0# CAPA 12.11.14 VEJA www.veja.com Editora ABRIL Edição 2399 – ano 47 – nº 46 12 de novembro de 2014 [descrição da imagem: foto do rosto da presidente Dilma, mão esquerda apoiando a cabeça, na posição do queixo, sendo que o dedo médio está na altura do lábio, puxando o canto do lábio para cima. O olhar da presidente está para baixo. Posição de pensamento ou tristeza.] – Dilma Rousseff na quarta-feira passada no Palácio do Planalto. A SOLIDÃO DA VITÓRIA Sem saber o que fazer na economia, pressionada pelo PT e esnobada pelos aliados, a presidente se isola no palácio. [outros títulos: parte superior da capa] CLIMA LOUCO Sem contestação desta vez, a ciência diz que os culpados somos nós. SMARTPHONES Samsung e Apple na luta pelo seu dinheiro no Natal. ESTADOS UNIDOS Os eleitores americanos dão a Obama um sonoro NÃO nas urnas. ______________________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# INTERNACIONAL 5# GERAL 6# ARTES E ESPETÁCULOS _________________________________ 1# SEÇÕES 12.11.14 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – NOSSA VITÓRIA NAS ELEIÇÕES 1#3 ENTREVISTA – LIGIA KOGOS – ETERNA ENQUANTO DURE 1#4 CLAUDIO DE MOURA CASTRO – CIÊNCIA SEM COM FRONTEIRAS 1#5 MAÍLSON DA NÓBREGA – CENÁRIOS PARA O SEGUNDO MANDATO 1#6 LEITOR 1#7 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM É POSSÍVEL UMA VIAGEM INTERESTELAR? No filme Interestelar, tempestades de areia cobrem o mundo de pó, e a única solução é buscar em algum lugar do universo um novo planeta para habitarmos. Nessa jornada pela galáxia, o filme junta à ficção a mais séria ciência atual. "A boa ficção científica faz isso: chega ao limite do que conhecemos para propor mundos alternativos", diz Douglas Galante, pesquisador do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas. Ao site de VEJA, especialistas em física e astronomia explicam a ciência que sustenta o filme e contam se, um dia, poderemos morar em outro planeta. PARA QUE SERVE A ESCOLA? Ninguém discorda de que é papel da escola transmitir os conhecimentos imprescindíveis ao desenvolvimento do indivíduo e, por tabela, do país. Para o estudioso João Batista Oliveira, contudo, a missão vem sendo esmagada no Brasil por políticas interessadas em propagandear números grandiosos e por ideologias cujo interesse passa longe da educação. O resultado é o fracasso do ensino no país. "Perdemos a noção da função social da escola", diz Oliveira. Em entrevista ao site de VEJA, ele fala sobre o tema, assunto de seu novo livro, Repensando a Educação Brasileira. TROCA DE ALIANÇAS O casamento de Suzane von Richthofen com Sandra Regina Ruiz Gomes, condenada a 24 anos de prisão pelo sequestro seguido de morte de um adolescente, expõe a intrincada rede de alianças por poder e proteção dentro de um presídio. Condenada pela morte dos pais, Suzane se apoia na liderança da companheira, que tem status de chefe de cela, para se proteger das demais criminosas. Reportagem no site de VEJA mostra como funciona o jogo da sobrevivência atrás das grades. NETFLIX, A REVOLUÇÃO JÁ COMEÇOU No último mês, o serviço de streaming anunciou uma saraivada de projetos: a continuação de O Tigre e o Dragão, quatro filmes com Adam Sandler, séries épicas, infantis e até uma romântica. No mesmo período, a HBO e a CBS anunciaram serviços rivais. As reações são um sinal dos tempos: indício da reconstrução que o Netflix, com mais de 50 milhões de assinantes no mundo, está impondo ao mercado de entretenimento. Reportagem do site de VEJA conta a história do vídeo on demand e aponta como devem ficar o consumo e o mercado de produtos audiovisuais nos próximos anos. 1#2 CARTA AO LEITOR – NOSSA VITÓRIA NAS ELEIÇÕES VEJA On-line deu um salto de audiência na campanha eleitoral. O fenômeno foi motivado pela cobertura imediata, inteligente e intensiva dos fatos pelos jornalistas do site, por sua análise pelos convidados de TVeja, a televisão de VEJA na internet, e pelo serviço Memória Cívica, que dá aos eleitores a possibilidade de fazer marcação individual sobre os deputados federais e senadores que elegeram. Os repórteres do site fizeram a cobertura diária das três principais candidaturas e viajaram pelo Brasil para não perder de vista os presidenciáveis e acompanhar as disputas estaduais. VEJA On-line superou em outubro a marca de 21 milhões de unique visitors, medição de audiência que aponta o número de pessoas que nos visitaram pela internet. A opinião lúcida e decidida de nosso grupo de colunistas deu consciência e vigor à cobertura. A audiência dos colunistas é medida por outro método, computando-se cada visita às páginas, mesmo que uma mesma pessoa volte ali diversas vezes. Reinaldo Azevedo, o mais influente colunista da internet brasileira, teve 115 milhões de visitas em outubro, destacando-se em um time que tem Lauro Jardim, redator-chefe de VEJA e editor do Radar on-line, que chegou a 7 milhões, Augusto Nunes, 5 milhões, e Ricardo Setti, 4 milhões. O que torna esse fenômeno ainda mais significativo é o fato de que cada um dos colunistas atrai um público próprio, com uma sobreposição mínima. Juntos, eles oferecem um painel completo com notícias exclusivas, análises, críticas e a interação mediada das mensagens dos leitores. Ancorada pela jornalista Joice Hasselmann, TVeja nas Eleições teve uma grade fixa com entrevistas, comentários e debates, encerrando o período de eleições com 6,4 milhões de visitas, marca altamente significativa para uma área do site que fez sua estreia há pouco mais de dois meses. Em 2015, VEJA vai continuar inovando e surpreendendo seus leitores em sua versão digital na internet, nos tablets e nos smartphones. Vale a pena acompanhar. 1#3 ENTREVISTA – LIGIA KOGOS – ETERNA ENQUANTO DURE E vai durar muito, se depender da dermatologista que cuida da beleza de famosos e anônimos com uma profusão de injeções mágicas e não faz questão de saber a idade deles. Mexer ou não mexer? Quem cruza o saguão da clínica da médica Lígia Kogos certamente já fechou com a primeira opção e não está em busca de resultados modestos. Considerada a papisa do Botox no Brasil, ela se orgulha em dizer que seu centro de dermatologia, em São Paulo, é o segundo no mundo que mais aplica o produto em pacientes. Ela também faz preenchimentos exuberantes e passa receita de fórmulas para a pele até em guardanapos de restaurante. Tem uma agenda com cerca de 50.000 nomes e já atendeu ou continua a atender a rainha Silvia, da Suécia, o jogador Kaká, a ex-primeira-dama francesa Carla Bruni e o apresentador Amaury Jr. Aos que consideram suas intervenções exageradas, especialmente nas bocas sobrenaturalmente infladas, ela responde: "Estou aberta a críticas, mas só faço nas clientes o que teria coragem de fazer em minha própria mãe". De presença impactante e linguagem cheia de diminutivos, essa paulistana que não revela idade, peso, altura nem nenhum outro detalhe inútil não se deixa ver sem maquiagem nem pelo marido e, desde os 13 anos, só usa salto alto. Ela também pediu para não ser chamada de senhora na entrevista. O tratamento foi mantido para seguir a padronização de VEJA, mas os leitores estão autorizados a eliminar mentalmente essa palavra horrível. Como faz para frear desejos de pacientes que considera exagerados? Mulher, quando cisma que quer fazer algo, não adianta só falar que não vai ficar bom. Tenho algumas técnicas, porque gosto de atuar no comportamento das pacientes também. Chegam muitas aqui contando que querem se separar e fazer um monte de coisas no rosto para rejuvenescer, porque o marido as traiu com uma garota de 20 e poucos anos. Eu falo: "Para que separar? Vai dar um trabalhão. Você ainda estava rindo das piadas do seu marido? Se não, volte a rir, não se separe, e eu vou fazer umas coisinhas no seu rosto". É verdade que a senhora aplica Botox até no manobrista da sua clínica? É, e o senhor Francisco não fica mais sem Botox. A minha clínica é diferente daquelas casas em que os patrões comem uma comida e os empregados outra. Para que minhas funcionárias trabalhem com gosto, elas têm de poder passar pelos mesmos tratamentos que as clientes passam. Uma de minhas atendentes em quem aplicamos Botox já foi eleita a mulher mais bonita da igreja evangélica que frequenta. Ficamos emocionados. Quais são os usos menos conhecidos do Botox? Em mulheres de origem oriental que querem deixar os olhinhos mais arredondados. Colocamos duas gotinhas embaixo dos olhos e eles se abrem um pouquinho. Além disso, ginecologistas o usam em jovens recém-casadas que, por medo, tencionam os músculos da região vaginal e, por isso, não conseguem ter relações. Com o Botox, a área fica menos tensionada e elas vão se acostumando com a penetração. Também é aplicado na bexiga, naqueles casos em que a pessoa, homem ou mulher, não consegue mais controlar sua função. As mulheres estão exagerando na busca por um rosto perfeito? Se existe algum exagero, a culpa não é das pacientes, é dos médicos. Elas não têm culpa de querer parecer mais novas. Somos nós que temos de filtrar o que será bom e não ficará caricato. Por que, então, existem críticas aos lábios exagerados de algumas de suas clientes? O que muita gente não sabe é que a maioria das minhas pacientes não é virgem de tratamento. Como a clínica é muito conhecida, elas vêm fazer correções, depois de quatro, cinco procedimentos anteriores. E muitas vezes não dá para consertar. Por fim, é claro que a falha em alguns casos pode ter sido minha. Nós, médicos, temos de estar abertos a críticas. Levo muito em consideração a opinião dos homens. Eles são menos vulneráveis a modismos estéticos. Se eles acham que fiz alguma coisa feia, é bom eu pensar no assunto. A senhora é famosa, em especial, por esculpir bocas femininas. Por que se concentrou nessa parte do corpo das mulheres? Eu adoro boca. É muito gostosa a sensação de aplicar o preenchimento nos lábios de uma mulher e ver o contorno se desenhando. Sempre me chamou muito a atenção o mau trabalho que era feito nas bocas. Uma boca feia é aquela que, de tão aumentada na parte superior, faz com que o lábio fique pesado e caia. Essa queda produz uma grande distância entre a base do nariz e o arco de cupido, como chamamos a curva central do lábio superior, que é uma característica típica de mulheres mais velhas. A boca jovem e a boca com preenchimento benfeito têm a mesma característica: parecer, de perfil, com uma flor desabrochando. Eu cuido muito da minha. Desde pequeno, nunca deixei meu filho me ver sem um batonzinho. Sempre quis que ele achasse que eu tinha os lábios naturalmente rosados. O que é considerado um rosto feminino bonito hoje? O que mantém ou resgata duas características básicas da juventude: o volume na parte superior, nos malares, e o contorno da inferior. Além disso, aquele que atrai os homens sexualmente. É por esse motivo que as mulheres inflam os seios e a boca. Lábios cheios transmitem ao mesmo tempo uma impressão de ingenuidade e de voluptuosidade. Também sugerem a correlação com outra estrutura anatômica da mulher, mais íntima. Hoje em dia, mulheres do mundo todo imitam exaustivamente os lábios de Angelina Jolie, Kim Kardashian e Scarlett Johansson. Lábios finos já tiveram a sua vez. Antigamente, bocas carnudas estavam relacionadas a etnias primitivas, a origens menos aristocráticas. Mona Lisa é considerada uma mulher de grande beleza e tem lábios finos. Faces rosadas demais, na Inglaterra do século XIX, estavam associadas a camponesas que tivessem de trabalhar. Então, o ideal era ser branca. Nos anos 1930, mademoiselle Chanel lançou a moda da mulher bronzeada, que jogava tênis, e todo mundo correu para o sol. Qual tratamento oferecido pela dermatologia evoluiu mais recentemente? O rejuvenescimento na área dos olhos. Hoje, graças a novos materiais, é possível acabar com as olheiras em vinte minutos. Entramos com uma agulha finíssima, de ponta redonda, na lateral das têmporas e vamos com ela até o canto interno dos olhos. Lá, no sulco chamado de caminho da lágrima, aplicamos o preenchimento. Ele infla a região da olheira e acaba com aquele plexo azulado. Parece dolorido, mas não é. Existem muitas diferenças no tratamento de clientes famosos? Tenho um código de conduta entre os funcionários. Eles são proibidos de pedir às celebridades que os adicionem no Facebook e dar chilique. Um dia, quando Hebe Camargo ainda estava entre nós, um representante de laboratório passou mal ao vê-la. Ela, de casaco de visom, calça jeans justa e cheia de brilhantes, correu para acudi-lo. Ele passou mal de novo. Paulo Maluf, certa vez, entrou pela lateral da clínica, para não ser visto e, por uma falha nossa, foi dar numa sala onde uma moça seminua descansava depois de um procedimento. Foi então que deparei com a seguinte cena: ele estava se desculpando, beijando a mão da moça, que, encoberta com um lençol, feito uma Vênus, dizia: "Imagine, doutor Paulo, minha família toda vota no senhor". Carla Bruni a procurou para dar uma rejuvenescida? Não. Foi antes de se casar com Nicolas Sarkozy. Ela tem o rosto muito claro e delicado, e o sol do verão brasileiro o maltratou um pouquinho, provocando brotoejinhas. Apliquei cremes calmantes na face e no colo. Fiquei muito impressionada. Ela se portava de modo diferente das mulheres de sua idade. Sentava-se sempre de joelhos unidos, sem arrastar a cadeira, e inclinava a cabeça de lado para falar. Meu marido veio comigo ao consultório só para vê-la entrando. Ficou bobo com a beleza dela. A rainha Silvia também é muito educada e agradece profusamente por tudo. Veio aqui pela última vez há uns quatro anos. O que faz, habitualmente, por sua própria beleza? De manhã, lavo o rosto com água quente, que causa vasodilatação e tira um pouco da palidez. Depois, passo adstringente de álcool de cereais, que purifica a pele. Em seguida, aplico hidratante à base de estrógeno, o hormônio feminino, que tem grande poder de aumentar o colágeno da pele. Então, vem a hora de que mais gosto, que é a de me maquiar. Até hoje, eu me pinto como as amigas árabes da minha mãe, com traço do tipo gatinho nos olhos. A mulher não devia nunca abandonar o hábito de se olhar no espelho de manhã e inventar uma personagem para brincar durante o dia. A minha é uma mulher que quer ser protegida e tem uma beleza que encanta. É verdade que atravessa noites atendendo pacientes? Há dias que a clínica fica aberta até as 2 da manhã. Vou atendendo e não tenho ideia se é dia ou se é noite. E, quando saio para jantar, é comum as pessoas me pedirem receita para elas e para parentes que moram longe. Gosto tanto do que faço que não me incomodo em atender a um pedido de alguém que não conheço. Passo a receita em guardanapo mesmo. Ouvi dizer que tem farmacêutico que, quando vê alguém chegando com guardanapo na mão, já sabe que é fórmula da Ligia Kogos. A senhora não revela a idade, mas precisa saber quantos anos têm as pacientes? A pergunta sobre idade está dentro de um espaço no formulário inicial em que as respostas são opcionais. Muitas pacientes simplesmente não respondem. Outro dia, entrou na minha sala uma senhora toda arrumadinha e disse: "Doutora, não fique brava porque eu não coloquei a idade. É que eu queria que a senhora me visse antes. Eu tenho 81 anos, mas, se eu escrevo, a senhora já faz uma ideia decrépita de mim". Hoje, muitas mulheres têm filhos aos 40 anos. Mas é preciso buscar esses filhos na escola. E é preciso não parecer a avó deles. Isso não é futilidade. Incomoda-se de dizer o que já fez no próprio rosto? Eu prefiro o mistério. Minha mãe nunca contou ao meu pai que tinge o cabelo. Até hoje, ela liga para mim e fala: "Hoje vou ao cabeleireiro fazer aquilo". Sou assim também. Sempre digo que o Botox benfeito é o secreto. Aquele que não deixa pistas, como expressão dura e nariz franzido de coelhinho. As mulheres hoje chegam a qualquer festa e dão a ficha completa do que fizeram no corpo: contam que estão "botocadas" e que colocaram não sei quantos mililitros de silicone. Tem coisa mais vulgar que mulher que fala "Esse peito é meu porque comprei"? Também detesto palavrão. Aliás, eu nem sei que eles existem. Muitas vezes, vêm mulheres aqui e falam: "Ligia, dá uma olhada nas celulites da minha...". Aí, eu respondo: "Claro, vamos olhar o seu bumbum''. Faz parte do meu show. O que a atriz Renée Zellweger fez no rosto, que provocou tantos comentários? De grande, foi uma cirurgia nos olhos. O que acontece é que são poucos os cirurgiões que conseguem fazer a blefaroplastia sem deixar os olhos arredondados. E ela tinha olhos puxadinhos. Além disso, Renée emagreceu muito e suas bochechas, que eram altas, desceram. Ela deveria tê-las levantado. Julia Roberts diz que não fez nada, mas ela fez, sim. A diferença é que ela é esperta e não conta. Esse tipo de informação só devemos tratar com o ginecologista, o dermatologista e, vá lá, o psiquiatra. Qual foi um exemplo típico de erro cometido em massa por médicos e pacientes recentemente? Em 2000, houve um boom de jovens mulheres fazendo lipoaspiração na região dos quadris para ficar com uma silhueta mais reta. A ideia era transformar a figura da mulher em uma adolescente. Era um visual estranho, porque essas mulheres ficavam com bustos grandes, de silicone, magras e retas. A onda durou uns três anos. Essas mesmas mulheres hoje estão fazendo intervenções na mesma região para conseguir de novo o delta entre cintura e quadris. Fizeram procedimentos desnecessários. 1#4 CLAUDIO DE MOURA CASTRO – CIÊNCIA SEM COM FRONTEIRAS [nota: a palavra “sem”, está riscada ao meio] claudiodmouracastro@positivo.com.br Conversavam dois membros da comissão de revalidação de diplomas de engenharia, de uma universidade brasileira séria. Espantavam-se com a burrice do sistema. Dadas as regras, eles teriam de reprovar os próprios diplomas, se fossem submetidos à revalidação. Isso porque, em vez de buscarem correspondência com os currículos mínimos do MEC, as regras internas mandam que se faça comparação com o currículo vigente. Se recebessem currículos de engenheiros graduados da Caltech, MIT, Carnegie Mellon, Tecnológico de Zurique ou Imperial College, as mais celebradas escolas nesse campo, eles teriam de negar a revalidação. Engenheiros da Universidade de Illinois, com seus 22 prêmios Nobel, prestam hoje assistência técnica a esse mesmo departamento. Se submetessem a esses dois senhores seus diplomas para revalidação, seriam rechaçados. Há boas razões para não revalidar diplomas de qualquer universidade estrangeira. Em países cujo ensino superior é mais frágil do que o nosso, há cursos mais fracos do que os piores daqui. Mesmo países sérios oferecem, só para estrangeiros, cursos improvisados. Há arapucas de fim de semana e outras concebidas para ludibriar a legislação brasileira. Se há suspeição, impõe-se uma avaliação rigorosa, caso a caso. Mas por que não aceitar quase automaticamente os diplomas das 500 melhores universidades do mundo? Ou a lista das universidades cujos diplomas são aceitos dentro da Comunidade Europeia? Ou os procedimentos simplificados adotados por alguns países? Como está, diplomados de cursos amplamente melhores do que os nossos são submetidos a critérios burros, são tratados com má vontade e é glacial a velocidade de avanço da papelada dentro da burocracia. Inexistem regras comuns e claras, prazos razoáveis e remuneração para quem faz o trabalho. Segundo o Itamaraty, "o processo de revalidação de diplomas tem se mostrado moroso, em prejuízo (...) dos cidadãos (...) e dos setores econômicos". Nos 22 países examinados pela sua pesquisa — exceto a Espanha —, o processo é mais rápido ou mais simples do que o nosso, sendo o prazo máximo de dois ou três meses. Triste é falar das dificuldades de obter visto de trabalho para estrangeiros que trazem experiência e conhecimento que não temos — em contraste com os estímulos oferecidos pelo Canadá e Austrália. É de desanimar. Intenções de melhorar o sistema não faltam. Mas a equação política é maldita. Se a maioria é mornamente a favor, mas há uma minoria aguerrida que se opõe, sabemos o que vai acontecer, seja com revalidações ou quaisquer outras mudanças de regras. A maioria não briga. Pode até resmungar, mas engole. Alguns ministros mostraram boas intenções, mas não ousaram arrostar os representantes mais venenosos do seu rebanho. No caso, professores universitários e sindicatos. Passa o tempo e o sistema não muda. Em contraste, abundam movimentos sub-reptícios para criar atalhos e regras ad hoc para revalidar automaticamente diplomas de certos países e de cursos de fim de semana, muito piores do que os nossos. Poderemos facilmente chegar à situação paradoxal de ver revalidados diplomas de "quase médicos" e o engenheiro do MIT não conseguir a mesma façanha. No fundo, parte do problema é a velha reserva de mercado. Para quem já está dentro, o ferrolho da lei é um maná dos deuses. Para o país, uma perda. O ensino privado também ama as proteções legais. Um arquiteto brasileiro ganha uma bolsa da própria universidade, para fazer um mestrado em Cornell, cotada entre as dez melhores escolas de arquitetura dos Estados Unidos. Já obteve dois prêmios nacionais. Recentemente, a revista Wallpaper incluiu um projeto dele como um dos vinte assinados por arquitetos jovens. Mas, como seu mestrado não foi revalidado, a universidade cancelou a oferta de uma posição docente, mesmo considerando que o MEC não exige mestrado ou doutorado de todos os professores. O programa Ciências sem Fronteiras é um corajoso e notável avanço na contramão disso tudo. Mas lidou com a ida, não com a volta dos bolsistas. Nossa ciência é com fronteiras. CLÁUDIO DE MOURA CASTRO é economista 1#5 MAÍLSON DA NÓBREGA – CENÁRIOS PARA O SEGUNDO MANDATO Aventuro-me a construir três cenários para o segundo mandato da presidente Dilma. O primeiro, otimista, pressupõe uma reviravolta. Implica rever convicções, abandonar a fracassada política econômica, escolher nomes respeitados para a equipe econômica e aprovar reformas. Requer eliminar a contabilidade criativa nas contas públicas e ser transparente nos subsídios. Inclui restaurar a autonomia do Banco Central e o papel do Itamaraty na política externa. Demanda, além disso, nova abertura da economia e outras medidas para aumentar a produtividade. O resultante choque de credibilidade restauraria a confiança na economia. Tudo isso contribuiria, enfim, para a rápida elevação do potencial de crescimento. O segundo cenário — francamente pessimista — considera manutenção do estilo centralizador, preservação da política econômica e continuidade da excessiva intervenção na economia. Nele, insiste-se nas desonerações tributárias seletivas e nos subsídios em favor de certos setores. A inflação não sai de controle, embora permaneça muito alta. Piora a já delicada situação das contas externas. O Brasil perde a classificação de grau de investimento, tornando mais difícil e mais cara a captação de recursos externos. O potencial de crescimento cai para 2% ao ano ou menos. O desempenho do PIB fica bem abaixo da média anual de 1,6% do primeiro mandato. Pode ocorrer uma crise de confiança. O terceiro cenário, um meio-termo, inclui o rebaixamento da classificação de risco do país pelas duas agências que ainda não o fizeram. Nas três agências, mantém-se o grau de investimento, mas a apenas um degrau da perda. O país não envereda por caminhos perigosos como os da instabilidade típica da Argentina ou da desesperança presente na Venezuela. Não haverá colapso da economia nem o PT assumirá hegemonia como a do Partido Revolucionário Institucional (PRI) do México, que ficou setenta anos no poder e legou más heranças, das quais esse país tenta há tempos se livrar. A base desse cenário são instituições fundamentais que podem evitar consequências de más escolhas políticas. Trata-se de um conjunto formado por democracia consolidada, Judiciário independente (ao menos na maior parte dos tribunais superiores), sociedade de classe média e intolerante à inflação, mercados financeiros sofisticados e integrados aos fluxos financeiros globalizados e imprensa livre e independente. Esse conjunto emite "alarmes de incêndio" de distintas origens que são disparados pelo trabalho de jornalistas, por uma piora da avaliação de riscos no mercado financeiro e pela mobilização da opinião pública contra a má gestão do governo. A exemplo de países avançados, as instituições brasileiras não garantem a escolha dos melhores líderes, mas limitam a permanência dos maus governos por muito tempo. Essas instituições podem, todavia, desmoronar e assim confirmar o temor de muitos segmentos, qual seja o de entrarmos no desastroso clube dos chamados países bolivarianos. O gatilho seria a aprovação de lei sobre o "controle social da mídia", um disfarce para a censura com a qual sonham alas radicais do PT. O canal que aciona os "alarmes de incêndio" seria obstruído. Até agora, essa ameaça tem sido bloqueada pela ação da imprensa e de outros formadores de opinião, entre os quais o Congresso. Novas tentativas, ocultas sob o manto de "regulação econômica da mídia", muito provavelmente disparariam reações, inclusive movimentos de rua, que impediriam a aprovação da medida. É baixo, pois, o risco de entrarmos no clube. Muitos dos que não votaram na candidata Dilma podem ter a esperança de que a renovação do seu mandato seja estímulo para que ela também se renove. Que se revele uma líder com humildade para reconhecer erros e coragem para rejeitar as ideias econômicas equivocadas dela e de seus companheiros. Que mostre habilidade para usar os recursos políticos de que dispõe em prol de um círculo virtuoso de reformas, e de ganhos de produtividade e crescimento. O PIB alcançaria patamares mais elevados de expansão. Os níveis de bem-estar aumentariam, em favor de todos, particularmente dos menos favorecidos. Oremos. MAÍLSON DA NÓBREGA é economista 1#6 LEITOR OS ATAQUES AO JUIZ DO PETROLÃO O Brasil precisa de magistrados com a estirpe de Sérgio Moro: corajoso, probo, trabalhador e compromissado com a nobre missão de julgar ("Agora, querem destruir o juiz", 5 de novembro). Sua conduta nesse inquérito causará indignação aos crápulas que se locupletam à custa do Erário, mas será motivo de orgulho para sua família e as pessoas de bem deste país. Vá em frente. Não se intimide com as ameaças nem com as representações contra sua pessoa no Conselho Nacional de Justiça. O exercício da magistratura requer coragem. O Brasil precisa de um Judiciário forte e comprometido com a celeridade processual. Um Judiciário fraco só interessa aos facínoras que tentam amordaçar a imprensa e àqueles que pregam a ditadura do proletariado, que tanto mal fez à humanidade. LUIZ TADEU BARBOSA SILVA Desembargador do TJMS Campo Grande, MS Ao ler a reportagem de VEJA, fiquei com a clara sensação de que já vi esse filme e não gostei do final. Basta observar a enorme pressão exercida sobre o ex-ministro Joaquim Barbosa, que, mesmo após sua aposentadoria do STF, continua sendo perseguido. Até quando a sociedade permitirá que servidores públicos honestos, talentosos e cumpridores dos seus deveres sejam perseguidos e enlameados por essa quadrilha que envergonha a nação? LUIZ GUSTAVO BARBOSA DAMÁSIO Olinda, PE É só estourar um escândalo que envolve figurões da República, e o butim rapidamente chega à casa dos milhões de reais. Logo entra em campo a milionária seleção canarinho de advogados. O escrete, data venia, já deu as caras mostrando que tática usará no chamado petrolão: livrar quem roubou e tentar prender o julgador. Parece absurdo, mas, como vivemos no país dos absurdos, o juiz Sérgio Moro que se cuide. HOMERO VIANNA JR. Niterói, RJ Digníssimo juiz Sérgio Moro, não se intimide. Faça o seu trabalho com correção e entre para a história do país. Homens como você fazem a diferença e nos dão esperança de dias melhores. CÉLIA R.B. PUTINI São Paulo, SP Políticos e bandidos colarinhos-brancos tentam, através de seus advogados, desqualificar o juiz Sérgio Moro, mas a espada da Justiça fará a degola. RENATO MENDES PRESTES Águas Claras, DF Fui aluna de Sérgio Moro na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná e compreendo a preocupação dos acusados de participar da corrupção na Petrobras em tentar neutralizá-lo: por ele ser experiente, profundo conhecedor do processo penal, obstinado pelo trabalho, simples, honesto e incorruptível — ou seja, detentor de características que culpados não apreciam em um juiz que conduza um processo contra eles. Especialmente neste momento histórico, no qual a nação brasileira clama nas urnas e nas ruas pelo fim da impunidade da corrupção, um eventual afastamento de Sérgio Moro do comando da Operação Lava-Jato teria como principal prejudicada a própria democracia. FLÁVIA PACHECO Curitiba, PR VEJA E O PT Não creio que VEJA "odeia o PT e os governos do PT", como disse recentemente o ex-presidente Lula. Acho que VEJA, assim como a maioria dos brasileiros, "odeia" os métodos e as tentativas do PT de dominar o Estado, além da doentia insistência de seus próceres em implantar um chavismo no Brasil. Os partidos de esquerda são válidos numa democracia como pluralidade de pensamento. Mas, quando ascendem ao poder, tratam de solapar a democracia, justamente a forma de governo que permitiu a livre manifestação das suas ideias. GABRIEL F. PADILLA Rio de Janeiro, RJ CARTA AO LEITOR Parabenizo VEJA pela Carta ao Leitor "A busca da verdade" (5 de novembro). Leio a revista VEJA desde a sua criação e a considero a melhor do Brasil, por sua coragem, ética e honestidade na informação. É difícil entender a incoerência do PT, que utilizava as reportagens dessa revista quando estava na oposição. Desde que assumiu o poder, o PT se colocou contra as verdades apontadas pela publicação, pois, ao que parece, esse partido não tolera críticas. Encorajo a redação de VEJA a continuar no seu caminho, apresentando a verdade, aquilo que realmente acontece, mesmo correndo o risco de ser atacada. AVAY MIRANDA Brasília, DF Inquestionavelmente, a revista VEJA, mais do que nunca, tem prestado um relevante serviço aos cidadãos brasileiros, ao apresentar reportagens esclarecedoras, por exemplo as que falam sobre o petrolão. Seria vexatório para VEJA só publicar os depoimentos do ex-diretor da Petrobras e do doleiro após as eleições. Os fatos têm contemporaneidade e a supremacia do interesse público se impõe a quaisquer outras justificativas de caráter eleitoreiro. DULCE MARIA DE BRITTO FREIRE BARROS Olinda, PE GOVERNO DILMA A reportagem "Manual de sobrevivência no segundo mandato" (5 de novembro) descreve com clareza pontos perigosos da continuidade do governo do PT. A democracia sólida e verdadeira ocorre quando todos podem se manifestar dentro das leis vigentes e os tribunais julgam com isenção e sem apadrinhamentos. MARIA DA GLÓRIA CRUZ FILGUEIRAS Brasília, DF A presidente reeleita conseguiu 51,64% dos votos válidos no segundo turno da eleição, mas a maioria do povo brasileiro não está satisfeita e mandou um recado claro nas urnas: quer mudanças imediatas. A economia está numa situação catastrófica com a inflação batendo à nossa porta. A política externa é uma vergonha para todos os brasileiros. O PT quer calar a imprensa e aparelhou o Estado para se perpetuar no poder. O partido só não contava com a força de nosso povo. Não queremos virar uma Cuba, Venezuela ou Bolívia. Não queremos dividir o país. Presidente Dilma, aprenda com o recado das urnas e faça um governo melhor, porque seu primeiro mandato foi horrível. Estaremos atentos! SORAYA NAVARRO MAYUMI PEREIRA Brasília, DF AÉCIO NEVES O senador Aécio Neves (PSDB) terá o compromisso moral de liderar a oposição na defesa das ideias que expôs durante a campanha presidencial em 2014 e na vigília constante da democracia no Brasil ("Com o país na cabeça", 5 de novembro). DOMINGOS APARECIDO MARQUES Mirassol D'Oeste (MT), via tablet Forca, Aécio, o Brasil precisa de você. Você saiu das urnas revigorado por 51 milhões de votos, mostrando coragem e competência, enfrentando bravamente as adversidades da pior campanha da história brasileira. É o líder natural para promover a oposição a favor do Brasil, a fim de melhorarmos nossa democracia e a tirarmos do risco. PEDRO RONALDO PEREIRA Florianópolis, SC MIGUEL HENRIQUE OTERO Na entrevista "'Bolsa hoje, fome amanhã"' (5 de novembro), o editor do jornal venezuelano El Nacional, Miguel Henrique Otero, de forma sucinta e clara, consegue traduzir a realidade que, se não justifica a vitória de metade de um país que se viu dividido em uma disputa eleitoral histórica, ao menos tenta explicá-la: "Com os benefícios, o povo até pode momentaneamente acreditar que sua condição melhorou, mas o fato é que permanecerá pobre, porque não terá boas opções de emprego e a economia ficará estagnada". MALU MELO Belo Horizonte, MG Muito oportuna a entrevista com Miguel Henrique Otero, que descreve o que vai acontecer inevitavelmente no Brasil sob o lulopetismo se os democratas não reagirem com firmeza e decisão. Virão os conselhos populares, a censura à imprensa, a reforma constitucional, a reeleição ilimitada, a "democratização" da Justiça, a sujeição do Legislativo e o Estado ideológico. ROBERTO DOGLIA AZAMBUJA Brasília, DF J.R. GUZZO Brilhante o artigo "Consciência em paz" (5 de novembro). Após o resultado das urnas, repeti para mim mesmo: minha consciência está em paz, resta agora ficar vigilante, olhando Dilma Rousseff governar o Brasil real, e não aquele da propaganda do PT. Fizemos a nossa parte. NEIDE COSTA Caicó, RN LYA LUFT Parabenizo a escritora Lya Luft pela lucidez e coerência de seu artigo "A nau de todos" (5 de novembro). Estamos no mesmo barco, sim, mas temos de assumir compromissos para não deixá-lo à deriva. Não recebo benesses do governo e nunca vou desistir do Brasil. JOILSON CARVALHO ASSUNÇÃO Olinda, PE PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação, VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP: Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até 3 quarta-feira de cada semana. 1#7 BLOGOSFERA EDITADO POR KÁTIA PERIN kperin@abril.com.br BLOG REINALDO AZEVEDO MISÉRIA O país precisa voltar a crescer. E, até onde a vista alcança, o PT não sabe como fazê-lo sem gerar mais inflação. Tem conseguido o contrário: crescer perto de zero com inflação alta. Dilma foi eleita pelos pobres, como quer o petismo? Como se vê, pior... para os pobres. A miséria cresceu porque o modelo petista morreu. O segundo mandato de Dilma é só um cadáver adiado que procria, como escreveu o poeta. www.veja.com/reinaldo VEJA MERCADOS GERALDO SAMOR MERCADO Além de fortalecer a política macroeconômica, a presidente Dilma Rousseff deveria rever a forma como lidou com a microeconomia em seu primeiro mandato e entender que o investimento privado não é a resultante de um jogo combinado com os empresários, e sim de regras claras que reconheçam que os preços de mercado são os verdadeiros balizadores do investimento. www.veja.com/vejamercados COLUNA LEONEL KAZ ÁGUA Tudo está indo muito rápido. Parece que damos de ombros à realidade espantosa, ocupados com tolices comezinhas, como atiçar a rivalidade entre brasileiros do Sudeste ou da Amazônia. O fato é que: ou tomamos tenência, ou não teremos mais um único copo d'água a sorver em pouco tempo. www.veja.com/leonelkaz ALEXANDRE BELÉM WALTER CARONE O italiano Walter Carone (1920-1982) foi um dos fotojornalistas mais bem-sucedidos da revista francesa Paris Match. Ele se mudou para a França ainda jovem e aprendeu a fotografar com o pai, no estúdio da família em Cannes. Com 25 anos, foi para Paris e se aventurou pelo fotojornalismo. Carone fez parte da primeira equipe da Match, em 1949, como fotógrafo, depois editor de fotografia e assistente do editor-geral. Nos anos 60, ele fundou a célebre revista de fotografia Photo. www.veja.com/sobreimgens SÉRGIO RODRIGUES SINALIZAÇÕES Vou sinalizar com a maior clareza: tome cuidado com o verbo "sinalizar". Estamos diante de um modismo vocabular avassalador, tão nocivo em sua onipresença quanto já foram expressões como "a nível de" e "por conta de". Na recente campanha eleitoral, da qual o país saiu rachado, a mania da sinalização foi um raro ponto de concórdia. Governo e oposição, todo mundo sinalizou que foi uma beleza. Antigamente, quando havia compromisso firmado com algum evento futuro, se conjugavam verbos como garantir, prometer, afirmar, assegurar, planejar. Não existindo compromisso, mas razoável certeza de determinado desdobramento, ia-se de apontar, anunciar, indicar, assinalar, atestar, prever, deixar claro. Quando a segurança era menor, preferia-se o uso de sugerir, acenar com, dar a entender, insinuar. Para certezas menores ainda: especular, ventilar... Hoje ficou mais fácil: o verbo-ônibus "sinalizar" resolve todos os problemas. Se ele passa a motoniveladora sobre os matizes que dão precisão e colorido à linguagem, paciência. Isso deve ser a sinalização de alguma coisa. www.veja.com/sobrepalavras IMPERDÍVEL LED ZEPPELIN Após relançar os três primeiros discos da carreira, em julho, o Led Zeppelin recoloca nas prateleiras seu quarto e quinto álbuns, Led Zeppelin IV (1971) e Houses of the Holy (1973). Com mais de 23 milhões de cópias comercializadas desde o lançamento original, Led Zeppelin IV traz alguns dos principais sucessos da carreira da banda, como Stairway to Heaven, Rock and Roll e Black Dog, enquanto Houses of the Holy inclui os hits Over the Hills and Far Away, Dancing Days e D'Yer Mak'er. Os relançamentos apresentam faixas remasterizadas pelo guitarrista e produtor Jimmy Page, além de um segundo CD com remixes alternativos das canções, que estarão disponíveis apenas na versão deluxe. www.veja.com/imperdivel • Esta página é editada a partir dos textos publicados por blogueiros e colunistas de VEJA.com _______________________________________ 2# PANORAMA 12.11.14 2#1 IMAGEM DA SEMANA – FOI ELE, SIM. E AGORA? 2#2 DATAS 2#3 CONVERSA COM MARIANA SANTOS – AH, UMA PROFESSORINHA DESSAS... 2#4 NÚMEROS 2#5 SOBEDESCE 2#6 RADAR 2#7 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – FOI ELE, SIM. E AGORA? O homem que matou Bin Laden rompe pacto de silêncio e dá a cara para bater. Ele já foi representado em três filmes e contou em detalhes os momentos arrepiantes em que, diante do homem muito alto que tinha de matar, avaliou a situação com a frieza exigida pelo melhor treinamento militar do mundo e disparou. Dois tiros na testa, com o homem em pé. Um terceiro, com ele já no chão. Os miolos escorreram para fora. E é verdade que, como aparece no filme A Hora Mais Escura depois ele deu de presente o magazine do fuzil, com as três balas fatais a menos, à agente da CIA que teceu a rede de informações que levou à morte de Osama bin Laden na noite de 2 de maio de 2011. Perto disso, parece um detalhe menor a cena do filme Capitão Phillips em que, na sua pele aparentemente invencível de comando Seal, a força especial da Marinha americana, é o primeiro a saltar para o resgate de Tom Hanks, quer dizer, o comandante de um cargueiro americano sequestrado por piratas da Somália. Sabe-se que gosta do uísque Lagavulin, adora os filhos e ainda ama a mulher, embora tenham se separado. Treinou-a pessoalmente para atirar no ângulo exato, através da porta do quarto, em caso de ataque. Ele mesmo contou tudo isso e vai contar mais, nesta terça-feira, numa entrevista em que "o homem que matou Bin Laden" será identificado publicamente pela primeira vez. Rob O'Neill vive de dar palestras motivacionais desde que deixou a Marinha e resolveu romper o pacto de silêncio acordado por seus pares pelos motivos de sempre: acha que não foi tratado de forma condizente com sua carreira de mais de 400 missões. "Ter medo é bom, o que mata é o pânico", prega nas palestras em que transpõe para a vida civil os fundamentos de um treinamento insano — os candidatos ao grupo são jogados numa piscina com as mãos amarradas para trás. Só os que controlam o pânico conseguem se soltar e seguir no jogo. Ao se revelar, O'Neill está pedindo para entrar ou para sair? VILMA GRYZINSKI 2#2 DATAS MORRERAM Thomas Sneddon, advogado americano que por duas vezes tentou, sem sucesso, condenar Michael Jackson por pedofilia. Por 23 anos, atuou como principal promotor em Santa Barbara, na Califórnia, onde moram muitas celebridades. Em 1993, conduziu a primeira das investigações contra o rei do pop, sob a suspeita de que ele teria abusado de um garoto de 14 anos. Em 2005, Sneddon, nascido em Los Angeles, foi o promotor num julgamento em que Jackson era acusado de usar álcool para seduzir um menino. No álbum History: Past, Present and Future, Book 1 (1995), o cantor dedicou a canção D.S. ao advogado; a letra dizia: "Você sabe que ele realmente tentou / Me derrubar de surpresa / Aposto que está em missão com a CIA / Ele não faz metade do que diz / Dom Sheldon é um homem frio". Dia 1º, aos 73 anos, de câncer, na Califórnia. Manitas de Plata, violonista flamenco que vendeu cerca de 100 milhões de discos. Filho de romenos, nasceu na França com o nome de Ricardo Baliardo. Após crescer pobre e sem estudos, fez fortuna na música e a esbanjou até falir. Com medo de avião, retardou quanto pôde sua ida aos EUA, mas, em 1965, foi ovacionado na primeira de muitas apresentações que fez no Carnegie Hall. Picasso, Salvador Dali e Brigitte Bardot eram seus fãs. Ao longo da vida, reconheceu treze dos mais de vinte filhos que teve. Dia 5, aos 93 anos, em Montpellier. Maria Heloísa Penteado, escritora e ilustradora paulista de livros infantis. Seu primeiro contato profissional com crianças foi como professora, em Araraquara, onde nasceu. Ao se mudar para São Paulo, em meados dos anos 40, passou a escrever. Na virada para a década seguinte, encaminhou algumas de suas histórias para o jornal O Estado de S. Paulo, que decidiu publicá-las na seção feminina. Maria Heloísa tornou-se, então, colaboradora do periódico, no qual acabaria criando, e coordenando por mais de dez anos, as páginas infantis. Escreveu mais de quarenta livros, entre eles Lúcia Já-Vou-Indo e A Velha Fridélia, Prémio Jabuti de 1987. Dia 2, aos 95 anos, em São Paulo. QUA|5|11|2014 ANUNCIADO como piloto titular da Sauber, equipe suíça de Fórmula 1, o brasileiro Felipe Nasr, de 22 anos. O contrato foi firmado para as temporadas de 2015 e 2016. Brasiliense, Nasr era piloto de testes da Williams, a escuderia de Felipe Massa — cuja carreira na F1, aliás, teve início na Sauber. O acordo com a equipe foi firmado graças ao aporte do principal patrocinador de Nasr, o Banco do Brasil, estimado em 18 milhões de euros. Na atual fase do automobilismo, imprescindível que o piloto carregue consigo uma marca que engorde o orçamento da escuderia — Fernando Alonso, por exemplo, também tem um banco parceiro, privado no caso, que estampa seu nome na Ferrari do espanhol. Nasr será o 31º corredor do país a participar da Fórmula 1. QUI|6|11|2014 ACUSADO de tentativa de homicídio e posse de drogas o baterista da banda australiana de rock AC/DC, Phil Rudd, de 60 anos. As denúncias foram apresentadas pela polícia após oficiais terem realizado buscas na casa do músico, na Nova Zelândia. Um dia depois de ele comparecer a uma audiência judicial, a acusação foi retirada. Em 2010, o baterista foi condenado a pagar multa por posse de drogas. 2#3 CONVERSA COM MARIANA SANTOS – AH, UMA PROFESSORINHA DESSAS... Ela é a jurada mais assanhada do já assanhadíssimo programa Amor&Sexo. Apesar da formação em pedagogia, é atuando, e fazendo todo mundo rir com suas opiniões de alcova, que ela dá suas melhores aulas. Já se arrependeu de ter dito algo no programa? Uma vez, contei que meu namorado tinha o fetiche de passar guache no meu corpo. Depois, achei que aquilo era muito pessoal. Mas a culpa passou rápido. E o fetiche rolou. Sexo é um assunto que fica tanto mais quente quanto mais se derrubam limites. O que você não topa? Escatologia? Não topo. Animais? Não. Dor? Pelo amor de Deus, não! Brinquedinhos? Sim. Anda causando reações curiosas em desconhecidos? Há poucos dias, um fotógrafo me disse: "Menina, todos os zeladores estão falando de você". As pessoas passaram a sorrir mais depois que eu passo. Além do salário, quais são as recompensas de estar há oito anos num programa como o Zorra Total, em que você também trabalha? Oportunidades, claro. Além de poder interpretar mais de um personagem. Como aprendeu a falar de sexo de maneira direta e sem baixaria? Será que aprendi? Gosto de falar do assunto, então fica natural. Mas confesso que me pergunto se falei demais no fim de todo programa. Virou uma espécie de conselheira sexual? Vi que as pessoas ficam à vontade em falar do tema comigo. Faço aula de MMA, e uma das alunas, que vende produtos eróticos, mas nunca tinha contado isso a ninguém, veio contar justamente para mim. "Juuura?! Traz, que agora vamos todas comprar." Parceiro engraçado faz sucesso fora da cama. Como segura o lado piadista na hora H? Nessa hora, estou concentrada em outra coisa. Não perco o clima, não. Só faço piada se rola um imprevisto. Qual sua brincadeira preferida quando criança? Fingir que eu tinha um programa de rádio. Mas minhas Barbies brincavam de médico. Elas eram enlouquecidas. 2#4 NÚMEROS 3 posições foi quanto caiu o Brasil neste ano no ranking do instituto Legatum, de Londres, que mede o índice de prosperidade. O país está na 49ª colocação entre 142 nações, lideradas pela Noruega. 7 dos oito critérios analisados para calcular o índice – economia, empreendedorismo e oportunidades, governança, educação, saúde, segurança e liberdades individuais — acusaram a piora do Brasil. O país só melhorou no item capital social, que inclui a porcentagem da população que pratica a filantropia ou se dedica a serviços voluntários, por exemplo. 22 posições foi quanto despencou a Venezuela, país cuja situação mais se deteriorou de 2013 para cá. 2#5 SOBEDESCE SOBE * Filho único - O governo chinês esperava ao menos 2 milhões de nascimentos após relaxar as regras de controle de natalidade, mas só 700.000 casais pediram autorização para ter o segundo filho. * Aedes aegypti - Dez capitais brasileiras estão em estado de alerta para a dengue e a febre chikungunya, doenças transmitidas pelo mosquito. * Maconha - Mais dois estados americanos — Oregon e Alasca —, além do Distrito de Colúmbia, aprovaram a legalização para fins medicinais ou recreativos. Ela é agora permitida em 23 das cinquenta unidades da federação. DESCE * Livre mercado - Segundo relatório da OMC para o encontro do G20 nesta semana, o Brasil foi o país que mais adotou barreiras comerciais nos últimos cinco meses. * Filé-mignon - A alta acumulada de até 20% no preço da carne de primeira tem levado os consumidores a trocá-la pela de segunda, de acordo com dados da Fipe. * Pardal - O passarinho foi o mais atingido pela modernização das técnicas agrícolas, que afetou seu habitat na Europa. Nos últimos trinta anos, o continente perdeu 60% da população de pardais — 147 milhões de aves. 2#6 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br * LAVA-JATO FALA, BAIANO O lobista Fernando Soares, o Baiano, citado por Paulo Roberto Costa em seus depoimentos, negocia um acordo de delação premiada. Se ele falar, parte do PMDB arderá em chamas. MEMÓRIA SELETIVA A propósito, Eduardo Cunha andou dizendo que não conhecia Baiano. Admitiu, no máximo, "ter estado com ele, sem saber quem era". Elogiado até por adversários por sua memória prodigiosa, Cunha deve ter tido, sabe-se lá por quê, um lapso. Baiano já esteve diversas vezes na casa dele, no Rio de Janeiro, em companhia de outras pessoas. VELHO CONHECIDO Desconhecido do público em geral, Augusto Mendonça, o executivo da empreiteira Toyo Setal que fechou um acordo de delação premiada com a Justiça, conhece como ninguém as salas que interessam na Petrobras. Lá, opera de forma heterodoxa desde o início dos anos 90. Tem, portanto, muito para contar sobre várias administrações da estatal. CONTROLE TOTAL A nota em que Sérgio Machado comunica o seu afastamento da Transpetro foi redigida a quatro mãos. Seus autores intelectuais foram Renan Calheiros, o padrinho de Machado, e Romero Jucá. PAROU TUDO Há duas semanas, a diretoria executiva da Petrobras decidiu não pagar mais nenhum aditivo em obras autorizadas na gestão de Paulo Roberto Costa à frente da diretoria de Abastecimento. Consultada sobre a razão, a Petrobras respondeu que "não comenta o assunto". • GOVERNO SEM ALTERAÇÃO Constatação de quem esteve em conversas privadas com Dilma Rousseff nos últimos dias: a vitória não mudou o seu estilo. Isso significa que Dilma está com mais certezas do que nunca e não demonstra nenhuma intenção de dar sinais positivos aos investidores. NÃO DESISTIU Para o público externo, Edison Lobão espalha que seu tempo como ministro acabou e que voltará ao Senado. Mas José Sarney e o seu grupo trabalham para manter Lobão no ministério Dilma. Em qualquer pasta. • ELEIÇÕES COFRE-FORTE 1 Atacados durante as campanhas, os bancos são naturalmente poderosos doadores de recursos — e ninguém costuma recusar a ajuda. Como os dois maiores bancos privados distribuíram suas doações? O Bradesco abriu mais a mão. No total, o grupo contribuiu com 65,2 milhões de reais. Entre os presidenciáveis, Dilma Rousseff foi a única ajudada, até agora. Recebeu 5 milhões de reais de duas empresas do grupo. COFRE-FORTE 2 O Itaú foi mais econômico. Destinou 18,8 milhões de reais a campanhas. Até o momento, de acordo com as prestações de contas entregues ao TSE, os únicos candidatos à Presidência lembrados pelo Itaú foram Eduardo Campos, Aécio Neves e o nanico José Maria Eymael. Campos e Aécio receberam 2 milhões de reais cada um e o candidato do PSDC, 50.000 reais. COM PODER, MAS À SOMBRA Walfrido dos Mares Guia será talvez o homem mais poderoso de Minas Gerais a partir de 2015 — depois de Fernando Pimentel, claro. Ex-ministro de Lula e réu no mensalão mineiro, ele foi peça fundamental na eleição de Pimentel. Articulou incansavelmente nos bastidores — e essa atuação é reconhecida por Lula e Pimentel. A partir de 2015, terá muito poder em Minas, mas permanecerá preferencialmente à sombra. • ECONOMIA MAS E A AUTOSSUFICIÊNCIA? A conta-petróleo do Brasil (ou seja, a exportação de petróleo e derivados menos a importação de petróleo, derivados e gás natural) entre janeiro e setembro registrou um déficit de 12,5 bilhões de dólares. Um estrago e tanto na balança comercial. No governo Dilma, esse vermelho já alcança 44 bilhões de dólares — um volume 68% maior que o déficit acumulado nos oito anos do período Lula, aquele em que se festejou a autossuficiência do petróleo. DE OLHO O BTG Pactual estuda comprar parte da empresa de energia Eneva (MPX nos tempos de Eike Batista). Se o fizer, diluirá os alemães da E.ON, os atuais controladores. O BNDES, no entanto, está pondo obstáculos ao negócio. • JUDICIÁRIO DOSE DE 30 MILHÕES O STJ pôs fim à batalha judicial entre os irmãos Benedito e Luiz Augusto Müller, donos da Companhia Müller de Bebidas, que fabrica a Cachaça 51. Benedito acionou o irmão, entre outros motivos, por retiradas milionárias e gastos excessivos bancados pelo caixa da empresa. Só em viagens internacionais, Luiz Augusto chegou a gastar 419.000 reais em menos de quatro meses. No cartão de crédito corporativo, em nove meses, mais 245.000 reais. O STJ condenou o irmão gastador a ressarcir a fábrica de bebidas em 30 milhões de reais. • MODA NO BANANAL A Banana Republic, grife que pertence ao grupo Gap, com cerca de 700 lojas pelo mundo, prepara-se para desembarcar no Brasil em 2015. • LIVROS BEST-SELLER CLASSE A O fenômeno se repete no Brasil: O Capital no Século XXI, o livro-sensação de Thomas Piketty, chegou às livrarias no dia 1º com 50.000 exemplares e, em menos de uma semana, a Intrínseca já mandou imprimir mais 30.000 cópias. 2#7 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “Eu odeio o feminismo. Sou machista.” - BRIGITTE BARDOT, atriz francesa, na revista britânica You “O feminismo não está aqui para ditar regras. Não é prescritivo, não é dogmático.” - EMMA WATSON, atriz inglesa, na edição britânica da Elle “Adeus, mundo.” - BRITTANY MAYNARD, americana que sofria de um câncer terminal no cérebro e, conforme anunciara antes, optou pelo suicídio assistido no último dia 1º, no Oregon, Estados Unidos. “É juiz, mas não é Deus. (...) Não estou ali para fazer a lei. Estou ali para cumpri-la.” - LUCIANA SILVA TAMBURINI, agente do Detran-RJ condenada a pagar 5000 reais, por "danos morais", ao juiz João Carlos de Souza Corrêa, parado por ela, em 2011, numa blitz por dirigir — sem habilitação — um carro sem placa; a servidora conseguiu o dinheiro em uma vaquinha na internet. “Encorajo as mulheres a usar roupas que foram feitas dez anos atrás, que foram de suas avós, e a combiná-las com coisas novas. É importante não estar tão dentro da tendência e não ser tão consumista.” - STELLA MCCARTNEY, estilista inglesa, filha do ex-beatle Paul McCartney, em O Estado de S. Paulo. “Antes de conhecer o Brasil, não sabia que música e fé podiam estar juntas." - CRISTINA SCUCCIA, freira que venceu em junho a competição The Voice na TV italiana, falando à BBC; ela — que acaba de lançar um disco em que canta Like a Virgin (1984), sucesso na voz de Madonna —, viveu quase dois anos em Mogi das Cruzes (SP), durante sua formação religiosa. “Idiotice não tem nacionalidade. Agora, se os argentinos, os portenhos, têm esse estereótipo de arrogantes? Com certeza.” - PAOLA CAROSELLA, jurada argentina do reality show MasterChef Brasil, da Rede Bandeirantes, em entrevista à PLAYBOY de novembro. “Não sou hipocondríaco; sou mais um alarmista: não imagino que estou doente, mas, se vejo uma coisinha pequena aqui, uma picada de mosquito, penso que é um tumor cerebral.” - WOOOY ALLEN, cineasta americano, no diário espanhol El País. “Ao infinito... e além!” - BUZZ LIGHTYEAR, personagem de Toy Story (1995); a frase foi escolhida pelo público britânico — em pesquisa realizada pela RadioTimes — como a melhor da história do cinema. “Quando você faz um trabalho humanitário, percebe que a política tem de ser considerada. (...) Mas, honestamente, não sei em qual papel eu seria mais útil.” - ANGELINA JOLIE, atriz americana, embaixadora da Boa Vontade da ONU, na Vanity Fair. “Só se pode confiar em quem demonstra com fatos a sinceridade dos seus propósitos." - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, ex-presidente da República, revelando em artigo publicado na imprensa sua desconfiança em relação à proposta de diálogo feita por Dilma Rousseff. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto do legado da presidente Dilma Rousseff para ela mesma, em seu segundo mandato “Aprender a dominar é fácil, mas a governar é difícil.” - J.W. GOETHE, escritor alemão (1749-1832). _______________________________________ 3# BRASIL 12.11.14 3#1 DILMA E SEU LABIRINTO 3#2 PRESSÃO DE TODOS OS LADOS 3#3 ARTIGO – J.R. GUZZO – DILMA EM ESTADO PURO 3#4 TUDO PARA DECOLAR 3#1 DILMA E SEU LABIRINTO MARCELO SAKATE Mateus, o evangelista, registrou em um tom que soa mais como ameaça do que mesmo conforto: "Pois todo o que pede recebe; o que busca encontra". Dilma pediu votos e os recebeu e, agora de volta a sua sala no Palácio do Planalto, guardada por três imagens de Nossa Senhora Aparecida, encontrou o que buscou com tanta volúpia na campanha eleitoral: o segundo mandato. Antes mesmo que ele comece, porém, a presidente está sentindo os primeiros efeitos de pedir mal, como alertou outro apóstolo, Paulo. Dilma viu Aécio Neves, o candidato que ela derrotou, ser recebido em triunfo em Brasília, aclamado como líder, enquanto ela se isolou no Palácio, com a melancolia de quem não tem o que comemorar verdadeiramente por, talvez, não ter perguntado a si mesma antes, não "como" ganhar as eleições, mas "por quê'' e "para quê". Reeleita, ela ainda não tem as respostas, e, por isso, depois de abertas as urnas, a presidente parece fechada em um labirinto. Seu espaço de manobra é restrito. De um lado, a economia colhe resultados ruins que, em grande parte, ela mesma plantou. De outro, os problemas políticos são maiores, com desconfianças insufladas em seu próprio partido, o PT, e ambições magnificadas entre os aliados. Para retomar o comando político, Dilma terá de ceder na economia, liberando as energias do mercado, cortando gastos, aliviando o peso do Estado sobre os ombros dos brasileiros. No fundo, ela tem de esquecer os dogmas de seu partido e suas próprias convicções econômicas e executar o projeto que ela derrotou nas urnas — o do seu adversário Aécio Neves. Na semana passada, a presidente, em entrevista aos principais jornais do país, acenou com a promessa de ajustes: "Vamos fazer o dever de casa. Vamos apertar o controle da inflação." O Banco Central, logo depois da eleição elevou a taxa básica de juros, a Selic, para 11,25% ao ano, justificando a decisão com a ameaça de que a alta nos preços superasse os limites da meta oficial. Até outro dia, a então candidata afirmava que eram os tucanos que "plantavam inflação para colher juros". Na sexta-feira, a Petrobras reajustou o preço da gasolina e do óleo diesel, em outra medida impopular que, apesar de urgente, foi jogada convenientemente para depois das eleições. Esses ajustes, que poderiam ser classificados de "estelionato eleitoral", apesar de a presidente rejeitar tal classificação, eventualmente podem sinalizar um mea-culpa, o reconhecimento de que o quadro econômico não é na realidade tão favorável quanto aquele apresentado anteriormente. Dado o volume de desequilíbrios acumulados, entretanto, esses ajustes são ainda tímidos e insignificantes para restabelecer a confiança dos empresários e dos investidores, e sem essa confiança negócios deixam de ser feitos, projetos não saem do papel e a economia não cresce de maneira saudável e sustentável. A crença na estabilidade monetária e na situação fiscal do governo é um requisito essencial para ancorar qualquer plano de investimento de longo prazo. Por isso, é aguardado ansiosamente o nome do sucessor de Guido Mantega no comando da Fazenda. A depender do nome, poderá ficar claro se Dilma está disposta a assumir uma nova trajetória, mais parecida com o início do mandato de Lula, ou se seguirá fazendo "mais do mesmo". Uma sinalização de um governo mais austero — e mais distante da cartilha clássica do PT — seria a nomeação do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles para o cargo. Seria um ministro que com toda a certeza contaria com o respaldo dos investidores, capaz de restabelecer, da noite para o dia, a confiabilidade perdida pelo governo. Meirelles tem o apoio de Lula. Não é para menos. Ele foi o fiador da estabilidade monetária e dos bons dias da economia que contribuíram para a popularidade elevada de Lula no governo. Entretanto, Meirelles seria alvo de ataques constantes do fogo amigo de parte do PT, além de ser um antigo desafeto de Dilma. Ambos não se bicavam quando eram colegas de ministério de Lula. Tê-lo em seu governo significará para a presidente renunciar a parte de seu poder. Os ajustes feitos até aqui, ainda módicos, já provocaram reações entre os quadros mais à esquerda do PT e também em meio à intelectualidade que apoia Dilma. "A presidente parece não ter percebido que os dizeres contam e que o preço de afirmar uma coisa e fazer outra é muito maior do que parece", escreveu em artigo André Singer, ex-secretário de Imprensa de Lula. Um grupo de economistas encabeçado por Maria da Conceição Tavares e Luiz Gonzaga Belluzzo divulgou na semana passada um manifesto que rejeita que o governo adote "juros altos, câmbio valorizado e cortes excessivos de gastos públicos" como meios para tirar o país do baixo crescimento. O texto, assinado por "economistas pelo desenvolvimento e pela inclusão social", afirma que "a austeridade agravou a recessão, o desemprego, a desigualdade e o problema fiscal nos países desenvolvidos mesmo tendo sido acompanhada por juros reais baixíssimos e desvalorização cambial". É uma pena para Dilma que esses economistas só saibam dizer a ela o que "não fazer". Quando tiveram chance em governos passados de fazer alguma coisa, eles afundaram o país — claro, puseram a culpa no ambiente externo e na ganância dos empresários. Mas fazer isso Dilma já sabe. Não precisa de conselhos. Para Rafael Cortez, analista político da consultoria Tendências, duas forças vão determinar o grau de intensidade dos ajustes: a pressão da piora na economia e a reivindicação popular por serviços públicos melhores. "No cenário mais provável, serão feitos ajustes pontuais na política econômica, mas isso mais como uma reação do que por iniciativa própria da presidente." Para ganhar a eleição, Dilma atacou a autonomia operacional do Banco Central e chegou a afirmar que, em caso de vitória de Marina Silva, quem mais a ameaçava naquele momento, o comando da economia seria entregue aos bancos. Funcionou como retórica. Não vai funcionar como política econômica. "Lula e Dilma falaram muito da herança maldita de FHC e do PSDB, mas ela terá de lidar no segundo mandato com uma herança negativa de sua própria autoria", avalia o cientista político Murillo de Aragão, presidente da consultoria Arko Advice. Ele mapeia as maiores dificuldades de Dilma à frente. A primeira é aprender a lidar com a base aliada, propensa a rebeliões, em parte como decorrência da falta de aptidão da presidente para negociar com deputados e senadores. A segunda é a falta de credibilidade do governo, resultado da incapacidade da presidente de entender o funcionamento das economias de mercado em sociedades abertas. A terceira é a que domina o ambiente político: como sobreviver ao petrolão? Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, e Alberto Youssef, o doleiro encarregado do caixa do esquema de corrupção na estatal, continuam fornecendo resmas de provas à Justiça. Costa foi íntimo do poder nos governos de Lula (que o chamava, carinhosamente, de Paulinho) e de Dilma. Pelas mãos de Youssef, segundo ele, passaram recursos que financiaram a campanha de Dilma. "Pois todo o que pede recebe; o que busca encontra." AS OPÇÕES DE DILMA E O CUSTO DE ERRAR Sem ajustes, a dívida pública aumentará e o Brasil perderá a classificação de "grau de investimento". Sem esse atestado de confiabilidade, bilhões de dólares vão ser retirados do Brasil da noite para o dia pelos investidores. O país quebra. Cortar profundamente os gastos do governo é a maneira mais eficiente de fazer o ajuste fiscal. Dilma o fará? Sim ou não? SIM * Parabéns, presidente! Os brasileiros agradecem — mesmo a senhora tendo demonizado o ajuste fiscal prometido pelo seu adversário. Diminuir o peso do Estado sobre os ombros dos pais e mães de família que trabalham cinco meses do ano só para pagar impostos e deixar que, pelo menos desta vez, o governo faça o sacrifício de apertar os cintos é coisa de estadista. NÃO * A senhora optou por não cortar gastos e correu a pôr a culpa pela quebra do país no ambiente externo desfavorável e na ganância dos empresários. O Brasil vira uma Argentina. — Se o Brasil virar uma Argentina, será muito mais traumático para os brasileiros do que foi para os argentinos ver os Kirchner transformar seu país em uma Venezuela. Na Argentina de Cristina Kirchner, a miséria cresce e, com ela, a dependência dos miseráveis em relação ao governo. Isso é garantia de vitória nas urnas para os populistas autoritários, mas é fatal para o país. * Sem corte de gastos, será preciso aumentar ainda mais o preço dos combustíveis e as tarifas de energia elétrica, cobrar a Cide e o IPI. Isso se chama tarifaço. Que leva a... * ...um estouro da inflação, que vai escapar pelo teto da meta. Para contê-la, o Banco Central terá de aumentar mais a Selic, a taxa básica de juros, e... * ...isso traz recessão e aumento do desemprego. Com o esfriamento da economia, cairá a arrecadação. A ideia de ressuscitara CPMF já nascerá morta... * ...e a senhora dirá SIM aos ajustes ou NÃO, optando pelo congelamento de preços, centralização da economia e falseamento de indicadores. Brasil, capital Buenos Aires. -- SIM - Parabéns, presidente! Os brasileiros agradecem — mesmo a senhora tendo demonizado o ajuste fiscal prometido pelo seu adversário. Diminuir o peso do Estado sobre os ombros dos pais e mães de família que trabalham cinco meses do ano só para pagar impostos e deixar que, pelo menos desta vez, o governo faça o sacrifício de apertar os cintos é coisa de estadista. -- NÃO - Se o Brasil virar uma Argentina, será muito mais traumático para os brasileiros do que foi para os argentinos ver os Kirchner transformar seu país em uma Venezuela. Na Argentina de Cristina Kirchner, a miséria cresce e, com ela, a dependência dos miseráveis em relação ao governo. Isso é garantia de vitória nas urnas para os populistas autoritários, mas é fatal para o país. O DISCURSO E A PRÁTICA Passada a eleição, Dilma e sua equipe fazem agora aquilo que diziam que Aécio iria fazer se fosse eleito presidente INFLAÇÃO E JUROS O que dizia: “Não lave suas mãos, o senhor (Aécio) tem responsabilidades e deve responder por elas. Vocês sempre gostaram de plantar inflação para colher juros.” “Para ter 3% de inflação, o senhor vai triplicar o desemprego, vai elevar a taxa de juros a 25%, porque esse é o receituário. E o resultado vai ser desemprego, arrocho salarial e altas taxas de juros. A quem serve isso? À população é que não é.” A prática: O Banco Central subiu a taxa básica de juros, a Selic, para 11,25% ao ano, a mais elevada desde 2011. Agora, a presidente afirma que terá de "fazer o dever de casa e controlar a inflação". TARIFAÇO O que dizia: “O que justifica essa hipótese do tarifaço? Significa a determinação em criar expectativas negativas no momento pré-eleitoral. Pregar esse tarifaço agora é para assustar as pessoas e as empresas. Essa história do tarifaço é mais um movimento no sentido de instaurar pessimismo, comprometer o crescimento do país.” “O governo do PSDB cortou salários e deu tarifaços. Em momentos de crise, o Brasil colocava a conta para o trabalhador pagar, desempregava, arrochava salários, aumentava impostos e tarifas.” A prática: Na semana passada, a Petrobras reajustou o preço da gasolina e do óleo diesel. As tarifas de eletricidade já subiram 15% no ano e deverão aumentar ainda mais em 2015, por causa do custo de operação das usinas termoelétricas. APAGÃO O que dizia: “Aqui em São Paulo mais uma vez se mostram as consequências da visão que é contra o planejamento, o investimento planejado e que não tem responsabilidade pública com o abastecimento da população. A energia elétrica é um caso e a água é outro.” A prática: O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico informou que existe um risco de 5% de faltar energia em 2015, em decorrência do baixo nível dos reservatórios. Esse é o grau máximo de tolerância recomendável. Sem a intensificação das chuvas, será difícil evitar alguma forma de racionamento de energia. DESCONFIANÇA CUSTA CARO O maior risco de retrocesso para a economia brasileira é a perda do "grau de investimento", atestado internacional emitido por agências especializadas que representa o grau de confiabilidade de um país como devedor. Em termos práticos, esse selo dá a chancela de que os maiores fundos de investimento e de pensão do mundo precisam para justificar a escolha do Brasil. Isso ocorre porque os estatutos desses fundos limitam muito ou mesmo vedam a aplicação de dinheiro em países ou empresas que não sejam classificados como "grau de investimento". O maior fundo da Pimco, uma das principais gestoras de recursos do mundo, só pode destinar a países sem o grau de investimento 5% do total de dinheiro sob sua responsabilidade. Se o Brasil for rebaixado, os investidores terão de imediatamente se livrar de títulos da dívida brasileira. Livrar-se como? Colocando os papéis à venda. Para evitar que os títulos virem mico por excesso de oferta, o governo vai ter de aumentar os juros de tal modo que o rendimento dos papéis supere a insegurança dos investidores. A dívida pública, já em patamares perigosos, aumentaria ainda mais. Para as empresas brasileiras, as consequências também seriam catastróficas. Primeiro, pelo efeito recessivo na economia. Depois, pelo aumento exponencial das dívidas delas em dólar e pelo custo de captação de recursos internacionais. O Brasil tem 20% dos títulos de sua dívida (400 bilhões de dólares) nas mãos de investidores estrangeiros. Além disso, só fecha as contas neste ano com mais 84 bilhões de dólares de poupança externa. Se perder a confiança internacional, o Brasil quebrará. MAIS GASTOS NA HORA DE CORTAR O Senado aprovou um projeto de lei que vai fazer com que estados e municípios diminuam o que vêm pagando para abater as suas dívidas com o governo federal. Antes corrigidos pelo IGP-DI e cobrados com juros entre 6% e 9% ao ano, condições que foram favoráveis nos anos 90 (época em que os débitos foram renegociados), os valores agora serão reajustados pelo IPCA acrescido de 4% ou pela Selic, a taxa de juros de referência — o que for menor. Como já havia sido aprovada pela Câmara, a proposta agora segue para a sanção da presidente Dilma. Cálculos do Itaú Unibanco estimam o impacto da medida entre 0,1% e 0,2% do PIB por ano. A princípio, parece pouco. Mas, levando em consideração apenas o cenário do ano passado, em que o Ministério da Fazenda chegou a defender a troca do indicador de correção, o valor significaria 15 bilhões de reais. A diferença entre a proposta original e a que foi aprovada no dia 5 de novembro é que esta valerá de forma retroativa, o que resultará em ainda mais perda de arrecadação para a União. "Essas dívidas dificilmente seriam pagas nas atuais condições, e eventualmente ocorreria algum ajuste. Mas esse projeto foi aprovado em um mau momento", afirma o economista Raul Velloso. "O governo sofre com a piora na situação fiscal e corre o risco de ser rebaixado pelas agências de classificação de risco. Existe ainda a possibilidade de se abrirem brechas para o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal." A cidade mais beneficiada será São Paulo, governada por Fernando Haddad, do PT. A dívida passou de 11 bilhões de reais em 2000 para os atuais 57 bilhões de reais, ou 189% do total da arrecadação municipal, limite superior ao estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que é de 120%. O salto maior ocorreu nos tempos em que Marta Suplicy era prefeita. ANA LUIZA DALTRO 3#2 PRESSÃO DE TODOS OS LADOS À desastrosa indecisão de Dilma na economia, somam-se os apertos na política: focos de resistência nos aliados, derrotas inevitáveis no Congresso e o petróleo. DANIEL PEREIRA E ADRIANO CEOLIN PT e PMDB são os grandes partidos da base de apoio a Dilma Rousseff e também — em paradoxo apenas aparente — as maiores fontes de pressão política sobre a presidente reeleita. Os peemedebistas se sentem sub-representados na administração pública, e não perdem a oportunidade de lembrar que foram tirados do Ministério da Saúde. Os petistas reivindicam apoio mais explícito da presidente a seus arcaísmos ideológicos e compromissos bolivarianos, que vão da censura à imprensa à estatização crescente da economia. No primeiro mandato, Dilma conseguiu resistir do alto de seus 12 milhões de votos de vantagem sobre José Serra, candidato da oposição. O cenário atual é diferente. Dilma ganhou por uma margem bem menor de votos, tem um PIB estagnado e há um clamor popular por mudanças. Grandes farejadores de fragilidades, os aliados estão vendendo muito mais caro o seu apoio. O desafio mais urgente do governo é acertar os ponteiros com o PMDB. O partido usa sua estratégia de sempre. São muitos PMDBs, cada um obediente a um líder diferente. Mas, quando ameaçadas, as partes se juntam em um todo organizado e único. É nessa condição que o PMDB tem a presidência da Câmara e do Senado. É nessa condição que reivindica agora os ministérios da Saúde e da Educação. Mais difícil ainda para Dilma é atender à exigência do partido de que ela dê seu apoio à candidatura de Eduardo Cunha, deputado do PMDB do Rio de Janeiro, à presidência da Câmara. Dilma considera Cunha a personificação do fisiologismo. Ensaiou resistir a ele. Chegou a torcer, quem diria, para que os delatores do esquema de corrupção na Petrobras o implicassem no caso — e que isso se tornasse público. O raio não caiu na cabeça de Cunha e ele se fortalece a cada semana. Emissários da presidente já o procuraram para acertar uma conversa. Na semana passada, o vice-presidente Michel Temer pediu ao deputado que se apresentasse como um candidato governista e parasse de desafiar a presidente. As bases do entendimento estão lançadas, como ficou claro na declaração de Cunha: "Não farei da presidência da Câmara uma trincheira da oposição, mas não serei um subalterno do Planalto". No Senado, a pauta do PMDB é mais diversificada. O partido quer o apoio de Dilma à reeleição de Renan Calheiros para a presidência da Casa e o direito de indicar os próximos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU). O PMDB deixou claro que, pelo menos por agora, não apoiará a esperada indicação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ao Supremo. "É um nome muito político. Não é o momento disso agora", afirmou o senador Romero Jucá. Os peemedebistas também prometem barrar a indicação da ministra Ideli Salvatti para o TCU. O PMDB tem seu candidato ao posto: o senador Vital do Rego. Ele ganhou a confiança dos colegas de partido ao presidir as CPIs do Cachoeira e da Petrobras, mesmo que elas não fiquem para a história como modelos exemplares do Poder Legislativo para investigar e punir. Ou talvez, como maldizem os adversários, por isso mesmo. Controlar a Câmara e o Senado confere ao PMDB um peso específico na política que não pode ser simplesmente ignorado pelo governo. Como dizer não ao PMDB e, ao mesmo tempo, ver aprovado o projeto de lei que mais vivamente interessa ao governo agora — o que autoriza a redução do superavit primário? Se aprovado, o projeto de lei vai permitir ao governo diminuir a parcela do Orçamento destinada ao pagamento dos juros da dívida pública e aumentar os investimentos. Ignorado pelo governo, o PMDB pode também aprovar leis como a que aumenta salários e gastos do Poder Judiciário, o que tem sido visto como uma bomba para as contas públicas. Embora mais ruidoso e rábico, o PT é uma ameaça menor para Dilma. "Eu não represento o PT. Eu represento a Presidência", disse ela. Os petistas de São Paulo, fortemente castigados pela vontade popular nas urnas, são os mais ávidos por cargos de primeiro escalão no governo. Até agora, o segundo mandato de Dilma na Presidência parece que terá todos os vícios do primeiro e nenhuma das virtudes que se espera da vencedora de uma eleição muito disputada e conquistada com uma estreita margem de votos. 3#3 ARTIGO – J.R. GUZZO – DILMA EM ESTADO PURO O que a presidente reeleita Dilma Rousseff, o PT e o ex-presidente Lula, condutor de uma e do outro, pretendem fazer em relação aos 51 milhões de brasileiros que votaram em seu adversário Aécio Neves na eleição presidencial de outubro? É uma pergunta que deixa impaciente o alto-comando do governo; e torna especialmente irado seu sistema de propaganda. Gostariam de que essa gente toda não existisse; não podendo fazer com que ela evapore no ar, acreditam que a saída é não reconhecer sua existência. A indagação, que continua sem resposta clara, é perfeitamente razoável, levando-se em conta que os 51 milhões de pessoas em questão estarão aí pelos próximos quatro anos — não só eles, na verdade, já que outros 37 milhões de cidadãos nem apareceram para votar, votaram em branco ou anularam seu voto. Ao todo, no fim da conta, resulta que perto de 90 milhões não votaram na presidente que ficará no Palácio do Planalto até janeiro de 2019. Além disso, a diferença em seu favor foi a menor desde que PT e PSDB começaram a bater chapa, doze anos atrás. (A vantagem vem diminuindo a cada eleição: passou de mais de 61% dos votos, em 2002, para menos de 52%, em 2014.) É apenas matemática, ciência indiferente aos desejos do PT ou de qualquer outro partido. Mas o governo fica de mau humor quando alguém fala no assunto, e o resultado é essa situação esquisita em que os vencedores ficam reclamando o tempo todo dos vencidos. Não ajudou em nada, é claro, a derrota que o governo sofreu no Congresso na primeira votação depois das eleições, quando deputados e senadores puseram a pique o decreto presidencial que criava "conselhos populares" — uma pescaria em água mais do que turva cujo único mérito foi ter morrido antes de nascer. Mas isso é coisa que vem de políticos, espécie humana altamente eficaz na prática de trocar uma posição por outra, dependendo dos benefícios que recebe; sempre é possível fazer amanhã o que não deu para ser feito hoje. O problema, mesmo, é com a massa que ficou do lado de fora — e aí está o motivo mais visível da neurastenia do PT e seus subúrbios em relação ao povo que votou contra a candidata oficial ou não votou nela. Como comprar 51 milhões de pessoas, ou mais ainda? Não dá. Por mais ministérios, estatais e empregos gordos que criem, por mais ONGs que sustentem e por mais contratos de "prestação de serviços" que assinem, nem Dilma nem Lula conseguiriam fechar negócio com tanta gente assim. O que poderia lhes render apoio entre a metade dos eleitores que votou na oposição não é dinheiro, nem emprego com carro oficial e "cartão corporativo"; é uma meia dúzia de mudanças, não mais, na conduta moral dos governantes e no abandono da estratégia de governar o Brasil por meio da empulhação. Mas isso Lula, Dilma e o PT não vão fazer. Não querem, e provavelmente não podem. Fica travada, assim, a resposta para a pergunta feita na primeira frase deste artigo, o que não parece anunciar um futuro sereno. Os números finais da eleição recomendariam que os ganhadores fizessem alguma tentativa honesta de estender a mão aos perdedores, mesmo porque têm a responsabilidade legal de governar todos os brasileiros. Os 51 milhões de eleitores que votaram em Aécio não perderam a cidadania em 26 de outubro; perderam apenas uma eleição. Mas esse tipo de raciocínio não faz parte do mundo mental do PT. Na verdade, pelo que comprovam os fatos mais recentes, o governo se mostra ansioso em seguir pelo caminho contrário. Dilma, por exemplo, continua sendo Dilma em estado puro. Solicitada numa entrevista a comentar sua derrota em São Paulo, onde recebeu 35% dos votos contra os 65% de Aécio, a presidente tinha pelo menos uma boa dúzia de respostas a dar; preferiu a pior. "Por que você não pergunta sobre meus votos no Nordeste?", devolveu ela. Por que o assunto, no caso, era São Paulo, e não o Nordeste — mas esse tipo de consideração não entra na cabeça de Dilma nem com britadeira hidráulica. Diante da oportunidade de fazer um gesto conciliatório e dizer umas poucas palavras simpáticas aos paulistas, seu piloto automático levou-a direto para a aposta agressiva na divisão do Brasil e dos brasileiros, hoje tão em moda no governo e no seu partido. A presidente, depois da eleição, parece mais irritada do que estava durante a campanha; chegou até a mencionar por alto a palavra "diálogo", mas na vida real seu diálogo é isso que se vê. Dilma, aí, vai rigorosamente atrás de Lula, homem que tem pouco interesse por atos de generosidade e acredita que as armas políticas mais eficazes são a pregação do ódio, o insulto ao adversário e o esforço permanente para convencer os brasileiros a ser inimigos uns dos outros. São os fatos, e apenas os fatos, que sustentam esse julgamento; podem ser verificados a qualquer momento pelas gravações e vídeos que registram o que o ex-presidente diz regularmente em público. Que tal, quanto a isso, uma seleta daquilo que andou falando na última campanha eleitoral? A favor de sua conduta, Lula tem os resultados, pelo menos até agora; ela serve para ganhar eleições, e no ambiente de derretimento moral da política no Brasil de hoje a única preocupação é fazer o que dá certo. É assim nas campanhas — e é assim nos acertos que vêm logo depois. Diálogo, para Lula, significa negociação de compra e venda; se não dá para comprar o apoio do outro lado, não há conversa possível. Trata-se de linguagem muito bem entendida por quem sabe o preço de tudo e não conhece o valor de nada. Em cima dela, Lula, Dilma e o PT formaram essa "base aliada" que está aí há doze anos — um belo desfecho para a história dos "300 picaretas" do Congresso que Lula denunciou num passado já distante. Na época, o ex-presidente parecia indignado: é vigarista demais para um Congresso só, dizia ele. Depois que chegou ao governo, não voltou ao assunto. Passou a achar que os 300 picaretas eram uma bênção. O governo pode ignorar suas obrigações com a metade de um eleitorado que rachou ao meio. Mas não pode fazer de conta, como fez durante a campanha eleitoral, que os problemas da vida real não existem. João Santana, seu chefe de propaganda, não fará a balança comercial dar saldo. Lula até que pode chamar a inflação de "Herodes", mas ela não vai ligar para isso. Não existe a opção de "desconstruir" a dívida pública, que já passou dos 2 trilhões de reais, como fizeram com Marina Silva. Não adianta nada ficar fazendo discursos irados contra os "banqueiros" e "rentistas" quando o dinheiro que ganham (e nunca ganharam tanto como nos governos petistas) vem justamente dessa dívida. Quem a construiu foi o governo, só ele, por gastar mais do que pode; hoje o montante é quase três vezes maior do que era no começo do governo Dilma, e por sua conta o Erário tem de pagar aos credores juros que no ano passado consumiram mais de 40% do Orçamento da União, ou 900 bilhões de reais. É inútil, também, a presidente ficar dizendo que vai "combater a corrupção" ao mesmo tempo em que o seu entorno faz tudo para sabotar o processo judiciário em que se apura a ladroagem em massa na Petrobras — sua última ofensiva pretende derrubar o juiz Sérgio Moro, que conduz as investigações. A economia brasileira praticamente não cresceu durante os quatro anos de Dilma; em 2014 crescerá pouco acima de zero, se tudo der certo. Não há no governo nenhuma ideia coerente para mudar isso em 2015 ou em qualquer outro ano. A presidente Dilma, considerando-se os resultados concretos que obteve em seu primeiro mandato, revelou um gênio realmente extraordinário para governar mal. Não é confortável, diante dessa qualidade de performance, sair de uma eleição com 54 milhões de votos num total de 142 milhões de eleitores. A dificuldade é que os governos petistas, por tradição, pelos instintos políticos de Lula ou por falta de ideias inteligentes, têm se acostumado nos últimos anos a correr para comportamentos agressivos, extremistas e totalitários quando sentem que o jogo complicou. Os sinais que começaram a dar depois da eleição estão prometendo mais do mesmo. 3#4 TUDO PARA DECOLAR Depois de conceder ao PT a graça de cumprir três mandatos presidenciais sem oposição digna do nome, o PSDB finalmente promete arregaçar as mangas contra o governo — bem, reúne todas as condições para fazê-lo. ANDRÉ PETRY Era quase ridículo escrever, mas o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso entendeu que era preciso fazê-lo mesmo assim. Então, em meados de 2011, ele assinou um artigo sobre o papel da oposição. A certa altura, FHC dizia: "Cabe às oposições, como é óbvio e quase ridículo escrever, se oporem ao governo". Ridículo, mas necessário. No ano anterior, a presidente Dilma Rousseff fora eleita e começava o terceiro mandato consecutivo do PT no Palácio do Planalto — e o partido nunca, nesse tempo todo, sofrera uma oposição digna do nome. Nesse contexto, era até preciso esclarecer que oposições existem para se opor ao governo. Na semana passada, agora que o PT caminha para completar dezesseis anos no poder, parece que, enfim, o PSDB resolveu encarar a missão de fazer oposição. Derrotado, mas carregando um vistoso balaio de 51 milhões de votos, o tucano Aécio Neves voltou para Brasília depois do descanso pós-eleitoral e recebeu — ao desembarcar do avião de carreira, ao deixar o aeroporto, ao chegar ao Congresso, ao entrar no plenário — tratamento normalmente dado às celebridades, com centenas de admiradores gritando seu nome, fotografando e selfizando. Eis aí a primeira condição para fazer uma oposição eficaz: ter um líder popular e com algum carisma. No dia seguinte ao seu retorno, numa reunião com aliados, Aécio prometeu fazer "a mais vigorosa oposição a que este Brasil já assistiu". Mais tarde, da tribuna do Senado, fez seu primeiro discurso na condição de líder da oposição, com plenário cheio e galerias lotadas. Criticou com dureza a campanha do PT e definiu seu papel: "Ainda que por uma pequena margem, o desejo da maioria dos brasileiros foi que nos mantivéssemos na oposição, e é isso que faremos. Faremos uma oposição incansável, inquebrantável e intransigente na defesa dos interesses dos brasileiros. Vamos fiscalizar, cobrar, denunciar". Eis a segunda condição: disposição para a luta. Mais do que nunca, desde que perderam o poder em 2002, os tucanos reúnem todas as condições para exercer uma oposição consistente. Com a popularidade de Aécio, seu carisma e sua disposição, aliados a uma mobilização popular praticamente inédita para os tucanos, o PSDB se completa com uma plataforma programática que, em certa medida, jamais mereceu contestação — tanto que o próprio PT, desde o primeiro governo de Lula, sem nenhuma autocrítica e com muita mistificação, a adotou na política econômica e na política social. Reside aí, aliás, uma das razões que levaram o PSDB à inércia: seu discurso mais ou menos socialdemocrata foi surrupiado por um PT que migrou da esquerda para o centro na mesma medida em que deixava de ser a legenda defensora dos trabalhadores e dos fracos para virar o partido dos desempregados e dos pobres. Juras de oposição implacável, no entanto, não são inéditas no repertório tucano. Em 2002, com Lula eleito, os tucanos anunciaram a formação de uma equipe técnica para assessorar os parlamentares na tarefa de "fiscalizar, cobrar, denunciar". Chegaram a elaborar um documento com críticas premonitórias ao Fome Zero, programa com que o PT pretendia refazer a paisagem social do país e que acabou enterrado pelo Bolsa Família. Foi um bom início, mas logo os tucanos, sempre tão indolentes quando o assunto é oposição, desanimaram. José Serra, candidato natural a líder da tropa, foi passar uma temporada nos Estados Unidos, estudando em Princeton. A missão de sustentar o fogo ficou nas mãos do desfibrilado PFL. Quando perdeu a eleição para Fernando Collor, em 1989, o PT levou a sério o papel de oposição. Inspirado na experiência inglesa do shadow cabinet, criou um governo paralelo, com um ministério completo cuja tarefa era contrapor-se às políticas colloridas. Tinha dezesseis "ministros". Durou até o impeachment de Collor, depois virou o Instituto Cidadania, que, por sua vez, organizou as Caravanas da Cidadania, com as quais Lula percorreu o Brasil. Seis anos depois das caravanas, tinha a faixa presidencial no peito. Oposição, como se vê, não é coisa impossível, mas dá trabalho. O PSDB, doze anos fora do poder, ainda não aprendeu a vestir o figurino de partido de oposição. Em 2010, quando Dilma foi eleita pela primeira vez, Aécio se apresentou como um líder da resistência. Como na semana passada, fez até discurso no Congresso. Parecia, no entanto, pedir desculpas por falar um pouco mais alto. A experiência do shadow cabinet dos ingleses, na qual o PT foi beber depois de 1989, tem muito a ensinar. Começou a surgir na segunda metade do século XIX, quando os oposicionistas passaram a fazer reuniões informais para discutir suas posições. Depois, transformaram-se num grupo organizado, que deveria espelhar o que seria de fato um governo de oposição, com reuniões formais — sempre às 17 horas, todas as terças-feiras. Hoje, a composição do shadow cabinet é noticiada pela imprensa inglesa como a composição de um ministério de verdade. Os ministros paralelos, se não fazem um bom trabalho, são demitidos. Sua função não é só fustigar o governo. Em caso de vitória da oposição, o ministro paralelo tende a ser empossado como ministro oficial. Além de definir táticas e conceber políticas alternativas, o shadow cabinet serve como treino para o exercício do governo. Tony Blair foi membro do governo paralelo por anos a fio antes de tornar-se o mais longevo primeiro-ministro trabalhista da história inglesa. A oposição não é um efeito colateral deletério da democracia. Está na sua essência. O aristocrata Benjamin Disraeli (1804-1881), duas vezes primeiro-ministro da Inglaterra, quando seu país era a potência hegemônica, no século XIX, sabia o valor de um governo e de uma oposição. Em seu tempo, Disraeli, do Partido Conservador, travou batalhas memoráveis com William Gladstone (1809-1898), seu antípoda perfeito, líder do Partido Liberal que foi quatro vezes primeiro-ministro. Com a autoridade de quem esteve nos dois lados do balcão, Disraeli, cujo sucessor nas duas vezes em que comandou o governo foi o próprio Gladstone, assim definiu sua experiência: "Nenhum governo pode dizer que é um sucesso sem uma oposição formidável". A oposição, porém, não se faz apenas nos gabinetes — faz-se nas ruas, como aconteceu em mobilizações históricas, como a campanha dos americanos contra a Guerra do Vietnã, nos anos 60, ou a imensa mobilização dos brasileiros pelas eleições diretas, nos anos 80. Nos gabinetes ou fora deles, a ausência de oposição equivale à presença de um poder hegemônico — e hegemonia é coisa do DNA petista. Se o PSDB pretende mesmo barrar as pretensões hegemônicas do PT, precisa aproveitar as condições favoráveis de agora — nos gabinetes e nas ruas — e fazer o dever de casa. Uma oposição não nasce no grito, nem no embalo de 51 milhões de votos. Em 2010, os tucanos tiveram 43 milhões de votos — menos, mas ainda assim uma votação estupenda. No entanto, nada disso ensejou uma oposição organizada. Para chegar lá, o PSDB precisa estudar as razões da derrota e extrair as lições correspondentes. Na semana passada, Aécio fez questão de reclamar da campanha do PT — "a campanha da infâmia, da mentira". Mas acusar o PT de travar uma disputa que "chegou às raias do impensável" poderia explicar tudo se o PSDB estivesse amargando sua primeira derrota, e não a quarta consecutiva. É ululante que alguma outra coisa — que não a infâmia petista — está desterrando o tucanato. As duas primeiras semanas de oposição tucana produziram um saldo controvertido. O PSDB começou mal ao pedir uma auditoria ao Tribunal Superior Eleitoral para examinar os votos do segundo turno. Levantou uma suspeita grave com base em nada e ficou com fama de perdedor chorão. Afinal, suas "desconfianças" quanto à "confiabilidade da apuração dos votos" só surgiram com a derrota, mas não quando Aécio foi para o segundo turno com uma votação surpreendente e inesperada até para ele mesmo. Passado esse equívoco, o PSDB acertou em cheio ao desassociar-se das manifestações de rua em que muitos cidadãos pediram o impeachment de Dilma e alguns celerados clamaram por uma intervenção militar. "Não sou golpista. Sou filho da democracia", disse Aécio, ao afirmar que não via fato concreto que justificasse um processo de impeachment. É um desalento constatar que ao acerto de repudiar golpes e golpistas tenha se seguido um novo erro — um conchavão, do qual os tucanos participaram, destinado a poupar a carcaça de uns apaniguados na CPI da Petrobras (veja o quadro ao lado). O conchavão foi selado no dia em que, da tribuna do Senado, Aécio condicionava a proposta de diálogo de Dilma à investigação e punição exemplar dos propineiros da Petrobras. Assim, vira piada pronta. Assim, o ex-presidente Fernando Henrique vai ter de escrever, mais uma vez, que a oposição existe para se opor ao governo. TROPEÇO NA LARGADA A promessa de Aécio Neves de "fazer uma oposição incansável, inquebrantável e intransigente", efetuada na quarta-feira da tribuna do Senado, acabou atropelada por seu partido antes mesmo de atravessar a rua e chegar ao Palácio do Planalto. Na estreia como líder da oposição, o tucano cobrou "exemplares punições àqueles que protagonizaram o maior escândalo de corrupção da história deste país" e condicionou o diálogo com o governo à investigação implacável do petrolão. Horas mais tarde, porém, em outra sala do Congresso, parlamentares do PSDB fecharam um acordo com colegas petistas para livrar de serem chamados para depor na CPI da Petrobras alguns dos principais envolvidos no escândalo. Em troca de pouparem da convocação o empresário Leonardo Meirelles, os tucanos concordaram em desistir de chamar também a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Meirelles, um dos laranjas do doleiro Alberto Youssef, havia acusado de envolvimento no esquema o ex-presidente PSDB Sérgio Guerra, morto no início do ano. A senadora petista e o tesoureiro Vaccari foram apontados como beneficiários do petrolão pelo doleiro e pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. A proposta do acordo partiu do relator da CPI, o petista Marco Maia, e foi aprovada por unanimidade em uma reunião com a presença do deputado do PSDB Carlos Sampaio. No dia seguinte, explicitada a contradição entre o discurso de Aécio e a prática de sua bancada, Sampaio negou a existência do acordo e disse que a comissão apenas definiu "um roteiro de investigação que priorizou (a convocação de) empreiteiras e diretores da Petrobras". Segundo o deputado, os políticos serão chamados em 2015. "Aécio ficou transtornado", contou um deputado do PSDB. "A última vez que o vi exaltado assim foi quando o Agripino Maia falou que apoiaria Marina Silva no segundo turno", disse o tucano, referindo-se ao episódio ocorrido quando o ex-candidato à Presidência enfrentou sua pior fase na campanha. A trapalhada no Congresso desencadeou a primeira crise no PSDB pós-eleição. Para evitar a desmoralização de seu discurso, Aécio determinou que o partido divulgasse uma nota desmentindo a existência de acordo com o governo e deu entrevista dizendo que vai propor a criação de uma nova CPI da Petrobras caso a atual termine sem resultados. O tropeço na largada serviu para mostrar que um tucano só não faz verão — e que, para Aécio cumprir a promessa de fazer uma oposição como nunca se viu neste país, terá de combinar antes com seus aliados. BELA MEGALE ______________________________________ 4# INTERNACIONAL 12.11.14 4#1 UMA VISITA MUITO SUSPEITA 4#2 ESTAVA RUIM, FICOU PIOR 4#1 UMA VISITA MUITO SUSPEITA Corre em sigilo a apuração do que fazia no Brasil Elias Jaua, ministro-chefe das milícias bolivarianas da Venezuela. Foi um ataque à soberania brasileira, e o Itamaraty protestou. LEONARDO COUTINHO E NATHALIA WATKINS O venezuelano Elias Jaua é um especialista em atividades clandestinas. Em 1992, ele estava entre os mais de 1000 conspiradores envolvidos na sangrenta tentativa de golpe de Estado que deu fama ao coronel Hugo Chávez. Depois que Chávez chegou à Presidência, em 1999, Jaua passou a fazer parte da cúpula do novo governo, ocupando cargos variados, mas sempre com a responsabilidade de cooptar, articular e treinar movimentos sociais e milícias armadas com o propósito de implantar o "socialismo do século XXI" na Venezuela e de exportar esse modelo para os países vizinhos. Apropriadamente, Jaua comanda há dois meses o Ministério do Poder Popular para os Movimentos Sociais. Nada mais natural, portanto, que passem pelo seu crivo as já tradicionais parcerias entre o governo venezuelano e organizações de esquerda de outros países, inclusive o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), do Brasil. Causa estranhamento, porém, que ele o faça às escondidas do governo brasileiro e que, por trás de supostos convênios de formação técnica, escamoteie cursos de treinamento para a revolução socialista. Foi o que aconteceu durante a viagem do ministro ao Brasil entre 20 e 31 de outubro — iniciada justamente no auge da campanha para o segundo turno das eleições presidenciais. O plano de Jaua era passar despercebido em sua visita ao Brasil. No dia 24, porém, Jeanette del Carmen Anza, a babá dos seus filhos, foi presa no Aeroporto de Guarulhos ao tentar entrar no Brasil com um revólver calibre 38 na bagagem de mão, o que configura crime de tráfico de armas. Ela estava acompanhada da sogra de Jaua e, segundo o ministro informou à Justiça, ele as havia mandado buscar na Venezuela em um avião da estatal de petróleo PDVSA para ajudar a cuidar de sua mulher, que viera fazer um tratamento médico no Hospital Sírio-Libanês. Ele teria pedido à babá que trouxesse uma maleta de mão com documentos, mas que não se esquecesse de tirar a arma de dentro. Jeanette, surpreendentemente, não teria encontrado a arma, e resolveu trazer a maleta assim mesmo. Beneficiada com um pedido de habeas corpus, Jeanette foi solta e voltou à Venezuela no dia 31. Junto com o revólver, a Polícia Federal encontrou centenas de páginas de documentos que o delegado Enio Salgado classificou como sendo de "cunho eleitoral e doutrinário". A papelada foi apreendida e cópias foram enviadas para a Justiça Federal. Algumas pessoas que manusearam as brochuras descreveram o seu teor com os adjetivos "forte", "preocupante" e "explosivo". A primeira página de uma delas traz o que parece ser o sumário de uma palestra ou aula ensinando como fazer uma revolução socialista, com itens como "Identificar e neutralizar o inimigo (derrota permanente)" (veja a reprodução de trecho na pág. 79). Na semana passada, a juíza Luciana Jacó Braga, da 5ª Vara Federal de Guarulhos, decretou segredo de Justiça sobre o conteúdo da maleta, que inclui uma agenda de contatos de Jaua, e determinou a lacração dos originais guardados em um cofre na delegacia da PF no aeroporto. Além de proteger as informações pessoais do ministro, a magistrada tomou a iniciativa para evitar o que ela considera um potencial "incidente diplomático". Apesar disso, cópias do material foram encaminhadas para a análise da Procuradoria Eleitoral do Ministério Público Federal. Caso fique confirmada a prática de crime eleitoral ou qualquer outro, os procuradores iniciarão uma nova investigação. Um dos crimes que as autoridades já identificaram é o de falso testemunho por parte de Jaua e do cônsul da Venezuela em São Paulo, Robert José Torrealba Torres. Em relatório enviado à Justiça — que, por um descuido inofensivo, está com data errada —, o delegado federal Enio Salgado afirma que o diplomata "faltou com a verdade ao afirmar que o objetivo da presença do ministro no Brasil seria acompanhar a sua esposa". O embuste também foi sustentado pelos venezuelanos no habeas corpus apresentado à Justiça em favor de Jeanette. A versão de que o propósito da visita de Jaua ao Brasil era levar a mulher para tratamento médico começou a ser desmontada só depois da votação de segundo turno, quando um vídeo produzido por um canal de TV estatal venezuelano mostrou os dois na assinatura de um convênio com o MST na cidade de Guararema, a 80 quilômetros de São Paulo. Na semana passada, em uma carta intitulada "Esclarecimentos ao povo venezuelano", em que procura justificar o uso do avião da PDVSA para o que parecia ser uma viagem pessoal, Jaua se contradisse mais uma vez. Declarou que sua presença no Brasil foi motivada por uma agenda de trabalho de quatro dias e que sua mulher, que o acompanhava, sofreu uma emergência médica e precisou ser hospitalizada. A mudança de versão desagradou até ao Itamaraty, que sob os governos petistas é orientado a ser complacente com os abusos bolivarianos. O ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, convocou o encarregado de negócios Reinaldo Segovia, que interinamente responde pela Embaixada da Venezuela em Brasília, para reclamar do fato de Jaua não ter informado à chancelaria brasileira sua visita, como é de praxe. "A agenda de trabalho não notificada do ministro venezuelano poderia ser interpretada como ingerência nos assuntos internos do Brasil, pois não condizia com as boas relações entre ambos os países", afirmou a assessoria de imprensa do Itamaraty por meio de nota. Embora o governo brasileiro não soubesse da agenda política de Jaua, próceres petistas conheciam os motivos de sua visita. Além dos companheiros do MST, a vice-prefeita de Curitiba, Mirian Gonçalves (PT), recebeu o venezuelano, que saiu da reunião carregando sob o braço uma brochura do plano de governo da candidata petista derrotada ao governo do Paraná, Gleisi Hoffmann. Quando era estudante de sociologia na Universidade Central da Venezuela, nos anos 90, Jaua militava na facção clandestina de um movimento marxista chamado Bandera Roja ("Bandeira Vermelha", em espanhol). Sua função era convencer os participantes a pegar em armas contra o governo democraticamente eleito da Venezuela. Há relatos de que, nesse período, ele saía encapuzado a queimar ônibus, orquestrar sequestros e roubar bancos. Chegou a ser investigado pela polícia secreta por terrorismo. A fase de black bloc precoce culminou com a tentativa de golpe de 1992. No governo chavista, paralelamente aos cargos oficiais que ocupa, Jaua controla a Frente Francisco de Miranda, a milícia mais radical do bolivarianismo, criada há onze anos. Sua missão é reprimir e amedrontar os cidadãos que não apoiavam Chávez e, agora, o presidente Nicolás Maduro. Mais de 120.000 jovens recrutados pela Frente já passaram por um adestramento ideológico em Cuba. Na Venezuela, eles ocupam cargos públicos, fazem parte dos colectivos armados e aparecem sempre que o governo precisa "defender a revolução bolivariana". Formalmente, a Frente Francisco de Miranda não existe. Mesmo no poder, a clandestinidade não sai de Jaua. Militares venezuelanos com acesso a informes da inteligência entrevistados por VEJA não têm dúvida de que a atuação de Jaua e da Frente não se restringe à Venezuela. "Jaua sempre esteve dedicado a reunir-se com grupos subversivos em todo o continente", diz o general Raul Salazar, ministro da Defesa no primeiro ano do governo Chávez. Jaua definiu o convênio assinado com o MST como algo "essencial numa revolução socialista, que é a formação, a conscientização e a organização do povo para defender o que foi alcançado e avançar na construção de uma sociedade socialista". Ao mentir até o limite sobre o real motivo de sua visita ao Brasil, ele demonstrou ter muito a esconder — possivelmente, uma grave ingerência em assuntos internos brasileiros. A resposta pode estar no cofre da PF em Guarulhos. PLAN DE AGENDA POLÍTICA DEL GOBIERNO RECOLUCIONARIO (Qué hacer, Cuándo, Dónde y Cómo) OBJETIVOS INDICADORES DE LA AGENDA 1- Eficaz en lo político 2- Cientifica en su concepción estratégica y comunicacional – Con iniciativas. 3- Enfrentar crisis o conflitos reales / Matrices en contra. 4- Marcar y neutralizal al enemigo (Derrota permanente) 5- Determinar victorias y alertas tempranas. 6- Imagen del presidente y líder de la revolución. 7- Estados de opinión. 4#2 ESTAVA RUIM, FICOU PIOR Obama levou uma sova dos republicanos na eleição de meio de mandato. Se quiser governar nos dois anos que lhe restam, não tem outra opção a não ser entrar em um acordo com a oposição FELIPE CARNEIRO Com dois partidos fortes, as eleições americanas tradicionalmente terminam com diferença pequena de votos. Depois da divulgação dos resultados, a discussão costuma ser se o vencedor tem ou não mandate. O termo inglês tem um significado diferente de "mandato", o período em que o eleito fica no cargo. Diz respeito à autoridade e ao poder que as urnas conferem — ou não — aos vitoriosos. Quanto maior a diferença em pontos percentuais, maior costuma ser o mandate. Quando, em 2012, Barack Obama foi reeleito presidente com apenas 3,8% de vantagem sobre o rival, sua debilidade ficou evidente. Seu partido, o Democrata, já tinha perdido a maioria na Câmara dos Deputados e suas iniciativas sempre paravam nomeio do caminho. A reforma na saúde desagradou aos que tinham planos de saúde e desandou em dificuldades burocráticas. A ideia de legalizar milhões de imigrantes ilegais também ficou estagnada. A política externa entrou numa fase vacilante. O desempenho econômico não é dos piores entre os países ricos, mas mesmo assim mais da metade dos americanos desaprova o atual governo. Na terça-feira passada, eles votaram nas eleições que ocorrem no meio de cada mandato presidencial e deram preferência à oposição republicana, que aumentou a vantagem na Câmara, conquistou o Senado e ainda levou 24 governos estaduais, dos 36 em disputa. Se Obama já não tinha mandate, ficou com menos ainda. A questão então passou a ser se os republicanos, agora maioria nas duas casas legislativas, terão o seu. Mas mandate não é destino. Reverter um que começou fraco pode ser uma meta factível para um presidente, desde que tenha disposição para tal. O republicano Ronald Reagan, na década de 80, e o democrata Bill Clinton, nos anos 1990, passaram a maior parte do tempo negociando com adversários para implantar suas reformas. Mesmo George W. Bush, criticado por iniciar duas guerras no Oriente Médio, mudou de postura quando seu partido perdeu a maioria nas duas Casas em sua segunda gestão. "As eleições acabaram, e os democratas ganharam. Agora vamos trabalhar juntos nesses dois anos para atingir grandes objetivos para o país", disse Bush. Ele então reconheceu pela primeira vez que os Estados Unidos não estavam ganhando a guerra iniciada em 2003 no Iraque e demitiu o secretário da Defesa. "A história nos mostra que presidentes sem mandate bem-sucedidos fazem governo de centro, adotando muitas das ideias da oposição", diz a cientista política americana Patrícia Conley. No dia seguinte ao pleito em que seu partido saiu derrotado, Obama deu sinais de não ter aprendido essa lição. Quando jornalistas perguntaram se ele estaria disposto a alterar suas prioridades após a derrocada democrata, ele respondeu com uma proposta antiga, já barrada pelos republicanos: o aumento do salário mínimo. Obama foi além e ameaçou seguir com a reforma da imigração por meio de decreto, sem o aval dos deputados e senadores. "Um dos principais pontos de dissenso é a lei da imigração. A recusa do presidente em negociar e ceder nesse ponto, se confirmada, deve imobilizar o governo até 2016", diz o cientista político Gary Segura, da Universidade Stanford. Os republicanos, que com a votação da semana passada conseguiram a maior vantagem numérica na Câmara desde a II Guerra, tiveram uma postura diferente, em sintonia com o que a população deseja. "O eleitor médio não quer saber se o presidente é de centro ou de direita. Ele quer ter garantias de que o filho terá uma vida melhor que a sua, e a falta de diálogo em Washington provoca insegurança", diz o sociólogo Aaron Smith, do instituto Pew Research Center. Mitch McConnell, o atual líder da bancada republicana no Senado, que na próxima legislatura desempenhará função equivalente no Brasil à do presidente da Casa, disse: "Eu não espero que o presidente acorde amanhã e veja o mundo de forma diferente da que via hoje cedo. Ele sabe que eu também não mudei. Mas temos a obrigação de trabalhar juntos em temas em que possamos concordar". Em política, dialogar não significa apenas ouvir a oposição, mas saber ceder para encontrar consenso. Para satisfazer seus eleitores, Obama e republicanos podem tentar avançar em temas como a necessidade de buscar mais acordos de livre-comércio, algo que vinha sendo barrado pelos senadores democratas. Pode sair agora a Parceria Transpacífico, um tratado para facilitar o comércio com países como Austrália, Vietnã, Japão e Chile. Há também um interesse mútuo em reduzir impostos para empresas e cidadãos, o que ajudaria a economia — mas desagrada a muitos democratas. A corrida de Obama e do Congresso republicano por um mandate começou. ____________________________________ 5# GERAL 12.11.14 5#1 GENTE 5#2 VIDA DIGITAL – BATALHA NA TERRA DE GIGANTES 5#3 AMBIENTE – A CULPA É NOSSA 5#4 EDUCAÇÃO – O MAPA DO TESOURO 5#5 SAÚDE – É PRECISO ATITUDE CONTRA A AIDS 5#6 COMPORTAMENTO – A EMOÇÃO FALA MAIS ALTO 5#7 DEMOGRAFIA – AGORA É “AFUNDOU, AFOGOU” 5#8 PERFIL – O NEYMAR DO PÔQUER 5#9 GUSTAVO IOSCHPE – ESTAMOS ACABANDO COM O PÁIS 5#1 GENTE JULIANA TAVARES. Com Thaís Botelho MAMMA MIA! A imagem tem 57 anos e continua como uma das mais famosas de Hollywood. Agora que SOPHIA LOREN, uma das personagens da foto, está lançando uma biografia, o olhar enviesado desferido sobre JAYNE MANSFIELD é contado em seus divertidos detalhes. "Era uma festa organizada para mim. Jayne foi a última a chegar e seguiu direto para minha mesa, para onde ela sabia que estavam todos olhando", conta Sophia, então a rainha do cinema italiano, sobre Jayne, uma espécie de Marilyn Monroe duas-estrelas, morta num acidente de carro em 1967. "Eu fiquei olhando para os seios dela porque estava com medo de que eles caíssem no meu prato. Aquilo podia estourar e espalhar tudo pela mesa." Jayne, cujo sutiã, quando usado, abarcava incríveis e naturais 104 centímetros, era chamada de O Busto. FIM DE JOGO Ela entrou para o time de Daniela Cicarelli, Sthefany Brito e Deborah Secco, lindas ex-mulheres de jogadores. Anunciada agora, mas arrastando-se há meses, a separação entre CAROLINE CÉLICO e Kaká sofreu o primeiro pênalti quando o jogador viajou para Fernando de Noronha, em junho, com amigos e sem a mulher. "Lá, ele se aproximou de uma ex-miss Brasil. Carol soube e perdoou o marido", conta um amigo do ex-casal. Eles tentaram reatar, mas sucederam-se os lances definitivos: em 23 de setembro, acabou o contrato publicitário que os dois tinham com uma marca de doce; além disso, Kaká, que hoje joga no São Paulo, resolveu se mudar para um time americano em 2015. Carol ficará com os dois filhos por aqui. MODA VELÓRIO O protocolo para atos fúnebres é austero: preto e pérolas. É claro que quando a missa é em memória de um estilista, e da casta de Oscar de la Renta, a cerimônia permite certas liberdades. Destaques: BARBARA WALTERS – O casaco da apresentadora era preto e, vá lá, pérola — uma obra do morto. Mas a bolsa vermelha... ANNA WINTOUR – A baita pedra azul da jornalista passa porque era aniversário dela. E porque com diaba, nessa hora, ninguém mexe. LAURA BUSH – Uma das tantas primeiras-damas que De la Renta vestiu e uma das raras a não sair da regra. HILLARY CLINTOS – Como antecedeu Laura e talvez substitua Obama, tem direito a umas bijuterias a mais para iluminar. DIONE VON FURSTENBERG – Pele e pulseiras, incluindo a que desenhou para uma joalheria brasileira. SEMPRE AOS DOMINGOS Fazendo uma conta por alto, foi como se a música Domingo de Manhã, cantada por MARCOS & BELUTTI com todas as suas rimas exóticas, tivesse tocado no rádio 127 vezes, todos os dias, de janeiro a outubro; foi a mais executada do ano. "No começo, não gostamos dela. Ainda bem que nosso empresário insistiu, dizendo: 'Gravem. Ela vai mudar a vida de vocês'", conta Marcos, que, na verdade, se chama Leonardo — mudou o nome também por sugestão do empresário, pois sertanejo Leonardo já existe um. Juntos desde 2008, foi só agora, com Domingo, que os amigos paulistas começaram a ter vida de astro, o que envolve carro blindado e mansão de milhões. "Ir ao Faustão foi o dia mais importante da nossa vida", diz Marcos. 5#2 VIDA DIGITAL – BATALHA NA TERRA DE GIGANTES A Apple entra de vez em uma área na qual a arquirrival Samsung dominava: a dos smartphones grandalhões. As duas empresas disputam à unha a preferência no segmento que mais cresce deste mercado. JENNIFER ANN THOMAS O Brasil entrou na guerra dos smartphones grandões, uma tendência global. Na sexta-feira passada, a Apple abriu as reservas on-line do iPhone 6, com 10 milhões de unidades vendidas em seu primeiro fim de semana em lojas estrangeiras, em setembro (e desde já é um dos presentes mais ambicionados para o Natal). A estrela é a linha Plus (veja ao lado, em tamanho original). A Samsung pôs nas prateleira o rival Note 4. Os concorrentes disputam um mesmo espaço, o da busca por telas maiores. O iPhone 6 regular tem tela de 4,7 polegadas, 17% maior que a de seu antecessor, o que já evidencia a tendência de crescimento desses aparelhos, toada puxada justamente pela Samsung. O Plus vai além: é 37% maior, com tela de 5,5 polegadas. A Apple, zelosa pelo marketing e nomes cuidadosamente imaginados, não gosta do termo, mas que fique claro: trata-se de um "phablet", apelido dado aos celulares encorpados que ficam a meio caminho entre um smartphone tradicional e um tablet. E são preferidos na Ásia, mercado onde os americanos não se firmaram. Telas maiores, mas não tão grandes que não caibam numa bolsa feminina, são o santo graal da tecnologia. "Não usamos mais o telefone só como telefone. Vemos mapas, avaliamos restaurantes, mandamos mensagens, ouvimos música", disse Don Norman, diretor do laboratório de design da Universidade da Califórnia. "A tela se tornou importantíssima, e uma pequena é ruim de usar." No primeiro trimestre de 2014 foram comprados, no mundo, 280 milhões de smartphones com tela acima de 5 polegadas. As vendas aumentaram 370% entre 2012 e 2013 e, com o novo Plus, da Apple, a expectativa é que cresça ainda mais em 2014. É, disparado, a fatia que mais incha no mercado de smartphones, que, no todo, aumenta 20% ao ano. A entrada da Apple nessa categoria surpreenderia há três anos. O lendário fundador da companhia, Steve Jobs, morto em 2011, repudiava os smartphones maiores. Dizia, em provocação à concorrência: "Ninguém vai comprar um telefone tão grande que mal dá para segurar". Só que a Apple (cuja cultura empreendedora foi construída por Jobs) é conhecida por se renovar. O segredo dela está em saber entrar em mercados que já existiam, mas capengavam, revolucionando-os. Fez isso com computadores, tocadores de música, smartphones, tablets e agora tenta com phablets — e também com os relógios inteligentes, que começam a ser vendidos já a partir do início de 2015. A batalha no reino dos aparelhos gigantes alimenta a intensa rivalidade entre a americana Apple e a sul-coreana Samsung. As empresas se revezam em rankings de smartphones mais vendidos. Nos tablets, a Samsung ameaça cada vez mais a liderança absoluta do iPad; e o recém-apresentado Apple Watch concorre com o relógio equivalente da Samsung, o Galaxy Gear, lançado em 2013. Só que, ao mesmo tempo em que fabricam produtos de mesma sorte, as concorrentes imprimem características distintas neles, o que faz com que fãs protagonizem discussões esquentadas. Há argumentos válidos de ambos os lados. O design da Apple é pioneiro e singular. Já a Samsung é conhecida pela tecnologia de ponta (escondida, é verdade, sob carcaças não tão belas) e por vender barato seus produtos. Ambas têm méritos: os americanos criam padrões de beleza e funcionalidade; sul-coreanos lideraram a popularização de smartphones e tablets, principalmente nos países em desenvolvimento. COMO O IPHONE 6 PLUS SE SAI CONTRA SEU RIVAL DIRETO, O NOTE 4, DA SAMSUNG, ESTRITAMENTE NO ASPECTO TÉCNICO (AMBOS CHEGARAM AO BRASIL NA SEMANA PASSADA] PREÇO iPhone 6Plus: 3599 reais Samsung Note 4: 2899 reais [vencedor da categoria] TELA iPhone 6Plus: 5,5 polegadas, com resolução de 1920 por 1080 pixels Samsung Note 4: 5,7 polegadas, com resolução de 2560 por 1440 pixels [vencedor da categoria] O display de melhor qualidade faz com que as cores pareçam mais naturais. VELOCIDADE iPhone 6Plus: Processador de dois núcleos Samsung Note 4: Processador de oito núcleos [vencedor da categoria] Venceu testes comparativos CÂMERA PRINCIPAL iPhone 6Plus: 8 megapixels Samsung Note 4: 16 megapixels [vencedor da categoria] A altíssima resolução é mantida mesmo que as fotos sejam exibidas em telas maiores, como as de televisores. CÂMERA FRONTAL iPhone 6Plus: 1,2 megapixel Samsung Note 4: 3,7 megapixels APLICATIVOS iPhone 6Plus: 1,3 milhão [vencedor da categoria] Os aparelhos dispõem de quantidade similar de apps, mas a Apple possui mais programas exclusivos do que o Andraid, principalmente nas listas de mais baixados. Samsung Note 4: 1,3 milhão BATERIA iPhone 6Plus: 24 horas [vencedor da categoria] (12 horas com acesso contínuo à internet) O primeiro iPhone com bateria que chega a durar um dia Samsung Note 4: 11 horas (9 horas com acesso contínuo à internet) 5#3 AMBIENTE – A CULPA É NOSSA O mais contundente estudo sobre as mudanças climáticas conclui, em definitivo: a ação do homem aquece o planeta e, com isso, o destrói. Mas ainda podemos reverter a situação. RAQUEL BEER A última parte do quinto relatório do Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da ONU, reafirma, desta vez com ainda mais dramaticidade, quão severas são as consequências para o planeta dos excessos do comportamento humano. Lançado na semana passada, o documento, com ênfase nos efeitos do aquecimento global, conclui um trabalho realizado por mais de 800 pesquisadores de todo o mundo ao longo de cinco anos. Sobressaem três pontos fundamentais. Primeiro: os milhares de dados que relacionam ações do homem às mudanças climáticas tornam inegável nossa culpa no descompasso do planeta. O IPCC afirma que a probabilidade de essa informação estar correta é de 95%. Segundo: apesar da saudável e sensata cultura de sustentabilidade que se espalhou na sociedade, tanto na iniciativa privada quanto na pública, continuamos a aumentar o ritmo de emissão de dióxido de carbono (o CO2), o grande vilão da história, a uma taxa alarmante. Terceiro: é preciso cortar entre 40% e 70% das emissões globais até 2050, e em 100% até 2100, para assegurar um futuro suportável. Disse o climatologista indiano Rajendra Pachauri, presidente do IPCC: "Para evitar o caos, sabemos que temos de mudar de forma drástica. Há pouco tempo pela frente antes que não tenhamos mais a oportunidade de permanecer abaixo dos 2 graus de aquecimento". Mesmo nesse cenário de menos de 2 graus, a esperança de Pachauri (e de todos os que prezam pela saúde do planeta) para o amanhã, haverá consequências (veja ao lado). Felizmente, os estragos são mitigáveis. Se continuarmos a emitir CO2 na quantidade atual, estima-se que a temperatura global se eleve em 4,8 graus até o fim do século. Isso faria diminuir a produção agrícola mundial a ponto de a fome se espalhar (o cultivo de soja na região amazônica, por exemplo, teria uma queda de 44% da produção até 2050, e seria impossível plantar café no sudeste do país até o fim do século). O ritmo de extinção de espécies de animais e vegetais assumiria contornos irreversíveis. Em 2080, o número de pessoas sem acesso a água potável de qualidade se tornaria 38% maior do que era na década de 80. Em locais onde tempestades seriam intensificadas, como no Brasil, as enchentes se multiplicariam. Soa apocalíptico, e talvez seja mesmo, se não houver um freio, ancorado nos extraordinários avanços da pesquisa científica em busca, sobretudo, de fontes alternativas de energia. "Mesmo se as emissões de CO2 cessassem hoje, sofreríamos", disse a VEJA o climatologista peruano José Marengo, do IPCC. O Ártico deve ver sumir espécies endêmicas da região, um dos atalhos para a mudança definitiva do ecossistema. Áreas da Amazônia devem se transformar em savanas similares às africanas. A acidificação dos oceanos já destrói recifes, que podem desaparecer quase que por completo. E esse é o cenário ameno, ao qual só chegaremos com o corte total de emissões de gases de efeito estufa ainda neste século. Mas, afinal, é possível atingir esse objetivo, em uma sociedade tão dependente da queima de combustíveis fósseis? O relatório do IPCC, apesar das tintas sombrias, é otimista. Para atingir a meta, é necessária uma mudança de cultura e de comportamento de governos, e também de indivíduos. Já há tecnologias capazes de implementar fontes de energia alternativa em larga escala. Segundo a Administração de Informação de Energia dos Estados Unidos, todo país do mundo tem ao menos um recurso renovável abundante que poderia ser usado. Um relatório do órgão prevê que essa é a situação dos próprios Estados Unidos, o segundo maior emissor de gases de efeito estufa. Se seguirem planos sustentáveis, os americanos devem dobrar o uso de energias solar, eólica e geotérmica até 2040. A China, o maior emissor, agora lidera também em investimentos em fontes renováveis. No ano passado, injetou 56,3 bilhões de dólares em obras nesta área, o equivalente a 61% dos gastos de países emergentes. No Brasil, a meta será atingida apenas se o mal maior, o desmatamento, especialmente o da Amazônia, for interrompido. Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, deixou um recado: "A ciência se pronunciou, o tempo não está ao nosso lado e os líderes devem agir". Na primeira semana de dezembro, os governantes se reunirão em uma nova edição da Cúpula do Clima (COP), no Peru, para definir políticas sustentáveis. O evento é anual, mas a expectativa é grande, porque se construirão ali as linhas gerais do tratado a ser assinado em 2015 na Cúpula de Paris, substituto do Protocolo de Kyoto, publicado nos anos 90 e que regula as emissões globais de gases de efeito estufa. Mesmo diante das evidências, muitos cientistas ainda defendem a tese de que o aquecimento não é causado pelo homem, mas sim por ciclos naturais da Terra. Ressalte-se que as medidas cautelosas que pretendem conter as mudanças climáticas são benéficas de qualquer forma. Agir com responsabilidade é um generoso aceno a todos os ecossistemas, à manutenção da qualidade de reservas de água (cada vez mais escassas) e do ar que respiramos. O zelo ambiental faz a sociedade mais rica tecnologicamente. Cuidar é sinônimo de inteligência. A conclusão do quinto relatório do IPCC, órgão de estudos climáticos da ONU, estabeleceu como meta a elevação de no máximo 2 graus na temperatura global até o fim deste século. A seguir, como esse aumento se distribuirá pelo planeta e quais serão os danos, mesmo em um cenário positivo, no qual se espera o corte total das emissões de CO, até 2100. AMÉRICA DO NORTE Efeitos: altas temperaturas e secas causarão incêndios, perda de biodiversidade e mortes; regiões costeiras terão tempestades, enchentes e ciclones. AMERICA CENTRAL E DO SUL Efeitos: enchentes e proliferação de doenças transmitidas por insetos; no Brasil, o aquecimento na Amazônia pode transformar a floresta em uma savana. EUROPA Efeitos: a elevação do nível do mar provocará inundações; no extremo sul, será o contrário, haverá secas. ÁFRICA Efeitos: diminuição de chuvas e intensificação de secas. ÁSIA Efeitos: mortes em consequência do calor e falta de comida e água. PÓLOS Efeitos: derretimento do gelo, extinção de espécies e acidificação do oceano, o que piora a qualidade da água. ESCALADA DO CARBONO As emissões de dióxido de carbono (CO2) crescem exponencialmente. A taxa de aumento continua alarmante: 2,5% ao ano. Ano: 1850 Emissão de CO2 (em toneladas): 198 milhões O que impulsionou o aumento: Revolução Industrial O maior emissor: INGLATERRA População mundial: 1,2 bilhão Ano: 1890 Emissão de CO2 (em toneladas): 1,3 milhão O que impulsionou o aumento: Chegada da industrialização a países fora da Europa O maior emissor: ESTADOS UNIDOS População mundial: 1,5 bilhão Ano: 1930 Emissão de CO2 (em toneladas): 3,8 bilhões O que impulsionou o aumento: Início da industrialização em países em desenvolvimento O maior emissor: ESTADOS UNIDOS População mundial: 2 bilhões Ano: 1970 Emissão de CO2 (em toneladas): 14,5 bilhões O que impulsionou o aumento: A industrialização chega de vez à China O maior emissor: ESTADOS UNIDOS População mundial: 3,7 bilhões Ano: 2011 Emissão de CO2 (em toneladas): 32,2 bilhões O que impulsionou o aumento: A Ásia se torna responsável por metade das emissões globais O maior emissor: CHINA População mundial: 7 bilhões Ano: HOJE Emissão de CO2 (em toneladas): 36,1 bilhões O que impulsionou o aumento: As emissões da China crescem 4% ao anoe as da Índia, o terceiro lugar no ranking, 5% O maior emissor: CHINA População mundial: 7,2 bilhões 5#4 EDUCAÇÃO – O MAPA DO TESOURO Livro mostra como Finlândia, Coreia do Sul e Polônia transformaram suas escolas em fábricas de bons alunos. Para o Brasil, é uma lição atrás da outra. LIZIA BYDLOWSKI Milhões de jovens se debruçam neste fim de semana sobre as provas do Enem, teste que pode lhes abrir a porta para a universidade e para o futuro. É um passo natural: nessa fase da vida, em qualquer lugar do mundo algum tipo de avaliação servirá de funil para as boas faculdades. Mas a generalização para aí. A diferença — enorme — está no tipo de ensino que encaminha os jovens ao exame que definirá sua vida; no Brasil, como se sabe, ele é de baixíssima qualidade. A receita básica para virar o jogo está no livro As Crianças Mais Inteligentes do Mundo (Editora Três Estrelas), recém-lançado no Brasil, no qual a jornalista americana Amanda Ripley esmiúça as reformas que fizeram de três países — Finlândia, Coreia do Sul e Polônia — verdadeiras fábricas de bons alunos. O motor da transformação não foi uma população de jovens superdotados (apesar do que sugere o título superlativo), mas sim um conjunto de iniciativas de governos para enxugar e modernizar currículos, treinar e retreinar professores, tendo a meritocracia como régua de todas as decisões e incutindo nos alunos o ideal de estar sempre entre os primeiros. O resultado, em números: Coreia (4º), Finlândia (7º) e Polônia (12º) estão entre os países mais bem avaliados no mais respeitado ranking da educação, o Pisa. Bom seria se a mensagem reverberasse no Brasil, o 57º (entre 65). Não se trata de investir mais dinheiro e esperar que a excelência brote por geração espontânea, enfatiza o livro. Campeões mundiais em gastos por aluno, os Estados Unidos apenas patinam entre os medianos, na 29ª posição no Pisa. Os realmente bons em sala de aula souberam voltar os olhos para o essencial: o professor. As reformas no ensino desses países (a partir dos anos 1960 na Finlândia e na Coreia e do fim dos 1990 na Polônia) cuidaram de tornar a carreira docente competitiva e atraente para os melhores. O estudante finlandês que quer entrar na faculdade de pedagogia precisa estar entre os 30% com as notas mais altas na escola (no Brasil, ele vem justamente da banda dos 30% piores da classe). Na Coreia, o professor chega a ser um pop star, tamanha a admiração que desperta. Ganha bem, mas também é vigiado de perto no cumprimento de metas e na preparação dos alunos para enfrentar a concorrência, muito mais intensa em um mundo sem fronteiras. Os estudantes, por sua vez, passaram a encarar a escola com mais dedicação, visto que, no sistema que privilegia o mérito, só passa quem aprende, e bem. Para entender melhor essas transformações e identificar a divisa entre o médio e o ótimo, Amanda acompanhou sistematicamente, por um ano, a experiência de alunos de intercâmbio americanos em escolas da Finlândia, Coreia do Sul e Polônia. Notou que um dos fatores determinantes do êxito desses três países é o rigor que impera na sala de aula, seja por parte dos alunos, que não faltam, cumprem todas as tarefas e se curvam à disciplina, seja por parte dos professores, sem condescendência com quem fica para trás. Amanda relata a conversa com um professor que dava aulas a uma classe de filhos de imigrantes na Finlândia. ''Não penso na origem social e familiar deles", disse. "Tenho de educá-los. Se pensasse nessas coisas, acabaria dando notas melhores mesmo a um desempenho ruim." Rigor é conceito igualmente decisivo na Coreia do Sul — embora lá extrapole todos os limites. Povoa o país uma multidão de pais e filhos obcecados com provas e notas, porque estar entre os primeiros da turma é a única forma de entrar em uma das três universidade de elite coreanas, o sonho dourado nacional. Por mais cruel que seja, porém, essa "cultura de sadomasoquismo educacional", como define a autora, funciona melhor do que um sistema educacional indiferente. "As crianças aprendem a pensar criticamente, a argumentar e resolver problemas, ou seja, saem preparadas para o mundo moderno", resumiu Amanda a VEJA. A demonstração mais cabal do tipo de percepção que promove a excelência na educação aparece em um diálogo entre a estudante americana Kini, de 15 anos, e suas colegas na escola finlandesa. "Por que vocês levam a escola tão a sério?", pergunta Kini, pasma. "De que outro jeito vamos conseguir nos formar, ir para a universidade e arranjar um bom emprego?", rebatem as meninas, mais pasmas ainda. Nos países campeões do ensino, essa simplicidade de propósitos não é obra do acaso. Em As Crianças Mais Inteligentes do Mundo — best-seller incluído na lista de melhores livros de 2013 da revista The Economist e dos jornais Wall Street Journal e Washington Post —, aprende-se que ela é fruto de um sistema que leva o mérito às últimas consequências e de uma cultura que produz professores e alunos altamente responsáveis. No fim da linha, há o incentivo de um exame definitivo, que exige preparação intensa. E, no começo de tudo, um governo que enfrenta a própria inércia e interesses poderosos (políticos, sindicais, familiares, burocráticos) para, enfim, fazer a indispensável lição de casa. No Brasil, ela ainda está em branco. 5#5 SAÚDE – É PRECISO ATITUDE CONTRA A AIDS Pesquisa revela como os brasileiros encaram a doença. A imensa maioria sabe como se prevenir, mas muita gente ainda dispensa o uso de camisinha e não tem o hábito de fazer o exame de HIV. NATALIA CUMINALE Aos 25 anos, o ator e bailarino Rafael Bolacha viu sua vida mudar radicalmente. Sem alterar os hábitos alimentares nem a rotina de atividade física, em apenas três semanas ele perdeu 5 quilos. Preocupado, procurou um médico. Entre os exames pedidos, o de HIV. Alguns dias depois, veio o resultado positivo para o vírus causador da aids. Foi um baque. "Raramente fazia sexo sem proteção", lembra. As poucas vezes em que Bolacha diz ter se exposto ao perigo foram por confiar no parceiro ou por estar sob o efeito do álcool. Hoje, aos 30 anos, o bailarino se dedica a conscientizar outros jovens sobre os riscos do HIV. Em breve, adaptará um livro de sua autoria, Uma Vida Positiva, para os palcos, em São Paulo. "Os jovens de hoje acham que estão imunes à contaminação", diz. "E, se contraírem o vírus, acreditam que é só tomar os remédios que poderão levar uma vida normal." Não é assim. Para manter o HIV sob controle, Bolacha toma seis comprimidos por dia. Não é fácil. O bailarino convive com crises diárias e severas de diarreia. Bolacha não é exceção. A imensa maioria dos brasileiros sabe como o vírus é transmitido e como se proteger, mas muita gente ainda dispensa o uso do preservativo e não tem o costume de fazer o teste de HIV. Esse é o resultado de um levantamento conduzido pelo Departamento de Pesquisa e Inteligência de Mercado da Editora Abril, que edita VEJA. Parte integrante do projeto Atitude Abril — Aids, campanha institucional do Grupo Abril para a conscientização sobre a doença, o trabalho ouviu, via internet, em todo o Brasil, 15.002 homens e mulheres acima de 16 anos — 20% deles se declararam virgens e 5%, portadores do HIV. Dos sexualmente ativos, 11% têm relações desprotegidas e, deles, 33% não procuram investigar se carregam ou não o vírus. Outros levantamentos nacionais indicam números ainda maiores de displicência. Pelo menos metade dos brasileiros nunca ou raramente se protege durante o sexo. Deles, um em cada dois nunca fez o teste. Diz o infectologista Artur Timerman, uma das maiores autoridades brasileiras em aids: "Ter informação sobre determinada doença é diferente de ter consciência sobre ela. As pessoas sabem que é importante usar camisinha, mas ainda não introjetaram essa informação". Atualmente 720.000 brasileiros estão infectados pelo HIV. Desses, um em cada cinco não sabe que está contaminado. Da pesquisa Atitude Abril — Aids emergiram três perfis de risco — os jovens de 16 a 24 anos; os homens acima de 50 anos; e as mulheres com mais de 30 anos. A seguir, VEJA esmiúça o comportamento de cada um desses grupos. Os jovens não têm medo Jovens de classe média contaminados pelo vírus da aids em baladas regadas a muito álcool e drogas têm se tornado figuras frequentes nos consultórios dos infectologistas. A probabilidade de um jovem praticar sexo inseguro é cinco vezes maior se ele tiver bebido demais. De acordo com os dados do Ministério da Saúde, as infecções pelo HIV entre rapazes e moças de 15 a 24 anos cresceu cerca de 25% entre 2003 e 2012. Na pesquisa Atitude Abril — Aids, 8% dos jovens até 24 anos declararam não usar camisinha. Outros levantamentos, no entanto, revelam dados mais assustadores. Segundo pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), divulgada no início do ano, um terço dos rapa zes e moças de 15 a 24 anos dispensa a proteção. Os especialistas são unânimes em afirmar que, na realidade, esse número deve ser ainda maior. O projeto Atitude Abril — Aids traz um dado revelador dessa realidade. Apenas um em cada quatro jovens associa a palavra medo à doença. A juventude do século XXI não testemunhou o horror dos primórdios da epidemia de aids. No início dos anos 80, quando não havia os remédios antirretrovirais, a infecção pelo HIV representava uma sentença de morte. Entre o diagnóstico e a fase terminal, transcorriam, em média, cinco meses. No fim da década de 90, com a criação do coquetel antiaids, foi possível prolongar, com qualidade, a vida dos portadores por tempo indeterminado. É comum também o jovem dispensar a camisinha à noite e, no dia seguinte, recorrer ao uso profilático do coquetel. Administrados até 72 horas depois da exposição ao vírus, os medicamentos podem conter a proliferação do HIV. A maioria não leva em conta, no entanto, a extensa e dolorosa lista das reações adversas dos antirretrovirais — depressão, diarreia, anemia e gastrite, entre outras. No levantamento Atitude Abril — Aids, 36% dos entrevistados não acreditam nos graves efeitos colaterais dos medicamentos antiaids ou os desconhecem. A displicência da maturidade Entre 2003 e 2012, as contaminações por HIV no Brasil cresceram assustadoramente entre as pessoas acima de 45 anos (veja o quadro abaixo). Nesse universo, os homens com mais de 50 anos despertam a preocupação dos especialistas. De cada 100 entrevistados na enquete Atitude Abril — Aids, 47 têm relações sem camisinha. Outros trabalhos apontam um cenário ainda mais sombrio, em que esse índice chega a 63%. Apesar do comportamento de risco, 31% na pesquisa da Abril nunca se submeteram ao exame de HIV. Mas por quê? A maioria tem certeza de que não tem o vírus. Igualmente estarrecedor é o dado de que 11% não fazem o teste porque têm medo de descobrir que estão infectados. É um comportamento de altíssimo risco. O aumento da incidência de aids nesse grupo está diretamente associado aos avanços no tratamento da disfunção erétil. Os comprimidos antiimpotência lançados no fim da década de 90 afastaram o fantasma da impotência, e muitos homens recuperaram o vigor sexual. Eles, no entanto, não estavam habituados à camisinha. Um em cada três entrevistados para o Atitude Abril — Aids reconhece ter dificuldade para usar o preservativo. E o motivo? Para a maioria, porque atrapalha a ereção. A exagerada confiança feminina A paraense Gygy Maciel descobriu ser portadora do HIV aos 34 anos. Ela estava recém-separada. Fragilizada por causa do divórcio. Gygy começou a namorar seu ortopedista. Confiava plenamente nele, tanto que nunca cogitara o uso da camisinha. O relacionamento durou cerca de um ano. Pouco depois, por sugestão de uma amiga em comum, Gygy fez o exame. Positivo para o HIV. Das participantes do projeto Atitude Abril — Aids com 34 anos, em média, 14% dizem fazer sexo sem proteção porque, em sua maioria, confiam no marido ou namorado. Fora do universo das entrevistadas, o número de brasileiras nessa faixa etária que têm o mesmo comportamento está por volta de 52%. O QUE SABEM E COMO SE COMPORTAM Um levantamento com 15.002 pessoas, realizado pelo Departamento de Pesquisa e Inteligência de Mercado da Editora Abril, que publica VEJA, avaliou os conhecimentos dos brasileiros sobre a aids e o que eles fazem de fato para se proteger da doença. Na teoria 98% sabem como se contrai o HIV. 97% conhecem os mecanismos de prevenção. 76% têm conhecimento sobre como fazer o teste. Na prática, porém 11% dos sexualmente ativos não usam camisinha 33% deles nunca fizeram o teste de aids OS PERFIS DE RISCO QUE MAIS PREOCUPAM OS MÉDICOS Homens acima de 50 anos 47% não usam preservativo As justificativas (* das mais para as menos citadas) • Pouca ereção • Falta de costume • Preconceito • Comprometimento do prazer 22% nunca fizeram exame de HIV porque têm certeza de que não estão contaminados. Jovens até 24 anos 8% não usam camisinha Justificativas (* das mais para as menos citadas) • Confiança no parceiro • Comprometimento do prazer • Falta de tempo 60% dizem não precisar se submeter ao exame porque não têm o HIV Mulheres de 34 anos, em média 14% não usam camisinha Justificativas (* das mais para as menos citadas) • Confiança no parceiro • Diminuição do prazer 59% não vêem necessidade de realizar o teste porque não teriam como contrair o HIV NOVO PERFIL Em uma década, observa-se no Brasil uma tendência ao aumento nas taxas de detecção do HIV entre jovens de 15 a 24 anos e entre adultos com 45 anos ou mais. TAXA DE DETECÃO POR 100.000 HABITANTES 15 a 24 anos 2003: 9,4 2012: 11,8 25 a 29 anos 2003: 36,4 2012: 30,9 30 a 34 anos 2003: 49,2 2012: 41,1 35 a 39 anos 2003: 50,5 2012: 42,9 40 a 44 anos 2003: 44,3 2012: 40,2 45 a 49 anos 2003: 34,2 2012: 36,8 50 a 54 anos 2003: 24,6 2012: 28,9 55 a 59 anos 2003: 18,1 2012: 20,8 Fonte: Ministério da Saúde 5#6 COMPORTAMENTO – A EMOÇÃO FALA MAIS ALTO A economia comportamental se apoia na psicologia para estudar como as pessoas agem e reagem diante das mais diversas situações da vida. Seus adeptos revolucionaram a teoria econômica ao atribuir à emoção e à irracionalidade peso preponderante na tomada de decisões, processo que se acreditava ser quase sempre dominado pela razão. Um dos grandes expoentes dessa corrente, o israelense Dan Ariely, 47 anos, é conhecido por tê-la popularizado na academia e fora dela, por meio de suas mais de 1000 pesquisas sobre consumo, finanças e tantas outras áreas em que empregou o método científico para dissecar os mecanismos das escolhas humanas. Formado em psicologia, doutor em economia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e autor de vários best-sellers, Ariely mantém ainda um blog em que trata de forma palatável aos leigos de temas espinhosos, como a desonestidade e a mentira. MALU GASPAR E CECÍLIA RITO NÓS, SERES IRRACIONAIS Mesmo pessoas mais escolarizadas e supostamente cientes de seus atos tendem a se guiar pela busca da recompensa imediata, sem avaliar os prejuízos futuros de suas escolhas, ainda que elas se revistam de um certo verniz de razão. A irracionalidade governa a maior parte de nossa vida. Essa constatação rompe com uma lógica que perdurou por muito tempo, aquela segundo a qual o homem seria predominantemente racional, ideia sobre a qual os economistas pavimentaram suas pesquisas e modelos. Erra quem insiste nessa tecla. As pesquisas mostram que é o curto e não o longo prazo que impera na hora de optar. Comer demais, gastar em vez de poupar, mandar mensagens de texto ao volante são atitudes corriqueiras despregadas da racionalidade e fincadas no terreno da satisfação instantânea. À pergunta "Você prefere perder um voo por dois minutos ou por duas horas?", a resposta unânime é: duas horas. Por quê? Porque, por dois minutos, a pessoa acredita até o fim que vai conseguir pegar o voo e sua frustração será bem maior. É uma explicação totalmente irracional. Mas quem disse que o ser humano é racional? QUANTO MAIS CARO, MELHOR O cérebro trabalha o tempo todo tentando antecipar o futuro e nos preparando para ele. Se o preço de um produto é alto, as expectativas sobre o grau de satisfação que trará se elevam e as chances de que de fato proporcione uma boa experiência também. Muitos estudos já foram conduzidos sobre esse mecanismo, que nos faz moldar a realidade segundo o que esperamos dela. Certa vez, coordenei no MIT uma pesquisa que testava a reação de pessoas doentes a placebos com dois preços, e o resultado só confirmou a regra geral: as que compraram o placebo mais caro ficaram curadas; as outras não. ATENÇÃO, GOVERNOS As políticas públicas partem do pressuposto de que há sempre uma coerência lógica nas escolhas humanas, o que é um equívoco. Olhe a pena de morte nos Estados Unidos: o castigo máximo aos criminosos tem como objetivo fazê-los pesar o tamanho da punição antes de agir. Mas não há nenhuma evidência de que contribua para a baixa da criminalidade, justamente porque a imensa maioria não pesa nada sobre o futuro; só olha o aqui e agora. Mais eficiente seria adotar medidas preventivas — de efeito a longo prazo, é verdade, mas ao menos duradouro — como investir firme em educação. Obviamente isso não quer dizer que penas severas para a bandidagem não sejam necessárias, nem que vamos varrer a criminalidade só com escolas melhores. EFEITO MANADA A desonestidade é altamente contagiosa, espalha-se como praga, em efeito manada. As pessoas tendem a reproduzir mentiras e trapaças benfeitas, tentação que deriva da necessidade humana de estar sempre em vantagem sobre o vizinho. O fato de todo mundo ter seus desvios certamente serve de atenuante, como um anestésico à ética. O que se sobrepõe, de novo, é o curtíssimo prazo em detrimento do futuro; a irracionalidade no lugar da razão. As bolhas financeiras são uma boa expressão disso na economia real. Elas nascem quando os investidores percebem que outros estão ganhando dinheiro com um ativo e embarcam na onda, sem olhar com muita objetividade para a realidade concreta. Acrescentamos a nosso juízo um componente de excitação, que vem da convicção de estar investindo em algo valioso e disputado. É como aquele restaurante com fila na porta. Todo mundo acha que é bom. Fila atrai fila. CAUSA E CONSEQUÊNCIA A sensação de desvantagem é um potente motor para a desonestidade. Em uma pesquisa que fizemos com alemães, os da extinta Alemanha Oriental mentiram mais do que os do lado ocidental. O motivo, concluímos, estava na frustração de expectativas: quem foi criado no lado socialista ouviu a vida inteira promessas de um futuro melhor, que não se concretizaram. Quando houve a unificação, ficaram cara a cara com o abismo financeiro que os separava dos alemães do oeste e essa frustração alimentou a mentira. Outro estudo nosso mostrou que, qualquer que fosse a situação econômica dos participantes, sempre que um deles se convencia de que, apesar de sua capacidade e inteligência, tivera azar enquanto os outros se saíam bem, essa pessoa se tornava mais propensa a mentir e trapacear. Sentir-se prejudicado é mais uma desculpa comum para ser desonesto. OLHO NO OUTRO A felicidade é uma questão de comparação, porque é na comparação que calculamos valores. Pensando de forma racional, o salário de alguém é melhor ou pior conforme a quantidade de bens que ele consegue comprar ou a condição de vida que dá à família. Mas não é assim que as pessoas percebem as coisas. Para saber se o que eu ganho é adequado, se estou feliz com meu salário, o que conta mesmo é saber quanto ganha o meu colega ao lado. 5#7 DEMOGRAFIA – AGORA É “AFUNDOU, AFOGOU” Os governos europeus não vão mais resgatar náufragos de navios lotados de imigrantes africanos que, comumente, afundam durante a travessia do Mediterrâneo. NATHALIA WATKINS Nos últimos dez meses, mais de 3300 pessoas morreram tentando atravessar o Mar Mediterrâneo para chegar à Europa. O número de vítimas é mais do que o dobro do registrado em 2013. Na segunda-feira 3, um barco afundou na costa da Turquia com cerca de quarenta afegãos e sírios, incluindo crianças. A embarcação improvisada estava superlotada, como as demais que fazem percursos similares. Não há como não se comover com a desesperança que leva milhares de cidadãos da África e do Oriente Médio a se arriscar em travessias precárias. Apesar disso, os países europeus estão reduzindo as operações de resgate. No mês passado, a Inglaterra decidiu que não vai mais apoiar ações de busca e salvamento. O governo acredita que o principal efeito dessa ajuda é encorajar mais imigrantes a tentar a viagem clandestina. A principal operação italiana, a Maré Nostrum, foi suspensa na semana passada. A justificativa inglesa tem na Itália seu melhor argumento. Desde outubro de 2013, quando dois naufrágios mataram 400 imigrantes, a Itália investiu 11,4 milhões de dólares por mês em salvamentos com mais de trinta barcos, submarinos e helicópteros. Como resultado, o número de imigrantes mais que dobrou. A tese de que as operações de resgate estimulam as travessias clandestinas não é compartilhada por alguns especialistas. "Os imigrantes e refugiados estão desesperados e determinados a completar o trajeto, independentemente dessas medidas", diz Ryan Schroeder, da Organização Internacional para a Migração, baseada em Genebra. Nem sequer ações restritivas, como a construção de cercas e muros, têm tido muito efeito. A explicação para isso é que os motivos que levam as pessoas a aceitar os riscos para chegar à Europa são mais fortes do que o medo de morrer no caminho. Os imigrantes do Oriente Médio fogem dos efeitos da guerra civil na Síria e da falta de perspectiva nos campos de refugiados dos países vizinhos. Os africanos tentam escapar da miséria e de lutas tribais. Há dois meses, um barco em que viajavam 500 refugiados na rota do Egito para Malta foi afundado propositalmente pelos traficantes de pessoas apenas porque alguns passageiros se recusaram a trocar a embarcação maior por uma menor, mais frágil, para percorrer o trecho final do percurso. "Quanto mais difícil fica chegar ao destino, mais cara e perigosa se torna a viagem para os refugiados", diz a socióloga inglesa Bridget Anderson, especialista em migração da Universidade de Oxford. Atualmente, os principais portos de saída estão na Líbia, onde o vácuo de poder após a queda do ditador Muamar Kadafi facilita a atuação dos traficantes. Ao chegarem lá, muitos migrantes são sequestrados, torturados e achacados. Os que escapam desse destino e conseguem pagar pela viagem são amontoados em barcos de pesca que levam entre 400 e 700 pessoas ou em botes de borracha com até 150 passageiros. O preço para ser traficado para a Europa é determinado pela nacionalidade do migrante. Na Líbia, um cidadão da África Subsaariana paga entre 1000 e 1500 reais. Para os sírios, o valor é o dobro. A omissão europeia levanta o dilema moral da responsabilidade sobre os migrantes. Historicamente, os países abriram ou fecharam suas fronteiras dependendo de suas necessidades econômicas. Foi assim nos Estados Unidos e no Brasil. As barbáries cometidas nas duas guerras mundiais fizeram com que valores como a solidariedade entre os povos se fortalecessem. "O compromisso de todos os Estados civilizados é o respeito à humanidade dentro de suas fronteiras, daí a tradição de conceder asilo a quem vem de lugares onde isso não ocorre", diz o filósofo Roberto Romano. A Europa construiu, a partir de então, a imagem de oásis dos direitos humanos e tornou-se o principal destino de quem é perseguido em seu país. A chegada sem controle de milhares de migrantes, o custo elevado para recebê-los e o alto nível europeu de desemprego, contudo, mudaram o peso desses valores. "A restrição europeia à imigração era inevitável, pois o Estado de bem-estar social está esgotado. Com isso, fica difícil manter a imagem de defensora dos direitos humanos", diz o filósofo Luiz Felipe Pondé, da Faap. As boas intenções estão afundando no mar de problemas que circundam a Europa. 5#8 PERFIL – O NEYMAR DO PÔQUER O santista Bruno "Foster" Politano é o primeiro brasileiro numa final do WSOP, a Copa do Mundo do carteado. Ele disputará 10 milhões de dólares com oito rivais. FILIPE VILICIC Em seu primeiro dia de pôquer em Las Vegas, o santista Bruno "Foster" Politano quase perdeu tudo. Não por ser um aventureiro que resolveu testar a sorte em um cassino. Foster é um jogador profissional e disputava o World Series of Poker (WSOP, a Copa do Mundo da modalidade) no cassino Rio, cujo nome homenageia a Cidade Maravilhosa. Haviam sobrado ele e um americano na mesa. O rival aumentou o pot (as fichas apostadas), Foster colocou mais, e o adversário deu all-in (quando se levam à mesa todas as fichas). Para continuar, o brasileiro precisava igualar a aposta, arriscando 70% de suas fichas. Lembra ele: "Olhei para o americano, que tinha perdido muito e estava desesperado, e observei sua expressão corporal. Ele se exibia". No pôquer, quando um jogador está bem, costuma disfarçar. Foster tinha uma dupla de valetes, o que é bom, mas não tanto, e resolveu apostar que o rival blefava. Acertou, e o americano disse adeus ao torneio. "Se tivesse errado, dificilmente me manteria com poucas fichas e iria embora para casa”, lembra Foster. "O pôquer exige um árduo preparo mental para saber agir em situações tensas." O brasileiro passou invicto por outros cinco dias, deixou para trás 6600 jogadores e se classificou para a mesa final. Nesta segunda-feira, 10, ele disputará em Las Vegas o prêmio de 10 milhões de dólares com oito concorrentes, em evento que será transmitido ao vivo pelo canal pago ESPN. É o primeiro brasileiro a chegar tão longe no pôquer. Nascido em Santos, no litoral de São Paulo, Foster, de 32 anos, começou a jogar como um passatempo, aos 21 anos, em Fortaleza, cidade para a qual se mudou quando criança. Ele e alguns amigos aprenderam as regras rapidamente e fizeram uma partida cujo prêmio era um ingresso de cinema e um jantar. Já demonstrando talento, Foster ganhou. Desde então, passou a se aprofundar no pôquer, lendo livros teóricos e jogando com amigos e em sites. "Logo resolvi testar minha habilidade em torneios on-line e off-line", recorda ele, que hoje treina quase diariamente vendo vídeos de adversários, em partidas, lendo sobre o comportamento de mentirosos (como os que blefam) ou mesmo em aulas particulares no exterior. Nas disputas, Bruno Politano adotou o apelido de Foster, o mesmo que usava em um game virtual durante a adolescência e que criou inspirado em uma cerveja australiana de nome similar. Como o pôquer não é considerado um jogo de azar, mas, sim, de habilidade mental (veja o quadro abaixo), os campeonatos são permitidos. Foster ganhou uma série de torneios, inclusive uma etapa do Campeonato Brasileiro, em 2009. Por receio, não revela quanto faturou ao todo com premiações. Mas garante ter lucrado 1000 vezes o que investiu em inscrições e treinamentos — até agora, em prêmios máximos de cerca de 100.000 reais. Trata-se de fichinha perto do que disputará em Vegas. "Poderia viver do pôquer, mas preferi continuar a trabalhar", disse Foster, também dono de uma rede de lojas de artigos femininos. Apesar de não existir, formalmente, um Mundial de pôquer, essa alcunha é dada ao WSOP. Quem sai vencedor leva o status de melhor do mundo, além do prêmio que equivale ao triplo do que ganhou o tenista sérvio Novak Djokovic como campeão de Wimbledon neste ano. Foster, porém, entra como zebra, por estar na última posição da mesa em número de fichas, de acordo com seu desempenho nas classificatórias. Só que, mesmo se for o primeiro desclassificado, em nono lugar, embolsará 730.000 dólares, ou 73 vezes os 10.000 dólares da inscrição. Consagra-se, desde já, como o maior nome brasileiro do pôquer. O Brasil é novato na área. A Confederação Brasileira estima que haja aqui em torno de 4 milhões de praticantes de texas hold'em, a modalidade mais popular (a do WSOP), na qual cada jogador recebe duas cartas e tem de combiná-las com outras três de cinco viradas pelo crupiê. Ganha quem monta a melhor sequência, com base em um ranking no qual as combinações de cartas menos prováveis são as mais valiosas. Mas a grande maioria dos brasileiros é composta de amadores e iniciantes, visto que em 2009, o ano de fundação da confederação, havia apenas 500.000 jogadores. O país com maior tradição são os Estados Unidos, onde o pôquer foi inventado, em meados do século XIX, que hoje contam com 60 milhões de adeptos. No evento principal do WSOP deste ano havia cerca de 4500 americanos (e só sessenta brasileiros). "Mas crescemos no Brasil em ritmo igualável apenas pelo mixed martial arts, do UFC", diz Igor Trafane, presidente da confederação. "Ter um brasileiro entre os melhores é consequência do nosso esforço para popularizar o pôquer." O campeonato brasileiro já é o segundo com mais participantes no mundo, atrás do WSOP. Figuras famosas, como o jogador Neymar, jogam, o que ajuda na propaganda. Conclui Foster: "Ter um campeão brasileiro seria ótimo para impulsionar essa explosão do pôquer". E engordaria, em muito, sua conta bancária, é claro. UM JOGO DA MENTE Para um não iniciado, o pôquer pode parecer um jogo no qual apenas a sorte é decisiva. Se fosse assim, o pintor americano Cassius Marcellus Coolidge teria acertado em cheio ao criar, no início do século passado, a série Dogs Playing Poker (Cachorros Jogando Pôquer; acima, um de seus quadros), na qual mostra cães no carteado. Afinal, um buldogue conseguiria não só jogar, como sair vencedor. Bastaria receber as cartas, virá-las e esperar para ver quem tem mais sorte. Mas não é assim. Em 2010, o pôquer foi integrado à Associação Internacional dos Esportes da Mente, o que o pôs no patamar do xadrez, do bridge e do jogo de damas, e serviu de pretexto para liberar de vez os torneios no Brasil, em vários estados americanos e em algumas regiões da Europa. Na mesa de pôquer, o que menos conta é ser sortudo. O que vale é ser bom de matemática e um ás em decifrar expressões faciais e corporais. Diz Bruno Foster, o brasileiro que disputará a final do maior torneio de pôquer do mundo: "Se não fosse assim, como explicar que há jogadores que foram treze, onze, dez vezes campeões mundiais? Não é possível nascer com tanta sorte a mais que os outros". Na mesa, tudo é cálculo (por isso há muitos jogadores excepcionais com formação em matemática ou física). Há 2.598.960 sequências de cinco cartas possíveis. Um profissional precisa saber que, quando ele sai com um 10 e um valete de mesmo naipe na mão, é grande a chance de ganhar contra quatro adversários, mas bem menor se tiver apenas um rival. No um contra um, vale mais um par de 6 (chance de 62,8% de vencer), o que seria uma mão singela numa disputa com quatro. Além dos que têm talento para as contas (mais aptos para decidir se entram ou não em disputas), destacam-se os que são bons em identificar blefes. Exemplo: quando um oponente está com uma boa mão, costuma se sentar de forma rija e levantar as sobrancelhas ao ver as cartas. É uma reação natural, difícil de controlar, mas que um profissional sabe reconhecer. "A mesa cria uma disputa mental intensa na qual sai perdedor aquele que vacila antes no jogo de simular reações, ou na matemática", conclui Foster. COM REPORTAGEM DE GABRIELA NERI 5#9 GUSTAVO IOSCHPE – ESTAMOS ACABANDO COM O PÁIS Há algumas semanas, dei uma palestra em um evento sobre educação, organizado por uma grande empresa e sediado em uma escola. Havia muitos educadores e alunos na plateia. Compartilhei alguns dos dados preocupantes sobre o fracasso do nosso sistema educacional. Expus minha oposição ao plano — agora consagrado em lei — de investirmos 10% do PIB em educação, notando que o único país que investe nesses patamares é Cuba. (Não porque aprecie sobremodo a educação, mas porque não tem PIB: qualquer meia dúzia de vinténs já dá 10% do PIB cubano...) Depois da minha fala, vieram as perguntas do público. Sempre que há professores na plateia, estas perguntas se repetem: não é muito simplista/ reducionista/alienado falar apenas em qualidade do ensino através do domínio dos conhecimentos de linguagem, matemática e ciências medidos por meio de exames como a Prova Brasil, o Enem e o Pisa? A função da educação não vai muito além disso? Não seria formar o cidadão crítico e consciente, engajado na construção de um país mais justo? Respondi o que sempre respondo nesses casos: a educação brasileira está tão mal — incapaz até mesmo de alfabetizar seus alunos ou ensinar-lhes as operações matemáticas básicas — que podemos gerar um consenso abarcando desde os stalinistas do PSTU até o neoliberal mais empedernido. Quer você deseje gerar o próximo Che Guevara, quer um operário preparado apenas para trabalhar numa linha de montagem, ambos precisam ser alfabetizados e dominar as operações matemáticas básicas. Então vamos primeiro focar a criação de um sistema educacional que garanta a 100% de seus alunos o direito de aprender pelo menos essas competências básicas, e deixemos as discussões ideológicas para outras áreas e outros momentos. Para mim, isso tudo é de uma obviedade mais do que ululante. Qual não foi a minha surpresa quando, ao terminar, fui interpelado por uma meia dúzia de adolescentes, na faixa dos 15 anos, alunos daquela escola, dizendo-se indignados com meu desprezo por milênios de linguagem oral, meu menosprezo pelos analfabetos ("Então o senhor acha que é preciso ler para ter conhecimento?!") e minhas críticas ao "grande" modelo cubano. Sim, sim, tem bastante gente ainda pensando assim em 2014, não estou brincando! Caiu o Muro de Berlim, e eles ainda estão sonhando em descer a Sierra Maestra. Você deve estar pensando que essa escola era da rede pública de alguma biboca do nosso interior profundo, administrada por uma prefeitura de partido socialista, certo? Pois é, eis a minha surpresa: essa escola, senhores e senhoras, está no Rio de Janeiro, na divisa entre a Barra da Tijuca e Jacarepaguá, e — esta é a melhor parte — pertence ao Sesc. Sim, o Serviço Social do Comércio, mantido pelos empresários e funcionários das áreas de comércio e serviço através de impostos cobrados na folha salarial. Longe de ser exceção, essa dinâmica é a regra: escolas e universidades de entidades privadas, algumas inclusive com fins lucrativos, estão entupindo o cérebro de seus alunos com a mais rasteira e ignóbil doutrinação política marxista. Depois, quando esses alunos se tornam adultos e passam a comandar o país, os donos e diretores dessas escolas e universidades passam anos a fio reclamando (com razão) do intervencionismo estatal e do viés antiempresarial dos líderes... que eles mesmos formaram! Não acredito que esse tiro no pé seja intencional. É só miopia ou visão de curto prazo. Nas universidades, as áreas de pedagogia e licenciaturas são muito desprestigiadas, e acabam se tornando incompetentes. Formam maus professores, mas ninguém se importa, porque, como muito poucos prefeitos ou governadores são cobrados pela qualidade do ensino que oferecem, mesmo o mau professor não terá muita dificuldade de se encaixar no mercado, desde que tenha o diploma. Como os cursos não precisam ter qualidade, o jeito de reter aquele aluno é dizendo-lhe o que ele gosta de ouvir. De preferência, algo fácil de entender. Como esse é um público muito idealista, que já vem doutrinado do ensino médio, e como os pedagogos responsáveis por esses cursos também estão, na maioria dos casos, imbuídos de um sentido de missão revolucionária, o que você acha que esses cursos fazem? Trilham o caminho difícil de transmitir o domínio da didática e da matéria a ser ensinada ou optam por falar do papel revolucionário do professor, da missão grandiloquente da formação do cidadão crítico etc.? Sim, eles optam pelo caminho do ensino raso recheado por profundo doutrinamento. E assim se formam os professores que formarão as futuras gerações. Lendo estas linhas você deve estar com um misto de compaixão e desprezo pelos proprietários de nossas universidades, investindo hoje na criação do seu opositor de amanhã. Mas eles não são os maiores culpados pela situação que vivemos. Sabe quem é? Você. Sim, você, que tem recursos para ler esta revista e, provavelmente, para pôr seu filho em uma escola particular. Você que faz parte da elite financeira e intelectual do país, que representa a sua liderança. Pois eu pergunto a você: qual foi a última vez que leu um livro didático de história ou geografia adotado pela escola do seu filho? Se você for como a maioria dos pais, deve fazer muito tempo. Você sabe que seus filhos estão ouvindo nas escolas diatribes contra o capitalismo e a burguesia brasileira (leia-se: você) e elogios ao modelo cubano e outros lixos socialistas? Provavelmente não sabia. É provável que só esteja preocupado com que seu filho entre em uma boa universidade, preferencialmente pública, em que o doutrinamento rastaquera praticado na escola será substituído por uma panfletagem esquerdista travestida de intelectualidade. Ou talvez até saiba o que está se passando mas não tenha vontade suficiente para debater com os professores e diretores, mantidos pela sua mensalidade, o lixo mental que seu filho recebe diariamente. Você que se preocupa com a saúde física do seu filho a ponto de obrigá-lo a comer arroz integral e tomar suco verde não dispõe da mesma energia e entusiasmo para fazer com que seu cérebro seja preservado dos detritos descarregados diariamente pela escola que você financia. Talvez acredite que não importa o que seu filho ouve na escola: você corrige os desvios de caminho em casa. E pode ser até que tenha razão. Mas os 83% de alunos que estudam em escolas públicas têm pais cujo nível de instrução é muitas vezes insuficiente até para ajudar na alfabetização do filho. Certamente não conseguirão fazer o mesmo nem saberão que seu filho está sendo vitimado pela historiografia marxista, ou mesmo que há outras historiografias possíveis. O resultado das últimas eleições mostra que não é possível construir um país nos três meses que antecedem a votação. Mostra que, sim, é ótimo que a nossa elite ganhe muito dinheiro, progrida e tenha condições de passar um tempo em Miami, Paris ou onde bem lhe aprouver, mas que só isso não basta: precisamos de uma elite empenhada em alterar a realidade do país, não em fugir dela. O Brasil está criando pessoas que desconfiam da democracia, dos valores republicanos, de sua própria capacidade empreendedora. Se as lideranças do país continuarem se abstendo da discussão que mais importa — a de valores, de identidade, de aspirações nacionais —, continuaremos colhendo atraso e frustração. Não se constrói um país desenvolvido sem elites. Esse debate é indelegável. Já passou da hora de termos uma escola apolítica, sem doutrinação, que consiga fazer com que nossos alunos pensem e tenham os instrumentos para pôr de pé seus sonhos de vida. Não podemos nos furtar desse debate nem adiá-lo. Ele começa hoje, na sua sala de jantar, na escola de seus filhos. Aproveite essa liberdade enquanto a temos. GUSTAVO IOSCHPE é economista _______________________________________ 6# ARTES E ESPETÁCULOS 12.11.14 6#1 LIVROS – ELOGIO DA TRAIÇÃO 6#2 LIVROS – VIVEU, VIU E OUVIU 6#3 MÚSICA – DO FUNDO DA GAVETA 6#4 TELEVISÃO – OS MAIS FOFOS PESADELOS 6#5 CINEMA – SEM SAMBA NO PÉ 6#6 VEJA RECOMENDA 6#7 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 6#8 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – AS URNAS PELO AVESSO 6#1 LIVROS – ELOGIO DA TRAIÇÃO Maior voz literária de Israel, Amós Oz examina, em seu novo romance, a figura de Judas – e também narra uma delicada história de amor e amizade. JERÔNIMO TEIEIRA, DE TEL-AVIV “Você vai ver Amós? Amós Oz?”, pergunta, em inglês o motorista de táxi – magro, óculos escuros, cabelo grisalho com rabo de cavalo – ao ser informado do endereço em Ramat Aviv, bairro elegante de Tel-Aviv. Não, ele não conhece pessoalmente esse que talvez seja hoje o maior dos escritores israelenses, mas já conduziu outros passageiros para o lar do autor de Fima e A Caixa Preta. O passageiro pergunta se o taxista leu algum dos livros de Oz, e o tom da conversa logo muda de amistoso para beligerante. “Não, eu não concordo com o que ele pensa”, responde o motorista. E engata um longo discurso sobre a absoluta impossibilidade de paz entre israelenses e palestinos. “Não podemos negociar com esses animais”, diz. Minutos depois, Oz recebe a reportagem de VEJA na ampla sala de seu apartamento no 12º andar, cercado de prateleiras de livros e com um janelão aberto para a paisagem da cidade, apenas uma franja azul do Mediterrâneo no horizonte. Acomodado no sofá, ao lado do afável gato Freddie, o escritor, escaldado no debate público, são se surpreende quando ouve a respeito das opiniões do taxista. “Israel é um país de 8 milhões de cidadãos, 8 milhões de primeiros-ministros, 8 milhões de profetas e messias. Todos acham que sabem o que é melhor. Taxistas, quando me reconhecem de alguma entrevista na televisão, de imediato começam a me educar em política e literatura”, diz. Adiante na entrevista, porém, ele fala da traição, um tema basilar em seu novo romance, Judas (tradução de Paulo Geiger; Companhia das Letras; 368 páginas; 44,90 reais, ou 29,90 reais na versão eletrônica) – e volta ao motorista: “Por toda a minha vida, fui chamado de traidor por causa de minhas posições políticas. Suponho que seu taxista deva pensar que sou um traidor. Mas, em alguns casos, o título de traidor vale por uma medalha de honra”, diz, fazendo o gesto de que prega uma condecoração na própria camisa. Oz esclarece que não está falando do “traidor trivial”, que vende sua lealdade por dinheiro, mas de pessoas que afrontam a resistência a mudanças de seu tempo e lugar. Cita exemplos históricos como Abraham Lincoln, que, ao abolir a escravidão nos Estados Unidos, terá sido visto como traidor por metade do país. E houve traidores na sua vizinhança: "Quando o presidente egípcio Anuar Sadat veio a Israel para firmar o acordo de paz, grande parte do mundo árabe o chamou de traidor. Quando o primeiro-ministro israelense Menachem Begin devolveu o Sinai a Sadat em troca de paz, muitos israelenses o chamaram de traidor". Em um ousado lance criativo do romancista, Judas, o apóstolo que traiu Jesus por trinta moedas de prata, é incluído nessa companhia. Aos 75 anos, Amos Oz é, além de grande escritor, um eloquente defensor da divisão do país em dois Estados, um judeu e o outro árabe, como a única alternativa para a paz. "Pelo barulho que se faz aqui, parece que o país tem o tamanho do Brasil ou da China, mas é menor que a Sicília. No entanto, aqui é o único lar dos árabes palestinos e dos judeus israelenses. Será doloroso mas inevitável dividir essa terra em dois países", diz. Identificado com a esquerda moderada, Oz viveu décadas em um kibutz, fazenda coletiva de inspiração socialista, e diz que lá aprendeu lições sobre a natureza humana que foram preciosas para seu ofício (Entre Amigos, livro de contos recentemente publicado no Brasil, é todo ambientado em um kibutz). Estabeleceu-se na cosmopolita Tel-Aviv há poucos anos, para viver mais próximo de filhos e netos — antes, levava uma vida mais bucólica em Arad, no Deserto de Negev. Não é propriamente um pacifista: lutou na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e na Guerra de Yom Kippur, em 1973, e ainda neste ano apoiou, com ressalvas, a ação militar israelense na Faixa de Gaza. Diz que conversa regularmente com intelectuais palestinos, mas não aceita ouvir o Hamas, grupo terrorista que domina Gaza e que prega a extinção do Estado de Israel. "Não há concessão a fazer com quem quer o fim de Israel. Não posso sugerir que Israel exista só às segundas, quartas e sextas", diz. A expressão "voz da razão" é recorrente, quase um clichê, em reportagens sobre o autor na imprensa ocidental. Como é esperado dele, Oz responde a perguntas sobre política recente com serenidade e agudeza (veja a entrevista na pág. ao lado), mas também com certa impaciência. Seu desejo é falar da nova criação ficcional. "Qualquer taxista pode dar uma conferência sobre a política no Oriente Médio. Mas só eu escrevi Judas", diz. Falemos, então, de Judas. O título do romance é esse na maior parte das traduções ocidentais, mas, no original, seria O Evangelho segundo Judas — ocorre que em hebraico o nome Judas (Iehuda) é muito comum, e não levanta, por si só, as conotações de traição a que a palavra está associada no mundo cristão. Apesar do título, esse não é um livro centrado em eventos bíblicos. Embora admire O Evangelho segundo Jesus Cristo, do português José Saramago. Oz diz que não queria escrever sobre "personagens que vestem túnica e sandálias e vivem entre cabras". A história se passa na Jerusalém moderna, entre 1959 e 1960, quando a cidade ainda estava dividida, com uma zona controlada pela Jordânia. O jovem Oz viveu nessa Jerusalém conflituada e define a experiência como "claustrofóbica". O protagonista é um jovem e atrapalhado estudante, Shmuel Asch, que tem vagos planos de escrever uma tese sobre como os judeus, ao longo da história, viram a figura de Jesus Cristo. A tese empaca; quase ao mesmo tempo, Shmuel é abandonado pela namorada e perde o sustento, pois seus pais passam por sérias dificuldades financeiras. Há algo de cômico no azar do personagem (Oz permitiu-se um fugaz mas satisfeito sorriso quando o entrevistador lhe disse que Shmuel lembrava uma criação humorística do russo Nikolai Gógol), mas ele ao mesmo tempo é dotado de inteligência e sensibilidade. Shmuel aceita uma estranha oferta de emprego e moradia como acompanhante de um idoso e idiossincrático intelectual, Guershom Wald — que, mais do que um cuidador, precisa de um interlocutor, alguém que escute suas perorações sobre a natureza criminosa de todas as crenças e ideologias redentoras (Shmuel, de início socialista e admirador da então recente revolução cubana, aos poucos vai absorvendo esse ceticismo). Na casa, mora ainda a impetuosa e independente Atalia, viúva de Micha, o filho de Wald. O pai de Atalia, Shaltiel Abravanel, fora um excêntrico militante sionista: acreditava que Israel não deveria ser uma nação independente, mas um território sob mandato internacional, onde viveriam lado a lado árabes e judeus. Por essas ideias heterodoxas (e irreais), ele acaba expulso do movimento sionista. Sai com a pecha de traidor: reaparece o tema de Judas. Há apenas um capítulo em que Judas, o próprio, aparece como personagem — fica a sugestão de que se trata de um escrito de Shmuel, mas isso não é dito explicitamente. Na versão do romance, Judas não vendeu Jesus por dinheiro. Preço médio de um escravo então, trinta moedas de prata não representariam muito para um homem de família rica. Ele seria, na verdade, o mais fervoroso dos seguidores de Jesus: acreditava que seu mestre era mesmo o Messias e que desceria da cruz, à vista de todos, para instaurar uma nova era de paz sobre a Terra. Não é, como o próprio Oz diz, o que "os meninos católicos ouvem na escola". Mas não há aqui nenhuma iconoclastia barata: o escritor afirma que a figura de Jesus lhe inspira fascínio e admiração, e isso de fato transparece na narrativa. O centro da história, porém, está no presente, na improvável mas genuína relação de afeto (eventualmente algo mais do que isso) que se estabelece entre Shmuel, Atalia e Guershom Wald. "Um pequeno milagre acontece ali", Adisse Oz na entrevista. É um romance sutil, delicado, sustentado mais pela lenta composição de personagens do que por grandes viradas de enredo. E, embora não se recuse a mergulhar na história, recente (Micha morre nos conflitos que se seguiram à independência de Israel) ou de longo curso (a associação antissemita entre Judas e o povo judeu é extensamente discutida), o livro conquista o leitor de fato pela frágil e comovente humanidade de seus três protagonistas. Haverá outras vozes da razão em Israel — mas nenhuma outra voz capaz dessa narrativa. NÃO SE VIRA A OUTRA FACE Respeitada voz pública nos debates sobre o conflito israelo-palestino, o escritor Amos Oz deseja a paz — mas não quer conversa com o Hamas, grupo terrorista que governa Gaza. Durante a guerra em Gaza, em julho e agosto, o senhor disse que a ação militar israelense foi "excessiva mas necessária". Por quê? Quando Israel é bombardeado por uma chuva de mísseis, não se pode esperar que o país ofereça a outra face. Mas não era necessário destruir tantas casas em Gaza para repelir a agressão do Hamas. Isso poderia ter sido realizado de forma mais sutil e cautelosa. Qual a perspectiva de paz duradoura? A razão profunda da tragédia em Gaza é o desespero. Quando eu era criança, minha avó me disse: "Nunca lute com um garoto que não tem nada a perder". É vital para Israel que Gaza deixe de ser esse garoto. Acredito que, se um Estado palestino existir na Cisjordânia, próspero e em paz com Israel, as pessoas de Gaza terão tanta inveja que derrubarão o Hamas. Traço esta linha: simpatizo com o sofrimento do povo de Gaza, mas desprezo o Hamas. Não pode haver solução de compromisso com quem prega o fim de Israel. Qual a chance de uma solução de compromisso entre as atuais lideranças de Israel e da Autoridade Palestina? Não votei nem votarei no primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Seu governo é intransigente. Faltam-lhe empatia e imaginação, necessárias para a resolução de conflitos. E as mesmas qualidades faltam à Autoridade Palestina. 6#2 LIVROS – VIVEU, VIU E OUVIU Ex-mulher de Fernando Collor, Rosane Malta lança biografia com revelações sobre PC Farias e rituais de magia negra na Casa da Dinda. THIAGO PRADO Como primeira-dama, Rosane Collor nunca se destacou pela beleza, pela inteligência ou pelo carisma. Mas, no centro do poder, testemunhou muito de perto a maior crise do Brasil pós-ditadura militar — o impeachment do marido, o ex-presidente Fernando Collor. Mais do que isso, nos 22 anos em que esteve casada com Collor, foi a pessoa mais próxima do ex-presidente no período de sua fulgurante ascensão e queda. Desde que se separou da forma mais litigiosa possível, há nove anos, Rosane sumiu de cena, salvo por uma entrevista para o Fantástico. Agora, a primeira-dama mais jovem a subir a rampa do Planalto está de volta com Tudo o que Vi e Vivi (Leya; 222 páginas; 39,90 reais), que chega às livrarias nos próximos dias. No livro, Rosane Malta, como ela se assina, relata as brigas do casal, mas vai além. Mesmo sem dar detalhes importantes, diz que Collor tinha, sim, uma conta conjunta com seu tesoureiro de campanha, o notório PC Farias — algo que o ex-presidente sempre negou. Há anos o senador recémreeleito por Alagoas admite que ficaram sob a responsabilidade de PC cerca de 60 milhões de dólares — as "sobras de campanha" — e que nunca soube que destino o dinheiro teve. Rosane, no entanto, afirma no livro que, na segunda metade da década de 90, Collor estava preocupado porque Augusto Farias, irmão de PC, criara empecilhos para que determinados recursos fossem sacados de uma conta. "O dinheiro que vocês têm em conjunto?", perguntou Rosane. "É, ele quer me prejudicar", respondeu o ex-marido. Rosane também afirma que Collor tinha contas na Suíça desde os tempos de governador de Alagoas. E garante que essas contas engordaram durante o período em que Collor governou o Brasil. Ressalte-se que todas as acusações feitas carecem de provas ou mesmo contornos mais concretos. A fixação de Collor por magia negra é também narrada com detalhes. Há dois anos, no Fantástico, Rosane afirmou que os rituais serviriam para tentar defender o ex-presidente de inimigos políticos. Algumas das sessões — que abusavam do sacrifício de animais — aconteciam na Casa da Dinda, a mansão da família Collor em Brasília. Até Silvio Santos foi alvo de um dos rituais quando ameaçou candidatar-se a presidente, em 1989. O que se descobre agora é que fetos humanos foram usados nas bruxarias de Maria Cecília da Silva, a mãe de santo de Collor. Embora ele não tivesse participado pessoalmente desse ritual, Rosane garante que Collor deu aval. A propósito, segundo Rosane, Collor assistiu aos rituais em que animais eram sacrificados. O ressentimento permeia a narrativa da ex-primeira-dama. A eterna desconfiança de um caso amoroso entre Collor e Thereza, mulher do irmão Pedro, é sintetizada em um episódio em que Rosane flagra os dois abraçando-se de forma íntima em uma praia. Colocado contra a parede depois de uma crise de ciúme, Collor cometeu um ato falho que a ex-mulher diz jamais ter esquecido: "Já não me dou bem com a minha família. Se descobrirem...". O Collor vaidoso, controlador e agressivo também tem espaço no relato de Rosane. Certa vez, o irritadiço ex-presidente bateu em um empregado, em Maceió, por ter comprado o pão diferente do que havia escolhido. Tudo o que Vi e Vivi não é uma reflexão sobre os anos Collor. Ninguém esperaria isso de Rosane. Mas tem a força de um depoimento de quem viu tudo de muito perto. Viu e ouviu, como no caso das contas de Collor na Suíça e com PC, que ela relata. 6#3 MÚSICA – DO FUNDO DA GAVETA The Endless River, o novo álbum do Pink Floyd, reaproveita sobras de The Division Bell, disco que o grupo progressivo lançou há vinte anos. Essa é uma prática comum no mundo do rock. SÉRGIO MARTINS No início de 1993, o guitarrista David Gilmour, o tecladista Richard Wright e o baterista Nick Mason, do Pink Floyd, entraram em estúdio para gravar um álbum duplo. O primeiro disco, The Division Bell, um apanhado de canções, saiu em 1994. O segundo, The Endless River, chega às lojas nesta segunda-feira, depois de vinte anos. Composto de longas faixas instrumentais e arranjos que resvalam na música ambiente, seu lançamento havia sido continuamente adiado pelo trio, que não terminou o material a tempo para a turnê e depois se dispersou. A morte de Wright, de câncer, em 2008, fez com que a dupla remanescente se lembrasse daquelas horas de gravações. Canto do cisne do Pink Floyd (ou pelo menos assim promete Gilmour), The Endless River é uma homenagem a Richard Wright. Toda banda com carreira consistente tem sua gaveta — pedaços de canções, fraseados de guitarra ou refrões que não foram trabalhados até o fim. Em alguns casos, nesses restos se encontra material superior aos trabalhos de carreira do artista. Lançado em 1981, Tattoo You, dos Rolling Stones, é um "catadão" de sobras de estúdio do grupo ao longo dos anos 70. Canções como Start Me Up (que inicialmente era um reggae) ou Waiting on a Friend são mais poderosas que a maior parte da discografia dos Rolling Stones nas décadas posteriores. Também acontece de bons discos passarem anos mofando nos escaninhos das gravadoras por incompreensão. Lançado em março deste ano, Out among the Stars, disco póstumo do cantor country Johnny Cash, foi arquivado pelos executivos da Columbia, que não acreditavam no potencial de venda da obra. Desencavado por John Carter Cash, filho do chamado "Homem de Preto", o álbum teve, sim, um respeitável desempenho comercial. Smile, dos Beach Boys, é talvez o mais lendário disco de arquivo do rock. Tem três versões, e nenhuma delas é tudo o que deveria ser. Brian Wilson, líder e produtor do quinteto americano, tinha a ambição de lançar um trabalho que superasse Revolver, dos Beatles — àquela altura entretidos com a gravação do ainda mais inovador Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. Wilson, porém, empacou no estúdio: o músico era esquizofrênico, condição que foi agravada pelo uso de drogas, sobretudo heroína. Em 1967, o restante da banda aproveitou algumas das ideias do líder alucinado em Smiley Smile, que teve o azar de ser lançado meses depois de Sgt. Pepper's. Wilson só refez o disco em 2004, já em carreira-solo. Três anos atrás, os Beach Boys tiraram mais leite dessa vaca louca: lançaram Smile Sessions, versão aproximada do disco idealizado por Wilson. The Endless River lembra, em parte, o caso de outra banda do rock progressivo, o Yes, cujo Fly from Here recicla uma composição de 1981. O disco do Pink Floyd nasceu inicialmente com o nome de The Big Spliff, título de uma música de mais de uma hora desenvolvida por Wright. Embora não esteja integralmente no álbum, ela é o norte do trabalho. David Gilmour e Nick Mason entregaram o material a um trio de produtores (entre os quais Phil Manzanera, guitarrista do grupo de pop chique Roxy Music). Polly Samson, mulher de Gilmour, colocou a letra em Louder than Words, a única faixa cantada. Os temas instrumentais são arremedos do Pink Floyd de outrora — a percussão hipnótica inspirada em A Saucerful of Secrets, a guitarra plangente que evoca Shine on You Crazy Diamond. Não, não resultou em música de elevador — mas serve como trilha para um banho de lama em spa new age. Considerando que se trata de rapa de tacho, The Endless River até consegue ser um ponto final digno. Não se espere, porém, encontrar mais nada na gaveta do Pink Floyd. ANTES TARDE... Discos arquivados que finalmente viram a luz do dia Tattoo You, Rolling Stones Tempo de gaveta: dez anos Motivo do atraso: cerca de 90% das composições do álbum, lançado em 1981, vinham de sobras de trabalhos anteriores dos Stones. Por exemplo, Waiting on a Friend, que se tornou um dos hits do disco, era de 1972 — e ficara de fora do repertório de Goat’s Head Soup (1973). Tattoo You, aliás, só nasceu porque os Rolling Stones precisavam de um novo LP para cair na estrada e foram ver o que tinham no arquivo. Fly from Here, YES Tempo de gaveta: trinta anos Motivo do atraso: a rotatividade de músicos do Yes sempre foi grande. Fly from Here foi composto em 1981 pelo vocalista Trevor Horn e pelo tecladista Geoff Downes — que, defenestrados do grupo, lançaram o tema como extra em um disco de outra banda, a The Buggles. Em 2011, porém, eles voltaram a trabalhar com o Yes (no caso de Horn, apenas como produtor). A música original foi desdobrada em cinco partes — uma espécie de suíte, com cerca de vinte minutos. The Endless River, PINK FLOYD Tempo de gaveta: vinte anos Motivo do atraso: David Gilmour, guitarrista do Pink Floyd, anunciou o fim das atividades do grupo após a turnê de The Division Bell (1994). Havia, no entanto, mais de vinte horas de sobras de estúdio que não tinham sido aproveitadas. Após a morte do tecladista Richard Wright, em 2008, Gilmour e o baterista Nick Mason decidiram homenagear o amigo e retrabalhar o material, com a ajuda de vários produtores. Smile, BEACH BOYS Tempo de gaveta: 37 anos Motivo do atraso: Brian Wilson, líder dos Beach Boys (e que nunca foi muito certo do juízo), envolveu-se cada vez mais com drogas pesadas e enlouqueceu de vez. Em 1967, a banda lançou Smiley Smile, versão reduzida do projeto sonhado por Wilson. Dez anos atrás, ele finalmente gravou Brian Wilson Presents Smile, uma leitura aproximada do projeto que acalentara com os Beach Boys. 6#4 TELEVISÃO – OS MAIS FOFOS PESADELOS Vinte anos depois do fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum, o diretor Cao Hamburger apresenta Que Monstro Te Mordeu?, divertido programa sobre medos infantis. BRUNO MEIER Nos anos 90, encarregado de conceber, em colaboração com o dramaturgo Flávio de Souza, um projeto infantil para a TV Cultura, o diretor Cao Hamburger buscou inspiração no Windows. O sistema operacional, com suas janelas que se abriam umas sobre as outras, parecia então um modo novo de explorar o mundo, e Castelo do Doutor Victor (esse foi o título empregado na fase de criação) deveria incorporar essa concepção. Ao longo de cada episódio, novos ambientes iam se "abrindo" um após o outro. Um ninho de joão-de-barro está no galho de uma árvore e revela três passarinhos; um rato passa pela sala, entra em sua toca e ali se ilumina um novo cenário. Numa era pré-Google, o personagem Telekid, interpretado por Marcelo Tas, aparecia toda vez que o menino Zequinha tinha alguma dúvida. E assim surgiu a produção infantil mais criativa da televisão brasileira nas últimas décadas. Lançado em 1994, Castelo Rá-Tim-Bum tinha uma audiência invejável (dava à Cultura até 12 pontos, ficando atrás, algumas vezes, apenas da novela das 7 da Globo) e até causava certa ciumeira entre colegas de Hamburger na emissora pública. Neste ano, uma exposição com cenários, objetos e figurinos do Castelo levou 220.000 pessoas ao Museu da Imagem e do Som, um recorde absoluto da instituição. Com esse antecedente, seria talvez de esperar que, para uma nova série infantil, Hamburger fosse buscar modelos em redes sociais como o Facebook e o Twitter. Mas não: aos 52 anos. Cao Hamburger, vinte anos depois do lançamento de Castelo e oito depois de dirigir O Ano em que Meus País Saíram de Férias, afastou-se do ambiente tecnológico ao conceber seu novo programa infantil. Para fazer frente ao bombardeio diário de informação e à profusão de telas e opções de entretenimento que cercam as crianças hoje, o caminho, diz ele, é voltar-se para dentro. "Parece que todas as janelas do mundo já foram abertas e vistas e não há mais tanta novidade lá fora. Já que a nossa comunicação se transformou tão radicalmente, talvez o novo seja ver as coisas mais íntimas e abordar a relação das pessoas entre si", teoriza. Hamburger chamou o produtor Teodoro Poppovic e o diretor Philippe Barcinski (que foi estagiário de direção do Castelo) para concretizar uma ideia que começou a acalentar há treze anos, quando voltou de uma temporada de trabalho na produtora inglesa Ragdoll, aquela dos enjoadíssimos Teletubbies. "Eu queria me contrapor à fofura dos Teletubbies e abordar como a criança experimenta pela primeira vez sentimentos negativos como raiva e ciúme." O contrário dos Teletubbies? Ora, monstros, claro. Que Monstro Te Mordeu?, a mais recente criação de Cao Hamburger, estreia nesta segunda-feira na Cultura. A beleza plástica do novo programa encanta os espectadores, inclusive os adultos — mas não é surpresa: os fãs de Castelo Rá-Tim-Bum já apreciavam esse apuro técnico de Hamburger. Coloridos, engenhosos, os cenários foram montados com desníveis e rampas, para evitar que os atores trombem com os manipuladores de bonecos e assim dar liberdade a todos no estúdio (esse cuidado com o conforto veio da experiência com Castelo: era uma dor de cabeça colocar o manipulador da popular cobrinha Celeste dentro de uma árvore). Há algo de idílico nos ambientes, um elemento reforçado pelo farfalhar de árvores e pelo canto de pássaros — e também pela bela trilha orquestral de Lucas Macier e Fabiano Krieger. Os cinquenta episódios já gravados para a televisão e os cinquenta extras de até três minutos que serão divulgados no YouTube partem de uma premissa: sempre que uma criança desenha um monstro, essa criação vai parar em um lugar alternativo, o Monstruoso Mundo dos Monstros. Embora lembre às vezes o universo infantil sinistro criado por Guillermo del Toro em O Labirinto do Fauno (2006), não há nada de aterrorizador nessa terra. A heroína é a menina Lali, vivida pela paulista Daphne Bozaski, de 22 anos (que, tal como Cassio Scapin, o Nino do Castelo, aparenta uma década a menos no vídeo). Lali é meio humana, meio monstro e se sente um tanto deslocada no Monstruoso Mundo. Seus companheiros são objetos que costumam ser encontrados no cotidiano das crianças, mas todos dotados de personalidade: a lata de lixo é ironia pura; uma bola com oito olhos e quatro braços é agitadíssima; e a poltrona rosa que leva o nome de Luísa, talvez a monstrinha mais promissora, é desajeitada mas doce. A cada episódio aparecem no lugar novos monstros — estes em animação digital —, que são desenhados por uma criança diferente. Cada um simboliza um sentimento: está lá, por exemplo, o Monstro do Medo do Escuro. "São os monstros que nos habitam", define Hamburger. Dezoito dos monstros que aparecerão diariamente na tela saíram de oito oficinas que foram realizadas com crianças na fase anterior à redação de roteiros. Coordenadas pela pedagoga Carolina Hamburger, filha do diretor, as reuniões com os pequenos de 5 a 9 anos, de classes sociais diversas, tinham como finalidade investigar os sentimentos, digamos, monstruosos deles. Alguns pesadelos que apareceram nessas oficinas foram descartados por serem demasiadamente "reais": uma criança da periferia de São Paulo que fora tirada de um lar violento desenhou o Monstro do Conselho Tutelar, e um filho de pais alcoólatras fez o Monstro da Bebida. Entre crianças de lares mais intelectualizados, surgiu até o Monstro do Capitalismo. Os desenhos e os vídeos gravados nessas oficinas foram levados às reuniões de criação com os seis roteiristas. Hamburger, depois de vender a ideia à Cultura e conseguir 14 milhões de reais para sua realização, bancados pelo Sesi paulista, dedicou um ano à elaboração dos roteiros. Toda a equipe tinha reuniões semanais, a partir das quais cada um elaborava suas escaletas (roteiros sem diálogos) e sinopses. Em média, apenas 30% dessa produção era aproveitada. "A regra era que nós, os adultos, achássemos que os textos estavam no ponto. Ninguém sabe do que uma criança vai ou não gostar", diz Hamburger. O criador de Que Monstro Te Mordeu? se diz atento aos aspectos pedagógicos da trama, mas não descuida da diversão: "Programa educativo é um problema, porque pode ficar chato. Minha preocupação é aliar entretenimento com educação. O equilíbrio não é fácil, mas acho que consegui fazer algo moderno, contemporâneo". Saem de cena Nino, Zequinha, Pedro e Biba e entram Lali, Dr. Z, Morgume e Luísa — monstruosas janelas para o turbulento mundo interior das crianças. 6#5 CINEMA – SEM SAMBA NO PÉ Apesar de bem realizado, Trinta não empolga ao contar a vida do mestre de um espetáculo de emoção contagiante. Depois de Paulo Coelho e Tim Maia, agora é a vez de Joãosinho Trinta (1933-2011) render uma cinebiografia pop nacional. Os três filmes, cada um à sua maneira, têm a música no centro da ação. Antes de se tornar o mago das vendas, Coelho foi o parceiro do maluco-beleza Raul Seixas em clássicos do rock nativo — e é esse o grande momento de Não Pare na Pista. E, em Tim Maia, o tratamento dado à trajetória do soulman encrenqueiro é salvo da sensaboria pelo genial suingue do personagem. Em Trinta (Brasil, 2014), que estreia no país nesta quinta-feira, a expectativa musical é inevitável, já que se trata do retrato do homem que revolucionou os desfiles das escolas de samba e, consequentemente, o Carnaval carioca — além de pôr a atividade de carnavalesco em destaque. Mas o diretor Paulo Machline, também autor do documentário A Raça Síntese de Joãosinho Trinta (2009), optou por contar a história do bailarino, cenógrafo e aderecista fora do Sambódrorno. A ação segue João Clemente Jorge Trinta (Matheus Nachtergaele) da repartição pública onde trabalhava quando chegou ao Rio nos anos 50, vindo de São Luís do Maranhão, para o Theatro Municipal carioca — onde foi bailarino e conheceu as engrenagens do espetáculo — e daí para o encontro com a vocação de encenador popular de maravilhas, na tradicional Salgueiro. É quando se instala o conflito principal: o carnavalesco Fernando Pamplona (Paulo Tiefenthaler) se desentende com o presidente da escola (Ernani Moraes) e abandona o posto seis meses antes do desfile de 1974. Sob os protestos dos artesãos do samba, sobretudo do vilanesco chefe do barracão (Milhem Cortaz), Trinta, até então o responsável pelos adereços, é incumbido de continuar o show. À exceção do mandachuva da escola, todos estão contra ele: é considerado intelectual demais, sofisticado demais e homossexual demais para a tarefa. O roteiro adota o expediente da contagem regressiva para criar suspense até a consagração do personagem — Trinta foi campeão não só daquele Carnaval como de outros sete, entre 1974 e 1997, à frente de Salgueiro, Beija-Flor e Viradouro. A atuação de Nachtergaele — voz mansa e olhar sutil, com uma explosão de fúria desajeitada e divertida — é a grande força do filme. Mas de samba mesmo, aquele do repique de bateria que leva a avenida à loucura, só há vislumbres nas imagens em VHS dos desfiles vitoriosos de Joãosinho que aparecem nos momentos finais. Trinta é bem executado, mas não consegue mostrar por que o desfile das escolas de samba carrega a fama de o maior espetáculo da Terra. Algo para que o biografado contribuiu — e muito. MÁRIO MENDES 6#6 VEJA RECOMENDA EXPOSIÇÃO HANS HARTUNG, OFICINA DO GESTO (EM CARTAZ ATÉ 12 DE JANEIRO DE 2015 NO CCBB, EM SÃO PAULO) • Em sua infância na Alemanha, Hans Hartung (1904-1989) pensava em ser astrônomo. Vivia com os olhos grudados em um telescópio caseiro e enchia cadernos rabiscando linhas em zigue-zague, tentando reproduzir os relâmpagos que tanto o fascinavam. O desejo de representar visões subjetivas e traduzir sensações em imagens fez dele um artista. Dos primeiros desenhos figurativos e luminosas aquarelas, nos anos 1920, às exuberantes telas coloridas, na década de 80, Hartung construiu uma identidade artística única, acompanhando (e por vezes antecipando) os principais movimentos da vanguarda de seu tempo, porém mantendo-se à parte deles. Abstracionista por vocação, ele incorporou em suas telas ou flertou com elementos de outras escolas, como o expressionismo, o surrealismo, o pop e até mesmo o traço em spray do grafite de rua. Seu trabalho tem a ver com vitalidade e com a amplitude do gesto. Ou, como ele mesmo definia, "com o pulso da vida que pode encontrar sua encarnação peculiar em uma linha desenhada ou em manchas de cor". A mostra — a primeira na América Latina — reúne 162 obras de um mestre que merece ser mais bem conhecido. DISCO 1989, TAYLOR SWIFT (UNIVERSAL) • Embora tenha fincado suas raízes — pessoais e musicais — em Nashville, Taylor Swift nunca se viu como uma artista country ortodoxa. A cada disco lançado, a cantora se distancia mais do caipira moderninho para abraçar o pop e o hip-hop. 1989 (ano de nascimento da cantora) segue por esse caminho, a começar por Welcome to New York, hino à cidade onde, em março, Taylor adquiriu dois lofts por 20 milhões de dólares. Há uma predominância de teclados e programações eletrônicas típicas dos anos 80. O produtor sueco Max Martin (o mesmo de Britney Spears e Katy Perry) é quem dá as cartas. Mas Taylor não é um talento fabricado, e sim uma grande intérprete, que ainda toca guitarra com personalidade. Suas letras falam diretamente às jovens de sua faixa etária, ao tratar de romances que dão errado, que dão certo ou que ainda podem dar certo. Ou de amizade e inimizade — em Bad Blood, ao que consta dirigida à rival Katy, ela diz: "As minhas costas ainda têm a marca de sua facada". Shake It off e New Romantics, esta presente apenas na edição de luxo, estarão entre as canções deste fim de ano. LIVRO LUZES DA RIBALTA, DE CHARLES CHAPLIN (TRADUÇÃO DE HENRIQUE DE BREIA E SZOLNOKY; COMPANHIA DAS LETRAS; 224 PÁGINAS; 64,90 REAIS) • O inglês Charles Chaplin (1889-1977) foi um gênio do silêncio. O ápice de sua arte como ator e diretor se encontra em filmes mudos como O Garoto (1921) e A Corrida do Ouro (1925). Embora falado e por isso menos brilhante, Luzes da Ribalta (1952) carrega a profundidade de uma espécie de testamento, ou carta de despedida: Calvero, o personagem interpretado por Chaplin, é um comediante decadente, que encontra amparo em Thereza (Claire Bloom), uma bailarina problemática. O roteiro vinha de Footlights, uma novela escrita pelo próprio Chaplin, mas nunca publicada. É essa única incursão de Chaplin pela literatura, recuperada pelo crítico e pesquisador britânico David Robinson nos arquivos do cineasta na Suíça, que agora é publicada no Brasil. Amparado por ensaios de Robinson sobre a gênese de filme e novela, este é um livro para encher os olhos dos cinéfilos, com muitas fotos e fac-símiles de documentos. E traz a voz amargurada de Calvero, a lamentar que o público — que o abandonou — é um "monstro sem cabeça". DVD VALE TUDO (BRASIL, 1988-1989. GLOBO/SOM LIVRE) • "Isto aqui é um país de trambiqueiros, gente!", exclama a jovem Maria de Fátima (Glória Pires) no início da telenovela — assinada pelo trio Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères — que eletrizou o Brasil durante oito meses, entre 1988 e 1989. A frase é uma síntese da trama, saboroso e borbulhante caldeirão de romance, ambição, corrupção e muita maldade. E também resume o caráter da personagem, capaz de passar por cima da própria mãe, a doce e incorruptível cozinheira Raquel (Regina Duarte), para se dar bem na vida. O duelo entre mãe e filha, ou bem versus mal, sustenta a narrativa centrada em personagens como o honesto Ivan (Antonio Fagundes), a alcoólatra Heleninha (Renata Sorrah), o gigolô César (Carlos Alberto Riccelli), o escroque Marco Aurélio (Reginaldo Faria) e, quem jamais esquecerá, a megera Odete Roitman (Beatriz Segall). São treze discos com ação trepidante e um final politicamente incorreto impensável para os padrões atuais. O retrato do "país de trambiqueiros" pintado pelos autores segue atual e muito oportuno. CINEMA À PROCURA (THE CAPTIVE, CANADÁ, 2014. EM CARTAZ A PARTIR DESTA QUIMTA-FEIRA) • Bastam alguns instantes de distração e Cassandra, de 9 anos, é sequestrada do banco de trás do carro de seu pai, Matthew (Ryan Reynolds), enquanto este compra uma torta em um posto de beira de estrada. Matthew não cessa nunca de buscar pela filha, rodando sem parar, dia após dia, pela vastidão gelada do Canadá — mas Tina (Mireille Enos), a mãe, ainda assim é incapaz de perdoar o marido, mesmo anos tendo se passado desde o desaparecimento da menina. Em dado momento, porém, os indícios de que Cassandra pode estar viva se avolumam, conduzindo seus pais e o casal de detetives encarregados do caso (Rosário Dawson e Scott Speedman) a pistas do que provavelmente constitui uma repulsiva e muito organizada rede de pedofilia. Embora esteja já há alguns anos longe da forma de O Doce Amanhã, que em 1997 rendeu a ele o prêmio de direção no Festival de Cannes, o cineasta canadense Atom Egoyan permanece dono de uma perspicácia incomum para o tema da inocência primeiro aviltada e depois aniquilada pelas circunstâncias, e mantém intacto seu invejável senso de controle sobre suas narrativas. 6#7 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- O Sangue do Olimpo. Rick Riordan. INTRÍNSECA 2- Se Eu Ficar. Gayle Forman. Novo Conceito 3- Para Onde Ela Foi. Gayle Forman. NOVO CONCEITO 4- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA 5- O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 6- Quatro. Veronica Roth. ROCCO 7- Felicidade Roubada. Augusto Cury. SARAIVA 8- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA 9- Divergente. Veronica Roth. ROCCO 10- Eternidade por um Fio. Ken Follet. ARQUEIRO NÃO FICÇÃO 1- Nada a Perder 3. Edir Macedo. PLANETA 2- Aparecida. Rodrigo Alvarez. GLOBO 3- O Capital no Século XXI. Thomas Piketty. INTRÍNSECA 4- Guga — Um Brasileiro. Gustavo Kuerken. SEXTANTE 5- Eu Sou Malala. Malala Yousafzai. COMPANHIA DAS LETRAS 6- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 7- Sonho Grande. Cristiane Corrêa. PRIMEIRA PESSOA 8- Bela Cozinha: as Receitas. Bela Gil. GLOBO 9- Getúlio 1945-1954. Lira Neto. COMPANHIA DAS LETRAS 10- O Livro dos Negócios. Vários Autores. GLOBO AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 3- O Poder da Coragem. Jober Chaves. GENTE 4- De Volta ao Mosteiro. James Hunter. SEXTANTE 5- Resolva! Marcus Vinicius Freire. GENTE 6- As Regras de Ouro dos Casais Saudáveis. Augusto Cury. ACADEMIA DE INTELIGÊNCIA 7- Faça Amor Não Faça Jogo. Ique carvalho. AUTÊNTICA 8- Sonhos Não Têm Limites. Ignácio de Loyola Brandão. GENTE 9- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 10- Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros. Augusto Cury. SARAIVA 6#8 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – AS URNAS PELO AVESSO Esta primavera pós-eleitoral revela o mais estranho dos mundos. 1. Ganhou nas urnas a continuidade — e no entanto o país mudou. 2. À vencedora caberia mostrar-se de ânimo renovado e portadora do signo da esperança — e no entanto seu novo governo renasce exaurido e emparedado. 3. Do perdedor seria de esperar um período de luto, temperado pelo abatimento e pela acrimônia — e no entanto ressurge ele, não ela, embalado pelas marcas do entusiasmo e da renovação. Por partes: 1- O país mudou porque desponta no horizonte um embate político de novas características. Os doze anos de governo do PT até agora se caracterizaram por uma oposição acomodatícia. Embates, quando houve, ocorreram no interior da própria coligação governista, no tão familiar jogo dos cargos e dos butins. Os 50 milhões de votos de Aécio Neves anunciam um novo ânimo oposicionista, mas não dizem tudo. Milagre dos milagres, a oposição parece ter ganhado uma militância à altura do adversário. Desde junho de 2013 já se suspeitava disso, mas agora se reforça a impressão de que o PT e seus movimentos sociais satélites não são mais os donos das ruas. Se o PT promete, como diz o manifesto pós-eleitoral de sua Comissão Nacional Executiva, "um amplo processo de mobilização e organização dos milhões de brasileiros" que votaram em Dilma Rousseff, falta agora combinar com os russos que eles não farão o mesmo, em sentido contrário. Os boçais que na Avenida Paulista pediram intervenção militar têm seu contraponto no ministro venezuelano que fez viagem secreta ao país para firmar acordo com o MST. Ambos são ameaças à democracia. Mas país dividido em duas fatias de igual peso e igual disposição de fazer valer sua voz, em vez de ameaça, é combustível da democracia. Apesar da vitória situacionista, o país que ressurge das urnas se apresenta mais verdadeiro e até promissor. 2- O governo da presidente Dilma parece exaurido porque é a continuação de uma cadeia de erros, o mais vistoso dos quais a condução da economia, e está emparedado porque lhe competirá trafegar, nos próximos meses, entre PT e PMDB, haja estômago, e entre cobradores e abafadores do magno escândalo do petrolão, haja pulso. Herança maldita é isso! Na questão da economia, se continuar na mesma senda equivale a seguir no mapa do abismo, a opção do aperto, como sugerem a alta de juros e os aumentos de preços da semana passada, equivale a rasgar de alto a baixo o discurso de campanha. Estelionato eleitoral é isso! Quanto ao emparedamento, o PT, no citado manifesto, afirma ser "urgente construir hegemonia na sociedade" e reclama "reformas estruturais" como a "democratização da mídia". Vai ser engraçado ver Dilma vender tais ideias aos amigos do PMDB e do PP. Para enfrentar o petrolão, vestir o avental da faxineira não vai ter mais graça. Sabe-se que a vassoura e o espanador eram falsos. 3- O entusiasmo e a esperança de renovação que cercam a figura paradoxalmente perdedora de Aécio Neves surgem da suposição de que a oposição encontrou nele a voz e, com a voz, o tom adequado aos tempos. Nunca se viu que o discurso mais aguardado, depois de uma eleição, fosse o do perdedor. Aécio prometeu oposição "sem trégua" ao reassumir o posto no Senado, e foi ouvido como se ouvem os estadistas, nos momentos cruciais. Se tal prestígio vai durar quatro anos, ou mesmo quatro meses, não se sabe, mas hoje o "estado de graça" que costuma abençoar os recém-eleitos ostenta-o ele, o recém-derrotado. Perigos o espreitam à frente, um dos quais a craca que colou em sua candidatura à falta de alternativa. "Há um direitismo querendo emergir como movimento na sociedade", escreveu o cientista político Marco Aurélio Nogueira. Por ter criticado a maluquice dos apelos à "intervenção militar", Xico Graziano, ex-chefe de gabinete do presidente Fernando Henrique e um dos coordenadores da campanha de Aécio, foi achincalhado nas redes sociais pelos adeptos da turma da Avenida Paulista. Graziano pediu-lhes que se afastassem do PSDB. "Vocês é que estão no lugar errado, não eu", escreveu. Pós-eleitoral estranho, este, de um governo que ressurge deprimido da vitória e de uma oposição que sai da derrota com todo o gás. As urnas desta vez falaram pelo avesso.