0# CAPA 18.2.15 VEJA www.veja.com Editora ABRIL Edição 2413 – ano 48 – nº 7 18 de fevereiro de 2015 [descrição da imagem: a capa demostra estar embrulhada em um papel azul, um pouco transparente, por onde é possível enxergar algumas páginas que fazem parte desta edição. No meio da capa, uma faixa amarela, como um fita adesiva fechando o pacote, e nesta fita está escrito: PARA ABRIR SÓ DEPOIS DO CARNAVAL] _______________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# ECONOMIA 5# INTERNACIONAL 6# GERAL 7# ARTES E ESPETÁCULOS _____________________________ 1# SEÇÕES 18.2.15 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – LER JÁ OU DEPOIS? VOCÊ DECIDE 1#3 ENTREVISTA – LUIZ FERNANDO PEZÃO – A CHANCE DE UM VOO-SOLO 1#4 ARTIGO – J.R. GUZZO – NA RUA, O PRÓ-FURTO 1#5 LYA LUFT – A NAÇÃO ESTARRECIDA 1#6 LEITOR 1#7 GUSTAVO IOSCHPE – DILMA SHIVA ATACA NOVAMENTE 1#8 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM A HISTÓRIA DA DOR A dor é mais que uma sensação física. Para a historiadora neozelandesa Joanna Bourke, a extensão do sofrimento humano é também definida por aspectos culturais, sociais e emocionais, modificados ao longo dos séculos. Em seu livro The Story of Pain (A História da Dor), a professora da Universidade de Londres revela como o homem suporta suas dores desde a Antiguidade. "A ideia de que elas são um mal que deve ser imediatamente eliminado por pílulas ou operações é um fenômeno pós-II Guerra Mundial. Passamos a lidar com a dor não com rezas ou orações, mas com analgésicos", afirma. Em entrevista ao site de VEJA, Joanna conta como as pesquisas científicas contribuíram para a nossa visão contemporânea do sofrimento e explica os números crescentes de overdose de analgésicos, em um mundo em que metade da população vive com dores crônicas. “É PRECISO INVESTIR EM GÁS" Para superar os gargalos do setor energético, o Brasil precisa cair na real. É o que afirma Ashley Brown, diretor do grupo de política energética da Universidade Harvard. "Os vastos recursos hídricos do Brasil criaram uma sensação ilusória de conforto", diz, em entrevista ao site de VEJA. Segundo ele, a curto prazo é imperativo tornar o mercado de gás natural mais eficiente e competitivo. A longo prazo, a meta é investir em fontes renováveis e diversificar a matriz. MULHERES RICAS EM CINQUENTA TONS Cinquenta Tons de Cinza não é apenas o filme mais aguardado do ano. É também o mais esperado pelas Mulheres Ricas. Fãs da série erótica de E.L. James, Brunete Fraccaroli, Cozete Gomes e Regina Manssur, ex-estrelas do reality show da Band, participam de um debate sobre o livro e suas expectativas para o longa, que acaba de estrear no país. "A cultura brasileira não está preparada para o sadomasoquismo", disse a empresária Cozete. Já Brunete, que contou ter pensado que o livro fosse sobre arquítetura, sua área de atuação, achou a história uma versão picante de Cinderela. Mais: • O Clube do Livro de TVEJA discute Cinquenta Tons e a literatura erótica • Teste seus conhecimentos sobre a saga • Descubra quem você é no universo da britânica E.L. James TREINAMENTO BEM REMUNERADO Salário inicial de 6000 reais, auxílio-moradia, viagens internacionais e bônus de 50.000 reais podem parecer privilégios de profissionais experientes, mas são só algumas vantagens que empresas de diversos setores oferecem para reter jovens e promissores trainees. Reportagem do site de VEJA mostra que alguns processos de seleção estão mais concorridos que concursos públicos. 1#2 CARTA AO LEITOR – LER JÁ OU DEPOIS? VOCÊ DECIDE A proposta da capa de VEJA desta semana é um convite bem-humorado, uma maneira de demonstrar que acreditamos na reflexão que uma das reportagens especiais da revista faz sobre a necessidade que o cérebro tem de, vez ou outra, isolar-se dos impulsos externos. O cérebro é a sede da inteligência, mas ele não tem a capacidade de selecionar o que atinge seus centros de processamento, desprezando de antemão e sem esforço o que não interessa. O cérebro processa tudo o que lhe chega na forma de sons e imagens ou pelo olfato, paladar e tato. Só depois de gastarem um bocado de energia, os neurônios definem o que merece ser guardado na memória de longo prazo e o que pode ser refugado. Muito do que chega ao cérebro neste tempo de conexão digital permanente por celular, tablet e computador tem sobre a rede neuronal o mesmo efeito do açúcar no organismo de um diabético. Exige um trabalho inútil que intoxica e dessensibiliza os pensamentos e as emoções. O Carnaval é um período adequado para dar-se uma folga e consumir menos ou nenhuma informação convencional, desligar-se dos aparelhos conectados que, feitos para nos libertar, estão em muitos casos nos escravizando. A ousadia de convidar nossos leitores a uma pausa é também o reconhecimento de que raramente se teve como em 2015 uma tempestade de fatos negativos que, por dever de ofício, fomos obrigados a despejar sem descanso nas páginas da revista impressa, em VEJA on-line e nas versões digitais para tablets e smartphones. Sabemos que a sugestão da capa de que a revista só seja aberta na Quarta-Feira de Cinzas vai aguçar a curiosidade sobre seu conteúdo. Quem não resistir a adiar o reencontro com a realidade para depois do Carnaval e abrir VEJA vai ter em mãos uma revista rica em informações exclusivas e com os fatos mais relevantes da semana analisados e contextualizados. Ler já ou só depois, você decide! 1#3 ENTREVISTA – LUIZ FERNANDO PEZÃO – A CHANCE DE UM VOO-SOLO Um dos grandes defensores da candidatura própria do PMDB em 2018, o governador do Rio demarca as diferenças com o PT, admite falhas e diz que nunca viu um centavo do petróleo. MONICA WEINBERG E THIAGO PRADO Vice ao estilo faz-tudo de Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, agora governador do Rio de Janeiro, tornou-se um dos grandes articuladores do projeto de poder de seu partido, o PMDB. A amizade com a presidente Dilma Rousseff não o impede de demarcar as diferenças com o PT e já mirar 2018. Aos 59 anos. 33 dos quais na política, Pezão tem pela frente desafios ainda maiores do que os seus pés tamanho 48 (daí o apelido). Precisa estancar uma crise na segurança que compromete os ganhos nas UPPs, lidar com a iminência da falta d'água, correr para se aproximar da meta de despoluição da Baía de Guanabara até a Olimpíada e talvez ainda encarar os desdobramentos da Operação Lava-Jato — assuntos espinhosos dos quais não se esquivou nesta entrevista a VEJA. O senhor tem defendido veementemente o lançamento de um candidato do PMDB à Presidência em 2018. A união com o PT se desgastou? A questão essencial para mim é: se o PMDB serve para garantir a governabilidade, por que não serviria para governar? É um partido com capilaridade nacional, que tem a maioria dos prefeitos e dos deputados estaduais e funciona como fiel da balança no Congresso. Precisa se valorizar mais, para depois não se queixar de ter ficado só com secretaria e ministério sem peso, no papel de coadjuvante. Falei sobre isso com Eduardo Cunha e Renan Calheiros (presidentes da Câmara e do Senado), argumentando que o PMDB deve puxar a discussão do pacto federativo e das reformas política e tributária. Temos essa chance agora. Mas, afinal, há divergências ideológicas com o PT? Sou favorável a um Estado bem mais enxuto, que cuide de saúde, educação e segurança pública, enquanto o resto deve ser tocado em parceria com a iniciativa privada. Também sou inteiramente contra intervenções em setores como a mídia, que uma ala do PT quer regular. Outro ponto é a meritocracia. Por questões ideológicas, há gente no PT que não gosta da ideia, alegando que precisamos tratar a todos da mesma forma. Temos, sim, de tratar a todos de maneira igual, mas também saber diferenciar aqueles que fazem um esforço maior. Qual é o principal nome para o projeto PMDB 2018? Um nome bem-aceito hoje é o do prefeito Eduardo Paes. Pessoalmente, aposto que a Olimpíada do Rio vai credenciá-lo para a disputa. A ambição de voo-solo do PMDB não melindra os caciques petistas? Acho que não. Essas coisas são do jogo político. Não havia partido mais ligado ao PT do que o PSB, certo? E, mesmo assim, Eduardo Campos se lançou candidato e surgiu como terceira via. O PSB tinha um laço com o PT muito mais forte até do que o que tem o PMDB hoje, mas seguiu o seu voo-solo. O mais difícil não será a relação com os outros. Será a relação com os próprios membros. O maior desafio é unir um partido que, em cada estado, se mostra diferente. Como o senhor vê o futuro do PT? Já tenho tempo suficiente na política para saber que a situação hoje pode estar de um jeito e, daqui a seis meses, o vento pode mudar. Agora, há um evidente desgaste do PT. Já haveria de qualquer forma. São doze anos no poder. As urnas trouxeram uma mensagem clara: a população brasileira está dividida, meio a meio. Se o Aécio tivesse apresentado um desempenho melhor em Minas Gerais, a base dele, o resultado teria sido outro. Atualmente, é mais duro manter-se no poder no Brasil, porque os políticos estão sob a vigilância permanente de uma classe média que ascendeu, se tornou exigente e aprendeu a cobrar. A derrota do governo na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados é um indicador de que tem faltado à presidente Dilma Rousseff habilidade para manter sua base de apoio coesa? Acho a presidente Dilma uma pessoa séria e não escondo a admiração que tenho por ela, mas nessas costuras lhe falta mais vivência política, mais conhecimento do jogo do Legislativo. Passar por uma prefeitura, mesmo que seja a de uma cidade pequena, proporciona uma experiência e uma visão que ela não teve. O temperamento da presidente também pesa contra o equilíbrio dos arranjos políticos? Não sei. Comigo ela é um doce. Como Dilma reagiu à chapa Aezão, em que uma ala do PMDB fluminense trabalhou a favor da candidatura presidencial de Aécio Neves? Claro que não gostou, mas eu também não fiquei feliz com a candidatura do Lindbergh Farias ao governo do Rio (pelo PT) e engoli. São coisas que nosso sistema eleitoral admite e incentiva. O filho do ex-governador Sérgio Cabral, Marco Antônio, eleito deputado federal aos 23 anos, fez campanha aberta em prol de Aécio. A relação de Cabral com Dilma saiu estremecida? Não. Eles continuam a se falar com frequência. Ficam até uma hora ao telefone: conversam sobre filmes, livros e política. E o senhor, ainda escuta muito o ex-governador? Trocamos mensagens pelo WhatsApp o tempo todo. Foi ele quem lhe pediu que nomeasse o filho secretário de Esporte de seu governo? Não. Fiz a nomeação porque Marco Antônio é talentoso. Foi o mesmo princípio que norteou a recente escolha de seu enteado, Roberto Jardim, para o cargo de subprefeito na gestão Eduardo Paes? Sim. Ele tinha um futuro brilhante em seu escritório de advocacia, mas preferiu o caminho da política. Fui contra. Maluco na família basta um. Nesse meio, você tem de ter carcaça, para apanhar. Eu tenho. Voltando a Cabral, o senhor acha que ele seria um bom candidato à prefeitura do Rio em 2016? Ele tem dito que não quer, mas, se avaliar que é o caso, não há dúvida: é o candidato natural. Nestas últimas semanas, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, veio a público dizer que as ações do estado eram "pífias" na área social das favelas. Ele está reclamando demais? É, mas acho que é natural. Ele ouve muito os policiais. É verdade que precisamos melhorar, como diz Beltrame, mas é verdade também que todo mundo tem a tendência de olhar só para a sua área, sempre querendo mais, e eu, como governador, preciso arbitrar. Por que, depois de um período de redução da criminalidade no Rio, as taxas de roubo e homicídio voltaram a crescer e os casos de bala perdida não saem do noticiário? Houve, de fato, um recrudescimento do crime no Rio, e o ponto de inflexão foram as manifestações do ano passado, somadas ao caso Amarildo. A polícia saiu desses episódios desacreditada, enfraquecida, e recuou, enquanto os bandidos avançaram sobre esse vácuo, enfrentando a política de pacificação das UPPs. A palavra pacificação é adequada para descrever o que se passa nas favelas cariocas, onde se sabe que o crime ainda viceja? Nunca tivemos a utopia de acabar com o tráfico nas favelas, mas, sim, o intuito de romper com a lógica do domínio do território pelos bandidos. Nesse sentido, houve melhoras significativas. No Morro Dona Marta, onde plantamos a primeira UPP, não há registro de um único homicídio nos últimos cinco anos. Até o Alemão, um complexo ainda cheio de problemas, deixou de ser um lugar entrincheirado, com carro roubado para tudo que é lado e fuzis a cada esquina, como eu mesmo testemunhei no passado. Claro que o Alemão, assim como outras UPPs, têm muito que avançar, e vão. Qual é o plano para isso? Reconheço que houve um erro estratégico do comando anterior da PM, que afastou das UPPs o Bope e o Batalhão de Choque e deixou nos morros só aquele policial quase comunitário, menos preparado para o enfrentamento com os bandidos. Faltou a cobertura das tropas de elite. Foi uma falha, já corrigida. Agora, a segurança do estado tem sido o alvo preferencial dos palpiteiros de plantão, o tipo que mais se encontra no Rio. Não ajuda em nada. O cara que é especialista em enchente passa a ser especialista em falta d'água da noite para o dia, uma coisa extraordinária. A polícia do Rio é uma das mais corruptas do país e está no topo do ranking das que mais matam e morrem. O que está errado? É duríssimo mudar uma mentalidade que está entranhada na corporação há mais de dois séculos. Mexer com estruturas e procedimentos muito antigos leva tempo. Só nos anos em que estive no governo estadual, já vi passar por aqui mais de cinco, seis comandantes da PM, cada um com sua visão e seus anseios. Todos os esforços agora são para fazer uma escola de polícia mais enxuta e moderna, à base de inteligência e tecnologia. Para coibirmos mesmo o crime, porém, vamos precisar de mais ajuda federal Em que a ajuda federal faz mais falta? As rodovias que cortam o Rio estão menos policiadas. Não sei por que a vigilância baixou nessas rotas por onde chegam as drogas e armas que abastecem os morros. Só sei que é preciso reverter isso. Tenho pedido ao ministro José Eduardo Cardozo que reponha o contingente federal perdido, mas até agora não fui atendido. Seus adversários já abordavam o problema da água durante a campanha, principalmente em regiões como a Baixada Fluminense. Foi uma falha do governo não ter feito os investimentos necessários antes? Foi uma falha, sem dúvida, mas de todos os governos anteriores. Nós, pelo menos, saneamos as finanças na Cedae (empresa de água e esgoto do Rio), o que vai permitir que ela invista no que for necessário. Quando assumimos o estado, a Cedae dava 30 milhões de reais de prejuízo por mês. Hoje dá lucro. Sua grande responsabilidade para a Olimpíada de 2016 é despoluir a Baía de Guanabara. Afinal, a promessa de 80% do esgoto tratado será cumprida? Tenho o dinheiro e os esforços estão concentrados nisso, mas, infelizmente, são tantos os obstáculos burocráticos e as amarras que vão aparecendo pelo caminho que não dá para dizer "vou entregar os 80%". Sem dúvida, haverá melhorias visíveis em 2016. Agora, se não chegarmos aos 80%, ficaremos em 60%, 70% até os Jogos, sem recuar depois. Quero a Baía de Guanabara 100% limpa, nem que seja em 2017, 2018. Circula a notícia de que seu nome estaria citado na lista dos políticos que receberam dinheiro do petrolão. O que o senhor tem a dizer? Não tenho ideia do contexto em que meu nome estaria incluído, mas o que posso afirmar e deixar registrado é que nunca recebi dinheiro nenhum em minha conta. Aliás, jamais tive conta no exterior. Se tem o meu nome lá, não estou nem sabendo. Sua campanha não recebeu recursos do propinoduto? Se teve, todos os partidos brasileiros podem ter tido. Você pede a doação e não pergunta: "Vem cá, esse dinheiro veio da Petrobras?". Só para ficar claro: estamos falando de dinheiro do petrolão e não declarado, verba de caixa dois. Sua campanha obteve algum recurso dessa natureza? Dinheiro da Lava-Jato na minha campanha? Chance zero. Na campanha de Sérgio Cabral, em 2010? As contas foram aprovadas há tempos. O senhor conhece Fernando Baiano, apontado nas investigações da Lava-Jato como operador do PMDB no esquema? Se cheguei perto dele, nem sabia quem era. O Paulo Roberto Costa eu conheci por ser o homem da Petrobras que cuidava do Comperj (complexo petroquímico carioca). Vou a qualquer foro. Coloco-me à disposição do Sérgio Moro e do Ricardo Lewandowski. Depois pode me cobrar pelo que digo aqui. Só espero mesmo que a Petrobras saia da crise e da paralisia. O Rio e o Brasil já perderam muitos bilhões. 1#4 ARTIGO – J.R. GUZZO – NA RUA, O PRÓ-FURTO O ex-presidente Lula, a presidente Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores vivem no momento um desses dilemas que só eles são capazes de criar para si próprios. Estão sendo cobrados com urgência, pelos cultos que se consideram mais à "esquerda" dentro do partido, para colocar "o povo na rua" — como sempre, a única ideia que conseguem ter, junto com sua torcida na internet, quando o governo fica nu diante dos fatos. Para eles, essa seria a grande resposta, na falta de qualquer outra defesa coerente, para proteger o PT e seu "projeto" da surra cada vez mais alarmante que ambos vêm levando por causa da roubalheira incontrolável do petrolão. É um perigo, porque o povão, como os aldeões ao redor do castelo do dr. Frankenstein, está inquieto: na pesquisa do Datafolha que acaba de sair do forno, a aprovação de Dilma caiu para a infame marca de 23%, a pior que jamais teve. Que fazer? Está na cara: segundo a estratégia do petismo descrito como "radical", tudo será resolvido se os "movimentos populares" se lançarem desde já a manifestações em praça pública. Com isso, vão assustar a "direita" que está inventando todas essas denúncias de corrupção, certamente com a intenção de derrubar o governo por meio de um golpe de Estado; aterrorizada pelas massas, a liderança "golpista" iria se calar, a Justiça soltaria todos os suspeitos que estão na carceragem da Polícia Federal em Curitiba e a Petrobras, com um imenso suspiro de alívio, voltaria ao controle do povo brasileiro, para ser assaltada outra vez na paz do Senhor. Mas será mesmo assim? E se não for? Eis aí o dilema. O problema desse tipo de plano é com a vida real. Para botar os "movimentos populares" nas ruas, é preciso que haja populares nos movimentos — e se existe uma coisa difícil no Brasil de hoje é encontrar gente disposta a sair de casa, gritar "Viva Dilma!" e arriscar-se a apanhar da tropa de choque para defender a corrupção. É simples. Quem, com um pouco de atividade cerebral, quer sair por aí em defesa de uma esquadra de delinquentes encarcerados sob a acusação de roubar o Erário? Pois é disso, na prática, que se trata. Os heróis populares a ser defendidos pela mobilização das massas são, precisamente, esses peixes gordíssimos que estão no xadrez — não dá, no mundo das realidades, para ficar a favor do governo sem ficar a favor deles. Então: quem quer ir para a frente do prédio da PF em Curitiba, com megafone, bandeira vermelha e cartazes, pedindo que sejam soltos diretores milionários de empreiteiras de obras, gente que até outro dia só andava de jatinho executivo, tem conta em banco suíço e confessa ter roubado milhões? Quem se anima a enxergar uma vítima da direita no ex-gerente da Petrobras que se dispôs a devolver quase 100 milhões de dólares furtados da empresa? Ele mais os antigos diretores e os empreiteiros presos fazem parte de algo chamado "clube do bilhão". Como sustentar que sejam presos políticos? É impossível dizer que altíssimos ex-diretores da Petrobras durante os doze anos dos governos de Lula e de Dilma, que hoje confessam crimes na tentativa de obter penas menores, fossem malfeitores ocasionais. Tinham a confiança integral das presidências da empresa e da República — se não a tivessem, como poderiam ocupar seus cargos? As massas que a esquerda do PT e seus subúrbios querem jogar na rua terão de explicar, também, por que, durante esse tempo todo, o governo não percebeu nada de errado com criminosos confessos. Eles construíram fortunas pessoais; compraram apartamentos de cobertura, lanchas, pelo menos um avião. Montaram empresas off-shore — e por que raios um funcionário de empresa estatal teria de ter uma empresa off-shore? É um mistério, também, por que nem Lula nem Dilma jamais estranharam a circulação, dentro e em volta da Petrobras, de personagens que habitam o mundo de sombras formado em notórias fronteiras do crime — doleiros, lobistas, despachantes que "viabilizam" negócios nos guichês da administração pública. É possível, claro, armar barulho na rua; sempre é. Mas o tumulto não resolverá nada para o governo. Ao fim, tudo o que conseguiriam de prático seria quebrar vidraças, machucar inocentes e tocar fogo em abrigos de ônibus. Lula e Dilma montaram peça por peça esse desastre que está aí, ao privatizarem a Petrobras em proveito próprio — não podem, agora, chamar a "militância" para safar-se da confusão que arrumaram para si mesmos. Também não existe a opção de tratar isso tudo como um problema de imagem, que pode ser desfeito, segundo a presidente, com uma "batalha da comunicação". Aí não há marketing que resolva, e não adianta chamar João Santana para mostrar na televisão filmes com crianças que cantam "Dilma, coração valente". Ele é um profissional eficaz para quem precisa ganhar eleição, mas é só isso que pode fazer. Não tem capacidade instalada para mudar decisões da Justiça, suprimir provas e tirar gente da cadeia — e só isso, no fundo, resolveria de fato o problema do petrolão para a Grande Gerente e o seu inventor. Não vai rolar. Não vai rolar porque mudou, nos últimos tempos, uma escrita essencial na vida pública brasileira — o poder praticamente ilimitado das grandes empreiteiras de obras públicas, que sempre resolveram qualquer problema para si próprias e para os governantes amigos. Não podem mais, agora, ajudar Lula, Dilma e o PT, como ajudaram tantos outros poderosos do passado — e, se nem elas podem, imagine-se então os "movimentos sociais". Este pode ser, de certa maneira, o fato mais relevante de toda a tragédia do petrolão: pela primeira vez na história do Brasil, as grandes empreiteiras estão tendo de responder por crimes na Justiça penal, com diretores presos, confissões públicas e a possibilidade real de penas capazes de gelar o sangue de qualquer um. É um rompimento frontal com a tradição secular deste país, pela qual corruptores sempre viveram acima da lei e das cortes de Justiça. Já houve todo tipo de corrupção no Brasil; nunca houve um empreiteiro preso. Historicamente, eles têm sido os empresários mais influentes do país — os grandes amigos do rei, que têm o poder mágico de criar milionários, eleger governos, comprar juízes e tudo o mais que se sabe. Nos governos do PT parecem ter chegado ao ponto máximo de seu controle sobre a administração. Nenhum presidente foi tão amigo deles quanto Lula. Continua sendo. As empreiteiras estão entre os patrocinadores do Instituto Lula — ou seja, pagam as suas contas. Carregam o ex-presidente para ajudá-las a arrumar negócios com gângsteres que comandam ditaduras na África. Uma delas, a Andrade Gutierrez, investiu através da antiga Telemar algo como 10 milhões de reais numa empresa de games de seu filho "Lulinha". O drama desses colossos do capitalismo brasileiro foi terem dado de cara contra um muro de concreto armado — um juiz de direito do Paraná, Sérgio Moro, que não se deixa corromper, não tem medo de gente que manda e teve o bom-senso de tornar pública a porção central de seu trabalho, cortando aí qualquer possibilidade realista de pressão política para enterrar as investigações do petrolão no arquivo morto. A vida tem dessas coisas: de repente aparece um Moro, e o que sempre valeu passa a não valer mais. O PT e os advogados dos suspeitos até que tentaram demiti-lo, mas, com a calamidade exposta ao mundo, não ganharam nada; a essa altura nem o papa Francisco conseguiria tirar o homem de lá. O sistema de defesa do governo tenta uma desesperada carga de cavalaria contra ele; sua estratégia mais recente é dizer que Moro é a alma negra do tal golpe de Estado. Que diferença pode fazer um disparate como esse? O problema do governo não se chama Sérgio Moro; chama-se corrupção. Se não tivessem roubado, Moro estaria hoje despachando seus processos no anonimato de uma vara da Justiça Federal em Curitiba. Não haveria nenhuma necessidade, também, de chamar as massas para a rua. 1#5 LYA LUFT – A NAÇÃO ESTARRECIDA Os extraordinários fatos que nas últimas semanas vêm se desenrolando diante dos nossos olhos estupefatos, a série de denúncias logo comprovadas de corrupção em órgãos estatais e partidos políticos, deixam-nos alertas: o que fizemos? Como permitimos que tudo isso chegasse a esse ponto — que nos parece quase sem volta —, exigindo terra arrasada para começar a construir, do erro, uma nova nação? Pode até haver chefes que, em qualquer escalão, não percebam a corrupção entre seus funcionários, se for um breve episódio; mas, se se prolongar por um pouco de tempo que seja, denota grave incompetência de parte dos mandantes. Se souberem e fecharem os olhos permitindo que os crimes continuem, porque "afinal no Brasil é assim, sempre foi assim, e assim é por toda parte'', serão pelo menos cúmplices, ainda que não metam a mão pessoalmente no dinheiro (que neste caso se acumula em milhões e bilhões). Dinheiro que faz uma desesperada falta em todos os aspectos tão carentes do país de que os responsáveis não cuidaram, ocupados em conseguir mais poder. A roubalheira é ainda mais repulsiva, pois não se trata de roubar o não essencial, mas de tirar do prato dos pobres a comida, o dinheiro do remédio, os livros, mesas e cadeiras da escola, instrumentos e pessoal de hospitais e postos de saúde, possibilidade de tráfego aos caminhões que transportam alimento e bens de consumo, funcionamento ou mera manutenção das imensas engrenagens deste pobre país, que agora podemos chamar de "pobre" nos dois sentidos, material e moral. Pobres de nós, que não sabíamos porque olhávamos para o outro lado, porque éramos mesmo ignorantes, porque acreditamos nos líderes errados, porque não nos informamos, porque não estávamos nem aí. O que vai acontecer? Ao que vemos, muito mais denúncias, provas, prisões e — espero — condenações. Como ocupar os lugares de mando vazios? Que seja com gente competente, não com apaniguados e correligionários. Que seja com gente corajosa, disposta a enfrentar desafios que dinheiro nenhum compensa. Todos de certa forma permitimos que acontecesse o que agora nos horroriza, ao menos a nós que acordamos, ou sempre denunciamos, nós que nos preocupamos tardiamente ou que já havia um bom tempo balançávamos a cabeça prenunciando os dias de hoje. "Virão tempos sombrios", dizíamos uns aos outros: pois chegaram. Uma inflação descontrolada, uma população assustada e a cada dia mais empobrecida, endividada e desatendida, autoridades confusas e desnorteadas, algumas tentando salvar o que pode ser salvo e corrigir o que pode ser corrigido, delineiam uma boa temporada de sofrimento para quase todos nós. Aqueles em que tantos acreditaram nutrem pensamentos delirantes em sua ilha da fantasia, negando a tragédia que ocorre debaixo de seus olhos: pobreza, inflação descontrolada, endividamento em massa, decadência da educação, saúde, moradia, transporte, segurança e dignidade, e — pior de tudo — a morte lenta da confiança. Eles de todos os modos procuram pateticamente negar o verdadeiro drama que nos assola a todos, sem exceção. A nação estará estarrecida? O título desta coluna reflete o que eu sinto e o que desejaria que todos sentissem. Parte do país finalmente abre os olhos, aponta as orelhas e atina com a realidade dura destes tempos que apenas começam a se revelar incrédulos. Porém, há semanas multidões requebram ao ritmo das músicas de Carnaval — porque afinal ninguém é de ferro. Não sou contra o Carnaval, mas imagino que, quando elas despertarem para a realidade depois dessas festas, se botassem nariz de palhaço e voltassem às ruas, não para dançar enquanto o Titanic afunda, mas para protestar e exigir, poderiam salvar o que ainda pode ser salvo. Que os deuses — e técnicos competentes — nos ajudem, e esta nau brasileira não se rompa, não se destroce, mas se equilibre e, ainda que penosamente, suba à tona e retome algum tipo de rota salvadora — antes que se apaguem as últimas luzes desta maltratada pátria. 1#6 LEITOR O PETROLÃO E O PT Em 35 anos, o sonho de poder do PT tornou-se o nosso maior pesadelo ("O homem da mochila", 11 de fevereiro). RICARDO C. SIQUEIRA Niterói, RJ Nesses 35 anos de existência, o PT comporta-se como boa parte dos nossos políticos: com oportunismo, cinismo, demagogia, mentiras e escândalos tenebrosos e semanais, que envergonham brasileiros sérios e tornam o Brasil motivo de escárnio e chacota no mundo. Esse partido, cuja fundação à época foi feita provavelmente por homens e mulheres sérios, nutridos por sentimentos democráticos e sociais, foi tomado por toda sorte de aventureiros, bandidos e corruptos, e esses tomaram de assalto as rédeas do poder no país. O PT de hoje virou a "mãe de todas as infâmias". RICARDO OTTONI FIGUEIREDO Cachoeiras de Macacu, RJ Em capas anteriores, VEJA já mostrava as tramoias do João "Moch" Vaccari Neto. Com tantos malfeitos, ele já deveria estar atrás das grades. Que país é este? JOSÉ BENEDITO DOS PRAZERES GUIMARÃES Belém (PA), via smartphone A ação criminosa dessa gente levou a maior empresa do país à lona; há mais de doze anos eles drenam recursos da estatal para os cofres do PT e de partidos aliados. Jogaram o nome da Petrobras na lama e agora gastam milhões de reais com propagandas enganosas — que não refletem o momento vivido pela empresa —, na tentativa de desviar a atenção do povo do maior esquema de corrupção da história. JOSÉ GUILHARDO DE CASTRO Campina Grande, PB Lula disse a amigos que, quando se ataca um companheiro, na dúvida ele fica com o companheiro. Esse é o patriotismo do PT. Entre o Brasil e o partido, ele ensina a escolher o partido! E todos aplaudem o tesoureiro Vaccari, acusado de corrupção, como personagem principal e senhor da admiração dos petistas. Para fechar com chave de ouro, Dilma conclama a resistir ao golpismo, com certeza da mídia, que não esconde os bilhões de malfeitos dentro e fora da Petrobras. HENRIETTE GRANJA Rio de Janeiro (RJ), via tablet A cifra da gatunagem petista é da ordem dos 200 bilhões de reais. Basta acompanhar as cifras astronômicas do petrolão para constatar que 200 milhões de dólares é coisa menor, de operador mediano. EDUARDO NASCIMENTO RADWANSKI Aparecida, SP O próximo aniversário do PT será comemorado na Papuda! EUGÊNIO JOSÉ ALATI Campinas, SP Não adianta negar delitos, jurar inocência... Vaccari, 'companheiro' de Lula, tem muito a dizer! JOSÉ MANOEL DE SOUSA Berna, Suíça, via tablet Em relação à reportagem ''Vigiar e punir" (11 de fevereiro), a Petrobras esclarece que não existiu sindicância relativa ao empregado Fernando de Castro Sá, como afirma a matéria. A comissão interna foi criada pela Petrobras para apurar os fatos apresentados por ele em 2009. O empregado continua nos quadros da companhia, exercendo atualmente a função de gerente de informação técnica e propriedade intelectual, vinculada à Gerência-Geral de Gestão Tecnológica do Cenpes. Após deixar de exercer o cargo de gerente jurídico de abastecimento, em julho de 2009, passou a exercer o de coordenador da gerência de marketing e comercialização do abastecimento, em novembro de 2009, permanecendo até julho de 2013, quando assumiu a função atual. Vale ressaltar que as funções gerenciais não são permanentes, sendo portanto de livre nomeação, a qualquer momento, por parte da Petrobras. LUCIO MENA PIMENTEL Gerente de imprensa da Petrobras Rio de Janeiro, RJ A Odebrecht repudia as ilações contidas na reportagem "Todos contra todos" (4 de fevereiro), especialmente as que dizem respeito à atuação de seu diretor de relações institucionais, Alexandrino Alencar, feitas com base em supostas declarações de réu confesso em processo que corre na Justiça Federal do Paraná. A Odebrecht reafirma que mantém, há décadas, contratos obtidos com a Petrobras exclusivamente por meio de processos de seleção e concorrência regidos pelo que determina a legislação. A Odebrecht já solicitou formalmente à Justiça Federal do Paraná que disponibilize à empresa o conteúdo de todas as "delações premiadas" que digam respeito a ela, para garantir o direito de defesa e evitar que ocorra esse tipo de ilação. A empresa também informa que, diferentemente do que afirma a referida matéria, não há investigações abertas contra a empresa "nos Estados Unidos, no Panamá e em Portugal". SÉRGIO BOURROUL Diretor de comunicação Odebrecht S.A. São Paulo, SP JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE É elogiável a postura do nobre senador José Antônio Reguffe ("Pregação solitária", 11 de fevereiro). O Brasil precisa resgatar o caminho da decência, da honra, da credibilidade e da confiabilidade em seus políticos, com o voto em pessoas da estirpe e da honestidade do jovem senador. O exemplo dado por Antônio Reguffe, em sua escalada política, demonstra que não é necessário gastar rios de dinheiro em campanha política para se eleger. E, consequentemente, não são necessárias falcatruas, como o mensalão e o petrolão, para fazer campanhas políticas. Parabéns ao jovem senador. Ele honra o mandato que lhe foi outorgado nas urnas. Que sirva de exemplo aos nossos congressistas. WILLIAM SIMÕES Foz do Iguaçu, PR EDUARDO CUNHA Ao ler a entrevista feita com o deputado Eduardo Cunha ("A base de apoio conflagrada", 11 de fevereiro), não vislumbrei intenção alguma do referido parlamentar em bater de frente com a chefe do Poder Executivo. Mais parece uma manobra no sentido de romper um pouco os elos para que o PMDB possa ter candidato próprio para o cargo de presidente da República em 2018. Falar que não existem elementos suficientes que possibilitem um impeachment da presidente Dilma ou é muita diplomacia ou muita inocência. RAMON CARVALHO MAURÍCIO FILHO Brasília, DF Contradições, hipocrisia e o velho "aos amigos tudo, aos inimigos a lei" até que a situação mude e os sujeitos troquem de lugar, tudo em apenas três páginas. Tenho pena de quem ainda acha que a vitória de Eduardo Cunha tenha sido uma derrota para o governo ou a esperança de uma Câmara mais representativa da vontade popular. ALINE BECKER Ribeirão Preto, SP ESQUIZOFRENIA Muito oportuna a reportagem especial sobre esquizofrenia ("O pesadelo acordado", 11 de fevereiro). Convivi com meu filho portador de esquizofrenia durante doze anos. Ele faleceu em maio de 2007, aos 30 anos. Durante todos esses anos estudei a doença para saber como ajuda-lo. Depois de consultar mais de 100 livros e artigos, publiquei em 2009 o livro Cadê Minha Sorte — A Luta de um Pai contra a Esquizofrenia de um Filho, explicando como é a convivência familiar com um ente querido portador da doença. A reportagem de VEJA vai ajudar muitos pais cujo filho apresenta atitudes estranhas e que não entendem o que está acontecendo. Parabéns! MÁRIO SÉRGIO LIMBERTE São Paulo, SP EDUARDO COUTINHO Cumprimento VEJA pelo belo texto do jornalista André Petry sobre o cineasta Eduardo Coutinho ("O terror silencioso", 11 de fevereiro). Comecei a ler esperando uma reportagem e deparei com uma obra literária. Viajei nas intimidades do episódio comovente. Obrigado, VEJA! CARLOS ALBERTO PESSOA DE BRUM Porto Alegre, RS LYA LUFT Excelente a escritora Lya Luft no artigo "O grande apagão" (4 de fevereiro). Realmente, o governo do PT levou o Brasil a um apagão total. Como disse Boris Casoy, ''está tudo dominado". Pelo crime, pela incompetência, pela degradação dos princípios, pela deterioração da saúde e da educação e pela corrupção desenfreada. O pós-PT exigirá uma dura e longa caminhada. RAMON VIDAL NETTO Piracicaba, SP Correção: José Serra submeteu-se a uma cirurgia plástica no Hospital Sírio-Libanês, e não no Hospital Albert Einstein, como informou a nota "Niki Serra" (Radar, 11 de fevereiro). PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação. VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP: Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até a quarta-feira de cada semana. 1#7 GUSTAVO IOSCHPE – DILMA SHIVA ATACA NOVAMENTE Na teogonia hinduísta, as divindades supremas são Brahma, o deus criador, Vishnu, o preservador, e Shiva, o destruidor. Na teogonia petista, tudo indica que passaremos direto de Lula Brahma para Dilma Shiva. É incrível. Dilma construiu sua carreira como técnica na área de energia. Eleita presidente, demoliu o setor. A política de limitação do preço dos combustíveis e da adição do etanol à gasolina quebrou o setor de cana-de-açúcar: 47 usinas fecharam as portas, setenta estão em recuperação judicial e outras não conseguem honrar suas dívidas. Depois veio a Eletrobras. Querendo controlar a inflação na marra, Dilma Shiva baixou MP em 2012 forçando a empresa a celebrar contratos de fornecimento de energia por valores até 92,5% menores do que os praticados no mercado. A ação da Eletrobras foi de 26 para 6 reais. Para terminar, veio a implosão da joia da coroa, a Petrobras, que saiu das páginas de economia para as de polícia. Quando Dilma Shiva se saiu com o "Pátria Educadora", portanto, tremi: se na nova área preferida ela fizer o mesmo que na antiga, estaremos fritos. Mesmo antes de começar o segundo mandato, Dilma Shiva mostrou que meu receio subestimará sua capacidade demolidora. Em 26 e 29 de dezembro do ano passado, no meio das férias, o ministro da Educação demissionário baixou duas portarias assustadoras. Uma limita o acesso ao Fies a alunos que tenham tirado mais de 450 pontos no Enem. A outra muda o repasse dos recursos do Fies para as universidades, passando de trinta para 45 dias. Parece uma tecnicalidade, mas é um assombro. Explico. O Fies é um programa do governo que empresta dinheiro com prazos e juros camaradas (3,4% ao ano) para que alunos de baixa renda possam estudar em universidades privadas. Desde 2010, quase 2 milhões de universitários recorreram ao Fies. É condição para o recebimento do Fies que a universidade tenha desempenho razoável nas avaliações do MEC (conceito 3 no sistema chamado Sinaes, que vai de 1 a 5). O objetivo do Fies é expandir as matrículas no nosso ensino superior, abrindo as portas das universidades pagas às pessoas de baixa renda. Propósito nobre e necessário: nossa taxa bruta de matrículas no ensino superior está em 37%; nos países desenvolvidos é de 76% (veja as fontes de dados em twitter.com/gioschpe). Um país sem universitários suficientes não tem chance de desenvolvimento no século XXI. Fazer essa expansão via financiamento subsidiado é uma mecânica já provada efetiva pela experiência internacional. O Fies é um sucesso e está atingindo seus objetivos. Claro que para esse sucesso não basta um decreto. Foi necessário que as universidades investissem pesadamente, construindo câmpus, contratando professores e preparando a estrutura necessária para acomodar esses quase 2 milhões de alunos. Aí vem o governo e decreta que, apesar de as universidades terem despesas com esses alunos doze meses por ano, só receberão a verba referente a eles em oito meses do ano. Nos outros quatro, virem-se! Notem que há outra lei que impede universidades e escolas de expulsar o aluno inadimplente durante o semestre. O resultado é um violento aperto no caixa das universidades privadas, que confiaram no governo e se abriram ao Fies. Só nas quatro universidades de capital aberto, o faturamento com o Fies nos nove primeiros meses de 2014 foi superior a 2 bilhões de reais. Por isso, o anúncio das portarias fez seu valor de mercado derreter: a ação da Kroton caiu 24%, a da Estácio 31%, a da Ser 56% e a da Anima 47%. Essas perdas não são apenas dos "operadores de mercado", que, imagino, não sejam alvo de muito apreço ou interesse do atual governo, mas também de mais de 15.000 investidores pessoa física que tomaram uma tungada em sua poupança pessoal. É esquizofrênico que a presidente dê uma guinada na área econômica para recuperar a confiabilidade do Brasil e, ao mesmo tempo, dê um "perdeu, playboy" a tantos investidores que acreditaram em seu programa. Mas certamente os maiores afetados por essas medidas não serão os empresários ou investidores do setor: serão os alunos pobres. O aluno pobre brasileiro que termina o ensino médio é um herói. Sobrevive a uma escola pública de qualidade em geral sofrível e normalmente tem poucos exemplos familiares ou comunitários para perseguir o ensino superior. Essa pessoa precisa ser ajudada de todos os modos possíveis a entrar na universidade. Claro, poderíamos acomodá-la nas universidades públicas, se seu orçamento inchado fosse cortado e elas cobrassem mensalidade dos alunos ricos, para que pudessem se expandir. Isso não foi feito. Hoje, quem carrega 71% das nossas matrículas são as universidades privadas. É por elas que se dará a expansão de que precisamos. Por que, então, restringir o acesso a elas, especialmente de alunos pobres? Explica o ministro Cid Gomes: "Eu não defendo quantidade, defendo qualidade. Não vou botar gente em qualquer faculdade. Eu não vou contribuir para iludir um jovem que está entrando numa arapuca". O primeiro absurdo desse pensamento é achar que o escore de uma pessoa no Exame Nacional do Ensino Médio é de alguma forma representativo da qualidade do seu curso no... ensino superior! A não ser que tenham inventado a máquina do tempo, o resultado no Enem não tem rigorosamente nada a ver com a qualidade da universidade na qual o sujeito será financiado. Se é para cortar o financiamento de alguém em razão do resultado no Enem, deve ser o das escolas que formaram esse aluno na educação básica, ministro! O aluno que tira menos de 450 pontos no Enem é vítima de um péssimo sistema educacional. Como é que a vida dele será melhorada se for banido da universidade? Como é que isso pode ser bom para o país? A segunda bobagem é presumir que quantidade e qualidade do ensino são coisas antagônicas. Pelo contrário, reforçam-se: os alunos saem da escola porque ela é ruim. O desafio do Brasil não é melhorar a qualidade ou aumentar a quantidade: é fazer ambos! E como se faz isso? Deve-se começar a melhora no 1º ano do ensino fundamental, e não com demagogia no fim do ensino médio. Durante séculos o Brasil teve um ensino de qualidade falsa, porque excludente. Escolas e universidades públicas eram boas porque só aceitavam membros da elite. Precisamos ir para o século XXI, em que há ensino de qualidade para todos, e não voltar aos anos 40, com ensino de ponta para poucos. Não podemos cair nessa tentação. Precisamos abrir mais as portas, não fechá-las. Não se constrói um país de 200 milhões de pessoas com meia dúzia de doutores. A nota média nacional no Enem é 500 pontos. Se presumirmos que a distribuição das notas é normal (gaussiana) e que os alunos com as melhores notas têm renda alta demais para depender do Fies, é provável que perto da metade — repito, metade — de todos os alunos que poderiam se beneficiar do Fies se torne inelegível por causa da regra que impõe a nota mínima de 450 pontos. O terceiro erro é achar que o jovem é ludibriado e que a universidade é uma arapuca. O sujeito que passa num vestibular "facinho" e paga 600 reais de mensalidade achou que estava entrando em Harvard, então? Pelo amor de Deus... O Brasil tem um dos melhores sistemas de avaliação educacional do mundo. Qualquer um pode descobrir na internet a qualidade de sua universidade. Se não consegue frequentar uma escola de ponta é porque não tem condições acadêmicas ou financeiras para tanto. A pessoa quer ascender na carreira e está disposta a pegar dinheiro emprestado para isso: é um bravo, merece aplausos, não condescendência nem calotes. GUSTAVO IOSCHPE é economista 1#8 BLOGOSFERA EDITADO PR KÁTIA PERIN kperin@abril.com.br COLUNA DILMA E O PT Minha sugestão para Dilma, dado o desastre de opinião pública que já é o seu governo, é simples: ela deve pedir a desfiliação do PT e declarar-se uma sem-partido. De tal sorte a crise que se avizinha é grave que a suprema mandatária deveria dizer, como Cazuza: "O meu partido, agora, é um coração partido". E depois tentar estabelecer uma agenda mínima para o país. Hoje, o PT é um armário muito difícil de carregar, com aquela pilha gigantesca de esqueletos. www.veja.com/reinaldoazevedo NOVA TEMPORADA FERNANDA FURQUIM SÉRIES DE TV O canal ABC Family não vai renovar a série Melissa & Joey para sua quinta temporada. Na história, Mel Burke (Melissa Joan Hart) assume a guarda de dois sobrinhos. Para ajudá-la a cuidar deles, contrata uma babá: Joey (Joey Lawrence). Segundo os produtores, a história chegou ao limite: as crianças já estão adultas e não precisam mais de uma babá. www.veja.com/novatemporada DE NOVA YORK CAIO BLINDER UCRÂNIA A novidade na crise ucraniana não está nas frentes de batalha nem na cara de pau de Putin, mas no desespero europeu de que as coisas fujam ao controle. Como diz o presidente francês François Hollande, é o medo de "guerra total" na Europa, www.veja.com/denovayork CIDADES SEM FRONTEIRAS APREENSÃO NO SETOR IMOBILIÁRIO O clima é de apreensão entre os empresários do mercado imobiliário. Os últimos resultados financeiros e as previsões da economia para os próximos meses já haviam desenhado um cenário de baixo crescimento para este ano. Agora, o risco de racionamento de energia elétrica e de água fez surgir um novo temor: a paralisação da construção civil. O segmento é responsável por cerca de 40% do consumo energético, do qual dependem equipamentos, bombas e elevadores. Também é grande consumidor de água — são gastos cerca de 300 litros na produção de 1 único metro cúbico de concreto e 200 litros na compactação de 1 metro cúbico de terreno. Para os empresários, tão preocupante quanto a escassez de energia e de água é a falta de informações dos governos estaduais e federal sobre a gravidade da situação. www.veja.com/cidadessemfronteiras SOBRE IMAGENS J.R.EYERMAN Fotógrafo da equipe da Life entre 1942 e 1961, J.R. Eyerman (1906-1985) foi um dos correspondentes da revista no Pacífico durante a II Guerra Mundial. Suas imagens mais interessantes são do cotidiano dos soldados nas horas vagas entre as batalhas. Na Life, ele era conhecido por suas habilidades de "inventor". Foi assim que fotografou testes atômicos, imagens subaquáticas e a aurora boreal. Uma das fotos mais famosas da Life é de autoria de Eyerman e mostra a sessão de estreia de Bwana Devil, o primeiro filme em 3D. Isso ocorreu em 1952. www.veja.com/sobreimagens QUANTO DRAMA MAIS UMA VILÃ Adriana Esteves demorou dois anos para voltar à TV, período que passou descansando a imagem da Carminha de Avenida Brasil. Mas, depois de interpretar a Tânia da minissérie Felizes para Sempre?, não vai demorar muito a surgir novamente como uma vilã — no fim de março, quando estreia Babilônia, que substituirá Império, ela será Inês, uma ex-gordinha que sofreu bullying na infância e acabou obcecada pela amiga que a defendia, Beatriz (Glória Pires). Mas a vida andou, Beatriz foi estudar nos Estados Unidos e deixou a amiga para trás. Depois de Inês passar anos remoendo muita inveja, as duas terão um reencontro, quando Beatriz não será nada simpática com a amiga de infância. www.veja.com/quantodrama • Esta página é editada a partir dos textos publicados por blogueiras e colunistas de VEJA.com ___________________________________________ 2# PANORAMA 18.2.15 2#1 IMAGEM DA SEMANA - FALE GROSSO; E LEVE UM FUZIL GRANDE 2#2 DATAS 2#3 CONVERSA COM SHÉRIDAN ESTÉRFANY OLIVEIRA DE ANCHIETA – UMA PÉROLA DA POLÍTICA. E RARA? 2#4 NÚMEROS 2#5 SOBEDESCE 2#6 RADAR 2#7 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA - FALE GROSSO; E LEVE UM FUZIL GRANDE Apesar das ameaças — e do nome —, o presidente egípcio discursa e age contra o fundamentalismo muçulmano. Para um homem cuja cabeça seria um troféu valioso no topo da página do Facebook de qualquer organização islamista radical — um produto que não falta no Egito —, o presidente Abdel Fatah al-Sissi parece bem calmo. Durante a visita do presidente Vladimir Putin, só mostrou algum sinal de emoção verdadeira quando ganhou do russo uma Kalashnikov customizada. Levou também uma usina de energia nuclear e o gostinho de fazer pirraça a Barack Obama, a quem detesta pelo apoio à Irmandade Muçulmana quando o Egito afundava numa insurreição popular contra o movimento islamista, resolvida com um golpe, depois legitimado pelas urnas. Sissi é um general da família muçulmana conservadora — sua mulher até cobre os cabelos, ao contrário da tradição nacionalista. Sabe fazer contas: os Estados Unidos vacilaram, mas não cortaram a ajuda ao Egito, uma pensão generosa que ele somou à ajuda das monarquias do Golfo Pérsico, apavoradas com a Irmandade Muçulmana. É tanto dinheiro que apareceu uma gravação em que Sissi diz a seu chefe de gabinete que Arábia Saudita, Kuwait e Emirados Árabes deveriam depositar imediatamente 10 bilhões de dólares, cada um, numa conta do Exército egípcio. Num discurso totalmente fora da curva, Sissi disse no começo do ano aos principais líderes muçulmanos do país que está na hora de haver uma "revolução religiosa'' para enfrentar o absurdo que é ver "a causa mais santa do mundo islâmico transformar-se em fonte de ansiedade, perigo, morte e destruição para o resto do mundo". No dia seguinte, 7 de janeiro, aconteceu o massacre do Charlie Hebdo, que ofuscou a importância e ao mesmo tempo comprovou a relevância dessas palavras. Sissi, cujo nome em inglês significa algo equivalente a assustadiço, demonstrou com coragem maior do que vários líderes ocidentais como as palavras são poderosas. Embora uma Kalashnikov no lugar certo também não atrapalhe. VILMA GRYZINSKI 2#2 DATAS MORRERAM Kenjji Ekuan, designer industrial japonês que projetou o trem-bala Komachi e a moto VMax, da Yamaha, mas se tornou particularmente conhecido por haver desenvolvido, para a Kikkoman, a tradicional garrafa de shoyu em formato de gota e com tampa vermelha. Nascido em Tóquio, ele tinha apenas 16 anos quando testemunhou a devastação provocada pela bomba de Hiroshima — estava dentro de um trem, a caminho de casa, e perdeu uma irmã na ocasião. Em 2012, relembrando o episódio da II Guerra Mundial, declarou ao jornal americano The New York Times: "Diante daquele nada, senti uma grande nostalgia pela cultura humana. Eu precisava de algo para tocar, para olhar, e em seguida decidi ser um criador de coisas". Após passar um período como monge budista, Ekuan se voltou para a profissão que o consagraria. Depois de se formar na Universidade Nacional de Artes e Música de Tóquio, em 1955, fundou o grupo GK, que presidiu até a morte. Dia 8, de insuficiência cardíaca, aos 85 anos, em Tóquio. Roger Hanin, ator franco-argelino que atuou em mais de uma centena de filmes. Foi cunhado do ex-presidente François Mitterrand (1916-1996). Integrou o elenco de Rocco e Seus Irmãos (1960), de Luchino Visconti, e Acossado (1960), de Jean-Luc Godard, além de estrelar a série de televisão Navarro, levada ao ar entre 1989 e 2006. Aliás, por sua atuação como o comissário Navarro, ganhou em 1990 o prêmio de melhor ator de TV de seu país. Era casado, havia mais de quarenta anos, com Christine Gouze-Rénal, irmã de Danielle Mitterrand, ex-primeira-dama da França. Hanin estava aposentado desde 2008. Dia 11, aos 89 anos, em decorrência de problemas respiratórios, em Paris. Mário Vázquez Raña, empresário mexicano e presidente da Organização Desportiva Pan-Americana. Formado em administração, começou a ganhar influência em 1974, ao presidir o Comitê Olímpico Mexicano. Entre 1991 e 2012, participou do COI. Era proprietário da Organização Editorial Mexicana, considerada a maior empresa de jornais do país. Dia 8, aos 82 anos, na Cidade do México. • TER|10|2|2015 ARQUIVADOS os inquéritos que investigavam o envolvimento do suplente de senador José Aníbal (PSDB) e do deputado federal Rodrigo Garcia (DEM) no cartel que pagou propinas e fraudou licitações de metrô e trens do governo de São Paulo de 1998 a 2008. Eles haviam sido citados pelo ex-diretor da Siemens Everton Rheinheimer. O STF decidiu que não havia indícios contra os políticos. • QUA|11|2|2015 CONDENADO a dezesseis anos de prisão o capitão do Costa Concórdia, Francesco Schettino, que comandava o navio quando ele naufragou, em 2012, matando 32 pessoas. Os promotores entenderam que ele foi irresponsável ao conduzir a embarcação de luxo muito próximo das margens da Ilha de Giglio. • QUI|12|2|2015 PRESO o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, após a Corte de Cassação de Roma autorizar sua extradição para o Brasil. Pizzolato fugiu do país em setembro de 2013, depois de ser condenado a doze anos e sete meses de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e peculato no caso do mensalão. O Ministério da Justiça italiano tem vinte dias para decidir se o petista voltará para o Brasil a fim de cumprir a pena. 2#3 CONVERSA COM SHÉRIDAN ESTÉRFANY OLIVEIRA DE ANCHIETA – UMA PÉROLA DA POLÍTICA. E RARA? Ela tem nome exótico, beleza clássica e a maior votação proporcional, entre as mulheres, para deputada federal, em sua primeira eleição. Mas não acha, de jeito nenhum, que o marido, ex-governador de Roraima, tenha influenciado nisso. Beleza pode ajudar ou atrapalhar. No seu caso, o que predominou? Para mim, ela é irrelevante. Nunca exerceu influência. Tudo o que conquistei foi trabalhando. Tenho competência e capacidade. Fora Hillary Clinton, mulheres eleitas à sombra do marido não são sempre consideradas meros instrumentos dele? Talvez sim, mas não é o meu caso. Minha eleição, definitivamente, foi resultado do meu trabalho. Fui secretária de governo e coordenava ações sociais. Durante seis anos, dediquei meu tempo ao Estado de Roraima. Ainda tem tempo para desfrutar a piscina em forma da letra jota, uma homenagem a seu marido, o ex-governador José de Anchieta Júnior? Sim. Ela fica numa casa fora da cidade, onde passamos alguns fins de semana. Como psicóloga, vê alguma explicação inconsciente para os abusos cometidos por políticos? Nem Freud poderia explicar tanta inversão de valores. Mas quem confere essa possibilidade aos políticos são as pessoas. Estaria disposta a fazer como o senador Antônio Reguffe, por exemplo, que dispensa verba de viagem, carro, motorista, aluguel? Eu preciso de transporte, porque tenho de ir de Roraima a Brasília. Por que tantas coisas que acontecem em Roraima, no plano político, parecem envoltas em brumas suspeitas? Não é só Roraima que está associada a escândalos. O governo federal se vinga e trabalha perseguindo pessoas. Dilma Rousseff se aproximou de Kátia Abreu, apesar das diferenças ideológicas. Veria algo semelhante com você? Sim. E eu diria a Dilma que ela está lá por causa da boa-fé do brasileiro. Que tem de devolver isso com respeito, e não com imprudência. Que comece cortando os excessos do governo. 2#4 NÚMEROS 0 pessoa foi presa no Estado de São Paulo nos últimos cinco anos por maus-tratos a animais. 643 foram autuadas por esse crime no estado entre 2011 e 2012, período com dados mais recentes. 3 meses a um ano de prisão e multa é a pena para quem ferir, maltratar ou mutilar animais domésticos ou silvestres. A Justiça, porém, tem substituído a pena por punições alternativas, como a prestação de serviços comunitários. 90% dos agressores autuados eram homens, com idade média de 43 anos - 31% deles tinham antecedentes criminais por outras violações. 2#5 SOBEDESCE SOBE VOLUME MORTO - A Sabesp anunciou a descoberta de uma quarta reserva de água localizada abaixo do nível de captação do Sistema Cantareira. ÍNDIA - A economia do país cresceu 7,5% em 2014, ultrapassando o ritmo da China pela primeira vez desde 1999. TEODORO OBIANG - Por 10 milhões de reais, o ditador da Guiné Equatorial fez do enredo da Beija-Flor uma elegia às belezas do seu país - e ainda ganhou o direito de atravessar o samba e mudar o que não apreciou na letra. DESCE HSBC - No caso já apelidado de SwissLeaks, milhares de documentos internos que vazaram da filial suíça do banco britânico revelaram a entrega de sacolas de dinheiro para clientes envolvidos em irregularidades, numa movimentação de 120 bilhões de dólares PARTIDOS - Os brasileiros que não têm preferência por nenhum partido chegaram a 71%, o maior patamar desde 1989, segundo o Datafolha LUMA DE OLIVEIRA - No arrastão dos bens bloqueados de Eike Batista, feito pela PF, sobrou para a ex dele, que teve apreendidos um BMW X5 e duas Toyota Hilux 2#6 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • ECONOMIA TEMPO BOM Um Aloizio Mercadante otimista tem dito a interlocutores que no segundo semestre a economia começará a respirar e no último trimestre, em especial, terá voltado a crescer. TEMPO RUIM Já Delfim Netto disse há duas semanas numa reunião fechada na Fiesp que, lá por outubro, todos eles que hoje aplaudem Joaquim Levy estarão pedindo a cabeça do ministro da Fazenda por não suportar mais o aperto que se avizinha. • LAVA-JATO VRUUUUUUUUUM Zwi Skornicki, acusado por Pedro Barusco de operar para o estaleiro Keppel FELS na roubalheira da Petrobras, é um apaixonado por automóveis. Em sua casa de campo, na serra fluminense, coleciona carros de alto luxo. Quem viu diz que são ao menos doze veículos de primeiríssima qualidade: de Rolls-Royce a Ferrari (duas), passando por modelos de Porsche (três) e Mercedes-Benz. BASTIDORES DO CÁRCERE Advogados dos executivos presos pela Operação Lava-Jato estão, desde a semana passada, impedidos de conversar com os seus clientes em salas reservadas. Agora, falam apenas no parlatório, separados por um vidro. Dois motivos causaram o recrudescimento da PF: Ricardo Pessoa, da UTC, tentou comunicar-se com seus defensores escrevendo mensagens em um papel — o que é proibido —, e Gerson Almada, da Engevix, discutiu com um carcereiro porque uma carta escrita por sua mulher não lhe foi entregue. O clima piorou ainda mais na carceragem com a chegada de Mário Góes, apontado pela PF como um dos operadores do petrolão. Góes se entregou no dia 8 e desde então chora boa parte do dia ao lado dos executivos. O QUE VEM POR AÍ A delação premiada de Júlio Camargo, da Toyo Setal, apresenta detalhes da movimentação bancária de Renato Duque no exterior. • CÂMARA DE ALUNO APLICADO... O amplo conhecimento sobre o regimento interno da Câmara, um dos grandes trunfos de Eduardo Cunha para ter chegado aonde chegou, não veio à toa. Ao desembarcar em Brasília para seu primeiro mandato, em 2003, Cunha contratou um professor de processo legislativo. Desde então, estuda compulsivamente as regras da Casa. ...A MESTRE RIGOROSO No exercício da presidência, Eduardo Cunha já corrigiu diversas vezes os colegas, citando de cabeça artigos e brechas pouco conhecidos pela maioria ali presente. • GOVERNO DOSE DUPLA Em meio à crise política, crise econômica e, claro, de popularidade, João Santana reuniu-se, sem alarde, na segunda-feira e na terça-feira com Dilma Rousseff no Palácio da Alvorada. ELE ESTÁ INQUIETO Lula está uma fera com Dilma Rousseff e com Aloizio Mercadante. Tem dito a interlocutores que Dilma e Mercadante não vêm se empenhando como deveriam para brecar as investigações da Lava-Jato. Estão lavando as mãos. Lula, é bom lembrar, já chegou a ir até Gilmar Mendes para pedir - em vão - ao ministro do STF que amaciasse o seu voto no julgamento do mensalão. Lula, aliás, tem Mercadante como um dos seus alvos preferidos. Acha que o ministro mais importante deste governo quer fazer terra arrasada dos seus adversários internos no PT para viabilizar-se como o candidato do partido em 2018 - se o ex não encarar a sucessão de Dilma, claro. • PETROBRAS A MISSÃO 1 A pelo menos um interlocutor, Dilma Rousseff justificou a escolha de Aldemir Bendine para a Petrobras com um paralelo de sua atuação no Banco do Brasil. No BB, segundo Dilma, Bendine conseguiu limpar a área das manchas do mensalão cometidas por Henrique Pizzolato & cia. e ainda administrar bem o banco. Na Petrobras, sua missão será parecida: limpar a área das sujeiras do petrolão e tocar a estatal. A MISSÃO 2 A propósito, será que Bendine terá cacife para demitir Wilson Santarosa, o poderoso sindicalista que há doze anos comanda a área de comunicação da Petrobras? • BRASIL MORDIDA MAIOR O mercado brasileiro de entretenimento se uniu contra a Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Uma mudança na fórmula de cálculo de uma taxa de uso do solo fez aumentar em mais de dez vezes os valores cobrados para a realização de eventos esportivos e musicais ao ar livre nas regiões litorâneas. Até a vinda de Usain Bolt para correr neste ano nas areias da Praia de Copacabana está ameaçada. As empresas de eventos estão entrando com recursos administrativos na SPU para pagar menos impostos. • CERVEJA NO TORNIQUETE Anda dura a vida de Carlos Brito, CEO da AB InBev, a maior cervejaria do mundo. Os controladores estão nos seus calcanhares, cobrando resultados (ainda) melhores da já eficiente empresa. • DROGAS DE OLHO NA ERVA O Brasil vai monitorar durante cinco anos o impacto da legalização da maconha no Uruguai nas cidades de fronteira dos dois países. Contratados pelo Ministério da Justiça, o Ipea e a Universidade de Pelotas vão coletar dados sociais, de saúde, de segurança e consumo de drogas em oito municípios brasileiros e uruguaios. Os pesquisadores vão acompanhar, por exemplo, a quantidade de presos, as substâncias apreendidas e o número de dependentes atendidos na rede de saúde. • OLIMPÍADA MÃO-FECHADA 1 Aloizio Mercadante, que hoje é quem tem o poder de fazer chover e trovejar nas verbas para a Olimpíada, rejeitou o custo do plano de segurança que a Rio 2016 lhe entregou. Achou caro demais e mandou a PF refazer item por item para comparar com os números apresentados. MÃO-FECHADA 2 A propósito, a quem pode, Eduardo Paes tem reclamado do fluxo de dinheiro federal para as obras da Olimpíada. Paes vem atribuindo a atrasos nos repasses da verba federal a lentidão em algumas obras do evento. • GENTE GATO POR LEBRE Sabe o ovo Fabergé. avaliado inicialmente em 20 milhões de dólares, apreendido na casa de Eike Batista durante a operação de busca e apreensão de seus bens? É falso. A perícia atestou que o ovo do Eike não é uma das jóias produzidas por Peter Fabergé entre 1885 e 1917 para os czares da Rússia. É uma réplica que sai por 65 dólares em sites de comércio eletrônico. 2#7 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “O presidente (equatoriano) Rafael Corrêa fala em 200 anos, mas espero que não seja por muito tempo.” - JULIAN ASSANGE, fundador do site WikiLeaks, na Folha de S.Paulo; desde junho de 2012, o australiano está asilado na Embaixada do Equador em Londres para evitar a extradição para a Suécia, onde vivia e é acusado de crimes sexuais. “Isso é errado e completamente inapropriado para alguém em seu cargo.” - DEBOBAH TURNESS, presidente da NBC News, referindo-se a Brian Williams, âncora do telejornal noturno da emissora, suspenso por seis meses, sem direito a salário, depois de admitir haver mentido sobre sua presença em um helicóptero abatido na Guerra do Iraque (2003). “Aborto eu não vou pautar nem que a vaca tussa. Vai ter de passar por cima do meu cadáver.” - EDUARDO CUNHA, deputado evangélico (PMDB-RJ), presidente da Câmara Federal, no blog Estadão Rio; ele declarou que a parte do Congresso que quer mudança na lei que trata da interrupção da gravidez "é minoria". “O amor se apagou instantaneamente.” - NINNA MANDIN, produtora, dona das cadelas Gucci e Victoria, que cancelou o casamento com o empresário Rafael Hermida Fonseca após flagrá-lo, com uma câmera oculta, maltratando os dois animais. Postado no Facebook, o vídeo teve cerca de 500.000 acessos. “Nada mais faz sentido; na verdade, eu queria estar morta.” - LUIZA HERMIDA, mãe de Rafael Hermida Fonseca, também no Facebook. “Aos que me conhecem sabem (sic) que eu amo animais. (...) Assumo qualquer erro que tenha cometido, estou profundamente chateado e arrependido.” - RAFAEL HERMIDA FONSECA, no Instagram. “Em Israel, tudo acaba se tornando política.” - NATALIE PORTMAN, atriz nascida em Jerusalém, ao falar, em O Globo, sobre o tema do filme que marca sua estreia como diretora, De Amor e Trevas, adaptado da obra de seu compatriota Amos Oz. “O ritual da imolação se mantém no mundo e agora é coletivo: é praticado pelos países que, tomados por um desvario passageiro ou duradouro, decidem empobrecer-se, barbarizar-se, corromper-se, ou todas essas coisas ao mesmo tempo.” - MÁRIO VARGAS LLOSA, escritor peruano, Nobel de Literatura, em sua coluna publicada no diário espanhol El País e em outros veículos. “Eu tenho uma namorada, sou gay há alguns anos. Já tive uns namorados, mas hoje estou gay.” - LAÍS SOUZA, ex-ginasta, na revista TPM. A atleta, que se acidentou na preparação para os Jogos de Inverno (2014), declarou depois que encara o assunto com naturalidade e que está concentrada no seu tratamento. “Seria estranhíssimo condenar alguém a ser homossexual para sempre.” - REGINA DUARTE, atriz, na coletiva de apresentação de Sete Vidas, a nova novela da Rede Globo para o horário das 6, na qual interpretará uma mulher que perde a companheira e se apaixona por um homem no decorrer da trama. “Sou apenas um libertino que gosta de festas.” - DOMINIQUE STRAUSS-KAHN, ex-diretor do Fundo Monetário Internacional, negando, no tribunal de Lille, a acusação de proxenetismo. Ele disse não saber que havia prostitutas nas noitadas de que participava. DSK perdeu o cargo no FMI por tentativa de estupro de uma camareira nos EUA. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto da força irrefreável do Carnaval “Se um homem quiser ocupar-se incessantemente de coisas sérias e não se abandonar de vez em quando ao divertimento, sem perceber ficará louco ou idiota.” - HERODOTO, historiador grego (c. 484-430 a.C.). __________________________________________ 3# BRASIL 18.2.15 3#1 “O CHEFE DA POLÍCIA PELO TELEFONE MANDOU AVISAR...” 3#2 FEITIÇOS E FEITICEIROS 3#3 O CONSULTOR DO ESQUEMA 3#4 A CIFRA QUE DESAFIA BENDINE 3#1 “O CHEFE DA POLÍCIA PELO TELEFONE MANDOU AVISAR...” DANIEL PEREIRA E ROBSON BONIN Considerado o primeiro samba a fazer sucesso no Brasil. Pelo Telefone, em sua versão mais popular, já denunciava no começo do século passado a mania de certas autoridades de fechar acordos clandestinos com os criminosos que deveriam combater. Composta por Donga e Mauro de Almeida, a canção teve como inspiração a história de um agente de segurança pública que determinou aos seus subordinados que, antes de realizar operações de repressão a jogos de azar, avisassem os contraventores. A música foi interpretada por ícones da MPB sempre com o tom zombeteiro que se tornou marca das marchas de Carnaval. Entre sorrisos, eles cantavam: "O chefe da polícia pelo telefone mandou avisar / que na Carioca tem uma roleta para se jogar". Quase 100 anos depois de ganhar as ruas, Pelo Telefone mantém-se assombrosamente atual — e o chefe da polícia continua a fazer das suas. Mais precisamente, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a quem está subordinada a Polícia Federal, responsável pela operação que desmontou o monumental esquema de corrupção que funcionava na Petrobras. A reportagem de VEJA que você lerá a seguir revela que Cardozo recebeu em seu gabinete o advogado de uma empreiteira envolvida no escândalo e um conselheiro do governo especializado em ações de bastidores no Judiciário. O tema da reunião? Oficialmente, nenhum, já que ela não existiu. Teria sido um simples e curto bate-papo entre amigos que estavam na mesma hora e no mesmo lugar por obra do acaso. Os advogados, porém, deixaram Brasília com a certeza — repassada imediatamente aos seus contratantes — de que muita coisa mudará na chamada Operação Lava-Jato depois do Carnaval, principalmente o enredo e o endereço da festa. “AS ÁGUAS VÃO ROLAR...” Alguns dos principais personagens do escândalo na Petrobras ainda passarão o Carnaval presos – mas com a expectativa de que boas notícias para estão a caminho. 3#2 FEITIÇOS E FEITICEIROS Em encontro com advogados, o ministro da Justiça tranquiliza empreiteiras ao garantir que investigações da Lava-Jato sofrerão uma reviravolta logo depois do Carnaval. Desde a morte do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, no ano passado, o PT perdeu seu grande estrategista em momentos de crise. MTB tinha uma extensa ficha de serviços de advogado de defesa prestados ao partido. Foi ele quem arquitetou as grandes jogadas de bastidores que ajudaram a adiar por quase uma década o julgamento do mensalão. Foi ele quem apagou os incêndios que resultaram nas duas saídas de Antonio Palocci do governo. Foi ele também quem acertou os ponteiros do PT com o banqueiro Daniel Dantas quando da divulgação por VEJA de um dossiê que envolvia o ex-presidente Lula com contas no exterior, elaborado pelo dono do banco Opportunity a partir de dados fornecidos pela empresa de espionagem Kroll. Chamado de God (Deus, em inglês) pelos amigos, o onipresente MTB foi convocado para coordenar a defesa das empreiteiras tão logo deflagrada a Operação Lava-Jato. Ele tinha uma meta clara: livrar seus clientes de penas pesadas na Justiça e, de quebra, o governo petista da acusação de patrocinar um novo esquema de corrupção para remunerar sua base aliada no Congresso. Thomaz Bastos dedicava-se a convencer o Ministério Público Federal de que a roubalheira na Petrobras não passava de um cartel entre empresas — e que, como tal, deveria ser punido e superado com o pagamento de uma multa bilionária. Nada além disso. A morte tirou o criminalista cerebral da mesa de negociação. MTB deixou um vácuo. O governo perdeu sua ponte preferencial com as empreiteiras, o diálogo entre as partes foi interrompido, e as ameaças passaram a dominar as conversas reservadas. Foi nesse clima de ebulição que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, assumiu o papel de bombeiro. Ex-deputado pelo PT e candidato há anos a uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cardozo se lançou numa ofensiva para acalmar as construtoras acusadas de envolvimento no petrolão, que, conforme VEJA revelou, ameaçam implicar a presidente Dilma Rousseff e o antecessor Lula no caso se não forem socorridas. Há duas semanas, o ministro recebeu em seu gabinete, em Brasília, o advogado Sérgio Renault, defensor da UTC, que estava acompanhado do ex-deputado petista Sigmaringa Seixas. O relato da conversa percorreu os gabinetes de Brasília e os escritórios de advocacia como um sopro de esperança para políticos e empresários acusados de se beneficiarem do dinheiro desviado da Petrobras. Não sem razão. Na reunião, que não constou da agenda oficial, Cardozo disse a Renault que a Operação Lava-Jato mudaria de rumo radicalmente, aliviando as agruras dos suspeitos de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. O ministro afirmou ainda que as investigações do caso envolveriam o nome de oposicionistas, o que, segundo a tradição da política nacional, facilitaria a costura de um acordo para que todos se safem. Depois disso, Cardozo fez algumas considerações sobre os próximos passos e, concluindo, desaconselhou a UTC a fechar um acordo de delação premiada. Era tudo o que os outros convivas queriam ouvir. Para defender a UTC, segundo documentos apreendidos pela polícia, o escritório de Renault receberá 2 milhões de reais. Além disso, se conseguir anular as provas e as delações premiadas que complicam a vida de seu cliente, embolsará mais 1,5 milhão de reais. Renault esgrime a tese de que a Lava-Jato está apinhada de irregularidades, como a coação de investigados. No encontro, Cardozo disse o mesmo ao advogado, ecoando uma análise jurídica repetida como mantra pelos líderes petistas. Depois da reunião no ministério, representantes de UTC e Camargo Corrêa recuaram nas conversas com o Ministério Público para um acordo de delação premiada. A OAS manteve-se distante da mesa de negociação. "Na quarta-feira (um dia depois do encontro em Brasília), fomos orientados a suspender as conversas com os procuradores", confidencia um dos advogados do caso. Cardozo não operou esse milagre sozinho. "Chegou o recado de que o Lula entrará para valer no caso e assumirá a linha de frente. Isso aumentou a esperança de que o governo não deixe as empresas na mão", diz outro advogado de uma empreiteira. O ex-presidente, como se sabe, é pouco afeito à leitura. Nada que resista à urgência dos fatos. Na festa de comemoração dos 35 anos do PT, em Belo Horizonte, Lula foi fotografado lendo um artigo do juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava-Jato na primeira instância, sobre a Operação Mãos Limpas, que atacou o crime organizado na Itália. Desde a troca de comando na Petrobras, com a substituição de Maria das Graças Foster por Aldemir Bendine, Lula opera nos bastidores para que o governo ajude as empreiteiras financeiramente, a fim de impedir que quebrem ou deixem de honrar empréstimos contratados em bancos públicos e privados. Disciplinado, Bendine tem como missão costurar a renegociação dos contratos das fornecedoras da Petrobras com as instituições financeiras. Diligente, o presidente da estatal também determinou que fosse realizado um levantamento de todas as comunicações formais trocadas entre os executivos da Petrobras e o Palácio do Planalto — desde 1994. Lula fez chegar aos empreiteiros que considerou errada a decisão da Petrobras de suspender negócios com fornecedores que estão sob investigação. Para o ex-presidente, era necessário esperar pela conclusão dos processos judiciais antes de adotar sanções. Diz um estrelado governista: "Se o Lula não agisse, estaríamos ferrados. Ele é a única liderança que pode catalisar esse processo": Desde o estouro do escândalo do petrolão, o ex-presidente repete que Dilma falha ao não se empenhar para debelar a crise. A prioridade dele é impedir que o escândalo da Petrobras siga a trilha do mensalão, que começou com um funcionário de terceiro escalão dos Correios embolsando uma propina de 3000 reais e terminou com a antiga cúpula do PT na cadeia. Lula acredita que o petrolão pode inviabilizar a permanência do partido no poder e sua candidatura à Presidência da República em 2018. Delatores do esquema de corrupção, como o ex-diretor Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef, já disseram que o dinheiro desviado da Petrobras foi repassado como doação legal ao PT, financiando, inclusive, a campanha à reeleição de Dilma. Ex-gerente da Petrobras, Pedro Barusco declarou às autoridades que o PT arrecadou, entre 2003 e 2013, de 150 milhões a 200 milhões de dólares em propinas na estatal. Esse quebra-cabeca da corrupção está sendo montado com os depoimentos de ex-servidores e operadores. A delação premiada de uma empreiteira de grande porte preencheria facilmente as lacunas que ainda restam. É aí que reside o perigo para o governo e o PT. Um perigo que tem nome e sobrenome: Ricardo Pessoa, o dono da UTC. Preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, Pessoa é amigo de Lula e viu seus negócios crescerem exponencialmente no governo do petista. Em 2014, foi um generoso doador da campanha presidencial de Dilma. Depois de três meses preso, o empresário perdeu a paciência, cansou de esperar por ajuda e passou a ameaçar o governo. A mensagem é clara: se não for socorrido, narrará ao Ministério Público, em detalhes, episódios nada edificantes para a mandatária e seu antecessor. "Edinho Silva (tesoureiro da campanha à reeleição de Dilma) está preocupadíssimo. Todas as empreiteiras acusadas de esquema criminoso da Operação Lava-Jato doaram para a campanha de Dilma. Será se (sic) falarão sobre vinculações campanha x obras da Petrobras?", escreveu o empresário, quando já estava atrás das grades, num bilhete revelado por VEJA. Ricardo Pessoa contou a amigos ter informações de sobra sobre o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, um dos principais operadores do partido dentro da Petrobras. Homem de confiança de Lula, Vaccari teria intermediado um repasse de 30 milhões de reais da UTC para campanhas em 2014, dos quais 10 milhões de reais para pagar despesas eleitorais da presidente-candidata. São essas histórias que o empresário pode contar ao Ministério Público. Descontentes com o tratamento dispensado pelo governo, familiares de Pessoa já deixaram claro que não descartam a delação premiada. Numa conversa recente, a esposa dele desabafou: "Eu vivi quarenta anos sem meu marido enquanto ele trabalhava dia e noite. Agora estou sem ele, e meu marido corre o risco de ficar sem a empresa". Antes de ser preso, Pessoa acreditava numa virada de mesa jurídica. Num manuscrito apreendido pelos investigadores da Lava-Jato, ele defendia a necessidade de atuar na imprensa, de forma a pressionar as autoridades, e no Judiciário, a fim de tirar da responsabilidade do juiz Sérgio Moro os processos relacionados ao caso. A cadeia mudou o humor do empreiteiro, o que levou o ministro da Justiça a se mexer. Procurados por VEJA, Cardozo, Renault e Sigmaringa tropeçaram nas próprias contradições ao tentar esclarecer a reunião no Ministério da Justiça, classificada por eles como um mero bate-papo entre amigos sobre assuntos banais. Cardozo disse inicialmente que não se reuniu com Renault. Depois, admitiu o encontro. A primeira reação de Sigmaringa também foi negar a audiência com Renault no gabinete do ministro, para, em seguida, recuar. Os amigos compartilham, como se vê, do mesmo problema de memória. Na versão de Cardozo, a reunião teria sido obra do acaso. Sigmaringa, um "amigo de longa data", teria ido visitá-lo. Renault, que estava em Brasília e tinha um almoço marcado com o ex-deputado, decidiu se encontrar com Sigmaringa também no ministério. Pimba! Por uma conjunção cósmica, o advogado da UTC, empresa investigada pela Polícia Federal, acabou no gabinete de José Eduardo Cardozo. "Liguei e perguntei para o 'Sig' onde poderia encontrá-lo. Ele disse que tinha uma conversa com o ministro da Justiça e perguntou se eu não queria passar lá. Pensei: passo e até dou um abraço no ministro. Conversamos como dois amigos na presença do Sig", contou o advogado. Renault e Sigmaringa são velhos conhecidos de Márcio Thomaz Bastos. O primeiro foi secretário da Reforma do Judiciário no governo Lula, quando era subordinado a MTB. O segundo sempre atuou como auxiliar de luxo de MTB em operações cruciais desenroladas no Judiciário — da nomeação de ministros para tribunais superiores ao acompanhamento de processos de interesse do governo. Sigmaringa chancelou a indicação de Teori Zavascki, de quem é amigo, para o Supremo Tribunal Federal. Em dezembro passado, Zavascki concedeu habeas corpus a Renato Duque, o ex-diretor de Serviços da Petrobras acusado por um subalterno de embolsar 40 milhões de dólares em propina. Duque chegou ao cargo na estatal pelas mãos do mensaleiro José Dirceu. Depoimentos de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef divulgados na última semana implicam o ex-chefe da Casa Civil nos enredos nada republicanos protagonizados por seu afilhado político (veja a matéria na pág. 50). O escândalo está trincando as mais sólidas alianças. Depois de ficar quase um ano preso, Dirceu procurou Lula para dizer que não aceita ser responsabilizado de novo, como ocorreu no processo do mensalão. Lula não lhe deu satisfação. Hoje, os dois grandes líderes petistas estão praticamente rompidos. Numa conversa recente, o ex-presidente fez questão de ressaltar que, quando o PT assumiu o poder, em 2003, quem operava firme na Petrobras não era João Vaccari, um de seus homens de confiança, mas Silvio Pereira. "E o Silvinho era de quem?", perguntou Lula. "Do nosso amigo lá", acrescentou, referindo-se a Dirceu. A conflagração dentro do PT só não é maior porque Duque foi o único peixe graúdo do petrolão a se livrar da prisão antes das festas de fim de ano. Na semana passada, a Segunda Turma do STF decidiu manter o ex-diretor Duque em liberdade. O colegiado seguiu o voto de Zavascki. Ato contínuo, os advogados dos executivos presos começaram a redigir os pedidos de soltura de seus clientes. A mudança radical nos rumos da Lava-Jato prometida no gabinete do ministro da Justiça pode estar começando. "É ABSOLUTAMENTE NORMAL" José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, diz que é seu dever receber advogados, independentemente de quem sejam clientes deles. O advogado Sérgio Renault fez uma visita ao senhor no ministério recentemente? Não. Na terça-feira passada, por volta da hora do almoço. Ah, sim. Eu estava com o doutor Sigmaringa Seixas, que veio falar comigo sobre uma questão. Ele é meu amigo de anos. Ele, Sigmaringa, iria almoçar com o Sérgio. Ai eles se encontraram na minha antessala. Aí eu saí e cumprimentei o Sérgio. Mas não fiz reunião com ele. Até poderia, porque ele é meu amigo de muitos anos. Mas não foi isso. Se ele tivesse pedido uma reunião para tratar sobre qualquer assunto que dissesse respeito a algum tema da minha pasta, eu o teria recebido. Conversaram sobre a Operação Lava-Jato? Não. Ele iria almoçar com o Sigmaringa. O Sig estava comigo e pediu ao Sérgio que encontrasse com ele no ministério. Mas o Sérgio até poderia ter vindo conversar comigo, sem nenhum problema. Eu recebo advogados que querem falar, fazer queixas, uma série de coisas, é absolutamente normal. O senhor acha normal os advogados o usarem, como ministro, para fazer queixa sobre um processo que está aos cuidados da Justiça? É um dever meu recebê-los. Eu sou o chefe da Polícia Federal. Se avaliam que há algum arbítrio, alguma situação, eles representam. É muito comum, e não é só na Lava-Jato. Agora, se não tem nada a ver com representações, não cabe a mim recebê-los. Mas, se um advogado vem, me procura dizendo que há alguma ilegalidade cometida pela PF, é meu dever recebê-lo, senão eu prevarico. O senhor fez algum comentário com advogados sobre a lista de políticos do governo e da oposição que vai ser divulgada depois do Carnaval pelo procurador-geral da República? Não tenho nem ciência da lista, como vou fazer comentário? Há uma boataria generalizada. Existem situações que já saíram no jornal, que não sei se são verdadeiras, que mostram que tem gente do governo e da oposição. Na semana passada, o senhor conversou com alguém sobre a Operação Lava-Jato? Eu converso muita coisa com muita gente. Mas a delação está com a Procuradoria-Geral da República. O que eu tenho são notícias de jornal que mostram vários espectros envolvidos. Os advogados procuraram o senhor em busca de um prognóstico? Advogados me procuraram para fazer representações. Tenho representações sobre vazamentos, sobre outras situações que estão sob sigilo. Isso tem acontecido. Tenho dado processamento normal a essas questões. O senhor pode dizer com que advogados tem conversado? Não. São sigilosas essas conversas? Não. São públicas. Pode olhar na minha agenda. Tomo todas as cautelas. O que o senhor conversou com Sigmaringa Seixas? Questões estritamente pessoais. 3#3 O CONSULTOR DO ESQUEMA Delator revela que o mensaleiro José Dirceu recebia propina e tinha um jato posto à sua disposição pelas empreiteiras envolvidas no escândalo. RODRIGO RANGEL E ALEXANDRE HISAYASU A parte de baixo do esquema de corrupção da Petrobras já foi integralmente desvendada. Em conluio com funcionários da estatal, um grupo que reúne as maiores empreiteiras do país superfaturava seus serviços e repassava o dinheiro desviado aos partidos aliados do governo — PT, PMDB e PP. Donos de construtoras, diretores corruptos e seus operadores estão presos e, em breve, receberão suas sentenças. A nova etapa da investigação mira a parte intermediária do esquema, os destinatários dos subornos, os alvos ensaboados que, por tradição, são quase sempre bem-sucedidos na arte de driblar a lei. Pegue-se o caso do ex-ministro José Dirceu. Ele foi condenado a sete anos e onze meses de prisão por liderar os petistas envolvidos no escândalo do mensalão, ficou preso 354 dias, ganhou o direito de cumprir o resto da pena em casa e o privilégio de continuar desfrutando os milhões de dólares e reais que faturou com suas múltiplas "consultorias". Dirceu era o exemplo de como uma punição branda desperta a sensação de que o crime, para alguns, realmente compensa — ou, pelo menos, era. Na semana passada, a Justiça divulgou partes do depoimento prestado pelo doleiro Alberto Youssef. Se tudo o que ele disse for confirmado, o ex-ministro deverá considerar seriamente a possibilidade de, em breve, voltar à Papuda. Youssef contou que o mensaleiro era, ao lado de João Vaccari Neto, tesoureiro nacional do PT, destinatário das propinas do petrolão que cabiam ao partido. Na contabilidade do crime, de acordo com o delator, José Dirceu era o "Bob", codinome usado para identificar os repasses feitos diretamente ao ex-ministro. Bob é o mesmo apelido que Marcos Valério, o operador do mensalão, usava para se referir a Dirceu em suas conversas. Certamente uma coincidência. Youssef também contou que o ex-ministro tinha ligação estreita com Júlio Camargo, um dos intermediários da propina que era carreada dos contratos da Petrobras para o caixa dos partidos e o bolso de políticos. A proximidade entre os dois era tanta que o empresário deixava um jatinho executivo à disposição do ex-ministro. Aos investigadores, o doleiro relatou que a propina repassada a Dirceu era anotada nas planilhas que Júlio Camargo fazia questão de deixar arquivadas, com o registro pormenorizado da corrupção. A parte que coube a Bob estaria contabilizada pelo empresário entre os 27 milhões de reais que foram destinados ao núcleo petista de 2005 a 2012. Youssef citou ainda o ex-ministro Antonio Palocci, coordenador da campanha presidencial de Dilma Rousseff em 2010, como outro elo entre o PT e Júlio Camargo. A presença do ex-ministro no caso Petrobras já havia sido captada no radar dos investigadores devido a outra estranha coincidência: as empreiteiras envolvidas tinham a JD Assessoria e Consultoria, a empresa de Dirceu, como cliente. São contratos milionários por serviços vagos ou inexistentes. Além das empreiteiras, o rol de clientes do ex-ministro inclui cervejaria, fabricante de remédios e até consultorias — sim, o consultor Dirceu, de tão competente que era, recebia pagamentos até de outras empresas com atuação no mesmo ramo que o dele. Há casos de clientes que, em um curto espaço de tempo, transferiram 4 milhões de reais para as contas da empresa. O auge do faturamento foi no ano eleitoral de 2010. O que será que um consultor — advogado que mal exerceu a profissão, político formado sob ideais anacrônicos de Fidel Castro e condenado por corrupção — pode oferecer de tão valioso às maiores empresas brasileiras? A resposta vem justamente de um dos contratantes, o engenheiro Gerson Almada, presidente da Engevix, uma das empreiteiras envolvidas com os desvios na Petrobras. Preso há três meses, ele disse a pessoas próximas que a empresa sempre foi obrigada a pagar propina ao ex-ministro José Dirceu, em troca dos contratos que firmou com a Petrobras e também para garantir a influência do ex-ministro nos contratos futuros. A Engevix é uma das construtoras que figuram na lista de clientes da JD Consultoria. Almada confirmou a esses interlocutores que as "consultorias" eram uma forma de lavar o dinheiro da propina paga ao petista. Antes de Almada, Ricardo Pessoa, o dono da UTC, outra empreiteira envolvida, já havia revelado que assinara um contrato milionário com a JD Consultoria a pedido de João Vaccari, o tesoureiro do PT. Ou seja, se o caso da Engevix e o da UTC não forem exceções, as múltiplas e milionárias consultorias do ex-ministro não passam mesmo daquilo que se imagina. O ex-ministro José Dirceu negou que sua consultoria tenha servido a operações ilegais. A amigos, ele confidenciou que tem uma carteira de aproximadamente sessenta clientes, incluindo as maiores empresas brasileiras. Afirma ter recibos, notas fiscais e documentos para comprovar que sua atividade é totalmente lícita. Em nota divulgada por sua assessoria, ele negou ter recebido propina das empresas, disse que "nunca" representou o PT em negociações com o executivo da Toyo Setal Júlio Camargo e ainda acusou o doleiro Alberto Youssef de mentir no processo de delação premiada. "As declarações são mentirosas. O próprio conteúdo da delação premiada confirma que Youssef não apresenta qualquer prova nem sabe explicar qual seria a suposta participação de Dirceu", registra a nota. Sobre o uso do jato particular de Júlio Camargo, Dirceu afirmou que, "depois que deixou a chefia da Casa Civil, em 2005, sempre viajou em aviões de carreira ou por empresas de táxi aéreo". O mensaleiro só não revela o mistério que leva tanto empresários renomados quanto conhecidos trapaceiros a pagar até 4 milhões de reais por um serviço invisível. COM REPORTAGEM DE HUGO MARQUE 3#4 A CIFRA QUE DESAFIA BENDINE Auditoria em perdas da Petrobras era considerada boa ideia até o resultado dar 88,6 bilhões de reais. O novo presidente herdou a missão de reduzir o número — e convencer o mercado. MALU GASPAR O novo presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, assumiu o comando no auge do inferno astral da companhia. As investigações do petrolão desnudam novos propinodutos a cada dia, o endividamento é preocupante e a situação interna é de descontentamento — agravada por acidentes como o que deixou ao menos cinco mortos e 25 feridos na explosão em uma plataforma no Espírito Santo. O maior e o mais urgente problema de Bendine, porém, é um número — os polêmicos 88,6 bilhões de reais que, segundo auditoria independente contratada pela estatal, representariam as perdas com ativos de alguma forma envolvidos em corrupção. O dado, impressionante, produziu um racha insolúvel entre o governo, a diretoria da empresa e os representantes de acionistas minoritários. E levou à renúncia da presidente Graça Foster e de cinco diretores. Ao assumir, Bendine deixou claro que, sob sua batuta, a cifra será abandonada. Segundo ele, o cálculo é "um pouco aleatório" e não representa as perdas com corrupção. Os auditores, de fato, não consideram só os 3% de propina mencionados por Paulo Roberto Costa, como Bendine cogita fazer. Mas, até conhecerem o cálculo final, todos os conselheiros e diretores da Petrobras estavam muito à vontade com a decisão de encomendar a auditoria e com o método a ser adotado. Só quando a cifra catastrófica surgiu é que o relatório se transformou em "conta de padaria", como dizem interlocutores da presidente Dilma Rousseff. A contratação de uma empresa independente para calcular as perdas com a corrupção foi definida em 12 de dezembro de 2014, numa reunião do conselho em São Paulo. Ainda em novembro, diante do recrudescimento das denúncias do petrolão, a PricewaterhouseCoopers disse que não chancelaria o balanço da estatal se ele não trouxesse um cálculo do prejuízo causado pelo petrolão. A questão é crítica porque, se a Petrobras não tiver o balanço auditado até junho, seus credores poderão exigir o pagamento antecipado de dívidas e complicar ainda mais a situação financeira da empresa. Naquele dia 12, segundo VEJA apurou com três dos presentes à reunião, o conselho aprovou por unanimidade não só a iniciativa como a metodologia utilizada. Pareceu razoável a todos empregar o método que considera quanto cada ativo está sobrevalorizado em relação aos preços atuais de compra e venda, para então calcular quanto cada usina, plataforma ou refinaria ainda pode gerar de caixa para a companhia. Ninguém discutiu, na ocasião, que indicadores e taxas deveriam ser usados para fazer as contas — até porque, nas palavras de um dos presentes, se o fizessem, o estudo deixaria de ser independente. Tudo correu bem até os conselheiros serem informados dos resultados, em reunião na sexta-feira 23 de janeiro, também em São Paulo. O trabalho feito ao longo de um mês pelas consultorias Deloitte e BNP Paribas havia apurado a diferença de valor de 52 ativos (refinarias, usinas, plataformas) citados nos inquéritos do petrolão. Decomposta, a conta mostrava ainda que 94% das perdas vinham da área de abastecimento e se concentravam em quatro empreendimentos principais: o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) — que consumiu 30 bilhões de reais, mas segundo os auditores vale zero —, a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco (35 bilhões), a petroquímica de Suape e um conjunto de refinarias que tiveram obras de modernização desde 2005. Imediatamente, a então ministra do Planejamento, Miriam Belchior, e o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, manifestaram seu incômodo. O presidente do conselho, Guido Mantega, não compareceu à reunião. A diretoria e alguns minoritários apoiaram o trabalho. O impasse prosseguiu numa segunda reunião, dessa vez para definir se o dado constaria ou não do balanço da Petrobras. Os membros do governo eram totalmente contra, e não queriam sequer divulgar os resultados do estudo. Mas os representantes de acionistas minoritários, aliados à diretoria, insistiram em levá-lo a público, por considerá-lo um fato relevante para os investidores. No final, os 88,6 bilhões foram para o balanço apenas como informação complementar. Mesmo assim, provocaram um terremoto político que, além de levar à saída de Graça e sua equipe, derrubou as ações. Não existe, em nenhum lugar do mundo, regra contábil para calcular perdas com corrupção. Analistas financeiros ouvidos por VEJA na semana passada dizem que a escolha do método depende da situação e da necessidade. Uma crítica feita ao cálculo dos auditores da Petrobras é que ele não leva em conta, por exemplo, os ganhos derivados do fato de a empresa ter logística própria e ativos integrados — como as refinarias que têm mercado cativo na distribuição de combustíveis. Muitos, ainda, consideraram conservadoras as premissas do cálculo, como taxas de juros e índices de depreciação. "Dizer que o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro vale zero é um exagero. Os auditores foram pelo pior cenário", afirma um desses analistas. É fato, porém, que o prejuízo provocado pelo petrolão não se encerra no valor da propina — até agora, 4 bilhões de reais, contabilizados os 3% cobrados por Paulo Roberto Costa por contratos na área de abastecimento. Um esquema dessa natureza aumenta o custo das obras, gera atrasos que diminuem a receita e prejudica toda a cadeia de fornecimento. O próprio Comperj, que de complexo industrial se reduziu a uma refinaria, mobilizou uma rede de prestadoras de serviços que já começou a quebrar agora que o projeto gorou, provocando protestos como o que parou a Ponte Rio-Niterói na semana passada. A verdade, admite o próprio presidente da Petrobras, é que talvez seja impossível calcular de forma precisa quanto a empresa perdeu na esteira do petrolão. “Pode ser que nunca enxerguemos exatamente", disse Bendine ao jornal Valor Econômico. Seja qual for o próximo cálculo, porém, podem ser afirmadas desde já duas coisas sobre seu resultado. A primeira e que ele será menor do que os 88,6 bilhões de reais renegados pelo governo. A segunda, que terá de ser muito bem explicado — para que não fique a sensação de que não se estava buscando a cifra mais precisa, e sim tentando esconder a sujeira debaixo do tapete. Trata-se apenas do primeiro dos enormes desafios que Bendine tem pela frente (veja o quadro ao lado). Desincumbir-se bem dele pode representar a diferença entre o sucesso e o fracasso de sua estratégia para a Petrobras. A BOMBA-RELÓGIO DO DÓLAR Como se não bastassem todas as dificuldades que a Petrobras já enfrenta, um problema adicional passou a assombrá-la na semana passada, quando o dólar irrompeu a barreira dos 2,80 reais. A valorização da moeda americana além desse patamar é perigosa por duas razões. A primeira é que começa a ficar mais difícil para a estatal pagar seus compromissos apenas com sua geração de caixa. Isso porque 70% da sua dívida é designada em dólar. Segundo cálculos do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a dívida líquida da Petrobras, que até o fim de setembro de 2014 era de 260 bilhões de reais, subiu para 290 bilhões. Foram 30 bilhões perdidos para o câmbio - 70% do caixa gerado pela empresa entre janeiro e setembro de 2014. O outro efeito colateral do dólar forte é reduzir os ganhos que a estatal vinha tendo com a defasagem entre os preços do petróleo no mercado internacional, em queda, e os dos combustíveis no Brasil, mantidos altos. A estimativa do CBIE é que o ganho extra de 67,8%, em janeiro tenha caído para 23% na semana passada. A questão é delicada porque a própria companhia já informou que seus recursos são suficientes apenas para chegar ao fim do ano, e até já começou a rever investimentos. Se o dólar continuar alto e minar os cofres mais rapidamente, vai se tornar ainda mais urgente a necessidade de injeção de recursos. O problema é que as alternativas para isso não são muitas — nem boas. A solução ideal seria vender na bolsa subsidiárias como a BR Distribuidora. Uma operação assim, porém, depende do fim do petrolão para ser bem-sucedida. No campo das soluções possíveis a curto prazo, a primeira seria aumentar o preço dos combustíveis. Isso, entretanto, significaria impor novo arrocho aos consumidores, que já enfrentam a volta de impostos sobre os combustíveis. A segunda hipótese é o Tesouro capitalizar a empresa - dificultando o já hercúleo ajuste capitaneado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. A terceira via seria converter em participação acionária a dívida da Petrobras com os bancos estatais, dando a ela fôlego para tomar mais crédito no mercado. Tal saída tem sérios inconvenientes, entre os quais o maior é aumentar a interferência do governo e espantar investidores privados. "É pouco provável e seria péssimo. Mas, como o governo não vai deixar a Petrobras quebrar, é melhor botar as barbas de molho", diz o diretor do CBIE, Adriano Pires. ______________________________________ 4# ECONOMIA 18.2.15 4#1 O EMPUXO DO DÓLAR VOADOR 4#2 O CASTELO DE CARTAS DO EURO 4#3 O GOVERNO NADA CRIA 4#1 O EMPUXO DO DÓLAR VOADOR A crise de desconfiança em relação ao governo Dilma e a conjuntura externa menos favorável fazem o real cair ao menor valor ante a moeda americana desde 2004. ANA LUIZA DALTRO Ladeira acima, todo santo ajuda o dólar a subir no Brasil, ou melhor, qualquer motivo parece explicar a valorização abrupta da moeda americana. Na semana passada, até o Carnaval foi usado como justificativa. O raciocínio tem sua lógica. Com o alto grau de incertezas e riscos pairando sobre a economia mundial, entre eles a indefinição sobre os próximos passos nas negociações da dívida grega, os investidores e as empresas optam por comprar dólar e, assim, não ser pegos de surpresa durante o feriadão prolongado. Essa ação defensiva acaba empurrando ainda mais para cima a cotação da moeda. A verdade, entretanto, é que não faltam razões, tanto internas como internacionais, para de fato aumentar a cotação do dólar. Os brasileiros terão de se adaptar à nova conjuntura, revendo planos de viagens ao exterior, reduzindo a compra de importados e também suportando uma alta da inflação nos próximos meses. O dólar chegou ao maior valor desde outubro de 2004 ao atingir 2,87 reais. Essa é a cotação usada nas transações comerciais. Para os turistas, o dólar, que há dois anos podia ser comprado por 2 reais, já está custando acima de 3 reais quando são incluídos os impostos. É grande a oscilação das cotações de moedas que operam no regime de livre flutuação, como é o caso do dólar e do real. Ainda assim, a intensidade da queda da moeda brasileira é surpreendente e, como esclarecem os economistas, só pode ser explicada por uma série de fatores adversos (veja o quadro ao lado). As perspectivas de crescimento para este ano não são nada animadoras. Isso significa queda nos lucros das empresas, o que reduz a atração do capital de investidores externos. O país também possui um grande déficit nas contas externas. Em outras palavras, o fluxo de saída de recursos é superior ao de entrada, e isso por si só é uma força de desvalorização do real. O quadro de ceticismo em relação ao governo também deixa os investidores mais retraídos. O novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, procura restabelecer a confiança ao defender a aplicação imediata de medidas de austeridade. O ajuste "é crucial para preservar as conquistas no campo da inclusão social já alcançadas", afirmou, dizendo ainda que "a estabilidade de preços é um valor indispensável para a sustentação do crescimento e a busca de uma sociedade mais justa e aberta". O Congresso, entretanto, parece não endossar o ministro. No dia 10, a Câmara dos Deputados aprovou em segundo turno o texto-base de uma proposta de emenda constitucional (PEC) que obriga o governo a liberar os recursos das emendas parlamentares individuais, o que configura o chamado orçamento impositivo. Caso a proposta seja promulgada, a União deverá destinar a essas emendas um limite de até 1,2% da receita corrente líquida do ano anterior, algo como 10 bilhões de reais. Deputados da oposição, da base aliada e até do PT votaram a favor da medida, contrária ao ajuste fiscal de longo prazo que o governo tenta fazer e um desestímulo à eficiência no gasto público, dado que muitas das emendas parlamentares dizem respeito a duvidosas obras nos seus quintais eleitorais. Ao mesmo tempo, foram apresentadas mais de 700 emendas às medidas provisórias de reformas dos benefícios sociais sugeridas por Levy. "Há um questionamento, por parte dos investidores, sobre se vai ser realmente possível implantar essas medidas", diz Sidnei Moura Nehme, diretor executivo da NGO Corretora de Câmbio. "A própria base aliada do governo está contra o governo. Tudo isso, somado a um cenário que projeta nenhum crescimento do PIB para este ano e a todo o impacto de reajustes que vão gerar uma inflação muito alta, vai exigir mais juros do que está previsto. O contexto traz dúvidas sobre se o governo vai ter condições de bancar as suas decisões ou se vai ceder. Isso cria stress." Outra fonte de tensão está no cenário externo. A recuperação da economia nos EUA fortalece o dólar internacionalmente, e a moeda americana deverá ganhar ainda mais força caso o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, decida elevar a taxa de juros nos próximos meses. A presidente do Fed, Janet Yellen, não comenta abertamente esse assunto, mas outros diretores da instituição já indicaram que a alta poderá vir em breve, depois de seguidos anos de taxas mantidas próximo a zero. Ainda no campo externo, a desvalorização das commodities, como o petróleo e o minério de ferro, contribui para o enfraquecimento da moeda de grandes exportadores de matérias-primas, como é o caso do Brasil. O impacto para os brasileiros não será sentido apenas nas viagens internacionais. É quase consenso entre os analistas que a inflação vai ficar acima dos 6,5%, o limite superior da meta oficial. O Itaú Unibanco, por exemplo, trabalha com uma projeção de 7,4% de alta nos preços para este ano. O cenário não é alentador. A conjuntura externa deixou de soprar a favor do Brasil, ao mesmo tempo em que estouram os desequilíbrios criados na economia pelos equívocos cometidos no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Com o tempo, a alta no dólar poderá favorecer as empresas exportadoras. Mas a realidade doída, para a maioria dos brasileiros, é que, como o real perdeu valor, eles já ficaram relativamente mais pobres e sofrerão com uma queda no seu poder de consumo. Foi bom enquanto durou. A FORÇA DO DÓLAR Por que a moeda americana subiu ao maior valor em dez anos 2,87reais (Cotação de 11/2/2015) 20% de valorização em doze meses Razões internas - A DÉFICIT NAS CONTAS INTERNACIONAIS - A CRESCIMENTO NULO DO PIB - CRISE NA PETROBRAS - CARNAVAL Razões externas - RETOMADA DA ECONOMIA AMERICANA - ALTA DOS JUROS NOS EUA - CRISE NA GRÉCIA - DESVALORIZAÇÃO DAS COMMODITIES COM REPORTAGEM DE ISABELLA DE LUCA 4#2 O CASTELO DE CARTAS DO EURO A Grécia desafia as autoridades europeias e poderá abandonar a moeda única, num prenúncio de nova tempestade financeira. O euro é frágil como um castelo de cartas." A imagem é mais velha do que as ruínas do templo de Apolo em Delfos. Mas, sem outro recurso que não a retórica, foi a ela que recorreu Yanis Varoufakis, o novo ministro grego das Finanças. Varoufakis cultiva um tipo de distorção lógica que o faz acreditar que o rabo balança o cachorro: "Se a Grécia sair, outros a seguirão. Quem será o próximo? Portugal? O que acontecerá quando a Itália descobrir que é impossível viver atada à camisa de força da austeridade?". O ministro itinerante vem pregando a rebelião contra a política de austeridade financeira que Portugal e Itália e os outros, Espanha e Irlanda, adotaram para sair da crise econômica em que se meteram por gastar mais do que arrecadam. Varoufakis chegou ao poder com a recente vitória eleitoral do Syriza, partido que fez campanha prometendo que seria possível para a Grécia abusar do veneno que quase a matou: a gastança pública sem lastro. Em termos práticos, o que o Syriza prometeu equivale a acreditar que um homem pode se erguer do chão puxando pelos cadarços dos próprios sapatos. Mas em política, que de arte do possível está virando uma tenda dos milagres, vale tudo. Sozinha, a Grécia quebrará em março e, sem acesso aos recursos de fundos europeus, do Banco Central Europeu e também do Fundo Monetário Internacional (FMI), vai ficar à sua própria sorte. Daí a tentativa de atrair outros países para seu bloco suicida e, assim, quem sabe, se tornarem, juntos, maiores do que o abismo. A Grécia gastou além das suas contas, quebrou, recebeu ajuda financeira e agora quer uma saída para não honrar os compromissos assumidos. Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças da Alemanha, resumiu com clareza a natureza do pleito do governo grego: "Eles querem mais dinheiro, e não mais ajuda". Schäuble lembrou que Varoufakis é o sétimo ministro das Finanças da Grécia desde o início das negociações, em 2010: "Para a imprensa, parece ser relevante se alguém usa gravata ou se coloca a camisa para fora ou para dentro da calça, mas, para a discussão dos termos de uma provável ajuda à Grécia, esses detalhes são desprezíveis", disse Schäuble, claramente irritado com o sucesso do jeito rock star de ser de Varoufakis. A realidade é uma só: a Grécia já teve sua dívida parcelada em termos muito confortáveis. Mas ela admite outras visões: quem, no fundo, se beneficiou da renegociação da dívida grega foram os bancos estrangeiros, principalmente franceses e alemães, que recuperaram seus prejuízos, enquanto o país afundava em uma recessão que engoliu um quarto do PIB. Como sempre ocorre nos casos em que uma força política se elege com o voto da emoção e da revolta, o primeiro-ministro Alexis Tsipras, líder do Syriza, precisa antes de mais nada dar uma ducha fria nos seus constituintes. O sentimento que funcionou nas urnas não ajuda em nada a negociação com as autoridades europeias. Talvez a única circunstância favorável aos gregos seja o sentimento predominante de que a última coisa de que o mundo financeiro precisa neste momento é de um país da zona do euro inadimplente. As ondas de choque seriam fortes o bastante para desestabilizar a economia mundial? Gente que conhece o assunto, como Alan Greenspan, ex-presidente do banco central americano, acha que sim. Varoufakis aposta nisso. A DÍVIDA GREGA: 320 bilhões de euros (175% do PIB) 4#3 O GOVERNO NADA CRIA O mexicano Aldo Musacchio é um estudioso da economia brasileira há quinze anos. Professor associado da Harvard Business School entre 2004 e 2014, especializou-se na análise da ascensão de uma nova forma de capitalismo de estado, na qual os governos interferem na atividade produtiva em parceria com o setor privado por meio de estatais e de empréstimos. O Brasil é um símbolo do modelo. Em parceria com o brasileiro Sérgio Lazzarini, do Insper, Musacchio escreveu Reinventando o Capitalismo de Estado (Portfolio Penguin). Em entrevista a VEJA, Musacchio, diretor da Brazil Initiative na Brandeis University, em Boston, explica como a Petrobras poderia ter sido protegida do uso político e por que a atuação do BNDES não surtiu os resultados esperados. MARCELO SAKATE PETROBRAS - Existe muita indignação no Congresso, mas os parlamentares deveriam ter mais responsabilidade, fiscalizando o que se passa nas estatais. Ficou claro também que as reformas feitas na Petrobras no governo FHC não a protegeram da ação política como se pensou. Imaginava-se que a abertura de capital e a venda de ações a investidores privados seriam suficientes para assegurar mecanismos para monitorar a estatal adequadamente. Não foi o caso. Faltou melhorar a auditoria interna, que precisa ser independente. Por fim, os conselheiros precisam ter a capacidade e a autonomia para escolher os profissionais que ocuparão os cargos executivos, e os indicados precisam ter feito carreira relevante no setor. ESTATAIS EFICIENTES - são empresas públicas que atuam em setores com concorrência, dentro do país ou fora dele. A Petrobras, no aspecto operacional, se beneficia por ser uma concorrente internacional. A norueguesa Statoil é uma empresa global e é muito qualificada. Isso acontece com algumas companhias aéreas. A Singapore Airlines é a melhor do mundo e é estatal. Outra questão diz respeito à blindagem da ação política. Nas estatais mais eficientes, existem mecanismos para monitorar e controlar os executivos, como conselhos de administração qualificados e independentes. Na Coreia do Sul, há um sistema de metas e outro de avaliação de desempenho das estatais. Não são apenas metas financeiras. Imagine uma empresa de energia. É importante avaliar a qualidade do serviço e se a cobertura foi ampliada. No Peru, uma holding administra a maioria das estatais e define metas e planos estratégicos que devem ser atingidos em um prazo de três a cinco anos. Se as metas não são alcançadas, o presidente da estatal pode ser demitido. Na Coreia do Sul, o presidente da empresa corre o risco de perder o direito ao bônus, que chega a até 40% do salário. CAPITALISMO DE ESTADO - A crise de 2008 foi um teste importante, especialmente em países como a Rússia, a China e o Brasil. São economias com um número grande de empresas estatais e forte presença do governo, alguns controles de preços e crédito direcionado. Esses países se deram relativamente bem com o choque inicial da crise. Quando a economia passou a ter muita capacidade ociosa, foi fácil adotar políticas anticíclicas. Mas, na sequência, houve exagero no uso do aparato estatal. Foram criados desequilíbrios que agora cobram o seu preço. No Brasil, o BNDES foi mobilizado para emprestar 100 bilhões de dólares em um ano; o Banco do Brasil, para baixar os juros do crédito. A Petrobras serviu para controlar o preço da gasolina. Na crise, tudo funcionou bem. Chega um momento, porém, em que o modelo não se sustenta, pois a inflação começa a subir, o déficit externo aumenta, a dívida pública cresce. Esse modelo não pode ser utilizado para sempre. FALHAS DO BNDES - Estudamos os dados de empréstimos do banco a 286 companhias de capital aberto. Os recursos não aumentaram os investimentos nem houve melhora da rentabilidade das empresas, como seria esperado dentro da visão oficial de sua política industrial. O efeito relevante foi a redução da despesa financeira, decorrente do menor custo do crédito. Analisamos também a atuação do BNDESPar (a unidade que investe no capital de empresas, tornando-se sócia delas). Na década de 90, o banco teve atuação muito boa ao ingressar em empresas e fazê-las aumentar os gastos em capital e melhorar o desempenho. As companhias beneficiadas eram as que tinham maior dificuldade para obter crédito no mercado. Ou seja, o banco ajudava a resolver falhas do mercado. Não foi isso que diagnosticamos na análise dos recursos de 2002 a 2009. Ao contrário, o banco beneficiou empresas com facilidade para obter crédito. O BNDES poderia ter mais rigor ao exigir o cumprimento de metas e aplicar punições caso não fossem alcançadas. O que existe hoje não vai criar um comportamento como o visto na Coreia do Sul nos anos em que o crédito subsidiado promoveu uma onda de industrialização. CAMPEÃS NACIONAIS - Em Harvard, os professores que são os gurus em política industrial avaliam que os países que alcançam resultados mais efetivos são aqueles que romperam com a vantagem comparativa. Em vez de apoiar setores em situação privilegiada, a política industrial deve criar vantagens em setores com maior valor agregado. É o que países como Coreia do Sul, China, Japão e Singapura fizeram. O Brasil, ao contrário, decidiu pôr mais recursos em setores nos quais já possui vantagem comparativa, em empresas de petróleo, minério de ferro, carnes, açúcar e etanol. É um capitalismo de estado tropical. Empresas de commodities normalmente não pagam os melhores salários e não são intensivas no uso de mão de obra. FIM DO POPULISMO? - O ministro Joaquim Levy entende quais são os problemas da economia e está tentando corrigir os desequilíbrios. O país não tem como adiar tais ajustes. Mas a correção consiste no aumento da carga tributária, em corte de gastos do governo e de subsídios, em reduzir os recursos para o BNDES e em subir o preço da gasolina. Isso afetará a classe média e os mais pobres. O passado mostra que, sempre que as eleições se aproximam, o PT adota políticas populistas. É só olhar como subiu o crédito para as empresas campeãs nacionais em 2010. Nem a China emprestou tanto. Vai existir um ajuste do governo, mas é preciso esperar as próximas eleições para avaliar se os subsídios não serão retomados, se as estatais não serão novamente utilizadas para segurar preços, se o BNDES não vai emprestar mais a empresas amigas do governo. ______________________________________ 5# INTERNACIONAL 18.2.15 5#1 A PAZ DEPENDE DE PUTIN 5#2 RECRUTAR DÁ CADEIA 5#1 A PAZ DEPENDE DE PUTIN Os ucranianos e os russos anunciam um segundo cessar-fogo, mas, para Moscou recuar, o Ocidente terá de ceder mais. FELIPE CARNEIRO O anúncio de um cessar-fogo em Minsk, na quinta 12, traz consigo uma incômoda sensação de déjà vu. Cinco meses depois de anunciar uma trégua entre o Exército e as milícias separatistas pró-Rússia das regiões de Lugansk e Donetsk, o presidente ucraniano Petro Poroshenko subiu ao mesmo púlpito para dizer ao mundo quase a mesma coisa: as hostilidades serão suspensas no primeiro minuto do domingo 15. A declaração veio depois de dezessete horas de negociação com o chefe de Estado russo, Vladimir Putin, com a mediação da chanceler alemã Angela Merkel, da Alemanha, e do presidente francês Francois Hollande. Os dois principais líderes separatistas aprovaram o acerto, mas Putin continuou negando que manda neles. O ex-espião da KGB apresenta-se apenas como um mensageiro com boa vontade para encerrar o conflito. A verdade, porém, é que essa guerra, que já deixou 5000 mortos, só acabará quando Putin estiver convencido de que conseguiu o que queria. O que quer Putin? Na negociação, ele se recusou a permitir qualquer controle das fronteiras entre os dois países. Na quinta 12, enquanto a reunião acontecia na Bielorrússia (o local foi uma escolha dos separatistas), o Exército russo continuava entrando no território vizinho sem pedir licença. A questão que levou Putin a anexar a Península da Crimeia em março do ano passado e a enviar soldados para Donetsk e Lugansk também continua de pé. Com a economia indo mal por causa das sanções internacionais, da corrupção e da queda no preço do petróleo, Putin projeta-se como o defensor do nacionalismo e da população etnicamente russa. A estratégia funcionou e hoje garante um apoio popular de 80% ao presidente. "Putin criou um sentimento tão forte de nacionalismo entre os russos que agora, mesmo que ele quisesse recuar do conflito, parte da população não aceitaria. Virou uma questão de orgulho, de honra", diz Faith Hillis, historiadora da Universidade de Chicago. A ameaça dos Estados Unidos de enviar armas aos ucranianos tampouco é capaz de fazer o urso desistir do mel. Um estudo feito por ex-oficiais americanos do Atlantic Council, um centro de estudos baseado em Washington, calculou que o presidente Obama teria de gastar pelo menos 3 bilhões de dólares ao longo de três anos para ter alguma possibilidade de vitória, a qual só poderia acontecer por desistência dos russos. Angela Merkel não está disposta a arriscar tanto. Ela sabe que uma escalada na violência encontrará uma resposta à altura de Moscou. E nunca é bom pôr contra a parede quem conta com o segundo maior arsenal nuclear do planeta. "Mesmo com uma ajuda brutal do Ocidente, o Exército russo ainda seria favorito nessa guerra", diz o cientista político ucraniano Ivan Katchanovski, da Universidade de Ottawa. Putin está numa posição privilegiada. Desde junho, o homem que negocia em nome da Ucrânia com os separatistas é um compadre seu, Viktor Medvedchuk. O advogado é conhecido por sua lealdade ao Kremlin. Em 1980, foi apontado pela União Soviética como defensor do poeta Vasyl Stus em um julgamento por "atividade antissoviética". O réu tentou recusar o causídico, mas foi ignorado. Medvedchuk clamou pela punição de seu cliente, e Stus passou seus últimos anos de vida em um gulag. Para que a paz na Ucrânia seja definitiva, será preciso ceder ainda mais a Moscou. Putin só vai parar quando a Ucrânia desistir de tratados de livre-comércio com o Ocidente e de integrar a Otan ou a União Europeia. "A única saída é transformar a Ucrânia em um Estado-tampão entre o Ocidente e a Rússia, com a ajuda econômica dos dois lados", diz o cientista político americano John Mearsheimer, da Universidade de Chicago. Seria um final injusto para aqueles que foram à Praça da Independência, em Kiev, para derrubar o presidente Viktor Yanukovich, um aliado de Moscou, no início do ano passado. Mas talvez o único que garantiria a paz. COM REPORTAGEM DE PAULA PAULI 5#2 RECRUTAR DÁ CADEIA Num exemplo de como se pode combater o radicalismo na Europa, a Bélgica condena 46 islamistas à prisão. Bélgica deu na semana passada uma demonstração positiva do que fazer para barrar o fenômeno do recrutamento de jovens muçulmanos europeus por exércitos fundamentalistas na Síria e no Iraque. A solução é enviá-los para a cadeia junto com os clérigos que os convenceram a fazer a jihad no exterior — ou, o que é pior, em seu próprio país. Na quarta-feira 11, um tribunal dessa pequena nação de 11 milhões de habitantes, mas com a maior taxa per capita de jihadistas da Europa, condenou à pena de prisão 46 radicais islâmicos. A maioria, 37, foi julgada à revelia, pois acredita-se que ainda esteja na Síria, lutando. Entre eles está Brian de Mulder, filho de uma imigrante carioca que foi criado no catolicismo mas se converteu ao islamismo e agora é conhecido como Abu Qassem Brazili ("brasileiro", em árabe). Todos os réus pertenciam a uma organização criada localmente, a Sharia para a Bélgica, cujo objetivo era formar um califado no país europeu. "No Estado islâmico totalitário não há liberdade, não há direitos humanos nem lugar para o desenvolvimento pessoal, a ciência ou a cultura", diz a sentença. Se retornar para a Bélgica, Mulder pegará cinco anos de prisão. Para a família dele, seria um alívio. "Preferimos ver Brian na cadeia a vê-lo na Síria", disse a VEJA sua irmã Bruna Rodrigues. O líder muçulmano salafista Fouad Belkacem, de 32 anos, foi condenado a doze de prisão por comandar o esquema de recrutamento. Com base em gravações e depoimentos, os juízes entenderam que o Sharia para a Bélgica doutrinava os jovens em bairros pobres do país e os mandava para juntar-se ao Estado Islâmico (Isis) e à frente Nusra, filiada à Al Qaeda. Acredita-se que 10% dos mais de 300 belgas que percorreram esse caminho tiveram a ajuda da organização. Na Síria, os jihadistas europeus publicavam no Facebook imagens de si mesmos em piscinas e com fuzis Kalashnikov. Escreviam que levavam uma vida boa e que na Bélgica tudo era muito chato. As fotos serviam para atrair novos recrutas. No tribunal, os advogados dos jovens recrutados alegaram que o Estado belga falhou ao deixar que, por mais de cinco anos, o Sharia para a Bélgica atuasse. A detenção dos líderes do grupo só aconteceu em abril de 2013. Com o retorno de muitos dos combatentes e a incitação do Estado Islâmico para que eles cometam atentados em seu país de origem (mais de 100 já voltaram à Bélgica), as autoridades resolveram agir. A decisão dos juízes também visa a desestimular o aparecimento de outros grupos com o mesmo fim. Além de atuar na frente doméstica, a Bélgica integra a coalizão que desde o ano passado bombardeia bases do Isis na Síria e no Iraque. Na semana passada, o presidente americano Barak Obama pediu ao Congresso uma autorização para enviar soldados por terra. Eles poderiam realizar operações de resgate ou matar chefes terroristas. O aval teria validade de três anos. O mundo começa a reagir ao jihadismo. NATHALIA WATKINS, DE PARIS _______________________________________ 6# GERAL 18.2.15 6#1 MEMÓRIA – FORÇA CÓSMICA 6#2 GENTE 6#3 SAÚDE – SURTO DE IMPRUDÊNCIA 6#4 RELIGIÃO – AS ESCOLHAS DE FRANCISCO 6#5 BELEZA – SEM MEDO DE INJEÇÃO 6#6 ESPECIAL — TCHIBUM! 6#7 ESPECIAL – QUAL É O LIMITE? 6#1 MEMÓRIA – FORÇA CÓSMICA A pintora Tomie Ohtake, morta aos 101 anos, foi uma ponte entre o Japão de ontem e a arte nacional de hoje. Ao desembarcar no Porto de Santos, em 1936, Tomie Nakakubo viu a luz. Não se tratava de uma experiência mística, mas da peculiaridade que mais a impressionou na chegada ao país distante para visitar um irmão. Enquanto no Japão de origem a luz era discreta, o Brasil oferecia uma explosão de amarelo. Eis o tipo de percepção que se poderia esperar de uma pintora profissional — mas isso não estava, ainda, no horizonte da jovem de 23 anos. Nascida em Kioto, Tomie desde cedo se interessou por caligrafia e aquarela. Quando quis virar artista, porém, o pai vetou: no Japão daqueles tempos, cabia às mulheres ser mães e esposas. Ela cumpriu o ritual com resignação. Pouco depois da chegada ao Brasil, casou-se com um engenheiro-agrônomo também japonês, teve dois filhos e passou a usar o nome de casada pelo qual se tornaria conhecida. Só às portas dos 40 anos, incentivada por um artista conterrâneo, a dona de casa Tomie Ohtake tomou coragem para ser pintora. "De manhã, cuida da casa. De tarde, pinta", sentenciou o marido. A longa e prolífica trajetória de Tomie — que morreu na última quinta-feira, aos 101 anos, vítima das complicações de uma pneumonia e após passar os últimos tempos deprimida — renderia um filme épico. Ela é uma ponte entre o Japão tradicional, as injunções geopolíticas do século XX — a eclosão da II Guerra foi crucial para que ficasse de vez por aqui — e a arte contemporânea brasileira das últimas seis décadas. Ainda que fosse reflexo dos costumes do velho Japão, o mergulho tardio na arte não deixava de ter relação com uma característica: Tomie engrossa a categoria dos pintores que foram depurando suas marcas sem pressa, atingindo o auge em idade avançada. Ao iniciar-se, em 1952, ela criava figurações prosaicas. A seguir, abraçou o abstracionismo. Mas logo se diferenciou dos modismos ao seu redor, tomando um rumo pessoal que costuma ser definido como abstração informal. É uma arte intuitiva e carregada de sinceridade. "Queria pintar o que vinha do coração, e não apenas o que via", dizia. Como definiu o crítico Miguel Chaia, as curvas e formas orgânicas dotam as obras de Tomie de certa "dimensão cósmica". O fato é que a pintora atingiu a conjunção cósmica dos sonhos de qualquer artista. O rigor de suas composições e a maestria no uso das cores renderam-lhe o respeito dos estudiosos. Ao mesmo tempo, sempre foi popular. Prova disso é que suas obras se tornaram familiares na paisagem brasileira. Tomie criou painéis para o metrô de São Paulo e plantou numa avenida da cidade uma escultura em forma de ondas. O instituto que leva seu nome — criado por Ruy e gerido por Ricardo, seus dois filhos arquitetos — é um centro artístico modernoso na capital paulista. Apesar de ter passado três quartos da vida no Brasil, Tomie ainda tropeçava graciosamente no português. E não abria mão de uma boa tigela de arroz grudento quente, o gohan, misturado a ovo cru e molho shoyu — iguaria oriental tão reconfortante quanto suas pinturas e esculturas o são para os olhos das massas. MARCELO MARTHE 6#2 GENTE JULIANA LINHARES. Com Daniella De Caprio e Thaís Botelho INVERNO E VERÃO O frio de rachar no Hemisfério Norte estava tornando ainda mais melancólicos os dias de MADONNA: a filha mais velha saiu de casa para estudar na Universidade de Michigan ("Foi como perder um braço", disse a cantora), o FBI prendeu o israelense que invadiu seu computador e jogou na rede músicas de seu novo CD, e ela, que sempre tem um rapagão à mão, encara uma gélida entressafra. Para combater a síndrome do ninho vazio e outros males, Madonna, de 56 anos, apelou para um velho e eficiente recurso: exibiu o hemisfério sul na festa do Grammy. E a faixa inferior — fora os saltos, literalmente agulha — não era para levantar nada, não. Possibilidade também riscada pela modelo ALINE RISCADO, que incorporou o apelido de Verão por causa de uma propaganda de cerveja. Não que ela seja infensa a aprimorar o formidável patrimônio: o cabelão é megahair (e alisado com "escova de caviar"), o busto tem 800 mililitros de silicone e os olhos verdes eram lentes de contato: "Depois de doze anos usando, tirei. Quero ser atriz e fui aconselhada por um diretor a ficar bem natural", diz a quase sobrenatural Aline. SEM NEXO, COM MENTIRAS E VIDEOTEIPE A primeira regra do correspondente de guerra é só contar aventuras no front em que apareça num papel ligeiramente ridículo, para não passar recibo de egolatria incontrolável. A segunda é que as histórias sejam curtas. E não contá-las perto de quem também esteve lá e possa desmenti-las é obviamente a terceira. Todas seguidamente desrespeitadas por BRIAN WILLIAMS, que assim perdeu o valorizado posto — 10 milhões de dólares por ano — de âncora do principal noticiário da rede NBC. Um voo num helicóptero alvejado no Iraque no qual nunca esteve e outro em Israel, corpos boiando que viu numa das poucas áreas não inundadas pelo furacão Katrina e até um cachorrinho que suspeitamente salvou de uma casa em chamas quando era bombeiro voluntário, todos contribuíram para a autoimolação de Williams na praça virtual. UM MAR DE FANTASIAS Sem o habitual guarda-roupa maluquinho, sem o ex-marido malucão — o diretor Tim Burton — e sem falar nada com a deliciosa dicção de atriz inglesa — como Bellatrix de Harry Potter, a Rainha Vermelha de Alice no País das Maravilhas e a rainha consorte Elizabeth em O Discurso do Rei -, HELENA BONHAM CARTER revelou uma nova faceta: ela é ictiofóbica. A bizarra fobia a peixes valorizou ainda mais a forma como abraçou a causa de uma ONG de preservação de espécies marinhas. Abraçou e quase beijou ao contracenar com um atum de 27 quilos. Os majestosos peixes estão sendo exterminados por causa de uma das maiores delícias da culinária japonesa, o sushi com a untuosa carne da barriga de atum-azul. NÃO, ELES NÃO SE PEGAM "É uma mentira, um absurdo, ridículo", diz a assessora de PAOLLA OLIVEIRA diante da pergunta que todo mundo quer fazer: a atriz está namorando o colega JOÃO BALDASSERINI? "Somos colegas que se respeitam. É muito desagradável a divulgação dessas informações que não procedem", reage o ator, igualmente indignado. "A vida é muito maior do que a arte, mas elas vivem se confundindo", teoriza Euclydes Marinho, o autor da minissérie Felizes para Sempre?, em que Paolla e João viviam personagens com uma aliança secreta — o que ajudou a incendiar a possibilidade de que tivessem transposto as tênues fronteiras da ficção. Paolla separou-se do companheiro de cinco anos, JOAQUIM LOPES, o Enrico da novela Império, que na trama anda tendo surtos nervosos e ataques de choro em face do drama vivido no enfrentamento com o pai gay, mas, na vida real, diz que faz ioga e que "meditação é bom para tudo". Como cada um deve seguir seus próprios caminhos de relaxamento, em algum lugar entre Veneza, Paris e Londres, um outro casal, em clima de lua de mel adiada, indica que planeja ser feliz para sempre. Ou, ao menos, que está bem feliz neste momento. Aí, eles se pegam. 6#3 SAÚDE – SURTO DE IMPRUDÊNCIA Os casos de sarampo nos EUA chamam atenção para os direitos dos grupos antivacinação — mas uma escolha pessoal não pode virar um problema de saúde pública. ADRIANA DIAS LOPES E CAROLINA MELO Até a vacina contra o sarampo começar a ser usada, em 1963, a doença era uma das principais causas de mortalidade infantil. Com o aperfeiçoamento e a popularização das imunizações, ela foi controlada na maioria dos países. Nos Estados Unidos, a boa notícia foi anunciada em 2000. Em dezembro do ano passado, no entanto, o sarampo ressurgiu, com 94 casos registrados na Disneylândia, na Califórnia. Até agora, no total, 121 pessoas foram identificadas com o vírus, em dezoito estados americanos. A origem do surto está associada ao crescente espaço conquistado por grupos adeptos do movimento antivacina, avessos à imunização. Dizer "não" é um direito individual, inalienável, mas, quando ele afeta a saúde pública, não há como fugir da constatação de retrocesso, na contramão dos avanços da medicina. É a quebra de um contrato social que, nas últimas décadas, salvou milhões de vidas e não pode ser rompido com alegações muito frágeis. As justificativas para não imunizar as crianças contra o sarampo são variadas. Alguns pais argumentam que o sistema imunológico consegue naturalmente se livrar dos agentes patológicos. Outros recorrem à tese do gastroenterologista inglês Andrew Wakefleld. Em 1998, ele publicou um artigo na prestigiosa revista científica Lancet que associava a vacina tríplice (contra a caxumba, a rubéola e o sarampo) a um risco aumentado de autismo. Em 2010, acusado de fraudador, antiético e desonesto, perdeu o registro no Conselho Geral de Medicina da Inglaterra. Virou um pária, embora os fanáticos pela antivacinação o tenham transformado em bode expiatório. A Lancet teve de pedir desculpas, mas o estrago estava feito. Há hoje cerca de 80.000 casos de sarampo no mundo, parte dos quais na Europa, principalmente na Inglaterra, na França e na Itália, onde a onda antivacina é forte, mais sólida que nos Estados Unidos. A outra parte dos casos ocorre em países pobres da África e da Ásia. Vivessem neles, certamente os inimigos da vacinação (contra o sarampo, mas também contra outras doenças) não levantariam suas bandeiras. Vivessem em outro tempo, também ficariam calados. A imunização contra o sarampo, só ela, salva meio milhão de crianças a cada ano. Somadas, as cerca de trinta vacinas atualmente em uso livram da morte 3 milhões de pessoas no mundo e evitam que 10 milhões sofram as sequelas das mais variadas afecções. A vacinação de uma criança não protege apenas a vida dela, mas também a de todos ao seu redor. Um programa de imunização, em geral, pode ser considerado um sucesso quando pelo menos 95% da população é vacinada. Os 5% restantes são protegidos pelo que se chama, no jargão médico, de "imunidade de rebanho", como uma muralha de proteção. No Brasil, mais de 90% das crianças estão vacinadas contra o sarampo. A imunização é feita com uma única vacina, a tríplice viral, no primeiro ano de vida, com reforço aos 15 anos. A grita contra as vacinas, sob a alegação da livre expressão de uma vontade, perde força quando comparada a uma discussão semelhante nos anos 60. Os fumantes acendiam um cigarro sem se preocupar com as pessoas ao lado porque estariam fazendo mal apenas a si mesmos, e ponto. Quando estudos minuciosos comprovaram os danos da "fumaça passiva" à saúde, xeque-mate. Fumar hoje é de mau gosto, além de crime em locais, cada vez mais numerosos, em que impera a draconiana proibição. A oposição aos evidentes benefícios das vacinas é uma atitude que soa extemporânea, inaceitável. Parece coisa do início do século passado. Remete à Revolta da Vacina de 1904, contra a decisão do sanitarista Oswaldo Cruz de tornar obrigatório o controle da varíola, que previa inclusive a invasão de casas e a remoção das pessoas pelos agentes de saúde. Durante um mês, o Rio de Janeiro viveu em estado de guerra civil. Acuado, o então presidente Rodrigues Alves revogou a lei da vacinação obrigatória. Isso foi compreensível, dadas as circunstâncias. No século XX, seria absurdo. Atualmente a varíola é a única doença infectocontagiosa declarada erradicada pela Organização Mundial da Saúde. Como todos os medicamentos, as vacinas oferecem reações adversas, e seria desonesto escondê-las. A do sarampo, por exemplo, causa em até 3% dos pacientes o chamado "sarampinho", uma forma atenuada da doença, sem nenhuma ameaça à saúde. Entre os sintomas, estão febre baixa e manchas na pele. Não há comparação com o sarampo em si. Doença devastadora, ela aniquila o sistema imunológico e pode levar à morte por pneumonia e encefalite. Diz o infectologista Artur Timerman, do Hospital Edmundo Vasconcelos, em São Paulo: "O risco de contaminação é sempre muito maior do que qualquer efeito adverso que a imunização possa provocar. É uma constatação que vale para qualquer vacina". A vacinação, e não apenas conta o sarampo, é obrigatória no Brasil. As escolas pedem a carteira de vacinas dos alunos. O Bolsa Família só é concedido às famílias cujas crianças estão com a vacinação em dia. CONQUISTAS HISTÓRICAS VACINAS - Descoberta em 1796 pelo inglês Edward Jenner, a primeira vacina foi contra a varíola. Até ser erradicada, em 1980, a doença matou 300 milhões de pessoas apenas no século XX SANITARISMO - Em 1854, um surto de cólera matou 500 pessoas em apenas três semanas, em Londres. No mesmo ano, descobriu-se que a doença era transmitida pela água, o que desencadeou a construção de uma das primeiras redes de esgoto do mundo. A falta de saneamento aumenta em cerca de 30% o risco de morte na infância por doenças como difteria, hepatite e cólera ANTIBIÓTICOS - Foi por acaso que, em 1928, o bacteriologista escocês Alexander Fleming descobriu a penicilina. A partir dos anos 40, quando o remédio começou a ser produzido em larga escala, infecções bacterianas que até então ceifavam milhões de vidas, como o tétano e a pneumonia, passaram a ter cura A GUERRA FRIA ENTRE SALK E SABIN A ciência é tradicionalmente repleta de rusgas entre pesquisadores que batalham para ver quem chega antes a uma descoberta. É corrida saudável, cujo resultado são soluções que salvam vidas. Um dos casos mais emblemáticos é a criação da vacina da poliomielite, a paralisia infantil. Até meados do século passado, essa doença, epidêmica em muitos países, era uma sombra assustadora. Em 1952, houve 21.000 casos de paralisia permanente e 3000 mortes somente nos Estados Unidos. A busca por uma vacina era missão prioritária. Dois cientistas alcançaram o objetivo, quase simultaneamente: o americano Jonas Salk, e Albert Sabin, nascido na Polônia e radicado nos Estados Unidos. Salk, a rigor, chegou ao resultado primeiro. Em 1952, criou uma vacina de injeção que continha o vírus morto. A cura se espalhou pelos Estados Unidos. Em paralelo, Sabin criticava publicamente Salk. A alegação: utilizar o vírus morto poderia ser perigoso por não ser tão efetivo. Sete anos depois, Sabin desenvolveu uma vacina em gotas que continha o vírus vivo, mas enfraquecido. No entanto, como nos Estados Unidos a versão do rival tinha proliferado, o cientista não conseguiu realizar testes clínicos. A solução de Sabin: experimentar sua vacina na União Soviética, no auge da Guerra Fria. Com os soviéticos, em 1959, ele realizou uma investigação clínica inédita, com mais de 10 milhões de pessoas. No fim, as duas vacinas vingaram. A de Salk erradicou a doença no então chamado Primeiro Mundo. A de Sabin, mais simples, fez o mesmo no Terceiro Mundo, como no Brasil (mas há ainda três nações com casos de poliomielite). Inspirou, inclusive, um personagem muito querido entre os brasileiros, o Zé Gotinha, criado nos anos 80. Aqui, as duas versões ainda são usadas. Mas há planos para substituir a de Sabin. Testes clínicos comprovaram maior eficácia da de Salk. RAQUEL BEER 6#4 RELIGIÃO – AS ESCOLHAS DE FRANCISCO O perfil dos vinte novos cardeais nomeados pelo papa revela o futuro que Bergoglio deseja para a Igreja e, consequentemente, ajuda a definir o estilo de seu sucessor. ADRIANA DIAS LOPES A posse de vinte cardeais, prevista para as 11 horas do sábado 14, na Basílica de São Pedro, em Roma, será um dos atos mais reveladores do papado de Francisco. A lista é constituída, em sua maioria, de nomes completamente inesperados. Alguns vêm de países da África, Ásia e Oceania, com pouca relevância no cenário mundial católico. Muitos deles até então jamais haviam tido um cardeal. "O critério de escolha foi o da universalidade", disse Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, ao justificar as definições. A questão, no entanto, vai além. Francisco deixou de lado costumes seculares da Igreja no que se refere à nomeação de um cardeal. Ao que tudo indica, o papa tomou a decisão sozinho. E, ao fazer isso, escancara uma contradição: seu discurso não se aplica à prática. Desde o início de seu mandato, em marco de 2013, ele prega a importância da colegialidade — ou seja, o comando da Igreja com a participação dos bispos. Francisco deixou de fora representantes das chamadas sedes cardinalícias, as cidades de relevância histórica para a Igreja. É o caso do bispo brasileiro Murilo Krieger. Aos 71 anos, o arcebispo de Salvador é primaz do Brasil, título atribuído ao fato de a capital baiana ter sido a primeira diocese do país, em 1551. A maior surpresa, porém, foi a exclusão do italiano Francesco Moraglia, de 61 anos. O experiente arcebispo ocupa um dos cargos mais reputados da Igreja, o de patriarca de Veneza. Os papas Pio X (1903-1914), João XXIII (1958- 1963) e João Paulo I (1978) ocuparam o mesmo posto. Francisco também excluiu os Estados Unidos, os grandes financiadores da Igreja Católica. Desde a década de 70, os bispos americanos entram nas listas papais. Entre os cardeais com menos de 80 anos e, portanto, com direito a eleger o próximo papa, há apenas um proveniente da Cúria Romana, o francês Dominique Mamberti, diplomata de longa data. Conselheiros do pontífice em decisões cruciais, os cardeais ganham ainda mais destaque durante os conclaves que escolhem o sucessor do Trono de Pedro depois da morte ou renúncia do antecessor. Francisco, a rigor, desenha agora o perfil da Igreja que ele sonha para o futuro — e que elegerá seu sucessor. Como integrante da Companhia de Jesus, a ordem fundada por Inácio de Loyola (1491-1556), Bergoglio é um missionário por excelência. E aqui, sim, se vê uma demonstração de coerência nas escolhas. Os novos cardeais possuem características semelhantes às do argentino. São líderes habituados a propagar e defender a fé católica em situações adversas. É o caso de Charles Maung Bo, 66 anos, arcebispo de Mianmar, país com apenas 4% da população católica (veja o quadro abaixo). A lista de Francisco também deixa claro que ele quer uma Igreja voltada à sua essência, para cuidar de um rebanho ameaçado pelo laicismo. Não há como negar, porém, que suas decisões, quase sempre mercuriais, podem não agradar às alas mais conservadoras, formadas não só pela cúpula da Igreja como por fiéis. Com as nomeações, o colégio cardinalício passa a ter 125 cardeais com direito a indicar o próximo papa. Eles representarão 56 países, nove a mais em relação à configuração anterior. O número total ultrapassa o limite de 120 definido pelo papa Paulo VI (1963-1978). As leis da Igreja permitem, no entanto, uma pequena margem de diferença. Bento XVI, por exemplo, foi eleito por um grupo de 115 cardeais. No caso do sucessor de Francisco, a situação deverá ser um pouco diferente. O papa planeja aumentar o número mínimo de cardeais para 140. Nos dias que antecederiam a cerimônia de posse dos novos cardeais, Francisco refletiria com os purpurados sobre reformas da Cúria Romana. Mas, muito provavelmente, já sabe o que fazer. Francisco pede respaldo, mas gosta mesmo de decidir sozinho. AS SURPRESAS A nova lista de cardeais chama atenção pela inclusão de bispos de países com pouca relevância no cenário católico mundial e pela exclusão de representantes de peso na Igreja. O quadro abaixo mostra os principais deles. QUEM ENTROU Charles Maung Bo, 66 anos, Mianmar - Os budistas somam 90% da população. Apenas 4% dela é católica. O arcebispo será o primeiro cardeal do país. Berhaneyesus Demerew Souraphiel, 66 anos, Etiópia - Os católicos etíopes seguem os ritos litúrgicos dos cristãos orientais, mas aceitam a autoridade e a primazia do papa. José Luis Lacunza Maestrojuán, 72 anos, Panamá - É o primeiro cardeal da Ordem dos Agostinianos Recoletos, seguidores de Santo Agostinho. Ele não é o arcebispo principal do país. Arlindo Gomes Furtado, 65 anos, Cabo Verde - No contexto mundial, a Igreja cabo-verdiana é pouco expressiva, com apenas 300.000 católicos. Furtado é o primeiro cardeal do país. Soane Patita Paini Mafi, 53 anos, Tonga - Com apenas 100.000 habitantes, o pequeno país da Oceania tem pouca influência no cenário católico internacional. QUEM FICOU DE FORA Francesco Moraglia, 61 anos, Itália - O arcebispo ocupa um dos cargos mais importantes da Igreja, o de patriarca de Veneza. Três cardeais que exerceram a função foram eleitos papas: Pio X, João XXIII e João Paulo l. Rino Fisichella, 63 anos, Itália - Um dos nomes mais fortes da Cúria, é presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, criado por Bento XVI, em 2010 Murilo Krieger, 71 anos, Brasil - Como Salvador foi a primeira diocese brasileira, em 1551, o arcebispo é o primaz do Brasil. Por tradição, o primaz é nomeado cardeal. Blase Cupich, 65 anos, Estados Unidos - Com uma arquidiocese de 2,2 milhões de católicos, o arcebispo de Chicago ocupa um dos cargos mais altos na hierarquia da Igreja americana. Vincenzo Paglia, 69 anos, Itália - O arcebispo preside o Pontifício Conselho para a Família, um dos temas primordiais do papado de Francisco. 6#5 BELEZA – SEM MEDO DE INJEÇÃO "O desejo por coxas e bumbum grandes ganha novos aliados: os preenchimentos. Paolla Oliveira? Não, a inspiração é a modelo que quase morreu por causa deles. DANIELLA DE CAPRIO Atenção aos desfiles de Carnaval. Pernas e nádegas de muitas mulheres estarão mais lisinhas e infladas do que nunca. Isso é resultado do efeito Andressa Urach, a curvilínea da televisão que sofreu infecção generalizada em consequência de substâncias injetadas para inflar as coxas. Em muita gente, a história causou calafrios de horror, pelos riscos à saúde e à integridade corporal. Mas, em uma parcela de interessadas em estufar essas redondezas, o efeito foi contrário: elas tiveram vontade de fazer tudo o que Andressa fez, sem a parte ruim, claro. A busca pela hiperplasia das nádegas é um fato: o Brasil é o campeão em colocação de próteses de silicone nos glúteos. Em 2013, 64.000 mulheres fizeram a gluteoplastia, uma intervenção cirúrgica com baixo índice de complicações, porém mais demorada, inclusive pela necessidade de internação, do que as injeções "mágicas" — custa entre 12.000 e 15.000 reais. Nos Estados Unidos, com população 63% maior, foram 12.000. O número de americanas que se submeteram aos preenchedores foi bem menor: 2 500. Não há dados totais do Brasil, mas apenas uma das empresas que produzem hidrogel, a mais popular das substâncias empregadas, avalia que, desde 2008, ao menos 50.000 brasileiras já fizeram uso dele. Uma das mais conhecidas dermatologistas do país, a paulistana Ligia Kogos conta que, semanalmente, rejeita pacientes interessadas em fazer aplicações de hidrogel ou polimetilmetacrilato para essa finalidade. Em geral, elas saem de seu consultório e vão em busca de cirurgiões plásticos que topam realizá-las. "Quando digo que não vou colocar, elas perguntam: 'Mas você não viu as moças do Pânico? Todas têm!'", diz Lígia, relatando a influência do programa de TV em que as ajudantes de palco, por coincidência ou ajuda superior, têm coxas e bumbum bufantes. "Antes, esses preenchimentos eram feitos por garotas que não tinham muita orientação, nem médica nem familiar; hoje, universitárias, mulheres de profissão estruturada e esposas de homens ricos estão fazendo também", conta Ligia. Recentemente, ela foi questionada por um prefeito do sul do país que não gostou do "resultado" de um remédio contra acne que a dermatologista havia receitado à primeira-dama. "Ela colocou preenchimento no bumbum com outro médico e escondido do marido, e disse que o crescimento exagerado era um efeito colateral do remédio para acne! Eu me mantive fiel e não disse nada", brinca Ligia. "Desde que surgiu o caso da Andressa, a procura no meu consultório cresceu em até 30%", calcula o cirurgião plástico gaúcho Denis Valente, que aplicou 150 mililitros de PMMA, sigla de polimetilmetacrilato, na ex-BBB Monique Amin e em muitas mulheres não relacionadas ao ambiente artístico. "Essas clientes já queriam colocá-lo e, com medo do que aconteceu com a modelo, agora estão procurando médicos sérios", diz Valente. Com a palavra, a ex-BBB: "Queria dar um toque especial ao bumbum. Nunca deu problema, e estou muito satisfeita". Experiência semelhante teve a estudante de administração Pricila Trajano, 31. "Eu não tinha aquela curvinha que fica entre o fim das costas e o bumbum. Malhava e nada. Coloquei 200 mililitros de PMMA e não senti dor, só uma contração muscular grande", descreve Pricila, que recebeu anestesia local para fazer o procedimento e pagou 14.500 reais. Segundo o médico, as pacientes preferem preenchimentos ao silicone porque a prótese dá um aspecto artificial, além de ser bem mais cara e eventualmente demandar troca. Os quatro produtos usados para aumentar o volume de nádegas e coxas são PMMA, ácido hialurônico, hidrogel e silicone líquido. Os dois últimos têm uso proibido pela Anvisa. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica não recomenda os preenchimentos. "Os tecidos ficam impregnados e é impossível removê-los", diz seu presidente, João Prado Neto. Na prática, como o ácido é muito caro, o PMMA e o hidrogel são aplicados com mais frequência. As complicações em geral decorrem de abuso ou imperícia, quando não são seguidos três princípios fundamentais: 1. pouca quantidade — o máximo ideal são 100 mililitros. Em maior volume, aumenta o risco de granulomas, compressão de vasos e nervos e infecções. Há médicos que chegam a aplicar até quatro vezes mais do que isso. 2. Higiene médica: as cânulas, por exemplo, têm de ser esterilizadas adequadamente, o que não acontece em clínicas desqualificadas. 3. Os produtos não podem ser misturados, pois ainda não são conhecidas todas as reações que a associação acarreta. O PMMA, que tem outros usos médicos, como a substituição da gordura facial esvaída em pacientes com aids, tem complicadores adicionais: não é absorvido pelo corpo e não pode ser retirado completamente, a não ser em situações extremas, como a de Andressa, em que algumas porções foram removidas com cirurgias. O caso dela, dizem especialistas, decorreu de uma sucessão de erros. Só de hidrogel, ela tinha 500 mililitros, mais 100 mililitros de PMMA. É possível que as cirurgias para a retirada do material tenham agravado seu estado, aumentando a contaminação por bactérias através das incisões. A stylist Jennifer Pamplona, que fez aplicações nas pernas há dois anos, não sofreu complicações tão graves, mas está arrependida. "Apareceram manchas vermelhas, e sinto muita dor quando malho. Estou com medo", relata. "O hidrogel é totalmente absorvido pelo corpo em alguns anos. O problema é que há ditos médicos que fazem aplicações em quartos de hotel, dizendo que são de hidrogel, quando não são", afirma o cirurgião João Jaenisch Neto, que aprovaria sua aplicação em condições corretas. A plasticidade dos géis é elogiada pela secretária Josiane Becker, de 22 anos: "Coloquei 200 mililitros em cada glúteo. Não dá para apalpar o produto, e você até esquece que tem". Depois de uma assustadora maratona hospitalar, incluindo 25 dias na UTI, dos quais três em coma, Andressa Urach, ainda com drenos nas coxas, alerta: "Eu buscava a perfeição e machuquei meu corpo. Não vou mais usar nem megahair nem unha postiça". OS AGENTES INFILTRADOS Existem pelo menos quatro preenchedores utilizados para inflar e alisar a pele das coxas e dos glúteos. Normalmente, eles só apresentam riscos à saúde se aplicados em grandes quantidades ou misturados entre si. PMMA – Produto composto de microesferas de um tipo de acrílico; fica no corpo para sempre. Aprovação da Anvisa: SIM Riscos: Caroços, vermelhidão e endurecimento da pele, causados por alergias e bactérias. Vantagens: Essas complicações não acontecem na maioria dos casos. Máximo ideal: 100 ml Na prática: 1000 ml nas coxas e 400 ml nos glúteos Preço: Cerca de 80 reais por ml Hidrogel – Produto composto de 98% de água e 2% de preenchedor; a maior parte é absorvida pelo corpo. Aprovação da Anvisa: NÃO Riscos: Pode causar complicações alérgicas e infecciosas, além de se deslocar pelo corpo. Vantagens: Essas complicações não acontecem na maioria dos casos. Máximo ideal: 100 ml Na prática: 1000 ml nas coxas e 500 ml nos glúteos Preço: De 20 a 30 reais por ml. Ácido hialurônico – Produto sintético que imita o ácido presente na pele humana; é absorvido pelo corpo Aprovação da Anvisa: SIM Riscos: Inchaço e alteração de sensibilidade passageiros e reação inflamatória Vantagens: Essas complicações não acontecem na maioria dos casos. Máximo ideal: 100 ml Na prática: 100 ml Preço: De 250 a 400 reais por ml. Silicone líquido – Óleo mineral de uso médico, empregado como lubrificante de cateteres e seringas. Aprovação da Anvisa: NÃO Riscos: Vendido sem controle, pode ter impurezas e provocar graves infecções. Movimenta-se pelo corpo e nem sempre é possível retirá-lo. Vantagens: Preço baixo. Máximo ideal: Não pode ser aplicado Na prática: 1000 ml nas coxas e 500 ml nos glúteos Preço: Cerca de 30 reais por ml. 6#6 ESPECIAL — TCHIBUM! Que tal aproveitar o Carnaval para fazer aquilo que, secretamente, você já teve vontade: jogar fora o smartphone e ficar desplugado? Mas cuidado, porque a desintoxicação digital é sofrida. FILIPE VILICIC E RAQUEL BEER Há um paradoxo no Carnaval brasileiro — nunca se foi tanto à rua, em blocos que invadiram o Rio e São Paulo antes mesmo do início oficial da folia, sem falar nas multidões que sobem e descem as ladeiras de Salvador, do Recife e de outras capitais. E, no entanto, eis aí o descompasso, nunca se esteve tão distante das sensações reais, do corpo a corpo, da urgência do "vou beijar-te agora" da antiga marchinha-rancho. Em vez de máscaras negras, um smartphone diante do rosto (o.k., pode ser um pau de selfie) e um concurso dissimulado, mas nem tanto assim, cujo objetivo é bater recordes de fotos no Instagram e postagens no Facebook. Pouco importa quem está ali ao lado, suado, molhado, o que vale mesmo são as curtidas de dedo para cima ou coraçãozinho quase automático de redes sociais onipresentes. Tchibum! Os dias de feriado seriam uma ótima oportunidade para fazer aquilo que, durante todo o ano, vez ou outra imaginamos secretamente fazer: jogar fora o aparelho que nos impede de tirar os olhos da tela — um pouco de autocrítica é suficiente para entender que alguém exageradamente conectado pode ser muito chato; mas ficar off-line, desplugado, no bloco do eu sozinho? Não. É tão difícil viver assim que, a essa tentativa temporária de tirar os fios ou cortar o wi-fi, se deu o nome de "detox digital". A intoxicação eletrônica, ainda que soe exagerada, é palpável. Médicos consideram que permanecer acima de três horas diárias conectado pode transformar um hábito em uma rotina prejudicial à saúde. O ruim é achar que só se vive em sociedade on-line (o brasileiro fica em média nove horas diárias na rede), sorvendo uma avalanche de informações tortas que nos chegam de todos os cantos, sem filtro, venenosas como açúcar para o diabetes. O simples exercício de imaginar como seria viver desplugado faz bem, é quase uma epifania, embora pareça impraticável e assustador para quem se desespera quando termina a bateria, um problema ainda insolúvel. Não se trata de romantizar o passado, de chorar o bom tempo que já passou. Estar on-line é uma condição de nossa civilização, e daí brotaram extraordinários avanços. São inegáveis, enfim, as vantagens do mundo virtual, motor para todas as atividades humanas. Porém, a partir do momento em que começamos a nos exceder na rotina plugada, surgiram os malefícios. O que as pessoas mais produzem na rede? Buscas em sites como o Google e mensagens em redes sociais, campos férteis para fofocas e radicalismos (sejam de quais tipos forem). À primeira vista, pode parecer um costume sem sérias consequências. Mas novas investigações têm provado que o abuso da internet prejudica, sim, a vida off-line. Os efeitos no organismo são notados com facilidade. Checar e-mails antes de dormir, por exemplo, confunde o cérebro, pois a luminosidade da tela faz com que instintivamente pensemos que é dia, uma avenida para a insônia. Ficar duas horas consecutivas diante do computador seca os olhos, abre-alas para dores de cabeça. Pouco se sabe, no entanto, do efeito da internet nas construções mentais. Um estudo da Universidade Colúmbia comprovou que a facilidade de buscar qualquer tipo de resposta no Google tornou nossa memória preguiçosa. O teste foi realizado com universitários levados a memorizar informações triviais. Os alunos avisados de que não teriam novo acesso aos dados conseguiram se lembrar deles depois. O grupo ciente de que as frases estariam na internet esqueceu com rapidez o que ouvira, certo — e por que não? — de poder recuperar tudo com uma pesquisa, O escritor americano Nicholas Carr, autor de uma reportagem famosa na revista The Atlantic ("O Google está nos tornando burros?"), transformada em livro, resumiu: "A internet está tirando minha capacidade de concentração e contemplação. Minha mente espera receber informações da forma como a internet as distribui, em uma suave transição de partículas". Esse efeito descrito por Carr é conhecido como power browsing ("navegação mecânica") e já foi posto à prova. Um trabalho da University College London mostrou que jovens universitários têm dificuldade para pesquisar informações. Ao acessar um conteúdo, a maioria lê uma ou duas páginas do que aparece antes de pular para outra fonte. O comportamento é fruto de eles estarem acostumados a ter respostas rápidas, típicas das buscas on-line. O cérebro tem de ser exercitado com obstáculos intelectuais; quando há uma ferramenta como a web que facilita o desafio, a tendência é a preguiça. E tanta preguiça tem reflexos nas relações pessoais. O uso excessivo da internet promove sentimentos de solidão e depressão. Uma pesquisa da Universidade de Essex, na Inglaterra, concluiu que, quando casais têm conversas sobre o relacionamento com o celular de um deles nas proximidades — mesmo que o aparelho esteja fora de uso —, o parceiro sem celular sente que o outro não se preocupa com seus sentimentos. É o smartphone como personagem de um triângulo nada amoroso. "Não é errado usar a internet. O errado é deixar de fazer coisas relevantes para ficar on-line", diz a psicóloga Luciana Ruffo, do Núcleo de Pesquisa de Psicologia em Informática da PUC de São Paulo. O problema: tudo parece relevante na extraordinária oferta da internet — nem que seja relevante só para compartilhar com outros. A desintoxicação digital, percebe-se, é penosa, por parecer desnecessária. Um caminho é permanecer um longo período desplugado. Outro é policiar a rotina on-line (veja casos nos quadros ao longo desta reportagem). A primeira atitude, mais radical, foi adotada pela escritora americana Susan Maushart. Ao notar que smartphones e tablets estavam prejudicando o cotidiano com os filhos, ela obrigou sua família a ficar seis meses desconectada. Diante de tanta conexão, o charme agora, a postura de bom-mocismo, é sair da rede. Brotam em todo o mundo restaurantes, hotéis e centros de meditação que propõem a experiência. Um dos mais badalados é o Camp Grounded, acampamento californiano onde adultos pagam 500 dólares para passar as férias sem celular, notebook e tablet. Em resposta aos que mais abusam, surgiram também clínicas especializadas no tratamento de pessoas consideradas viciadas em gadgets. O centro do hospital Nightingale, em Londres, chegou a internar uma paciente de 4 anos que não conseguia sair da frente de telas conectadas. Ironicamente, o detox ainda se espalhou pela própria internet. Foi pela rede, por exemplo, que a ONG holandesa Just criou o desafio "99 Dias de Liberdade", no qual propõe que as pessoas fiquem 99 dias sem acessar o Facebook. Mais de 40.000 já completaram a experiência. A importância de saber lidar cautelosamente com o mundo virtual, para evitar a escravidão, cresce como consequência de um fato simples: a internet entrou de forma muito rápida em nossa vida. Teóricos da área de tecnologia acreditam que logo a rede estará em todo lugar, dos carros às geladeiras, invisível, sem que a percebamos. É a infância de uma convivência que mal começou. "Estamos em fase de adaptação, e imagino que faremos um uso mais consciente no futuro", disse a VEJA o americano Robert Stein, pioneiro da indústria digital. A sensação de que algo se perde, sem a noção exata das conquistas, é um ciclo recorrente quando surge uma tecnologia disruptora. Na Grécia Antiga, o filósofo Sócrates lamentou a popularização da leitura, pois acreditava que a escrita era danosa à capacidade de memorização. A criação da imprensa de Gutenberg, no século XV, deu luz a prognósticos de que a facilidade de acesso aos livros promoveria a preguiça. Julgamentos similares recaíram sobre o rádio, a TV e o computador. Com a internet, revivemos isso. Não conhecíamos seus efeitos nocivos. Por isso, abusamos. Mas, se é o caso de defender o acesso à rede, porque o detox é doloroso, há a quem apelar. Como não fica bem apoiar apenas o uso recreativo (aliás, é impressionante a transformação de Uma Thurman, o viral da semana passada, não?), circulam com extrema facilidade definições que tratam a internet como "transparente", "democrática", para não dizer "revolucionária". Quem quiser rechaçar a desintoxicação em nome dessas promessas terá aí um belo estandarte. Mas é didático ouvir uma voz crítica como a do bielorrusso Evgeny Morozov, de apenas 30 anos, o porta-voz mais incisivo dos ataques à web. Morozov disse ter tido noção clara dos exageros atribuídos ao poder da tecnologia quando trabalhava para a Transitions, uma organização de promoção do jornalismo independente na Europa e na Ásia Central: "Fui ao Tadjiquistão com uma apresentação em PowerPoint para falar sobre a Wikipedia, o Flickr e o You-Tube, e ouvi: 'Cara, aqui a gente não tem eletricidade. Do que você está falando?'". Conclusão: estar desplugado não é uma Quarta-Feira de Cinzas. Pode ser uma boa experiência, nem que seja apenas durante um Carnaval. Mas sair do ar por sair do ar, como um modismo qualquer, como quem vai a um spa, é bobagem. Nas palavras de Morozov: "A linguagem da 'desintoxicação' implica que nosso desejo incessante de conectividade permanente é uma condição médica, como se a culpa residisse inteiramente no consumidor. Isso reflete uma falha ampla dos desconectados: não ter um plano sólido para o real tratamento de suas preocupações". ANTISSOCIAL NAS REDES SOCIAIS Daniela Costa, vice-presidente de uma multinacional que cria softwares, é responsável por gerir a imagem da companhia em redes sociais. Não demorou para que ela ficasse viciada no Facebook. Quando se viu trocando momentos em família para checar seu perfil, contando as curtidas, percebeu que havia algo errado. Decidiu então passar umas férias em um detox digital total. A experiência fez com que diminuísse o ritmo. Hoje, acessa redes sociais apenas uma vez ao dia e limita o uso do iPad pelos seus filhos trigêmeos, de 6 anos. "Passei a ler mais e brincar mais com minhas crianças", resume. AS 6 DA TARDE, ADEUS WI-FI Na escola inglesa The School of Life, que abriu filiais no Brasil, o físico irlandês Stephen Little é professor de mindfulness, uma filosofia moderna cuja orientação é estimular as pessoas a ter atenção plena a cada atividade que desempenham. Little considera os estímulos tecnológicos rivais desta meta e, neoludita, tomou medidas drásticas contra os gadgets. "Não quero me distanciar do que há de prazeroso na vida, como olhar o mundo sem uma tela na frente" diz. Ele instalou em sua casa um dispositivo que desliga o wi-fi às 6 da tarde e decidiu checar o e-mail apenas duas vezes ao dia. PARA VIVER DESLIGADO Falar em detox digital, nos últimos tempos, tem sido quase tão comum quanto o seu avesso, usar as redes sociais para tudo. A Coca-Cola lançou há um ano uma campanha na qual promovia o fictício Social Media Guard, um colar (como os utilizados em cachorros doentes) que impediria o uso de smartphones. A produtora americana Nerdist fez uma paródia da série Friends na qual os personagens só olham para o próprio celular, sem interagir. E o Camp Grounded aproveitou para lucrar: criou um acampamento na Califórnia onde adultos pagam 500 dólares para ficar off-line. UMA MARTELADA NO STRESS O médico Marcelo Dermazo especializou-se no combate ao stress do dia a dia, como o causado pelo excesso de uso da internet e de aparelhos eletrônicos. Dermazo nunca foi aficionado das tecnologias digitais, mas há um ano o cotidiano profissional exigiu que instalasse internet em casa pela primeira vez e comprasse um smartphone. Cuidadoso, contudo, sempre deixa o celular desligado e distante das mãos quando se exercita, viaja ou sai com os amigos, e se desconecta quando chega em casa depois do trabalho. "A internet nos ajuda a ser produtivos, mas também nos bombardeia com estímulos inúteis que acabam se tornando somente uma fonte contínua de tensão", afirma Dermazo. COMO SE LIVRAR DOS CELULARES Vinícius Ferreira, de 14 anos, diz espantar-se com o vício de outros adolescentes por smartphones. "Eles nem conversam, ficam só nas telas", diz. Essa sensação fez com que ele e dois amigos do 1º ano do ensino médio decidissem se livrar dos dispositivos sempre que possível. Quando estão juntos, empilham os aparelhos longe do alcance dos braços para se dedicar apenas ao papo off-line. Sabem que são como ovelhas negras, mas gostam de se sentir assim. SEIS MESES SEM INTERNET Há cinco anos, a escritora americana Susan Maushart percebeu que a sua relação com os três filhos adolescentes estava se deteriorando. Eles trocavam conversas e os encontros familiares pela tela de celulares, computadores e videogames. Para resolver a situação, decidiu realizar um experimento com ela mesma, que é divorciada, e seus filhos: um detox digital de seis meses. A experiência foi relatada em seu livro The Winter of Our Disconnect (em inglês, O Inverno em que Nos Desconectamos). Na entrevista a seguir, Susan conta como foi o tempo off-line e como esse exercício reaproximou sua família. A DECISÃO - "Fui radical porque nossa situação era desesperadora. A forma como nossa família, incluindo eu, abusava da tecnologia estava fora de controle. Tínhamos praticamente parado de nos comunicar como pais e filhos devem fazer. Quando eu chegava do trabalho e dizia 'oi, crianças', era uma grande conquista receber um reles contato visual. Cada um de nós passava 35 horas semanais on-line." DESCONECTADOS - No primeiro dia off-line, meu filho veio ao meu quarto logo depois de acordar para avisar que estava entediado. Foi um sinal de que o experimento seria doloroso. Mas, ao contrário do que eu pensava, as crianças são muito adaptáveis. O Bill sofreu no começo, mas a melancolia passou quando ele redescobriu o sax, que tinha parado de tocar, e fez novos amigos. Minha filha mais velha também acabou achando um hobby, o de cozinhar cookies e cupcakes. Quem mais sofreu foi a caçula, que chegou a se mudar para a casa do pai para acessar a internet, e quando voltou passava quase todo o tempo dormindo. Demorou seis semanas para ela se abrir à vida desconectada. Quanto a mim, tive um surto de felicidade porque havia conseguido pôr a minha decisão em prática." ESCOLA E TRABALHO - Quando avisei meus filhos do detox, eles alegaram que não poderiam participar porque precisavam estudar on-line. Mas suspeitava que o tempo em que eles diziam estar 'fazendo lição de casa' era um disfarce para acessar redes sociais. Resolvi a questão liberando a internet para uso na escola. No fim, o desempenho escolar melhorou. No trabalho, a vida off-line afetou, sim, meu desempenho. Tive de escrever o livro no papel e com lápis, e mandar o resultado a meu editor. Reparei que isso tornou meu estilo mais introspectivo, mas é indiscutível que o processo é lerdo. E tinha a desvantagem de não poder pesquisar no Google." RESULTADOS - "No processo de detox, meus filhos começaram a interagir mais entre si. Isso não quer dizer que a vida virou um mar de rosas. Eles tanto brincavam como brigavam. Como meu filho redescobriu o amor pelo sax, a casa ainda ficou barulhenta. E, como as meninas adoravam assar doces, a cozinha virou uma zona. Foi quando percebi que celulares e tablets são um tipo de calmante, uma forma de controlar as pessoas e impedir que interações aconteçam. No fim, nossa experiência foi como uma dieta radical: não funciona a longo prazo. Só que no processo você perde peso e muda sua vida. Em consequência do detox, fortificamos nossa família." 6#7 ESPECIAL – QUAL É O LIMITE? Um teste para saber se sua rotina on-line está sob controle ou seja pode ter afetado negativamente a vida off-line. Um brasileiro com fácil acesso a redes wi-fi passa na internet cerca de nove horas diárias. É muito. Os médicos indicam que mais que três horas é atalho para transformar o hábito em uma rotina prejudicial à saúde. O teste abaixo foi adaptado de um similar desenvolvido pela psicóloga americana Kimberly Young, fundadora do Centro para o Vício em Internet nos Estados Unidos. Responda de acordo com a frequência com que adota cada uma das atitudes a seguir: A) Nunca ou raramente B) Às vezes C) Frequentemente D) Muito frequentemente E) Sempre 1- Usualmente permanece on-line mais do que o previsto, esquecendo de realizar outras tarefas? A – B – C – D – E 2- Costuma trocar momentos ao lado da família e de amigos por mais tempo em sites, apps e games? A – B – C – D – E 3- Conversa com pessoas exclusivamente pela internet? A – B – C – D – E 4- Amigos e familiares queixam-se da quantidade de tempo que você passa conectado? A – B – C – D – E 5- Seus hábitos on-line prejudicam o desempenho no trabalho ou nos estudos? A – B – C – D – E 6- A primeira atitude que toma ao acordar é verificar e-mails, Facebook, Twitter, Instagram ou WhatsApp? A – B – C – D – E 7- Para distrair-se de problemas reais, costuma relembrar informações vistas na internet, ou mesmo volta a acessá-las? A – B – C – D – E 8- Reclama, grita ou se irrita se alguém o incomoda enquanto está conectado? A – B – C – D – E 9- Escolhe dormir menos para ficar on-line até mais tarde? A – B – C – D – E 10- Quando está em uma festa, em uma viagem ou durante uma reunião familiar, sente-se compelido a checar com frequência e-mails, Facebook, WhatsApp, Instagram e Twitter? A – B – C – D – E 11- Quando é obrigado a se manter desconectado, fica ansioso, imaginando ter perdido algo muito importante? A – B – C – D – E 12- Mente a pessoas próximas sobre quanto tempo realmente gasta on-line em atividades alheias ao trabalho, como no Facebook ou no Instagram? A – B – C – D – E 13- Opta por passar mais tempo na internet em vez de sair com outras pessoas? A – B – C – D – E 14- Esconde seus hábitos on-line (a exemplo dos sites que costuma acessar) de amigos e familiares? A – B – C – D – E 15- Tenta diminuir o tempo que passa on-line e não consegue? A – B – C – D – E SOME OS PONTOS Letra A: 1 Ponto Letra B: 2 Pontos Letra C: 3 Pontos Letra D: 4 Pontos Letra E: 5 Pontos De 15 a 37 pontos SOB CONTROLE Você sabe a importância de deixar os atrativos virtuais de lado para aproveitar momentos com pessoas de que gosta. É claro que eventualmente se pega passando mais tempo nas redes sociais do que esperaria, mas, de forma geral, se controla. De 38 a 59 pontos ATENÇÃO Apesar de achar que permanece on-line tanto quanto qualquer outra pessoa, amigos e familiares já devem ter pedido a você que desligasse o celular ou saísse da frente do computador - e note se essas reclamações não são mais frequentes do que esperava. No trabalho, talvez conseguisse ir embora mais cedo se deixasse de trocar tantas mensagens no WhatsApp. De 60 a 75 pontos PASSOU DO LIMITE O tempo que permanece conectado deve estar prejudicando-o em vários campos da vida. Procure refletir sobre o espaço que a rede tem no seu dia a dia e quais outras atividades está deixando de lado para ficar na frente da tela. Pondere se um esforço para se desligar do mundo virtual e curtir o mundo real não valeria a pena. REHAB OFF-LINE O psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Hospital das Clínicas de São Paulo, desenhou um passo a passo para se livrar da dependência do mundo virtual • Reconheça a existência do problema. - É fundamental admitir a necessidade de mudança de hábitos • Aceite queixas. - Relembre de quando amigos e familiares reclamaram do seu uso excessivo da rede e conclua, então, quais são as situações em que você precisa deixar a internet de lado: no trabalho? Nas refeições? No convívio familiar? • Crie uma rotina. - Estabeleça horários e intervalos para olhar o celular ou abrir seu perfil em uma rede social. A ideia é não utilizar gadgets o tempo todo e tentar viver também off-line. • Tenha objetivo ao acessar a web. - Quando for entrar na internet, defina um propósito para fazê-lo, seja responder a mensagens, seja postar algo em seu perfil. Depois de concluída a tarefa, volte ao mundo de átomos, e não de bits. • Prefira o real ao virtual. - Em vez de mandar um e-mail ao seu colega de trabalho, vá à mesa dele para conversar. Tente substituir mensagens no WhatsApp por chamadas telefônicas ou encontros. Com o tempo, notará que a troca trará maior satisfação. ____________________________________________ 7# ARTES E ESPETÁCULOS 18.2.15 7#1 CINEMA – O SR. GREY VAI RECEBÊ-LA AGORA 7#2 LIVROS – OPOSTOS CORDIAIS 7#3 TELEVISÃO – CHAVE DE CADEIA 7#4 MÚSICA – O LIBERATO DO ROCK INDIE 7#5 VEJA RECOMENDA 7#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 7#7 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – SINAIS PROMISSORES 7#1 CINEMA – O SR. GREY VAI RECEBÊ-LA AGORA Mas é Dakota Johnson, como a jovem inexperiente arrastada por Grey para o sadomasoquismo, quem vai ganhar a plateia nesta adaptação certinha de Cinquenta Tons de Cinza ISABELA BOSCOV E MARIO MENDES Em matéria de fantasia, a trilogia Cinquenta Tons está ali, ombro a ombro, com O Senhor dos Anéis: neste mundo mitológico criado pela autora E.L. James, o bilionário dono de um império global abre espaço na agenda para dar entrevista a um jornalzinho de faculdade — e, só de olhar para a moça que, confusa e envergonhada, recita as perguntas anotadas num papel, já cai de amores por ela. Verdade que este deve ser um dia de extraordinária conjunção astral: Anastasia Steele, ou Ana, está apenas fazendo um favor a uma amiga, essa sim aluna de jornalismo, que pegou uma gripe. Ana é, ela própria, estudante de literatura inglesa. E, em outro sinal de que o universo conspira a favor desse encontro, seu escritor preferido é Thomas Hardy, criador de histórias de sexo e vergonha, paixão e sordidez como Tess dos D'Urbervilles e Judas, o Obscuro: ao menos algum preparo teórico ela terá para entender a vida secreta de Christian Grey e sua predileção por infligir dor às mulheres com as quais quer ter prazer. Verdade também que o fato de Christian ser não só bilionário como jovem e lindo inclina Ana à compreensão. Bem mais difícil seria se ele tivesse a cara de Rupert Murdoch, ou o corpinho de George Soros. Apesar de já sair em tamanha vantagem, Christian, muito prudente, faz o que pode para impressionar Ana: leva-a em passeios noturnos de helicóptero (e com que júbilo ele a prende no assento com o cinto de segurança), dá a ela um carro esporte, resgata-a de uma balada na qual bebeu demais — e, quando ela se dobra para vomitar, sua reação imediata é segurar-lhe o cabelo, marca de um legítimo cavalheiro. Mais fácil topar com um elfo ou um hobbit por aí do que encontrar um Christian Grey — e é em grande parte por esse motivo que E.L. James vendeu 100 milhões de livros e a adaptação do primeiro deles, Cinquenta Tons de Cinza (Fifty Shades of Grey, Estados Unidos, 2015), desde quinta-feira em cartaz no país, foi acompanhada desde antes do início da produção com zelo fanático pelas leitoras. Uma das poucas diferenças entre livro e filme: agora, é Anastasia a presença mais marcante. E assim, com uma mudança tão subjetiva e quase indetectável numa transposição de fidelidade tão canina, a diretora Sam Taylor-Johnson altera de maneira radical o equilíbrio de forças entre seus protagonistas. O fato de a adaptação ser tão fiel significa que muitos dos diálogos mequetrefes de E.L. James, sua queda para o brega (até piano de cauda Christian tem) e as situações de improbabilidade um tanto ridículas que ela cria permaneceram intactos (a autora fez questão de que fosse assim: segundo a The Hollywood Repórter, ela não deixou passar nenhuma oportunidade de exercer o imenso controle garantido em seu contrato de produtora). Mas, como em duas horas cabe menos coisa que em 480 páginas, Cinquenta Tons, o filme, é automaticamente melhor que Cinquenta Tons, o livro: embora sua voltagem baixa não vá levar ninguém à fibrilação cardíaca, pelo menos caíram fora os irritantes "uau!" que a heroína repete a todo instante no livro, bem como os monólogos íntimos bobocas sobre sua "deusa interior". O essencial, porém, é que, no papel de Ana, Dakota Johnson, filha dos atores Don Johnson e Melanie Griffith, é uma surpresa: bonita sem ser exatamente bela, e simples sem ser trivial, ela não só exibe a habilidade exótica de ficar com o rosto vermelho na hora que bem entende — Ana é virgem e inexperiente, e cora toda vez que Christian põe os olhos famintos nela —, como tem um considerável superavit de personalidade e senso de humor em relação à Ana do livro. O irlandês Jamie Dornan, ex-modelo e serial killer da série The Fall, é um ator menos exuberante e mais sério, com uma certa passividade que cai muito bem aos propósitos de Sam Taylor-Johnson: com a escolha de Dakota e sua alteração no centro de gravidade do par central, a diretora descobre razões para o sucesso de Cinquenta Tons que a própria E.L. James possivelmente nunca constatou. Vista sempre como uma fantasia de submissão feminina — um dado por si só questionável —, a história de Christian e Ana ressurge agora com nitidez como a fantasia feminina de submeter e transformar um homem. Christian não sabe que ama Ana; acha que quer apenas sujeitá-la a grampos, açoites, cordas e outros implementos imencionáveis no seu "quarto vermelho da dor". Esta Ana mais inteligente e perceptiva do filme, porém, joga com Christian porque o quer em definitivo: ora faz que assina, ora faz que não, o contrato que estipula as condições da relação sadomasoquista (e a diretora usa esse vaivém com bom efeito cômico); ora deixa que ele avance o semáforo, ora dá sinal vermelho; ora se mostra tão aventureira quanto ele sexualmente, ora o envolve com sentimentos. É Ana quem está agora no controle da situação. Não que, a rigor, faça diferença ser assim ou assado. Fantasias são fantasias, e acusar os outros de traição ao feminismo pelo que vai por sua cabeça ou pelo que se passa em sua cama é mesquinharia e também tolice: se a leitora se encantou com os jogos sadomasoquistas de Ana e Christian (higiênicos no livro, e ainda mais suavizados no filme), não se pode deduzir de forma nenhuma que ela almeje, fora do quarto ou mesmo dentro dele, ceder o comando de sua vida a um homem. Só se pode deduzir, com alguma segurança, que ela gosta tanto de fantasiar que nem se incomoda com a prosa de pé-quebrado de E.L. James se esta lhe fornece a matéria-prima que convém aos seus devaneios românticos. E é com isso que Cinquenta Tons acena: com romance, almas gêmeas que vêm de mundos diversos mas se reconhecem, mulheres que se sentem plenas com o sexo e homens transformados pelo amor. Lá no fundo, é Titanic — com uma ou outra palmada consentida a mais. "UM JEITO BIZARRO DE PASSAR O DIA" Jamie Dornan, irlandês de Belfast, recebeu ótimas críticas pela série The Fall - mas se prepara com certa apreensão para passar pelo crivo das fãs de Cinquenta Tons. Ele falou a VEJA sobre esse ruído externo, a pouca probabilidade de vir a ser rotulado - e, claro, sobre fazer cenas de sexo. Quando seu nome foi anunciado, houve reações fortes, e nem todas elas favoráveis, por parte das fãs mais ardorosas de Cinquenta Tons. De fato, mas sou da opinião que qualquer outro ator seria alvo de alguma rejeição, porque Christian Grey não é um homem real, mas um objeto de fantasia. E fantasias são muito particulares; cada um tem a sua, e não existe ninguém que possa corresponder a todas elas igualmente. É uma boa ideia não tomar essas coisas de modo muito pessoal. Quando um papel vem cercado de tantos elementos externos, como isolar-se deles e concentrar-se no personagem em si? Encarando um dia de cada vez. A única alternativa é que de manhã, chegando ao set, todos ponham de lado esse ruído e essa loucura e se proponham a fazer o melhor trabalho possível. Enfim, fingir que se está fazendo um filme qualquer. O que não deixa de ser verdade: seja num filme como Cinquenta Tons, seja numa série como The Fall, o dia a dia de um set é sempre muito parecido - trabalho a fazer e uma equipe formada pelas mais diversas personalidades que têm de aprender a funcionar juntas. O fato de você ter interpretado um personagem tão sombrio em The Fall — um serial killer que passa por pai de família comum — pesou na sua escolha para Christian Grey? É possível. Nem tanto, talvez, pela coincidência de serem ambos homens com uma faceta pesada e extrema que ocultam, mas simplesmente porque The Fall mudou minha carreira da água para o vinho. Foi a melhor oportunidade que tive. A maioria dos atores afirma que fazer cenas de sexo é um bocado incômodo. É esse também seu veredicto? É uma maneira singularmente bizarra de passar o dia: faça isso de novo porque a luz não estava boa; agora venha pelo outro lado; pare aí e recomece dali. Muito estranho. Parte das fãs alega que fazer de Cinquenta Tons um filme sem cenas explícitas é uma traição aos livros. Na sua opinião, pegar mais leve foi uma boa decisão? Nem tudo o que se quer expressar precisa ser mostrado em detalhes. Sugiro a essas pessoas que assistam ao filme antes de julgar se ele faz jus ou não aos livros. Você já se envolveu com vários outros projetos desde que as filmagens de Cinquenta Tons terminaram. É um ataque preventivo contra os possíveis efeitos de Christian Grey — por exemplo, ficar rotulado para um tipo de papel? Ser rotulado é a menor das minhas preocupações, já que não há por aí muitos papéis de milionários adeptos do sadomasoquísmo. Mas de fato não quero ser aquele ator que só faz um tipo de coisa - que sempre tira a roupa, que sempre parece misterioso. Eu morreria de tédio. Quero ter uma carreira, não um emprego. Você foi conhecer um clube de sadomasoquismo. E.L. James diz que esse é um universo bem mais sombrio que o retrato que ela fez dele. Confere? Eu não saberia dizer, porque tive uma única experiência isolada. Pode ser que haja vertentes bem mais intensas por aí, mas o que eu vi até que era bem domesticado. 7#2 LIVROS – OPOSTOS CORDIAIS A correspondência entre Alceu Amoroso Lima,o pensador católico, e Carlos Drummond de Andrade, o poeta sem fé, é um testemunho de amizade entre desiguais. JERÔNIMO TEIXEIRA Em março de 1936, a menos de dois anos da proclamação do Estado Novo, definitiva virada ditatorial do governo de Getúlio Vargas, Carlos Drummond de Andrade, chefe de gabinete do Ministério da Educação, pôs seu cargo à disposição do ministro Gustavo Capanema. Com Considerava que havia tomado uma atitude talvez incompatível com o que se exigia de seu cargo de confiança: deixara de comparecer a uma conferência proferida nas dependências do ministério pelo intelectual católico Alceu Amoroso Lima (1893-1983). A ausência de Drummond (1902-1987) tinha motivação política. Na carta que escreveu a Capanema (sem efeito algum: Drummond serviria fielmente ao ministro até 1945), ele explicava que a "viva inclinação intelectual" que sentia pela esquerda o impedia de abraçar o ideário encarnado pelo conferencista. Militante da Ação Católica Brasileira. Alceu Amoroso Lima então de fato professava uma política agressivamente conservadora, quando não francamente reacionária. Em carta de 1935 ao mesmo ministro Capanema, alertava contra a infiltração comunista no governo e propunha uma "censura honesta" para combater o "imoralismo dos cinemas e teatros". O episódio pode sugerir a total incompatibilidade entre o crítico católico e o poeta que cada vez mais se aproximava do comunismo. Mas, na própria carta ao ministro, Drummond chamava Alceu de "meu amigo pessoal". O companheirismo atravessaria décadas e sobreviveria a outras tantas transformações dos dois amigos, cuja diferença fundamental permaneceria, porém, a mesma: o mineiro Drummond seria sempre o homem sem fé, ainda que expressasse angústias metafísicas em poemas como A Máquina do Mundo; o carioca Alceu largaria seus pendores autoritários para se tornar um eloquente inimigo da ditadura militar instalada com o golpe de 1964, mas seria sempre o católico fervoroso. Essa amizade está documentada, ainda que de forma lacunar na correspondência dos dois, organizada pelo pesquisador Leandro Garcia Rodrigues em Drummond & Alceu (Editora UFMG; 280 páginas; 55 reais). Com o pseudônimo Tristão de Athayde, Alceu foi um crítico fundamental do primeiro modernismo brasileiro, nos anos 20. Sua inteligência ganhou o respeito até de um vanguardista incendiário (e anticatólico) como Oswald de Andrade. Depois da conversão ao catolicismo, em 1928, ele afastou-se um tanto dos assuntos literários. Tinha especial admiração pela poesia de Drummond, a quem chamou de "Baudelaire da nossa poesia moderna" (esse ensaio crítico e outros textos complementares, inclusive as cartas de Alceu e Drummond a Capanema, estão reunidos nos anexos do livro). A troca mais intensa de ideias entre Alceu e Drummond se dá no início da correspondência, no fim dos anos 20 e início dos 30. Alceu tenta, suavemente, conduzir Drummond à fé; o poeta confessa certo anseio espiritual, mas não se move em direção à Igreja: "A vida sem compromissos me solicita terrivelmente", diz logo na primeira carta, de 1929. Há momentos de fulgurante beleza nessa conversa. Mas, então, Drummond assume seu cargo no governo Vargas, em 1934, e os temas espirituais dão lugar à política de compadrio tão própria do Estado brasileiro. Alceu pede favores, intermediações, empregos para amigos, e Drummond o informa do trâmite burocrático dessas solicitações. É material rico para estudos como aqueles realizados pelo sociólogo Sérgio Miceli, sobre a cooptação de artistas e intelectuais pelo governo Vargas. Mas, para quem chegou a Drummond & Alceu interessado por temas literários, culturais ou teológicos, será leitura um tanto maçante. Depois de 1945, a correspondência terá sobretudo um tom afetivo. E é frustrante que a conversa espiritual iniciada em 1929 nunca se desenvolva plenamente. Sempre que elogia livros de Alceu, Drummond diz que são grandes obras, a despeito de discordar de muita coisa. Por personalidade, o mineiro tinha inapetência pelo debate: nunca enuncia as tais discordâncias. No lugar do intercâmbio de ideias, temos apenas uma troca de salamaleques: o poeta elogia o crítico, efusivamente: o crítico agradece o elogio, efusivamente, e devolve outros elogios, efusivos, ao poeta. Sim, é admirável que personalidades tão diversas tenham solidificado uma duradoura amizade. Mas os leitores da posteridade só podem lamentar que elas não tenham se arriscado a botar suas diferenças em choque. 7#3 TELEVISÃO – CHAVE DE CADEIA A série Better Call Saul, filhote legítimo do sucesso Breaking Bad, ilumina um tipo universal: o rábula que vive de golpes miúdos. De óculos e bigodão, Saul Goodman (Bob Odenkirk) dá expediente em uma loja de doces. Ao notar um sujeito mal-encarado vindo em sua direção, começa a suar frio. O homem queria só conversar com amigos atrás do balcão — mas, logo no início da série Better Call Saul, seu protagonista, malandro escaldado, não pode se descuidar: é por ser um homem visado que o ex-advogado se submete ao subemprego na confeitaria. Sua picaretagem já era notória para quem via Breaking Bad, série que conquistou um lugar entre as melhores da TV americana de todos os tempos ao narrar a queda moral de um professor de química que se converte em traficante quando descobre ter câncer. O advogado que ajudava Walter White na lavagem do dinheiro da metanfetamina era um personagem menor, mas tão exuberante que foi eleito pelos roteiristas Vince Gilligan e Peter Gould para levar a tocha adiante. Com seus dois primeiros episódios disponíveis no Netflix desde a semana passada, Better Call Saul retrata, com as mesmas doses de humor negro e brutalidade do original, um tipo ainda não examinado a fundo na TV americana: o advogado "chave de cadeia". A elite dos tribunais foi fartamente explorada em séries como Law & Order e The Good Wife. Mas faltava essa criatura que vive de golpes miúdos e se mescla à escória. Um padrão universal: embora o cenário seja Albuquerque, no Novo México, dá para imaginar Goodman vendendo seus serviços em Chicago ou no Rio de Janeiro. A sequência da confeitaria mostra o destino humilhante que o advogado adivinhava para si no final de Breaking Bad. Faz sentido que se passe em preto e branco, como num flashback: na lógica da nova série, esse passado é o futuro. Better Call Saul mostra a vida de Goodman antes de conhecer Walter White, quando atendia pelo nome de Jimmy McGill. Apesar de Odenkirk tê-lo tornado tão carismático, Goodman era só uma caricatura. Agora, ganha contornos mais humanizados. Profissional medíocre, mas não de todo sem escrúpulos, ele sobrevive de migalhas como defensor público e está imerso em um drama: seu irmão foi um advogado de renome, mas caiu no ocaso em razão de uma moléstia obscura. Como Breaking Bad, a série fala sobre as escolhas morais que transformarão seu herói em escroque. Tais escolhas produzem imprevistos que o colocam frente a frente com tipos marginais da série anterior, para delírio de seus órfãos — não à toa, Better Call Saul bateu o recorde para a estreia de uma série na TV paga americana, com 6,9 milhões de espectadores. Walter White morreu, mas deixou um filhote promissor. Só não faça negócio com ele. MARCELO MARTHE 7#4 MÚSICA – O LIBERATO DO ROCK INDIE As letras de Colin Meloy são o que faz de The Decemberists uma das melhores bandas da nova safra americana. Colin Meloy tinha 10 anos quando escreveu a Ray Bradbury para dizer que o mestre da ficção científica o havia inspirado a se tornar escritor. O autor de As Crônicas Marcianas, contudo, nem respondeu à carta. "O desprezo dele foi importante. Passei a ver a fama como uma vergonha e o culto à celebridade. como uma doença", disse Meloy a VEJA, com aquele arzinho de superioridade típico do rock alternativo americano. Meloy até lançou livros infantis, mas não é pela literatura que é conhecido e cultuado, e sim como vocalista, guitarrista e líder da The Decemberists, banda indie de Portland, no Estado do Oregon. O grupo (cujo sétimo álbum, What a Terrible World, What a Beautiful World, foi lançado no Brasil somente em versão digital) vem demonstrando, disco após disco, sua excelência musical no folk e no rock. Já fez até uma intrincada ópera rock, The Hazards of Love, de 2009. Mas são as letras esmeradas de Meloy que distanciam o Decemberists da média da produção indie americana atual. O compositor junta referências cultuadas pela turma hipster — o caudaloso Graça Infinita, de David Foster Wallace, inspirou um vídeo da banda — a alusões históricas e culturais às vezes obscuras. E ele tem ainda o dom de equilibrar melancolia e humor, como se ouve em The Soldiering Life, sobre uma dupla de soldados gays na I Guerra Mundial. What a Terrible World... foi recebido com orgulho provinciano em Portland: a prefeitura decretou que a data de lançamento do disco seria "The Decemberists Day". É um trabalho musicalmente mais diversificado que os anteriores. O rock Make You Better é das canções mais explosivas do grupo; a música country comparece em Anti-Summer song: e o trêmulo da guitarra em Easy Come, Easy Go lembra uma trilha de faroeste spaghetti. A fama pop e o sucesso comercial são ironizados em The Singer Addresses His Audience. A nota passadista e nostálgica típica de Meloy ganha expressão em Philomena, que soa como um rock ingênuo dos anos 50 mas canta, com malícia, as angústias sexuais de um adolescente que sonha ver uma mulher nua. A pungente balada Lake Song fala de uma desilusão afetiva sofrida também por um jovem — mas é mais madura e melancólica, tanto nas metáforas quanto no vocabulário (que garoto de 17 anos diria que sua amada parece "sibilina reclinada em seu banco"?). Não há conversa política nos discos da banda, mas a tristonha 12/17/12 — canção na qual figura o verso que dá título ao disco — foi inspirada em um discurso do presidente Barack Obama após o massacre da escola de Newtown, em Connecticut. A aprovação — ou não — de Ray Bradbury não importa mais. Seu pequeno discípulo virou um contador de histórias como poucos. SÉRGIO MARTINS 7#5 VEJA RECOMENDA CINEMA BELLE E SEBASTIAN (BELLE ET SÉBASTIEN, FRANÇA, 2013. JÁ EM CARTAZ NO PAÍS) • Nos Alpes franceses, no verão de 1943, o velho pastor César (Tchéky Karyo) leva seu protegido Sebastian (Félix Bossuet), de 6 anos, em excursões pelas montanhas à caça de um cão selvagem que ele acredita ser o responsável pela morte de várias ovelhas. Mas a "Fera", como os aldeões se referem ao animal, não é a única nem a pior ameaça a se ter insinuado nesse vilarejo remoto: os nazistas se instalaram ali, determinados a flagrar os responsáveis por conduzir judeus à segurança da Suíça, que fica alguns picos mais além. Com os adultos assim tão ocupados, Sebastian encontra a "Fera" — e não só descobre que ela é uma "Bela", ou Belle, como firma com ela um relacionamento feito de confiança mútua e cimentado pela solidão em que ambos vivem. Não pode haver afeição mais cristalina e desimpedida que aquela entre uma criança e seu cão — mas, no filme dirigido por Nicolas Vanier e adaptado de uma série de TV francesa de imenso sucesso nos anos 60 (é uma homenagem a ela, por exemplo, o nome do grupo pop Belle and Sebastian), esse ideal de amizade vem balizado por temas como abandono, perseguição e preconceito. As paisagens, além disso, são deslumbrantes. E Belle é mesmo irresistível. UM SANTO VIZINHO (ST. VINCENT, ESTADOS UNIDOS, 2014. ESTREIA NESTA QUINTA-FEIRA) • Vincent (Bill Murray), um sujeito mal-humorado e grosseirão, que bebe demais e perde dinheiro apostando nos cavalos, ganha novos vizinhos quando Maggie, uma enfermeira recém-divorciada (Melissa McCarthy), se muda com o filho para a casa ao lado. Maggie está se matando de trabalhar, porque o ex-marido não quer pagar pensão e ainda a está processando pela guarda do menino. O pequeno Oliver (Jaeden Lieberher), então, adquire o hábito de ir se socorrer na casa de Vincent — que cobra por hora da mãe dele, embora suas noções de supervisão sejam um bocado heterodoxas. Vincent leva o garoto para bares ou para o jóquei, alimenta-o com refeições horríveis e não raro dá abrigo em sua casa também à prostituta russa Daka (Naomi Watts), que está grávida e perdendo a freguesia. Mas o fato é que, apesar de seu jeito estúpido de ser, Vincent adora Oliver. Ou seja: não há nada no longa de estreia do diretor Theodore Melfi que fuja ao programa preestabelecido para esse tipo de filme. O que não quer dizer que o resultado não seja agradável, espirituoso e atraente — mérito em boa parte do ótimo elenco e em particular do garoto Jaeden, que é sério, precoce e reflexivo sem jamais ser irritante ou inconvincente. LIVRO FUTEBOL & CARTUNS, DE MORDILLO (PANDA BOOKS; 128 PÁGINAS; 69,90 REAIS) • O cartunista argentino Guillermo Mordillo, de 82 anos, não tem o reconhecimento internacional de Quino, o pai da Mafalda. Mas seus personagens narigudos, passeando num festival de cores, são inconfundíveis. Os desenhos, sempre sem diálogos, fazem sorrir uns dez, quinze segundos depois de vistos, constatação da fina ironia que carregam. Uma série de rabiscos pornográficos, versão em quadrinhos dos pecados retratados pelo mestre holandês Hieronymus Bosch, rodou o mundo em revistas adultas nos anos 70. Menos conhecidos são seus desenhos sobre futebol, agora reunidos pela primeira vez em um único livro, com 115 raridades selecionadas pela filha do desenhista. Cartunista delicado, Mordillo distorce os gramados, faz uma girafa ganhar uma disputa de bola alta e mostra um juiz erguendo o cartão vermelho ao jogador que literalmente matou todos os adversários. Em tempo de amargos 7 a 1, com incômoda ausência de boas notícias dentro e fora de campo, folhear Mordillo — porque decididamente não se trata de lê-lo — oferece um nostálgico gostinho de vitória. DISCOS BACH, JOSHUA BELL E ACADEMY OF ST. MARTIN IN THE FIELDS (SONY MUSIC) • A música do compositor alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750) figurou no que se poderia chamar de experimento sociológico-musical do violinista americano Joshua Bell. Em 2007, ele tocou durante 45 minutos numa estação de metrô de Washington, sem despertar maior atenção — a Chaconne, de Bach, foi uma das obras executadas. Bell repetiu a brincadeira no ano passado, numa estação de trem, dessa vez para uma plateia fervorosa. O compositor alemão novamente esteve entre os temas do recital, com o primeiro Concerto para Violino. As duas peças estão em Bach, disco no qual Joshua Bell toca e rege a veterana Academy of St. Martin in the Fields, da Inglaterra. Bell é um instrumentista de rara qualidade, capaz de equilibrar emoção e destreza técnica. A Chaconne é a peça mais suculenta do disco. Composta originalmente para violino-solo, foi rearranjada, no século XIX, para violino e piano pelo compositor Felix Mendelssohn (1809-1847). Bell recrutou o compositor e violinista Julian Milone para criar um arranjo orquestral a partir do acompanhamento de piano de Mendelssohn. EASY TO LOVE, MAXI PRIEST (VP RECORDS BRASIL) • O inglês Maxi Priest é nome de ponta do lover’s rock — que, apesar de se chamar rock, é, na verdade, uma nova vertente do reggae, mais manhosa, com elementos da soul music americana e letras nas quais expressões meio cafajestes como "vem cá, garota" aparecem mais do que os refrões combativos da música jamaicana. Cantor de interpretação doce, Priest é um dos raros artistas de reggae a ter emplacado o primeiro lugar na parada de sucessos dos Estados Unidos — em 1990, com a balada Close to You. Easy to Love, seu primeiro disco em sete anos, reuniu um grande time de estúdio. Em muitas faixas, o baterista Sly Dunbar e o baixista Robbie Shakespeare são o Pele e o Coutinho da secão rítmica. Há bons duetos com Beres Hammond (outro astro do lovefs rock, que canta em Without a Woman) e com a novata DeLaRose (Your Love to Me). E há ainda um DJ (como os jamaicanos chamam o rapper) para fazer contraponto à candura de Priest — no caso, Assassin, que bota fogo em Bubble My Way. Um retorno que merece todas as saudações. 7#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- Se Eu Ficar. Gayle Forman. Novo Conceito 2- O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 3- Para Onde Ela Foi. Gayle Forman. NOVO CONCEITO 4- Cinquenta Tons de Cinza. E.L. James. INTRÍNSECA 5- Divergente. Veronica Roth. ROCCO 6- Insurgente. Veronica Roth. ROCCO 7- Convergente. Veronica Roth. ROCCO 8- Cinquenta Tons Mais Escuros. E.L. James. INTRÍNSECA 9- A Menina que Roubava Livros. Markus Zusak. INTRÍNSECA 10- Cinquenta Tons de Liberdade. E.L. James. INTRÍNSECA NÃO FICÇÃO 1- Nada a Perder 3. Edir Macedo. PLANETA 2- Eu Fico Loko. Christian Figueiredo de Caldas. NOVAS PÁGINAS 3- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 4- Diário de um Adolescente Apaixonado. Rafael Moreira. NOVAS PÁGINAS 5- O Capital no Século XXI. Thomas Piketty. INTRÍNSECA 6- Bela Cozinha: As Receitas. Bela Gil. GLOBO 7- A Teoria do Tudo. Jane Hawking. ÚNICA 8- Livre. Cheryl Strayed. OBJETIVA 9- Sonho Grande. Cristiane Correa. PRIMEIRA PESSOA 10- Eu Sou Malala. Malala Yousafzai. COMPANHIA DAS LETRAS AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 3- Geração de Valor. Flávio Augusto da Silva. SEXTANTE 4- O Poder da Escolha. Zibia Gasparetto. VIDA & CONSCIÊNCIA 5- 60 Dias Comigo. Pierre Dukan. BEST SELLER 6- De Volta ao Mosteiro. James Hunter. SEXTANTE 7- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 8- O Livro do Bem. Ariane Freitas e Jessica Grecco. GUTENBERG 9- Eu Não Consigo Emagrecer. Pierre Dukan. BEST SELLER 10- Segundo – Eu me Chamo Antônio. Pedro Gabriel. INTRÍNSECA 7#7 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – SINAIS PROMISSORES De onde menos se espera... daí é que não sai nada mesmo. Não; desta vez não vale a máxima do barão de Itararé. De onde menos se espera — a Câmara presidida pelo deputado Eduardo Cunha, tido como oportunista e fisiológico — eis que pode finalmente sair a tão esperada, tão alardeada e tão procrastinada reforma política. Nas primeiras semanas de funcionamento, a Câmara de Eduardo Cunha moveu-se com um vigor, uma independência e um sentido de urgência desconhecidos em anos recentes. Atirou para vários lados, obteve uma vitória fulminante (a aprovação do chamado "orçamento impositivo") e não só criou uma comissão para a reforma política como pôs em sua presidência um deputado da oposição (Rodrigo Maia, DEM-RJ) e na relatoria um do hoje rebelde PMDB (o piauiense Marcelo Castro), relegando o PT à condição de "povo" nesse foro. Ficou a sensação de que desta vez vai. Inclusive porque para a questão mais crucial e controvertida — o modo de eleição dos deputados — toma corpo o consenso em tomo do sistema apelidado de "distritão". No distritão, uma proposta do vice-presidente Michel Temer, elegem-se os candidatos que tiverem mais votos e ponto final. Revoga-se o sistema atual, em que os votos são contados primeiro para o partido, de forma que pode eleger-se um deputado com votação fraca, nas sobras da forte votação de seu partido, assim como não se eleger um candidato com forte votação, se seu partido teve urna votação fraca. Dito de outra forma, o sistema converte-se de proporcional em majoritário. A proposta do distritão chega para destravar o impasse, que existe há anos, entre os defensores do chamado "voto distrital", em que os estados seriam divididos em distritos, cada um elegendo seu deputado, e os do chamado "voto em lista fechada", em que o eleitor vota no partido, não no candidato. A reforma política terá resultados tanto melhores quanto se orientar por dois supremos faróis: a inteligibilidade das instituições e a redução dos custos de campanha. O distritão passa no primeiro item e é reprovado no segundo. O sistema atual é ininteligível para o eleitor comum. Somam-se os votos dos partidos, distribuem-se entre os candidatos, em seguida pegam-se as sobras, a elas aplica-se o método de Hondt... Basta. Quando entra em campo o método de Hondt, é porque algo grave ocorreu. Chega-se a ouvir o grito de desespero do eleitor que, diante de um sistema que não compreende, vota no Tiririca. O distritão passa um trator em tudo isso em nome do singelo princípio de que quem ganhou levou. Já na questão dos custos, ficamos onde estamos, se é que não pioramos. Tanto o voto distrital, por circunscrever a eleição a um espaço menor, quanto o de lista, por concentrar os gastos nos partidos, acenariam com custos menores. O distritão, ao manter a eleição na integralidade do território do estado, mantém também as dificuldades de comunicação e de transporte responsáveis por fenômenos já tão nossos como a orgia de jatinhos nas campanhas. Isso se as coisas ainda não piorarem, com a disputa ombro a ombro característica da disputa majoritária. Sorte — sejamos otimistas, por uma vez — que propostas em outros âmbitos da reforma política apontam na direção inversa. Calcula-se que, somadas, as campanhas do ano passado tenham custado 5 bilhões de reais. A cifra prova, de modo insofismável, que o país enlouqueceu. No difícil processo de cura serão necessárias medidas em duas frentes. A primeira, da oferta de recursos, recebeu um primeiro golpe quando o Supremo sinalizou com a proibição das doações por parte de empresas. Já está claro que a proibição não se concretizará — o Congresso se adiantará, no contexto da reforma política, com suas próprias regras. Mas valeu o sinal do Supremo; encaminha-se agora, se não para a proibição, para restrições às doações. O ex-presidente FHC sugere um teto e a proibição da indecorosa contribuição das empresas a mais de um candidato, se não a todos, nas principais disputas. A segunda frente é a da redução dos custos. Algumas medidas eram cogitadas na semana passada no gabinete do deputado Rodrigo Maia. Uma era dificultar o acesso das pequenas agremiações ao fundo partidário. Outra, criar regras para o horário eleitoral que restringissem as superproduções dos marqueteiros em favor de programas ao vivo e espaços para entrevistas e debates. Tudo somado, e levando-se em conta que o deputado Eduardo Cunha recusa in limine o financiamento público de campanha, resulta um quadro melhor do que a encomenda. De onde menos se espera — dos políticos — vem o sinal de que pode ter chegado a hora de atacar o derrame de dinheiro que ameaça a democracia brasileira.