0# CAPA 21.1.15 VEJA www.veja.com Editora ABRIL Edição 2409 – ano 48 – nº 3 21 de janeiro de 2015 [descrição da imagem: A capa está dividida ao meio, no sentido horizontal. No hemisfério superior, que está em azul com nome da revista em letras amarelas e títulos da reportagem em letras brancas, tem a foto de perfil, no lado esquerdo, da presidente Dilma, sorrindo. No hemisfério inferior, com fundo amarelo e título da revista em azul, com título das reportagens em preto. Foto da presidente Dilma sorrindo. Para ler no sentido correto o hemisfério inferior, é preciso girar a revista. Como se diz vulgarmente, o hemisfério inferior está de cabeça para baixo.] [hemisfério superior] PROMESSA “Não vai haver tarifaço” “Não vou aumentar os juros” “Não mudo direitos trabalhistas” “A educação será prioridade” [hemisfério inferior] REALIDADE • Vai aumentar as tarifas em 30% • Deixou subir os juros • Apertou o seguro-desemprego • Cortou verbas para a educação [outros títulos] ESPECIAL – A EUROPA QUER A PAZ A reação popular contra o “islamofascismo” é a esperança de derrota do terror. ______________________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# ESPECIAL TERRORISMO 5# GERAL 6# ARTES E ESPETÁCULOS _________________________________ 1# SEÇÕES 21.1.15 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – JIHADISMO O NOVO FASCISMO 1#3 ENTREVISTA – AVI TUSCHMAN – A IDEOLOGIA E OS GENES 1#4 LYA LUFT – TAMBÉM SOU CHARLIE 1#5 LEITOR 1#6 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM COMO FAZER ALGUÉM SE APAIXONAR POR VOCÊ Cansada de procurar namorado pela internet — e acabar sempre solteira —, Mandy Len Catron, professora da Universidade British Columbia, no Canadá, recorreu a um experimento do psicólogo americano Arthur Aron. Em 1997, Aron demonstrou como dois estranhos poderiam se apaixonar respondendo a 36 questões pessoais. O teste, aplicado com sucesso por Mandy, faz parte de uma linha da ciência que tenta desvendar o que leva duas pessoas a se apaixonar. Reportagem do site de VEJA mostra o que já se descobriu sobre os gatilhos que fazem a "mágica" acontecer — e apresenta o teste que promete despertar a paixão entre duas pessoas. A IMAGEM DE PORTUGAL Nem bacalhau, nem vinho do Porto, nem Saramago. O produto que mais dá visibilidade a Portugal em todo o mundo é o atacante Cristiano Ronaldo, do Real Madrid, eleito pela terceira vez o melhor do mundo pela Fifa e o maior jogador de todos os tempos em premiação da Federação Portuguesa. Segundo estudo de uma universidade do Porto, o capitão da seleção portuguesa - um verdadeiro superatleta do mundo on-line, com mais de 150 milhões de seguidores nas redes sociais - teve cada post seu avaliado em 376.000 reais. ANGELINA NA TRINCHEIRA Guerra é um assunto que faz parte da vida e da carreira de Angelina Jolie. Além de ter atuação reconhecida em campos de refugiados, ela dirigiu dois longas sobre temas bélicos. Invencível, que entrou em cartaz na última semana no Brasil, conta a história real de um soldado americano feito prisioneiro pelos japoneses na II Guerra. Em entrevista em vídeo ao site de VEJA, a atriz dá detalhes sobre a produção e fala de seu trabalho como diretora. "Como atriz, você fica mais isolada", diz ela. ACERTE NA ESCOLHA DA CARREIRA As inscrições para o Sisu e o Prouni fazem as próximas semanas ser decisivas para milhões de estudantes brasileiros. Para auxiliar na escolha, a orientadora de carreiras Maria da Luz Calegari preparou para o site de VEJA um teste completo para apontar as profissões incompatíveis com o perfil do aluno. A ferramenta complementa outro questionário de VEJA.com, que ajuda o jovem leitor a identificar sua vocação. 1#2 CARTA AO LEITOR – JIHADISMO O NOVO FASCISMO Neste ano o mundo comemora sete décadas da vitória das forças aliadas contra a forma mais desumana e monstruosa de fascismo que a humanidade já conheceu, o nazismo. Não poderia ter havido uma homenagem não planejada mais significativa do que a marcha de quarenta chefes de Estado e de governo ou seus representantes em Paris, no domingo passado, que, de braços dados, foram saudados pela multidão que extravasava seu júbilo pela poderosa reação contra o ataque terrorista ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, em que doze pessoas foram assassinadas a tiros por radicais islâmicos. Desde a libertação de Paris do jugo nazista pelas tropas americanas, há 71 anos, a capital francesa, que é também a capital mundial das manifestações, não via tanta gente na rua unida contra o fascismo. Quase 4 milhões de franceses foram às ruas contra o jihadismo, o fascismo do século XXI, o "islamofascismo", neologismo que descreve com precisão o fenômeno de intolerância e de imposição pelo terror do totalitarismo em nome da religião criada por Maomé no século VII da era cristã. Um especial com dezoito páginas nesta edição de VEJA analisa com reportagens e artigos os ecos das gigantescas manifestações populares em Paris e em outras capitais europeias, reverberadas por marchas menos grandiosas mas igualmente significativas em quase todos os continentes. As pessoas foram às ruas não para tentar demonstrar que sua religião é superior às demais. Elas foram às ruas para reafirmar que não aceitam mais o anacronismo de matar o semelhante a pretexto de vingar ofensas a seus profetas ou símbolos sagrados. Foram às ruas não para protestar contra o multiculturalismo nem para exigir a inaceitável repatriação dos imigrantes, mas para deixar claro que a consequência da convivência civilizada em um mesmo território entre povos de cultura e fé diferentes não pode ser a censura, mas o oposto dela, a liberdade de expressão e a tolerância. Os milhões que marcharam na semana passada contra o fascismo formam a geração que herdou e tem como dever preservar o legado ocidental de liberdade e democracia, de separação entre a fé e a razão, de definição de papéis diferentes na sociedade para a Igreja e o Estado, de não submissão do indivíduo à coletivização totalitária implantada sob o pretexto de garantir o triunfo de uma raça, de uma classe social ou de uma religião. Há sete décadas, o mundo venceu o fascismo de Hitler e Mussolini. Há sete dias, contando desde o domingo 11 de janeiro de 2015, o mundo começou a derrotar o islamofascismo. 1#3 ENTREVISTA – AVI TUSCHMAN – A IDEOLOGIA E OS GENES O antropólogo americano afirma que a carga genética de uma pessoa influencia suas escolhas políticas tanto quanto as informações que ela recebe ao longo da vida. PIETER ZALIS Durante dez anos, o antropólogo evolucionista americano Avi Tuschman, da Universidade Stanford, analisou e comparou mais de uma centena de pesquisas de áreas como a psicologia, a neurociência e a antropologia para entender que fatores não racionais fariam alguém se identificar com ideologias mais conservadoras ou mais liberais, ser a favor ou contra o aborto, apoiar ou criticar determinada corrente econômica. A conclusão a que ele chegou é que a resposta, ou parte dela, está nos nossos genes, como explica em seu livro Our Political Nature: The Evolutionary Origins of What Divides Us (Nossa Natureza Política: as Origens Evolutivas do que Nos Divide, em tradução livre). "Se não podemos dizer que somos predeterminados a ser conservadores ou liberais, também não podemos afirmar que estamos totalmente livres para escolher", diz Tuschman. De sua casa em Palo Alto, na Califórnia, ele falou a VEJA. Em que medida os homens já nascem "programados" para ser liberais ou conservadores? Em boa medida. A percepção mais comum é que moldamos nossa visão de mundo com base em informações que angariamos ao longo da vida — que a leitura das notícias, os comentários das pessoas com quem convivemos e os acontecimentos que testemunhamos são suficientes para definir se seremos conservadores ou liberais, tanto no campo da política quanto no dos costumes. Mas não é assim. Hoje já podemos afirmar que há uma predisposição genética para defender determinadas opiniões. É possível afirmar que a influência da carga genética é tão forte quanto a do ambiente. Como o senhor chegou a essa conclusão? Para escrever meu livro, coletei e analisei mais de 100 pesquisas. Em algumas delas, a influência da genética na formação de pontos de vista do indivíduo ficou demonstrada por meio da comparação de gêmeos idênticos com gêmeos bivitelinos, como o estudo conduzido pelo psicólogo Thomas Bouchard, da Universidade de Minnesota. Tanto os gêmeos idênticos quanto os bivitelinos da pesquisa foram separados ainda bebês e criados em ambientes diferentes. Os gêmeos idênticos separados no berço mostraram forte semelhança em suas orientações políticas, independentemente da ideologia da família em que cada um foi criado. Entre os gêmeos bivitelinos a variação foi bem maior. Vários estudos similares chegaram a essas mesmas conclusões nos últimos quarenta anos. Isso não significa dizer que a influência genética nos torna prisioneiros de uma opinião. Significa dizer que as diferenças psicológicas individuais têm mais relação com nossas escolhas políticas do que o fato de pertencermos ao gênero masculino ou feminino, a determinados grupos demográficos ou a classes econômicas diferentes. E também que não somos totalmente racionais em nossos posicionamentos políticos... Exatamente. Outra pesquisa, esta coordenada por cientistas da Universidade College London (UCL), recrutou noventa estudantes e realizou imagens de ressonância magnética para escanear o cérebro deles. Através dessas imagens, os cientistas conseguiram prever quais estudantes eram mais liberais e quais eram mais conservadores. Aqueles identificados com os valores de direita possuíam uma área do cérebro, a amígdala cerebelosa direita, mais desenvolvida. Essa região cerebral é responsável pelos impulsos de competição e precaução. Já os estudantes que se alinhavam mais com valores relacionados à esquerda apresentavam outra região mais desenvolvida, o córtex cingulado anterior — responsável pelo desenvolvimento de características como o desejo de cooperação e a sensibilidade ao comportamento dos outros. Esse estudo surgiu depois que o ator britânico Colin Firth lançou um desafio: queria saber se existiam evidências psicológicas que poderiam explicar diferentes personalidades políticas. Na verdade, ele perguntou aos cientistas o que estava biologicamente errado com as pessoas que não concordavam com ele em temas políticos. Há povos mais propícios a ter visões políticas e sociais mais conservadoras ou liberais? É importante notar que as maiores variações na orientação política são encontradas dentro de grupos, e não entre grupos. No entanto, quando olhamos para populações ao redor do mundo, há pequenas diferenças na personalidade política da média dessas populações. O espectro político muda levemente para a esquerda ou para a direita a depender do histórico daquela população. Traços de personalidade como a precaução, ligados a padrões de voto mais conservadores, são mais presentes em populações ancestrais situadas próximo à linha do Equador e fortemente relacionados a climas mais quentes. Também há evidências de que a prevalência histórica de doenças infecciosas nesses locais pode ter selecionado indivíduos que, por temor de contágio, são menos abertos a interagir com outros. Mas países como Bolívia, Venezuela e Equador estão perto da linha do Equador e hoje são comandados por líderes de esquerda. Não deveria ser diferente? Esse estudo que eu mencionei foi feito com populações do Velho Mundo, que se adaptaram e vivem em seus ambientes há dezenas de milhares de anos. O Novo Mundo, o continente americano, foi a última parte do planeta a ser povoada por populações indígenas — e europeus e africanos só chegaram lá há algumas centenas de anos. E é sabido que há uma sólida relação entre populações que historicamente passaram por longas migrações e a prevalência, nessas populações, da forma mais longa de um receptor de dopamina, o D4. Esse tipo é menos eficiente para receber a dopamina, um neurotransmissor ligado à motivação e à gratificação. Assim, entende-se que povos portadores dele tendem a se arriscar mais e a procurar mais novidades para conseguir a mesma quantidade de dopamina que povos mais sedentários. Essas características — a disposição para riscos e para novidades — estão ligadas a um traço de personalidade, a receptividade, que, por sua vez, está associada ao liberalismo político. Um estudo que analisou 39 populações ao redor do planeta descobriu que as populações indígenas da América Latina são as que têm a maior proporção desses genes mais longos. A orientação política deriva de três traços de personalidade, segundo seu estudo. Como eles se relacionam? Em que medida enxergamos o mundo sob uma ótica tribalista, o grau de tolerância que temos à desigualdade e, por fim, a nossa percepção sobre a natureza humana, se ela é competitiva ou cooperativa. Esses três traços de personalidade se mostraram perfeitamente mensuráveis em todos os países que analisei. A tolerância à desigualdade e a percepção sobre a natureza do homem — é competitivo ou cooperativo? — se relacionam quase automaticamente com os conceitos de esquerda e direita. Já o tribalismo é mais complexo. Por quê? Ele se divide em três componentes: etnocentrismo, religiosidade e intolerância ao sexo que não sirva para fins reprodutivos. Indivíduos com o conjunto desses traços tendem a ter visões políticas associadas ao conservadorismo. Por outro lado, a xenofilia, que é a disposição para relacionar-se com outros grupos, o secularismo e a maior tolerância sexual estão associados a visões de esquerda. Quais as consequências disso? Os que têm valores mais ligados ao conservadorismo tendem a se reproduzir entre eles e a valorizar a defesa de seu grupo étnico em contraponto a interesses individuais. Por exemplo: essas pessoas tendem a rejeitar escolhas na vida profissional que possam prejudicar suas relações familiares. Por outro lado, indivíduos de grupos mais xenofílicos, seculares e tolerantes sexualmente tendem a fazer prevalecer seus interesses pessoais em detrimento do coletivo. Isso permite, por exemplo, que eles se sintam mais à vontade para se relacionar com indivíduos de outros grupos. Assim, podemos dizer que liberais dão relativamente maior importância ao individualismo e menor a valores do grupo. E o contrário se dá com conservadores. É possível apontar um lugar ou uma população que tenham a mesma importância para esse tipo de estudo que Galápagos teve para Darwin? Sim, esse lugar é a Islândia. A primeira parte do meu livro mede o grau de tribalismo ao redor do mundo. A variação é substancial. É sabido que o tribalismo é um mecanismo da natureza que se destina a modular a intensidade com que se dão as relações intergrupais nas diferentes sociedades. Em determinadas situações, a natureza prefere a endogamia, mas essas situações não são muito frequentes. Em outras, a reprodução intergrupal aumenta a probabilidade de perpetuação dos descendentes desses grupos. Com base em um registro quase perfeito de toda a sua população, geneticistas islandeses recentemente conseguiram descobrir quando ocorre o pico benéfico de reprodução com outros grupos. Ao longo de dez gerações, 165 anos e 160.881 casais, os pesquisadores mostraram que casamentos a partir de primos em quarto grau tinham o maior número de netos sobreviventes, na média. Casais com relações familiares mais próximas ou mais distantes tinham uma média menor de descendentes. As chances de maior sucesso reprodutivo, portanto, é um dos fatores que explicam o grau de tribalismo da população islandesa. A frase "Um homem que não seja comunista aos 20 anos não tem coração e um homem que permaneça comunista aos 40 não tem cérebro" faz sentido, na sua opinião? Sabemos que há uma tendência de nos tornarmos mais conservadores à medida que envelhecemos. Hoje podemos dizer que parte da explicação para isso está no cérebro, mais especificamente, na região do córtex pré-frontal. Essa área é responsável por regular nossas emoções, controlar impulsos e realizar o complexo julgamento que pesa os benefícios imediatos em relação às consequências futuras. Diferentemente da maior parte das outras regiões do cérebro, o córtex pré-frontal continua a se desenvolver até quase os 30 anos. Portanto, é natural que, enquanto envelhecemos, nos tornemos menos receptivos a ações de risco e rebeldia, mais associadas a ideologias de esquerda. Embora a orientação direita- esquerda em determinada população possa ser distribuída equanimemente em um gráfico, a curva dá uma leve guinada para a direita durante a terceira década de vida. Essas mudanças de personalidade que se desenvolvem no começo da idade adulta são, em boa parte, herdadas. Essa alteração de traço de personalidade é uma provável evolução adaptativa adequada às diferentes fases da vida. Quando somos jovens, estamos mais dispostos à dispersão e a encontrar novos parceiros. Mais tarde, nós nos preocupamos mais em criar e manter uma família estável. 1#4 LYA LUFT – TAMBÉM SOU CHARLIE Na verdade, eu não sou Charlie a não ser metaforicamente: não sou jornalista formada, embora colabore com a imprensa há décadas, dez anos só aqui em VEJA; não sou cartunista, não faço sátira, mas prezo acima de tudo a liberdade — a minha, a do meu país, a da imprensa, que é sabidamente a voz e o coração da democracia. Por isso, indignada e assustada com a irracional violência terrorista, eu me considero Charlie, sim. O episódio francês, não isolado nem único, mas precedido de semelhantes em outros países, e que provavelmente será seguido de outros mais, provocou ao menos uma coisa positiva: a união, ainda que talvez momentânea, de grandes líderes dos países civilizados. Caminharam de braços dados, homenagearam não apenas a França, a imprensa, os judeus, os muçulmanos (que nada têm a ver com terrorismo), mas a democracia, que, repito, tem como lema a liberdade individual e de imprensa. Marcharam unidos, gente de todas as raças e credos, irmanados como seres humanos que são. Penso que não se reuniram apenas para afirmar liberdade, mas como um alerta: o terrorismo age feito cupins que roem silenciosamente as bases da democracia, sinistros, obstinados e despercebidos. O presidente americano tinha sido o primeiro a se manifestar num duro discurso antecedido pelo de John Kerry (falando em francês, mais uma homenagem ao país atingido), logo visitou a embaixada francesa em Washington, enfim, ficou publicamente ao lado dos mortos, feridos, insultados e vilipendiados. Portanto, na verdade esteve naquela fileira de líderes em Paris. Não vi ninguém da América Latina, e o Brasil mais uma vez "brilhou" pela ausência — apenas uma notinha pífia e meio atrasada. Estamos cada vez mais isolados, menos importantes, menos interessantes e menos interessados? É difícil responder, mas estamos esfacelados, instituições desmoralizadas, autoridades idem. Aos poucos, um ou dois ministros, quase estranhos no ninho, tentando salvar os destroços: que os deuses os ajudem e as autoridades e partidos os deixem trabalhar para que a nau não vá ao fundo. O drama mundial é que as células terroristas estão há tempo adormecidas em países diversos, e aos poucos, dizem os noticiosos e os entendidos, vão sendo despertadas. Talvez ninguém se desse conta da gravidade da situação, alguns de seus membros já tinham sido presos, alguns estavam na mira de autoridades da segurança, mas, dizem, é impossível controlar constantemente seus milhares de militantes. Quase todos são jovens europeus conquistados pelas milícias terroristas com lavagem cerebral, promessas de glórias nesta vida e na outra, elogios ao martírio e, sobretudo, a atribuição aos seus membros de uma delirante e ilusória importância. Os terroristas incutem em seus discípulos, doutrinados, preparados, treinados na violência, a ideia de que vão reformar o mundo, vão impor à força sua crença ou ideologia, serão mártires e heróis sempre lembrados, se voltarem a seu país de origem para matar e morrer. O tema tem zonas nebulosas, ligadas a política, cultura, ideologia, religião, poder e ódios antigos. Exige preparo e discernimento para ser abordado. Eu aqui comento e defendo o paradigma da liberdade: preciso ser livre para viver onde e como quiser ou puder, não importa minha raça ou credo — desde que não esteja visando à violência e à destruição. Desde que eu respeite a liberdade do outro, isto é, desde que desfralde a bandeira do "não ao preconceito". Preciso poder falar e escrever o que quiser, mais ainda se disponho de espaços para isso, mesmo que eventualmente não agrade a todos. Neste lugar onde nasci e que escolho para viver, desejo, espero, quero intensamente que nunca se imponha a malfadada, antidemocrática, totalitarista, fascista regulação da imprensa — pretendida por alguns altos escalões. Ela seria os mais perigosos cupins corroendo a liberdade de expressão e a democracia enquanto gente de boa vontade não percebe. Sou Charlie — e não quero ser amordaçada em meu país. LYA LUFT é escritora 1#5 LEITOR TERRORISMO NA FRANÇA Não há nada capaz de justificar o ato hediondo ocorrido na França ("A indignação do mundo... contra as trevas", 14 de janeiro). Eis o grande desafio para os líderes mundiais: o combate ao terrorismo e à islamofobia com respeito e preservação da liberdade de expressão. Je suis Charlie! HUGO COELHO Recife, PE É inaceitável o que aconteceu na França. Desta vez assassinaram famosos, mas cristãos comuns morrem todos os dias pelo mesmo motivo: liberdade de expressão. LUIZ CARUSO São Paulo (SP), via tablet As gerações futuras não podem ficar "reféns" dos próprios direitos. ROMAR RUI CERUTTI Realeza, PR A humanidade deve se unir para impedir outras barbáries. A civilidade está acima de qualquer violência, e triunfará! JOSÉ RIBAMAR PINHEIRO FILHO Brasília, DF Cumprimento VEJA pela cobertura dos recentes ataques terroristas contra os franceses e toda a civilização, pautada na honestidade intelectual e na busca de fatos e análises relevantes para a compreensão das causas e consequências da tragédia. Enquanto muitos outros veículos de imprensa, especialistas e políticos se acovardavam ao tentar dissociar o ocorrido de determinadas crenças políticas e religiosas, sob o falso pretexto de não causarem ofensa e se afastarem da xenofobia e da islamofobia, VEJA cumpriu seu papel de informar. Parabéns pela edição histórica! FILIPE SANTOS OLIVEIRA Brasília, DF Na minha juventude, quando um jovem queria ir contra o sistema, procurava "conforto" nas drogas; ou seja, ele se matava aos poucos. Hoje, procura a luta armada e vira terrorista, matando não só a si próprio como também milhares de inocentes! E amanhã, como será? PEROLA RAWET HEILBERG Por e-mail, via smartphone De um lado, a liberdade de expressão. Do outro, o respeito. No meio, uma lavagem cerebral descabida que faz com que as pessoas matem em nome de Deus. Isso jamais terá fim. CRISTINA FREIRE São Paulo, SP O terror tem representantes em todas as religiões, infelizmente. Acho injusta a expressão "terror islâmico", que acaba atribuindo ao Islã a culpa das atrocidades cometidas pela minoria praticante do islamismo. Sou cristão, e minha religião infelizmente já matou e fez muitas guerras em nome de deus (com "d" minúsculo mesmo). Eu não sou Charlie, eu sou da paz! PETUEL PREDA São Paulo, SP JOÃO CARLOS MARTINS O maestro João Carlos Martins é um exemplo maior de resiliência ("Tudo na vida tem conserto", Conversa, 14 de janeiro). Como seu amigo e um de seus médicos, sou testemunha do esforço incalculável que fez para se tornar regente e ainda conseguir retomar o piano, embora de forma limitada em decorrência de seus acidentes. Além do mais, impressiona-me o entusiasmo com que se dedica ao que para ele é uma missão sagrada, que é trazer para a música milhares de crianças menos favorecidas, ajudando-as a crescer interiormente e a enxergar um futuro melhor. Ao maestro, minha admiração. RAUL CUTAIT São Paulo, SP Como se vê, os percalços da vida podem ser superados quando se tem obstinação por um ideal maior. A contribuição de João Carlos Martins como pianista, regente-popstar e animador cultural é de importância inquestionável. A música salva... JÚLIO MEDAGLIA São Paulo, SP João Carlos Martins é o diretor artístico da Bachiana Filarmônica Sesi-SP e idealizador do fantástico projeto social da Fundação Bachiana, da qual sou presidente ao lado de um conselho integrado por idealistas de vários segmentos de nossa sociedade. Parabéns pela entrevista. RICARDO HAYDU São Paulo, SP João Carlos Martins é o maior expoente da música brasileira. Levou o nome do Brasil pelo mundo como pianista e hoje faz o mesmo na condição de maestro. A qualidade de seu trabalho é inquestionável e motivo de orgulho para nós, brasileiros. João Carlos Martins está democratizando a cultura através da música, formando e transformando jovens. LUIZ ANTONIO ABAGGE Curitiba, PR PEDRO SIMON Tenho 72 anos e leio assiduamente VEJA, desde o início de sua publicação (1968). Nessa idade, jamais li uma entrevista tão bem estruturada como a feita com o senador Pedro Simon (PMDB-RS), que considero um dos melhores políticos do Brasil com quem já tive contato ("É preciso ir para as ruas", 14 de janeiro). A entrevista aconteceu de forma excepcional, bastante assertiva. Pedro Simon é o homem que deixará saudade no cenário político brasileiro, quiçá mundial. Uma personalidade humilde e com alto nível de inteligência e sagacidade. É uma grande perda para o Senado brasileiro, definitivamente. Que tal entrevista jamais se apague de nossa mente. VALDONI ALVES FERREIRA Belo Horizonte, MG CLÁUDIO DE MOURA CASTRO Considero uma obra-prima o artigo de Cláudio de Moura Castro intitulado "Envelhecer é uma arte?" (14 de janeiro) — sensacional, revelador, extremamente válido e um claro alerta para quem, como eu, espera chegar bem aos 60 (neste ano) ou para aqueles já mais avançados na idade. O texto fará bem a muitas pessoas. Em tempo, Cláudio: também sou motociclista! MARCOS ANTONIO BERNARDINO Ponta Grossa, PR Nas palavras do autor, no passado idosos andavam "circunspectos e encarquilhados", e nos dias de hoje andam inclusive de moto. Sem dúvida, fazem parte ativa da sociedade. Quando, porém, começam voluntariamente a querer estender sua vida além do limite, fazendo inúmeros checkups, tomando os remédios miraculosos... sem dúvida, poderão entrar na penúltima fase da vida, a das "fraldas geriátricas". Por estar convicta de que a vida é longa o suficiente para aproveitá-la bem, repito e concordo com o que escutei de um senhor bem idoso: "A velhice é um castigo". ROSELY EPSZTEIN Guarujá, SP J.R. GUZZO No ótimo artigo "Esperem o barítono" (14 de janeiro), J.R. Guzzo, com muita lucidez e sabedoria, informa-nos sobre a absurda "gangue" de ministros desse desgoverno Dilma. Brasileiros honestos, trabalhadores, pais e mães de família devem, como eu, estar ultrajados com tudo isso. RICARDO OTTONI FIGUEIREDO Cachoeiras de Macacu, RJ Fico pensando: que desamor é esse pelo Brasil? O que a presidente Dilma está pretendendo obter com essa inequívoca nomeação de figuras funestas de comprovadas ilicitudes, de corruptos e corruptores condenados e outros incompetentes em seus ministérios? Parece ser uma provocação. Possivelmente, o barítono não chegará a tempo; esperemos pelo povo. ROBERTO MONTAGNIMI Londrina, PR JAQUES WAGNER Em relação à nota na qual se afirma que o ex-governador Jaques Wagner teria assinado decreto que garante benefício vitalício de motoristas e seguranças a ex-governadores da Bahia, publicada na coluna SobeDesce (14 de janeiro), a Assessoria de Comunicação Social do Ministério da Defesa esclarece: 1) O governador Jaques Wagner não assinou decreto que concede benefício de motorista e segurança aos ex-governadores, mas, sim, sancionou a lei oriunda de projeto de lei de iniciativa do Poder Legislativo da Bahia, e não sua; 2) A referida lei tem por objetivo ordenar mecanismo que permita o atendimento aos ex-governadores sem nenhuma distinção; 3) Esclarecemos ainda que o ex-governador Jaques Wagner não pretende fazer uso de tal benefício; 4) Esclarecemos também que, com relação à aposentadoria especial para ex-governadores, ela se deu a partir da Proposta de Emenda Constitucional à Carta do Estado da Bahia, a PEC nº 141, de iniciativa do próprio Poder Legislativo do Estado da Bahia, e na forma da Emenda Constitucional nº 21, de 25 de novembro de 2014, sancionada pela mesa diretora da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia. SÔNIA CARNEIRO Assessoria de Comunicação Social Ministério da Defesa Brasília, DF PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação. VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP: Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até a quarta-feira de cada semana. 1#6 BLOGOSFERA EDITADO POR KÁTIA PERIN kperin@abril.com.br RADAR LAURO JARDIM LIVROS Puxada por John Green, autor de A Culpa É das Estrelas, que vendeu 2,2 milhões de livros no ano passado, a Intrínseca cresceu 48,8% em número de livros vendidos em 2014, em comparação com 2013. O faturamento subiu 30% nesse período. www.veja.com/radar VEJA MERCADOS GERALDO SAMOR QUEDAS A cada dia que passa, a ficha cai mais um pouco. Quanto mais os investidores compreendem que as novas regras do Fies podem estrangular o capital de giro das empresas de ensino superior, mais eles se livram das ações, que até recentemente eram um oásis de bons resultados na bolsa. Desde 30 de dezembro, as quedas já chegam a 40,8% nas ações da SER Educacional, 38,6% nas da Anima, 32,7% nas da Estácio e 26,3% nas da Kroton. www.veja.com/vejamercados CIDADES SEM FRONTEIRAS MARIANA BARROS VIOLÊNCIA As cidades da América Latina são as mais perigosas do mundo. É o que diz um relatório da fundação City Mayors, centro de estudos dedicado a temas urbanos, que concluiu que 47 das cinquenta localidades mais violentas do planeta ficam no continente. As exceções são Cidade do Cabo, na África do Sul, além de Detroit e Nova Orleans, ambas nos Estados Unidos. www.veja.com/cidadessemfronteias SOBRE PALAVRAS "GÊNIA" E "ÍDALA" "Gênio" e "ídolo" são aquilo que em linguagem técnica se chama de substantivos sobrecomuns, ou seja, palavras referentes a pessoas que têm apenas um gênero - no caso, masculino. (Também existem vocábulos nessa categoria que são exclusivamente femininos, como "criatura" e "vítima".) Ou seja: devemos dizer que "ela é um gênio" ou "ela é meu ídolo". Ponto. No entanto, mesmo não havendo fundamento gramatical para o uso de "gênia" e "ídala" — como os adolescentes se referem a artistas de que são fãs, como Miley Cyrus —, eu não chegaria a ponto de tratar essas formas como erros crassos. Parece-me bem claro que estamos diante de brincadeiras, desvios que os próprios falantes — ou a maioria deles — usam de forma consciente e lúdica. www.veja.com/sobrepalavras SOBRE IMAGENS RALPH GRANE Conhecido pela versatilidade em fotografar em cores ou em preto e branco, o alemão Ralph Grane (1914-1988) foi um dos importantes fotógrafos da revista Life nos anos 1950 e 1960. Neste post, reunimos uma amostragem de sua produção e fotos de uma célebre reportagem sobre um programa educativo com mães e grávidas adolescentes em uma escola pública na Califórnia. Publicado em 2 de abril de 1971, o trabalho teve grande repercussão na época. www.veja.com/sobreimagens O CAÇADOR DE MITOS RELIGIÃO PROVOCA VIOLÊNCIA? Nos últimos dez anos, 101 torcedores morreram em brigas de estádio no Brasil. O número é cinco vezes o de mortos em ataques de terroristas muçulmanos na França e o dobro das vítimas da Inglaterra no mesmo período. Podemos então dizer que esporte mata? Que o futebol provoca violência? Pois é exatamente o que fazemos quando culpamos a religião pelo terrorismo. (...) Basta uma olhadela na história mundial para perceber que boa parte dela se resume a hordas, gangues, tropas, tribos, times, bandos, exércitos - enfim, coalizões de homens jovens cooperando entre si - lutando contra outras coalizões de homens jovens. www.veja.com/cacadordemitos • Esta página é editada a partir dos textos publicados por Nogueira e colunistas de VEJA.com _____________________________________________ 2# PANORAMA 21.1.15 2#1 IMAGEM DA SEMANA – É PARA RIR OU CHORAR? 2#2 DATAS 2#3 CONVERSA COM JAN DE OLIVEIRA – PERFUME DE MULHER VENCEDORA 2#4 NÚMEROS 2#5 SOBEDESCE 2#6 RADAR 2#7 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – É PARA RIR OU CHORAR? Dissidente desafia o regime, Putin continua em alta e vizinhos esperam o pior. A risadinha irônica no momento de ser preso mais uma vez comprova: Alexei Navalny é da cepa dos indômitos dissidentes russos. Mas ele sabe também que tudo está sendo registrado e pode até zombar dos policiais que o levaram. Zombar e desafiar: Navalny arrancou a pulseira eletrônica e saiu de casa, onde cumpria prisão domiciliar depois de ser condenado num caso de desvio de dinheiro — uma ironia a mais na vida do homem que se dedica a denunciar a corrupção do governo de Vladimir Putin. A oposição da qual Navalny é a figura mais conhecida estava acuada com os picos de popularidade de Putin, mesmo depois das sanções pela anexação da Crimeia e pela intervenção na Ucrânia. A Crimeia provoca nos russos paixões nacionalistas comparáveis às dos argentinos pelas Malvinas. O próprio Navalny já disse que o território "não é um sanduíche de linguiça para ser passado de mão em mão" e que, "apesar de ter sido tomado com violações flagrantes de todas as normas internacionais, agora faz parte da Rússia". Desde a crise provocada por essa intervenção, Putin vem espicaçando a percepção de ruptura. A última provocação foi convidar Kim Jong-un, o ditador hereditário da Coreia do Norte, para participar das comemorações dos setenta anos do fim da II Guerra Mundial em Moscou — uma garantia adicional de que nenhum representante de países ocidentais irá, aumentando o sentimento nacionalista de que o papel grandioso dos russos no conflito é desprezado pelos antigos aliados. Nos vizinhos que já estiveram sob o domínio do urso, a animosidade aumenta. A Polônia não convidou Putin para outra data importante, a da libertação do campo de extermínio de Auschwitz. E a Lituânia está distribuindo um manual que aconselha a população a "não entrar em pânico" em caso de invasão e se organizar pelo Twitter e pelo Facebook. Se não fosse o caso de chorar de pena, daria para rir imaginando o medo dos russos... VILMA GRYZINSKI 2#2 DATAS * MORRERAM Anita Ekberg, atríz sueca, imortalizada em uma cena do filme A Doce Vida (1960), de Federico Fellini, na qual aparece na Fontana di Trevi, em Roma, com Marcello Mastroianni. Kerstin Anita Marianne Ekberg nasceu em Malmö. Com suas formas exuberantes, trabalhou como modelo na adolescência e em 1950 foi eleita miss Suécia. Viajou, então, para os Estados Unidos, a fim de representar seu país no concurso Miss Universo. Embora não tenha conquistado o título, fechou contratos como modelo e, com a ajuda do produtor e aviador multimilionário Howard Hughes, logo estava em Hollywood. Em 1956, dividiu o Globo de Ouro de atriz revelação com Dana Wynter e Victoria Shaw por sua atuação em Rota Sangrenta (1955), de William A. Wellman. Ao lado de Frank Sinatra e Dean Martin, fez o western cômico Os Quatro Heróis do Texas (1963), dirigido por Robert Aldrich. Sua última aparição nas telas foi em 2002, na série de TV Il Bello delle Donne. Em dezembro de 2011, a imprensa italiana revelou que a atriz vivia em uma casa de repouso, sem dinheiro nem família, e que buscava ajuda da Fundação Federico Fellini. Dia 11, aos 83 anos, em decorrência de complicações causadas por uma doença não revelada, em Rocca di Papa, Roma. Francesco Rosi, considerado um dos maiores diretores italianos e mestre do cinema político, premiado nos festivais de Cannes, Veneza e Berlim. Nascido em Nápoles, cursou direito. Na faculdade, foi amigo do cineasta Luchino Visconti, de quem seria assistente e roteirista, e de Giorgio Napolitano, que chegaria à Presidência da Itália. Influenciado pelo neorrealismo, criou um gênero que batizou de "cinema documentado". O Bandido Giuliano (1962), que focaliza o movimento separatista siciliano, costuma ser apontado como sua melhor realização. Outras produções de peso dirigidas por ele são O Caso Mattei, Palma de Ouro em Cannes (1972), e As Mãos sobre a Cidade, vencedora do Leão de Ouro em Veneza (1963). Em 2008, foi homenageado com um Urso de Ouro honorário no Festival de Berlim. Dia 10, aos 92 anos, de causa não revelada, em Roma. Lincoln Olivetti, arranjador, maestro, compositor e produtor musical fluminense. Seus sofisticados arranjos para a música Festa do Interior, cantada por Gal Costa no LP Fantasia (1981), seguiam um padrão estético que até então não se via no pais. O músico também trabalhou com Rita Lee, Gilberto Gil, Tim Maia, Jorge Ben Jor, Lincoln Olivetti Arranjos para Gal Costa, Rita Lee, Gilberto Gil e Roberto Carlos e Maria Bethânia. O lançamento do disco Robson Jorge & Lincoln Olivetti (1982) é considerado um marco do soul-funk-jazz brasileiro. Nascido em Nilópolis, começou a estudar piano aos 3 anos. Dia 13, aos 60 anos, de infarto, no Rio. * SEX|16|1|2015 Divulgado pelo jornal O Estado de S. Paulo que, segundo investigações da Aeronáutica, o acidente que matou Eduardo Campos, candidato do PSB à Presidência da República, em agosto passado, ocorreu devido a uma sucessão de falhas do piloto, Marcos Martins. Ele teria acelerado o procedimento de descida e, ao arremeter, não operou o sistema da maneira recomendada pelo fabricante, o que ocasionou a chamada "desorientação espacial" (perda de referência em relação ao solo). 2#3 CONVERSA COM JAN DE OLIVEIRA – PERFUME DE MULHER VENCEDORA Ela foi vendedora de cosméticos durante anos. Aliou a experiência à formação em psicologia e a cursos de perfumista para abrir uma empresa que cria cosméticos promovidos por famosas. Faturou 3,7 milhões em 2014. Qual é o "cheiro" da Anitta? De fragrâncias intensas e sensuais, como a da baunilha. A brasileira gosta do cheiro doce de baunilha, âmbar e chocolate. Tem muito dinheiro envolvido na mistura? Celebridade, quando faz produto, quer ter o ego massageado. Mas, tal como eu e todo mundo, também quer dinheiro. Busco fazer um produto que o artista use. Se gostar, o produto vende bem; se usar, vende dez vezes mais. A consumidora compra pelo cheiro ou pelo nome atrás dele? Pela embalagem. Os olhos são a porta de entrada para os outros sentidos. Depois é que vem a identificação com as celebridades. Qual a porcentagem que elas levam? Eu pago de 10% a 20% do lucro. Quem é a famosa que mais vende? Deborah Secco, com nossa linha de esmaltes. Ela usa, posta fotos, faz propaganda mesmo. Por que cosméticos nacionais custam tão caro? Temos de buscar fora matérias-primas e embalagens de qualidade. Mesmo internamente, os impostos são altos. Se eu enviar de São Paulo uma carga de 10.000 reais para o Rio, meu cliente pagará 35% de imposto sobre esse valor. Quanto custa um batom seu no fim da produção e a que preço é vendido? Custa 2 reais para fabricar, vendo por 4,60 e chega à cliente por 12. Como uma empresa do tamanho da sua concorre com gigantes mundiais? Com estratégias como me aliar ao segmento de licenciamentos, não ligar meu nome a celebridades que não estejam trabalhando e focar o atendimento ao cliente. O que aprendeu sobre as consumidoras que essas empresas gigantescas não sabem? Elas querem atenção. Muitas compram por carência. Dou atenção a elas e as conquisto para o resto da vida. 2#4 NÚMEROS 150 a 2000 pessoas foram mortas em uma onda de ataques do grupo terrorista Boko Haram na Nigéria, segundo a organização Human Rights Watch. A ofensiva devastou vilarejos inteiros, como mostram imagens de satélite (acima, antes dos ataques; abaixo, depois). Os pontos vermelhos que sumiram são a vegetação incendiada pelo terrorismo islâmico . 9 meses faz que o Boko Haram (expressão que significa "a educação ocidental é pecado" sequestrou mais de 250 meninas numa escola. O paradeiro delas continua desconhecido. 10 anos tinham três meninas recrutadas para cometer atentados suicidas em nome dos extremistas na semana passada. 2009 foi o ano em que o Boko Haram intensificou suas ações terroristas, depois que seu líder foi morto na prisão e um sucessor linha-dura, Abubakar Shekau, assumiu o comando. Hoje, estima-se que o grupo, cujo objetivo é montar um califado no noroeste da Nigéria, tenha 10.000 militantes armados. 2#5 SOBEDESCE SOBE * Nota zero - A avaliação foi carimbada na prova de redação de quase 530.000 estudantes que fizeram o exame do Enem. * Sírios - Com a guerra civil em seu país prestes a entrar no quarto ano, eles ultrapassaram colombianos e angolanos e se tornaram a maior comunidade de refugiados no Brasil. * Preço da carne - O aumento foi de 22,2% no ano passado, a maior alta desde 2010. DESCE * Google glass - O Google anunciou que vai encerrar a venda dos óculos inteligentes, fracasso de público e crítica. * PIB - O Banco Mundial reduziu de 2,7% para 1% a previsão de crescimento do Brasil, que se torna assim uma das economias que menos avançam no planeta. Só Argentina e Rússia deverão ter desempenho pior. * Causa negra - Já foi maior o prestígio dos filmes sobre o tema, como demonstraram as indicações para o Oscar 2015. 2#6 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • LAVA-JATO VAI TER TRABALHO O pecuarista José Carlos Bumlai, amigão de Lula, vai se amolar com essa Lava-Jato. Seu nome aparece em pelo menos um depoimento. VIDA DURA Como seja não bastassem os abacaxis no Brasil, a UTC, controlada por Ricardo Pessoa, agora tem de se ver com as consequências da sua reputação no exterior. A Pemex, a Petrobras mexicana, acaba de cancelar um contrato para a construção de uma plataforma de petróleo de 250 milhões de dólares. SEMPRE CABE MAIS UM Há duas semanas, policiais federais entraram na cela em que a turma de empreiteiros está presa em Curitiba. Queriam verificar se cabiam mais pessoas ali. • GOVERNO MUDA Dilma Rousseff se recolheu: desde a posse não abriu a boca em público. A PETROBRAS SE SUPERA A direção da Petrobras já deu o sinal verde para que suas agências de propaganda produzam a nova campanha publicitária da estatal. Será a primeira investida de peso na tentativa de recuperação de sua imagem desde o surgimento do petrolão. O escândalo estará implícito nas mensagens dos filmes e peças para veículos impressos. O conceito da campanha é a "superação", que será usado em sentido ambíguo: falará sobre os desafios e obstáculos vencidos pela Petrobras desde que foi criada e dos recordes de exploração do pré-sal, obtidos neste momento turbulento da estatal. A previsão é que a campanha esteja no ar no fim de fevereiro. • CONGRESSO COM JEITINHO VAI? Aloizio Mercadante e Pepe Vargas estão tentando seduzir líderes e presidentes de partidos aliados para abandonar o barco de Eduardo Cunha, favorito à presidência da Câmara. Armas de sedução é que não faltam a governos quando lidam com políticos fisiológicos. ALMOÇO GRÁTIS Os deputados têm usado um artifício previsto na regulamentação da Lei de Acesso à Informação para esconder dados sobre os gastos com alimentação pelos quais pedem reembolso. As notas de restaurantes agora são entregues à Câmara para reembolso com um pedido do gabinete para que não sejam publicadas na internet. Algumas delas mostram gastos altos com bebidas ou, em outros casos, jantares para muitos convidados. A Câmara nunca controlou o teor das notas. Agora, usando esse artifício, nem a sociedade. • PARTIDOS SEM MENÇÃO O PRB, que levou o Ministério do Esporte e as secretarias de Esporte de São Paulo, Minas Gerais, Distrito Federal e Ceará, poderia aproveitar que agora abraçou a causa do esporte e incluir o tema — ou pelo menos a palavra — em seu programa partidário. Se a ideia é colar a imagem da legenda ao esporte, como fez o PCdoB, o PRB poderia copiar os comunistas, que comandaram durante doze anos o ministério e ao menos falam do assunto em seu programa. • ECONOMIA BOLSO CHEIO 1 Os sócios do BTG Pactual receberam um total de 1,2 bilhão de reais em bônus pelo desempenho do banco em 2014 — 10% a mais do que em 2013. BOLSO CHEIO 2 Na distribuição do dinheiro, os sócios que cuidam da área de commodities em Londres foram os que mais ganharam. Na outra ponta, ficaram os brasileiros que administram os fundos de ações no Brasil. NA MOSCA A Tendências e o Itaú foram os líderes de aparições no ranking do Banco Central das consultorias e instituições financeiras que mais acertaram as projeções da economia brasileira em 2014, considerando as categorias de curto e médio prazos. LÁ E CÁ O Brasil obteve receita de 225 bilhões de dólares com exportações em 2014. Somente em dezembro, a China conseguiu um desempenho melhor que o do Brasil ao longo do ano inteiro: 227 bilhões de dólares. Sempre é bom não esquecer que, em 1980, o Brasil exportava mais do que a China: 20 bilhões de dólares contra 18 bilhões de dólares. • FUMO FRAUDE CUBANA Assim como acontece com os cigarros, o mercado informal de charutos não para de crescer no Brasil. Hoje, 70% dos charutos cubanos vendidos no Brasil são falsificados. Há quatro anos, esse percentual era de 30%. " • LIVROS APOSTA CATÓLICA Vem aí a Petra, uma nova editora que o grupo Ediouro vai lançar de olho no mercado católico. Com 5 milhões de reais em caixa, o primeiro investimento será no padre Reginaldo Manzotti — responsável por mais de 3 milhões de livros vendidos no Brasil • FUTEBOL PRÊMIO DE DESPEDIDA Com a desativação do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo, em dezembro, Joana Havelange foi dispensada e botou no bolso 800.000 reais a título de FGTS. Joana era uma das diretoras da entidade. Foi um pouco menos do que seu pai, Ricardo Teixeira, recebeu antes de deixar o GOL em 2012 — 869.000 reais. 2#7 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “Vive la France! Em que outro país milhões se reuniriam segurando canetas e lápis para defender a liberdade literária, jornalística e artística?” - SALMAN RUSHDIE, escritor anglo-indiano, sobre quem pesa uma sentença de morte decretada pelos aiatolás do Irã, referindo-se, via Twitter, às manifestações que tomaram conta da França em repúdio aos recentes ataques terroristas. “Isso me dá nojo.” - JOACHIM RONCIN, diretor de arte e jornalista francês, criador do slogan "Je suis Charlie", ao comentar, na Folha de S.Paulo, a sugestão de que lucrasse com ele. Roncin decidiu registrar a frase com o objetivo de evitar seu uso comercial. “Não é permitido fazer 'bonecos' de neve, mesmo que para fins de diversão e brincadeira.” - MOHAMMED SALEH AL-MUNAJJID, xeque saudita. De acordo com a agência Reuters, ele argumentou que o ato contrariaria princípios islâmicos. “Escolhi acreditar que Deus existe e, portanto, posso dizer: 'Deus, não consigo fazer isso sozinho. Me ajude a não beber hoje. Me ajude a não usar drogas hoje'. E isso funciona muito bem para mim.” - STEPHEN KING, escritor americano, na revista Rolling Stone. “Mil significa muito porque é um número enorme. Contar até 1000 demora bastante.” - ROGER FEDERER, tenista suíço, que se tornou o terceiro da história a alcançar a milésima vitória em partidas simples. O maior vencedor de todos os tempos é o americano Jimmy Connors (1253 triunfos nas quadras), seguido por Ivan Lendl, checo naturalizado americano (1071). “Talvez, se chegarmos à final, e eu me sentir bem, por que não?” - RONALDO FENÔMENO, ex-jogador de futebol, 38 anos, admitindo, à revista americana Sports Illustrated, que poderá voltar a campo, atuando pelo Fort Lauderdale Strikers (EUA), time do qual se tornou sócio. “Infelizmente, filho, nós, que te ensinamos a perdoar, não estamos seguindo o que tanto te ensinamos. Filho, não temos condição de perdoar.” - ANDREI BASTOS E MAUSY SCHOMAKER, pais de Alex Schomaker Bastos - assassinado, segundo a polícia, ao reagir a um assalto perto do câmpus da UFRJ, onde estudava biologia —, em carta publicada no jornal O Globo. No próximo dia 26, ele receberia seu diploma, que será entregue agora a Andrei e Mausy. “A CPMF é um tributo polêmico, mas eficiente. Resta saber se existem condições políticas para seu retorno.” - RENATO VILLELA, secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, no Valor Econômico. “Você pode ser (ao mesmo tempo) um superartista e um super-homem de negócios.” - MARIO TESTINO, fotógrafo de moda peruano, que estudou economia e costuma cuidar de todos os aspectos das campanhas que assume, em O Estado de S. Paulo. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto do embate da senadora Marta Suplicy com o PT “Se você ofender seu vizinho, é melhor não o fazer pela metade.” - GEORGE BERNARD SHAW, escritor irlandês (1856-1950) ___________________________________________ 3# BRASIL 21.1.15 3#1 AS PROMESSAS E A REALIDADE 3#2 DOSSIÊ VENINA 3#3 É DELE, SIM 3#4 SÓ FALTOU ABSOLVER 3#5 TESTE DE PATERNIDADE 3#1 AS PROMESSAS E A REALIDADE A equipe da presidente Dilma anuncia aumento da energia, alta de impostos e elevação dos juros — tudo aquilo que a candidata Dilma afirmou que seria feito pelos seus adversários. ANA LUIZA DALTRO A parte mais sensível do corpo humano é o bolso, como sentenciou categoricamente o economista Antonio Delfim Netto. Em 2015, o bolso dos brasileiros vai doer. Passadas as eleições, governadores e prefeitos de todo o país anunciaram aumentos nas tarifas dos transportes públicos. Já, já virá a conta de luz com o valor da fatura lá em cima. Este ano, definitivamente, será dedicado a enfrentar os dolorosos (e convenientemente postergados) ajustes na economia, e talvez o mais notável desses desequilíbrios esteja na eletricidade. Em 2012, Dilma Rousseff derrubou o preço na marra, forçando a renegociação de contratos. Entretanto, a decisão ocorreu justamente em um período de falta de chuvas e queda nos reservatórios. O custo de produção subiu, porque passou a depender das usinas térmicas, mais caras. Para não repassar esse valor adicional aos consumidores, o governo bancou parte das despesas, uma conta de aproximadamente 10 bilhões de reais ao ano. A nova equipe econômica, determinada a eliminar os rombos mais fragorosos nas contas públicas, decidiu estancar esse gasto. Conclusão: a conta de luz vai subir, e muito. Estimativas das consultorias projetam uma alta superior a 30%. "Não vai haver tarifaço", dizia, e repetia, poucos meses atrás, a então candidata à reeleição Dilma Rousseff. Desde a eleição, também, os juros não param de subir, e era Dilma que acusava os tucanos de "plantarem inflação para colher juros". O Banco Central fez dois aumentos na taxa básica, a Selic, desde outubro, elevando-a de 11% para 11,75%. E, como Dilma plantou inflação em seus quatro primeiros anos, colherá mais juros nos próximos meses. A estimativa é que a taxa chegará a 12,5%. A consequência direta é o aumento no custo do crédito. Na semana passada, por exemplo, a Caixa anunciou a elevação de suas taxas para o financiamento imobiliário. O bolso dos brasileiros vai doer também por causa do aumento dos impostos. O preço dos carros subiu com o fim do desconto no imposto sobre produtos industrializados (IPI). A contribuição de intervenção no domínio econômico (Cide), um tributo cobrado sobre o valor da gasolina e do diesel, voltará em breve, e o governo estuda também tascar mais impostos em cosméticos e em importados. Outra medida em exame é elevar a tributação paga por profissionais liberais, cuja carga, atualmente, é inferior à de trabalhadores com registro em carteira. Um projeto semelhante foi tentado em 2005, com a Medida Provisória 232, mas acabou sendo derrubado no Congresso diante da rejeição de diversas categorias profissionais e também de empresas do setor de serviços. As ações para pôr as finanças públicas em ordem, depois de quatro anos de maquiagens e manobras fiscais, devem ser saudadas e festejadas. Entretanto, são medidas bem diferentes daquelas prometidas por Dilma. Ela, que acusava a oposição de promover o arrocho, terá de cortar pesadamente os gastos públicos neste ano, atingindo os investimentos, inclusive na educação, a propalada prioridade de seu novo mandato. Nas medidas propostas, sobrou até para os direitos trabalhistas, algo que a presidente afirmou que não mudaria "nem que a vaca tussa". As regras para a obtenção do seguro-desemprego e do abono salarial ficaram mais rígidas. Faz parte da desfaçatez política evitar temas indigestos durante a campanha. Seria de uma sinceridade suicida prometer o aumento dos impostos, a alta dos juros e o arrocho dos benefícios. Dilma, seguramente, não foi a primeira a se valer da estratégia. O governador reeleito de São Paulo, Geraldo Alckmin, reconheceu apenas na última semana que existe racionamento de água, depois de ter passado toda a campanha esquivando-se do tema. Em novembro de 1986, embalado pelo sucesso inicial do Plano Cruzado de combate à inflação, o PMDB obteve uma vitória avassaladora nas votações para governadores, senadores e deputados. Ganha a eleição, o presidente José Sarney anunciou, dias depois, o fim do congelamento, além de outros ajustes doídos para o bolso dos eleitores. Outro caso ocorreu na reeleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1998. A oposição condenava o "populismo cambial", por causa da manutenção da paridade do real em relação ao dólar. Assegurada a vitória, meses depois acabou ocorrendo a desvalorização da moeda brasileira. Não obstante, surpreende a diferença entre aquilo que foi prometido pela candidata Dilma, poucos meses atrás, e os atos de sua equipe, nestes primeiros dias do segundo mandato. A presidente deixou seu programa de lado e adotou medidas que, segundo ela, seriam na verdade postas em prática pelos seus adversários. A discrepância entre discurso e prática faz lembrar os ataques de Fernando Collor ao então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, na disputa de 1989. "O candidato do PT vai confiscar a poupança", afirmava Collor, atemorizando os eleitores incautos. E quem confiscou a poupança? Collor. Marina Silva e Aécio Neves vêm apontando as contradições de Dilma. Em entrevista a VEJA, Aécio condenou aquilo que chamou de "estelionato eleitoral sem precedentes": "A candidata Dilma, mesmo conhecendo a gravidade do quadro econômico, não apenas negava a necessidade de ajuste como atacava aqueles que defendiam a correção dos rumos da política econômica". Marina preferiu não dar entrevista, mas expõe suas opiniões em seu site e nas redes sociais. Afirmou ela, em um comentário recente: "Depois de anunciar, no discurso de posse, que o lema do governo seria 'Brasil, pátria educadora', o governo anuncia corte de 7 bilhões de reais para o orçamento em educação". Dilma, na verdade, não dispunha de alternativas. Podem-se questionar os meios, mas ela precisava desmontar a política econômica suicida de seu primeiro mandato. Para a tarefa chamou Joaquim Levy, o novo ministro da Fazenda, que foi treinado na égide da ortodoxia econômica e que vê o mundo sob uma perspectiva completamente diferente da de seu antecessor. É o tipo de economista intransigente quando os assuntos são estabilidade monetária e rigor fiscal, dois fundamentos que a maior parte dos economistas do PT não consegue levar a sério. Uma prova da nova orientação: os cortes para este ano que mal começou chegam a estimados 66 bilhões de reais. A tesoura não deverá parar por aí. As medidas fazem parte do esforço para atingir a meta de superavit primário de 1,2% do PIB, sem truques nem maquiagens. Sem isso, a dívida pública permanecerá em elevação, o que manteria os juros em alta, sem falar na possibilidade de o Brasil ser rebaixado pelas agências de avaliação de risco de crédito. Levy vem afirmando que a austeridade fiscal será uma prioridade e que a sua equipe trabalhará de forma intensa tanto na busca de um "rating A" quanto no objetivo de fazer a dívida pública bruta ficar abaixo de 50% do PIB a longo prazo. Em novembro, mês do último dado disponível, ela atingia 63% do PIB. Em outro sinal positivo, ainda que ao arrepio das promessas de campanha, Levy afirmou taxativamente que a política fiscal terá como objetivo ajudar o Banco Central no combate à inflação. O plano é alcançar o centro da meta, de 4,5%, em 2016. Neste ano, entretanto, a inflação será pesada. Deverá ficar em torno de 7%, pressionada pelo sem-número de reajustes e aumentos de tarifas já anunciados e que estão por vir. "O foco do novo ministro será segurar o lado fiscal mês a mês para chegar ao superavit primário desejado", afirma Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. "Se o resultado for alcançado, será o maior esforço de ajuste fiscal feito desde a crise de 1999. Sairemos de um déficit primário da ordem de 0,3% do PIB, em 2014, para um superavit de 1,2%." A dúvida, para Vale e outros especialistas na área, é se haverá condições políticas para executar um arrocho dessa magnitude, ainda mais com a economia crescendo tão pouco. "O esforço de Levy precisará ser muito maior do que foi o esforço do ex-ministro Pedro Malan em 1999", diz Vale. "É como em uma empresa. Não adianta achar um diretor financeiro brilhante para uma companhia que está sendo mal gerida em todas as diretorias e na presidência. Além disso, temos o problema da negociação no Congresso." Levy, por enquanto, parece não se intimidar e se mostra disposto a cumprir a nobre função de contrariar interesses. Em conversa com jornalistas na última terça-feira, 13, atacou de forma discreta, porém clara, a política de formação de "campeões nacionais" movidos a empréstimos subsidiados por bancos públicos. No seu discurso de posse, em 5 de janeiro, defendeu o fim do patrimonialismo, a política de favorecimento por subsídios a pessoas e setores específicos do Brasil. "A antítese do sistema patrimonialista é a impessoalidade nos negócios do Estado, nas relações econômicas e na provisão de bens públicos, inclusive os sociais", disse ele. "Essa impessoalidade fixa parâmetros para a economia, protegendo o bem comum e a Fazenda nacional." A questão está em como o eleitorado de Dilma (e também os seus aliados e os financiadores de sua campanha) processarão os ajustes e a dissonância entre promessas e ações. "O governo está tomando as medidas certas tanto do ponto de vista político quanto do econômico", diz o economista Antonio Carlos Porto Gonçalves, professor da Fundação Getulio Vargas. "As mudanças corrigem distorções criadas na economia nos últimos anos. Se o governo tiver um ano e meio ou dois anos de ajustes e medidas duras, poderá navegar em mar de almirante daqui a três anos, quando estaremos perto das próximas eleições." Nessa visão, a presidente Dilma estaria fazendo um cálculo pragmático que lhe faltou no primeiro mandato. Seria uma repetição da estratégia do início do governo Lula, em 2003. Agora, entretanto, o cenário externo não é tão favorável como há doze anos. O corte de gastos dificultará o jogo político no Congresso, e o arrocho deverá incitar a insatisfação popular. Por fim, Dilma, neófita na política, nunca foi pragmática como Lula. Mais que o seu próprio eleitorado, talvez ela própria fique chocada e boquiaberta com a política econômica de seu governo neste início de segundo mandato. O DISCURSO DE CAMPANHA... "Um compromisso que assumo com vocês: não vai haver tarifaço." "Medidas impopulares podem significar cortes na educação, na saúde e em programas sociais. Exatamente o contrário do que o Brasil precisa." "Eu não mudo direitos na legislação trabalhista. Lei de férias, 13º, fundo de garantia, hora extra, isso não mudo nem que a vaca tussa." "A educação é e será, cada vez mais, nossa grande prioridade." "Eu não vou combater a inflação com os métodos do senhor (Aécio Neves), que é desempregar, arrochar o salário e não investir." "Vocês (tucanos) sempre plantaram inflação para colher juros." ..E AS PRIMEIRAS MEDIDAS • Fim dos subsídios na eletricidade, cujas tarifas subirão mais de 30%. • Regras mais rígidas para a concessão do seguro-desemprego e do abono salarial. • Contenção de investimentos, incluindo o corte de 7 bilhões de reais da educação. • Aumento da taxa Selic e dos juros do BNDES e dos financiamentos imobiliários da Caixa. • Deverão subir os impostos dos combustíveis e dos cosméticos. LAMPEJO DE RACIONALIDADE Os ajustes anunciados e prometidos nos primeiros dias de governo indicam uma correção de rumo na economia. Contas públicas Dilma I – O governo manteve os cofres escancarados. Deixou de cumprir as suas metas fiscais e, em vez de reconhecer o desequilíbrio, recorreu a seguidas maquiagens e manobras fiscais. A dívida subiu, e o país acabou rebaixado por uma agência de classificação de risco. Dilma II – A missão da nova equipe é botar as finanças em ordem e evitar a perda do chamado "grau de investimento", classificação concedida às economias mais confiáveis. A promessa é cortar gastos, manter todos os pagamentos em dia e reduzir a dívida. Benefícios Dilma I – Os gastos com benefícios e assistência social cresceram rapidamente, particularmente no seguro-desemprego e nas pensões. A equipe econômica anterior chegou a estudar medidas para conter os desequilíbrios, mas nada foi feito. Dilma II – O governo tornou mais rigorosos os critérios para a obtenção de alguns benefícios. No caso do seguro-desemprego, o tempo mínimo no trabalho exigido para ter o direito do pagamento foi ampliado de seis para dezoito meses. Inflação Dilma I – A inflação permaneceu próxima ou acima do teto da meta, que é de 6,5% ao ano. Isso mesmo com o represamento dos reajustes nos combustíveis e as intervenções na cotação do dólar. O Banco Central falava em "parcimônia" nos juros. Dilma II – Agora o BC diz que fará "o que for preciso" para, até 2016, deixar a inflação próxima do centro da meta oficial, que é 4,5%. Levy afirmou que a política fiscal terá como objetivo ajudar o BC no combate aos reajustes de preços. Bancos públicos Dilma I – Os bancos públicos foram os principais responsáveis pelo avanço do crédito durante o primeiro mandato da presidente. O volume de crédito dessas instituições representava 19% do PIB em 2011. Três anos depois, o percentual subiu para 31% do PIB. Dilma II – Levy indicou que o papel dos bancos públicos deverá ser reduzido daqui para a frente. Um dos efeitos nocivos é o custo crescente das linhas a juros subsidiados. As taxas dos financiamentos do BNDES já subiram e poderão aumentar ainda mais. Energia Dilma I – No ano passado, o Tesouro desembolsou 10,5 bilhões de reais para cobrir o prejuízo do setor por causa da decisão do governo de evitar os reajustes nas tarifas. Em 2013, o rombo tinha ficado em 9 bilhões de reais. Dilma II – Acabaram os subsídios. Os aumentos dos custos serão diretamente repassados para as contas. Os reajustes deverão ficar acima de 30% em 2015. É uma notícia negativa, mas ao menos essa conta deixará de sangrar os cofres públicos. Política industrial Dilma I – Em seu primeiro mandato, Dilma deu continuidade à política da chamada formação de "campeões nacionais", a qual favorece as grandes empresas com crédito farto e barato — subsidiado, logicamente, com o dinheiro dos impostos pagos pelos brasileiros. Dilma II – Levy defendeu o "fim do patrimonialismo", a política de favorecimento a pessoas e setores específicos. "A antítese do sistema patrimonialista é a impessoalidade nos negócios do Estado", afirmou. “O PAÍS FOI ENGANADO” Aécio Neves foi atacado pela candidata à reeleição Dilma Rousseff durante a campanha eleitoral de 2014. O senador, que alertava para a necessidade de correção de distorções na política econômica, foi acusado de planejar uma receita de aumento de impostos e de juros para reequilibrar as contas públicas e combater a inflação — receita, agora, seguida por Dilma. A VEJA, Aécio diz que a presidente está fazendo o oposto do que prometeu, como a decisão de promover mudanças nas regras para a concessão de alguns benefícios sociais. "Isso explica o grande sentimento de frustração e perplexidade que se percebe hoje no país", diz o senador. A presidente Dilma Rousseff tem adotado ou sinalizado medidas que atacou na eleição, como corte de gastos do governo e aumento de impostos e de juros. As circunstâncias mudaram? As contradições são enormes. As circunstâncias não mudaram. Há muito tempo o PSDB alerta sobre as medidas equivocadas do governo Dilma na área econômica, que se traduziram em baixo crescimento, desequilíbrio fiscal, perda de competitividade da indústria e desequilíbrio externo. Na campanha, falei diversas vezes da necessidade de ajustes para que a economia voltasse a crescer e pudéssemos continuar com a melhoria da renda e a redução das desigualdades e da pobreza, que, agora, estão em risco. A candidata Dilma, mesmo conhecendo a gravidade do quadro econômico, não apenas negava a necessidade de ajuste como atacava aqueles que faziam o alerta. Assistimos agora a um estelionato eleitoral sem precedentes, pois o governo terá de fazer um ajuste fiscal muito mais duro do que seria necessário no caso do PSDB, porque o mercado sabe que foi a própria presidente Dilma que, deliberadamente, entregou ao seu segundo mandato uma herança maldita. Apesar dos alertas, a presidente deixou de tomar uma série de medidas e não hesitou em permitir que os problemas do país se agravassem, pensando apenas em vencer as eleições. Quais as consequências de a presidente ter prometido uma política econômica e agora adotar outra? Existe uma grande questão que, acredito, deve preocupar muitos dos aliados do governo: refiro-me à perda de credibilidade. E credibilidade é um ativo essencial a qualquer governo. Na campanha, a candidata tinha dois caminhos: respeitar o povo, o que significa respeitar a verdade, ou mentir sobre a realidade e sobre as suas reais intenções. A candidata escolheu o caminho da mentira. Mentiu aos brasileiros sobre o que disse que faria. Vejo três grandes problemas. Primeiro, o estelionato eleitoral. O governo prometeu uma série de medidas que não vai cumprir e está agora elaborando, às pressas, um novo plano de governo que não discutiu com os eleitores. Segundo, como o governo não se preparou para uma agenda de reformas, as providências estão sendo tomadas por meio de medidas provisórias, sem o debate com a sociedade e, principalmente, com os trabalhadores. O que se anunciou até agora são medidas isoladas que não fazem parte de uma agenda estrutural. Mudanças de tributos deveriam integrar uma reforma tributária, e não medidas isoladas com o único propósito de aumentar a arrecadação. Terceiro, as medidas de ajuste estão sendo anunciadas pela equipe econômica, e não pela presidente, que deveria ter a responsabilidade de fazê-lo. Tem-se a impressão de que ela não está muito convicta das propostas e que, a qualquer momento, pode desautorizá-las. Há quem argumente que campanha é uma situação e que o dia a dia do governo é outra. Esse é o discurso de quem não respeita a população, de quem acredita que vale tudo, que se pode fazer o diabo para vencer uma eleição, até enganar o próprio povo. Compromissos de campanha devem ser compromissos de governo. Se não for assim, as campanhas serão transformadas em concursos para ver quem mente mais e melhor. É antiético prometer uma coisa e fazer algo totalmente diferente depois de eleito. A candidata prometeu que não iria mudar direitos sociais e, agora, propõe dificultar o acesso ao seguro-desemprego. Falei na campanha da necessidade de reduzir os subsídios dos bancos públicos e de o governo cortar despesas, preservando investimentos sociais. A candidata Dilma prometia aumentar os subsídios e agora quer fazer um corte radical, prejudicando os trabalhadores. Assistimos a um governo fazendo o oposto do que prometeu. Isso explica o grande sentimento de frustração e perplexidade que se percebe no país. Muita gente se sente enganada. Dilma terá apoio político para levar adiante um programa econômico que ela e o PT tanto criticaram? Há uma imensa confusão quando se fala que as medidas do governo são as mesmas que seriam adotadas pela oposição. Não são. As medidas em um governo do PSDB seriam previamente discutidas com a sociedade, feitas de forma gradual e negociadas no Congresso. O governo terá problemas para aprovar algumas propostas. O PT escolheu fazer o ajuste fiscal pela via simplista de aumento de impostos e redução de direitos trabalhistas, por meio de medidas provisórias, sem nenhuma discussão com a sociedade e sem enfrentar as questões estruturais. Para usar uma expressão cara à presidente, trata-se de uma solução "rudimentar". E injusta com os brasileiros. Qual a avaliação do senhor em relação às medidas anunciadas? Há um equívoco com relação ao instrumento utilizado. As medidas deveriam passar por amplo debate na sociedade e no Congresso. E eu não dificultaria o acesso ao seguro-desemprego em um período de baixo crescimento, em que o desemprego tende a aumentar. Isso é injusto com o trabalhador. No caso do abono salarial, por que retirar totalmente o direito a esse benefício de quem trabalhou por menos de seis meses? O correto não é tirar o benefício, mas sim torná-lo proporcionalmente maior para quem trabalhou por mais tempo. O governo não quer o debate e repete, cada vez com menos constrangimento, a velha e carcomida fórmula de garantir apoio às suas propostas por meio da distribuição de cargos e espaços de poder aos aliados. Infelizmente, quem vai pagar a conta serão, mais uma vez, os brasileiros e, em especial, os trabalhadores. MARCELO SAKATE 3#2 DOSSIÊ VENINA A ex-gerente relata que operador usava a área de Comunicação da Petrobras para captar dinheiro para as campanhas eleitorais do PT na Bahia. ROBSON SONIN E HUGO MARQUES “Você me conhece há muito tempo, você sabe o que eu passei naquela comissão de comunicação, que hoje tem aí a Muranno associada com o Lula. Tá lá no meio daquele pacote. Eu me recusei a pagar, o pagamento foi feito por fora.” - A ex-gerente em conversa telefônica com José Carlos Consenza, diretor de abastecimento da Petrobras. Em meados de novembro do ano passado, a ex-gerente da Petrobras Venina Velosa da Fonseca estava mergulhada em um drama pessoal. Depois de servir a Petrobras por mais de duas décadas, sem nenhuma mácula no currículo, ela aguardava o desfecho de uma sindicância que ameaçava responsabilizá-la por graves irregularidades na estatal. Venina se sentia perseguida, temia ser punida por desmandos que ela mesma tentara denunciar. Entre sentimentos de angústia e revolta, pegou o telefone e discou para o diretor de Abastecimento da Petrobras, José Carlos Cosenza. Na conversa, fez um desabafo. "Você me conhece há muito tempo, você sabe o que eu passei naquela comissão de Comunicação, que hoje tem aí a Muranno associada com o Lula. Tá lá no meio daquele pacote. Eu me recusei a pagar, o pagamento foi feito por fora", disse a ex-gerente. Cosenza e Venina foram colegas de trabalho no período em que o engenheiro Paulo Roberto Costa, preso por operar o petrolão na estatal, ditava as regras na diretoria. Hoje decodificada, a frase da ex-gerente ao diretor não poderia ser mais cristalina. Ao descobrir e interromper ainda em 2009 uma série de pagamentos irregulares da diretoria, Venina, sem saber, emperrou uma das engrenagens do bilionário esquema de corrupção que viria a ser desmontado pela Polícia Federal cinco anos depois. Ao tentar denunciar a bandalheira internamente, ela se colocou no caminho dos corruptos e de poderosos interesses políticos. Os mesmos interesses que, no momento do desabafo, agiam para provocar sua demissão da estatal. Era o que Venina tentava dizer ao colega no telefonema. Cosenza, no entanto, ouviu os apelos num obsequioso silêncio. Braço-direito de Paulo Roberto na diretoria de Abastecimento durante anos, a ex-gerente da Petrobras deixou o anonimato pouco depois da conversa telefônica com Cosenza, quando decidiu contar às autoridades tudo o que sabia sobre a corrupção na Petrobras. A partir de 2009, após perceber que suas denúncias eram estranhamente ignoradas — e até mesmo criticadas — por integrantes da cúpula da Petrobras, como o então presidente da estatal, Sérgio Gabrielli, e a atual presidente, Graça Foster, Venina passou a reunir mensagens de e-mail, memorandos sigilosos, gravações telefônicas e registros de conversas privadas que manteve com personagens de proa do petrolão. Na semana passada, VEJA teve acesso a um memorial de oito páginas que podem deixar outras figuras importantes do PT em maus lençóis. No documento, ela narra em detalhes a história do sindicalista Geovane de Morais na Petrobras. Redigido pelo advogado de Venina a partir do relato da ex-gerente e de outros servidores da companhia, o texto mostra que Geovane, um aliado fiel de petistas como Gabrielli e o atual ministro da Defesa, Jaques Wagner, chegou à Petrobras como operador financeiro do PT da Bahia. Na gerência de Comunicação, ele tinha a missão de desviar recursos para alimentar o caixa eleitoral do petismo baiano. Geovane simulava a contratação de serviços junto a empresas ligadas aos petistas. Para não deixarem rastros, os negócios eram acertados e pagos sem nenhum contrato formal. Para atuar com tamanha liberdade, o operador contaria com a proteção de petistas influentes como Gabrielli e do próprio Palácio do Planalto. Segundo Venina, todos os gastos de comunicação da Petrobras tinham de ser aprovados pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República antes de executados. Geovane de Morais, no entanto, atuava com extrema autoridade. Em 2008, ele acertou um negócio milionário com a Muranno Brasil. Sem nenhum registro legal, a empresa receberia 13 milhões de dólares da Petrobras para divulgar a marca estatal em provas da Fórmula Indy. Foi ao descobrir tramoias como essa que Venina, sem saber, trilhou seu destino na companhia. VEJA revelou que o doleiro Alberto Youssef contou em sua delação premiada ter sido procurado por Paulo Roberto Costa em 2010 para desarmar uma bomba. Segundo o doleiro, depois de pagar propina ao esquema, a Muranno teve os pagamentos suspensos. Sentindo-se enganado, o dono da empresa, o empresário Ricardo Marcelo Villani, ameaçava denunciar o esquema de corrupção. O caso, segundo o doleiro, chegou ao Palácio do Planalto. A ordem para comprar o silêncio do empresário teria sido dada pelo próprio Lula a Gabrielli, que repassou a missão a Paulo Roberto, que acionou Youssef, que foi buscar o dinheiro nas empreiteiras envolvidas no escândalo. O trabalho de Venina, portanto, poderia implodir o petrolão. Em depoimento à Polícia Federal, Villani admitiu que tratou dos pagamentos cancelados com Paulo Roberto e que, depois dessa conversa, Youssef lhe transferiu quase 2 milhões de reais. O dinheiro foi pago por meio da Sanko Sider, uma das empresas do petrolão, exatamente como narrou o doleiro em sua delação premiada. Villani, no entanto, nega a chantagem (veja o quadro na pág. 47). Procurado por VEJA, Sérgio Gabrielli reagiu com irritação ao ouvir o nome de Geovane. "O processo foi iniciado por mim e ele foi demitido", esbravejou. Mas a história contada por Venina não é exatamente essa. Após a ex-gerente cobrar a investigação do operador petista, Gabrielli ordenou que a sindicância contra Geovane fosse realizada diretamente na presidência da Petrobras, sob os cuidados de alguém de sua confiança, e passou a tentar proteger o operador. Ela afirma que funcionários da estatal foram pressionados a assinar um parecer isentando Geovane de irregularidades. No decorrer das investigações, Geovane de Morais, que foi demitido, prestou um depoimento sobre o caso. Nas mais de quatro horas de interrogatório, ele citou nominalmente Lula, Paulo Roberto e o próprio Gabrielli. Segundo o operador, por ordem de Lula e por pressão dos bicheiros cariocas, a Petrobras distribuiu milhões de reais a escolas de samba do Rio de Janeiro de maneira irregular. Os trechos que comprometiam o presidente da República foram suprimidos do depoimento, segundo relatou o jornal Valor Econômico. Nos documentos de Venina, estão listadas empresas que, assim como a Muranno, foram "contratadas" sem contrato algum. Duas delas prestaram serviços à campanha eleitoral de Jaques Wagner ao governo da Bahia. Através de sua assessoria, o ministro da Defesa informou que defende a ampla apuração dos fatos. "NÃO SEI DE ESQUEMA NENHUM" O caso da agência Muranno é emblemático. Ela foi "contratada" sem nenhum registro formal para divulgar a marca da estatal nas corridas de Fórmula Indy. A irregularidade foi descoberta e os repasses, suspensos. Depois disso, o dono da empresa, Ricardo Marcelo Villani, ameaçou denunciar o que seria um grande esquema de corrupção, segundo o doleiro Alberto Youssef. Em troca do silêncio, Villani recebeu do doleiro quase 2 milhões de reais. A suspeita agora é que as empresas tenham sido usadas para facilitar desvios de dinheiro da estatal para campanhas políticas e viabilizar o pagamento de propina. O empresário nega. Como foi que o senhor passou a prestar serviços à Petrobras? O Sillas (o ex-gerente de Comércio de Álcool e Oxigenados da Petrobras Sillas Oliva Filho) me convidou. Eu o conheci numa competição de automobilismo. Ele me apresentou ao Geovane, e começamos a tocar esse projeto de marketing de relacionamento na Fórmula Indy. Eu locava espaços, fazia os hospitality centers nas corridas, levava pessoas que pudessem ser de interesse da Petrobras. Por que não havia contrato? Quem sou eu para dizer: "Ô Petrobras, sem assinar contrato não faço". Fazer um negócio sem contrato foi um erro. Descobri isso apenas quando suspenderam os pagamentos. Eu prestava o serviço e recebia o dinheiro diretamente na minha conta. Nunca emiti nenhuma duplicata. Levei um calote de 3,5 milhões. E o que o senhor fez? Foi a única vez que eu pedi por favor para o Paulo Roberto (Costa, ex-diretor de Abastecimento). Fui à sala dele e falei: "Cara, estou quebrando, me ajuda". Ele disse: "Ah, isso eu posso resolver". Passado um tempo, esse Youssef me procurou. Como foi esse encontro? Ele se apresentou como assessor do Paulo Roberto Costa, num café, em São Paulo. Não sabia que era doleiro, achei que era funcionário da Petrobras. Dias depois, depositaram na minha conta algo em torno de 2 milhões, 1,8 milhão de reais. O senhor ameaçou delatar o esquema? Esquema? Não sei de esquema nenhum. Eu perdi dinheiro com a Petrobras. Então não tem o menor fundamento o que o Youssef falou. Como é que eu pressionaria o presidente Lula? O cara "viajou". O senhor dividia ou repartia esse dinheiro com alguém? Uma vez, lá na Petrobras, um rapaz, que nem conheço, disse: "Oi, Ricardo, você está fazendo o projeto da Indy, vamos conversar, talvez você possa dar uma ajuda ao partido". Era funcionário da Petrobras? Não sei te dizer. O senhor declara ser dono de duas empresas. Sim. A Muranno é de comunicação. A outra, a Foster, é de marketing. O nome foi uma homenagem ao meu cachorro. 3#3 É DELE, SIM Cerveró foi preso e negou à PF que seja dono de uma empresa offshore no Uruguai, mas documentos obtidos por VEJA indicam o contrário do que ele afirma. THIAGO PRADO O ex-diretor internacional da Petrobras Nestor Cerveró tornou-se na semana passada o terceiro executivo de ponta da estatal atrás das grades em menos de um ano. As acusações de pagamento de propina e as suspeitas movimentações financeiras recentes, como a transferência de imóveis subfaturados para os filhos e o resgate de quase meio milhão de reais de um fundo de previdência, levaram-no à carceragem da Polícia Federal em Curitiba — a mesma onde esteve o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, atualmente em prisão domiciliar, e onde ficou por três semanas o ex-diretor de Serviços Renato Duque, hoje solto, beneficiado por um habeas corpus. Somados às irregularidades descobertas pelos investigadores da Operação Lava-Jato, surgem agora novos documentos que indicam como Cerveró ocultou o seu patrimônio abrindo uma offshore responsável por gastos que o beneficiaram pessoalmente durante cinco anos. Em setembro do ano passado, VEJA revelou que o dúplex de 7,5 milhões de reais onde Cerveró morava na Zona Sul do Rio de Janeiro pertencia a uma offshore uruguaia, a Jolmey Sociedad Anônima. O enredo contemplava várias operações nebulosas. A Jolmey foi criada em 2008 por um fundo de investimentos e passou a ser representada no Brasil pelo advogado Marcelo Mello, seu conhecido de longa data. Em agosto daquele ano, a empresa comprou o apartamento e, três meses depois, um contrato de locação foi firmado com Patrícia, mulher de Cerveró. No ano passado, assim que começaram a estourar os escândalos na estatal, um laranja foi nomeado sócio da Jolmey e a família Cerveró deixou o dúplex. Cerveró sempre fez questão de dizer que nada tinha a ver com a offshore uruguaia — versão reafirmada em um depoimento prestado na quinta-feira passada na PF. Um conjunto de e-mails obtido por VEJA, no entanto, deixa claro que Cerveró mentiu. E revela que era ele quem dava as cartas de fato na Jolmey. Em 18 de agosto de 2008, os representantes do Estúdio Algorta, o escritório de advocacia uruguaio que articulou a criação da offshore, receberam uma mensagem enviada por Cerveró informando quem seria o seu representante no Brasil. Por que razão Cerveró mandaria essa mensagem se não fosse o dono da Jolmey? Três meses depois, a minuta de compra e venda do imóvel passou pelo fax da BR Distribuidora, onde estava empregado na época. Ou seja, Cerveró monitorou de perto a compra do apartamento em que diz ter morado de aluguel entre 2009 e 2014. Trocava e-mails com a tranquilidade de quem desfrutaria uma impunidade eterna. Há mensagens que escancaram ainda mais sua relação com a Jolmey. Uma delas, escrita em 2010 por Bruno Fonseca, da equipe do advogado Marcelo Mello, pede o agendamento de uma reunião com Cerveró para que "a melhor estratégia seja tomada para mitigar o risco de exposição fiscal do cliente". Na ocasião, a Jolmey estava com a declaração do imposto de renda pendente e poderia acabar caindo na malha fina do Leão. No e-mail, o ex-diretor é citado sem subterfúgios por Fonseca como o "dono da Jolmey". Em 2012, outra correspondência mostra que Cerveró chegou a ser consultado sobre a abertura de uma conta da Jolmey no Santander. Mensagens sobre o dia a dia da offshore eram trocadas entre advogados e a equipe do Estúdio Algorta quase sempre tendo Cerveró copiado. VEJA apurou ainda que, depois da compra do apartamento, a Jolmey pagou cerca de 750.000 reais em uma reforma no imóvel de Cerveró. Os recursos vieram de uma conta da offshore no Unibanco que chegou a ter saldo de 2 milhões de reais em dezembro de 2008. Em dezembro passado, VEJA esteve durante uma hora com Cerveró no escritório do seu advogado criminalista, Edson Ribeiro. O ex-diretor reconheceu as mensagens, mas negou qualquer relação com a offshore. Outro elo com o Uruguai está sendo investigado pela PF. Na delação premiada do executivo Júlio Camargo, da Toyo Setal, é descrito com detalhes o pagamento de propinas na contratação de duas sondas da Samsung. Os sul-coreanos, segundo Camargo, estavam pagando "comissões" cobradas por Cerveró. Camargo disse à Justiça que repassou o dinheiro a Fernando Soares, o Baiano, apontado como o operador do esquema em favor do PMDB. O suborno relativo à sonda, de acordo com Camargo, foi de 15 milhões de dólares, pagos no banco Winterbotham, no Uruguai. A polícia investiga se os recursos foram divididos com Cerveró. Na semana passada, dois movimentos do ex-diretor tirando bens do seu nome fundamentaram a sua prisão. Cerveró foi flagrado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras ao tentar resgatar, em dezembro, 463.760 reais de um fundo de previdência — dois dias após ser denunciado pelo Ministério Público Federal por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele queria que o dinheiro fosse depositado na conta de sua filha, Raquel. No ano passado já vendera quatro imóveis e os repassou para os filhos. Para a PF, Cerveró justificou como uma "antecipação de herança" e disse que hoje vive apenas com uma aposentadoria de 10.000 reais. O valor declarado das transações foi de 560.000 reais, mas, segundo a Justiça, o total chega a 7 milhões de reais. O imóvel pertencente oficialmente à Jolmey, avaliado em 7,5 milhões de reais, está alugado a um executivo da Vale desde setembro, quando a família Cerveró deixou o apartamento. Por enquanto, Cerveró optou pela mesma estratégia de Renato Duque: mesmo preso, não admitiu crimes, muito menos colaborou com as investigações. Diante da avalanche de evidências e da nova rotina na carceragem, ainda é imprevisível saber se manterá a estratégia ou se começará a abrir o bico e falar o que sabe. Assim como Paulo Roberto Costa, pode ajudar muito. CAIXA DE ENTRADA E-mails revelam a participação de Cerveró desde a montagem da empresa offshore até a abertura de contas no Brasil. Em uma das mensagens, o ex-diretor internacional da Petrobras é tratado por um de seus advogados como "dono da Jolmey" De: nestor.cervero@br-petrobras.com.br Enviado em: segunda-feira, 18 de agosto de 2008 13:08 Para: algorta@estudioaigorta.com.uy; lucialenguas@estudioalgorta.com.uy Cc: marcelomello@tesslaw.com Estimada Sra. Lúcia Lenguas: Conforme se lo informe, mi representante será el Dr. Marcelo Mello, con quien le solicito entre en contacto para aclarar la documentación necesaria. La dirección es: TESS advogados. marcelomello@tesslaw.com marcelomelloadv@yahoo.com.br tel. 55 21 2196 6000 Gracias por su atencion. Nestor Cerveró De: Bruno Fonseca Enviado em: terça-feira, 9 de fevereiro de 2010 17:01 Para: diane.postarek@mellomartins.com Cc: marcelo.mello@mellomartins.com; 'Ryta Silva' Assunto: RES: HOCOL, INTEGRAL, SEADRAGON e JOLMEY Anexos: image001.jpg Exemplo mais urgente: DIMOB e DIRF pendentes. Prazo: 26.02.10. Leo, favor analisar a documentação enviada ontem pela Ryta o mais rápido possível! Ryta, Bruno Fonseca e eu, coordenar com o Marcelo Mello, uma reunião com o Sr. Nestor (dono da Jolmey), juntamente com o Leo e Jefferson, o mais rápido possível, para que a melhor estratégia seja tomada para mitigar o risco de exposição fiscal do cliente. De: Fernanda Araújo Enviado em: quarta-feira, 18 de janeiro de 2012 12:28 Para: nestor.cervero@br-petrobras.com.br Cc: 'Marcelo Mello' Assunto: Abertura de Conta Jolmey Dr. Nestor, Bom dia! Apenas para formalizarmos o assunto, peço sua autorização para abrirmos a conta no Santander, e posteriormente a transferência para o mesmo. PAULO ROBERTO COSTA NADAVA EM DINHEIRO? As imagens acima são da casa do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, no Rio. Na primeira, de 2009, vê-se uma piscina. Na de baixo, da semana passada, não. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, o ex-policial Jayme de Oliveira Filho disse à PF que Costa teria aterrado a piscina para esconder dinheiro nela. Se isso for verdade, e ficar provado que o dinheiro é fruto dos desvios do esquema na Petrobras, o acordo de delação que o ex-diretor fechou com o Ministério Público corre o risco de ser anulado - hipótese em que ele voltaria à prisão e poderia ter comprometidas as denúncias que fez à polícia. 3#4 SÓ FALTOU ABSOLVER A auditoria interna da Petrobras sobre a compra de refinaria no Texas lista um rol de atos lesivos ao caixa da estatal — mas não cita a palavra "irregularidade". MALU GASPAR E ROBSON BONIN O maior azar dos corruptos da Petrobras que conseguiram gastar mais de 1 bilhão de dólares com uma refinaria sucateada em Pasadena, no Texas, que valia um décimo disso foi a crise financeira de 2008 e a recessão mundial que ela provocou. Se é que se pode ver algum efeito colateral benéfico em uma crise daquela magnitude, para o Brasil ele existiu e foi, justamente, baixar a maré e mostrar que a Petrobras estava nadando pelada — ou, em linguagem técnica, tinha feito um investimento ruinoso no Texas. A corrupção na compra de Pasadena, provavelmente, teria sido varrida silenciosamente para debaixo do tapete se tivessem sido mantidas as condições pré-2008: petróleo a quase 140 dólares o barril, com crescimento médio anual da demanda em torno de 3% — ambos recordes históricos. Em um ambiente assim, a compra de Pasadena, mesmo absurdamente supervalorizada, pareceria um bom negócio — afinal, a estratégia da Petrobras, correta, por sinal, para aqueles tempos, era atender os mercados consumidores finais, no caso os Estados Unidos, com refino local. Mas veio a crise. A demanda secou e o barril caiu para menos de 40 dólares. Pasadena, que era apenas um negócio superfaturado, de repente se tornou também o símbolo da ruinosa administração do PT na estatal. Na semana passada, VEJA teve acesso a um relatório de 113 páginas sobre o desastre texano produzido internamente pela Petrobras. O trabalho cita treze burocratas, entre eles o ex-presidente José Sérgio Gabrielli, o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, o ex-diretor de Serviços Renato Duque e, claro, o ex-diretor da área internacional da empresa Nestor Cerveró, preso na semana passada. A esse pessoal da pesada o relatório imputa apenas "falhas", ficando muito aquém de capturar as maquinações tenebrosas que estão na raiz do escândalo de corrupção na estatal, que já foi, em outros tempos, motivo de orgulho para os brasileiros. O mérito do relatório está em apontar uma falha, digamos, tectônica da Petrobras, que foi simplesmente ignorar as avaliações da consultoria Muse Stancil sobre o valor da refinaria. Cerveró ofereceu à belga Astra pela primeira metade da refinaria 80% a mais — é isso mesmo, leitor — do que o máximo sugerido pela consultoria. Nenhum espanto quando se sabe que esses tipos gastam o dinheiro do povo, que tratam como recursos infinitos produzidos por escravos. Não satisfeito em pagar bem mais do que o preço sugerido pela consultoria contratada, o bom Cerveró ainda ofereceu outros 25 milhões de dólares como "bônus", a ser dividido entre a Petrobras e os belgas. E o que fizeram os beneficiários da generosidade de Cerveró com o dinheiro dos brasileiros? Eles pediram para receber menos — e ainda se desculparam, alegando que os advogados poderiam se opor. Devem ter ficado desconfiados de tanta facilidade. E avisaram que não "aceitariam" mais que 20 milhões. O relatório levanta dúvidas sobre o que um dos homens de confiança do então todo-poderoso Paulo Roberto Costa fazia no Texas durante os três anos em que ali ficou. Oficialmente. Newton Vieiralves era diretor de Afretamento da refinaria. Um detalhe: tal diretoria nunca existiu. Entre os achados, encontra-se ainda uma troca de e-mails que ajuda a entender os tentáculos do esquema de Pasadena. De um lado, o ex-diretor Renato Duque; de outro, o diretor da Odebrecht Rogério Araújo — executivo que, de acordo com Paulo Roberto Costa, era o representante da empreiteira no cartel formado para dominar os contratos na estatal. Em 25 de maio de 2006, antes mesmo de a compra da refinaria ser selada, Araújo relata a Duque o resultado de uma reunião que indicara que, por decisão dos empreiteiros, a obra de reforma de Pasadena seria da Odebrecht. "Gostaria de lhe encontrar, para dar mais detalhes e combinar próximos passos." A diretoria de Duque de fato escolheu a Odebrecht e aprovou sua contratação, mas a obra acabaria não sendo tocada, já que a Astra e a Petrobras logo começariam a se desentender — e talvez se esconda aí a chave de todo o mistério. Em linguagem cifrada, mas clara quanto ao conteúdo, a auditoria revela que a briga só começou porque o presidente da estatal, Sérgio Gabrielli, cometeu a "falha" de assinar um contrato prevendo a adaptação da refinaria para processar 100.000 barris de óleo por dia, mesmo sabendo que a Petrobras considerava mais rentável fazer o dobro. Mal assinou o contrato com a Astra e Gabrielli correu a anunciar que redimensionaria a refinaria para produzir os 200.000. O relatório não se aprofunda no que parece óbvio: Gabrielli forçou o litígio com os belgas. Depois de três anos de disputa e alguns processos judiciais nos Estados Unidos, a estatal pagou mais do que previra — 820,5 milhões de dólares — pela segunda metade da refinaria. O que poderia ter sido um negócio com corrupção tornou-se uma transação ruinosa com corrupção. No que o relatório interno viu apenas "falha", os brasileiros têm todo o direito de ver "falta" — de vergonha. OS HOMENS DE PASADENA Investigação interna da Petrobras sobre a compra da refinaria no Texas aponta um festival de decisões irregulares — sem lhes dar esse nome — tomadas pela diretoria da estatal. Eis as principais. Nestor Cerveró • Ofereceu pela refinaria 80% mais do que o valor máximo sugerido pela consultoria contratada pela Petrobras. • Dois de seus homens de confiança adicionaram ao contrato um misterioso "bônus" para funcionários da estatal e da Astra que somou 20 milhões de dólares. Não se sabe onde foi parar o dinheiro. • Adiantou 10 milhões de dólares à sócia belga antes mesmo de o negócio ser fechado. outubro/2014 Paulo Roberto Costa • Foi oficialmente informado das condições altamente desfavoráveis do negócio e ignorou o alerta. • Colocou um subordinado para trabalhar na refinaria numa suposta área de afretamento. A tal área não existia, e nunca se soube ao certo o que o executivo fazia em Pasadena. José Sérgio Gabrielli • Combinou com a Astra que reformariam Pasadena para produzir 100.000 barris por dia, apesar de os estudos mostrarem que o mais rentável seria 200.000 barris. Assim que assinou a compra, porém, avisou que fecharia com os 200.000 — a principal causa da briga com a Astra. • Concordou em comprar a segunda metade da refinaria por 785 milhões de dólares sem discutir o valor com a diretoria nem com o conselho. Renato Duque • Deixou que as próprias empreiteiras batessem o martelo sobre qual delas ficaria encarregada da obra no Texas — a Odebrecht. 3#5 TESTE DE PATERNIDADE O ex-presidente Lula e o mensaleiro José Dirceu se desentendem por causa do envolvimento de petistas no escândalo do petróleo. DANIEL PEREIRA Faz tempo que o escândalo de corrupção na Petrobras serve de combustível para o fogo amigo dentro do PT. No ano passado, petistas que comandavam o movimento "Volta, Lula" criticaram a presidente Dilma Rousseff por admitir que aprovara a compra da refinaria de Pasadena com base num relatório falho. Com o gesto de sinceridade, Dilma teria levado a crise para dentro do Palácio do Planalto, segundo seus adversários internos, e demonstrado uma ingenuidade e um amadorismo capazes de pôr em risco a permanência do partido no poder. No afã de tirá-la da corrida eleitoral, aliados de Lula também acusaram a presidente de traição ao responsabilizar a antiga diretoria da Petrobras, nomeada pelo antecessor, pelos desfalques bilionários nos cofres da companhia. Como o "Volta, Lula" não decolava e a sucessão presidencial se anunciava acirrada, os petistas selaram um armistício até a eleição. Mas, com Dilma reeleita, retomaram a disputa fratricida. O motivo é simples: estrelas do PT serão punidas novamente — agora no petrolão. Resta saber quem pagará a conta. Com as prisões do mensalão ainda frescas na memória, ninguém está disposto a ir para o sacrifício. A tensão decorrente das investigações e do julgamento do esquema de corrupção na Petrobras colocou em trincheiras opostas as duas mais importantes lideranças históricas do PT: Lula e seu ex-ministro José Dirceu. Tão logo os delatores do petrolão disseram que o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque recolhia propina para o partido, Dirceu, o padrinho político de Duque, ligou para o Instituto Lula e pediu uma conversa com o ex-presidente. O objetivo era se dizer à disposição para ajudar os companheiros a rebater as acusações e azeitar a estratégia de defesa. Conhecido por deixar soldados feridos pelo caminho, Lula não ligou de volta. Em vez disso, mandou Paulo Okamotto, seu fiel escudeiro, telefonar para Dirceu. Assim foi feito. "Do que você está precisando, Zé?" questionou Okamotto. Dirceu interpretou a pergunta como uma tentativa do interlocutor de mercadejar o seu silêncio. À mágoa com Lula, que o teria abandonado durante o ano em que passou na cadeia, Dirceu acrescentou pitadas de ira: "Você acha que vou ligar para pedir alguma coisa? Vocês me abandonaram há tempos", respondeu. E fim de papo. Diretor do Instituto Lula, Okamotto é frequentemente convocado pelo ex-presidente para cumprir missões espinhosas. Ele atuou, por exemplo, para impedir que as investigações sobre o mensalão chegassem ao chefe. Em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF), o empresário Marcos Valério disse ter sido ameaçado de morte por Okamotto. O recado foi claro: ou Valério se mantinha em silêncio ou pagaria caro por enredar Lula na trama. O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou Valério, o operador do mensalão, a 37 anos e cinco meses de prisão. Logo depois de as primeiras penas serem anunciadas, Valério declarou ao MPF que Lula se beneficiara pessoalmente do esquema. No mesmo processo, Dirceu foi condenado por corrupção a sete anos e onze meses de prisão. O petista já deixou a cadeia e, por decisão da Justiça, cumpre o resto da pena em regime domiciliar. Ao telefonar a Lula, ele quis deixar claro a necessidade de o governo e o PT organizarem uma sólida estratégia de defesa no petrolão. A preocupação tem razão de ser. Delatores do petrolão disseram às autoridades que Renato Duque recolhia 3% dos contratos da diretoria de Serviços da Petrobras para o PT. No âmbito de um acordo de delação premiada, Pedro Barusco, que era o adjunto de Duque, disse que o ex-diretor recolheu propina em pelo menos sessenta contratos. Barusco também implicou o tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto, na coleta de dinheiro roubado dos cofres da Petrobras. Outros delatores, como empreiteiros, afirmaram que a dinheirama surrupiada financiou campanhas petistas. Há provas fartas contra o partido. É certo que haverá punições. E é justamente isso que faz a briga interna arder em fogo alto. Dilma mantém o discurso de que nada tem a ver com a roubalheira. Executivos nomeados por Lula e demitidos por sua sucessora, como o ex-presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli e o ex-diretor Nestor Cerveró, não aceitam ser responsabilizados. O mesmo vale para Dirceu, que não quer correr o risco de voltar à Papuda. __________________________________________________ 4# ESPECIAL TERRORISMO 21.1.15 4#1 A EUROPA CONTRA O MAL 4#2 ARTIGO – J.R.GUZZO – O “PRÓ-CENSURA” 4#3 ARTIGO – FLEMMING ROSE – A EXPRESSÃO NÃO PODE TER LIMITES 4#4 OS SANTOS GUERREIROS 4#5 O PROFETA DA TOLERÂNCIA 4#6 ARTIGO – EDUARDO WOLF – NÃO TEMOS MEDO 4#1 A EUROPA CONTRA O MAL Depois de matar cartunistas por serem cartunistas e judeus por serem judeus no coração de Paris, o terror em nome de Alá levou milhões de pessoas às ruas em protesto. NATHALIA WATKINS Quando as guerras são travadas no terreno das ideias, as armas mais eficientes são os gestos carregados de significados. Em resposta ao atentado feito por dois terroristas islâmicos ao jornal Charlie Hebdo e à matança, executada por um terceiro, de judeus que faziam compras para seu dia de descanso, o shabat, em Paris, o presidente François Hollande desfilou pelas ruas da cidade de braços entrelaçados em uma longa fileira de quarenta chefes de Estado e de governo, no domingo 11. Entre eles estavam o primeiro-ministro israelense, o judeu Benjamin Netanyahu, e o presidente da Autoridade Palestina, o muçulmano Mahmoud Abbas, em uma demonstração de que a aversão ao terrorismo não está condicionada à religião. A caminhada começou na Praça da República, um local dedicado aos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, tão caros aos franceses. Mais de 4 milhões foram às ruas da capital e outras cidades do país em sintonia com seus representantes. Na quarta 14, o Charlie Hebdo voltou a circular, com uma tiragem excepcional de 5 milhões de exemplares, em mais de seis idiomas. Ainda de madrugada, os parisienses fizeram fila para comprar a edição. Se o expediente usado pelos radicais para realizar suas carnificinas foi de que o semanário desrespeitou a religião ao desenhar Maomé múltiplas vezes, o revide veio com o mesmo jornal trazendo, na capa, Maomé com uma lágrima saindo do olho e segurando um pequeno cartaz com a frase "Eu sou Charlie". As mensagens tinham como destinatário o mundo todo, mas principalmente os terroristas em potencial. A aspiração deles é que os demais franceses lhes concedam um status especial de cidadãos, um reconhecimento que poderia eximi-los de incorporar valores ocidentais, como a liberdade de expressão, de religião e o Estado de direito. O sonoro "não" que ouviram não deixou dúvida de que a realidade não vai se submeter aos seus caprichos. A dúvida então passou a ser como esse impasse, causado por um choque de civilizações, será desdobrado no futuro. Não há na longa história da Europa um precedente para a atual situação. Estima-se que existam no continente cerca de 5000 jovens com perfil semelhante ao dos autores dos últimos ataques, os irmãos Said e Chérif Kouachi, que alegaram pertencer à Al Qaeda, e Amedy Coulibaly, que em vídeo afirmou representar o Estado Islâmico. Na interpretação que fazem da própria religião, eles entendem ser justificável terminar com a vida daqueles que consideram infiéis ou que impedem a realização de seus planos. É questão de tempo para que eles peguem seus fuzis e saiam atirando aos gritos de "Alá é grande". O analista americano George Friedman, presidente da consultoria Stratfor, resumiu assim o cenário: "O cristianismo se viu prejudicado pelo seu zelo evangélico e já não usa a espada para matar e converter seus inimigos. Pelo menos partes do Islã mantêm isso, e dizer que nem todos os muçulmanos compartilham essa visão não resolve o problema. Há um número suficiente de muçulmanos que dividem esse fervor de pôr em perigo a vida dos que desprezam". Os serviços de inteligência acreditam que existam vinte células terroristas adormecidas, com 120 a 180 pessoas cada uma, prontas para atacar na França, Alemanha, Bélgica e Holanda. De fato, na semana passada, na Bélgica, a polícia realizou cerca de dez prisões e matou, durante um tiroteio, dois homens que foram treinados na Síria. Eles planejavam matar policiais e tinham armas, dinheiro e explosivos. Na Alemanha, três suspeitos de ligação com o Estado Islâmico foram presos. Enquanto as vítimas dos ataques, que incluíam um policial muçulmano, eram sepultadas na França e em Israel, a pedido das famílias judias, ventilou-se a necessidade de provocar uma fissura dentro das comunidades islâmicas, separando os moderados dos extremistas. A ideia de fundo é que, se os muçulmanos seculares e pacíficos fossem mais ativos em momentos como esse, eles poderiam denunciar e isolar os mais perigosos e evitar novos ataques. A probabilidade de que isso ocorra, contudo, não é grande. Se é certo que o número de terroristas é ínfimo em relação à população muçulmana na Europa, cerca de 6% do total, a vasta legião de apoiadores dos criminosos torna um racha interno improvável. Um em cada três islâmicos franceses entende que os atentados suicidas podem ser justificáveis (veja o quadro ao lado). Mais surpreendente ainda é o apoio aos terroristas do Estado Islâmico, que sequestram meninas e exterminam minorias religiosas e muçulmanos xiitas na Síria e no Iraque: 16%. Na semana passada, o humorista francês Dieudonné M'bala M'bala foi detido pela polícia depois de escrever em sua conta do Facebook a frase "Me sinto Charlie Coulibaly", em referência ao terrorista Amedy Coulibaly, que se dizia do Estado Islâmico. Ele foi solto e será julgado em liberdade por fazer apologia do terrorismo. Essa anomalia que dá guarida aos extremistas pode ser explicada pelo sucesso relativo das políticas migratórias na Europa. Suas medidas foram influenciadas pelo multiculturalismo, a ideia de que diferentes povos podem coexistir sem conviver. Ainda que nutrido pelos mais nobres valores de respeito à diversidade e aos direitos humanos, o multiculturalismo gerou áreas de exceção, às vezes físicas, em que as leis e os valores ocidentais não vigoram. Na França, mais de 600 regiões, das quais muitas dominadas por muçulmanos, não permitem a entrada de não fiéis. Até placas alertando os visitantes de que eles estão entrando em uma zona islamista adornam as ruas. Na Inglaterra funcionam 85 tribunais religiosos, baseados na lei islâmica, a sharia. Essas cortes deliberam sobre assuntos financeiros e matrimoniais dos muçulmanos. Na Alemanha, em Kassel, uma corte federal seguiu a sharia ao estipular que uma viúva teria de dividir a pensão do marido com sua segunda esposa, apesar de a poligamia ser ilegal. "Essas cortes são a receita para uma catástrofe que vai levar a um ódio crescente entre muçulmanos e não muçulmanos", diz Anthony Glees, cientista político da Universidade de Buckingham. A primeira consequência do multiculturalismo é perpetuar o isolacionismo dos imigrantes muçulmanos em guetos e periferias. A segunda é que, sem se sentirem impelidos a adotar os valores da terra que escolheram para viver, eles podem até mesmo se virar contra ela. "O primeiro esforço de acomodação cultural deve ser de quem chegou ao país, isso faz parte do contrato de adesão", diz o embaixador Marcos Azambuja, que serviu em Paris. Para muitos recém-chegados, o principal elemento para definir a identidade pessoal continua sendo o religioso, e não o nacional. Com isso, eles são influenciáveis pelos imãs, que pregam livremente contra o Ocidente. "Desde os anos 1980, líderes islâmicos estudam as leis de liberdade de expressão e de asilo político para não ter problemas com as instituições. Eles usam discursos vagos, que parecem interpretações intelectuais de textos sagrados, mas não o são", diz o professor de relações internacionais Peter Mandaville, da Universidade George Mason, nos Estados Unidos. A esperança na semana passada surgiu com uma petição on-line que reuniu 300.000 assinaturas para pressionar o governo a conceder cidadania ao malaio Lassan Bathily, de 24 anos. Ele trabalhava no supermercado kosher atacado na sexta-feira 9, e salvou quinze judeus ao ajudá-los a esconder-se do terrorista Coulibaly no freezer do mercado. "Sou muçulmano, praticante. Já rezei nesta loja, no armazém. E, sim, eu ajudei judeus", disse Bathily. "Somos irmãos. Essa não é uma questão de judeus, cristãos ou muçulmanos. Estamos todos no mesmo barco." UMA CRUZADA IDEOLÓGICA O radicalismo islâmico cria raízes na Europa e entra em guerra com o secularismo. Inglaterra Número de jovens que viajaram para lutar na Síria e no Iraque: 1500 População muçulmana: 4,6% Espanha Número de jovens que viajaram para lutar na Síria e no Iraque: 50 População muçulmana: 2,3% França Número de jovens que viajaram para lutar na Síria e no Iraque: 1400 População muçulmana: 7,5% Alemanha Número de jovens que viajaram para lutar na Síria e no Iraque: 550 População muçulmana: 5% Itália Número de jovens que viajaram para lutar na Síria e no Iraque: 50 População muçulmana: 2,6% PORCENTAGEM DA POPULAÇÃO QUE CONCORDA COM AS SEGUINTES AFIRMAÇÕES: “O ISLÃ É INCOMPATÍVEL COM O OCIDENTE Espanha 65% Alemanha 58% França 55% Inglaterra 47% “OS IMIGRANTES SÃO UM PROBLEMA” Itália 69% França 52% Espanha 46% Inglaterra 37% Alemanha 29% “O VÉU DEVE SER BANIDO EM LUGARES PÚBLICOS” França 82% Alemanha 71% Inglaterra 62% Espanha 59% Fontes: Pew Research, governo da França, Universidade de Salamanca e Washington Institute Apoio ao Estado Islâmico França 16% Inglaterra 7% Arábia Saudita 5% Alemanha 4% Egito 3% Líbano 1% Muçulmanos que acreditam que atentados suicidas podem ser justificáveis França 35% Espanha 25% Inglaterra 24% Alemanha 13% OS ASSASSINOS DA INOCÊNCIA O emprego de crianças em atividades de combate, mesmo que apenas para portar mensagens, foi proibido pela Convenção de Genebra, acordo sobre direitos humanos em áreas conflagradas assinado por 196 países em 1949. O veto foi posteriormente ratificado pela Declaração dos Direitos da Criança, de 1959. Para os extremistas islâmicos, tratados de direitos humanos existem apenas para ser desrespeitados. No sábado passado, dia 10, o grupo Boko Haram, uma espantosa falange de assassinos que atua na Nigéria, escondeu uma bomba debaixo da roupa de uma garota de 10 anos, obrigada a se detonar num ataque suicida em um mercado na cidade de Maiduguri, no nordeste do país. Vinte pessoas morreram. Três dias depois, na terça 13, o Estado Islâmico (Isis), a gangue sanguinária que se supera em crueldade a cada dia na Síria e no Iraque, divulgou um vídeo na internet em que um garoto, também com cerca de 10 anos, executa com tiros na nuca dois homens acusados de estar espionando o grupo para a Rússia. Diz o garoto: "Eu serei aquele que vai massacrar os infiéis. Serei um soldado da jihad. Se Alá quiser". Crianças são frágeis, não podem se defender e pensam sempre que os adultos tomam as melhores decisões por elas. Quanta insanidade acumulada é preciso para forçar uma criança inocente a se transformar em um terrorista suicida ou um assassino a sangue-frio. "O objetivo do Isis é disseminar o medo. Quanto mais seus integrantes mostram que não têm escrúpulos, mais temíveis parecem", diz o cientista político americano Max Abrahm, da Universidade Northeastern. O Isis construiu campos de treinamento na Síria e no Iraque destinados a doutrinar e treinar terroristas mirins. Mais uma invenção infame do terror sem limites, a praga moral que se abate sobre a humanidade neste começo do século XXI. FELIPE CARNEIRO COM REPORTAGEM DE PAULA PAULI 4#2 ARTIGO – J.R.GUZZO – O “PRÓ-CENSURA” Talvez não se preste muita atenção nisso, mas os fatos mostram que o Brasil vive hoje o que é provavelmente o período de liberdade de imprensa mais longo de toda a sua história. Tomando como ponto zero a Constituição de 1988, já são mais de 25 anos seguidos de respeito pleno e sem interrupções ao direito de livre expressão em todas as áreas da sociedade brasileira — estirão de tempo que é um colosso, realmente, quando se levam em conta os usos e costumes da nossa terra e nossa gente. Esse fundamento essencial da democracia vai muito além dos meios de comunicação; é desfrutado sem nenhuma restrição também na atividade política, nas organizações profissionais, nas manifestações públicas, nas artes, na cultura, nas salas de aula e na pregação religiosa. Mais ainda, a liberdade de palavra há muito tempo deixou de ser um direito limitado a jornalistas. Passou a ser exercida hoje pelos milhões de brasileiros que se utilizam da internet — e ali podem escrever ou falar o que bem entendem, sem ter de pedir licença a ninguém. Mas, como bem sabemos, o Brasil é o Brasil, e as coisas por aqui têm um jeito todo especial de se desarrumar quando parecem perfeitamente arrumadas. O país nunca viveu tanto tempo seguido sob as bênçãos da liberdade de imprensa — mas, curiosamente, nunca viu a liberdade de imprensa ser tão atacada como hoje. Quem faz esse ataque não são os suspeitos de sempre: os "poderosos que têm seus interesses contrariados" com a publicação de notícias e opiniões que os incomodam, os "militares", a "direita", enfim, os "golpistas". Não é nem mesmo o governo, o saco de pancadas número 1 dos veículos de comunicação independentes. Não é sequer o comando do PT, cujos programas sonham com uma imprensa paralítica, sujeita a controles da "sociedade" — ou seja, à vontade de quem manda na máquina pública. Não é, com certeza, a presidente Dilma Rousseff, que até agora tem se mantido distante dessa conversa. A realidade puramente objetiva, ao contrário, mostra que nestes últimos doze anos de governo petista os meios de comunicação brasileiros jamais sofreram uma única agressão concreta por parte da autoridade central; tiveram, e continuam tendo, 100% de liberdade para sentar a pua no governo. O governo fala, sim, em projetos de lei que acabariam com o direito da mídia de divulgar tudo o que quer, sem restrição nenhuma, como ocorre hoje; mas doze anos já se passaram e até agora não aconteceu nada. Não é daí, portanto, que vem a ameaça à liberdade de expressão. Pode parecer esquisito, e realmente é muito esquisito, mas a principal ameaça à liberdade de imprensa no Brasil vem de jornalistas. São eles, hoje em dia, os que mais combatem o direito constitucional à livre expressão, ao pregar a necessidade de submeter a controles externos o que escrevem ou dizem os jornalistas brasileiros. É algo inédito — estão lutando pelo direito de não informar. "No universo dos países democráticos, os jornalistas brasileiros a serviço do lulo-petismo são os únicos que lutam pelo fim da liberdade de imprensa e pela implantação da censura", escreveu há pouco o jornalista Augusto Nunes na edição eletrônica de VEJA. Fazem bem mais, na verdade, do que Lula e o PT julgam necessário — e vão na direção oposta ao que a presidente diz em público. O empenho deles em aleijar os direitos garantidos no artigo 5º da Constituição Federal fica claro na campanha que fazem em favor da criação de regras para estabelecer o "controle social da mídia", a "regulamentação dos meios de comunicação" e a "democratização da imprensa". Tudo isso é embuste em estado puro — apenas um arranjo de palavras metidas a besta para esconder o propósito real de dar à "sociedade" a possibilidade de proibir ou permitir a divulgação do que é escrito, dito e mostrado nos meios de comunicação. Sabe-se perfeitamente o que é essa "sociedade": uma salada de entidades que se apresentam como "movimentos sociais", mas funcionam como tropa auxiliar do governo, são sócias do aparelho estatal e existem para defender as metas políticas de seus chefes. A primeira delas é reduzir ou eliminar as liberdades democráticas das quais não gostam, a começar pelo direito de expressão. Falam, vagamente, na conveniência de rever as "normas econômicas" referentes à mídia. Mas querem, sim, interferir no que chamam de "conteúdo" dos órgãos de comunicação, ou, em português claro, no material que publicam. Os jornalistas que pregam esse evangelho dizem sem parar que o problema é o que sai impresso ou vai ao ar nos veículos independentes — em seu entender, a mídia é de "direita", hostil ao governo, fixada em denúncias de corrupção, publica opiniões intoleráveis, defende os ricos contra os pobres e sabe lá Deus o que mais. É isso que os incomoda, e é isso, logicamente, que querem suprimir. Se for para a imprensa continuar publicando o que publica hoje, o que adiantará mudar a lei? Na vida real o que propõem é a censura. Fala-se, também, que é preciso "democratizar" a mídia e derrotar os "monopólios" do setor — um objetivo incompreensível quando não existe nenhum impedimento para a "esquerda", ou quem quer que seja, lançar jornais, revistas ou blogs na internet. Rádios e TVs requerem concessão pública, mas nas que já existem ninguém é proibido de bajular o governo. É o que acontece, aliás, na maioria das emissoras deste país; há até um canal de televisão criado por Lula, a TV Brasil, que é sustentado com dinheiro de impostos para falar bem das autoridades, dos "movimentos populares" e do PT. Como pensar em "monopólio" num país que tem cerca de 9500 emissoras de rádio e quase 11.000 retransmissoras de TV, coligadas em 34 redes nacionais? Ou quando só o Instituto Verificador de Circulação, que fiscaliza a tiragem e a venda das principais publicações impressas, acompanha os números de mais de 400 veículos? Democracia de verdade existe quando os órgãos de comunicação concorrem livremente pela preferência do público. É o que acontece hoje no Brasil — o cidadão só lê, ouve ou vê aquilo que quer. E é aí que os evangelistas do "controle social" fracassam — a imprensa independente tem muito mais leitores, ouvintes e telespectadores do que a imprensa pró-governo e pró-PT. A TV Brasil, por exemplo, tem audiência próxima do zero desde que foi ao ar; nem Lula assiste àquilo. Que culpa tem a Rede Globo por isso? Que culpa tem VEJA por vender 1 milhão de exemplares semanais? Não faltam veículos para os jornalistas que trabalham contra a liberdade de imprensa; o que lhes falta é público. Essa alergia à livre competição se manifesta de forma especialmente cômica na única questão em que falam mal do governo — a distribuição de verbas publicitárias. Aí ficam indignados; acham um despropósito o governo Dilma anunciar em órgãos que o criticam e querem proibir que a "mídia de direita" receba publicidade oficial. Os anúncios governamentais, inclusive na administração PT, são distribuídos de acordo com critérios que levam em conta a audiência dos veículos — quanto mais público tiverem, mais anúncios recebem. As contas estão sendo feitas de forma errada? Que sejam corrigidas, então. Mas os militantes da "democratização da mídia" não estão interessados nesse tipo de questão técnica. Em sua lamentação, estão simplesmente dizendo que o critério para a aplicação de verbas publicitárias do poder público deve ser político: se um órgão de comunicação é contra, deve ter a publicidade cortada; se é a favor, deve ser premiado com mais anúncios. O certo, nesse assunto, seria não haver publicidade nenhuma, de nenhum governo. É pura propaganda; publicidade de governo, num país desenvolvido, é algo tido como um perfeito desvario. Mas a esquerda não quer que o governo brasileiro passe a aplicar suas verbas de comunicação em coisas mais úteis do que ficar falando bem de si mesmo. Quer, isso sim, que tire esse dinheiro da imprensa de "direita" para dar a eles. A alergia ao direito de livre expressão é uma doença degenerativa; leva à falência múltipla dos circuitos pelos quais trafegam os julgamentos morais e o raciocínio lógico. Nada ilustra tão bem esse quadro clínico como as posições tomadas pelo jornalismo brasileiro de "esquerda" diante da mais selvagem agressão à liberdade de imprensa já ocorrida na história moderna — a chacina, em plena redação, de nove jornalistas do semanário de humor Charlie Hebdo, dias atrás em Paris. Os militantes da "democratização da mídia" no Brasil, muito simplesmente, ficaram contra as vítimas e a favor dos assassinos; tentaram esconder essa prodigiosa opção com parolagem desconexa e baixa filosofia, mas não enganaram nem a si próprios. Uns optaram por fugir — ficaram em completo silêncio. Outros jogaram a culpa em tudo, menos nos autores do crime. A culpa é de Israel, disseram, porque bombardeia a Faixa de Gaza. É dos órgãos de segurança, que não impediram o massacre. É do "preconceito" contra os muçulmanos em vigor no "mundo desenvolvido". É dos Estados Unidos, que invadiram o Iraque duas vezes e cobiçam o petróleo dos árabes. É dos cristãos, que fizeram cruzadas contra o Islã 900 anos atrás. Outros, enfim, ficaram diretamente contra os colegas assassinados. Em sua opinião, os humoristas do Charlie Hebdo exageraram nas piadas que fizeram; não deveriam mexer com Maomé, não deveriam irritar os muçulmanos, não deveriam desrespeitar o Corão. Conseguiram, todos eles, o notável feito de ficar contra o riso. Os jornalistas que não querem a liberdade plena para o exercício do jornalismo no Brasil estão construindo um monumento à intolerância. Não mudam de assunto nem de ideia: não apenas organizam listas negras de jornalistas que desagradam, com notícias e opiniões, à trindade Lula-Dilma-PT, mas expedem o tempo todo bulas de excomunhão contra quem, no fundo, apenas vê o Brasil, o mundo e a vida com um olhar diferente do seu. Continua presente, a propósito, o caso da jornalista Rachel Sheherazade, que no ano passado levou a esquerda jornalística a uma crise de nervos, junto com os sindicatos e associações que deveriam representar todos os profissionais de comunicação, mas só gostam dos que são a favor do governo. Essas entidades nada acharam de errado no assassínio em massa dos colegas franceses — não para valer. Mas foram a extremos de indignação porque Rachel disse, num programa no SBT, que achava compreensível que moradores do Flamengo, no Rio de Janeiro, tivessem amarrado num poste de rua um menor acusado de assaltos. Exigiram punições. Ameaçaram mover processos na Justiça. Fizeram, com a corajosa colaboração do SBT, que perdesse seu programa de televisão: é o "Pró-Censura". Nenhum jornalista tem o direito de não ser incomodado com críticas — se pode dizer o que quer, também tem de ouvir o que não quer. Da mesma forma, qualquer jornalista pode perfeitamente colocar-se contra a liberdade de imprensa, ou dizer seja lá o que lhe der na telha; que se entenda, depois, com o público. Quer fazer propaganda do governo? Que faça. Quer chamar a presidente Dilma de "presidenta"? À vontade. Quer dizer que a roubalheira do petrolão é uma invenção da mídia de direita? Vá em frente. É uma pena, realmente, que neguem o mesmo direito a quem pensa de modo diferente. 4#3 ARTIGO – FLEMMING ROSE – A EXPRESSÃO NÃO PODE TER LIMITES Era fim de tarde de uma terça-feira, há seis anos, quando o telefone tocou. Uma voz que havia se tornado familiar, do Serviço de Segurança e Inteligência da Dinamarca, disse que dois homens que planejavam me assassinar tinham sido presos em Chicago. O FBI havia frustrado outro ataque planejado ao meu jornal, Jyllands-Posten, que tinha como alvos específicos a mim e o cartunista Kurt Westergaard. Os terroristas eram um americano e um canadense, ambos de origem paquistanesa. Um estava ligado a atrocidades no ano anterior em Mumbai. Ele já havia visitado a Dinamarca duas vezes em missões de planejamento e comprado sua passagem de volta a Copenhague. Um ano depois, Westergaard teve a sorte de escapar de outra ameaça a sua vida. O artista, de 73 anos, estava assistindo a um filme com sua neta pequena quando um somali com um machado invadiu sua casa para matá-lo. Ele se refugiou em um quarto de segurança que se vira obrigado a construir. Durante uma década, nós tivemos de viver à sombra de tais ameaças, depois que encomendei uma dúzia de charges retratando Maomé. Foi essa decisão que provocou uma tempestade ao redor do mundo, com a republicação das charges em vários outros jornais. Apesar das tentativas de assassinato, era muito fácil, à medida que a vida seguia, ser levado a acreditar que a ameaça era abstrata. Tudo isso mudou há duas semanas. Pessoas foram mortas em Paris por causa de charges que ridicularizam o Islã. Nosso pior pesadelo tornou-se realidade. Esses assassinatos desafiam democracias da maneira mais doentia. Representam uma ameaça terrível à liberdade de expressão, que é a base da verdadeira democracia. Os trágicos acontecimentos também expõem nossas próprias hipocrisias, as ilusões e subterfúgios que adotamos para manter a paz a curto prazo, aliados à destrutiva cultura de acusações avidamente exploradas pelos políticos. Quase que por acaso, eu me envolvi no início do que veio a ser conhecida como a "crise das charges", que desencadeou tumultos e dezenas de mortes em todo o mundo. Eu havia assumido um cargo de editor cultural em meu jornal depois de anos na estrada como correspondente estrangeiro em Moscou. A crise começou em 2005 de modo bastante inocente. Um autor de livros infantis não conseguia encontrar um ilustrador para um livro sobre Maomé. Vários ilustradores se recusaram a fazer o trabalho por medo. Aquele que concordou em fazê-lo insistiu no anonimato. Havia ainda vários outros casos similares. Teatros, comediantes, tradutores e museus estavam censurando a si mesmos quando o assunto era o Islã. Meu objetivo não era provocar nem zombar de ninguém, mas simplesmente começar um debate a respeito de autocensura em nosso tratamento do Islã em comparação com outras religiões. Ao propormos uma demonstração prática — "Mostre, não conte", um princípio jornalístico —, queríamos deixar que os leitores formassem as próprias opiniões. Como constatamos, temores de violência pela ridicularização de um símbolo religioso estavam longe da fantasia. Jamais poderia conceber que seria condenado como racista e que seria incluído em uma lista de alvos da Al Qaeda. Pediam-me que me desculpasse por eventos subsequentes. Fui considerado culpado pela reação exagerada e letal de outros. Depois da tragédia francesa, perguntaram seguidamente qual fora a minha reação. Acho estranho que pessoas que acolhem a diversidade quando o assunto é cultura, religião e etnia não consigam acolher a mesma diversidade quando se trata de nos expressarmos. Essas pessoas estão basicamente dizendo que, quanto mais multicultural a sociedade se tornar, menos liberdade de expressão será necessária. Parece-me uma posição deturpada. Deveria ser o contrário. Quanto mais diferentes formos, mais precisaremos do intercâmbio de opiniões aberto e livre. Infelizmente, os governos defendem restrições à liberdade de expressão com a desculpa de manter a paz e evitar conflitos entre grupos diferentes. Assim, banem discursos que consideram de ódio e blasfêmia. Em 2004, Theo van Gogh foi morto, em Amsterdã, depois de fazer um filme sobre a cultura islâmica. O ministro da Justiça da Holanda respondeu dizendo que a vida dele poderia ter sido salva se no país houvesse leis mais severas sobre discursos de ódio. Mas não são apenas os governos que defendem essa abordagem equivocada. A indústria dos direitos humanos também defende limitações. Uma vez me pediram para participar de um painel de discussão organizado pela Anistia Internacional sob a bandeira "Vítimas da liberdade de expressão". Sugeri que só havia vítimas de crime em uma sociedade baseada no Estado de direito e que a ideia de que pessoas que exerciam direitos legais de longa data eram vítimas não fazia sentido. Meus comentários despertaram raiva. A charge de Maomé feita por Westergaard tem sido criticada por ser racista ou por estigmatizar os muçulmanos. Discordo totalmente. Ele retratou Maomé como representante do Islã, da mesma forma que imagens de Jesus se referem à cristandade, de Karl Marx ao marxismo, de Tio Sam aos Estados Unidos. Retratar Karl Marx com sangue nas mãos, o Cristo crucificado segurando uma cerveja ou o Deus cristão armado com uma bomba não significa que você pensa que todos os marxistas são assassinos sedentos de sangue ou que os cristãos são beberrões ou terroristas. A charge de Westergaard ataca uma doutrina religiosa linha-dura, não um grupo particular da sociedade. Uma vez perguntaram a Philippe Val, antigo editor-chefe do Charlie Hebdo, se eles não haviam passado dos limites com charges que satirizavam Maomé. "Que tipo de civilização é a nossa se não podemos ridicularizar aqueles que soltam bombas em trens e aviões e cometem assassinatos em massa de civis inocentes?", respondeu Val. Essa é uma pergunta crucial. Queremos viver em uma tirania de silêncio ou defender o direito de ofender? Esses tipos de charge podem ser ofensivos para alguns. São pensados para agitar o debate. Mas rotular essas imagens como racistas é enganoso e perigoso. Se alguém coloca raça e religião no mesmo patamar, corre o risco de apoiar aquelas forças sinistras que afirmam que a apostasia (a renúncia da fé) é impossível e que o abandono da religião é um delito grave. Muitos muçulmanos acreditam que nascem dentro de sua fé e que seria um crime sério abandonar o Islã. Tratam a religião como se fosse uma raça. Não podemos aceitar essa lógica. Parece que como sociedade estamos mais preocupados em proteger a sensibilidade de grupos do que em defender os direitos democráticos históricos aos quais faremos jus como seres humanos. Os assassinos de Paris acreditavam sinceramente que os seres humanos do Charlie Hebdo mereciam morrer por causa de suas charges ofensivas. Sentiam que isso era justificado por sua interpretação militante do Islã. Mas os assassinatos também aconteceram em meio a uma cultura de injustiça que incita as pessoas a se ofender cada vez que alguém diz alguma coisa da qual não gostam. O pressuposto é que não existe nenhuma diferença real entre palavras e atos, entre um insulto verbal e a violência física. Em um artigo meu de dez anos atrás, escrevi que nenhuma religião poderia exigir direitos especiais em uma sociedade secular e que os indivíduos devem estar preparados para sofrer desprezo, zombaria e ridicularização. Em vez de exigirmos que as pessoas façam treinamentos de sensibilidade quando dizem algo ofensivo, talvez devêssemos todos ser mandados para treinos de insensibilidade. Precisamos criar pele mais grossa para garantir que a liberdade de expressão possa sobreviver num mundo multicultural. 4#4 OS SANTOS GUERREIROS Criadores e propagadores do fundamentalismo, inclusive quando em guerra entre si, pregam o mesmo: a salvação dos muçulmanos, e até do resto do mundo, está em retornar ao que consideram a perfeição da época de Maomé. VILMA GRYZINSKI Minhas palavras serão mais fortes se eles me matarem." A convicção absoluta da justiça da própria causa sustenta a declaração feita em 1966 por Said Qutb, um professor egípcio transformado em ideólogo de um dos pilares do fundamentalismo político-religioso no mundo islâmico. Suas palavras — ditas na cadeia em resposta a um apelo da irmã, propondo que simulasse um acordo que o salvaria da sentença de morte — realmente ecoaram forte e chegaram aos ouvidos de um jovem estudante saudita cheio de fervor religioso chamado Osama bin Laden, que aderiu ao movimento de Qutb, a Irmandade Muçulmana, quando cursava o ensino médio e depois desenvolveu as suas próprias ideias sobre a jihad, a guerra santa que uma vanguarda de fiéis deve travar primeiro contra o inimigo próximo — a sociedade impura dos países onde as regras estabelecidas nos 500 versículos do Coroão não são estritamente seguidas — e depois contra o inimigo distante, todo o Ocidente. As etapas podem ter se misturado em razão de acontecimentos específicos, mas a guerra é a mesma, desde a amplidão das montanhas geladas do Afeganistão até a modesta redação parisiense onde foram fuzilados os chargistas do Charlie Hebdo. O movimento de purificação do islamismo tem paralelos irresistíveis, ainda que historicamente defasados, com os surtos de integrismo do mundo cristão. O Torquemada muçulmano foi Mohammad ibn Abdul Wahhab, nascido em 1703 no desértico coração da religião de Alá e seu mensageiro humano, Maomé, no que viria a ser depois a Arábia Saudita. O pregador severo proibiu o cigarro, a dança, a música e, acima de tudo, qualquer desvio do monoteísmo estrito, manifestado em peregrinações a tumbas de vultos da religião e resquícios de animismo. "O barro não pode salvá-los. Orem a Alá e somente a ele", invocava em Meca, a cidade-âncora da narrativa islâmica, a qual todo seguidor de Alá deve visitar pelo menos uma vez na vida. Expulso de Meca depois de comandar o apedrejamento de uma adúltera — prática já abandonada —, o Mestre foi acolhido por um líder tribal, Mohammad ibn Saud, em cujos domínios expandiu a campanha de reconversão: depois de retomarem os mandamentos originais da religião, os bons muçulmanos deviam fazer com que todos os demais também os acatassem. Por bem ou pela força — o mesmo princípio da guerra santa. Quando o Império Otomano, que da central turca dominava o mundo árabe, se deu conta do perigo, acabou com Wahhab com a violência de praxe. Mas a aliança entre seus descendentes e os de Saud sobreviveu ao fim dos otomanos. Em 1932, Abdul Aziz ibn Saud fundou o reino da Arábia Saudita. A ele e sua tribo cabia cuidar dos assuntos terrenos, sob a orientação religiosa estabelecida pelo antigo Mestre, que se tornou conhecida como wahabismo. Era tão pobre que todas as suas posses eram levadas no lombo de seus camelos, mas em 1938 descobriu-se que sob todo aquele areal havia o ouro negro que movia o mundo. Da combinação, e das contradições, entre fundamentalismo religioso e riqueza aparentemente infinita brotou a expansão do wahabismo, sob a forma da construção de mesquitas e da formação de líderes religiosos para as comunidades de fiéis em países islâmicos ou ocidentais. Mas os palácios de mármore, as fontes de ouro, os iates prodigiosos, as mais belas mulheres que o dinheiro pode comprar e, culminando tudo, a permissão para que infiéis americanos salvassem a Arábia Saudita das ambições do Iraque de Saddam Hussein, conspurcando o solo santo com seus pés impuros, levaram a uma ruptura violenta. À frente dela, o ex-estudante Bin Laden, já homem-feito e forjado na luta: a guerra santa do Afeganistão, de onde os invasores soviéticos, originalmente enviados para proteger aliados locais, haviam saído derrotados. Foi lá que Bin Laden conheceu o médico egípcio Ayman al-Zawahiri. Formado nos princípios da Irmandade Muçulmana — que depois considerou insuficientes —, preso e torturado como o antecessor célebre citado no início desta reportagem, Said Qutb, Zawahiri forneceu os fundamentos ideológicos que o carismático Bin Laden desenvolveria. Juntos, planejaram restaurar o califado, ou governo religioso, em todo o mundo islâmico e atacar os infiéis americanos no que tinham de mais simbolicamente valioso. Juntos, patrocinaram o 11 de Setembro. Olhados com horror no mundo ocidental, os atentados de 2001 contra os Estados Unidos foram um formidável veículo de propaganda para os islamistas. Grupos identificados com sua ideologia brotaram em países muçulmanos. Um deles, a Al Qaeda na Península Arábica, designação que abrange Iêmen e Arábia Saudita, assumiu com orgulho o assassinato dos cartunistas franceses. Nasr al-Ansi, que aparece no vídeo, diz que todos os envolvidos agiram sob as ordens do comandante supremo, o sobrevivente Zawahiri. Sob a ótica deles, o atentado de Paris recupera algo das atenções e do prestigio que vinham sendo dominados pelos jihadistas do momento, os do Estado Islâmico, ou Isis. Fora ações isoladas em países ocidentais, o Isis tem se concentrado numa das mais violentas guerras entre muçulmanos em quase um milênio e meio de história da religião: a da Síria, com reverberações no Iraque e em outros países da região. A sequência de acontecimentos dramáticos na Síria é de tirar o fôlego. O conflito começou em moldes tradicionais: inspirados pela Primavera Árabe, muçulmanos sunitas passaram a fazer demonstrações de protesto contra o regime de Bashar Assad, dominado pela minoria alauita. Rapidamente, o conflito sofreu uma escalada que envolveu jihadistas estrangeiros, dinheiro dos países do Golfo Pérsico e apoio justificadamente hesitante, em face do tamanho da encrenca, do mundo ocidental, do lado dos sunitas. Do lado do regime, alinharam-se as forças fundamentalistas xiitas: o Irã e sua mais importante criação, o Hezbollah libanês; e mais recentemente as pouco eficientes forças regulares ou irregulares do Iraque xiita. Com todo o estrondo causado pela Al Qaeda, nenhuma força fundamentalista conseguiu até hoje um feito tão importante quanto a revolução dos aiatolás no Irã — a rápida ascensão da Irmandade Muçulmana no Egito em 2011 foi anulada por um contragolpe, e hoje o presidente deposto Mohamed Mursi está no mesmo lugar que seus predecessores ilustres: a cadeia. "O Islã diz: todo o bem que existe no mundo foi conquistado com a espada e à sombra da espada", pregava Khomeini desde muito antes de retornar do exílio como líder revolucionário, em 1979. Num de seus primeiros discursos, zombou dos reformistas seculares que o apoiaram com as seguintes palavras: "É, nós somos reacionários e vocês são intelectuais bem-pensantes, não querem que voltemos 1400 anos na história. Vocês, intelectuais, querem liberdade para tudo, a liberdade para criar partidos, a liberdade que vai corromper nossa juventude, a liberdade que vai abrir caminho ao opressor e arrastar nossa nação para o fundo". Nem um único dos fundamentalistas inimigos que hoje combatem o arco xiita deixaria de assinar embaixo, incluindo Said Qutb. Antes de ser condenado à forca, saudou: "Dou graças a Alá. Pratiquei a jihad durante quinze anos antes de conquistar o martírio". 4#5 O PROFETA DA TOLERÂNCIA Seu Dicionário foi o livro mais popular na Europa no fim do século XVII e começo do XVIII, mas o francês Pierre Bayle, pai da tolerância religiosa, perdeu o futuro para contemporâneos menos influentes em seu próprio tempo. EURIPEDES ALCÂNTARA Medido pelo tamanho da influência projetada por sua obra em seu tempo e pela rapidez com que foi esquecido, nenhum filósofo ou pensador se iguala ao francês Pierre Bayle, morto aos 59 anos, em 1706. Ele é um caso único. Seu Dicionário Histórico e Crítico era o livro que mais aparecia nos levantamentos de bens deixados em testamento na Inglaterra, Holanda e França no fim do século XVII e começo do XVIII. Mesmo que traços indeléveis do seu pensamento original possam ser encontrados nas obras de inúmeros pósteros, seu nome desapareceu da corrente principal do saber ocidental. Sua influência foi se esvaindo, apesar do — ou, em uma visão cínica, exatamente pelo — fato de sua pregação da tolerância religiosa ter sido tão necessária em tantas e tantas quadras da atribulada caminhada da civilização. Bayle faz enorme falta hoje, quando degenerados acreditam que lhes é facultado matar a tiros ou cortar a cabeça de quem ofende sua fé. Pierre Bayle foi um tipo extraordinário de livre-pensador. Aquele que, mesmo agrilhoado a um sistema religioso incontrastável, consegue, por convicção e pelo uso de truques de edição e linguagem, dizer com a maior clareza tudo em que acredita. Tecnicamente, ele foi um huguenote, denominação dada pelos católicos franceses ao protestante da vertente calvinista — aquela que atribui a um mistério impenetrável pela mente humana a vinda ao mundo de pessoas já escolhidas por Deus para ser salvas, por mais terríveis os crimes e pecados cometidos por elas. Mesmo oprimido por essa camisa de força determinista, Bayle encontrou espaço para voar. Passando a mensagem principal nas notas de rodapé e em verbetes aparentemente inofensivos do Dicionário, ele propôs a tese de que toda religião é irracional e absurda. Portanto, tanto melhores serão os negócios dos homens no governo, na ciência e na filosofia quanto mais compostos de ateus forem seus quadros. Isso é o que se pode chamar de uma santa heresia, pois seu resultado prático conduz à obviedade de que a maior homenagem que os propagadores "absurdos" podem prestar a si mesmos e aos demais é a tolerância mútua. "Se a multiplicidade de credos prejudica o Estado, isso se deve ao fato de que, em vez de se apoiarem, as religiões tentam destruir umas às outras pelo método da perseguição", escreveu o filósofo. Essa afirmação se torna ainda mais interessante à luz de que, durante a vida adulta de Bayle, os monarcas eram considerados culpados pelas guerras religiosas por ser "tolerantes" com a existência em seus reinos de diversas correntes de fé. Bayle insistia que a violência deriva não da tolerância dos governantes, mas da intolerância dos religiosos. No alvo. Nos dias de hoje, isso equivale a mostrar que é estupidez culpar a leniência do governo da França com a instalação de imigrantes em seu território, quando o problema está na intolerância criminosa de uma minoria, mesmo que substancial, de radicais islâmicos. Bayle é a prova de que não existe contribuição maior do que o surgimento de um bom herege para o amadurecimento da religião. Outra consequência prática do pensamento de Pierre Bayle é a separação entre o universo da fé e o da razão. Isso explica por que ele, um calvinista, foi venerado pelos pensadores iluministas do seu tempo, que, ao criarem o método científico, deram origem ao mundo moderno. A fé e a razão não brigam. Também não se complementam. São universos paralelos. Ao narrar a história de Davi, rei predileto de Deus, mesmo sendo adúltero, ladrão e assassino e tendo mandado para a morte no campo de batalha o marido de sua favorita, Bayle sugere tratar as parábolas bíblicas como mistérios da fé — e ponto. Ele se vale de uma metáfora extraordinariamente clara para falar do perigo que vê em tentar escarafunchar com a razão os mistérios da fé: 'As filosofias racionais servem para corrigir erros. Nada mais. Elas podem ser comparadas aos pós corrosivos que os médicos usam para tratar certos ferimentos. Se deixarmos, depois de devorarem a ferida infectada, eles passam a atacar a carne viva, chegam aos ossos e penetram até a medula". As contribuições de Bayle e de tantos outros filósofos permitiram que os textos sagrados das religiões ocidentais fossem entronizados como mistérios, de modo que o respeito a eles não se tornasse empecilho ao progresso tecnológico e aos avanços sociais. Os intérpretes do islamismo não souberam, não puderam ou não quiseram separar a "verdade revelada", o dogma religioso, das necessidades práticas de convivência entre opostos nas sociedades modernas. Pierre Bayle escreveu um verbete em seu dicionário sobre "Cristianismo e Maometanismo". Ele faz constatações de grande impacto, como na passagem em que lembra que "os maometanos em seus domínios foram mais tolerantes com os cristãos do que estes com os pagãos". É mais uma confirmação de que o Islã tem a tolerância em sua história. Isso torna ainda mais repulsiva sua vertente radical atual, que finge ignorar esse passado. Que falta faz ao islamismo um herege da estatura ética e intelectual do francês Pierre Bayle. 4#6 ARTIGO – EDUARDO WOLF – NÃO TEMOS MEDO Na noite de 7 de janeiro de 2015, poucas horas após a nação francesa ter sido abalada pelo atentado terrorista à sede do semanário satírico Charlie Hebdo que resultou na morte de doze pessoas, a frase "Je suis Charlie" ("Eu sou Charlie") já havia capturado milhões de corações e mentes em todo o mundo. Em meio à multidão que saiu às ruas ainda no dia da carnificina, outra frase, no entanto, destacava-se com certo brilho solitário na noite parisiense: "not afraid", assim mesmo, em inglês, era o que se podia ler em uma série de cartazes exibidos orgulhosamente com letras iluminadas. Aquele gesto, aquela mensagem e aquelas luzes simbolizavam os melhores valores que já fomos capazes de produzir, honrando as raízes iluministas e esclarecidas de nossa civilização. É aquele o gesto que deve ser repetido com firmeza a cada passo, daqui por diante, no combate ao terrorismo jihadista; é aquela a mensagem que deve ecoar e chegar a cada rincão que porventura viva aterrorizado pelo fanatismo religioso; são aquelas as luzes que devem iluminar o caminho para sair da escuridão do ódio político e do obscurantismo religioso assassino que nos atacou a todos. Não temos medo. E é sem medo que devemos defender a democracia, a liberdade e o pluralismo — frágeis, custosas e sublimes conquistas da humanidade — de seus inimigos declarados. Lamentavelmente, o medo tem sido a regra na postura das democracias liberais europeias ao enfrentar o problema do terrorismo islâmico. Medo que começa com uma dificuldade tão banal como esta, o reconhecimento de que há, sim, uma doutrina religiosa — pouco importa se distorcida — operando como motor dessa irrefreável vontade de subjugar e destruir; de que o furor sanguinário que emana dessa doutrina — não vem ao caso se deturpada — é, sim, dirigido a valores e a instituições que definem o modo de ser das sociedades democráticas e liberais do Ocidente; de que essa doutrina — tanto faz se infundada — não é compatível com esses valores e instituições que tanto prezamos e que balizam nossa vida. Cerceados pelo medo e pelo terror, autoridades e intelectuais do Ocidente têm promovido a autocensura e evitado a todo custo qualquer associação do terror com o Islã. A consequência dessa política tem sido precisamente o oposto daquilo que se estaria buscando: quanto mais as sociedades liberais se curvam às vontades da interpretação fundamentalista de uma religião, mais os fanáticos querem destruí-las; quanto mais elas se recusam a dar nome ao terror que as assedia para impedir o aumento da xenofobia, mais os perigosos partidos ultranacionalistas e populistas avançam sobre o eleitorado. Essa dieta de medo não vem fazendo bem à saúde de nossas democracias — e menos ainda à causa justa e necessária da integração e assimilação harmoniosa dos milhões de muçulmanos na Europa. Somem-se ao medo uma dose de ideologia antiocidental e outra de má-fé intelectual e a dieta fica ainda mais indigesta, e ainda menos saudável. A prestigiada historiadora das religiões britânica Karen Armstrong se deixou empanturrar dessa salada insalubre. De passagem pelo Brasil em 2013, falando a jornalistas e ao público em geral na sede da Editora Abril, em São Paulo, a autora de Em Nome de Deus referiu-se aos terroristas que durante dezoito meses planejaram e, por fim, perpetraram os ataques de 11 de setembro nos Estados Unidos como "jovens tristes e confusos", imediatamente dissociando-os por completo dos seus patronos ideológicos no islamismo. "Jovens tristes e confusos" ouvem rock alternativo e sofrem por amores ainda não vividos, não sequestram aviões e matam 3000 pessoas em nome de sua fé. Esse regime não faz bem aos apelos de convivência pacífica entre muçulmanos e não muçulmanos. Aquilo que poucos intelectuais no Ocidente têm a dignidade de proclamar com firmeza um jovem filósofo muçulmano o tem feito com coragem exemplar. Francês, de família convertida ao islamismo e com atuação na academia e fora dela, Abdennour Bidar definitivamente não tem medo. Ele é o autor de uma "Carta Aberta ao Mundo Muçulmano", publicada em 2014 na revista Marianne e amplamente republicada na internet após o atentado ao Charlie Hebdo. À época, diante das atrocidades cometidas pela facção Estado Islâmico, esse jovem intelectual muçulmano soube expor as feridas abertas do mundo islamita: não basta que os seguidores pacíficos de Mamoé digam "Isto não é o Islã"; não basta que os muçulmanos moderados afirmem "Não em meu nome". Seria preciso reconhecer, segundo as palavras do próprio Bidar, que "esse monstro nasceu do Islã", das contradições do próprio islamismo; de sua incapacidade de sair do pesadelo de trevas em que se encontra preso. Seria preciso reconhecer, para que o monstro do terror jihadista não usurpe a identidade do Islã, o que, no interior dessa religião e dessa cultura — para além dos conflitos externos e da sempre delicada geopolítica que têm envolvido os países muçulmanos há mais de um século —, a tornou refém dos delinquentes que apedrejam mulheres, enforcam homossexuais e decapitam jornalistas. Com a mesma lucidez, Bidar denuncia a cegueira ideológica dos intelectuais do Ocidente que, por viverem há tanto tempo em sociedades secularizadas, "esqueceram por completo o poder que uma religião pode exercer sobre os homens", podendo ser mesmo o coração de uma civilização. É apenas com o enfrentamento dessas questões que surgirão os homens e as mulheres dispostos, em número suficiente, a "reformar o Islã", abrindo caminho para regimes democráticos estáveis, para o triunfo do Estado de direito, do respeito às liberdades individuais e aos direitos humanos — isto é, para sua ocidentalização. Que outras vozes no Ocidente se expressaram de maneira tão firme como Abdennour Bidar? Raras. Em entrevista a VEJA publicada em 2001, após os atentados de 11 de setembro, o historiador inglês Paul Johnson, católico e conservador, afirmava que o Islã, ao contrário do catolicismo e do judaísmo, que passaram por movimentos de reforma ao longo dos séculos, permanecera "uma religião de feições medievais, gerando Estados medievais", e que não haveria solução para os conflitos geopolíticos associados ao mundo muçulmano enquanto o Islã não passasse "por uma modernização revolucionária". Nossa própria modernização, no mundo ocidental, não foi menos revolucionária: o longo caminho que começa na batalha pelo estabelecimento da Magna Carta na Inglaterra, em 1215 (e ainda em vigor), e passa pela Revolução Americana dos anos de 1770 e 80 e pela Revolução Francesa de 1789, foi dispendioso em vidas, em riqueza e em energia intelectual, mas apenas esse percurso nos permitiu instituir o Estado de direito em que vivemos, uma das maiores realizações humanas de todos os tempos. Desejar que o mundo islâmico beba dessas fontes e faça sua própria transformação radical não é "islamofobia": é não ter medo de honrar as luzes que nos definem e ter o coração e a mente abertos para compartilhá-las com todos os seres humanos que rechaçam a barbárie. EDUARDO WOLF é filósofo e cocurador do seminário internacional Fronteiras do Pensamento. _______________________________________________ 5# GERAL 21.1.15 5#1 GENTE 5#2 SOCIEDADE – A VIAGEM ERRADA 5#3 DIETA – SEM SAÍDA 5#4 COMPORTAMENTO – O VERÃO DO PAU SELFIE 5#1 GENTE JULIANA LINHARES. Com Daniella de caprio e Thaís Botelho QUE FRESCURA... Seria exagero dizer que a elegância dela tem ajudado a aplacar as infernais noites de calor. Mas é bom sentar-se no sofá e ver mesmo as mais hediondas notícias dos últimos tempos ser primorosamente articuladas por RENATA VASCONCELLOS. E as telespectadoras ainda têm assunto para comentar: as sobrancelhas, o cabelo e, principalmente, os brincos, único acessório no visual despojadamente chique, incluindo o modelo tribal, bijuteria com preço de jóia da Dior — um sucesso usado até pela presidente Dilma Rousseff. Pesquisas internas feitas pela Globo mostraram que a nova âncora do Jornal Nacional passa "segurança e simpatia", e só os comentários de improviso precisam de ajustes. "Desde criança, minha irmã é na dela, reservada", diz Rodrigo Vasconcellos sobre a discreta cerimônia em que Renata oficializou o casamento com Miguel Athayde, diretor regional de jornalismo da Globo no Rio, perante apenas vinte pessoas. Para refrescá-las, sorvetes de tangerina, coco e creme. POLEGADA EXTRA Ganhar o prêmio de melhor jogador de futebol do mundo, depois de uma Copa inglória, é o ápice e, pela cara que o português CRISTIANO RONALDO fez ao receber o prêmio neste ano, ele não tinha a menor dúvida de que merecia ser o escolhido. Entre outros motivos, porque foi a terceira premiação, e ele pretende continuar aumentando o espaço na prateleira. Consagrado, já foi na Ilha da Madeira, sua terra natal, através da estátua de 2,40 metros. "Quando eu a estava esculpindo, o irmão de Cristiano pediu para eu dar uma suavizadinha nas rugas do rosto conta o escultor Ricardo Velosa. Sobre outras partes do corpo do atleta, que também pareceram alteradas, faz graça: "Não perdi muito tempo lá, não. Nem aumentei nada". Com o novo prêmio, talvez precise de mais uma polegada... BONEQUINHA ENGAJADA Angelina Jolie e Brad Pitt que se cuidem no papel de casal mais engajado do mundo do cinema. A advogada AMAL ALAMUDDIN, a nova mulher do ator GEORGE CLOONEY, vai pegando casos de teor explosivo e dando palpites em assuntos políticos com desenvoltura crescente. Na semana passada, assumiu um processo-bomba: vai representar a Armênia no Tribunal Europeu de Direitos Humanos, num caso que envolve um político turco que insistiu em negar a existência do genocídio de mais de 1,5 milhão de armênios. Num jantar com o marido a tiracolo, discutiu com o líder do Partido Trabalhista inglês novas sanções contra o presidente russo Vladimir Putin. Momento bonequinha de luxo: copiar Audrey Hepburn, com luvas brancas, e dizer "Eu mesma preguei" sobre broche Je Suis Charlie na carteira caríssima. ELAS ESTÃO EM ÓTIMAS MÃOS Quando uma empresa que tem contrato com GISELE BÜNDCHEN avisa aos produtores de moda que a modelo precisa ser vestida e enfeitada para participar de algum evento promocional, donos de lojas entram em delírio. "Pegamos emprestados dois vestidos dourados, e o que ela escolheu era número 38, dois a mais do que ela veste. Tivemos poucas horas para remodelar a peça", conta a stylist Marina Colossi. Gisele gostou tanto do vestido, de cerca de 3500 reais, que o levou para casa; bem como o da segunda opção. "Ela saiu carregada", brinca Paulo Paranhos, o produtor que escolheu as jóias que a modelo não parava de mostrar às câmeras — e que também embarcaram com ela para os Estados Unidos. Preço: 17.000 reais. As lojas não reclamam nem um pouco, claro. 5#2 SOCIEDADE – A VIAGEM ERRADA Em férias no México, um jovem brasileiro enviou uma mensagem dizendo-se perseguido por traficantes russos. Delirava sob o efeito de drogas, que o levaram à morte. MARIANA ZYLBERKAN Na segunda-feira da semana passada, começou a circular na cidade catarinense de Jaraguá do Sul, a 185 quilômetros de Florianópolis, o relato de um crime de contornos cinematográficos. A história logo se espalhou pelo país. Um jovem rico, em férias numa badalada praia caribenha, havia sido atirado do terraço de um hotel por ter flertado com a namorada de um traficante de drogas ligado à máfia russa. Uma mensagem de voz enviada pelo serviço de comunicação on-line WhatsApp traçava o enredo. Ofegante e angustiado, o autor da mensagem pedia socorro porque estava prestes a ser sequestrado por uma russa misteriosa. Segundo diria mais tarde um porta-voz da família enlutada, o recado partiu do celular do engenheiro Dealberto Jorge da Silva Júnior, de 35 anos, encontrado morto na madrugada do domingo 11, depois de despencar de uma altura equivalente ao 3º andar de um prédio residencial em Playa del Carmen, no México. Sócios de uma empresa de engenharia ambiental no sul do país, os irmãos Dealberto e Fernando embarcaram para Cancún, no México, no último dia 2, para acompanhar um casamento. Após o evento, decidiram esticar a estada na paradisíaca Riviera Maya para assistir a um festival de música eletrônica com mais dois amigos. Foi quando teve início o triste roteiro que culminou na morte de Dealberto. Depois das investigações da polícia mexicana, sobrou pouco da trama que descrevia o assassinato do catarinense. De fato, havia uma mulher russa. De fato, havia drogas. Mas quem abusou delas foram os brasileiros. Como admitiu o próprio Fernando às autoridades, o acidente fatal de Dealberto foi consequência de uma terrível alucinação causada por um coquetel de drogas e álcool. A russa é a bela Ekaterina Vasileva, de 35 anos, que também passava férias no balneário mexicano. Ela trabalha em uma boate em Ibiza, na Espanha, e viajou para o Caribe com um namorado turco. O casal acabou se separando após as comemorações do réveillon. Sem hospedagem, Ekaterina pediu ajuda a Rodrigo Marchetti, um DJ brasileiro que ela conhecia por atuar em festas na Europa. Marchetti sugeriu que ela procurasse dois amigos, os irmãos catarinenses, em Playa del Carmen. Eles aceitaram abrigá-la no quarto que alugaram no Reina Roja — um hotel "só para adultos", com suítes temáticas decoradas com fotos e apetrechos eróticos. Segundo Ekaterina contou ao site de VEJA, um grupo se reuniu na sexta-feira 9 para uma maratona de festas. No começo da madrugada de sábado, eles se dividiram e percorreram uma série de discotecas, bares e inferninhos. É certo que consumiram ao menos ecstasy, cocaína, vodca e rum. De acordo com a psiquiatra Ana Cecília Marques, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), só o abuso de ecstasy já seria capaz de desencadear em determinadas pessoas uma reação paranoica. "O cérebro é inundado por três de seus principais hormônios, e não se pode saber de antemão quais serão as consequências", diz ela. Quando amanheceu, já de volta ao hotel, Fernando brigou com Ekaterina, nas palavras dele mesmo "por razões sem sentido". Segundo relatório das autoridades mexicanas, a discussão foi tão ríspida que os dois tiveram de ser acalmados por funcionários do Reina Roja. Na sequência, a russa enviou uma mensagem para o celular de Dealberto informando que havia deixado o hotel — e ele respondeu prontamente dizendo que ela deixasse de incomodá-los. Poderia ter sido esse o desfecho da noitada, não fosse o fato de os dois irmãos haverem entrado numa espiral paranoica. Fernando e Dealberto saíram sem rumo pelas ruas da cidade. Fugiam de sequestradores imaginários. De acordo com o depoimento de Fernando à polícia, eles se reencontraram horas mais tarde, ainda alucinados, e decidiram se livrar dos celulares — para não ser rastreados por satélite — e de suas sandálias — "para não ser identificados". Dealberto foi encontrado descalço e com o passaporte do irmão no bolso pelos paramédicos que tentaram salvá-lo, depois de cair de uma altura de cerca de 10 metros. Ele havia sofrido um traumatismo craniano severo, não respondeu aos cuidados e morreu no local. Enquanto Dealberto galgava os andares do prédio de onde caiu, Fernando tentava passar despercebido em ruas próximas. Ele relatou mais tarde que viu a chegada de carros de polícia e ouviu diálogos sobre uma morte. A certeza de que a vítima era Dealberto aumentou sua tensão. Ele comprou roupas e calçados novos e tomou um táxi para Cancún, por onde perambulou durante dois dias. Quando voltou a si, já sem dinheiro, pediu emprestado a um desconhecido um cartão telefônico e buscou a ajuda de um amigo. Depois, procurou a polícia e admitiu que nunca houvera risco de sequestro nem ameaça da máfia russa. Tinha sido apenas, e tragicamente, a viagem errada. 5#3 DIETA – SEM SAÍDA Sucesso no Brasil a dieta argentina Ravenna propõe um cardápio hipocalórico e o apoio cerrado de médicos e nutricionistas ao paciente. O método funciona e comprova o óbvio — não há fórmula mágica para emagrecer e manter o peso. ADRIANA DIAS LOPES Nunca antes na história deste país se falou tanto da aparência de um presidente da República como na posse para o segundo mandato de Dilma Rousseff. O conjunto de saia e blusa de renda esteve longe da unanimidade, e a profusão de palpites contra e a favor atravessou Brasília como se o armário de roupas da presidente equivalesse a um ministério. Os comentários jocosos foram injustos, no entanto, ao alienar das conversas uma constatação: ela apareceu indiscutivelmente mais magra. Foram 5 quilos a menos até o dia da cerimônia, num processo que começou em novembro último. Até a semana passada, ela havia perdido cerca de 8 quilos no total. Dilma ficou impressionada com a nova silhueta da ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, que emagrecera 17 quilos. A ministra pusera em prática um método de restrição alimentar argentino. Poucos dias depois, a presidente recebeu a visita privada de um representante do programa. Mas, antes de começar o regime, ligou para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e sentenciou, no seu estilo assertivo: "Comece a dieta também, você está precisando". Cardozo obedeceu e, em um mês, perdeu 5 quilos. Criado pelo médico e psicanalista argentino Máximo Ravenna na década de 90, o método é ancorado no bom e velho princípio da restrição calórica. O cardápio inicial diário contém em média 800 calorias. O valor foi definido criteriosamente — ele corresponde a cerca de 40% do aporte convencional, mas está longe de ser sacrificante. Explica o endocrinologista Freddy Eliaschewitz, diretor do Centro de Pesquisas Clínicas (CPClin): "Por mais paradoxal que possa parecer, escassas 800 calorias podem levar a um efeito de saciedade". Trata-se de um mecanismo bioquímico. Na privação alimentar, o organismo fabrica um produto químico chamado corpo cetônico. Esse composto tem duas funções primordiais. Uma delas é dar energia ao coração e ao cérebro ante a carência alimentar. A outra é inibir a ação do hipotálamo, região cerebral controladora da fome. Cardápios com menos de 800 calorias também estimulam a produção de corpos cetônicos, mas em proporções altas demais. O efeito, nesse caso, pode ser tóxico para o organismo, provocando enjoos e dor de cabeça. Dilma tem seguido a dieta sem sofrimento e ainda faz caminhadas diárias de trinta minutos. O cardápio hipocalórico do Palácio da Alvorada é preparado pela chef da Presidência, Andréa Munhoz, que foi treinada por nutricionistas do programa. O cálculo calórico da dieta portenha é só o começo. Ao preço mensal de pouco mais de 1900 reais, o paciente é submetido a um rigoroso acompanhamento de profissionais de saúde. Ele passa a frequentar os centros Ravenna (são dezesseis unidades em cinco países — três delas no Brasil), onde participa de grupos de autoajuda, recebe orientações médicas, nutricionais e pratica atividades físicas. As refeições são cobradas à parte. "O objetivo é que todos emagreçam com saúde e ninguém escape da dieta", diz Moema Soares, diretora das unidades brasileiras. O cerco ao paciente foi inspirado nos programas dos spas. Antes de inaugurar o primeiro centro em Buenos Aires, em 1993, Máximo Ravenna havia trabalhado em um lugar em que as pessoas ficavam internadas para emagrecer. O médico, então, reproduziu o conceito, excluindo o pernoite — e aqui está a causa principal do sucesso do método. Diz a endocrinologista Claudia Cozer, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndroma Metabólica (Abeso): "Uma dieta com apoio profissional multidisciplinar raramente falha". Um dos casos mais simbólicos da rigidez no controle do paciente ocorreu recentemente, em São Paulo. Em meio ao programa de emagrecimento, a empresária paulistana Isabela del Cielo teve a filha internada com meningite. Ela recebeu ajuda psicológica no hospital para evitar que o problema familiar a fizesse desistir da dieta. "O apoio foi fundamental, diz Isabela. A empresária emagreceu surpreendentes 52 quilos em nove meses (leia depoimentos ao longo desta reportagem). Os regimes que pregam o equilíbrio nutricional pouco a pouco têm ganhado espaço na preferência dos que lutam contra a balança. Os pratos da Ravenna, por exemplo, são compostos dos três grupos alimentares — carboidratos, proteínas e gorduras, em uma proporção não muito distante das recomendações convencionais (veja o quadro na pág. 80). O rigoroso e consagrado método Dukan ganhou uma versão mais branda há menos de um ano. Criado na década de 90 pelo médico francês Pierre Dukan, o programa até então pregava o consumo exclusivo de proteínas por até uma semana. Na nova edição, a regra vale apenas para o primeiro dia do regime. Outras categorias alimentares vão sendo gradativamente acrescentadas ao longo de seis dias. O sucesso das dietas balanceadas representa uma grande esperança para reverter um cenário desastroso. Dos 50 milhões de brasileiros que fazem regime, apenas 2% conseguem manter uma nova silhueta por mais de dois anos. O restante ou abandona o programa antes de atingir a meta, ou emagrece mas volta a engordar rapidamente. Há uma lógica simples para tamanha desproporção: a maioria dos métodos de restrição alimentar ainda propõe um sistema drástico demais de emagrecimento. Assim tem sido desde o século XIX, quando o francês Jean Anthelme Brillat-Savarin, autor do tratado de gastronomia A Fisiologia do Gosto, obra pioneira sobre a relação do homem com a comida, defendeu a renúncia total a açúcares e farináceos. O princípio foi retomado com uma força avassaladora, na década de 70, pelo cardiologista americano Robert Atkins. Os adeptos de Atkins são liberados para comer ovos, bacon e carnes e chegam a emagrecer 10% do peso corporal em apenas quinze dias. Agora o outro lado: 80% deles desistem da dieta em menos de três meses e recuperam o peso. A explicação para o curto prazo de validade dos regimes radicais está no princípio de sobrevivência da espécie. O carboidrato é a primeira opção de energia. Na falta dele, a gordura passa a ser utilizada como combustível essencial. "Esse processo provoca uma redução drástica nos estoques lipídicos do corpo", diz o nutrólogo Daniel Magnoni, do Hospital do Coração, em São Paulo. Em pouco tempo, a perda de gordura faz com que o organismo, para se defender, reduza o ritmo natural do seu gasto calórico, tornando o regime impraticável. Além disso, os carboidratos são o principal alimento associado à fabricação da serotonina, substância por trás de sensações de bem-estar e prazer. "O regime é interrompido, porque ninguém suporta tanta privação, e os quilos retornam", diz o endocrinologista Antonio Carlos do Nascimento. A possibilidade de comer de (quase) tudo um pouco, portanto, é uma promessa de que a guerra contra a balança pode ser eficaz e menos dura. O MÉTODO PORTENHO Desenvolvida pelo médico argentino Máximo Ravenna, a dieta Ravenna prega uma alimentação equilibrada, com restrição calórica. Dividido em duas etapas principais, programa inclui o acompanhamento de médicos, nutricionistas e preparadores físicos. 1ª Etapa - EMAGRECIMENTO Tempo de duração: até o peso ideal ser atingido - a meta é individual e definida pelo médico. A alimentação - O cardápio diário de cerca de 800 calorias mantém os três grupos alimentares. As proporções da dieta Ravenna 40% de carboidratos 30% de gorduras 30% de proteínas As proporções da dieta convencional 55% de carboidratos 25% de gorduras 20% de proteínas Tais diferenças correspondem em... .. carboidratos: A três colheres de sopa de mandioca ou de arroz integral ..gorduras: A uma colher de chá de azeite de oliva ..proteínas: A um ovo ou um ioguste. A DIETA DE 800 CALORIAS DIÁRIAS Café da manhã Banana com duas fatias de mussarela light polvilhada com canela em pó Uma xícara de cappuccino 165 calorias Almoço Caldo de brócolis 22 calorias Alface com tomate-cereja 30 calorias Filé com puré de abóbora 185 calorias Uma fatia fina de abacaxi 35 calorias Lanche da tarde Iogurte desnatado com meia maçã verde e aveia (uma colher) 170 calorias Jantar Caldo de legumes 22 calorias Salada de folhas 30 calorias Lasanha de berinjela com ricota 172 calorias Gelatina diet 10 calorias Os alimentos proibidos • Carboidratos com alto índice glicêmico - os que aumentam rapidamente as taxas de glicose no sangue. Exemplos: doces, pães, massas, arroz, bolos, milho e batata O suporte médico Periodicamente o paciente é submetido à avaliações com profissionais de saúde. As prescrições médicas são individuais Tipos de exames Laboratoriais: glicose, hormônios da tireoide, colesterol e triglicérides Imagem: ultrassom abdominal, tireoide e coração Bioimpedância: mede a porcentagem de gordura e músculos do corpo 2ª Etapa: TRANSIÇÃO Tempo de duração: quatro meses Os alimentos são reintroduzidos aos poucos. As calorias não podem ultrapassar o gasto energético total do dia. Novos alimentos Primeiro mês (exemplos) Tapioca, batata-doce, ervilha, feijão Segundo mês (exemplos) Pão e arroz integral Terceiro mês (exemplos) Doces, massas, bolos e arroz branco Quarto mês O paciente segue o novo cardápio elaborado para ele LIVRE, LEVE E SOLTA Dilma perdeu 8 quilos e voltou a praticar exercícios com a dieta portenha. APOIO PSICOLÓGICO Sou de uma família italiana em que qualquer problema é curado com comida. Engordei 50 quilos nos últimos cinco anos e até pensei em me matar. Cheguei ao Ravena chorando, com 112 quilos. Eles fizeram um cerco psicológico à minha volta. Os profissionais me ligavam em dias e horários diferentes para perguntar como eu estava e para garantir que eu não falharia na dieta. Minha filha ficou internada por causa de uma meningite e eu recebi apoio psicológico no hospital. Em nove meses, perdi 52 quilos. Do meu armário antigo só sobraram as meias. ISABELA DEL CIELO, 34 anos, empresária. MARMITA NA VIAGEM Não tive dificuldade em manter a quantidade de 800 calorias diárias da Ravenna. Levei até minha cozinheira para ela aprender a fazer as comidinhas leves. Eles criaram uma receita de bacalhau com couve-flor no lugar das batatas que eu adoro. A atenção deles é tão grande que troco mensagens com a nutricionista sempre que prevejo as recaídas. Quando viajo, levo uma marmitinha e carrego uma balança portátil. Perdi 23 quilos em um ano. Estou muito alegre. LUIZA HELENA TRAJANO, 63 anos, dona do Magazine Luiza O REGIME DAS DIETAS Quanto mais restritivo o cardápio, mais difícil de ser seguido. Os mais radicais são aqueles que vetam um grupo alimentar - carboidrato, gordura ou proteína. Nos moderados, a proibição é parcial, como a de alguns alimentos por um longo período. Os suaves não são excludentes. SINAL VERDE Suave NOVA DUKAN Como funciona: consomem-se exclusivamente proteínas apenas no primeiro dia. Ao longo de uma semana, são introduzidos novos alimentos O que promete: perda de 5% do peso em um mês Prós: muitos alimentos podem ser consumidos em livre quantidade. Raramente se passa fome durante a dieta Contras: requer um planejamento na compra dos ingredientes, que mudam diariamente Vigilantes do peso Como funciona: associa os alimentos a pontos considerando as calorias e o gasto calórico do organismo ao consumi-los, por exemplo Prós: os carboidratos liberados são os que não elevam drasticamente o açúcar no sangue. Emagrece-se com saúde Prós: o programa inclui reuniões em grupo de apoio, com depoimentos de pessoas que emagreceram. A técnica facilita a adesão Contras: a livre escolha permite ao paciente gastar a cota de pontos em alimentos não saudáveis RAVENA Como funciona: uma dieta 800 calorias por dia, com suporte médico, nutricional, psicológico e de treinadores físicos O que promete: perda de 5% a 10% do peso corporal em um mês Prós: os carboidratos liberados são os que não elevam drasticamente o açúcar no sangue. Emagrece-se com saúde Contras: o aporte dos profissionais torna a dieta dispendiosa. SINAL AMARELO Moderado GLÚTEN Como funciona: proíbe os alimentos com glúten – dos refinados aos integrais, como pães, massas e aveia O que promete: perda de 5% a 7% do peso em um mês Prós: emagrece rapidamente, já que a maioria dos alimentos com glúten costuma ser bastante calórica Contras: a proibição estimula o consumo de carboidratos que elevam rapidamente o açúcar no sangue, como batata, milho e beterraba SOUTH BEACH Como funciona: na primeira fase, com duração de pelo menos duas semanas, exclui frutas, laticínios, pães e massas. Na segunda, eles são acrescentados com moderação O que promete: perda de 5% do peso em um mês Prós: é palatável e fácil de ser seguida Contras: na primeira fase, a proibição total às frutas pode levar a uma carência de vitamina C SINAL VERMELHO Radical ATKINS Como funciona: não restringe calorias. Libera o consumo de gorduras e proteínas. Corta drasticamente o consumo de carboidratos O que promete: perda de 10% do peso em quinze dias Prós: o corte radical nos carboidratos leva à perda rapidíssima de peso Contras: é pobre em vitaminas e fibras alimentares. A comida gordurosa pode aumentar o colesterol. Provoca náusea e dor de cabeça SOPÃO Como funciona: a base é um sopa feita com legumes. Após uma semana, faz-se uma pausa de dois dias e recomeça-se a dieta O que promete: perda de 5% do peso em um mês Prós: a execução da sopa é simples Contras: pelo menos a metade do peso é perdida pelo efeito diurético e laxativo. Volta-se a engordar rapidamente COM REPORTAGEM DE THAIS BOTELHO 5#4 COMPORTAMENTO – O VERÃO DO PAU SELFIE Para onde quer que se olhe, haverá um, dois, três, uma dezena deles — o bastão ajustável que sustenta o celular na hora da foto indefectível está em toda parte, estimulando ainda mais a mania planetária de fotografar a si mesmo. CECÍLIA RITTO No começo era a selfie — o ato de apontar a câmera ou o celular para si mesmo e clicar à vontade, insistindo até obter um autorretrato minimamente razoável. Depois se fez o visor frontal, recurso tecnológico que facilitou tremendamente a nova mania planetária de fotografar a si próprio. Restava um obstáculo: o tamanho do braço (e a sua presença, esticadíssimo, em quase todas as cenas). A salvação veio na forma de um bastão ajustável, com um apoio para encaixar a câmera ou o celular numa ponta e um botão conectado por bluetooth na outra. Apontou, bateu, pronto: é só pôr nas redes sociais e desfrutar a fama. Acessível e simples, o bastão, também chamado de selfie stick ou simplesmente, na tradução literal do nome em inglês, pau de selfie, é o rei do verão (e do inverno, no Hemisfério Norte). Mais do que qualquer música, qualquer dancinha, qualquer adereço, é ele que está por toda parte — da lista da revista Time das melhores invenções de 2014 aos onipresentes memes, as gozações virtuais que consagram e disseminam modismos. Nas areias da orla do Rio de Janeiro, o vendedor Ricardo do Amaral, 32 anos, é testemunha e beneficiário do sucesso do bastão. Todo dia, coloca dez unidades na mochila e, depois de percorrer as praias da Zona Sul, volta para casa de bolsa vazia. Na semana do réveillon, extrapolou: vendeu 160. "Minha renda aumentou 100% em comparação com a que eu tinha quando vendia fones de ouvido", comemora Amaral, que diz comprar de fornecedores de confiança por 35 reais e repassar por 60. "O pessoal acha até barato", diz. E é mesmo, diante dos 250 reais cobrados por um selfie stick da australiana Kaiser Baas, a única marca a homologar o produto junto à Anatel (por ser acionado por bluetooth, o pau de selfie pode ser considerado aparelho de telecomunicação). Aproveitando o sol com a namorada, Luana Gonçalves, na Praia do Arpoador, na semana passada, Lucas Rodrigo, de Natal, no Rio Grande do Norte, conta que a primeira coisa que fez ao chegar ao Rio foi comprar dois bastões. Um para si mesmo e o outro para o pai, que "ama tirar fotos dele mesmo". Os primeiros a aderir foram os fãs da GoPro, a câmera digital que faz fotos e filmes, em qualquer ângulo, até debaixo d'água. Uma beleza — mas que graça tinha se as fotos do dono, feitas pelo dono, eram limitadas pelo comprimento do braço e quase não mostravam a paisagem ao redor? Por isso, quando o bastão apareceu, a adesão foi maciça. Mas, como o apetrecho era caro, espalhou-se primeiro entre celebridades. Justin Bieber, Beyoncé e o jogador Ronaldo adoram postar no Instagram retratos obtidos com o bastão. O sertanejo Gusttavo Lima, em foto amplamente reproduzida, fez questão da distância extra ao tirar uma selfie na frente de um jatinho. O surfista campeão Gabriel Medina, de férias após vencer o campeonato mundial, clicou-se com amigos na piscina de um hotel de luxo em Ipanema. E só a engenhoca conseguiria abranger boa parte dos 380 boleiros adolescentes loucos para aparecer na foto (clicada pelo tenista australiano Thanasi Kokkinakis) com a russa Maria Sharapova na apresentação do Aberto da Austrália, que começa na semana que vem. Mas a ubiquidade do dispositivo aconteceu mesmo no ano passado, quando surgiram cópias com o novo tipo de encaixe, adaptado ao celular. Comprovou-se, então, que haviam nascido um para o outro. Muito bom, diga-se, quase nunca fica, mas seguir algumas dicas melhora o resultado final das selfies. Os fotógrafos recomendam que a foto seja tirada de manhã cedo ou no fim da tarde, aproveitando a luz mais favorável, e sempre de cima para baixo, o melhor ângulo para esse tipo de câmera. Pouca gente, porém, presta atenção nesses detalhes, já que o que interessa mesmo é postar rapidamente nas redes sociais. "Minha foto com mais curtidas até agora foi tirada com ele", diz o potiguar Lucas Rodrigo. O risco da onda de cliques incessantes é empurrar o apetrecho para o outro lado do espectro da popularidade — aquele em que o objeto, de tão disseminado, deixa de ser bacana para se tornar cafona. Quem é cool já torce o nariz e apelidou o pau de selfie de "pochete dos eletrônicos". Por isso, embora encantadas com o brinquedinho, quatro amigas bonitas e descoladas que repartiam um bastão na Praia de Ipanema na semana passada — a colombiana Laura Chaves, 21, a alemã Maike Anni, 19, e duas moradoras do Rio, Maria Calvet, 20, e Catherine Egger, 19 — tentavam demonstrar comedimento. "Só uso para fotos de lugares bonitos. Em festa, tenho vergonha", diz Catherine. Na opinião da professora de etiqueta Manuella Machado, comedimento é a palavra de ordem no uso do pau de selfie. Ela ensina que sacá-lo em teatros, restaurantes ou espaços lotados, nem pensar. "É deselegante e até inconveniente quando a foto inclui pessoas que nem percebem que estão sendo enquadradas." Manuella prevê, inclusive, arrependimentos futuros. "Vai ter gente pensando: por que tirei uma foto assim?" Pode ser, mas vai demorar: o encanto geral com o autorretrato instantâneo e seu fiel aliado, o pau de selfie, só tende a aumentar. Primeiro, porque cada vez mais gente tem celular com recursos variados. No fim de 2014, 51% dos celulares no Brasil eram smartphones; a expectativa é que neste ano o total chegue a 70%. Depois, porque as imagens devem melhorar: segundo a consultoria de tecnologia IDG, em 2015 vão chegar ao país pelo menos cinco novos modelos de smartphone com câmera frontal de melhor qualidade. Que o pau de selfie seja eterno enquanto Dure. _________________________________________ 6# ARTES E ESPETÁCULOS 21.1.15 6#1 TELEVISÃO – TODO ANO TUDO NOVO 6#2 LIVROS – QUEM CURTE COMPARTILHA 6#3 CINEMA – UM INFERNO COTIDIANO 6#4 CINEMA – UM FIM EM SI MESMOS 6#5 VEJA RECOMENDA 6#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 6#7 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – HORROR, HORROR 6#1 TELEVISÃO – TODO ANO TUDO NOVO De American Horror Story a Fargo, as séries de antologia são uma força emergente. Essas tramas que se reinventam a cada temporada dizem muito sobre a atual indústria da TV. MARCELO MARTHE Neil Patrick Barris tinha bastante com que se ocupar em meados do ano passado. Ele podia simplesmente curtir a fama alcançada com a então recém-fama da série How I Met Your Mother — na qual, ao longo de nove temporadas, o ator provou" ser possível um gay assumido convencer o público como um galã mulherengo. Harris também estrelava uma peça na Broadway e estava para lançar um filme. Mas uma fixação o atormentava: em uma entrevista, ele confessou que seu maior prazer seria participar da quarta temporada de American Horror Story, série de terror criada por Ryan Murphy (da açucarada Glee). Harris revelou que mandara uma carta ao autor rogando por um papel. Em troca, porém, só obtivera um silêncio ensurdecedor. Após a entrevista, Murphy usou o Twitter para afagar o ator: "É claro que você pode participar! Tenho um personagem com a sua cara". Como prometia a velha propaganda de desodorante, sempre cabe mais um em American Horror Story. Lançado em 2011, o programa foi precursor no resgate contemporâneo de uma fórmula de sucesso nos anos 50 e 60. As "séries de antologia" como Além da Imaginação traziam uma história distinta por episódio. Nas novas antologias, o jogo é zerado ao fim de cada temporada. No ano seguinte, começa uma nova trama, conservando-se a linha temática. Elenco e cenário mudam conforme as conveniências. A série de Murphy já falou sobre uma casa mal-assombrada, um hospício e uma comunidade de bruxas. Em American Horror Story — Freak Show, que estreia nesta terça-feira no FX, o assunto é um circo de aberrações. Não se trata de uma mera nuance: a ascensão das antologias tem um tanto a ensinar sobre o momento criativo e as injunções industriais da TV americana. A abertura dessa porteira provocou um estouro da boiada, tanto premeditado quanto puramente improvisado. Da mesma forma que a série de horror de Ryan Murphy, True Detective, da HBO, já nasceu como uma antologia — mesmo que o alarde a esse respeito soasse a princípio como um pedido de desculpas para um fato difícil de digerir: seus dois excelentes protagonistas, Matthew McConaughey e Woody Harrelson, não voltariam na segunda leva de episódios, em 2015. Nascida como uma série menor do canal americano Starz e da rede inglesa BBC, The Missing revelou-se tão eficaz ao narrar com sufocante realismo o desaparecimento de uma criança inglesa em uma cidadezinha francesa (o programa traz à mente a história real do sumiço da menina Madeleine, ocorrido em Portugal há oito anos) que foi promovida a antologia. James Nesbitt e Frances O'Connor brilham como os pais que têm a vida dilacerada pela perda do filho. Mas não importa: ambos estarão fora do elenco da próxima temporada. Fargo, que na semana passada ganhou o prêmio de melhor minissérie e consagrou Billy Bob Thornton como melhor ator no Globo de Ouro, é mais uma que segue tal trilha: a comédia criminal vai continuar, ainda que sem o assassino vivido por Thornton. A facilidade com que atores da primeira linha podem entrar e sair de cena é um fator que explica o investimento nas antologias. Hoje, estar na televisão americana é sinal de prestígio. Mas atores como Matthew McConaughey e Billy Bob Thornton envolvem-se em tantos projetos que seria proibitivo se comprometer por anos com papeis de protagonistas de séries. As antologias unem o útil ao agradável: permitem satisfazer o desejo de estar na televisão sem abrir mão da carreira no cinema. Ao saírem, os astros liberam a vaga para outros. A fila anda que é uma beleza. Há, ainda, um fenômeno correlato: da mesma forma que se vêem atores brasileiros de novelas embarcando em trupes teatrais cabeça, as antologias permitem o engajamento em uma experiência dramatúrgica radical, mas que se desenrola em poucos episódios. Ou seja: um eventual fiasco limita os riscos de embarcar na ousadia. American Horror Story é a tradução mais notória disso. Assim como os espetáculos populares do século XIX e início do século XX, Freak Show explora os defeitos físicos e outras bizarrices. Está-se diante da experiência mais insana da teledramaturgia americana atual: feiura, violência, sadomasoquismo e, sobretudo, uma narrativa vários tons acima daquilo que já se caracterizaria facilmente como histeria bombardeiam o espectador por treze capítulos. As atrizes-fetiche do autor mantêm-se firmes no elenco: Sarah Paulson faz duas irmãs siamesas recalcadas e Jessica Lange é uma dominatrix decadente. O diabo é que os novatos Neil Patrick Harris e Michael Chiklis — o tira fortão de The Shield, outro ator conhecido que também se incorporou à nova temporada — sabiam o que esperar: lá pelo meio de sua promissora temporada inicial, American Horror Story degringolou para uma esquisitice duvidosa. Ser uma empreitada antes de tudo duvidosa, por sinal, é algo inerente às antologias. Contrariando o usual na TV, seus criadores se dão ao luxo de descartar personagens carismáticos sem dó. Lorne Malvo, o assassino de Fargo, e o detetive Rust Cohle, de True Detective, tinham potencial para virar os próximos Walter White. Mas, ao que tudo indica, ficarão na saudade. No fundo, a fórmula consagra a figura do roteirista como senhor absoluto da televisão. Nic Pizzolatto, de True Detective, disse que criou um título propositadamente genérico para poder levar sua série para onde seu humor bem entender. Todo ano, tudo novo — ao menos enquanto durar a força das antologias. FARGO O que é: versão para a TV do filme de 1996 dos irmãos Joel e Ethan Coen, vale-se do humor negro para escancarar a violência escondida sob a fachada modorrenta de uma cidadezinha gelada dos Estados Unidos A força da antologia: o cenário é seu maior trunfo. Há um manancial tão rico de tipos caipiras que os produtores poderão se dar ao luxo de esticar a série mesmo sem a presença do assassino carismático interpretado por Billy Bob Thornton TRUE DETECTIVE O que é: na primeira temporada, Matthew McConaughey e Woody Harrelson deram show na pele de dois detetives de Louisiana consumidos por seus próprios demônios durante caçada a um psicopata obcecado pela literatura gótica A força da antologia: vem de sua imprevisibilidade. O roteirista Nic Pizzolatto quer explorar qualquer forma de enredo criminal que lhe dê na telha. O certo é que astros fazem fila para participar: a nova temporada terá Colin Farrell, Rachel McAdams e Vince Vaughn THE MISSING O que é: um suspense realista sobre o desaparecimento de uma criança. Durante férias em família na França, um pai se desespera com o sumiço do filho. Ele gasta anos - e destrói o casamento - na tentativa de encontrá-lo A força da antologia: eis uma vitória da despretensão. Era para ser só uma minissérie, mas ganhará sobrevida em razão do sucesso - sempre com outro elenco e cenário, mas a constante de um novo mistério sobre gente desaparecida AMERICAN HORROR STORY O que é: a cada ciclo de episódios, traz uma história que mistura terror, sexo e bizarrice. O truque é ambientá-la sempre em um universo distinto, de um hospício ao circo de horrores da nova temporada, Freak Show A força da antologia: o roteirista Ryan Murphy muda os personagens, mas mantém o elenco básico e a marca da série - as doidas vividas por Jessica Lange. A alta rotatividade de estrelas em papéis pontuais também injeta frescor na fórmula 6#2 LIVROS – QUEM CURTE COMPARTILHA Favorito das redes sociais, o gaúcho Caio Fernando Abreu tem sua obra completa reeditada para ser apreciada do jeito certo, e não só na rapidez fácil do ambiente virtual. MÁRIO MENDES Os brasileiros Machado de Assis e Clarice Lispector e o português Fernando Pessoa foram escritores amplamente conhecidos e reverenciados em seu tempo e, depois de mortos, atingiram o indiscutível status de clássicos. Entretanto, com o advento das redes sociais, eles alcançaram uma popularidade sem precedentes, graças a frases ou trechos inteiros de suas obras — alguns até erroneamente creditados a eles — postados várias vezes ao dia no Twitter, no Facebook, em blogs e em tumblrs. Mas o caso mais notório de um escritor de língua portuguesa francamente consagrado pelo público on-line é o do gaúcho Caio Fernando Abreu, astro de inúmeros perfis e fanpages movidos por um fervor juvenil que em geral só é dedicado a ídolos da música pop. "A obra de Caio se comunica com facilidade com os leitores graças ao seu humor simples e ao refinamento estilístico, ambos muito atuais", opina Maria Cristina Antonio Jeronimo, editora da Nova Fronteira que desde o fim do ano passado vem reeditando a obra do escritor com o requinte destinado aos grandes autores da casa, como o mineiro Rubem Fonseca. Estão no pacote os romances Limite Branco e Onde Andará Dulce Veiga?, as crônicas de Pequenas Epifanias, os três volumes da antologia O Essencial das Décadas de 1970, 1980 e 1990 — que incluem poemas e correspondência —, O Teatro Completo de Caio Fernando Abreu e os contos de Os Dragões Não Conhecem o Paraíso, Pedras de Calcutá e Morangos Mofados, o livro que o tornou conhecido em 1982 e ainda hoje é sua obra mais popular e festejada. Morto em 1996, aos 47 anos, em decorrência da aids, Abreu pode ser definido como um legítimo representante da geração que marcou a cena cultural do país nos anos 80. Jornalista (começou a carreira em 1968, na primeira redação de VEJA), ele era assíduo frequentador dos bares e night clubs da moda em São Paulo, como o descolado Ritz e o alternativo Madame Satã, além de ser amigo de personagens icônicos da época, entre eles o roqueiro Cazuza. Adepto dos prazeres de então — a trindade sexo, drogas & rock'n'roll ainda ia a pleno vapor —, ele também se interessava por psicanálise e astrologia (adorava fazer o mapa astral dos amigos), pondo toda essa sacolejante bagagem a serviço dos textos que produzia durante noites insones ou dias seguidos de absoluta dedicação à máquina de escrever que ele batizou de Virgínia — de Virgínia Woolf, a escritora inglesa. Aos colegas de profissão que se queixavam de bloqueio criativo, recomendava: "Tome uma vodca". Nascido em Santiago do Boqueirão, no Rio Grande do Sul, em 1948, Abreu também morou no Rio de Janeiro, em Londres (fugindo do clima soturno do regime militar no Brasil dos anos 70) e em Estocolmo. "Caio tinha um lado adolescente que não temia se jogar no perigo", avalia a escritora Paula Dip, amiga e autora da biografia Para Sempre Teu Caio F., que foi transformada num documentário homônimo e contribui para alimentar o atual momento dedicado ao autor. O filme, dirigido por Candé Salles, com depoimentos de amigos, escritores e críticos e leituras dramáticas de seus textos, cumpre até março uma espécie de turnê, com exibições num circuito alternativo que abrange Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, no melhor estilo pop dos admiradores do escritor. Mas, afinal, por que tanta atenção sobre a obra de Caio Fernando Abreu, e justamente agora? Além do apelo óbvio da exposição de seus textos nas redes sociais e dos vinte anos de maturação por que eles passaram desde sua morte, Abreu falava de temas de interesse universal — amor, sexo, solidão, morte — de maneira direta, sem nada de professoral ou solene. "Ele já se tornou um clássico", define no documentário o editor Pedro Paulo de Sena Madureira. A obra de Abreu é o equivalente literário das canções do já citado Cazuza e de Renato Russo. Seus personagens são carentes profissionais que gostam de meninos e meninas, adoram um amor inventado e constantemente se perguntam "que país é este?". O século pode ser outro, mas os questionamentos continuam os mesmos. 6#3 CINEMA – UM INFERNO COTIDIANO No magistral Leviatã, Andrey Zvyagintsev mostra por dentro, pelas entranhas, o monstro que devora os russo. ISABELA BOSCOV Das desoladas vistas do Mar de Barents quebrando contra as rochas perto de uma pequena cidade costeira, o diretor Andrey Zvyagintsev corta para um dos seus motifs preferidos: um carro rodando por uma estrada. Nikolai (Aleksey Serebryakov), um mecânico e faz-tudo de meia-idade, foi buscar na estação Dmitri (Vladimir Vdovichenkov), seu amigo mais jovem dos tempos de Exército, que virou advogado em Moscou e vai ajudá-lo na sua batalha contra o prefeito local. Em várias outras passagens de Leviatã (Leviathan, Rússia, 2014), desde quinta-feira em cartaz no país, estradas serão tomadas, mas todas levarão a becos sem saída: um piquenique no campo será interrompido de forma desastrosa; Lilya (Elena Lyadova), a mulher de Nikolai, anda a pé e roda de ônibus para chegar à fábrica onde passa o dia inteiro cortando cabeças de peixe; Dmitri fará um passeio tenebroso com o prefeito Vadim (Roman Madyanov); o filho adolescente de Nikolai (Sergey Pokhodaev) sai de casa o tempo todo batendo portas e brigando, mas nada muda. Como nos outros filmes de Zvyagintsev — os espetaculares O Retorno, Izgnanie (O Banimento) e Elena —, a sensação de que tudo é em vão domina os 140 minutos de projeção. Quanta coisa há para dissecar neste imenso vazio, porém. E, o mais inesperado, quanto humor, ainda que sombrio e trágico, o diretor encontra na desesperadora história de Nikolai (que, aliás, lidera o páreo do Oscar de filme estrangeiro deste ano). Veja-se, por exemplo, a cena em que Nikolai, Lilya e Dmitri vão ao tribunal ouvir a decisão que já são favas contadas: sim, o prefeito Vadim tem todo o direito de desapropriar por uma mixaria a chácara à beira-mar onde Nikolai vive com a família, e não, Nikolai não tem o direito de recorrer da sentença — que a oficial da corte lê em velocidade inacreditável, sem pausa nem entonação, durante longos minutos que soam cada vez mais absurdos. Também o piquenique no qual Nikolai, família e amigos vão comemorar um aniversário é perfeitamente surreal (e completamente plausível). A diversão consiste em beber vodca aos copos cheios e atirar. Quando um conviva estraçalha as garrafas vazias com seu AK-47, todos reclamam, mas ele veio preparado com um estoque de alvos: velhos retratos de Lenin, Brejnev, Kruschev e outros líderes comunistas. Os líderes mais recentes, ele diz, ainda precisam de um tempo mofando na parede, mas a vez deles vai chegar. Não é por pudor que Zvyagintsev poupa Vladimir Putin desse tiroteio dominical: quando o advogado Dmitri vai ao escritório do prefeito Vadim ameaçá-lo com um dossiê que detalha os seus malfeitos para assim obrigá-lo a recuar da desapropriação das terras de Nikolai, o retrato oficial de Putin está em destaque na parede da prefeitura, presidindo sobre a corrupção e a repressão que emanam dali. Leviatã, em resumo, trata de um homem comum, sem poder nem influência, que na tentativa de obter alguma justiça será triturado pelas esferas inexoráveis do poder e da influência em um Estado no qual o direito pertence e sempre pertenceu a uns poucos. Na essência, é a mesma história narrada no romance Michael Kohlhaas — que, no entanto, foi tirada de um caso verídico da Alemanha do longínquo século XVI. Mas, na Rússia, nem o comunismo rompeu com a organização feudal do czarismo nem o capitalismo rompeu com a estrutura de privilégios corruptos do comunismo: nela, o monstro dá à luz a si mesmo geração após geração. O que torna os filmes de Zvyagintsev tão pungentes é o prisma íntimo e pessoal do qual esse estado de coisas é visto: a deterioração dos valores de uma sociedade não é um fato externo aos indivíduos, mas significa necessariamente a deterioração das relações domésticas, conjugais, profissionais, fraternas, de amizade. Leviatã contrapõe em seu título, porém, duas ideias opostas sobre essa situação. A primeira, a do fatalismo e da imutabilidade, está na referência bíblica ao monstro marinho que aparece no Livro de Jó — uma dimensão presente nas imagens de ossadas de baleias nas praias e no padre ortodoxo que incita o prefeito a prosseguir no massacre de Nikolai para assegurar o status quo. A segunda ideia, a da transformação e da racionalidade, vem do Leviatã publicado pelo filósofo inglês Thomas Hobbes em 1651, marco fundamental da defesa da sociedade de contrato como ferramenta para pôr fim ao "estado natural" do homem, que seria "a guerra de todos contra todos", e a base sobre a qual se assentam as democracias europeia e americana. Na visão de Zvyagintsev, o monstro arcaico vem ganhando a guerra. Mas o diretor continua à espera de uma batalha em que ele venha a ser enfrentado. 6#4 CINEMA – UM FIM EM SI MESMOS Assim são os filmes do diretor Bennett Miller, de Foxcatcher Herdeiro de uma das famílias mais ricas do mundo, a Du Pont que dá nome ao conglomerado industrial, John Du Pont era um tipo esquisitíssimo que se imaginava ornitólogo, filatelista, escritor e treinador de luta greco-romana. Embora não fosse nada disso, tinha dinheiro de sobra para comprar a ilusão de que outros o viam como ele se via. Mas uma pessoa, ao menos, mergulhou junto com ele em sua viagem narcisista: Mark Schultz, que fora medalhista de ouro de luta greco-romana na Olimpíada de Los Angeles e pretendia subir ao pódio de novo em Seul, em 1988. Retraído e inarticulado, Mark, então com 27 anos, treinava com o irmão, Dave Schultz, também ele ouro olímpico em 1984 e uma figura paterna poderosa na vida do caçula. Mark se deixou seduzir pela promessa de Du Pont de instalar em sua propriedade, a fazenda Foxcatcher, um centro de excelência do esporte. Dave preferiu manter seus compromissos e não quis ir. E assim se criou entre eles uma dinâmica arrevesada, movida por correntes edipianas e eróticas, que com o tempo se provaria catastrófica. Quando Dave Schultz finalmente aceitou o convite de Du Pont para se juntar ao time Foxcatcher, seu irmão e o bilionário já haviam atingido um estado irreversível de ruptura. Em vez de atenuar a tensão, a presença de Dave junto aos dois a agravou. Em 1996, o imbróglio terminou em homicídio, como narra Foxcatcher — Uma História que Chocou o Mundo (Foxcatcher, Estados Unidos, 2014), que estreia nesta quinta-feira com cinco expressivas indicações ao Oscar. Da mesma forma que em seus outros trabalhos mais conhecidos, Capote e O Homem que Mudou o Jogo, o diretor Bennett Miller é um virtuose na recriação das histórias que retrata. Esse, porém, é também seu defeito: tão meticulosa é sua recomposição, tão fechado o foco no objeto à sua frente, que seus filmes resultam estanques, sem comunicação com o momento ou o mundo. Por mais impressionante que seja a transformação do comediante Steve Carell em John Du Pont, por mais calorosa a presença de Mark Ruffalo, ou mais dedicada a interpretação de Channing Tatum (que ficou de fora da festa do Oscar), não há ar circulando entre eles. ISABELA BOSCOV AS INDICAÇÕES Direção – Bennett Miller Ator – Steve Carell Ator Coadjuvante – Mark Ruffalo Roteiro original Maquiagem 6#5 VEJA RECOMENDA DVDS PALAVRÕES (BAD WORDS, ESTADOS UNIDOS, 2013. PARAMOUNT) • É um acinte a presença do quarentão Guy Trilby (Jason Bateman, também diretor do filme) entre as crianças que participam de um torneio nacional de soletrar palavras. Mas não há nada que a comissão julgadora presidida pelo linguista Dr. Bowman (Philip Baker Hall) possa fazer: Guy achou uma brecha no regulamento, e sua presença belicosa, ofensiva e anárquica terá de ser suportada até o fim — ele não erra nunca uma palavra. Por que, no entanto, Guy insiste em participar, a despeito de tanta má vontade contra si? Ele nada explica nem a Jenny (Kathryn Hahn), a repórter de internet que o acompanha e com quem ele volta e meia se engancha, nem ao menino Chaitanya (o fofésimo e irrepreensível Rohan Chand), que sabe-se lá por que razões pressente em Guy qualidades merecedoras de sua amizade franca. Astro de filmes adolescentes da década de 80 que ressurgiu há alguns anos na série cult Arrested Development, Jason Bateman não apenas dá aqui o melhor de si como ator, mas revela-se também um diretor de sensibilidade à moda do seu amigo e xará Jason Reitman, de Juno e Amor sem Escalas. MEMÓRIAS DO SUBDESENVOLVIMENTO (MEMÓRIAS DEL SUBDESARROLLO. CUBA, 1968. INSTITUTO MOREIRA SALLES) • No momento em que Cuba volta a ser assunto palpitante em razão do restabelecimento das relações diplomáticas com os Estados Unidos, é oportuno visitar este filme produzido na ilha quase uma década depois da ascensão de Fidel Castro. Unindo ficção e imagens documentais, o diretor Tomás Gutiérrez Alea (1928-1996) adaptou o romance homônimo de Edmundo Desnoes em uma instigante crônica da sociedade cubana pós-revolução. O enredo é construído a partir das lembranças e desabafos de Sérgio (Sérgio Corrieri), um intelectual burguês que, em 1962, se recusa a acompanhar a fuga da família e dos amigos para Miami. Ele permanece vivendo da renda de imóveis em Havana e se envolve com uma garota simplória (Daisy Granados) em quem espera incutir, em vão, um pouco do verniz e dos apetites de sua classe. Avesso à política, indiferente à ascensão popular e preso à nostalgia, Sérgio assiste desiludido ao desenrolar da crise dos mísseis soviéticos — fato primordial nas hostilidades entre Estados Unidos e Cuba. Uma aguda observação crítica de um momento-chave do século XX. CHEEK TO CHEEK LIVE! TONY BENNETT E LADY GAGA (UNIVERSAL) • Os caminhos de Lady Gaga e Tony Bennett se cruzaram pela primeira vez em 2011. Ele a convidou para participar de seu disco de duetos e ficou impressionado com a performance de Gaga. Em julho do ano passado, reuniram-se novamente para o disco de standards de jazz Cheek to Cheek. Este DVD traz o repertório daquele encontro mais quatro faixas bônus — entre elas Bang Bang (My Baby Shot Me Down), sucesso de Nancy Sinatra. No fabuloso universo dos popstars, os standards valem como uma espécie de atestado de credibilidade: são uma maneira de mostrar que o intérprete tem um talento superior ao pop descartável que costuma praticar. Gaga, no entanto, sai do lugar-comum. A mais talentosa das divas espalhafatosas surgidas nos últimos dez anos, ela não sucumbe ao excesso de reverência e entrega versões pessoais de clássicos como Anything Goes, de Cole Porter, e Bewitched, Bothered and Bewildered, da dupla Richard Rodgers e Lorenz Hart. Sua interação com Bennett é igualmente exemplar. Por mais que ela se aproveite do show para desfilar sua coleção de roupas e perucas, Gaga nunca ousa ofuscar o octogenário cantor. LIVRO A DANÇARINA DO CABARÉ, DE GEORGES SIMENON (TRADUÇÃO DE ANDRÉ TELLES; COMPANHIA DAS LETRAS; 144 PÁGINAS; 24 REAIS) • Jean Chabot e René Delfrosse são amigos adolescentes em Liège, na Bélgica, no início dos anos 30. Delfrosse, o mais velho, é filho de família rica e arrasta o pobretão Chabot para a vadiagem nas ruas, pequenos furtos e visitas frequentes ao cabaré Gai-Moulin, onde abusam da bebida, assediam a dançarina Adèle e bolam um plano para roubar o dinheiro do caixa. Quando a oportunidade finalmente surge, tudo o que os rapazes encontram no cabaré vazio é o corpo sem vida de um desconhecido. Eles fogem apavorados e, claro, tornam-se os principais suspeitos. Trata-se de mais um suculento mistério a ser desvendado pelo comissário Jules Maigret — a célebre criação do belga Georges Simenon (1903-1989), presente em 75 romances e 28 contos —, que observa tudo a distância antes de entrar em ação. A narrativa breve, que pode ser lida de um fôlego só, é a maior prova do talento do autor para construir personagens cativantes, colorir movimentadas cenas cotidianas e estabelecer o clima de suspense com um mínimo de recursos. TELEVISÃO THE STRAIN (ESTREIA NESTA TERÇA-FEIRA, ÀS 23H15, NO FX) • Um voo Berlim-Nova York com quase 300 passageiros está para pousar no aeroporto JFK. De repente, um comissário percebe que há algo vivo — algo bem grande — no compartimento de carga. Corta para terra firme: após o pouso, as autoridades notam que o avião permanece na pista desligado, sem sinal de vida a bordo. Ao entrar na cabine, o agente Ephraim Goodweather (Corey Stoll), do Centro de Controle de Doenças americano, constata que só há quatro sobreviventes — além de uns vermezinhos agressivos arrastando-se pela fuselagem. Baseada no romance Noturno, do diretor mexicano Guillermo del Toro (de O Labirinto do Fauno) e do americano Chuck Hogan, The Strain tem como mote uma conspiração tétrica: o voo de Berlim é parte de um plano de dominação de Manhattan por uma linhagem de vampiros que têm certa conexão com o nazismo e transformam os corpos humanos em meros casulos de vermes repulsivos. Apesar de sua trama distópica carecer da densidade de The Walking Dead, a série diverte e presta um serviço: após tantos vampiros coxinhas no cinema e na literatura, eles voltam, enfim, a ser criaturas do mal. 6#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- Se Eu Ficar. Gayle Forman. Novo Conceito 2- Para Onde Ela Foi. Gayle Forman. NOVO CONCEITO 3- O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 4- O Sangue do Olimpo. Rick Riordan. INTRÍNSECA 5- Somente Sua. Sylvia Day. PARALELA 6- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA 7- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA 8- O Irmão Alemão. Chico Buarque. COMPANHIA DAS LETRAS 9- A Guerra dos Tronos. George R.R. Martin. LEYA BRASIL 10- Simplesmente Acontece. Cecilia Ahern. NOVO CONCEITO NÃO FICÇÃO 1- Nada a Perder 3. Edir Macedo. PLANETA 2- O Capital no Século XXI. Thomas Piketty. INTRÍNSECA 3- Bela Cozinha: As Receitas. Bela Gil. GLOBO 4- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 5- Sonho Grande. Cristiane Correa. PRIMEIRA PESSOA 6- Aparecida. Rodrigo Alvarez. GLOBO 7- Eu Sou Malala. Malala Yousafzai. COMPANHIA DAS LETRAS 8- Guga – Um Brasileiro. Gustavo Kuerten. SEXTANTE 9- Tudo ou Nada. Malu Gaspar. RECORD 10- Não Sou uma Dessas. Lena Dunham. INTRÍNSECA AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 3- De Volta ao Mosteiro. James Hunter. SEXTANTE 4- 60 Dias Comigo. Pierre Dukan. BEST SELLER 5- O Poder da Escolha. Zibia Gasparetto. VIDA & CONSCIÊNCIA 6- Geração de Valor. Flávio Augusto da Silva. SEXTANTE 7- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 8- As Regras de Ouro dos Casais Saudáveis. Augusto Cury. ACADEMIA DE INTELIGÊNCIA 9- Eu Não Consigo Emagrecer. Pierre Dukan. BEST SELLER 10- Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros. 6#7 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – HORROR, HORROR Inútil qualquer comentário. Já se comentou tudo o que se tinha de comentar sobre o massacre do Charlie Hebdo. Ao colunista que só agora chega ao assunto resta voltar ao começo. A cocker spaniel Lila andava para lá e para cá, cheirando um, aconchegando-se a outro. Lila habitava a redação do jornal satírico francês. Tem o pelo claro, como a Lady do desenho animado, e usava uma coleira com a inscrição "Charlie". Era a manhã fatídica e ia começar a reunião de pauta da publicação. Momento que se contempla depois cheio de espanto é aquele que precede as tragédias. Como é que tudo podia estar tão no seu lugar? Como era possível estarmos tão distraídos, tão seguros, e como podiam as coisas seguir tão inabalavelmente nos trilhos da rotina? Os jornalistas iam chegando e como quaisquer bons colegas de firma, e não como dos mais malcomportados humoristas da França, desejavam-se feliz ano novo uns aos outros. Uma palavra para quem não é do ramo sobre a instituição "reunião de pauta". Claro que há exceções e elas podem ser tensas; também podem ser insossas ou aborrecidas. Mas, em geral, tais reuniões, nas quais se planeja a edição seguinte de uma publicação, são momentos agradáveis, daqueles raros em que está todo mundo junto, não cada um em seu canto, ou mesmo em sua casa, como é cada vez mais comum, e sem a correria e, não raro, a aflição, do momento oposto, na rotina das redações, que é o "fechamento", caracterizado pela urgência de aprontar tudo nos prazos devidos. Se já é um momento relax nas redações em geral, mais ainda o será na de um jornal humorístico. Naquela manhã, como sempre, sucediam-se as brincadeiras e jogos de palavras entre a dúzia de jornalistas em torno da mesa. Stéphane Charbonnier, o Charb, o chefe da redação, notório pelas caricaturas de Maomé, garatujava numa folha de papel. Ele desenhava sem parar. Sempre haverá alguma utilidade em voltar ao começo. Há uma dimensão do horror que só se alcança quando se dispõe dos detalhes — e alguns detalhes do episódio se tornaram disponíveis apenas na semana passada. Nossa narrativa é baseada principalmente no depoimento de dois jornalistas sobreviventes — Sigolène Vinson, prestado ao jornal Le Monde, e Philippe Lançon, ao jornal Liberation. Philippe Lançon a certa altura se levantou e pegou seu casaco. Precisava sair. Mas não saiu. Nesse momento, ouviram-se dois estampidos. Os dois homens de preto haviam começado seu serviço. Ao forçarem passagem redação adentro, mataram o segurança que ficava à porta e feriram o profissional com que primeiro depararam, o webdesigner Simon Fieschi. Tinham agora diante deles como peças de caça generosamente oferecidas, umas bem junto às outras, para lhes facilitar o trabalho, a redação quase inteira do Charlie Hebdo. Segundo o depoimento de Sigolène Vinson, eles não metralharam suas vítimas; atiraram em um por um. Philippe Lançon foi atingido na maçã direita do rosto. Caiu no chão e se fez de morto, pensando, diria, "que talvez estivesse mesmo morto, ou que logo estaria". Sigolène Vinson arrastou-se pelo chão e conseguiu esconder-se atrás de uma mureta. Quando os tiros cessaram, ela ouviu passos que se aproximavam. Um dos homens de preto a localizara. Ele a olhou nos olhos e disse: "Não tenha medo. Nós não matamos mulheres. Eu te poupo e, já que te poupo, você lerá o Corão". Na sala de redação os corpos se amontoavam, todos com o rosto no chão, alguns caídos sobre outros. Sigolène vislumbrou entre eles uma mão que se erguia. Era Philippe Lançon, o rosto desfigurado, prensado entre dois corpos que o impediam de mover-se. Sigolène não conseguiu ajudá-lo. Philippe, que embora gravemente ferido está fora de perigo, só seria retirado mais tarde, pelas equipes de socorro. Carregado de maca, diria ele, "eu sobrevoei meus colegas mortos, Bernard, Tignous, Cabu, Georges (Wolinski), e de repente, meu Deus, eles não riam mais". De todo o resto, o que ficou para Philippe Lançon, deitado no chão, foram as "pernas negras" dos matadores. Sigolène viu Patrick Pelloux, outro sobrevivente, inclinar-se diante do corpo de Charbonnier, acariciar-lhe a cabeça e dizer: "Mon frère" (Meu irmão). Lila, a cocker spaniel, corria com seus pequenos passos de mesa em mesa. Horror, horror.