0# CAPA 11.3.15 VEJA www.veja.com Editora ABRIL Edição 2416 – anos 48 – nº 10 11 de março de 2015 [descrição da imagem: tomando quase toda a capa, a imagem de um homem, aparecendo de costas.] SAIU! A LISTA DE JANOT Começa o processo de investigação dos políticos implicados na Operação Lava-Jato [parte superior da capa] ENERGIA SOLAR O Brasil na vanguarda dos OPVs, os painéis fotovoltaicos orgânicos. ISLAMISMO Como os moderados da Europa estão desarmando a bomba do radicalismo _______________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# ECONOMIA 5# INTERNACIONAL 6# GERAL 7# ARTES E ESPETÁCULOS _____________________________ 1# SEÇÕES 11.3.15 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – A TEMPESTADE PERFEITA 1#3 ENTREVISTA – ALEX PENTLAND – A MAIOR REVOLUÇÃO EM 300 ANOS 1#4 CLAUDIO DE MOURA CASTRO – COMITÊS NÃO FAZEM A DIFERENÇA 1#5 LEITOR 1#6 MAÍLSON DA NÓBREGA – O CAPITALISMO E OS DISPARATES DE EVO MORALES 1#7 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM ADMIRÁVEL MUNDO NOVO O Parlamento britânico aprovou recentemente uma lei que permite a geração de embriões com o DNA de três pessoas. Inédita no mundo, a decisão está sendo saudada como o primeiro passo para mudanças mais radicais na ciência e na legislação que possibilitariam avançar os limites biológicos da humanidade. É isso o que defendem os adeptos do transumanismo, um movimento que pretende aumentar as capacidades física, intelectual e até emocional dos seres humanos por meio da genética, da nanotecnologia e da neurociência. Reportagem no site de VEJA elucida os argumentos favoráveis e contrários a esse movimento, que, no limite, busca métodos capazes de retardar e impedir a morte. MAIS DO MESMO A repercussão da volta de Xuxa e Gugu, dois ícones dos anos 1980 e 1990, à programação da televisão aberta é um sintoma do que a TV brasileira vive há décadas: a reciclagem de formatos, apresentadores e quadros de programas de auditório vergonhosos. Xuxa, ao que parece, deve apostar em uma mudança ou outra, enquanto Gugu insiste nos velhos recursos e ainda cantarola Pintinho Amarelinho. Apesar da fórmula "mais do mesmo", o espectador continua a nutrir fascínio por figuras como eles, além de Silvio Santos e Fausto Silva. Reportagem do site de VEJA explica por que esse universo, embora batido, atrai bons números de audiência e enorme investimento publicitário. O PERDÃO POSSÍVEL Em meio à enxurrada de ações, denúncias e inquéritos da Operação Lava-Jato, governo e empreiteiras voltam sua atenção para o artigo 16 da Lei Anticorrupção, que prevê o acordo de leniência. Espécie de delação premiada para pessoas jurídicas, esse mecanismo permite que as empresas investigadas, ao colaborar com as autoridades, ajustar sua conduta e pagar uma multa, consigam sobreviver. O governo alega que o instrumento é necessário para não paralisar canteiros de obras Brasil afora. Para o Ministério Público, o acordo, tal como pretende o Planalto, pode abrir caminho para a impunidade. Reportagem de VEJA destrincha os argumentos dos envolvidos nessa batalha, que vai influir no destino do petrolão e na maneira como o Brasil lidará com a corrupção no futuro. 1#2 CARTA AO LEITOR – A TEMPESTADE PERFEITA O Brasil está passando por três crises. Na economia, uma nova equipe tenta minimizar as consequências do apagão de racionalidade do primeiro governo de Dilma Rousseff, que devastou as contas públicas, arruinou a credibilidade do país e lançou a atividade produtiva em uma recessão que ameaça ser longa e profunda. Na política, o Executivo e o Legislativo travam uma guerra particular em que as decisões de cada lado são tomadas por motivações em que apenas raramente o interesse nacional é o objetivo. No campo social, a paz das ruas esconde uma tensão montante nas redes sociais, nas quais as pessoas estão combinando extravasar sua insatisfação em manifestações convocadas para o próximo domingo, dia 15. Em nenhuma dessas frentes, a econômica, a política e a social, esperam-se melhoras significativas a curto prazo. Ao contrário, a sensação geral é que os próximos meses serão piores. Não se trata de fazer previsões pessimistas, mas de refletir a unanimidade das opiniões de empresários, sindicalistas, analistas de diversos matizes ideológicos. O Brasil já passou por momentos parecidos com este e sobreviveu sem sequelas? Sim. Mas a resposta positiva conduz a outra indagação. O Brasil está de posse agora dos recursos que lhe permitiram contornar crises semelhantes no passado? Talvez não. De nosso maior castigo econômico, a hiperinflação, escapamos no começo dos anos 1990 em um momento de estabilidade com Fernando Henrique Cardoso na Fazenda e Itamar Franco no Planalto. A enorme popularidade de Lula arrefeceu os ânimos de quem, em 2005, via como saída para a crise do mensalão a abertura de processo de impeachment do presidente. As manifestações de 2013, quando o Palácio do Planalto e o Congresso foram cercados pelo povo em fúria, perderam força em um ambiente de pleno emprego e inflação na meta. Escapamos antes sem maiores traumas, portanto, por não ter havido sobreposição de crises. O que assusta no atual momento é a possibilidade de que as crises econômica, política e social se realimentem, liberando energias desestabilizadoras. Enquanto há tempo, os políticos responsáveis, com lastro, história e influência, deveriam tirar os olhos da lista do procurador Rodrigo Janot e pôr todo o foco na lista de prioridades do que precisa ser feito com urgência para que o Brasil não afunde na tempestade perfeita que, tudo indica, vem por aí. 1#3 ENTREVISTA – ALEX PENTLAND – A MAIOR REVOLUÇÃO EM 300 ANOS O diretor do MIT diz que o big data mudará a forma como enxergamos o comportamento humano e permitirá não só monitorá-lo, como prevê-lo e modificá-lo. PIETER ZALIS Alex Pentland costuma dizer que o big data terá para o estudo do comportamento humano a importância do telescópio para os astrônomos. Cofundador e diretor do Media Lab do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Pentland é também o autor de Social Physics: How Good Ideas Spread — The Lessons from a New Science (Física Social: Como as Boas Ideias Se Propagam — Lições de uma Nova Ciência, ainda sem tradução no Brasil). No livro, ele defende que, ao processar a infinidade de dados digitais que as pessoas deixam no rastro de atividades cotidianas — como telefonar, pagar compras com cartão de crédito ou usar o GPS dos celulares —, os cientistas sociais podem não apenas identificar padrões de comportamento, como monitorá-los e influenciá-los de modo a melhorar a vida de um indivíduo, de uma empresa ou mesmo de um país. Para ele, os dados pessoais dos indivíduos — "o novo petróleo da internet e a nova moeda do mundo digital" — não podem ficar sob o domínio de superempresas privadas nem de governos. O melhor, segundo Pentland, seria "reconhecê-los como um ativo individual" — que, como tal, pode ser inclusive vendido por seus proprietários. A seguir, a entrevista que o cientista concedeu a VEJA. O senhor afirma que o grande volume de dados digitais que temos disponível hoje provocará uma revolução nas ciências sociais. O que passaremos a saber que não sabíamos antes? Nos últimos 300 anos, quase nada mudou no estudo do comportamento do indivíduo em sociedade. Ainda estamos presos a ideias que vêm do século XVII, que levam em conta a capacidade de fazermos escolhas com base na nossa consciência, mas que desprezam a influência que têm nessas decisões as relações que mantemos com as outras pessoas e com o mundo em que vivemos — nossas conversas com amigos, familiares, estranhos. Ocorre que até 90% do nosso comportamento é influenciado por essas relações. Mas isso não é propriamente novo. O que é novo é que agora somos perfeitamente capazes de observar, entender e mesmo influenciar certos comportamentos humanos graças à gigantesca quantidade de dados digitais disponível no mundo. E esses dados, como o senhor frisa, não se limitam aos registros de buscas no Google. Sim, essa é apenas uma das possibilidades mais conhecidas. O Google Flu Trends, por exemplo, é um projeto que consegue prever um surto de gripe simplesmente somando o número de buscas no Google que utilizam a palavra "gripe" em determinada região geográfica. O raciocínio é elementar: se existe uma forte alta na busca pelo termo, isso significa que muita gente naquela região teme ficar gripada ou já está começando a adoecer. Mas não se trata apenas de reunir dados sobre o que as pessoas postam no Facebook ou procuram no Google. Ações cotidianas das quais os indivíduos nem se dão conta — como andar com o celular, que, mesmo desligado, registra seus movimentos, e fazer compras usando o cartão de crédito — deixam rastros digitais que, processados de forma inteligente, permitem saber o que eles comem, onde se encontram, como se divertem. Ou seja, permitem identificar padrões de comportamento com muita precisão. Mas hábitos e preferências dos indivíduos são dados com que os cientistas sociais já trabalhavam. A diferença é que antes eles eram mais difíceis de obter? Essa não é a única diferença, mas é verdade que ainda hoje coletar esse tipo de dado não é simples. Para saber onde as pessoas trabalham, vivem e quão ricas elas são, por exemplo, é preciso ir a campo, fazer censos demográficos caros e que ocorrem apenas a cada dez anos, como no caso dos Estados Unidos e do Brasil. O big data torna possível dar um salto para além dos dados demográficos e medir diretamente o comportamento humano real. Por que "real"? Ao contrário do que ocorre com pesquisas demográficas e de opinião, a análise de big data revela não o que as pessoas pensam ou declaram pensar. Ela revela o que elas escolheram "fazer". Isso aumenta exponencialmente nossa capacidade também de prever comportamentos. Fiz uma experiência simples para analisar o download de aplicativos para celular e tentar descobrir quem baixaria quais aplicativos. Quando a análise levava em conta somente as características pessoais, como idade, religião, gênero e outras informações que os indivíduos davam de si mesmos, o índice de acerto foi de apenas 12%. Mas, quando analisamos, entre outras coisas, as chamadas telefônicas que eles fizeram e as redes sociais que usavam, esse percentual aumentou quatro vezes, para 48%. Isso ocorre porque o contexto social determina largamente o tipo de pessoa que você é. Então, se eu consigo enxergar alguns de seus comportamentos, passo a ser capaz de inferir outros, apenas confrontando você com as pessoas com as quais sei que você convive. É claro que a singularidade dos indivíduos vai continuar a gerar comportamentos muito difíceis de prever, mas o desconhecido deixará de ser a regra para se tornar a exceção. Que tipos de aplicação prática essa possibilidade de prever comportamentos cria? Inúmeros. Mas duas áreas são especialmente promissoras: a saúde pública e o planejamento urbano. Por exemplo, ao saber pelo GPS do celular dos habitantes de uma cidade a que horas eles vão e voltam do trabalho e por quais caminhos, será possível pensar em alternativas muito mais eficientes para a rede de transportes públicos. Decisões sobre quantos ônibus deverão passar por hora em determinada rua ou qual o desenho de uma nova avenida ou linha de metrô serão tomadas com base em informações mais precisas. Isso já foi feito em algum lugar? Sim. Em Abidjan, na Costa do Marfim, o trânsito diminuiu 10% apenas com pequenas mudanças no sistema de transporte público, depois de coletarmos informações do celular de seus usuários. Talvez ainda sejam necessários vinte anos, mas já temos um caminho aberto para as primeiras experiências de cidades totalmente comandadas por dados. Serão cidades que usarão informações digitais para criar um "sistema nervoso" central, que permitirá detectar problemas nas áreas de energia, transporte ou saúde muito mais rapidamente. O senhor também tem estudos que mostram como as redes sociais podem ajudar a mudar — ou melhorar — o comportamento de um grupo ou indivíduo. Como isso funciona? Vou explicar com mais um exemplo. Conduzimos uma experiência em Poschiavo, na Suíça, para encontrar novas formas de diminuir o consumo de energia. Primeiro, descobrimos que os cidadãos de lá se engajavam muito mais no projeto quando seu consumo de energia era comparado com o do vizinho do que quando era equiparado ao gasto médio dos suíços. O mecanismo é simples: a identificação com grupos mais próximos, como gente que mora no mesmo bairro, aumenta a pressão social sobre os indivíduos — nesse caso em particular, isso fez com que eles se sentissem impelidos a economizar mais. Ocorre que as redes sociais conseguem alavancar ainda mais essa pressão social. Por isso, o passo seguinte do experimento foi criar uma rede social na internet específica para usuários dessa companhia de energia suíça. Eles ganhavam pequenos incentivos para formar grupos on-line com seus amigos de áreas próximas e compartilhar informações sobre consumo e economia de energia. Toda vez que alguém do grupo poupava energia além da média, seus colegas ganhavam pontos — não era um incentivo econômico, apenas simbólico. No final, a economia desses grupos on-line foi de 17%, quatro vezes mais do que havíamos observado nas campanhas anteriores. O senhor afirmou em seu último livro que os dados pessoais serão "o novo petróleo da internet e a nova moeda do mundo digital". Mas a questão sobre como protegê-los persiste até hoje. Sim, ainda precisamos evoluir na questão sobre a privacidade dos dados pessoais: como fica a liberdade individual? Uma vez que é possível monitorar todos os nossos passos e todas as nossas informações, seja sobre com quem falamos, seja sobre o que compramos ou para onde vamos, temos de nos preocupar em definir quem cuidará desses dados e os armazenará. E também nos certificarmos de que teremos autonomia para decidir o que poderá ser feito com as informações existentes sobre nós ou que deixamos pelo caminho. E como resolver isso? A saída que vejo para esse problema é promover uma reforma legal de grandes proporções. Da mesma forma que o New Deal de Franklin Roosevelt transformou o sistema de seguridade social nos Estados Unidos, temos de pensar numa reforma destinada a criar um arcabouço legal que permita aos cidadãos ter o direito de propriedade sobre seus dados digitais. Isso significa que as pessoas seriam "donas" de seus dados e poderiam, por exemplo, vendê-los? Sim. Dados como registros de transações financeiras e comunicações telefônicas ou feitas pela internet precisam sair do domínio exclusivo de empresas privadas. Por um motivo simples: o setor privado visa, legitimamente, ao lucro, e não ao bem comum. O senhor defende a ideia de que os governos devem ter domínio sobre eles? Não. O que defendo é que o compartilhamento de dados pessoais contribui para causas comuns, como a melhora do sistema de saúde pública. Dados sobre a maneira como você se comporta e os lugares que frequenta podem ser usados para encontrar formas de estancar a disseminação de uma doença infecciosa, por exemplo. Mas a hipótese de tornar essas informações de domínio dos governos, além de não contribuir em nada para aumentar a transparência sobre seu uso, confere aos governantes um poder indevido e perigoso. Precisamos reconhecer os dados pessoais como um ativo individual, que pode ser distribuído a empresas e governos em troca de algo. A definição mais simples do que significa, para um indivíduo, ser dono de seus dados está numa analogia com a lei inglesa que trata do direito de propriedade: você tem o direito de ter a posse de seus dados; você tem total controle sobre o uso de seus dados; você tem o direito de fazer o que quiser com seus dados - inclusive vendê-los, como faria com um imóvel. Mas a transformação dos dados pessoais em ativo individual não garante que eles serão mantidos em privacidade. O senhor mesmo, em seu livro, diz que é "algoritmicamente impossível" analisar dados pessoais sem identificar de onde vêm, ou seja, de maneira anônima. Sim, não há como deixar de identificá-los, mas há como garantir o sigilo sobre eles. O melhor exemplo de como é possível ter segurança nessa sociedade do big data está no sistema bancário. Muito pouco do dinheiro que utilizamos hoje ainda é físico, a maior parte de nossos gastos é feita por meio eletrônico. Os bancos sabem exatamente onde e como gastamos nosso dinheiro, quanto investimos, para quem fazemos transferências. Mas o sigilo dessas operações está garantido em um contrato. Além disso, sabemos que nosso dinheiro não será simplesmente roubado do banco por meios eletrônicos — em troca de depositarmos nosso dinheiro lá, temos a garantia de que ele está em segurança e de que essas informações estão protegidas. É possível criar um sistema de controle semelhante para os dados pessoais. 1#4 CLAUDIO DE MOURA CASTRO – COMITÊS NÃO FAZEM A DIFERENÇA Bem sabem as raposas da política que, quando a intenção é deixar como está, a melhor solução é criar um comitê. É inércia garantida. Quem vira a mesa são indivíduos que arrostam o status quo, trazendo grandes transformações. Lucram aquelas sociedades que sabem criar o caldo de cultura propício ao seu aparecimento. Como não são perfeitos nem isentos de fraquezas, P. Drucker nos adverte que é preciso tolerar os seus vícios e cacoetes. Vasculho a minha memória, perguntando: quem, na educação, criou instituições que fizeram a diferença? Por ordem cronológica, começo com Henri Gorceix, pescado por dom Pedro II na França, para criar a Escola de Minas de Ouro Preto. Com sua firmeza e competência, conseguiu vencer a burocracia e a mediocridade da época. A escola lançou as bases para a siderurgia brasileira e, mais adiante, para a geração elétrica. Humilhado pela derrota na Revolução de 30, São Paulo quis mostrar sua pujança crescente. Armando de Salles e Júlio de Mesquita Filho fundaram a Universidade de São Paulo. Em vez de abrirem espaço para "sumidades" locais, foram à Europa em busca de cientistas de primeira linha. A USP é a maior incubadora da vida intelectual e científica brasileira. Em plena II Guerra, para formarem mão de obra para uma nascente indústria brasileira, lideranças empresariais criaram o Senai. O engenheiro suíço Robert Mange foi recrutado para montar as escolas de São Paulo. Mercê de seu perfeccionismo, criou uma instituição cuja liderança irradia para o Brasil uma matriz de qualidade e profissionalismo. Nos anos 50, Casimira Montenegro viu na aviação o futuro de um país enorme, tolhido pelo seu acanhado sistema de transportes. Mesclando ousadia e firmeza com diplomacia, criou o ITA, em São José dos Campos. Em contraste com o sotaque europeu da USP, foi buscar professores nos Estados Unidos. Ali nasceram a Embraer, a eletrônica brasileira e a indústria de armamentos sofisticados. No governo federal, Anísio Teixeira, discípulo de John Dewey, fundou a Capes e dirigiu o Inep. A primeira sempre manteve sua linha irrepreensível de preparar professores e pesquisadores. Já o Inep teve altos e baixos. Mas hoje seu papel na avaliação honra a memória do educador baiano. Dona Sinhá Moreira, sobrinha de Delfim Moreira, após uma trajetória cosmopolita, voltou para as suas vaquinhas, em Santa Rita do Sapucaí. Inconformada, criou uma escola técnica de eletrônica. Adiante, aparece um curso superior na mesma área. Ao correr dos anos, a cidade se transformou em um notável polo de telecomunicações, com mais de 150 empresas do ramo. Zeferino Vaz, médico, inquieto e destemido, convenceu o governador de São Paulo a financiar uma nova universidade: a Unicamp. Saiu pelo mundo em busca dos melhores talentos, brasileiros e estrangeiros. Rapidamente, a instituição tornou-se um dos melhores núcleos de pesquisa das Américas. Na Federal da Paraíba, Lynaldo Cavalcanti criou uma borbulhante pós-graduação. Boa parte dos grupos teve vida efêmera, mas a robustez do núcleo de engenharia permitiu-lhe sobreviver e prosperar até os dias de hoje. Em um ambiente pouco receptivo, não foi uma proeza menor. O geneticista Warwick Kerr deixou seu rastro de criatividade e pesquisa. Os laboratórios onde esteve viraram os líderes no país. Teimoso como uma mula, insistente e cheio de iniciativas, tanto lançava projetos de grande vulto como orientava alunos de ensino médio. A Coppe é o maior centro de engenharia da América Latina. A usina de energia e iniciativa responsável pela sua criação foi Alberto Luiz Coimbra. Sua administração heterodoxa assustou burocratas da UFRJ. Apesar de rigorosamente honesto, foi punido. Mas sua obra vingou e continua sólida. Considera-se que as engenharias elétrica e mecânica da UFSC sejam as mais próximas da indústria, responsáveis até pela criação dos motores WEG. Gaspar Erich Stemmer, em estreita colaboração com universidades alemãs, foi o grande responsável pela empreitada. O que tinham em comum essas pessoas? Ousadia, idealismo e inspiração. E, acima de tudo, obstinação. Resta mencionar a coragem de irem buscar o talento onde estivesse, muitas vezes fora do Brasil. CLAUDIO DE MOURA CASTRO é economista claudiodemouracastro@positivo.com.br 1#5 LEITOR CREDIBILIDADE DO BRASIL Em uma administração de favoritismo e interesses escusos, em que a corrupção tem raízes profundas, o resultado não poderia ser diferente: derrocada do Brasil e sobrepeso nos ombros de um povo já desestimulado ("Onde há fumaça...", 4 de março). Mais do que nunca, está justificada a pecha "O Brasil não é um país sério". ROLDÃO SENGER Bauru, SP A crise é de incompetência. A arrogância da presidente Dilma é tão grande que ela chega a ponto de dizer que a agência de classificação de risco que rebaixou a Petrobras não tem conhecimento para fazê-lo. Então, quem tem? Dilma, Lula, Nestor Cerveró, Paulo Roberto Costa, os empreiteiros presos, Eike Batista...? CARLA DE CARLI Bagé (RS), via tablet Não adianta a vendedora dizer que sua empadinha é a melhor, se quem compra não se convence de suas palavras. ANTONIO CARVALHO Cuiabá (MT), via tablet Fiquei envergonhada de ver o ex-presidente Lula convidando João Pedro Stedile, do MST, com seu exército para a luta. Ele quer lutar mesmo, contra quem? Lula deveria estar envergonhado por ter traído a nação e os nossos sonhos. Onde está a luta pelo bem comum tão apregoada pelos "companheiros"? CARLINDA MARIA DOS SANTOS PIRES Vitória da Conquista, BA O comportamento de Lula, um ex-presidente da República agitando a militância do partido, foi claramente o de um guerrilheiro destemperado e desequilibrado. Inadmissível e ilegal. Com o "general" Stedile e seu exército em sua retaguarda, ele será capaz de declarar guerra aos Estados Unidos. ARIEL J. RESSETTI Curitiba, PR Tal como sorvete que derrete em uma tórrida tarde de verão, o Brasil vê a sua credibilidade se esvair, fruto inegavelmente dos treze anos de desmandos da dupla Lula e Dilma. LUIZ GUSTAVO BARBOSA DAMÂSIO Olinda, PE LYA LUFT No artigo "Não fui eu, professora" (4 de março), Lya Luft demonstra a clareza e o brilhantismo com que aborda a atual fase do Brasil, em que governantes e ex-governantes tentam tirar o foco dos verdadeiros culpados e responsáveis pelo brutal e vergonhoso assalto à Petrobras. Que vergonha a atitude desses senhores. O Brasil precisa demais de centenas de pessoas que pensam e se manifestam como Lya. HEITOR PORTUGAL PROCÓPIO DE ARAÚJO São Paulo, SP Brilhante reflexão de Lya Luft diante do contexto atual brasileiro. Não surpreende que o duvidoso destino de nossos impostos, assim como a ilusão do progresso do país e a má escolha de nossos governantes, resulte em um aspecto principal: a péssima educação brasileira — que incansavelmente torcemos para melhorar. MARIA FERNANDA SOARES Pinhais, PR TAIGUARA RODRIGUES É impressionante como o nome do ex-presidente Lula ("Um novo fenômeno", 4 de março) está sempre envolvido nas falcatruas que a imprensa revela. Será apenas coincidência ou falta à Justiça pôr de vez as mãos nele e fazê-lo pagar por todos os crimes cometidos? Acredito piamente na segunda opção. IRAMAR BENIGNO ALBERT JÚNIOR Recife, PE ROBERTO POMPEU DE TOLEDO O brilhante artigo "Qual morte?" (4 de março) nos ajuda a refletir sobre o medo da morte que habita em cada um de nós. Claro que não nos cabe escolher como e de que forma vamos morrer. Mas essa proximidade com o tema e a forma lúcida com que o jornalista Roberto Pompeu de Toledo disserta sobre ele nos ajudam a perceber que devemos, sim, pensar na morte como algo que inexoravelmente vai ocorrer. DORLI KAMKHAGI Doutora em psicologia clínica e coordenadora de grupos de maturidade do IPq da FMUSP São Paulo, SP Qual morte? Minha sugestão e desejo: súbita, aos 107 anos. CARLOS ROBERTO JUCHEN Toledo, PR Muito oportuno e instigante o artigo tão bem redigido por Roberto Pompeu de Toledo. À minha amada deixo este verso: "Se me flagrastes morto, não me queiras mal, não fiz por mal... te amei de um amor tão vero, como vero foi meu último verão". Sou um "expert" na matéria, dada minha longa vizinhança de parede-meia com a morte. Sou também um nadador de travessias em atividade, porém dono de muitos fatores de risco coronariano. Assim, não temo a morte, pois, enquanto eu for, ela não é, e, quando ela for, já não mais serei. Agradeço a todos os que partilharam da minha vida. JOSÉ APARECIDO DE MOURA São José dos Campos, SP ELIS REGINA Nada Será Como Antes, bela canção de Milton Nascimento com letra de Ronaldo Bastos, empresta o nome para o título da biografia de Elis Regina, escrita pelo jornalista Júlio Maria. Não por acaso. Percebia-se muita afinidade entre eles. Na verdade, a riqueza musical daquele período, sobretudo os anos 70, faz muita falta nos dias atuais. Elis foi mesmo a maior cantora brasileira. De fato, desde sua morte, nada foi como antes ("Um brilhante em estado bruto", 4 de março). MAURÍCIO ANTONIO OLIVEIRA FROES Belo Horizonte, MG RIO 450 ANOS Como sempre, VEJA surpreende seus leitores, admiradores e, acredito, até seus críticos com reportagens espetaculares, interessantes e, acima de tudo, capazes de captar o exato momento histórico da semana, como foi o caso do aniversário do Rio. VEJA contou 450 anos de história da Cidade Maravilhosa de forma inusitada, trazendo curiosidades históricas que tornaram a leitura fácil, inteligente e cativante, num trabalho magnífico. Parabéns a VEJA e ao Rio de Janeiro (Especial "Rio 450 anos", 4 de março). CARLOS BENEDITO PEREIRA DA SILVA Rio Claro, SP VEJA conseguiu inserir uma enciclopédia numa única revista, fazendo-me ler toda essa maravilha num único fôlego. Fiquei informado, emocionado e feliz! JOÃO EVANGELISTA TEIXEIRA LIMA Vila Velha, ES Um pequeno grande dicionário histórico! Em pouco mais de trinta páginas, VEJA narra a história real do Brasil de 515 anos de forma didática e interessante, despertando-nos curiosidade do início ao fim do texto. Parabéns a toda a equipe e ao Rio de Janeiro pelos 450 anos. RUBENS JANUÁRIO POGGIALI DE SOUSA Belo Horizonte, MG As histórias e os fatos novos oferecidos nas páginas de VEJA sobre o aniversário de 450 anos do Rio de Janeiro são um presente para nós, leitores. Agradeço a pesquisa e a organização. VITÓRIA DENCK Curitiba (PR), via smartphone Excelente a reportagem comemorativa dos 450 anos do Rio de Janeiro, que corresponde a uma verdadeira aula de história do Brasil, pois abrange não apenas os grandes nomes e personagens, mas também suas realizações nos campos cultural, político, econômico e científico desde os tempos coloniais até os nossos dias. MARIA ALZIRA DA CRUZ COLOMBO São Paulo, SP O zoológico do barão de Drummond, criado em 1888, não foi o primeiro do Rio de Janeiro, como consta no excelente especial de VEJA. Por volta de 1850, o banqueiro António José Alves Souto, visconde de Souto (1813-1880), possuía um zoológico em sua chácara, em São Cristóvão, com animais do Brasil e do exterior, inclusive leões, ursos e elefantes. Os animais que morriam eram empalhados e doados ao Museu Nacional, que hoje está na Quinta da Boa Vista, vizinha à antiga Chácara do Souto. LÚCIA HELENA SOUTO MARTINI Paulínia, SP Sebastião Bernardes de Souza Prata, mais conhecido como Grande Otelo, nasceu em 1915, e não em 1917 conforme publicado na edição em homenagem aos 450 anos do Rio de Janeiro. Em 2015, Grande Otelo completaria 100 anos. Para comemorar o centenário serão realizados diversos projetos, como mostras, festivais e filmes em prol da sua memória e da democratização de acesso a esse grande artista brasileiro. LUCAS H. Rossi Rio de Janeiro (RJ), via smartphone Correções: no Especial "Rio 450 anos" (4 de março), a carta atribuída a dom Pedro II na seção Império da Selva é de autoria de dom Pedro I. A parteira Marie Josephine Durocher nasceu em 1808, e não em 1908 como foi publicado no Especial "Rio 450 anos". PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação. VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP: Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até a quarta-feira de cada semana. 1#6 MAÍLSON DA NÓBREGA – O CAPITALISMO E OS DISPARATES DE EVO MORALES Em janeiro, antes de assumir pela terceira vez o cargo de presidente da Bolívia, Evo Morales compareceu a uma cerimônia de purificação espiritual, na tradição indígena da etnia aimará, a que pertence. Ele disse, então, que o imperialismo e o capitalismo "fizeram desaparecer os povos indígenas do mundo". O alvo deve ter sido os Estados Unidos, o qual, como fazia Hugo Chávez, Evo tacha de imperialista e capitalista, mas ele deveria ter citado os conquistadores espanhóis invasores das terras hoje bolivianas. O capitalismo não tem culpa da matança dos indígenas nem do seu desaparecimento (que não houve). Antes dos espanhóis, os algozes dos aimarás foram os incas. Os capitalistas nada têm a ver com isso. É longa a evolução do capitalismo. No primeiro milênio antes de Cristo, já existiam direitos de propriedade e mercados entre fenícios e babilônios, mas foi nos séculos XVI a XVIII que o capitalismo se expandiu na Europa, movido por inovações tecnológicas e institucionais. Daí vieram a descoberta das Américas, o caminho marítimo para as Índias e a circum-navegação. O comércio migrou do Mediterrâneo para o Atlântico e sua ampliação, inclusive na exploração das especiarias da Ásia, enriqueceu a Europa. A China e a Índia, que antes respondiam por metade da economia mundial, ficaram para trás. Os espanhóis foram cruéis em sua busca de ouro e prata, bem como na conversão forçada dos indígenas ao catolicismo e na sua escravização para uso nas minas e nas haciendas. Milhões pereceram por causa do sarampo, da fome e dos maus-tratos. O colonialismo espanhol trouxe destruição sem paralelo contra uma comunidade autóctone, suas riquezas e sua arte. Naqueles tempos, a Espanha adotava o mercantilismo, que atribuía a riqueza ao estoque de metais preciosos. O moderno capitalismo ainda não existia. A palavra "capitalismo" nem sequer havia aparecido. Foi criada nos anos 1860 por socialistas e anarquistas, para significar qualquer coisa oposta ao coletivismo. Marx a adotou em O Capital. Adam Smith, o pensador cujas ideias fariam surgir a economia de mercado e o desenvolvimento ocidental, não falou uma vez sequer em capitalismo. O moderno capitalismo compreende basicamente quatro elementos, diz Larry Neal no livro The Cambridge History of Capitalism (2014). São eles: 1) direitos de propriedade; 2) respeito aos contratos; 3) mercados orientados pelo sistema de preços; 4) apoio governamental. Esse apoio nada tem a ver com o intervencionismo de tempos recentes no Brasil, caracterizado por controle de preços, interferência desastrada no mercado de energia, desonerações tributárias sem rumo e crédito favorecido aos escolhidos do rei. Refere-se às instituições que estabelecem um bom ambiente de negócios, incluindo concorrência no mercado e solidez do sistema financeiro. Compreende ainda educação de qualidade e promoção da pesquisa básica essencial à inovação e ao desenvolvimento tecnológico. Esse capitalismo começou a se formar há 150 anos, depois de a Bolívia ter se rebelado contra a Espanha (1809), da qual se tornaria independente em agosto de 1825, portanto há quase 190 anos. Apesar do sofrimento imposto aos indígenas das Américas, não há quem defenda o retorno ao status anterior à conquista europeia. Os portugueses e espanhóis constituíam uma civilização mais avançada, que legou instituições e práticas bem melhores. Um dos autores do livro de Cambridge, Richard Salvucci, lembra que a região não se desenvolveria retornando ao passado. Para ele, a independência de Portugal e da Espanha não tornaria possível "um retorno a um mundo perdido, melhor ou não, mais eficiente ou não". A ação destruidora dos conquistadores não impediu, ainda segundo Salvucci, a sobrevivência de muitas das características dos povos indígenas: línguas, cultura e práticas religiosas. Foi essa extraordinária continuidade que permitiu ao presidente Evo Morales ser purificado por sua comunidade étnica à moda de um rei inca. Uma observação final: os conquistadores não adotavam o socialismo, a ideologia fracassada que Evo professa e que surgiu igualmente após a independência da Bolívia e de outros países das Américas. MAÍLSON DA NÓBREGA é economista 1#7 BLOGOSFERA EDITADO POR KÁTIA PERIN kperin@abril.com.br BLOG LEONEL KAZ CULTURA De quem administra a Cultura exige-se talento para aceitar todas as estéticas. Isso vale para os que, pelo voto ou pela nomeação, detêm temporariamente o poder. Isso vale para os homens de marketing que decidem o que patrocinar via Lei Rouanet. www.veja.com/leonelkaz O CAÇADOR DE MITOS LEANDRO NARLOCH APOSTAS Uma boa forma de ler os comunicados dos ministros e da presidente Dilma é interpretar tudo ao contrário. Se o ministro disse que é frito, é porque é assado. Se prometeu que o preço da gasolina não vai subir, corra para encher o tanque. Se a presidente diz que a inflação está controlada, espere por dois dígitos no IPCA no fim do ano. www.veja.com/cacadordemitos VEJA MERCADOS GERALDO SAMOR CAMINHONEIROS A insatisfação dos caminhoneiros com o governo não tem a ver só com o diesel mais caro. A origem do mau humor na boleia é o filho indesejado de um erro do governo Dilma 1, que criou uma bolha de oferta no frete ao financiar caminhões novinhos a preços de carrinho de brinquedo. O crédito barato do BNDES gerou um excesso de oferta de quase 300.000 caminhões. www.veja.com/vejamercados CIDADES SEM FRONTEIRAS CEMITÉRIOS EM FLORESTAS Os designers italianos Anna Citelli e Raoul Bretzel são os autores do Capsula Mundi, projeto apresentado como uma alternativa aos cemitérios tradicionais. A dupla criou uma cápsula biodegradável em forma de ovo para que ali sejam depositados os restos mortais humanos. O toque final é que a cápsula será plantada no solo envolta nas raízes de uma muda de árvore, cuja espécie será selecionada por cada um ainda em vida. Depois que a pessoa se for, familiares e amigos assumirão os cuidados com a planta. Segundo os autores, o intuito é transformar cemitérios em florestas sagradas, onde cada árvore manterá viva a memória de alguém que se foi. Com restrições legais e religiosas, o Capsula Mundi não passa de um protótipo. E provavelmente não passará disso, já que embute sérias questões práticas. www.veja.com/cidadessemfronteiras SOBRE PALAVRAS SISO OU SISO Originalmente, a palavra siso é sinônimo de juízo, bom-senso, discernimento, sensatez, prudência. A ideia de seriedade e circunspecção também está presente, claro, ainda que não estivesse no centro do arco semântico original. Hoje, quando dizemos que uma pessoa é sisuda, é mais comum termos a intenção de qualificá-la como séria — ou até mesmo carrancuda — do que como sensata ou prudente. O siso do vocabulário odontológico é a forma reduzida de dente de siso, como é popularmente conhecido o terceiro molar. O nome se deve ao fato de que os dentes de siso costumam se desenvolver entre o fim da adolescência e o início da idade adulta, na mesma época em que, supostamente, uma pessoa está se tornando mais ajuizada. www.veja.com/sobrepalavras QUANTO DRAMA! AS CANALHAS Julieta, como a Masina de Fellini, quer apenas "ser palhaça e ser feliz". Mas o destino não anda lhe dando sopa. Cega pela ambição, ela resolve que é o caso de usar de certa canalhice para fazer com que as coisas andem — em resumo, ser feliz é chegar ao centro do cartaz, como a principal atração do Circo Magalhães. No primeiro episódio da terceira temporada de As Canalhas, uma irreconhecível Débora Falabella quer ver o circo pegar fogo, com menos bizarrice que os personagens do Freak Show de American Horror Story, mas com tanta fúria quanto. Produzida pela Migdal Filmes, a série está entre as melhores da boa safra de ficção que o GNT vem levando ao ar nos últimos anos, num ganho valioso para o nosso mercado audiovisual. www.veja.com/quantodrama ___________________________________ 2# PANORAMA 11.3.15 2#1 IMAGEM DA SEMANA – MORTOS SEM SEPULTURA 2#2 DATAS 2#3 CONVERSA COM THAISA STORCHI BERGMANN – POR FAVOR, ELA NÃO FAZ MAPA ASTRAL 2#4 NÚMEROS 2#5 SOBEDESCE 2#6 RADAR 2#7 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – MORTOS SEM SEPULTURA Outro inimigo da lista de Putin é enterrado sem sequer ilusão de justiça. • "Os heróis nunca morrem", gritavam, emocionadas, pessoas presentes ao enterro de Boris Nemtsov. Não morrem, mas são mortos em quantidades dosadas e implacáveis na Rússia de Vladimir Putin. E que herói magnificamente imperfeito foi Nemtsov, um homem da mesma escola de coragem prodigiosa dos grandes dissidentes russos, mas sem a estatura moral de antecessores como um Andrei Sakharov (como ele, era físico, embora sem a importância do pai da bomba de hidrogênio da antiga União Soviética) ou um Alexander Soljenitsin (casado duas vezes com a primeira esposa, uma com a segunda; ao contrário de Nemtsov com suas múltiplas e simultâneas mulheres, entre as quais a linda modelo ucraniana de 23 anos ao lado da qual caminhava quando tombou sob as quatro balas assassinas, bem em frente ao Kremlin). O local escandalosamente acintoso do crime deu lugar a três teorias. A primeira é que Putin mandou matá-lo no ponto mais conhecido da Rússia para mostrar que está mais poderoso do que nunca devido ao apoio popular à intervenção na Ucrânia —justamente a causa que Nemtsov mais combatia. A segunda especula que foi um recado de uma dissidência interna mais dura ainda que Putin. A terceira teoria é que tudo foi uma conspiração para prejudicar Putin. Esta, evidentemente, é a mais martelada na cabeça dos russos pela máquina de propaganda. Em todas as teorias, o brilhante, sedutor, enrolado e destemido Nemtsov acaba morto, sem nenhuma esperança de justiça. "Pare de falar mal de Putin porque ele vai acabar com você", pedia a mãe de Nemtsov, Dina Eidman, que fez 88 anos no dia do enterro do filho. Dina foi uma sábia mãe judia, mas Nemtsov era batizado e foi enterrado sob as três travessas da cruz ortodoxa. Metaforicamente, porém, é mais um morto sem sepultura da Rússia da era Putin. VILMA GRYZINSKI 2#2 DATAS MORRERAM José Alves dos Santos, cantor e compositor pernambucano, o José Rico, da dupla sertaneja formada com Milionário (Romeu Januário de Matos). Nascido em São José do Belmonte, cresceu em Terra Rica (PR), cidade que quis homenagear ao criar seu nome artístico. Em 1968, mudou-se para São Paulo, onde conheceu Milionário. A consagração viria com o álbum Estrada da Vida (1977), que vendeu 200.000 cópias e inspirou um filme dirigido por Nelson Pereira dos Santos (1983). Por causa da boa repercussão do longa na China, José Rico e Milionário acabariam cantando naquele país em 1985. A dupla — que ficou separada entre 1991 e 1994 — gravou 29 álbuns e fazia em média quinze shows por mês. Em 2014, José Rico disputou uma vaga na Câmara Federal pelo PMDB de Goiás, porém não conseguiu se eleger. Dia 3, aos 68 anos, de infarto, em Americana (SP). Vital José de Assis Dias, o primeiro baterista dos Paralamas do Sucesso, personagem da música Vital e Sua Moto, hit do LP de estreia da banda, Cinema Mudo, lançado, já sem ele, em 1983. Vital conheceu Herbert Vianna e Bi Ribeiro no Rio de Janeiro, em um curso pré-vestibular. No início, o trio tocava sem compromisso nem grandes ambições. Quando o grupo começou a se profissionalizar, em 1982, o baterista faltou a uma apresentação — e foi substituído por João Barone. Formado em engenharia mecânica, Vital ainda fez parte de uma banda de heavy metal na década de 90, a Sadom, antes de encerrar a carreira artística. Àquela altura já havia vendido sua moto — que, segundo a letra cantada pelos antigos companheiros, o fazia "se sentir total, com seu sonho de metal". Dia 3, aos 54 anos, de câncer no intestino, no Rio. Natalia Revuelta Clews, a Naty, ex-amante de Fidel Castro, com quem teve uma filha, Alina Fernandez. Ela conheceu Fidel em 1952. Eram ambos casados. Entusiasmada com a ideia de uma revolução comunista, Naty, que integrava a alta sociedade, vendeu suas jóias para ajudar o movimento — e costurou fardas para os soldados de Castro. A paixão entre eles se intensificou em 1953. "Estou pegando fogo", escreveu Fidel, na prisão, em 1954, para Natalia — e não se referia ao furor revolucionário. Alina, que se tornaria crítica feroz do regime cubano, nasceu em 1956, mas só soube que Castro era seu pai na adolescência (a breve relação dele com sua mãe acabara fazia tempo). O romance da socialite com o comunista foi detalhado no livro Havana Dreams, de Wendy Gimbel. "Levou anos para tirá-lo do meu coração", dizia Naty. Dia 28, aos 89 anos, de enfisema pulmonar, em Havana. QUA|4|3|2015 APROVADA pelo plenário do STF, por unanimidade, a extinção da pena imposta ao ex-presidente do PT José Genoino no processo do mensalão. Condenado a quatro anos e oito meses de prisão por corrupção ativa, Genoino foi beneficiado pelo indulto de Natal, previsto em decreto assinado pela presidente Dilma Rousseff em dezembro. No seu caso, o perdão decorreu do fato de ser réu primário, com pena não superior a oito anos, cumprida em um terço do total, e estar em regime domiciliar. O petista foi o primeiro condenado do mensalão a se livrar de sua pena. Por estar enquadrado na Lei da Ficha Limpa, contudo, ele não pode se candidatar ainda a nenhum cargo político (o intervalo é de oito anos). 2#3 CONVERSA COM THAISA STORCHI BERGMANN – POR FAVOR, ELA NÃO FAZ MAPA ASTRAL A astrofísica gaúcha que ganhou prêmio de uma grande marca de cosméticos é uma autoridade de estatura mundial em buracos negros. Sofre de dores na nuca? Não. Essa visão romântica, de que olhamos para o céu o tempo todo, não existe. Atualmente, olho sempre para o computador. Então, quando se diz que a senhora "apontou o telescópio" para uma galáxia e descobriu um disco de poeira cósmica, é no sentido figurado? Fiz a observação e cheguei à descoberta analisando os dados. Isso aconteceu em 1991. Em uma área muito compacta, vi que a luz rodava a 10.000 km por segundo. Ela só poderia ser acelerada assim por um buraco negro. Até ali, não havia evidência de buracos negros no centro da maioria das galáxias. O que sentiu na hora? Fiquei com taquicardia, emocionada. Não conseguia dormir direito. Foi como ganhar na Mega-Sena. Existe um horário ideal para as observações com telescópio? À noite, sem lua. Em radiofrequência, pode ter sol. Qual é o erro mais frequente que ouve sobre sua profissão? A confusão com astrologia, que é o oposto da astronomia. E não adianta brigar — nem quando me pedem mapa astral. Ser uma observadora do espaço afeta de alguma maneira seu dia a dia? Somos uma poeira em um sistema planetário, e o universo é formado por bilhões deles. Quando estou numa discussão, penso: para que continuar com isso? Que diferença faz no universo? Nenhuma. É exagero de leigos ou o supercolisor de partículas pode provocar um buraco negro que engoliria a Terra? Se formar um buraco, ele será infinitamente menor que um grão de arroz. Para capturar a Terra, teria de ser muito grande. Ele também pode derrubar todo o conhecimento acumulado pela física até hoje? Ele pode revolucionar a física, sim. O potencial de descobertas é muito alto. Só não seria tão drástico a ponto de rasgarmos os diplomas. Afinal, existe supermatéria? Nós ainda não sabemos. 2#4 NÚMEROS 500.000 anos antes do que se pensava, as primeiras linhagens de seres humanos já caminhavam sobre a Terra. A descoberta foi feita por um grupo de arqueólogos americanos que encontrou um fóssil de 2,8 milhões de anos em Ledi-Geraru, na Etiópia. 1 década de escavações foi necessária para que o grupo achasse a mandíbula que se tornou o fóssil humano mais antigo recuperado até hoje. À descoberta diminui a brecha entre o australopiteco e as espécies de Homo, que deram origem ao homem moderno. 13.000 anos possuem os esqueletos mais antigos encontrados no Brasil. No mundo, estima-se que os primeiros hominídeos modernos tenham surgido há 200.000 anos. 2#5 SOBEDESCE SOBE "0" vestido - O Exército da Salvação aproveitou a discussão interplanetária sobre as cores de uma roupa para veicular campanha contra agressões à mulher: "Ilusão é achar que foi uma escolha dela". Repelente - Com o surto de dengue no interior de São Paulo, o mais grave desde 2010, as escolas incluíram o produto na lista de material dos alunos. Sala São Paulo - A sala de concertos da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo foi considerada uma das dez melhores do mundo no ranking do jornal britânico The Guardian. DESCE Poupança - A alta dos juros e os boatos de confisco fizeram com que fevereiro registrasse a maior retirada mensal em vinte anos e o pior saldo negativo desde o início da série histórica, em 1995. China - O governo estabeleceu para este ano a mais baixa meta de expansão do PIB desde 1990 - 7%. Bolsa-cônjuge - Diante das críticas, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, desistiu de autorizar o uso de dinheiro da cota parlamentar para a compra de passagens aéreas para o cônjuge de deputados. 2#6 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • GOVERNO FUNDO DO POÇO 1 O Palácio do Planalto tem tido acesso a pesquisas que jogam Dilma Rousseff em patamares de impopularidade inéditos em seu governo. São números muito piores do que os que ela obteve após as manifestações de 2013. FUNDO DO POÇO 2 Fernando Pimentel recebeu na semana passada o resultado de uma pesquisa encomendada ao Vox Populi que é desastrosa para Dilma. Feita apenas em Minas Gerais, onde ela venceu a eleição, a pesquisa mostra que 62% dos mineiros consideram seu governo "ruim" ou "péssimo". FUNDO DO POÇO 3 Na terceira semana de março, por encomenda da CNI, o Ibope sai às ruas para medir o pulso da população em relação ao governo Dilma. PEDIDO DE DESCULPAS No café da manhã que teve com os senadores do PT e PMDB há duas semanas, Lula não poupou o estilo Dilma. Um senador anotou uma das estocadas: "A Dilma tem de fazer uma autocrítica. Pedir desculpas à população, reconhecer que errou, que mudanças têm de ser feitas e, aí então, dizer o que vai fazer". Evidentemente, as críticas já chegaram a Dilma - ao menos um senador há de ter contado para a presidente. O que não deve ajudar em nada a melhorar sua relação com Lula. ASSIM, NÃO O relacionamento entre Dilma Rousseff e Michel Temer atingiu um nível inédito de tensão. O vice que explodiu. Na quarta-feira 4, Temer pediu uma conversa com Dilma para comunicar — esse foi o termo usado por ele — que ela não contava mais com seus serviços para apagar os incêndios na relação do governo com o PMDB e a base aliada. A gota d'água para o comunicado de Temer a Dilma foi a sua exclusão das reuniões com líderes partidários. • SENADO O CONSELHEIRO 1 Nestes tempos de guerra entre Renan Calheiros e o governo, José Sarney tem sido um fiel conselheiro do presidente do Senado. Não é o único — Eunício Oliveira, Eduardo Braga e Romero Jucá também fazem esse papel —, mas é o mais assíduo. O CONSELHEIRO 2 O mentor intelectual das ameaças de Renan a Rodrigo Janot é Fernando Collor. A decisão de centrar fogo no chefe da PGR foi proposta por Collor a Renan na quarta-feira, quando os dois conversaram longamente na residência oficial do presidente do Senado. • CÂMARA EM PRIVADO Assim que eleito presidente da Câmara, Eduardo Cunha disse que não via "espaço para o impeachment" de Dilma. Embora de público não vá admitir nem que a vaca tussa, dias atrás afirmou a mais de um interlocutor ser impossível segurar o processo caso a possibilidade ganhe força a partir dos protestos de 15 de março. SINAL FECHADO A propósito, peça a Eduardo Cunha para fazer qualquer coisa — e ele fará. Menos atender qualquer ligação de Pepe Vargas e Rui Falcão. • ECONOMIA NOS EUA 1 A rede de fast-food de comida italiana Spoleto, dona de 348 lojas no Brasil, abre neste mês seu primeiro restaurante nos EUA — mais precisamente em Orlando. Até o fim do ano, outros três serão inaugurados lá. NOS EUA 2 Abílio Diniz passou uns dias nos EUA levantando fundos para aumentar sua posição no Carrefour. O objetivo final de Abílio, que fique claro, é ter o controle do Carrefour mundial. O PRAZO Aldemir Bendine trabalha para que a Petrobras publique o encrencado balanço do terceiro trimestre de 2014 na primeira semana de abril. 2 BILHÕES DE REAIS O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais condenou a Fibria, a maior empresa de celulose do Brasil, a pagar 2 bilhões de reais por causa de uma transação de troca de ativos com a International Paper, ocorrida em 2007. Ainda cabe recurso ao processo. NO TELHADO As negociações para que a Oi compre a TIM desandaram. • MARKETING ALINHAMENTO DE INTERESSES O laboratório mexicano Genomma, que chegou ao Brasil há cinco anos vendendo apenas cosméticos, vai ampliar o leque de produtos: anuncia neste mês seu ingresso na área de medicamentos. E, não por acaso, o maior anunciante da Record contratou Xuxa no Brasil — a apresentadora já era sua garota-propaganda no resto da América Latina. 2#7 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “Suas vidas não foram perdidas em vão.” - MADONNA, cantora e compositora americana referindo-se às vítimas do ataque terrorista ao periódico satírico francês Charlie Hebdo no programa Le Grand Journal, do Canal +; na entrevista, ela foi apresentada ao cartunista Luz, da equipe do semanário — e chorou ao abraçá-lo diante das câmeras. “Papai, é só o Estado Islâmico.” - DAKOTA JOHNSON, estrela do filme Cinquenta Tons de Cinza, em um esquete levado ao ar pelo programa Saturday Night Live (NBC), no qual interpretou uma jovem que se despedia da família para se unir ao grupo terrorista. “Todos os líderes do mundo adotam medidas de segurança e de proteção contra assassinatos. Mas acredito que nós estejamos mais avançados que outros países.” - CEVDET ERDÖL, médico particular do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, ao comentar a instalação de um laboratório no palácio do governo para análise das bebidas e dos alimentos consumidos pelo dirigente. “Alexis Tsipras (primeiro-ministro da Grécia) tem o mérito de fazer as perguntas corretas. Mas nunca deu respostas.” - JEAN-CLAUDE JUNCKER, presidente da Comissão Europeia, no diário espanhol El País. “Temos uma escola do século XIX, um professor do século XX e um aluno do século XXI.” - MOZART NEVES RAMOS, especialista em educação e diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna, no Valor Econômico. “Tem lá uns 400 ou 300 deputados (...) achacadores.” - CID GOMES, ministro da Educação, referindo-se aos parlamentares do Congresso, em frase que resultou na sua convocação à Casa e que escancarou mais uma vez a fragilidade do apoio que o governo tem nela: o requerimento de convocação do ministro foi aprovado por 280 votos contra 102 e quatro abstenções. “Sim, meu filho já experimentou droga dentro de casa. Mas confesso que meu problema com o João é que ele bebe muito.” - MARCELO FREIXO, deputado estadual (RJ), na PLAYBOY de março. O filho de Freixo tem 24 anos. “Tudo de que o Brasil não precisa é brasileiro contra brasileiro. É regar a discórdia.” - GERALDO ALCKMIN, governador de São Paulo, ao criticar, na rádio Jovem Pan, o ex-presidente Lula, que, num ato realizado no Rio, sugeriu que João Pedro Stedile (MST) poderia colocar seu "exército" nas ruas contra as manifestações anti-governo anunciadas para o próximo dia 15. “Eu acho que isso é ruim para o esporte, muito ruim para mim e para minha vida porque eu nunca usei nada para mudar minha performance.” - ANDERSON SILVA, ex-campeão de MMA, falando sobre os resultados positivos de seus exames antidoping ao site TMZ, na primeira entrevista concedida a respeito do assunto desde sua vitória contra Nick Diaz, em janeiro. Suspenso temporariamente _ das competições, ele disse que deve voltar aos ringues em 2016. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto da nova fase do escândalo do petrolão, iniciada com 28 pedidos de abertura de inquérito contra cinquenta pessoas “A ideia de justiça é, no fundo, uma ideia (...) de desenlace, de volta ao equilíbrio.” - PAUL VALÉRY, escritor francês (1871-1945) _____________________________________ 3# BRASIL 11.3.15 3#1 OS NOMES SOB SUSPEITA 3#2 É SÓ SEGUIR O DINHEIRO 3#3 A VEZ DE BELO MONTE 3#4 CERTEZAS SEM BASE 3#5 NÃO ERAM DELE 3#1 OS NOMES SOB SUSPEITA O STF autoriza abertura de inquérito para apurar o que há de verdade nas falas de Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef, que, em delação premiada, implicaram políticos no recebimento de propinas do petrolão. RODRIGO RANGEL O escândalo de corrupção na Petrobras já é, de longe, o maior de todos os tempos. Calcula-se que pelo menos 4 bilhões de reais foram desviados por diretores nomeados por indicação política na estatal, valendo-se de propinas cobradas de grandes empreiteiras e operadas por doleiros. A investigação levou à prisão de 64 pessoas e recolheu provas de que parte desse dinheiro foi usada para subornar parlamentares e financiar campanhas eleitorais. Na noite de sexta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) ampliou a capacidade de destruição da Operação Lava-Jato ao divulgar a lista dos políticos suspeitos de envolvimento no caso. São 34 deputados e ex-deputados e doze senadores, incluídos o presidente do Senado, o presidente da Câmara e ex-ministros dos governos Dilma e Lula. Todos serão investigados pela Polícia Federal a pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A lista dos suspeitos passa por gabinetes influentes e poderosos da Esplanada dos Ministérios, do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional e envolve políticos de cinco partidos — PT (8), PMDB (7), PP (32), PSDB (1) e PTB (1). O procurador pediu a abertura de inquéritos por ter encontrado indícios de crime de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e evasão de divisas. De acordo com a lei, deputados e senadores só podem ser investigados com autorização do STF, e o fato de serem investigados não é sinônimo de culpa. Nas delações do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef, seus nomes aparecem como beneficiários do esquema. No que os procuradores federais chamam de "inquérito-mãe", eles estão mapeando as engrenagens do esquema de corrupção na Petrobras — "o sistema", como definiram no pedido enviado ao STF. O objetivo é identificar a cadeia de comando do petrolão — desde os responsáveis pela assinatura dos contratos superfaturados na Petrobras até os políticos que indicavam seus apadrinhados para postos-chave na estatal. Os procuradores acreditam que a exata delimitação das responsabilidades de cada um dos personagens envolvidos vai permitir montar um organograma preciso do "sistema", inclusive iluminando o topo da cadeia alimentar. "Todo mundo que de alguma maneira se beneficiou do dinheiro desviado vai ter de se explicar, inclusive a presidente e o ex-presidente", disse a VEJA, sob a condição de anonimato, um dos investigadores que atuam no caso. Os procuradores consideram a possibilidade de pedir ao ministro Teori Zavascki, relator do caso no STF, que os autorize a tomar o depoimento de Dilma Rousseff. Em uma das peças enviadas ao STF na semana passada, o procurador-geral cita nominalmente um trecho da delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa em que ele afirma que, em 2010, o então coordenador da campanha de Dilma, Antonio Palocci, pediu dinheiro do esquema para pagar despesas do comitê da petista. No depoimento, revelado por VEJA no ano passado, Paulo Roberto diz que autorizou o doleiro Alberto Youssef a repassar 2 milhões de reais para a campanha presidencial de Dilma em 2010. Janot recomendou devolver a apuração sobre esse episódio à primeira instância — e o STF concordou. "Não é possível admitir que os políticos não saibam a origem do dinheiro que abastece seu partido e sua campanha", disse a VEJA um dos integrantes da investigação em Brasília. Dilma, porém, não foi tocada porque há um artigo da Constituição no qual se lê que o presidente da República, na vigência do mandato, "não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções". Os procuradores dividiram o esquema em quatro núcleos. O financeiro, formado pelos operadores que lavavam e distribuíam o dinheiro. O administrativo, composto dos funcionários da Petrobras que facilitavam os desvios. O econômico, que inclui as empreiteiras que pagavam as propinas em troca dos contratos na estatal. E o político, do qual fazem parte as autoridades que davam aval para o funcionamento do esquema e se beneficiavam dele. A estratégia é similar à adotada no caso do mensalão. Como os três primeiros núcleos já estão praticamente delineados na investigação que ocorre no Paraná, bastará ao STF requisitar ao juiz Sérgio Moro as informações disponíveis e compor o mosaico. O procurador incluiu também na investigação o tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto, operador do partido no petrolão. Na lista de Janot estão figurões como Renan Carneiros, Eduardo Cunha, o líder do PT no Senado, Humberto Costa, a senadora Gleisi Hoffmann, ex-ministra da Casa Civil de Dilma, e o senador Antonio Anastasia, ex-governador de Minas Gerais. No escalão intermediário, aparecem o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, deputado Arthur Lira, seu pai, o senador Benedito de Lira, e o vice-presidente da Câmara Waldir Maranhão. Como não podia deixar de ser, está na lista também o notório Fernando Collor. Agora começa a fase de investigação. Nela, outros políticos podem ser incluídos ou apenas convocados a depor — até mesmo Dilma, mediante autorização de Zavascki. O mandato de Janot encerra-se em setembro. Ele pode ficar mais dois anos no cargo. A decisão sobre isso está nas mãos da presidente da República e do Senado. Um investigador de políticos que depende dos políticos para dar continuidade a sua investigação não é a circunstância mais adequada para a busca da verdade. Mas, felizmente, os fatos são teimosos. OS 50 INVESTIGADOS RENAN CALHEIROS (PMDB-AL), presidente do Senado Federal ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. EDUARDO CUNHA (PMDB-RJ), presidente da Câmara dos Deputados ACUSAÇÃO: corrupção passiva e lavagem de dinheiro. JOÃO VACCARI NETO, tesoureiro nacional do PT ACUSAÇÃO: corrupção passiva, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro. GLEISI HOFFMANN (PT-PR), senadora e ex-ministra da Casa Civil ACUSAÇÃO: corrupção passiva e lavagem de dinheiro. ANTONIO PALOCCI (PT-SP), ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil (remessa da investigação para a primeira instância). ROSEANA SARNEY (PMDB-MA), ex-governadora do Maranhão ACUSAÇÃO: corrupção passiva e lavagem de dinheiro. LINDBERGH FARIAS (PT-RJ), senador ACUSAÇÃO: corrupção passiva e lavagem de dinheiro. EDISON LOBÃO (PMDB-MA), senador e ex-ministro de Minas e Energia ACUSAÇÃO: corrupção passiva e lavagem de dinheiro. FERNANDO COLLOR DE MELLO (PTB-AL), senador e ex-presidente da República ACUSAÇÃO: evasão de divisas e lavagem de dinheiro. ROMERO JUCÁ (PMDB-RR), senador ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. ANTONIO ANASTASIA (PSDB-MG), senador ACUSAÇÃO; corrupção passiva e lavagem de dinheiro. AGUINALDO RIBEIRO (PP-PB), deputado e ex-ministro das Cidades ACUSAÇÃO; corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. HUMBERTO COSTA (PT-PE), senador ACUSAÇÃO: corrupção passiva e lavagem de dinheiro. VALDIR RAUPP (PMDB-RO), senador e vice-presidente do PMDB ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. CIRO NOGUEIRA (PP-PI), senador e presidente do PP ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. MÁRIO NEGROMONTE (PP-BA), ex-deputado e ex-ministro das Cidades ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. JOSÉ MENTOR (PT-SP), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva e lavagem de dinheiro. VANDER LOUBET (PT-MS), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva e lavagem de dinheiro. CÂNDIDO VACCAREZZA (PT-SP), ex-deputado ACUSAÇÃP: corrupção passiva e lavagem de dinheiro. JOÃO PIZZOLATTI (PP-SC), ex-deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. PEDRO CORRÊA (PP-PE), ex-deputado, condenado no mensalão ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. PEDRO HENRY (PP-MT), ex-deputado, condenado no mensalão ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. SIMÃO SESSIM (PP-RJ), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. ARTHUR LIRA (PP-AL), deputado, presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. BENEDITO DE LIRA, (PP-AL), senador ACUSAÇÃO: corrupção passiva e lavagem de dinheiro. NELSON MEURER (PP-PR), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. EDUARDO DA FONTE (PP-PE), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. GLADSON CAMELI (PP-AC), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. LUÍS CARLOS HEINZE (PP-RS), senador ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. WALDIR MARANHÃO (PP-MA), deputado, vice-presidente da Câmara ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. FERNANDO "BAIANO" SOARES, operador do PMDB ACUSAÇÃO: corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. ANÍBAL GOMES (PMDB-CE), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. JOSÉ OTÁVIO GERMANO (PP-RS), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. LUIZ FERNANDO FARIA (PP-MG), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. ROBERTO TEIXEIRA (PP-PE), ex-deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. ALINE CORRÊA (PP-SP), ex-deputada ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. CARLOS MAGNO (PP-RO), ex-deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. DILCEU SPERAFICO (PP-PR), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. JERÔNIMO GOERGEN (PP-RS), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. JOÃO LEÃO (PP-BA), ex-deputado e atual vice-governador da Bahia ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. LUIZ ARGOLO (ex-PP, atual SD-BA), ex-deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. SANDES JÚNIOR (PP-GO), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. AFONSO HAMM (PP-RS), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. PADRE JOSÉ LINHARES (PP-CE), ex-deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. MISSIONÁRIO JOSÉ OLÍMPIO (PP-SP), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. LÁZARO BOTELHO (PP-TO), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. RENATO MOLLING (PP-RS), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. ROBERTO BALESTRA (PP-GO), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. ROBERTO BRITTO (PP-BA), deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. VILSON COVATTI (PP-RS), ex-deputado ACUSAÇÃO: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. DEZ RESPOSTAS SOBRE A LAVA-JATO 1- Os políticos alvo de inquérito agora podem ter a prisão decretada, como os empresários? Não. Parlamentares só podem ser presos se condenados ou flagrados em crime inafiançável; governadores e presidente, só depois de sentenciados. Assim, eventuais prisões preventivas só poderão ser decretadas para políticos sem mandato ou ministros. 2- Quando os políticos serão julgados? Não há previsão. A fase de inquéritos (produção de provas) deve durar pelo menos um ano até que a Procuradoria-Geral da República ofereça as denúncias e os políticos se transformem em réus. 3- E, no caso dos empreiteiros, por que o julgamento deve ser mais rápido? Como eles estão presos, os processos têm prioridade na Justiça. Além disso, já são réus. 4- A entrada de um novo ministro no STF, cuja indicação pela presidente Dilma é esperada para este mês, pode interferir nos julgamentos? O novo ministro junta-se a outros quatro magistrados da turma. Suas chances de interferir no rumo do julgamento limitam-se, portanto, ao próprio voto. 5- Lula foi acusado por Youssef de saber de tudo. Por que o nome dele não apareceu? O ex-presidente, até onde se sabe, ainda não é investigado. Caso os investigadores decidam fazê-lo, a apuração acontecerá no âmbito da Operação Lava-Jato no Paraná, já que ele não tem mais direito a foro privilegiado. 6- O fato de Janot ter recomendado a não investigação da presidente Dilma a inocenta? A presidente da República tem imunidade temporária. Ela só pode ser processada por fatos atinentes ao seu mandato. Isso, porém, não significa uma declaração de inocência. Ela poderá ser investigada e denunciada ao fim do mandato, ou antes, caso se comprove que usou o cargo para beneficiar a quadrilha ou recebeu vantagem. 7- Para onde vai o dinheiro recuperado dos corruptos? Os recursos bloqueados dos investigados vão para uma conta bancária aberta em nome da Justiça Federal e controlada pelo juiz do caso. No fim do processo, havendo condenações e reconhecimento de culpa, o dinheiro é devolvido aos cofres da União. 8- Os políticos também podem fazer delação premiada? Sim. A diferença é que negociam o acordo diretamente com a Procuradoria-Geral da República, e não com o Ministério Público Federal. Mas, ao firmarem o pacto, assumem um risco maior de ter o mandato cassado, na medida em que reconhecem ter cometido o delito. 9- A CPI da Petrobras pode interferir no rumo das investigações? As CPIs têm poder de investigação para inquirir investigados, quebrar sigilos e produzir provas que podem auxiliar o trabalho do Judiciário. 10- Por que o julgamento dos políticos não ocorrerá no plenário do STF, como no mensalão? Uma mudança no regimento do STF em 2014 transferiu para as turmas de ministros a competência de julgar crimes comuns de parlamentares. O intuito é dar maior agilidade aos julgamentos. Processos referentes à Lava-Jato estão a cargo da turma composta dos ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Celso de Mello. COM REPORTAGEM DE HUGO MARQUES E ROBSON BONIN 3#2 É SÓ SEGUIR O DINHEIRO Para o juiz responsável pelo caso, essa é a estratégia mais eficiente para chegar ao topo da cadeia de comando de organizações criminosas como a do petróleo. ROBSON BONIN "Fatalmente o dinheiro vai chegar aquém tem o poder de controle sobre o grupo criminoso." - Juiz Sérgio Moro Por que o ex-presidente Lula não está na lista de investigados do petrolão se quase todos os crimes apurados na Operação Lava-Jato foram cometidos em seu governo por pessoas indicadas por ele ou ligadas indiretamente a ele? Tomando-se emprestado o raciocínio do juiz federal Sérgio Moro, que na semana passada concedeu uma palestra em Curitiba, chegar aos comandantes do esquema de fraudes da Petrobras na última década é uma questão de tempo. Basta, segundo ele, que os investigadores sigam "o velho conselho americano". "Follow the money!" (Siga o dinheiro), diz Moro. É exatamente o que a força-tarefa de policiais e procuradores do Ministério Público paranaense vem fazendo, sob a supervisão do próprio Moro, no caso da quadrilha de políticos, empreiteiros e servidores corruptos que organizou o maior assalto aos cofres públicos da história brasileira. Seguindo o dinheiro, os investigadores chegaram aos doleiros que atuavam a partir de um posto de gasolina em Brasília, descobriram o envolvimento de diretores da Petrobras, dos empreiteiros e, por último, dos políticos e partidos que se vendiam ao governo. Seguindo o dinheiro, corruptos e corruptores foram devidamente identificados — e fica evidente que não agiam como lobos solitários. Havia organização, método, disciplina, objetivo. Lula chegou ao poder em 2003. A máfia do petrolão, como já foi revelado por um dos envolvidos no esquema, começou a se materializar no mesmo ano. Lula nomeou o mensaleiro José Dirceu para a Casa Civil da Presidência, que nomeou o engenheiro Renato Duque, entregando a ele a poderosa diretoria de Serviços. Lá, Duque reuniu os empreiteiros prestadores de serviços e constituiu as bases do que viria a ser conhecido como "o clube" — o grupo de empresas que dividia entre si os contratos da Petrobras e repassava uma parte dos lucros ao PT. Parecia o crime perfeito — e o governo decidiu ampliá-lo aos partidos aliados. Em 2004, Lula convidou o engenheiro Paulo Roberto Costa para assumir a diretoria de Abastecimento da Petrobras com a missão de repetir a experiência bem-sucedida da diretoria de Serviços, mas dessa vez para atender ao PP. Para o PMDB, o mais fiel aliado, Lula reservou a área internacional, entregue a Nestor Cerveró. Seguindo o dinheiro, a polícia prendeu os três diretores. Um deles, Paulo Roberto, o Paulinho, como era carinhosamente tratado pelo ex-presidente, decidiu contar o que sabia e delatou os empreiteiros, os amigos, os operadores e apontou o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, como o grande cérebro petista no petrolão. Vaccari é homem de confiança do ex-presidente Lula no PT. Seguindo o dinheiro, a polícia rastreou movimentações bancárias, entregas de valores, apreendeu tabelas e obteve novas confissões que deixaram claro que o esquema montado no primeiro governo Lula funcionava de maneira "institucional", extremamente organizada, com dezenas de operadores envolvidos, uma contabilidade oficial e outra clandestina. Para conseguirem os contratos fraudados na estatal, os empreiteiros pagavam de 1% a 3% de propina ao PP, ao PMDB e ao PT. Seguindo o dinheiro, os investigadores da Lava-Jato chegaram a Pedro Barusco, gerente da Petrobras, que disse ter entregue cerca de 200 milhões de dólares em propinas ao tesoureiro Vaccari e ao PT de Lula. O dinheiro abasteceu o caixa eleitoral clandestino que reelegeu Lula em 2006 e permitiu ao ex-presidente eleger e reeleger sua sucessora, Dilma Rousseff, nas eleições de 2010 e 2014, dessa vez por meio de "doações legais", mas feitas com recursos roubados da Petrobras. Estima-se que pelo menos 4 bilhões de reais tenham sido desviados dos cofres da Petrobras apenas pela ação do esquema corrupto. Os rastros desse dinheiro levaram os empreiteiros envolvidos à cadeia. Um deles, Ricardo Pessoa, apontado pela Justiça como o chefe do clube, revelou ter entregue ao PT, por ordem de Vaccari, 30 milhões de reais apenas para a campanha do partido no ano passado. A bolada, integralmente oriunda da Petrobras, financiou a campanha da presidente Dilma Rousseff e de seus aliados em 2014. Acuadas diante da prisão, as empreiteiras também seguiram o caminho do dinheiro, só que na direção inversa. O Instituto Lula virou centro de peregrinação de dirigentes e donos de empreiteiras que vão até lá cobrar os "favores" feitos ao "senhor Vaccari" e pedir ajuda. Pura chantagem. Lula e o PT foram os criadores e os principais beneficiários do esquema de corrupção na Petrobras, e os empresários ameaçam contar isso com todas as letras. Depois de deixar o governo, o ex-presidente voou mundo afora em jatos alugados, tornou-se um palestrante bem remunerado e lobista das mesmas empreiteiras envolvidas no escândalo. Como diz o juiz Sérgio Moro, nas investigações de crimes de lavagem a dificuldade de chegar ao comandante se deve ao fato de ele ser o "último beneficiário da atividade criminosa" e de "não sujar as mãos". Mas isso é apenas questão de persistência, segundo o magistrado: "Fatalmente o dinheiro vai chegar a quem tem o poder de controle sobre o grupo criminoso". 3#3 A VEZ DE BELO MONTE O presidente da Camargo Corrêa dirá na delação premiada que sua empresa pagou 64 milhões em propina para obter contratos na usina — metade foi para o PT e metade para o PMDB. ALEXANDRE HISAYASU Para participar das obras da usina de Belo Monte, a empresa Camargo Corrêa pagou 64 milhões de reais em propina. Metade desse valor foi para o PT e metade para o PMDB, cujo intermediário era o lobista Fernando Baiano. A quantia repassada a cada partido equivale a 1% do dinheiro que a empresa recebeu do governo até agora, 3,2 bilhões de reais de um contrato de 5,1 bilhões. Essas são algumas das informações que o presidente da empreiteira, Dalton Avancini, dará aos investigadores da Lava-Jato em seus próximos depoimentos. Preso desde novembro na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, ele fechou um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal em que se comprometeu a falar o que sabe sobre as irregularidades não apenas na Petrobras mas também em Belo Monte, obra na qual, pelo que apontam as investigações, vigorou um esquema semelhante ao do petrolão. A usina, planejada para ser a terceira maior hidrelétrica do mundo, já custou 20 bilhões de reais aos cofres públicos. A previsão é que, quando estiver concluída, em 2019, terá ultrapassado o custo de 30 bilhões de reais. A Camargo Corrêa é uma das participantes do consórcio responsável pela construção da usina, com 16% dos contratos. As demais empresas são, por ordem decrescente de participação, Andrade Gutierrez, Odebrecht, Queiroz Galvão, OAS, Galvão Engenharia, Contern, Serveng-Civilsan, J. Malucelli e Cetenco. Das dez, seis são acusadas de envolvimento no petrolão: Odebrecht, OAS, Galvão Engenharia, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Avancini dirá em seu depoimento que acredita que todas as empresas do consórcio, a exemplo da Camargo, tiveram de pagar propina para integrá-lo, mas que não tem provas disso. As revelações do executivo devem abrir uma nova frente nas investigações que envolvem a corrupção entre governo, partidos e construtoras. Essa nova frente aumentará a pressão política sobre a presidente Dilma Rousseff. Como ministra da Casa Civil e "mãe do PAC", ela teve papel fundamental na formação dos consórcios que disputaram a licitação de Belo Monte. Em abril de 2010, a duas semanas do leilão, Camargo Corrêa e Odebrecht anunciaram sua desistência de participar da disputa porque o governo se recusava a corrigir o valor da energia que seria vendida pela usina e também a diminuir o risco de uma eventual variação nos preços no futuro. Em suma, as empresas diziam não ver como ganhar dinheiro com a empreitada. A decisão abriu caminho para a vitória do consórcio Norte Energia, montado na última hora sob a orientação do Palácio do Planalto e liderado pela estatal Chesf e por empresas menores, como a Galvão Engenharia e a Mendes Júnior. Mas os gigantes do setor não ficaram de fora por muito tempo. Meses depois, a Norte Energia teve de subcontratar outro consórcio — que é o que vigora hoje. Belo Monte teve uma origem conturbada e cresceu cercada de suspeitas. Agora, as revelações de Avancini podem ajudar a romper de vez a barragem que escondia seus segredos. COLABOROU DANIEL HAIDAR ELE DE NOVO Além das revelações que fará sobre o pagamento de propina para o PT e o PMDB nas obras da usina de Belo Monte, o presidente da Camargo Corrêa, Dalton Avancini, dirá em seu depoimento que os 900.000 reais que a empreiteira pagou ao ex-ministro José Dirceu em abril de 2010 a título de "consultoria" eram, na realidade, propina. Avancini afirmará ainda que a Camargo deu o dinheiro ao petista por "temor reverencial" — já que, no período, Dirceu não fazia mais parte do governo, embora mantivesse sua influência nele. Segundo Avancini, foi Dirceu quem procurou a empreiteira para pedir a propina e a ordem para atendê-lo partiu de Vitor Hallack, presidente do conselho do grupo Camargo Corrêa. O vice-presidente da Engevix, Gerson Almada, conforme revelou VEJA, já havia dito a interlocutores que o contrato de sua empresa com a JD, a consultoria de Dirceu, não passava de um método para escamotear o pagamento de propina. Almada está tentando negociar uma redução de pena, em troca de informações, inclusive sobre o ex-ministro. O cerco contra Dirceu está se fechando — mais uma vez. A.H. 3#4 CERTEZAS SEM BASE A reação à lista de Janot foi uma profusão de alicantinas, pabulagens, carapetas e vesânias — que, como essas palavras incomuns, não esclarecem coisa nenhuma. ANDRÉ PETRY A lista do procurador-geral Rodrigo Janot bagunçou o coreto de quem vive a denunciar a misteriosa força de uma conspiração por trás de tudo. A seguir, uma lista das narrativas que a realidade derrubou por terra na semana passada. O governo manipulou a lista de Janot. O presidente do Senado, Renan Calheiros, adotou um comportamento circunspecto em público, mas nos bastidores tem feito questão de dizer que o governo manipulou a lista para incluir seu nome nela e desmoralizá-lo. Seu colega do PMDB, deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara, tem a mesma desconfiança. Acha que seu nome só foi parar na lista por vendeta do governo, que quer puni-lo por sua independência. O senador Aécio Neves, do PSDB mineiro, não está na lista. Seu nome foi citado no depoimento do doleiro Alberto Youssef, mas Janot entendeu que não havia consistência para abrir uma investigação. Pediu então o arquivamento. Aécio Neves afirmou: "Foram infrutíferas as tentativas de setores do governo de envolver a oposição na investigação". O senador ainda disse que encarava o pedido de arquivamento como uma "homenagem" à sua lisura e correção. O problema: se o governo tem influência suficiente para manipular a lista e incluir o nome de Calheiros e o de Cunha, por que sua influência murcharia na hora de incluir o de Aécio? Ou, posto de outro modo: se o governo tentou manipular a lista, mas suas tentativas foram "infrutíferas" para envolver Aécio, por que teriam sido frutíferas no caso de Calheiros e de Cunha? Como procurador, Janot tem a missão de livrar a cara do governo e do PT. As suspeitas sobre o procurador não nasceram agora, mas ganharam um pouco mais de fôlego com a entrega de sua lista ao Supremo Tribunal Federal. A primeira prova de sua ação em defesa do governo: deixou o nome da presidente Dilma fora da lista. A segunda: pediu abertura de inquérito para todos os envolvidos, quando poderia ter saltado essa etapa nos casos mais notórios, já apresentando denúncia. Fez isso para embromar, jogando o caso às calendas gregas — e para parecer que todos os 54 nomes estão em pé de igualdade, quando há evidentes diferenças na robustez das provas contra cada um. O problema: se Janot está no cargo para defender o governo e o PT, a lógica indica que pediria a abertura de inquérito contra Aécio, mesmo que as investigações acabassem em nada. Pelo menos, enquanto durasse, a apuração daria aos petistas a chance de fazer barulho. Já o pedido de abertura de inquérito não ajuda o Planalto. Ao contrário. Vai prolongar as investigações a tal ponto que o governo Dilma transcorrerá, todo ele, seja qual for sua duração, sob o vulcão de um escândalo em permanente erupção. A gritaria contra a ausência de Dilma na lista de Janot é produto da ignorância: a presidente só pode ser investigada por ações praticadas no exercício de seu mandato. Até onde se sabe, o doleiro Alberto Youssef mencionou o envolvimento de Dilma quando ela ainda era ministra. Se seu nome aparecer em algum heterodoxia já na condição de presidente, não há nenhum impedimento legal para que venha a ser investigada. O juiz Sérgio Moro, de Curitiba, age sob a influência dos tucanos e persegue o PT. Desde as primeiras delações premiadas, e sobretudo durante a campanha presidencial, os petistas põem em dúvida a integridade profissional de Moro, que teria vínculos com o PSDB. Sua motivação, única e ideológica, seria pegar Dilma e Lula, a qualquer custo. O problema: pelo menos até agora, Moro não tomou nenhuma providência contra Lula ou Dilma, e não se furtou a mandar uma simples citação a Aécio para Brasília. Embaralhou tudo. Fosse um perseguidor do PT, deveria ter feito exatamente o contrário. O doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, ambos em delação premiada, não são confiáveis. Para o senador Renan Calheiros, o ex-diretor Paulo Roberto Costa mentiu quando o acusou de receber propina da Petrobras e, ainda por cima, furando o teto de 3%. Para o senador Aécio Neves, o doleiro Youssef não merece atenção. Só fez menção ao seu nome porque é um desclassificado ou porque o submeteram a uma pressão irresistível. O problema: Costa e Youssef não podem ser, a um só tempo, uma coisa e seu contrário. Falam a verdade espontaneamente quando comprometem Dilma, Lula ou o PT, porque com o acordo de delação premiada não podem mentir, sob pena de perderem os benefícios. Mas mentiriam, ou seriam pressionados a fazê-lo, quando comprometem o nome de outros partidos, mandando às favas os benefícios da delação premiada? A explosão dessas narrativas, que se entrechocam e se autoanulam, é um sinal positivo. Sugere que a única explicação capaz de parar em pé, sem provocar contradições nem ferir a lógica mais elementar, é desconcertantemente singela: a Polícia Federal, a Justiça e o Ministério Público estão trabalhando com correção e fazendo o que têm de fazer. Num país habituado à impunidade, cujos políticos têm horror atávico a assumir seus erros e uma propensão irrefreável a atribuí-los a terceiros, pode ser difícil acreditar em normalidade institucional — daí a facilidade com que se propaga o discurso da força misteriosa das conspirações. O mistério talvez seja apenas este: as instituições, até aqui, têm funcionado como se espera que funcionem. À sociedade, cabe continuar a fazer o que tem feito: vigilância constante — apesar das alicantinas, pabulagens, carapetas e vesânias. 3#5 NÃO ERAM DELE Paulo Roberto Costa jurou ser o dono de várias contas no exterior engordadas com as propinas das empreiteiras. Só que parte delas pertencia a outros corruptos. THIAGO PRADO Um dos pilares de qualquer acordo de delação premiada é a exigência de que o réu não minta perante a Justiça. Sabe-se lá por que o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa resolveu — talvez por esperteza mesmo — burlar o combinado com os procuradores responsáveis pela Operação Lava-Jato e dizer-se dono de contas no exterior que não são suas. VEJA teve acesso a documentos que revelam que o delator está devolvendo quase 5 milhões de dólares (cerca de 15 milhões de reais) de terceiros para os cofres públicos. A fortuna, nesse caso, é de propriedade de outros acusados de corrupção na mesma investigação que já prendeu empreiteiros e três diretores da Petrobras desde o ano passado. Um caso típico de apropriação indébita — algo em que Paulo Roberto Costa, aliás, se revelou um mestre na última década. A Polícia Federal apura ainda se, além disso, Costa está escondendo contas no exterior para proteger esquemas de recebimento de propina e lavagem de dinheiro. A cortesia com o chapéu alheio pode ser facilmente identificada por quem se dispuser a compulsar o termo de acordo de delação assinado em 27 de agosto de 2014. Na ocasião, o ex-diretor comprometeu-se a apresentar provas ao Ministério Público Federal de subornos pagos fora do Brasil por empreiteiras prestadoras de serviços da Petrobras. Foi no exterior, por exemplo, que a Odebrecht teria pago a ele 31,5 milhões de dólares, de acordo com uma das dezenas de confissões prestadas na PF. Na cláusula 6ª da delação, Costa afirmou que renunciava aos valores de contas mantidas na Suíça controladas direta ou indiretamente por ele próprio, mediante empresas offshore. É justamente nesse ponto que está o problema. O ex-diretor listou doze empresas que seriam suas — algumas inclusive no nome de familiares. Só que quatro delas não são: a Aquila Holding, a Santa Tereza Services, a Santa Clara Private Equity e a Elba Services. O dono das offshores é João Procópio de Almeida Prado, um dos subordinados do doleiro Alberto Youssef e responsável por operar contas no exterior para o patrão. Procópio esteve preso até 20 de fevereiro na carceragem da PF em Curitiba. Hoje, está solto. Há quatro anos, as offshores foram abertas no exterior a pedido de Youssef. As atas de constituição das empresas e de reuniões posteriores revelam que Procópio e sua mulher, Maria Cristina, aparecem na formação de todas elas. A Aquila nasceu em maio de 2011, na Inglaterra; quatro meses depois, surgiram juntas a Santa Tereza, na Nova Zelândia, e a Santa Clara, novamente na Inglaterra; e, finalmente, em 2013, foi criada a Elba, nas Ilhas Virgens. O dinheiro movimentado pelas empresas era alto. Dois extratos bancários de 10 de março do ano passado revelam que, na ocasião, a Santa Tereza tinha saldo de 3,2 milhões de dólares e a Elba, 1,6 milhão de dólares. Ambas abriram contas no banco suíço PKB, instituição financeira preferida da quadrilha de Youssef. Neste mês, um depoimento pode complicar ainda mais a defesa de Costa. O advogado inglês Michael Reason, responsável por montar offshores e abrir contas de Youssef no exterior, foi arrolado como testemunha de defesa de João Procópio. Reason vem ao Brasil para dizer aos procuradores e ao juiz Sérgio Moro que as contas listadas na delação não são de Costa. Os advogados de Procópio ainda têm na manga um depoimento do próprio Youssef à Polícia Federal dizendo que o dinheiro das offshores é dele — e não do ex-diretor. Procurada, Beatriz Catta Preta, a advogada responsável pela delação premiada de Costa, não quis se pronunciar. O acordo de delação premiada assinado pelo Ministério Público e por Costa é claro quanto à possibilidade de perda de efeito em caso de mentira no seguinte trecho: "Se o colaborador sonegar a verdade ou mentir em relação a fatos em apuração, em relação aos quais se obrigou a cooperar (...), o acordo perderá efeito". Seria funesto para o Brasil se a delação do ex-diretor da Petrobras fosse anulada por causa de uma bravata como essa. Mas a hipótese é considerada remota por advogados e investigadores envolvidos no caso. "Pode ter sido um erro material, mas o risco de anular a delação é zero", afirma um dos procuradores. Versões na mesa, o fato é que Paulo Roberto Costa precisa explicar por que disse ser dono de dinheiro que não é seu. E o principal: todas as contas no exterior da quadrilha que assaltou a Petrobras foram realmente entregues? ____________________________________ 4# ECONOMIA 11.3.15 4#1 3 POR 1 4#2 PESQUISA ARRASADA 4#1 3 POR 1 A queda de confiança no Brasil, inflada pela crise política e pela falta de apoio a reformas, faz a cotação do dólar ultrapassar os 3 reais pela primeira vez em mais de dez anos — e ela poderá continuar subindo. ANA LUIZA DALTRO Em que moeda você optaria por depositar suas reservas para que elas mantivessem o poder de compra em dez ou vinte anos? Em reais ou em dólares? A americana é um porto seguro para os investimentos. A alta confiabilidade na economia dos Estados Unidos e a aceitabilidade do dólar no mundo todo são os fatores que fazem dele a principal moeda de reserva de valores do planeta. Sempre que pairam incertezas sobre a economia mundial, as notas do greenback (um dos apelidos mais comuns do dólar) saem fortalecidas. Sobretudo agora, com a retomada da economia dos Estados Unidos, o dólar vem se valorizando em todo o mundo. No Brasil, sua alta foi ainda mais acentuada, em decorrência da própria fraqueza da economia e da falta de confiança dos investidores no país. A cotação passou de 3 reais pela primeira vez desde 2004. "Quem vai investir seu dinheiro no Brasil hoje, com os fundamentos que nós estamos apresentando?" Assim resume o especialista em câmbio Nathan Blanche, sócio da consultoria Tendências, a encruzilhada e a enrascada em que o Brasil está metido. "Nossa situação fiscal é delicada, as contas externas apresentam fragilidades, o PIB está caindo. Todos os indicadores atualmente nos são desfavoráveis. Quando somamos essa situação à crise política em curso, a conjuntura fica ainda pior." Na semana passada, o estopim para a arrancada na cotação do dólar veio justamente do campo político. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), recusou-se a colocar em votação a Medida Provisória 669, que reduz as desonerações concedidas anteriormente sobre a folha de pagamento de diversas empresas. Para o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, essa providência era essencial para aumentar a arrecadação tributária e, assim, reduzir o buraco nas contas públicas deixado pelo seu antecessor. O gesto de Renan (em tese, um alto integrante da base aliada de Dilma Rousseff) reforçou as suspeitas, já grandes entre analistas e investidores, de que o governo não terá força política suficiente para levar a cabo o ajuste fiscal. A rebelião do presidente do Senado, ocorrida depois de seu nome ter aparecido entre os investigados no escândalo do petrolão, deu-se no momento em que representantes da agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P) chegavam ao Brasil para avaliar se o país conseguirá impedir a trajetória de alta na dívida pública. Do contrário, fatalmente será rebaixado e perderá o selo de grau de investimento, de maneira similar ao que aconteceu com a Petrobras. O clima de desconfiança fica evidente nos dados do Banco Central. Os últimos cinco dias úteis de fevereiro registraram a maior saída de dólares do país do ano para uma semana. O chamado fluxo cambial ficou negativo em 3,3 bilhões de dólares. Em outras palavras, o volume de capital estrangeiro que deixa o país supera o total daquele que aqui aporta. É o oposto do que aconteceu há quatro anos atrás, quando a cotação da moeda americana chegou a se aproximar de 1,50 real. Alguns dos mais certeiros analistas do mercado brasileiro já vinham prevendo, desde o ano passado, que o dólar, cedo ou tarde, subiria, e muito, no Brasil, apesar de o ex-ministro Guido Mantega ter repetido várias vezes que quem fizesse essa aposta iria "quebrar a cara". A alta apenas não ocorreu antes por causa das intervenções do BC, para, em parte, evitar um aumento ainda mais acentuado da inflação. Agora, vê-se o pior dos mundos. O IPCA, o índice de preços oficial do país, acumulou uma alta de 7,7% nos últimos doze meses, bem acima da meta de 4,5%. Sem poder mais contar com manobras como o controle do preço dos combustíveis e das tarifas de eletricidade, o BC precisa recorrer ao remédio amargo do aumento na taxa básica de juros, a Selic, para impedir que os reajustes de preços fujam do controle. Na semana passada, a taxa foi elevada para 12,75% ao ano, a maior em seis anos. Com dólar e juros em alta, o desempenho da economia brasileira certamente permanecerá frustrante nos próximos meses. O emprego, fator que costuma ser o último a responder a crises, dá sinais de enfraquecimento. Nos doze meses encerrados em janeiro último, deve ter sido registrado o menor número de criação de empregos formais nos últimos treze anos. O saldo acumulado em doze meses teve em janeiro a sua décima primeira queda consecutiva, atingindo o nível mais baixo desde 2002, início da série histórica. Dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) mostram que foi emplacado em fevereiro um total de 185.961 unidades (exceto motos e maquinário agrícola), o pior desempenho para o mês desde 2007. A construção civil deve viver em 2014 e 2015 o seu pior biênio em duas décadas. A queda no faturamento foi de 5% no ano passado. A conjuntura com certeza passa longe de ser animadora. Entretanto, a despeito da série de equívocos perpetrados nos últimos anos, a crise atual encontra o país mais sólido do que em turbulências cambiais anteriores. O Brasil possui reservas em moeda forte superiores a 370 bilhões de dólares, uma quantidade de recursos suficiente para quitar todos os débitos estrangeiros. Trata-se de uma situação completamente diversa daquela vivida no fim de 1998, quando, sem dólares suficientes no caixa, o país precisou pedir empréstimos ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Afirma o economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda: "A economia está colhendo os resultados de erros crassos cometidos em um passado recente. A situação é séria, mas nada está perdido. Ao contrário da Argentina e da Venezuela, o Brasil está mostrando que tem instituições consolidadas. A maior prova disso é a indicação de Joaquim Levy, que possui um pensamento oposto ao da presidente, para a Fazenda". O ajuste proposto por Levy e sua equipe não será um passeio no parque em uma tarde ensolarada de domingo. Haverá dias difíceis adiante. A alternativa de não fazê-lo, entretanto, seria ainda pior. LÁ VAI O DOLAR A cotação da moeda americana não ficava acima de 3 reais desde 2004. 2004 (Jan) 2,86 (Jun) 3,12 2008 (jul) 1,59 (dez) 2,39 A quebra do Lehman Brothers e a crise mundial elevaram a cotação da moeda americana. 2011 (jul) 1,56 Com os países ricos em recessão, o real voltou a se fortalecer ante o dólar. 2015 (6/mar) 3,05 Os ricos se recuperam, e a crise agora é toda brasileira. 4#2 PESQUISA ARRASADA Ataque do MST destrói mudas de eucalipto mais produtivo. O agronegócio brasileiro é uma referência para o mundo, pela capacidade de inovação e pela produtividade. No ramo da celulose, as florestas brasileiras de eucalipto e pínus conseguem produzir mais matéria-prima por hectare do que espécies semelhantes em países desenvolvidos, como o Canadá e a Finlândia. Essa proeminência só se tornou possível graças ao investimento e ao empenho de pesquisadores em desenvolver espécies mais produtivas e resistentes às pragas. Na última semana, esse trabalho sofreu uma agressão irreparável: mais de 1000 mulheres ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) invadiram uma fazenda da empresa de pesquisas FuturaGene, em Itapetininga, no interior de São Paulo, e destruíram estufas com milhares de mudas de uma nova variedade de eucalipto que está em desenvolvimento desde 2006. A espécie transgênica (geneticamente modificada), que poderá aumentar a produção em 20%, seria avaliada por autoridades e especialistas na quinta-feira passada, para eventual liberação do plantio. A sessão foi adiada para abril, por pressão de manifestantes. O caso lembra outro ocorrido em 2006, quando uma fazenda da Aracruz no Rio Grande do Sul foi invadida por integrantes da Via Campesina. A FuturaGene pertence à Suzano Papel e Celulose, companhia brasileira que emprega 7000 pessoas, faturou no ano passado 4,2 bilhões de reais em vendas para o mercado externo e investiu 1,8 bilhão de reais em pesquisas e na expansão dos negócios. Para os vândalos do MST, nada disso importa. ___________________________________ 5# INTERNACIONAL 11.3.15 5#1 COMO CURAR UM JIHADISTA 5#2 A FARSA DESMONTADA 5#3 OS E-MAILS NO PORÃO 5#4 OPORTUNISTAS, MAS CORRETO 5#1 COMO CURAR UM JIHADISTA A França é o país europeu de onde mais saem jovens para lutar entre os terroristas islâmicos da Síria e do Iraque. O desafio agora é convencer os que ainda não foram ou já voltaram a desistir de matar pessoas em nome de uma religião. NATHALIA WATKINS, DE PARIS Nas livrarias de Paris, títulos sobre os grupos terroristas Al Qaeda e Estado Islâmico estão expostos com destaque ao lado do best-seller Submissão, em que o autor Michel Houellebecq imagina como seria a França sob o governo de um presidente muçulmano em 2022. Livros com esses temas também são facilmente avistados nas mãos dos passageiros nas linhas de metrô e de ônibus da capital. Os franceses buscam uma resposta. E são muitas as perguntas que os atormentam desde janeiro passado, quando Amedy Coulibaly e dois irmãos, Said e Chérif Kouachi, todos nascidos na França, mataram dezessete pessoas em atentados terroristas. A preocupação é distinta daquela que prevaleceu nos Estados Unidos após os ataques de 11 de setembro de 2001, quando o perigo irradiava de um país longínquo, o Afeganistão. O olhar dos franceses está voltado para dentro de sua própria sociedade. O que leva cidadãos de diferentes origens étnicas e sociais a odiar tanto o país onde nasceram a ponto de querer matar seus compatriotas? Como se dá sua adesão a uma versão radical e violenta da religião islâmica? É possível reverter esse processo ou evitar que mais jovens enveredem por esse caminho? Há um grupo de clérigos muçulmanos, de estudiosos e de políticos na França — e em outros países da Europa — que responde "sim" a essa última questão. "Desradicalização". Essa palavra aparece a todo momento nos programas de notícias da televisão e compreende um conjunto de técnicas para fazer com que pessoas que já defenderam ou planejaram a morte de civis inocentes em nome da religião desistam de fazê-lo. Desradicalizar equivale a desarmar uma bomba humana. Apesar de ter sido o país de onde mais saíram jovens para lutar na Síria e no Iraque (um total de 1200), a França foi um dos últimos a iniciar um plano de prevenção. Na Inglaterra, o trabalho começou em 2007, dois anos após um atentado a bomba matar mais de cinquenta pessoas em linhas de metrô e em um ônibus de Londres. O programa inglês se chama Channel e já atendeu 800 jovens entre 15 e 24 anos. O governo francês esperou até o ano passado para tomar a primeira iniciativa do gênero: a criação de um centro de atendimento telefônico com o nome "Pare o jihadismo", que já computou 1300 ligações. Mais de 60% delas foram feitas por mães preocupadas com mudanças de comportamento dos filhos, que passaram a comer só alimentos halal, isolaram-se dos amigos ou se recusaram a fazer natação com meninas. Oito policiais, auxiliados por um psicólogo, distinguem os relatos que tratam de simples aprofundamento religioso de atitudes que podem se tornar lesivas para a sociedade. Um em cada seis telefonemas é considerado merecedor de atenção mais cuidadosa. "O sinal vermelho é a vontade de deixar o país", diz Pierre N'Gahane, secretário para a prevenção da delinquência do governo francês. Estima-se que 250 franceses estejam nessa categoria. Uma vez identificado um potencial jihadista, as autoridades podem prendê-lo, confiscar seu passaporte ou, nos casos mais brandos, encaminhá-lo para o setor de serviço social, que se encarregará de reverter o doutrinamento. Nesse ponto, o programa francês inspirou-se no alemão Hayat, que aposta na influência dos familiares sobre os jovens. Em outubro do ano passado, foi montado um apartamento no subúrbio de Paris em que os recém-radicalizados participam de sessões de psicoterapia junto com parentes. Em cinco meses, 35 famílias fizeram parte do programa. Sete jovens foram desradicalizados. "Quando um jovem aceita encontrar-se conosco, é sinal de que estamos a meio caminho de resolver o problema", diz o imã tunisiano Dahou Meskine, que dá assistência no apartamento, cujo endereço é mantido sob sigilo pelas autoridades. Nas conversas, Meskine, que também é secretário-geral do Conselho dos Imãs da França, explica que o Corão não exige que os muçulmanos forcem outras pessoas a se converter ao Islã e que aderir ao Estado Islâmico não leva ninguém ao paraíso, e sim ao inferno. Meskine não é o único imã empenhado na missão de salvar almas muçulmanas. Em diversas mesquitas, há grupos de discussão para atrair os seguidores que acreditam que os muçulmanos são injustiçados e querem fazer algo a respeito. Farid Medjoub, de 19 anos, é um dos assíduos frequentadores de um grupo que se reúne na mesquita de Pantin, no subúrbio de Paris. Estudante de medicina, filho de imigrantes argelinos, ele diz já ter ouvido histórias de amigos de amigos que foram para a Síria e para o Iraque. Recentemente, uma mesquita no norte de Paris arrecadou dinheiro para imprimir e distribuir calendários com horários de reza para muçulmanos presos. Dessa maneira, pretende-se mostrar aos seus frequentadores que se pode fazer algo em prol do Islã sem pegar em fuzis. A exemplo do que ocorre no tratamento contra o vício em álcool e drogas, a reincidência no radicalismo islâmico é alta. "A taxa de sucesso dos programas de prevenção europeus está em torno de 20%", diz o cientista político italiano Lorenzo Vidino, especialista em violência política e Islã do Instituto Italiano de Estudos Políticos Internacionais, em Milão. A desradicalização em prisões é mais urgente, porque é onde se encontra a clientela preferida dos grupos jihadistas: jovens com histórico de delinquência. Dos cerca de 200 franceses que voltaram da Síria e do Iraque, metade cumpre pena. Nas cadeias, o risco de que pessoas sejam radicalizadas por colegas de cela é grande. Foi o que aconteceu com o terrorista Chérif Kouachi. "Existem apenas 182 clérigos voluntários para atender toda a população carcerária muçulmana do país, de mais de 30.000 detentos", diz o imã Missoum Chaoui, de Paris, que há doze anos forma clérigos para trabalhar em prisões. Na semana passada, Manuel Walls, primeiro-ministro francês, anunciou medidas para conter o financiamento estrangeiro de mesquitas, com o objetivo de evitar que países como o Catar ajudem clérigos extremistas. Na França, 89 mesquitas e locais de reza estão comprovadamente nas mãos de fundamentalistas, sem contar os clérigos radicais que pregam informalmente em apartamentos onde moram imigrantes ilegais. Walls também falou em promover a formação de imãs moderados e que respeitem o secularismo, além de criar uma nova entidade central para o Islã na França. O projeto é inédito e contraditório. O princípio da laicidade, tão caro à República francesa, requer que Estado e religião não se misturem nunca. Na França, não há subsídios para igrejas nem sinagogas, e o governo não interfere nas instituições religiosas. Mas o que convém para uns é um obstáculo para outros. "Se há um problema com os católicos, o Vaticano intervém. Mas, aqui, o Estado não financia, não forma e não reconhece religião. Se há um problema em uma mesquita, quem pode intervir?", questiona Djelloul Seddiki, diretor do Instituto de Teologia da Grande Mesquita de Paris. "É FÁCIL ENTRAR E DIFÍCIL SAIR" Mourad Benchelalli, nascido na França, tinha 19 anos quando viajou com um irmão para um campo de treinamento da Al Qaeda no Afeganistão. Chegou a conhecer Osama bin Laden, mas não participou de nenhum combate ou atentado. Após os ataques terroristas de 2001, foi preso e enviado para a base americana de Guantánamo. Extraditado para a França depois de dois anos e meio, foi novamente detido, junto com os pais, dois irmãos e uma irmã. Solto em 2006, ele escreveu um livro sobre sua vida. A França lida corretamente com os jihadistas que voltam ao país depois de uma temporada lutando no exterior? Não. Os que retornam de batalhas são sistematicamente enviados para a prisão. Isso só aumenta a radicalização. Ali faltam imãs para dar orientação religiosa correta. Quando não há a quem perguntar, muitos detentos encontram respostas nos radicais que estão na cela ao lado. Deveria haver uma triagem, pois muitos teriam condições de se reintegrar à sociedade. Poderíamos seguir o exemplo da Dinamarca, que criou alternativas à prisão, com um serviço de apoio psicológico e um projeto de reinserção social para quem desistiu de combater junto a grupos radicais. Quando voltei, eu me vi completamente abandonado. Eu precisava de trabalho, de tratamento psicológico e de um lugar para morar. Em vez disso, fui novamente preso. Não é compreensível que, em nome da segurança dos seus cidadãos, o Estado francês relute em pôr em liberdade pessoas que receberam treinamento de terroristas? Quando tratamos do Islã radical, tratamos de ideias, e ideias não são combatidas com força, prisão e isolamento. Mas sim com ideias. A partida dos jovens que foram lutar na Síria obrigou as autoridades da França a reavaliar sua postura em relação à conduta antiterror, que sempre foi mais repressiva do que no restante da Europa. Como convencer os jovens a não seguir o mesmo caminho que você? Eu tento ser muito responsável ao contar minha história e ao dar exemplo. Admito meus erros e explico as consequências dos meus atos nas palestras que dou em escolas e associações na Bélgica e na Suíça. Na França, tenho menos voz. A imagem que se tem de mim, de um ex-detento de Guantánamo, só começou a mudar há alguns meses. Em novembro, fui convidado para falar no Senado. As pessoas estão descobrindo que desde meus tempos na cadeia venho alertando para os perigos do radicalismo. O que você diz nas palestras? Conto que minha ida para o Afeganistão foi idealizada e que as consequências dessa viagem na minha vida e na de minha família foram terríveis. Também descrevo a tortura que sofri na prisão. Muitos vêm me dizer depois que não faziam ideia de que era assim. Os jovens têm uma visão maniqueísta do mundo, de que tudo se resume a um conflito entre heróis e bandidos. Eu mostro a eles que a realidade é mais complexa. Você vê semelhanças entre o Afeganistão do Talibã e a Síria hoje? Muitas. Em ambos os casos, é fácil entrar e difícil sair. Os jovens acham que podem ir e vir, passear. Mas, quando chegam lá, descobrem que não têm liberdade nenhuma, nem para ir embora, se quiserem. Além disso, nos dois países houve conflitos que começaram por motivos políticos e se transformaram em algo maior, com razões religiosas. A realidade in loco é muito diferente do que diz a propaganda. Qual é sua fonte de renda, atualmente? Eu me tornei artesão. Faço azulejos, e hoje trabalho como instrutor de jovens em um centro de formação na cidade de Lyon. 5#2 A FARSA DESMONTADA Uma perícia independente conclui que Alberto Nisman foi mesmo assassinado e que a cena do crime foi alterada. A investigação sobre a morte do procurador Alberto Nisman, que acusou o governo de Cristina Kirchner de acobertar a participação de iranianos em um atentado terrorista em Buenos Aires, não concluiu ainda se se tratou de homicídio ou de suicídio. Apesar disso, para a maioria dos argentinos, a primeira hipótese é a verdadeira. Na semana passada, uma perícia independente, contratada pela juíza federal Sandra Arroyo Salgado, ex-mulher de Nisman e mãe de duas filhas com ele, começou a colocar as peças no devido lugar. Em uma apresentação à imprensa, Sandra demonstrou, com base no trabalho de sua equipe, que a investigação oficial está tirando conclusões erradas da cena do crime para reforçar a tese de suicídio. Entre as evidências encontradas pelo grupo, que teve acesso à autópsia, está a de que não houve espasmo cadavérico. Segundo os peritos oficiais, a mão direita de Nisman mantinha-se rígida, o que sinalizaria que apertara o gatilho da pistola. Para o time de Arroyo, não houve espasmo porque a morte não foi instantânea. Nisman agonizou, e a prova disso foi a abundante poça de sangue encontrada no chão. Sandra também anunciou que o corpo de Nisman foi removido do lugar depois da morte. A cena de um suicídio no banheiro, portanto, pode ter sido forjada. O tiro não foi dado na têmpora, como é comum nos suicídios, mas entrou por trás da cabeça e foi dado de baixo para cima, uma posição improvável para quem pretende disparar contra si mesmo. Além disso, o horário da morte foi entre as 16 horas e a meia-noite de sábado, e não no meio do domingo, como disseram os primeiros peritos. O horário, portanto, é mais próximo do momento em que Nisman recebeu a visita do perito em informática Diego Lagomarsino. Quando a investigação de Sandra entra em sintonia com a dos peritos do governo, só ratifica a tese de homicídio. Não foram encontrados resíduos químicos nas mãos de Nisman que pudessem comprovar que ele teria usado a pistola. Sandra ainda desmentiu um site de notícias do Ministério da Justiça que publicou matéria dizendo que Nisman estava bêbado. Cristina Kirchner foi rápida em falar em suicídio para explicar a morte de Nisman, tese que ela própria abandonou alguns dias depois, apenas para substituí-la por um suposto complô para prejudicá-la. Depois, passou a denegrir a imagem do procurador. Nada disso ajuda a afastar o seu nome do caso. FELIPE CARNEIRO 5#3 OS E-MAILS NO PORÃO A revelação de que a ex-secretária de Estado Hillary Clinton montou um esquema para ocultar suas mensagens das autoridades pode prejudicar seus planos presidenciais. FELIPE CARNEIRO “Não basta que a mulher de César seja honrada. É preciso que nem sequer seja suspeita." A frase atribuída ao romano Júlio César se tornou uma máxima da vida pública e é aplicada sem distinção a políticos homens e mulheres. Para vencer as eleições para a Presidência dos Estados Unidos, país em que os candidatos passam por um escrutínio impiedoso dos cidadãos e dos adversários, é recomendável ser acima de qualquer suspeita. Cada vez menos esse é o caso de Hillary Clinton, secretária de Estado entre 2009 e 2013, ex-primeira-dama entre 1993 e 2001 e favorita para encabeçar a chapa do Partido Democrata nas eleições de 2016. Na semana passada, descobriu-se que, durante o exercício do cargo que no Brasil equivale ao de chanceler, Hillary esquivou-se de usar o e-mail oficial, com terminação ©state.gov, para comunicar-se exclusivamente por meio de uma conta pessoal, a @clintonemail.com. Pode parecer pouco, mas trata-se de uma violação da lei americana, e só é possível explicá-la pela tentativa de esconder algo dos cidadãos e do Estado. Os americanos levam muito a sério os princípios republicanos de transparência e de accountability, a prestação de contas dos governantes à população. As mensagens devem ser armazenadas para a posteridade, para que depois possam comprovar ou negar falhas e desvios no exercício do cargo. Ao Hillary violar essa norma, antigas críticas e acusações contra ela — de incompetência, de ter recebido dinheiro de outros países e de nepotismo — ganharam nova razão de ser. É uma largada ruim para quem pretendia anunciar a pré-candidatura no mês que vem. Desde 2012, uma comissão do Congresso que investiga a reação do governo Obama ao atentado contra um consulado americano na Líbia pede ao Departamento de Estado os e-mails de Hillary, mas apenas na semana passada os funcionários do governo confirmaram oficialmente que ela só usava a conta @clintonemail. Às vésperas de ser nomeada para o cargo pelo presidente Barack Obama, Hillary registrou um domínio com servidor dentro da própria casa. A lei da liberdade de informação dos Estados Unidos diz expressamente que toda a correspondência, eletrônica ou não, deve ser arquivada e posta à disposição dos órgãos de controle. Desde março de 2013, quando o hacker romeno Guccifer vazou correspondências dela com uma funcionária, sabia-se da existência do endereço pessoal de Hillary. Quando foi pressionada, ela correu para entregar mais de 50.000 páginas de e-mails no fim de janeiro, mas, como as mensagens ficaram armazenadas em um servidor particular, é impossível saber se algo importante foi omitido. "A lei da liberdade de informação existe para poder responsabilizar quem erra ou para derrubar acusações falsas", diz o cientista político americano Daniel Hopkins, da Universidade Georgetown. "Mesmo que Hillary não tenha nada a esconder, jamais conseguirá dissipar a nuvem de desconfiança que pairou sobre ela." Hillary precisa explicar qual era exatamente sua intenção ao criar um e-mail com servidor dentro de casa. Sua única declaração a respeito do caso, por meio de nota, dizia que os e-mails enviados a colegas e subordinados estão guardados em pelo menos dois lugares, no do destinatário e no do remetente, e que sempre "seguiu a letra e o espírito da lei". Não fez nem uma coisa nem outra. A letra da lei foi desrespeitada porque ela tinha até vinte dias para disponibilizar a correspondência, o que só fez quando o caso explodiu. O espírito tampouco saiu ileso, pois, para rastrear suas mensagens no e-mail dos colaboradores, como ela sugere, seria necessário saber o nome de todas as pessoas com que se comunicava. Hillary admitiu que não enviou todas as trocas do período porque usava o mesmo e-mail para assuntos pessoais e referentes à sua fundação. "Hillary misturou suas responsabilidades como secretária de Estado com as relativas à Fundação Clinton no mesmo ambiente, sem prestar contas de nada a ninguém", diz John Wonderlich, diretor da Sunlight Foundation, uma organização americana de defesa da transparência. Hillary já vinha sendo acusada de negligência quando, em 2012, um consulado americano foi atacado na cidade líbia de Bengasi. Quatro funcionários, entre eles o embaixador, morreram. Também já se sabia que a Fundação Clinton, organização humanitária tocada por ela e pelo marido e ex-presidente, Bill Clinton, recebeu doações de governos estrangeiros, mesmo durante o período em que ela comandava a política externa do país. Um depósito de 500.000 dólares da Argélia em 2010 ajudou a fundação nos trabalhos humanitários realizados após terremoto no Haiti, cujo governo, dois anos mais tarde, deu a primeira permissão para mineração em cinquenta anos à pequena empresa de Tony Rodham, irmão de Hillary. Faltam vinte meses para as eleições que definirão o sucessor — ou sucessora — de Obama. Nenhum democrata hoje tem cacife para tirar Hillary do páreo. A situação era muito semelhante no início de 2007, quando parecia inevitável que ela se tornaria candidata, até ser atropelada por um senador de Illinois: Barack Obama. 5#4 OPORTUNISTAS, MAS CORRETO O premiê israelense Benjamin Netanyahu advertiu no Congresso americano que um acordo ruim com o Irã, algo que está perto de acontecer, não impedirá os aiatolás de ter a bomba nuclear. NATHALIA WATKINS Durante e após o discurso no Congresso americano, na terça-feira passada, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, ou Bibi, foi ovacionado pelos republicanos, mas deixou os democratas — cujo partido ocupa a Presidência dos Estados Unidos com Barack Obama — se descabelando. Suas informações de inteligência sobre a evolução do programa nuclear iraniano são furadas, disseram uns. Ele só está se exibindo para ganhar apoio na eleição israelense marcada para o dia 17 de março, acusaram outros. Ele está se metendo na política interna americana e usou o Congresso como palco para atacar Obama, reclamaram quase todos. Há um pouco de verdade nisso tudo. O que não se pode negar é que, no cerne da sua fala, Netanyahu foi irreprochável. O Irã, mesmo que temporariamente paralisado pelas sanções, continua trabalhando para ter a bomba nuclear. O acordo oferecido pelas potências ocidentais, lideradas pelos Estados Unidos, apenas adia a ameaça. Até o fim do mês, os Estados Unidos querem conseguir do Irã uma moratória de dez anos em seu programa nuclear, mas nem sequer isso os aiatolás falavam em acatar. O prazo para que um acordo detalhado seja selado é o dia 30 de junho. As conversas são cercadas de secretismo e turbulências. No ano passado, dois prazos foram perdidos. "O que acontece depois de empurrar o problema por dez anos? Como teremos certeza de que haverá mais limitações? E por que as centrífugas de enriquecimento de urânio não serão desmanteladas?", questiona o cientista político Dan Arbell, do Brookings Institution, que foi diplomata de Israel em Washington. Como as respostas dadas a essas perguntas não são satisfatórias, os israelenses preferem nenhum acerto com o Irã a um acordo ruim. Afinal, dificilmente haverá garantias de que a República Islâmica ficará longe de suas ambições nucleares. A infraestrutura nuclear permanecerá intacta. Também não está claro como seriam as inspeções ou quais seriam as possíveis sanções caso o combinado não fosse cumprido. Netanyahu foi a Washington sem anuência da Casa Branca, mas a convite do Partido Republicano, o que não tem antecedentes diplomáticos. Além da rixa entre Obama e Netanyahu, que foram obrigados a se suportar mutuamente nos últimos anos, por estarem à frente de aliados históricos, ficou evidente o hiato entre as perspectivas de ameaça para cada um dos países. Para os americanos, é importante um acerto com o Irã, pois consideram os persas indispensáveis no combate aos terroristas do Estado Islâmico (Isis). A visão israelense do problema ficou clara no discurso de Bibi: "A batalha entre o Irã e o Isis não transforma o Irã em um amigo dos Estados Unidos. Quando se trata de Irã e Isis, o inimigo do seu inimigo é seu inimigo". Para os israelenses e para o seu representante, uma ameaça não deve ser esquecida em nome de outra mais urgente. Além de discordar dos termos do acordo que está sendo traçado, o premiê incluiu três novas condições para um possível acordo com o Irã: que o país dos aiatolás deixe de agredir os vizinhos do Oriente Médio, que pare de financiar o terrorismo e que suspenda as ameaças de aniquilar Israel. Não é por acaso que, dentro de seu país, Bibi e visto como o homem certo para defender a população. Uma pesquisa de opinião em Israel mostrou que 41% das pessoas confiam no premiê para lidar com essa questão, enquanto apenas 15% acham que Obama está apto para conter o perigo. A disputa também é pelo legado de cada um dos governantes. Obama tem pela frente vinte meses na Casa Branca para provar que sua política apaziguadora em relação ao Oriente Médio estava certa. Um acordo com o Irã poderia soar como uma vitória — ainda que, na prática, efêmera. Já Netanyahu, de 65 anos, nove deles governando Israel, luta pela sua carreira política, que será decidida nas eleições de 17 de março. A corrida segue acirrada. O Campo Sionista, aliança de centro-esquerda liderada por Isaac Herzog, está à frente nas pesquisas de opinião e deve conseguir 24 cadeiras no Parlamento israelense, o Knesset. Ele é seguido de perto pelo Likud de Netanyahu, com 23, e pela coalizão de partidos árabes, com treze. O Knesset é formado por 120 cadeiras, e o primeiro-ministro é aquele que tem a maioria dos assentos ou consegue formar uma coalizão. Bibi construiu sua campanha com base unicamente na questão de segurança. Por enquanto, esse discurso lhe rendeu apenas um assento a mais no Knesset. "Há um grande descontentamento com a economia, principalmente com os preços dos imóveis e aluguéis, que ainda refletem os protestos de 2011, ignorados por Bibi", diz o historiador israelense Eran Kaplan, da Universidade Estadual de São Francisco. O Likud ainda não encontrou o tom para demonstrar aos eleitores que tem boas soluções na área econômica. O sucesso da fala de Netanyahu no Congresso americano será medido por três parâmetros. O primeiro é se, de fato, haverá um acordo com o Irã, algo que ainda é uma dúvida dada a hesitação dos iranianos. Em segundo lugar está a resposta futura do Congresso americano, que poderia tentar vetar uma negociação que se mostre desfavorável. Netanyahu tem boas chances de passar nos dois primeiros testes. O terceiro, vencer as eleições em casa, será o mais desafiador. ______________________________________ 6# GERAL 11.3.15 6#1 GENTE 6#2 JUSTIÇA – O ENREDO SÓ PIORA 6#3 COMPORTAMENTO – QUEM MORRE PRIMEIRO? 6#4 EDUCAÇÃO – AS PEDRAS NO CAMINHO 6#5 TECNOLOGIA – O SOL É PARA TODOS 6#6 RELIGIÃO – SEM PAPAS NA LÍNGUA 6#1 GENTE JULIANA LINHARES. Com Daniella De Caprio e Thaís Botelho BOA, BAIXINHO O ex-jogador Romário, 49, é um homem multifacetado. E sua mais nova namorada, DIXIE PRATT, de 19 anos, pode aproveitar cada uma dessas facetas. "Ele me ensina a jogar futevôlei na praia", conta Dixie, que é filha de pai americano e recebeu do namorado o geopoliticamente intrincado apelido de Russa. "Nós conversamos sobre os projetos dele no Senado", continua. Outro ponto a favor: "Ele é daqueles homens que puxam a cadeira e deixam a mulher passar na frente". E ainda tem uns outros detalhes que... Bom, com agenda em aberto depois de concluir o ensino médio, Dixie, que tem dezessete irmãos e mora em Niterói, dedica-se a aperfeiçoar a Natureza. "Estamos trabalhando bastante os agachamentos. Ela vai ficar com o corpo ainda mais bonito", diz o personal Carlos Kopke. É coisa para uma nova Guerra de Secessão. TIPO UNIVERSAL Volta e meia, RIHANNA parece que vai mudar de ares, mas termina sempre arranjando namorados, e da categoria estranhos. Impossível esquecer do cantor Chris Brown, o canalha que desfigurou a pancadas o lindo rosto dela. As recaídas com Brown acabaram depois que ele optou definitivamente pela modelo Karrueche Tran. Definitivamente nos termos dele: outra amiga — modelo, o que mais? — anunciou que teve com ele uma filhinha chamada Royalty. A modelo número 1 acabou a relação, pelo Twitter. Rihanna também está numa situação curiosa: não assume nem desmente o namoro com LEONARDO DICAPRIO mesmo tendo passado juntos a festa de 27 anos dela. Uma ex dele, Bar Refaeli — modelo, o que mais? —, diz: "Rihanna é o máximo. Faz o tipo de qualquer um". O CAMPEÃO É BI OU TRI? A novela Império chega ao fim com audiência alta, 41 pontos, e impacto baixo nas redes sociais, um indicador importante de popularidade. O maior destaque foi Alexandre Nero, com seu nome duplamente imperial e visual composto de apliques grisalhos na barba e no cabelo e próteses de rugas no rosto. Nada comparado ao processo de até duas horas de AILTON GRAÇA como a pansexual Xana. "Em cenas externas, nós precisamos retocá-lo umas dez vezes", diz a maquiadora Valéria Toth. "Muita gente me diz que o MARADONA está a cara dele." A xananização do argentino é fruto de outra plástica, novos cabelos e um batonzinho. "Só desinchei e tomei um champanhe para comemorar", despista. Com o Aílton? A AMBIÇÃO, AGORA, LOIRA E difícil localizar na história alguém que tenha elevado o narcisismo a um patamar tão globalizado — e lucrativo — quanto KIM KARDASHIAN. Imagem espelhada e glamourizada de seus seguidores, ela pode se proclamar pioneira. "Faço selfies há dez anos", diz Kim, que vai lançar um livro de 352 páginas só de fotos de si mesma — o título, obviamente, é Selfish, ou egoísta. Ela tem profissionais que retocam todas as fotos que joga no Instagram, e o marido, o cantor KANYE WEST, deu aquela mão: jogou fora as roupas cafonas da mulher, programa o que ela dirá em entrevistas e deu palpite no novo cabelo platinado, mostrado na temporada de desfiles de Paris. Além daquela outra parte, o biquinho também continua aumentando. 6#2 JUSTIÇA – O ENREDO SÓ PIORA Investigação sobre as peripécias do juiz do caso Eike revela o sumiço de uma dinheirama — inclusive um naco do que foi apreendido na casa do ex-bilionário. MALU GASPAR E LESLIE LEITÃO Depois que se descobriu que o juiz Flávio Roberto de Souza, a quem cabia julgar o caso Eike Batista, circulara pelo Rio de Janeiro a bordo de um Porsche apreendido do ex-bilionário e ainda por cima guardara outros dois carros e um piano no condomínio onde mora, a Justiça Federal fluminense não teve um dia de trégua. O Conselho Nacional de Justiça retirou Souza de todos os processos ligados a Eike, e o próprio magistrado pediu uma licença médica para deixar a história esfriar, mas não escapou de ser afastado do cargo no Tribunal Regional Federal do Rio. Parecia o ponto final de um daqueles enredos infelizes que só fazem esfacelar a confiança nas instituições. Só que ainda tem mais. Segundo informação obtida por VEJA, uma junta de juízes designada pela corregedoria do tribunal para fazer uma limpa na vara deparou com mais um fato de enrubescer os togados: evaporaram da repartição um naco dos 116.000 reais recolhidos na casa de Eike e os 600.000 reais apreendidos de um traficante internacional de drogas — parte em moeda nacional, parte em dólares e euros. Como o juiz Souza não era o único a ter acesso ao cofre, o sumiço da dinheirama está sob investigação. Os rumores sobre o desaparecimento foram oficialmente levados pelo corregedor Guilherme Couto ao magistrado. Ele disse saber onde estavam os maços de notas achados na casa de Eike: repousavam em certo armário. Ao contarem o dinheiro, porém, veio a surpresa. Faltava uma parte, e até agora não se tem notícia de que tenha sido localizada. Quanto aos 600.000 reais, ninguém sabe, ninguém viu. Pertenciam ao traficante espanhol Oliver Ortiz de Zarate Martin, preso no Rio em junho de 2013, aos 35 anos. Junto com o dinheiro, os policiais da operação batizada de Monte Perdido apreenderam ainda uma moto e uma Ferrari. Na ocasião, os trâmites obedeceram ao padrão do Judiciário. Os bens foram a leilão, e os 600.000, depositados em contas do Banco Central e da Caixa Econômica Federal. Mas acabaram retornando à guarda do juiz Souza quando pessoas que alegavam ter feito negócios imobiliários supostamente lícitos com o traficante reivindicaram sua fatia. A partir daí, tudo é mistério. Quanto mais se remexe nos ofícios e processos de Flávio de Souza na 3ª Vara Criminal Federal, mais irregularidades vão emergindo. Quem passa em frente à repartição, no centro do Rio, vê as portas cerradas e tem a sensação de que o lugar está às moscas. Mas no interior o clima é de alta tensão desde que o chefe surgiu ao volante do Porsche — e só piora. Ao saber do enrosco do dinheiro sumido, a associação de juízes federais a que Souza pertencia decidiu desfiliá-lo. Ele acabou a semana com o passaporte confiscado. Ainda que os reais, dólares e euros reapareçam, os procedimentos pouco ortodoxos verificados no gabinete do juiz Souza já prestaram o desserviço de ferir o Judiciário e pôr no papel de vítima Eike Batista, réu em um processo por crimes financeiros, alvo de um inquérito sobre lavagem de dinheiro na Polícia Federal e de outros que correm na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o xerife do mercado financeiro. Os desdobramentos práticos das peripécias do juiz já se fizeram sentir. O julgamento de Eike, que havia começado em novembro, voltou à estaca zero, e não há sequer um novo magistrado no comando (os bens apreendidos, no entanto, continuarão em poder da Justiça). Todo o processo, que já se anunciava moroso, agora tende a emperrar. Uma decepção para grandes e pequenos investidores que perderam dinheiro com a derrocada do grupo X e para todos os que esperam das instituições um funcionamento adequado e eficiente. Ainda assim, é um mal menor diante do que poderia acontecer se o caso continuasse sendo conduzido por um juiz afundado em suspeitas. 6#3 COMPORTAMENTO – QUEM MORRE PRIMEIRO? A tragédia de um jovem de 23 anos ao beber 1,5 litro de vodca revela a estupidez das festas universitárias. “Melhor morrer de vodca do que de tédio" era a frase estampada na página do Facebook do estudante Humberto Moura Fonseca, de 23 anos, aluno do 4º ano de engenharia elétrica da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), em Bauru. Nada indicava que a vida de Fonseca — bonito, forte, 1,80 metro, praticante de muay thai, sorridente — fosse tediosa. Mas ele deu um jeito de se matar com vodca, e a frase tirada de um poema de Vladimir Maiakovski ficou ali, na rede social, como epitáfio. Depois de participar de uma estúpida competição entre estudantes cujo objetivo era beber mais em menos tempo, ele passou mal, foi levado por amigos a um hospital local, mas já chegou sem vida. A tragédia foi o desfecho inesperado de um comportamento assustadoramente frequente. Festas movidas a bebida são comuns entre universitários, e os que não acham graça tornam-se motivo de chacota. Algumas alternam atividades esportivas com álcool. Em muitas delas, a punição para quem não quer beber é justamente ser obrigado a ingerir destilados, na marra. A disputa que resultou na morte de Fonseca é chamada de Inter Reps, por reunir estudantes de repúblicas, e atraiu mais de 2000 pessoas. Sem premiação definida, a prova tinha uma regra simples: cada participante precisava consumir uma dose de vodca a cada sessenta segundos. Fonseca ingeriu trinta copos de 50 mililitros da bebida em trinta minutos — um total de 1,5 litro. Virou o primeiro copo às 14 horas. Morreu uma hora depois. Outros seis participantes foram levados às pressas para o hospital e três foram internados em estado grave. Todos tiveram alta. A overdose por álcool depende de porte físico, gÊnero, níveis de hidratação e alimentação prévios, além de doenças preexistentes. Segundo laudo do IML, Fonseca tinha uma doença cardíaca desconhecida pela família. Seu coração era dilatado, com estreitamento das coronárias. A condição do estudante ajuda a explicar a morte, mas não diminui a imbecilidade da festa, em que havia uma única ambulância de prontidão. Os organizadores podem ser acusados de homicídio doloso eventual. O corpo humano possui capacidade limitada para degradar o álcool. O fígado leva uma hora para metabolizar uma dose. No caso de Fonseca, o excesso e a velocidade de consumo não deram chance ao corpo de reagir. Foram 570 mililitros de álcool puro inundando a corrente sanguínea. LUCIANO PÁDUA E VICTOR FERNANDES 6#4 EDUCAÇÃO – AS PEDRAS NO CAMINHO CECÍLIA RITTO Pouca gente conhece tão a fundo o fosso que separa o Brasil dos melhores países em sala de aula quanto Ruben Klein, 68 anos, doutor em matemática pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ex-elaborador de provas como Enem e Saeb e hoje analista dos resultados dos exames do MEC baseado na Fundação Cesgranrio. Há três décadas imerso na numeralha que mostra o ensino brasileiro marchando a passos lentos, ele listou a VEJA os gargalos que precisam ser vencidos para que se pavimente de uma vez por todas o caminho da excelência. 1- OS PIORES DA TURMA ENSINAM As pesquisas deixam claro que são os alunos de mais baixo desempenho no ensino médio que procuram a carreira de professor. O desafio é alto. Eles têm lacunas, às vezes profundas, e precisam aprender a ensinar. O problema é que, quando chegam à faculdade de pedagogia e à licenciatura, são apresentados a muita teoria fraca e pouca prática em sala de aula. Agrava a situação a qualidade sofrível dos concursos públicos, incapazes de medir a apreensão do conteúdo dos aspirantes à docência. Assim se formam nossos mestres — com pouco saber e nenhuma técnica. Nos países que estão no topo, as faculdades vivem conectadas às demandas e às inovações da educação. Por que não aqui? 2- O ENSINO NO RETROVISOR Quando analiso os erros dos estudantes na Prova Brasil, reparo, pela argumentação, que eles assinalam a alternativa incorreta com convicção. Isso é mais assustador do que o próprio erro. É um claro sinal de como o nosso aluno está aprendendo a pensar errado e de quão distante está do mercado de trabalho, cada vez mais competitivo e global. Portas importantes são fechadas pela falta de bons docentes em áreas cruciais, como a matemática. Isso ajuda a entender por que só 20% dos brasileiros optam pelas ciências exatas, enquanto nos países asiáticos o índice chega a 50%. 3- MUITA MATÉRIA, POUCO RESULTADO A ineficiência do ensino médio aparece ano a ano em todos os indicadores. Isso tem a ver com o baixo nível do estudante que sai do ciclo fundamental e com o número de matérias obrigatórias no Brasil, sem precedentes no mundo. O desfecho desse sistema sem flexibilidade nem trilhas alternativas, igual para todos, é previsível: a maioria ouve de tudo, mas não aprende quase nada. O inchaço do currículo acaba atendendo a interesses que estão fora da sala de aula. Cada nova matéria que se soma à grade rouba tempo de disciplinas básicas, como matemática e português. Não tenho dúvida de que esse modelo excessivo no conteúdo é um equívoco. Não está em sintonia com as exigências do mundo moderno. 4- SINDICATOS x EXCELÊNCIA Os sindicatos de professores agem em defesa de seus associados, e não da qualidade da educação. Em geral, são contra a diferenciação pelo mérito e costumam resistir às avaliações de alunos e deles próprios, tão úteis para diagnosticar os problemas e orientar as mudanças em prol da excelência. Preferem medidas iguais para todos. No Brasil, precisamos mesmo é enfatizar e estimular as experiências exitosas, que podem e devem ser replicadas. 5- POLÍTICA EM VEZ DE MÉRITO Escolher o diretor de uma escola com base em critérios políticos é ainda uma tradição brasileira. Educação rende votos. Pessoas que deveriam ter como missão primordial zelar pela excelência funcionam como cabos eleitorais dentro das instituições de ensino. Elas arregimentam apoio para quem as nomeou. Devemos enterrar esse sistema de uma vez por todas e colocar no lugar uma seleção com base em pré-requisitos que espelhem a capacidade de gerir uma escola. A peneira deve ser meritocrática. Os estudos reforçam que o diretor é peça-chave para o alto desempenho acadêmico dos alunos. Não dá para o Brasil cerrar os olhos para isso. 6- FALTA UM BOM ROTEIRO A educação só avança quando há um currículo com metas claras sobre o que o aluno deve aprender em cada etapa de sua vida escolar, o que muitas vezes não se vê no Brasil. Muitos professores resistem a essa ideia, argumentando que currículo significa perda de autonomia em sala de aula. Veja que estamos falando aqui apenas do básico: de um roteiro mínimo para ensinar. É claro que as especificidades regionais devem ser consideradas, mas a questão essencial é que certos conhecimentos — de matemática, português, ciências — são universais e necessários. Os dados mostram que os municípios que estão conseguindo avançar no país são justamente aqueles que entenderam a lição. E a razão é simples: só assim o professor sabe o que tem de ensinar, o aluno sabe o que tem de aprender e os pais sabem o que têm de cobrar. 7- CULTO À REPETÊNCIA Muita gente continua enredada na velha ideia de que escola boa é aquela que reprova. Esse equívoco não só eleva às alturas o custo da educação, já que é preciso pagar uma, duas, três vezes pelo mesmo aluno, como ajuda a arrastá-la para o buraco. Se a premissa fosse verdadeira, estaríamos no topo do ranking mundial. Vinte e cinco por cento dos estudantes são reprovados na 1ª série do ensino médio, um absurdo na comparação internacional. No ano seguinte, eles continuam indo mal na escola. Alguns até abandonam a sala de aula. Evidentemente, a solução não é abrir mão da régua alta e passar todo mundo. Vivemos um falso dilema entre a reprovação e a aprovação automática, quando o caminho mais acertado é detectar as lacunas e preenchê-las ao longo do percurso, durante o ano escolar, dando o reforço necessário para que o estudante se reabilite e aprenda de verdade. É disso que o Brasil precisa. 6#5 TECNOLOGIA – O SOL É PARA TODOS Placas feitas de material orgânico, maleáveis, leves e delgadas, podem finalmente popularizar uma fonte de energia ainda muito cara, mas destinada a substituir a era dos combustíveis fósseis. RAQUEL BEER Se toda a radiação que atinge a Terra em um único dia, vinda do Sol, virasse eletricidade, seria possível sustentar o consumo da humanidade ao longo de 27 anos. A energia solar, limpa e renovável, funcionaria como perfeito substituto do petróleo, finito e refém da gangorra dos preços. Representaria ainda o mais magnífico processo de troca de matriz energética, no avesso da poluição provocada pela queima de combustíveis fósseis, o mais rápido e danoso atalho para o aquecimento global. E, no entanto, por que a energia solar ainda é pouco usada, quase sempre mais promessa que realidade? As placas de silício necessárias para captá-la por meio de painéis são caras, pesadas e grossas. Apesar de úteis em grandes espaços, como campos, são inúteis para substituir o petróleo na vida urbana. Nos últimos cinco anos, porém, surgiu uma nova tecnologia afeita a vencer esses desafios. Construídas com material não tóxico, as placas OPV (sigla em inglês para painéis fotovoltaicos orgânicos) têm a finura de uma cartolina e a flexibilidade do plástico. Podem ser coladas no teto de um carro, nas janelas de prédios ou mesmo em mochilas. A inovação pode ser o empurrão que faltava para a adesão maciça à energia solar. As placas delgadas de OPV funcionam de modo ligeiramente diferente das de silício, as mais populares — no caso das OPV, o revestimento feito de tinta orgânica reage quimicamente ao contato com a radiação, liberando os elétrons que formam a corrente elétrica (veja o quadro ao lado). Nos painéis tradicionais, o calor associado à luz ativa os circuitos de silício, em um processo mais complexo. O Sol sempre foi, é natural, a principal fonte de energia para a Terra, e o homem se aproveita disso há muito tempo. Já na Grécia antiga, casas eram construídas voltadas para o sul para ser mais bem iluminadas e aquecidas pela luz. Mas as placas solares tais como as conhecemos só começaram a ser concebidas na segunda metade do século XIX, quando o matemático francês Augustin Mouchot notou que o ritmo de consumo de carvão após a Revolução Industrial não era sustentável a longo prazo e foi buscar alternativas. Mouchot utilizou um espelho côncavo para canalizar a luz, aquecer a água e construir o primeiro motor movido a energia solar. As pesquisas evoluíram a passos curtos até os anos 50, quando a empresa americana Western Electric começou a comercializar tecnologias fotovoltaicas de silício que impulsionaram essa indústria. Foi, porém, apenas na década de 80 que os painéis de silício ganharam o mercado e, de imediato, começaram a ser exaltados por conservacionistas como a alternativa ecologicamente adequada ao petróleo e ao carvão. Apesar de cumprir a missão de transformar luz solar em energia, a primeira geração de painéis solares não era versátil. Além de as placas serem trambolhões, emitiam grandes quantidades de gases poluentes em sua fabricação. A segunda geração, que surgiu nos anos 1990 e é de cobre e gálio, não foi para a frente em decorrência de as substâncias químicas usadas em sua construção terem valores inviáveis. A terceira, representada pela OPV, surgiu no início dos anos 2000 com um cipoal de vantagens. O filamento tem 5% do peso do de silício; as placas dependem menos da exposição ao sol para gerar energia; em dois meses compensam os poluentes emitidos em sua produção (com as de silício, são necessários doze anos para alcançar essa contrapartida); e, por serem maleáveis, podem adotar a forma que for, aptas a instalação em qualquer lugar. A única desvantagem ainda é o preço. Uma família brasileira de consumo mediano teria de investir 12.000 reais para comprar os 12 metros quadrados de placas necessários para suprir sua demanda cotidiana. É, contudo, um empecilho temporário. Como acontece com toda tecnologia recém-nascida, o tempo tratará de barateá-la. "Nos anos 1980, cada watt gerado por uma placa solar custava absurdos 76 dólares. Hoje, sai por só 5 dólares, e o preço continuará a diminuir", aponta o engenheiro Marcos Maciel, diretor de operações da Csem Brasil, com sede em Belo Horizonte. A Csem é um raríssimo exemplo de empresa brasileira que aposta em inovação e que pode levar o país à liderança do setor. Hoje, apenas 0,7% da matriz energética mundial é proveniente de fontes solares. Estima-se, porém, que esse número se multiplicará por oito até 2030 e que ainda neste século os combustíveis fósseis serão eliminados de nossa rotina e substituídos completamente por alternativas, principalmente a solar. As placas de OPV, o futuro do setor, só se tornaram comerciais há cerca de cinco anos e ainda representam menos de 1% do mercado global de energia solar. O Japão e a Alemanha são líderes na fabricação dessas folhas, mas o Brasil tem a rara chance de entrar na disputa com boas perspectivas. Segundo o Atlas Brasileiro de Energia Solar, um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) elaborado com dados coletados por onze satélites, o país pode espalhar placas solares eficientes por praticamente todo o seu território. Um cenário favorável e dificílimo de encontrar pelo mundo. O plano da Csem é popularizar a OPV no Brasil, instalando placas em cidades, áreas rurais e represas. Para a comercialização da tecnologia foi criada outra empresa ligada à Csem, a Sunew, que pretende iniciar os trabalhos em poucas semanas. Desde setembro, a companhia está construindo uma fábrica que deve abrir as portas em julho e cuja produção, de 2 metros de placas por minuto, vai torná-la a maior do gênero no planeta. Já há interessados na novidade. A Sunew fechou contratos com gigantes como Fiat e Votorantim. A montadora deve instalar a OPV em automóveis. A fabricante de cimento planeja colocar os finos captadores de energia em represas para a geração de eletricidade em larga escala. O potencial é imenso. Se um terço do Lago de Furnas, em Minas Gerais, fosse coberto de OPV, a energia gerada supriria toda a demanda nacional. O país não sofreria mais com crises energéticas como a deste ano, provocadas pela seca e pela inépcia. A OPV é um alento para um mundo excessivamente dependente de fontes energéticas insustentáveis a longo prazo. Por exemplo, se continuássemos a consumir petróleo no mesmo ritmo de hoje, esse recurso acabaria em todo o planeta ainda neste século. É um cenário improvável, porém. Como anotou o xeique Ahmed Zaki Yamani, ex-ministro de Energia da Arábia Saudita, na década de 70: "A idade da pedra não acabou pela falta de pedra, e a idade do petróleo acabará muito antes que o mundo fique sem petróleo". A incontestável verdade das mudanças climáticas criou uma bem-vinda movimentação global para a adoção crescente de fontes de energia sustentáveis e a pressão constante para a diminuição da emissão de dióxido de carbono, o CO2, na atmosfera. O petróleo e as atitudes incoerentes com os esforços sustentáveis se tornaram os grandes vilões de nossa era. Há previsões cada vez mais apocalípticas, algumas cientificamente comprovadas, outras convenientemente exageradas, mas a lista de danos é grande: a acidificação de oceanos, o derretimento de geleiras e a devastação de habitats. Essa maciça preocupação foi expressa por Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, numa definição recente e já clássica: "Não há plano B, porque nós não temos um planeta B". Os painéis fotovoltaicos orgânicos podem representar esse plano B. UMA BOA ALTERNATIVA Os painéis solares orgânicos, conhecidos pela sigla OPV, são flexíveis, mais eficientes e têm 5% do peso de um painel tradicional, feito de silício. Podem ser colados em janelas de prédios, teto de veículos, telhado de casas e até mesmo em mochilas. Como a luz solar vira energia elétrica 1- Os componentes químicos da tinta orgânica da placa reagem à luz solar, liberando elétrons. 2- Os elétrons são conduzidos por um tecido de prata até a fita condutora de energia e os cabos, onde se transformam em corrente elétrica. 3- A corrente chega ao inversor, equipamento que adapta e distribui a energia gerada para a rede elétrica. 4- O medidor contabiliza a energia criada e a consumida. 5- Se a energia criada for maior que a consumida, o excedente será enviado à companhia elétrica e virará crédito para o dono da placa. A energia "extra" poderá ser usada em até três anos. As vantagens da OPV • É feita de material não tóxico, como plástico PET e tintas orgânicas • Uma placa de 12 metros quadrados gera energia suficiente para o consumo de uma típica família brasileira • Como cada metro quadrado do painel tem apenas um terço de 1 milímetro de espessura, ele pode ser acoplado a todo tipo de estrutura, desde prédio até guarda-sol • Se o usuário produzir tudo o que consome, só terá de pagar ao governo uma taxa de acesso à rede elétrica. Resultado: cerca de 90% de economia na conta mensal Potencial pouco explorado Toda a luz solar que incide na Terra em um dia é capaz de abastecer a humanidade por 27 anos Com essa energia seria possível suprir quase 10.000 vezes a atual demanda global A radiação solar que incide no Brasil em um ano seria capaz de atender às necessidades de 30.000 países como o nosso UMA CASA 100% SOLAR Com dez anos de experiência no setor de energia, o engenheiro e empresário mineiro Walter Fróes procurava uma forma de inovar sua vida profissional, no ano passado, e achou nas fontes solares o maior potencial para essa reviravolta. Antes de entrar no negócio, ainda em construção (ele pretende investir em empresas do setor energético), quis perceber no próprio cotidiano se a tecnologia valia a pena. Em setembro, Fróes instalou 36 painéis de silício sobre o telhado de sua casa, no bairro de Mangabeiras, em Belo Horizonte. O equipamento fornece 9 quilowatts, o suficiente para cobrir quase todo o consumo de sua família. A energia começa a ser produzida por volta das 6h30, tem seu pico ao meio-dia e termina às 18 horas, quando o excedente é armazenado para a noite. Promover essa mudança não saiu barato: foram investidos 81.000 reais nos aparelhos. Mas, além de fazer bem para o planeta (o engenheiro calcula que já deixou de emitir 5 toneladas de CO2 na atmosfera), faz bem para o bolso. A conta mensal na casa de 500 metros quadrados, que saía por mais de 1000 reais, foi reduzida em 97%. "Terei o retorno do meu dinheiro em quatro anos", diz Fróes. Em alguns meses ele chegou a produzir mais energia do que precisava. Por não ter uma bateria apropriada para armazenar a carga, Fróes precisa pagar pela utilização do Sistema Integrado e tem de enviar à rede pública o excedente produzido. No fim do mês, contas feitas, recebe um crédito em quilowatts quando fornece mais do que consome. O investimento doméstico na energia solar deverá valer ainda mais dentro de alguns meses, se vingar a promessa recente do ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, de desonerar de uma série de impostos aqueles que trabalham com energia solar. 6#6 RELIGIÃO – SEM PAPAS NA LÍNGUA O estilo boquirroto de Francisco, celebrado no início de seu pontificado como um agradável contraponto ao silêncio de Bento XVI, começa a fazer barulho demais no Vaticano. ADRIANA DIAS LOPES Há exatos dois anos, celebrados na próxima sexta-feira, 13 de março, Jorge Mário Bergoglio apareceu na sacada central da Basílica Vaticana, olhou ternamente para as 100.000 pessoas que o aguardavam sob chuva fina na Praça de São Pedro e disse: "Irmãos e irmãs, boa noite". Nunca um papa havia usado uma expressão tão coloquial para se apresentar urbi et orbi. Em seguida, pediu, já em tom de catequese, que todos rezassem por seu antecessor, Bento XVI, que renunciara, e por ele próprio. Aquele aceno inicial foi o prólogo do que seria a grande marca do primeiro pontífice latino-americano — a fala direta e natural. Hoje, Francisco é carinhosamente chamado de "o papa do povo", por sua proximidade com os fiéis. O jeito coloquial de falar fez um bem enorme à Igreja, ao reaproximar os católicos de uma instituição manchada por escândalos financeiros e sexuais que envolvem parte do clero. Nos últimos dois meses, contudo, a naturalidade de Francisco deixou de fazer sorrir e tem virado motivo de constrangimento. Francisco, o boquirroto, que até então se limitava a proferir comentários espontâneos sobre temas pastorais, passou a soltar a língua também em questões de doutrina. O resultado de tanta sinceridade portenha: o Vaticano e o próprio Francisco tiveram de se explicar publicamente — e mais de uma vez. Uma das situações mais delicadas ocorreu quando o papa emitiu opinião sobre liberdade religiosa depois do atentado ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, em janeiro. O rápido e ruidoso pronunciamento foi feito durante o voo para Manila, nas Filipinas. "Se o doutor Gasbarri (organizador das viagens papais) diz um palavrão contra minha mãe, espera-lhe um soco. Não se pode provocar. Não se pode insultar a fé dos outros." Para muito além do equívoco do raciocínio papal, houve ainda mais desconforto por ele ter esbarrado em um dos princípios mais conhecidos do Evangelho — oferecer a outra face ao inimigo, e não sair matando. Três dias depois, Francisco voltou ao assunto em entrevista a jornalistas, tentando justificar: "Em teoria, podemos dizer que uma reação violenta perante uma ofensa, uma provocação, não é uma coisa boa, não se deve fazer. Em teoria, podemos dizer o que diz o Evangelho, ou seja, que devemos apresentar a outra face (...). Mas somos humanos, e existe a prudência, que é uma virtude da convivência humana. Eu não posso insultar, provocar uma pessoa continuamente, porque me arrisco a irritá-la e a receber uma reação não justa. Mas é humano". É evidente que Francisco conhece as leis do Evangelho, condena qualquer ato terrorista em nome da fé e repudia o radicalismo islâmico transformado em fascismo. O problema do papa argentino é o comportamento intempestivo, inadequado para o vigário de Cristo. Diante de comentários do pontífice a respeito das questões de fé e morais, um fiel atento tende a escutar unicamente a expressão da verdade. Um papa obrigado a se justificar frequentemente, por meio de notas oficiais do Vaticano, é uma contradição em termos. Na história moderna da Igreja, João XXIII (1958-1963) é o papa que mais se assemelha a Francisco ao abrir a boca. Suas improvisações, porém, eram comezinhas. Em 11 de outubro de 1962, depois da sessão de abertura do Concílio Vaticano II, João XXIII disparou um de seus mais célebres improvisos, o "discurso da Lua". Uma multidão de fiéis fora até a Praça de São Pedro com velas. O papa então apareceu na janela de seu quarto e, emocionado, falou com lágrimas nos olhos: "Caros filhinhos, ouço as vossas vozes. A minha é apenas mais uma, mas condensa a voz do mundo inteiro. Todo mundo está aqui representado. Parece que até a Lua está com pressa nesta noite — observai-a lá no alto, está contemplando este espetáculo". Foi apenas bonito, sem estragos. Convém ressaltar que Francisco não é o primeiro papa a provocar retratações. Em 2006, Bento XVI, sempre cauteloso, quase mudo, fez um discurso, na universidade alemã de Regensburg, no qual incluiu algumas palavras do imperador bizantino Manuel II Paleólogo: "Mostra-me também o que trouxe de novo Maomé, e encontrarás apenas coisas más e desumanas tais como a sua norma de propagar, através da espada, a fé que pregava". Muitos entenderam as palavras como uma condenação ao Islã. Era, na verdade, uma referência à difusão das religiões por meio da violência. O cardeal Tarcísio Bertone, então secretário de Estado do Vaticano, lamentou o mal-entendido, e tudo resolvido. O restante do texto era irretocável. "Tomara que estejamos a tempo de evitar a mexicanização." - Sobre o crescimento do narcotráfico na Argentina, em fevereiro. "Uma vez, um pai falou em um encontro de casais: 'Às vezes, preciso bater nos meus filhos um pouco, mas nunca no rosto, para não humilhá-los'. Que bonito! Ele mostra um senso de dignidade. Ele precisa punir, mas de modo justo." - Ao tratar das palmadas paternas, em fevereiro. "Se o doutor Gasbarri (organizador das viagens papais) diz um palavrão contra minha mãe, espera-lhe um soco. Não se pode provocar. Não se pode insultar a fé dos outros." - Ao comentar o atentado ao jornal Charlie Hebdo, em janeiro. _______________________________________ 7# ARTES E ESPETÁCULOS 11.3.15 7#1 ARTE – O PREÇO DA INFLUÊNCIA 7#2 MÚSICA – PESO COM REBOLADO 7#3 CINEMA – BOLA DE NEVE 7#4 CINEMA – A HISTÓRIA DE SEMPRE 7#5 VEJA RECOMENDA 7#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 7#7 J.R. GUZZO – VINAGRE COM ESPINHO 7#1 ARTE – O PREÇO DA INFLUÊNCIA Uma mostra em Londres examina o legado do flamengo Peter Paul Rubens — um mestre tão copiado que sua força acabou se voltando contra ele mesmo. MARCELO MARTHE, DE LONDRES Em viagem à cidade italiana de Mântua, o pintor flamengo Peter Paul Rubens (1577-1640) conquistou o governante local. Talentoso não só com os pincéis, mas também na arte do traquejo social, em 1603 ele recebeu a missão de representar seu novo patrono em visita ao rei da Espanha, Felipe III, e ao homem forte de seu governo, o duque de Lerma. Mas o novato pintor e diplomata enfrentou um imprevisto: as obras que levava de presente para a corte espanhola sofreram danos na viagem. Rubens restaurou às pressas quase todos os quadros. Quanto às obras irrecuperáveis, viu nelas uma janela de oportunidade: substituiu os trabalhos de outros artistas por um quadro de sua autoria feito de improviso. Deslanchava aí uma das carreiras mais prodigiosas da arte. Rubens impressionou o rei, virou protegido do duque e ganhou fama nos círculos da nobreza europeia. Pintor, humanista e diplomata que rodou o continente a serviço das potências absolutistas, ele se tornaria o mais bem-sucedido artista de seu tempo — além de arma da Igreja Católica na guerra cultural pelas almas travada com os protestantes na Contrarreforma. Hábil manipulador das sensações, Rubens exerceria influência longa e irresistível, como se pode verificar em uma bela mostra em cartaz até 10 de abril na Royal Academy, em Londres. Mas, ao cotejar sua obra com a de artistas dos séculos posteriores (confira ao longo da reportagem), Rubens and His Legacy expõe uma ironia: com o tempo, a influência se revelaria um peso capaz de desgastar a imagem do mestre. Quem vai hoje aos grandes museus prefere passar rapidamente pelas salas devotadas a Rubens e, como constatou o historiador inglês Simon Schama, se atirar logo sobre Rembrandt ou Caravaggio. A mostra londrina prova que o espectador perde ao engrossar esse cordão do desprezo. A obra de Rubens consagra a força da pintura em estado puro. Com suas pinceladas luxuriosas e autoconfiantes, o artista dava vazão ao que Schama define como uma "energia carnal animalesca": a capacidade de induzir reações emocionais por meio da orquestração do movimento dos corpos (inclusive de animais). Eles transbordam e colidem na tela como uma convulsão de músculos, pele e gordura. É o êxtase barroco na voltagem máxima. Embora seu impacto seja atemporal, as pinturas de Rubens ganham cores mais vívidas se examinadas no contexto em que foram criadas. Ele teve a vida marcada por guerras religiosa Na segunda metade do século XVI, as obras das igrejas de Antuérpia, sua cidade de origem, na Bélgica atual, foram destruídas pelos calvinistas, que as viam como objetos de idolatria. Enquanto católicos e reformadores se alternavam no poder, o pai de Rubens, protestante, teve de fugir — e quase foi executado por causa de um affair com uma princesa. Após a morte do pai, Rubens foi educado como católico. Difícil imaginar um aliado mais estratégico nos esforços de reação da Igreja. Rubens faz a ponte entre a Antiguidade clássica, o Renascimento italiano e o naturalismo prescrito pela Igreja para conferir dor e drama às cenas divinas, e assim reforçar a fé dos católicos. Rubens, aliás, se tornou um precursor da figura do artista-empresário graças à difusão de reproduções de seus quadros como peças de propaganda religiosa. Suas gravuras foram espalhadas por missionários jesuítas até em lugares como o México e a China. Além de servir à Igreja, Rubens era também considerado o "deus da pintura" nos palácios absolutistas. Versado nas manhas da adulação ao poder, foi condecorado cavaleiro pelos reis da Espanha e da Inglaterra. Triunfou até num país em que seu estilo despertava desconfiança, a França. Mas teve de se desdobrar: quando lhe encomendaram trabalhos em homenagem à rainha-mãe francesa, precisou maneirar a apologia à personagem para não melindrar seu filho e desafeto, o rei Luís XIII. O resultado é um equivalente pictórico do Teste Rorschach: cada membro da corte extraía o que queria de suas alegorias cifradas. Ao contrário de Rembrandt, artista mais jovem que viveu o sucesso mas terminou falido, Rubens morreu rico aos 62 anos — e em boa companhia: poucos antes, casara-se com uma donzela de 16 anos. Poucos artistas, porém, tiveram a apreciação póstuma de sua obra tão afetada pelo tempo. Os recursos que ele desbravou com fúria — o uso da técnica e da manipulação emocional como motores da arte — se tornariam afetações estéreis nas mãos dos pintores acadêmicos. No século XVII, a academia francesa foi palco de uma disputa soporífera entre os defensores do rubenismo (a supremacia das cores) e do poussinismo (referência ao francês Nicolas Poussin, entusiasta do desenho). Os fãs de Rubens venceram a refrega. Mas não demoraria muito para sua reputação ser minada. O pensamento puritano em ascensão reprovava a opulência de seus quadros. Mais tarde, os modernistas veriam com desconfiança um pintor identificado com a academia e, ainda por cima, aristocrata (bad boys como Caravaggio passariam a ser o padrão de artista heróico). Removida a pátina do preconceito, porém, o legado de Rubens fala por si. A mostra em Londres ensina que mesmo pintores que lhe torceram o nariz, de Van Gogh a Picasso, sofreram sua influência inescapável. Rubens é a melhor prova de que um artista pode ser marqueteiro, adulador, propagandista do poder, superficial, bem resolvido e feliz — tudo que certa visão romântica boboca condena, enfim. Sem nem por isso deixar de ser um grande artista. ESPÍRITO ANIMAL Pintada em 1617, a tela Caçada de Tigre, Leão e Leopardo mostra a habilidade de Rubens para compor assombrosas cenas de tumulto e violência. Seu faro era pragmático: com a reprodução precisa da anatomia dos animais, Rubens oferecia aos europeus a ilusão de ver feras de lugares remotos desfilarem diante de seus olhos. No século XIX, o francês Eugène Delacroix também usaria o exotismo para manipular as emoções em obras como Caçada de Leão. BELEZA FARTA Rubens pintou os personagens, e o colega Jan Brueghel, o Velho (1568-1625), fez a natureza luxuriante de Pã e Siringe. Usar a mitologia como pretexto para um erotismo ambíguo era típico de Rubens. Suas ninfas ditariam o padrão carnal de acadêmicos como François Boucher (1703-1770) MESTRE E DISCÍPULO Na arte de retratar poderosos, Rubens não brilhava sozinho: seu seguidor Anthony van Dyck (1599-1641) aprendeu bem as lições. Mas a comparação entre os retratos de duas nobres realça o gênio desconcertante de Rubens. A luz teatral e a presença de um anão feioso reforçam a formosura diáfana de sua personagem. Vinte anos depois, Van Dyck foi mais estático e convencional ao repetir a cena. 7#2 MÚSICA – PESO COM REBOLADO Physical Graffiti, que ganha uma reedição de luxo, sintetiza a mistura sonora — blues, folk, soul e até música indiana — que fez do Led Zeppelin um mito do rock. SÉRGIO MARTINS Quando o álbum duplo Physical Graffiti chegou às lojas, em 24 de fevereiro de 1975, o Led Zeppelin já passava por turbulências que prenunciavam a dissolução da banda — a qual ocorreria logo depois da morte do baterista John Bonham, em 1980. O guitarrista Jimmy Page, além de cultivar um interesse cada vez mais esquisito pelo ocultismo, trocara o uso pesado de cocaína pela ainda mais pesada heroína. Os excessos etílicos de Bonham causaram uma inflamação na bexiga, da qual resultou uma constrangedora incontinência urinária. O baixista e tecladista John Paul Jones ameaçava trocar o grupo pelo posto de regente do coral da Catedral de Winchester. Na comparação com os demais, o vocalista Robert Plant até mantinha a sanidade em dia — nos anos seguintes, porém, ele sofreria o duplo baque de um feio acidente de carro e da morte do filho Karac, de 5 anos, em decorrência de uma infecção rara no estômago. Em meio a todas essas crises, a banda conseguiu transformar um combinado de canções inéditas e sobras de estúdio no melhor disco de sua carreira. Se os grandes hits (sobretudo Stairway to Heaven) estão em Led Zeppelin IV, foi Physical Graffiti — que está sendo relançado em uma edição especial, com um disco de extras — o trabalho que melhor cristalizou as qualidades que fizeram do Led Zeppelin a maior banda da história do rock pesado. Trata-se de um desses raros discos que não são apenas ouvidos, mas cultuados. Criado em 1969 por Page, então um requisitado músico de estúdio (sua lista de colaborações ia do easy listening de Burt Bacharach ao rock de The Kinks e The Who), o Led Zeppelin consagrou o arquétipo da banda de rock: estão lá o guitar hero, o vocalista de registros agudos mas cheio de sex appeal, o baixista blasé porém eficiente e o baterista cuja violência em socar peles e pratos só é superada pelo desregramento fora do palco. O Zeppelin criou ainda o manual de comportamento (mau comportamento, bem entendido) para roqueiros: excursões e festas com farto consumo de drogas, bebidas e mulheres. Mas a música contou mais do que a atitude para erguer Page e companhia ao topo do panteão musical dos anos 70. Foi o Led Zeppelin que consolidou o hard rock, mais tarde transmutado em heavy metal. E para chegar lá não bastou só aumentar o volume e a distorção. O grupo inglês criou a ponte definitiva entre o blues e o rock (e Page, diga-se, larapiou, com arrogância escravocrata, fraseados e refrões de blues ancestrais). Sim, o blues em sua versão pesada era já praticado por grupos como The Jimi Hendrix Experience e o Cream do guitarrista Eric Clapton. Mas o Led Zeppelin limpou o gênero daqueles solos egocêntricos que abreviaram a existência do Cream (ainda que, para o ouvinte mais jovem, os solos do próprio Page pareçam bem longos) e abriu outros diálogos sonoros: juntou o rock à música celta, ou a certos elementos orientais, no que mais tarde ganharia o rótulo de world music. E até abraçou o funk e o reggae. Physical Graffiti nasceu a partir de oito canções gravadas no início de 1974. O quarteto constatou que elas eram longas demais para um só LP — mas precisava de mais canções para fechar o álbum duplo. Sete faixas vieram de sobras de trabalhos anteriores. Aos nostálgicos que ouvirão a nova edição em vinil (e que terão de importar a caixa de luxo: no Brasil, só será lançada, em abril, a versão com três CDs), recomenda-se começar pelo segundo lado do primeiro LP. Estão ali os vinte minutos mais soberbos que uma banda de rock poderia proporcionar: o riff pesado de Houses of the Holy, seguido por Trampled under Foot (uma homenagem de John Paul Jones a Stevie Wonder) e por fim Kashmir, canção de extensão épica (oito minutos e meio), colorido indiano e letra mística riponga ("sou um viajante do tempo e do espaço"). No restante do disco, há outros milagres: In My Time of Dying, com seus longuíssimos onze minutos, foi gravada em somente duas execuções. Bron-Yr-Aur homenageia os violonistas folk que Page tanto adorava (em especial o escocês Bert Jansch). E The Rover traz uma das introduções de bateria mais marcantes da carreira de Bonham. Discos assim tão definitivos por vezes parecem esgotar a capacidade criativa dos músicos. Depois de Physical Graffiti, o Led Zeppelin rendeu-se a complacentes excessos virtuosísticos. A juventude inglesa cansou: o punk, inflamado de rancor adolescente, puxou o rock de volta à crua simplicidade das origens. Mas o distanciou do blues: o rock desde então é coisa de branquelos duros das cadeiras. Os quatro branquelos do Led Zeppelin faziam música de peso, mas sabiam rebolar. 7#3 CINEMA – BOLA DE NEVE Em Força Maior, um casal escapa de uma avalanche, mas ela ainda assim ameaça varrer seu casamento. ISABELA BOSCOV Quem sabe como vai reagir numa situação de pânico? Certamente não Tomas, que em Força Maior (Force Majeure, Suécia/ Dinamarca/Noruega/França, 2014), já em cartaz no país, descobre para sua ingrata surpresa que é só a própria pele que lhe ocorre salvar quando o perigo é iminente. Almoçando com a mulher e o casal de filhos pequenos num terraço nos Alpes franceses, Tomas (Johannes Bah Kuhnke), como todos os outros frequentadores, anima-se ao ver que uma das avalanches provocadas por segurança pelo pessoal da estação de esqui começou a desabar ali, juntinho deles. Juntinho demais, talvez: em segundos, a torrente se avoluma e parece sair de controle, descendo a toda a velocidade. Tudo vira um pandemônio. Ebba (Lisa Loven Kongsli) se joga sobre as crianças; Tomas dá no pé. Afinal, vê-se que era alarme falso. O branco total da neve pulverizada vai se desfazendo, e Tomas volta quietinho para a mesa, como se nada tivesse acontecido. A família retoma o almoço, constrangida, mas sem tocar no assunto. O que não significa que o assunto não esteja lá, dominando e transformando sua dinâmica. O diretor sueco Ruben Östlund, porém, tem vários outros complicadores ainda a somar a essa crise que, sozinha, já seria matéria-prima sensacional. Descobrir que o instinto do marido é resgatar suas luvas e seu iPhone — é isso que mais dói em Ebba — antes de proteger as crianças é um golpe duro para qualquer mulher e qualquer casamento. Que o marido então insista que não fugiu, e é tudo questão de interpretação, é acrescentar injúria ao insulto — mas o fato é que o atônito Tomas já não reconhece a si mesmo. E o que dizer da atitude de Ebba? Quando o casal discute a sós, ela põe panos quentes na briga. Mas se há terceiros presentes ela não perde a chance de puxar a conversa e expor Tomas, cobrando veredictos das testemunhas involuntárias e detendo-se nos detalhes mais desabonadores. As crianças instantaneamente passam a espelhar o conflito; desde o início voluntariosas e meio malcriadas, elas viram um tormento de birras e acusações (elas têm a quem puxar: numa cena, Ebba quase dá na cara de outro casal com a barra de sua cadeira no teleférico, mas finge que não fez nada e nem sequer pede desculpas). O dado essencial: pai, mãe e filhos, sem exceção, estão apavorados com a hipótese de que um rompimento seja inevitável. O maior desejo de cada um deles é restaurar o pacto familiar e reinstaurar o equilíbrio original. Só não sabem como desviar-se dos fatos e evitar que a avalanche que não se concretizou termine, afinal, por pegá-los em cheio. O cinema escandinavo tem uma tradição que é de sua natureza mesmo em investigar a tensão entre o coletivo e o individual, entre a conformidade e a ruptura — uma tensão que existe em qualquer ser humano em estado minimamente civilizado, mas é preponderante em uma sociedade tão fortemente fundada sobre a noção do bem comum e que, embora cada vez mais secular, continua a ser orientada pelos princípios éticos de um protestantismo castiço. Como qualquer outra sociedade ocidental, porém, a escandinava está hoje sujeita a pressões que eram ainda insignificantes nas décadas em que Ingmar Bergman desenhou seu vasto painel da paisagem interior humana: aparência, consumo, a noção do direito à felicidade — do direito a tudo, na verdade —, a correção política e as pequenas e grandes hipocrisias que decorrem dela são novos vetores do comportamento que cineastas como o dinamarquês Thomas Vinterberg, de A Caça, o norueguês Morten Tyldum, de Headhunters, e Ruben Östlund, de Força Maior, tentam agora esquadrinhar. A quem julgar que o desfecho de Força Maior é reconfortante, pede-se reconsiderá-lo: para chegar a ele, foram necessárias primeiro uma pantomima destinada a aplacar as crianças e depois uma concessão que envolve várias outras pessoas que nada tinham a ver com o pato. Parece inocente, fruto de um anseio natural de preservar a família. O dado perturbador é que, para a preservarem, Tomas e Ebba não podem saber quem são de fato. Têm de manter as aparências — para si mesmos, sobretudo. 7#4 CINEMA – A HISTÓRIA DE SEMPRE De início vivo e palpitante, 118 Dias logo se acomoda em um drama genérico e diluído. Em 2009, o repórter Maziar Bahari, iraniano radicado em Londres, revisitou seu país de origem com o intuito de cobrir a eleição presidencial na qual o oposicionista Mir Hossein Mousavi aparecia com vantagem sobre o candidato à reeleição, Mahmoud Ahmadinejad. O pai de Bahari fora um ativista preso pelo xá Reza Pahlevi; sua irmã fora uma ativista presa pelo regime dos aiatolás; sua mãe (Shohreh Aghdashloo), a única sobrevivente da família no Irã, recebe o filho com ar exausto de tanto idealismo ou ingenuidade. Mas, nas ruas, Bahari (Gael Garcia Bernal) encontra uma excitação crescente: para grande parte dos iranianos, parece que não há como Ahmadinejad vencer; dessa vez tudo finalmente vai mudar. Não mudou, claro. Numa apuração fraudulenta, o linha-dura Ahmadinejad reelegeu-se e sufocou com truculência exemplar as manifestações populares. Bahari foi detido sob a acusação de espionagem — para a CIA, ou o Mossad, ou os oposicionistas, conforme a conveniência — e passou quase quatro meses sendo interrogado e torturado. Um dos argumentos usados em sua prisão: ele admitira ser espião num programa americano de TV. Na verdade, ele participara de um quadro satírico do Daily Show de Jon Stewart. O apresentador (que há pouco anunciou sua aposentadoria do programa) diz ter se sentido parcialmente responsável pelo tormento de Bahari, e decidiu fazer da história dele o tema de sua estreia na direção, 118 Dias (Rosewater, Estados Unidos, 2014), já em cartaz no país. As boas intenções, porém, são frustradas de formas previsíveis. De início vivo e palpitante na maneira como capta a onda de mudança que vai agitando Teerã, 118 Dias logo abandona sua pegada semidocumental em favor de um drama entre quatro paredes, o do infindável confronto entre torturado e torturador (o excelente Kim Bodnia). "Infindável", aqui, não tem só o sentido metafísico que se esperaria: sem traquejo para gerar tensão, quanto mais sustentá-la, Stewart oferece uma versão genérica e diluída desse tipo de embate, na qual não falta o indefectível fantasma do pai a conversar com o filho em sua cela. Comentarista político ágil e mordaz, Jon Stewart foi pego, como diretor, na armadilha dos seus sentimentos. ISABELA BOSCOV 7#5 VEJA RECOMENDA CINEMA BLIND (NORUEGA, 2014. JÁ EM CARTAZ NO PAÍS) • Ingrid (Ellen Dorrit Petersen) é ainda muito jovem, mas ficou cega e passa o dia todo, todos os dias, fechada em seu apartamento em Oslo, recusando-se a sair à rua apesar da insistência de seu marido, o arquiteto Morten (Henrik Rafaelsen). É penosa sua adaptação à perda da visão: quando ela prepara uma xícara de chá, tateando pela cozinha à procura da chaleira quente, o espectador prende a respiração à espera do pior; quando cisma que Morten às vezes volta para casa e secretamente a observa em silêncio, não há como saber se o que ela está pressentindo é real ou fruto de sua imaginação. E esse, afinal, é o ponto-chave do difícil mas hipnótico longa de estreia do diretor norueguês Eskil Vogt: aos poucos, percebe-se que Ingrid está escrevendo um livro no qual vai trançando os fios de sua vida aos de uma ficção em que a mãe solteira Elin (Vera Vitali) é cortejada por Morten, fica então cega e inicia uma amizade com o solitário e tristíssimo Einar (Marius Kolbenstvedt, fabuloso). Para a plateia, nem sempre é possível separar esses fios e distinguir quem ou o que é real ou foi imaginado por Ingrid; para Ingrid, essa falta de fronteiras claras é a única maneira possível de libertar-se de sua nova prisão. LIVROS NO CAMPO DA HONRA E OUTROS CONTOS, DE ISAAC BABEL (TRADUÇÃO DE NIVALDO DOS SANTOS; EDITORA 34; 264 PÁGINAS; 46 REAIS) • Judeu ucraniano, Isaac Babel (1894-1940) foi um dos grandes mestres da literatura russa do século XX. Como tantos outros escritores, artistas e intelectuais de sua geração, engajou-se de primeira hora na Revolução Russa, só para depois ser colhido pela autofagia própria desses terremotos históricos — foi fuzilado por "atividades antissoviéticas", em 1940. A experiência na guerra soviético-polonesa, no início dos anos 20, serviu de matéria para sua mais conhecida obra, O Exército de Cavalaria, uma visceral coletânea de contos que retratam toda a brutalidade do conflito — e, em particular, a ação dos cossacos que integravam o Exército Vermelho. Este livro já ganhou tradução direta do russo no Brasil, publicada pela Cosac Naify. E agora No Campo da Honra reúne textos de outras fases da obra de Babel. O incisivo cronista da violência aparece no ciclo de quatro contos que dá título ao volume, todos dedicados a episódios da I Guerra Mundial na França. Mas há também relatos eróticos e textos de delicado memorialismo. A FAZENDA, DETOM ROB SMITH (TRADUÇÃO DE JANAÍNA MARCOANTONIO; RECORD; 336 PÁGINAS; 40 REAIS) • Daniel mora em Londres e vem adiando o dia em que terá de visitar seus pais, Chris e Tilde, que foram viver na tranquilidade de um lugarejo rural da Suécia, país natal da mãe. Ocorre que Daniel nunca revelou aos pais que é gay, mas não poderia fazer a viagem sem seu companheiro, Mark. Um telefonema angustiado do pai, porém, põe essas preocupações em segundo plano: Chris conta ao filho que Tilde foi internada depois de sofrer um surto psicótico. Ele já se dispõe a pegar o primeiro voo para a Suécia quando sua mãe aparece em sua casa com uma história completamente diferente: foi seu pai quem se envolveu em uma estranha conspiração com vizinhos cavilosos, que tentaram desacreditá-la fazendo com que parecesse louca. O inglês Tom Rob Smith consagrou-se com três ótimos romances policiais cuja ação transcorre na sombria União Soviética. Aqui, ele está mais perto de casa (a própria mãe é sueca). A Fazenda é um thriller psicológico fundamentado em uma verdade universal, mas nem por isso menos perturbadora: ninguém jamais sabe tudo sobre a vida de seus pais. TELEVISÃO UNBREAKABLE KIMMY SCHMIDT (DISPONÍVEL DESDE SEXTA-FEIRA 6, NO NETFLIX) • Seguidora muito crédula de uma seita apocalíptica que previa a destruição do mundo por uma guerra nuclear, a jovem Kimmy Schmidt (Ellie Kemper, de The Office) passa quinze anos escondida em um abrigo subterrâneo na zona rural do estado americano de Indiana. Quando o Exército e a imprensa descobrem sua existência, a já trintona Kimmy e suas amigas saem da toca trajando vestidos muito decorosos, no melhor estilo amish, para virar celebridades nacionais. A nova sitcom é uma empreitada da comediante Tina Fey — conhecida pela verve cáustica exercitada no humorístico Saturday Night Live e na série 30 Rock — em parceira com o roteirista Robert Carlock. Aqui, seu humor anárquico é temperado com certa doçura. Depois de retornar ao mundo real, Kimmy decide viver em Nova York, onde arranja emprego na casa de uma dondoca (Jane Krakowski) e divide quarto com um ator negro desocupado e desbocadíssimo (Tituss Burgess). Com sua heroína abilolada, mas adorável, a série é uma celebração da vida por alguém que tem pressa em recuperar o tempo perdido. Bem ao gosto de Tina Fey, também faz uma ode às liberdades de uma Manhattan bem doidinha. DVD O JOGO DE EMOÇÕES (HOUSE OF GAMES, ESTADOS UNIDOS, 1987. VERSÁTIL) • A primeira investida do dramaturgo David Mamet como diretor de cinema carrega os elementos que o tornaram um nome de prestígio nos palcos: rígida marcação de atores, personagens carregados de aridez emocional, duelos verbais que lembram uma sessão de psicanálise. Aliás, Margaret Ford (Lindsay Crouse) é uma psicanalista totalmente absorvida pela profissão. Também é uma celebridade, graças ao best-seller que escreveu sobre comportamento compulsivo. No esforço de ajudar um jovem paciente enroscado em uma dívida de pôquer, ela conhece tipos suspeitos agindo em uma espelunca na parte sombria da cidade. Da atração imediata que sente pelo líder, Mike (Joe Mantegna), Margaret passa ao fascínio pelas práticas escusas do bando e, de repente, se vê como parte de um golpe capaz de destruí-la. Com evidente inspiração nos quadros do pintor Edward Hopper — o filme parece um noir fotografado em cores —, Mamet concilia sua inconfundível encenação austera com um drama tenso e inquietante. 7#6 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- Cinquenta Tons de Cinza. E.L. James. INTRÍNSECA 2- Cinquenta Tons Mais Escuros. E.L. James. INTRÍNSECA 3- Cinquenta Tons de Liberdade. E.L. James. INTRÍNSECA 4- O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 5- Se Eu Ficar. Gayle Forman. Novo Conceito 6- Divergente. Veronica Roth. ROCCO 7- Para Onde Ela Foi. Gayle Forman. NOVO CONCEITO 8- Insurgente. Veronica Roth. ROCCO 9- Convergente. Veronica Roth. ROCCO 10- Garota Exemplar. Gillian Flynn. INTRÍNSECA NÃO FICÇÃO 1- Nada a Perder 3. Edir Macedo. PLANETA 2- Eu Fico Loko. Christian Figueiredo de Caldas. NOVAS PÁGINAS 3- A Teoria do Tudo. Jane Hawking. ÚNICA 4- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 5- Diário de um Adolescente Apaixonado. Rafael Moreira. NOVAS PÁGINAS 6- Bela Cozinha: As Receitas. Bela Gil. GLOBO 7- O Capital no Século XXI. Thomas Piketty. INTRÍNSECA 8- Sniper Americano. Cgris Kyle. INTRÍNSECA 9- Sonho Grande. Cristiane Correa. PRIMEIRA PESSOA 10- Divaldo Franco. Ana Landi. BELLA EDITORA AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Geração de Valor. Flávio Augusto da Silva. SEXTANTE 3- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 4- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 5- De Volta ao Mosteiro. James Hunter. SEXTANTE 6- O Poder da Escolha. Zibia Gasparetto. VIDA & CONSCIÊNCIA 7- 60 Dias Comigo. Pierre Dukan. BEST SELLER 8- A Arte da Guerra. Sun Tzu. VÁRIAS EDITORAS 9- O Livro do Bem. Ariane Freitas e Jessica Grecco. GUTENBERG 10- O Poder do Hábito. Charles Duhigg. OBJETIVA 7#7 J.R. GUZZO – VINAGRE COM ESPINHO Eu hoje estou pulando como sapo Pra ver se escapo Desta praga de urubu Noel Rosa Eis aí onde veio parar, em apenas dois meses de segundo mandato e exatamente como tinha de acontecer, o governo da presidente Dilma Rousseff — ficou sem roupa, como no samba de Noel, e agora está aí, todo santo dia, pulando dos desastres de ontem para os desastres de hoje, e já apavorado com os que virão amanhã. O último infortúnio a entrar em cena é essa lista do procurador-geral Rodrigo Janot, pedindo que o Supremo Tribunal Federal autorize a abertura de inquérito contra 54 políticos e agregados suspeitos de envolvimento na corrupção histórica da Petrobras — calamidade destinada a tornar-se, por sinal, o centro da biografia de Dilma e de sua passagem pela Presidência da República. A coisa toda, agora, entra na geringonça que é o aparelho judicial brasileiro — e ali ficará sendo mastigada sabe-se lá até quando, com a produção permanente de material tóxico. Já começou: bem na hora em que a lista era entregue, o presidente do Senado, Renan Calheiros, até há pouco o amigo-parceiro-irmão-camarada do Planalto, recusou-se a colocar em votação uma "medida provisória" do governo para aumentar impostos, e aproveitou a oportunidade para dizer que Dilma desrespeita o Congresso e o estado de direito. Saco de pancadas durante anos a fio, o senador virou automaticamente um herói do Parlamento; hoje em dia, pelo visto, basta bater na presidente para construir uma reputação instantânea. Pouco antes disso, ela já fora infernizada por seu próprio ministro da Fazenda — que considerou "brincadeira de mau gosto" decisões econômicas tomadas no primeiro mandato. É preciso ficar pulando o tempo inteiro, realmente, para esconder-se de uma fuzilaria dessas. O governo se pergunta: "Onde está o chão?". Ninguém sabe. "Deu a lógica", como se dizia antigamente no turfe: no fim das contas, sempre acaba perdendo quem não poderia mesmo ganhar. Ao longo dos últimos anos, e principalmente dos últimos meses, a presidente foi montando, com tenacidade de monge beneditino, uma pane geral no sistema de funcionamento do seu governo. Não perdeu praticamente nenhuma oportunidade de errar. Passou a dizer coisas cada vez mais incompreensíveis — em seu último surto, dias atrás, veio com uma alarmante história de galáxias no Rio de Janeiro, ou algo assim. Levou as contas do país para o bico do corvo. Transformou em déficit tudo o que era superavit, e desenvolveu uma técnica invencível para trocar abundância por escassez. Consegue, ao mesmo tempo, aumentar os impostos e diminuir a arrecadação. Socou um aumento de até 45% nas contas de luz, e outro nas bombas de combustível. Pode ter pela frente uma crise no abastecimento de energia, e mais um monte de outras, e não tem a menor noção do que fazer em relação a nenhuma delas. Conseguiu brigar com a Indonésia. Pode dar certo um negócio desses? Não pode. Deu a lógica. A praga de urubu que atormenta Dilma nestes dias de vinagre e de espinhos, e que veio como consequência inevitável dos atos que ela mesma praticou, já seria ruim o bastante se ficasse limitada à sua falta de aptidão, de conhecimentos e de equilíbrio para governar. Mas o pior, provavelmente, é a escolha fatal que fez — amarrada ao ex-presidente Lula e ao PT, jogou-se na maior campanha pró-corrupção já vista na história do Brasil. Seja lá qual for o destino dos políticos da "Lista de Janot", ora entregues aos vagares do STF, é esse o fato número 1 da vida pública brasileira de hoje. A defesa da corrupção está nos fatos. Dilma é a favor de um tenebroso "acordo de leniência" com as empreiteiras metidas no assalto aos cofres da Petrobras — trata-se, muito simplesmente, de livrar as empresas de punição nos processos em andamento na Justiça. Quem protege o mal é cúmplice do mal — o que seria, então, se não fosse isso? A presidente nos pede que acreditemos que advoga em favor das empreiteiras para garantir "empregos" e continuar "obras". Ficamos assim, nesse caso: ela está dizendo que o Brasil precisa de corrupção para gerar empregos e obras públicas. Não é só isso. O ministro da Justiça passou a fazer parte da equipe de defesa das empresas. O advogado-geral da União dá consultoria para deputados do PT enrolados no petrolão. Seu relator na CPI recém-aberta para investigar o escândalo, um despachante do Palácio do Planalto, já começou tentando melar os trabalhos — sua primeira ação foi pedir investigações sobre o "governo anterior". E mais um acesso na paixão oficial por chamar a população de idiota: a CPI foi instalada para apurar o roubo deste governo, e não do de Fernando Henrique, ou do regente Feijó. Dilma chefia a campanha ao lado de Lula; tristemente, a caminho dos 70 anos e com mais de quarenta de carreira política, ele está acabando assim, como um advogado de milionários e burocratas corruptos. Nada de bom pode sair disso tudo. Quanto à praga de urubu, o jeito é torcer para que ela passe. O sapo somos nós.