0# CAPA 18.3.15 VEJA www.veja.com Editora ABRIL Edição 2417 – ano 48 – nº 11 18 de março de 2015 [descrição da imagem: uma caricatura da presidente Dilma de corpo inteiro. Veste casaco vermelho e calça preta. A cabeça é desenhada bem maior que o corpo. Tem uma faixa, em verde e amarelo, faixa presidencial, cobrindo os olhos, amarrada atrás da cabeça. NA frente desta faixa, na posição do olho direito, está o brasão do Brasil. Não há nenhum título de reportagens na capa desta revista.] _______________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# INTERNACIONAL 5# GERAL 6# ARTES E ESPETÁCULOS _____________________________ 1# SEÇÕES 18.3.15 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – A FAIXA PROVIDENCIAL 1#3 ENTREVISTA – RICARDO HAUSMANN – UM COLAPSO ANUNCIADO 1#4 LYA LUFT – QUE DEUS NOS AJUDE 1#5 LEITOR 1#1 VEJA.COM LIDERANÇA O psicólogo americano Daniel Goleman, de 69 anos, tornou-se uma celebridade do mercado editorial em 1995 com a publicação do livro Inteligência Emocional. Foram vendidos 5 milhões de cópias da obra mundo afora, em quarenta idiomas. Agora, Goleman lança Liderança, uma reunião de textos escritos para a Harvard Business Review e outras publicações da área. Em entrevista a VEJA, ele assegura que todo mundo é líder em alguma medida, mas a grande qualidade de quem lidera é ainda saber ouvir: "Líderes não escutam mais seus subordinados ou seus pares como costumavam fazer". A CIÊNCIA DE PARA SEMPRE ALICE O filme Para Sempre Alice, que rendeu o Oscar à protagonista, Julianne Moore, acaba de estrear no país. Na obra, baseada no livro homônimo da neurocientista Lisa Génova, a atriz interpreta uma acadêmica de mente afiada que é diagnosticada com Alzheimer aos 50 anos e luta contra o declínio cognitivo imposto pela doença. Especialistas ouvidos pelo site de VEJA elucidam os aspectos científicos do filme: o Alzheimer pode se manifestar tão cedo? Qual o papel da genética no desenvolvimento da doença? E como a atividade intelectual pode fortalecer o cérebro contra a demência? BIG DATA DA LITERATURA Apaixonado por matemática e literatura, o pesquisador americano Matthew Jockers dedicou as últimas duas décadas a um estudo que unisse a ambas. Ele reuniu 40.000 obras literárias em formato digital e empreendeu uma análise quantitativa e qualitativa dos textos. Concluiu que as narrativas seguem não mais do que oito padrões básicos de distribuição de bons e maus momentos - o que vale tanto para Dom Quixote quanto para Moby Dick. "Essa análise ajuda a extrair sentido de milhares de livros ao mesmo tempo, algo impossível de fazer a partir apenas da leitura das obras", diz Jockers, em entrevista a VEJA.com. COLEGA DE TRABALHO O relacionamento no ambiente corporativo é um exercício constante de negociação com colegas de trabalho e clientes. Nem sempre é possível evitar conflitos, em especial quando um dos participantes da equipe se recusa a fazer concessões ou se revela intolerante com quem discorda de suas ideias. Em reportagem de VEJA.com, aprenda a identificar os cinco perfis comportamentais de negociador (competitivo, cooperante, perfeccionista, impaciente e sedutor) no ambiente de trabalho e faça o teste para descobrir se você é uma pessoa difícil. 1#2 CARTA AO LEITOR – A FAIXA PROVIDENCIAL A capa de VEJA com a data de 27 de setembro de 2006 foi ilustrada com uma caricatura do então presidente Lula com os olhos vendados pela faixa presidencial. O primeiro mandato de Lula caminhava para o fim e aproximavam-se as eleições nas quais ele obteve nas urnas o direito de ficar mais quatro anos no Palácio do Planalto. A capa da revista refletia a perplexidade geral com o fato de o presidente e seu partido continuarem indiferentes às revelações do mensalão, escândalo que já viera a público e em que os envolvidos já estavam denunciados pelo procurador-geral da República. Os brasileiros que vão às ruas neste domingo, dia 15, para protestar contra a presidente Dilma Rousseff também estão perplexos. Os que votaram em Dilma estão atônitos com o abismo entre o país paradisíaco que ela pintou na campanha eleitoral e a dura realidade que estão vivendo agora. Quem votou contra parece tomado de espanto com a velocidade com que o Brasil está afundando e exige uma reação do governo. Dos dois lados, muitos se assustam com o fato de a presidente, pelo que se depreende de seu discurso em cadeia nacional de rádio e televisão no domingo passado, dia 8, mostrar-se alheia à realidade que a cerca, como se estivesse de olhos vendados. Por essa razão, VEJA fez a capa desta edição inspirada naquela de setembro de 2006. A incapacidade de Dilma em enxergar a realidade é o foco de uma das reportagens que fazem parte do esforço jornalístico da revista, cujo objetivo é tentar entender os motivos da insatisfação popular com o governo e analisar os cenários políticos mais prováveis depois das manifestações de domingo. Com a ligeireza de um comentarista esportivo, Dilma pôs a culpa da inflação e da forte desaceleração econômica do Brasil na "crise externa", que ela descreveu como a pior desde o desastre financeiro e econômico mundial de 1929. Obviamente, de tão absurda, a comparação não convenceu a ninguém. Na ata da última reunião do Copom, que aumentou em 0,5 ponto percentual, para 12,75% ao ano, a taxa básica de juros, o próprio Banco Central fez seu panelaço técnico ao desmentir Dilma com a explicação de que "as perspectivas indicam recuperação da atividade em algumas economias maduras e intensificação do ritmo de crescimento em outras". É exasperante a ideia de que a presidente do Brasil desconheça as causas da crise que afeta os brasileiros — mais ainda a hipótese de que, mesmo as conhecendo, tenha simplesmente tentado enganar a opinião pública com uma retórica de palanque vazia e fantasiosa. Espera-se, portanto, que neste domingo quem leve susto seja a presidente. As manifestações podem ter o efeito de romper a carapaça com que os áulicos defendem os presidentes para poupá-los das más notícias, o que, provavelmente, é uma das causas da alienação de Dilma. As outras são seu dogmatismo e sua crença em receituários econômicos ultrapassados. Muitas das pessoas que vão se manifestar neste domingo acreditam que a única saída para a crise é a renúncia ou mesmo a destituição da presidente por um processo de impeachment. Embora o impedimento seja um recurso constitucional e legal, portanto parte da ordem democrática, lançar mão dele exige muito mais do que insatisfação, antipatia, irritação ou raiva da presidente. Os brasileiros têm motivos de sobra para protestar, mas é irreal concluir que o próximo passo seja o impeachment de Dilma. Existem instâncias e cenários que podem restituir a governabilidade à presidente e recolocar seu governo no rumo certo — e eles precisam ter suas possibilidades esgotadas antes que se cogite uma alternativa mais radical. 1#3 ENTREVISTA – RICARDO HAUSMANN – UM COLAPSO ANUNCIADO Para o professor de Harvard, o Brasil aproveitou mal os anos de economia externa favorável, abusou da gastança e do protecionismo, mas não investiu no aumento da produtividade. O Brasil desperdiçou os anos favoráveis de preços valorizados das exportações ao ampliar os gastos públicos, relegar as reformas e não investir o necessário para fortalecer o potencial de crescimento. A análise parte do economista venezuelano Ricardo Hausmann, diretor do centro para o desenvolvimento internacional da Kennedy School of Government, da Universidade Harvard. Para o especialista, que é um dos professores do curso de mestrado da instituição brasileira Centro de Liderança Pública, a iniciativa baseada na substituição de importações e na exigência de conteúdo nacional pouco contribuiu para incentivar a produtividade das empresas brasileiras. "O protecionismo impede o país de tirar proveito dos benefícios oferecidos pela globalização", diz. "O setor privado deve ser focado no mercado externo. Do contrário, as empresas serão preguiçosas." Hausmann recebeu VEJA em seu escritório, em Harvard. O Brasil buscou reduzir as desigualdades e incentivar o crescimento por meio do aumento dos gastos públicos, com a criação de programas sociais e a concessão de subsídios. Os resultados foram animadores em alguns momentos, mas agora a economia estagnou. Como avalia essa estratégia? O Brasil passou por uma transição complicada nos anos 80, com o fim da ditadura militar, e dedicou esforços à construção de um novo sistema político. A Constituição aprovada no fim daquela década levou a um aumento das despesas públicas. Uma das consequências foi a alta da inflação. Mais tarde, a hiperinflação foi controlada, mas em grande parte graças a uma redução dos investimentos públicos e ao aumento dos impostos. O lado positivo dessa história é que a inflação foi estabilizada, algumas reformas foram feitas, e o país avançou. Entretanto, não existe poupança pública. O governo gasta constantemente acima daquilo que arrecada. Muitos países possuem déficits fiscais, mas o investimento público deles é superior aos déficits. O governo brasileiro, ao contrário, acumula déficits não para ampliar os investimentos, mas para custear as despesas correntes. O resultado é visível na infraestrutura inadequada. O Brasil obteve alguns anos de crescimento acelerado e chegou a ser apontado como um dos países mais promissores. Era uma miragem? Tudo chegou ao fim em 2010, quando, às vésperas da eleição, o governo se lançou em uma política de gastança excessiva. O país cresceu mais de 7%, e as pessoas começaram a imaginar que aquele seria o início de uma fase de crescimento chinês. Era insustentável, e, como eu disse na ocasião, cedo ou tarde haveria um colapso. A taxa de crescimento tem sido frustrante, apesar das oportunidades existentes no país. O Brasil teve governos com enorme capital político, mas que não utilizaram esse capital para fazer as reformas necessárias. É inegável que o país tem pontos fortes, sobretudo no setor privado, com empresas dinâmicas e atuantes em diversas áreas. Em contrapartida, o setor público não demonstrou habilidade para executar reformas mais profundas. Na fase de alta nas exportações dos anos 2000, contentou-se em ampliar os benefícios sociais. O governo recorreu também a políticas no estilo dos anos 60, como no caso do pré-sal. A Petrobras deveria ter sido mantida em um regime competitivo. Em vez disso, o governo incentivou o monopólio no pré-sal, exigiu conteúdo nacional e subsidiou a gasolina. Foi uma política pouco inteligente para desenvolver a indústria do petróleo. Qual deveria ter sido o caminho seguido, então? O governo deveria ter como prioridade o acúmulo de poupança pública, os investimentos em infraestrutura, a simplificação do sistema tributário. Essas deficiências são conhecidas faz anos, mas não parece ter havido vontade política para atacá-las. Além disso, o Brasil, dono de um grande mercado interno de consumo, sempre tentou usar essa característica como uma ferramenta de negociação. Tal instrumento, entretanto, foi utilizado de maneira errada, privilegiando políticas protecionistas e pouco saudáveis para a construção de uma economia competitiva. O senhor afirma que existem ações do governo que contribuem para que as empresas sejam mais produtivas e outras que tornam as empresas mais lucrativas. Qual é a diferença? Com o avanço na produtividade, todos ganham. Os salários aumentam, mais mercadorias são vendidas, as empresas ganham, o governo arrecada impostos. Se as políticas públicas, entretanto, apenas tornam as empresas mais lucrativas, e não mais produtivas, nem todos saem ganhando. É o caso das políticas de conteúdo nacional. Com o mercado protegido, os consumidores pagam mais pelos produtos. Se há diminuição de impostos para incentivar alguma indústria em particular, o governo arrecada menos e os beneficiários dos serviços públicos podem sair perdendo. Apenas a empresa beneficiada tira proveito. O foco das políticas públicas deve ser o incentivo à produtividade, em um ambiente de competição internacional, e não o lucro, em um contexto de reserva de mercado. O senhor, em colaboração com outros pesquisadores, criou o índice da complexidade econômica. Qual é a finalidade do indicador? O que tentamos fazer foi medir o escopo do know-how, do conhecimento de uma economia. Medimos o que é produzido e quão difícil é produzir aqueles produtos ou serviços. Tipicamente, países pobres são capazes de produzir poucas coisas, e coisas relativamente simples. Nações ricas são capazes de fazer muitas coisas, das mais simples às mais elaboradas, que poucos países são capazes de produzir. É uma maneira de avaliar a diversidade da capacidade produtiva de uma sociedade. Descobrimos que essa medida é altamente correlacionada com o nível de renda e com o potencial de crescimento (os dados estão disponíveis no site http://atlas.cid.harvard.edu). Como o Brasil aparece nesse índice? O Brasil parou de evoluir. Está estagnado. Tem uma economia menos complexa que a do México, por exemplo. Existem regiões avançadas, mas o potencial do país é limitado por causa do ambiente macroeconômico bastante hostil, com taxas de juros extremamente elevadas, falta de poupança, alto custo de transação. Outro problema é a política externa. O Brasil foi capaz de transformar o Mercosul em uma piada de mau gosto. A União Europeia possibilitou a criação de um sistema produtivo e de comércio dinâmico, integrado. Os objetivos do Mercosul sempre penderam para o protecionismo. As fábricas de carros, por exemplo, são desconectadas do mercado mundial. Assim, o Brasil exporta carros ineficientes para a Argentina porque não consegue competir com o México. Existem obstáculos para que o país se transforme em uma economia mais complexa. A falta de mão de obra qualificada é um obstáculo? Sempre ouço queixas dos brasileiros em relação à educação. Houve progressos nessa área. O Brasil tem dado pouca atenção a um fator muito importante para o aumento da produtividade de um país, que é a atração de mão de obra estrangeira de qualidade. Muitos portugueses e espanhóis poderiam ter ido trabalhar no Brasil, quando não havia oportunidade em seus países por causa da crise. Não podemos esquecer o papel crucial que a imigração teve no desenvolvimento brasileiro no século passado, mas, nos últimos anos, isso deixou de ter importância. O Brasil deveria ter regras que incentivassem a imigração, como era no passado e como é ainda hoje nos Estados Unidos. A imigração contribuiria para a aceleração do desenvolvimento? Com certeza. Todos os meus estudos sugerem que a tecnologia e o conhecimento se movem quando cérebros se movem. É muito mais fácil transportar cérebros que criar conhecimento. Quando se importam cérebros, e estes permanecem no país, eles contribuem para o treinamento de uma nova geração de cérebros. A política de imigração deveria ter um papel muito mais destacado no debate público brasileiro. Alguns países conseguiram escapar da chamada armadilha da renda média. O segredo não foi o investimento em educação? Existe um certo exagero em vender a educação como uma bala de prata para resolver os problemas do subdesenvolvimento. Acredito que é mais importante criar empresas e cadeias produtivas capazes de desenvolver uma rede integrada de conhecimento com outras empresas, universidades e institutos de pesquisa. Assim, é possível produzir inovação em uma escala significativa. Melhorar a qualidade do ensino, simplesmente, não basta. Quando a Coreia do Sul decidiu desenvolver um novo modelo de chip, porque acreditou que aquela seria uma indústria importante no futuro, o projeto envolveu universidades, empresas, governo. A Samsung transformou-se na maior exportadora do país. Nos anos 70, o nível de desenvolvimento tecnológico dos coreanos era similar ao dos brasileiros. O Brasil, nesse período, seguiu a estratégia de proteger o mercado interno. O setor privado deve ser focado no mercado externo. Do contrário, as empresas serão preguiçosas e não atingirão a evolução adequada. Nos países que conseguiram se desenvolver, como a Coreia do Sul e Israel, existe a cultura de que os verdadeiros ganhos são alcançados quando se conquista o mercado internacional. A globalização, como o senhor diz, facilitou o desenvolvimento dos países e o processo de diminuir a distância que separa os mais pobres daqueles mais ricos. Ainda assim, a América Latina pouco avançou nas duas últimas décadas. Por quê? A globalização facilitou o desenvolvimento dos países em economias mais complexas. Isso porque eles não precisam ser bons em todas as etapas de produção de uma mercadoria. Talvez você não seja bom em design e marketing, mas talvez seja competente em corte e costura. Com o tempo, poderá desenvolver as áreas de design e marketing. No passado, você teria de cuidar de todas as etapas, e, como é muito difícil aprender a fazer diversas coisas ao mesmo tempo, poucas atividades sobreviveriam sem a ajuda de barreiras protecionistas. A economia moderna permite a globalização das cadeias produtivas. A Embraer é essencialmente uma montadora de peças e equipamentos produzidos ao redor do mundo. Fabrica apenas uma fração das partes de uma aeronave. Se houvesse uma política de conteúdo nacional, a empresa provavelmente não seria capaz de fazer um único avião voar. Tenho visto transformações no México com o objetivo de tornar a economia mais complexa e integrada às cadeias produtivas internacionais. No Brasil, o protecionismo impede o país de tirar proveito dos benefícios de crescimento oferecidos pela globalização. Há muito o senhor vem apontando os equívocos na política econômica da Venezuela, desde os tempos em que o país era favorecido pelo preço do petróleo nas alturas. Quais as perspectivas para a Venezuela, seu país natal? A Venezuela é uma tragédia. É um dos experimentos econômicos e sociais mais desastrosos jamais feitos em toda a história. Nunca houve um boom no petróleo tão grande e prolongado como o recente. Ainda assim, o país começou a ter problemas quando o barril do petróleo custava mais de 100 dólares. Perdeu o controle da inflação e entrou em recessão, mesmo quando os preços do petróleo ainda eram favoráveis. O governo destruiu a sociedade civil, as liberdades individuais, a iniciativa privada. Infelizmente, esse processo de destruição contou com a colaboração da América Latina, em particular do Brasil. O apoio brasileiro à Venezuela não foi compatível com seus compromissos com a Organização dos Estados Americanos e com os direitos humanos. O desastre venezuelano terá repercussão em todo o continente, com impacto também no Brasil. Será um problema regional. O Itamaraty terá de repensar seu papel na gestão desse desastre. Terá de repensar os efeitos de subcontratar Marco Aurélio Garcia para cuidar da política externa. 1#3 LYA LUFT – QUE DEUS NOS AJUDE Recentemente celebramos o Dia Internacional da Mulher. Contrariando muitos, talvez mais sofisticados do que eu, gosto de algumas dessas datas "oficiais". Não acho que basta dizer que "todo dia é dia da mãe, do pai, da mulher, do professor". Um momento especial traz à tona sentimentos que talvez a banalidade e lutas do dia a dia estejam abafando. Não considero caretice lembrar certas datas ou pessoas de um jeito diferente, com um abraço mais afetuoso, uma flor, uma lembrança, um almoço que reúne gente querida. Pois o cotidiano apresenta o perigo da banalização: nem nos damos conta da importância daquela pessoa em nossa vida. Mas, se for caretice, que bom às vezes ser careta. E cuidado com o preconceito contra os caretas... Já temos juízes e árbitros demais, moralistas demais, arrogantes demais, cercando todos os setores da nossa vida pública e pessoal. Volto ao assunto da mulher. Na véspera deste dia 8 de março, duas coisas me deixaram envergonhada de ser mulher brasileira. Uma foi a invasão do exército de mulheres campesinas de rosto tapado e foices e paus nas mãos, destruindo — pasmem! — mudas de eucalipto, fruto de décadas de pesquisas, estudos e esforços de cientistas, que estavam colocando o Brasil — ao menos nisso, pois andamos na rabeira em quase tudo — à frente no mundo científico. Eram mudas de eucalipto destinadas a reflorestamento e produção de papel, para evitar desmatamentos. Cientistas experientes choraram junto com funcionários calejados: o desconsolo foi geral, como em outras ocasiões semelhantes, inclusive uma invasão e destruição no laboratório de biotecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde foram aniquilados, ante os olhos estarrecidos do mundo, resultados de pesquisas preciosas para o progresso do país e menos miséria. Essas hordas preferem que se desmate a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica para produzir papel? Isso prova como as massas são manipuláveis, caindo na indigência mental que não deixa enxergar a realidade. Se isso faz parte dos exércitos que o ex-presidente Lula andou convocando, que Deus nos ajude. Outro fato que me preocupou nesses dias foi, mais uma vez, a tentativa de uma figura do governo de banir Monteiro Lobato, o grande e maravilhoso escritor, das escolas (e possivelmente da literatura brasileira). A primeira coisa que me veio à mente foi queimarem na Alemanha hitlerista obras dos mais renomados autores, como parte de purificação "racial". Essa tentativa de criminalizar Monteiro Lobato é uma calamidade, um desrespeito à cultura brasileira, uma ignorância dos períodos históricos em que cada obra se situa, um perigoso ataque à liberdade, uma desconsideração com os próprios negros e um inadmissível estímulo a mais preconceito. Enfatizo que tenho pessoas negras na minha família, como árabes e judias, e que nem me orgulho disso nem me preocupo: para mim, para nós, é apenas natural. É crime instigar o ódio "racial" e de classes, que vemos em afirmações ignorantes como "os brancos de olhos azuis não querem que vocês tenham nada", ou "as elites odeiam os pobres". Ignorar a superação das diferenças, desrespeitar a cultura, e a arte, regalar-se no rancor e no preconceito, isso tudo é tão sério como ignorar a realidade atual que envolve corrupção, omissão, mentiras e nossos direitos ameaçados. A chamada "lista de Janot" revelou dados espantosos sobre o desvio de bilhões que deveriam favorecer o povo tão necessitado. Só investigação e punição rigorosas podem limpar a honra do país e dos brasileiros. As forças políticas que imperam por aqui permitem muitas dúvidas e receios quanto a isso, mas nem a mais irreal divagação nem a mais doce retórica podem ocultar os riscos que corre a nossa democracia roída pela corrupção. Precisamos de uma liderança firme e competente para que, vencida a dramática situação atual, a gente deixe o fundo do poço e recupere a dignidade que nos roubaram. E mais uma vez eu digo: que Deus nos ajude! 1#5 LEITOR LISTA DE RODRIGO JANOT A reportagem "Os nomes sob suspeita" (11 de março), sobre a divulgação da lista do procurador-geral Rodrigo Janot, fez com que me lembrasse dos antigos álbuns de figurinhas, com uma seleção brasileira da corrupção, com direito a figurinhas carimbadas: Renan Calheiros, Eduardo Cunha, João Vaccari Neto, Gleisi Hoffmann... ABEL PIRES RODRIGUES Rio de Janeiro, RJ Não sou pessimista, mas, sem um Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal, duvido que algum desses citados na lista inicial de Rodrigo Janot sobre o petrolão perca o mandato ou vá para a cadeia. LAÉRCIO ZANINI Garça, SP A primeira lista de Janot foi aperitivo. As listas que estão por vir, tendo Pedro Barusco e megaempreiteiros como "colaboradores" premiados, estas, sim, apavoram o PT e os seus maiorais. ROBERTO MACIEL Salvador, BA No país da impunidade, fazer parte da lista de Janot chega a ser privilégio. JOÃO GUALBERTO Cuiabá, MT Espero que a "lista de Janot", assim como outras listas históricas, seja lembrada como algo que definiu — positivamente — o futuro de uma nação. MARLO VINICIOS DUARTE LEMOS Joinville, SC O risco agora é não quebrar os ovos para fazer a omelete; um acordo para não cortar as cabeças, e assim evitar a revolução. LUIZ ROBERTO DA COSTA JR. Campinas, SP A reportagem "Os nomes sob suspeita" citou um trecho do artigo 86 da Carta Magna, segundo o qual "o presidente da República, na vigência do mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções". O mesmo artigo também diz: "Admitida a acusação contra o presidente da República por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade (...)". Resta o que nós queremos saber: se a presidente Dilma e o ex-presidente Lula praticaram crime de responsabilidade. Luiz CARLOS SANTOS LOPES Salvador, BA Renato Duque e João Vaccari Neto sabem o caminho do dinheiro enviado aos seus patrões ("É só seguir o dinheiro", 11 de março). ORLANDINO NASCIMENTO NETO Barra Mansa, RJ CARTA AO LEITOR O conteúdo da Carta ao Leitor "A tempestade perfeita" (11 de março) retrata a real situação pela qual passa o Brasil, em razão dos últimos acontecimentos relacionados à corrupção no campo político e privado da nação, em que a atuação de VEJA nos orgulha e nos dá a certeza de que estaremos sempre bem informados sobre todos os atos praticados pelos políticos que não possuem um mínimo de dignidade, sobretudo o amor à pátria. Que Deus proteja VEJA de todos os seus desafetos neste momento em que nós, brasileiros, estamos sentindo o abandono e a falta de responsabilidade da classe política no cumprimento de suas obrigações assumidas no período eleitoral. NELSON PEREIRA LOPES Rondonópolis, MT J.R. GUZZO No esplêndido artigo "Vinagre com espinho" (11 de março), achei brilhante a forma como J.R. Guzzo discorre sobre a falta de habilidade política, gerência e tudo o que possa se somar da presidente Dilma e do seu atrapalhado governo, com apenas dois meses. JOSÉ AUGUSTO DINIZ São Luís (MA), via tablet VANDALISMO DO MST Triste a conduta do MST com a invasão na fazenda da FuturaGene, destruindo anos de empenho de pesquisadores e investimentos no agronegócio brasileiro ("Pesquisa arrasada", 11 de março). Os integrantes do MST, com esse tipo de conduta, pertencerão sempre a um grupo de sem-terra, pois lhes falta a base. Mesmo que cheguem a ter um pedaço de chão, imagino que não o terão por muito tempo. Além de serem sem-terra, são sem noção, sem educação e sem respeito ao trabalho alheio. A terra precisa de cuidados, de respeito. Aquele que souber cultivar a terra e der valor ao que dela brotar estará construindo uma vida com sabedoria e fartura. LUCIANE CRISTINA NUNES CARDOSO Iperó, SP A quem interessa essa ação orientada e criminosa do MST? MÁXIMO FIÚZA Fortaleza (CE), via tablet Milhões em investimento e muito trabalho de pesquisa aniquilados pela ação criminosa de vândalos e arruaceiros. Em contrapartida, nota-se um silêncio total, nenhuma autoridade se pronuncia. E pensar que esses malfeitores, travestidos de movimentos sociais, são financiados pelo governo, com o nosso dinheiro. ALBERTO DE SOUSA BEZERRIL Natal, RN MORTE DE UNIVERSITÁRIO Tenho um filho em Bauru, no mesmo curso do jovem Humberto Moura Fonseca, que morreu recentemente ("Quem morre primeiro?", 11 de março). Ele só não estava nessa festa universitária porque tinha voltado para casa no fim de semana. Ano após ano a gente diz as mesmas coisas: "Não beba, não corra, não brigue, use camisinha, se for assaltado não reaja, respeite a polícia...". A lista é extensa. Hoje em dia resumi tudo em: "Filhos, mantenham-se vivos". É isso que eu digo a eles quando estão saindo. VALÉRIA MORETT São Paulo, SP CLÁUDIO DE MOURA CASTRO No excelente artigo "Comitês não fazem a diferença" (11 de março), o economista e professor Cláudio de Moura Castro, arguto observador da realidade brasileira, foi ao âmago da questão. A burocracia, o status quo e a incompetência governamental atrapalham o desenvolvimento do Brasil. HÉLIO DE ARAÚJO FONTES Videira (SC), via tablet Muito inspirador o artigo "Comitês não fazem a diferença". Ver iniciativas que resultaram em projetos extraordinários nos desafia a fazer a nossa parte. O que podemos fazer? Ter obstinação, sim, e talvez coragem para sair às ruas e protestar, de forma ordeira e pacífica, contra tanta corrupção e injustiça. WERNER KROKER Blumenau, SC Mensagem mais clara, impossível! Com a ideia de buscar somente dentro de nossas fronteiras os talentos muitas vezes inexistentes, o tempo passa e os ousados evoluem. Os falsos patriotas ficam para trás. Espero que esses "idealistas" de araque leiam e reflitam sobre o assunto. CARLOS MACHADO Ibaiti (PR), via tablet Sou uma jovem de 16 anos e ao ler o artigo de Cláudio de Moura Castro tive duas reações divergentes: a primeira foi relembrar, em meio a tantas crises, que o Brasil ainda possui instituições de sucesso; a segunda foi descobrir que o mérito para tal sucesso, muitas vezes, foi estrangeiro. Isso realça o fato de o país ter um potencial enorme, porém não aproveitado por quem mais tem interesse nele — os brasileiros. MARIA VITORIA PESSOA Curitiba, PR ALEX PENTLAND Muito boa a entrevista com o cientista Alex Pentland ("A maior revolução em 300 anos", 11 de março). Sempre que leio algo sobre o big data, fico ainda mais interessado no assunto. Diariamente somos bombardeados por todo tipo de informação na internet, o que influencia bastante nossas atitudes e escolhas. JOEL SOARES DE OLIVEIRA Quixadá (CE), via tablet QANTA AHMED A entrevista com a médica inglesa Qanta Ahmed ("Um rosto para o inimigo", 4 de março) produziu a maior manifestação de lucidez, didatismo e conhecimento técnico-político que já tive oportunidade de observar em um texto tão sucinto — de apenas três páginas. Trata-se de um documento que merece ter divulgação em escala internacional, principalmente no mundo islâmico. Fato da maior relevância tornou-se explícito quando a entrevistada se declarou contrária à limitação da liberdade de expressão — já que, na prática, tal atitude leva sempre ao totalitarismo (a liberdade de expressão deve ser ampla, geral e irrestrita). É também respeitável o conhecimento do jornalista Felipe Carneiro, autor da entrevista. RUBENS LEWICKI Teófilo Otoni, MG VEJA Estou completamente satisfeito com a versão digital de VEJA. Confesso que estava um pouco cético no início, talvez por gostar de folhear o que estou lendo, mas o prazer de ler a revista em meio digital não tem igual. A interatividade é fantástica e intuitiva, parecendo em alguns momentos que estamos vivenciando o que lemos. Parabéns à equipe de VEJA e da Editora Abril. JÚLIO CÉSAR DA SILVA GOMES Rio Branco (AC), via tablet ____________________________________________ 2# PANORAMA 18.3.15 2#1 IMAGEM DA SEMANA – OPERAÇÃO LAVA A SECO 2#2 DATAS 2#3 CONVERSA COM MOZART VIANNA – A MÃO QUE BALANÇAVA O BERÇO 2#4 NÚMEROS 2#5 SOBEDESCE 2#6 RADAR 2#7 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – OPERAÇÃO LAVA A SECO Sem investigação nem delação premiada, por enquanto, surge um elo que liga o casal Clinton à roubança nativa. A testa franzida, os maxilares travados e os antebraços em posição de defesa. Por que estamos lendo a linguagem corporal de Hillary Clinton se já sabemos que a futura, ou talvez ex-futura, candidata à Presidência mentiu em níveis escabrosos no caso dos e-mails clandestinos? Porque o que era apenas mais uma falcatrua de média intensidade — usou por "conveniência", segundo tripudiou, não só uma conta como um servidor pessoal para se comunicar durante todo o tempo em que foi secretária de Estado — virou um buraco negro que atrai todo tipo de notícias ruins. Algumas já conhecidas, mas que ganham outra dimensão, como os 2 bilhões de dólares recebidos pela máquina de arrecadar dinheiro e vender influência chamada Fundação Clinton. Dinheiro, na maioria, proveniente de governos estrangeiros, daqueles acostumados a comprar os "amidos” e proibidos por lei de fazer doações a candidatos a cargos públicos nos Estados Unidos. Apareceram até conexões com envolvidos na Operação Lava-Jato. Depois do terremoto de 2010 no Haiti, Bill Clinton passou a presidir um comitê de ajuda ao país devastado, e o Departamento de Estado — chefiado pela madame, claro — passou a direcionar ao caça-níqueis da Fundação Clinton todas as organizações interessadas em contribuir. Funcionária à época do Banco Interamericano de Desenvolvimento, a uruguaia Mariela Antiga Bovio foi demitida quando reclamou da irregularidade de contratos de construção de casas populares dados à brasileira OAS. Que, por incrível coincidência, consta da lista de doadores da Fundação Clinton. Por um milagre muito conhecido pelos brasileiros, um dos contratos logo saltou de 800.000 para 3,5 milhões de dólares, segundo informou o Wall Street Journal. Em janeiro, Mariela soube que ganhou um processo por demissão indevida contra o BID. Hillary ainda está por saber o que acontece com gente que se enrola com empreitadas brasileiras. VILMA GRYZINSKI 2#2 DATAS MORRERAM Sam Simon, produtor e roteirista americano que criou, ao lado de Matt Groening e James L. Brooks, o seriado de TV Os Simpsons. Samuel Michael Simon, que nasceu em Los Angeles e cresceu em Beverly Hills, era formado em psicologia, mas já nos tempos de faculdade publicava cartuns em um jornal estudantil. Antes de começar a escrever sitcoms, foi cartunista esportivo e fez roteiros para estúdios de cinema. Em 1987, passou a trabalhar como produtor executivo e roteirista do humorístico The Tracey Ullman Show, no qual surgiram os Simpsons. Coautor de diversos episódios do programa, ele deixou a equipe em 1993. Em 2002, inaugurou uma fundação que resgata cães abandonados e os treina para ajudar pessoas com necessidades especiais. Dia 8, aos 59 anos, de complicações de um câncer de cólon, em Los Angeles. Florence Arthaud, velejadora francesa conhecida como "a namoradinha do Atlântico", apelido que ganhou depois de bater o recorde na travessia do Atlântico Norte, em 1990. No mesmo ano, ela se tornou a primeira e única mulher a vencer a Rota do Rum, entre a Bretanha e o Caribe. As duas proezas a transformaram num ícone francês. Nascida em Boulogne-Billancourt, Florence sofreu, em 1974, um acidente de carro que a deixou seis meses em coma. Em 2011, foi salva após cair no Mediterrâneo enquanto velejava. Na semana passada, ela estava em um dos dois helicópteros que transportavam dez pessoas para a gravação de um reality show na Argentina. Os aparelhos se chocaram, matando Florence e outros dois franceses: a ex-nadadora Camille Muffat, ouro na Olimpíada de Londres (2012), e o boxeador Alexis Vastine, bronze em Pequim (2008). Dia 9, aos 57 anos, na província de La Rioja. Frei Otto, arquiteto alemão, famoso por ter projetado a cobertura do estádio olímpico de Munique (1972). No dia seguinte à sua morte, foi anunciado como vencedor do Pritzker, o Nobel de Arquitetura. Nascido em Siegmar, Otto participou da II Guerra como piloto da Luftwaffe. Contudo, observou o comitê do Pritzker, apesar da convivência com os nazistas, seu trabalho se caracterizou pela aversão às formas pesadas do nacional-socialismo — era "leve, aberto à natureza e à luz natural". A harmonia entre o acrílico e os cabos de aço presentes nos telhados de suas construções olímpicas demonstra exatamente isso. Dia 9, aos 89 anos, na Alemanha. Richard Glatzer, cineasta americano, codiretor de Para Sempre Alice, que rendeu o Oscar a Julianne Moore (leia o texto sobre o filme na pág. 92). Quando assumiu o projeto do longa-metragem, em 2011, ao lado do companheiro, Wash Westmoreland, sua voz estava começando a ficar arrastada — era um sintoma da esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença degenerativa do sistema nervoso. O trabalho no set foi difícil: Glatzer se comunicava por meio de um tablet. Dia 10, aos 63 anos, em decorrência da ELA, em Los Angeles. Armênio Guedes, jornalista baiano, ex-dirigente do Partido Comunista Brasileiro. Nascido em Mucugê, filiou-se ao PCB em 1935 e em 1945 se tornou amigo de Luís Carlos Prestes, de quem foi segurança. Mais tarde, romperia com ele. Líder de uma corrente que condenava o stalinismo e divergia da orientação da URSS, aproximou-se dos partidos da esquerda democrática europeia. Após o golpe militar, viveu no Chile e na França. Em 1983 deixou o PCB. Dia 12, aos 96 anos, de falência de múltiplos órgãos, em São Paulo. 2#3 CONVERSA COM MOZART VIANNA – A MÃO QUE BALANÇAVA O BERÇO Eficiente secretário-geral da Mesa Diretora da Câmara durante 24 anos, ele sentou-se à esquerda de doze presidentes da Casa, foi chamado de espírito santo de orelha de deputado, sabia de tudo e aqui conta um pouco. Deputados gritando e ofendendo-se mutuamente. O que é melhor fazer nessas horas? O ex-presidente Henrique Alves, por exemplo, tinha muita paciência. Ponderava muito antes de cortar os microfones. Houve outros que chamavam os seguranças. Em que momento presidentes da República entendem os limites de seu poder? Na aprovação de projetos. O chefe do Executivo precisa ficar próximo de Câmara e Senado e articular na prática. FHC enviou cinco vezes um projeto de cobrança previdenciária dos inativos e não teve apoio. Aproximou-se dos parlamentares e depois aprovou outros quatro dos cinco projetos de reforma. Qual o presidente mais hábil no trato com o Congresso? O mencionado FHC e Lula. Tenho lido nos jornais que Dilma é distante e que tenta se aproximar do Legislativo. Pelos jornais? Tive zero contato. Apertei a mão dela raríssimas vezes. Se pudesse ter aconselhado um presidente catastrófico como Jânio Quadros, o que diria? Ele foi eleito prometendo limpar todo tipo de sujeira e era querido pelo povo. Mas não se aproximou do Senado nem da Câmara. Achava que, renunciando, voltaria mais forte, com aclamação popular. João Goulart? Não esteve atento à oposição, e todo presidente deve estar. Que informação preciosa daria a um deputado novato? Antes, as sessões de quinta-feira eram light, sem votações importantes. Hoje, diria para não perder nenhuma. Eduardo Cunha é rigoroso: quem falta tem desconto no pagamento. Onde as principais decisões são tomadas? As melhores conversas são no gabinete do presidente, nas salas de ministros e, claro, fora de lá. Como explica os salários exorbitantes de funcionários do Congresso? O meu vinha de lá. Acho chato comentar. 2#4 NÚMEROS 179 milhões de reais do dinheiro desviado pelo ex-gerente da Petrobras e delator premiado Pedro Barusco foram repatriados da Suíça e serão agora devolvidos aos cofres da estatal por decisão da Justiça de Curitiba. 4,5 vezes tudo o que foi recuperado pelo Departamento de Recuperação de Ativos do Ministério da Justiça nos últimos dez anos é o que representa o valor que Barusco aceitou devolver. 460 milhões de reais é o total que seis delatores da Operação Lava-Jato, incluindo Barusco, já prometeram devolver. O valor corresponde a apenas 20% do roubo do petrolão contabilizado até agora pelo Ministério Público Federal: 2,1 bilhões de reais. 2#5 SOBEDESCE SOBE Terrorismo islâmico - O Estado Islâmico anunciou ter aceitado a "declaração de obediência" feita a ele pelo grupo nigeriano Boko Haram, o que sela uma aliança entre as facções terroristas mais ativas e cruéis da atualidade. Juros no cartão - A taxa de juros no cartão de crédito chegou a 276% ao ano em fevereiro, o maior índice desde 1999. Princesa Elsa - A heroína insegura e em conflito com seus superpoderes vai voltar em Frozen 2. A Disney anunciou o lançamento da sequência da animação mais lucrativa de todos os tempos e a quinta maior bilheteria da história do cinema. DESCE Estatinas - As substâncias anticolesterol elevam em até 46% o risco de o usuário desenvolver diabetes, concluiu pesquisa publicada no jornal Diabetologia. Pau de setlie - O Palácio de Versalhes e a National Gallery engrossaram a lista das atrações turísticas que baniram o acessório "irritante" e "potencialmente danoso" às obras de arte. Mais Médicos - Cuba, revelou a Folha de S.Paulo, está exigindo que seus médicos no Brasil mandem de volta à ilha os familiares, garantindo assim seu retorno e remessas de dinheiro. 2#6 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • GOVERNO JÁ VAI MUDAR 1 O martelo está batido: até o fim do mês, Dilma Rousseff fará a primeira reforma no ministério empossado em janeiro. JÁ VAI MUDAR 2 Pepe Vargas não sobreviverá à mexida. Não será o único, no entanto. DEFINIÇÕES SINCERAS De Renan Calheiros, entre o irônico e o irritado, em conversa com um senador peemedebista: "o Aloizio Mercadante tem resposta para tudo e solução para nada". NÃO PARECE, MAS... Na fase de preparação para montar a fala de Dilma Rousseff em cadeia nacional no Dia Internacional da Mulher, houve um almoço que reuniu Aloizio Mercadante, João Santana, Nelson Barbosa, Joaquim Levy e até o presidente do BC, Alexandre Tombini. • LAVA-JATO TE CUIDA, CUNHA A Polícia Federal já convocou o executivo Júlio Camargo, da Toyo Setal, para um novo depoimento, em complemento à sua delação premiada. A PF quer detalhes de histórias que envolvem Eduardo Cunha, a Mistui e sondas da Petrobras. • BRASIL MIRANDO 2018 Geraldo Alckmin decidiu montar uma equipe de comunicação para trabalhar sua imagem fora de São Paulo. A SOLUÇÃO DO PIT BULL É pesada a mágoa que o ministro Ricardo Berzoini tem de Aloizio Mercadante. Afastado do convívio de Dilma Rousseff desde que começaram a vazar para a Imprensa as divergências no núcleo político do governo, pouco ouvido pela presidente, Berzoini traz, no entanto, a solução para a crise política na ponta da língua e a vem externando aos mais próximos: partir para o confronto com a "direita" e a "mídia burguesa". Berzoini quer que Dilma envie imediatamente o projeto de "regulamentação da mídia" ao Congresso e transfira da Secom para o Ministério das Comunicações as verbas oficiais de propaganda • STF NENHUMA CHANCE No fim de dezembro, Dilma Rousseff sondou Renan Calheiros sobre um nome para o STF. Perguntou se a indicação do subprocurador-geral da República Eugênio Aragão, o preferido dos petistas, passaria no Senado. Renan disse que não, e Dilma desistiu de Aragão para suceder Joaquim Barbosa. • INFRAESTRUTURA PADRÃO LESMA A linha de transmissão de energia entre Manaus e Boa Vista, com 721 quilômetros de extensão, foi leiloada em 2011 e, segundo o cronograma, deveria ter sido inaugurada há dois meses. Só que nem saiu do papel. Apesar de o concessionário já ter todos os cabos e 1770 torres compradas, a obra não pode ser iniciada. Motivo: falta o parecer da Funai, sem o qual nada pode ser feito. • ECONOMIA SEM SAÍDA Na ponta do lápis, o endividamento da encrencada Sete Brasil é de 10,8 bilhões de reais. Desse total, 2 bilhões de reais são com o FI-FGTS. OPERAÇÃO HOSPITAL O governo tem pressionado os bancos privados a ajudar no socorro às distribuidoras de energia. O Bradesco e o Itaú já toparam. Mas a Fazenda quer mais bancos na roda. PREFIRO O NELSON Deputados e senadores influentes estão usando Nelson Barbosa para fazer um contraponto a Joaquim Levy. Virou regra dizerem que Barbosa é muito mais habilidoso e fácil de dialogar. PROBLEMA ALGUM Quando soube da comparação, Levy reagiu, sem se alterar: "Estranho seria se o ministro do Planejamento fosse mais duro que o da Fazenda". TEMPO NUBLADO A propósito, Joaquim Levy assustou alguns senadores quando, numa reunião sobre o ajuste fiscal, previu que, se as medidas não passassem no Congresso, haveria risco de o dólar bater em 4 reais. CAPITAL ESTRANGEIRO O Credit Suisse está tentando levantar entre 3 bilhões e 5 bilhões de dólares para a J&F, a holding da família Batista, comandada por Joesley, com fundos soberanos árabes e asiáticos. O destino dos recursos será uma capitalização da Eldorado Celulose, o investimento na abertura de uma rede de varejo de carnes e novas aquisições. • CRIMINALIDADE TUDO DOMINADO Uma planilha encaminhada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao CNJ revela, pela primeira vez, o poder de cada facção criminosa no sistema penitenciário do estado. Segundo o estudo, o Comando Vermelho controla sozinho treze presídios, onde estão 15.300 presos. O Terceiro Comando domina três penitenciárias, totalizando 2500 detentos. E a facção Amigos dos Amigos controla dois presídios, com uma população de cerca de 2200 presos. As três facções dividem ainda o mando de outros oito estabelecimentos penais. Apenas quatro presídios são tidos como neutros, com presos que não participam de nenhuma facção. • TELEVISÃO COMPETIÇÃO ACIRRADA O Ibope definiu uma estratégia ousada para enfrentar o ingresso da GfK no Brasil, previsto para abril: nunca deixará a nova concorrente ter uma amostragem maior que a sua para medir a audiência — o que tem sido apresentado pelos alemães como uma das suas grandes vantagens na disputa. Ou seja, se a GfK estiver realmente presente em 6000 domicílios, como já prometeu, o Ibope estará em 6001 lares, para nunca ficar para trás. A decisão é sacrificar a rentabilidade, mas não perder essa corrida. • OLIMPÍADA NÚMEROS SUPERLATIVOS A Rio 2016 definiu quanto vai pagar pelas tendas provisórias que serão montadas para a Olimpíada: 100 milhões de reais. • LIVROS 900 PÁGINAS José Sarney botou o ponto final em seu livro de memórias. Escreveu 900 páginas. Ficou um pouco maior do que O Capital no Século XXI, de Thomas Piketty, que ele está lendo. 2#7 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “Penso, com pessimismo, que o cinema brasileiro continua a fazer o pior cinema brasileiro do mundo.” - PAULO JOSÉ, ator, em O Globo “Os dias de programas (na TV) com horário marcado estão ficando mais para trás de nós do que à nossa frente.” - KEVIN SPACEY, ator americano, protagonista da série House of Cards, para a agência britânica Reuters “Muitas vezes cometemos o erro de sugerir que o racismo acabou.” - BARACK OBAMA, presidente dos Estados Unidos, em discurso pronunciado em Selma, no Alabama, alusivo aos cinquenta anos das marchas pelo direito da população negra ao voto. “Olhe para a transformação de Michelle Obama. É impressionante. Ela parece alguém do elenco do Planeta dos Macacos, o filme.” - RODNER FIGUEROA, apresentador de TV, no programa El Gordo y la Flaca, da rede hispânica Univision, nos EUA. Ele foi demitido em seguida. Em carta a Michelle, Figueroa pediu desculpa e disse que foi mal interpretado. “Olha, Stalin se parecia comigo. Olha o bigode, igualzinho. O camarada Stalin, que derrotou Hitler.” - NICOLÁS MADURO, presidente venezuelano, ao deparar, na abertura da Feira Internacional do Livro da Venezuela, com uma foto do ditador da extinta União Soviética na capa de uma obra, conforme noticiou o diário El Nacional. “Levarei para sempre, no meu coração, a lembrança deste dia. Mas chega de emoção por hoje. Bunga-bunga para todos!” - SILVIO BERLUSCONI, ex-premiê italiano, fazendo piada diante de correligionários da Forza Itália, ao anunciar seu retorno à política. Ele foi absolvido no processo por abuso de poder e incitação à prostituição. “Gostaria de ser a Rihanna. Ela é selvagem, engraçada e sexy.” - ISABELI FONTANA, modelo, em entrevista ao Ela Digital. “Se você comprar esta casa, poderá pedir a mão de sua proprietária em casamento.” ANÚNCIO NA INTERNET sobre um imóvel localizado na Ilha de Java, que pertence a Wina Lia, viúva de 40 anos. Ela explicou à agência France Presse que pedira ajuda a um amigo corretor para vender sua residência e comentara que, se ele encontrasse alguém disposto a se casar, poderia mencionar seu interesse. “Nossas emissões per capita são sistematicamente maiores que a média mundial. A gente se esconde dizendo que nossa economia é de baixo carbono, quando de fato não é.” - CARLOS RITTL, secretário executivo do Observatório do Clima, rede de ONGs reunidas para debater as mudanças climáticas no contexto brasileira, em entrevista à Folha de S.Paulo. “Está provado e comprovado que nesta operação não tenho nada.” - PAULO MALUF, deputado federal (PP-SP), falando, em O Estado de S. Paulo, sobre a relação de suspeitos da Lava-Jato, na qual seu partido aparece com o maior número de envolvidos. Maluf, que consta de uma lista da Interpol, não pode sair do país, pois corre o risco de ser preso. “Em 15/11/1889, nem mesmo o general Deodoro da Fonseca tinha em mente derrubar o regime imperial sob o qual o Brasil vivia. Aconteceu.” - JOAQUIM BARBOSA, ex-presidente do STF; no Twitter. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto da postura da presidente Dilma Rousseff - e dos rumos de seu governo “Os homens erram, os grandes homens confessam que erraram.” - VOLTAIRE, escritor e filósofo francês (1694-1778) ____________________________________________ 3# BRASIL 18.3.15 3#1 E O GOVERNO MAL COMEÇOU... 3#2 ATÉ ELA FALA NAQUILO 3#3 COMO O BRASIL FOI PRO BURACO 3#4 MERCENÁRIOS EM AÇÃO 3#5 ARTIGO – J.R. GUZZO – A PIOR SUBVERSÃO 3#6 A CULPA É DELES! 3#7 CORRUPÇÃO INSTITUCIONAL 3#1 E O GOVERNO MAL COMEÇOU... Com pouco mais de dois meses do segundo mandato, Dilma já tem a pior aprovação de um presidente desde o impeachment de Collor, as contas públicas em frangalhos, uma economia à beira de uma crise e o povo nas ruas contra ela e seu partido. MARIANA BARROS E DANIEL PEREIRA Dilma Rousseff já foi recordista de popularidade. Em abril de 2012, com um ano e três meses de mandato, era aprovada por 64% da população, o melhor percentual já registrado por um presidente com o mesmo tempo no cargo. Embalada pelo figurino de faxineira ética, depois de demitir em cascata seis ministros acusados de corrupção, superava em aprovação popular até o mentor e antecessor Lula. Quase três anos depois, a presidente enfrenta uma realidade completamente diferente — e francamente ruim. Pesquisas encomendadas pelo Palácio do Planalto mostram que os índices de popularidade da petista já são piores do que os do ex-presidente Fernando Collor de Mello no auge da crise que o levou ao impeachment, em 1992. Na economia, a situação das contas públicas supera em gravidade a que vigorava no fim do triste governo do general João Figueiredo (1979-1985). Os resultados negativos que afetam diretamente a vida dos eleitores começam a aparecer na forma de aumento do desemprego, da conta de luz e do preço dos alimentos no supermercado. A tempestade parece perfeita. Na semana passada, a própria Dilma passou recibo da gravidade da situação. Depois de ver parte da população reagir com um panelaço ao seu pronunciamento na TV sobre o Dia da Mulher (leia a reportagem sobre o discurso na pág. 48) e de ser vaiada por trabalhadores na montagem de uma exposição em São Paulo, a presidente afirmou não haver "razões para o impeachment". Enquanto ela ouvia vaias em São Paulo, o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco detalhava com calma desconcertante na CPI da Petrobras, em Brasília, como o esquema do petrolão abasteceu com 300.000 dólares de propina a campanha presidencial de Dilma em 2010 (leia sobre o depoimento na pág. 64). A sucessão de manobras malsucedidas da presidente ajudou a impulsionar a manifestação contra o governo prevista para ocorrer em mais de 200 cidades neste domingo, dia 15. Há duas semanas, não passavam de trinta as convocações para as marchas no Facebook. Esse número dobrou desde o panelaço. Já a quantidade de mensagens que associam a presidente à palavra impeachment aumentou dez vezes no mês passado em relação a janeiro. Desde fevereiro, os usuários do Twitter publicam em média 4000 tuítes por dia mencionando o afastamento da petista, segundo levantamento da consultoria Bites. Sobre essa questão, PT, PMDB e PSDB compartilham a mesma posição: são todos contra. O vice-presidente Michel Temer, o primeiro na hierarquia na eventual vacância do cargo de presidente da República, declarou na sexta-feira: "Sobre essa história de impeachment, eu nem falo nisso, porque é absolutamente inviável, impensável, é uma quebra da institucionalidade que não é útil para o país. Se o país passa uma dificuldade, você supera essa dificuldade, mas não pensa nessa hipótese". Temer e o ex-presidente Lula, juntamente com caciques de seus partidos, defendem a ideia de que a melhor saída para a situação é espetar uma injeção de adrenalina no coração do governo. Como? Por meio da boa e velha distribuição de cargos na máquina pública. Dilma faria uma reforma ministerial que aplacaria os ímpetos conspiratórios de aliados, notadamente os do PMDB, mudaria radicalmente o seu grupo de conselheiros políticos (descem Aloizio Mercadante, da Casa Civil, Miguel Rossetto, da Secretaria-Geral da Presidência, e Pepe Vargas, de Relações Institucionais; sobem Michel Temer e Jaques Wagner, da Defesa) e daria tintas novas a um governo que, sem sequer ter completado oitenta dias de vida, já está "envelhecido", conforme expressão do presidente do Senado, Renan Calheiros. Na terça-feira, em reunião no Palácio da Alvorada, Lula receitou a Dilma o passo a passo desse "reset" político-administrativo. A presidente apenas ouviu. No PSDB, a estratégia, por enquanto, é permanecer em cima do muro — é de lá que os caciques do partido tencionam observar as manifestações de domingo. Embora o PSDB apoie os protestos contra o governo, suas lideranças não pretendem dar o ar da graça nas passeatas. Isso porque, na avaliação de tucanos, não existem, ao menos por ora, nem clima político nem elementos jurídicos que possam impulsionar o impeachment de Dilma. A sigla receia liderar um movimento fadado ao fracasso e teme ainda mais pelo que possa ocorrer caso ele prospere — o naufrágio da economia, consequência da paralisação do Congresso e da inviabilização do ajuste fiscal, é hipótese invocada com frequência. Os acontecimentos do dia 15 terão importância decisiva para os rumos políticos do Brasil. A partir do recado das ruas, governo e oposição acertarão suas posições e escolherão as armas com que vão lutar. Dilma Rousseff hesita em escolher as suas. No labirinto em que se encontra, a presidente parece paralisada, relatam aliados, vítima de sua teimosia, da falta de confiança mesmo em assessores mais próximos e da dificuldade em lidar com situações de crise. Mas, a depender do recado das ruas, manter os olhos fechados para a realidade não será mais uma opção para ela. AS SAÍDAS POSSÍVEIS DE DILMA Com menos de três meses de seu segundo mandato, Dilma está encurralada por uma crise política, paralisia econômica e cofres vazios. As manifestações deste domingo vão jogar mais gasolina na fogueira. REFORMA RADICAL - Dilma passa a borracha nos erros do passado e nomeia um ministério de notáveis, pessoas de comprovada capacidade em sua área de atuação, engajadas no projeto suprapartidário de recolocar o Brasil nos eixos. EFEITO - A sociedade dá um voto de confiança ao "novo governo", os protestos se acalmam e o Congresso se sente pressionado a aprovar o ajuste fiscal, que ajuda a pavimentar a recuperação da economia. Essa hipótese tem dois desfechos. O primeiro: os notáveis restauram a credibilidade do governo, que faz as pazes com a racionalidade. O segundo: a falta de credibilidade do governo contamina os notáveis e eles abandonam o barco antes do naufrágio. Fernando Collor tentou essa manobra salvadora em 1992, quando já estava atolado em um processo de impeachment. Deu a segunda opção. REFORMA MINISTERIAL - A presidente mantém a busca da estabilidade na economia e entrega os ministérios que detêm os maiores orçamentos - Saúde, Educação e Integração Nacional, entre outros - à base aliada que se localiza na esfera de influência de lideranças do PMDB no Congresso, o senador Renan Calheiros e o deputado Eduardo Cunha. EFEITO - Aumentam as chances de Dilma ver aprovadas as medidas necessárias ao ajuste fiscal, situação em que o Executivo e o Legislativo dividiriam o ônus da impopularidade que os cortes de gastos e o aumento de impostos ocasionam. O risco é o PT boicotar e fazer oposição velada, pois nada é mais difícil do que um parlamentar petista fazer o que o Brasil precisa quando a medida a ser tomada é impopular. Os planos do PT, como se sabe, vão bem até que o dinheiro dos outros acabe. RENÚNCIA - Se renunciar, Dilma deixaria o comando do Palácio do Planalto nas mãos do vice-presidente, Michel Temer, do PMDB. Temer pressionaria o PSDB a dividir com ele a responsabilidade de pôr o governo e a economia de pé novamente, restaurando o apoio da sociedade e a credibilidade do país. Seria, então, a hora de o PSDB pensar mais em 2018 do que na salvação nacional e recusar o chamado de Temer. EFEITO - O PT voltaria ao terreno que domina melhor, a oposição. Bastariam algumas reuniões do comitê central e viria a palavra de ordem de cima para baixo determinando às massas de manobra do partido que aproveitassem a amargura inevitável dos apertos monetário e fiscal. O PT tentaria, com a mistificação de sempre, retomar o posto de representante da insatisfação popular e quem sabe até reaver um pouco da simpatia da classe média. RESISTÊNCIA - Dilma ignoraria os protestos e, aproveitando o descomunal poder que o chefe do Executivo tem no regime presidencialista brasileiro, sobreviveria ao isolamento no Congresso. Seria a "saída pela esquerda", com o aprofundamento do populismo assistencialista e o aumento dos gastos públicos. Os jornalistas oficiais, pagos com dinheiro do contribuinte, inundariam seus blogs com explicações oficiais, colocando a culpa nas "elites brancas", no "imperialismo estadunidense", na seca, na China e, claro, "na mídia golpista". EFEITO - O Brasil perderia o "grau de investimento" das agências internacionais de risco e teria de viver das reservas cambiais, que, mesmo volumosas, se esgotariam rapidamente. As forças democráticas, certamente, se oporiam à venezuelização do país. O caos social e os conflitos seriam inevitáveis. IMPEACHMENT - A tentação é grande, tanto de uma parcela considerável da população quanto de parte do Congresso. O comando passaria ao vice-presidente, Michel Temer. Caso ele também fosse impedido, o presidente da Câmara assumiria e convocaria eleições gerais. EFEITO - O impedimento constitucional de um presidente dá a impressão, mesmo que falsa, de depuração da vida pública nacional. Até parlamentares sem expressão ou de carreira notória ganham aura temporária de herói quando votam pela saída do presidente caído em desgraça. Mas o impeachment não é indolor e deixa sequelas. Sabe-se como começa, mas não como termina. Enquanto os parlamentares estivessem ocupados com a montagem do cadafalso, o Brasil real continuaria sofrendo com a paralisia da economia, padecendo do ônus dos ajustes fiscal e monetário sem o bônus da estabilidade. COM REPORTAGEM DE PIETER ZALIS 3#2 ATÉ ELA FALA NAQUILO A naturalidade com que se discute o impeachment, o que a própria Dilma fez ao refutar sua destituição, esconde que ele é a derradeira e não a primeira saída para as crises. ANDRÉ PETRY Coube à presidente Dilma levantar o assunto depois de uma solenidade no Palácio do Planalto. "Eu acho que há que caracterizar razões para o impeachment", disse. No dia seguinte, o assunto estava na manchete dos três principais jornais do país. O impeachment, até então, circulava nas bordas da política e nas convocações das manifestações populares, mas não chegava ao centro do palco. Dilma, num tropeço amador, encarregou-se de atribuir à sua destituição do cargo uma aura de seriedade que antes não tinha. A cúpula do PSDB, reunida em São Paulo, decidiu apoiar o protesto de domingo, mas refutou o impeachment. Disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: "Impeachment é como bomba atômica, serve para dissuadir, não para usar". A frase é antiga. FHC usou-a na crise do governo de Fernando Collor, em 1992, sendo desmentido pelos fatos quando o então presidente foi apeado do poder sem nenhum tumulto bombástico na ordem democrática. Quando a crise do mensalão estava no seu ponto mais agudo no governo de Lula, FHC voltou a usá-la. Sua insistência informa o seguinte: impeachment é sempre traumático e complexo. Na América do Sul redemocratizada, entre 1978 e 2003, foram eleitos quarenta presidentes. Entre eles, nove deixaram o cargo antes do previsto. É muito: 23% do total. Mas, desses nove, apenas um presidente deixou o cargo por meio de um impeachment clássico: Fernando Collor. Houve outras três tentativas (Paraguai, Peru e Venezuela), mas nenhuma evoluiu como o caso brasileiro. Os demais presidentes renunciaram ao poder ou foram forçados a ir embora. Os números, extraídos de estudo da cientista política Kathryn Hochstetler, mostram que o impeachment é particularmente difícil de tirar do papel. Em quatro décadas, só houve um caso. Mesmo nos Estados Unidos, a democracia mais longeva e estável das Américas, o impeachment nunca foi acionado. Ou melhor: tecnicamente, o impeachment é o nome que se dá ao processo de investigar e julgar um presidente — que, se condenado, será afastado do cargo em definitivo. Nesse sentido, dois presidentes americanos sofreram impeachment, ou seja, foram investigados e julgados: Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1999. Mas ambos acabaram inocentados no julgamento e se mantiveram no cargo. Richard Nixon, cujo nome se tornou um sinônimo de impeachment, nem foi processado. Acuado pelas descobertas do escândalo de Watergate, renunciou ao cargo em agosto de 1974, antes que o processo fosse instaurado. O impeachment é uma saída difícil, mas civilizada. Antes dele, só se tirava um governante do poder na base da degola, do golpe, da revolução. A ideia, como tantas outras ideias democráticas, surgiu na Inglaterra, em meados do século XIV. O método começou a ser aplicado para demitir autoridades repudiadas pelo clamor popular, depois caiu em desuso, voltou a ser acionado no século XVII, mas desapareceu de novo por ser considerado complexo demais e politicamente brutal. Do século XIX em diante, tornou-se desnecessário depois que a Inglaterra definiu que os governantes passariam a responder ao Parlamento, e não mais ao rei. Basta um voto de desconfiança do Parlamento para derrubar o primeiro-ministro, sem traumas nem delongas. Mas o impeachment dos ingleses acabou absorvido pela Constituição americana e, dali, saltou para a ordem constitucional das jovens repúblicas presidencialistas da América Latina. E cá estamos nós, com o impeachment sendo regido no Brasil por uma lei de 1950 ainda em vigor. A destituição de um presidente é, portanto, um instrumento ao mesmo tempo jurídico e político. Jurídico, porque o processo de impeachment requer uma acusação formal, provas, testemunhos, depoimentos e, ao final, o veredicto — dado pelos senadores. Político, porque o impeachment só é instalado com o voto favorável de dois terços dos deputados, e nenhum presidente vai a julgamento se as condições políticas lhe são favoráveis. Dos nove presidentes sul-americanos que deixaram o poder antes do fim do mandato, apenas um, o paraguaio Raul Cubas, tinha maioria no Parlamento. Os demais, Collor incluído, haviam torrado todo o seu capital político. Em 2005, com o mensalão fervendo, Lula não enfrentou um processo de impeachment, ainda que houvesse base legal para instalá-lo. Nem os líderes tucanos, na época, quiseram enfrentar um presidente com apoio parlamentar e alta popularidade. O impeachment é difícil, mas civilizado; é a um só tempo jurídico e político, mas não é recall. Não se instaura um impeachment porque o presidente é impopular, não está fazendo um bom trabalho, a economia está em crise, nem mesmo porque cometeu estelionato eleitoral. Em 1999, Fernando Henrique, depois de fazer campanha prometendo não mexer no câmbio, fez uma brutal desvalorização cambial logo no começo do seu segundo mandato. Sua popularidade desabou: 46% achavam seu governo ruim ou péssimo. O PT tentou o impeachment, mas FHC tinha apoio no Congresso e não havia maciços protestos nas ruas. A ideia morreu. A diferença, agora, é que Dilma está perdendo apoio no Congresso numa rapidez estonteante. Se, junto com a erosão parlamentar, as ruas começarem a abrigar multidões atrás de multidões, aí Dilma lembrará com amargura do dia em que resolveu dizer que "há que caracterizar razões para o impeachment". 3#3 COMO O BRASIL FOI PRO BURACO Dilma, em pronunciamento oficial, faz discurso de palanque e diz que a queda na economia ocorreu por causa da crise externa. Mas o mundo já se ergueu. O buraco brasileiro foi escavado pelas barbeiragens feitas em seu primeiro mandato. GIULIANO GUANDALINI A cada dia fica mais difícil para a presidente Dilma Rousseff encontrar bodes expiatórios sobre os quais possa descarregar a culpa pelos apuros na economia. Em seu pronunciamento no Dia da Mulher, no domingo passado, 8 de março, Dilma afirmou que as dificuldades se devem exclusivamente aos efeitos da crise financeira internacional e à falta de chuvas. Seria improvável ouvir uma autocrítica presidencial, em que, sinceramente, apontasse os equívocos em série de seu primeiro mandato. O discurso de meias verdades e falseamento da realidade pode até ser tolerável em períodos de campanha eleitoral, mas não é o comportamento esperado de um chefe de Estado. Trata-se de uma atitude particularmente arriscada para um governo em busca de recuperação da credibilidade. É retirar mais uma pá de terra do buraco já profundo em que o Brasil foi encalacrado. A economia mundial passou por dias de apuros em 2008 e 2009, é verdade, mas a crise ficou para trás há algum tempo e a grande maioria dos países está em franca recuperação. Uma breve comparação internacional revela como, entre as principais economias do planeta, apenas a Rússia possui indicadores tão negativos quanto os brasileiros, em uma combinação venenosa de recessão, inflação nas alturas e juros na estratosfera (veja o quadro na pág. 50). A crise hídrica é de fato preocupante, mas não explica em praticamente nada a situação atual da economia brasileira. Nem mesmo o Banco Central endossa a análise de Dilma. Na ata da última reunião de seu Conselho de Política Monetária, o BC não faz nenhuma referência à seca e afirma que "as perspectivas indicam recuperação da atividade em algumas economias maduras e intensificação do ritmo de crescimento em outras". O buraco na economia, na verdade, foi cavado pelo governo, laboriosamente, nos últimos cinco anos. Ainda no fim dos anos Lula, a antiga equipe econômica usou a crise como desculpa para pôr em prática suas velhas (e antiquadas) ideias. Fechou os olhos para o aumento da inflação, promoveu uma farra de gastos públicos com benefícios e subsídios e solapou os fundamentos construídos, com muito esforço, desde a implantação do Real. Como afirma o professor de Harvard Ricardo Hausmann na entrevista das páginas amarelas desta semana (leia na pág. 17), o país desperdiçou os anos de bonança. "O Brasil teve governos com grande capital político, mas não fez as reformas necessárias", diz Hausmann. Muitos advertiram que o desvio de rumo cedo ou tarde cobraria o seu preço. O governo, porém, não deu ouvidos, sobretudo durante a acirrada campanha eleitoral do ano passado. Guido Mantega, o então ministro da Fazenda, acabou dispensado, mas o estrago herdado pelo seu sucessor, Joaquim Levy, é notável. Nunca, na história recente, se havia chegado tão fundo em tempos de paz e numa conjuntura externa que, embora menos favorável, não passa por nenhuma crise planetária. A inflação não se mantinha em um nível tão elevado por um período prolongado havia mais de uma década e deverá encerrar o ano próximo de 8%, o maior índice desde 2003. O preço do dólar permanece em alta e fechou a semana acima de 3,20 reais, um valor não visto desde 2004. A indústria brasileira não produzia tão pouco desde 2009. A regressão nos anos Dilma não se mede apenas pelos indicadores. Houve um retrocesso também nas instituições econômicas. As manobras contábeis desdenharam da Lei de Responsabilidade Fiscal e desarranjaram a contabilidade pública. Os bancos estatais foram usados como um orçamento paralelo, em uma escala não vista desde a ditadura militar. Pôr a casa em ordem, em meio a uma conjuntura adversa, será uma missão espinhosa, sobretudo pela falta de apoio político. "Nós esgotamos todos os nossos recursos para combater a crise", afirmou Dilma em discurso na quinta-feira. "Trouxemos para as contas públicas e o Orçamento da União os problemas que, de outra forma, recairiam sobre a sociedade e os trabalhadores. Agora temos de usar outros instrumentos de combate." Na verdade, pelo esforço não apenas de mitigar os efeitos da crise, e sim de manter a atividade artificialmente aquecida, o governo aprofundou os desequilíbrios. Ficou sem caixa, e a penúria atinge até programas prioritários. As novas turmas do Programa Nacional do Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) foram adiadas. As universidades federais tiveram os repasses reduzidos e estão sem dinheiro para manutenção, e não saiu a verba para as novas compras do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Agora, em meio à recessão, o Brasil é um dos únicos países do mundo em que os juros estão em alta. Por quê? Porque o BC descuidou da inflação no passado e precisa combatê-la no pior momento possível. "Perdemos a capacidade de fazer políticas anticíclicas, de usar a política fiscal e monetária para estimular a atividade econômica. Ao contrário do que ocorreu em 2008, podemos retornar ao padrão das décadas de 80 e 90, quando a crise de confiança e a queda da atividade exigiam como resposta aumento de juros e restrição na política fiscal", afirma Mário Torós, sócio da Ibiuna Investimentos. A válvula de escape para corrigir os desacertos é a taxa de câmbio. Dilma assumiu a Presidência em 2011 com o dólar abaixo de 1,70 real. O preço praticamente dobrou, e tudo leva a crer que subirá ainda mais. A explicação é relativamente simples. O Brasil estava artificialmente mais rico. O poder de compra do país havia subido graças à valorização dos produtos exportados e também por causa dos incentivos ao consumo dados pelo governo. Por isso, para os turistas brasileiros, tudo parecia tão barato nos Estados Unidos e na Europa. Essa sensação era uma bolha que começou a desinflar e precisará murchar ainda mais. Em termos técnicos, a renda brasileira havia crescido acima dos ganhos de produtividade, desequilíbrio aprofundado pelos gastos e incentivos do governo, um descompasso insustentável. "A estrutura de custos das companhias brasileiras foi devastada", afirmou, em relatório, o diretor executivo da agência Fitch, Joe Bormann. "A cotação do dólar precisa subir para 3,75 reais para que as empresas tenham as mesmas condições de competitividade de 2004." Na avaliação do economista José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários no Ibre/FGV, o câmbio, no patamar atual, ainda não foi suficiente para reduzir o grande déficit nas transações comerciais com o exterior. O dólar deverá subir mais para forçar o país a gastar menos lá fora e importar menos, ao mesmo tempo em que amplia as exportações. "A grande vulnerabilidade brasileira voltou a ser o setor externo", afirma Senna. "O BC terá uma responsabilidade enorme na atual circunstância. Precisará ficar atento não apenas à meta de inflação, mas também à sua composição. Isso porque, para que o déficit externo diminua, o preço dos serviços precisa subir menos do que o dos produtos comercializáveis internacionalmente, algo que ainda não aconteceu." Para o economista Felipe Miranda, sócio da consultoria Empiricus, o dólar também poderá subir por causa do impacto da mudança no cenário externo, com o fim dos tempos de juro zero nos Estados Unidos e na Europa. "O terreno está fértil para a ocorrência de eventos negativos e inesperados", diz Miranda. "Além disso, Levy enfrenta dificuldades para aprovar suas propostas. O empresário vê o cenário e não se sente confiante para investir." A conclusão é que sair desse buraco custará caro e levará tempo. A ECONOMIA CRESCIMENTO DO PIB PRÉ-DILMA (indicadores no fim de 2010): 7,6% PÓS-DILMA (indicadores mais recentes): 0,1% (2014 estimativa) TAXA DE JUROS PRÉ-DILMA (indicadores no fim de 2010): 10,75% PÓS-DILMA (indicadores mais recentes): 12.75% TAXA DE DESEMPREGO PRÉ-DILMA (indicadores no fim de 2010): 5,9% PÓS-DILMA (indicadores mais recentes): 5,3% DÓLAR (em reais) PRÉ-DILMA (indicadores no fim de 2010): 1,66 PÓS-DILMA (indicadores mais recentes): 3,20 INFLAÇÃO PRÉ-DILMA (indicadores no fim de 2010): 5,9% PÓS-DILMA (indicadores mais recentes): 7,7% AÇÃO DA PETROBRAS (preferencial, em reais) PRÉ-DILMA (indicadores no fim de 2010): 27,29 PÓS-DILMA (indicadores mais recentes): 8,55 IBOVESPA (em pontos) PRÉ-DILMA (indicadores no fim de 2010): 69.04 PÓS-DILMA (indicadores mais recentes): 48.880 SEM AUTOCRÍTICA Em seu pronunciamento no Dia da Mulher, no domingo 8, Dilma culpou a crise externa e a seca pelas dificuldades na economia brasileira. “Passamos por problemas conjunturais, mas nossos fundamentos continuam sólidos. Muito diferente daquelas crises do passado que quebravam e paralisavam o país.” COMENTÁRIO: a estagnação da economia atual não é tão grave quanto as crises financeiras do passado. Os fundamentos, entretanto, pioraram nos anos Dilma. A inflação disparou, o crescimento minguou e agora o desemprego começa a subir. “Estamos na segunda etapa do combate à mais grave crise internacional desde a Grande Depressão de 1929.” COMENTÁRIO: a crise financeira foi sem dúvida grave, mas a maioria dos países já a superou faz tempo. O crescimento médio da economia mundial deverá ser de 3,8% neste ano, enquanto no Brasil a previsão é de avanço nulo - ou até mesmo retração. “Até mesmo a China, a economia mais dinâmica do planeta, reduziu seu crescimento à metade de suas médias históricas recentes.” COMENTÁRIO: a velocidade média do crescimento chinês desacelerou de 10% para 7%. A metade de 10 ainda é 5. “(...) não havia como prever que a crise internacional duraria tanto. E, ainda por cima, seria acompanhada de uma grave crise climática.” COMENTÁRIO: para Dilma, todos os males se resumem à crise externa (que já acabou) e à falta de chuvas (que é um problema, sem dúvida, mas incapaz de explicar o desarranjo na economia). CONFIRMADO: A SITUAÇÃO NA ECONOMIA ESTÁ MESMO RUÇA Apenas a Rússia, em crise por causa da guerra na Ucrânia e da queda no preço do petróleo, apresenta indicadores tão ruins quanto o Brasil. CRESCIMENTO DO PIB Índia 2014: 7,5%; Estimativa para 2015: 6,6% China 2014: 7,3%; Estimativa para 2015: 7,2% Colômbia 2014: 4,8% (estimativa); Estimativa para 2015: 3,9% Coréia do Sul 2014: 3,3%; Estimativa para 2015: 3,7% Inglaterra 2014: 2,7%; Estimativa para 2015: 2,6% EUA 2014: 2,4%; Estimativa para 2015: 3,2% México 2014: 2,1%; Estimativa para 2015: 2,9% Chile 2014: 1,8%; Estimativa para 2015: 3% Alemanha 2014: 1,6%; Estimativa para 2015: 1,6% Japão 2014: 1,5%; Estimativa para 2015: 1,1% África do Sul 2014: 1,5%; Estimativa para 2015: 2,4% Espanha 2014: 1,4%; Estimativa para 2015: 2% Rússia 2014: 0,6%; Estimativa para 2015: -3,5% BRASIL 2014: 0,1% (estimativa); Estimativa para 2015: -0,7% INFLAÇÃO (nos últimos doze meses) Rússia 15% BRASIL 7,7% Índia 5,1% Chile 4,5% África do Sul 4,4% Colômbia 3,8% México 3,1% Japão 2,4% China 0,8% Coréia do Sul 0,5% Inglaterra 0,3% EUA -0,1% Alemanha -0,5% Espanha -1,1% TAXA BÁSICA DE JUROS Rússia 15% BRASIL 12,75% Índia 7,5% África do Sul 5,75% China 5,35% Colômbia 4,5% Chile 3% México 3% Coréia do Sul 2% Inglaterra 0,5% EUA 0,25% Alemanha 0,05% Espanha 0,05% Japão 0% Fontes: FMI, Banco Mundial, bancos centrais, Haver Analytics 3#4 MERCENÁRIOS EM AÇÃO O MST recebe milhões de reais todos os anos do nosso dinheiro, mas é do comandante Lula que eles ouviram ordens de ir às ruas. ROBSON BONIN E HUGO MARQUES Nada como uma crise política para tirar o MST da letargia e colocá-lo de volta nas ruas como instrumento do projeto de poder do PT. Na semana passada, o movimento, adestrado pelos milhões de reais recebidos em verba pública nos governos Lula e Dilma, lançou sua Jornada Nacional de Lutas. Em pelo menos 22 estados, os sem-terra fecharam rodovias, atacaram praças de pedágio, invadiram fazendas, depredaram e saquearam empresas privadas e interditaram prédios públicos. Em Sergipe, três pessoas morreram em decorrência de um acidente provocado pelo bloqueio feito por militantes numa estrada. Oficialmente, a nova ofensiva do MST é mais um passo na caminhada por distribuição de renda e igualdade social. Reivindica-se acesso livre ao crédito de bancos estatais, como se as torneiras dos cofres públicos estivessem fechadas para a entidade. Não, não estão. Desde 2004, apenas quarenta cooperativas e assentamentos embolsaram 300 milhões de reais. Parte desse dinheiro, conforme investigação da Polícia Federal e de órgãos de controle, trilhou caminhos ainda desconhecidos. Mais do que brigar por recursos, o MST saiu às ruas para demonstrar força, como parte de uma estratégia destinada a intimidar o Ministério Público, a Justiça e a oposição. Respondeu, assim, a uma convocação do ex-presidente Lula e de dirigentes petistas preocupados com a possibilidade de o escândalo do petrolão abreviar ou inviabilizar o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Há duas semanas, quando a discussão sobre a possibilidade de um processo de impeachment contra Dilma ganhava ares públicos, Lula avisou que o governo e o PT usariam os sem-terra como soldados. Os incidentes da semana passada serviram para lembrar o país do potencial de estrago representado pelo movimento. "Quero paz e democracia. Mas eles não querem. E nós sabemos brigar também, sobretudo quando o Stedile colocar o exército dele na rua", discursou Lula durante um protesto — veja só — em "defesa" da Petrobras. Um dos fundadores do MST, João Pedro Stedile mantém relações umbilicais com o petismo e os parceiros do partido na América Latina, inclusive a turma truculenta do bolivarianismo do século XXI. Há dias, Stedile discursou como se fosse um chefe de Estado numa cerimônia em homenagem a Hugo Chávez, presidente da Venezuela morto em 2013. Lá como cá, o companheiro atuou como joguete dos poderosos. Primeiro, Stedile mandou um abraço do "companheiro Lula" aos simpatizantes do "comandante Maduro", referindo-se a Nicolás Maduro, sucessor de Chávez na Venezuela e responsável por aprofundar a crise econômica e a repressão à oposição no país vizinho. Dado o recado, Stedile criticou duramente os brasileiros que defendem o impeachment de Dilma. Ele usou, como de costume, a retórica bolorenta dos esquerdistas que pararam no tempo. "Por isso, neste momento, estão atacando vocês, estão atacando o povo argentino, com Cristina (Kirchner), e estão nos atacando no Brasil, falando de impeachment contra a presidente Dilma", disse o dirigente do MST. "E nós temos de compreender que somos um só povo e que temos de derrotá-los de uma forma unida. É nas ruas que vamos derrotar o império e toda a burguesia." O comandante, como se vê, está de prontidão para defender o Brasil e a América do Sul de uma conspiração internacional. Stedile nada mais é que um líder de uma tropa mercenária que ainda se aproveita da miséria e da ignorância. Além das verbas milionárias repassadas à entidade, ele desfila como um integrante informal do governo e tem acesso livre aos principais gabinetes da Esplanada dos Ministérios. Seus privilégios se estendem à seara dos pequenos favores pessoais. Comandada até o ano passado pelo petista Gilberto Carvalho, outro amigo do peito do ex-presidente Lula, a Secretaria-Geral da Presidência — responsável pela interlocução com os movimentos sociais — pagava até as diárias de viagem de Stedile nos seus deslocamentos pelo país. Tamanha generosidade tem preço. Foi por isso que o MST protestou na Praça dos Três Poderes contra a prisão da antiga cúpula do PT condenada no processo do mensalão. É por isso que agora se perfila para defender os companheiros que assaltaram a Petrobras, os mesmos que financiam a atuação do movimento e que também puseram milhares de trabalhadores no alçapão do desemprego. Aliás, apoiando o MST está outra entidade adestrada com o dinheiro do contribuinte. Na sexta-feira passada, a CUT organizou um protesto no qual se equilibrou entre a cruz e a espada. Em respeito aos princípios norteadores de sua fundação e aos interesses de seus filiados, bradou contra o ajuste fiscal anunciado pelo governo. Em obediência a esse mesmo governo, que lubrifica seus cofres e dá poderes a seus dirigentes, defendeu a presidente Dilma Rousseff e o PT, alistando-se no exército que pode ser acionado, se necessário, contra um eventual processo de impeachment. A parceria entre petistas e movimentos sociais tem sido bastante rentável para os dois lados. O MST é útil tanto para a defesa quanto para o ataque. No ano passado, o PT usou o movimento para garantir a vitória de Camilo Santana sobre o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, na disputa para o governo do Ceará. Em agosto, dois meses antes da votação, um grupo de sem-terra invadiu uma fazenda do senador no interior de Goiás. As imagens do acampamento e das barracas de lona foram espalhadas pelos petistas no Ceará e viraram um trunfo eleitoral. Com elas, acusava-se Eunício, que até então liderava com folga as pesquisas, de manter trabalhadores da fazenda em condições análogas às de escravidão. O efeito foi devastador. O candidato petista venceu a eleição no segundo turno. Há duas semanas, o senador e o vice-presidente Michel Temer trataram do assunto num jantar com Dilma. "Queria agradecer ao líder Eunício Oliveira, que deixou de viajar a Goiás para resolver o problema da invasão do MST na sua fazenda para atender ao meu pedido para estar aqui hoje", disse Temer a Dilma, levando a conspirata à mesa. "Mas esse problema ainda não foi resolvido?", reagiu a anfitriã. Acossada pelo PMDB e disposta a reconquistar o partido, a presidente encarregou o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, de resolver o caso. A ordem para "resolver" foi repassada ao ministro Patru Ananias, do Desenvolvimento Agrário. Já no dia seguinte, o governo negociou a saída do MST da fazenda do senador em troca da liberação de outra área de 60 hectares para as famílias invasoras. A solução do impasse, que já se estendia por seis meses, não exigiu nem mesmo 24 horas. Faz sentido. O PT já não precisava mais de seus mercenários para conquistar o governo do Ceará. 3#5 ARTIGO – J.R. GUZZO – A PIOR SUBVERSÃO Foi marcado para 15 de março, nessa jornada nacional de protesto contra um governo que rompeu relações com os governados, com a razão e com a realidade, um encontro entre o Brasil e a seguinte pergunta: se você não utilizar a liberdade de expressão para criticar o governo do seu país, então para que raios ela serve? Há um bom tempo, ou desde sempre, os atuais donos do poder no Brasil se esforçam dia e noite para impor à população uma tramoia perversa. A liberdade, dizem, só serve quando é usada para concordar com eles, ou para tratar de algum assunto que não os incomode; quando alguém se vale do direito de livre expressão para discordar do ex-presidente Lula, da presidente Dilma Rousseff e do PT, está praticando um delito. Essa liberdade domesticada, inofensiva e sujeita à aprovação prévia das autoridades, que o governo quer empurrar à força para cima do país, não é liberdade nenhuma — não serve para nada, a não ser para ele mesmo. As manifestações de 15 de março estão destinadas a esclarecer quais são os direitos que estão atualmente em vigor — os que só podem ser exercidos mediante autorização do Palácio do Planalto e do Instituto Lula, ou os que são garantidos pela Constituição brasileira para todo cidadão que se manifesta dentro da lei. É melhor deixar em paz os números relativos ao tamanho das demonstrações — mais ou menos pessoas na rua não alteram em nada o fato de que o Brasil vive as primeiras manifestações genuinamente populares desde o movimento das Diretas Já, há mais de trinta anos, e de que o governo está se mostrando perfeitamente incapaz de dar uma resposta decente a isso. Este é o fato real — os descontentes existem, e diante deles a trindade Lula-Dilma-PT tem provado a cada dia, pelo que diz e pelo que faz, que não consegue entender como funciona uma democracia. O alicerce do raciocínio que levam a público, e em cima do qual vão amontoando todas as suas reações, é o seguinte: a manifestação de discordância é perigosa. É um pensamento ruim. Sempre que um governo dá a si próprio o direito de silenciar quem se opõe a ele, só tem um caminho pela frente: ir tomando decisões cada vez mais repressivas, pois o ato de repressão praticado hoje só poderá ficar de pé se for sustentado pelo ato de repressão praticado amanhã. É a receita das tiranias. É claro que o atual governo brasileiro não tem meios práticos para criar uma ditadura no Brasil; Lula e seus dependentes sabem que não tem. Mas, ao persistirem na sua estratégia atual, estão dividindo cada vez mais o país em dois lados, e tratando como inimigo o lado que discorda. Tenta-se vender, no fim das contas, a falsificação da virtude. As forças que controlam o governo insistem em dizer que são as únicas representantes do bem no Brasil, por terem ganhado as quatro últimas eleições presidenciais; quem se opõe a elas, portanto, é o mal. Ganhar quatro eleições seguidas é enorme. Quantos regimes, pelo mundo afora, podem apresentar um desempenho igual? Mas Lula, Dilma e o PT agem como se isso lhes tivesse dado aprovação eterna, e como se o povo já tivesse decidido que eles devem ficar lá para sempre — qualquer outra possibilidade é considerada um ataque à vontade popular, e qualquer tentativa de alternância do poder recebe o carimbo de "subversão". Afirmam sem parar que os descontentes, a começar pelos que se acham no direito de ir a manifestações de rua, são "golpistas" que babam de raiva. Comportam-se como a ditadura, que via em toda expressão de desacordo uma conspiração de "comunistas". É difícil achar um conjunto de provas que atestem tão claramente essa opção totalitária como as declarações que o PT faz em público, com o suporte de sua máquina de propaganda remunerada ou voluntária. O esforço mais repetido nessa catequese é o sequestro da palavra "popular". Ela só tem validade, segundo Lula, quando é aplicada a quem está a favor. As manifestações do dia 15, por exemplo, não são "populares"; são coisa privativa de gente rica, ou de um ou outro boçal que não sabe o que é bom para ele próprio. O panelaço do domingo anterior, armado livremente pela internet nas 24 horas precedentes, foi descrito como uma brincadeira desses mesmos ricos no terraço de seus apartamentos de luxo — inclusive em São Bernardo, Vila Velha e outros notórios redutos da alta burguesia. (A propósito: ressuscitou-se a palavra "burguês", em desuso desde os anos 60 do século passado.) O governo nega a possibilidade de que exista fora da classe "AAA" algum brasileiro indignado com a corrupção. Também não admite que um cidadão do povo possa ter valores morais; moralidade, na filosofia do PT, é apenas "moralismo", um vício que só ocorre nas mais altas esferas da sociedade. Os 51 milhões de eleitores que votaram em Aécio Neves e contra Dilma, na última eleição presidencial, não fazem parte da população do Brasil. Nada disso altera em um grama o que acontece no mundo das realidades. Pouco depois do panelaço das elites, a presidente viu-se enxotada por um temporal de vaias do percurso que deveria seguir durante sua visita a uma exposição em São Paulo; a cada dia fica mais complicado para Dilma andar a pé em lugares públicos do país que governa. Lula, então, parece incapacitado para exercer o direito de ir e vir. Suas aparições continuam restritas a recintos fechados e ambientes onde dá para vetar a entrada do público em geral. Ali, na segurança de plateias formadas apenas por militantes, faz discursos carregados de ameaças, insultos e rancor contra "eles" — todos os que querem dizer em voz alta que não concordam com o seu catecismo. Na última delas num ato em "defesa da Petrobras" no Rio de Janeiro, prometeu pôr "o exército do MST" na rua. Foi ouvido, pouco depois, quando mulheres "sem terra" e com o rosto coberto por lenços invadiram um centro de pesquisas para destruir mudas de eucalipto; chegaram lá a bordo de quinze ônibus fretados por uma organização que vive de dinheiro público. É uma situação curiosa: como nem Dilma nem Lula podem sair à rua, ambos acham que ninguém mais pode. Não adianta a presidente dizer que admite o direito de manifestação, quando todos os que estão no seu bonde atacam diariamente quem quer se manifestar contra ela. Adianta menos ainda fazer advertências contra a possível "violência" dos protestos quando não foi capaz de dizer uma única palavra para condenar a selvageria que o MST acaba de praticar. A recusa das forças do governo em aceitar que a população se exprima livremente em público não poderia ser mais óbvia, também, quando acusam os manifestantes de ser os costumeiros "golpistas" deste país. Tornou-se a última moda, nessa toada, dizer que quem discorda está querendo inventar um "terceiro turno" para as eleições do ano passado. Quem, até agora, sugeriu anular a eleição de Dilma? Ou será que o PT está querendo que, uma vez encerrada a votação, fique proibida qualquer crítica ao vencedor? Um disparate com idênticos teores de falência mental é a tese, especialmente exótica, segundo a qual quem se manifesta a favor do impeachment de Dilma está propondo um "golpe militar". Como é mesmo? Qualquer cidadão brasileiro tem o pleno direito de falar a favor do impeachment; na verdade, pelo que está escrito na lei, tem até o direito de assinar ele mesmo um pedido legal de deposição do presidente da República. (O PT, ainda outro dia, chefiou a campanha que levou ao impeachment de Fernando Collor. No governo seguinte, defendeu abertamente o "Fora FHC"; só sossegou quando Lula foi enfim eleito.) É realmente extraordinário que diferenças de opinião possam levar ao ódio. Mas é justamente isso que Lula, Dilma e o PT estão construindo no momento. Estimulam um Brasil onde as pessoas desprezem umas às outras, ignorem a tolerância e obedeçam a quem manda. Essa é a pior subversão. 3#6 A CULPA É DELES! Ouvido na polícia sobre arrecadação clandestina de dinheiro para o PT, Lula disse que não sabia de nada e transferiu a responsabilidade de eventuais irregularidades a dois notórios companheiros de partido. RODRIGO RANGEL Na sede da Polícia Federal, em Brasília, tudo foi planejado para oferecer ao visitante o conforto a que ele tem direito como ex-presidente da República e, principalmente, a mais absoluta discrição. Lula pediu, e foi atendido, para depor em um local reservado. Os policiais escolheram uma sala contígua ao gabinete do diretor-geral. Foi assim que, na terça-feira 9 de dezembro de 2014, Lula prestou seu depoimento. O ex-presidente, acompanhado de três advogados, entrou pela garagem do prédio e usou o elevador privativo do diretor para levá-lo ao 9º andar. Com a solenidade, o respeito e a deferência que merece um ex-mandatário da República, depois de várias tentativas em vão, a polícia finalmente conseguiu interrogar Lula sobre uma passagem ainda obscura do mais rumoroso caso de corrupção a estourar durante o seu governo, o mensalão. Desde que deixou o governo, em 2010, pouca coisa se ouviu do ex-presidente sobre o escândalo. Seu principal ministro, seus amigos mais próximos, a cúpula de seu partido e muitos dos parlamentares que apoiavam seu governo foram condenados à prisão. Embora, em última instância, fosse o principal beneficiado pela compra de apoio parlamentar, o ex-presidente nunca foi acusado de nada. Em 2005, Lula se disse traído quando se revelou que o tesoureiro e amigo Delúbio Soares e José Dirceu, seu braço-direito, haviam montado uma rede clandestina de captação de dinheiro para subornar parlamentares e sustentar as campanhas políticas do PT. Preservado por todos os que sabiam de seu envolvimento direto no mensalão, Lula escapou do processo judicial. Ele passou todo o seu governo negando a existência do esquema. Quando desceu a rampa do Palácio do Planalto, porém, prometeu que contaria "a verdadeira história do mensalão". Diante dos policiais federais em Brasília, Lula voltou à versão que, oficialmente, sustentou. VEJA teve acesso à integra do depoimento, um documento de valor histórico inestimável em que Lula, pela primeira vez, formaliza o que tem de importante a dizer sobre o caso: absolutamente nada. São quatro valiosas páginas que sintetizam a natureza do ex-presidente diante de uma situação embaraçosa — ele, como sempre, jura que não sabia de nada, que nunca se envolveu com os malfeitos de seu governo e, quando confrontado com os fatos, aponta o dedo para terceiros para salvar a própria pele. Durante pouco mais de uma hora, Lula driblou as 28 perguntas elaboradas previamente e lidas por um delegado convocado especialmente para a ocasião. Em setembro de 2012, ainda durante o julgamento dos mensaleiros, VEJA revelou que Marcos Valério de Souza, o operador do escândalo, guardava alguns segredos sobre o caso. Um deles era que Lula tinha conhecimento do esquema e o comandava. Depois disso, Valério prestou um longo depoimento ao Ministério Público detalhando o papel do ex-presidente no episódio. O operador contou aos procuradores, por exemplo, que Lula se beneficiou pessoalmente do dinheiro desviado dos cofres públicos e participou da montagem das operações. Valério disse também que, em 2004, ainda em seu primeiro mandato, Lula e o então ministro Antonio Palocci receberam no Palácio do Planalto o presidente da Portugal Telecom, Miguel Horta, e acertaram com ele o "empréstimo" — ou doação, como está mais em moda — de 7 milhões de dólares ao PT. A telefônica portuguesa, àquela altura, estava interessada em obter a ajuda do governo para deslanchar seus negócios no mercado brasileiro. O "empréstimo" seria uma forma de fortalecer a parceria. Marcos Valério, que participou das tratativas, afirmou que o dinheiro, depositado no exterior, teria saído de contas de fornecedores da Portugal Telecom em Macau, na China. Parte desse dinheiro, de acordo com ele, foi usada para pagar dívidas remanescentes da campanha vitoriosa de Lula em 2002. As declarações do operador deram origem a vários inquéritos. Na tentativa de refazer o caminho do dinheiro, os policiais abriram frentes de apuração no Brasil e também no exterior. Em Portugal, o caso faz parte de um pacote de investigações que têm como alvo negócios mal explicados firmados por empresários e políticos a partir da aliança estratégica entre o governo petista de cá e os últimos governos socialistas de lá. Uma dessas investigações levou para a cadeia, no ano passado, o ex-primeiro-ministro José Socrates. Entre outras coisas, ele foi investigado por usar sua influência para garimpar negócios, inclusive com o Ministério da Saúde brasileiro, para uma empresa privada. As semelhanças com a atuação de políticos do lado de cá do Atlântico, ao que parece, não são apenas mera coincidência. A Polícia Federal vinha tentando ouvir Lula desde fevereiro de 2014, sem sucesso. O ex-presidente fez o que pôde para adiar o interrogatório, que deveria ter ocorrido inicialmente em São Paulo. Queria evitar exposição, especialmente antes da eleição — o que, segundo ele próprio, poderia prejudicar o PT. O caso virou novela e motivo de intrigas entre a cúpula do governo, incluídos aí o Palácio do Planalto e o gabinete do ministro da Justiça, e os simpatizantes do ex-presidente. Apesar das diversas tentativas, ele não conseguiu escapar da audiência. As 28 respostas dadas sobre as acusações de Marcos Valério podem ser resumidas no bordão mais famoso do governo Lula: ele não sabia de nada. Por dez vezes, Lula repetiu exatamente a mesma resposta. Formalmente, ficou consignado o seguinte: "Enquanto candidato da campanha a presidente da República não tinha conhecimento da parte financeira da arrecadação de valores para a eleição". O ex-presidente, porém, não rebateu as acusações. Perguntado sobre o assunto central do inquérito, a transferência de dinheiro para o PT pelos empresários portugueses, ele confirmou a reunião com Miguel Horta no Palácio do Planalto. Em seguida, veio a pergunta capital: se nessa reunião, afinal, foi fechado o empréstimo de 7 milhões de dólares relatado por Marcos Valério. Era de esperar que Lula negasse peremptoriamente. Não foi o que aconteceu. O ex-presidente respondeu simplesmente que "não confirma" o acerto. Se ele não confirma, quem poderia confirmar? Lula não citou nomes, mas repetiu diversas vezes que a tarefa de arrecadar e pagar fornecedores cabia aos tesoureiros do PT. Ao longo dos oito anos de seu governo, essas funções foram ocupadas pelos notórios Delúbio Soares, condenado a seis anos e oito meses de cadeia por corrupção ativa, e João Vaccari Neto, o agora popular Moch, esse último envolvido até a raiz da barba com o esquema de corrupção na Petrobras. Depois de ouvirem Lula, os policiais federais decidiram pedir à Justiça mais tempo para concluir o inquérito. Vão fazer novas investigações. Do outro lado do Atlântico, onde o caso já levou à cadeia o ex-primeiro-ministro José Sócrates, as investigações também continuam. 3#7 CORRUPÇÃO INSTITUCIONAL Delator confirma que o esquema da Petrobras só foi montado no governo Lula e que houve doação clandestina para a campanha presidencial do PT. ADRIANO CEOLIN Delator da CPI da Petrobras, o deputado Luiz Sérgio (PT-RJ) está de novo de prontidão para cumprir missões partidárias que exigem algum desapego. O depoimento do engenheiro Pedro Barusco era considerado estratégico para as pretensões do Partido dos Trabalhadores de socializar a corrupção. Primeiro dos envolvidos no escândalo a ser interrogado na comissão, o ex-gerente da estatal já havia confessado à polícia ter acumulado uma fortuna de 97 milhões de dólares em propinas, a partir de uma sólida parceria criminosa com dirigentes do PT. Havia uma enorme expectativa. Dependendo do que ele dissesse aos deputados, a investigação parlamentar mudaria radicalmente de rumo. Os petistas apostavam na tese de que, acossado, Barusco acabaria afirmando que a roubalheira na estatal não era uma criação do partido. Envolveria outras agremiações, outras pessoas, outros governos. O diligente relator, logo no início da sessão, foi incisivo: "A partir de quando o senhor percebeu a existência de fraudes e de propinas na Petrobras?". O ex-gerente reafirmou que a corrupção passou a ser "institucional" a partir de 2003, ou seja, do início do governo Lula. Antes disso, havia funcionários que, como ele, se corrompiam isoladamente. Depois da ascensão do PT ao governo, as fraudes passaram a ocorrer de maneira organizada, metódica, com regras, hierarquia, metas e fluxos de caixa — o que o procurador-geral da República considera uma complexa organização criminosa. O tiro acertou o pé. Pedro Barusco estava posicionado no que se poderia chamar de quarto escalão da quadrilha. Como gerente da diretoria de Serviços, sua missão era organizar o esquema de cobrança e distribuição de propinas para o PT. Dentro da Petrobras, ele recebia ordens de Renato Duque, o diretor de Serviços indicado pelo PT. Fora da Petrobras, respondia a João Vaccari Neto, o tesoureiro do PT. Os três se reuniam periodicamente para definir os valores do achaque para cada um dos contratos assinados na diretoria de Serviços. Barusco, um funcionário de carreira talentoso, narrou detalhadamente seus crimes e identificou os comparsas sem alterar a voz, fiel ao que já dissera nos depoimentos prestados à polícia e ao Ministério Público no acordo de delação premiada. Fracassada a tentativa de dividir as responsabilidades, os parlamentares do PT partiram para uma segunda investida. Ex-ministro do governo Dilma Rousseff, o deputado Afonso Florence (PT-BA) saiu em defesa do guardião do cofre que bancou a maioria das campanhas do partido: "Que provas o senhor tem de que Vaccari o orientou e o obrigou a praticar atos ilícitos? Como era a estimativa?", instigou. Como se alguém tivesse a capacidade de obrigar gente honesta a se corromper, Barusco foi direto ao ponto: "Eu realmente sentava com ele, discutia, mas não me envolvia com esta parte, se o dinheiro era para ele, para o partido... O rótulo era PT". Explicou que os encontros da fortuna costumavam ocorrer em hotéis do Rio de Janeiro. A intimidade entre os achacadores era tamanha que o tesoureiro era chamado de Moch, uma referência ao seu inseparável acessório de trabalho, a mochila. E finalizou confirmando que estimava ter repassado entre 150 e 200 milhões de dólares em propinas a Vaccari. Haja mochila. O tiro dessa vez acertou em cheio a perna. Por muito menos que isso o mundo de alguns petistas ruiu em 2005. Na CPI dos Correios, a que desvendou o esquema do mensalão, o publicitário Duda Mendonça, marqueteiro da campanha do presidente Lula, revelou ter recebido do PT 10 milhões de reais em contas secretas no exterior como pagamento por seus serviços. Além de confessar o crime praticado, Duda indicou o nome dos seus comparsas — revelação que parecia letal para o governo. Na época, deputados petistas, com vergonha, choraram no plenário. Coisas do passado. Na última semana, depois que ouviram Barusco dizer que o tesoureiro do PT colocou na mochila o equivalente a meio bilhão de reais em propina, não houve nem sinais de constrangimento. Em sua delação premiada, o ex-gerente já havia contado que, a pedido de Vaccari, conseguira levantar 300.000 dólares para ajudar o caixa da campanha presidencial em 2010. O dinheiro foi repassado de maneira clandestina pela empresa holandesa SBM, uma das fornecedoras da Petrobras investigadas por pagamentos de suborno a políticos e funcionários públicos. Na CPI, Barusco acrescentou um detalhe novo e grave à história. O dinheiro foi solicitado em nome da campanha da presidente Dilma Rousseff. O tiro raspou a cabeça. É a primeira vez que aparece um testemunho formal ligando o tesoureiro do PT à campanha presidencial. Nada, porém, capaz de abalar a confiança dos militantes. Na quinta-feira, José Sérgio Gabrielli, o ex-presidente da Petrobras que comandou a estatal no auge da roubalheira, disse em interrogatório que a empresa está muito bem e que nunca desconfiou de irregularidades. Foi aplaudido pelos petistas sem nenhuma vergonha. ___________________________________________ 4# INTERNACIONAL 18.3.15 A CONEXÃO TEERÃ-CARACAS-BUENOS AIRES Três ex-integrantes da cúpula chavista dizem a VEJA que, por intermédio da Venezuela, o Irã mandou dinheiro para a campanha de Cristina Kirchner em troca de segredos nucleares e impunidade no caso Amia. LEONARDO COUTINHO, DE WASHINGTON Há dois meses os argentinos se perguntam o que se passou em 18 de janeiro, dia em que o procurador federal Alberto Nisman foi encontrado morto no banheiro de seu apartamento em Buenos Aires. Apenas quatro dias antes, ele havia apresentado à Justiça uma denúncia contra a presidente Cristina Kirchner e outras quatro pessoas acusadas por ele de acobertar a participação do Irã no atentado terrorista que resultou em 85 mortos e 300 feridos na sede da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994. No documento, Nisman explica que, além da assinatura de um Memorando de Entendimento que permitiria ao Irã interferir na investigação do caso, a república islâmica queria que a Argentina tirasse cinco iranianos e um libanês da lista de procurados da Interpol. O governo argentino tentou de todas as maneiras desqualificar o seu trabalho. Há três semanas, um juiz recusou formalmente a denúncia feita por Nisman, que havia sido reapresentada por um novo procurador. Sem se preocupar em esconder seu alinhamento político com o governo, o juiz aproveitou o despacho em que recusa a denúncia de Nisman para elogiar a presidente e sua administração. Tudo indicava que o crime do qual Cristina e outros membros de seu governo foram acusados por Nisman se tornaria mais um dos tantos episódios misteriosos da história recente da Argentina. Um acordo entre países, porém, ainda que feito nas sombras, deixa rastros. Desde 2012, doze altos funcionários do governo chavista buscaram asilo nos Estados Unidos, onde estão colaborando com as autoridades em investigações sobre a participação do governo de Caracas no tráfico internacional de drogas e no apoio ao terrorismo. VEJA conversou, em separado, com três dos doze chavistas exilados nos Estados Unidos. Para evitar retaliações a seus parentes na Venezuela, eles pediram que sua identidade não fosse revelada nesta reportagem. Todos fizeram parte do gabinete de Chávez. Depois da morte do coronel, em 2013, compartilharam o poder com Maduro, com quem romperam depois de alguns meses. Os ex-integrantes da cúpula do governo bolivariano contam que estavam presentes quando os governantes do Irã e da Venezuela discutiram, em Caracas, o acordo que o procurador Nisman denunciou em Buenos Aires. Segundo eles, os representantes do governo argentino receberam grandes quantidades de dólares em espécie. Em troca do dinheiro, dizem os chavistas dissidentes, o Irã pediu que a autoria do atentado fosse acobertada. Os argentinos deviam também compartilhar com os iranianos sua longa experiência em reatores nucleares de água pesada, um sistema antiquado, caro e complexo, mas que permite a obtenção de plutônio a partir do urânio natural. Esse atalho é de grande proveito para um país interessado em construir bombas atômicas sem a necessidade de enriquecer o urânio e, assim, chamar a atenção das autoridades internacionais de vigilância. Na manhã de 13 de janeiro de 2007, um sábado, contam os chavistas, o então presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, desembarcou na capital da Venezuela para sua segunda visita ao país. Cumpridos os ritos protocolares, Chávez recebeu Ahmadinejad para uma reunião no Palácio de Miraflores, acompanhada apenas pelos guarda-costas de ambos, pelo intérprete e por membros do primeiro escalão do governo venezuelano. O encontro aconteceu por volta do meio-dia, pouco antes do almoço. A conversa durou cerca de quinze minutos. Falaram sobre os acordos bilaterais, os investimentos no setor de petróleo e o intercâmbio de estudantes. Foi então que Ahmadinejad disse a Chávez que precisava de um favor. Um militar que testemunhou a reunião relatou a VEJA o diálogo que se seguiu: Ahmadinejad — É um assunto de vida ou morte. Preciso que intermedeie junto à Argentina uma ajuda para o programa nuclear de meu país. Precisamos que a Argentina compartilhe conosco a tecnologia nuclear. Sem a colaboração do país, será impossível avançar em nosso programa. Chávez — Muito rapidamente. Farei isso, companheiro. Ahmadinejad — Não se preocupe com os custos envolvidos nessa operação. O Irã respaldará com todo o dinheiro necessário para convencer os argentinos. Tem outra questão. Preciso que você desmotive a Argentina a continuar insistindo com a Interpol para que prenda autoridades de meu país. Chávez — Eu me encarregarei pessoalmente disso. Os presidentes se levantaram e foram almoçar. Depois disso, voltaram para uma nova reunião. Desta vez, apenas com a presença do intérprete iraniano. Os chavistas asilados em Washington disseram a VEJA ter tido participação direta nas providências tomadas por Chávez para atender ao pedido de Ahmadinejad. Os dois governantes viram na compra de títulos da dívida argentina pela Venezuela, que já vinha ocorrendo desde 2005, uma oportunidade para atrair a Argentina para um acordo. Em 2007, o Tesouro venezuelano comprou 1,8 bilhão de dólares em títulos da dívida argentina. No fim de 2008, a Venezuela estava de posse de 6 bilhões de dólares em papéis da dívida soberana argentina. Para a Argentina o negócio foi formidável, dado que a permanente ameaça de moratória espantava os investidores. Os Kirchner, Néstor e Cristina, fizeram diversos agradecimentos públicos a Chávez pela operação financeira. Menos refinada e mais problemática foi a transferência direta de dinheiro de Caracas para Buenos Aires. Em agosto de 2007, Guido Antonini Wilson, um empresário venezuelano radicado nos Estados Unidos, foi flagrado pela aduana argentina tentando entrar no país com uma maleta com 800.000 dólares. Ele afirmou, depois, que o dinheiro se destinava à campanha de Cristina Kirchner, que dois meses depois viria a ser eleita presidente da Argentina, sucedendo a seu marido, Néstor. Coincidentemente, Chávez tinha uma visita oficial à capital argentina agendada para dois dias depois da prisão de Antonini. Um dos ex-integrantes do governo chavista ouvidos por VEJA estava com Chávez quando ele foi avisado da prisão por Rafael Ramírez, então presidente da PDVSA, a estatal de petróleo, e hoje embaixador da Venezuela na ONU. Chávez reagiu com um palavrão e perguntou quem tinha sido o "idiota" que coordenou a operação. "A verba era originária do Irã para a campanha de Cristina Kirchner", diz a testemunha da cena. Ele completa: "Não posso afirmar que ela sabia que o dinheiro era iraniano, mas é certo que tinha consciência de que vinha de uma fonte clandestina". Antonini foi solto em seguida e, de volta aos Estados Unidos, procurou o FBI, a polícia federal americana, para explicar-se sobre o episódio da mala. O serviço de inteligência chavista tentou dissuadir Antonini de sua intenção. A operação está descrita no livro Chavistas en el Império, do jornalista cubano-americano Casto Ocando, com base nos autos do FBI sobre Antonini. Segundo Ocando, os agentes de Henry Rangel Silva, chefe do serviço de inteligência, ofereceram advogados a Antonini e, após a recusa, ameaçaram o empresário e seu filho de morte. As conversas com os advogados pagos pelos venezuelanos foram gravadas pelo FBI. Em uma delas, do dia 7 de setembro de 2007, eles dizem que Caracas estava disposta a pagar 2 milhões de dólares pelo silêncio de Antonini. Os espiões foram presos e acusados de conspiração. Em seu livro, Ocando acerta ao concluir que Chávez estava disposto a tudo para encobrir a origem do dinheiro, inclusive assumir a culpa pela remessa, atribuindo-a à PDVSA. O que Ocando não sabia, e agora se sabe, é que os recursos vinham do Irã. O dinheiro fazia escala na Venezuela da mesma forma que era enviado à Argentina: em malas. Na reunião em que Ahmadinejad pediu a Chávez que atraísse a Argentina para um acordo, os dois presidentes também decidiram criar um voo na rota Caracas, Damasco e Teerã, que depois veio a ser apelidado pela cúpula chavista de "aeroterror". Entre março de 2007 e setembro de 2010, um Airbus A340 fazia esse percurso duas vezes por mês. Segundo os chavistas ouvidos por VEJA, quando partia de Caracas, a aeronave ia carregada de cocaína. Também eram transportados documentos e equipamentos, sobre os quais os ex-funcionários chavistas não conhecem detalhes. A droga era descarregada na capital da Síria, de onde era redistribuída pelo Hezbollah, um grupo terrorista do Líbano. Desde 2012, quando os primeiros chavistas começaram a se exilar nos Estados Unidos, as autoridades americanas sabem que o narcotráfico suplantou o Irã como principal fonte de financiamento do Hezbollah. Na volta, o Airbus trazia dinheiro vivo e terroristas procurados internacionalmente. Um dos principais operadores dos voos Caracas-Teerã era o ministro do Interior da Venezuela Tareck El Aissami, hoje governador do Estado de Aragua. A Agência Antidrogas dos Estados Unidos (DEA) colheu diversos depoimentos que apontam o político como o elo entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o Hezbollah. El Aissami tinha como preposto o libanês Ghazi Nasr al-Din, então adido comercial da Embaixada da Venezuela em Damasco. Al-Din, que no fim de janeiro entrou na lista dos mais procurados do FBI, tinha como missão produzir e distribuir passaportes venezuelanos para ocultar a verdadeira identidade dos terroristas que viajavam pelo mundo. Entre os acobertados por ele está o clérigo Mohsen Rabbani, citado por Nisman como executor do atentado à Amia. Foi usando um passaporte concedido por Al-Din que Rabbani visitou secretamente o Brasil pelo menos três vezes. Mesmo com o fim do "aeroterror", em 2010, a Venezuela continuou fornecendo documentos para acobertar terroristas. Segundo um dos chavistas exilados, em maio de 2013, o governo de Caracas dava guarida a pelo menos 35 integrantes do grupo Hezbollah. Os chavistas entrevistados para esta reportagem não sabem se os iranianos foram bem-sucedidos em obter as informações sobre o programa nuclear argentino que Ahmadinejad tanto queria. Apesar de eles terem pertencido ao círculo mais próximo do presidente, as discussões sobre esse tema estavam reservadas aos ministros da Defesa da Venezuela e do Irã. Do lado argentino, a interlocutora era a ministra da Defesa Nilda Garré, atualmente embaixadora de seu país na Organização dos Estados Americanos (OEA). Garré é uma ex-guerrilheira montonera que se encontrou diversas vezes com Hugo Chávez, mantendo com ele uma relação estreita, que se oficializou em 2005, quando foi nomeada embaixadora da Argentina em Caracas. Segundo um dos desertores chavistas, foi Chávez quem pediu a Néstor Kirchner que indicasse Garré ao posto. Chávez e Garré tinham também uma relação pessoal íntima, que só tem interesse público por ser um dos componentes da aliança política entre os dois países. "Era algo na linha 50 Tons de Cinza", diz o ex-funcionário chavista. De acordo com ele, quando Chávez e Garré se encontravam no gabinete do líder venezuelano no Palácio de Miraflores, os sons da festa podiam ser ouvidos de longe. Depois de seis meses, Garré voltou a Buenos Aires para assumir a pasta da Defesa. Ficou no cargo até o fim de 2010. "Não posso afirmar que o governo da Argentina entregou segredos nucleares, mas sei que recebeu muito por meios legais (títulos da dívida) e ilegais (malas de dinheiro) em troca de algo bem valioso para os iranianos." Diz outro chavista exilado: "Na Argentina, a detentora desses segredos é a ex-embaixadora Garré". Existem semelhanças entre os reatores nucleares de Arak, no Irã, e de Atucha, na Argentina. Ambos foram planejados para produzir plutônio, elemento essencial para a fabricação de armas atômicas, usando apenas urânio natural. A diferença é que Arak deveria ter entrado em operação no ano passado, mas não há indícios de que isso tenha efetivamente ocorrido. O de Atucha funciona desde 1974 e gera 2,5% da energia elétrica da Argentina. A tecnologia nuclear dos argentinos também era útil para pôr em funcionamento a usina de Bushir, inconclusa desde 1979. Bushir foi inaugurada em 2011. Quem sabe a ministra Garré possa dar um quadro mais nítido do acordo Teerã-Buenos Aires costurado em Caracas. ASSASSINADO DE JOELHOS Os resultados de uma perícia independente, contratada pela ex-mulher de Alberto Nisman, a juíza federal Sandra Arroyo Salgado, contestam de maneira contundente a tese de que ele se matou. Na quarta-feira passada, o jornal argentino La Nación revelou novas conclusões dos peritos particulares. A principal delas é que Nisman estava de joelhos quando foi morto. A afirmação se baseia na análise dos respingos de sangue. A leitura das marcas, uma ferramenta clássica das técnicas forenses, permite obter várias informações que ajudam na reconstrução da cena. O relatório diz que ele estava com o joelho direito no chão e com a perna esquerda curvada com o pé esquerdo apoiado no piso. A pose é explicada pela disposição de uma mancha de sangue encontrada na parte traseira de sua perna esquerda. Segundo os peritos, o sangue escorreu do joelho para o tornozelo. A postura de subjugação combina perfeitamente com a trajetória da bala. Conforme já divulgado anteriormente por sua ex-mulher, o tiro foi disparado por trás da cabeça, um pouco acima da orelha direita. Os peritos apontam, também, outros elementos que indicam a presença de outra pessoa na hora do crime. Em caso de suicídio, o mais comum é que a mão do disparo, na maioria das vezes a direita, esteja completamente suja com o sangue da vítima, mas isso não ocorreu. Uma parte estava limpa, como se "algum objeto ou mão" a tapasse. Já a mão esquerda estava suja. Segundo a perícia, isso sugere que alguém manchado de sangue a segurou depois do assassinato. Para completar, há vestígios que indicam que a torneira e a pia foram lavadas para mascarar a presença do sangue. Apesar das evidências de homicídio, a Casa Rosada insiste em desqualificar a perícia independente. O chefe de gabinete da Presidência, Aníbal Fernández, afirmou que, por serem contratados, os especialistas, ainda que renomados, não podem ser levados em conta na investigação. NADA ALÉM DE NÚMEROS Em maio de 2009, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu Hugo Chávez em Salvador. Eles discutiram o impasse para o início das obras da Refinaria Abreu e Lima, que se arrastava desde 2005. Um chavista que testemunhou o encontro conta que Chávez reclamou: "Lula, estamos prontos faz tempo e sua equipe não quer começar as obras. Os técnicos da Petrobras estão barrando. O que está acontecendo?". Lula questionou o então presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli: "Seus técnicos só enxergam números. Não entendem a importância geopolítica e regional de um projeto como esse. A refinaria é um projeto meu. Eu dei minha palavra de que iria sair e sairá". Em outubro de 2009, mesmo com parecer contrário, foi firmada a sociedade com a estatal venezuelana de petróleo (PDVSA). Quando os venezuelanos perceberam que a Abreu e Lima só daria prejuízo, porém, não titubearam. Postergaram ao máximo e não investiram sequer um dólar no projeto. Para honrar a palavra de Lula, a Petrobras foi adiante. O orçamento inicial, de 2,4 bilhões de dólares, chegou a cerca de 19 bilhões de dólares. Tanto prejuízo por uma promessa de Lula a Chávez. ___________________________________________ 5# GERAL 18.3.15 5#1 GENTE 5#2 VIDA DIGITAL – O BITCOIN LEVADO A SÉRIO 5#3 TECNOLOGIA – O PULSO DA APPLE 5#4 OLIMPÍADA – QUE VENHA O MELHOR 5#1 GENTE JULIANA LINHARES. Com Daniella De Caprio e Thaís Botelho SALTO GIGANTESCO PARA A HUMANIDADE A principal característica de atletas de salto ornamental é ser, na linguagem deles, "vareta". Quanto mais magros, menos água eles espalham ao cair na água. "As chinesas são ótimas, já que têm muito pouco volume corporal", diz César Castro, da seleção do Brasil. "Tanto que é comum as atletas aposentadas colocarem silicone." Questão evidentemente inexistente para GRACYANNE BARBOSA, candidata a fazer um splish-splash daqueles no quadro de um programa de TV no qual competirá com outros famosos saltando de um trampolim de até 10 metros de altura. O quesito volume é o ganha-pão de Gracyanne, casada com o cantor Belo. Como garota-propaganda de sete produtos do mundo dos fortões, ela recebe 140.000 reais por ano em pelo menos dois deles. "Aumentamos em 50% a venda do nosso suplemento alimentar", diz um de seus contratantes. FELICIDADE TEM UM PREÇO "Referência", "inspiração "homenagem" e, pior que tudo, "releitura". Diga-se em favor de PHARRELL WILLIAMS, autor, cantor e produtor das músicas mais deliciosamente dançantes da atualidade, que ele nunca invocou os lugares-comuns que pululam no mundo do espetáculo. Mas também não se preocupou muito em apagar as fronteiras entre Blurred Lines, o sucesso que entregou a Robin Thicke, e Got to Give Up, na cristalina voz de Marvin Gaye. Os três filhos do príncipe do soul, morto em 1984, abriram e ganharam um processo por plágio, incluindo indenização de 7,4 milhões de dólares. Espera-se que Pharrell, que tem uma linhagem de nomes originais (o pai é Pharaoh; o filho, Rocket), pague e continue a nos dar felicidade. Se possível, original. CADÊ A GRACINHA DO VÔ? Em abril, KATE MIDDLETON terá seu segundo filho. Vai ser uma fofura e todo o mundo se derreterá, embora à luz da linha de sucessão o novo bebê figure como herdeiro estepe, um substituto caso algo impeça George, o principezinho primogênito, de um dia se tornar o rei da Inglaterra. O amor, claro, será o mesmo, e os avós Carole e Michael Middleton estarão lá para dar a maior força — até se mudaram provisoriamente para a mansão senhorial onde Kate e família vão morar. O príncipe CHARLES, sogro de Kate, adora a nora, mas já começou a boataria de que se sente excluído da vida do neto. Atenção: ainda não existe clima para chamar Carole de a pior sogra real desde Catarina de Médicis, rainha regente da França que tentou matar o genro, Henrique de Navarra, várias vezes. VAMOS OLHAR PARA O PRÓPRIO... VESTIDO? Angela Merkel salvou o euro do desmanche, a Europa da miséria e o mundo de uma crise tectônica. Para seu próprio bem, não é do tipo que espera gratidão e deve ter recebido com germânica contenção a carta de celebridades cheias de boas intenções, como Lady Gaga, Charlize Theron, Meryl Streep e, bem acima de todas, BEYONCÉ, baseada no slogan "A pobreza é sexista", pedindo proteção a mulheres e meninas em situação de risco. Boko Haram, Estado Islâmico, Irã? Nem um pio. A carta a Merkel, que está na presidência do G7, é uma iniciativa da entidade benemerente ONE, criada por Bono e conhecida por doar um pouquinho mais do que 1% do dinheiro que arrecada — o resto vai para salários e promoções como a atual. Beyoncé ajuda várias instituições — menos a fundação do marido, Jay-Z, à qual deu dinheiro zero em 2010, ano em que faturou 87 milhões de dólares. 5#2 VIDA DIGITAL – O BITCOIN LEVADO A SÉRIO Renomados executivos do mercado financeiro americano tentam reconstruir a imagem da moeda virtual. O bitcoin, a mais badalada das moedas virtuais, foi criado em 2008 por um grupo de hackers libertários, evidentemente pendurados no anonimato, ávidos por usurpar o dólar, o Federal Reserve americano e o sistema financeiro tradicional. Não demorou para que uma sucessão de escândalos levasse à lona o prestígio da brincadeira. No ano passado, depois da descoberta do envolvimento de duas agências de bitcoins com lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, a moeda perdeu 70% de seu valor de face, associada indelevelmente a crimes, ao submundo da internet. No entanto, apenas nos três primeiros meses de 2015, desponta o empenho de reputados empreendedores e executivos do Vale do Silício e de Wall Street em reconstruir o jogo, dado seu enorme potencial econômico, subtraída a ilegalidade. É hora de levar o bitcoin a sério. O primeiro grande reforço foi a contratação da economista inglesa Blythe Masters, de 45 anos, antes reputada diretora da JPMorgan Chase, uma das maiores instituições financeiras privadas do mundo, para comandar a recém-criada Digital Asset Holdings, cujo objetivo é desenvolver um software capaz de regularizar as transações realizadas com o dinheiro digital. Blythe já anunciou ter começado conversas com o Federal Reserve, o Departamento de Serviços Financeiros de Nova York e o Banco da Inglaterra. Ela certamente atuará com parceiros como Peter Thiel, um dos mais aguerridos e míticos investidores em tecnologia, cofundador do PayPal e um dos primeiros a apostar no Facebook e no sucesso do bitcoin. "Encontrar uma ponte entre o mercado tradicional e o de bitcoins é o grande desafio financeiro de nosso tempo", diz Blythe. O bitcoin nasceu sem regras, como meio de conduzir negociações diretas entre vendedores e compradores — excluindo intermediários, a exemplo de governos e bancos. A identidade de seu desenvolvedor é um mistério, apesar de o suspeito mais provável ser o japonês radicado na Califórnia Dorian Satoshi Nakamoto (que nega envolvimento). A base das operações é um software pelo qual são disparados 25 novos bitcoins para a internet a cada dez minutos. Para ter direito a um, é preciso "minerar": emprestar o processamento de computadores para aprimorar os algoritmos que regem as transações pela web e, em troca, receber moedas. Como não estava submetido a normas bancárias, o bitcoin naturalmente virou o dinheiro preferido da porção obscura da internet, plataforma afeita a criminosos. A associação agora com o lado bancário legal tira o "purismo" e o romantismo da ideia, do ponto de vista dos adeptos de primeira viagem, mas multiplica a força da moeda digital. 5#3 TECNOLOGIA – O PULSO DA APPLE O relógio da empresa mais inovadora do mundo aponta para a mágica construída por Steve Jobs — saber o que as pessoas querem ter antes mesmo que se dêem conta do desejo. FILIPE VILICIC E RAQUEL BEER As apresentações da Apple muitas vezes são tratadas como espetáculos de autopromoção e marketing. Inauguradas por Steve Jobs, sempre de calça jeans e camisa preta, viraram, porém, um desfile tecnológico capaz de mostrar hoje o que usaremos amanhã. Há interesse porque a mágica ali oferecida é descobrir o que as pessoas querem antes mesmo que se dêem conta do desejo de consumo. Na semana passada, o sucessor de Jobs como CEO da empresa, Tim Cook, serviu de entrada a próxima geração do laptop MacBook (levíssimo, finíssimo e com uma tela de altíssima resolução), abriu os serviços com uma coleção de aplicativos fadados a enriquecer exponencialmente os diagnósticos médicos (veja o quadro na pág. 80) e fechou a festa com o Apple Watch, o aguardado relógio computadorizado. O Watch tem tudo para figurar ao lado do Apple II (o primeiro computador pessoal tal qual o conhecemos), do iPod, do iPhone e do iPad como uma das inovações disruptoras que transformaram nossa vida e inventaram mercados que praticamente inexistiam (veja abaixo). A MORDIDA DA MAÇÃ Como os produtos da Apple reinventaram setores da economia A inovação... ... na música 2001 iPod Porcentagem de música digital na indústria Antes do Lançamento: 1,5% Três anos depois: 22,6% HOJE: 41%... ... nos celulares 2007 iPhone Porcentagem de smartphones na indústria Antes do lançamento: 6% Três anos depois: 40% HOJE: 69% ... na computação (inclio PCs, laptops, netbooks e tablets) 2010 iPad Porcentagem de Tablets na indústria Antes do lançamento: 6% Três anos depois: 21% HOJE: 45% ... nos wearables 2015 Apple Watch Porcentagem de wearables no mercado de dispositivos móveis conectados (como smartphones e tablets) Antes do Lançamento: 5% Três anos depois (previsão): 20% Smartwatches rudimentares existem desde a década passada e versões modernas, de marcas como Samsung e LG, semelhantes ao Apple Watch, começaram a aparecer nas lojas nos últimos três anos. Mas eles nunca foram um sucesso, assim como a categoria à qual pertencem, a dos wearables. As tecnologias vestíveis chegaram a ser celebradas como possíveis substitutas de smartphones e tablets. Muitos empreendedores do Vale do Silício apostavam que roupas, tênis, pulseiras e relógios computadorizados aposentariam outros aparelhos como a principal forma de acessar a internet e usar apps. O grande exemplo da celebração exagerada, seguida do fracasso, dos wearables é o Google Glass. Enquanto estavam em desenvolvimento, os óculos com lentes como as de um computador eram admirados, vistos como exemplo de tecnologia que caracterizaria o futuro da humanidade. Ao chegarem ao mercado, por 1500 dólares, fracassaram, e o Google decidiu parar de vendê-los. No auge do entusiasmo com essas inovações, analistas da indústria digital estimavam que até 2018 as vendas anuais de wearables chegariam a meio bilhão de unidades. As tecnologias vestíveis, no entanto, não decolaram. Hoje, são comercializados em torno de 20 milhões desses produtos ao ano (número ínfimo se comparado, por exemplo, ao 1,2 bilhão de smartphones vendidos no mesmo período). A consequência óbvia foi a diminuição das apostas (e dos investimentos) nesse mercado. Aquele número estimado de meio bilhão de wearables até 2018 foi reduzido para pouco mais de 100 milhões, e a maioria passou a desacreditar a novidade. Isso até a Apple entrar no jogo e apostar no pulso, e não no rosto, em algo meio bizarro diante dos olhos. Apple não é reconhecida por criar, do zero, novidades tecnológicas. O ponto forte da empresa é saber olhar com atenção para uma inovação que inicialmente é mal recebida pelos consumidores, identificar seus problemas e resolvê-los de forma elegante e prática. Existiam computadores pessoais antes da chegada do Apple II, em 1976? Sim. Mas eram trambolhões dificílimos de ser utilizados por qualquer mortal sem um vasto conhecimento técnico, distantes dos desktops de navegação intuitiva como temos hoje (graças à Apple). Também já havia nas lojas smartphones, a exemplo de modelos da Nokia e da Blackberry. Mas foi o iPhone que fez com que os celulares com acesso à internet se espalhassem. A mesma lógica vale para o iPod, o iPad e, agora, o Watch. Eles não são os primeiros, longe disso, mas definiram suas categorias, fizeram renascer invenções em descrédito e popularizaram boas ideias adormecidas (ou mesmo mortas). É possível identificar o dedo inovador da Apple em cada traço de seu Watch, que entrará em pré-venda nos Estados Unidos em 10 de abril e começará a ser distribuído no dia 24 do mesmo mês (não há previsão de chegada ao Brasil). Um dos grandes problemas dos smartwatches anteriores era a dificuldade de navegar por sua diminuta tela somente com os movimentos do dedo. A solução de Jony Ive, designar que dá cara aos produtos da empresa americana (veja o quadro na pág. ao lado), foi a criação de uma coroa na lateral do relógio com função similar à que teve o mouse do Mac, o click wheel (as teclas organizadas em uma roda) do iPod e a tela sensível ao toque do iPhone: facilitar a navegação. O relógio ainda ostenta a tecnologia Force Touch, outra novidade, uma tela que identifica a quantidade de força que deve ser aplicada com os dedos para permitir comandos que vão além dos tradicionais "deslizar para a direita, para a esquerda, para cima e para baixo" e "clicar". Para completar, possui um sistema de identificação de voz pelo qual se podem ditar mensagens. São características que ampliam cada vez mais a boa imagem da Apple, cujos produtos são conhecidos por não ter manual de instruções, tão fáceis de usar e intuitivos que mesmo uma criança de 2 anos é capaz de aprender sozinha as funções básicas. A aparência do Watch é outro trunfo. As fabricantes de smartwatches pareciam não perceber que, mais que gadgets, esses aparelhos procuram ser substitutos para ícones fashion. Os relógios se tornaram obsoletos assim que se popularizaram os celulares, nos quais também se verifica a hora. As duas últimas gerações aprenderam a crescer sem se importar em ter um deles no pulso — à exceção de quem gosta de modelos de luxo, insubstituíveis. Enquanto minguavam as vendas das versões populares, os relógios bacanudos se espalharam. Esse setor, liderado pelos suíços, cresceu acima de 10% ao ano desde 2010. É com marcas como Rolex e Swatch que a Apple concorre. Por isso escolheu lançar três edições do Watch. A versão mais simples custará 349 dólares. A mais cara, revestida de ouro 18 quilates, chegará a 17.000 dólares. Seu desenho retangular demonstra a preocupação com o luxo: é inspirado no clássico Cartier Santos, que a fabricante francesa Cartier desenvolveu em 1904 por encomenda do aviador brasileiro Santos Dumont. A única pergunta que fica é: para que servirá o Watch? Se ele tem as mesmas funções de um smartphone, vale a pena comprá-lo? A resposta não virá da Apple. Ela passou a seus mais relevantes parceiros, os desenvolvedores de apps, a missão de achar formas inovadoras de aproveitar o smartwatch e tornar os usuários tão dependentes dele quanto são de iPhones. Diz o brasileiro Eduardo Henrique, criador do PlayKids, app infantil que figura entre os trinta selecionados para estrear o Watch: "Criamos um programa específico para o relógio, dedicado aos pais, que poderão, a distância, saber o que fazem os filhos em iPhones e se comunicar com eles". Sucesso ou não nas lojas, o Watch veio para definir de vez se relógios e wearables terão futuro. Aguarda-se agora, mesmo entre os que não gostam muito da marca da maçã, a próxima novidade ruidosa (aposta-se que a Apple planeja revirar a indústria de carros). SIMPLICIDADE É TUDO Em Paris, no início dos anos 2000, Steve Jobs e Jonathan Ive, o inglês responsável pelo desenho dos produtos da Apple, entraram numa loja de utensílios de cozinha atraídos pela beleza das peças. Ive pegou uma faca que chamara sua atenção, mas, decepcionado, a pôs de volta no mostruário. Jobs fez o mesmo movimento. "Ambos notamos que havia um restinho de cola entre o cabo e a lâmina", relembraria Ive. "Steve e eu damos importância a coisas desse tipo, que destroem a pureza e maculam a essência de um produto." Na criação do Watch, Ive seguiu à risca aquele comportamento intuitivo que os fez rechaçar a faca mal-acabada. A dupla começou a trabalhar junto na Apple em meados dos anos 90, logo depois de um período de pobreza estética. Jobs tinha retornado ao comando da empresa e, impressionado com a inteligência criativa de Ive, decidiu torná-lo seu parceiro habitual. Nas palavras de Philip Schiller, vice-presidente de marketing da Apple: "Antes de Steve voltar, os engenheiros diziam 'Aqui estão as vísceras' - processador, disco rígido -, e os designers davam um jeito de enfiá-las num gabinete. Os produtos ficavam horríveis". O tempo da feiura terminou com uma convicção defendida sem concessões por Ive: "É preciso entender profundamente a essência de um produto para podermos nos livrar das partes não essenciais". Soava como música para Jobs. Aos 48 anos, esse inglês atarracado, de sotaque britânico forte e peito estufado (herança do tempo como jogador de rúgbi na escola), francamente não parece ter sido desenhado pela Apple. É um personagem que não combina muito com a vasta obra. Depois de colecionar em sua trajetória a criação de iPods, iPhones e iPads, peças de raríssimos botões, delgadas, ele hoje é a estrela da empresa mais inovadora do mundo. O Watch, de curvas suaves, botões minimalistas, retangular — "O modo mais apropriado de ver listas do que quer que seja, de telefones, de nomes, de atividades, de músicas, e não em algo circular", resume Ive —, talvez seja sua obra-prima. É, ao menos, o primeiro grande produto sem a sombra de Jobs, com quem dividia o gosto pelo evangelho do designer industrial alemão Dieter Rams, da empresa eletrônica Braun: "Menos, mas melhor", atalho para o perfeito casamento entre forma e função, dilema vivíssimo na arquitetura. O Watch não é um acidente na vida de Ive. Seu pai era um hábil joalheiro que, no Natal, costumava presentear o filho com uma visita a sua oficina e amplo direito a mexer nas ferramentas todas. Matriculado na Politécnica de Newcastle, Ive logo se interessou também pela engenharia dos produtos e rapidamente passou a conhecer com profundidade os materiais, até que ponto curvá-los, a que temperatura aquecem demasiadamente. Ive trabalha com dezenove designers, em um estúdio na sede da Apple, em Cupertino. Seu braço-direito é o australiano Marc Newson, que ficou multimilionário desenhando aeronaves, relógios, roupas e móveis antes da Apple. A maior característica de liderança do inglês é justamente convencer mentes incríveis, e que costumam não estar nem aí para o salário, a integrar seu time. Ive explica com delicadeza essa capacidade de atração: "Corro o risco de soar sentimental, mas acredito termos na Apple a sensação de estar realmente fazendo algo pela humanidade. Algumas pessoas podem acreditar que é uma crença estúpida, mas nosso objetivo é transformar a cultura". Não é preciso muito esforço para saber de quem ele emprestou tanta certeza e ambição. Dizia Jobs, a respeito de Ive: "A diferença que Jony fez, não só na Apple, mas no mundo, é imensa. Se tive um parceiro espiritual na Apple, foi Jony". A SAÚDE EM TODO LUGAR Outro lançamento da Apple detalhado na apresentação da segunda-feira 9 pode ter passado como coadjuvante diante do enorme barulho em torno do Apple Watch, mas seu potencial é imenso. O ResearchKit, um software para que desenvolvedores de aplicativos criem apps da área de medicina para os produtos da Apple, deve mudar a forma como lidamos com nossa saúde. Os cinco primeiros programas desenhados com o kit, disponíveis em iPhones e iPads, e que estarão no Watch, provam como esses dispositivos vão se tornar ferramentas essenciais de pesquisas médicas. Os apps já desenvolvidos permitem que os aparelhos da Apple tenham acesso a uma série de informações de seus usuários, como os batimentos cardíacos, captados por meio de contato com o Watch, e a pressão sanguínea. Depois de coletados, os dados podem ser compartilhados com médicos ou com centros de pesquisas, a exemplo dos de universidades e de hospitais. As informações servem tanto para a pessoa criar para si uma rotina saudável quanto para ser enviadas a profissionais da área. "Isso permitirá que acadêmicos e médicos saibam realmente o que ocorre, em tempo real, com voluntários de estudos e pacientes durante os 99,9% de sua vida em que eles não estão interagindo diretamente com o sistema de saúde", celebrou Ashish Jha, médico e pesquisador da Universidade Harvard. A empolgação não é à toa: o ResearchKit possibilita que se monitore a saúde do quase 1 bilhão de donos de iPhones e iPads (ou um sétimo da população mundial). 5#4 OLIMPÍADA – QUE VENHA O MELHOR Treinadores estrangeiros com o passe disputado no mundo todo mudaram-se para o Brasil atraídos pela exposição global e trabalham duro na missão de elevar o país a um novo patamar esportivo no Rio em 2016. CECÍLIA RITTO E HUGO PERNET Na terça-feira 24, um número redondo causará, ao mesmo tempo, aflição e empolgação na sede do Comitê Olímpico Brasileiro (COB): faltarão exatos 500 dias para o começo da Olimpíada do Rio de Janeiro. Nesse curto prazo serão dados os retoques finais em um plano minucioso, repleto de planilhas e fórmulas matemáticas, feito para emplacar o Brasil entre os dez maiores ganhadores de medalhas — meta "arrojada, mas factível", segundo Marcus Vinícius Freire, superintendente de esportes do COB. Alcançar esse patamar está nas mãos de uma elite de técnicos estrangeiros que se mudou para cá com a finalidade de colocar brasileiros no pódio. São profissionais vencedores, da categoria melhores do mundo, do tipo que, em situação normal, preferiria treinar equipes mais fortes — e emprego não lhes faltaria. Estão no Brasil atraídos por uma lógica olímpica vastamente testada e comprovada: todo país-sede tem dinheiro para pagar bons salários e serve de vitrine global para dar visibilidade ao talento e impulsionar carreiras. Tão importante quanto garantir instalações de qualidade — e tudo indica que no Rio as obras estarão concluídas mesmo em cima do laço, à exceção da ainda longínqua despoluição da Baía de Guanabara (veja o quadro na pág. 85) —, planejar o desempenho dos atletas e determinar um patamar de medalhas é lição de casa para todo país-sede dos Jogos. Certas modalidades têm mais chance, esportes individuais dão mais medalhas que os coletivos, e o planejamento, seguido de investimento, leva tudo isso em conta. O pontapé para esse tipo de preparação foi dado na Olimpíada de Sydney, em 2000, e se tornou exemplar: com um plano e treinos rigorosos, a Austrália pulou de 41 para 58 medalhas. Em 2008, em Pequim, a China saltou de 63 para 100 medalhas; em Londres, em 2012, a Inglaterra arrancou de 47 para 65, elevando o esquema preparatório à máxima potência. Agora é a vez de o Brasil, com metas evidentemente muito mais modestas, superar o resultado da última Olimpíada, em que ficou na 15ª posição, com dezessete medalhas. Nas contas do COB, escalar as cinco posições projetadas como mínimo significa uma luta de foice (metafórica, claro), com onze países em situação parecida e a conquista de pelo menos dez medalhas a mais. Será dureza. "Para a meta brasileira dar certo, essa precisa ser a melhor Olimpíada da vida de quem tem potencial de chegar ao pódio", sentencia Freire. Para alcançar esse objetivo, trabalham hoje no Brasil, com salários que ninguém divulga, 40 técnicos estrangeiros (contra os 35 de Londres) vindos de dezoito países. Para alavancar as chances das jovens e pequeninas atletas da ginástica artística, modalidade que ganha medalhas nas competições classificatórias mas invariavelmente morre na praia olímpica (nunca conquistou nem bronze), o COB importou o russo Alexandre Alexandrov, 65 anos, irascível, ultraexigente e contumaz vencedor de Olimpíadas. Como técnico da equipe russa, Alexandrov acumulou quinze medalhas, seis delas de ouro; em Londres, carregou as ginastas russas, que vinham de zero medalha em Pequim (ele não era o técnico), para seis. Baixinho, gordinho, de pernas finas, quase não sorri e seu rigor é lendário. "Ele fala 'não está bom, não está bom'. Só descansa quando sai como ele quer. Às vezes dá um ódio... Mas evoluímos muito", diz uma atleta, que prefere não dar o nome por motivos óbvios. "Nunca imaginei poder trazer alguém como Alexandrov. Soube que estava tendo desentendimentos com o pessoal na Rússia, fiz a proposta e ele aceitou", conta Georgette Vidor, coordenadora da seleção de ginástica feminina. Ele é o chefão dos cinco técnicos da equipe brasileira. Chegou em julho de 2013, sem a família; mora sozinho na Barra da Tijuca e respira ginástica — é praticamente seu único tema de conversa, num inglês capenga. Aos sábados e domingos, folga das ginastas, não é incomum que as convoque para exercícios na praia. A intenção é que sua experiência e a dos demais técnicos-celebridades deixe uma marca duradoura, que se reflita nas novas gerações. Uma das mais estreladas técnicas do judô mundial, a japonesa Yuko Fujii, 32 anos, está há três no Brasil e frequentemente dá cursos e seminários a treinadores, sobretudo da base. Yuko foi contratada logo após a Olimpíada de Londres, em que levou a equipe inglesa, sem expressão nenhuma, a ganhar duas medalhas. "Recebi proposta da Rússia também, mas escolhi o Brasil", diz. Rendeu-se, como os colegas, ao chamariz do país-sede. Plenamente adaptada, aprendeu sozinha a falar português ("Mais dez vez, mais dez vez", repete nos treinos). Mora com o marido japonês, que não trabalha e cuida do único filho, nascido aqui e chamado João. Nem todos sobrevivem tão bem ao choque de culturas, dentro e fora das arenas. Convocado para treinar a equipe de tiro com arco, o sul-coreano Lim Hee Sik penou com o idioma local, não se adaptou e se mandou para a Ásia. Acabou substituído por um inglês, que por sua vez cedeu lugar ao atual técnico, o italiano Renzo Ruele. A atração exercida por quem recebe a Olimpíada também funciona para reter talentos. O dinamarquês Morten Soubak, 50 anos, entrou para a constelação dos grandes técnicos quando a equipe brasileira de handebol feminino, treinada por ele havia quatro anos, conquistou um ouro inédito no Mundial de 2013 e outro no Pan-Americano da modalidade, no mesmo ano. Desde então, recebeu vários convites para mudar de seleção. Não aceitou, nem vai aceitar, pelo menos até a Olimpíada. "É um sonho de qualquer profissional comandar a equipe do país que vai sediar os Jogos", afirma. Para montar seu time, Soubak — que se casou com uma brasileira e tem um filho de 4 anos — já foi beneficiado pelo efeito sede. Todas as suas jogadoras atuam em clubes fora do Brasil e decidiram integrar a seleção movidas em grande medida pela visibilidade da equipe da casa. Técnico de basquete masculino na lista dos melhores do mundo, o argentino Rubén Magnano, 60 anos, que em Atenas levou o time de seu país ao ouro, foi outro que conseguiu trazer ao Brasil pesos-pesados que fazia tempo não pisavam em uma quadra brasileira — entre eles astros milionários da NBA, como Nenê Hilário. Seu próprio prestígio contou a favor. De preparação mesmo, com todos os jogadores, são no máximo 45 dias por ano. Ainda assim, uma medalha em 2016 é dada como certa. A presença dos supertécnicos tem também o efeito de estimular esportes sem nenhuma tradição no país. O espanhol Jesus Morlán, 49 anos, uma lenda na canoagem de velocidade com as cinco medalhas olímpicas obtidas por seu pupilo David Cal, traz num dobrado os quatro canoístas que treina em Lagoa Santa, em Minas Gerais. Ele e a equipe moram em uma casa de madeira longe de tudo e de todos e a cinco minutos da lagoa, que é de seu uso exclusivo. "O treinamento dele é ditadura mesmo, mas funciona", elogia Isaquias Queiroz, 21 anos, que em 2013, após quatro meses de treino com o mestre, ganhou o ouro no Mundial de Duisburg, na Alemanha. O cargo de Morlán na Espanha foi vítima da crise econômica do país — a proposta brasileira surgiu exatamente quando lhe ameaçavam cortar o salário. Os espanhóis fizeram pressão para que ele permanecesse, mas a perspectiva de sair da sombra de seu medalhista e brilhar aqui falou mais alto. Outro desbravador (este com chance praticamente zero de medalha), o croata Ratko Rudic, 66 anos e quatro ouros olímpicos na bagagem, chegou há pouco mais de um ano para ser técnico de polo aquático. A modalidade só emplacou o Brasil na briga porque o país-sede tem lugar garantido na competição. Ele diz que aceitou o convite porque, na Croácia, virou cartola e detestou o trabalho administrativo. "Minha vida toda foi passada dentro e ao lado da piscina", justifica. Um feito o croata já cravou: um nome estelar da modalidade, o cubano Ives Gonzalez resolveu, isso mesmo, se naturalizar brasileiro justamente para competir pelo time da casa. Idêntico fenômeno se anuncia em outras arenas. O primeiro a fazer isso foi o armênio Eduard Soghomonyan, que no mês passado ganhou o direito de vestir verde-amarelo na luta greco-romana e acenar com uma chance de medalha num esporte em que, a depender dos brasileiros, não havia nenhuma possibilidade de pódio. A meta é abrasileirar mais uma dezena de atletas de fora até 2016. Duro vai ser cantar o Hino Nacional. É LAMA, É LAMA, É LAMA Burocracia, desarticulação política e desinteresse emperraram por anos preciosos obras vitais para a realização da Olimpíada no Rio de Janeiro, mas, ao que tudo indica, quase tudo estará pronto a tempo, ainda que em cima do laço. A incômoda exceção repousa num dos cartões-postais da cidade e dos Jogos, a Baía de Guanabara, sede das competições de vela. A meta assumida perante o Comitê Olímpico Internacional (COI) é sanear 80% das águas que recebem 18.000 litros de esgoto in natura por segundo, mas especialistas ouvidos por VEJA consideram a marca praticamente impossível de ser alcançada. Para cravar a promessa feita ao COI, todas as quinze cidades que emolduram a baía já teriam de dispor hoje de cerca de 50% do esgoto tratado. "Só que algumas não chegam nem a 10%", calcula o geógrafo Marcos Freitas, da Coppe. Piora a situação o fato de apenas uma das três novas unidades de tratamento intensivo estar em pleno vapor na fétida paisagem. Os problemas potencializam-se com a ausência de uma autoridade para centralizar iniciativas que envolvem todas as esferas de poder. A experiência internacional mostra que aí residiu a chave para fazer programas de despoluição de tal envergadura prosperar. A responsabilidade final pela limpeza da Baía de Guanabara, uma história que se arrasta já há duas décadas, é do governo estadual. Pois o próprio governador Luiz Fernando Pezão externou suas dúvidas quanto ao tão propalado número prometido ao COI. "São tantas as amarras que não dá para dizer 'vou entregar os 80%'", afirmou em recente entrevista a VEJA. O secretário de Ambiente, André Corrêa, foi mais longe. Assumiu o cargo, viu o imbróglio e falou publicamente que a meta não seria batida. Fechou-se depois em silêncio para traçar um novo plano de ação. O assunto Baía de Guanabara traz também sabor amargo ao COI, que vê no legado deixado no Rio uma vitrine para despertar em outras cidades o interesse em sediar os Jogos. Com a economia de muitos países em baixa, já não há tantos candidatos como antes. Sem a baía, o legado fica manco. Aos atletas que desbravarão aquelas águas, porém, resta o alento: barcos e barreiras podem isolar a sujeirada durante as provas, como ocorreu no evento-teste de 2014. Mas e depois? __________________________________________ 6# ARTES E ESPETÁCULOS 18.3.15 6#1 LIVROS – PAPO FURADO EMPOBRECE 6#2 LIVROS – TURISMO ESPERTO 6#3 MEMÓRIA – A DAMA CAIPIRA 6#4 CINEMA – A OPERÁRIA-PADRÃO 6#5 FOTOGRAFIA – A COR DA BANALIDADE 6#6 VEJA RECOMENDA 6#7 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 6#8 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 6#9 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – QUAL A SAÍDA? 6#1 LIVROS – PAPO FURADO EMPOBRECE E é por isso que o psiquiatra e ensaísta inglês Theodore Dalrymple, rigoroso analista da degradação social europeia, não tem paciência com os tabus e dogmas do progressismo. NELSON ASCHER Crítico aguerrido de inúmeros modismos intelectuais, filosóficos e estéticos defendidos por um imenso clero instalado nas universidades, na imprensa e na máquina estatal; e defensor de propostas tão tradicionais como o encarceramento dos criminosos, Theodore Dalrymple é considerado, no mínimo, um conservador. Mas sua ampla experiência empírica (viveu na África, viajou extensamente pela Ásia e pelo mundo comunista, trabalhou no sistema carcerário britânico) faz de Dalrymple — pseudônimo do psiquiatra inglês Anthony Daniels — um interlocutor temido e respeitado. Nossa Cultura... Ou O que Restou Dela (tradução de Maurício G. Righi; É Realizações; 400 páginas; 59,90 reais), sua segunda coletânea a sair no Brasil (a primeira foi A Vida na Sarjeta), ilustra a variedade de seus interesses em 26 textos sobre criminalidade e drogas, política e sociedade, islamismo e comunismo, artes plásticas e muita literatura (há ensaios sobre D.H. Lawrence e William Shakespeare, Virgínia Woolf e Stefan Zweig, entre outros). Durante a última década e meia de sua carreira profissional, o doutor Daniels, aposentado desde 2005, foi psiquiatra de prisão, e esse trabalho lhe possibilitou acompanhar com atenção as mazelas sociais que mais o preocupam. A principal delas — tema que dá unidade ao livro — é o modo de vida degradado e degradante da crescente underclass de seu país e da Europa, um fenômeno no qual ele diagnostica a erosão provavelmente fatal de tudo o que havia de bom e vital em nossa cultura e civilização. A underclass de que ele fala, o setor mais pobre e menos qualificado da sociedade, situado em tudo abaixo dos trabalhadores convencionais, é formada majoritariamente por desempregados e desajustados que vivem da caridade estatal, combinada, aqui e ali, com o crime. Embora a edição brasileira traduza a palavra por "classe baixa", não é bem a esta que o autor se refere, mas ao grupo que antigamente os marxistas chamavam, com certo desdém, de lumpemproletariado ou lumpesinato. Entre as questões "inconvenientes" que o autor formula estão as seguintes: como sociedades ricas, desenvolvidas e dotadas de um grande Estado assistencialista geram cada vez mais gente assim e ainda recebem imigrantes só para incorporar muitos deles a esses grupos? E por que assistem impotentes à elevação associada de suas taxas de criminalidade, respondendo a tudo isso com doses sempre maiores dos mesmíssimos remédios já ministrados antes sem sucesso — entre outros, a criação de mais ministérios, secretarias e repartições assistencialistas? As respostas que Dalrymple fornece e, mais grave ainda, as outras perguntas que coloca são desafios frontais a alguns dos mais arraigados tabus atuais. Em vez de simplesmente condenar os suspeitos de sempre — o capitalismo, o imperialismo, os mercados ou os americanos —, ele reparte as responsabilidades entre o Estado paternalista, as elites políticas e intelectuais (que criam e estabelecem os valores irresponsáveis e, no limite, niilistas que acabam norteando a vida da maioria) e, pecado dos pecados, as próprias vítimas, que amiúde têm, sim, escolha e sabem o que estão fazendo, mas se conformam com soluções imediatistas e facilmente gratificantes. Pôr em dúvida a sabedoria consensual de uma intelectualidade que, quando questionada, se refugia atrás da muralha de suas supostas boas intenções inclui Dalrymple numa linhagem crítica seleta e rara. Trata-se da linhagem de outro portador de pseudônimo: George Orwell (nome real: Eric Blair). A coragem de contrariar as certezas de intelectuais arrogantes que distribuem tapinhas nas costas uns dos outros por tomar o partido dos destituídos e excluídos (assim como o dos poderosos que dizem fazer o mesmo) não é o único ponto que aproxima os escritores. Os dois, por exemplo, foram buscar seus primeiros empregos em rincões remotos do Império Britânico (Birmânia no caso de Orwell; Rodésia/Zimbábue no de Dalrymple) justamente para conhecê-lo — o império — melhor, por dentro. Ambos procuraram também, cada qual a seu modo, conviver de fato com a underclass, tanto a dos "nativos" coloniais como a dos seus concidadãos. Seja como for, trajetórias como essas serviram não tanto para lhes revelar uma verdadeira, embora oculta, face da realidade como para vaciná-los contra certezas simplistas. Aproxima ambos os escritores também a crença comum no poder das ideias: para os dois, ideias ruins eram e são particularmente perigosas e só podem ser adequadamente combatidas por ideias claras, formuladas em linguagem clara. Dalrymple, como Orwell antes dele, é dono de um estilo enganosamente singelo, que parece não lhe ter exigido o menor esforço e que se contrapõe aos jargões obscuros e ilegíveis por meio dos quais os membros da intelectualidade não dizem nada, salvo que pertencem todos ao mesmo clube. Apesar de sua experiência empírica, ou talvez por causa dela, Dalrymple não cai nunca na falácia de achar que uma longa viagem ou um contato pessoal lhe dariam acesso privilegiado a alguma profunda verdade. Em vez disso, prefere elaborar hipóteses explicativas recorrendo aos mais diversos tipos de informação. Um bom exemplo é sua análise a respeito da degradação que viu em Havana. Dalrymple se pergunta por que a ditadura cubana deixou a outrora bela capital do país cair aos pedaços, e descobre uma razão ideológica: a necessidade de apagar a memória da cidade. O olhar cético e inquisitivo lhe permite ver e entender um passado que a ideologia, a correção política, os consensos oportunistas e a burrice pura e simples soterram sob espessas camadas de blá-blá-blá. Do mesmo modo, a clareza e a disposição de formular perguntas que o "clima intelectual" e seus representantes consideram de mau gosto (ou de direita, racistas, islamofóbicas etc.) permitem a ele chegar a respostas que apontam o rumo para onde as coisas se encaminham. Vejamos um caso. Em 7 e 9 de janeiro deste ano, jovens terroristas islâmicos perpetraram, em Paris, dois massacres que pegaram muitos analistas de surpresa. Dalrymple provavelmente não estava entre esses. Num dos ensaios mais importantes de seu livro, "Os bárbaros nos portões de Paris", referindo-se aos imigrantes, em particular aos muçulmanos, ele escreveu: "A França tem lidado com a situação resultante da pior forma possível. A menos que ela assimile com sucesso esses milhões de pessoas, o seu futuro será sombrio. (...) Os habitantes das cites (periferias urbanas que concentram os imigrantes) se encontram excepcionalmente bem armados. (...) Uma população profundamente alienada se encontra, dessa forma, armada até os dentes. (...) O proselitismo islâmico floresce nas prisões francesas (onde 60% dos detentos são de origem imigrante), como acontece nas prisões britânicas". Esse texto premonitório foi escrito e originalmente publicado em 2002, treze anos antes dos atentados ao Charlie Hebdo. A CIDADE SEM MEMÓRIA “Havana ostentava a refutação material de toda a historiografia apoiada pelo ditador (Fidel Castro) — a historiografia que justificou sua ditadura por quarenta anos. Segundo seu relato, Cuba era uma pobre sociedade agrária. As massas estavam afundadas na mais abjeta miséria e pobreza. Mas, em vez disso, Havana era uma cidade extensa, portadora de extraordinária riqueza e grandeza, apesar de haver uma coexistência entre riqueza e extrema pobreza (...). Portanto, tornou-se ideologicamente essencial que os traços materiais e mesmo a própria memória dessa sociedade fossem destruídos.” - Trecho do ensaio "Por que Havana estava condenada". O COLAPSO MORAL “Para Virgínia Woolf, o patriotismo é apenas uma das muitas 'lealdades irreais' contra as quais ela se rebela. Lealdade à escola, universidade, igreja, clube, família, às tradições e estruturas de qualquer tipo é, para ela, o equivalente à alienação em Marx. (...) Lealdade a si mesma seria a única e real lealdade. Não é de estranhar que uma pensadora tal como a sra. Woolf, com sua latente desonestidade emocional e intelectual, provoque o colapso de todas as distinções morais, uma técnica vital a todas as escolas do ressentimento.” - Trecho de "A cólera de Virgínia Woolf". A ANTISSOCIEDADE FRANCESA “Uma espécie de antissociedade cresceu dentro dessas cites — uma população que deriva o significado de suas vidas a partir do ódio que nutre pelo outro, a 'oficial' cidade francesa. Essa alienação, esse abismo de desconfiança — maior do que qualquer outro que encontrei pelo mundo, incluindo as cidades segregadas da África do Sul durante os anos do apartheid — estão escritos na face dos jovens. (...) É possível ver carcaças de carros incendiados e destroçados por toda parte. Incendiar coisas virou moda nas cites.” - Trecho de "Os bárbaros nos portões de Paris", ensaio publicado por Theodore Dalrymple em 2002, três anos antes das revoltas que sacudiram os banlieues da capital francesa. 6#2 LIVROS – TURISMO ESPERTO O saboroso Guia Secreto de Buenos Aires, do editor de VEJA Duda Teixeira, convida o visitante a se embrenhar nos aspectos mais inusitados das ruas portenhas. O fantasma de Carlos Gardel assombra o Abasto Shopping, centro de compras de Buenos Aires construído sobre o local onde ficava um mercado muito frequentado pelo mítico cantor de tango. A lenda urbana aparece no primeiro parágrafo de Guia Secreto de Buenos Aires (Record; 208 páginas; 39 reais, ou 27 reais na versão eletrônica), de Duda Teixeira, editor de VEJA. Poucas páginas adiante, o autor corrige outra história folclórica, esta do bairro La Boca: não, as casas do Caminito, que se tornaram ponto turístico pelas cores exuberantes, não foram pintadas pela população pobre com restos de tintas usadas no porto — até porque não se costuma ver barcos com cores berrantes como laranja e roxo. O colorido característico foi obra de Benito Quinquela, artista plástico que enriqueceu e, a partir dos anos 30, dedicou-se a revitalizar o bairro humilde de onde viera. Este novo guia de Duda Teixeira (coautor, ao lado de Leandro Narloch, de Guia Politicamente Incorreto da América Latina) é um saboroso combinado de mitos locais, fatos históricos, dicas gastronômicas e curiosidades variadas dessa bela mas bagunçada capital que tem pretensões de ser a mais "europeia" das cidades da América do Sul. Dividido em verbetes e com pequenos mapas de cada bairro, o livro propõe uma modalidade de turismo que não se satisfaz só com os cartões-postais. O leitor é convidado a contemplar, por exemplo, o singular monumento à propina (sim, esta ainda é uma cidade sul-americana) que figura no prédio do Ministério do Desenvolvimento Social, ou a decifrar os símbolos maçons que se espalham por Buenos Aires — figurões da história argentina, como Domingo Sarmiento, presidente e autor do clássico Facundo, pertenciam à sociedade secreta. As mazelas e vergonhas da história argentina, como os desmandos populistas do governo Perón ou a tortura e os assassinatos da ditadura militar, também fazem parte do trajeto. No espírito de demolição dos mitos esquerdistas do guia anterior, o autor lembra o generoso financiamento público recebido pelas incensadas Madres de Plaza de Mayo para prestar apoio aos governos de Néstor e Cristina Kirchner. Ao lado disso, porém, estão indicações leves e prazerosas: lojas onde comprar um bom vinho malbec, ou um ranking dos melhores alfajores da cidade. Buenos Aires aparece, neste livro, com todas as cores e sabores. JERÔNIMO TEIXEIRA 6#3 MEMÓRIA – A DAMA CAIPIRA A paulistana Ignez Magdalena Aranha de Lima não gostava quando chamavam o estilo musical que ela tanto defendeu de "sertanejo". "É música caipira", corrigia. Inezita Barroso (sobrenome que adotou do marido, o advogado Adolfo Cabral Barroso), morta de insuficiência respiratória aguda no domingo 8, aos 90 anos, era mais do que uma cantora de modas de viola, modinhas e toadas. Foi uma estudiosa do folclore nacional. Como intérprete, ela se metamorfoseava numa moradora do campo, com todos os seus dialetos, trejeitos e matutices — era o que fazia exemplarmente em Marvada Pinga, um dos maiores sucessos de sua carreira. A cantora nasceu em 1925, no bairro da Barra Funda. Os primeiros contatos com o gênero musical que ela amou e honrou se deram ainda na infância, quando Inezita passava os fins de semana na fazenda da família, no interior de São Paulo. Foi contratada, em 1954, pela Rádio Record (e posteriormente também pela TV) para comandar um programa dedicado à música regional. Em mais de sessenta anos de carreira, gravou cerca de oitenta LPs, emplacou sucessos como Lampião de Gás, foi a primeira intérprete de Ronda, de Paulo Vanzolini, e atuou em sete filmes. Um deles, Mulher de Verdade, rendeu a ela o Prêmio Saci de melhor atriz. A propriedade com que defendia a cultura folclórica veio de sua educação formal (era formada em biblioteconomia) e de suas andanças pelo país. Nos anos 60, ela viajou de jipe até a Paraíba, onde iria estrelar um filme, ouvindo e estudando as manifestações culturais dos locais que visitava. Nos últimos 35 anos, comandou o Viola, Minha Viola, programa da TV Cultura dedicado à música caipira. Muitas vezes abriu as portas dele para astros da nova geração que demonstravam devoção pela canção regional, como, por exemplo, o cantor Daniel. Mas não, ela nunca se afeiçoou ao sertanejo moderno. Foi caipira até o fim. “Se a gente não tiver um passado, o que vai sobrar? As pessoas não sabem o que são as modas de viola.” - Inezita Barroso SÉRGIO MARTINS 6#4 CINEMA – A OPERÁRIA-PADRÃO Aos 40 anos, as atrizes de Hollywood entram em pânico. Julianne Moore, de 54, trabalha sem parar (e sempre bem). ISABELA BOSCOV É só em parte graças aos acasos da distribuição nacional que Julianne Moore protagoniza dois filmes que acabam de entrar em cartaz, e mais um a estrear nesta quinta-feira: por força de versatilidade, dedicação e um apetite voraz por experiências, Julianne tem mantido um nível de atividade quase sem paralelo entre as atrizes na sua faixa de idade. Mesmo, aliás, entre as tão versáteis, dedicadas e famintas quanto ela, como Laura Dern ou Laura Linney: Julianne é conhecida também por ser uma topa-tudo e um pau para toda obra, profissional com quem é fácil conviver e um prazer trabalhar. Some-se a esses atributos e à carreira tão consistente o fato de que em Para Sempre Alice (Still Alice, Estados Unidos/França, 2014), já nos cinemas, ela interpreta uma mulher de 50 anos que se vê acometida pelo Alzheimer de início precoce, e não havia mesmo como tirar dela o Oscar ganho há poucas semanas: filmes de doença são tiro e queda quando o assunto é estatueta, e mais ainda quando a Academia andava devendo reconhecimento ao ator. O que é quase uma pena. Tão tíbio e tímido quanto Amor, de Michael Haneke, era franco e implacável, Para Sempre Alice recua — ou bate em retirada mesmo — toda vez que a violência do Alzheimer ameaça ferir as regras da politesse. Neurolinguista brilhante casada com um neurologista (Alec Baldwin), Alice nota que há algo errado quando, correndo no câmpus da universidade, ela por alguns minutos não consegue lembrar que lugar é aquele, nem como sair de lá. Julianne torna o pânico de Alice palpável, urgente. Em outra cena, a de um jantar em comemoração ao seu aniversário, ela delicadamente dirige a atenção da plateia para seu comportamento e convida-a a perscrutá-lo: a vaga distração e ansiedade que ela demonstra é só isso mesmo, ou deveríamos já estar detectando ali os sintomas da obliteração mental? Todos os golpes da dissolução do self, que o paciente acompanha ao mesmo tempo como vítima e espectador impotente, estão assinalados — mas nenhum deles é explorado. O Alzheimer de início precoce é quase sempre hereditário, e é provável que Alice o tenha transmitido a algum de seus três filhos. Mas essa questão sísmica para os jovens que talvez estejam assistindo a um trailer de seu próprio futuro é resolvida com um telefonema e enxotada do roteiro. Outra questão dramática, a dos planos de Alice para o suicídio, ganha desfecho de telefilme. Só quando ela e sua filha mais nova — uma interpretação superlativa da Kristen Stewart, de Crepúsculo — ficam sozinhas é que se abate a tristeza fustigante do desaparecimento de Alice. Talvez a reticência dos diretores Richard Glatzer e Wash Westmoreland se deva a um fato não menos triste: Glatzer, que morreu na terça-feira passada, estava já nos estágios avançados da esclerose lateral amiotrófica durante a filmagem, e registrar a degradação da mente enquanto se vive a do corpo deve ter sido um sofrimento indescritível. Freios, entretanto, é o que definitivamente não há no filme pelo qual Julianne ganhou o prêmio de melhor atriz no último Festival de Cannes — Mapas para as Estrelas (Maps to the Stars, Canadá/Estados Unidos/França/Alemanha, 2014), de David Cronenberg, que estreia nesta quinta-feira. No papel de Havana Segrand, uma atriz desesperada com outro tipo de dissolução do self — as ofertas de trabalho cada vez mais escassas e a fama cada vez mais longínqua —, Julianne descarta todo o bom gosto, a moralidade e até a humanidade: ao saber da morte de uma criança (o que, por vias tortuosas, convém aos seus planos de estrelar um certo filme), ela faz cara compungida na frente da amiga que lhe dá a notícia, e convence a plateia de que está mesmo chocada, como qualquer um ficaria. Assim que a amiga vira as costas, porém, ela sai dançando e cantando Na Na Hey Hey Kiss Him Goodbye, a música com que, nos estádios americanos, uma torcida provoca a outra quando está para ganhar o jogo. Ninguém se salva nesse conto feroz de ego e egoísmo em Hollywood, mas Havana é verdadeiramente um monstro — e Julianne, incitada por Cronenberg, ataca com sanha e virtuosismo as facetas mais feias, torpes e brutais de sua personagem. Quem assistir antes à fantasia O Sétimo Filho (Seventh Son, Estados Unidos/Inglaterra/Canadá/ China, 2015), que já está em cartaz, vai notar a ironia: Julianne faz cara tempestuosa no papel de uma bruxa — mas é quando faz cara de meiga e compreensiva em Mapas para as Estrelas que ela realmente dá medo. 6#5 FOTOGRAFIA – A COR DA BANALIDADE O fotógrafo William Eggleston, dândi excêntrico que registrou a "poesia cotidiana" do sul dos Estados Unidos nos anos 60 e 70, é tema de uma mostra no Rio de Janeiro. MARCELO MARTH Herdeiro de um clã tradicional de plantadores de algodão no Delta do Mississippi, o americano William Eggleston consumiu os anos 60 e 70 em viagens sem destino pela região. De bar em bar, fumando adoidado e bebendo seus bons drinques, ele arrumou pequenas confusões com a polícia e se engraçou com belas sulistas (sua mulher e companheira de baladas fazia vista grossa). No meio do agito, Eggleston sacava sua câmera Leica para fotografar o que via ao redor: os frequentadores dos bares, gente comendo hambúrgueres em lanchonetes, cenas de beira de estrada e objetos prosaicos como uma velha luminária instalada no teto de um pardieiro. Nesse clima de decadente sofreguidão, Eggleston captou as imagens que fariam dele um desbravador e a maior autoridade viva em certo filão da fotografia: a arte dos registros em cores. O público brasileiro poderá conferir 172 trabalhos do artista na retrospectiva que entra em cartaz neste sábado, 14, na sede carioca do Instituto Moreira Salles. Será a chance, ainda, de conhecer o componente pessoal que completa a lenda. Dândi endiabrado, Eggleston carrega o epíteto de Keith Richards da fotografia. Aos 75 anos, continua, aparentemente, com a corda toda: veio passar alguns dias no Rio — e quer fotografar a cidade. "Não tenho ideia do que vou encontrar por aí. Mas, se me arrumarem um carro e um motorista, poderei me virar", disse ele a VEJA de Memphis, por telefone, pouco antes de viajar com o filho Winston, que faz as vezes de assessor e de controlador dos excessos paternos. Com voz grave e pastosa, alternando as frases secas com silêncios típicos de suas entrevistas, Eggleston fez um pedido: "O essencial é que o motorista conheça bem cada buraco da cidade". Eggleston ainda levava sua carreira flanando quando, em 1976, foi tema de uma mostra histórica no MoMA, em Nova York. Até então, os fotógrafos que aspiravam ao status de artistas faziam imagens em preto e branco. O colorido era uma vulgaridade só aceita na publicidade. Eggleston seguiu de início o dogma afetado, mas logo percebeu as possibilidades das cores. A mostra no MoMA fez dele uma figura tão amada quanto odiada, e acabou sendo prenúncio de sua influência. Hoje, seu estilo tornou-se tão lugar-comum, do cinema aos editoriais de moda, que é difícil ter noção do impacto que causava na década de 70. "As pessoas não viam as fotos coloridas como arte porque não prestavam atenção em artistas como eu", diz. Cineastas como David Lynch e Sofia Coppola nunca esconderam o apreço por suas imagens capazes de capturar a "poesia do banal". À maneira da pintura de Edward Hopper, as fotos de Eggleston são testemunhos introspectivos (e com um fio de melancolia) da passagem de um país rural para os Estados Unidos do rock'n'roll e das redes de fast-food. Frequentador das festas de Andy Warhol na Nova York dos anos 70, ele também tem um pé na arte pop. Mas, em uma era na qual redes sociais como o Instagram difundem os flagrantes que todo mundo produz com os celulares, seu trabalho permite refletir: o que, afinal, separa o diletante do verdadeiro fotógrafo? Para Eggleston, há toda a diferença: "Na composição e equilíbrio de cores, minha fotografia é tão pensada quanto a pintura — com a diferença de que tenho de processar tudo na rapidez de um clique. Ou você tem essa sensibilidade, ou não tem". Sensibilidade aguda: ele faz muitas fotos sem sequer conferir o visor da câmera. Aí, claro, entra em cena a lenda do artista excêntrico. Sempre vestido de modo impecável, Eggleston já recebeu um repórter deitado na cama, em aparente estado de catatonia. Nos anos 90, diante do pedido dos escoceses da banda Primal Scream para usar uma foto sua na capa de um CD, exigiu que tocassem uma música para ver se gostava. O grupo se assustou quando o velhinho se jogou de joelhos no chão e gritou, alucinado pelo bourbon, o nome do bluesman famoso: "Bo Diddley! Bo Diddley!". Eis uma vida de cores fortes. 6#6 VEJA RECOMENDA CINEMA GOLPE DUPLO (FOCUS, ESTADOS UNIDOS, 2015. JÁ EM CARTAZ NO PAÍS) • Antes um estrondo na bilheteria, Will Smith sentiu o chão fugir de debaixo de seus pés com fiascos como o drama Sete Vidas e, sobretudo, a ficção científica Depois da Terra, com a qual pretendia pôr na mesma trilha de sucesso seu filho Jaden, então com 14 anos. Escaldado, Smith procura agora reaprumar a si próprio fazendo o que sempre fez melhor — explorar seu charme inegável em uma história ligeira, atraente e bem urdida. Ele é Nicky, que coordena uma equipe especializada em pequenos golpes: bater carteiras, chantagear maridos adúlteros, viciar apostas, todas atividades que não chamam atenção mas, em atacado, são surpreendentemente lucrativas. Quando Jess (Margot Robbie, de O Lobo de Wall Street), uma loira espetacular, tenta aplicar um golpe nele, Nicky desfaz as ilusões dela — mas consente em treiná-la e integrá-la ao time. De ardil em ardil, surgem personagens deliciosos como um apostador contumaz (BD Wong) e Owens (Gerald McRaney), capanga do milionário argentino interpretado por Rodrigo Santoro. A dupla de diretores Glenn Ficarra e John Requa, de Amor a Toda Prova e O Golpista do Ano (também com Santoro), conduz o enredo com bom ritmo e tiradas espirituosas. O AMOR É ESTRANHO (LOVE IS STRANGE, ESTADOS UNIDOS/FRANÇA/BRASIL/GRÉCIA, 2014. JÁ EM CARTAZ NO PAÍS) • A nota inicial é de alegria: depois de uma vida inteira juntos, George (Alfred Molina) e Ben (John Lithgow) finalmente podem se casar no civil, cercados dos amigos e familiares. É o casamento no papel, porém, que faz com que George seja demitido do emprego como maestro do coro de uma igreja. Ben já está aposentado, e sua renda é pequena. Fica impossível a eles manter o apartamento em Manhattan de que tanto gostam — e por cuja venda recebem uma ninharia, em razão de picuinhas fiscais e estatutárias. Enquanto tentam se reerguer, Ben se hospeda com a família de um sobrinho e George vai dormir no sofá da sala de amigos; tudo menos mudar-se para longe de Manhattan, como sugere uma sobrinha que tem casa e boa vontade ao dispor deles. E assim, por causa de coisas inocentes como otimismo demais e senso prático de menos, pouco a pouco o tecido da amizade e do afeto familiar, que parecia indestrutível, vai se esgarçando no atrito diário da convivência. Especialmente tumultuada é a relação do velho Ben com Joey (o ótimo Charlie Tahan), o garoto adolescente cujo beliche ele "roubou", e que se provará o fio narrativo mais tocante deste que é o melhor filme da carreira do diretor Ira Sachs, de Deixe a Luz Acesa. DVD AS DUAS FACES DE JANEIRO (THE TWO FACES OF JANUARY, INGLATERRA/FRANÇA/ ESTADOS UNIDOS, 2014. IMAGEM) • A escritora americana Patrícia Highsmith (1921-1995) coloria suas tramas de paixão e morte com uma violência insidiosa que se alastrava em existências de aparente placidez. Como a de Colette (Kirsten Dunst) e Chester MacFarland (Viggo Mortensen), casal elegante em férias na Grécia, no verão de 1962. Eles atraem a atenção do trambiqueiro Rydal (Oscar Isaac), que se apressa em lhes oferecer seus préstimos como guia turístico. Todos acabam recebendo mais do que esperam. MacFarland, na verdade, é um foragido procurado por golpes que aplicou em gente graúda nos Estados Unidos. E Colette descobre a fúria insana de que o marido é capaz ao ver-se acuado. Resta a Rydal levá-los até a Ilha de Creta, onde conseguirão passaportes falsos para desaparecer na Europa. Ainda que o diretor e roteirista Hossein Amini dilua as razões nebulosas que unem o triângulo — o jovem nutre uma atração freudiana pelo velho escroque —, a carpintaria perversa de Patrícia Highsmith prevalece. Não é coincidência, portanto, a semelhança com O Talentoso Ripley, outro filme com a marca registrada da autora. DISCO REBEL HEART, MADONNA (UNIVERSAL) • Em novembro do ano passado, um hacker invadiu o computador de Madonna e espalhou pela rede um rascunho do que seria o novo disco da cantora. Ela respondeu então com o pronto lançamento, nas lojas virtuais, de seis novas canções e pediu que os fãs esperassem pelo material. Rebel Heart é essa obra que desde então seu público espera, agora finalizada. É um disco longo, com dezenove faixas. De certo modo, embora os temas centrais se misturem, há aqui dois álbuns, e talvez até se possa falar em duas Madonnas. A primeira delas trata de amores perdidos e de sua inadequação ao circo pop atual ("num mundo que está mudando, eu sou uma estranha numa terra estranha", lamenta em Wash All Over Me, um dos melhores momentos do álbum). A outra é a Madonna lasciva e cheia de autoconfiança, presente em faixas como Veni Vidi Vici e Holy Water. Musicalmente, é um de seus trabalhos mais versáteis, que vai do reggae (Unapologetic Bitch) ao folk eletrônico do produtor Avicii (Devil Pray). Também traz uma feliz colaboração com o megalomaníaco Kanye West (Illuminati, em que Madonna mostra talento como rapper). LIVRO A AMÉRICA NÃO EXISTE, DE ANTONIO MONDA (TRADUÇÃO DE JOANA ANGÉLICA D'AVILA MELO; ALFAGUARA; 272 PÁGINAS; 39,90 REAIS) • Ao chegar de navio a Nova York, o jovem Nicola decepciona-se com a Estátua da Liberdade, um monumento "retórico e pesado". Sua visão implacável contrasta com a de Maria, sua irmã, sempre mais compassiva. Originários de uma pequena localidade no sul da Itália, os irmãos adolescentes perderam os pais em um acidente de carro e por isso tiveram de se mudar para os Estados Unidos, nos anos 50, para ficar sob os cuidados de um tio que enriqueceu negociando imóveis em Nova York. Jornalista, escritor, professor universitário e eventual diretor de cinema, o italiano Antonio Monda sabe bem o que é desbravar Nova York: tornou-se uma figura fácil nos meios literários da cidade, onde costurou relações para convidar figurões como Martin Amis e Ethan Coen para um festival literário que promove. A América Não Existe é uma declaração de fascinado amor pela cidade, vista pelo olhar às vezes duro, às vezes sentimental dos dois protagonistas. 6#7 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- Cinquenta Tons de Cinza. E.L. James. INTRÍNSECA 2- Cinquenta Tons Mais Escuros. E.L. James. INTRÍNSECA 3- Cinquenta Tons de Liberdade. E.L. James. INTRÍNSECA 4- O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 5- Divergente. Veronica Roth. ROCCO 6- Insurgente. Veronica Roth. ROCCO 7- Se Eu Ficar. Gayle Forman. Novo Conceito 8- Para Onde Ela Foi. Gayle Forman. NOVO CONCEITO 9- Convergente. Veronica Roth. ROCCO 10- O Mundo de Gelo & Fogo. George R.R. Martin, Elio M. García Jr. e Linda Antonsson. LEYA BRASIL NÃO FICÇÃO 1- Eu Fico Loko. Christian Figueiredo de Caldas. NOVAS PÁGINAS 2- Nada a Perder 3. Edir Macedo. PLANETA 3- A Teoria do Tudo. Jane Hawking. ÚNICA 4- Bela Cozinha: As Receitas. Bela Gil. GLOBO 5- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 6- Sniper Americano. Chris Kyle. INTRÍNSECA 7- Diário de um Adolescente Apaixonado. Rafael Moreira. NOVAS PÁGINAS 8- O Capital no Século XXI. Thomas Piketty. INTRÍNSECA 9- História do Mundo sem as Partes Chatas. Dave Rear. CULTRIX 10- Sonho Grande. Cristiane Correa. PRIMEIRA PESSOA AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Philia. Padre Marcelo Rossi. PRINCIPIUM 2- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 3- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 4- Geração de Valor. Flávio Augusto da Silva. SEXTANTE 5- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 6- De Volta ao Mosteiro. James Hunter. SEXTANTE 7- O Poder da Escolha. Zibia Gasparetto. VIDA & CONSCIÊNCIA 8- 60 Dias Comigo. Pierre Dukan. BEST SELLER 9- O Livro do Bem. Ariane Freitas e Jessica Grecco. GUTENBERG 10- Eu Não Consigo Emagrecer. Pierre Dukan. BEST SELLER 6#9 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – QUAL A SAÍDA? No esplêndido Vida e Destino, romance do russo Vassili Grossman (1905-1964) recém-lançado no Brasil, a certa altura o general Guriev empenha-se numa curiosa discussão com o comissário Krímov. O romance se passa na II Guerra Mundial; o pano de fundo é a Batalha de Stalingrado, a mais cruel e decisiva no front soviético. Guriev, personagem que existiu na vida real, queixa-se dos jornalistas. "Os f. da p. ficam sentados à beira do Volga, no fundo da retaguarda, não vêem nada e escrevem." Já Tolstoi, argumenta, construiu o imorredouro Guerra e Paz por quê? Porque "participou, lutou, e sabia sobre o que escrever". Krímov interrompeu-o: "Perdão, camarada general, mas Tolstoi não participou da guerra". Guriev: "Como assim, 'não participou'?". "Muito simples", respondeu Krímov. "Tolstoi nem era nascido ao tempo das guerras napoleônicas." Guriev enfureceu-se: "Não era nascido? Como não era nascido? Como ele foi escrever, se não era nascido?". Seguiu-se tempestuosa discussão; Guriev não podia se dar por vencido. Na placidez do domingo 8, Dia da Mulher, o discurso da presidente Dilma na TV pegou este escrevinhador num intervalo da leitura de Vida e Destino. De novo, a culpa era da crise internacional! A comandante Rousseff negava a realidade como o general Guriev. Quem estava na janela batendo panela perdeu uma histórica peça de desconversa e mistificação. A crise internacional, essa malvada! Esqueçam-se os fatos, desloquem-se as datas. Rousseff, como Guriev, não pode se dar por vencida. As trapalhadas se multiplicam. A característica dificuldade da presidente de articular o discurso manifestou-se na entrevista que deu no Acre, na quarta-feira, ao justificar o encontro de poucas horas antes, em Brasília, com o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal. Na véspera havia sido anunciado que Toffoli será deslocado para a turma do STF que julgará o caso da Petrobras, de forma a completá-la como o quinto integrante. Por que o encontro justamente nesse dia? Não se desconfiaria que era por causa do julgamento? Resposta de Rousseff, no esplendor do estilo Rousseff: "Porque hoje era o dia que eu podia e ele podia. Eu podia, mas quase que não podia, porque eu vinha para cá. Mas, como tem duas horas de fuso, fiz a reunião". Acompanhemos as tortuosidades da mente presidencial. A primeira justificativa é a mais indiscutível possível, nesse e em todos os encontros, entre quaisquer pessoas, em qualquer lugar: porque um e o outro podiam. Mas logo ela se lembra que está no Acre, e que sua agenda não estava tão livre. Ou seja: "quase que não podia". Lá no fundo um sinal de alerta lhe está soando: "Bem que eu poderia ter cancelado o encontro. A hora não era oportuna, e havia uma boa desculpa". Como sair dessa? "Ah, sim, vou dizer que o fuso me dava umas horas a mais." O deslocamento de Toffoli entre as turmas do STF foi articulado pelo insuspeito ministro Gilmar Mendes. Não há razão para desconfiança. O encontro com Dilma estava marcado havia tempos, como Toffoli comprovou, e trataria da criação de um registro único para substituir RG, CPF e título de eleitor, entre outros documentos. Mas a hora era inoportuna, e a reunião bem que poderia ter sido desmarcada. Todas essas razões, assaltando-lhe a mente, produziram mais um hit do discurso presidencial. Reclamava-se da ausência da presidente, escondida até dias atrás. Ela reaparece e o resultado é que a crise cresce e cada vez mais se corporifica e se resume em sua pessoa. Qual a saída? É difícil dizer qual a melhor, mas a pior é fácil: o processo de impeachment. Se o ambiente já está carregado, com os cafajestes de um lado xingando a presidente de "vaca" e os do outro prometendo botar "exércitos" na rua, imagine-se o que seria a fase do enfrentamento nas esquinas, como o das torcidas de futebol. Impeachment, como disse o presidente Fernando Henrique, "é como bomba atômica; é para dissuadir, não para usar". Dilma e o PT acusam os adversários de desejar um "terceiro turno". Collor já acusava de "terceiro turno" a mobilização contra seu governo. O PT ensaiou um terceiro turno com o "Fora FHC". Imagine-se o tamanho do "terceiro turno" que o PT provocaria caso o resultado da eleição tivesse sido o inverso, com Aécio ganhando por pouco de Dilma. A novidade da temporada é que os adversários aprenderam a agir como o PT. Há muito contra o que esbravejar nas ruas. Corrupção, desgoverno, mentiras, ineficiências. Já atiçar a bomba do impeachment é dar um passo rumo à guerra civil branca.