0# CAPA 15.4.15 VEJA www.veja.com Editora ABRIL Edição 2421 – ano 48 – nº 15 15 de abril de 2015 [descrição da imagem: As caricaturas de Cunha, Temer e Renan, em círculo, segurando à frente a faixa presidencial do Brasil, cada um puxando a faixa para si próprio. A expressão facial e corporal de cada um é de estarem fazendo muita força para ter domínio da faixa. É MINHA! Cunha, Temer e Renan disputam quem manda no "parlamentarismo branco", o vácuo de poder deixado por Dilma Rousseff. [outros títulos: parte superior da capa] [foto do rosto de Erenice Guerra] 365 MILHÕES DE REAIS Foi o que uma empresa ligada à ex-ministra Erenice Guerra movimentou em quatro anos. O NOVO ÊXODO A volta dos judeus europeus para Israel. [foto de uma bateria] IH, ACABOU! Por que todas as tecnologias avançam, menos a das baterias. _______________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# ECONOMIA 5# INTERNACIONAL 6# GERAL 7# ARTES E ESPETÁCULOS _____________________________ 1# SEÇÕES 15.4.15 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – O CHAMADO DAS RUAS 1#3 ENTREVISTA – PAULO RABELLO DE CASTRO – PARECE BARATO, MAS SAI CARO 1#4 LYA LUFT – O JEITO DO BRASIL 1#5 LEITOR 1#6 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM QUEM TEM MEDO DO UBER? As reações contrárias ao Uber, o aplicativo americano de caronas pagas e aluguel de carros com motorista, vêm desde o lançamento da startup, em 2009. Hoje em 295 cidades de 55 países, não há lugar onde o app não tenha sofrido oposição, principalmente de taxistas, amedrontados com a possibilidade de serem substituídos. Na semana passada, taxistas paulistanos protestaram em frente ao Estádio do Pacaembu e mobilizaram o Ministério Público e a prefeitura de São Paulo contra a novidade. O que querem? Jogar o Uber na ilegalidade no Brasil. Reportagem no site de VEJA mostra por que o medo à inovação nunca é um bom caminho. TERREMOTOS DIGITAIS Embaixador da Singularity University, centro de inovação nascido no coração da Nasa, o canadense Salim Ismail tem se dedicado a entender como operam as organizações que ele define como "exponenciais". São, em geral, startups que vêm chacoalhando mercados dominados por companhias muito maiores e mais velhas a partir da adoção massiva de tecnologia. É o caso dos serviços Airbnb, de acomodação, ou do Uber, de transporte. Ismail também analisa o desafio das empresas tradicionais, que terão de enfrentar não uma, mas uma sequência de revoluções. "A maior parte não vai sobreviver", diz o empreendedor, que estará no Brasil nesta semana para lançar o livro em que trata do assunto. A CIÊNCIA CONTRA A DENGUE No Brasil, os números anuais sobre a dengue mostram que as estratégias de combate à doença não estão funcionando. Paulo Ribolla, professor da Unesp de Botucatu e um dos maiores especialistas em Aedes aegypti, alerta: "Permitimos que esse mosquito extremamente adaptado ao ambiente urbano se reproduza cada vez mais". Reportagem mostra o estágio das vacinas contra a dengue e a batalha dos cientistas contra o inseto que, só em 2015, já contaminou 224.000 pessoas no país. A AGONIA DE BABILÔNIA Sim, o beijo gay incomoda muita gente. Mas, para além do amor lésbico entre as personagens de Nathalia Timberg e Fernanda Montenegro em Babilônia, a novela das 9 da Globo tem outros ingredientes que ajudam a entender sua baixa audiência. Entre as questões levantadas por especialistas estão o maniqueísmo, os personagens mal construídos, a ausência de humor inteligente e até a repetição do cenário da trama, a terceira seguida do horário a se passar no Rio de Janeiro. Para todos, o elenco forte pode ser a única saída para o folhetim. 1#2 CARTA AO LEITOR – O CHAMADO DAS RUAS As pessoas que fizeram do domingo 15 de março de 2015 uma data histórica em nosso calendário político mandaram a Brasília uma mensagem muito clara. Elas mostraram que o Brasil real é melhor do que o Brasil oficial. São brasileiros que não têm dúvida de que se gastarem mais do que ganham vão à falência. Concordam com a ideia de que o mérito e o esforço individuais devem ser decisivos para o sucesso ou o fracasso de uma caminhada académica ou profissional. Têm consciência de que incorrem em graves punições caso cometam atos de corrupção e que é impossível mentir a todos durante todo o tempo. Principalmente, aprenderam pela experiência que não pode existir despesa sem receita — ou, como lembra o economista Paulo Rabello de Castro, entrevistado desta semana das Páginas Amarelas de VEJA, é um absurdo em si achar que "um governo possa produzir vantagens extraordinárias para todos sem custo absolutamente para ninguém". O Brasil real pauta-se por essas noções básicas. O Brasil oficial, quase sempre, vive de vender ilusões. Se têm noção exata do que querem, os brasileiros que combinaram pelas redes sociais voltar às ruas das grandes cidades neste domingo, dia 12, para se manifestar contra o governo e seu partido, o PT, não sabem bem como conseguir seu intento. Uma reportagem desta edição de VEJA analisa esse paradoxo que sempre surge quando a velha ordem perde a capacidade de governar e a nova ainda não consegue se articular e se legitimar. O fato de não ser propriamente uma novidade histórica não diminui a perplexidade do momento pelo qual passamos no Brasil. Embora os organizadores das manifestações se orgulhem da "espontaneidade" e "pureza" do movimento, cedo ou tarde a extraordinária energia cívica gerada nas ruas vai se ressentir da ausência de lideranças nacionais que encarnem os anseios populares e sejam alternativas política e partidariamente viáveis. A reportagem lembra a antiga lição de que o poder, a exemplo da energia produzida nas hidrelétricas, não pode ser estocado. Ou é usado, ou não é poder. Lembra também que o poder abomina o vácuo, o que em Brasília significa que, quando o Palácio do Planalto vacila, o centro gravitacional da República começa a atravessar a Praça dos Três Poderes e migrar para o Congresso. Isso está ocorrendo agora enquanto você lê estas linhas. Metaforicamente, a imagem que se forma é a de Renan Calheiros, presidente do Senado, Eduardo Cunha, presidente da Câmara, e Michel Temer, vice-presidente da República, todos do PMDB, disputando entre si a faixa presidencial. Se de um lado isso revela um saudável retorno do equilíbrio entre os poderes, com o aumento do protagonismo do Legislativo, de outro fica claro que esse balé não pode ignorar por muito tempo o chamamento cívico das ruas. 1#3 ENTREVISTA – PAULO RABELLO DE CASTRO – PARECE BARATO, MAS SAI CARO Para um dos fundadores do Movimento Brasil Eficiente, a distribuição de vantagens e subsídios pelo governo ajuda pouco, atrapalha muito e é a principal causa da estagnação da economia. MARCELO SAKATE O inchaço do Estado brasileiro, medido pela arrecadação de impostos e pelos seus gastos, chegou a tal ponto que seu tamanho equivale à metade da economia. "O setor privado foi asfixiado, e essa é a razão central do esgotamento do dinamismo produtivo", alerta o economista Paulo Rabello de Castro, um dos fundadores do Movimento Brasil Eficiente e autor de O Mito do Governo Grátis (Edições de Janeiro). Na obra, ele demole a ilusão de que benefícios e subsídios possam ser distribuídos em altos volumes e indefinidamente sem que os custos tenham de ser pagos algum dia, justamente, pelas pessoas que nada se beneficiaram dessa liberalidade. Rabello espera que a indignação do povo nas ruas seja direcionada para a adoção de um modelo eficiente de crescimento econômico. O que é o mito do governo grátis? É uma forma de ilusão coletiva que prevalece quando o público está mais suscetível ao governante de feitio populista. O governo grátis é o estágio mais avançado da doença do populismo. Nesse estágio as pessoas passam a acreditar que um governo pode produzir vantagens extraordinárias para todos sem custo para absolutamente ninguém. Isso é uma proposição absurda, mas que, no entanto, tem aceitação quando cada um é levado a crer que são os outros que vão arcar com o custo extra. Quando essa ideia triunfa coletivamente, é um desastre, pois no fim sobrarão para todos só lágrimas e contas a pagar. Por que razão, mesmo que o fim amargo seja inevitável, tantos países, tantas vezes, caem nessa ilusão? Sempre que passamos por momentos de muita facilidade, como no ciclo de alta no preço das commodities exportadas pelo Brasil, a ilusão da gratuidade se instala. Isso pode ocorrer mesmo nos países mais desenvolvidos. Tome-se o caso da Suécia. Até os anos 1980, a tributação crescente das faixas mais ricas da população parecia ser uma fonte inesgotável de recursos para financiar os serviços sociais. Os suecos só se deram conta de que isso era ilusório quando a economia empacou. Eles, então, foram entender as razões da estagnação e, felizmente para a população sueca, o diagnóstico foi correto e o tratamento proposto contou com forças políticas capazes de fazer o que era necessário. A Suécia não deixou de ser um Estado de bem-estar social, mas passou a aplicar de modo muito mais eficiente os recursos que o governo toma da população na forma de impostos. Foi possível, assim, baixar a carga tributária, o que, como sempre acontece, promoveu o crescimento mais acelerado da economia. O oposto disso ocorre hoje na Venezuela e na Argentina, duas pobres meninas riquíssimas. São duas nações com abundância de recursos naturais, que abarrotam de dinheiro os cofres públicos, sem que isso resulte em benefícios para a população. Seus governantes limitam-se a fazer programas de distribuição de renda. Esses programas produzem dependentes e, como em qualquer grande bebedeira, o resultado é um monte de gente caída e sociedades que precisam ser reconstruídas. Tem sido esse o erro das políticas distributivas do PT? Em grande parte, a ilusão é a mesma. Estímulos de demanda, via expansão do gasto público, trazem resultado rápido e, às vezes, surpreendentes, como ocorreu na recuperação induzida de 2010 no Brasil. Mas essas políticas têm pavio curto. Temos de acender um estímulo atrás do outro para manter o mesmo efeito. Políticas que resultem em ganho permanente para o povo não são, obviamente, cheques de assistência ou desonerações tópicas, que foram a marca registrada do primeiro mandato de Dilma Rousseff. Políticas de distribuição duradouras só funcionam quando vinculam os ganhos do trabalhador à sua produtividade e são feitas em moldes eficientes de gestão pública. Ao diagnosticar o esgotamento da ilusão populista do PT, o senhor diz que se aproxima para o Brasil o momento de uma virada histórica. Não é muito otimismo? Na física, o momento da virada ocorre quando se atinge determinado ponto de acumulação a partir do qual a ruptura é inevitável. E no cenário político e social brasileiro estamos próximos desse momento. O mal-estar está nas ruas, e isso já se percebia antes das grandes manifestações do dia 15 de março. As pessoas passaram a ter um senso de urgência, algo que não é muito comum no Brasil. Nós devemos desfulanizar a discussão, tirar a emoção, e perceber o momento como uma oportunidade de fertilização e de inoculação de ideias e propostas. Torço para que a ruptura atual nos conduza a uma célere saída modernizadora. Algum arranjo que, por meio do Congresso, faça mudanças positivas de efeito duradouro. Isso foi feito no Brasil depois de 64, com a criação do Banco Central, a modernização do sistema bancário, a criação do sistema financeiro da habitação, uma lei do mercado de capitais, uma alteração do regime de estabilidade do emprego e o estatuto da terra. Esse conjunto de reformas pôs a economia brasileira em outro patamar de desenvolvimento. O Brasil precisa de algo dessa magnitude agora, sem, é claro, recorrer à via militar. A ruptura parece mesmo inevitável, mas por que ter esperança de que depois dela virão as reformas necessárias? A economia brasileira avançou nos últimos cinquenta anos. Exportávamos praticamente um único produto, o café. Estávamos afastados das principais fontes de financiamento externo. Hoje o Brasil tem mais de 370 bilhões de dólares em reservas internacionais e conta com uma pauta de exportações diversificada, ainda que em deterioração. No agronegócio temos uma estrutura produtiva compatível com a de uma potência econômica. Esse quadro é motivo de otimismo e esperança. O que encontramos na coluna da desesperança e do pessimismo? A pobreza de ideias e a postura ética prevalente inadequada. A corrupção continua muito resistente. Também não temos sido capazes de ir do pensamento crítico para o propositivo, e sem planejamento não se passa a uma agenda para o crescimento. Não será fácil reverter a centralização, outro erro da abordagem petista. A centralização entrava a administração. É um conceito equivocado e uma ilusão em si mesma, pois leva o governante a crer que tem todas as rédeas nas mãos quando as coisas já fugiram de controle. O ministro Joaquim Levy vem batalhando para reequilibrar as contas públicas. Esse é um ponto crucial para a virada? O ajuste fiscal é a principal meta a curto prazo, mas não podemos pôr todo o esforço nele. O ajuste pelo ajuste não se explica, nem é viável vendê-lo ao público como uma saída. Por isso há um prognóstico negativo a respeito dos resultados que podem ser obtidos. Essa política não tem condições de resgatar nem a confiança nem o crescimento. Por quê? Porque, medido pela despesa pública ou pela carga tributária, o atual estágio da presença do Estado na economia ultrapassou os limites do razoável. O governo comete o erro fundamental de achar que para ficar bem basta cobrir a despesa pública e deixar um saldo primário para pagar os juros, independentemente do nível em que a despesa se encontra. Ora, se o governo aumenta impostos para obter esse saldo primário, não está nada bem. É altamente nocivo para o país arrancar ainda mais recursos da margem das empresas e do que as famílias gastam com a educação dos filhos. É um dinheiro que será dilapidado em uma despesa pública improdutiva. A carga de impostos deveria ser congelada. Deveria ficar em quarentena. O governo teria de se virar com o que já arrecada e mudar o modo e a qualidade dos seus gastos, tendo em vista o compromisso com a eficiência. Qual o peso do Estado sobre os ombros da economia brasileira? Hoje, com a carga tributária 5 pontos porcentuais acima do que era no fim do governo Fernando Henrique Cardoso, o Brasil público tem sufocado o Brasil privado. Estamos nos aproximando de uma participação estatal perto de 50% do PIB. A carga tributária estaria em torno de 36%, 37% do PIB. Mas, além da carga, pesa muito o déficit público. A interferência estatal na área financeira, com a poupança praticamente estatizada, é um peso sobre a economia que nunca é computado. A rolagem da dívida pública é outro elemento que deveria ser incluído nos cálculos do tamanho real da interferência estatal na economia. Somando tudo isso, chegamos àquele número assombroso de 50% do PIB em mãos do Estado. É possível aumentar a eficiência do gasto público? É preciso instituir um conselho de gestão fiscal com atribuições bem definidas. Caberá ao conselho revisitar e analisar as despesas sob o ponto de vista da eficiência. Seria um órgão de recomendação com caráter técnico, com uma lupa que permitirá enxergar previamente o risco de desperdício do recurso público. Se já existisse, ele poderia ter recomendado ao governo que não começasse as obras de transposição do Rio São Francisco sem que tivesse sido produzido antes um projeto executivo para saber exatamente o que precisava ser feito e os custos envolvidos. A questão fundamental é institucionalizar os processos. Vencer o mito do governo grátis é uma meta possível? O Brasil tem de identificar uma matriz macroeconômica realmente nova, com mais ênfase no esforço fiscal pelo lado da eficiência das despesas. Ou seja, gastar menos e melhor. Essa é uma primeira abordagem. Em seguida, é necessário deflagrar mecanismos de poupança popular, que hoje está estatizada. As aprovações das mudanças têm de ocorrer no Congresso, que é o fórum adequado. É preciso um pacto entre governo federal, estados e municípios. O Brasil é um país que passa por um momento especialmente positivo em função do bônus demográfico, com uma população de maioria ainda jovem e ativa. Some-se a isso o bônus da consciência social que desperta, e fica claro que este é o momento da virada. O senhor acha que em Brasília essa ficha já caiu? A velha política está associada aos velhos modos de tratar a economia, ou seja, ao Estado grande, interferente, poluído por estatais que decidem os planos de investimento de forma política e por mecanismos burocráticos que chegam a ponto de promover um achaque sobre o setor produtivo e as famílias. Brasília não sabe que existe uma crise na economia. Na cabeça dos que gastam — ou dos que mandam gastar —, a crise tem conotação política. Ela só ocorre "porque a Dilma está enfraquecida". O Brasil não tem mais o benefício extraordinário e dadivoso de um ciclo de commodities. Essa volta à realidade precisa chegar ao Brasil do setor público. É preciso que ele esteja atrelado às condições econômicas. É um equívoco que tenham sido criadas vinculações de programas ao total de despesas. Isso torna as finanças públicas inadministráveis, pois, sempre que uma despesa aumenta, as demais a acompanham. O Brasil que gasta tem de ser solidário com o Brasil que o financia. Só assim a sociedade começará a pensar junto. As decisões judiciais seriam mais criteriosas quanto à criação de mais dispêndio para o setor público, e este teria consciência do ónus que representa para o setor privado. Como retomar o crescimento? Para mudar o modelo, é preciso que ocorra uma crise — e ela já chegou. Agora, o povo exige ser o beneficiário final e efetivo dos processos econômicos. Poucas vezes isso foi feito na história do Brasil. A população é sempre um beneficiário casual. Chegou a hora do desenvolvimento atrelado ao capitalismo participativo. Para não regredir, é preciso transformar o Brasil em uma pátria investidora. Se identificar corretamente as disfunções da economia e consertá-las rapidamente, o governo abrirá espaço para o salto de investimento que nos salvará. 1#4 LYA LUFT – O JEITO DO BRASIL Por alguma razão, medo ou timidez, hipocrisia e cinismo, ou simplesmente comodismo, muitas vezes achamos que não dizer a verdade é mais simples. Discordo: a experiência mostra que a verdade é o caminho mais simples, com menos chance de cair e quebrar a cara (ou a alma, o que é pior). Claro que há exceções: algumas verdades não cabe a nós dizer. Se um amigo está no estágio terminal de uma doença, possivelmente cabe ao médico anunciar isso, ou à família decidir o que se faz. Se uma amiga é muito feia, ninguém normalzinho vai lhe dizer isso, a não ser que seja consertável, como mudar o penteado ou maquiar-se com mais discrição. Se uma pessoa nos parece arrogante ou grosseira, é preferível deletá-la da nossa vida, e não começar uma discussão que só trará aborrecimento: argumentar com alguém assim é luta inglória, e podemos sair machucados. Faço toda essa retórica inicial para comentar o cansaço que me assedia, e possivelmente a muitos de meus leitores, em relação aos resistentes, desagradáveis, tristes e vergonhosos, ou tudo isso junto, fatos da nossa política e nossa economia. De repente, todo um mundo no qual vivíamos relativamente confortáveis e seguros, com coisas boas e ruins, está se desmantelando. Cai um pedaço de telhado aqui, um muro ali, paredes vão rachando, crateras no pátio, os quartos se confundem, as portas não funcionam, janelas que abriam para fora abrem para dentro, móveis escorregam de um canto da sala a outro, e pior: os habitantes usam máscara de monstros, de bichos, palhaços malignos. Que mundo é este?, perguntamos, assustados (ou brincalhões, para disfarçar o medo). O que fazer agora quando as pessoas não são mais aquelas, as casas se desestruturaram, as ruas e estradas são areias movediças, a paisagem é um deserto calcinado, a gente não sabe o que esperar, e a cada dia há uma novidade pior? Pessoas em quem confiávamos revelam falhas de caráter impensáveis dias ou semanas atrás. Empresas respeitáveis que nos orgulhavam eram fachada para falcatruas gigantescas que escapam à nossa capacidade de calcular. Bilhões agora são padrão, milhões já parecem ninharia, e os miseráveis milhares que ganhamos honradamente para pagar contas e manter a vida digna são poeirinha na terra. Alguns dos grandes empresários admitem com inesperada franqueza que, se não entrassem no esquema de corrupção, se não pagassem as irreais propinas, suas empresas ficariam "de fora" da roda dos mafiosos: simplesmente, sairiam perdendo. Todo mundo fazia isso, então a gente também participava — parece coisa de menino de colégio, que dá a mesma resposta quando censurado por alguma trapalhada escolar: "Todo mundo faz, ué". De modo que nosso universo está desestruturado, e para piorar tudo algumas dessas pessoas podem até ser inocentes, pois tantos são os suspeitos. Suspeito é o que está sendo investigado, e da investigação resultará a inocência ou a culpa de muitos, que então serão réus. Declarada a inocência de uns poucos, esses serão livres de processo, mas talvez carreguem pelo resto da vida aquela mancha que não se apaga: "Um dia ele foi suspeito de...". O mundo anda confuso, triste, inquietante e chato. É difícil uma reunião de amigos ou família em que não se intrometa este assunto: a corrupção, os culpados, como serão (ou não) punidos, quem vai compensar o povo por esses desvios, quem vai pagar a conta (nós?). É um óleo gosmento que invade as conversas alegres e os gestos afetuosos. A gente tranca a porta, fecha as frestas, mas lá estão, olhando-nos, as caretas repulsivas da corrupção e vergonha que tomaram conta do Brasil, onde os honrados, homens e mulheres de princípios e vergonha na cara, até parecem deslocados como se não fossem eles, os pequenos, os verdadeiros legítimos senhores do país, enquanto os corruptos, os traidores, os desqualificados são na verdade os intrusos. Momento difícil, sem graça, esperemos que não sem jeito. Que nunca mais alguém se atreva a dizer: "O jeito do Brasil é esse mesmo". LYA LUFT é escritora 1#5 LEITOR RESSURREIÇÃO DE JESUS CRISTO A ressurreição de Jesus é um fato. Duvidar é uma opção. Há quem creia que o homem jamais pôs os pés na Lua. A crença no poder da ressurreição e suas consequências é uma questão de fé, e todo homem nasce livre para crer ou não ("Ressurreição, o grande dogma do cristianismo", 8 de abril). ALEX DIAS RIBEIRO São Paulo, SP A reportagem especial de capa "O poder da ressurreição" descreve a essência do cristianismo. Cabe a cada um crer ou não — e, crendo, refutar acréscimos. FRANCISCO GORTZ NETO Curitiba, PR VEJA faz uma análise objetiva e ao mesmo tempo profunda sobre a ressurreição de Jesus Cristo. Eis a lógica da fé: se algo de maravilhoso e extraordinário não tivesse ocorrido naquele domingo da Páscoa judaica, como uma pequena seita teria sobrevivido e crescido? LUIZ GUSTAVO BARBOSA DAMÁSIO Olinda, PE A bela reportagem de VEJA serviu para reforçar minha fé e a crença de que o ateísmo é muito frágil. DANIEL MELO Manaus, AM Sou católico não tão praticante. Sigo à risca os mandamentos ditados a Moisés, mas não sou um frequentador assíduo de missa. Acredito que atitudes falam mais do que convenções. Acredito ainda na vida eterna, que todos nascemos para ser felizes e que merecemos dar certo, o que significa que nada termina por aqui, nada se esgota na finitude da jornada terrena. Na minha percepção, o espírito, a essência, é imortal. A capa de VEJA me reaqueceu esse debate subconsciente, fechando com chave de ouro a Páscoa. GUSTAVO HENRIQUE DE BRITO ALVES FREIRE Recife (PE), via smartphone A reportagem de VEJA cita um trecho da obra Deus, um Delírio, do biólogo evolutivo Richard Dawkins, referente à "fé sem questionamento". Infelizmente, vê-se, diuturnamente, a ocorrência de ações aterradoras praticadas em decorrência dessa famigerada "fé sem questionamento"; acrescentando-se o fato de que foi — e é — fundamentada em tal "fé" que os mitos e lendas se tornaram "realidade" na mente dos que a professam. JORGE ZAGOTO Vila Velha, ES DOM JOÃO DE AVIZ O conceito ceticista é uma corrente que sempre existiu na humanidade, alimentada por vezes em momentos de sofrimento e descrença de uma sociedade que procura a felicidade no prazer e não consegue vislumbrar no sofrimento uma alternativa de refletir sobre suas decisões. Para tanto, cito um provérbio que diz: "Jamais saberá sorrir aquele que não aprendeu a chorar". Dom João de Aviz ("O pecador é para ser amado", 8 de abril) sintetiza bem a forma como o cristianismo e o papa Francisco têm se posicionado diante de um mundo cada vez mais descrente de Deus. EDNALDO INÁCIO DE LIMA Deodápolis, MS REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL É muito esclarecedora a reportagem "Idade não é o problema" (8 de abril). Sem dúvida, a redução da maioridade penal trará uma "esperança vã" à população brasileira, que já vive às voltas com tantas mazelas, entre elas a "insegurança pública". Nosso sistema carcerário não regenera ninguém, mas considero sedutora a ideia de um sistema híbrido. Estupros e latrocínios, por exemplo, seriam tratados diferentemente de um furto num supermercado. VALQUIR SILVA DOS SANTOS Manaus (AM), via tablet Enquanto se explora o emocional a respeito da idade penal, esquece-se o cerne da questão. De que adianta aumentar a eficácia na aplicação da lei se não há sequer lugar nos presídios? Há que revisar com urgência o sistema prisional — o apenado entra aprendiz e sai formado. A solução passa por presídios modernos associados à iniciativa privada, priorizando a profissionalização do interno, o qual deveria prover o próprio sustento com seu suor, pois o ócio é mestre do desvio. É preciso substituir as masmorras por colônias e/ou escolas profissionalizantes, instando o interno a desenvolver o gosto pelo trabalho. Atualmente temos apenas fábricas de lixo humano. UIRASSU TRINDADE DE BEM Bagé, RS A diminuição da maioridade penal provavelmente não vai reduzir a criminalidade no Brasil. O foco, porém, é outro: aquele que mata, independentemente da idade, tem de pagar pelo crime que cometeu. Menos impunidade e mais justiça social! RINALDO GOMES GARCIA Campo Grande, MS J.R. GUZZO O magistral artigo "A vida é frágil" (8 de abril), de J.R. Guzzo, aborda com perspicácia dois temas que incomodam: um, recentíssimo, a inquietante história do piloto europeu suicida; o outro, recorrente, a imoralidade que tomou conta do Estado brasileiro. A observação de Guzzo é precisa: às vicissitudes da existência não escapam brasileiros nem alemães. Afinal, para morrer, basta estar vivo, como diz o brocardo. Se nem mesmo a virtuosa companhia aérea alemã pôde salvar seus passageiros das mãos do louco assassino, resta ter paciência e trabalhar para sanar os defeitos do pobre Brasil. GABRIEL CORDEIRO MARTINS DE OLIVEIRA São Paulo (SP), via smartphone Ninguém pensa em se mudar do Brasil para escapar da morte. Para morrer basta estar vivo, embora seja bem mais fácil aqui no Brasil. O que muda infinitamente é a qualidade de vida que se tem em um país civilizado. Imagine poder passear de carrinho com seu neto, sem o menor receio de ser assaltada, em ruas limpas e arborizadas e calçadas sem buracos. Onde as pessoas, quando estão com cães maiores, ao ver o carrinho de bebê, mudam de calçada para evitar qualquer incidente. Isso sem ser em condomínio fechado e bem perto de uma escola pública. Pois, em um desses passeios, um brinquedo de pano caiu do carrinho sem que eu percebesse. Dois ou três dias depois, fazendo o mesmo percurso, vi o brinquedo pendurado em um arbusto, esperando que seu dono o encontrasse. Se alguém sabe de um lugar assim no Brasil, eu me mudo para lá e não penso mais em sair daqui. LUCILA L. GOLDSTEIN Campinas, SP O PETROLÃO E O STF Estamos acostumados a pensar que os juízes do STF são pessoas ilibadas, de passado sem jaça, cuja retidão incontaminável é a fiadora da nossa confiança. Mas, como são elevados à mais alta corte do país pela preferência do presidente da República, ou de partidos que o apoiam, ou, ainda, pela pressão de grupos, sempre poderemos encontrar entre eles aqueles cuja tibieza de caráter os levará a se ocupar de satisfazer interesses dos seus patrocinadores, ou interesses outros que não os da Justiça ("Operação cala-boca", 8 de abril). EUGÊNIO BANÚS Santo André, SP SEGREDOS DA CASA CIVIL A reportagem "O segredo da Casa Civil" (8 de abril) desnuda o caráter de dirigentes do PT e joga de vez por terra uma antiga falácia, qual seja, que o PT é um templo de virtudes e uma masmorra aos vícios, imbuído de um puritanismo voltado para o social. A fortuna acumulada pelos personagens da reportagem, que hoje vivem nababescamente após deixar a chefia da Casa Civil da Presidência da República, não deixa dúvida de que a postura comuno-socialista do passado era, na verdade, um trampolim para a possibilidade de alguns se tornarem milionários em detrimento dos outros. ELINEI WINSTON SILVA Rio de Janeiro, RJ ATLETISMO NA OLIMPÍADA Bela colocação de VEJA no título da reportagem "Que falta faz um Joaquim Cruz" (8 de abril). A prova dos 800 metros é uma de minhas paixões, ficando atrás — apenas — do revezamento 4 x 100 e dos 100 metros livres. Sou aficionado do atletismo e lembro (como se fosse hoje) a chegada daquele jovem atleta, humilde, simples, sereno e muito confiante, com passos largos e à frente do "monstro" Sebastian Coe, como se dissesse: "Si, se puede!" ou "Yes, we can!". O próprio Cruz diria, tempos depois, que seu "trabalho foi vigiar inconscientemente o Sebastian Coe e se preparar emocionalmente para o que ia acontecer no finalzinho". Disse, ainda, que, "nos últimos 80 metros, sentiu um arrepio enorme no corpo". E que correra com sapatilhas adaptadas, já que a perna direita era 2 centímetros mais curta que a esquerda, resultado de uma fratura que teve aos 5 anos. Não creio que vejamos algo parecido na Olimpíada de 2016. Muito menos no atletismo (oxalá eu queime a língua!), tão carente de bons atletas. Vivemos tempos de vacas magras em relação às medalhas olímpicas. Nossos heróis olímpicos nunca mais foram como aqueles de alguns anos atrás. PEDRO PEREIRA FERNANDES NETO Cascavel, PR PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação. VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP: Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até a quarta-feira de cada semana. 1#6 BLOGOSFERA EDITADO POR KATIA PERIN kperin@abril.com.br SOBRE PALAVRAS SÉRGIO RODRIGUES TERCEIRIZAR O substantivo terceirização é um neologismo brasileiro recente: o Houaiss fixa a data de 1991 para seu primeiro registro escrito. É bem mais antiga, no entanto, a acepção de "terceiro" como "outro, pessoa que está do lado de fora de uma relação" — no caso, a relação de trabalho entre empresa e funcionários. www.veja.com/sobrepalavras VEJA MERCADOS GERALDO SAMOR ECONOMIA Grandes gestores, reguladores e banqueiros começaram a se fazer a seguinte pergunta: será que existe um risco sistêmico para o setor financeiro do Brasil? A resposta parece ser um sólido não. Veio então a pergunta seguinte: dentro de um sistema estável, há elos fracos que vão precisar de ajuda? A resposta hoje é: muito provavelmente. www.veja.com/vejamercados COLUNA REINALDO AZEVEDO POLÍTICA Com a ida do vice-presidente, Michel Temer, para a coordenação política do governo, dá-se o impeachment parcial da presidente e do petismo: a segunda área mais sensível do governo também sai das mãos da mandatária e do PT. A primeira, a economia, já saiu — ou Joaquim Levy representa o sonho de consumo dos companheiros? www.veja.com/reinaldoazevedo TVEJA PORTA-VOZ DO GOVERNO Em entrevista exclusiva a TVEJA, o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, reconhece a dificuldade de convencer a opinião pública da necessidade das medidas amargas na economia, mas defende o ajuste. "Esse período é como um túnel, e ao final veremos condições para crescer." Edinho Silva ainda falou sobre petrolão, crise política, relações entre PT e PMDB e manifestações nas ruas, www.veja.com/tveja O CAÇADOR DE MITOS LIBERALISMO Os defensores do livre mercado não são contra os pobres. Eles só acreditam que o melhor caminho para a prosperidade de um povo é dar aos cidadãos liberdade para realizarem trocas e transações voluntárias entre si e com cidadãos de outros países. Massas humanas deixaram a miséria na China, na Coreia do Sul, na Indonésia e no Brasil por causa do crescimento da economia e dos negócios. E não foi o liberalismo, e sim o socialismo, que espalhou a miséria pela Etiópia, Cuba e Coreia do Norte. www.veja.com/cacadordemitos DIRETO AO PONTO ABAIXO O POPULISMO Falando de política de forma simples e contundente, Gloria Álvarez se tornou um símbolo da oposição ao populismo. Em entrevista a TVEJA, a jovem cientista política da Guatemala diz que governos bolivarianos e petistas funcionam da mesma forma — e que programas sociais como o Bolsa Família são estratégias para manter uma massa dependente de benesses do poder público. www.veja.com/tveja Esta página é editada a partir dos textos publicados por blogueiros e colunistas de VEJA.com ___________________________________________ 2# PANORAMA 15.4.15 2#1 IMAGEM DA SEMANA – ELE FEZ A LIÇÃO DE CASA 2#2 DATAS 2#3 CONVERSA COM JOSÉ PAPA – O (PER)SEGUIDOR DE TENDÊNCIAS 2#4 NÚMEROS 2#5 SOBEDESCE 2#6 RADAR 2#7 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – ELE FEZ A LIÇÃO DE CASA A economia se recupera, mas os ingleses exigem mais do premiê David Cameron. Era para ser uma tarefa menos complicada. O primeiro-ministro David Cameron, do Partido Conservador, precisa convencer os cidadãos britânicos a mantê-lo no cargo nas eleições gerais de 7 de maio. Não lhe faltam bons argumentos. Quando assumiu o governo, em 2010, o PIB do país havia sofrido uma queda de 6,4% durante a crise econômica iniciada em 2008 e a taxa de desemprego estava em 8,5%. Quatro anos depois, o PIB já aumentou 8% e o desemprego caiu para 5,7% — em certo país do Hemisfério Sul que começa com B e termina com L, em comparação, a taxa está em 7,4%. O governo anterior, do Partido Trabalhista, havia empurrado a economia mais para perto do precipício com uma política de crescente gasto público, inchando a máquina pública e despejando dinheiro em programas assistenciais. Lembra o tal país cuja primeira letra é B e a última é L? Cameron conseguiu reverter a sangria cortando quase 1 milhão de funcionários públicos e freando o aumento dos gastos sociais. A sua política de austeridade segue firme na meta de sanar as contas sem aumento de impostos. Um pouco diferente do aperto fiscal tardio do B_ _ _ _L, o tal país do sul. A lição de casa os conservadores fizeram, mas as pesquisas não lhes dão uma margem folgada das intenções de voto. A exemplo da simpática Lucy Howart, de 6 anos — que repousou a cabeça na mesa, aliviada, quando finalmente conseguiu concluir a leitura de uma frase difícil, auxiliada pelo premiê em campanha —, é provável que os ingleses façam a leitura correta dos fatos no dia do pleito. R de redução da máquina pública, A de austeridade, I de impostos baixos... BRA_IL. Até a pequena Lucy seria capaz de completar o nome do país que tem algo a aprender com a Inglaterra. DIOGO SCHELP 2#2 DATAS MORRERAM Barbara Heliodora, crítica teatral carioca e a maior especialista do Brasil em Shakespeare, de quem traduziu diversas peças e sobre o qual publicou vários livros. Rigorosa, dizia que "a crítica condescendente é um engano". Se um espetáculo lhe desagradasse, não disfarçava suas impressões. "É um crime lesa-Molière", escreveu certa vez. Temida por diretores e atores, chegou a ser barrada na porta de teatros e inspirou uma comédia de Henrique Tavares, Barbara Não Lhe Adora (1999). Filha de uma poetisa com um historiador e goleiro do primeiro time do Fluminense, Heliodora Carneiro de Mendonça — esse era seu verdadeiro nome — iniciou sua longa relação com o trabalho de Shakespeare aos 12 anos, por influência da mãe, que a presenteou com as obras completas do autor, em inglês. Barbara começou a escrever críticas em 1957, na Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda. Em 1958, passou a colaborar com o Jornal do Brasil. A convite de Castelo Branco, dirigiu o Serviço Nacional de Teatro (1964-67). Depois, voltou-se para o ensino. Retornou à crítica em 1986, na revista Visão. Em 1990, assumiu a função no jornal O Globo, no qual permaneceu até o início de 2014, quando se aposentou do ofício. Embora nunca tenha desejado atuar, subiu ao palco algumas vezes. A primeira delas em 1948, no papel de Rainha Gertrudes, em Hamlet. Barbara estava internada desde o fim de março, com quadro de insuficiência respiratória. Dia 10, aos 91 anos, no Rio de Janeiro. Fredric Brandt, dermatologista americano conhecido como Barão do Botox. Sua clínica era a maior compradora do mundo da toxina botulínica, que ele usou pioneiramente e chamava de Bo. Brandt dizia experimentar todas as substâncias que usava antes de injetá-las nos seus pacientes. Madonna, que se entregava aos seus cuidados, declarou ao diário The New York Times: "Se tenho a pele boa, devo muito a ele". Nascido em Newark, o dermatologista costumava cantar sucessos da Broadway enquanto fazia aplicações de Botox. Apreciador da arte contemporânea e dono de uma linha de cosméticos, Brandt estava se tratando de depressão e andava abalado com os comentários de que o personagem Sidney Grant, do humorístico Unbreakable Kimmy Schmidt, havia sido inspirado nele. Dia 5, aos 65 anos, por suicídio, na Flórida. Geoffrey Lewis, ator americano que trabalhou em diversas produções de Clint Eastwood, como O Estranho sem Nome e Doido para Brigar... Louco para Amar. Indicado ao Globo de Ouro por sua atuação na série Flo (1980), Geoffrey - que nasceu em San Diego — era pai da atriz e cantora Juliette Lewis. Dia 7, aos 79 anos, na Califórnia. • QUA|8|4|2015 Condenado por promover o atentado a bomba na maratona de Boston, em 2013, o jovem de 21 anos e origem chechena Dzhokhar Tsarnaev. Na ocasião, três pessoas morreram e mais de 260 ficaram feridas. Ao todo, Tsarnaev, que agiu ao lado do irmão mais velho, Tamerlan, morto pelos policiais, foi indiciado e condenado por trinta acusações — dezessete passíveis de pena de morte. A sentença deve ser dada no dia 13. Absolvido Daniel de Oliveira Coutinho, que matou o próprio pai, o cineasta Eduardo Coutinho, a facadas, em fevereiro do ano passado. Portador de transtorno esquizotípico, uma doença mental, ele foi considerado réu inimputável e ficará internado pelo prazo mínimo de três anos. 2#3 CONVERSA COM JOSÉ PAPA – O (PER)SEGUIDOR DE TENDÊNCIAS O brasileiro, diretor-presidente de uma das maiores consultorias de moda, comportamento e negócios do mundo, a WGSN, diz o que vai pegar. Quem são os maiores inspiradores de tendências hoje? Os jovens, como sempre. Isso porque é nessa fase da vida que as pessoas topam mais riscos — seja na escolha da roupa, seja na da música. Mas temos prestado atenção também naquelas mulheres que nasceram por volta da década de 60, são bem-sucedidas profissionalmente, usam cabelos brancos e valorizam o fato de estarem envelhecendo bem. Modelos mais velhas como a Daphne Selfe são uma tendência na publicidade. No Brasil, a periferia desperta interesse, com sua mistura de estampas e sons. Em que lugares do mundo estão nascendo as tendências, além do circuito Londres- Tóquio-Berlim? Kuala Lumpur, na Malásia, é um novo grande polo de música pop. A Islândia está entre os líderes recentes em tendência gastronômica. E a Noruega tem disseminado comportamentos — na área da reciclagem, por exemplo. Em Oslo, espalham-se caçambas pela rua e as pessoas depositam lá suas roupas antigas. Roupas: o que vai ser novidade daqui a pouco? Tecidos que hidratam a pele. A Alemanha e a Espanha têm estudos avançados sobre materiais assim. Roupas de trabalho também têm merecido atenção especial e, assim como o street wear, passarão a incluir cada vez mais em sua composição materiais e detalhes vindos dos trajes esportivos, como bolsos grandes e tecidos mais elásticos. Como identificar o momento em que uma tendência deixa de ser cool para virar carne de vaca? Um produto só deixa de ser cool quando seu uso massificado o tira do contexto original. Por exemplo: as Havaianas são um produto de uso massivo, mas são cool porque fazem sentido no contexto em que estão inseridas: ambientes despretensiosos, praia... Já o anel de noivado de Kate Middleton, por exemplo, passou a ser copiado indistintamente e usado sem carregar significado algum. Aí, deixou de ser cool. Tornou-se só uma cópia. 2#4 NÚMEROS 18, no mínimo, terá de ser o índice de massa corporal (IMC) das modelos que quiserem desfilar na França, segundo a lei antimagreza aprovada pela Câmara dos Deputados daquele país, sob o argumento de que "nenhum profissional é obrigado a passar fome para trabalhar". 6 meses de prisão é a punição prevista para os donos de agência que trabalharem com profissionais abaixo do IMC mínimo, que equivale a 55,2 quilos para uma mulher de 1,75 metro. Ainda há possibilidade de a nova lei ser barrada no Senado. 5 países - Israel, Bélgica, Itália, Espanha e Chile - possuem algum tipo de norma destinada a patrulhar o peso das modelos. No Brasil, dois projetos do gênero estão em tramitação no Congresso. 2#5 SOBEDESCE SOBE Flakka - Versão sintética e barata da catinona, estimulante similar à anfetamina, a nova droga causa alucinações violentas e, em 2013, levou à morte 126 pessoas nos Estados Unidos. Japão - O Parlamento aprovou o maior orçamento da história do país: 801 bilhões de dólares. Com isso, o governo quer reaquecer a economia nacional em 2015. Siri em português - A assistente virtual dos celulares da Apple, lançada há quatro anos, agora entende a língua. DESCE Ex-governadores - O STF determinou o corte da pensão vitalícia a ex-governadores do Pará. A decisão abre caminho para o fim do benefício em outros nove estados onde ele é questionado na Justiça. Base de Alcântara - Por falta de dinheiro, e pressão da Rússia, o governo cancelou o acordo com a Ucrânia para lançar foguetes da base maranhense. Ed Motta em português - O cantor enfureceu usuários do Facebook ao dizer que não quer "brasucas" que "gostam de tomar cerveja barata e não falam inglês" gritando nos seus shows na Europa: "Fala em português, Ed". 2#6 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • ECONOMIA MENOS PIOR Aviso aos navegantes: as coisas não vão bem na economia, os indicadores ainda vão piorar nos próximos meses, mas é nítido que nas últimas duas semanas o pessimismo do mercado com o Brasil diminuiu um pouco. • GOVERNO BOA INTRIGA Na conversa de quarenta minutos, a sós, que Dilma Rousseff teve na última quarta-feira com Renan Calheiros, houve oportunidade para praticar a chamada boa intriga. Foi quando Dilma disse a Renan que ele deveria falar mais com Aloizio Mercadante, "que gosta muito de você". NO JOGO Ou seja, quem acha que Aloizio Mercadante é uma carta fora do baralho da articulação política pode se enganar. VAI DESTRAVAR Sob o comando de Michel Temer, começam a sair nos próximos dias as ansiadas (pelos parlamentares) nomeações do segundo e terceiro escalões do governo. O MOTE Ajustar para crescer. Esse é o mote dado por Edinho Silva às agências de propaganda que servem o governo para que bolem a campanha publicitária — que irá ao ar já neste mês — explicando o ajuste fiscal. CEM DIAS DE CÃO A extraordinária deterioração no relacionamento entre o Planalto e a sua base parlamentar na Câmara pode tranquilamente ser medida em números. Basta comparar as votações de interesse do governo nos cem dias iniciais do primeiro e do segundo mandatos de Dilma. De acordo com um levantamento inédito da consultoria Arko Advice, o governo não perdeu nenhuma das quinze votações de seu interesse no primeiro mandato. Agora, com a Câmara chefiada por Eduardo Cunha, Dilma foi derrotada em quinze das 44 votações. A missão de articulador de Michel Temer junto a Eduardo Cunha e aos deputados, portanto, não será coisa para amador. No Senado, apesar do distanciamento de Renan Calheiros, que chegou a devolver ao Planalto uma MP, o governo Dilma foi vitorioso nas seis votações de seu interesse nestes primeiros cem dias - o mesmo resultado de quatro anos atrás. • PSDB DE OLHO EM 2018 Aécio Neves está se mudando de mala e cuia para a casa que alugou em Brasília. Ou seja, sua mulher, Letícia, e os dois filhos recém-nascidos estão deixando o Rio de Janeiro pela capital federal. E os fins de semana? Mais em Minas Gerais, reconstituindo o tesouro perdido, do que nas praias cariocas. • JUDICIÁRIO O NOME DO PLANALTO O advogado gaúcho Luiz Edson Fachin é o candidato de Dilma Rousseff e de Ricardo Lewandowski para o STF — ou seja, é o preferido dos presidentes de dois dos três poderes. Mas falta combinar com o Senado — ou, mais precisamente, com Renan Calheiros. O governo quer Fachin. Renan ainda não. ABAIXO-ASSINADO A propósito, Benedito Gonçalves, do STJ, tem andado por alguns gabinetes ministeriais com um abaixo-assinado debaixo do braço. O documento, organizado por lideranças e artistas negros, como Martinho da Vila, pede sua nomeação para o Supremo na vaga de Joaquim Barbosa. • PETROBRÁS MAIS PREJUÍZOS A plataforma P-58, que custou 543,6 milhões de dólares e está em operação há apenas um ano, paralisou sua produção de petróleo e gás natural em 18 de março por causa de 48 pendências na área de segurança — problemas que vão de vazamentos a falta de iluminação adequada. Assim, deixou de produzir até agora 2,1 milhões de barris de petróleo e 65 milhões de metros cúbicos de gás — um prejuízo de 154 milhões de dólares. • CERVEJA MAIS ESPUMA A Petrópolis vai produzir ainda neste semestre uma das marcas da sul-africana SAB/Miller, como foi anunciado no ano passado. • INTERNACIONAL O MARQUETEIRO Embora pensasse em tirar um ano sabático, João Santana aceitou o convite de José Manuel De La Sota, governador de Córdoba, e está à frente de sua campanha à Presidência da Argentina, cuja eleição está marcada para outubro. • FUTEBOL CBF VERSUS CONCESSIONÁRIAS A CBF e as concessionárias de estádios de futebol estão perto de uma briga na Justiça. A entidade alterou o seu Regulamento Geral de Competições, que serve para o Brasileirão e para a Copa do Brasil: assim, toda a exploração comercial das arenas terá de ser aprovada pela CBF. Antes, a turma de José Maria Marin só podia interferir na publicidade estática — as placas de propaganda localizadas no campo de jogo. • OLIMPÍADA DÍVIDAS PASSADAS Belo Horizonte e Manaus foram escolhidas cidades-sede dos jogos de futebol da Olimpíada. Beleza. Estão se comprometendo com novos gastos, mas também terão de pagar contas ainda penduradas dos jogos da Copa do Mundo. As cidades devem, respectivamente, 14,6 milhões de reais e 16,9 milhões de reais pelos espaços provisórios que foram montados à época. • AVIAÇÃO PPLLS Em junho de 2014, num hotel em Atibaia (SP), Lula embarcou no helicóptero modelo EC 155, prefixo PPLLS, de José Seripieri Júnior, o dono da Qualicorp. É a mesma aeronave que caiu e matou, na sexta-feira 3, Thomaz Alckmin mais quatro pessoas. 2#7 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “Foi como se um míssil nuclear tivesse caído na minha cabeça.” - GALVÃO BUENO, narrador esportivo da Rede Globo, referindo-se, em seu livro de memórias, Fala, Galvão!, escrito com o jornalista Ingo Ostrovsky, à repercussão da expressão "Cala a boca, Galvão!", que, durante a Copa de 2010, foi parar na liderança mundial dos tópicos mais comentados do Twitter. “Tenho um problema, que é estar ficando melhor em tudo relacionado ao meu trabalho. (...) Tenho evoluído em diferentes áreas: na maneira como vejo a partida, na forma como preparo o jogo, no jeito que treino, na metodologia. Eu me sinto melhor e melhor.” - JOSÉ MOURINHO, técnico português, treinador do Chelsea, da Inglaterra, no britânico The Telegraph. “Olha o meu bebezinho aqui. Neném vai cantar, né, neném? Neném vai cantar agora. Vai cantar para o bandido mimir.” - POLICIAL MILITAR do batalhão da Maré (222 BPM), na Zona Norte do Rio de Janeiro, acariciando o seu fuzil enquanto conversava com um colega sobre o próximo confronto com criminosos, em vídeo divulgado no Facebook. A PM afastou os dois de suas funções. “A educação básica é a prioridade política há anos. Há pelo menos vinte anos, todos os ministros da Educação dizem isso, mas a gente ainda não conseguiu dar um salto de qualidade decisivo nessa área." - RENATO JANINE RIBEIRO, ministro da Educação, na Folha de S.Paulo. “No que diz respeito à educação, tudo, absolutamente tudo, é prioritário. Não me venham com essa conversa de 'vamos pensar no 1º grau' ou 'vamos priorizar o ensino técnico' ou 'vamos dar ênfase à universidade'. Nada disso. Tudo é fundamental.” - EDUARDO PORTELLA, ex-ministro da Educação e Cultura (governo João Figueiredo) e membro da Academia Brasileira de Letras, em O Estado de S. Paulo. “Não estou pensando em aposentadoria. Estou planejando as próximas turnês.” – MICK JAGGER, 71 anos, vocalista da banda inglesa The Rolling Stones, na revista americana Rolling Stone. “A presidente Dilma terceirizou a condução do seu governo, passou para o vice Michel Temer. Já tinha terceirizado a economia quando entregou a Joaquim Levy. Terceirização é isso, é procurar saídas competentes para que a máquina funcione.” - HERÁCLITO FORTES, deputado federal (PSB-PI), em discurso na Câmara. “Tenho vontade de fazer um herói chamado Degringolou. Não é bonitinho?” - RUTH ROCHA, escritora de livros para crianças, com mais de 200 títulos publicados, ao comentar, na Folha de S.Paulo, a trajetória seguida pelo PT depois que assumiu o poder. “É preciso acabar com esse tipo de corrupção, terminar com essa 'partidocracia' no Brasil. A esquerda brasileira não só perdeu a oportunidade de liberar o país dessa corrupção como ainda ajudou a desenvolvê-la.” - DANIEL COHN-BENDIT, ex-deputado do Parlamento Europeu, notabilizado nas revoltas estudantis parisienses de 1968 como Dany, le Rouge (Dany, o vermelho), em O Globo. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto dos desdobramentos da Operação Lava-Jato “Quem não se ocupa de política já tomou a decisão política de que gostaria de ter se poupado: serve ao partido dominante.” - MAX FRISCH, escritor suíço (1911-1991). _______________________________________ 3# BRASIL 15.4.15 3#1 DE OLHOS BEM ABERTOS 3#2 O PARTIDO QUE DERRETEU 3#3 ARTIGO – ANDRÉ PETRY – O PT, OS OUTROS E UM SISTEMA EM RUÍNAS 3#4 OS ORÁCULOS DO PODER 3#5 UMA BOA NOTÍCIA PARA A ECONOMIA 3#1 DE OLHOS BEM ABERTOS Com Temer à frente, mas acossado por Eduardo Cunha e Renan Calheiros, o PMDB ocupa o vácuo de poder deixado por Dilma e pelo PT, que, desmoralizado nas ruas, teve seu ex-homem forte preso. DANIEL PEREIRA, ADRIANO CEOLIN E ROBSON BONIN “Dilma Rousseff completou 100 dias de mandato, período no qual se costuma avaliar o padrão de efetividade de um governo. Essa tradição vem de Roosevelt, quando assumiu a Presidência dos Estados Unidos, em 1933, durante a depressão mais severa da história. No decorrer dos primeiros 100 dias, ele adotou medidas ousadas que vieram a marcar a recuperação americana: incentivo à indústria e à agricultura, abertura de oportunidades de trabalho, proteção à poupança dos cidadãos, ajuda aos doentes e aos pobres. Os 100 primeiros dias deste governo Dilma foram marcados por inércia, erros e falta de rumo", escreveu o senador José Serra, do PSDB de São Paulo, em sua página no Facebook. Fora um certo exagero em comparar Dilma com Roosevelt, o diagnóstico de Serra é quase perfeito. Faltou anotar que Dilma produziu uma estranha organização política em Brasília, a que o senador Aécio Neves, do PSDB de Minas Gerais, batizou de "renúncia branca" e outros analistas, de "parlamentarismo branco". Seja qual for o nome do arranjo, ele é muito estranho. No parlamentarismo, o chefe de Estado tem um papel simbólico e quem toca o governo é o Parlamento. O que se tem em Brasília é um quadro em que Dilma tem cada vez mais governo e menos poder. Na prática, isso significa que a presidente está com o ônus de governar, enquanto o bônus migrou para o Congresso. Ali, Renan Calheiros, presidente do Senado, e Eduardo Cunha, presidente da Câmara, estão decidindo o destino do Brasil, missão que, a contragosto, passaram a dividir desde a semana passada com Michel Temer, o vice-presidente da República, encarregado por Dilma da articulação política. Os três são do PMDB, partido da base aliada que deveria estar ajudando a presidente, do PT, a governar — e não exercendo o poder no lugar dela. Como se chegou a essa situação no planalto central do país? O "parlamentarismo branco" deve sua existência a três fenômenos de desaparecimento. O do PT, esfacelado pela corrupção everestiana de sua cúpula. O de Dilma, recolhida a um exílio forçado por despertar a ira dos brasileiros, que lhe devotam a mais baixa taxa de aprovação por ter-lhes mentido sem dó na campanha eleitoral de 2014. O terceiro desaparecimento é o de Lula. As pesquisas mostram que o ex-presidente estaria no lucro se tivesse sido esquecido. Mas ele é lembrado. Mas lembrado como o político responsável pelo caos econômico atual e patrono da corrupção institucionalizada no Brasil. Lula sempre menosprezou o impacto negativo das denúncias de corrupção em sua imagem e no projeto de poder do PT. Sobre o mensalão, o primeiro esquema de compra de apoio parlamentar a funcionar nos governos petistas, ele dizia que o escândalo não impediu sua reeleição, em 2006, nem a vitória de Dilma Rousseff em 2010. Com ar triunfal, costumava lembrar que Fernando Haddad conquistou a prefeitura de São Paulo, em 2012, poucos dias depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) anunciar a condenação de José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares. "Isso sai na urina", ensinou o ex-presidente aos companheiros acusados de desvio de verba e tráfico de influência. Lula manteve essa análise e a popularidade em alta até a descoberta do petrolão. O maior esquema de corrupção da história do país atingiu em cheio a imagem do PT e de seu líder máximo, segundo pesquisa encomendada pelo próprio partido (veja a reportagem na pág. 54). Com base nesses dados, Lula disse que o PT perderia a sucessão presidencial se ela fosse realizada hoje. "Mesmo se o candidato for o senhor?", perguntou um interlocutor. "Se eu for o candidato, a derrota pode ser ainda pior", respondeu. Não parece blefe do ex-presidente. A combinação da crise econômica com a roubalheira na Petrobras gera um ambiente de insatisfação contra quem está no poder ou personifica o poder. Petistas contam que a popularidade de Lula caiu de forma "devastadora". A tendência é que essa trajetória não se reverta tão cedo. Na semana passada, a Polícia Federal prendeu o ex-secretário de Comunicação do PT e ex-vice-presidente da Câmara, André Vargas, enquanto a CPI da Petrobras ouviu o depoimento do tesoureiro da legenda, João Vaccari Neto, apontado como o coletor de propina. Os dois galgaram postos de relevância com a chancela de Lula. Por causa desse cenário, o ex-presidente afirma que não pretende concorrer a um terceiro mandato, seja pelo temor de perder a votação, seja pelas dificuldades que o próximo mandatário encontrará pela frente. Lula tem tempo de sobra para mudar de opinião até 2018 — mas é preciso que a opinião do povo sobre ele também mude. Acolhendo uma sugestão feita pelo antecessor, a presidente Dilma Rousseff passou o comando da articulação política do governo para o vice-presidente, Michel Temer. Ao dar mais poder a Temer e ao partido dele, o PMDB, a presidente tenta amarrá-los aos esforços destinados a garantir a aprovação das medidas de ajuste fiscal, o controle dos trabalhos da CPI da Petrobras e uma ascendência mínima sobre a pauta do Congresso — mas também passa a impressão de ter abdicado do poder. Lula insistiu na redefinição da parceria com o PMDB, que ganhará cargos privilegiados nos próximos dias, por considerar que a crise política não será debelada sem a ajuda desse partido. Durante seu governo, Lula fechou uma aliança estratégica com o PMDB, trazendo a legenda para o governo, o que lhe garantiu votos suficientes para afastar o risco de enfrentar um processo de cassação de mandato no auge do escândalo do mensalão. Em retribuição, abriu as portas da Petrobras a caciques peemedebistas, que se tornaram padrinhos políticos de diretores como Paulo Roberto Costa e Jorge Zelada, que hoje são réus em processos judiciais decorrentes do petrolão. Foi o preço da chamada governabilidade. Esnobado por Dilma desde o mandato anterior, Temer assumiu a articulação política do governo depois de uma operação desastrada comandada pela própria presidente. De início, Dilma sondou o ex-deputado Eliseu Padilha (PMDB), braço-direito do vice-presidente, para substituir na Secretaria de Relações Institucionais (SRI) o petista Pepe Vargas, considerado desqualificado para o cargo tanto por Lula como pelo PMDB. Ministro da Aviação Civil, Padilha pediu um tempo para consultar os líderes peemedebistas antes de responder. Assim foi feito. Na conversa, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, deixou claro que não concordava com a ida de Padilha para o Planalto, já que ele se tornaria para-raios de problemas e não teria instrumentos para resolvê-los. O PMDB, ponderou Cunha, estava sendo convocado para compartilhar desgaste com o governo. Uma roubada. Diante da objeção de Cunha, Padilha declinou do convite alegando razões pessoais — sua mulher vetara a mudança de pasta por medo de que ele, com a nova função, tivesse menos tempo para passar com o filho recém-nascido. Foi assim que Dilma ficou com muito governo e pouco poder. Transferiu para um quase estranho, Temer, as articulações com o PMDB. Não fosse pela disputa entre ele, Renan e Cunha, nem seria preciso articular nada — bastaria tocar de ouvido a sinfonia do poder. Petista histórico, Aloizio Mercadante ficou na Casa Civil, mas sem a missão de dialogar com os parlamentares e os partidos políticos. Outro ministro de confiança de Dilma, o gaúcho Pepe Vargas viu sua pasta ser extinta e foi se alojar na Secretaria de Direitos Humanos no lugar da petista Ideli Salvatti, que deve ser agraciada com uma sinecura nos Correios. Arrumar emprego para essa gente toda escorregando ladeira abaixo é o que para Dilma hoje significa governar. Na frase cinicamente dolorosa do deputado Heráclito Fortes (PSB-PI): "Dilma terceirizou a economia para o ministro Joaquim Levy e a política para Michel Temer". Presidente licenciado do PMDB e três vezes comandante da Câmara, Temer tem ascendência sobre colegas de partido e parlamentares de diferentes legendas. Dilma espera que ele faça um contraponto ao correligionário Eduardo Cunha. A presidente, nessa interpretação, pretende usar o PMDB para neutralizar o PMDB. Para facilitar seu trabalho, o vice acelerará as nomeações para cargos de segundo e terceiro escalões, como querem as legendas da base aliada. Dilma estendeu a mão também ao ex-senador José Sarney (PMDB-AP), a quem pediu ajuda para conter o que o Planalto chama de "ímpetos de rebeldia" do presidente do Senado, Renan Calheiros. Há um mês, Dilma convidou Sarney para um evento no Planalto e teve uma conversa com ele. Fazia cinco meses que os dois não se falavam. Nesse período, o ex-presidente destilou toda sorte de mágoa e crítica ao governo. Dilma talvez não saiba, mas, onde ela e seus oráculos enxergam "ímpetos rebeldes", o ex-senador vê apenas a retomada do equilíbrio entre os poderes. Não demorou a retribuição pela atenção de Sarney para com os apuros da presidente. Um desembargador ligado a ele ganhou uma cadeira no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Dilma também evitou desagradar a Renan Calheiros. O nome do novo ministro do Supremo Tribunal Federal está sendo negociado com o senador, que responde a inquéritos no STF devido ao petrolão. Na quarta-feira passada, Dilma recebeu Renan no Planalto. Depois da conversa, ele comandou por telefone uma operação para arquivar a CPI dos Fundos de Pensão, movimentação do interesse do governo. A agenda negativa do PT, no entanto, não dá descanso a Dilma. Na sexta-feira, a Polícia Federal prendeu, como parte da Operação Lava-Jato, os ex-deputados Luiz Argolo (SD-BA), Pedro Corrêa (PP-PE), condenado no processo do mensalão, e André Vargas, que saiu do PT depois de revelada sua relação de proximidade com o doleiro Alberto Youssef, operador e delator do petrolão. Maior defensor da censura à imprensa, dos mensaleiros presos e patrono de ex-jornalistas na internet, Vargas era um ícone do partido. Antes do escândalo, ele pavimentava o caminho para uma quase certeira eleição para a presidência da Câmara dos Deputados. Foi cassado e preso, acusado de receber propina para intermediar contratos entre uma empresa e órgãos públicos, entre eles o Ministério da Saúde e a Caixa Econômica Federal. A melodia da acusação contra ele, composta pelo juiz Sérgio Moro, tem acordes que soam familiares aos ouvidos dos brasileiros: "Há prova de que Alberto Youssef providenciou, em dezembro de 2013, o repasse de R$ 2.399.511,60 em espécie a André Vargas, numerário este proveniente de empresa que mantém vários contratos com entidades públicas, o que foi feito mediante emissão de notas fiscais fraudulentas por serviços que não foram prestados. Em tese, os fatos configuram crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro". Um dia antes da ação da PF, a CPI da Petrobras ouviu João Vaccari Neto. Protegido por uma decisão judicial que lhe garantia o direito de não falar a verdade, ele negou as acusações de ter cobrado propina de fornecedoras da estatal e não esclareceu o que tanto conversava com o ex-gerente Pedro Barusco e o ex-diretor Renato Duque, que recolhiam o dinheiro roubado em benefício do PT. Tudo isso faz parte do ônus de Dilma. A presidente tem a prerrogativa de abrir e fechar ministérios, conceder audiências, assinar decretos, baixar vetos presidenciais, dar ordens ao motorista presidencial. Mas tem cada vez menos poder, a força que permite determinar os rumos do país, congregar correntes políticas em torno de uma ideia. Vai ver as coisas são assim mesmo no "parlamentarismo branco". 3#2 O PARTIDO QUE DERRETEU O PT enfrenta o pior momento de seus 35 anos de existência. E, desta vez, nem Lula escapou: pesquisas mostram que a sua popularidade foi ao chão. PEDRO DIAS LEITE O PT perdeu a metáfora. Quando um grupo político dominante perdeu a metáfora, ele perdeu o país. Pense no que virá à cabeça de um brasileiro se ele ouvir a seguinte afirmação: "Mohammed Buhari é o Lula da Nigéria". Ou: "Virgínia Rometty é a Dilma Rousseff da IBM". Ou ainda: "Andrew Tobias é o Vaccari do Partido Democrata dos Estados Unidos". Muito provavelmente o brasileiro vai concluir que Buhari está metido em grandes escândalos na Nigéria, que Virgínia Rometty desmantelou a IBM e que Tobias peregrina com uma mochila nas costas em busca de dinheiro de propina para financiar campanhas dos democratas. A má notícia para o PT é que, uma vez perdida a metáfora, ela não pode mais ser recuperada por pelo menos uma geração. Na última reunião de dirigentes do PT, no fim do mês passado, o presidente do partido, Rui Falcão, recomendou aos presentes a leitura de Alfaiate de Ulm, do italiano Lúcio Magri (1932-2011). O livro narra a derrocada do Partido Comunista Italiano, reconstituindo sua trajetória desde que era a maior agremiação comunista do Ocidente até a extinção, em 1991. "Os erros estão todos lá, virou nosso livro de cabeceira", afirma um integrante da cúpula petista. O PT nunca viu o fim de tão perto. Em março, uma pesquisa do Datafolha mostrou que o número de brasileiros que se declaram simpatizantes do PT caiu para 7%, pouco mais de um quarto do patamar histórico de 30%. Igualmente preocupante para o partido foi o resultado de uma pesquisa que ele encomendou e que mostrou o ofuscamento de sua outrora estrela mais fulgurante, o ex-presidente Lula. A corrosão do petista, segundo um dirigente, revelou-se "bem maior do que a esperada" e, longe de ser um "fenômeno paulista", está disseminada por todo o país, Nordeste incluído. O estrago em sua imagem já é tamanho que um petista graúdo e próximo do ex-presidente lhe recomendou que desistisse de se empenhar em voltar ao poder em 2018 — em vez disso, deveria se dedicar a tentar "salvar a sua biografia". Lula hoje tem receio de sair às ruas e ser insultado, como ocorreu recentemente com o ministro Jaques Wagner, o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia e o ex-ministro Guido Mantega — para ficar só nos episódios que vieram a público. Um parlamentar do PT que pretende disputar o governo estadual disse que, numa tentativa de driblar a rejeição ao partido, está recomendando a vereadores e prefeitos que troquem o PT por outra sigla para disputar as eleições municipais em 2016. Sem a mudança, concluiu ele, os vereadores e prefeitos serão derrotados, tornando-se inúteis como cabos eleitorais. A sucessão de casos de corrupção, com a ida de um petista para a cadeia toda semana (leia na página 46) é só uma das causas da derrocada. Diz o sociólogo Demétrio Magnoli: "Os partidos da social-democracia europeia que no poder enfrentaram escândalos resistiram porque tinham projeto ideológico enraizado e mantiveram sua base de apoio. O PT ficou apenas com os 'dependentes' do Bolsa Família e de outros repasses do Estado. Falta um projeto claro que lhe dê sustentação". A leitura de Alfaiate de Ulm não trará as respostas que o PT busca. O PC Italiano demorou a se desvencilhar dos restos do naufrágio soviético e a perceber a vitória do capitalismo. Mas a corrupção nunca esteve no centro dos acontecimentos que levaram à sua dissolução. Pense no que virá à cabeça de um italiano se ele ouvir a seguinte metáfora: "O PT vai no Brasil pelo mesmo caminho do PCI aqui". “Colocamos mais gente importante na cadeia por corrupção do que nos outros governos.” FALTOU UM DETALHE - A propaganda que o PT levou ao ar na semana passada não mostra nenhum de seus dirigentes e afirma que o "ódio" ao partido decorre da prisão de poderosos — faltou dizer que, na safra recente, boa parte deles é petista. COM REPORTAGEM DE DANIEL PEREIRA 3#3 ARTIGO – ANDRÉ PETRY – O PT, OS OUTROS E UM SISTEMA EM RUÍNAS A bagunça promovida pela presidente Dilma Rousseff para escolher um novo articulador político é mais do que um capítulo vexaminoso do seu governo. A presidente convida um ministro para ser articulador, e o atual articulador fica sabendo de sua demissão pela imprensa, mas o convidado não aceita a nova incumbência e continua no ministério original. Golpeada pela negativa, a presidente convida o vice Michel Temer, pai bento do PMDB, partido com o qual ela anda às turras mas de cujo apoio precisa desesperadamente. Temer aceita entrar no maculelê. O convite, a recusa, a solução — é tudo um vexame, mas é também sintoma de algo mais grave: o PT destruiu o sistema político brasileiro e não pôs nada no lugar. O sistema, o chamado presidencialismo de coalizão, está em ruínas, como o Fórum romano na foto ao lado. Destruído. Detonado. Ou melhor: o sistema político ainda está aí, mas vaga sem rumo, insepulto, exaurindo-se nos suspiros derradeiros. Nos dois períodos democráticos do Brasil — primeiro de 1946 a 1964, depois de 1985 até agora —, o presidencialismo de coalizão funcionou mais ou menos do mesmo jeito. O presidente se elege, sua base partidária não tem a maioria no Congresso, e o presidente entrega-se à tarefa de formá-la para bem governar. Sempre houve duas maneiras de construir a coalizão, uma cada vez mais rara, a outra cada vez mais corriqueira. A rara: negociar com líderes partidários e selar acordos com base em compromissos políticos. A corriqueira: comprar apoio com cargos e abrir a porta para achaques de diversos calibres. É o velho binômio fisiologismo e corrupção, que são irmãos siameses. Em Brasília, não há ingênuos. Todos sabem que o modelo azeitado no clientelismo e na propina não foi criação do PT. Os tucanos gostam de sacar essa acusação porque cai bem na disputa partidária, mas até os governos de Fernando Henrique tiveram de recorrer a esse expediente — aliás, para atrair o apoio do mesmo PMDB rebelde de agora, esse que tem sido o grande gestor do fisiologismo nacional. O PT, porém, não fez o que todos os governos vinham fazendo. Enterrou a lenga-lenga da ética política e fez mais, foi mais longe. Começou aí a implosão de um sistema que, sobrevivendo entre o lírio e o lodo, conseguia ser minimamente funcional. Foram dois os excessos do PT. O primeiro: os ministérios de Lula e Dilma sempre reuniram um número acima da média de partidos. Lula, no primeiro mandato, formou um ministério com nove legendas, coisa inédita até então. Dilma, na largada do segundo mandato, chamou 39 ministros de dez partidos (e onze ministros nem tinham identificação partidária). Ao contrário dos governos Sarney, Collor, Itamar e FHC, as administrações de Lula e Dilma, atulhadas de legendas, sempre tiveram o que os cientistas políticos chamam de "baixa coerência ideológica". Nos ministérios do PT tem esquerda, tem centro, tem direita. O segundo excesso: o PT nunca se preocupou em dar aos aliados um espaço no governo que correspondesse ao seu peso no Congresso. Podia dar dois ministérios a um partido nanico, e apenas um ministério a uma legenda com cavalaria parlamentar mais potente. Quando um governo abriga partidos na proporção exata de sua representação no Congresso, esse governo tem uma perfeita "taxa de coalescência", o nome que os cientistas políticos dão a esse equilíbrio. Comparados aos tucanos, os governos petistas sempre tiveram baixas "taxas de coalescência". A folia partidária e o descompasso parlamentar dos governos petistas não foram um acidente. O PT sempre devotou um desprezo vegetariano à partilha do campo ideológico com seus aliados. A razão é que, com seu apetite carnívoro pela hegemonia, a ideologia do governo seria sempre a que o PT quisesse. Desde os modestos tempos em que disputava o comando de sindicatos e diretórios acadêmicos, o PT esperneava na hora de compor-se com outras legendas, mesmo as de esquerda. Levou essa característica hegemônica para Brasília. Chegou a abocanhar, nos momentos mais agudos, 60% dos postos ministeriais, índice nunca atingido antes. Somando-se a imoralidade congênita do presidencialismo de coalizão com a composição desideologizada e desparlamentarizada dos governos petistas, armou-se a tempestade perfeita. Para acalmar a turba aliada, sempre se acotovelando dentro e fora do governo, o partido apelou ao fisiologismo e à corrupção num grau que ainda não se tinha visto em Brasília, porque os governos anteriores não haviam cometido aqueles dois excessos simultaneamente: trabalhavam no mesmo pântano, mas tinham maior coerência ideológica ou maiores "taxas de coalescência", à exceção da agonia final do governo Collor. Sob o PT, o presidencialismo de coalizão ficou com uma cara mais parecida com o "presidencialismo de cooptação". Deu-se, então, o desastre que nenhum petista previu: o PT foi pego com a mão na cumbuca. Primeiro, o mensalão estremeceu os pilares do sistema. Quando o escândalo da Petrobras veio a público, deu-se o abalo sísmico definitivo. As raposas de Brasília sabem que o PT também não inventou a mão na cumbuca. Mas deu-lhe método e organização. Se Fernando Henrique entregou o Ministério dos Transportes ao PMDB no primeiro mandato e fechou o nariz para exalações pútridas, o PT fez questão de descer à lama e disciplinar o propinoduto sob seu domínio. Hegemonia até na bandalha. Com o estouro dos escândalos, o sistema político, desprovido das bases da corrupção e do fisiologismo, ruiu. Ficou disfuncional. Sobrou apenas, e só com muito otimismo, a alternativa da negociação política. O vexame na ascensão de Temer à articulação política é só um reflexo das dificuldades do PT quando precisa tratar aliados como interlocutores adultos. O PMDB está exultante. Em público, exibe a crista de quem assumiu o governo. Mas, no escurinho, sabe que o lameiro está no seu encalço. Afinal, os peemedebistas Renan Calheiros, presidente do Senado, e Eduardo Cunha, da Câmara, estão arrolados na letra C da lista de Rodrigo Janot. O dado dramático da falência do sistema é que os partidos se arrebentaram. O PT liderou a implosão, mas é apenas o primeiro e mais notório atropelado. Todos os partidos de alguma relevância nacional, sem uma única exceção gloriosa, estiveram envolvidos em escândalos de corrupção nestes primeiros quinze anos do milênio. Em alguns casos, numa evidência espantosa da podridão do sistema, os operadores de um partido num escândalo aparecem no escândalo seguinte operando para outro partido. Não são todos iguais, mas há iguais em todos. Apear o PT do governo é o legítimo Santo Graal dos partidos que estão na fila para ocupar o Palácio do Planalto, mas será inócuo se, no lugar desse sistema em ruínas, não se colocar algo novo. Sem um modelo de governabilidade desinfetado, não importa quem esteja no comando, o país continuará afundando de escândalo em escândalo, de crise em crise. E as grandes questões nacionais continuarão onde estão: fora do alcance da política. Que vem a ser o pior lugar onde podem estar. 3#4 OS ORÁCULOS DO PODER A Polícia Federal encontra elos entre Erenice Guerra, ex-braço-direito da presidente Dilma Rousseff, e o lobista Alexandre Paes dos Santos, alvo das investigações sobre o esquema de corrupção na Receita Federal. Em apenas uma empresa, o grupo movimentou 365 milhões de reais. RODRIGO RANGEL Personagem 1. A ex-ministra Erenice Guerra foi apresentada às delícias e aos desafios do poder à sombra de Dilma Rousseff. As duas trabalharam juntas no governo de transição, em 2002, após a primeira eleição de Lula. Pouco depois, Erenice foi nomeada para a chefia do setor jurídico do Ministério de Minas e Energia na gestão Dilma. Mais tarde, Dilma assumiu a Casa Civil da Presidência da República e Erenice seguiu junto. Era a número 2 da pasta. Por fim, em 2010, quando Dilma foi escolhida candidata à sucessão de Lula, Erenice chegou ao topo: o comando do ministério mais importante do governo. Ao todo, foram oito anos convivendo com as figuras mais poderosas da República. Personagem 2. O lobista Alexandre Paes dos Santos, conhecido como APS, é um especialista nesse mundo de interesses que aproxima o poder e a riqueza. Há mais de vinte anos ele representa em Brasília empresas nacionais e internacionais. Trafega sobre aquela linha tênue que separa o legítimo do ilegal. Em 2001, quando a petista Erenice Guerra participava de manifestações contra a corrupção no governo tucano, a polícia o acusou de subornar funcionários de ministérios para atender aos interesses econômicos de seus clientes poderosos. Na agenda pessoal do lobista, os investigadores encontraram dezenas de nomes e cifras indicando supostos pagamentos relacionados a políticos e servidores públicos. Erenice tem amigos em cargos importantes, conhece os atalhos da burocracia, é guardiã de segredos e informações estratégicas do governo. APS é dono de uma carteira de clientes dispostos a pagar o que for preciso por qualquer um desses itens. Com tantas habilidades, imagine o que aconteceria se esses dois personagens resolvessem se unir. A Polícia Federal descobriu que foi exatamente isso que aconteceu. Investigando um esquema de fraudes na Receita Federal, na chamada Operação Zelotes, as autoridades descobriram uma parceria de sucesso entre a ex-ministra e o lobista. Mensagens eletrônicas e contratos apreendidos pela PF revelam que APS e Erenice fazem parte de uma rede de profissionais acusada de vender facilidades em diferentes áreas do governo — e um dos setores preferenciais de atuação da dupla é exatamente o elétrico, em que Erenice trabalhou como braço-direito de Dilma Rousseff. A polícia já identificou negócios envolvendo empresas de fachada. Apenas uma das firmas investigadas movimentou entre 2009 e 2013 nada menos que 365 milhões de reais. Detalhe: essa mesma empresa é uma das que existem apenas no papel. Os investigadores suspeitam que ela foi usada para movimentar propina proveniente de negócios firmados na área de energia. No quadro societário aparece o nome do advogado José Ricardo da Silva, um dos chefes do esquema de fraudes na Receita Federal. Na semana passada, VEJA revelou que Erenice, quando estava na Casa Civil, ajudou José Ricardo a ampliar seus poderes no Carf, uma espécie de tribunal administrativo subordinado ao Ministério da Fazenda que julga recursos contra multas aplicadas pela Receita Federal. Mediante pagamento de propina, autuações eram canceladas ou tinham seus valores reduzidos. Estima-se que o prejuízo aos cofres públicos chegue perto dos 19 bilhões de reais. Depois de deixar o governo, a ex-ministra se associou ao advogado nos golpes contra o Fisco. Em um único contrato, ambos faturariam até 10 milhões de reais. Agora, os dois também aparecem ligados ao lobista. APS tem um modus operandi simples e eficiente. Entra governo, sai governo, ele está sempre muito próximo do poder. Com jeito, aproxima-se de quem decide — ou de quem está muito perto de quem decide. No governo Lula, por exemplo, mesmo depois da superexposição a que esteve submetido em virtude do escândalo da agenda, ele conseguiu se associar a ninguém menos que Fábio Luís da Silva, o Lulinha, filho do então presidente. Em 2006, uma reportagem de VEJA revelou que a parceria de APS com Lulinha era tão estreita que o filho do presidente, sempre que ia a Brasília, despachava a partir de uma sala na mansão de quatro andares que funcionava como a central de operações do lobista. Na época, Lulinha fechou negócios com uma empresa de telefonia que lhe renderam mais de 15 milhões de reais. A fórmula se repetiu no governo Dilma. Ele acolheu a principal amiga da presidente quando ela deixou o Palácio do Planalto, acusada de tráfico de influência. O investimento rendeu milhões de frutos — para ambos. ERENICELEAKS Em uma investigação de tráfico de influência, a Polícia Federal apreendeu o computador usado pela ex-ministra Erenice Guerra no Palácio do Planalto. Havia nele mais de 7000 mensagens armazenadas que não deixam dúvida: Como ministra da Casa Civil e assessora direta de Dilma Rousseff no ministério mais importante do governo, Erenice Guerra mantinha contatos funcionais com as maiores empresas do país e tinha acesso e influência em todas as áreas do governo... PETROBRAS - Os assuntos mais sensíveis à então ministra Dilma Rousseff passavam pela mesa de Erenice. Quando o diretor de Abastecimento da Petrobras, o delator Paulo Roberto Costa, escreveu pedindo ajuda do Planalto para garantir os repasses de verbas às obras da Petrobras que rendiam gordas propinas ao bando do petrolão, coube a Erenice fazer o assunto chegar a Dilma. BELO MONTE - Com forte influência no setor elétrico, Erenice Guerra coordenava o andamento de grandes obras do governo nesse segmento. No caso da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, ela cobrava diretamente de Marcelo Odebrecht, o dono da empresa, o andamento das negociações do modelo de contratação das obras. Como ministra da Casa Civil e assessora direta de Dilma Rousseff no ministério mais importante do governo, Erenice Guerra também usava o cargo para fazer lobby, ajudar amigos e parentes e defender interesses estranhos ao governo... FISIOLOGISMO - Interlocutor frequente de Erenice, Antonio Carvalho, irmão da ex-ministra, pediu ajuda para impedir que uma advogada fosse dispensada da Eletronorte. Por e-mail, chegou a redigir o texto para Erenice enviar ao presidente da estatal para evitar que sua amiga fosse desligada dos quadros da Eletronorte. RECEITA – Erenice foi requisitada por Antonio Carvalho para ajudar o advogado José Ricardo da Silva a mudar a composição do Carf, o tribunal da Receita Federal. Depois de deixar o governo, a ex-ministra se associou ao advogado, um dos chefes da quadrilha que cobrava propina para fraudar decisões do conselho. 3#5 UMA BOA NOTÍCIA PARA A ECONOMIA O projeto que regulamenta a terceirização deverá reduzir processos na Justiça e poderá criar milhares de vagas. ANA LUIZA DALTRO A crise política trouxe ao menos dois efeitos colaterais positivos. Primeiro, foi extinta a Secretaria de Relações Institucionais, que tinha status de ministério e era ocupada por Pepe Vargas. Assim, ainda que por vias tortas, houve uma redução no número de ministérios, que agora são apenas 38. Outro aspecto positivo foi a aprovação pela Câmara dos Deputados de uma medida que deverá reduzir uma das principais fontes de protestos trabalhistas no país. Elaborado inicialmente em 2004, o projeto de lei 4330 regulamenta a terceirização. Ele dá clareza a um procedimento corrente nas economias modernas, que é contratar o serviço de outras empresas para executar algumas tarefas específicas ou complementares. O governo e a bancada do PT são contra o projeto. Temem perder arrecadação tributária e também ver enfraquecidos seus sindicatos aliados. Apesar da oposição de Dilma, o projeto foi retirado da gaveta e aprovado. Nos próximos dias serão analisadas emendas ao texto, que depois seguirá para o Senado, com grande chance de virar lei. Se isso ocorrer, as empresas poderão terceirizar qualquer tipo de atividade ou de serviço. Apesar de a terceirização ser uma prática comum, não havia uma regulamentação específica sobre o assunto. Assim, começaram a pipocar processos, motivados sobretudo pelos pleitos de equiparação dos direitos e benefícios entre os terceirizados e os funcionários regulares da empresa contratante. Na falta de regra, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou, em 1994, uma súmula na qual estabeleceu que as ocupações principais de uma empresa (as chamadas atividades-fim) não podem ser terceirizadas, e sim apenas as ocupações acessórias (atividades-meio). Tipicamente, são terceirizados serviços como segurança e limpeza. Questão resolvida? Nem de longe. Os processos se multiplicaram, por causa da dificuldade, muitas vezes, de distinguir perfeitamente quais são as atividades principais e as complementares. Na telefonia, por exemplo, era comum a terceirização dos atendimentos feitos pelos call centers. Em 2012, uma operadora de telemarketing pediu o reconhecimento do seu vínculo de trabalho com a Claro, e o TST decidiu que as empresas de telefonia não podem terceirizar o call center. A Petrobras Distribuidora foi processada pelo Ministério Público do Trabalho por terceirizar técnicos de abastecimento de aeronaves em um aeroporto do Paraná. A Justiça decidiu neste ano que a operação faz parte do serviço principal da empresa. No Rio Grande do Norte, uma funerária foi condenada em fevereiro por subcontratar o transporte e o sepultamento de cadáveres. Dos 3 milhões de processos trabalhistas que chegaram aos tribunais em 2014, cerca de 1 milhão diziam respeito à terceirização. Estima-se que um terço dos postos com carteira assinada seja ocupado por terceirizados, ou 14 milhões de vagas de um total de 41 milhões. É comum que essas vagas sejam preenchidas por funcionários de limpeza, segurança, alimentação e transportes, além dos atendentes de call centers. Na falta de uma reforma mais abrangente das antiquadas leis trabalhistas brasileiras, essa foi uma das maneiras encontradas pelas companhias para reduzir os custos com a mão de obra e se concentrar na contratação e no treinamento de funcionários específicos a seu campo de atuação. Assim, por exemplo, uma fabricante de eletrônicos contrata os engenheiros e os operários de montagem enquanto subcontrata os vigias. A vida prática, entretanto, comprovou que não faz sentido restringir a terceirização às chamadas atividades-fim. O surrealismo da situação brasileira fica ainda mais evidente quando se observa o fato de a terceirização ser feita hoje em escala global. Nos Estados Unidos e até mesmo na Europa, os serviços de atendimento de call centers são feitos em países distantes, como a Índia e as Filipinas. Para as grandes multinacionais, as fronteiras geográficas fazem pouco sentido. Projetos são desenvolvidos e executados conjuntamente por funcionários em mais de um país, envolvendo pessoas da própria companhia, mas não só. É natural a participação de prestadores de serviços terceirizados. Essa especialização e a divisão de tarefas estão na raiz do dinamismo do capitalismo contemporâneo — exceto para a Justiça Trabalhista brasileira e para a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Na terça-feira, a CUT, ao lado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da União Nacional dos Estudantes (UNE), promoveu protestos em diversas cidades contra a lei da terceirização. O maior deles foi em Brasília, e descambou para uma tentativa de invasão do Congresso e o confronto com a polícia. A queixa tem razão de ser. Os funcionários terceirizados são, em geral, associados a sindicatos não filiados à CUT e favoráveis à nova lei. As autoridades certamente deverão ficar atentas para que os terceirizados tenham todos os seus direitos resguardados. Entretanto, o risco de eventuais deslizes não pode ser motivo para engessar o mercado de trabalho. Com o risco jurídico atual, os trabalhadores na verdade já estão perdendo. Isso porque as companhias, temendo processos, seguram a contratação de novos serviços e, quando o fazem, contratam pelo menor preço possível, por embutir no cálculo da despesa com o quadro de funcionários o custo dos processos trabalhistas que certamente terão mais adiante. É difícil estimar o impacto da nova lei na economia, mas um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) indica que será possível abrir até 3 milhões de postos de trabalho no país. A NOVA LEI DA TERCEIRIZAÇÃO O que é terceirização? É quando uma empresa subcontrata o serviço de outras, por exemplo, para cuidar da segurança e da limpeza. É possível também terceirizar o telemarketing, a distribuição de produtos ou o desenvolvimento de projetos. Como é hoje? • Não existe regulamentação legal • O Tribunal Superior do Trabalho, em 1994, estabeleceu que uma empresa não pode terceirizar os serviços de sua atividade principal (atividade-fim), apenas os serviços secundários (atividades-meio) Qual o problema? • Em muitos casos, não se podem distinguir com clareza as atividades centrais das acessórias dentro da empresa • Há milhões de processos na Justiça do Trabalho que contestam a terceirização de empregos • A indefinição representa um custo enorme para as companhias, além da insegurança jurídica em relação aos contratos existentes O que diz a nova lei? • Se aprovada, autorizará a terceirização de qualquer tipo de trabalho ou serviço, dando fim à distinção entre atividade-fim e atividade-meio Quais os efeitos na economia? • Estima-se que, com regras mais claras e flexíveis, as empresas possam aumentar as contratações COM REPORTAGEM DE ISABELLA DE LUCA _____________________________________________ 4# ECONOMIA 15.4.15 A AMEAÇA DA VELHA SENHORA A inflação atinge o maior ritmo em mais de uma década e diminui o poder de compra dos salários, aprofundando a retração na economia. Combater os reajustes exigirá uma dose adicional de arrocho. GIULIANO GUANDALINI E BIANCA ALVARENGA O governo passou anos fazendo pouco-caso da inflação, apostou na ideia ultrapassada de que tolerar os reajustes ajudaria a aquecer a atividade econômica, e deixou o país no pior dos mundos. A economia está parada, se não em recessão, como evidencia o aumento do desemprego. Enquanto isso, os preços não param de subir. Fazia tempo que o dinheiro no bolso não perdia valor com uma velocidade tão acelerada. Em março, o índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 1,32%, a maior alta para o mês em duas décadas. A paulada inflacionária teve o impulso de um aumento médio de 22% nas tarifas de energia, um reajuste que já era esperado, mas vinha sendo represado. Antes fosse a eletricidade a única conta pesando no orçamento das famílias. De acordo com os números do IBGE, mais de 70% dos quase 500 itens avaliados mensalmente tiveram elevação de preço em março. No acumulado dos últimos doze meses, o IPCA ficou em 8,1%. Trata-se da maior variação anual desde 2003. Os números comprovam aquilo que os brasileiros já sentiram no dia a dia. A vida ficou mais cara, e os rendimentos não acompanharam a alta nos preços. A inflação, uma velha senhora que reluta em sair de cena no país, bate novamente à porta. Apenas nos três primeiros meses do ano, ela acumula uma alta de quase 4%. Assim, em um único trimestre, praticamente foi atingida a meta oficial para todo o ano, de 4,5%. É esse o número que deveria ser perseguido pelo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. Entretanto, a última vez que o IPCA ficou abaixo do alvo foi em 2009, e nenhum analista consegue antever quando ele recuará para esse patamar. Dilma Rousseff e sua equipe, além de não enfrentarem a inflação de maneira adequada, contribuíram para elevá-la ainda mais, com a sua política de aumento maciço nos gastos públicos e distribuição de crédito subsidiado. Daqui para a frente, serão necessários meses seguidos de juros nas alturas e retração na atividade, com o inevitável aumento do desemprego, para debelar o ritmo das remarcações. O governo, em vez de domar o incêndio logo no início, optou por deixar o fogo se alastrar, contendo-o apenas com o paliativo do represamento no preço dos combustíveis e das tarifas de energia. A fogueira se disseminou, e extingui-la exigirá trabalho dobrado. "O descuido do BC com as expectativas inflacionárias, um resultado de anos seguidos de má gestão da política monetária, levará agora a um processo de desinflação que promete ser muito mais custoso do que teria sido se fosse realizado anteriormente", afirmou o economista Alexandre Schwartsman, em uma análise dos efeitos do combate à inflação sobre a atividade econômica e o emprego. O aumento no custo de vida significa queda no poder de compra. Os supermercados já observaram a diminuição na compra de produtos considerados supérfluos. O comércio de eletrônicos e de vestuário também sentiu o baque nas vendas. Com a demanda retraída, a indústria e os lojistas fizeram ajustes em seu quadro de funcionários. No primeiro trimestre, de acordo com dados nacionais do IBGE, o desemprego subiu para 7,4%. Há um ano, a taxa era de 6,8%. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que registra as vagas com carteira assinada, mostra que houve o fechamento de 80.000 postos de trabalho nos dois primeiros meses do ano. O setor que mais demitiu foi o comércio, com o corte de quase 130.000 pessoas. É comum que no início do ano o setor registre saldo negativo, principalmente por causa da dispensa de funcionários temporários contratados no período das festas de fim de ano. Entretanto, o fechamento de vagas de emprego de 2015 representa mais que o dobro do registrado no primeiro bimestre do ano passado. "Quando a inflação e os juros subiram, o consumidor percebeu a piora no cenário econômico e parou de se endividar. As vendas caíram e o comércio começou a demitir", afirma o economista Vitor França, da Fecomércio de São Paulo. "As pessoas continuam indo ao supermercado, mas tendem a descartar itens da lista de compras." Os setores menos afetados pela crise são aqueles de bens considerados essenciais, como combustíveis, alimentos e farmacêuticos. Artigos de moda e eletroeletrônicos, em contrapartida, são as primeiras vítimas do ajuste no orçamento familiar. O Brasil entrou em um círculo vicioso. O aumento da inflação derrubou a confiança, corroeu os salários, afetou o consumo e desestimulou os investimentos. Conter a pressão por reajuste de preços, entretanto, exigirá esfriar a economia, até que os focos do incêndio sejam enfraquecidos. Sair dessa ciranda do crescimento baixo e da inflação elevada levará tempo. O governo inflige ao país o preço de ter ignorado o ensinamento, de mais de quatro décadas, dos economistas americanos Milton Friedman e Edmund Phelps. Contrariando o pensamento dominante nos anos 60 e 70, ambos alertaram para o fato de que não era verdade a premissa segundo a qual a inflação mais elevada poderia ser usada como uma estratégia para manter a economia aquecida e portanto com um desemprego baixo. Friedman e Phelps, ambos ganhadores do Nobel, disseram que esse feito só ocorria a curto prazo. Com o tempo, o aumento nos preços pressionava novos reajustes, nas mercadorias, nos serviços e nos salários. Isso porque as empresas e as pessoas começam a incorporar a expectativa de uma alta ainda maior de custos no futuro, jogando mais lenha na inflação. Uma hora, ela foge do controle. O equilíbrio inflacionário, então, exigiria, disseram os economistas, uma dose severa de juros, controle nos gastos públicos e retração na economia. Friedman e Phelps descreveram, com anos de antecedência, o que ocorre atualmente no Brasil. A MAIOR EM DOZE ANOS A inflação brasileira não era tão elevada desde 2003 (variação acumulada em doze meses) Fonte: IBGE 2000: 6% 2001: 7,7% 2002: 12,5% 2003: 9,3% 2004: 7,6% 2005: 5,7% 2006: 3,1% 2007: 4,5% 2008: 5,9% 2009: 4,3% 2010: 5,9% 2011: 6,5% 2012: 5,8% 2013: 5,9% 2014: 6,4% 2015 (março): 8,1% ______________________________________________ 5# INTERNACIONAL 15.4.15 UMA CORREÇÃO DE RUMOS Diante da perda de popularidade por causa do escândalo que envolve o filho, a presidente do Chile é obrigada a frear seus ímpetos ideológicos. NATHALIA WATKINS O paciente A foi levado às pressas para o pronto-socorro, com dores agudas no peito. Os médicos suspeitaram de um infarto. Mas não era nada sério. Ele só precisava se cuidar mais, exercitar-se e, talvez, deixar de fumar. Nos corredores, A encontrou o paciente B numa maca, em estado grave. A metáfora acima foi usada pelo cientista político chileno Patrício Navia, da Universidade de Nova York, para comparar as situações do Chile, representado pelo paciente A, e do Brasil, pelo B. O sintoma em comum é que, nos dois países, as presidentes enfrentam escândalos de corrupção que envolvem pessoas muito próximas. A diferença que faz um país receber alta e o outro permanecer internado é que o PIB do Chile cresce à taxa de 2,5% ao ano, enquanto a economia do Brasil está estagnada. "O risco maior está naquilo que o paciente fará após receber alta. Se ele for para casa e continuar fazendo churrasco e festas, sua saúde vai piorar", diz Navia. A comparação com o Brasil não consola os chilenos. A tolerância para crimes de colarinho-branco por lá é bem menor. Por isso, a mínima suspeita de envolvimento da presidente foi suficiente para derrubar em 8 pontos porcentuais sua aprovação, que chegou ao nível mais baixo de seus dois mandatos no Palácio de La Moneda: 31%. A queda foi motivada por um escândalo de tráfico de influência que envolve o filho de Michelle Bachelet, Sebastián Dávalos. Ele é acusado de ter usado sua posição como diretor sociocultural da Presidência (cargo normalmente reservado à primeira-dama) para obter um empréstimo milionário, comprar um terreno e revendê-lo pelo triplo do valor semanas depois. "Bachelet perdeu a confiança dos chilenos", diz o cientista político chileno Jorge Ramírez. A esse escândalo, somam-se outros dois que abrangem quase todo o arco político. Um deles atingiu o partido opositor União Democrata Independente, que se envolveu em fraudes fiscais e suborno para financiamento de campanha de vários de seus candidatos em 2013. O outro caso inclui o ex-genro do ditador Augusto Pinochet, que teria emitido notas falsas para desviar dinheiro para várias legendas. A soma é estimada em alguns milhões de dólares, quase nada se comparada aos 3 bilhões do petrolão. O lado bom da onda de escândalos no Chile foi ter congelado temporariamente as políticas de cunho ideológico e estatizantes de Bachelet, que avançavam em ritmo acelerado. Desde que assumiu o segundo mandato presidencial, há cerca de um ano, ela aumentou impostos e cortou o financiamento público para alunos pobres em escolas privadas. Pleiteia ainda uma mudança na Constituição, cujo conteúdo é incerto. Com tantos percalços, o apoio parlamentar de que ela precisaria para seguir com as reformas pode esvaecer-se. "Um presidente forte é um requisito crucial para um governo que reúne de moderados cristãos a comunistas. Bachelet está fraca", diz o historiador chileno Francisco Sánchez. Ela até cancelou sua participação na Cúpula das Américas, no Panamá, entre 10 e 11 de abril. O motivo alegado foi a necessidade de coordenar o socorro à região norte do Chile, afetada por fortes chuvas. Não era mesmo um bom momento para sair do país e confraternizar com os colegas bolivarianos reunidos na cúpula. ________________________________________________ 6# GERAL 15.4.15 6#1 GENTE 6#2 GUSTAVO IOSCHPE – O ÚLTIMO A SAIR QUE APAGUE A LUZ (SE HOUVER) 6#3 POLÍCIA – NEM TANQUE DETÉM OS BANDIDOS 6#4 SEGURANÇA – O SUSPENSE NÃO ACABOU 6#5 MIGRAÇÃO – PASSAGEM DE IDA PARA TEL-AVIV 6#6 EDUCAÇÃO – MUITA COISA A MELHORAR 6#7 TECNOLOGIA – A ÚLTIMA FRONTEIRA 6#1 GENTE JULIANA LINHARES. Com Daniella de Caprio VIM, VI, VENCI E ME DIVERTI Ela tem 34 anos e 45 milhões de dólares no cofrinho, dois filhos e uma cinturinha de ampulheta, e, mesmo cultivando a disciplina férrea das modelos destinadas ao Olimpo, sabe aproveitar a vida como poucos: é capaz de se acabar num camarote do Carnaval de Salvador, a ponto de sair de lá quase de manhã, toda alegrinha, ou mandar parar tudo só para curtir um festival de música na Califórnia. Com altíssima quilometragem nas passarelas, ALESSANDRA AMBROSIO já deu seus passinhos fora delas, mas agora fará a primeira participação numa novela, além de um papel no longa Tartarugas Ninjas 2. Não será um desafio propriamente descomunal. Na novela, que estreia em junho, interpretará uma modelo. No longa, ela mesma. A vida é curta para a gente se descabelar à toa. DINDO HARRY? Prestes a virar tio pela segunda vez — está marcada para o dia 25 a chegada do irmãozinho (ou irmãzinha, é a torcida maior) do bebê George —, HARRY poderá finalmente estrear no papel de padrinho real. Da primeira vez, foi preterido por um amigo do irmão, o príncipe William, mas agora tem novas credenciais a apresentar. Além de fazer um tremendo sucesso com as crianças (com as garotas, nem se fale), pode se gabar de, muitas festas, farras e foras depois, ter cumprido com galhardia uma década como oficial do Exército britânico. Capitão Wales, como é chamado entre os militares, está na Austrália (na chegada, fez careta de assustado ao ouvir o coro "Harry, Harry, Harry!"). Na volta, planeja retomar a vida de civil, com as delícias permitidas a quem ocupa o distante quarto (e, em breve, quinto) lugar na linha sucessória ao trono inglês. MENOS, POR FAVOR Aos 22 anos, FRANCÊS BEAN COBAIN mostrou que o deslumbramento não é o seu fraco. Em entrevista à revista Rolling Stone, onde trabalhou como estagiária, a filha de Kurt Cobain e Courtney Love declarou que: 1) nem gosta tanto assim do Nirvana, a mítica banda fundada por Cobain, e prefere as indies Mercury Rev e Brian Jonestown Massacre e 2) acha que as pessoas são "obcecadas por músicos mortos", puseram seu pai "num pedestal" e o transformaram em "São Kurt". Não que ela não dê uma mãozinha para fomentar o mito. Francês é produtora executiva de Montage of Heck, documentário sobre a vida do cantor, que se matou aos 27 anos e que ela só chama de Kurt. Artista plástica, mantém distância regulamentar da mãe e desde 2010 namora ISAIAH SILVA, vocalista de uma banda de rock e a cara adivinhe de quem. FILHAS DE PEIXE... ESQUEÇAM A vida pode ser dura para filhos não tão belos de pais belíssimos. Que o diga a prole do ex-casal de atores Demi Moore e Bruce Willis. Nenhuma das meninas seguiu a profissão dos pais. Mas, aos trancos e barrancos, elas começam a tomar seu rumo. RUMER GLENN, 26 - Como participante do programa de TV Dancing with the Stars (Dançando com as Estrelas), a mais velha das irmãs contou no ar que passou a infância ouvindo gozações por ter uma mãe linda mas se parecer com o pai. "Sonhava em fazer plástica para mudar meu rosto", disse. Na plateia, Demi foi às lágrimas. TALLULAH BELL, 21 - Depressiva na adolescência, pegou pesado no álcool e na cocaína. Na terça, postou no Instagram uma foto sua no alto de uma montanha. Punho erguido, comemorava seus nove meses de sobriedade. É blogueira de moda. SCOUT LARUE, 23 - Famosa desde a fase intrauterina (era o recheio da barriga de Demi na célebre capa da Vanity Fair), não aparenta ter problemas em chamar atenção. É ativista do movimento Liberdade para os Mamilos, que prega o direito de a mulher arejar os seios quando bem entender, como ela fez dia desses ao comprar flores numa banca em Nova York sem nada na parte de cima. É formada em artes literárias. E acha depilação uma coisa medonha. 6#2 GUSTAVO IOSCHPE – O ÚLTIMO A SAIR QUE APAGUE A LUZ (SE HOUVER) Nos últimos três anos, seis amigos próximos se mudaram para o exterior — cinco para os Estados Unidos e um para a Europa. Três deles decidiram ir depois das eleições. Mudaram-se com mala e cuia, levando a família. Não saíram por desespero nem por falta de oportunidades: todos foram bem-sucedidos no Brasil. Saíram porque acreditaram que dariam melhores oportunidades a si e a seus filhos alhures. Eles não são representativos da população brasileira geral — a maioria estudou fora, todos têm ensino superior e renda alta —, e não quero aqui presumir que é possível traçar qualquer conclusão aplicável ao país como um todo a partir de uma amostra de seis pessoas. Mas acredito que esses seis são ilustrativos de um fenômeno que me parece ser inédito na história do Brasil: uma parte considerável da elite brasileira perdeu a esperança no país. Não a elite do bolso, mas a elite do cérebro: as pessoas mais instruídas, mais empreendedoras e ambiciosas. Não tenho dados para comprovar essa impressão, e não descarto a hipótese de eu ter o azar — ou o viés de seleção — de falar com gente que é a exceção que confirma a regra, mas é algo que tem ficado cada vez mais aparente nos últimos meses, em conversas com pessoas de várias profissões e regiões do Brasil. E, ainda que a vitória de uma presidente à frente de um governo tão incompetente e maculado por denúncias de corrupção tenha sido um contribuinte para o desânimo, não creio que ele seja sua principal razão — nem, portanto, que uma (desejável, diga-se) troca de governo resolverá o problema. O que mudou? O Brasil, afinal, nunca teve um nível de desenvolvimento de países de Primeiro Mundo, e nos últimos vinte anos alcançou uma série de avanços, que tiraram um contingente enorme de brasileiros da miséria. Muitos membros da elite lucraram com esse movimento. Olhando apenas no retrovisor, não parece haver razões para desalento. Sempre convivemos com pobreza, desigualdade, insegurança, corrupção etc. Antes convivíamos bem com tudo isso, mas agora não mais. O que aconteceu? O que mudou é a sensação de que batemos no teto das nossas possibilidades; de que, para alçarmos voos mais altos, precisamos de mudanças importantes: de leis, de instituições, de valores, de ética. E de que não há no país a disposição e a fortaleza para fazer essas mudanças. Esse governo não tem a força política, nem as ideias certas, nem a reputação necessária para operar essa mudança. O Legislativo está em descrédito. Não há lideranças inspiradoras na sociedade civil, fragmentada em dezenas de guildas que defendem exclusivamente o seu interesse corporativo, ocupadas em achar um jeito de dar uma mordida a mais no baú da Viúva. As lideranças populares estão há tempos no bolso do governo, e a massa da população não tem tempo nem conhecimento suficiente para se engajar nas discussões mais complexas para criar um novo país. Estamos à deriva. Todo mundo sabe que podemos mais, ninguém em sã consciência aguenta mais a situação atual, mas não parece haver vivalma que possa nos conduzir deste atoleiro ao eldorado. Desde que eu me conheço por gente, sempre houve alguma crise urgente que servia para mascarar os outros problemas. Primeiro foi a ditadura, então a dívida externa, a inflação, o impeachment, o câmbio, a fome, a seca, uma ou outra crise internacional. Depois que superamos tudo isso, que passamos de um presidente Ph.D. para um operário sem solavancos nem traumas, que estabilizamos a moeda e consertamos as contas públicas, que privatizamos, matriculamos quase todas as crianças na escola, que conseguimos crescer reduzindo a desigualdade, que conseguimos colocar grandes corruptos e corruptores na cadeia — depois de tudo isso, havia a nítida impressão de "agora vai". Mas depois do mensalão veio o petrolão, depois de quase vinte anos de contas arrumadas veio o déficit, depois de alguns anos de crescimento forte veio a estagnação e agora, provavelmente, a recessão. O filme se repete, os problemas que se acreditava superados voltam a nos visitar. Depois do apagão de 2001 pode vir o de 2015, e teremos a fantasmagórica epifania: no país com uma das quinze maiores costas litorâneas do mundo e o maior volume de água doce do planeta falta água — água!!! — em pias e chuveiros. Então foi para isso? Foi para isso que lutamos pela abolição da escravatura, pelo voto, pela democracia, pela ética — para acabar na falta do insumo mais básico para a vida? Sim, é fácil culpar os políticos, assim como antes se culpavam os militares ou o FMI ou a corte portuguesa. Mas a diferença é que nós elegemos esses políticos que estão aí. Não por um engano nem por falta traquejo. Eleger Collor em 1989 foi um erro de amadores, perdoável. Reelegê-lo junto com Tiririca em 2014 já não tem desculpa. Precisamos reconhecer: o problema somos nós, brasileiros. E seria fácil dizer que a culpa é dos analfabetos, dos ignorantes ou dos nordestinos, mas seria mentiroso. Recentemente, estava prestes a fechar um contrato de aluguel com uma senhora rica, que ficava o tempo todo vociferando contra os corruptos de Brasília. Quando estávamos com tudo acertado, depois de já ter mandado um engenheiro fazer a inspeção final do imóvel, ela me avisou que o advogado havia feito pequenas correções na minuta. Então me mandou um documento novo, em que praticamente todas as cláusulas relevantes haviam sido alteradas em favor dela. Canso de pegar taxistas que também reclamam dos políticos e aí perguntam que valor vou querer no recibo (para não falar dos táxis de aeroporto em muitas capitais, que roubam a gente descaradamente). Recentemente um empresário me explicou que sonegar impostos era uma defesa válida contra o roubo que o governo perpetra contra a sociedade. Poucos parecem se dar conta de que chafurdamos juntos. Muitos daqueles que o percebem ou vão embora do país ou estão apenas esperando a oportunidade certa para sair. O que dá no mesmo: desistiram do país. Eu não sei qual será o impacto desse desânimo, até porque não sei quão grande ele é. Mas será certamente muito negativo. Não se faz um país sem elite, sem vanguarda, sem empreendedores, geradores de empregos. A liderança conduz o país, cria os sonhos que mobilizam a população e define as instituições que permitirão sua consecução. Essa elite não é financeira, ainda que costume ter renda mais alta. É a elite intelectual. Por sua própria posição, essa elite tem opções. Pode construir sua vida em outros países ou ficar aqui fisicamente, mas rendida ao hedonismo ou, pior, às práticas predatórias. Nossa elite sempre teve condições de ter, no momento presente, uma vida mais tranquila em outros países, assim como a elite de qualquer país em desenvolvimento. Mas a nossa elite sempre quis ficar aqui. Não apenas por patriotismo, mas por esperança: aqui é que estavam as oportunidades, aqui é que se podia construir um grande país. Hoje já não se acredita mais nisso. Espero que por pouco tempo. Se nossos melhores cérebros desistirem do país, não haverá quem o salve. GUSTAVO IOSCHPE é economista 6#3 POLÍCIA – NEM TANQUE DETÉM OS BANDIDOS Em gravação sigilosa a que VEJA teve acesso, traficante revela detalhes da "sintonia" entre as Forças Armadas e os criminosos do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. LESLIE LEITÃO Quando as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) fincaram sua bandeira em territórios da bandidagem fluminense, em 2008, nem mesmo o governo declarava vencida a guerra contra o tráfico. Mas houve certa retração nos métodos das quadrilhas, que se adaptaram à presença das forças de segurança tocando suas atividades de modo menos ostensivo. Agora a situação se inverteu: são os agentes da lei que se amoldam ao poderio recuperado pelas gangues. Acuada, a tropa convive com a violência do tráfico, ora trocando tiros, ora mantendo distância dos becos e ruelas onde os bandos circulam livremente. O Complexo da Maré, conjunto de 130.000 habitantes espalhados por quinze favelas bem na porta de entrada do Rio, à beira da Avenida Brasil e a curta distância do Aeroporto do Galeão, é emblemático da nova velha ordem. Ali, 3000 soldados das Forças Armadas foram encarregados de abrir caminho para a instalação de quatro UPPs. Só que uma parcela dos militares cedeu a arreglos tácitos de delimitação de espaço e conchavos com o tráfico. Pela primeira vez, há prova disso. VEJA teve acesso a uma gravação de pouco mais de quatro minutos na qual são relatadas situações em que soldados suspenderam patrulhas e alertaram os marginais sobre detalhes de uma operação para apreensão de armas. Na conversa fica claro que setores do contingente militar acertaram com as gangues um acordo de não agressão. "O quartel deu o papo: nós queremos estar na nossa casa também. Não queremos confrontar, não", diz um traficante. E assim se instalou a "sintonia" (o termo é do bandido) na Maré. A costura do arranjo foi obra de Thiago da Silva Folly, o TH, homem forte da facção Terceiro Comando Puro (TCP), que domina as mais poderosas e rentáveis favelas do complexo. Os benefícios logo se fizeram visíveis. Na madrugada de 6 de junho de 2014, militares avisaram a quadrilha de que haveria busca de armas em dezenas de endereços na região conhecida como Baixa do Sapateiro. "No radinho mesmo o cara (o militar) deu o toque: 'Vai chegar uma ala (polícia civil) que não tá com a gente e vai varrer tudo'. Nós levamos (as armas) para o Pinheiro (outro local). Não ficou nem uma pistola lá", conta o criminoso na gravação. Atualmente, 32 inquéritos investigam "desvios de conduta" de militares na Maré. Ao contrário da maioria dos morros onde uma facção manda e desmanda, no complexo vizinho ao aeroporto as três grandes gangues do tráfico fluminense se digladiam há quase duas décadas. Nos últimos tempos, soldados têm sido alvo: o balanço é de um morto e vinte feridos a bala, quase dois por mês em um ano. Os traficantes controlam o terreno. No mês passado, nem assessores do prefeito Eduardo Paes foram poupados. Quando inspecionavam a implantação de uma ciclovia no complexo, viram-se abordados por criminosos de fuzis em punho. "A ciclovia só não foi inaugurada até agora porque os bandidos atrapalharam as obras várias vezes", reconhece um funcionário da prefeitura. Em flagrante desrespeito de suas funções constitucionais, as Forças Armadas foram postas na linha de frente da ocupação dos complexos do Alemão e da Penha em 2010 — operação televisionada ao vivo que virou símbolo da pacificação. As tropas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, que não são treinadas para o papel de polícia, logo deixaram a favela. Mas, em março passado, quando se avolumavam ataques a UPPs, o então governador Sérgio Cabral decidiu ocupar a Maré. O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, achava que ainda não era hora, mas foi voto vencido. Sem policiais suficientes, apelou-se de novo para as Forças Armadas, que, mais uma vez, mandou tropas. O Ministério da Defesa despendeu quase meio bilhão de reais na ocupação da Maré, mas agora impôs o próximo 30 de junho como prazo final para a retirada de seus homens. Na semana passada, a PM instalou-se em duas favelas dominadas por milicianos. No fim do mês, a troca se dará em outras duas, onde manda o Comando Vermelho. Um trecho conhecido como Sem Terra tem sido mantido inexplicavelmente desocupado pelos militares. ''É como se tivéssemos reservado essa área para os cabeças da quadrilha se esconderem e não se meterem com a gente", acusa um militar. A fragilidade da pacificação está escancarada em um relatório de avaliação de risco sobre as 38 UPPs. Treze delas estão no grupo vermelho, o mais perigoso. Outras dez, no amarelo, de risco médio. Só quinze ficam no verde, de pouco risco. Tão logo tenha suas UPPs inauguradas, com 1500 homens, a Maré entrará direto no grupo vermelho. Nele também se encontra o Alemão, onde no começo do mês dois moradores foram baleados e morreram. Um deles, o menino Eduardo Ferreira, de 10 anos, foi alvejado com um tiro na cabeça na porta de casa. O assassinato causou uma onda de protestos, e dois policiais estão sob suspeita. A Secretaria de Segurança começou a erguer nas UPPs mais visadas, como no próprio Alemão, torres de observação blindadas e sedes de alvenaria, em substituição aos contêineres. Mas a improvisação continua sendo uma das razões do fracasso das operações. 6#4 SEGURANÇA – O SUSPENSE NÃO ACABOU Mesmo depois de concluída, a licitação dos caças da FAB volta a emperrar, pois o Ministério Público apura favorecimento de empresa ligada a altos oficiais. MALU GASPAR Raras licitações no Brasil foram tão nebulosas e arrastadas quanto a escolha dos caças a jato destinados a renovar as esquadrilhas de interceptação, reconhecimento e combate ar-ar da Força Aérea Brasileira (FAB). Iniciado em 1995, o processo atravessou os governos Fernando Henrique Cardoso e Lula e dormitou três anos sobre a mesa de Dilma Rousseff (veja o quadro na pág. 78). Só em 2013 a presidente da República anunciou a escolha fechada no ano passado: o Brasil ficaria com os Gripen, da sueca Saab, e pagaria pelas primeiras 36 aeronaves 4,5 bilhões de dólares. O acordo ainda aguarda a chancela do Congresso Nacional para que o governo brasileiro receba o financiamento da Suécia e o contrato seja efetivamente selado. Mas falta muito para os novos caças começarem a voar pelos céus do Brasil. Antes será preciso dissipar as suspeitas de direcionamento da licitação em favor de uma fornecedora de componentes que mantém relações muito mais que amistosas com um grupo de oficiais da FAB. O Ministério Público Federal abriu inquérito para investigar em que condições a AEL Sistemas, subsidiária local da israelense Elbit, foi contratada pela Saab para fabricar sistemas aviônicos — como o painel de controle e os comandos que são o coração dos caças. No cerne da apuração estão o aumento do valor do contrato após a inclusão da AEL no pacote e o fato de ela ter na folha de pagamento três filhos de oficiais, um cunhado do ex-comandante Juniti Saito e até mesmo um membro da cúpula da Aeronáutica. O oficial em questão é o brigadeiro Gilberto Saboya Burnier, um dos mais influentes na gestão de Saito, que durou de 2007 a 2015. Burnier liderava as operações aéreas da FAB quando foi contratado pela AEL para integrar o conselho da empresa, com salário de 8000 reais. Àquela altura, o cunhado de Saito, o coronel reformado Luiz Pondé, já estava na AEL como diretor de relações institucionais; hoje, é consultor. No conselho, Burnier definia estratégias e investimentos. Quando de farda, portanto, influía nas decisões mais importantes da Força Aérea. À paisana, ajudava a ditar os rumos de uma empresa que disputava contratos em sua repartição. Questionada sobre o conflito de interesses, a Aeronáutica afirmou que Burnier foi indicado para o conselho da AEL pelo alto comando da FAB. O objetivo era "assegurar os interesses estratégicos dos programas ligados à soberania e à segurança nacionais" e a correta aplicação dos recursos públicos. A própria FAB admite, porém, que a indicação foi "informal" e não consta em documento oficial. Nem poderia: a participação de militares da ativa em empresas privadas é proibida tanto pelo estatuto militar como pelo do servidor público. Uma vez na reserva, eles podem atuar na iniciativa privada, desde que não sejam convocados de volta à força. Burnier passou para a reserva em 2012, mas permanece na AEL. O MP investiga agora se ele alguma vez defendeu os interesses da empresa junto à Aeronáutica. Apura, também, como se deu a contratação de seu filho, Gilberto Saboya Júnior, e de outros dois filhos de brigadeiros. Todos eram jovens inexperientes em 2012, ao ser guindados aos quadros da empresa israelense. A FAB sustenta que a relação da AEL com Burnier, Pondé e demais oficiais em nada beneficiou a subsidiária. Para reforçarem o argumento, seus interlocutores lembram que a companhia perdeu algumas licitações nos últimos anos. O fato, porém, é que, desde a chegada da "família FAB", o faturamento da AEL com o governo — quase todo ele proveniente dos órgãos de defesa — saltou de patamar. Passou de 12 milhões de reais, em 2008, para 65 milhões, no ano passado, depois de atingir o pico de 102 milhões, em 2013. Para 2015, as perspectivas da empresa são excepcionais, graças ao contrato com a Saab. Os caças da sueca, os Gripen, já eram os mais bem cotados pela Aeronáutica em 2010. Mas razões políticas, diplomáticas e econômicas foram adiando o anúncio final da vencedora. Quando a presidente Dilma mandou retomar a licitação, em 2012, a FAB considerou as propostas anteriores defasadas e pediu que cada uma das concorrentes as atualizasse para a inclusão de novas tecnologias. Até então, a AEL não fazia parte das ofertas de transferência de tecnologia para empresas nacionais de defesa. Só entrou no jogo mesmo na fase final da disputa, quando a FAB exigiu que fossem incluídos nos pacotes um novo radar, um sistema de guerra eletrônica e aquele que se tornou o alvo da discórdia: um painel de controle único, com tela sensível ao toque e comandos organizados ao estilo iPhone, balizado de Wide Área Display (WAD). Trata-se de uma inovação considerável, já que, na maior parte dos aviões de combate, o painel é composto de dois ou três visores. No mundo todo, só há hoje um modelo com sistema semelhante ao dos Gripen que virão para o Brasil: o F-35 Lightning II, da americana Lockheed Martin. Suas telas são produzidas pela também americana Rockwell Collins. Junto com o WAD, a AEL recebeu ainda a encomenda de outra porção do painel e um capacete especial para monitorar e acertar alvos em movimento. Embora nenhuma das partes revele o valor total do contrato entre a Saab e a AEL, é certo que ele atingirá dezenas de milhões de dólares e vai fazer pelo menos dobrar o tamanho da empresa. Uma questão intrigante é que nem a AEL nem a matriz israelense, a Elbit, já fabricaram o WAD. Mas, como a Aeronáutica exigiu que ele fosse feito por empresas com capacidade industrial instalada no Brasil — algo de que a Rockwell, por exemplo, não dispõe —, restou a todos no páreo apenas a AEL, que conta com 260 funcionários numa fábrica em Porto Alegre. Como a empresa tem capital 75% israelense e 25% brasileiro, aplicou-se uma lógica de conteúdo nacional sui generis, diferente da que vigorou em grande parte dos contratos do tipo nos governos Dilma e Lula — vinculados a empresas com capital majoritariamente nacional. Para além de examinar essa peculiaridade, o MP quer saber se as novas exigências da FAB, que aumentaram em 20% o valor do contrato, beneficiaram indevidamente a AEL. Monitora ainda se a entrega dos caças, prevista para o fim de 2019, será adiada. Como a empresa ainda terá de desenvolver a tecnologia do WAD, estima-se no mercado um atraso de dois anos. A AEL nega. Para se precaver, a FAB já havia até anunciado que alugaria alguns caças prontos da Suécia. Agora, com as restrições orçamentarias do ajuste fiscal, admitiu a VEJA que não poderá alugar mais nada. Só resta esperar que a encomenda chegue no prazo e sem novos aumentos de custo — justificados pela FAB em razão de mudanças no projeto original. Periga os caças nacionais cravarem a idade de aposentadoria, em 2025, sem substitutos. NOVELA NO AR Há vinte anos a FAB discute a renovação de sua frota de caças de combate. Tumultuado por circunstâncias políticas e econômicas, o processo só chegou ao fim no ano passado. 1995 - Começa o primeiro programa, conhecido como FX. Na época, os caças eram de 4ª geração. 2001 - O governo Fernando Henrique Cardoso dá início à licitação. 2005 - Depois de sucessivos adiamentos, Lula suspende oficialmente o processo. 2008 - O programa é rebatizado de FX-2 e retomado, agora para adquirir caças de 5ª geração. Disputam a americana Boeing, a francesa Dassault e a sueca Saab. 2009 - Lula afirma que o Brasil deve comprar os aviões da Dassault, mais caros, antes mesmo de a FAB dar seu parecer. 2010 - A Aeronáutica prefere o caça sueco, mas o governo evita tomar a decisão. 2012 - Dá-se como certo que a vencedora será a Boeing; Dilma Rousseff planeja o anúncio em visita aos Estados Unidos. 2013 - Com o escândalo de espionagem da NSA, que azedou as relações entre Brasil e Estados Unidos, a Boeing perde espaço. No fim do ano, Dilma anuncia a escolha da Saab. 2014 - A Aeronáutica assina contrato com a empresa sueca. 6#5 MIGRAÇÃO – PASSAGEM DE IDA PARA TEL-AVIV Acuados pelo crescente antissemitismo e com medo de atentados terroristas, milhares de franceses estão emigrando para Israel, onde vislumbram uma vida mais tranquila e melhores oportunidades econômicas. O êxodo de judeus franceses nunca foi tão grande. NATHALIA WATKINS, DE PARIS Apesar de o conceito de sionismo ter sido distorcido nas últimas décadas pelos inimigos clássicos de Israel, que o utilizam como sinônimo de apartheid, segregação racial, terrorismo de Estado ou expansionismo, a expressão refere-se simplesmente ao direito de os judeus terem um Estado próprio no território de suas origens. Essa ideia motivou as grandes ondas de migração, que começaram em 1882 e tiveram um pico após a criação de Israel, em 1948. De lá para cá, o país teve outros momentos de intensa imigração, normalmente associados a épocas de nacionalismo exacerbado. No ano passado, 26.500 pessoas fizeram a aliá — termo hebraico para "subida", como é chamada a emigração para Israel —, o maior fluxo dos últimos dez anos. A atual onda é encabeçada pelos franceses, e em proporções inéditas na história. Em 2014, 8600 europeus fizeram a aliá. Destes, mais de 7000 eram franceses. Em 2015, esse número deve dobrar. Em comparação, apenas 276 brasileiros obtiveram o passaporte israelense no ano passado, apesar de a comunidade judaica daqui ser equivalente a nada menos que um quarto da francesa. Entre as motivações dos judeus franceses para deixar para trás o país onde nasceram estão a queda no padrão de vida desde a crise econômica de 2008 e o aumento do antissemitismo. Um adolescente parisiense, que prefere não revelar sua identidade, conta que os colegas que saem da escola de quipá, o tradicional solidéu usado na cabeça, são xingados e às vezes apanham dos estudantes da escola pública vizinha. O fato de a França ter a maior comunidade muçulmana da Europa Ocidental apenas aumenta as tensões, mas essa não é a única fonte de agressões. Em outros países europeus, também aumentou o antissemitismo. Em fevereiro, uma sinagoga foi atacada a tiros em Copenhague, na Dinamarca. Há três semanas, seis homens agrediram os frequentadores de um templo judaico em Londres, na Inglaterra. Também no mês passado, uma seguradora privada se recusou a renovar a apólice de seguro de um jardim de infância judaico em Bruxelas, na Bélgica, por considerar que o risco de proteger as crianças era muito elevado. A escola, que atende cerca de trinta meninos e meninas, fica no mesmo distrito da sede da União Europeia. A recusa da seguradora aconteceu menos de um ano após o ataque ao Museu Judaico de Bruxelas, quando um jihadista abriu fogo na entrada do edifício e matou quatro pessoas. O antissemitismo está até nos campos de futebol. Na semana passada, durante uma partida entre o Utrecht e o Ajax, na Holanda, torcedores do Utrecht bradaram "Hamas, Hamas, judeus para o gás", em referência ao grupo terrorista islâmico e ao genocídio de judeus na II Guerra Mundial. "A situação vai piorar e não adianta mudar-se da França para a Inglaterra ou para a Alemanha. Os judeus só estão seguros em Israel", diz o ministro israelense do Desenvolvimento do Neguev e da Galileia, Silvan Shalom, que em fevereiro passado foi a Paris para participar de uma feira dedicada a promover a aliá para as duas regiões de Israel. Neste ano, o evento recebeu o triplo de visitantes registrados no ano passado. O interesse do governo israelense em atrair franceses e outros europeus se deve ao fato de que os imigrantes dessas nacionalidades costumam ter um alto nível educacional e possuem valores judaicos arraigados — ao contrário dos descendentes provenientes da Rússia, que frequentemente emigram apenas em busca de uma qualidade de vida melhor e não necessariamente por valorizar o caráter judaico do Estado israelense. Além disso, muitos europeus são empreendedores e podem ajudar a desenvolver o país. Nos encontros como o que aconteceu em fevereiro em Paris, são fornecidas informações sobre as oportunidades de emprego em Israel e dados macroeconômicos positivos (o PIB da França deve crescer 1% neste ano; o de Israel, 4,5%). Outro benefício econômico é a "aliá fiscal". Em Israel, imigrantes recém-chegados têm isenção de impostos durante dez anos. Os jovens costumam ser os primeiros a chegar. "A preocupação dos emigrantes é mandar os filhos o mais rápido possível, enquanto os pais se preparam com mais calma", diz Marilyne Ouaknine, diretora da escola francesa Havavat Hanoar, em Jerusalém, que tinha um dos estandes mais concorridos da feira. Os judeus franceses também têm feito viagens exploratórias para Israel, para avaliar se conseguiriam se adaptar ao novo lar. "O principal desafio da mudança para Israel é arrumar um trabalho para gente de meia-idade, nos seus 40 ou 50 anos", diz Lionel Sidoun, que lidera um grupo de quarenta famílias que fez uma excursão recentemente. O êxodo dos judeus franceses é um processo sofrido e cheio de dilemas. "Sou francesa, mas não me sinto mais aceita em meu próprio país. Trata-se de uma sensação horrível", diz Corine Haouzi, contadora de 48 anos que pensa em se mudar com os filhos para Israel. O estranhamento de Corine é fruto da valorização do multiculturalismo em detrimento dos princípios republicanos da França, pelos quais os cidadãos devem ser iguais nos direitos e nos deveres. Já o multiculturalismo entende o país como uma entidade dividida em comunidades com costumes e valores diferentes que devem apenas coexistir, e não necessariamente conviver. Desse caldo brota o antissemitismo que está sendo fomentado principalmente nos bairros pobres de maioria muçulmana. "O multiculturalismo, que é bem-aceito na Inglaterra, é tido como um absurdo para os tradicionais cidadãos da França", diz o historiador Jean-Marc Dreyfus, da Universidade de Manchester, na Inglaterra. A percepção de serem odiados apenas por existirem aumentou para os judeus franceses em janeiro passado com os atentados em Paris, em que um terrorista islâmico matou quatro judeus em um supermercado de comida kosher — feita de acordo com preceitos religiosos — depois do ataque ao semanário Charlie Hebdo. Desde então, as entidades judaicas do país são protegidas por militares 24 horas por dia. No começo de março, o governo francês anunciou que o plano Vigipirate, que colocou 10.000 soldados nas ruas para resguardar e vigiar locais considerados sensíveis, deve continuar por vários meses. O reforço pode até coibir atentados, mas não o desconforto da comunidade judaica. Os judeus sempre enxergaram Israel como a terra prometida, um lugar seguro onde podem se estabelecer quando se sentem ameaçados. O atual fluxo migratório mostra que, infelizmente, isso está acontecendo novamente. NORMAL COM O QUIPÁ O contador DAVID KATORZA, de 45 anos, tem seis filhos. O mais velho está com 12 anos. Ele e sua esposa, Edna, são judeus religiosos. Vão à sinagoga às sextas e comem alimentos kosher. "Mesmo a França sendo nosso país, nós nos sentimos discriminados aqui. Agora é arriscado até mesmo usar o quipá na rua", diz ele. Em junho, a família toda trocará Sarcelles, no subúrbio de Paris, por Hadera, ao norte de Tel-Aviv. "Em Israel vamos estudar hebraico e seremos como qualquer outro casal local", diz Katorza. A INVEJA DAS AMIGAS A francesa LAURA BOUTBOUL completará 30 anos em maio e decidiu dar de presente a si mesma uma nova vida em Israel. Ela pediu demissão do trabalho no setor de RH de um hospital e tem passado os últimos meses preparando a mudança. "Já fui mais de dez vezes a Israel. Na última, deu um estalo: que tipo de futuro eu quero para meus filhos?", diz Laura, que ainda é solteira. "Vai ser muito difícil consertar a França. Prefiro fazer parte de outro projeto. Até minhas amigas não judias me invejam por isso." 6#6 EDUCAÇÃO – MUITA COISA A MELHORAR O Pronatec tem a ambição de formar os técnicos de que o Brasil precisa, mas infla resultados e patina na falta de fiscalização. CECÍLIA RITTO E HUGO PERNET Mais vistosa vitrine da educação dos quatro primeiros anos da era Dilma Rousseff, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) foi recebido como um passo acertado em meio a idas e vindas em um campo no qual o governo mexeu, remexeu, mas manteve o Brasil onde sempre esteve: entre os últimos do mundo. Lançado em 2011 nas instituições federais e escolas profissionalizantes e ampliado para o sistema particular de ensino, o Pronatec já rendeu números retumbantes: 15 bilhões de reais repassados e 8 milhões de alunos matriculados. A ideia é inspirada numa estratégia que levou outras economias a um novo patamar — despejar no mercado pessoas talhadas para realizar tarefas técnicas e altamente demandadas, de modo que ascendam individualmente e gerem produtividade e riqueza. O problema não está no diagnóstico, mas nos caminhos escolhidos. Por falta de direção, de controle, de fiscalização e, mais recentemente, de dinheiro, o Pronatec está muito aquém da virada que se pretendia. "Erra ao não partir de um exame detalhado da experiência internacional nem de um sólido acompanhamento dos resultados", avalia o especialista Simon Schwartzman, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade do Rio de Janeiro. A primeira evidência de falha no programa está nos alardeados 8 milhões de matrículas. Isso significa que 8 milhões de brasileiros puseram seu nome na lista de inscrição dos cursos, que são gratuitos e dispõem de grande número de vagas. Mas, na realidade, boa parte dessa multidão parou no meio, ou mesmo no começo. As duas qualidades — gratuidade e acessibilidade — acabam favorecendo a enorme evasão: com a mesma facilidade com que se candidata, o aluno desiste. A taxa oficial de abandono é de 16%, mas, segundo quem acompanha esse mercado, o índice passa dos 50%. A maior revoada ocorre nas instituições particulares. São elas que oferecem os cursos mais longos e que deveriam formar justamente o pessoal mais qualificado — em contraponto aos de Formação Inicial e Continuada (FIC), de dois a seis meses de duração. "O governo divulga o número de matrículas, mas não contabiliza quantos efetivamente se formam nem quantos arranjam emprego", afirma Laura Laganá, diretora do Centro Paula Souza, segunda maior rede de ensino técnico do país, que atua no Estado de São Paulo. Várias razões explicam a alta desistência. Uma delas é a desconexão entre o curso ofertado e a verdadeira demanda do mercado: no caso das escolas particulares, são elas mesmas que definem a profissão que vão ensinar com base na estrutura de que já dispõem. "Nessa etapa do programa, nossa maior preocupação é em expandir", justifica Marcelo Feres, secretário de educação profissional do Ministério da Educação. Outro motivo de evasão é o despreparo dos alunos para enfrentar um novo ciclo de estudos, uma vez que chegam com deficiências muito básicas, ainda dos tempos de escola. A Faculdade Sumaré, de São Paulo, abriu em 2013 matrículas para sete cursos técnicos e acolheu 6400 candidatos. Apenas 1013 — 16% do total — foram até o fim. "No meu curso, de técnico de rede de computadores, entrou gente que não sabia nem ligar a máquina", diz Akio Takana, 40 anos, que persistiu e se forma neste mês. O cenário se repete em outras escolas consultadas por VEJA em diversas regiões. A Faculdade Integrada da Grande Fortaleza, com unidades em quatro estados, arrebanhou 7500 inscritos e formou 1500 em dezembro passado. Dos 6000 restantes, ficaram 2650. Seu curso técnico em enfermagem em Maringá, interior do Paraná, começou com apenas 25 alunos e vai terminar em maio com dez. "Muitos tinham dificuldades financeiras, outros não estudavam fazia tempo e não conseguiram acompanhar", afirma a coordenadora, Simone Braga. A debandada acaba comprometendo um ponto crucial de qualquer programa movido à base de verbas públicas: o controle sobre a distribuição dos recursos. No caso dos cursos de rápida duração — 70% do total —, aluno matriculado é aluno contado, não importa se aparece ou não na escola. "O desistente continua sendo contabilizado como se estivesse matriculado, e a instituição recebe integralmente o valor da bolsa não utilizada", aponta um recente relatório da Corregedoria-Geral da União. As falhas, diz a CGU, não são das instituições, "que não são obrigadas a corrigir dados"; são, isso sim, de um programa em que "não existe processo de prestação de contas nem análise e aprovação do cumprimento das vagas pactuadas com os ofertantes". A burocracia também emperra um voo mais alto no esforço profissionalizante. Com a indústria se modernizando rapidamente, o programa não prevê, por exemplo, retorno à sala de aula para uma atualização de conhecimento. Aferra-se, por outro lado, a uma carga horária mínima de 160 horas, que, segundo especialistas, é excessiva para o aprendizado de certos ofícios. Os resultados são mais animadores nos 640 cursos breves: entre os campeões de matrícula estão os de operador de computador, eletricista, costureiro, pedreiro, almoxarife e modelista. Essa fatia do Pronatec se beneficia da experiência, principalmente, do Senai, o maior provedor de ensino técnico no Brasil e responsável por 47% das vagas do programa federal. As turmas já chegam ali prontas, montadas pelo MEC obedecendo a critérios que privilegiam, por exemplo, quem recebe seguro-desemprego ou é favorecido pelo Bolsa Família. Na prática, isso resulta frequentemente em turmas menos preparadas para seguir em frente. "Nenhum programa dará certo enquanto o país encarar formação profissional como política social, e não como política econômica", alerta o economista Cláudio de Moura Castro, articulista de VEJA. Oferecer ensino técnico de qualidade foi o caminho da Coreia do Sul para sair da indigência e se tornar um tigre da Ásia: nos anos 50 e 60, o país capacitou uma massa de gente que impulsionou a indústria e a inovação. "O Brasil precisa de um bom ensino profissionalizante para ser competitivo", resume Rafael Lucchesi, diretor-geral do Senai. A nova meta do Pronatec já foi estabelecida: 12 milhões de matrículas até 2018. O número é grandioso, mas números não bastam para subir de patamar. 6#7 TECNOLOGIA – A ÚLTIMA FRONTEIRA As baterias, que invariavelmente terminam antes da hora, são o derradeiro entrave para o aumento no ritmo de inovações. A indústria e a academia buscam saídas. RAQUEL BEER A tecnologia evoluiu a passos larguíssimos nas últimas cinco décadas. Um iPhone tem um conjunto de microprocessadores 1300 vezes mais potente que os dos imensos computadores da missão Apollo 11, que pôs o homem na Lua em 1969. As inovações são tantas, amparadas pela internet, que soa desnecessário enumerá-las. Mas esse ritmo de descobertas corre o risco de ser congelado. Em cinco anos, estima-se que um dos elementos responsáveis por acelerar os avanços tecnológicos atingirá o máximo de seu desenvolvimento: as baterias. Sem elas, smartphones, tablets, notebooks e carros seriam carcaças inúteis. As baterias têm um limite intransponível, imposto pelo tipo de material que as compõe, condição determinante para a quantidade de energia que são capazes de armazenar. Diferentemente do processamento de computadores, movido na toada de um estatuto quase sagrado da era da informação, a Lei de Moore, estabelecida em 1965 pelo engenheiro americano Gordon Moore, segundo a qual a capacidade de trabalho de um chip dobraria a cada dezoito meses, o progresso das baterias se dá pela descoberta de reações químicas afeitas a estender o poder de armazenamento e distribuição de energia elétrica. "Estamos presos à capacidade natural dos elementos da tabela periódica, limitados a estudar como explorá-los ao máximo, mas sem a possibilidade de superá-los", define o físico americano Jeff Dahn, chefe do laboratório de armazenamento de energia da Universidade Dalhousie. E temos a certeza, cada vez mais evidente, de que toda bateria acaba muito antes do desejado, atalho para um rotundo palavrão. É a última fronteira da ciência. Do ponto de vista da física e da química, toda bateria opera da mesma forma. Sua estrutura é composta de dois eletrodos, nome que se dá aos polos (um positivo, outro negativo). A bateria é carregada quando íons e elétrons fluem do polo positivo para o negativo, e o fornecimento ocorre no sentido inverso. Ela descarrega no momento em que a carga de ambos os polos se equilibra e o fluxo de íons e elétrons é interrompido (veja o quadro). Uma variável importante é o material utilizado para fabricá-la. É assim desde o esboço do que seria a primeira bateria, construída há 2000 anos. Tratava-se de um vaso de argila repleto de substância ácida, cujas extremidades (os polos) eram ligadas por um tubo de cobre. Uma pilha arcaica. E a lógica continua a ser a mesma nas baterias modernas, de íon de lítio, desenvolvidas nos anos 90 em substituição às de chumbo e níquel-cádmio. A evolução dessa tecnologia sempre esteve ligada às substâncias utilizadas. Cada elemento tem uma densidade elétrica, a quantidade de energia possível de ser armazenada e fornecida em um espaço limitado (por isso, a unidade de medida é watts-hora por quilo). Químicos exploram como atingir o potencial máximo de cada material, mas há um momento em que essa barreira já não pode ser ultrapassada. No caso do íon de lítio, que energiza smartphones, carros elétricos e relógios inteligentes, a exemplo do Apple Watch (cuja pré-venda estava prevista para acontecer na sexta-feira 10 nos EUA), calcula-se que o limite será de 260 watts-hora por quilo. Cientistas acreditam que chegarão a esse ponto em cinco anos. Seria o suficiente para deixar ligado um iPhone atual por 31 horas. No entanto, o futuro aumento do processamento demandará mais da bateria. É fácil imaginar que um smartphone de 2030 teria de ser carregado a cada duas horas. A alternativa imediata seria aumentar os dispositivos (para comportar baterias maiores), ou congelar o avanço da computação. Diante da urgência em achar soluções, a indústria tem reagido como sempre faz quando depara com um impasse fundamental do qual não parece haver saída. As grandes companhias batalham para controlar a tecnologia existente, descendo com todas as tropas no que existe de mais avançado. Ter as patentes registradas é o caminho natural de controle do mercado. A empresa que liderar a produção do modelo de íon de lítio de potencial máximo (os tais 260 watts-hora por quilo) poderá vender a descoberta por fortunas. É a justificativa por detrás do processo aberto no mês passado pela Basf, a indústria química alemã, contra a belga Umicore, fabricante de componentes de baterias. A primeira exige da segunda o pagamento pelo uso de inovações que garantiram o desenvolvimento das baterias de íon de lítio nos últimos anos. Tudo indica ser apenas o início de uma guerra de patentes nos tribunais, cujo fim só ocorrerá quando um segundo passo for dado por outros fabricantes, tornando obsoleto o que veio logo atrás. Enquanto uns brigam, outros, sobretudo acadêmicos, buscam o fundamental: superar as limitações atuais. O que cientistas procuram é um material que possa substituir o íon de lítio. Há candidatos promissores. O grafeno, ótimo condutor de eletricidade, dispara como favorito. Pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, já criaram em laboratório um protótipo capaz de armazenar muito mais energia que os de íon de lítio, ser carregado em segundos e que pode ser utilizado 10.000 vezes antes de sua capacidade decair. O problema: o grafeno é caríssimo. O alto custo (ainda sem solução próxima) deu espaço a outros elementos químicos. Na semana passada, uma equipe da Universidade de Stanford desenvolveu uma bateria quase perfeita, de alumínio. Ela é carregada em um minuto e tem preço menor que a de íon de lítio. Mas ainda não alcança a tensão elétrica mínima, de 3,7 volts, para fazer funcionar os equipamentos que utilizamos no dia a dia. Enquanto não desponta uma descoberta avassaladora, a vida segue com dispositivos eletrônicos cada vez mais famintos e beberrões da energia produzida pelas baterias. Tome-se como exemplo o Apple Watch. A escolha de dedicar quase a metade da estrutura interna do relógio a uma bateria foi feita para poder preservá-lo em funcionamento por dezoito horas. Assim, como um celular, pode-se carregá-lo à noite e usá-lo durante o dia. Só que sobrou pouco espaço para o processador. A Apple teve de se render a um dilema clássico da indústria digital. Se a bateria é pequena, para dar espaço ao chip, o dispositivo tem autonomia reduzida. Se é grande, perde em velocidade. No caso do Watch, privilegiou-se a durabilidade da bateria. Para garantir o contínuo progresso da tecnologia, será necessário achar um material que permita a fabricação de baterias menores, mas eficientes. A história da humanidade mostra, porém, que o homem é habilidoso em superar problemas científicos. O impossível só é impossível enquanto não se achou solução, e que a bateria seja eterna enquanto dure. Quando surge a resposta, o que era visto como inalcançável parece fácil. No fim do século XVIII, o economista inglês Thomas Malthus definiu, em sua teoria, a impossibilidade de alimentar a população mundial a médio prazo. Para ele, a industrialização levava ao aumento exponencial da civilização, enquanto a produção de alimentos evoluía em progressão aritmética, e tinha um teto. O resultado seria a miséria. Malthus, contudo, não adicionou ao cálculo o aprimoramento de técnicas para tornar exponencial também a produção alimentícia, na chamada Revolução Verde dos anos 60. As baterias passam por momento similar. Há os que crêem estarmos perto de um ponto sem evolução visível. Não contam com a inventividade do cérebro humano. TESLA S Espaço ocupado pela bateria na estrutura interna (*considerando apenas a base do carro; estimativa) 50% Por que a bateria tem de ser grande: quanto maior o carro elétrico, mais autonomia ele tem; a bateria de íon de lítio do Tesla permite que ele circule 470 quilômetros sem ser recarregada (o motorista americano típico teria de energizá-la a cada oito dias). APPLE WATCH Espaço ocupado pela bateria na estrutura interna (*estimativa) 40% Por que a bateria tem de ser grande: para garantir que o Apple Watch funcione por dezoito horas. O usuário pode carregá-lo enquanto dorme e utilizá-lo o dia todo. MACBOOK Espaço ocupado pela bateria na estrutura interna (*estimativa) 50% Por que a bateria tem de ser grande: para criar um notebook leve e ultrafino, com a espessura de 13 milímetros, e que mesmo assim permanece ligado por nove horas, a Apple teve de distribuir a bateria em seis blocos, que, em proporção, ocupam mais espaço da estrutura que o usual. A BUSCA PELA BATERIA A capacidade máxima da bateria de íon de lítio, a mais utilizada em aparelhos eletrônicos, só pode ser expandida em 30%. Cientistas procuram modos de aprimorar ou substituir esse elemento-chave da indústria tecnológica. • DA TOMADA PARA O CELULAR 1. Baterias de íon de lítio são construídas com várias células de armazenamento de energia. 2. Quando se carrega uma bateria, aplica-se uma corrente elétrica que vai do polo positivo (feito de óxido metálico de lítio) para o negativo (de grafite), onde os íons de lítio (átomos com carga positiva) ficam armazenados. A energia passa por meio de condutores de cobre e alumínio. 3. Quando o aparelho demanda energia, a corrente flui no sentido oposto, do polo negativo de volta para o positivo, movimentando íons, que viajam pelo eletrólito, um gel que facilita sua propagação, também para o polo positivo. 4. Conforme se consome energia, a carga do polo negativo e a do positivo ficam equilibradas, o que deixa a bateria neutra. É a condição que a leva a descarregar. Por que a bateria acaba? São três os motivos: • Mesmo em descanso, ela continua (em menor grau) a enviar íons e elétrons do polo negativo para o positivo, o que eventualmente a deixa neutra, e a descarrega. • A capacidade de armazenamento é limitada (uma bateria de íon de lítio jamais produzirá mais de 260 watts-hora por quilo do material, o suficiente para que ela dure 31 horas em um smartphone). • Qualquer modelo ainda demanda um elemento externo que o carregue (seja a tomada, seja a luz solar). Nenhuma bateria é, portanto, autossuficiente. • DO QUE SÃO FEITAS... ...HOJE Material: ÍON DE LÍTIO Aparelhos: Celulares, notebooks, tablets e carros elétricos Vantagem: Por ter grande densidade energética, armazena mais energia em menos espaço Desvantagem: É a mais cara das utilizadas hoje e estima-se que sua capacidade máxima de armazenamento e condução de energia será alcançada em 2020. Material: CHUMBO ÁCIDO Aparelhos: Carros e equipamentos hospitalares Vantagem: A tecnologia mais antiga a ainda ser utilizada em grande escala, é barata e simples de ser fabricada Desvantagem: Possui a menor capacidade de armazenamento, o que faz com que sua estrutura tenha de ser enorme Material: NÍQUEL-CÁDMIO Aparelhos: Pilhas, câmeras de vídeo e barbeadores Vantagem: Tem o preço mais acessível Desvantagem: Comporta menos carga que as outras e "vicia" (carregá-la com meia carga faz com que sua capacidade diminua com o tempo) ...E NO FURURO Material: GRAFENO Aparelhos: Dispositivos eletrônicos portáteis (como smartphones) e carros elétricos Vantagem: Armazena ao menos dez vezes mais energia que uma de íon de lítio Desvantagem: A produção é caríssima e ainda restrita a laboratórios. Material: ALUMÍNIO Aparelhos: Smartphones, tablets e carros Vantagem: Carrega por completo em um minuto Desvantagem: Ainda não atinge a voltagem de 3,7 volts, o mínimo necessário para ligar a maioria dos equipamentos Material: LÍTIO-OXIGÊNIO Aparelhos: Qualquer um que tenha contato com o ar Vantagem: Carrega-se com oxigênio e, em teoria, pode durar para sempre Desvantagem: É preciso desenvolver um catalisador capaz de acelerar a produção da energia retirada dos elétrons capturados do oxigênio • NO LIMITE Estudos mostram que a bateria de íon de lítio atingirá seu máximo de armazenamento (medido em watts-hora por quilo) em cinco anos. Anos: 1990 Capacidade de armazenamento (em watts-hora por quilo): 100 Quanto duraria em um smartphone hoje: 12 horas Anos: 2000 Capacidade de armazenamento (em watts-hora por quilo): 160 Quanto duraria em um smartphone hoje: 19 horas HOJE Capacidade de armazenamento (em watts-hora por quilo): 200 Quanto dura em um smartphone hoje: 24 horas Anos: 2010 Capacidade de armazenamento (em watts-hora por quilo): 260 (em teoria, o limite máximo) Quanto duraria em um smartphone hoje: 31 horas TAMBÉM TEM DE SER VERDE A onda sustentável que tomou o planeta nas últimas décadas levantou considerações em torno da fabricação de baterias. A busca pelo aumento da eficiência passou a rivalizar com a batalha por tornar esses dispositivos mais verdes. O caminho seguro é a substituição gradual de fontes sujas de energia, a exemplo do petróleo, pelas renováveis. A energia solar, em especial, foi alavancada ao status de possível solução definitiva para os dois problemas que rondam as baterias: a eficiência e a sustentabilidade. Se toda a radiação que atinge a Terra em um dia, vinda do Sol, virasse eletricidade, seria possível sustentar a humanidade por 27 anos. Na prática, o que falta hoje para a adoção ampla da alternativa solar é apenas vontade, da indústria e de consumidores, para implantá-la. A startup alemã Changers achou uma boa forma de incentivo. A Changers vende os modelos abastecidos por radiação solar. Seus carregadores, finos e maleáveis, podem ser acoplados a mochilas ou levados dentro de uma bolsa. Após quatro horas carregando no sol, uma dessas baterias absorve energia suficiente para produzir 16 watts-hora, o suficiente para recarregar a bateria de um smartphone duas vezes no dia. Um aplicativo, normalmente entregue junto com as baterias da Changers, motiva clientes a ser sustentáveis — e, no processo, mostra as vantagens de adotar essa postura (mesmo que para isso seja preciso pagar um pouco mais caro pelo produto alimentado pelo sol, em comparação com as baterias carregadas com fontes sujas). O app mede a quantidade de emissões de CO2 de cada usuário, com base em dados de seu dia a dia, como a distância percorrida de carro. Depois, calcula quanto a pessoa economizou em CO2 com atitudes verdes, como substituir o automóvel pela bicicleta, ou usar baterias de energia solar, em vez das que utilizam a tomada. O resultado da conta mostra se o indivíduo está em débito ou com crédito. Quem fica no positivo ganha benefícios da startup. Afirma Daniela Schiffer, fundadora da Changers: "Todos adoram falar da necessidade de cuidar da Terra, mas poucos se mexem para isso. Queremos dar um empurrão, dizer 'vamos começar de algum lugar' e mostrar quanto é fácil adotar posturas mais conscientes". JENNIFER ANN THOMAS _________________________________________ 7# ARTES E ESPETÁCULOS 15.4.15 7#1 SHOWBIZ – TODAS AS ESTAÇÕES 7#2 LIVROS – DRAMA E DÓ DE PEITO 7#3 LIVROS – A VERDADE EXUMADA 7#4 TELEVISÃO – MAIS DEVAGAR COM O ANDOR 7#5 CINEMA – GRAÇA DIVINA 7#6 VEJA RECOMENDA 7#7 OS LIVRSO MAIS VENDIDOS 7#8 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – TRÊS MINEIROS E UMA MINEIRA 7#1 SHOWBIZ – TODAS AS ESTAÇÕES Com uma grande variedade de programas em áudio para todos os gostos e estilos, o podcast — o rádio da era digital — vive um momento de expansão. BRUNO MEIER Uma estudante do ensino médio foi estrangulada no estacionamento de uma loja, e o cadáver foi enterrado em um parque decadente de Baltimore, nos Estados Unidos. O ex-namorado e colega de escola Adnan Syed, 17 anos, de uma família de imigrantes paquistaneses, foi julgado pelo crime, cometido em 1999. Sempre jurou inocência. Foi condenado à prisão perpétua e cumpre pena em um presídio do Estado de Maryland. A base da acusação foi o depoimento de um homem que afirmava ter ajudado Syed a enterrar o corpo. Quinze anos depois, uma carta chega às mãos da produtora de rádio Sarah Koenig, em Nova York. Era assinada por uma amiga da família Syed que pedia ajuda. Jornalista havia uma década do popular programa radiofônico This American Life, Sarah topou contar a história. "Não teria começado se não tivesse dúvidas sobre o caso. Se estivesse claro que Syed era culpado, eu não teria investido nele meu tempo e os recursos do programa. Não estou dizendo que ele seja inocente — apenas que algo não se encaixa", explica. Embalada pelo sucesso que This American Life tivera, a partir de 2006, ao ser convertido também em podcast — mais de 1 milhão de downloads a cada edição —, a jornalista concebeu uma nova produção em áudio. Viajou até Baltimore, entrevistou testemunhas e criou um enredo de doze episódios, em um documentário jornalístico com tintas de série de suspense. Serial estreou em outubro de 2014 com uma audiência de fazer inveja aos canais de TV. Foram realizados 68 milhões de downloads, o que levou o podcast — que, com This American Life, já era um produto respeitável no mercado cultural americano — a um novo patamar de consumo de massa. O podcast é o rádio do universo digital. Surgiu em 2004, por sugestão de um VJ da MTV americana que queria distribuir suas criações em áudio no site do canal, e ganhou impulso, inicialmente, no iPod, da Apple. Nos primórdios, a ideia era apenas permitir ao ouvinte criar seu rádio "customizado", ouvindo, na hora que quisesse, a própria seleção dos programas mais diversos. Não havia muita diferença, porém, entre o podcast e o rádio ao vivo — e, na verdade, muitos podcasts que hoje são sucesso se originaram de programas do rádio tradicional. A oferta maior era de mesas de discussão entre locutores, com pouca ou nenhuma edição de som. Esse formato de bate-papo informal ainda é bastante consumido, mas, em anos recentes, a produção vem se tornando mais elaborada e variada. Serial, com seu jornalismo dramático, é um exemplo disso. Também vêm surgindo séries de ficção. "Os podcasts são influenciados por aquela linguagem do rádio na frequência AM dos anos 80. Muito diálogo com o público, juntamente com sonorização e boa finalização", diz Leo Lopes, dono da Rádiofobia, empresa brasileira especializada na produção e edição de podcasts. Em uma década, o número de podcasts produzidos no mundo saltou de 3000 para 285.000. Estima-se que o público americano tenha triplicado em cinco anos. Foram 75 milhões de ouvintes por mês em 2014 — número que, mais uma vez, deve muito ao impulso de Serial, o primeiro a virar um fenômeno de repercussão comparável à de séries de TV cultuadas como Game of Thrones ou The Walking Dead. A variedade de temas dos podcasts é quase inabarcável. Empreendedorismo? Alex Blumberg, ex-produtor de This American Life, lançou o StartUp, com seu passo a passo na criação de uma empresa e dicas práticas para quem se arrisca em empreitada semelhante (conselho da mulher de Blumberg quando ele vai se encontrar com um investidor bilionário: "Há mais chances de conseguir dinheiro se você não usar tênis de corrida"). Birita? O Brasil tem o Beercast, só sobre cerveja. O mais recente programa narra a viagem de quatro apresentadores a um evento cervejeiro em Londres. "Como você pode perceber, estamos um pouquinho mais altos que o normal", diz um deles. Papo-cabeça? O Philosophy Bites é um dos mais ouvidos na área, com entrevistas de até vinte minutos com filósofos. No Brasil, o podcast ainda não é um produto tão massivo. Estima-se que existam 600 programas ativos no país. Não é um número expressivo, mas eles já servem a vários gostos e preferências específicos: amantes de fotografia, de música, de cinema, de cervejas especiais, de café. O mais popular deles, o Nerdcast, ainda está na casa do milhão de ouvintes regulares — milhão, singular —, que fazem em média 700.000 downloads por programa. Devota-se à cultura pop, especialmente àqueles filmes e séries cultuados pelos nerds. Conduzida pelos sócios Alexandre Ottoni e Deive Pazos, a conversa semanal até lembra os diálogos entre os personagens de The Big Bang Theory. Mas engana-se quem pensa que os dois marmanjos vivem em outro planeta e fazem programas apenas por diversão. O Nerdcast é o maior negócio do site Jovem Nerd, lançado em 2002 em Curitiba, que ganha dinheiro com uma lojinha virtual e, principalmente, com a produção de programas patrocinados. A Casa do Baralho, sátira inspirada em House of Cards, foi paga pelo Netflix, que produz a série americana. Nos Estados Unidos, há redes e empresas especializadas que buscam tornar os programas mais rentáveis. No Brasil, ainda não existe tal profissionalização. O cearense Jurandir Filho, do RapaduraCast, podcast de cinema, negocia ele mesmo com os anunciantes, que vão de uma distribuidora de filmes a um banco público. Conforme o cacife do podcast, um programa de uma hora pode custar até 30.000 reais ao anunciante. Embora o negócio do podcast engatinhe no país, seus expoentes já contam com público fiel. "Cansei de saber de gente que começa a ouvir Nerdcast no carro e, ao chegar em casa, ainda fica um tempo na garagem esperando o programa terminar", diz Ottoni. Como o rádio, seu antepassado, o podcast é um companheiro versátil, sobretudo em situações nas quais um streaming de vídeo é distração inconveniente. Como diz Ottoni: "É a maior inovação na hora de lavar louça. Eu só consigo faxinar a casa ouvindo um podcast". VOZES DIGITAIS Dez opções bem variadas de podcasts no Brasil e no mundo ESTADOS UNIDOS This American Life Semanalmente, 1 milhão de ouvintes fazem o download do podcast e 2,2 milhões de americanos escutam o programa no rádio. Como o nome sugere, comenta-se o estilo de vida americano, naquele espírito informal dos programas matutinos de televisão Público: é a Oprah Winfrey dos podcasts: todo mundo ouve Serial Lançada em outubro de 2014, como um subproduto de This American Life, a série acompanha as investigações do assassinato de uma adolescente em Baltimore. Foi o podcast que mais rapidamente chegou a 5 milhões de downloads no iTunes Público: é outro produto de massa RadioLab É um show de curiosidades sobre ciência e filosofia. Nasceu em 2002, numa rádio pública de Nova York, mas só ganhou fama como podcast a partir de 2009 Público: ouvintes mais instruídos, na faixa dos 24 aos 45 anos Welcome to Night Vale Na forma, é uma típica mesa-redonda, com gente discutindo assuntos do momento. Mas é uma série de ficção: o programa de rádio tem lugar na cidade de Night Vale, onde acontecimentos nonsense se desenrolam Público: hipsters StartUp Eis como o programa define a si mesmo: "Uma série sobre o que acontece quando alguém que nada sabe sobre um negócio começa um". Em uma levada meio reality show, o produtor de rádio Alex Blumberg fala da criação de sua própria startup Público: empreendedores, ou quem tem ambição de se tornar um deles INGLATERRA In Our Time É um dos poucos a ser produzidos por um veículo tradicional - a rede pública britânica BBC. Apresentado por Melvyn Bragg, discute temas acadêmicos de história, arte, religião e cultura Público: é para quem gosta de um papo-cabeça BRASIL RapaduraCast Não há estreia de cinema que escape ao radar do cearense Jurandir Filho, de 32 anos. Formado em informática, Jurandir conversa sobre filmes com seus colaboradores - são dez, que se revezam. A cada semana, em média, são feitos 150.000 downloads Público: cinéfilos Beercast Lançado em maio de 2013, o podcast tem um tema exclusivo: cerveja. Os quatro participantes avaliam marcas, dão informações históricas e degustam as bebidas ao vivo Público: apreciadores de cervejas que não são vendidas na esquina Nerdcast O maior podcast do Brasil tem mais de 1 milhão de seguidores. O prato forte dos criadores Alexandre Ottoni e Deive Pazos é cultura pop, sobretudo comentários sobre séries - A Casa do Baralho, paródia de House of Cards, foi dos maiores sucessos do Nerdcast Público: homens de 18 a 35 anos - sobretudo, como anuncia o título, nerds Matando Robôs Gigantes Ainda mais nerd que o Nerdcast, fala de quadrinhos e games. Os cariocas Affonso Solano, Diogo Braga e Roberto Duque Estrada são os titulares Público: nerds e geeks 7#2 LIVROS – DRAMA E DÓ DE PEITO Uma História da Ópera, de Carolyn Abbate e Roger Parker, é um guia acessível para entender o gênero — embora os autores sejam pessimistas quanto ao seu futuro SÉRGIO MARTINS Ópera nada mais é do que uma peça dramática na qual os personagens — pelo menos a maioria deles — passam a duração inteira da trama cantando. Os roteiros, com frequência inspirados em lendas populares e narrativas mitológicas, trazem tantas reviravoltas (e até incongruências) que se tornam difíceis de explicar para o não iniciado. A produção de uma ópera é dispendiosa, e o ingresso para assistir a uma montagem não costuma ser barato. Com tantos reveses e senões, essas produções ainda são capazes de despertar não só interesse mas paixão. Uma História da Ópera (tradução de Paulo Geiger; Companhia das Letras; 664 páginas; 74,90 reais), de Carolyn Abbate e Roger Parker, vai às raízes dessa arte tão emocional. Despido do "musiques" comum em obras sobre o canto lírico, é um livro que, no mínimo, desperta o desejo de ver uma produção operística — nem que seja só para experimentar. Carolyn trabalha no departamento de música da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e sua especialidade é a ópera do século XIX. Parker leciona no King's College, em Londres, é um expert na obra do compositor Giuseppe Verdi (1813-1901) e tem trabalhado nas revisões críticas do também italiano Caetano Donizetti (1797-1848). Carolyn e Parker comungam de um amor pelo tema que é palpável no texto, seja nas descrições amplas de obras-primas de Richard Wagner e Verdi, seja na consideração específica de cenas como aquela de Guillaume Tell, de Gioachino Rossini, em que o arqueiro é obrigado a acertar uma maçã na cabeça do próprio filho. A importância relativa de cada criador na história da ópera é muito bem ponderada ao longo do livro — do advento da "ópera séria", do alemão Georg Friedrich Handel (1685-1759), e da cumplicidade musical entre Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) e Lorenzo Da Ponte (1749-1838), seu libretista mais celebrado, que elevou a qualidade dos textos operísticos, às revoluções do alemão Richard Wagner (1813-1883). O livro documenta também curiosas diferenças entre a intenção inicial de compositores e libretistas e aquilo que o público desde sempre viu no palco. É o caso de Wolfram, personagem da wagneriana Tannhäuser, que costuma ganhar ares sensuais quando em cena, embora o texto de Wagner não exija isso. Às vezes, tais liberdades chegam a ponto de distorcer a obra. Uma das árias de Il Trovatore, de Verdi, frequentemente era encerrada por uma série de dós de peito do tenor — um despropositado exibicionismo que nunca fizera parte da partitura original. Quando o maestro italiano Riccardo Muti comandou a montagem de Il Trovatore no alla Scala de Milão, em 2000, proibiu o cantor de fazer essas graças virtuosísticas. Como resultado, foi vaiado pela patuleia. Nascida no fim do século XVI, a ópera ainda pode ser relevante nos dias de hoje? Bem, o entusiasmo dos autores fenece quando a história chega aos dias atuais; na expressão deles, a ópera passou a residir "num necrotério", criativamente estagnada no século XIX. O cenário contemporâneo é de recriações, com pouco repertório novo. De 2005 a 2010, segundo apuram Carolyn e Parker, a temporada das principais casas de ópera no mundo foi dominada por obras de Verdi, Mozart e Puccini. Para mais de 2000 encenações de Verdi, houve apenas 41 do americano Philip Glass, o compositor vivo que melhor se posiciona no levantamento. Cerca de 500 compositores vivos tiveram estreias nesse período, mas essas novidades não entraram em temporada, ficando em uma ou duas apresentações. Os autores também são críticos implacáveis da modernização de obras-primas do mundo operístico. O ciclo O Anel do Nibelungo, de Wagner, concebido pelo canadense Robert Lepage, é acusado de ter "sobrepujado" a música do alemão, perdendo-se em efeitos especiais. O compositor Pierre Boulez tem uma explicação plausível para a crise: embora continuem sendo abertas salas dedicadas à ópera, elas são concebidas para abrigar encenações típicas do passado, o que força os novos autores a perseguir as convenções do século XIX, inclusive a mesma formação orquestral. É preciso certa ousadia para fazer como o inglês Thomas Adès, cuja Powder Her Face é uma ópera de câmara, com dois atores. Entre os compositores atuais, porém, o eleito por Carolyn e Parker é o americano John Adams, que tem levado à cena operística uma verdadeira crônica da história recente dos Estados Unidos: fez música sobre a visita de Richard Nixon à China nos anos 70 e sobre a criação da bomba atômica. A ópera talvez não viva seu auge, mas, como a dupla de autores demonstra, suas qualidades básicas continuaram seduzindo os espectadores: imaginação e boa música. 7#3 LIVROS – A VERDADE EXUMADA Em As Duas Faces da Glória, agora reeditado, William Waack distingue entre o sacrifício pessoal dos pracinhas e os mitos sobre a participação da FEB na II Guerra. AUGUSTO NUNES O problema do Brasil nunca foi o complexo de vira-lata diagnosticado por Nelson Rodrigues. Essa disfunção, circunscrita ao futebol, só se manifestou entre 1950, quando a derrota na final contra o Uruguai transformou o brasileiro no último dos torcedores, e 1958, quando a seleção triunfou na Copa da Suécia. O problema do País do Carnaval (além de muita saúva e pouca saúde) é a síndrome do "comigo ninguém pode". Os filhos da terra aprendem ainda no berço que a bandeira brasileira é a mais bonita do mundo, embora ninguém se atreva a sair por aí tentando combinar camisa azul, calça verde e paletó amarelo. Que o Hino Nacional é o mais bonito do mundo, incontáveis sustenidos e bemóis à frente da Marselhesa. Que Deus, por ter nascido aqui, espera a hora certa para fazer do País do Futuro um colosso do presente. Coerentemente, aprende-se na escola que o Exército nativo em ação é coisa de fazer cair o queixo do mais condecorado marine americano. Teria sido assim na Guerra do Paraguai. E assim foi enxergada a participação na II Guerra Mundial — até que, em 1985, o jornalista William Waack restabeleceu a verdade com o lançamento do agora reeditado As Duas Faces da Glória — A FEB Vista pelos Seus Aliados e Inimigos (Planeta; 344 páginas; 41,90 reais). Em 1984, o correspondente do Jornal do Brasil na Alemanha apresentou ao comando da redação no Rio de Janeiro a proposta imediatamente aceita: contar numa ampla reportagem como fora o desempenho da Força Expedicionária Brasileira aos olhos dos demais atores que contracenaram com os combatentes nativos no front italiano. Aos 32 anos e repórter desde os 16, Waack já ingressara na especialíssima tribo dos correspondentes de guerra, que só abre vaga para repórteres puros-sangues. Providos de audácia na justa medida, todos sabem que a coragem é o medo algemado — e que os temerários, parentes distantes dos corajosos, raramente sobrevivem para contar a história. Ou a História, como haviam ensinado a Waack três coberturas em zonas conflagradas. Ele acompanhara em 1979 o início da Revolução Islâmica iraniana, depois o confronto armado entre o Iraque e o Irã e, em 1982, a erupção de embates brutais envolvendo a Síria, o Líbano e Israel. Enquanto não vinham mais barulhos do gênero, resolveu visitar a década de 40 a bordo de conversas com sobreviventes dos combates na Itália e da exumação de documentos jamais consultados por outros historiadores. Os depoimentos colhidos em vários lugares e idiomas, somados à devassa em arquivos americanos, ingleses e alemães, resultaram numa sólida reportagem que a direção do Jornal do Brasil preferiu engavetar. Com a ressurreição da democracia ainda em curso, pareceu imprudente publicar informações que retocavam, reescreviam ou desmontavam a história oficial, avalizada por veteranos da FEB que lideraram o golpe de 1964. Aquilo poderia ser encarado como tentativa de reduzir a relevância da missão cumprida na Itália, lançar dúvidas sobre a bravura dos pracinhas e outras afrontas. O JB logo saberia o que perdeu. O texto condenado ao ineditismo, ilustrado por documentos e imagens igualmente virgens, foi o ponto de partida para um livro que logo se tornou obrigatório para os apreciadores da literatura de guerra e ressurge, passados trinta anos, com o status de clássico do gênero. O frescor da narrativa reafirma que os fatos não envelhecem. E a nova edição foi enriquecida pelo que é, mais que a introdução reescrita e ampliada, uma extraordinária aula de cobertura de conflitos. A introdução anterior, com apenas sete páginas, começa com um esclarecimento defensivo: "Este livro não é contra a Força Expedicionária Brasileira, embora documentos e depoimentos apresentados desmintam ou corrijam muito do que se vem dizendo nos últimos quarenta anos sobre a participação na II Guerra Mundial". O desfile de revelações é copioso e surpreendente. Waack conta que, até o dia da entrevista, vários oficiais alemães ignoravam que havia brasileiros (vestindo uniforme de soldado americano) nas tropas contra as quais lutaram. Relatórios sigilosos escancaram restrições de toda ordem feitas por generais ianques aos seus pares sul-americanos. Waack só não conseguiu decifrar um brasileiríssimo enigma: por que os pracinhas apelidaram de Lurdinha a metralhadora alemã que mais temiam? A introdução reeditada, bem mais longa e densa, vai avisando logo na primeira linha que o que se lerá "é uma narrativa de guerra". Ensinamentos exemplarmente encadeados conduzem a uma lição essencial: "O fato de terem lutado num teatro secundário em nada diminui a importância do seu sacrifício, o tamanho do seu sofrimento, sua coragem pessoal. São duas perspectivas completamente distintas, a da participação do indivíduo e a da projeção histórica do acontecimento. É profundamente triste constatar quantos analistas no Brasil não sabem, ou não quiseram, separar uma coisa da outra". É o que fez e faz, numa linguagem de roteiro de suspense, um dos especialistas em cobertura de guerra mais respeitados do mundo. Nada a ver com a síndrome do "comigo ninguém pode". É apenas uma constatação, tão verdadeira quanto a saga da FEB na Itália narrada por William Waack. 7#4 TELEVISÃO – MAIS DEVAGAR COM O ANDOR Para tirar Babilónia da UTI, a Globo alivia suas doses de mau-caratismo — e baixa a bola das velhinhas lésbicas. MARCELO MARTHE No feriadão da Páscoa, o elenco de Babilônia deu o sangue para purgar os pecados da atual novela das 9. Cenas da personagem Alice (Sophie Charlotte) tiveram de ser refeitas às pressas: ela seria uma garota de programa explorada pelo cafetão Murilo (Bruno Gagliasso), mas a trama sofreu uma guinada — agora, Alice se negará a vender o corpo. A mudança, já perceptível no ar, é um dos expedientes com os quais a Globo pretende salvar Babilônia (leia o quadro). De início, a novela acenava com o embate irresistível entre as personagens sem escrúpulos de Adriana Esteves e Gloria Pires, que viveram vilãs memoráveis no passado. Mas a expectativa deu lugar a um clima de bode na sala. O Ibope de Babilônia não raro roçou os 20 pontos em São Paulo. Chegou a dar menos audiência que a novela das 7. Um vexame. A emissora acelerou as pesquisas para entender como a crise se instalou tão rápido. A sondagem com donas de casa apontou que mostrar de supetão o beijo das lésbicas idosas vividas por Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg foi o primeiro detonador da rejeição. Os autores Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga achavam que a tática desarmaria futuras celeumas. Deu-se o contrário. "O choque de ver duas damas sagradas se beijando foi brutal", diz Linhares. A emissora embarcou no beijaço gay bem no momento em que sofria um ataque duplo. De um lado, a Record adoça a boca da audiência evangélica com a novela Os Dez Mandamentos (o apresentador de um telejornal regional da rede, aliás, tachou as duas atrizes de "velhas sem-vergonha"). De outro, o SBT propagandeia a opção "família" oferecida pela reprise da novelinha Carrossel. Não adianta muito protestar contra o conservadorismo: como provou Walcyr Carrasco com o beijo gay de Félix em Amor à Vida, o público poderá até aplaudir uma cena assim se o autor souber preparar o terreno. Nem tudo é culpa do beijo. Falta leveza à novela. Para balancear a maldade de Carminha, Avenida Brasil dispunha do boa-praça Tufão. Na nova novela, o transbordamento de mau-caratismo e cafajestice confere ao conjunto um tom uniforme de cinza. Há maquinações demais e emoção de menos. "Irritadas com o noticiário sobre corrupção, as pessoas — sobretudo as da classe C — querem ver algo menos deprê", diz um noveleiro. Até a fotografia cheia de sombras está mudando para não afugentar o público. "É bizarro: não dá para ver o rosto dos atores", diz outro executivo da emissora. Espera-se que as mudanças surtam efeito até a oitava semana de exibição, prazo crítico a partir do qual a Globo costuma tomar medidas mais duras. Há até quem aposte que a novela possa ser encurtada. Não há flores nos jardins de Babilônia. AJUSTE FISCAL As mudanças que tentarão reverter a crise de audiência de Babilônia Teresa (Fernanda Montenegro) e Estela (Nathalia Timberg) O mal: o beijo do casal de lésbicas, logo na estreia, deflagrou a rejeição à trama. O remédio: os autores juram que o romance não mudará. Mas novas carícias explícitas, nem pensar. Beatriz (Gloria Pires) O mal: a vilã incomoda por seu hábito de devorar homens em série. O remédio: a víbora vai maneirar no sexo - e até se apaixonar. Inês (Adriana Esteves) O mal: é uma invejosa sem causa. O remédio: o segredo que explica sua fixação por Beatriz teve sua revelação antecipada para a semana passada. Alice (Sophie Charlotte) O mal: a exploração da personagem como prostituta tinha potencial para melindrar ainda mais o público. O remédio: em vez de vender o corpinho, ela será convertida em moça batalhadora. 7#5 CINEMA – GRAÇA DIVINA O robô que dá nome ao filme é o único elemento realmente humano de Chappie. Todo mundo tem um livro a escrever, diz um velho aforismo — e é aí mesmo que, na esmagadora maioria dos casos, a conta deveria parar, completou com sua acidez habitual o pensador, ensaísta e crítico literário Christopher Hitchens. Troque-se "livro" por "filme", e o diretor Neill Blomkamp vira uma excelente ilustração dos méritos da advertência de Hitchens: o sul-africano estreou em 2009, aos 30 anos, com uma ficção científica sensacional, Distrito 9, sobre uma comunidade de alienígenas extraviados numa favela de Johannesburgo e vitimados pela miséria, violência e preconceito — uma alegoria óbvia, mas furiosamente contundente, do apartheid. Blomkamp prosseguiu, em 2013, com Elysium, uma alegoria óbvia, mas dessa vez pateticamente esquemática, das divisões entre pobres e ricos. Agora, em Chappie (Estados Unidos/África do Sul/México, 2015), que estreia no país nesta quinta-feira, ele alegoriza suas convicções deterministas por meio do personagem-título, um robô-policial que clandestinamente recebe um programa avançado de inteligência artificial. Chappie "nasce" à semelhança dos seres humanos: não sabe falar e tudo lhe é novo. A velocidade com que ele aprende, porém, é espantosa. Tanto pior que ele tenha sido sequestrado do jovem cientista (Dev Patel) que o inventou e implantou a força policial andróide na violenta África do Sul, e ido parar nas mãos de bandidos que vêem nele possibilidades infinitas para seus fins criminosos. Na companhia deles, o inocente Chappie aprenderá a falar e andar como um marginal, e também a roubar e matar, sem saber que o faz. Não é só que Blomkamp esteja fazendo quase o mesmo filme pela terceira vez — é que o está fazendo pior, como preconizou Hitchens, e com mais crueza. Em Chappie, ela está em interpretações estridentes como a de Hugh Jackman, no papel de um cientista rival que acha que a inteligência artificial é uma abominação que ofende a Deus, ou em atuações imperitas (ainda que entusiasmadas) como as do casal de rappers sul-africanos Ninja e Yo-Landi, os "pais" delinquentes de Chappie. São crus também os paralelos religiosos ("Por que o senhor me deu vida se meu corpo vai morrer?", indaga o robô, com a bateria no fim, a seu criador) e as citações a Frankenstein, Pinóquio e RoboCop — além de muito malpassadas as reflexões sobre as implicações da inteligência artificial. Chappie, contudo, conta com uma certa graça divina: na concepção visual e na interpretação em performance capture de Sharlto Copley, de Distrito 9, o robô encanta, comove, parte o coração com seu desejo de amar e ser amado. É o mais humano de todos os personagens. ISABELA BOSCOV 7#6 VEJA RECOMENDA CINEMA FRANK (INGLATERRA/IRLANDA/ESTADOS UNIDOS, 2014. ESTREIA NO PAÍS NA QUINTA-FEIRA 16) • Jon (Domhnall Gleeson) é um compositor inepto e um músico razoável. Ele acha que tirou a sorte grande ao substituir o tecladista de uma banda — e nem o fato de o sujeito ter tentado se matar na sua frente acende algum sinal de alerta em sua mente. Com um estilo musical inqualificável e o impronunciável nome de soronprfbs (sim, em minúscula), a banda tem como líder e vocalista Frank (Michael Fassbender), que se esconde sempre dentro de uma cabeça de papel machê e não tira sua máscara nem para comer. Entusiasmado, cheio de planos, Jon tenta tornar o som da banda mais palatável e ainda quer levá-la para se apresentar no South by Southwest, festival de música dedicado à comunidade alternativa americana. Frank é a versão indie da antiga história do artista iniciante que busca desesperadamente a fama. Como é próprio do universo das bandas ditas alternativas, as redes sociais têm um papel fundamental: os cômicos percalços de Jon para levar o soronprfbs para o festival são narrados em sua conta no Twitter. Há que louvar a interpretação de Fassbender: ele passa 90% do filme com o rosto oculto dentro do cabeção, e ainda assim é capaz de expressão emocional. TELEVISÃO SILICON VALLEY — A SEGUNDA TEMPORADA (ESTREIA NA SEXTA-FEIRA 17, ÀS 22H30, NA HBO) • Em uma festa à beira da piscina de uma mansão, rola um show barulhento do cantor Kid Rock, mas os convidados permanecem impassíveis. O jovem Richard (Thomas Middleditch) e seus amigos mesclam-se a esse público meio travadão. Todos ali são geeks, os crânios do mundo da tecnologia. E a festa é um retrato da abundância de cérebros e dinheiro que faz a fama do epicentro desse mesmo mundo: o Vale do Silício, na Califórnia. Logo na abertura da primeira temporada de Silicon Valley, o roteirista Mike Judge defendia com brio sua carta de intenções: debruçar-se sobre as criaturas típicas da fauna da alta tecnologia com humor tão abrasivo quanto o das animações que o tornaram conhecido, Beavis & Butt-Head e O Rei do Pedaço. Mas a graça da série é ir além do humor impiedoso. Na pele de figuras como Richard, geniozinho que se revela um empreendedor atrapalhado, os geeks têm seu lado humano iluminado. Depois de viver a glória e a decepção com a criação de um revolucionário algoritmo de compressão de dados, ele agora tentará sacudir a poeira para brilhar de novo. DISCO MONUMENTS TO AN ELEGY, THE SMASHING PUMPKINS (HELLION RECORDS) • O cantor e guitarrista Billy (ou William, como agora pede para ser chamado) Corgan é um sujeito grosseiro e intratável, cujas excentricidades costumam levar à loucura quem se arrisca a trabalhar com ele. Mas é dos melhores nomes surgidos no rock alternativo americano da década de 90. Líder do Smashing Pumpkins, Corgan sabe mesclar os timbres de guitarra típicos de sua geração — marcada pelas distorções sorumbáticas do grunge — às influências mais solares do rock de arena da década de 70. E ainda joga em cima de tudo isso teclados inspirados na agora já velha new wave. Monuments to an Elegy faz parte de uma trilogia ambiciosa chamada Teargarden by Kaleidyscope, composta de 44 canções. Reduzido a Corgan, ao guitarrista Jeff Schroeder e a Tommy Lee, baterista do grupo de metal farofa Mötley Crüe, o grupo apresenta uma coleção de canções de primeira linha. Há desde o rock tradicional (One and All) até brincadeiras com o tecnopop (Being Beige, Drum + Fife). Dorian é uma das melodias mais palatáveis do Smashing Pumpkins desde o hit 1979, até hoje executado em rádios especializadas em flashback. LIVRO VICTUS, DE ALBERT SÁNCHEZ PIÑOL (TRADUÇÃO DE ARI ROITMAN E PAULINA WACHT; ALFAGUARA; 608 PÁGINAS; 69,90 REAIS) • O rei da Espanha Carlos II morreu sem descendentes, em 1700. Precipitou-se então uma dessas longas e intrincadas disputas dinásticas europeias, opondo de um lado a casa de Bourbon, da França — que venceria a parada —, e, do outro, a Áustria. O antropólogo espanol Albert Sánchez Piñol usa esse cenário histórico para construir uma vigorosa peça de ficção. Victus centra-se sobretudo no cerco de Barcelona, cruento episódio da fase final da Guerra de Sucessão, em 1714. Com uma pesquisa detalhista, Pinol discorre sobre técnicas de fortificação para resistir a cercos ou sobre como se faziam cargas de cavalaria no século XVIII. Mas o melhor do livro é a voz narrativa que Pinol encontrou: a história é contada, na velhice, por Marti Zuviría, dileto aluno de um engenheiro militar francês que luta ao lado dos catalães — mas que anuncia já de início que será um traidor da causa. Com mais de 250.000 exemplares vendidos na Espanha, este é um romance ágil, aventuresco e com irresistível humor até na descrição dos horrores da guerra. DVD A ENTREGA (THE DROP, ESTADOS UNIDOS, 2014. FOX/SONY) • Bob (Tom Hardy) é um sujeito quietão, tão hábil em sumir na paisagem que nenhum dos frequentadores do bar de seu primo Marv (James Gandolfini, em seu último trabalho) suspeita nele alguma inteligência — o que vem a calhar, já que a máfia chechena que tomou de Marv o bar usa o local para trocas de dinheiro, e não se trata do tipo de gente cuja atenção convém chamar. Em uma noite, porém, andando em sua vizinhança, Bob encontra um filhote de pit buli na lata de lixo de uma casa; Nadia (Noomi Rapace), a dona da casa, não quer o cão, mas ensina Bob a cuidar dele — e a partir daí se precipitará uma onda de violência. O diretor belga Michaêl R. Roskam, do formidável Bullhead, é um mestre da tensão, da textura e das maneiras intangíveis com que vidas separadas podem se conectar. É também um excelente diretor de atores, e sabe escolhê-los: Hardy e Gandolfini estão espetaculares (como sempre), Noomi é uma surpresa e Matthias Schoenaerts mostra por que foi tão falado em Bullhead e Ferrugem e Osso. Dennis Lehane, autor do roteiro e do conto em que ele se baseia, completa os créditos. 7#7 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 2- Se Eu Ficar. Gayle Forman. Novo Conceito 3- Convergente. Veronica Roth. ROCCO 4- Divergente. Veronica Roth. ROCCO 5- Para Onde Ela Foi. Gayle Forman. NOVO CONCEITO 6- Cinquenta Tons Mais Escuros. E.L. James. INTRÍNSECA 7- Insurgente. Veronica Roth. ROCCO 8- Cinquenta Tons de Liberdade. E.L. James. INTRÍNSECA 9- Cinquenta Tons de Cinza. E.L. James. INTRÍNSECA 10- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA NÃO FICÇÃO 1- Nada a Perder 3. Edir Macedo. PLANETA 2- Eu Fico Loko. Christian Figueiredo de Caldas. NOVAS PÁGINAS 3- Elis Regina — Nada Será Como Antes. Julio Maria. MASTER BOOKS 4- Bela Cozinha: As Receitas. Bela Gil. GLOBO 5- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 6- Sniper Americano. Chris Kyle. INTRÍNSECA 7- A Teoria do Tudo. Jane Hawking. ÚNICA 8- Sonho Grande. Cristiane Correa. PRIMEIRA PESSOA 9- O Capital no Século XXI. Thomas Piketty. INTRÍNSECA 10- Dulce Amargo – Lembranças de uma Adolescente. Dulce María. UNIVERSO DOS LIVROS AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Philia. Padre Marcelo Rossi. PRINCIPIUM 2- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 3- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 4- O Poder da Escolha. Zibia Gasparetto. VIDA & CONSCIÊNCIA 5- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 6- Geração de Valor. Flávio Augusto da Silva. SEXTANTE 7- O Livro do Bem. Ariane Freitas e Jessica Grecco. GUTENBERG 8- De Volta ao Mosteiro. James Hunter. SEXTANTE 9- O Código da Inteligência. Augusto Cury. SEXTANTE 10- 60 Dias Comigo. Pierre Dukan. BEST SELLER 7#8 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – TRÊS MINEIROS E UMA MINEIRA A data de 21 de abril marca três aniversários que, por sua vez, evocam três mineiros. O 21 de abril que se aproxima assinala o 223º aniversário da morte de Tiradentes, o 55º da fundação de Brasília, obra magna do segundo dos nossos mineiros, Juscelino Kubitschek, e o trigésimo aniversário de morte de Tancredo Neves, o terceiro. São aniversários e mineiros que se entrelaçam e conduzem uns aos outros. JK escolheu o Dia de Tiradentes para inaugurar Brasília. Disse, naquele dia: "Neste 21 de abril — consagrado ao alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, no 138º ano da Independência e 71º da República — declaro, sob a proteção de Deus, inaugurada a cidade de Brasília, capital dos Estados Unidos do Brasil". Tancredo invocou Tiradentes, "aquele herói enlouquecido de esperança", no discurso de presidente eleito. Conheceu a tragédia de não tomar posse, mas recebeu do Anjo das Sublimes Coincidências o favor de morrer no Dia de Tiradentes. Os três mineiros têm em comum encarnarem momentos de esperança na história do Brasil. Do Tiradentes real não se conhece o rosto. Isso não impediu que, a partir da propaganda republicana, começasse a inspirar rica iconografia, provavelmente a maior de um personagem da história do Brasil. Os retratos eram "supositícios", como se diz dos traços apenas supostos. Curioso é que, ao lhe conferirem barba, longos cabelos e, por vezes, olhar beatífico, apoiavam-se em Jesus Cristo, cujos retratos são também supositícios. O rosto de Tiradentes é um supositício do supositício. Mas a ideia de identificá-lo a Cristo não foi casual. Invocava o martírio — mas, também, a esperança da ressurreição. No primeiro 21 de abril que foi feriado, em 1890 (cinco meses depois da proclamação da República), organizou-se no Rio de Janeiro uma procissão com início na Cadeia Velha (hoje Palácio Tiradentes, onde o herói esteve preso), passagem pelo antigo Largo do Rossio (agora rebatizado de Praça Tiradentes, onde foi enforcado) e término no Palácio Itamaraty, escolhido para sediar o novo governo. Como nota o historiador José Murilo de Carvalho, aos locais da paixão sucedia-se o da ressurreição, diante da sede da recém-nascida República. JK é o único presidente brasileiro que entra em cena com fundo musical. A alegria do Peixe Vivo saúda seu sorriso — nenhum presidente sorriu tanto, no exercício do mandato. Brasília, a marcha para o oeste e o novo surto industrialista eram teias do sonho que se complementava com o clima eufórico de bossa nova, Cinema Novo e a primeira vitória numa Copa do Mundo. "O futuro era para amanhã de manhã", disse o cineasta Caca Diegues ao biógrafo de Juscelino, Cláudio Bojunga. "O Brasil estava à nossa frente, tinha-se de correr atrás dele." Tancredo, por estilo e temperamento, era o oposto de JK. Ao arrojo e à pressa de um opunham-se a prudência e a matreirice do outro. Com tais armas, em parceria com o estilo mais audaz de Ulysses Guimarães, Tancredo foi crucial tanto no solapamento da ditadura militar quanto na edificação de uma alternativa. Os anos PT têm enfatizado o papel da luta armada na resistência à ditadura. Uma primeira mistificação é identificá-la com a luta pela democracia; era por outra ditadura. Uma segunda é atribuir-lhe relevância no desmonte do aparato ditatorial; antes, fortaleceu-o e exacerbou-o. De real eficácia, além de democrática de verdade, foi a resistência de políticos da cepa de Tancredo e Ulysses. Na brecha representada pelas eleições parlamentares, uma oposição a princípio miúda cresceu a ponto de tirar o chão ao reinado dos generais. Em seu último livro, o cientista político Bolívar Lamounier usa a fórmula "redemocratização pela via eleitoral" para caracterizar o fenômeno; as vitórias oposicionistas se sucederam, acrescenta, até "encantoar o regime em seu último reduto, o Colégio Eleitoral". Foi ali que Tancredo se sagrou vitorioso. Nesse paradoxal palco, nasceu a esperança de uma Nova República. ____________________________ A mineira do título o leitor sabe quem é, e impõe-se um pedido de desculpas antes de introduzi-la. Perdão, presidenta, e o presidenta lhe vai como compensação, antes da crueldade de contrapô-la aos três conterrâneos. Com Tiradentes ela compartilha um passado de prisioneira, mas sem o sinal de que ao sofrimento se seguirá a ressurreição. O sorriso de JK enfatiza-lhe, por contraste, a fisionomia fechada, e a habilidade de Tancredo sublinha-lhe a falta de jeito. Para culminar, à esperança inspirada pelo trio de mineiros cujos destinos se entrecruzam no 21 de abril contrapõe-se o desalento deste início de segundo mandato.