a lià§ão do San Tiago Dantas. Em um de seus livros, o senhor faz referência a uma frase que ouviu de Marcel Telles (um dos sócios da Ambev): "Os líderes são os guardiões dos valores de suas instituições". O Brasil passa por uma crise de liderança? Nós precisamos de integridade na liderança. O líder não permite transgressões. E aqui nós vivemos no país das transgressões. O que é a educação? Educar é transmitir valores. Na ausência de uma liderança, quem é que instaura os valores em uma sociedade? O traficante, o bandido. Aqui a transgressà£o começa claramente. As pessoas não respeitam um sinal vermelho no trânsito. Se não houver um pacto no sentido de as pessoas entenderem que isso é errado, não há solução. E eu falo em liderança nos mais diversos níveis — na pequena comunidade, na sua igreja, na sua família. Se as pessoas não inspiram confiança em suas lideranças, como cobrar delas valores? Essa é a maior crise do país. Falta ética aos nossos líderes? Estamos no pior momento da nossa história em termos éticos, com todos esses "ões": mensalões, petrolões. Mas vou no clichàª: toda crise é uma grande oportunidade. Acho que é a hora da mudança efetiva, o Brasil tem de dar um basta. É a hora de as pessoas não aceitarem, não se calarem. Para que a gente acabe absolutamente com esse sentimento de impunidade, de vale-tudo, de que os fins sempre justificam os meios. Seu nome chegou a ser citado como candidato a governador do Rio, pelo PSDB. Por que desistiu? Não me sentia totalmente capaz. Embora até hoje as pessoas me cobrem na rua por eu não ter me candidatado. E, depois, acho que é preciso certo dom para isso. E não sou um ser muito político. Se alguém morrer na porta de um hospital, vou me sentir pessoalmente responsável por isso. Isso, na minha cabeça ingênua, não pode acontecer. Iria ficar realmente mal, iria lá. Só que não se pode fazer isso com milhões de pessoas. Outra razão que me fez refutar a campanha política foi ter lido o livro do Antônio Ermírio de Moraes, uma pessoa admirável. Tinha um carinho enorme por ele. No livro ele relata sua experiência na política, e pensei comigo: "Como é que euzinho posso querer ter a capacidade de enfrentar esse monstro se esse super-homem não conseguiu?". O senhor não vai treinar times de vôlei eternamente. No futuro, quando parar, política não é um caminho? Quando o Aécio passou para o segundo turno, levantou-se a possibilidade de eu chefiar o Ministério do Esporte. Acho que participar de uma equipe, seja ela da natureza que for, prover alguma coisa em prol do esporte e da educação, é uma coisa que me atrai muito, porque é o que tento fazer atualmente. Houve uma pressão grande para que eu aceitasse. Seria difícil dizer não. Mas, quando chego em casa, a Fernanda (Venturini, ex-jogadora de vôlei) me pergunta se não vou viajar com a família. Eles me cobram, começa a me doer um pouco mais. E o susto que tomei há três meses me fez pensar: "Caramba, minha vida pode ser interrompida". Não que eu me arrependa das minhas escolhas, fiz aquilo que meu coração mandou. Mas me dói um pouco também. Vou de lá pra cá, mas e minha família? E minha vida um pouquinho? É muito trabalho, muita solicitação. Eu me doo tanto para os outros, me aperta o coração quando paro e penso nos meus. Mas quero deixar claro que não sou salvador da pátria, não sou nada disso. Sou apenas um profissional, e quero fazer as coisas da melhor maneira possível. Vou continuar lutando. O Brasil ainda tem o melhor vôlei do mundo? Neste ano, o de maior contestação, o Brasil foi vice-campeão do Campeonato e da Liga Mundial no masculino. O feminino, idem, também foi bem. Ou seja, apesar de toda a crise, o trabalho feito dentro de quadra é forte. Existe uma base organizacional, mas ela começou a ser corroída. O que esperar da Olimpíada do Rio dentro das quadras? Esse é meu maior medo. Fizemos uma reunião no Comitê Olà­mpico Brasileiro com muitos treinadores, de diversas equipes, sobre como blindar nossos atletas de questões externas. É uma perda de foco. Nós temos uma missão extremamente difícil, que é conquistar a medalha olímpica dentro de casa. Pelo equilíbrio de forças que existe no âmbito mundial, já seria difícil. Com elementos que possibilitam ansiedade, a tarefa se torna hercúlea. E fora delas? O senhor está otimista? Digamos que não estou totalmente pessimista. Espero que as promessas se concretizem, em termos de mobilidade urbana, infraestrutura, um legado verdadeiro. E que a lição do Pan de 2007 esteja servindo de exemplo. Pelo que pude ver, teremos estruturas temporárias. Se Londres usou esse tipo de alternativa, vamos ter a pretensão de fazer diferente? Mas há desafios, como a Baía de Guanabara. Fico preocupado com o pessoal do Torben Grael e com o Robert Scheidt. Imagine se eles encalham em um lixo qualquer. Seria um desastre. Enfim, torço para que as autoridades envolvidas tenham muito cuidado no uso do dinheiro público. 1#4 MAÍLSON DA NÓBREGA – INSTITUIÇÕES POR TRàS DA OPERAÇÃO LAVA-JATO A Operação Lava-Jato, que tem desvendado o maior escândalo de corrupção do Brasil, envolvendo a Petrobras, dificilmente ocorreria sem as instituições criadas a partir dos anos 1990, as quais ampliaram as chances de detectar e investigar o caso, cuja fase final — a punição exemplar — parece assegurada. Como tenho afirmado, o Brasil construiu instituições sólidas que contribuem para fortalecer a democracia — em si própria parte do sistema — e o desenvolvimento, além de inibir a ação inconsequente ou criminosa dos governantes. Elas não garantem a escolha dos melhores líderes, mas contribuem para a alternà¢ncia no poder, barrando a continuidade de administrações incompetentes. Instituições, como assinala Douglass North, são as regras do jogo, formais e informais. No campo econômico, preservam o direito de propriedade, o respeito aos contratos, a previsibilidade do setor público e a qualidade das normas. Incluem-se entre elas a imprensa, os mercados e as crenças da sociedade. De natureza civilizatória, as instituições criam incentivos para que pessoas e empresas assumam riscos, invistam e inovem, condições essenciais para o crescimento e o bem-estar. No Brasil, costuma-se restringir as instituições às organizações formais do Estado: o Congresso, os partidos políticos, o Executivo, o Judiciário e órgãos e entidades da administração pública. São instituições estáticas. Há também as que emanam de um processo dinâmico e incremental, decorrente do aprendizado haurido de situações novas e do cotidiano dos assuntos a cargo do setor público. Três novas instituições explicam o êxito da Operação Lava-Jato: as normas sobre lavagem de dinheiro, a introduà§ão da delação premiada no nosso direito e o surgimento da crença de que poderosos podem ir para a cadeia. Essa última muito deve à atuação do ministro Joaquim Barbosa, do STF, no julgamento do mensalão. A Polícia Federal, o Ministério Público e o juiz Sérgio Moro também são fundamentais no processo. As normas sobre lavagem de dinheiro (Lei nº 9613/98) nasceram da adesão do Brasil à Convenção de Viena (1988). Esse acordo foi a resposta da comunidade internacional à facilidade que a globalização financeira e a evolução das tecnologias de informação e comunicação tinham criado para "legalizar" transações ilícitas resultantes da corrupção, da sonegação fiscal, do tráfico de drogas e do terrorismo. Assim surgiu o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que recebe milhares de informações diárias de instituições financeiras — incluindo operações com moeda estrangeira —, bem como do mercado de capitais, de seguradoras, da previdência privada, de cartões de crédito e de corretores de imóveis. Especialistas em inteligência analisam operações atípicas e informam os órgãos de investigação. A Lava-Jato se originou da detecção de operações do tipo em um posto de gasolina em Brasília. Daí o seu nome. A delação premiada adveio da Lei nº 8072/90, pela qual é possível reduzir a pena do acusado que entregar seus cúmplices. Embora moralmente criticável, esse instrumento tem sido útil para descobrir quadrilhas e coibir a continuidade do crime organizado em muitos países. As investigações da Lava-Jato dificilmente teriam avançado sem as revelações de ex-diretor da Petrobras e de outros servidores da empresa, do doleiro que lavava o dinheiro da corrupção e de corruptores. O efeito do julgamento do mensalão foi assentar a percepçà£o de risco para os infratores descobertos pela Operação Lava-Jato. A probabilidade de eles serem condenados a penas superiores a quarenta anos constituiu forte incentivo à delação premiada. Além das prisões já feitas, noticia-se que estão implicados muitos políticos. Tendem a ser enormes, pois, as consequàªncias das investigações, as quais podem se abater de forma devastadora sobre tais agentes e seus apadrinhados na Petrobras. Definitivamente, temos mecanismos para descobrir a prática de quaisquer crimes de peculato e corrupção. Ao longo do tempo, eles contribuirão para melhorar a gestão pública e barrar a ação dos que não honram mandatos ou os cargos que ocupam no Congresso e no governo. Comemoremos. MAÍLSON DA NÓBREGA é economista 1#5 LEITOR ESCÂNDALO DA PETROBRAS VEJA continua cumprindo seu papel de informar, denunciar e acompanhar o andamento das denúncias. Muitas coisas nos surpreendem a cada dia no mundo do crime, mas ouvir falar de "delivery de propina" é a primeira vez ("Propina em domicílio", 17 de dezembro). O que mais me intriga é a falta de medidas enérgicas desse governo, vindo desde a era Lula, o que me leva a crer que todos, sem distinção, estão envolvidos até os cabelos ou, quando menos, sabendo que a coisa está a todo o vapor, inclusive o "delivery da propina". E... onde está a nossa indignação? ROMÁRIO VARGAS Vitória, ES Mais uma vez, VEJA nos detalha os movimentos da corrupção e da lama instaladas nos vários setores do Brasil. Tristes notícias, realidades cruéis! Sim, estamos sabendo da verdade que nos deixa desconfortáveis perante tudo e todos. E agora, quem fará as devidas mudanças? Por onde iniciar a limpeza? VIRGÍNIA BUED TEIXEIRA DA SILVEIRA Florianópolis, SC O petrolão não para de me assombrar a cada aprofundamento das investigações. Ah, se todo o Brasil lesse a revista que leio. Com a reportagem "Propina em domicílio", percebo que, por mais que tenha noção de números, valores e matemática, esse conhecimento quantitativo que possuo é insuficiente para entender quanto de dinheiro apenas o escândalo da Petrobras desviou e a quantidade de políticos comprometidos (registro que ainda faltam ser consideradas as demais empresas públicas e sociedades de economia mista). Deveras vivemos num país rico, com a maioria do povo pobre, na miséria social e intelectual. O Brasil ainda tem jeito? ANTÔNIO SOARES DA SILVA NETO Belém (PA), via tablet Estarrecedoras a tranquilidade e a postura demonstradas pela atual presidente do Brasil e por seu antecessor diante do quadro apocalíptico que estamos vivendo. A sensação que dá é que o Brasil e sua população são marionetes nas mãos de seus donos. Por muito menos, reis já perderam a majestade, e investidores foram condenados à prisão perpétua. Estamos tendo um pesadelo? Estamos ficando loucos e nos transformando em alienados subjugados e covardes? Não aguentamos mais. Temos de fazer alguma coisa. Nosso país está sendo tirado de nós sem a nossa permissão. Brasil, pátria amada, salve, salve! SERGIO LÚCIO DE FREITAS REZENDE Uberlândia, MG Só nos resta ser espectadores da transição que tornará o Brasil uma Venezuela. É deprimente pensar que 2015 será mais um ano de corrupção, roubalheira, agora declarada, escancarada... CARLA DE CARLI Bagé (RS), via tablet No Brasil, em determinadas situações, tudo acaba em 'pizza'. Agora, VEJA informa sobre ,o 'disque-propina'... É o fim do mundo! RUVIN BER JOSÉ SINGAL São Paulo, SP CARTA AO LEITOR Excelente a Carta ao Leitor "Tortura nunca mais" (17 de dezembro). Fiquei emocionado ao ler sobre uma fórmula, ratificada 2000 anos atrás, pela qual se prega o perdão para se ter paz. O Oriente Médio, com um povo inteligente, ainda não aprendeu isso. ELSON FERRI Joinville (SC), via tablet COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE A Comissão Nacional da Verdade (CNV) fez um trabalho de qualidade duvidosa ao analisar somente as versões de um único lado. Propor a revisão da Lei da Anistia nos dias atuais é absolutamente fora de contexto ("Meia verdade e meio perdão?", 17 de dezembro). Se essa lei não tivesse sido criada à sua época, provavelmente as décadas seguintes teriam sido de retaliações de ambas as partes, com consequências nefastas; e esse foi o seu propósito — apaziguar os ânimos. O fato de a Convenção Americana de Direitos Humanos pressionar para que essa revisão seja feita não deveria incomodar a nossa "diplomacia anã" — segundo qualificou um representante de Israel neste ano —, diplomacia essa já tão esculhambada pelos bolivarianos de plantão. NEWTON CABRAL DE ALBUQUERQUE Uruguaiana, RS A Comissão da Verdade produziu um amontoado de idiotices (desculpem, não existe outro termo para o fato de ter relacionado Castello Branco como torturador) que não resistem à mínima lógica. Suas conclusões são parciais e revanchistas. O fato que vou contar, apesar de não ter tido a autorização do outro protagonista, pelo seu caráter tenho certeza de que ele nada teria a opor. Tive a oportunidade de compor tripulação na rede postal noturna com o engenheiro de voo filho do capitão Lamarca. Um profissional muito bom. Em um dos pernoites, durante uma conversa, ele me perguntou o que eu achava de seu pai. Respondi-lhe que um dia a história iria julgar seu pai pela morte do tenente PM Alberto Mendes Júnior a coronhadas. Ele então me disse que havia sugerido a sua família pedir desculpas à famà­lia do tenente, mas fora voto vencido. Disse-lhe que lamentava não o terem feito, o que teria sido muito importante para a reconciliaçà£o e a consolidação da Lei da Anistia. Esses são fatos que uma comissão em busca da verdade, e não de reescrever a histà³ria pela ótica da ideologia comunista, deveria pesquisar. Quem tem Lula como mentor, porém, não consegue entender isso. MARCELO HECKSHER Coronel-aviador (reformado) Brasília, DF J.R. GUZZO Ao dissecar o desmanche moral do desgoverno Dilma, J.R. Guzzo demonstra com exuberância todo o seu talento e, mais do que isso, o seu compromisso com a verdade ("Em viés de baixa", 17 de dezembro). Lula, Dilma e o PT institucionalizaram a corrupção no Brasil, na medida em que varreram do mapa os valores morais da honra, da ética e da decência. Tenho nojo de viver no Brasil, mas um artigo como esse de J.R. Guzzo me dá alguma sobrevida. ALBERTO KAEMMERER Porto Alegre, RS LYA LUFT Eu não tenho preço! O brilhante artigo de Lya ("Nós, os que estamos perplexos", 17 de dezembro) nos faz refletir e confirmar nossa esperança nas pessoas de bem. Confiança, apareça mais! RITA ANGELO Belo Horizonte (MG), via tablet MARCO BOBBIO Em resposta às cartas que chegaram comentando a minha entrevista nas Páginas Amarelas de VEJA ("Moderação e serenidade", 3 de dezembro), gostaria brevemente de poder esclarecer alguns possíveis mal-entendidos. Trabalhei nos últimos quarenta anos como cardiologista e sei que o progresso na área de medicina foi alcançado graças aos medicamentos, às próteses e aos dispositivos estudados pelos médicos e desenvolvidos pela indústria. Em muitas circunstâncias, esses tratamentos são essenciais para a cura de pacientes. Por outro lado, pude ver que muitas vezes são utilizados tratamentos de eficácia não comprovada, prescritos medicamentos inapropriadamente e iniciados programas de prevenção sem necessidade. Tudo isso está bem documentado em meu livro O Doente Imaginado, com referências precisas de pesquisas científicas. Acredito que seja necessário garantir os cuidados essenciais e aplicar projetos sérios de prevenção a toda a população. Mas, ao mesmo tempo, acredito que é hora de refletir sobre os excessos de cuidados e os danos que eles podem causar. O médico deve ser capaz de intervir prontamente e em nome do paciente em condições agudas, mas, em muitos casos, deveria saber dar um passo para trás, utilizando uma medicina que não seja autoritária, mas sóbria, respeitosa e justa. MARCO BOBEIO Cardiologista italiano e autor do livro O Doente Imaginado Turim, Itália ARTIGOS CIENTÍFICOS DE SEGUNDA Classificar as revistas open access como de baixa qualidade ("Artigos de segunda", 10 de dezembro) é uma falácia. Nas áreas biológicas, as revistas de acesso livre vêm ocupando posição relevante. Há exemplos de editoras de periódicos de altíssima qualidade na área da química que possibilitam aos autores pagar para permitir que qualquer pessoa tenha acesso irrestrito aos seus artigos através da web. Não se pode desconhecer que o valor de um artigo científico reside mais no seu conteúdo do que no veículo de sua divulgação. LUIZ F. SILVA JR. Secretário-geral da Sociedade Brasileira de Química São Pauto, SP Parabenizo VEJA, que leio sempre em busca da verdade. Sou cirurgião-chefe da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação e é minha responsabilidade treinar jovens. Há tempos venho pregando exatamente as mesmas ideias, para que eles não sejam contaminados pelo festival de besteiras fatiadas para fazer maior volume — "salami science" —, que são publicadas com o objetivo de satisfazer o ego de medà­ocres — quanto mais artigos, mais prestígio —, independentemente do valor. Falo com a autoridade de uma instituição que teve artigos publicados em revistas científicas internacionais, inclusive na Science (3 de dezembro de 2010, 1359-1364; e on-line: 11 de novembro de 2010). ALOYSIO CAMPOS DA PAZ JÚNIOR Brasília, DF PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação. VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP: Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderà£o ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até a quarta-feira de cada semana. 1#6 BLOGOSFERA EDITADO POR KATIA PERIN kperin@abril.com.br COLUNA REINALDO AZEVEDO PETROBRAS Graça Foster escarnece dos fatos e Dilma Rousseff escarnece da razà£o. Em seis anos, o valor de mercado da Petrobras foi reduzido a quase um sexto: de 737 bilhões de reais em 2008 para 135 bilhões de reais agora — e sua dívida é de 330 bilhões de reais. Ou seja: quebrou! É a incompetência alimentando a roubalheira, e a roubalheira alimentando a incompetência. www.veja.com/reinaldoazevedo QUANTO DRAMA! PATRÍCIA VILLALBA IMPÉRIO Império mostra que Aguinaldo Silva pode até sair do realismo mà¡gico, mas o realismo mágico não sai dele. A novela está fincando os pés no absurdo aos poucos, e isso começou muito antes de Cora mudar de cara. www.veja.com/quantodrama VEJA MERCADOS GERALDO SAMOR O DÓLAR É FRIBOI A JBS, o império da carne, atravessou as eras Lula e Dilma com a fama de empresa amiga do governo. Agora que os erros da política econômica do PT tangeram a vaca para o brejo e fizeram o dólar disparar, a empresa vai ser uma das beneficiadas pela alta da moeda americana. Em mà©dia, 84% de seu faturamento é em dólares. www.veja.com/vejamercados O CAÇADOR DE MITOS A MOTIVAÇÃO DOS HOMENS-BOMBA O psicólogo israelense Ariel Merari liderou o primeiro grupo de estudiosos com acesso a terroristas palestinos que tiveram o ataque suicida frustrado — ou porque o equipamento não funcionou ou porque foram presos antes de explodir. Por meio de testes psicológicos e longas entrevistas, ele chegou a duas surpresas. Primeira: a religião não é a principal motivação dos homens-bomba. Segunda: os homens-bomba não buscam vingança. Os testes conduzidos pelo psicólogo mostraram que 60% dos terroristas suicidas tinham transtornos de personalidade dependente ou esquiva. É o perfil de quem tem pouca autoconfiança, timidez exagerada, dificuldade em tomar decisões, hipersensibilidade a culpa, necessidade extrema de aprovação dos outros, medo de rejeição e de expressar desacordo e disposição para realizar tarefas só para agradar aos demais. www.veja.com/cacadordemitos NOVA TEMPORADA DOWNTON ABBEY Os fãs brasileiros de Dawnton Abbey não precisarão esperar até abril para conferir a quinta temporada da série. O canal GNT antecipou a estreia dos novos episódios para 10 de janeiro, às 22h30, cerca de uma semana depois da estreia nos EUA. No Reino Unido, onde a série é produzida, a quinta temporada foi exibida entre setembro e novembro, com um especial natalino que será apresentado em 25 de dezembro. Somando-se o especial, a temporada tem um total de nove episódios produzidos, com a participação dos atores George Clooney e Joanna Lumley. www.veja.com.br/temporada SOBRE IMAGENS MARTIN CHAMBI A exposição Face Andina, no Instituto Moreira Salles, mostra uma pequena parte do trabalho do fotógrafo peruano Martin Chambi, pioneiro na documentação do povo peruano e um dos primeiros a fotografar Machu Picchu. Chambi foi assistente do famoso fotógrafo peruano Max T. Vargas (1874-1959) até abrir o seu próprio estúdio em Arequipa. De origem indígena, ele documentou as populações andinas sem maneirismos. Seu trabalho, rico esteticamente, extrapola o artístico e é também reconhecido como fonte etnográfica e antropológica. Sua obra só teve reconhecimento mundial no fim dos anos 70. Desde então, grandes exposições e livros tentam entender a obra de Chambi. www.veja.com/sobreimagens * Esta página é editada a partir dos textos publicados por blogueiros e colunistas de VEJA.com ___________________________________________ 2# PANORAMA 24.12.14 2#1 IMAGEM DA SEMANA – FAMÍLIA É TUDO 2#2 DATAS 2#3 CONVERSA COM ALEX HANAZAKI – É PRECISO CULTIVAR NOSSOS JARDINS 2#4 NÚMEROS 2#5 SOBEDESCE 2#6 RADAR 2#7 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – FAMÍLIA É TUDO Mulher libera e outro Bush mira a Casa Branca • Quando se pensa que mais um membro da dinastia Bush quer ser presidente dos Estados Unidos, a reação mais natural é achar que a família pesou na decisão. No caso de Jeb Bush, a pessoa do clã que mais o influenciou foi a mulher, Columba, a mexicana que conheceu quando fazia intercâmbio — "Vi o rosto dela e me apaixonei. E, nos últimos quarenta anos, tem sido uma alegria", já disse ele, provavelmente faturando por antecipação alguns votinhos de esposas de longa data. A aprovação algo relutante da mulher foi decisiva para que Jeb anunciasse na semana passada que está tomando as medidas "exploratórias" para disputar a candidatura presidencial, passo do balé político americano que significa basicamente avaliar o tamanho das doações. Columba apareceu pouco nas duas vezes em que o marido foi governador da Flórida, e, quando o fez, foi pelos motivos errados. Flagrada chegando de Paris com compras acima do limite da declaraà§ão, disse ter sentido "a pior coisa da minha vida". Depois, a filha Noelle foi presa por drogas e o caçula, John Ellis, por bebedeira de bar. Por causa da mulher, Jeb Bush se converteu ao catolicismo, passou a apoiar uma solução para os imigrantes clandestinos e adotou um tom moderado que o faz impopular junto às bases do Partido Republicano. Se vencer essa resistência interna e, depois, conquistar o eleitorado em geral, deverá mais a ela do que ao pai ou ao irmão. VILMA GRYZINSKI 2#2 DATAS * MORRERAM Phil Stern, fotógrafo americano que registrou tanto os horrores da II Guerra como a rotina de celebridades de Hollywood — Marilyn Monroe, James Dean e Marlon Brando, por exemplo. Nascido em Filadélfia, começou sua carreira trabalhando em um laboratório de fotogravura (de dia) e no tabloide The Police Gazette (à noite). Durante o conflito mundial, alistou-se como cinegrafista combatente, aluando na Itália e no norte da África, onde acompanhou o batalhão conhecido como Darby's Rangers (retratado no filme Aqui Só Cabem os Bravos, de 1958). Acabou ferido na Tunísia e foi condecorado por sua participação na guerra. Em 1961, registrou, como fotógrafo oficial, a festa de posse do presidente John F. Kennedy. Com imagens publicadas em revistas do porte de Life e Vanity Fair, Stern também apontou suas câmeras para sessões de gravação de discos, fotografando gigantes como Louis Armstrong, Ella Fitzgerald, Billie Holiday e Frank Sinatra. Em 2001, doou sua coleção de fotos hollywoodianas à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Dia 13, aos 95 anos, de insuficiàªncia cardíaca e enfisema, em Los Angeles. Virna Lisi, atriz conhecida como "a Marilyn italiana", Nascida em Ancona, na Itália, começou a carreira na adolescência e atuou ao lado de grandes astros, como Marcello Mastroianni, Alain Delon, Richard Burton e Frank Sinatra. Virna só recebeu um grande prêmio em 1994, em Cannes, pelo papel de Catarina de Médicis em A Rainha Margot, dirigido por Patrice Chéreau. Fez seu último papel no cinema em O Mais Belo Dia da Minha Vida (2002), de Cristina Comencini, e continuava trabalhando na TV. Dia 18, aos 78 anos, de causa não divulgada, em Roma. David Garth, consultor político americano notabilizado por ajudar a eleger quatro prefeitos de Nova York — Rudolph Giuliani e Michael Bloomberg entre eles —, governadores e senadores. Também trabalhou para Menachem Begin, que foi primeiro-ministro de Israel. Democrata liberal, apesar de haver colaborado com republicanos, David Lawrence Goldberg — esse era o seu verdadeiro nome — nasceu em Crown Heights, no Brooklyn. Especializado em psicologia de massa, ganhou fama ao tornar vitoriosos candidatos desconhecidos. Sua primeira campanha na TV foi a de John Lindsay, que assumiria a prefeitura nova-iorquina em 1966. Garth serviu de modelo para o marqueteiro do filme O Candidato (1972), de Robert Redford. O diretor queria vê-lo interpretando a si mesmo. Com a recusa, o papel coube a Allen Garfield. Dia 15, aos 84 anos, em Nova York. * QUA|17|12|2014 ANUNCIADO o nome da reverenda britânica Libby Lane como a primeira mulher a ocupar oficialmente o cargo de bispo na Igreja Anglicana da Inglaterra. Aos 48 anos, ela exercerá a função na diocese de Stockport. A decisão encerra quase 500 anos de primazia masculina no posto. A nomeaà§ão representa uma tentativa de modernizar a imagem da instituià§ão, atraindo assim fiéis mais jovens — a média de idade dos 80 milhões de anglicanos espalhados no mundo é de 60 anos. Isso porque existe o temor de que, se não rejuvenescer, a Igreja Anglicana se tornará inexpressiva em duas décadas. Ao mesmo tempo, se desagradar aos seguidores atuais, de perfil conservador, o risco à© semelhante. Nos anos 1990, quando aprovou a ordenação de mulheres como padres, o anglicanismo perdeu fiéis para o catolicismo. 2#3 CONVERSA COM ALEX HANAZAKI – É PRECISO CULTIVAR NOSSOS JARDINS Moderno e inspirador, racional e dramático, tudo isso fez com que um projeto do paisagista paulista fosse eleito o mais belo do ano, em todo o mundo, por uma respeitada associação americana do ramo. As escolas inglesa, francesa e japonesa são os três pilares do paisagismo. Qual delas mais o influencia? Gosto da oriental, pela minha ascendência japonesa; da inglesa, pelo modo como cuida das áreas externas; e da francesa, pelo classicismo. Mas tudo isso junto, mais o pilar tropical, é que faz a diferença. Todo jardim embute o desejo de controlar a natureza? Para mim, é o contrário: o que mais quero é copiar a natureza. É possível reconhecer a importância de Burle Marx no paisagismo nacional sem ficar intimidado por sua onipresença? Com uma estética própria, ele expôs a exuberância da mata tropical para o mundo. Qualquer coisa parecida vira cópia. Nossos projetos são diferentes, mesmo utilizando recursos semelhantes. Qual é a assinatura dos seus projetos? Uma visão organizada e limpa dos espaços, que chamo de minimalismo acolhedor. Além disso, escolho plantas novas, que são mais baratas, e espécies nativas, que crescem rápido e exigem menos adubação. Nunca, infelizmente, tive cliente que me deixasse gastar quanto quisesse. Os "jardins marrons" podem se tornar obrigatórios, como na Califórnia? Hoje, temos de pôr a questão ecológica acima da estética. Os jardins secos são importantes. Também faço reúso da água. E escolho mais espécies nativas, que consomem menos à¡gua. Três jardins imperdíveis? O de Monet, em Giverny, e o de Yves Saint Laurent, em Marrakesh, por refletir a alma de seu autor. Como reutilização de espaço público, o High Line Park, em Nova York. Quanto custou o jardim vencedor? Um projeto desses começa em 200.000 reais, e o céu é o limite. 2#4 NÚMEROS 21 graus é até quanto pode subir a temperatura interna de um carro exposto ao sol por uma hora com janelas cerradas, ainda que o calor externo seja de apenas 23 graus, concluíram pesquisadores americanos. 41,7 graus é a temperatura corporal a partir da qual uma criança, dentro de um carro fechado e com o interior superaquecido, passa a correr risco de vida, segundo a agência governamental americana de seguranà§a no trânsito. 15 minutos dentro de um veículo nessas condições são suficientes para causar danos ao cérebro e aos rins de uma criança, de acordo com especialistas de emergências pediátricas. 38 crianças, em média, morrem todos os anos nos Estados Unidos vítimas de superaquecimento em automóveis — 73% delas tàªm até 2 anos de idade. 2#5 SOBEDESCE SOBE HAMAS - O Tribunal de Justiça da União Europeia retirou o grupo da lista de organizações terroristas, alegando que tal status deriva de "relatos da imprensa e da internet", e não de "exames concretos" das ações da facção extremista. GERAÇÃO "NEM NEM" - Os brasileiros de 15 a 29 anos que nem trabalham nem estudam já correspondem a 20,3% dos jovens nessa faixa età¡ria. NOTAS DE CORTE - Elas ficaram mais altas em 35 das 37 carreiras mais disputadas na Fuvest. A pontuação para medicina, por exemplo, subiu para 72. DESCE FRACKING - Nova York tornou-se o segundo estado americano a banir a extração de gás de xisto do subsolo, que causaria danos à qualidade da água e do ar. CIGARRO ELETRÔNICO - Criado para ajudar no combate ao fumo, ele vem sendo usado por jovens não dependentes de cigarro comum, segundo pesquisa da Universidade do Havaí. FICHA LIMPA - O Tribunal Superior Eleitoral autorizou Paulo Maluf a assumir seu mandato de deputado federal em 2015, mesmo condenado por improbidade pelo Tribunal de Justiça. 2#6 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • PETROBRAS A MUDANÇA Ao contrário do que se tem especulado, a demissão de Graça Foster e da diretoria da Petrobras não é tão certa assim. O que o governo decidiu mesmo é mudar o conselho de administraçà£o quase de cabo a rabo. Quer levar para lá executivos e empresà¡rios de alta reputação para trabalharem mais perto da diretoria. E, sobretudo, ter um executivo comprovadamente bem-sucedido na gestà£o de empresas privadas para ser o chairman. EM DESARMONIA Não espanta que a comunicação da Petrobras nestes meses de petrolão seja tão omissa. Há meses, Graça Foster e Wilson Santarosa, o gerente executivo de Comunicação Institucional da estatal, não se falam. • PARTIDOS O CRIADOR DE PARTIDOS Gilberto Kassab determinou na quarta-feira passada que os chefes estaduais do PSD consigam 1 milhão de assinaturas para a criação do PL. Metade disso seria suficiente para a legalização de um partido, mas Kassab não quer repetir o fiasco da Rede de Marina Silva — ainda não viabilizada por ter tido assinaturas canceladas em 2013. O sonho de Kassab é criar um partido encorpado que possa disputar com o PMDB a condição de ser o grande aliado do governo Dilma no Congresso. • GOVERNO UMA BOA IDEIA A pouca articulação de Dilma Rousseff no Congresso acabou cortando pela raiz o envio de uma emenda constitucional que seria tranquilamente aprovada pelos dois terços de votos exigidos pela lei. Dilma queria alterar a data da posse de presidentes da República, governadores e prefeitos de 1º de janeiro para o dia 3. A razão é óbvia: a cerimônia no primeiro dia do ano é um estorvo para a maior parte das pessoas — eleitos e convidados — que mal viraram o ano, além de dificultar a presença de chefes de Estado estrangeiros. Dilma queria mandar a emenda imediatamente após a vitória em 26 de outubro, mas o tempo foi passando e... nada foi feito. NÃO GOSTOU O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, deixa o governo com uma irritação especial. A volta de Nelson Barbosa, ainda mais como ministro, é uma derrota pessoal do mago da contabilidade criativa do primeiro governo Dilma. ENSAIANDO UM DISCURSO Em conversas privadas, Joaquim Levy tem ensaiado um dos discursos que levará ao público em geral - e sobretudo aos petistas resistentes ao necessário rigor fiscal que norteará a política econômica a partir de 2015: "Se a própria presidente diz que o mundo mudou, é claro que o Brasil tem de mudar também, tem de se adaptar" a um tempo menos exuberante na economia, com o preço das commodities em baixa. Em resumo, não há outra saída exceto cortar gastos. Nessas conversas, Levy tem externado também otimismo com o pós-petrolão. Diz ele: "As empresas brasileiras saíram melhores da abertura comercial do início dos anos 90, assim como do fim da inflaçà£o; agora, sairão melhores desse processo todo". • LAVA-JATO COM PRESSA Rodrigo Janot convocou cinco procuradores federais de vários estados ao seu gabinete para uma miniforça-tarefa para acelerar as investigações da Lava-Jato. ELETROLÃO PARA DEPOIS A Procuradoria-Geral da República só começará a investigar encrencas na Eletrobras e em outras estatais depois de terminar o caso Petrobras. Simplesmente não há braços para tanta falcatrua. O LADO BOM DAS COISAS Um dos empreiteiros presos na Operação Lava-Jato não perdeu a capacidade de autoironizar-se. Disse ao seu advogado na semana passada: "Isso aqui é até bom para melhorar minha network...". • JUDICIÁRIO NÃO É PARA AGORA Os petistas já elegeram o seu favorito para ocupar a vaga deixada por Joaquim Barbosa no Supremo. Mas Dilma Rousseff ainda não começou a conversar sobre o tema com seus ministros mais próximos. Não definiu nem o perfil que imagina para o candidato. Só o fará em janeiro. • ECONOMIA ANO RUIM O mercado financeiro já eliminou 2015 do calendário. Agora, à© fazer fé em 2016. POBRE PROFESSOR O fundo de pensão dos professores de Ontario, no Canadá, vendeu na semana passada sua participação na Prumo, a ex-LLX, de Eike Batista, por 22 milhões de reais. Em julho de 2007, o Ontario Teachers teve a péssima ideia de tornar-se sócio da LLX e lá aportar 185 milhões de dólares. Em resumo, os professores canadenses perderam 163 milhões de dólares em sete anos, um prejuízo de 88%. • INFRAESTRUTURA PELA METADE A hidrelétrica de Teles Pires, localizada entre Mato Grosso e o Parà¡, é um colosso. Ficou pronta e, a partir de janeiro, já teria condições de gerar energia equivalente ao consumo do Uruguai. Beleza. Mas — e neste governo tem sempre um "mas" — as linhas de transmissão, sem as quais a energia gerada não chega a lugar algum, só ficam prontas em meados de 2015. Rigorosamente igual ao que aconteceu em Santo Antônio e Jirau, e outras tantas obras Brasil afora. Conclusão: o Brasil está trocando energia limpa e barata pela das termelétricas, poluentes e dispendiosas. • LIVROS ATRÁS DAS GRADES Criado em 2012, o projeto de remição de penas pela leitura, do Ministério da Justiça, já tem sua lista dos cinco livros mais lidos do ano nos presídios federais. Nenhum deles de autoajuda. O campeão é Crime e Castigo, de Dostoievski — parece piada pronta —, seguido de Incidente em Antares (Eriço Veríssimo), Sagarana, Grande Sertão: Veredas (ambos de Guimarães Rosa) e Dom Casmurro (Machado de Assis). Pela portaria em vigor, a cada livro lido, subtraem-se quatro dias da pena. • TELEVISÃO DE OLHO NO FUTURO A Globo comemorará com muito cuidado os seus cinquenta anos em 2015. Não quer parecer apegada ao passado. Nada, portanto, de rechear a programação com um tom nostálgico, que afugenta o telespectador mais jovem. A ideia central da comemoração é falar de futuro o tempo todo. 2#7 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “Ser ministro da Fazenda é como cavalgar touro mecânico. Toda hora tem gente querendo derrubá-lo.†- GUIDO MANTEGA, atual ministro da Fazenda, em O Estado de S. Paulo. “Mesmo num cenário mais difícil, o Brasil tem condições de crescer.†- JOAQUIM LEVY, futuro ministro da Fazenda, em reunião com parlamentares da Comissão Mista do Orçamento. â€œÉ muito difícil. Você não sabe no Brasil como é difícil.†- DILMA ROUSSEFF, presidente da República, referindo-se a formação do ministério ao se despedir da colega argentina Cristina Kirchner na Cúpula do Mercosul. “Entende-se como inverídicos, injustos e equivocados os conceitos contidos no relatório da Comissão Nacional da Verdade a respeito da Justiça Militar da União.†- SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR (STM), em nota contra as conclusões da CNV. “Fui vítima de sórdida condenação a três anos de prisão na Auditoria Militar de São Paulo em 1966, a partir de provas forjadas.†- JOSÉ SERRA, contestando, em carta à  Folha de S.Paulo, a posição do STM, pela qual se concluiria que "não haveria mácula que pesasse sobre a atuação dessa Justiça" no período ditatorial. “Vejo com enorme simpatia que o outro lado também conte sua história.†- JOSÉ PAULO CAVALCANTI, criminalista indicado para a CNV por Dilma Rousseff, ao defender, em O Estado de S. Pauto, a investigação das ações dos grupos armados de oposiçà£o à ditadura. “Preparem-se, 2015 vai ser um ano recheado de Elisa.†- ELISA FERNANDES, saboreando a vitória na primeira edição do reality show MasterChef Brasil, levado ao ar pela Rede Bandeirantes. “Quero ser menos incompleto a cada dia.†- TITE, técnico de futebol, filosofando, durante a coletiva, sobre seu retorno ao comando do time do Corinthians. “Meu plano A é andar.†- LAÍS SOUZA, ex-ginasta, que se acidentou gravemente em janeiro quando se preparava, nos EUA, para os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, na Rússia, em entrevista à imprensa. “Se um cara compartilha sua experiência através de uma composição, ele é corajoso. Se a mulher partilha (...), està¡ falando demais, é superemocional ou louca." - TAYLOR SWIFT, cantora, compositora e instrumentista americana, atacando o que chamou de "sexismo" na conversa com Barbara Walters para o especial As 10 Pessoas Mais Fascinantes de 2014 da ABC News. “Todos os seres humanos sonhamos ser outros, escapar das estreitas fronteiras dentro das quais nossa vida transcorre; por isso e para isso existem as ficções.†- MÁRIO VARGAS LLOSA, escritor peruano, Nobel de Literatura, em seu artigo publicado no jornal espanhol El País e em outros veículos. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto da solidariedade como sinônimo de ser humano e das pessoas que mantêm, no ano inteiro, o "espírito natalino" “Fiz um pouco de bem; é a minha melhor obra.†- VOLTAIRE, escritor e filósofo francês (1694-1778). _____________________________________ 3# BRASIL 24.12.14 A PETROBRAS RESISTIRÁ À TORMENTA A empresa enfrenta um golpe triplo: o uso e abuso político na manipulação de preços, os desvios do petrolão e a desvalorização do petróleo. Seu potencial produtivo, porém, permanece promissor. MARCELO SAKATE A Petrobras é um colosso. Ainda assim, sente as avarias causadas pelo mar revolto. A empresa lida com uma tempestade perfeita. As suas aà§ões não valiam tão pouco desde 2004, depois de terem caído para abaixo de 10 reais na semana passada. No auge, em 2008, cada papel chegou a valer mais de 55 reais. Para os milhares de investidores da empresa, a grande dúvida é: até quanto as ações podem cair? Ou, pior, estaria a estatal condenada a um destino semelhante ao do conglomerado X, de Eike Batista, cujas ações viraram pó? As preocupações se justificam. Não existe sinal no horizonte, neste momento, de que a tormenta se dissipará em breve. Além disso, depois de acumular seguidos anos de perdas com a venda de combustíveis subsidiados e também de ver seus cofres serem saqueados pela quadrilha do petrolão, a empresa terá agora de lidar com a queda no preço do barril de petróleo. A cotação manteve a trajetória de queda e ficou abaixo de 60 dólares na última semana, o menor valor em cinco anos e meio. O dólar, a moeda que serve de referência para 70% da dívida da companhia, fortaleceu-se ainda mais e superou a casa de 2,70 reais, a maior cotaçà£o em quase dez anos. Em apenas doze meses, a dívida aumentou em 68 bilhões de reais, para 261 bilhões de reais. A revelação de que a diretoria da empresa foi alertada em diferentes ocasiões sobre os indícios de sobrepreço em projetos e de desvio de recursos, segundo denúncia de uma executiva que trabalhou diretamente com o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, disseminou o temor de que as perdas podem ser maiores do que os 20 bilhões de reais estimados preliminarmente pelo mercado. O prospecto melancólico ficou evidente na entrevista concedida na quarta- feira pela presidente da empresa, Maria das Graças Foster. "Não há a menor segurança de que, em 45 dias, noventa dias, 180 dias, 365 dias, 700 dias, virão todas essas informações (sobre os prejuízos com a corrupção) em sua plenitude, porque pode vir uma informação agora e depois em três ou quatro anos. Não sei como vai ser isso", reconheceu. O novo adiamento da divulgação do balanço do terceiro trimestre, que deveria ter sido tornado público há um mês, mantém a empresa alijada do mercado de capitais, impedida de emitir títulos e de tomar empréstimos. A questão é saber se a Petrobras terá condiçàµes de bancar o seu ambicioso plano de investir 600 bilhões de reais até 2018 sem se fragilizar por causa do aumento de sua dívida. A empresa é vítima de decisões temerárias do governo, que controla artificialmente o preço dos combustíveis que ela vende; que impôs uma política de compra de equipamentos com conteàºdo nacional mínimo, mesmo que isso tenha significado o gasto adicional de bilhões de reais; e que exigiu a presença da estatal na exploração de todos os blocos do pré-sal, sem atentar se ela teria capacidade financeira para tal missão. A despeito do prejuízo bilionário de dimensões ainda desconhecidas e da perda de credibilidade com o escândalo de corrupà§ão, a estatal não só vai sobreviver como continuará a crescer nos próximos anos, graças em boa parte às reservas já conhecidas da camada do pré-sal. A legítima preocupaà§ão de alguns investidores com o futuro da Petrobras, especialmente desconfiados da indústria de petróleo e gás natural depois da quebra da OGX, de Eike Batista, não resiste à análise dos números e das informações disponíveis. A empresa possui uma operação gigantesca de exploração, produçà£o e venda de petróleo e derivados que não foi abalada. Ela à© uma das quinze maiores companhias do mundo no setor, com uma produà§ão média equivalente a 2,4 milhões de barris de petrà³leo e gás natural nos nove primeiros meses deste ano, comparável ao desempenho da francesa Total. A OGX nunca cumpriu as promessas do empresário, está agora em processo de recuperação judicial e produz meros 16.000 barris diários. Em ativos, a Petrobras é a quinta maior do setor no mundo, de acordo com levantamento da revista Forbes, com um valor estimado em 320 bilhões de dólares. Isso significa que, em uma situação de dificuldade extrema, ela poderá vender propriedades, como refinarias, ou o direito de exploração de reservas caso precise levantar recursos. Outra opção será colocar no mercado ações de subsidiárias. A maior delas à© a BR Distribuidora, dona de metade do mercado brasileiro de venda de combustíveis no atacado. Apesar de operar com fluxo de caixa negativo há oito anos, a Petrobras ainda dispunha de 62 bilhões de reais nos cofres em setembro. É um montante suficiente para honrar os 33 bilhões de reais em dívidas que vencem até o fim do próximo ano, ainda que nà£o para bancar também todo o investimento previsto no período (e daí a importância de a empresa divulgar o seu balanço quanto antes, para que possa voltar a tomar dinheiro no mercado, mesmo que a um custo mais elevado). Mais importante é a sua capacidade de pagar a dívida por meio da geração de caixa com a sua atividade operacional: mantidos os números atuais, ela precisaria de três anos e meio para pagar todos os seus compromissos. Trata-se de uma relaçà£o acima da que é considerada saudável por analistas, mas que não denota uma situação fora de controle. Além disso, e reconhecendo o cenário de aumento das dificuldades, a estatal decidiu adotar uma série de medidas para reforçar o seu fôlego financeiro no próximo ano: vai reduzir os investimentos, antecipar o recebimento a que tem direito em algumas operações e manter ou aumentar o preço de produtos. A previsão é que a estratégia faça a empresa voltar a ter fluxo de caixa positivo no ano que vem. Em última instância, a Petrobras conta com o respaldo financeiro do governo, que é o seu principal acionista (ainda que isso não exima a ambos da obrigatoriedade de prestar contas aos brasileiros). Há poucos dias, o governo bancou uma triangulação contábil para que a Eletrobras reforçasse o caixa da Petrobras com o pagamento de uma dívida de 8,5 bilhões de reais. Trata-se de um delicado equilíbrio entre não sacrificar demasiadamente os investimentos e nà£o se fragilizar financeiramente. "O mercado pode criticar a Petrobras por abrir o caixa para manter os investimentos neste momento de crise institucional e de desvalorização do barril, mas a empresa sabe que nà£o pode frear totalmente os projetos, porque senão perderá progressivamente as oportunidades", diz David Zylbersztajn, ex-diretor da Agàªncia Nacional do Petróleo (ANP) e atual diretor da consultoria DZ Negócios com Energia. Segundo ele, "quanto mais tempo a Petrobras demorar, menos vantajosos ficarão os investimentos e menos retorno ela terá". Além dos gastos para ampliar a produção no pré-sal, a empresa também passou a se dedicar a ampliar a sua competàªncia operacional. Diante da queda da produtividade em poços na Bacia de Campos, a Petrobras deu início, em 2012, a um programa de ganho de eficiência na operação de retirar o petróleo do fundo do mar. Neste ano, a estatal estima ter ampliado a produção em 135.000 barris diários graças a esse programa. Os números eloquentes só reforçam a certeza de que a Petrobras poderia gerar muito mais riqueza para os brasileiros (e não apenas os acionistas) se não fosse tratada como uma propriedade de partidos que estão no poder. A decisão da presidente Dilma Rousseff de usar a Petrobras para não deixar a inflação fugir do controle custou aos cofres da estatal 60 bilhões de reais desde 2011, perà­odo em que foi obrigada a bancar o subsídio para revender a gasolina e o óleo diesel a preços mais baixos do que ela pagava para importá-los. Outro exemplo de má gestão do governo esteve na megalomania de querer torná-la onipresente na exploração do pré-sal, uma decisão que já custa o atraso na licitaçà£o de novos campos para a exploração. "Se o petróleo ficar na faixa de 75 dólares (estava em 60 dólares na semana passada), será difícil encontrar interessados para os leilões", afirma Adriano Pires, diretor executivo do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE). "Em primeiro lugar, porque o governo escolheu colocar a Petrobras como operadora exclusiva do pré-sal, com 30% de participação em todos os blocos leiloados. E hoje ela não tem condições econômico-financeiras para participar", explica o analista. O segundo motivo é que a cotação mais baixa reduz a margem de ganho no setor e torna as companhias muito mais seletivas no momento de escolher os projetos de investimentos, para evitar comprometer a sua saúde financeira. São provas de que mesmo empresas com grande potencial de geração de riqueza podem ficar a risco se não forem administradas com responsabilidade e transparência. Os anos de elevado preço do petróleo engordaram os cofres de governos autoritários e populistas, como o de Hugo Chávez, na Venezuela, e o de Vladimir Putin, na Rússia. Os petrodólares também inflaram as ambições do governo brasileiro. A virada no mercado (e, cedo ou tarde, a maré sempre baixa) expôs as fragilidades de fazer mau uso da riqueza mineral. A Petrobras, por sorte e competàªncia, possui todas as chances de superar a tormenta externa e prosperar — desde que, obviamente, pare de ser saqueada pela incompetência e pela corrupção. AS FORÇAS QUE ARRASTAM A PETROBRAS Os prejuízos da empresa com os desvios do petrolão passam longe de ser desprezíveis. A principal fonte de perdas para a estatal, entretanto, está na manipulação de preços imposta pelo governo Dilma (valores em reais) Valor da ação preferencial da Petrobras, em reais 30/dez/2010: 23,21 17/dez/2014: 9,66 60 bilhões - Perda acumulada desde 2011 por causa da venda de gasolina e diesel a preços subsidiados e abaixo dos valores de mercado. 20 bilhões - Estimativa de prejuízo com os casos de desvio de dinheiro, superfaturamento e pagamentos de propina investigados pela Operaà§ão Lava-Jato. 6 bilhões – Redução estimada da receita anual com as exportações de petróleo, por causa da queda do preço do petróleo nos últimos sessenta dias. A EMPRESA VIVE UM APERTO FINANCEIRO,... Acumulando prejuízos com a venda de combustíveis, a empresa precisou aumentar brutalmente o seu endividamento para manter o plano de investimentos. A maior parte dos empréstimos foi feita em dólares, e a dívida disparou com a valorização da moeda americana (valor da dívida líquida em reais) 2010 62 bilhões 2011 103 bilhões 1013 193 bilhões 2014 261 bilhões ..MAS DISPÕE DE POTENCIAL PARA SUPERAR A CRISE A despeito do petrolão e dos abusos políticos, poucas empresas no planeta possuem a capacidade tecnológica e a quantidade de reservas provadas da estatal brasileira Faturamento (2013): 305 bilhões de reais Investimentos (2013): 104 bilhões de reais Dinheiro em caixa: 62 bilhões de reais Reservas provadas: 16,6 bilhões de barris Produção diária: 2,1 milhões de barris Fluxo de caixa (Ebitda, em 2014, estimativa): 80 bilhões Relação entre a dívida e o Ebitda; 3,3 INOVAÇÃO - A empresa é campeã em registro de patentes no país e desenvolveu tecnologias que permitiram explorar águas cada vez mais profundas. GRAÇA FRAQUEJA - A presidente da Petrobras pediu demissão, mas deverá ser mantida por Dilma pelo menos até a publicação do balanço financeiro auditado, já extirpados os desvios. MOMENTO HISTÓRICO – Iniciadas negociações dos papà©is da Petrobras na Bolsa de Nova York, em 2000: a transparência como obrigação para atrair investidores internacionais. ALTERNATIVAS - A BR Distribuidora possui metade do mercado de distribuià§ão de combustíveis no país, e a venda de ações dessa subsidiária poderia reforçar o caixa da Petrobras. AS SOLUÇÕES EMERGENCIAIS As alternativas para salvar a Petrobras, no caso de sua crise prolongar-se ainda mais - Resgate pelo Tesouro A solução - O governo põe dinheiro diretamente na empresa, ou faz troca de dívidas entre ela e outras estatais, como a Eletrobras. Há também a possibilidade de injetar recursos em troca do recebido futuro do petróleo a ser explorado. Problema - Trata-se de uma manobra contábil, do tipo que a nova equipe econômica já sinalizou que não pretende realizar. Além disso, implica aumento da dívida pública - Venda de patrimônio A solução - A empresa pode vender sua participação em áreas exploratórias. Outra opção é cindir sua subsidiária BR Distribuidora e lançar ações dela no mercado. Pode também vender, por exemplo, sua participação na petroquímica Braskem. Problema - O governo Dilma seria acusado de entregar a investidores privados parte do patrimônio da empresa e do país. - Reajuste de preços A solução - Um aumento acentuado na gasolina e no diesel engordaria o caixa da empresa, que ganharia musculatura para fazeres investimentos e quitar dívidas. Problema - O impacto direto na inflação, que já está acima do teto de 6,5%. O PESO DA PETROBRAS NA ECONOMIA BRASILEIRA Investimentos: 2 bilhões de reais por semana, ou mais de 10% do total investido no Brasil a cada ano. Gastos operacionais: 30 bilhões de reais por ano, valor superior ao das despesas com o Bolsa Família. Impostos pagos: 99 bilhões de reais em 2013, ou 5% do total recolhido no país. AMEAÇA - Campo de produção na Arábia Saudita: a oferta de petróleo barato pode inviabilizar, ao menos no curto prazo, a exploração de algumas reservas brasileiras. VALE A PENA INVESTIR NA EMPRESA? Comprar ações da Petrobras foi um dos grandes investimentos da última década. Entre 2000 e 2008, esses papéis se valorizaram até 1760% para aqueles que aplicaram os recursos de seus depà³sitos do FGTS. O pico de valorização coincidiu com o recorde na cotação do petróleo, cujo barril do tipo Brent chegou a ser comercializado a 146 dólares. A estatal já havia anunciado a descoberta de promissoras reservas do pré-sal, no fim de 2007, e diferenciava-se da concorrência pelas vastas reservas a ser exploradas num momento de preços favoráveis. Àquela altura, poucas empresas no mundo, sobretudo aquelas com ações negociadas em bolsa, apresentavam a possibilidade de ampliar a produção de maneira expressiva. Mas, desde os dias de euforia desbragada, as ações perderam mais de 80% de seu valor. A crescente e nociva interferência do governo em sua gestão, os desvios bilionários dos esquemas de corrupção e, mais recentemente, a queda livre do preço do petróleo trataram de encobrir as perspectivas positivas que o pré-sal havia gerado. Nos últimos dois meses, o tombo das ações supera 50%: elas passaram de 22,13 reais, na metade de outubro, para 9,66 reais, na àºltima quarta-feira. O movimento brusco atiçou o apetite de investidores que sabem que a hora de entrar na bolsa é na baixa, quando todo mundo está saindo. Mas analistas dizem que é prematuro comprar ações da Petrobras antes que saia o balanço do terceiro trimestre com a contabilização preliminar das perdas referentes ao petrolão. No curto prazo, portanto, há pouca perspectiva de recuperação, e a volatilidade deverá se manter. Mas, a médio prazo, a situação é outra. Ainda que a dificuldade para captar recursos no mercado, a queda do preço do petróleo e a valorização do dólar devam afetar o plano de investimentos da estatal, a produção do pré-sal está em trajetória ascendente e já responde por 25% do total nacional. "Os investidores estão preocupados com o rumo que o governo deu à Petrobras, mas eles conseguem entender que isso não significa que a empresa vai quebrar", diz Celson Plácido, estrategista-chefe da corretora XP Investimentos. "Em algum momento, a situação vai se normalizar e a Petrobras voltará a ser negociada de acordo com seus fundamentos", afirma Plácido. Alguns bancos e corretoras que acompanham os negócios da petrolífera retiraram a recomendação de compra para os papéis da empresa e cortaram o chamado preço-alvo, que é um indicativo do potencial de valorização. Se o preà§o corrente é menor do que o preço-alvo, a ação está barata; se está acima, ela está cara. Na maioria das avaliações, o preço-alvo da ação da Petrobras está acima da cotação atual. Quando se analisa a longo prazo, ela ainda representa um bom negócio. Quem usou recursos do FGTS para comprar papéis em 2000 acumula um ganho de 312%. No mesmo período, o rendimento do fundo ficou em 93%. COM REPORTAGEM DE BIANCA ALVARENGA _______________________________________ 4# ECONOMIA 24.12.14 O LÍDER NÃO SE ABALA Putin surfou na bonança dos anos de petróleo nas alturas. Agora terá de adequar a Rússia ao cenário de queda no barril, enquanto busca evitar uma crise como a de 1998. Vladimir Putin, o ex-agente da KGB, o Comitê para a Segurança do Estado na antiga União Soviética, reergueu o orgulho russo, após o desmantelamento de seu antigo império da Cortina de Ferro, e os cidadãos de seu país sabem como retribuir-lhe por isso. Endossaram Putin em seguidas eleições, como presidente e como primeiro-ministro, e novamente como presidente. Os índices de aprovação de seu governo superam os 70%, mesmo com o arrocho financeiro das últimas semanas, resultado da desvalorização do petróleo e da queda vertiginosa na cotação do rublo, a moeda local. Na quinta-feira, em sua coletiva de imprensa anual de fim de ano, Putin, o là­der do país há quinze anos, transbordou confiança. Reconheceu que a economia passa por dias desafiadores, mas atribuiu as dificuldades a "fatores externos" que deverão ser superados "nos próximos dois anos". Segundo o presidente, a economia vai se diversificar para se adaptar aos preços do petróleo mais baixo. "As tarifas de energia em queda servirão de estímulo para investimentos em outras áreas, e em breve estaremos de volta aos trilhos", afirmou. "As pessoas sabem, do fundo do coração e da alma, que estamos agindo a favor dos melhores interesses da Rússia." Putin dispõe de crédito. Assumiu o poder em 2000, substituindo Boris Ieltsin, o primeiro presidente russo pós-colapso soviético e cujo governo se encerrou laconicamente depois da crise financeira russa de 1998. Putin, de 62 anos, presidiu a retomada. Sob o seu governo, o país voltou a crescer e entrou em uma década de prosperidade jamais vista em sua história, marcada por flagelos recorrentes desde antes dos tempos dos czares. Com exceção da China, nenhuma economia do mundo emergente produziu tantos novos bilionários nos últimos anos. Toda essa bonança, porém, coincidiu, não por acaso, com o longo ciclo de valorização das commodities. A indústria do petróleo e do gás responde por aproximadamente dois terços das exportações russas e também por metade das arrecadações tributárias. O governo, portanto, terá um ano complicadoà frente para fechar o seu orçamento depois da queda de mais de 50% no preço médio do barril nos últimos meses. A dependàªncia russa em relação ao petróleo fica evidente no grà¡fico acima. Praticamente do dia para a noite o rublo perdeu metade de seu valor. O banco central russo respondeu com uma elevação de juros emergencial, subindo a taxa, em uma reunião no meio da madrugada, de 10,5% para 17% ao ano. A ação serviu apenas para ampliar as desconfianças, e o mercado cambial só se tranquilizou depois que o governo anunciou a venda de dólares. A população, acostumada às penúrias do passado, procura se defender como pode. Com a corrida aos bancos, faltou dinheiro em caixas eletrônicos. A perspectiva de aumento nos preços, sobretudo de importados, deixou as lojas cheias. As pessoas estocam o que podem, de produtos eletrônicos a alimentos, não esquecendo obviamente os artigos de luxo indispensáveis da cesta de consumo da elite emergente. Porsches e Lexus sumiram das concessionárias. A ideia é aproveitar enquanto o quadro não se agrava. A Apple reajustou os iPhones em 25%, mas deixou de vender temporariamente seus produtos na loja on-line, porque, com as oscilações do rublo, não conseguiu determinar corretamente os preços. A inflação se aproxima dos 10% ao ano, e as estimativas são de uma queda no PIB em 2015. Para as empresas, o cenário também deixou de ser promissor. A dívida externa dos bancos e companhias é de 700 bilhões de dólares, e honrar esses compromissos não será fácil, com a economia em recessà£o e o novo cenário de preços dos produtos exportados em queda. As comparações com a crise de 1998 são inevitáveis. O banco central está queimando suas reservas internacionais, mas ninguém sabe ao certo até quando terá capital para suportar os bancos e as empresas sedentos por dólares. _____________________________________ 5# INTERNACIONAL 24.12.14 5#1 TUDO NO SEU DEVIDO LUGAR 5#2 O SANGUE DOS INOCENTES 5#3 DOIDO COM CAUSA 5#1 TUDO NO SEU DEVIDO LUGAR Estados Unidos e Cuba anunciam a retomada das relações diplomà¡ticas depois de cinco décadas. Pode ser o início do fim de um dos últimos símbolos da Guerra Fria. DUDA TEIXEIRA “Serenamente. Serenamente. Estamos dispostos a morrer em nossos postos. O que não sabemos é se os generais do Pentágono e os senadores que proclamam a guerra contra nossa pátria estão também dispostos a morrer." Estamos em 27 de outubro de 1962. A retórica bélica de Fidel Castro ressoava pelos altofalantes do Malcón, a muralha que protege Havana dos humores do Mar do Caribe. Não era retórica vazia. Fidel estava montado em baterias de mísseis soviéticos SS-4 prontos para ser disparados e apontados para Washington, Nova York e Chicago. Enquanto isso, na Casa Branca, Robert Kennedy, ministro da Justiça e irmão do presidente John Kennedy, avaliava aquele momento como o mais tenso da Crise dos Mísseis, entre Estados Unidos e Cuba, apoiada pela União Soviética. "Em outubro de 1962, o presidente John Kennedy escolheu um caminho de ação que, no seu julgamento, trazia a probabilidade de uma em três de uma guerra nuclear", escreveu Bob Kennedy. Foi o "Sábado Negro" da crise, dia em que um avião espião americano foi abatido sobre Cuba e seu piloto morreu. A guerra parecia inevitável. John Kennedy e o líder soviético Nikita Kruschev cortaram seus canais diretos de comunicação. Em uma derradeira tentativa de evitar o pior, Bob Kennedy foi sozinho à casa de Anatoly Dobrynin, embaixador sovià©tico em Washington. Saiu de lá com um acordo. Os americanos se comprometiam a, secretamente, tirar seus mísseis instalados na Turquia, e os soviéticos aceitavam retirar imediatamente todo o seu arsenal nuclear de Cuba. Ufa! Acabou a crise de treze dias que levara o planeta à beira do precipício e colocara Havana no centro do palco da Guerra Fria, que dividia o mundo entre o capitalismo e o comunismo. Na semana passada, depois de cinquenta anos espetada como um espinho em uma das garras da à¡guia americana, Cuba, finalmente, pôde retomar seu destino de ensolarada ilha do Caribe, ponto turístico atraente, habitado por um povo alegre e hospitaleiro. Barack Obama, presidente americano, e seu colega cubano, Raul Castro, anunciaram o começo da normalização das relações entre os dois países. Fora sua condição de contraponto comunista separado do gigante capitalista por uma estreita faixa de mar de 160 quilômetros, Cuba é um país irrelevante. Sua economia representa apenas 0,4% da americana ou 3% da brasileira. É menor que a de Porto Rico, uma colônia americana com um terço da sua população e um PIB per capita quase cinco vezes maior. Entre os seus principais produtos de exportação, estão os derivados de sangue humano, coletado compulsoriamente da população. As maiores fontes de divisas são a ajuda em barris de petróleo da Venezuela, os dólares enviados por cubanos que vivem nos Estados Unidos e o confisco da maior parte do salário de agentes de saúde que trabalham em regime de semiescravidão no Brasil e em outros países (com uma formação de apenas três anos, eles não podem ser chamados de médicos). Depois do anúncio de Obama, os americanos libertaram três espiões cubanos. Em retribuição, Cuba soltou o americano Alan Gross, preso há cinco anos por usar na ilha telefones via satélite sem autorização do governo cubano. As duas principais promessas de Obama, o fim do embargo e a retirada de Cuba da lista de países apoiadores do terrorismo, ainda dependem da aprovação do Congresso. Até recentemente, o embargo servia apenas aos interesses de um grupo de políticos americanos ainda presos à retórica da Guerra Fria e, acima de tudo, ao regime castrista, que sempre se nutriu do inimigo externo para tentar explicar seu fragoroso fracasso moral e material. Em Cuba, hoje poucos ainda acreditam na retórica castrista. Nos Estados Unidos, a maioria da população boceja ao ouvir falar no assunto. Se o embargo cair, portanto, vai ser de maduro. Será cedo, porém, para comemorar. Em Cuba, a repressão contra os dissidentes, a proibição de existência de outros partidos que não o Comunista e as barreiras ao empreendedorismo individual continuarão vigorando. Os dólares que entrarão com a normalização das relações comerciais entre os dois países podem fortalecer ainda mais os militares cubanos, que já dominam a economia da ilha. As relações entre o Golias continental e o Davi insular sempre foram ambíguas, mesmo antes da instalação do regime castrista. Em 1898, os americanos, em guerra com a Espanha, reconheceram a independência de Cuba e ganharam de presente Guantánamo, onde até hoje mantêm sua base militar e prisão de terroristas. Por algum tempo depois da tomada do poder, em 1959, Fidel Castro, não se sabe se genuinamente, tentou se manter sem se aliar aos comunistas soviéticos. Fidel e Che Guevara treinaram golfe com a promessa de que seriam recepcionados em Washington pelo presidente Dwight Eisenhower para um confronto amistoso no "green". Foram recebidos não pelo amável "Ike", mas por seu frio e pragmático vice-presidente, Richard Nixon. Em vez de golfe, Nixon submeteu Fidel a uma bateria de perguntas que mais tarde foi lembrada pelo líder cubano como "um interrogatório". Daí em diante, cair no colo de Nikita Kruschev foi um pulo. Em 1961, um grupo de exilados cubanos treinado pela CIA tentou invadir Cuba desembarcando na Baía dos Porcos. O objetivo era derrubar o regime comunista. Fora-lhes prometido pela CIA apoio aéreo — que não veio, e os aventureiros fracassaram. Cuba então se aproximou da União Soviética. Uma tentativa de reaproximação entre Cuba e Estados Unidos aconteceu em fevereiro de 1989, quando o diplomata Robert Pastor conseguiu reunir o presidente Jimmy Cárter e o ditador Fidel Castro em um hotel de Caracas, onde estavam para a posse de Carlos Andrés Pérez. A conversa que aconteceu ali fez com que Cárter se tornasse o primeiro ex-presidente americano a visitar Cuba, em 2002. Desde o início, o embargo americano foi apresentado pela propaganda comunista como um símbolo do imperialismo e o principal motivo pelo qual Cuba não consegue se desenvolver. Falso, Cuba tem liberdade para negociar com qualquer país e o faz principalmente com a Venezuela, com o Canadá e com o Brasil. O fracasso econômico vem da ineficiàªncia estatal na condução de todos os setores da economia. Em 2009, Obama fez um discurso muito parecido com o da semana passada, em que prometeu facilitar as viagens, as remessas e permitir que empresas americanas de telecomunicações operassem na ilha. Hoje, os americanos representam 20% dos turistas em Cuba. Os que têm parentes nas cidades cubanas levam, por ano, entre 1 bilhão e 5 bilhões de dólares em presentes, o que ajuda a alimentar a economia. O valor ainda está abaixo do que a Venezuela envia em ajuda para o regime. Com a queda no preà§o do petróleo, os irmãos Castro sabem que não podem mais depender tanto de Caracas. "Isso contribuiu muito para a retomada das relações com os Estados Unidos", diz o economista Rafael Romeu, da Associação para o Estudo da Economia Cubana, em Washington. Sonhar com uma Cuba democrática e rica no futuro é algo plenamente possível. Obama pode tentar a sua parte, mas uma mudança só virá quando os ditadores Fidel e Raul Castro saírem de cena. 120 ANOS DE RELAÇÕES TENSAS ENTRE CUBA E EUA - O escritor cubano José Martí viveu feliz em Nova York. Em 1895, viajou para lutar na guerra de independência de Cuba. Temia que, livre, a ilha fosse anexada pelos EUA. "Vivi no monstro, conheço suas entranhas", escreveu. - Uma mina pode ter sido a causa da explosão do navio USS Maine em Havana, em 1898, mas nunca se soube quem a teria colocado. O episódio contribuiu para que os Estados Unidos entrassem na guerra de independência de Cuba contra a Espanha. - O hotel Flamingo, em Las Vegas, foi fundado em 1946 pelo gângster Benjamin "Bugsy" Siegel. Ele chegou a ir para Havana para encontros de negà³cios. Como devia dinheiro, foi morto a mando de Charles "Lucky" Luciano, o chefe da máfia siciliana de Nova York, que vivia em Cuba. - O escritor americano Ernest Hemingway instalou-se em Cuba depois da II Guerra. Foi lá que escreveu O Velho e o Mar e ganhou o Nobel de Literatura, em 1954. Ele deixou a ilha quando Fidel Castro deu início às expropriações. - Insatisfeito com a CIA, que pagava jornalistas para plantar histórias diversas nos jornais, o agente Philip Agee decidiu mudar-se para Havana. Em um livro de 1975, ele revelou a identidade de membros da agência americana. - Acima, avião americano sobrevoa navio soviético durante a Crise dos Mísseis, em 1962. À direita, Fidel Castro é recebido com festa na Universidade Columbia, em Nova York, três meses após a revolução, em 1959. - Em 1997, o guitarrista Ry Cooder lançou o álbum e o documentà¡rio Buena Vista Social Club, com músicos cubanos. As visitas a Cuba renderam a Cooder uma multa de 25.000 dólares por infringir o embargo econômico. 5#2 O SANGUE DOS INOCENTES Não há justificativas para o assassinato de 145 pessoas em uma escola no Paquistão. A crueldade do Talibã, movido por uma interpretação radical do islamismo, rejeita limites. NATHALIA WATKINS Na escala de atrocidades e covardia, é difícil pensar em algo que se compare a assassinar crianças em uma sala de aula. Exatamente por isso, indivíduos com mente perturbada e grupos que agem em nome de uma visão fundamentalista do Islã com frequência escolhem escolas como alvo de seus massacres. Para seres humanos normais, é impossível ver racionalidade em crimes como esse. Para os radicais islà¢micos que concorrem para realizar o atentado mais grandioso, mais sangrento, mais doentio e mais midiático, porém, há sempre uma ou mais justificativas para seus atos. As mais comuns: "Estamos só revidando atrocidades cometidas contra nosso povo, nossas famílias, nossas tradições"; "Foi o último recurso que nos restou para sermos ouvidos"; "Nossa causa é justa"; "Ninguém que está do lado errado de um conflito é inocente". Motivações idênticas foram aventadas pelos culpados do ataque a uma escola em Peshawar, no Paquistão, na terça-feira passada. Apenas conseguir que analistas internacionais, jornalistas e historiadores se debrucem sobre esses argumentos já representa uma vitória para os terroristas. Suas táticas não têm justificativa. No momento em que um homem puxa o gatilho de uma arma apontada para a cabeça de uma criança, desaparece qualquer possibilidade de que sua motivação seja considerada válida ou merecedora de discussão. O atentado em Peshawar, uma cidade de 3 milhões de habitantes, foi realizado pelo braço paquistanês do Talibã, o grupo fundamentalista que foi apeado do poder no país vizinho, o Afeganistão, por dar guarida ao grupo terrorista que cometeu os atentados de 2001 nos Estados Unidos. No total, 145 pessoas foram mortas na escola, que era ligada ao Exército paquistanês, das quais a grande maioria, 132, eram crianças ou adolescentes com idade entre 5 e 17 anos. Mais de 100 ficaram feridas, muitas gravemente. Foi o mais sangrento atentado da história do país. O massacre começou em um auditório lotado, onde os estudantes faziam uma prova. Em determinado momento, um dos terroristas gritou para os comparsas: "Há muitas crianças embaixo dos bancos, vão buscá-las". Depois, um assassino ligou para um comandante do Talibã que dava ordens a distância e pediu orientação: "Matamos todas as crianças no auditório. O que fazemos agora?". Os terroristas continuaram de sala em sala disparando seus fuzis, lançando granadas ou ateando fogo a suas vítimas. Quem sobreviveu e foi salvo depois de oito horas de embate entre militares e terroristas terá de conviver com a memória da cena de corpos de colegas e professores amontoados em salas de aula e banheiros banhados de sangue. O Talibã planejou o ataque para imitar o atentado cometido por radicais chechenos na cidade de Beslan, na Rússia, em 2004. A matança começou como um sequestro que durou três dias, nos quais 1200 pessoas, 70% delas crianças, foram mantidas sem água nem comida. No fim, 385 pessoas foram mortas. Se de nada adianta levar a sério as supostas motivações dos terroristas, resta saber o que fazer para impedir que novos massacres aconteçam. O Talibã é influente em áreas tribais perto da fronteira com o Afeganistão e pretende impor a sharia, a lei islà¢mica, no território paquistanês. O grupo vê a educação nos moldes ocidentais como uma ameaça a seus planos. O Talibã é especialmente intolerante à presença de meninas nas escolas, porque isso vai contra o papel de subserviência que ele reserva às mulheres. Foi por esse motivo que um integrante do Talibã atirou contra a menina Malala Yousafzai, que lutava pelo direito de estudar, em 2012. Por ter se tornado um símbolo da luta por esse direito, Malala foi uma das ganhadoras do Prêmio Nobel da Paz neste ano. A ironia é que, apesar de serem um grave fator de instabilidade para o Paquistão, os jihadistas contaram durante décadas com a conivência do governo do país, principalmente para usá-los como escudo ou como meio de chantagem contra a Índia. "Para mudar a realidade no Paquistão, é preciso que os políticos abram mão da relação dúbia com essa gente. Será que eles estão dispostos a fazer isso? Provavelmente seja pedir muito", diz o cientista político americano Marvin Weinbaum, ex-funcionário do Departamento de Estado dos Estados Unidos responsável pelas análises políticas do Paquistão e do Afeganistão até 2003. O primeiro-ministro paquistanês Nawaz Sharif, eleito em junho de 2013, já havia decidido mudar a política de conivência em relação aos terroristas, mas o popular ex-jogador de críquete Imran Khan, a principal voz da oposição, vem convocando manifestações para defender a ideia de diálogo com o Talibã. Até junho passado, quando houve um atentado próximo ao aeroporto internacional de Karachi que matou mais de trinta pessoas, a opinião pública estava a favor da negociação. Depois disso, houve um raro momento de rejeiçà£o categórica aos talibãs. Incrustado no noroeste do país, na fronteira com o Afeganistão, na província do Waziristão do Norte, o grupo está enfrentando ataques do Exército paquistanês que reduziram em três quartos a área que costumava dominar. Ao contrário dos talibãs afegãos, mais organizados, os paquistaneses são uma coalizão de milícias jihadistas. Apesar de compartilhar a mesma ideologia, o Talibã afegão apressou-se em condenar o atentado contra a escola em Peshawar. Não que o braço do grupo no país vizinho ache errado matar outros muçulmanos sunitas, como era a maioria das crianças mortas na escola. Nisso ele também é muito empenhado. A origem da discordância, aparentemente, apenas reflete as divisões e disputas de poder que existem entre as diferentes lideranças do Talibã. No início de dezembro, ao justificar a entrega do Nobel da Paz a Malala, o comitê norueguês que escolhe os premiados lembrou que, em áreas de conflito, a violação dos direitos infantis perpetua a violência, geração após geração. Para um grupo que, como o Talibã, não aceita outro resultado que nà£o seja a vitória absoluta de sua visão expansionista e intolerante do islamismo, esse é um objetivo a ser perseguido. Enquanto ninguém se sentir seguro, numa mesquita, numa escola ou na rua, ele pensa estar ganhando. COMO ACONTECEU O MASSACRE 1- Por volta das 10 horas de terça-feira, 16, um carro-bomba explodiu atrás da Escola Pública do Exército, na cidade de Peshawar. O objetivo era desviar a atenção. 2- Ao mesmo tempo, pelo menos seis terroristas armados pularam o muro da escola. Eles vestiam colete com explosivos e levavam comida para vários dias. 3- Os homens entraram em um auditório lotado e começaram a disparar contra as crianças, que tentaram, em vão, se esconder entre as cadeiras. Alguns alunos fugiram e se trancaram em outras salas. 4- Os assassinos derrubaram as portas das outras salas de aula e atiraram nos alunos e nos professores. A maioria das vítimas tinha entre 12 e 16 anos e foi atingida com vários tiros na cabeça. 5- Em uma sala, os terroristas jogaram gasolina sobre uma professora e a queimaram viva. Os alunos foram obrigados a assistir à cena. 6- Soldados paquistaneses entraram na escola. Durante a perseguiçà£o, um dos terroristas explodiu o colete que levava consigo, matando và¡rias crianças junto. O combate durou oito horas. 5#3 DOIDO COM CAUSA O refugiado iraniano que fez reféns em um café na Austrália não tinha ligações diretas com o Estado Islâmico, mas obedeceu a um chamado do grupo para matar inocentes. Um dos pesadelos dos serviços de inteligência em todo o mundo é o "lobo solitário", o sujeito que decide, por conta própria, cometer atos terroristas. Por não se comunicar com outros enquanto planeja seus crimes, é quase impossível prever quando e onde ele vai agir, muito menos os seus métodos. O Estado Islâmico (EI, ex-Isis), um exército terrorista que domina uma grande área na Síria e no Iraque, vale-se dessa modalidade para levar sua ideologia da morte para além dos seus domínios. Sem uma rede que permita cometer atentados em outros países, o El convocou para essa funçà£o assassinos do mundo inteiro, que usam a desculpa do jihadismo para sua brutalidade. Um simples vídeo divulgado na internet basta para recrutar quem estiver disposto a encontrar os próprios meios para matar inocentes. Um dos que aderiram foi o iraniano Man Haron Monis, de 50 anos, que fez dezessete reféns em um café no centro financeiro de Sidney, na Austrália, e acabou sendo morto durante a troca de tiros com a polícia, na segunda-feira 15. Antes, ele matou a tiros dois reféns — o gerente do café e uma cliente, mãe de três filhos. Monis era xiita e na semana passada anunciou na internet ter se convertido ao ramo sunita do islamismo. O Estado Islâmico, também sunita, persegue e mata xiitas. O terrorista não tinha contato com a organização. Nem sequer tinha uma bandeira. Durante o cerco, ele exigiu que lhe trouxessem o pano preto com inscrições em árabe do EI. O que surpreende no caso da Austrália é como um homem com os antecedentes de Monis estava em liberdade. Ele foi apontado como cúmplice do assassinato da ex-mulher pela sua namorada no ano passado. Depois de dezoito facadas, a vítima foi queimada ainda com vida. Ele tambà©m foi acusado de abuso sexual por sete mulheres, para as quais se apresentava como um guru espiritual. Monis mandou cartas ofensivas a famílias de soldados australianos mortos em combate no Afeganistão. Após pagar fiança, foi solto. O tribunal considerou que não tinha provas suficientes e lhe deu liberdade provisória. O julgamento estava marcado para fevereiro de 2015. Durante o cerco no café, suas demandas foram feitas em vídeos postados no YouTube, nos quais os reféns foram obrigados a ler seus textos. Entre eles estava a brasileira Márcia Mikhael. Monis ameaçava detonar a própria mochila recheada de explosivos e três bombas espalhadas pela cidade. Era blefe. Sua bolsa tinha uma caixa de som velha. "Aí reside o poder do EI no mundo. É quase impossível prever onde vai aparecer um lobo solitário, que pode ser um terrorista treinado ou um maluco desvairado", diz o cientista político italiano Raffaello Pantucci. Monis era um lobo solitário, mas o seu crime não é isolado. FELIPE CARNEIRO ________________________________________ 6# GERAL 24.12.14 6#1 JUSTIÇA – VITÓRIA DAS SOMBRAS 6#2 GENTE 6#3 SAÚDE – TRÊS STENTS E UMA VIAGEM 6#1 JUSTIÇA – VITÓRIA DAS SOMBRAS Erro formal faz o STF anular anos de processo do caso Celso Daniel e adia o julgamento do acusado de ser o mandante do crime que assombra o PT há mais de uma década. Quase treze anos depois do assassinato do ex-prefeito de Santo Andrà© Celso Daniel (PT), o processo contra o único acusado de ser o mandante do crime voltou praticamente à estaca zero. O julgamento do empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, amigo e ex-segurança do petista, deveria ocorrer no primeiro semestre de 2015, mas, na semana passada, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, por causa de um erro formal ocorrido há quase uma década, o caso terá de ser refeito desde o início. O advogado de Sombra, Roberto Podval, argumentou que nà£o teve o direito de ouvir os outros réus na fase dos interrogatà³rios, um dos primeiros passos do processo. O STF decidiu que a defesa tem razão, e tudo o que aconteceu desde então foi anulado. O julgamento terminou empatado em 2 a 2 — Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello votaram a favor do recurso, e Rosa Weber e Luís Barroso, contra (o empate favorece o réu). A decisão do Supremo deve adiar o julgamento de Sombra em pelo menos cinco anos. Com isso, na melhor das hipóteses, ele deve ir a jàºri apenas em 2020 — data perigosamente próxima do prazo de prescrição do crime, 2023. Até hoje, seis pessoas acusadas de participar da execução do ex-prefeito foram condenadas. A decisão do STF pode beneficiá-las também. A morte de Celso Daniel assombra o PT há mais de uma década. A investigação feita pela polícia concluiu tratar-se de um crime comum, mas o Ministério Público apurou que ele foi morto por tentar pôr fim a um esquema de corrupção que, instalado na prefeitura, abastecia campanhas do PT e enriquecia alguns de seus integrantes. Celso Daniel foi sequestrado depois de sair de um jantar no carro de Sombra. Testemunhas disseram que o empresário não esboçou reação quando um grupo de homens armados tirou o ex-prefeito do veículo (as portas estavam destravadas) e que ele falava ao celular enquanto Celso Daniel era levado pelos criminosos. Dois dias depois, o petista foi encontrado morto. Roberto Wider, um dos promotores que investigaram o caso, esperava que uma possível condenação de Sombra nos próximos meses o levasse a entregar nomes de outros envolvidos no crime. Agora, esse segredo deve perdurar por mais alguns anos. BELA MEGALE 6#2 GENTE JULIANA LINHARES. Com Daniella De Caprio e Thais Botelho DURMA-SE COM UM BARULHO DESSES No ano que vem, a atriz DÉBORA NASCIMENTO espera fazer papéis de "doidas, psicopatas, drogadas e malucas", porque, até hoje, suas personagens sempre tiveram uma puxadinha para o lado sensual. Não que ela não tenha uma visão realista do poder de seus dotes e do efeito que provocam — basta ver a empolgação do marido, o ator José Loreto, um dos jurados mais animados do programa Amor & Sexo. "Usamos alguns dos brinquedinhos que ele ganha lá, e outros ficam pela casa. Outro dia, um amigo veio nos visitar e tinha um deles em cima da impressora", diverte-se Débora, a deslumbrante vilã Sueli de Alto Astral. Há brinquedos mais sérios. "José me deu um piano. Ele adora quando toco, mesmo não sabendo direito", disse a atriz à revista NOVA. "Nenhum vizinho reclamou." Por que será? ALL THAT JAZZ Chega o fim de ano e as apresentações de balé vão alà©m de O Quebra-Nozes das menininhas. A apresentadora FÁTIMA BERNARDES aderiu à onda de mulheres maduras que fazem aula de dança e montam um espetáculo comemorativo. "William, meus pais, meus filhos, os amigos deles e até os pais dos amigos estavam na plateia", conta Fà¡tima, que dançou um número do musical Motown, dentro do espà­rito das aulas de Jazz on Broadway. "Ela é um pouco ansiosa, quer a perfeição e termina se adiantando nos passos. Mas é uma aluna dedicada, que nunca falta à aula", elogia a professora Isabel Cardoso. Fátima aprendeu a perder eventuais inibições em seu programa e mostrou ótima forma. Lasanha e cachorro-quente não interferem? "Não, desde que só de vez em quando", brinca. FILME TRISTE No mundo das altas executivas, talvez só Graça Foster esteja vivendo um inferno astral comparável ao de AMY PASCAL, copresidente da Sony Pictures. Como outros diretores da empresa, ela teve e-mails hackeados, que revelaram comentários maldosos sobre personalidades como Barack Obama e Angelina Jolie. Segundo investigações, a invasão foi feita por ordem da Coreia do Norte, com uma conexão na China e a possà­vel colaboração de alguém da Sony. À beira da demissão, Amy pode ter sido salva, por enquanto. Depois de ameaças ao público que fosse à estreia de uma comédia sobre o assassinato do ditador Kim Jong-un, as redes de cinema cancelaram o lançamento. Chantageada, a Sony desistiu do filme. Entregar a cabeça de Amy pareceria mais abjeto ainda. SEREIA NA REDE A modelo ELIZA JOENCK, 32 anos, loira natural, olhos azuis e 1,80 metro de altura, é linda e sabe disso; tanto que se autodenomina Sereia da Ilha, evocando a cidade natal, Florianópolis. Há cinco meses, mudou-se para Nova York, onde procura se firmar num patamar profissional de elite, uma esfera que exige beleza temperada por disciplina. Uma ajudazinha do além também não faz mal e, antes de reencontrar a família para o fim de ano, ela fez uma parada de dois dias em Abadiânia, Goiás, para uma consulta com o médium-sensação João de Deus,. Eliza tem dito para os amigos que está namorando o ator Leonardo DiCaprio há três meses. Só falta definir se ocupará um lugar no panteão formado por Gisele Bündchen, Bar Refaeli e Toni Garrn, que foram todas namoradas firmes, ou ficará na multidão das modelos de ocasião. HORA DE SOLTAR A VOZ A atriz CAMILLA CAMARGO é de uma dinastia musical, com pai, irmã e tio cantores. Nem por isso a filha do meio de Zezé Di Camargo se sentia à vontade para soltar a voz. Na verdade, acontecia o contrário. "Tinha uma vergonha absurda de cantar. Se eu estivesse num Parabéns a Você e alguém me olhasse, parava na hora", conta Camilla. Agora, porém, ela tem o motivo perfeito para assumir a tradição familiar: vai viver no teatro a cantora Selena, americana de origem mexicana assassinada em 1995 pela presidente de seu fã-clube. Com pelo menos dezoito peças no currículo, a atriz diz que nunca teve ajuda do pai — "Sou 40% talento e 60% dedicação" — nem vergonha do estilo sertanejo. "Até hoje me emociono quando ouço à‰ o Amor. Tanto que tatuei a frase no corpo." 6#3 SAÚDE – TRÊS STENTS E UMA VIAGEM A barganha é uma das práticas da máfia que envolve empresas e hospitais do Rio: em troca de propinas, médicos usam material de segunda e operam sem necessidade. CECÍLIA RITTO Submeter-se a uma cirurgia para a colocação de prótese no coração já é uma situação de grande stress para qualquer um. Mas pior que isso é descobrir depois que o procedimento foi em vão — ou que o material implantado era da pior qualidade. Pois esse tipo de barbaridade vem ocorrendo na rede pública — e mesmo em hospitais privados — há décadas. Elaé parte de um esquema de corrupção ramificado e poderoso que agora começa a ser desbaratado. Uma investigação da Polícia Federal do Rio de Janeiro, ainda em curso, identificou uma rede que envolve dezenas de médicos, além de donos e diretores de hospitais, que recebem propinas para comprar certos produtos de determinados fornecedores (até agora, dezesseis foram identificados). Para fazerem a roda da corrupção girar, essas empresas distribuem aos profissionais de saúde de viagens e carros importados a consultórios novos e dinheiro vivo — transportado em carro blindado. A propina varia de 10% a 20% do valor das compras, invariavelmente superfaturadas. Essa máfia drenou, por baixo, 120 milhàµes de reais só nos principais hospitais federais do Rio. Os detalhes do esquema foram revelados a VEJA por quatro ex-participantes que concordaram em colaborar com a polícia, alguns por meio do instrumento da delação premiada. Próteses e órteses são o tipo de material mais caro na escala de compras da saúde. E, por terem uma miríade de especificações técnicas, sua seleção pelo médico carrega sempre um grau de subjetividade. Para dar legitimidade às escolhas, a máfia passou a recorrer a uma brecha legal que permite abandonar a tabela padrão do SUS e recorrer à chamada "licitação por adesão", por meio da qual ela conseguia estabelecer novos patamares de preços. Um médico do setor vascular de um hospital público explicou a VEJA como isso funciona: "A fornecedora convence um hospital federal do interior, menos visado, a abrir licitação de um produto e põe um preço lá no alto. Ganha e, depois, outros hospitais aderem a esse valor". A manobra já operou o milagre de fazer uma prótese que custa 14.000 reais na tabela do SUS alcançar o preà§o de 100.000 reais. O caso dos stents — tubos inseridos nas artérias para prevenir entupimentos — é exemplar. Nos hospitais federais do Rio, eles vêm, em grande parte, de um lote comprado há quatro anos de fabricantes chineses sem histórico no mercado nem certificaçà£o internacional de qualidade. O preço é o mesmo das próteses americanas, que possuem a certificação e são consideradas as melhores do mercado. "Como a chinesa não tem histórico conhecido, não se sabe como os pacientes que a receberam reagirão no futuro", alerta o médico. Seus colegas sabem do risco, mas optam por esses stents em troca de viagens à China, com escalas na Europa e todas as despesas pagas. A cada três stents do modelo mais caro colocados — meta estabelecida pelo fabricante chinês — o médico ganha uma viagem. Segundo o médico, que aderiu à delação premiada, há quatro anos um grupo do Hospital dos Servidores dedica-se a explorar vários pontos turísticos da Ásia e da Europa graças ao bom desempenho nessa disputa sórdida. Os delatores ouvidos pela PF relatam ainda casos escabrosos de cirurgias desnecessà¡rias. "Sei de pelo menos um cirurgião que encheu a coluna de uma pessoa de molas e parafusos à toa. Esse procedimento custa, em média, 250.000 reais só de material. O fabricante comemora e o médico ganha sua recompensa", relata o dono de um hospital que realiza 25 cirurgias ortopédicas por mês. A PF também descobriu que, quanto mais compras um médico indica, maior seu status no esquema — e, portanto, maiores os prêmios. É o caso de profissionais de hospitais privados que, de olho unicamente nos próprios ganhos, exigiam determinados materiais e fornecedores de planos de saúde. Muitos até orientavam os pacientes a insistir, se preciso indo à Justiça, em só aceitar aparelhos e procedimentos de altíssimo custo. Para essa elite, as empresas contratavam mensalmente um carro blindado, que fazia a entrega dos pagamentos em dinheiro vivo, como relatou a VEJA o dono de um hospital privado da Zona Sul do Rio, que fez acordo de delação premiada. "O carro blindado percorre os consultórios entregando uma mesada que faz os rendimentos desses médicos mais do que dobrar." Foi a descoberta de um braço do esquema no plano de saúde dos Correios — uma cirurgia de coluna que a tabela avaliava em 120.000 reais e saiu por quase 1 milhão — que desencadeou a operaà§ão em andamento na PF do Rio. Ela é a primeira a desvendar em detalhes o modo de operação da máfia, mas não é a única. O Denasus, o sistema nacional de auditoria do setor, também deflagrou uma investigação quando, em 2012, os gastos do Ministério da Saúde com próteses e órteses bateram no inacreditável patamar de 1 bilhão de reais. Apenas um plano de saúde, a Unimed, gastou 3,8 bilhões de reais em 2013 com esse tipo de material. Espera-se que essa sangria agora comece a estancar. _____________________________________ 7# ESPECIAL NATAL 24.12.14 7#1 O BEM MAIS HUMANO 7#2 25 DE DEZEMBRO O ANO TODO 7#1 O BEM MAIS HUMANO Para além de sua dimensão religiosa, o espírito solidário, representado pela dedicação desinteressada ao próximo, carrega consigo a própria definição do que é humanidade. RINALDO GAMA Em uma crônica publicada no livro Cadeira de Balanço (1966), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) imagina um mundo no qual o Natal se prolongasse pelos 365 dias do ano. Nesse contexto, os habitantes se desejariam felicidades "ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente" e todos os bens "seriam repartidos entre nossos irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da terra, água, ar e alma". (O fogo — mais guerra do que luz — não terá sido excluído por acaso dessa utopia poà©tica.) A noção de que uma era norteada pela solidariedade seria sinônimo do 25 de Dezembro diz muito sobre o extraordinário alcance do cristianismo e sua doutrina de amor ao próximo. "No ser humano, a solidariedade se manifesta logo no nascimento, quando a mãe cuida do seu filho. Reconhecemos os mais fracos como parte do grupo e, por isso, cuidamos deles. Entendemos essa solidariedade como um dever moral", explica o padre Erico Hammes, doutor em teologia e professor da PUC-RS. "É um sentimento natural, reforçado pela religião. A sociedade tambà©m estimula essa inclinação por meio de diversas ações que visam a dar algum tipo de assistência às pessoas mais frà¡geis", constata Hammes. "A solidariedade — que para o judaísmo se estabelece junto com a criação do mundo — nasce da fragilidade do ser humano, da carência inerente à condiçà£o humana", argumenta o rabino Michel Schlesinger, da Congregaçà£o Israelita Paulista. "É ela que nos conecta como humanidade. Somos absolutamente iguais na fragilidade, independentemente do sexo, da etnia — e da religião", acredita ele. Como se vê, ser solidà¡rio, praticar o bem, não é uma questão tão somente religiosa: é humana. Assim, não causa estranhamento que o tema já se insinuasse nos primórdios da filosofia. "É preciso ou ser bom ou imitar quem o é", ensinava Demócrito de Abdera (c. 460-370 a.C.), organizador da doutrina atomista. O ateniense Platão (c. 428-347 a.C.) também se debruçou sobre o assunto, em A República (380 a.C.): "A ideia do bem é a mais elevada das ciências e é para ela que a justiça e as outras virtudes se tornam úteis e valiosas", escreveu ele. É de prestar atenção: de acordo com o platonismo, o bem estaria acima, ou melhor, "além do ser", como bem absoluto, do qual todas as coisas boas tomariam parte. Aristóteles de Estagira (384-322 a.C.), outro monumento do pensamento grego, discordava dessa visão, convencido de que existiria o bem de cada coisa. Numa confluência entre filosofia e teologia, Santo Agostinho (354-430), pensador de Tagaste, na atual Argélia, abordaria o problema ao se aprofundar na discussão sobre o mal. Agostinho, vale lembrar, formado no cristianismo por influência de sua mãe — o pai era pagão —, permaneceu longo período afastado da religià£o. Convertido em 386, deu início, dois anos depois, à redaà§ão de O Livre-Arbítrio, no qual se dedica ao tema, preocupado em combater o maniqueísmo, que se infiltrava em diversos escalões da Igreja. Segundo essa corrente, o universo seria presidido pelos princípios do bem e do mal, tendo o homem ambas as naturezas, o que o faria agir em uma e outra direção. Ao tomar isso como verdadeiro, seria preciso se confrontar com o seguinte dilema: como o homem, criado por Deus, poderia ser naturalmente mau? O mal, responde Agostinho, seria apenas uma deficiência, uma privação do ser, decorrente do uso equivocado de um bem, o livre-arbítrio. "Deus não é o autor do mal, porque é o autor de todo bem", anota o pensador. No célebre Confissões (398), ainda observaria: "Vi, pois, e pareceu-me evidente, que criastes boas todas as coisas. (...) Em absoluto, o mal não existe nem para Vós nem para as vossas criaturas". Tal compreensão do que é o mal alarga a dimensão do bem. Por isso talvez Agostinho se incomodasse com esta passagem do Eclesià¡stico: "Se queres fazer o bem, saibas a quem o fazes e teus benefícios não serão perdidos. Faze o bem a um homem piedoso e terás a recompensa (...) Dá ao homem piedoso e não ajudes ao pecador". Um dos sentidos de fazer o bem seria evitar torná-lo "seletivo". Do mesmo modo, alardeá-lo iria na contramão de sua essência. "Não há problema em ajudar quem precisa e ter satisfação com esse ato. O importante é não fazer barulho em cima disso", sustenta o padre Erico Hammes. "Está em Mateus: 'Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti (...) Quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita'", cita ele. "É fantástico fazer o bem e sentir-se bem. Isso pode levar a pessoa a repetir essa atitude", concorda o rabino Michel Schlesinger. "Fazer o bem traz uma esperança de que, se um dia nos encontrarmos do lado oposto, nem tudo estará perdido. Quando ajudamos alguém, nós nos lembramos de que não estamos sozinhos." Na obra do francês Jacques Lacan (1901-1981) — que levou adiante as conquistas do criador da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), de nacionalidade austríaca —, a alteridade ocupa um lugar central. Isso porque, para ele, não há sujeito sem o outro. "Penso que há uma predisposição humana para o outro, mas a capacidade de se identificar com os desfavorecidos e prover ações para mitigar seu sofrimento varia", comenta Nilde Parada Franch, presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. "Há dias em que estamos mais disponíveis e dias em que nos preocupamos mais com as nossas próprias necessidades", atesta a psicanalista. "A sensaà§ão de bem-estar que nos acomete ao fazer o bem reforça o narcisismo positivo, o reconhecimento de que temos boas qualidades. Isso faz as pessoas felizes", ressalta ela. Se é assim, por que fazer o bem nà£o se constitui em uma atitude diária, ininterrupta, universal? "à‰ verdade que existem pessoas que não cultivam o sentimento humanitário. Mas, muitas vezes, isso ocorre porque elas desenvolvem 'defesas' contra a percepção das próprias necessidades. Algo como: 'Não quero nem ver para não perceber a minha necessidade'", esclarece Nilde. Seja qual for o motivo, atentar para o próximo ainda é, no Brasil, algo de amplitude modestíssima. Divulgado há poucas semanas, o World Giving Index (WGI), estudo anual sobre a solidariedade no mundo, revelou que o país ocupa o 90º posto entre 135 nações. Um alento mínimo: depois de quatro anos seguidos de queda, o Brasil subiu um degrau no ranking. O dado preocupante: desde 2009, quando o levantamento começou a ser feito, o país perdeu 36 posições. A lista é liderada pelos Estados Unidos e por Mianmar. O WGI integra uma pesquisa global encomendada ao instituto Gallup pela Charities Aid Foundation (CAF). Ele se baseia em três perguntas feitas aos entrevistados: se doou dinheiro, se ajudou um estranho e se fez voluntariado. Os brasileiros avançaram no último item: ele subiu de 13% para 16%. Nos outros dois, no entanto, houve recuo. "O World Giving Index se move junto com o PIB. Logo, enquanto os indicadores econômicos melhoraram de maneira geral no mundo todo, eles pioraram no Brasil. Isso pode explicar parte da queda no ranking a partir de 2009. Quando há uma piora na economia, passamos a olhar mais para nà³s mesmos e nos importamos menos com o outro", diz Paula Jancso Fabiani, diretora-presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), responsável pela divulgação do WGI. Pesa ainda a falta de hábito de ajudar o semelhante. "Não temos aqui uma cultura de doação. O fator cultural independe da economia, tanto que o país que divide o topo do ranking com os Estados Unidos é Mianmar." Segundo outro estudo, o Rules to Give By, realizado pela Charities Aid Foundation, McDermott Will & Emery LLP e Nexus, com o apoio do National Financial Partners Corp. (NFP), o gasto do brasileiro com doações de caráter filantrópico fica na casa de 0,3% da renda anual. Um americano médio despende no mesmo período entre 3% e 4% de sua renda com filantropia. De acordo com o IBGE e o Ipea, os dados referentes ao terceiro setor são um pouco mais reconfortantes. Sim: fazer o bem também alimenta a economia. Os últimos levantamentos mostram que a participaçà£o do terceiro setor no PIB chegou a 1,8%, com um movimento de 121 bilhões de reais ao ano. Entre 2006 e 2010, o crescimento no número das Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos (Fasfil) foi de 8,8%. Embora em ritmo menos acelerado do que o verificado nos períodos anteriores, sobretudo no fim da década de 90, a trajetória permaneceu ascendente. Em 2010, as 290.700 Fasfil representavam 5,2% do total de entidades públicas e privadas existentes no país e empregavam 4,9% dos trabalhadores brasileiros. Isso representava, à quela altura, um contingente de 2,1 milhões de pessoas ganhando, em média, 1667,05 reais por mês. Embora seja notável a ampliação do envolvimento de grandes empresas e entidades privadas com a tarefa de fazer o bem, a solidariedade terá sempre uma faceta pessoal, para além da ação institucionalizada. A conta é simples: a humanidade começa no encontro de um com o outro. Por essa razão, na reportagem a seguir, VEJA apresenta um grupo de brasileiros que tomaram para si próprios o compromisso de fazer o bem. Naturalmente, o Natal — com toda a simbologia que cerca os reis magos e seus presentes — pode ser um pretexto para o exercício da solidariedade. Mas não é o suficiente. Por isso, para os brasileiros perfilados nas páginas seguintes, tal como no mundo idealizado por Carlos Drummond de Andrade, todo dia é 25 de dezembro. COM REPORTAGEM DE FERNANDA ALLEGRETTI 7#2 25 DE DEZEMBRO O ANO TODO Conheça alguns brasileiros que incorporam o voluntariado à sua rotina e independem de datas comemorativas para exercitar a generosidade. TEXTO FERNANDA ALLEGRETTI JOSÉ JÚNIOR, 46 ANOS, EMPREENDEDOR SOCIOCULTURAL O QUE FAZ: é coordenador executivo do Grupo Cultural AfroReggae, fundado por ele (RJ). “Sabia que a cultura poderia dar rumo à vida de muitos jovens†No dia 29 de agosto de 1993, homens encapuzados executaram 21 moradores do bairro de Vigário Geral, na Zona Norte do Rio de Janeiro. A chacina foi atribuída a policiais militares, que estariam se vingando da morte de colegas assassinados por traficantes do local. Enquanto quem podia evitava a região, o carioca José Júnior fundava, em Vigário Geral, o Grupo Cultural AfroReggae. "Não tive medo", orgulha-se ele. "A violência sempre andou grudada em mim. Nasci no subúrbio e vi muitos amigos morrerem, mas naquela época já sabia que a cultura poderia dar rumo à vida de muitos jovens." No início, o AfroReggae oferecia aulas de percussão, danà§a e reciclagem. Hoje, distribuídas pelos três núcleos de atuação (Vigário Geral, Cantagalo e Parada de Lucas), funcionam mais de trinta oficinas nas áreas de cultura e educação. Um projeto recente está sendo feito em parceria com o Google, para incluir ruas e comércios de favelas no mecanismo de busca em si e no Google Maps. Júnior estima que a associação impacte a vida de 10.000 pessoas. "Mas nosso alcance vai além das comunidades. Mediamos relações entre pobres e ricos e, ao melhorarmos a vida de um, influenciamos a do outro também." O bom desempenho do AfroReggae, aliado à habilidade de seu fundador em transitar por dois mundos tão distintos, o dos excluídos e o das grandes corporações, transformou Júnior em uma celebridade do empreendedorismo social. Entre seus amigos famosos estão Caetano Veloso, Luciano Huck, João Roberto Marinho e Aécio Neves. "Acho que a admiração vem do fato de o AfroReggae trabalhar com aqueles de quem ninguém quer saber: travestis aidéticos, ex-presidià¡rios, craqueiros. Quando conseguimos melhorar a vida dessas pessoas, a superação é espetacular." O Brasil tem mais de 11 milhões de favelados. O Rio de Janeiro concentra 14,9% deles. Depois de 21 anos no AfroReggae, duas histórias tocam de modo especial o seu fundador: a dos meninos Bebel e Chechena. Os dois foram alunos de circo da instituição. O primeiro abandonou a criminalidade e foi para o Cirque du Soleil. O segundo teve quatro irmãos assassinados por traficantes e, ainda assim, acabou na companhia americana Ringling Brothers. Hoje, Chechena é diretor de fotografia do AfroReggae. Diz Júnior: "O ser humano precisa de uma segunda chance. No morro, muitos não tiveram nem a primeira. Todos temos um pouco de Papai Noel e representamos essa figura para alguém". LUCIANA ROCHA, 46 ANOS, PROFESSORA DE IOGA E DANÇARINA O QUE FAZ: dá aulas de dança a internas da Penitenciária Feminina da Capital (SP) “Parto da premissa de que todo mundo merece uma segunda chance†A mineira Luciana Rocha chega à Penitenciária Feminina da Capital (PFC), na região do Carandiru, em São Paulo, 45 minutos antes de iniciar seu expediente. Depois de passar pela recepção, segue para a revista de praxe e, finalmente, vai para a capela usada como sala de aula. Há cinco anos, Luciana, que veio de Minas ainda pequena, começou a ensinar dança do ventre às internas estrangeiras da instituição. Com o tempo, elas passaram a pedir à professora que trouxesse músicas de seu país de origem e foram ensinando umas às outras os passos típicos de cada nacionalidade. Na turma, que tem cerca de trinta alunas, há húngaras, africanas, filipinas, espanholas, búlgaras, portuguesas e bolivianas. A maioria se enquadra na faixa etária de 20 a 35 anos. Relata a professora: "Meu inglês é mediano, e muitas não dominam o português. Eu falo e começo a dançar. Elas vão olhando e imitando". A experiência de vinte anos atuando como voluntária com infratores - antes da PFC, Luciana trabalhou na Febem - ensinou a professora a nà£o se envolver com a história de quem está confinado. Embora saiba que a maioria de suas alunas foi presa por tráfico de drogas, nà£o faz perguntas e não fala sobre a vida em liberdade, para não angustiar as prisioneiras. "Minha proposta é trabalhar a autoestima. Quando falamos dos delitos, remetemos a algo que está no passado, mas meu compromisso é com o presente e o futuro", explica. A população carcerária brasileira é a terceira maior do mundo - são mais de 711.000 prisioneiros. Desse total, 6% sà£o mulheres. A PFC abriga 693 detentas. "Parto da premissa de que todo mundo erra e merece uma segunda chance. A sociedade não as conhece; eu, sim, e sei que são recuperáveis", assegura Luciana. Em duas ocasiões, ela ajudou a empregar ex-detentas libertas. Em outra, levou à  praia uma ex-aluna sul-africana, também recém-saída da prisão, que queria conhecer o mar do Brasil. "É raro encontrar quem queira ajudar os presos. A colaboração que consigo é por meio de amigos", atesta a professora. Para encerrar o ano, o grupo de dança fez uma apresentaçà£o de Natal só para convidados do presídio, com ritmos diversos, como salsa, e até cantos religiosos (uma demanda das próprias presas). Diz Luciana: "A detenção traz uma disciplina que faz com que as pessoas reflitam muito sobre a própria trajetória. Por essa razão, minhas alunas expõem a arte de uma forma carregada de sentimentos". CLAUDIA VISONI, 48 ANOS, JORNALISTA O QUE FAZ: atua no projeto Cisterna Já, que ensina a reutilizar a à¡gua da chuva, e em outras ações ambientalistas, como a disseminação da agricultura urbana (SP) “Não penso que estou fazendo um trabalho voluntário, mas necessário†Quando a crise hídrica começou a se agravar em São Paulo, no início do ano, a paulistana Claudia Visoni passou, literalmente, a perder o sono. Ambientalista, a maneira que encontrou para remediar a própria insônia e ainda ajudar a coletividade foi engajar-se no projeto Cisterna Já, criado recentemente por cidadãos dispostos a ensinar a população a captar e reutilizar água da chuva. "A cisterna oferece resultados imediatos e pode substituir até 50% do consumo de uma casa", explica Claudia. Seu interesse pelo meio ambiente comeà§ou na infância, quando integrava um grupo de bandeirantes, e aprofundou-se na vida adulta. Há dois anos, ela desfez a própria empresa de comunicação corporativa para atuar integralmente como ativista ambiental. Entre as principais atribuições de Claudia estão a disseminação do programa Cisterna Já, a manutenção de duas hortas coletivas e funções na subprefeitura de Pinheiros, na Zona Oeste, onde atua como conselheira municipal do meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Claudia foi eleita para o cargo em 2013 e nà£o recebe salário. "Acompanho audiências e o desenvolvimento de projetos. A ideia é estimular o debate sobre ecologia e fazer com que as questões ambientais estejam na pauta do governo." Com chuvas abaixo da média há mais de um ano, o Sudeste do Brasil atravessa a pior crise hídrica de sua história. Especialistas estimam que a volta à normalidade em reservatórios como o da Cantareira, que abastece mais de 8,1 milhões de pessoas na Grande Sà£o Paulo, leve ao menos dois anos. Logo, incorporar atitudes mais econà´micas será uma necessidade, e não uma escolha. Claudia mantà©m na própria casa uma cisterna capaz de armazenar 2500 litros. Dada a gravidade da situação, a jornalista tem recebido convites para dar palestras em escolas e condomínios. "Não penso que estou fazendo um trabalho voluntário, mas necessário. Gostaria que houvesse um emprego com as características da atividade que desempenho, mas esse mercado não existe." Claudia faz os próprios cosméticos e produtos de limpeza biodegradáveis. Lava roupas em uma bacia para economizar água e, todos os dias, come algo plantado na horta que mantém em sua residência. "Não sugiro às pessoas que virem voluntárias em tempo integral, mas destinar quinze minutos da semana para regar uma horta coletiva, por exemplo, já vai ajudar bastante. É muito prazeroso investir em algo que melhora a cada dia. É só começar para constatar." MARIA MARQUIS BATISTA, 61 ANOS, BANCÁRIA APOSENTADA O QUE FAZ: Lê livros para crianças internadas em um hospital de Brasília. “Quando conto histórias, esqueço os descontentamentos do dia†Certa vez, quando a mineira Maria Marquis Batista passava pela emergência do Hospital Materno Infantil de Brasília, localizado na Asa Sul do plano piloto da capital federal, uma menina com cerca de 4 anos chamou sua atenção. "Ela estava acompanhada do pai e chorava, com cara de assustada", relembra. Com um livro nas mãos, a aposentada se aproximou da garotinha e lhe perguntou se gostaria de ouvir uma história. "Quando terminei, ela virou para o pai e disse: 'Este hospital é muito legal, né, pai?'. Ganhei o dia." Desde 2008, Maria faz parte da Associação Viva e Deixe Viver, criada em 1997 com a missão de capacitar voluntários para atuar como contadores de histórias em hospitais de sete estados e do Distrito Federal. O brasileiro lê pouco. Em média, quatro livros por ano - e só chega ao fim de metade deles. Uma das missões da Viva e Deixe Viver é estimular o interesse pela leitura. "Para isso, variamos a entonação da voz, usamos fantoches, jogos e edições com ilustrações bonitas e coloridas. Quando vejo que a narrativa não está fazendo sucesso, começo a florear e inventar novos rumos para os personagens." O Hospital Materno Infantil de Brasília é público e tem um acervo com mais de 500 livros. Na própria casa, Maria coleciona 167 obras infantis e infantojuvenis, que frequentemente atraem a atenção da neta de 4 anos. No ambiente hospitalar, antes de começarem a contar qualquer história, os voluntários pedem a autorização da criança. "Ela já está ali confinada, seguindo ordens de um monte de gente. Nós lhe damos a oportunidade de escolher ao menos nesse momento", explica Maria. Outra orientação que a aposentada segue à risca é não perguntar sobre os motivos da internação. "Não falamos de doença. A ideia é justamente tirar a criança daquele ambiente e transportá-la para um mundo de fantasia, onde ela pode ser o que quiser." No Natal, a biblioteca da voluntária costuma aumentar com os exemplares que recebe de presente. Entre 20 e 22 de dezembro, a Associação Viva e Deixe Viver organiza um mutirão para alegrar os pacientes mirins. No dia 25, Maria, que há 51 anos mora na capital federal, faz questão de se ausentar da reunião familiar por um período para ir à instituição. "Muitas crianças não recebem uma única visita nesse dia, e, para ser sincera, acho que me divirto mais do que elas. Quando conto histórias, esqueço os descontentamentos do dia. Sempre saio renovada. É extraordinário!" JOSÉ ALEXANDRE NEVES, 51 ANOS, MOTORISTA ESCOLAR, E PAULA GUIMARÃES, 50, PESQUISADORA DE MARKETING. O QUE FAZEM: levam os cães João e Maria para auxiliar no tratamento de pessoas com paralisia cerebral (SP) “Queremos dar ao outro um pouco daquilo que consideramos um dos bens mais preciosos: o tempo†No primeiro sábado de cada mês, o casal Paula e José Alexandre acorda mais cedo para levar os vira-latas João e Maria à Fraternidade Irmã Clara (FIC), na Zona Oeste de São Paulo. A instituição abriga portadores de paralisia cerebral, e a funçà£o de João e Maria é estimular os internos a movimentar os membros - a rigidez muscular é característica da enfermidade. Depois de correrem livremente pelo jardim da propriedade, os cães seguem para o interior do edifício e são acomodados no colo dos pacientes ou em banquetas ao alcance deles. "Apenas uma das 37 pessoas que moram no local consegue falar. As outras murmuram ou são monossilábicas. A relação se dá basicamente por meio dos gestos", explica Paula. Há dois anos, o casal e os dois vira-latas fazem parte do Instituto Cão Terapeuta, criado em 1998 com o intuito de fomentar a terapia assistida por animais. Acostumada a trabalhar como voluntária desde a adolescência, Paula se surpreendeu com o projeto na FIC. "Lá, aprendemos a ser humildes, pois nosso cuidado é totalmente paliativo. Nà£o vamos fazer uma diferença visível na vida dos assistidos. Um simples movimento com a mão é suficiente para eu ter certeza de que o esforço vale a pena." A paralisia cerebral acomete até seis em cada 1000 nascidos vivos no país. De todas as instituições atendidas pelo Cão Terapeuta, a FIC é a que tem a maior rotatividade de voluntários, pois alguns criam altas expectativas. Na primeira visita à entidade, Paula e José Alexandre ficaram impressionados. "Eu saí chorando, pois há quem fique literalmente amarrado para poder sustentar o prà³prio corpo", diz Paula. Foi José Alexandre que deu apoio à mulher. "Quando vi aquelas pessoas, muitas das quais abandonadas pela própria família, tive certeza de que nosso lugar era ali." Apesar da rotina agitada, Paula e José Alexandre nunca faltaram um único dia ao trabalho voluntário. "Queremos dar ao outro um pouco daquilo que consideramos um dos bens mais preciosos: o tempo. Sabemos o valor que ele tem, pois nunca sobra", diz Paula. Nas salas onde ocorrem as interações, João e Maria circulam abanando a cauda, farejando e procurando quem esteja disposto a fazer um afago. Permitem até que os pelos sejam puxados sem esboçar uma única reação agressiva. "Ali dentro, agimos mais ou menos como os cães", comenta Paula. "Nem procuramos saber a história dos pacientes, porque o intuito não é ficar ligado ao sofrimento, mas ao assistido em si. Tratà¡-los como coitadinhos não iria ajudá-los em nada." MARCELO BOEIRA, 42 ANOS, METALÚRGICO, E REGIANE BOEIRA, 33, RECEPCIONISTA. O QUE FAZEM: dedicam-se, em tempo integral, ao Instituto Bruno Boeira, que eles mesmos fundaram, em Barretos (SP), para abrigar, de forma gratuita, pacientes que estão passando por tratamento de câncer. “Perdemos um filho, mas ganhamos muitos outros†Em agosto de 2012, o jovem Bruno Boeira morreu depois de um ano e meio se tratando de um carcinoma de rinofaringe, câncer que atinge as vias aéreas superiores, no Hospital de Câncer de Barretos, no interior de São Paulo. Faltavam duas semanas para Bruno completar 17 anos. Ele havia perdido 30 quilos e, no mês anterior, consumido meio litro de morfina para aplacar as dores que o faziam urrar. Durante o período da internação, o pai, Marcelo, e a madrasta, Regiane, mudaram-se de Caxias do Sul (RS) para Barretos com os outros dois filhos. "Ficamos revoltados, mas, mesmo enfrentando tanta dor, eu não conseguia esquecer o desejo do meu filho", diz Marcelo. Bruno tinha vontade de fazer um abrigo próximo ao hospital para alojar as famílias que vêm de todo o Brasil para se tratar na instituição. O Hospital de Câncer de Barretos foi fundado pelo oncologista Paulo Prata, em 1962. Nele, todos os pacientes recebem atendimento gratuito pelo Sistema Único de Saúde. No último ano, foram atendidos 108.000 pacientes - no mesmo período, surgiram cerca de 580.000 novos casos de câncer no Brasil. O hospital tem um déficit operacional de 10 milhões de reais e sobrevive com financiamentos dos governos federal e estadual e da iniciativa privada, além de contar com doaçàµes da comunidade. Como o tratamento é frequentemente prolongado e muitas pessoas que vêm de outros estados não têm condições de pagar um hotel, as famílias precisam ser acomodadas em alojamentos. São três as opções: os do próprio hospital, os municipais, oferecidos pelas cidades vizinhas, e, desde o início deste ano, o Instituto Bruno Boeira, o único a abrigar famílias inteiras. Localizado na mesma rua do Hospital de Câncer, o instituto tem capacidade para receber vinte pessoas, entre familiares e pacientes. Assim como o hospital, o abrigo depende muito de doações. "Nosso gasto mensal gira em torno de 20.000 reais; damos tudo de graça, da comida à  passagem para voltar para casa, se precisar", relata Regiane. Desde agosto, ela e o marido abandonaram o emprego para se dedicar em tempo integral a instituição. "Vivemos com os 1000 reais que o pastor da igreja nos dá", conta Marcelo. O casal é evangélico. Apesar de conviverem com histórias tristes - já aconteceu de, na mesma semana, um paciente morrer e outro ter de amputar uma perna -, Marcelo e Regiane se dizem felizes. "O instituto preenche nossa vida. Estamos contentes, e acho que o Bruno também está", diz Regiane. "Perdemos um filho, mas ganhamos muitos outros", conclui Marcelo. SIRLEI STRAIN DE AZEVEDO, 66 ANOS, ASSESSORA DE IMPRENSA APOSENTADA O QUE FAZ: é madrinha afetiva (PR) “Não existe nada melhor do que fazer uma criança dar risada†Após perder o marido, em 2006, e parar de trabalhar como assessora de imprensa, a catarinense Sirlei Strain de Azevedo se viu às voltas com tempo livre de sobra. "Sabia que queria ajudar alguém, mas nà£o sabia quem nem como", conta. Foi assistindo à TV que conheceu a possibilidade de se tornar madrinha afetiva. Trata-se de uma iniciativa proposta por orfanatos a adultos que queiram apadrinhar uma criança, levando-a para passear e visitando-a com frequência. "Fazemos o papel de um parente, que orienta e dá amor a quem é carente de tudo", explica. Depois de um início decepcionante — a primeira menina direcionada para ser apadrinhada por ela vivia fugindo —, Sirlei conheceu Yasmin. "Foi amor à primeira vista." Como Yasmin estava em processo de adoção por um casal de italianos, Sirlei foi orientada a acompanhar outra garota, Renata. Acabou convivendo com ambas, levando-as ao cinema, a restaurantes e à própria casa, até que Yasmin partisse para a Itália. "Na festa de despedida, que aconteceu no orfanato, uma terceira garotinha, a Isabela, perguntou se eu não podia ser madrinha dela." Isabela passou um ano e meio no orfanato, até que a avó a tirasse de lá, junto com outros dois irmãos. Nesse meio-tempo, Sirlei levou a nova afilhada e Renata para viajar, frequentar parques e teatros, organizou festas de aniversário e as convidou para passar o Natal com sua família. "É emocionante ver como essas crianças sà£o ávidas por informação. Tudo - das variedades de frutas da feira a uma hospedagem em hotel - é um grande acontecimento." No Cadastro Nacional de Adoção constam 5637 crianças e adolescentes e 33.156 pretendentes. A predileção das famílias é por bebês ou crianças pequenas; portanto, quanto mais velho for o menino ou a menina, menor é a chance de encontrar um lar definitivo. O apadrinhamento afetivo visa a contemplar quem fica para trás na fila da adoção. Segundo dados do projeto Recriar, de Curitiba, do qual Sirlei faz parte, no ano passado 33 crianças foram apadrinhadas, metade delas com mais de 12 anos. Até hoje, mesmo tendo retornado ao convívio familiar, Isabela continua próxima de Sirlei. No ano passado, a garota, que hoje tem 13 anos, convidou a aposentada para ser sua madrinha oficial. Sirlei continua frequentando o orfanato, onde ainda mora Renata, de 16 anos (as duas aparecem com Sirlei na foto). "Sinto que tenho muito a contribuir. Não existe nada melhor do que fazer uma criança dar risada." VILMA ARAÚJO DE ALMEIDA, 72 ANOS, ENFERMEIRA APOSENTADA O QUE FAZ: escreve cartas para pessoas analfabetas ou semianalfabetas (SP) “Fico feliz em saber que ainda posso ser útil a alguém†Parece coisa de cinema - mas não é. Todos os anos, na época do Natal, a paulistana Vilma Araújo de Almeida recebe pedidos de crianças para escrever cartas ao Papai Noel. "Um dia veio uma menina que queria uma toalha de banho", lembra ela. "Estranhei, mas a garotinha explicou: a família só tinha uma e, quando chegava a hora de ela mesma ir para o chuveiro, a peça já estava encharcada." Há seis anos, Vilma é voluntária no programa Escreve Cartas, que funciona no Poupatempo, mantido pelo governo de São Paulo. A inspiraçà£o para o projeto, criado em 2001, veio da personagem Dora, interpretada por Fernanda Montenegro no filme Central do Brasil, de Walter Salles (1998). Assim como Dora, os voluntários do programa paulista têm o objetivo de ajudar quem tem dificuldade para se comunicar por meio da escrita. A maior parte das pessoas que procuram o Escreve Cartas no Poupatempo de Itaquera, na Zona Leste, onde Vilma trabalha, são mães de presidiários. Mas há pedidos de todos os tipos. "Escrevemos para parentes, políticos, apresentadores de televisão; fazemos currículos e até cartas de amor." Um dos usuários mais assíduos do programa é um homem de meia-idade que quer arrumar uma namorada. Ele chega ao balcão de atendimento munido de livros de poesia e jornais em que saem anúncios de pessoas que querem se corresponder. "Depois de lermos para ele as características das pretendentes, um de nós escreve para a selecionada como se fosse o próprio. Quando a pessoa nà£o responde, ele volta para questionar se enviamos realmente a mensagem." O Brasil possui a oitava maior população de analfabetos do mundo, de acordo com a Unesco. O índice de brasileiros com 15 anos ou mais que não sabem ler nem escrever é de 8,7%, o que corresponde a um número pouco acima de 13 milhões de pessoas. Vilma atua como voluntária há mais de trinta anos. "Meus netos dizem brincando que eu preciso me aposentar do voluntariado, mas fico feliz em saber que ainda posso ser útil a alguém." Ela trabalha à s quintas-feiras por cerca de quatro horas. Com frequência, recebe usuários que voltam para contar suas experiências. "Uma histà³ria que não esqueço é a de um senhor que havia brigado com a nora. Ele teve um AVC e não conseguia mais escrever. Fizemos uma carta muito bonita para ela. Depois, ele veio me contar que haviam se reconciliado. Essa alegria não tem salário que pague", emociona-se esta Dora do mundo real. REGINALDO DE TÚLIO, 51 ANOS, VENDEDOR O QUE FAZ: administra o Cine Favela, criado por ele, que exibe gratuitamente filmes para os moradores de Heliópolis (SP) “Se pudesse pedir algo ao Papai Noel, pediria a oportunidade de estudar cinema†Parece cinema – e é. Todo domingo, às 16 horas, Reginaldo de Túlio organiza sessões para crianças e adultos na favela de Heliópolis, na Zona Sul de São Paulo. Os filmes, na maioria das vezes, são curtas-metragens feitos por moradores da periferia. Isso porque não é permitida a transmissão pública de obras profissionais sem o pagamento de direitos autorais. Paranaense, De Túlio foi morar em Heliópolis em 1985 e deu início ao projeto do Cine Favela, às próprias custas, em 2004 - e até hoje o mantém de pé sem patrocínio. A entrada é gratuita, assim como a pipoca e o refrigerante. Apaixonado por cinema desde os 16 anos, quando assistiu a um filme dos Trapalhões, o vendedor tem um acervo de 2400 DVDs, a maioria deles produzida na periferia - e alguns dirigidos ou encenados por ele mesmo. O Cine Favela funciona em um antigo bar. É a única sala de exibição de Heliópolis, que tem 200.000 moradores. A caràªncia de opções culturais na periferia está registrada em uma pesquisa feita pelo Instituto Data Popular em julho deste ano. Dos 2024 entrevistados das classes C, D e E, apenas 12% responderam que haviam frequentado o cinema nos últimos trinta dias. Mesmo com cadeiras de plà¡stico e sala sem isolamento acústico, as crianças aprovam o espaço de Reginaldo. "Os filmes são tão bons quanto os que passam no shopping. A única diferença é a tela menor", diz João Victor Martiniano, de 12 anos. Desde 2005, De Túlio organiza o Festival Cine Favela de Cinema. "É o Oscar da periferia", brinca ele, que premia o ganhador com um troféu. No primeiro ano de festival, apenas dez produções foram inscritas. O recorde foi alcançado em 2013, com 551 filmes concorrendo, inclusive alguns do exterior - do México, França e Inglaterra. Aos 51 anos, o cineasta de Heliópolis acaba de completar o ensino mà©dio. "Voltei a estudar porque precisava aprimorar o português e aprender a me expressar melhor. Essas dificuldades me atrapalhavam na hora de divulgar o projeto." Na semana do Natal, além de uma sessão com alguns filmes temáticos, De Túlio organiza uma entrega de brinquedos às crianças mais necessitadas, em parceria com uma pessoa de fora da comunidade. "Se pudesse pedir algo ao Papai Noel, seria a oportunidade de estudar cinema e uma reforma nas instalações do Cine Favela. Como arco com o aluguel do local sozinho, fica difícil fazer manutenção. Mas não há nada que pague essa experiência." _______________________________________ 8# ARTES E ESPETÁCULOS 24.12.14 8#1 CINEMA – PATRIARCA DO TERROR 8#2 CINEMA – UMA DELICADA PANCADARIA 8#3 TELEVISÃO – A BATALHA DO BIQUINHO 8#4 TELEVISÃO – MAL ROMPE A MANHà 8#5 VEJA RECOMENDA 8#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 8#7 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – PERSPECTIVAS 2015 8#1 CINEMA – PATRIARCA DO TERROR Choveram críticas ao elenco branco como neve de Êxodo. Mas o problema maior do filme de Ridley Scott é outro: a alegoria nem muito informada nem muito honesta que ele faz do atual conflito entre israelenses e palestinos. ISABELA BOSCOV O texto do Velho Testamento dá a entender que Moisés sempre teve conhecimento de que era judeu, apesar de, ainda recém-nascido, ter sido salvo das águas do Rio Nilo pela irmã do faraó do Egito e criado por ela. Já em Êxodo — Deuses e Reis (Exodus: Gods and Kings, Estados Unidos, 2014), que estreia no país na quinta-feira (25), ele crê ser tão egípcio quanto qualquer um à  sua volta. E por que não acharia isso, se o velho faraó Seti é um ítalo-americano do Brooklyn (John Turturro) casado com uma nova-iorquina da gema (Sigourney Weaver), o futuro faraó Ramsés II (Joel Edgerton) e o vice-rei que maltrata os escravos judeus (Ben Mendelsohn) são australianos, ele próprio (Christian Bale) nasceu no País de Gales e todos falam com aquele falso sotaque britânico de filmes dos anos 40? Surpresa seria se Moisés não estivesse confuso sobre suas origens e recebesse sem choque a notícia de que deve libertar seu povo da escravidão em que este vive há 400 anos para conduzi-lo de volta a Canaã. E mais surpreendente ainda seria se o crità©rio eurocêntrico de escolha de elenco do diretor inglês Ridley Scott não tivesse provocado a grita que provocou — grita da qual o cineasta, metendo os pés pelas mãos, se defendeu dizendo que nunca teria conseguido levantar 140 milhões de dólares para uma produção estrelada por um "Mohammed qualquer". É quase sorte de Scott, porém, que essa polêmica um tanto previsível tenha dominado tudo o que se diz sobre Êxodo, já que ela obscureceu outros dados tão ou mais incômodos. O primeiro: se Scott catorze anos atrás revitalizou o épico com Gladiador, ele se mostra agora um cineasta antiquado tanto no estilo grandiloquente quanto nos excessos digitais. O segundo: seu filme cria um Moisés guerrilheiro que não tem respaldo nem na Bíblia nem na historiografia e o coloca como figura central de uma alegoria altamente discutível sobre a criaçà£o do Estado de Israel na esteira da II Guerra Mundial e o atual conflito entre israelenses e palestinos. Por meio de ilações e alusões, Scott e seus quatro roteiristas parecem querer dizer que um povo perseguido que teve de recorrer a atos de guerra ou violência para se estabelecer em um território ao qual crê ter direito histórico não pode reclamar quando outros fazem o mesmo, ou quando esses atos se voltam contra ele. Por que "parecem" querer dizer? Porque os paralelos simplesmente vão surgindo e se acumulando de forma dúbia; a intenção — se é que a palavra se aplica aqui — parece ser induzir a leitura deles tanto pelo direito como pelo avesso. A saber: Moisés mata um soldado egípcio que está açoitando dois escravos judeus (o único ato de violência por parte do patriarca que efetivamente consta da Bíblia) e tem de fugir do recém-entronizado Ramsés II. Em retaliação, o faraó manda a soldadesca arrancar brutalmente os judeus de suas casas, colocando-os em filas lúgubres — uma referência direta ao desmantelamento dos guetos de Varsóvia e Cracóvia e à deportação de seus ocupantes para os campos de extermínio nazistas. Tendo se convertido em milicianos para alcanà§ar sua libertação, os judeus pontificam que é preciso que a população egípcia sofra até ser ela a exigir que o faraó os liberte — a tática por excelência do Hamas palestino, do Hezbollah libanês, da Al Qaeda ou de qualquer outro grupo que espalha o terror hoje. É imediata, também, a associação entre as flechas incendiárias que os judeus atiram contra as embarcações no Nilo e as imagens que se vêem nos noticiários dos mísseis do Hamas cruzando os céus de Israel. Da mesma forma, o contraste entre o urbanismo amplo e limpo da capital, Mênfis, e as condições em que vivem os judeus na cidade de Píton pode ser lido como o contraste entre a aprazível Tel-Aviv e a esqualidez de Gaza ou da Cisjordânia. Mais tarde, já conduzindo os seus pelo deserto rumo a Canaã, Moisés explicará que chegar até a Terra Prometida, por difícil que pareça, é a parte fácil; muito mais duro será solucionar as dificuldades que surgirão com esse tanto de gente se instalando entre os povos que já estão lá, os quais certamente não vão acolher a intrusão. Não é que não haja uma certa quantidade de pertinência nesses paralelos. Também não é dizer que o livro do àŠxodo não possa se prestar a uma analogia com o presente: questàµes de fé à parte, muitos historiadores teorizam que ele é um relato integralmente mítico, com poucas raízes ou nenhuma em eventos reais, e que nem mesmo Moisés teria um correspondente de carne e osso — é, enfim, uma narrativa concebida para exortar a união e a criação de uma identidade nacional. E poucas coisas, no mundo de hoje, estão tão estreitamente ligadas à ideia do estabelecimento, pela força da vontade, de uma identidade nacional quanto o Estado de Israel. O que, então, está errado aí? O queé equivocado, ou inconsequente, ou talvez até desonesto em àŠxodo é inventar um passado e então fazer dele um símile do presente, para alegorizar a criação de Israel como uma necessidade e ao mesmo tempo, à sorrelfa, insinuar coisas que só um desatinado argumentaria — essencialmente, que o terrorismo do Hamas se justificaria por precedente e como uma espécie de direito de defesa. Em um filme centrado na figura do patriarca judeu que na tradição é o autor da Torá, a coleção de livros bíblicos que está no fundamento da religião judaica, trata-se de um contrabando e tanto. Êxodo, é verdade, tem lá suas facetas instigantes. A sequência das dez pragas que Deus manda para castigar o Egito, do Nilo que começa a correr em sangue à morte dos primogênitos, à© coisa do Ridley Scott dos bons tempos (e obedece à tese mais em voga hoje de que as pragas referem uma série de calamidades ambientais). E a ideia de mostrar o Deus que aparece para Moisés como um menino petulante, impaciente, voluntarioso (o garoto inglês Isaac Andrews, cheio de presença) é, essa sim, uma visão crítica da matà©ria-prima original. Acredita-se em Deus porque Ele existe ou Ele existe porque se acredita n'Ele?, é a questão que os embates entre Moisés e o menino vão desenhando, e a única linha do enredo na qual Christian Bale parece estar realmente à vontade. Já aquela cena da qual todo mundo quer saber, a da abertura do Mar Vermelho, que Cecil B. DeMille transformou na imagem-símbolo de Os Dez Mandamentos — bom, o filme de 1956 está aí em DVD, em toda a sua glória Technicolor e seus suntuosos e rudimentares efeitos especiais, para dar à plateia o momento de pasmo pelo qual ela espera. 8#2 CINEMA – UMA DELICADA PANCADARIA Operação Big Hero, da Disney, é estrelado por super-herà³is nerds que botam para quebrar, mas sem perder a fofura. Operação Big Hero (Big Hero 6; Estados Unidos; 2014), que estreia na quinta-feira de Natal, é um produto do que no jargão corporativo se chama de ''sinergia". A Disney é dona da Pixar; o chefà£o da Pixar, John Lasseter, também é o mandachuva dos estúdios de animação da Disney; de quebra, esse gigantesco conglomerado do entretenimento abriga uma usina de criação de super-herà³is, a Marvel. Egressos de um gibi da Marvel, os personagens lembram Os Incríveis, da Pixar, mas com um certo colorido de anime japonês. A paisagem é San Fransokyo, metrópole que embaralha cartões-postais de São Francisco com prédios de Tóquio. E os protagonistas são um adolescente de ascendência nipônica, Hiro Hamada, e seu fiel e fofo escudeiro, o robô Baymax. Aos 14 anos, Hiro já é um prodígio da tecnologia, embora desvirtue sua força criativa em atividades recreativas — lutas de robôs. Seu irmão mais velho, Tadashi — também ele um projetista brilhante: foi quem criou Baymax —, consegue convencer Hiro a dedicar seu talento à pesquisa em um instituto universitário. Entra em cena o vilão: um projeto revolucionário de Hiro, microrrobôs controlados pelo pensamento, é roubado por um misterioso homem que usa uma máscara kabuki. Uma virada trágica faz com que Hiro resolva caçar o bandido por conta própria, apenas com a ajuda de Baymax. Ocorre que Tadashi criou o robô para ser um prestativo e inofensivo médico doméstico, não para lutar contra gênios do mal. Boa parte da graça do filme brota do contraste entre a natureza pacífica do robô, com suas formas rechonchudas, e as situações de destruição em escala industrial nas quais ele se envolve. Hiro e Baymax não estarão sempre sozinhos: uma turma de quatro amigos — três jovens cientistas e um abilolado fã de histórias em quadrinhos — virá socorrê-los. E, graà§as aos gadgets tecnológicos que eles sabem projetar, todos se vàªem transformados em superheróis. Operação Big Hero segue um filão prolífico da cultura pop recente: a exaltação da cultura geek. Há quase uma mensagem pedagógica aqui: olhem só, crianças, como é legal estudar (embora quase não se veja nenhum personagem realmente queimando as pestanas). A Pixar, a grande criação de Lasseter, vem diluindo sua antes inigualável força imaginativa em sequências inanes como Carros 2. E a nave-mãe, a Disney, está tomando a frente. Depois do sucesso estrondoso do convencional Frozen, agora o estúdio apresenta uma animação com um jeitão pop, sem cantoria, e com ação alucinante e lutas quase tão hiperbólicas quanto as que se viram no filme Os Vingadores. Há pontos cediços no roteiro, que lá pelo meio lança uma revelação pretensamente surpreendente, mas em geral acaba sendo previsível. Mas é um filme com emoção sincera. Operação Big Hero dá nova configuração à clássica história de amizade entre um menino e seu leal cachorro. Que, neste caso, é um robô. JERÔNIMO TEIXEIRA 8#3 TELEVISÃO – A BATALHA DO BIQUINHO Um tipo caricato pode ser o trunfo salvador em uma novela. Mas, provam os gays de Império, não é tudo. Em paralelo ao dramalhão familiar do Comendador (Alexandre Nero), uma refrega dá colorido à novela Império: a batalha do biquinho. De um lado está o blogueiro "do mal" Téo Pereira (Paulo Betti). Do outro há uma esfinge sexual: a(o?) cabeleireira Xana Summer (Ailton Graça) é um cruzamento do Lafayette da série True Blood com o transformista Jorge Lafond (1953-2003). Após atravessar em banho-maria o período eleitoral, o folhetim de Aguinaldo Silva engatou absurdos de maneira voluntária, com a bizarra operação de morte e ressurreição do Comendador, e também involuntária: após a saída de Drica Moraes por questões de saúde, a vilã Cora ressurgiu como a jovenzinha Marjorie Estiano. "Apostei na falta de memória dos brasileiros", diz Silva. Quando uma novela sofre ajustes em pleno voo, personagens caricatos costumam ser a janela de oportunidade capaz de dar projeção a um ator. Silva é especialista em criar tais tipos — vide o mordomo Crô de Marcello Serrado em Fina Estampa. Mas não há caricatura eficiente sem um intérprete de carisma. A população gay de Império, que inclui o banqueteiro enrustido Cláudio (José Mayer) e seu ex-namorado convertido em mendigo Leonardo (Klebber Toledo), demonstra o peso desse fator (veja o quadro). Em tese, os gays dramáticos (sem trocadilho) da novela das 9 da Globo ficam em desvantagem por não dispor da muleta do humor. Ao encarnar um homossexual que é pai e marido exemplar, Mayer foi tão longe na discrição que não se diferencia dos seus galãs maduros de sempre. Toledo se dá melhor como Leonardo, um Cinderelo deprê. Curiosamente, o Téo de Paulo Betti é o menos soltinho de todos. Mesmo com levantadas de bola do autor, como o barraco que Téo protagonizou num julgamento, a sensação é que o exagero trai desconforto. Faria bem a ele uma aula com o humorista Costinha (1923-1995). Ailton Graça põe o travado Téo no bolso. Com seu carecão e cílios postiços, Xana — inspirada em um travesti que o autor conheceu na Lapa carioca — é improvável. Mas, para usar o jargão teatral, passa mais "verdade" ao fazer biquinho. Pode ser que ela se case com uma mulher pelo instinto terno de adotar um garoto. O que não significa que vá se "heterossexualizar". "Hà¡ uma zona cinzenta entre ser gay e hétero. Ainda mais num país liberal como o Brasil, que é essa zorra total", diz Silva. Abalou. MARCELO MARTHE TESTE BAFÔNICO O índice de desenvoltura dos intérpretes dos gays de Império. José Mayer - Capricha tanto na discrição enrustida que Clà¡udio parece só mais um galã maduro de José Mayer. Paulo Betti - O exagero nas caras e bocas trai seu desconforto: está travadão no papel. Klebber Toledo - É chorão, mas confere dignidade ao gay abandonado que virou morador de rua. Ailton Graça – A cabeleira Xana é tão bizarra que ele relaxou e se entregou a caricatura. 8#4 TELEVISÃO – MAL ROMPE A MANHà O início do dia é um horário estratégico para as emissoras. Mais de setenta horas semanais de jornalismo são produzidas para atender um público que levanta cedo e busca informação rà¡pida. BRUNO MEIER “Ai!", exclama Monalisa Perrone, alarmada com o som de um tiro— mas era só uma cena da série Criminal Minds, exibida nas madrugadas da Globo, em um aparelho de televisão que estava alto demais no estúdio. Um minuto depois, recomposta e em seu lugar no cenà¡rio que traz uma estilização geométrica do nascimento do sol, Mona, como é chamada nos bastidores, dá bom-dia e faz um giro para ver o trânsito em algumas capitais. Câmeras a postos na Marginal Tietê, em São Paulo: "Trânsito ainda muito tranquilo na cidade". Corte para Brasília, e um único carro passa seguido de um caminhão: "Atenção! As pistas estão molhadas". Outra rua ainda escura, iluminada por poucos postes, tem apenas um ônibus em movimento: "Tudo tranquilíssimo em Porto Alegre". As massas ainda não ganharam as ruas, mas há, sim, gente assistindo à TV: lançado há três semanas, o jornal Hora 1 dobrou a audiência da Globo no horário das 5 às 6 da manhã, fechando suas cinco edições inaugurais com 4,1 pontos de audiência em Sà£o Paulo. Chama atenção um fato pouco frequente em programas estreantes: com o novo telejornal, mais aparelhos foram ligados nesse primeiro horário do dia. São Paulo e Belo Horizonte tiveram, cada uma, 60.000 novos espectadores. Em Brasília, foram 180.000. Com reportagens e muito serviço — trânsito, previsão do tempo, funcionamento dos aeroportos no país —, o jornalístico foi pensado há três meses para firmar a posià§ão da Globo em uma faixa que passava despercebida pelos canais. Em outubro, Monalisa foi convocada, por WhatsApp, para uma reunião com Mariano Boni, diretor executivo de jornalismo. Foi então que se definiu a nova função de Mona. A concepção e a montagem do programa foram rápidas, para seguir um movimento recente promovido pelas emissoras de reforçar os jornalísticos do início das manhà£s. São eles que servem de catapulta à programação que se segue. Na primeira semana, as quatro horas de jornalismo da Globo — contando com a ampliação de trinta minutos das versões locais e nacional do Bom Dia — elevaram em 13% a audiência das 5 às 9 horas e consolidaram 6 pontos. As demais redes, claro, querem o mesmo público e olham com preocupação as reformulações da Globo. "Fizeram a coisa certa", disse o concorrente Silvio Santos a um assessor ao ver as mudanças na emissora-líder nas últimas semanas. Das 5 da manhã ao meio-dia, segundo dados do Ibope, 22% dos televisores do país estão ligados. Predominam, na audiência matutina, as donas de casa e os aposentados, já que trabalhadores e estudantes costumam sair cedo. Para segurar a audiência ao longo de toda a manhã, porém, é vital começar quando ainda nem amanheceu. Hora 1 é o primeiro jornal ao vivo a ocupar a faixa anterior ao proverbial canto do galo, mirando em quem deve sair cedinho para o dia de trabalho. Mas foi o SBT que começou de fato a desbravar o horário. A rede de Silvio Santos exibia um telejornal ancorado por Hermano Henning em horas que antes se consideravam mortas — e alcançou a lideranà§a, com 4 pontos de audiência. Detalhe: a edição era gravada na noite anterior e reprisada, sem nenhuma atualização, às 4, e depois novamente às 5 da manhã. A Record logo respondeu: minutos preciosos dos programas da Igreja Universal foram cortados para antecipar o Balanço Geral Manhã para as 6 horas. "O bispo (Edir Macedo, dono da emissora) avisou que, se conseguirmos patrocínio, podemos ter jornalismo às 5", diz um executivo. O segundo lugar no horário e a acirrada competição nas horas seguintes acenderam o sinal amarelo na Globo. Já não fazia mais sentido ter em sua grade dià¡ria o Globo Rural, lançado em 1980 para atender aos 4 milhões de televisores que então havia nas zonas rurais. Nas décadas seguintes, milhões de brasileiros migraram do campo para as cidades. A à¡rea urbana pulou de 32 milhões para 160 milhões de habitantes, e o Globo Rural estacionou em minguados 2 pontos. Ao dobrar essa audiàªncia em poucos dias, o Hora 1 prova que não é só na roà§a que as pessoas acordam antes de o sol nascer. A tônica da manhã, em todas as emissoras, é o chamado jornalismo de serviços: o ponto de ônibus que está sem sinalização ou a via que foi interditada por causa de um acidente sà£o notícia. Esse tipo de reportagem exige agilidade na rua — e pede informalidade no estúdio, onde ficam âncoras e comentaristas. As versões locais do Bom Dia, na Globo, por anos engessadas no modelo sisudo treinado desde a década de 70, agora adotam um tom casual — o que, aliás, não é característico só dos programas matinais: até o Jornal Nacional anda mais soltinho. Monalisa, 45 anos, tem, na avaliação da Globo, o perfil para esse jornalismo descontraído. "Eles me falaram que precisavam da minha versatilidade. Mas, para colocá-la toda para fora, tenho de trabalhar a todo o vapor", diz. Repórter há oito anos do Jornal Nacional, com jornadas que se estendiam a até treze horas, Mona até considera mais leve o trabalho da madrugada. Mas, antes de assumir o posto, consultou ginecologista, endocrinologista e nutricionista para pegar recomendações sobre a nova rotina. O almoço foi antecipado para as 11 e meia, e a última refeição do dia é um lanchinho no meio da tarde. "Não me deixa muito magra, hein?", pediu a jornalista de 49 quilos e 1,78 metro ao fotógrafo no dia em que VEJA visitou os estúdios. Eis aí uma frase raramente ouvida no meio televisivo. Nada mais de loiras saltitantes apresentando programas infantis ou reprises de desenhos animados. A ordem da manhã é o programa ao vivo. Essa configuração matinal das emissoras brasileiras segue uma receita antiga e consagrada tanto nas grandes redes quanto nas pequenas emissoras locais americanas: noticiários no raiar do dia, seguidos de programas dedicados a conversas de comadres. A rede ABC dedica cinco horas das manhãs ao hard news e continua com o consagrado Good Morning America, mistura de jornalismo e entretenimento. Há três semanas, a Globo anunciou com orgulho uma virada nas suas manhãs, com nove horas seguidas de programação ao vivo. "São atrações que interagem com quem está no palco, com a plateia e com os espectadores pelas redes sociais. Todos pedem uma conversa direta com o público", diz Sérgio Valente, diretor da Central Globo de Comunicação. Lançado em 2012, o sempre morno Encontro de Fátima Bernardes conseguiu devolver a liderança às manhãs da emissora, antes ameaà§ada pelos desenhos do SBT e pelo Hoje em Dia, da Record, além de ter conquistado novas e mais lucrativas opções de anúncios do que os atraídos pela TV Globinho. Se a informalidade da líder de audiência ainda é contida, nas demais emissoras o tom popularesco predomina. Há um mês, a Record entregou seu primeiro jornalístico à amazonense Fabíola Gadelha, de 34 anos, ex-repórter de Marcelo Rezende no Cidade Alerta. É um circo: semanas atrás, ela intimou um repórter a dançar na rua. "É o gordinho mais lindo do Balanço. Vaai!", incentivou, enquanto ela mesma sambava no estúdio. "É o meu jeitinho. Se tiver de dançar, eu danço. Sou a gordinha que fala o que as pessoas pensam", diz. Monalisa afirma que a TV a emagrece ("principalmente para quem tem rosto fino"). Fabíola pensa o oposto: "A TV aumenta muito. Nas ruas, as pessoas me acham mais magra". Na própria Record, seu desempenho divide opiniões. "Ela pôs em risco a qualidade e a agilidade do jornalismo da casa", critica um diretor. Em janeiro, Fabíola ganhará um novo concorrente: escolado também no programa de Rezende, Luiz Bacci, a maior aposta da Bandeirantes, com salário que ultrapassa os 200000 reais, deixará o sensacionalismo das tardes para estrear às 8 horas num reformulado Café com Jornal. "Ele é a peà§a-chave para compor a nossa estratégia de fortalecer o jornalismo logo no início do dia", diz Diego Guebel, diretor de conteúdo da Band. No SBT, as três horas de Notícias da Manhã seguem a tradição de vendedor do dono Silvio Santos: o merchandising inclui até dentadura. Na semana passada, a jornalista Neila Medeiros anunciou no estúdio, depois de exibir uma reportagem: "Quero falar com vocઠque perdeu todos os seus dentes". Televisão matinal é assim: pois até quem perdeu os dentes precisa ganhar o dia. QUEM CEDO MADRUGA Os apresentadores dos telejornais que participam da renhida competição pelo horário da manhã. 05:00 Monalisa Perrone Hora 1 GLOBO Hora em que acorda: 1 da manhã Audiência (em pontos) 4 05:00 Hermano Henning Jornal do SBT Hora em que acorda: O jornal é a repetição da ediçà£o de 1 da manhã Audiência (em pontos) 2 06:00 Rodrigo Boccardi Bom Dia São Paulo (local) GLOBO Hora em que acorda: 3h30 da manhã Audiência (em pontos) 6 06:00 Neila Medeiros Notícias da Manhã SBT Hora em que acorda: 4h30 da manhã Audiência (em pontos) 2,7 06:00 Fabíola Gadelha Balanço Geral Manhã RECORD Hora em que acorda: 3 da manhã Audiência (em pontos) 3,1 06:00 Luiz Megale e Aline Midlej Café com Jornal BAND Hora em que acorda: 2h15 da manhã Audiência (em pontos) 0,9 07:25 William Travassos SP no Ar (Local) RECORD Hora em que acorda: 4h30 da manhã Audiência (em pontos) 5,5 07:30 Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo Bom Dia Brasil GLOBO Hora em que acorda: 4h30 da manhã Audiência (em pontos) 7 08:45 Carla Cecato e Roberta Piza Fala Brasil RECORD Hora em que acorda: 4h30 da manhã Audiência (em pontos) 6,2 8#4 VEJA RECOMENDA CINEMA IDA (POLÔNIA/DINAMARCA/FRANÇA/INGLATERRA, 2013. ESTREIA NO PAàS NA QUINTA-FEIRA 25) • Na Polônia de 1962, a noviça Anna (Ágata Trzebuchowska) é instada pela madre de seu convento a, antes de fazer seus votos, visitar a tia que nunca se interessou em tirá-la do orfanato em que cresceu. A recepção que ela encontra na casa de Wanda (Ágata Kulesza), juíza e membro da elite comunista, é gélida: em uma conversa de poucos minutos, Wanda esclarece à sobrinha que seu nome verdadeiro é Ida Lebenstein, que ela é, portanto, judia, e que seus pais foram assassinados durante a ocupação nazista do paà­s, na II Guerra. E a põe da porta para fora. Depois de algumas horas, porém, Wanda voltará atrás: vai buscar Anna/Ida e, junto com ela, desencavar algo de sua história. As consequências serà£o trágicas — e o cineasta polonês Pawel Pawlikowski (do exuberante Meu Amor de Verão, com Emily Blunt) faz uso brilhante da austeridade: filmando em preto e branco luminoso, em enquadramentos tensos e espartanos e concentrando-se no rosto de suas atrizes esplêndidas, Pawlikowski retrata um presente que é todo ele uma fabricação, tolhido que está entre um passado de crimes imencionáveis e um futuro que não tem horizonte nem perspectiva. LIVRO CARTAS EXTRAORDINÁRIAS, ORGANIZAÇÃO DE SHAUN USHER (TRADUà‡ÃO DE HILDEGARD FEIST; COMPANHIA DAS LETRAS; 368 PÁGINAS; 99,90 REAIS) • Na era das redes sociais fervilhantes, o inglês Shaun Usher caminha na contramão. Obcecado pelo antigo ritual da correspondência em papel, ele mantém o blog lettersofnote.com, que deu origem a este volume que reúne 125 cartas trocadas entre personalidades notáveis, ou nem tanto, em um período que vai da Renascença ao fim do século XX. Fica-se sabendo, por exemplo, como Leonardo da Vinci pediu emprego na corte de Ludovico Sforza, em Milão, em 1483, e por que o cantor australiano Nick Cave recusou a indicação para um prêmio da MTV, em 1996. A coletânea oferece drama (a nota suicida da escritora Virgínia Woolf), história (o pacifista Gandhi pede calma a Hitler), humor (a satirista Dorothy Parker perde a paciência com a pronúncia de uma enfermeira afetada) e poesia popular (um editor de jornal vitoriano responde a uma garotinha que deseja saber se o Papai Noel existe). Sobretudo, há uma sensação de melancolia, como a de uma carta há muito enviada e ainda sem resposta. TELEVISÃO RECTIFY (SÁBADO 27, ÀS 17H10, E DOMINGO, DIA 28, ÀS 14H, NO SUNDANCE CHANNEL) • Duas excelentes notícias em um pacote só: acaba de chegar ao Brasil, por enquanto disponível apenas no Sky, o canal derivado do festival de cinema alternativo concebido pelo ator americano Robert Redford. Por tabela, o público nacional terá a chance de ver, com dois anos de atraso, a melhor série produzida pelo Sundance. Rectify — com a primeira temporada exibida em maratona no sábado, e a segunda, no dia seguinte, em total de dezesseis episódios — se vale de um realismo sóbrio para narrar a trajetória de um personagem trágico. Daniel Holden (Aden Young) foi preso aos 18 anos, sob acusação de estuprar e matar uma garota. Depois de duas décadas no corredor da morte, é libertado graças a um detalhe técnico forense. O ressurgimento de sua figura infantilizada e meio catatônica, no entanto, provoca mal-estar e revolta em sua cidadezinha, na sulista Geórgia. A série de Ray McKinnon — roteirista e ator que fez participações cultuadas em séries como Dead-wood e Sons of Anarchy — examina o poder corrosivo da dúvida. E o espectador, por mais que simpatize com os padecimentos de Holden, acaba compartilhando da dúvida sobre sua inocência. DISCOS ALTA COSTURA: O PRÊT-À-PORTER POP ROMÂNTICO DE RONALDO BASTOS, VÁRIOS INTÉRPRETES (DUBAS) • Nos anos 70, ouvia-se de tudo nas estações AM: de duplas caipiras a Elis Regina, do samba de Clara Nunes ao brega. Pois Alta Costura pode ser encarado como uma versão em CD dessa versatilidade da antiga rádio. É uma compilação das canções mais populares de um compositor que despontou no auge da AM: Ronaldo Bastos. Ele integrou, ao lado de Milton Nascimento, Beto Guedes e Lô Borges, o Clube da Esquina e brilhou também no repertório, digamos, popularesco. Alta Costura tem sucessos radiofônicos interpretados por gente de alta patente da MPB: Sorte, com Gal Costa e Caetano Veloso, Dois Corações, com Nana Caymmi, e Sei de Cor, com Maria Bethânia e um saxofone estalando de tão brega. E comparecem igualmente cantantes das massas, mas de talento comprovado: Joanna em Mal Nenhum, José Augusto em Castelo de Areia, Zizi Possi em Mania. Como recheio pop, Lulu Santos, Ed Motta e Tim Maia. Alta Costura é "brega" de boa safra, com o mesmo potencial lacrimoso que hoje se ouve em Pablo, o rei do arrocha. LIVE AT FILLMORE WEST, ARETHA FRANKLIN (WARNER) • Em março de 1971, Aretha Franklin, uma das maiores vozes da música negra americana, rendeu-se ao apelo de seu produtor, Jerry Wexler: dispensou os músicos que a acompanhavam regularmente para dividir o palco com os Kingpins, banda do saxofonista King Curtis, em apresentaà§ões na lendária casa de shows Fillmore West, em São Francisco. Os Kingpins contavam com virtuoses como o tecladista Billy Preston (que depois tocaria com os Beatles e os Rolling Stones) e o baterista Bernard Purdie, além do naipe de metais Memphis Horns. Esse time deu a cobertura necessária para que o vozeirão de Aretha, treinado na igreja de seu pai, que era pastor, se elevasse num repertório irretocável. Além do rhythm'n'blues, que é seu terreno (basta ouvir o sucesso Respect), Aretha canta clássicos do pop como Eleanor Rigby (dos Beatles) e Bridge over Troubled Water (de Simon & Garfunkel), indo até o folk de Crosby, Stills & Nash (Love the One You're with). E Ray Charles faz uma participação mais que especial em Spirit in the Dark, màºsica de autoria da própria Aretha. 8#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- Se Eu Ficar. Gayle Forman. Novo Conceito 2- O Irmão Alemão. Chico Buarque. COMPANHIA DAS LETRAS 3- Somente Sua. Sylvia Day. PARALELA 4- Para Onde Ela Foi. Gayle Forman. NOVO CONCEITO 5- O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 6- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA 7- O Sangue do Olimpo. Rick Riordan. INTRÍNSECA 8- Star Wars – Herdeiro do Império. Timothy Zahn. ALEPH 9- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA 10- Felicidade Roubada. Augusto Cury. SARAIVA NÃO FICÇÃO 1- Nada a Perder 3. Edir Macedo. PLANETA 2- O Capital no Século XXI. Thomas Piketty. INTRÍNSECA 3- Aparecida. Rodrigo Alvarez. GLOBO 4- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 5- Bela Cozinha: as Receitas. Bela Gil. GLOBO 6- Sonho Grande. Cristiane Corrêa. PRIMEIRA PESSOA 7- Guga — Um Brasileiro. Gustavo Kuerken. SEXTANTE 8- Tudo ou Nada. Malu Gaspar. RECORD 9- Eu Sou Malala. Malala Yousafzai. COMPANHIA DAS LETRAS 10- Manual do Mundo. Alfredo Luis Mateus e Iberê Thenório. SEXTANTE AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- O Poder da Escolha. Zíbia Gasparetto. VIDA & CONSCIÊNCIA 3- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 4- De Volta ao Mosteiro. James Hunter. SEXTANTE 5- Geração de Valor. Flávio Augusto da Silva. SEXTANTE 6- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 7- As Regras de Ouro dos Casais Saudáveis. Augusto Cury. ACADEMIA DE INTELIGÊNCIA 8- Segundo – Eu me Chamo Antônio. Pedro Gabriel. INTRÍNSECA 9- Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros. Augusto Cury. SARAIVA 10- O Poder do Hábito. Charles Dhigg. OBJETIVA 8#7 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – PERSPECTIVAS 2015 AUSTERIDADE — Começará com aumento de salário para ministros do STF, membros do Congresso, presidente da República e ministros de Estado, provocando efeito que não será cascata, será tsunami, sobre a totalidade do funcionalismo da União, dos estados e dos municípios. Na luta de Levy contra o Leviatã, o primeiro round se ferirá com a vitória já previamente acertada em favor do Leviatã. CHUVA — Não virá na quantidade adequada, e no Sudeste do país, especialmente em São Paulo, surgirão instituià§ões como o banho semanal de caneca. Engraçadinhos sugerirà£o torcer a transposição do Rio São Francisco para o rumo contrário. Na vida real, os governos federal e estaduais anunciarà£o obras de dar água na boca às empreiteiras. Na conferência do clima de Paris, no fim do ano, os países mais uma vez não chegarão a acordo sobre a mudança climática. FUNDO DO POÇO — O escândalo da Petrobras terá o elenco engordado por cada vez mais gente comprometida, e roubalheiras calculadas em cifras cada vez mais vultosas. A conclusão inevitável será de que pior não pode ficar. Mas aí virá a lembrança de que do caso Collor fomos ao dos Anões do Orçamento, do dos Anões do Orçamento ao do mensalão, para citar apenas os mais notórios, e de que se há coisa resiliente, no Brasil, à© o fundo do poço. Enquanto isso, o petroapocalipse se desdobrarà¡ em veredas que levam a outras estatais e outros escaninhos da administração, que implicam mais gente ainda e apresentam cifras ainda mais vultosas. JÓ â€” As maravilhas da vida moderna continuarão a testar o cidadão. Os spams prosseguirão em marcha triunfal contra sua caixa de correio eletrônico, com o apetite de formigas destruidoras. Os bancos lhe cobrarão novas taxas, a conta do telefone celular lhe ameaçará o orçamento doméstico, sem possibilidade de contabilidade criativa que o redima. E vá o pobre coitado ousar reclamar de cobrança indevida do serviço de TV a cabo. O moderno Jó tudo aceita e tudo perdoa. O inferno não são mais os outros; o inferno é não ficar conectado. MINISTÉRIO — Se dou Transportes ao PMDB, o PR se contentará com a Pesca? E, se dou Cidades ao Kassab, o que ofereço ao PP? A presidente Dilma Rousseff atravessará o ano com tais dilemas sobre a mesa, mexendo e remexendo as peças num tabuleiro sempre pequeno para acomodá-las todas. Eureca! Vou criar o Ministério da Bananicultura! Os mesmos métodos que conduzem aos mensalões e petrolões orientarão a formação, as mudanças e as reacomodaà§ões no ministério, como se nada tivesse acontecido. O Brasil é o país em que a história nasce como farsa e se repete como farsa. SETE A UM — Os técnicos de futebol prosseguirão na auspiciosa sina de, a cada fracasso, ficar mais ricos. Para quem é estranho a esse mundo, os técnicos formam um pequeno grupo que se reveza, numa ininterrupta ciranda, de clube em clube. Seus salários se expressam em centenas de milhares de reais. O piso deve andar por volta de 300.000. O melhor, para eles, é que raramente chegam ao fim do contrato; sà£o demitidos antes, tão logo se repitam três ou quatro maus resultados. O salário, claro, continua a ser pago, pois o contrato permanece em vigor. E não raro, sendo logo contratados por outro clube, passam a acumular o salário anterior com o novo. Premiar generosamente o fracasso virou instituição sagrada do futebol brasileiro. SETECENTOS A ZERO — Os brasileiros seguirão aferrados aosúltimos lugares no Pisa, o teste que mede a performance de estudantes de diversos países. Terão dificuldade em compreender textos simples e em matemática não passarão de cálculos elementares. A tragédia da educação brasileira continuará sendo, na frase lapidar do economista Eduardo Giannetti, "o equivalente moral da escravidão no século XXI". ZERO DE ESPERANÇA — Perdoe o leitor o mau jeito. Transições, de ano e de governo, reza costume que acendem a fé e reforçam a confiança. Não estas. Vivemos as transiçàµes da nossa desesperança. -- "A Moderação não atende pedidos em privado (PVT). Qualquer solicitação deve ser direcionada ao Grupo." Antes de fazer um pedido, pesquise nas mensagens antigas. Tutorial no link abaixo: https://groups.google.com/forum/?fromgroups#!topic/livraria-virtual/bKL8nho80E4 Acesse as Regras do Grupo em: http://groups.google.com/group/livraria-virtual/browse_thread/thread/30f3306b9861eac1?hl=pt-BR_PT Visite nossa página em: http://groups.google.pt/group/livraria-virtual?hl=pt-BR Os meus grupos: InfoAcessivel - Acessibilidade em Tecnologias de Apoio | Grupos Google http://groups.google.com/group/infoacessivel Banda da Amizade: http://groups.google.pt/group/banda-da-amizade Jardim da Sereia: http://groups.google.pt/group/jardim-da-sereia Tifloclassificados: http://groups.google.pt/group/tifloclassificados Cine Music: http://groups.google.pt/group/cine-music Portugal Musical: http://groups.google.pt/group/portugal-musical Mdownload: http://groups.google.pt/group/mdownload --- Você está recebendo esta mensagem porque se inscreveu no grupo "Livraria Virtual" dos Grupos do Google. 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