0# CAPA 4.2.15 VEJA www.veja.com Editora ABRIL Edição 2411 – ano 48 – nº 5 4 de fevereiro de 2015 [descrição da imagem: fundo da capa em verde, representando uma mesa de bilhar (ou snooker), em cima, bolas de bilhar, sendo que em cada uma aparece o rosto de cada um dos envolvidos na Operação Lava-Jato. Quatro bolas não tem fotos. Elas estão dispostas na mesa formando um triângulo, como colocadas no jogo de bilhar.] REAÇÃO EM CADEIA Executivos presos revoltados com os políticos soltos. Empreiteiros ameaçando Lula e Dilma. São todos contra todos na fase decisiva da Operação Lava-Jato. [parte superior da capa] VENEZUELA Quem dá as cartas em Caracas é o “narcochavismo” DRONES Nem a Casa Branca está a salvo dos não tripulados. _______________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# INTERNACIONAL 5# ECONOMIA 6# GERAL 7# ARTES E ESPETÁCULOS _____________________________ 1# SEÇÕES 4.2.15 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – ÚLTIMOS CAPÍTULOS 1#3 ENTREVISTA – DANIEL YERGIN – A NOVA ERA DO PETRÓLEO COMEÇOU 1#4 LIA LUFT – O GRANDE APAGÃO 1#5 LEITOR 1#6 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM A EVOLUÇÃO DA LINGUAGEM Para o filósofo americano Daniel Cloud, a linguagem humana foi domesticada como os cães. Em seu primeiro livro, The Domestication of Language (A Domesticação da Linguagem), lançado em dezembro, Cloud mostra como as línguas evoluem de acordo com os preceitos de Darwin e não passam de uma ferramenta que nos ajuda a ter sucesso no ambiente. "Escolhemos entre diversas opções, rejeitando as mutações indesejadas e conservando as agradáveis. Esse processo é benéfico para nós e para a sobrevivência das palavras", diz o professor da Universidade Princeton em entrevista ao site de VEJA. INSEGURANÇA DIGITAL Há um mês. Jan Krissler, um pesquisador da Universidade Técnica de Berlim, recriou as impressões digitais da ministra alemã de Defesa a partir de fotos disponíveis na internet. O propósito de Krissler, um "hacker do bem", era chamar atenção para o que ele considera uma fragilidade dos sistemas de leitura biométrica, que usam o reconhecimento de digitais, da íris ou da face para franquear a usuários o acesso a bancos ou a celulares, por exemplo. "Quase todos os sistemas do mercado podem ser enganados com muito pouco esforço", diz o especialista em entrevista a VEJA.com. ELEIÇÃO NA CAMARA Este domingo, 1º de fevereiro, marcará o desfecho da mais tensa e imprevisível eleição para a presidência da Câmara dos Deputados desde a vitória do folclórico Severino Cavalcanti (PP), em 2005. Naquele ano, a principal tarefa do comandante da Casa era administrar os processos do mensalão. Agora, o futuro presidente terá pela frente o petrolão, outro escândalo de corrupção que atingirá os principais partidos aliados do governo no Congresso Nacional. O site de VEJA e TVeja acompanham a disputa. A TEORIA DO AMOR Fazer um filme baseado em uma história real é meio caminho andado para algumas indicações ao Oscar. A Teoria de Tudo, de James Marsh, traz Eddie Redmayne irretocável na pele - e no corpo debilitado - de Stephen Hawking, o brilhante físico teórico e cosmólogo inglês, diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica. O drama vivido pelo cientista, porém, não é o foco da fita. "Eu me preparei para filmar sem pensar na doença. A história não é sobre a esclerose, mas sobre uma relação de amor, apaixonada e complicada", diz Redmayne, em entrevista ao site de VEJA. 1#2 CARTA AO LEITOR – ÚLTIMOS CAPÍTULOS Uma reportagem desta edição de VEJA relata o clima de todos contra todos que está predominando com a entrada na reta final da Operação Lava-Jato, que apura os crimes cometidos no escândalo do petrolão. Sobe o nível de tensão entre os empreiteiros e executivos presos na sede da Polícia Federal em Curitiba. A pressão gerada sobre eles pela iminência das sentenças de prisão, que devem sair em breve da pena do juiz Sérgio Moro, está alimentando uma onda de fortes reações para o alto. Os sócios-proprietários das grandes empreiteiras não sabem mais que fazer depois de sucessivos fracassos em suas tentativas legais de obter o relaxamento das prisões ou mesmo a anulação do processo por eventuais erros de condução por parte dos procuradores ou do próprio juiz Moro. Também deram em nada os ensaios de acordos orquestrados em Brasília que fariam tabula rasa dos crimes de natureza penal desde que as empreiteiras aceitassem a imputação de formação de cartel, obrigando-se a ressarcir o Tesouro de eventuais prejuízos financeiros em troca de continuarem aptas a prestar serviços e fazer obras para o governo. Incomoda sobremaneira as empreiteiras o fato de, até agora, a roda da Justiça estar girando apenas com o objetivo de puni-las, quando se sabe que o petrolão foi um esquema de origem política da mesma natureza do mensalão — ou seja, um mecanismo montado pelo governo para a obtenção de recursos ilegais destinados a financiar campanhas eleitorais de candidatos do PT e comprar a fidelidade no Congresso de parlamentares da base de apoio. O mensalão foi feito com o ataque aos cofres de empresas ligadas ao Banco do Brasil. O petrolão, como o nome indica, fincou suas garras em diretorias da Petrobras. Nos dois esquemas de corrupção, a participação de empresas privadas (bancos e agências de publicidade no mensalão e empreiteiras no petrolão) foi decisiva para o desvio de dinheiro público. Seria não apenas ingênuo, mas também um erro colossal, imaginar que as empresas privadas poderiam ter sido ao mesmo tempo arquitetas e operadoras do mensalão e, agora, do petrolão. Nenhum dos dois escândalos teria sido possível sem a atuação dos diretores de estatais indicados pelo partido no governo. A reportagem de VEJA revela como as empreiteiras estão agora atuando de modo a tentar impedir que o ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff escapem das eventuais responsabilidades pessoais e das de seus governos na armação e no funcionamento do petrolão. As empreiteiras estão mandando recados cada vez mais claros a Lula e a Dilma de que não aceitam arcar sozinhas com toda a culpa. Essas mensagens ficaram ainda mais claras e ameaçadoras na semana passada. Ninguém imagine que as empreiteiras estariam satisfeitas em seu senso de justiça caso afundassem abraçadas com Lula e Dilma. Nada disso. Elas calculam que, abraçadas aos dois, simplesmente não afundam. 1#3 ENTREVISTA – DANIEL YERGIN – A NOVA ERA DO PETRÓLEO COMEÇOU O economista americano diz que o mundo com barril a 100 dólares ficou para trás e que apenas as petrolíferas que levarem a sério o desafio da competitividade vão prosperar. ANA CLARA COSTA, DE DAVOS No começo dos anos 2000, esteve em voga a teoria de que as reservas de combustíveis fósseis se esgotariam num futuro próximo. O economista americano Daniel Yergin era um dos mais enfáticos opositores dessa tese. Segundo ele, a tecnologia levaria o homem a descobrir outras formas de explorar reservas de combustíveis fósseis. Suas previsões se mostraram precisas. Com a exploração das reservas de xisto nos Estados Unidos, a produção mundial disparou no fim de 2014, fazendo o preço do barril de petróleo recuar para menos de 50 dólares. Essa queda acentuada nos preços — que promete ser duradoura — tem impactos econômicos e geopolíticos ainda difíceis de estimar. Novamente, Yergin é um dos mais bem equipados para fazer essa análise. Vice-presidente do conselho de uma das maiores consultorias de energia dos Estados Unidos, depois de desenvolver uma carreira acadêmica na Universidade Harvard, ele é autor de dois livraços sobre a história da exploração do petróleo e a procura por novas fontes de energia: O Petróleo (Paz e Terra), vencedor do Pulitzer em 1992, e A Busca (Intrínseca), recém-lançado no Brasil. "Começou uma nova era do petróleo", diz Yergin. "Estatais de energia mundo afora, como a Petrobras, terão de levar muito a sério o desafio da competitividade se quiserem prosperar." Ele falou à reportagem de VEJA no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Por que o preço do barril de petróleo caiu tanto em tão pouco tempo? Numa fórmula simples, por causa da lei da oferta e da demanda. A produção de óleo e gás de xisto nos Estados Unidos cresceu de maneira inaudita. Ninguém contava que subisse tão rápido, nessa escala surpreendente. Em paralelo, há uma queda na demanda, porque as maiores economias do mundo estão em marcha lenta. Em 2014, a Agência Internacional de Energia reduziu as perspectivas para a demanda cinco vezes. Somam-se esses dois fatos e temos a redução drástica no valor do barril de petróleo, que deve perdurar porque não se prevê redução da oferta num futuro próximo. Mas o mais interessante nesse movimento é que a política do petróleo também mudou. Por muitas décadas, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes foram o que chamamos de swing producers, países capazes de definir os níveis de preço do combustível fóssil aumentando ou reduzindo a produção de suas reservas gigantescas. Pois bem, na reunião da Opep do fim do ano passado, os árabes anunciaram que não vão mais desempenhar esse papel e que caberá ao mercado encontrar seu ponto de equilíbrio. Fizeram isso porque, se reduzissem a produção para acompanhar a queda na demanda, criariam uma oportunidade para que países vizinhos como Iraque ou Irã abocanhassem um pedaço do seu mercado. Com toda a turbulência no Oriente Médio, eles parecem ter concluído que a estratégia de mercado livre atendia melhor aos seus interesses do que deixar a porta aberta para que vizinhos hostis pudessem se aproveitar. Em resumo, mudaram os níveis de produção, mudou a geopolítica. Os Estados Unidos, de certa forma, podem desempenhar o papel de "regulador de preços" que antes era dos países do Golfo. É uma nova era do petróleo. Se não fosse pelo xisto, quanto o barril poderia custar hoje? Estima-se que em torno de 150 dólares, em vez dos cerca de 50 hoje vigentes. Teríamos um outro mundo à nossa frente. O crescimento na produção de xisto nos Estados Unidos é realmente sustentável? Uma fase importante no desenvolvimento dessa indústria está sendo superada, aquela da regulação. Na maior parte dos estados americanos produtores, a controvérsia amainou. Participei da comissão que o presidente Barack Obama criou para estudar os aspectos ambientais do gás de xisto, que são os mesmos da extração de óleo de xisto. Há questões ambientais que de fato precisam ser tratadas com todo o rigor. Mas a legislação foi posta de pé, nos planos federal e estadual, e as empresas têm respeitado as normas, porque as multas para irregularidades são altíssimas. A indústria, portanto, está muito mais madura, e só não deve crescer com a mesma velocidade em 2015 porque, como eu disse, os Estados Unidos têm um novo papel na regulação do preço do barril de petróleo e já estão se exercitando nessa área. Em vez de produzirem 1 milhão de barris adicionais por dia, os Estados Unidos vão produzir meio milhão em 2015, pois agora planejam a produção em função dos preços. Mas os investimentos em tecnologia vão continuar. Eles visam a tornar a perfuração uma atividade menos onerosa. Em tempos de petróleo barato, ganhos de competitividade são fundamentais, e os produtores americanos sabem disso. A morte do rei Abdullah, da Arábia Saudita, em meados de janeiro, pode trazer alguma mudança na política para o petróleo que se desenhou no fim do ano passado? Não. Trata-se de uma decisão de governo. O sucessor de Abdullah, o rei Salman, já afirmou que manterá as mesmas diretrizes. Ele vinha participando das decisões mais importantes ao longo dos últimos anos. Se outro grande produtor de petróleo decidir reduzir a produção, como a Rússia, pode ser que eles revejam sua política. Mas, por enquanto, ficou instituído que não vão mexer nos níveis de produção. Outros países com grande produção de petróleo, como Venezuela e Irã, brigaram muito na última reunião da Opep para que a produção caísse e os preços se mantivessem mais altos. A posição da Arábia Saudita prevaleceu. O que aguarda esses países num futuro próximo? Crise. A Venezuela será o país mais afetado, porque já está falida. Com o petróleo a 100 dólares, ela já passava por grandes dificuldades. Agora, a situação se complicará muitíssimo. A Venezuela não tem acesso ao mercado de capitais, não tem uma indústria diversificada, sofre escassez de muitos produtos básicos. Foi gerida de forma tão ruim que ficou sem saída. Para piorar, o petróleo venezuelano está competindo com o canadense no mercado americano. Como se financiar diante dessa nova realidade? O presidente Nicolás Maduro tem viajado ao redor do mundo para pedir dinheiro. Ele chegou a dizer que "Deus vai prover". Quando um socialista pede a Deus que o resgate financeiramente, é porque as coisas estão complicadas. O novo cenário também será um grave problema para o Irã, uma vez que Hassan Rohani, o novo presidente, construiu sua plataforma de governo como todos os outros presidentes iranianos, ou seja, sobre uma economia financiada pelo petróleo. Haverá muita pressão sobre ele. A Rússia pode chegar ao mesmo ponto? A Rússia pode contornar a situação. É uma economia muito grande, que recebe dólares e recentemente teve a moeda desvalorizada, o que tornou seus produtos mais atraentes no mercado internacional. Mas a queda nos dividendos do petróleo quase certamente levará o país a uma recessão. Não será fácil para Putin e seus colegas. A Rússia sugeriu que a queda no preço do petróleo foi um movimento orquestrado para prejudicá-la. Isso faz algum sentido? É uma fantasia. Como toda teoria da conspiração, tem inclusive uma ponta de ridículo. O governo americano não tem nenhum controle sobre a produção doméstica dos Estados Unidos. Não existe um mecanismo de coordenação que permita um ataque desse tipo à economia russa do petróleo. Além disso, a preocupação geopolítica dos países árabes é com sua vizinhança imediata. Não há orquestração para ferir os russos. Até que ponto o jogo pode mudar se a China aumentar seu ritmo de crescimento em 2015? Antes de o boom chinês acontecer, o barril de petróleo custava 20 dólares, e muita gente achava que esse seria seu preço para sempre. Então a China entrou para valer no mercado mundial e sua demanda passou a ser o fator determinante no mercado de petróleo e de commodities em geral. Ninguém sabe melhor que o Brasil o poder de tração do mercado chinês. Mas esse superciclo, iniciado em 2004, encerrou-se dois anos atrás, e o petróleo só não despencou naquele momento por causa das tensões no Oriente Médio, como a Primavera Árabe, que restringiram a oferta. Não há dúvida de que uma retomada do crescimento na China terá um impacto relevante. A China sempre será relevante. Mas insisto que o fator preponderante na definição dos preços do petróleo a partir de agora são os Estados Unidos e sua extração de xisto. Com o que está sendo produzido nos EUA e no Canadá, temos um acréscimo de 5 milhões de barris por dia à produção mundial. Os países que tendem a ser mais prejudicados pela queda do preço do petróleo comandam o setor por meio de estatais, como é o caso também do Brasil e da Petrobras. Se o petróleo estivesse nas mãos de empresas privadas, a situação desses países seria diferente? Sejam as empresas estatais ou privadas, o imperativo deste novo momento na história da produção de petróleo é o crescimento da competitividade. Quem quer que esteja nesse setor sofrerá uma pressão brutal para ser mais eficiente e lucrativo. Todos os presidentes de empresas com quem converso só falam em empreender mudanças para adaptar-se a essa nova realidade do petróleo barato. O mundo do barril a 100 dólares ficou no passado. É uma nova era, e a competição vai imperar. Como essa nova realidade pode prejudicar países que têm fontes não convencionais cujo custo de extração pode ser mais alto que o preço do barril, como no caso do pré-sal? Pré-sal? O que é isso? Estou brincando, mas deixe-me dizer uma coisa: mesmo sem levar em conta o possível custo da corrupção, que está sendo investigado enquanto falamos, o Brasil produz petróleo a um custo muito alto. Tudo que se diz, hoje, sobre como transitar nesse novo cenário de petróleo barato envolve redução de custos para aumentar a competitividade, revisão de regras fiscais pelos governos, revisão de políticas de conteúdo nacional. É o que se diz em empresas mais competitivas que a Petrobras. O Brasil correrá um grande risco se ficar surdo a essas vozes. O pré-sal pode ser lucrativo com o preço do barril abaixo de 60 dólares? Não é impossível, mas o timing dos projetos e sua velocidade de execução inevitavelmente terão de mudar. Será preciso voltar à prancheta para rever as estratégias e, acima de tudo, os custos. O Brasil é um agente poderoso no mercado de petróleo. Mas a história mostra que, sempre que o preço do barril de petróleo cai, os custos de extração são forçados a seguir a mesma curva. Achar que tudo pode continuar como antes será suicídio. A matriz energética brasileira é limpa, composta sobretudo de energia hidrelétrica. Mas, por razões várias, que vão de falta de chuva a erros de planejamento, tem sido preciso manter usinas termelétricas em funcionamento permanente. O Brasil é um caso exemplar? Não há mesmo como fugir da dependência de petróleo e gás? Um dos principais argumentos do meu livro A Busca é que as fontes de energia renovável vão crescer muito nas próximas duas décadas, mas o mesmo acontecerá com a energia convencional. Nesse horizonte de tempo, três quartos dos países continuarão dependendo da energia convencional. O Brasil é, sim, um caso particular. Mais de 80% de sua energia é de fonte hídrica, enquanto a média mundial é 16%. Nos Estados Unidos, são apenas 7%. Isso significa que, para o Brasil, ter água é imprescindível. Mas também é preciso planejamento e diversificação das fontes de recursos para que o país não fique no escuro. Não pode faltar energia num país que precisa crescer tanto quanto o Brasil. 1#4 LIA LUFT – O GRANDE APAGÃO Sempre me impressionou o tabu que envolve algumas palavras. Por muito tempo palavrões pronunciados em outro idioma apareciam nas legendas de nossos cinemas e TV substituídos por reticências, ou numa tradução mais branda, enquanto na tela se desenrolavam cenas então ditas "fortes". Hoje pouca coisa seria considerada imprópria, pois a qualquer hora do dia crianças ligam a TV e, a não ser que haja algum adulto presente propondo algo mais divertido, assistem a cenas tórridas. A intimidade pessoal vem sendo tão banalizada que pouca coisa nos choca — ou escondemos isso para que não pareçamos antiquados? Voltando aos tabus verbais: procuramos evitar o nome de certas enfermidades que nos assustam, como se, pronunciadas, elas pudessem nos contaminar. O Diabo tem centenas de apelidos — um dos encantos na minha obra predileta, Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, é ver os nomes que lhe dão, sobretudo no interior, de "Coisa Ruim", "Renegado" e outros: é a poderosa e colorida imaginação do povo, criativa como a das crianças. Atualmente, ao menos nos escalões do governo, "recessão", "apagão" e "racionamento" são os malditos, como se, mascarados por eufemismos, eles não fossem o flagelo real de empresas e indivíduos, pela incompetência ou interesses políticos das autoridades responsáveis (que vinham sendo avisadas), provocando a falta de água e os apagões elétricos, dentro de todo um quadro seriíssimo de falhas estruturais pelo país. "Recessão", como mencionada (logo corrigida) pelo ministro da Fazenda, poderia ter uma conotação positiva, com o significado de controlar para arrumar, e depois refazer a casa, buscando o bem real de seus moradores — até onde isso interessa ao Estado. Empenhado numa batalha feroz pela manutenção do poder, o governo nos arrastou a este fundo de oceano onde estamos ancorados, raspando as areias e ameaçando ali ficar: estimulou com veemência o consumo, deixando multidões inadimplentes ou gravemente endividadas. Tratou adversários de maneira abominável, iludiu o povo com promessas vãs, de muitas maneiras colaborou para o apagão das nossas estruturas públicas e a fragilidade dos nossos valores morais. Volto a mencionar algumas mazelas, além de água e energia: o caos na educação (vejam as redações do Enem e o desinteresse pela melhor qualificação do ensino), que deveria obter os maiores investimentos, pois é onde tudo começa: posso tomar banho frio e enxergar à luz de velas, mas preciso de uma cabeça instruída para decidir minha vida e a do meu país. Lembro o precaríssimo saneamento, a segurança falida, as leis ineficientes e a impunidade que causam uma carnificina diária; a situação da saúde é criminosa; os meios de transporte atormentam as pessoas e entravam a economia; a comunicação corre o risco de ser controlada; e relações internacionais inadequadas nos afastam dos países adiantados (lembrem que a diplomacia leva a imagem do país). Sozinho, o ministro Joaquim Levy será um curativo sobre um imenso corpo doente. Seriam necessários muitos competentes como ele para consertar o que aí está. Esperemos que, apesar dos problemas (não sabemos da missa nem dezoito avos), ele não desista, a fim de que este povo não seja mais massacrado, e a nação não passe vexames iguais ao exemplo que cito aqui: como muitas entidades públicas no Brasil, várias embaixadas brasileiras estão com as contas atrasadas. O governo não lhes envia os recursos essenciais, elas precisam economizar energia e água, não pagam a funcionários e fornecedores, falta papel para as impressoras — logo até o papel higiênico será uma preciosidade. Não sou pessimista, mas de um realismo moderado. Enquanto os responsáveis por essa escandalosa situação não tiverem a coragem de encarar a realidade, assumir e consertar seus malfeitos com honestidade e firmeza, continuaremos uma nação avestruz, com as ignorantes cabeças escondidas na areia. E não conseguiremos dar um passo à frente: será o escuro do apagão geral. LYA LUFT é escritora 1#5 LEITOR ESCASSEZ DE ÁGUA E DE ENERGIA Pensei que a frase "De dia falta água, de noite falta luz" fosse somente o trecho de uma marchinha de Carnaval. Mas percebi que estava enganado. Essa é a nossa realidade no Brasil ("Vai faltar água, vai faltar luz, mas sobra indignação", 28 de janeiro). RUVIN BER JOSÉ SINCAL São Paulo (SP), via smartphone Não adianta pedir ajuda a Deus, como fez o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga. A presidente Dilma Rousseff, durante a campanha em 2014, contou com a colaboração do "diabo" para vencer. Deus não abençoa quem anda de mãos dadas com o Satanás. Dilma talvez não saiba, mas o diabo é um credor cruel e cobra caríssimo de quem lhe deve favores. A fatura da presidente já começou a ser cobrada. JOÃO RAIMUNDO DE OLIVEIRA JÚNIOR Fortaleza, CE Parece óbvio que, sem um programa eficiente de economia de energia elétrica, nada será eficaz contra a falta de investimento, de planejamento e de uso sensato de recursos naturais. No emblemático encontro de Roma, nos anos 70, já se falava das catástrofes que poderiam vir no futuro. Passou-se quase meio século, e aqui está o panorama assustador. Hoje temos tecnologias para reduzir gastos domésticos de água e de energia. É somente uma questão de atitude, de decisão. RENÉ LOUIS PIE Brasília, DF Geniosa criatividade na capa da edição 2410 de VEJA. Na versão digital para tablet, há uma animação que a torna mais interessante e a mensagem ainda mais completa. Desenvolvo um trabalho de conscientização do uso racional de recursos em minha empresa e considerei de extrema relevância o impacto positivo que essa animação poderá causar. ANTONIO RIBEIRO São Paulo (SP), por e-mail IMPOSTOS E JUROS Parabenizo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, pela celeridade na apresentação do "pacote de maldades" ("Realismo sem mágica", 28 de janeiro). É muito fácil aumentar impostos e juros, diminuir ganhos da classe média, acostumada a pagar todos os desmandos do governo federal, e, de maneira geral, aumentar a receita. Quero ver agora, ministro Levy, o pacote de medidas para diminuir os gastos do governo federal. Gostaria de ver sua coragem apresentando o pacote e a intenção do governo em diminuir essa gastança desenfreada, aceitando-o e cumprindo-o à risca. LUIZ CARLOS BARBOSA LOPES Fortaleza, CE Com toda a sua formação, o sorridente Joaquim Levy vai fazer a diferença, de sinal aritmético negativo para os brasileiros, decretando aumento de tarifas e de impostos, que vão escavar mais ainda nossos bolsos já bem furados. Assim, pratica a covarde mesmice dos medíocres, esvaziando seu saco de maldades nos fundilhos da população. NILTON JOSÉ EBERT BURCHI Campinas, SP O Brasil sofre com falta de água, de luz e de políticos honestos. ELAINE MARCANTE Pato Branco, PR J.R. GUZZO Excelente o artigo "Deus nos ajude" (28 de janeiro), de J.R. Guzzo. Somente Deus poderá ajudar o Brasil e o povo brasileiro nestes próximos quatro anos de desgoverno Dilma Rousseff. Concordo plenamente com o autor sobre o medo que sentimos de que talvez nem ele possa fazer alguma coisa nesta altura do drama. Doze anos de total incompetência, descalabro, mentiras e corrupção. E onde estão os autores de todo esse mal? Dessa ópera-bufa? Livres e soltos. Lula fazendo politicagens e negociatas e Dilma escondida no Palácio da Alvorada. Os eleitores do PT devem estar orgulhosos. RICARDO OTTONI FIGUEIREDO Cachoeiras de Macacu, RJ Na era PT, em diversas ocasiões, noticiou-se que o Brasil perdoou dívida de algum país pobre que havia adquirido empréstimo. Geralmente uma ditadura, similar à que nossos inquilinos de Brasília afirmam ter combatido no regime militar. Coerência? Há prestação de contas da parte dos países beneficiários quanto à aplicação dos recursos ou é mero apoio ao ditador? Ou é uma negociata? Parece que só se consegue manter relações desse naipe. Talvez seja outra forma de desvio do nosso dinheiro. Quem fiscaliza isso? A Bolívia "confisca instalações da Petrobras". Será confisco mesmo ou uma forma de negociata? A Petrobras perde instalações, mas entra dinheiro no caixa da quadrilha. JOÃO WERLE Cascavel, PR JOSÉ CARLOS BUMLAI E O PETROLÃO É revoltante saber como o empresário pecuarista José Carlos Bumlai tinha acesso irrestrito ao ex-presidente Lula ao mesmo tempo em que, embora sem cargo oficial no governo, fazia articulações entre empresas privadas e estatais que estão mergulhadas em escândalos de corrupção ("Do palácio ao petrolão", 28 de janeiro). Juntando todos os pontos fica cada vez mais difícil entender por que Lula não está no banco dos réus... Será que o ex-presidente não sabia de nada que seu partido ou seus "amigos" faziam? RICARDO MARCHEL São Pauto, SP Pelo que se depreende da reportagem, o senhor José Carlos Bumlai é o próprio Paulo César Farias do governo Lula. Tomara que ele não tenha o mesmo fim trágico de PC Farias. LUIZ MIGUEL BERBERI Balneário Camboriú, SC O toque ritmado de tambores ressoa como canto fúnebre, abalando os alicerces do governo em Brasília: "Bum... bum... bumbumlai... bum... bum... bumbumlai... bum... bum... bumbumlai". Se depois da reportagem a investigação da Operação Lava-Jato não chegar diretamente ao ex-presidente Lula, então será a prova cabal de que ele é intocável, imbatível... E chegará a hora de jogarmos a toalha. MARA MONTEZUMA ASSAF São Paulo, SP Como cidadão, sempre cumpri, como milhões de brasileiros, as minhas obrigações com o Estado, a sociedade e a família. Aos 67 anos, precariamente aposentado, vejo que o Brasil não tem partidos políticos, mas quadrilhas bem aparelhadas — e com sócios no Legislativo, no Executivo e no Judiciário. SÉRGIO NEWTON DE MELLO Por e-mail TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO Foi exemplar a colaboração de VEJA, por meio da reportagem "Precisa desenhar?" (28 de janeiro), dos jornalistas Robson Bonin e Hugo Marques, ao dar ao distraído Tribunal de Contas da União a dica do inquérito na 1352 da Polícia Federal, do qual podem ser recuperadas as centenas de e-mails subtraídos do processo instaurado contra o ministro Walton Alencar, do mesmo TCU, acusado de ter agido como informante do governo e com processo arquivado pelo colega ministro Aroldo Cedraz a pretexto de ausência de provas documentais, que, na realidade, foram intencionalmente descoladas do processo. ELIZIO NILO CALIMAN Brasília, DF É possível que exista alguma exceção, mas engana-se quem acredita que tribunais como o TCU, os TCEs e os TCMs trabalhem com seriedade todo o tempo, apesar de os tais "ministros" serem remunerados com salários acima de 30.000 reais e ainda contarem com "auxílios" de toda natureza, inclusive auxílio-moradia de 4500 reais. Nessas casas imperam o nepotismo e o compadrio, e suas cortes são formadas por políticos em fim de carreira ou rejeitados pelo povo, que dificilmente reprovam as contas dos governantes que os nomearam. Pobre Brasil! MACILENE RODRIGUES DE OLIVEIRA Goiânia, GO ROBERT LUSKIN Na ótima entrevista da jornalista Malu Gaspar com o criminalista americano Robert Luskin ("Lá a Justiça é implacável", 28 de janeiro) ficou explicitado que o Brasil está a anos-luz — por exemplo — dos Estados Unidos nos quesitos honestidade e transparência dos políticos e das grandes empresas junto ao povo. O petrolão será julgado e, certamente, as empreiteiras envolvidas no esquema serão alcançadas pelas pesadas punições estabelecidas pela lei americana. Tenho esperança de que os cofres da Petrobras não sofram mais com as possíveis multas que estão por vir, mas, sim, que as empreiteiras e principalmente os envolvidos no esquema sejam severamente punidos. SANDOR DE CARVALHO MARTINELLI Rio de Janeiro, RJ CONDENAÇÕES NA INDONÉSIA Com mais de 200 milhões de habitantes, a República da Indonésia fica entre o Sudeste Asiático e a Austrália e tem leis duras e úteis que protegem o povo indonésio e fuzilam criminosos, como os traficantes de drogas ("Sem clemência", 28 de janeiro). O Brasil, também com mais de 200 milhões de habitantes, é um país com leis inúteis que protegem criminosos que fuzilam pessoas de bem da sociedade brasileira. OSVALDO ALVES FONTENELLE Goiânia, GO Correção: o avião que ilustrou a nota "Os invisíveis" (Radar, 28 de janeiro) é um turbo-hélice, e não um jato, como foi equivocadamente descrito. PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação. VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP: Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até a quarta-feira de cada semana. 1#6 BLOGOSFERA EDITADO POR KÁTIA PERIN kperin@abril.com.br NOVA TEMPORADA FERNANDA FURQUIM RAY DONOVAM A terceira temporada de Ray Donovan terá a participação de Katie Holmes. Ela será Paige, uma empresária astuta e refinada, filha de um produtor que contrata os serviços de Ray. www.veja.com/temporada VEJA MERCADOS GERALDO SAMOR DEMISSÕES Começaram as demissões nos bancos de investimento, resultado do ambiente desfavorável para negócios que secou a fonte dos IPOs, derrubou o número de M&As e reduziu volumes em vários mercados. www.veja.com/mercados FAZENDO MEU BLOG PAULA PIMENTA PROFISSÃO Leitoras do meu blog sempre perguntam: como escolher uma profissão, entre tantas, para exercer durante toda a vida? Acho que essa decisão não tem de ser definitiva. Fica mais tranquilo se encararmos como uma tentativa e não como um caminho sem volta. www.veja.com/fazendomeublog COLUNA LEONEL KAZ SAGRADO Em nome do "sagrado", ao defendermos opiniões políticas ou religiosas, deixamos de lado a única sacralidade que importa: a preservação da terra que nos alimenta e da água que nos sustenta, www.veja.com/leonelkaz SOBRE PALAVRAS FRUTO OU FRUTA "Qual é a diferença, se é que existe alguma, entre 'fruto' e 'fruta'?" (Laís Gonçalves) A questão trazida por Laís tem uma resposta simples: fruta é o fruto comestível. O que equivale a dizer que toda fruta é um fruto, mas nem todo fruto é uma fruta. A mamona, por exemplo, é o fruto da mamoneira. Não é uma fruta, pois não se pode comê-la. Já o mamão, fruto do mamoeiro, é obviamente uma fruta. Se a regra geral é simples, basta aplicá-la à imensa variedade do reino vegetal para que comece a se complicar. (...) Nem todo fruto que se presta a ser ingerido é uma fruta. O chuchu e o pepino são frutos comestíveis que não merecem o nome de fruta. O tomate, embora haja uma corrente que discorde, é outro. Classificados genericamente como legumes, esses frutos se caracterizam por ter menos açúcar do que as frutas, www.veja.com/sobrepalavras CIDADES SEM FRONTEIRAS PÂNICO OU CALMARIA Adriana Cuartas, pesquisadora do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, elaborou quatro cenários possíveis para a seca no Sistema Cantareira. As perspectivas vão do pânico à calmaria — sendo essa última, infelizmente, a mais improvável de todas. Os prognósticos referem-se apenas ao Cantareira. A cientista previu uma redução de 40% do consumo, mas, pelo que indica o modelo de rodízio em estudo, a redução a ser imposta pela Sabesp será maior do que isso. Confira os cenários possíveis no blog. www.veja.com/cidadessemfronteiras QUANTO DRAMA! O CABELO NUMERO 1 As madeixas vermelho-escândalo de Du (Josie Pessoa), na novela Império, são um item forte da caracterização da personagem, que começou como "doidinha rebelde" e agora tenta ser a mãe dedicada de dois bebês. Como aderir a essa cor de cabelo é o questionamento número 1 da Central de Atendimento ao Telespectador (CAT) da Globo, que não indica marcas de coloração. Mas, se o objetivo era chamar atenção para a personagem, o recurso deu mais do que certo: Du e seu par, João Lucas (Daniel Rocha), juntaram uma legião de fãs incansáveis na tarefa de encher os ouvidos do autor Aguinaldo Silva com pedidos de mais cenas do casal balizado de Lucadu. www.veja.com/quantodrama ___________________________________ 2# PANORAMA 4.2.15 2#1 IMAGEM DA SEMANA – SEM BURCA; NEM DESAFIO 2#2 DATAS 2#3 CONVERSA COM CHICO SALGADO – O SUOR PRECIOSO DAS SARADAS 2#4 NÚMEROS 2#5 SOBEDESCE 2#6 RADAR 2#7 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – SEM BURCA; NEM DESAFIO A primeira-dama americana não encarnou choque cultural — só de estampas Michelle Obama desafiou os anfitriões e se tornou uma espécie de heroína dos direitos femininos ao não cobrir a cabeça durante a visita do marido ao novo rei da Arábia Saudita. É uma narrativa simpática, mas falsa como uma nota de 3 riais — a moeda local quase homônima da brasileira. Mulheres importantes não precisam fazer o gesto de concessão às severas exigências fundamentalistas (as não muçulmanas desimportantes devem usar em público, sobre as roupas habituais, um camisolão negro, embora de vez em quando a polícia religiosa tenha uns surtos de integrismo e saia distribuindo varadas, geralmente sobre as filipinas que trabalham como domésticas). Laura Bush, como primeira-dama, Hillary Clinton, na qualidade de secretária de Estado, e, antes dela, Condoleezza Rice nunca usaram o tal pano em suas visitas ao país. Aliás, Condoleezza, de terninho e cabelos expostos, estava na enorme comitiva americana que foi apresentar pêsames pela morte de Abdullah e fazer o beija-mão ao sucessor, Salman. A esta altura, Michelle também já sabe que muçulmanos estritos não estendem a mão a mulheres — como judeus ortodoxos. A cara de emburrada dela talvez seja porque, devido à morte do rei, não completou a visita oficial à Índia, em que apareceria com o marido no Taj Mahal, programa mais interessante do que ficar num lugar onde vários homens de preto fazem cara de paisagem ao passar por você. Ou talvez seja culpa dos encarregados do geralmente bem cuidado guarda-roupa da primeira-dama, que não previram o embaralhamento visual entre seu casaco estampado e o tapete do palácio. Quanto ao que realmente interessa: os sauditas também continuam emburrados com o marido de Michelle por causa da aproximação com o Irã, a serpente cuja cabeça o falecido rei queria muito cortar. VILMA GRVZINSKI 2#2 DATAS MORRERAM Maria Della Costa, atriz gaúcha consagrada por suas atuações no teatro e na televisão. Descoberta por um olheiro de uma revista de variedades, trabalhou durante algum tempo como modelo, até ser convidada por Bibi Ferreira, em 1944, para encenar A Moreninha. Nascida em Flores da Cunha, Gentile Maria Marchioro — este o seu nome de batismo — foi responsável pela primeira encenação no Brasil de grandes dramaturgos modernos, como Bertolt Brecht e Arthur Miller. Também revelou talentos — entre eles Fernanda Montenegro e Ney Latorraca. Em 1954, na inauguração do Teatro Maria Della Costa, em São Paulo, fez o papel de Joana d'Arc na peça O Canto da Cotovia, de Jean Anouilh. Na TV, integrou o elenco de novelas como Beto Rockfeller (1968) e Estúpido Cupido (1976). Dia 24, aos 89 anos, de edema pulmonar, no Rio. Charles Hard Townes, físico americano, ganhador do Nobel em 1964 por estudos que levaram à invenção do laser. Na ocasião, dividiu o prêmio com os russos Aleksandr Prokhorov e Nicolay Basov. A descoberta impactou diversos setores, como os de medicina, astronomia, comunicações e armamentos. Nascido na Carolina do Sul, Townes formou-se em física e línguas modernas aos 19 anos. Embora fosse mais conhecido pelo trabalho que culminou no Nobel, ele foi ainda pioneiro na descoberta de moléculas de amônia no espaço e no uso de raios infravermelhos em projetos astronômicos. Em 2005, em um discurso proferido na Universidade Harvard, declarou: "Olho para a ciência e para a religião como coisas paralelas que, a longo prazo, devem convergir. O universo é fantasticamente especializado, mas como é que ele surgiu?" Dia 27, aos 99 anos, de causa não revelada, na Califórnia. Demis Roussos, músico que ocupou o topo das paradas de sucessos nos anos 70 e 80 com canções como Forever and Ever, Goodbye My Love Goodbye e Quand Je T’Aime. Nascido em Alexandria, no Egito, Artemios Ventouris Roussos iniciou sua trajetória artística aos 17 anos em uma banda chamada The Idols. Nela, conheceu um de seus grandes parceiros, o tecladista Vangelis, com quem formou a Aphrodite's Child, uma das bandas de rock progressivo de maior êxito no cenário internacional. Contudo, foi na carreira-solo que atingiu o ápice. Dia 24, aos 68 anos, de causa não revelada, em Atenas. Vanja Orico, atriz e cantora carioca conhecida por interpretar a canção Mulher Rendeira, do filme O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto, a primeira produção brasileira premiada em Cannes. Evangelina Orico também trabalhou em Lampião, o Rei do Cangaço (1965) e Jesuíno Brilhante, o Cangaceiro (1972). Assim, ficou conhecida como "musa do ciclo do cangaço". Atuou ainda em Mulheres e Luzes (1950), do cineasta italiano Federico Fellini. Dia 28, aos 85 anos, em decorrência de um câncer no intestino, no Rio de Janeiro. Susana de Moraes, atriz e cineasta carioca, filha mais velha do compositor, poeta, cronista e dramaturgo Vinícius de Moraes (1913-1980), cujo legado se dedicava a divulgar. Atuou nos filmes Garota de Ipanema (1967), Tabu (1982) e Perfume de Gardênia (1992). Foi produtora de um documentário sobre seu pai, Vinícius (2005), de Miguel Faria Jr., e dirigiu o longa-metragem de ficção Mil e Uma (1994), selecionado para o Festival de Veneza. Em 2010, oficializou a união de 26 anos com a cantora e compositora gaúcha Adriana Calcanhotto. Dia 27, aos 74 anos, de câncer no endométrio, no Rio. 2#3 CONVERSA COM CHICO SALGADO – O SUOR PRECIOSO DAS SARADAS Ele é o personal trainer de Sabrina Sato, Grazi, Carolina Dieckmann e Angélica. "As que dizem que não fazem nada são as que mais treinam". Que modalidade recomendaria a Dilma Rousseff, Gisele Biindchen e Gabriel Medina? Dilma poderia fazer boxe, espancar uns cinco caras, para tirar o stress. Gabriel, ioga, pois precisa de paz e deve ter muita mulher atrás dele. Gisele, capoeira. Ajuda no gingado na passarela. É certo dizer que 70% dos corpos esbeltos, como o das suas alunas famosas, se devem à alimentação controlada e só 30% à ginástica? Sim. Quando alinhamos atividade física com alimentação certa para cada tipo de corpo, o metabolismo se acelera. Sempre mando meus clientes para o nutricionista. O domingo teve lasanha, pizza e caipirinha. Dá para eliminar toda essa carga pesada até terça-feira? Dá, mas só para eliminar. Para emagrecer, tem de gastar mais do que consumir. Que frases mais ouve das famosas? Todo treino da Sabrina é a mesma coisa: ela diz que está obesa. Grazi Massafera é o oposto. Se enfia o pé na jaca, liga se queixando de que perdeu 2 quilos. O que não dá para mudar mesmo em quem treina e come direito? A genética. Há pessoas que comem frango e maçã e, ainda assim, têm pancinha. Que exercícios todos, mesmo os negligentes com o corpo, deveriam fazer? Agachamento, flexão de braço e abdominal, pois malham o corpo todo. Em casa mesmo, dia sim, dia não. Quantidade: até sentir dor. E para os que querem novidade? A nova tendência é o stand-up paddle, aquela prancha de remar, intercalado com abdominais e agachamentos. Muita beldade diz que só "toma água" e "passeia com o cachorro" para ficar em forma. É verdade? Não. As que tiram essa onda são as que mais treinam. Comem bolo na frente das amigas e, no dia seguinte, correm uma hora. 2#4 NÚMEROS 14 pessoas, em média, são atingidas mensalmente por balas perdidas no Rio de Janeiro. 341 foram as pessoas atingidas por disparos desse tipo no estado no primeiro mês deste ano - mais que o dobro da média dos cinco anos anteriores. 23 anos é a média de idade das vítimas neste período no Rio. 26 pessoas são atingidas por bala perdida por mês em todo o território dos Estados Unidos, país com 300 milhões de habitantes e com o maior número de armas civis per capita do mundo. 2#5 SOBEDESCE SOBE REINO UNIDO - Apesar da desaceleração nos últimos meses, o PIB britânico cresceu 2,6% em 2014, o maior aumento desde 2007 e o mais alto da Europa. CONTAS PÚBLICAS - Pela primeira vez em dezoito anos, o governo federal fechou o ano com déficit primário. O saldo negativo é de 17,2 bilhões de reais. CHUMBO BOLIVARIANO - O governo da Venezuela autorizou o Exército a abrir fogo sobre manifestantes que protestam contra a inflação e as prateleiras vazias dos supermercados. DESCE EURO - A moeda atingiu a menor cotação em relação ao dólar em onze anos, e projeções indicam que ela pode chegar a 1 para 1 em 2016. AEROPORTO DE GUARRULHOS - No ranking nacional, ele foi o segundo mais mal avaliado pelos usuários - melhor só que o de Cuiabá. ESPÍRITO CARNAVALESCO - O ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, que está na cadeia desde o último dia 13 e lá deve passar o Carnaval, ameaçou processar fábricas que fizessem máscaras de seu rosto para a folia - a maior delas, no Rio, já desistiu da ideia. 2#6 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com • LAVA-JATO JOGO PESADO 1 Sem alarde, a filha de Ricardo Pessoa, a advogada Patrícia, esteve com Jaques Wagner na semana passada. Wagner, que foi arrolado como testemunha de defesa do empreiteiro da UTC, recebeu recados provenientes de Curitiba. JOGO PESADO 2 O mesmo Jaques Wagner também recebeu há duas semanas a visita de César Mata Pires, dono da OAS. O empreiteiro baiano deixou claro que, se o governo não colaborar, Leo Pinheiro, o presidente da OAS encarcerado desde novembro, pode fazer uma delação premiada — e deixar mortos e feridos pelo caminho. OS POLÍTICOS Luiz Fernando Pezão e Sérgio Cabral aparecem encrencados nas delações premiadas feitas até aqui. LONGE DE MORO? Está prevista para o início da semana uma decisão relevante do ministro do STJ Luis Felipe Salomão para o desdobramento da Lava-Jato: as ações dos políticos sem mandato ficam sob a jurisdição de Sérgio Moro ou vão para a primeira instância do seu estado de origem? Salomão vai decidir especificamente o caso de Roseana Sarney. É quase certo que o processo da ex-governadora siga para o Maranhão. CONTRA O CONTÁGIO O governo está trabalhando para que os problemas das construtoras investigadas na Lava-Jato não contaminem os grupos econômicos aos quais elas pertencem. Eis o que o Planalto quer: uma construtora pode quebrar, mas que não arraste todo o grupo para o abismo. Aloizio Mercadante pediu que a CGU, a AGU e o Banco Central elaborem pareceres que deem sustentabilidade jurídica à tese. DECISÃO DESASTROSA A preocupação com esse contágio surgiu de uma decisão da Petrobras que o governo considera desastrosa. Em dezembro, a estatal decidiu que 23 empresas envolvidas na Lava-Jato, entre elas a Mendes Júnior, cujo vice-presidente, Sérgio Mendes, está preso, não poderiam participar de licitações na Petrobras. "A Petrobras não tem poderes para declarar a inidoneidade de uma empresa", diz um ministro próximo de Dilma Rousseff. QUEREM MAIS TEMPO Os procuradores que atuam na Lava-Jato pedirão em março a renovação do prazo das investigações por mais seis meses. A projeção, no entanto, é que os trabalhos durem dois anos. SENTENÇAS EMENDADAS Os advogados de defesa que trabalham no caso acreditam que os procuradores tentarão manter os executivos das empreiteiras atrás das grades até as sentenças saírem. Assim, as prisões preventivas seriam emendadas nas definitivas. • BRASIL FIM DA RECUSÃO A sumida estratégica de cena de Dilma Rousseff - que teve breve interrupção na terça-feira passada, na reunião ministerial, depois de quase um mês sem falar aos brasileiros - tem data para acabar. Em março, Dilma planeja voltar a rodar o país, dar entrevistas e fazer pronunciamentos. Será uma ofensiva marqueteira que visa a tirar o governo das cordas em termos de imagem. Rodar o país, claro, não significa ir para as ruas como se estivesse em campanha eleitoral; afinal a estagnação econômica, a crise hídrica e o petrolão não ajudam. A ideia é aparecer em eventos fechados, com todo o aparato necessário para que a exposição não seja um tiro na água. BOLSA MENOR O total gasto pelo governo Dilma com o Bolsa Família em 2014 diminuiu 67 milhões de reais, em comparação com 2013. No ano passado, foram gastos 24,822 bilhões de reais. FARTURA HÍDRICA Não vai faltar água para Dilma Rousseff. O governo abriu licitação para comprar toda a água mineral a ser consumida em 2015 nos palácios do Planalto e da Alvorada e na Granja do Torto. Serão 13.000 copos de 200 mililitros, 2 00 garrafas de 350 mililitros, 3000 de 500 mililitros, 55.000 de 1,5 litro e 4000 garrafões de 20 litros. Tudo vai custar 118.000 reais. • SEGURANÇA PÚBLICA MAIS DINHEIRO... José Mariano Beltrame assumiu a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro em janeiro de 2007. No ano anterior — em que a pasta teve um investimento de 1,7 bilhão de reais —, o Rio registrou 124.087 assaltos. De lá para cá, o orçamento foi aumentando e chegou a 6 bilhões de reais em 2014. ...E MAIS CRIMES Só que o ano passado fechou com 158.078 roubos, o pior resultado da história. Ou seja, o número de assaltos aumentou 27%, apesar de o governo ter investido o triplo. • ECONOMIA TEM REMÉDIO O setor farmacêutico escapou dos maus resultados da indústria brasileira em 2014. Cresceu 12% em comparação com 2013. TETAS GORDAS A exportação de produtos lácteos cresceu 254% em 2014 em comparação com o ano anterior. O grande responsável pelo resultado foi o leite em pó, com mais de 55% desse total. Os principais clientes foram Angola, Venezuela e Arábia Saudita. • INTERNACIONAL O CUBANO DO VIAGRA SUBLINGUAL Os EUA pediram ao Brasil a extradição de Felix Alvarez, um cubano-americano preso na semana passada pela PF, após solicitação do próprio governo americano. De acordo com os documentos enviados ao Itamaraty, Alvarez fugiu para o Brasil depois de montar uma clínica em Fort Lauderdale, na Flórida, em que vendia remédios com citrato de sildenafila, o princípio ativo do... Viagra. Alvarez fez dinheiro na Flórida vendendo o que chamou de Instant Viagra, versão em que a droga, em vez de comprimido, era oferecida via sublingual. NO CANADÁ? Um procurador do MPF escreveu para colegas em uma rede interna da instituição, 10 de janeiro, garantindo ter acabado de cruzar com o mensaleiro Henrique Pizzolato jantando em Montreal. O alerta fez com que procuradores trocassem dezenas de mensagens de WhatsApp, e o órgão chegou a avisar a Interpol sobre o possível novo paradeiro do mensaleiro. Oficialmente, a Procuradoria-Geral da República trata o assunto como boato e garante que Pizzolato continua na Itália. • FUTEBOL PODER TOTAL Aparentemente, José Maria Marin desfez os laços que o uniam a Ricardo Teixeira, padrinho na articulação que o levou à presidência da CBF: acaba de demitir Guilherme Teixeira, irmão de Ricardo, há mais de duas décadas diretor da CBF. 2#7 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “Quanto mais títulos eu ganho, mais bonito eu fico para as meninas.” - GABRIEL MEDINA, campeão mundial de surfe, brincando com sua notoriedade, durante o lançamento dos Jogos Cariocas de Verão. “Se você me levasse de volta a 1995, quando o doping era completamente disseminado, eu provavelmente faria tudo de novo.” - LANCE ARMSTRONG, ciclista americano, considerado o maior de todos os tempos, mas banido do esporte em 2012 por uso de substâncias proibidas, em entrevista à BBC. “No ano passado estive no Brasil durante a Copa e vi a reação de todos os torcedores diante da imagem da Fifa. Acho que algo precisa ser mudado.” - LUÍS FIGO, ex-craque da seleção portuguesa, ao anunciar a decisão de se candidatar à sucessão de Joseph Blatter na presidência do órgão máximo do futebol. A eleição ocorrerá em maio. “Por incrível que pareça, nunca joguei futebol com meu pai." - RONALD LIMA, filho de Ronaldo Fenômeno e Milene Domingues, também ex-jogadora, em reportagem da CAPRICHO de fevereiro. “Sem energia, não haverá o que racionar.” - CLÁUDIO SALES, presidente do Instituto Acende Brasil, que estuda o sistema elétrico do país, na Folha de S.Paulo. “Esse é um cenário em que é melhor prevenir do que remediar. Sessenta centímetros de neve teriam paralisado a cidade.” - BILL DE BLASIO, prefeito de Nova York, justificando a mobilização da metrópole para aquela que poderia ter sido a maior nevasca da história, porém ficou abaixo do esperado. “É bom que existam princesas (do pop). Isso significa que há muitos vestidos bonitos por aí para ser usados. Eu gosto da Taylor Swift. Ela escreve canções que grudam. Eu não consigo tirá-las da cabeça. - MADONNA, cantora e compositora americana, no programa australiano Today (Channel Nine). “Obrigada, agora estou morta. Como eu devo lidar com isso?” - TAYLOR SWIFT, cantora e compositora americana, respondendo à "rainha do pop", no Tumblr. “Hoje em dia é muito mais difícil fazer discos, porque não há mais mercado para eles (...). Mas eu ainda amo fazê-los.” - RINGO STARR. ex-beatle, que lançará em março seu décimo oitavo álbum-solo, em O Estado de S. Paulo. “A ideia de que você é o centro de sua própria narrativa e pode controlar sua vida é muito boa. Acredito nisso totalmente.” - JULIANNE MOORE, atriz americana, na revista Hollywood Repórter. “Na crise da gripe A, nós nos demos conta de que o mundo não estava preparado. Agora o ebola confirmou isso." - MARGARET CHAN, diretora-geral da OMS, ao admitir em reunião da entidade, em Genebra, a falha na identificação da epidemia e propor a elaboração de um novo sistema contra doenças. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto da vitória do partido Syriza, de extrema esquerda, nas eleições gregas e de suas consequências para a Europa e o resto do mundo “Os fatos pertencem todos apenas ao problema, não à sua solução.” - LUDWIG WITTGENSTEIN filósofo austríaco (1889-1951). ____________________________________ 3# BRASIL 4.2.15 3#1 TODOS CONTRA TODOS 3#2 ATÉ AGORA, ELE GANHOU QUASE TUDO 3#3 O ESTRAGO TAMBÉM É NOSSO 3#4 MUITO REAL POR NADA 3#5 O NAUFRÁGIO DE UM SONHO 3#1 TODOS CONTRA TODOS Com os processos da Operação Lava-Jato a caminho das sentenças, as empreiteiras querem Lula e Dilma junto com elas na roda da Justiça RODRIGO RANGEL, ROBSON BONIN E BELA MEGALE Há quinze dias, os quatro executivos da construtora OAS, presos durante a Operação Lava-Jato, tiveram uma conversa capital na carceragem da polícia em Curitiba. Sentados frente a frente, numa sala destinada a reuniões reservadas com advogados, o presidente da OAS, Léo Pinheiro, e os executivos Mateus Coutinho, Agenor Medeiros e José Ricardo Breghirolli discutiam o futuro com raro desapego. Os pedidos de liberdade rejeitados pela Justiça, as fracassadas tentativas de desqualificar as investigações, o Natal, o réveillon e a perspectiva real de passar o resto da vida no cárcere levaram-nos a um diagnóstico fatalista. Réus por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa, era chegada a hora de jogar a última cartada, e, segundo eles, isso significa trazer para a cena do crime, com nomes e sobrenomes, o topo da cadeia de comando do petrolão. Com 66 anos de idade, Agenor Medeiros, diretor internacional da empresa, era o mais exaltado: "Se tiver de morrer aqui dentro, não morro sozinho". A estratégia dos executivos da OAS, discutida também pelas demais empresas envolvidas no escândalo da Petrobras, é considerada a última tentativa de salvação. E por uma razão elementar: as empreiteiras podem identificar e apresentar provas contra os verdadeiros comandantes do esquema, os grandes beneficiados, os mentores da engrenagem que funcionava com o objetivo de desviar dinheiro da Petrobras para os bolsos de políticos aliados do governo e campanhas eleitorais dos candidatos ligados ao governo. É um poderoso trunfo que, em um eventual acordo de delação com a Justiça, pode poupar muitos anos de cadeia aos envolvidos. "Vocês acham que eu ia atrás desses caras (os políticos) para oferecer grana a eles?", disparou, ressentido, o presidente da OAS, Léo Pinheiro. Amigo pessoal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos tempos de bonança, ele descobriu na cadeia que as amizades nascidas do poder valem pouco atrás das grades. Na conversa com os colegas presos e os advogados da empreiteira, ele reclamou, em particular, da indiferença de Lula, de quem esperava um esforço maior para neutralizar os riscos da condenação e salvar os contratos de sua empresa. Léo Pinheiro reclama que Lula lhe virou as costas. E foi dessa mágoa que surgiu a primeira decisão concreta do grupo: se houver acordo com a Justiça, o delator será Ricardo Breghirolli, encarregado de fazer os pagamentos de propina a partidos e políticos corruptos. As empreiteiras sabem que novas delações só serão admitidas se revelarem fatos novos ou o envolvimento de personagens importantes que ainda se mantêm longe das investigações. Por isso, o alvo é o topo da cadeia de comando, em que, segundo afirmam reservadamente e insinuam abertamente, se encontram o ex-presidente Lula e Dilma Rousseff. Nas peças de defesa apresentadas à Justiça, os advogados afirmam que o esquema bilionário de corrupção era eminentemente político, tal e qual o mensalão. Ricardo Pessoa, dono da UTC e indicado como o chefe do clube montado pelas empreiteiras na Petrobras, já ensaiou apontar para a presidente Dilma, cuja campanha recebeu doações de várias das empreiteiras sob investigação. Num manuscrito revelado por VEJA há três semanas, ele se queixava do abandono, assim como os executivos da OAS, e, em tom de ameaça, dizia que o tesoureiro da campanha de Dilma, o petista Edinho Silva, "está preocupadíssimo" com os rumos da investigação. O empreiteiro dono da UTC contou a amigos o que exatamente estaria deixando Edinho Silva "preocupadíssimo". De acordo com Pessoa, a oito dias do segundo turno da eleição presidencial, ele teve uma reunião, em São Paulo, com Luciano Coutinho, presidente do BNDES. Pessoa tentava viabilizar um financiamento adicional do banco estatal para o consórcio que administra o Aeroporto de Viracopos, do qual a UTC faz parte. Teria se passado nessa reunião, segundo o relato de Pessoa, um fato que, se comprovado, seria o único deslize conhecido de Luciano Coutinho em oito anos à frente do BNDES. O empreiteiro conta que Coutinho disse que ele seria procurado por Edinho Silva, tesoureiro da campanha de Dilma. Pouco tempo depois, o tesoureiro fez contato. Ele estava em busca das últimas doações para saldar os gastos do comitê de campanha da presidente. A VEJA, Luciano Coutinho confirmou a reunião com o dono da UTC, mas negou que tenha feito a recomendação. Depois da visita de Edinho, efetivamente, a UTC doou mais 3,5 milhões de reais ao comitê de Dilma e ao diretório do PT — que se somaram aos 14,5 milhões de reais dados no primeiro turno, conforme acerto com João Vaccari Neto, tesoureiro do PT. Para os procuradores que trabalham na Lava-Jato, os relatos de Pessoa podem ser valiosos porque ajudam a demonstrar que, na verdade, o esquema na Petrobras era o braço de uma ampla estrutura de arrecadação que se espraiava por outras áreas do governo petista. Fica cada dia mais evidente que mesmo as doações legais eram feitas com dinheiro obtido dos cofres públicos, seja por apadrinhamento por parte de instituições financiadoras, seja por corrupção pura e simples. "Era uma coisa só, o que demonstra que os pagamentos na Petrobras não se davam por exigência de funcionários corruptos e chantagistas, como o governo quer fazer crer. Era algo mais complexo, institucionalizado", diz um dos investigadores que atuam no caso. O jogo de ameaças tem deixado as empreiteiras numa guerra de nervos. Elas travam entre si uma insólita gincana: se alguma fechar primeiro o acordo de delação, as outras ficarão prejudicadas porque talvez não tenham muito mais o que revelar. A Camargo Corrêa negocia desde o fim do ano passado, mas até agora não chegou a um consenso com o Ministério Público. Além da confissão da devolução dos recursos e do pagamento de pesada multa, uma das condições estabelecidas pelos procuradores é que a empresa revele contratos fraudados em outras áreas do governo, como o setor elétrico. A tensão envolve também a Odebrecht. A empreiteira não teve representantes presos, mas isso não significa que ela esteja imune. Investiga-se o que seria um esquema de pagamento de propina no exterior. O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa contou ter recebido 23 milhões de dólares da Odebrecht numa conta aberta na Suíça. A polícia suspeita que Alexandrino Alencar, um dos diretores da empreiteira, foi o responsável pelo pagamento. Entre 2008 e 2012, Alexandrino encontrou-se diversas vezes com Rafael Ângulo Lopez, envolvido no escândalo. Lopez contou aos investigadores que indicava contas no exterior e o diretor fazia depósitos. A Odebrecht nega que seu diretor atuasse em questões financeiras. Alexandrino era o responsável pelas relações institucionais da empresa. Em 2011, o ex-presidente Lula viajou para a Guiné Equatorial em missão oficial, representando a presidente Dilma. A convite de Lula, Alexandrino estava na comitiva. Após deixar o Planalto, o ex-presidente foi contratado pela Odebrecht como palestrante. Hoje, a empreiteira é investigada por irregularidades no Brasil, nos Estados Unidos, no Panamá e em Portugal. Uma das construtoras envolvidas na Lava-Jato tomou uma iniciativa que dá a medida do grau de desespero das empreiteiras: encomendou e cuidou de divulgar um parecer jurídico que, assinado pelo advogado Ives Gandra Martins, defende o impeachment da presidente Dilma Rousseff. No documento — de 64 páginas e datado de 23 de janeiro —, o jurista afirma que "o assalto aos recursos da Petrobras, perpetrado durante oito anos, de bilhões de reais, sem que a Presidente do Conselho (Dilma presidiu o conselho de administração da Petrobras) e depois Presidente da República o detectasse, constitui omissão, negligência e imperícia, conformando a figura da improbidade administrativa, e enseja a abertura de um processo de impeachment". A VEJA, Gandra Martins negou que tenha produzido o parecer por encomenda de empreiteiras e afirmou ter elaborado o documento a pedido de um "amigo particular", advogado. Autor do livro O Impeachment na Constituição de 1988 e de pareceres sobre o impeachment de Fernando Collor, o jurista disse ainda que a análise da viabilidade do processo contra Dilma "é estritamente jurídica, sem conotação política". O ambiente conflagrado tem aprofundado as diferenças entre a presidente Dilma e seu antecessor. Acostumado a medir as palavras ao criticar a presidente, Lula tem sido mais incisivo nas queixas. O motivo é a estratégia da presidente de debitar na conta do governo anterior, o de seu mentor, os prejuízos bilionários provocados pelo esquema de corrupção. Para Lula, a atitude de Dilma, além de denotar deslealdade, representa um grave perigo ao projeto de poder do partido. Seria, portanto, ingenuidade. "A Dilma está deixando as coisas correrem. Isso é um grande erro. Se nada for feito, o problema chegará a ela, porque ela era a presidente do Conselho de Administração da Petrobras", disse Lula numa conversa recente. Parceiros de longa data, empresários e governistas devem marchar juntos, segundo o ex-presidente. NA CONTA DE LULA Os principais envolvidos no caso do petrolão têm em comum a ligação estreita com o ex-presidente. Alberto Youssef - O doleiro disse que Lula e Dilma sabiam da existência do esquema de corrupção montado na Petrobras. Antonio Palocci - Foi ministro de Lula e indicado por ele para chefiar a Casa Civil no primeiro mandato de Dilma Rousseff, de quem também foi coordenador da campanha em 2010. UTC - O dono da empresa, apontado como o chefe do clube das empreiteiras, é amigo de Lula, com quem costumava conversar regularmente, mesmo após sua saída do Planalto. Odebrecht - Apôs deixar o Planalto, Lula virou "consultor" da companhia e, a bordo de seus jatos, passou a percorrer vários países em busca de contratos. OAS - O presidente da companhia, Léo Pinheiro, hoje preso, reunia-se frequentemente com o ex-presidente. José Sergio Gabrielli - Petista e amigo de Lula, comandou a Petrobras de 2005 a 2012, quando foi demitido por Dilma Rousseff. Paulo Roberto Costa - Confessou sua participação no esquema. O ex-presidente costumava chamá-lo carinhosamente de Paulinho. Nestor Cerveró - Foi nomeado para o cargo com o apoio de José Carlos Bumlai. É o principal responsável por ilegalidades na compra da Refinaria de Pasadena. João Vaccari - Operador do PT no petrolão, o sindicalista é homem de confiança do partido e pertence à mesma corrente política do ex-presidente. José Carlos Bumlai - Amigo íntimo de Lula, a ponto de ajudar o governo em missões oficiais e ser escolhido como uma espécie de tutor dos negócios privados dos filhos ex-presidente. José Dirceu - O chefe do mensalão era o homem forte do primeiro governo Lula. Atuava como "consultor" das empresas ligadas ao petróleo. COM REPORTAGEM DE DANIEL PEREIRA E HUGO MARQUES 100 MILHÕES DE CORTESIA COM CHAPÉU ALHEIO Como sub do sub do sub no organograma do petrolão, o ex-gerente executivo da Petrobras Pedro Barusco causou espanto quando, pego na Operação Lava-Jato, admitiu ter quase 100 milhões de dólares numa única conta na Suíça. Causou igual surpresa a presteza com que ele se dispôs a devolver a bolada, como parte do acordo de delação premiada que fechou com o Ministério Público. A explicação para tamanho desprendimento é simples: os 97 milhões de dólares depositados no banco suíço não eram de Barusco. A conta, disse o ex-gerente aos investigadores da Lava-Jato, funcionava como uma "central de distribuição" no exterior das propinas arrecadadas no Brasil, sendo integrantes da cúpula da Petrobras seus beneficiários diretos. Os procuradores aguardam para breve a chegada dos extratos da movimentação dessas contas. Na Petrobras, Barusco era o braço-direito do ex-diretor de Serviços Renato Duque, indicado ao cargo pelo ex-ministro José Dirceu. Duque, apontado como o operador do PT dentro da estatal, é o único dos funcionários da Petrobras que conseguiu livrar-se da cadeia beneficiado por um habeas corpus concedido pelo ministro do STF Teori Zavascki. ALEXANDRE HISAYASU O AMIGO DO AMIGO DO AMIGÃO Em depoimento à Polícia Federal, o ex-diretor Paulo Roberto Costa afirmou que o escritório da Estre servia como base operacional do lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano. Preso e apontado pela polícia como um dos operadores do esquema de corrupção na estatal, ele usava uma sala na sede da empresa. Em uma reportagem publicada em sua última edição, VEJA mostrou que Fernando Baiano conquistou a confiança de corruptos e corruptores graças aos laços fraternais com o empresário José Carlos Bumlai, amigo íntimo do ex-presidente Lula. Paulo Roberto Costa, divulgou-se na semana passada, afirmou ter recebido até 2,5 milhões de dólares da construtora Andrade Gutierrez e 1,4 milhão de reais da Estre Ambiental, especializada em coleta e tratamento de lixo. O dinheiro, segundo o delator, foi distribuído a políticos da base aliada do governo do PT. Até janeiro de 2012, a Estre tinha como diretor de gestão o economista Juscelino Dourado. Ele chegou à empresa por intermédio de Antonio Palocci, que comandou o Ministério da Fazenda no governo Lula e a Casa Civil no primeiro mandato de Dilma. Amigo de Palocci, Dourado foi seu chefe de gabinete no Ministério da Fazenda até 2005, quando ambos foram tragados por um escândalo que envolvia parcerias suspeitas em negócios no governo. A ligação entre o ex-ministro e Juscelino Dourado é ainda mais antiga. Quando Palocci se elegeu prefeito de Ribeirão Preto, em 1992, Dourado foi escolhido para comandar a Secretaria de Governo do petista. Em 1998, após Palocci ser eleito deputado federal o economista mudou-se para Brasília para assessorá-lo. Dois anos depois, quando Palocci ganhou mais uma vez a eleição em Ribeirão Preto. Nessa segunda gestão, Dourado foi alçado a chefe da Casa Civil da prefeitura - e, junto com Palocci, acusado de participar de um esquema de corrupção envolvendo a empresa de coleta de lixo Leão Ambiental. Uma das suspeitas do Ministério Público, nunca comprovadas, porém, é que ela pertencia ao PT. Depois que a Estre comprou a Leão Ambiental, Juscelino Dourado foi nomeado diretor executivo da empresa e os negócios deslancharam - tendo a Petrobras como a principal parceira. Em outubro passado, VEJA revelou que Antonio Palocci foi citado no depoimento de Paulo Roberto Costa. Ele teria procurado o ex-diretor, em 2010, em busca de dinheiro para a campanha presidencial de Dilma Rousseff. Naquela ocasião, Palocci negou qualquer contato com o diretor da Petrobras preso. Wilson Quintella Filho, sócio majoritário da Estre Ambiental, disse a VEJA que Juscelino Dourado exerceu na empresa "função meramente de gestão e nunca se envolveu em negócios da empresa". Quintella Filho confirmou que cedeu temporariamente uma sala de sua empresa ao lobista Fernando Baiano, mas o fez sem que isso implicasse maiores contatos entre os dois. Quintella Filho negou que a Estre Ambiental tenha dado qualquer quantia em dinheiro a Paulo Roberto Costa e disse que encomendou a seus advogados a abertura de processos por difamação contra o ex-diretor da Petrobras. ADRIANO CEOLIN 3#2 ATÉ AGORA, ELE GANHOU QUASE TUDO Condutor da Lava-Jato, o juiz Sérgio Moro, mesmo pressionado por todos os lados, não teve praticamente nenhuma decisão derrubada nos tribunais superiores. ALEXANDRE HISAYASU E PIETER ZALIS Se a roda da Justiça vem girando sem engasgos desde o início da Operação Lava-Jato, há quase um ano, isso se deve em grande parte aos movimentos cuidadosos do juiz federal Sérgio Moro, o responsável pela condução da manivela no processo que investiga o megaesquema de corrupção na Petrobras. Desde março do ano passado, ele autorizou 161 mandados de busca e apreensão, decretou a prisão de sessenta pessoas e determinou o bloqueio de 200 milhões de reais em contas bancárias de suspeitos — incluindo altos funcionários da estatal e empresários poderosos. Defendidos pelos maiores advogados criminalistas do país, os acusados reagiram de imediato. Só de pedidos de habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, foram pelo menos 37 — apenas um vingou até agora: o que permitiu a libertação do ex-diretor da Petrobras Renato Duque e que foi concedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki. As tentativas de tirar o processo das mãos de Moro resultaram em igual fracasso. Os interessados em afastá-lo do caso percorreram todas as instâncias do Judiciário alegando que ele não tinha competência legal para conduzir o processo, dado o envolvimento de políticos no escândalo, que as prisões dos suspeitos eram abusivas, que o caso deveria ser transferido de Curitiba para o Rio de Janeiro, onde fica a sede da Petrobras. Nenhum desembargador do Tribunal Regional Federal ou ministro do STJ ou do STF acatou as contestações. No braço de ferro com os acusados, Moro não apenas continua invicto. Com passos estudados, vem ganhando terreno e vencendo obstáculos que antes pareciam irremovíveis, como a lentidão da máquina da Justiça. A decisão de "fatiar" a Operação Lava-Jato, por exemplo, é considerada crucial para o sucesso dos trabalhos até agora. Quando percebeu a dimensão do escândalo de que tratava, Moro resolveu dividir o caso em diversas ações penais (são dezoito, até o momento), que passaram a ser conduzidas de forma independente umas das outras. O resultado foi o ganho de celeridade. Se tivesse optado por tratar do caso em um único processo, ele precisaria, por exemplo, ouvir o depoimento de todas as testemunhas de todos os réus para só então dar o próximo passo — que poderia ser a requisição de novas testemunhas. Isso levaria anos. O formato escolhido permitiu ao juiz proferir as primeiras sentenças depois de exíguos sete meses do início da operação. Em outubro, três doleiros foram condenados a penas de quatro a catorze anos de prisão. Desconhecidos, eles pertenciam ao grupo de investigados que deu origem à operação — e também ao seu nome: antes de virar a avalanche que promete engolfar alguns dos nomes mais poderosos da República, a Lava-Jato era uma ação paroquial contra doleiros que costumavam fechar negócios em um posto de gasolina localizado no centro de Curitiba. Moro é considerado por seus pares um dos maiores especialistas do país em lavagem de dinheiro, um tipo de crime em que a regra costuma ser a punição dos operadores e a impunidade dos poderosos que se beneficiam da engrenagem. Foi a ruptura desse modelo que, há mais de uma década, chamou a atenção do juiz para a Operação Mãos Limpas, que desbaratou um esquema de corrupção montado por décadas na Itália e alterou o cenário do poder no país. Em artigo publicado em 2004, Moro usou a operação para defender o uso de duas ferramentas que têm se mostrado decisivas para o sucesso da Lava-Jato: a prisão preventiva dos acusados e os acordos de delação premiada. Ele costuma refutar os que comparam as duas operações, dada a magnitude da primeira, que investigou 6059 pessoas, incluindo 872 empresários e 438 parlamentares, quatro dos quais eram ex-primeiros-ministros. A Mãos Limpas pode ser inimitável na sua dimensão, mas não é nos seus objetivos. E são eles que Moro persegue, com toda a cautela. "A corrupção tende a espalhar-se enquanto não encontrar barreiras eficazes. O político corrupto, por exemplo, tem vantagens competitivas no mercado político em relação ao honesto, por poder contar com recursos que este não tem. Da mesma forma, um ambiente viciado tende a reduzir os custos morais da corrupção, uma vez que o corrupto costuma enxergar o seu comportamento como um padrão, e não a exceção.” SÉRGIO MORO, em artigo sobre a Operação Mãos Limpas 3#3 O ESTRAGO TAMBÉM É NOSSO A Petrobras divulga um balanço parcial e busca uma maneira para calcular os prejuízos causados pela corrupção, enquanto vê a sua situação financeira agravar-se a cada dia. ANA LUIZA DALTRO Depois de dois meses de um constrangedor atraso, a Petrobras havia prometido divulgar, em 27 de janeiro, terça-feira, o seu balanço financeiro do terceiro trimestre do ano passado. Foi apenas na alta madrugada da quarta-feira que os números vieram à luz, ainda sem o aval de auditores independentes. Esperava-se que fossem explicitadas as baixas financeiras decorrentes da corrupção, mas não foi dessa vez. A Petrobras ainda busca uma maneira minimamente precisa e confiável para dimensionar o estrago a que foi submetida pela gangue do petrolão. Na apresentação dos resultados, uma carta assinada pela presidente Graça Foster relata as tentativas feitas para auditar o prejuízo. Foram duas as fórmulas usadas. Uma delas simplesmente apurou o dano financeiro descontando-se de todas as obras e instalações citadas ao longo das investigações a já célebre porcentagem de 3%, a qual seria o "pedágio" cobrado pelos diretores e funcionários corruptos. Assim, chegou-se a uma estimativa de 4 bilhões de reais de perda direta, dinheiro que saiu do caixa e foi usado para lubrificar as engrenagens do petrolão. A outra consistiu em analisar quanto os ativos da empresa estão sobrevalorizados em relação aos preços de mercado que seriam esperados em condições normais de compra e venda. Por ela, calcula-se quanto cada refinaria, plataforma ou usina gerará em fluxo de caixa. Com esse método, chegou-se à conclusão de que os ativos avaliados estavam superestimados em 88,6 bilhões de reais. A diferença diz respeito não apenas às propinas, mas também a mudanças de parâmetros como o preço do petróleo, o custo de insumos e a variação cambial. Outros bens, em contrapartida, estariam subavaliados em 27,2 bilhões de reais. No final, Graça Foster disse que não foi possível determinar se tais cálculos seriam precisos e o conselho administrativo, depois de uma longa reunião, optou por não inclui-los no balanço. Havia o temor, entre os conselheiros, de que pudessem ser abertas brechas para contestações futuras. A Petrobras ainda precisa, portanto, encontrar uma maneira de auditar as suas contas de maneira a conseguir o aval de um auditor independente, sem o qual poderá ficar sujeita a pagar um preço elevado na forma de processos e cobrança antecipada de dívidas. Esse prejuízo cedo ou tarde terá de ser incorporado ao balanço financeiro da empresa. Evidente, porém, é que ela já perdeu, desde 2011, 60 bilhões de reais com a venda subsidiada de combustíveis. A soma da corrupção, da incompetência e da ingerência está fragilizando o potencial da Petrobras, como mostram os números divulgados na semana passada. As ações da companhia sangraram ainda mais. Os lucros diminuíram, e o endividamento em relação ao seu fluxo de caixa piorou. A Petrobras foi novamente rebaixada pela agência Moody's de avaliação de risco. Segundo Graça Foster, o cálculo definitivo do prejuízo e a versão auditada dos balanços serão divulgados assim que possível. Mas não há nenhuma previsão de quando isso vai ocorrer. Graça anunciou também que haverá redução nos investimentos e desaceleração no ritmo de projetos por causa não só das perdas com a corrupção, mas pela própria situação financeira da companhia. UMA DIFERENÇA DE 88,6 BILHÕES DE REAIS A Petrobras reavaliou 52 ativos, entre instalações como refinarias, usinas e plataformas citadas no esquema do petróleo. Conclusão: 31 ativos valem menos do que constava no balanço Valor da diferença: 88,6 bilhões de reais Razão: além das perdas com as propinas e com os cartéis, foram revistos parâmetros como custo do capital, câmbio, preço de insumos e do petróleo, falha em planejamento e valor dos salários. MAIORES BAIXAS Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) – 35 bilhões (de 35 bilhões para ZERO) Refinaria Abreu e Lima – 30 bilhões (de 48 bilhões para 18 bilhões) O QUE EQUIVALE A 88,6 BILHÕES DE REAIS • 11% de todos os ativos da Petrobras • Duas vezes o montante gasto com a construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, a obra mais cara do Brasil • Apenas três empresas (*excluindo bancos) brasileiras possuem ativos totais acima desse valor: Vale, Oi e Eletrobras • 40 vezes o prejuízo que a empresa teve com a compra da refinaria americana de Pasadena. Fontes: mercdo e Petrobras. 3#4 MUITO REAL POR NADA A Petrobras anuncia a suspensão de duas refinarias no Nordeste, projetos grandiosos da era lulista que sorveram quase 3 bilhões de reais sem sair do papel. MALU GASPAR E KALLEO COURA Em 2008, com grande estardalhaço, os estados do Ceará e do Maranhão foram presenteados com uma refinaria de petróleo cada um — dois projetos monumentais, vedetes das obras do PAC, que, juntos, processariam até 900.000 barris de petróleo por dia. Precisar, sabe-se agora, não precisava: lá perto, em Pernambuco, outra refinaria, a Abreu e Lima, já estava em construção, e ela seria suficiente para atender à atual demanda. Mas os presentes eram uma determinação do então presidente Lula, e a justificativa da exportação até que fazia sentido na época. A produção da Premium I e da Premium II, nomes dados aos projetos, seria vitaminada com o óleo do pré-sal e vendida no mercado externo. Passados oito anos, com terrenos vazios, umas poucas máquinas deteriorando-se e 2,7 bilhões de reais jogados fora, a Petrobras anunciou o que já era mais do que esperado: decidiu cancelar as obras. As duas refinarias foram concebidas como resgate de pactos eleitorais feitos com os aliados Ciro Gomes, ex-governador do Ceará, e a maranhense Roseana Sarney. Seriam uma espécie de compensação por seus estados terem sido preteridos em favor de Pernambuco na primeira peneira regional da Petrobras (um estudo de 2005 da estatal, obtido por VEJA, mostra que, na ocasião, o hoje notório Paulo Roberto Costa criticava a opção de erguer a refinaria no Maranhão alegando "problemas ambientais e de qualidade do solo". O então diretor defendeu que a obra fosse construída em Pernambuco, por motivos que hoje são públicos). Em entrevista no lançamento da pedra fundamental da Premium I, em 2010, Lula gabou-se de sua interferência. "A primeira coisa que vai ter é um polo petroquímico para aquela região. Esse é o papel do governo", disse. Faltou combinar com os compradores. A partir de 2007, o excesso de oferta de combustível nos países desenvolvidos se acentuou. As margens de lucro do refino, antes atraentes, começaram a cair. Vender nesses mercados só se fosse a preços baixíssimos, que não cobriam o custo. Em 2012, ao assumir a presidência da estatal, Graça Foster antecipou que as Premium seriam reavaliadas. No Maranhão, isso não bastou para impedir que máquinas fossem compradas, a terraplanagem fosse concluída, as plantas de engenharia fossem revisadas nos Estas dos Unidos — enfim, que se desse um jeito de gastar quase 2,1 bilhões de reais em obras fadadas ao fracasso. Na semana passada, no terreno de 20 quilômetros quadrados reservado para a Premium I em Bacabeira, a 60 quilômetros de São Luís, via-se na entrada uma placa enferrujada com a informação de que ali não acontecia um acidente de trabalho havia 822 dias. Pudera: não há ninguém no local além de alguns vigilantes, um funcionário varrendo a poeira e outro aparando a grama. Através da cerca, é possível ver um punhado de galpões, pedaços de tubulação e o descampado cuja terraplenagem custou 583 milhões de reais e que não será usado para nada. Apesar do absurdo de manter por tanto tempo os dois projetos, ao menos neste caso a Petrobras fechou a torneira dos gastos — que, se permanecesse aberta, mandaria pelo ralo 30 bilhões de dólares, custo estimado das refinarias. Certo seria usar a mesma determinação para conferir transparência e racionalidade à gestão de outros sorvedouros de recursos, como a própria Abreu e Lima e o Comperj, o complexo petroquímico no Rio. No curto prazo, porém, isso pioraria a já muito enlameada imagem da estatal — um problema para o qual não se vê solução à vista. PIETER ZALIS 3#5 O NAUFRÁGIO DE UM SONHO Fruto do ideário petista de usar o pré-sal para refundar a indústria naval brasileira, a Sete Brasil agora luta para sobreviver e não ser arrastada para o lamaçal do petróleo. MALU GASPAR Reside em um edifício comercial de janelas espelhadas com vista para o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, um dos mais vistosos símbolos do delírio petrolífero petista. É ali que funciona a Sete Brasil, empresa formada por bancos privados, por fundos de pensão e pela própria Petrobras para administrar as sondas de exploração do pré-sal. No passado não muito distante, a nova fronteira exploratória era considerada tão promissora que os dirigentes dá estatal só a chamavam de "bilhete premiado". Os ventos pareciam tão favoráveis que a Petrobras fez uma encomenda recorde à Sete — eram 28 sondas por 89 bilhões de dólares — com a exigência de que fossem construídos no Brasil pelo menos 55% de cada uma delas. Essa imposição enquadrava-se na política do conteúdo nacional, fincada na ideia de que valia a pena pagar mais caro pelos equipamentos e dar contratos a estaleiros que ainda nem existiam para fazer a indústria nacional deslanchar. Tudo isso foi dimensionado na era pré-petrolão, quando o dinheiro afluía aos bilhões para o projeto petista. Só que o curso da história mudou, e a Sete agora está à míngua, com risco até de quebrar. Os recursos secaram e ninguém mais quer emprestar dinheiro a uma empresa no radar dos escândalos. As empreiteiras donas dos estaleiros estão no epicentro da Operação Lava-Jato. Seu interlocutor na Sete era ninguém menos do que Pedro Barusco, homem-chave no propinoduto. Nos bastidores, os acionistas privados da Sete, entre eles os bancos BTG, Bradesco e Santander, travam uma guerra com a Petrobras, que até a semana passada resistia a assinar um documento que pode dar sobrevida à empresa. Trata-se de uma ratificação das condições do acordo firmado entre a estatal e a Sete Brasil em sua origem, no fim de 2011. Esse aceno é pré-requisito para que se destrave no BNDES um empréstimo de 8 bilhões de reais que fará a Sete respirar. Só que a Petrobras, mergulhada na pior crise de sua história, teme dar andamento a um negócio de custos elevados, tocado por empreiteiras para lá de submersas na lama da corrupção. Nas últimas semanas, os sócios da Sete bateram à porta do governo federal fazendo pressão para que a assinatura saísse. Os ânimos haviam se amainado na sexta-feira, após se saber que a presidente Dilma Rousseff dera ordens para que a estatal atendesse ao apelo dos acionistas. Mas há ainda outro obstáculo. O BNDES só irrigará o caixa da Sete depois que os executivos de todos os estaleiros fizerem uma declaração formal de que nunca tiveram conhecimento de nenhum desvio de recursos. Caso o imbróglio se estenda até o fim de fevereiro, a Sete terá de fechar as portas. Criada para captar dinheiro, intermediar a contratação dos estaleiros e gerenciar o aluguel das sondas, a empresa nasceu com investimento de 8 bilhões de dólares de bancos, fundos privados e de pensão atraídos por uma promessa como poucas vezes se viu no setor de petróleo: um retorno garantido de 13% sobre o capital. O risco era ter de depender de um único cliente — a Petrobras —, mas isso soou palatável à época, já que recursos afluiriam dos bancos estatais e o mercado internacional ia de vento em popa. O generoso contrato tinha o claro propósito de fomentar a criação de uma indústria local. Era o preço da política do conteúdo nacional. A dura realidade, no entanto, vem enterrando o sonho petista. Com o preço do petróleo em queda e a crise deflagrada na estatal, não há mais como sustentar as cifras de antes. Desde novembro, a Sete parou de pagar os estaleiros, e a produção de dezessete das 28 sondas entrou em compasso de espera. "Esse modelo era claramente insustentável. O fracasso estava em seu DNA", diz o economista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura. A Sete foi concebida, em primeiro lugar, com o propósito de aliviar as finanças da Petrobras, atraindo investidores privados para realizar uma das etapas mais caras da cadeia do petróleo: a produção de sondas. Mas outro motivo inconfessável também deu um empurrãozinho à nova empresa. Em 2010, antes da existência da Sete, foi a própria Petrobras que se encarregou da primeira licitação de sondas — eram 21. Segundo relataram a VEJA executivos que acompanharam de perto o processo, instaurou-se uma crise quando vieram à luz os vencedores. O consórcio da construtora Odebrecht, dono da proposta mais cara, ficara de fora, e o governo da Bahia, onde ficaria o estaleiro, não parava de pressionar a estatal. A criação da Sete trouxe a saída. A Petrobras ficou apenas com um lote de sete sondas e a nova empresa refez a licitação das outras. Ninguém se surpreendeu quando a Odebrecht foi escolhida. O então presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, indicou à presidência da Sete João Carlos Ferraz, da área financeira da estatal, e pôs abaixo dele Pedro Barusco, ex-braço-direito do diretor de Serviços Renato Duque. Ferraz logo estabeleceu linha direta com o ex-presidente Lula, que lhe telefonava com frequência e o recebeu mais de uma vez em seu instituto, em São Paulo. Já o agora deputado federal cassado André Vargas (ex-PT-PR) preferia visitar a Sete pessoalmente. Tais encontros passaram despercebidos aos acionistas, mas, com o tempo, ficou claro que Barusco mantinha relação próxima demais com o ex-ministro José Dirceu. Incomodados, os sócios pressionaram Ferraz, que, ainda em 2012, acabou afastando Barusco com uma licença médica. Em julho de 2013, bem antes de delatar o petrolão, ele foi finalmente demitido, mas sua sombra continua a pairar sobre a Sete Brasil. ______________________________________ 4# INTERNACIONAL 4.2.15 4#1 O NARCOCHAVISMO 4#2 JÁ NÃO DEU CERTO COMO PRESIDENTE... 4#3 A RECEITA DO RETROCESSO 4#1 O NARCOCHAVISMO O ex-segurança de Chavez e do principal deputado da Venezuela acusa o filho do primeiro de ser um traficante internacional e o segundo de chefiar o cartel que distribui a cocaína colombiana. LEONARDO COUTINHO A corrosão do governo venezuelano parece não ter fim. Abalada por uma crise de desabastecimento, insolvente em decorrência do desmanche da indústria petroleira e cobrada internacionalmente por causa das violações dos direitos humanos e da perseguição policiaL aos críticos do regime, a Venezuela enfrenta agora a revelação de que a cúpula do chavismo, o movimento político que governa o país desde 1999, chefia uma organização criminosa que praticamente monopoliza a distribuição da cocaína colombiana para fora da América do Sul. Em janeiro, Leamsy Salazar, um capitão de corveta da Marinha venezuelana, exilou-se nos Estados Unidos e revelou às autoridades americanas que o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Diosdado Cabello, comanda um cartel formado por militares e políticos chavistas, responsável pelo escoamento de cerca de 90% da droga produzida na Colômbia. Salazar não é um militar qualquer. Ele foi chefe da segurança de Hugo Chávez durante quase dez anos até a morte do presidente, em março de 2013, quando foi requisitado por Cabello para exercer a mesma função. Salazar está sob proteção da Drug Enforcement Administration (DEA), o órgão americano de combate ao narcotráfico, e colabora com uma investigação a cargo da Procuradoria Federal em Nova York sobre o Cartel dos Sóis, em referência às insígnias que os oficiais de alta patente da Venezuela trazem sobre os ombros. Estima-se que o cartel exporte 5 toneladas de cocaína por semana, em média. Os detalhes do depoimento de Salazar à DEA foram revelados na semana passada pelo jornal espanhol ABC e confirmados, de maneira independente, por VEJA. Salazar contou ter presenciado Cabello ordenando o envio de embarcações abarrotadas de cocaína para outros países e indicou os locais, na Venezuela, onde o cartel armazena montanhas de dólares. O ex-guarda-costas afirmou também que os aviões da PDVSA, a estatal venezuelana de petróleo, são usados para transportar cocaína para Cuba, onde as autoridades locais atuam em parceria com os venezuelanos para estocar e traficar a droga para os Estados Unidos. A operação cubana, segundo Salazar, é coordenada por Hugo Rafael Chávez Colmenares — ninguém menos que um dos filhos de Chávez. Nicolás Maduro, pupilo e sucessor de Chávez na Presidência, defendeu Cabello das acusações. Este, por sua vez, insinuou que o ex-guarda-costas, que acompanhou Chávez durante suas internações para tratar de um câncer em Cuba, em 2012, era um agente dos Estados Unidos infiltrado para matar o líder chavista. Cabello se valeu de estratégia diversionista semelhante quando, em dezembro passado, por alguma falha na cadeia de comando chavista, a polícia venezuelana apreendeu um caminhão com 10 milhões de dólares em espécie. Tratava-se de pagamento para o tráfico, mas Cabello foi à televisão para dizer que o dinheiro sujo se destinava a financiar a oposição. Nos últimos dois anos, doze chavistas, em sua maioria militares, desembarcaram nos Estados Unidos, e estão sob proteção das autoridades americanas. Um dos primeiros a fugir da Venezuela foi o ex-presidente da área penal da corte suprema da Venezuela, Eladio Aponte, em abril de 2012. Foi ele quem revelou a existência do Cartel dos Sóis. Aponte entregou aos agentes americanos provas documentais sobre a atuação dos militares de seu país na rede de logística e distribuição da cocaína produzida pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Em 2005, por exemplo, um caminhão do Exército foi apreendido no interior da Venezuela transportando 2,2 toneladas de cocaína. O processo foi parar na mesa de Aponte, que afirmou ter recebido "recomendações" do Ministério da Defesa e da Presidência para mandar soltar os militares presos em flagrante. Depois disso, o magistrado foi orientado a engavetar a ação. Uma das pessoas que mais pressionaram Aponte foi o general Henry de Jesus Rangel Silva, então chefe da Inteligência venezuelana. Segundo Aponte, Rangel é o braço-direito de Cabello no Cartel dos Sóis. Um dos documentos entregues pelo juiz aos investigadores americanos (veja a reprodução abaixo) comprova que Chávez foi informado sobre o envolvimento de militares de alta patente com o tráfico de drogas. No ofício com data de 10 de janeiro de 2007, o então ministro da Defesa, general Raul Isaias Baduel, avisa o presidente de que "existem elementos suficientes" para vincular Rangel ao episódio do caminhão do Exército com cocaína. No mesmo despacho, Baduel recomendou a realização de "uma profunda investigação e auditoria dos bens" de Rangel e o seu afastamento. Baduel não foi ignorado, como acabou demitido e enviado para a reserva seis meses depois. Pessoas próximas ao militar dizem que ele foi punido por atuar contra os interesses do Cartel dos Sóis. Em 2008, o governo americano incluiu o general Rangel na lista de alvos de sanções do Tesouro, por causa dos seus vínculos com as Farc. Nem assim Chávez mostrou interesse em reconsiderar o alerta dado pelo ex-ministro. Em 2012, ele promoveu Rangel a ministro da Defesa. Baduel, por sua vez, foi condenado a oito anos de prisão por envolvimento em um caso de corrupção tirado da cartola por promotores chavistas. Ele cumpre pena em um presídio militar de Caracas. "Há muito tempo se sabe que a Venezuela dá suporte às ações criminosas das Farc, mas as recentes revelações feitas por ex-chavistas confirmam que o regime converteu o país em um narcoestado", diz Guillermo Cochez, ex-embaixador do Panamá na Organização dos Estados Americanos (OEA). A associação das Farc com os militares venezuelanos praticamente neutralizou a rota brasileira de escoamento da droga colombiana. Segundo um delegado da Polícia Federal encarregado do combate ao tráfico na fronteira, o volume de drogas vindo da Colômbia tornou-se irrelevante. Em compensação, no fim do ano passado, a PF, em parceria com a DEA, desmontou no Brasil uma quadrilha que prestava serviço ao Cartel dos Sóis. Os criminosos roubavam ou compravam no Brasil pequenos aviões, que, depois de adaptados para o transporte de cargas e de ter o prefixo alterado, eram levados para a Venezuela. Lá, eram carregados com pacotes de cocaína. O destino imediato da droga era Honduras, de onde seria traficada por terra até os Estados Unidos, passando pelo México. A operação se tornara tão rentável que os aviões eram simplesmente abandonados na América Central e os pilotos brasileiros retornavam ao Brasil em voos comerciais. A PF calcula que por meio desse esquema o Cartel dos Sóis conseguia traficar 1 tonelada de cocaína por semana. Nicolás Maduro ainda não apareceu nas denúncias feitas pelos desertores chavistas. Mas não resta dúvida de que seu governo está tomado por narcotraficantes. A ROTA BOLIVARIANA DA COCAÍNA Estima-se que 90% da droga produzida na Colômbia passe pela Venezuela. A sociedade com militares e políticos chavistas fez com que os colombianos abandonassem o tráfico via Brasil. A MÁQUINA DE GERAR POBREZA Manda a tradição caudilhista que um governo deve dar muitos presentes e subsídios para reduzir a pobreza. Desde os dois primeiros mandatos de Juan Domingo Perón na Argentina, entre 1946 e 1955, não se via na América Latina uma máquina estatal tão poderosa para distribuir frango, geladeiras e farinha como a Venezuela bolivariana, favorecida pelos petrodólares. O resultado dessa política, porém, é quase sempre o oposto do que se pretende. Um governo que gasta demais e sem controle acaba produzindo a inflação - o meio mais eficiente para multiplicar os miseráveis. Segundo estudo divulgado na semana passada pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), da ONU, a Venezuela é o único país da região em que o índice de pobreza (que impossibilita um padrão de vida digno) e o de miséria (quando não se tem dinheiro sequer para comer) aumentaram. O primeiro subiu de 25%, em 2012, para 32%, em 2013. O de miséria foi de 7,1% para 9,8% nesse intervalo. A inflação da cesto básica no ano passado foi de 93%. Isso significa que, em doze meses, o preço das mercadorias quase dobrou. Os salários, por sua vez, não aumentaram na mesma proporção. Entre dezembro de 2013 e dezembro de 2014, a diferença no valor da cesta básica foi de três salários mínimos. Atualmente, são necessários 6,2 salários para comprá-la. Os bons empregos sumiram. O setor produtivo foi destruído desde que Hugo Chávez assumiu o poder, em 1999, com estatizações, expropriações e leis contra a iniciativa privada. As únicas vagas foram criadas pelas estatais, que turbinaram ainda mais os gastos públicos. Os 30 milhões de habitantes do país hoje dependem de alimentos importados, comprados com os dólares obtidos com a exportação de petróleo. Com a produção e o valor do barril em queda, há desabastecimento, inflação e mais pobreza. "De que adianta ganhar uma casa se não há dinheiro para pôr comida dentro dela?", diz o economista venezuelano Oscar Meza, diretor do Centro de Documentação e Análise Social (Cendas), em Caracas. "A realidade é ainda pior do que mostram os dados, porque a Cepal trabalha com as cifras oficiais, as mesmas que o governo tenta esconder. Uma estimativa real de pobreza certamente estaria em torno de 40%", afirma Meza. Prevendo novos protestos contra a inflação, o governo aprovou uma lei que autoriza as forças de segurança a matar os manifestantes. NATHALIA WATKINS 4#2 JÁ NÃO DEU CERTO COMO PRESIDENTE... ...e não será como detetive chinfrim que a argentina Cristina Kirchner vai refazer sua carreira quando o mandato terminar. Na semana passada, ela lançou suspeitas contraditórias no caso da morte de Alberto Nisman. NATHALIA WATKINS A estratégia foi muito usada pelo venezuelano Hugo Chávez e é imitada por outros governantes da linha bolivariana, como a presidente argentina Cristina Kirchner. Quando confrontados com fatos comprometedores, eles desmerecem seus críticos com acusações pessoais, perseguem os veículos de comunicação, atacam a Justiça e ainda apontam para algum país estrangeiro para servir de culpado. Cristina fez quase tudo isso nos últimos dias (só faltou nomear um bode expiatório no exterior). Há duas semanas, após denunciá-la por encobrir a participação de iranianos e do grupo terrorista Hezbollah no atentado que matou 85 argentinos em uma instituição judaica, a Amia, em 1994, o responsável pela investigação, o procurador Alberto Nisman, apareceu morto em seu apartamento com um tiro na cabeça. Em cadeias de televisão e textos no Facebook, Cristina atacou a oposição, os jornais e formulou teorias contraditórias para explicar o ocorrido. Não funcionou. Foi desmentida dia após dia, à medida que a investigação sobre a morte do procurador prosseguia com análises de fatos e depoimentos. Depois da morte de Nisman, Cristina insinuou que ele havia antecipado a volta de sua viagem pela Europa, onde estava de férias com uma filha, por algum motivo misterioso. Ele até teria deixado a menina sozinha no Aeroporto de Barajas, em Madri, o que seria uma prova de que o procurador estaria sendo pressionado por alguém. Na semana passada, a investigadora Viviana Fein desmentiu a presidente e revelou que Nisman comprara a passagem de volta antes de partir para a Europa. Cristina também levantou suspeitas sobre Diego Lagomarsino, um técnico em informática que trabalhava para Nisman. Ele era o dono da pistola calibre 22 que apareceu ao lado do corpo do procurador. Nisman tinha duas armas em seu nome e não haveria motivo para tentar suicídio com uma terceira. Segundo a presidente, Lagomarsino também solicitou passaporte em 14 de janeiro, mesmo dia em que Nisman apresentou sua denúncia. Seria um indício de que havia planejado fugir do país. Tudo isso foi desmontado pelos fatos. O técnico em informática não é considerado suspeito de assassinato. Ele emprestou a arma por insistência do ex-chefe. Nisman disse a ele que não confiava em seus guarda-costas. Quanto às duas armas registradas em nome do procurador, ele nunca as usou e nem sequer tinha porte. Cristina insinuou ainda que Nisman e Lagomarsino mantinham uma "relação íntima". Não bastasse tudo isso, o governo argentino lançou suspeitas sobre o jornalista que divulgou em primeira mão a morte de Nisman. Com medo, o profissional acabou fugindo para Israel. No final, as "provas" expostas pela presidente não se encaixaram nas narrativas que ela redigiu. O advogado de Lagomarsino sugeriu convocar Cristina e seu secretário para depor: "Se têm tanta informação, que se apresentem como testemunhas". Não é das atribuições de um presidente procurar provas ou formular hipóteses para um assassinato, passando por cima das instituições policiais e judiciárias. Muito menos imaginar relações íntimas entre pessoas. Surpreende ainda que Cristina tenha angariado tanta informação sobre seus desafetos. A resposta está na Secretaria de Inteligência (SI), a agência de espionagem que responde diretamente ao Poder Executivo. Nos últimos dez anos, após a chegada de Néstor Kirchner ao poder, o órgão ficou mais atuante. Cristina herdou o aparato do marido e o usou para grampear opositores. Não era por capricho que o cardeal Jorge Bergoglio, hoje papa Francisco, aumentava o volume do rádio para não ser ouvido em suas conversas particulares. "Agora já começaram a perseguir os que assumiram o caso, a gravar ligações e fazer campanhas de difamação", diz o juiz Ricardo Recondo, presidente da Associação dos Magistrados. Cristina, porém, não tem o controle absoluto da SI. Na investigação do atentado à Amia, Nisman contou com a ajuda de membros da SI. Por isso, na semana passada, a presidente disse que fará uma reforma na agência. Funcionários que trabalhavam na área de terrorismo ou eram próximos a Nisman foram demitidos. "Ao demitir bons profissionais, Cristina sepulta a causa da Amia, favorece o Irã e deixa o país à mercê de ameaças terroristas", disse a VEJA o ex-chefe da SI Miguel Ángel Toma, que deixou o cargo em 2003. Sem um nome forte para apontar como sucessor, Cristina pode cair em desgraça e sofrer um processo criminal quando deixar a Casa Rosada, em dezembro. Agir como uma detetive de quinta categoria não vai melhorar sua vida. 4#3 A RECEITA DO RETROCESSO A presidente do Chile, Michelle Bachelet, aprova uma reforma que nivela os alunos por baixo e vai sepultar o sistema educacional mais bem-sucedido da região. NATHALIA WATKINS Poucas vezes uma metáfora foi tão esclarecedora quanto a usada pelo ministro da Educação do Chile, Nicolás Eyzaguirre, em uma das tentativas de explicar a necessidade de mudar o exitoso sistema de educação do país, que tem a melhor universidade da América Latina, a PUC. "O que temos atualmente é um campo onde um competidor corre com patins de alta velocidade e o outro vai descalço. O descalço é a educação pública. Então me perguntam por que não dar mais comida ao que vai descalço e treiná-lo mais. Primeiro tenho de tirar os patins do outro", disse Eyzaguirre. Na semana passada, a coalizão liderada pela presidente Michelle Bachelet aprovou o projeto que vai tirar os patins dos estudantes chilenos. A partir de março de 2016, as escolas que receberem alguma subvenção do governo serão proibidas de ter lucro. A ajuda estatal acontecia quando o governo arcava com parte ou a totalidade da mensalidade de estudantes pobres, o chamado sistema de "coparticipação", que serviu de inspiração ao programa brasileiro Prouni. No Chile, esse modelo vai desaparecer. Os pais também não poderão mais escolher as melhores instituições para os filhos. Eles terão de fazer inscrição em várias escolas, e as vagas serão distribuídas por sorteio. Os colégios não poderão privilegiar os candidatos com as melhores notas. A meritocracia será proibida. As razões que movem Bachelet são ideológicas. Apesar de ter sido eleita com o voto de apenas um em quatro chilenos, a presidente tem se sentido plenamente desimpedida para empurrar suas políticas socialistas a todos. Sob o ideal de defesa da igualdade de oportunidades — ou do roubo dos patins —, Bachelet atacou o lucro nas escolas e pôs contra a parede aquelas que se beneficiavam da contribuição do governo. "O lucro foi demonizado como se fosse ilegítimo e abusivo, e não como algo que ajudasse a classe média a dar uma educação melhor aos filhos", diz o cientista político Jorge Jaraquemada, diretor da Fundação Jaime Guzmán. Explica-se. Em toda a América Latina, ao contrário do que acontece na Escandinávia, as escolas públicas são sinônimo de educação de baixa qualidade. No Chile também é assim. A solução dada nos anos 1990 foi permitir que os alunos mais pobres e os de classe média pudessem estudar nas instituições particulares, mais bem avaliadas. Para isso, o Estado começaria a pagar uma parte da mensalidade. Os pais então contribuiriam com um valor de até 140 dólares para a escola. Foi por esse sistema ser atraente, e não por ser ruim, que 54% dos alunos se agarraram à oportunidade. O sucesso foi medido pelas boas notas dos chilenos no exame Pisa. Eles estão sete posições acima dos brasileiros e oito à frente dos argentinos. Até 2017, porém, não deverá sobrar resquício desse modelo. Aos chilenos restarão apenas duas opções: as escolas totalmente públicas ou as totalmente privadas, que hoje atendem 8% dos alunos. Para os pais que têm filhos estudando em boas escolas e pagam uma parte do custo, a reforma educacional será uma tragédia. Sem recursos para bancar uma mensalidade integral, eles serão obrigados a migrar a contragosto para as públicas. As matrículas serão feitas de maneira aleatória, salvo poucas exceções. Se o filho é inteligente ou estudioso, de nada vai adiantar. Projetos que primem por um currículo diferenciado, que privilegiem artes, esportes ou que reúnam alunos de uma mesma religião não poderão reservar vagas. As concorridas escolas de excelência, mesmo sendo públicas, tampouco poderão aplicar provas para selecionar os alunos com melhores notas. "A fórmula do sucesso no passado foi permitir a diversidade nos projetos educativos, o mérito e a participação dos pais. Tudo isso vai acabar", diz Rosanna Costa, economista e subdiretora do centro de pesquisas Liberdade e Desenvolvimento, em Santiago. Em síntese, o projeto de Bachelet tira totalmente a responsabilidade dos pais. Para os socialistas, não há ninguém mais indicado para dizer o que é melhor para os filhos dos outros que o Estado, um ente com dinheiro de sobra e princípios éticos incontestáveis. Os chilenos resistem a essa ideia. Durante os oito meses nos quais a reforma tramitou no Congresso, a popularidade de Bachelet despencou e mais da metade da população passou a desaprovar o seu governo. Bachelet está convicta de estar fazendo a coisa certa e acredita que a população se dará conta disso no futuro. "O governo foi arrogante e seguiu com seus planos, apesar de ter tirado nossa liberdade de escolher onde nossos filhos vão estudar. Isso, sim, eu considero uma discriminação", diz a dona de casa Érika Muñoz, presidente da Confederação de Pais e Tutores de Colégios Particulares Subvencionados (Confepa, na sigla em espanhol), que já organiza protestos para a volta às aulas, em março. Infelizmente, a investida ideológica não se limita à educação. Em menos de um ano no poder, Bachelet concluiu três das quatro principais reformas que prometeu em campanha. A tributária deve elevar impostos para empresas e, assim, espantar investidores. A eleitoral incluiu malandragens típicas do chavismo, como dar a distritos com o mesmo total de habitantes um número de representantes diferente, dependendo da sua inclinação ideológica histórica. A reforma trabalhista, cuja aprovação é esperada para setembro, prevê fortalecer os sindicatos e endurecer as regras trabalhistas. "Nós estamos indo na contramão dos Estados Unidos e da Europa, que estão flexibilizando o mercado de trabalho e dando liberdade aos cidadãos", diz o cientista político chileno Jorge Ramírez. ______________________________________ 5# ECONOMIA 4.2.15 O GREGO E O EURO A Europa decidirá se cede à pressão da Grécia pelo alívio financeiro ou se deixa o país abandonar a moeda única. Nenhum povo sofreu como o grego na crise financeira internacional. Desde 2008, o padrão de consumo das famílias caiu 40%. Mais de 500.000 pessoas ficaram sem trabalho, e a taxa de desemprego subiu de 7% para 25%. Entre os mais jovens, o índice supera 50%. Milhares e milhares de empresas foram à falência. Profissionais mais capacitados, sem futuro em seu país, acabaram emigrando. Em Atenas, a capital, mesmo no bairro turístico de Plaka, nas imediações de onde, na antiguidade, ficavam a Ágora e a Acrópole, dezenas de lojas estão com as portas fechadas. Os cinco anos de recessão contínua fizeram a economia encolher 25%. Benefícios assistenciais foram cortados, deixando os mais pobres sem acesso a tratamento médico. A depressão econômica e social foi o preço elevado pago pelos anos seguidos vivendo acima de suas possibilidades, tanto o governo como as pessoas, e acumulando dividas à larga depois de o país ter sido admitido como membro da zona do euro, em 2001. Para receber empréstimos emergenciais da Europa e do Fundo Monetário Internacional (FMI), a Grécia entrou em doloroso ajuste financeiro. Os anos de austeridade extrema exauriram a paciência dos eleitores. Na eleição do último domingo, 25 de janeiro, os gregos votaram em peso no partido oposicionista Syriza, sigla para Coligação da Esquerda Radical. Saiu derrotada a Nova Democracia, partido de centro-direita que vinha executando um plano de reformas sob a supervisão atenta da Alemanha, a guardiã da estabilidade do euro. "Não continuaremos a política da subjugação", afirmou o líder do Syriza, o jovem ex-comunista Alexis Tsipras, ao ser empossado como o novo primeiro-ministro. Algumas de suas primeiras medidas foram a recontratação de funcionários públicos e a suspensão do programa de privatização. Ele deverá aumentar o salário mínimo e expandir os gastos em assistencialismo. O programa incluiu eletricidade gratuita e subsídios alimentares para os mais pobres. Ao todo, Tsipras planeja gastar 12 bilhões de euros ao ano com tais iniciativas, dinheiro que deverá ser remanejado de outras despesas. A parte mais difícil será convencer a Alemanha e os demais países da zona do euro a aceitar o seu plano de renegociação da dívida. O novo ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, quer atrelar o pagamento ao crescimento econômico. Para ele, a dívida é insustentável. "Trata-se de uma simulação de afogamento (waterboarding, no original em inglês) fiscal", afirmou, numa referência à técnica de tortura. Varoufakis é um acadêmico de ideias nem sempre convencionais, sem nenhuma experiência na administração pública, assim como o primeiro-ministro Tsipras e a absoluta maioria dos políticos do Syriza, agremiação fundada há dez anos com a reunião de diversas correntes de esquerda. A dúvida é se a Grécia permanecerá no euro, e qual o impacto de sua eventual saída do bloco econômico. O Syriza, a despeito de toda a sua retórica contrária à austeridade e ao establishment europeu, defende a manutenção da moeda única. É essa a vontade de mais de 70% dos gregos. Para Tsipras, o desafio será encontrar margem de manobra para reduzir a austeridade. Autoridades da zona do euro vêm afirmando que a renegociação da dívida está fora de questão. Seria abrir brechas para novos acordos em outros países que passaram por dificuldades. Ceder poderia dar força a partidos radicais como o esquerdista Podemos, na Espanha, que vem crescendo nas pesquisas e poderá ter uma votação expressiva nas eleições deste ano. Sacrificar a Grécia e fazer com que deixe a zona do euro seria um preço a ser pago para conter a popularidade dos extremistas. Entretanto, a saída da Grécia talvez enfraquecesse o euro, ao lançar dúvidas sobre a coesão do bloco. Existe ainda a questão geopolítica. Os líderes do Syriza mantêm boas relações com autoridades da Rússia, e uma Grécia fora da zona de influência da Europa Ocidental estreitaria laços com Vladimir Putin. __________________________________ 6# GERAL 4.2.15 6#1 SOCIEDADE – JE SUIS LGBT (E O QUE MAIS VIER) 6#2 GENTE 6#3 TECNOLOGIA – UM SUSTO NO QUINTAL DA CASA BRANCA 6#4 SAÚDE – O CÂNCER NA MIRA 6#5 HISTÓRIA – FOI PIOR DO QUE SE PENSAVA 6#6 ESPORTE – COMO VIRAR O JOGO PERDENDO DE 7 A 1 6#1 SOCIEDADE – JE SUIS LGBT (E O QUE MAIS VIER) Na busca pelo eleitorado de sua provável rival em 2016, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, cria o bolsa-travesti, mais uma falsa solução para um problema real. MARIANA BARROS A partir desta segunda-feira, gays, travestis e transexuais que vivem nas ruas de São Paulo terão direito a uma bolsa de 840 reais por mês para frequentar a escola. O autor da ideia é o prefeito Fernando Haddad (PT), para quem o projeto, batizado de Transcidadania, vai "pôr São Paulo na vanguarda e colocar essas pessoas no caminho, dando respeito, educação e trabalho". Os 100 inscritos até agora no programa, que custará 2 milhões de reais aos cofres da prefeitura, são, em sua maioria, semialfabetizados, moram na rua e não têm emprego fixo. O objetivo da prefeitura paulistana é que, com mais escolaridade, eles consigam encontrar uma colocação e melhorar de vida. Trata-se de mais uma falsa solução de Primeiro Mundo para um problema real do Brasil. Os empecilhos para que essas pessoas obtenham um trabalho fixo não são os que o prefeito imagina. No mundo real, o principal deles é a pouca disposição — em geral, fruto de preconceito — de empregadores para aceitar travestis e transexuais no quadro de funcionários. E isso é algo que pouco mudará se um candidato tiver alguns anos a mais de estudo. Outro empecilho é uma imposição do mercado: o salário oferecido a quem tem até o ensino médio — o máximo que o programa oferece nos primeiros dois anos — dificilmente superará os ganhos obtidos na prostituição, atividade exercida por 80% dos travestis de São Paulo, segundo estimativas da prefeitura. Esses equívocos não são os únicos fatores a prenunciar a má sorte do novo projeto da prefeitura de São Paulo. O Transcidadania já nasceu sob a inspiração de uma ideia fracassada, o programa De Braços Abertos. Criado em janeiro do ano passado, ele tem como público-alvo os viciados em crack que vivem na região central paulistana conhecida como Cracolândia. Os beneficiários do bolsa-crack recebem 450 reais por mês, moradia gratuita em hotéis do centro da cidade e três refeições ao dia. A busca por tratamento não é obrigatória. A contrapartida para os viciados receberem o dinheiro é trabalhar na varrição de ruas durante quatro horas por dia. Hoje são 453 os participantes (40% dos inscritos na primeira fase abandonaram o programa depois de dois meses, 21 saíram depois de um ano para trabalhar com carteira assinada). No ano passado, somente com o treinamento da equipe que atua no programa, a prefeitura gastou 15 milhões de reais. Até agora, no entanto, o resultado mais gritante do De Braços Abertos foi o aumento do preço do crack, que em dias de pagamento da bolsa dobra de valor: a pedra sobe de 10 para 20 reais. Agora, os traficantes sabem que os usuários contam com uma fonte de renda garantida. Antes, o dinheiro para sustentar o vício vinha de esmolas ou furtos ocasionais — estes, sim, beneficamente afetados pelo programa. Segundo a prefeitura, os pequenos furtos diminuíram 33% na região, e os roubos de veículo, 80%. As cenas que se repetem diariamente no centro de São Paulo, porém, permanecem tão desalentadoras como antes do início do projeto: hordas de viciados comprando e consumindo a droga ininterruptamente e à luz do dia, com a diferença de que agora, para driblar as câmeras de vigilância, o tráfico se dá sob lonas que conferem às ruas um aspecto de favela. A prefeitura alega que a diminuição do "fluxo", como é chamada a concentração de viciados hoje encontrada em diversas regiões da cidade, depende da ampliação do programa, que, por sua vez, está limitada pela pequena oferta de hotéis dispostos a receber os viciados. Eram oito no início do projeto — não houve novas adesões e um desistiu de participar. As iniciativas de Haddad, como o bolsa-crack e, agora, o bolsa-travesti, têm o objetivo de cativar um eleitorado identificado com bandeiras ditas progressistas e favorável a incentivos governamentais a setores marginalizados. Em outubro, a população LGBT (sigla para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) já tinha ganhado prioridade no programa habitacional Minha Casa Minha Vida do município por decisão do prefeito. No pano de fundo desses projetos, está a sombra da ex-prefeita Marta Suplicy, historicamente ligada ao tema LGBT. Desde o fim do ano, ela bate no PT, dia sim e outro também, com o propósito de buscar espaço para candidatar-se à prefeitura paulistana em 2016. Com o acirramento da disputa entre os dois petistas, é de esperar que muitas novas bolsas virão. As Chanel, evidentemente, não contam. 6#2 GENTE JULIANA LINHARES. Com Danielle De Caprio e Thaís Botelho BRASÍLIA TEM, SIM, SEU LADO BOM Nos últimos anos, PAOLLA OLIVEIRA adicionou o segundo L ao nome (sugestão de um numerólogo para turbinar a carreira), conquistou papéis importantes e sempre de boa moça em novelas, teve um atribulado casamento com o ator Joaquim Lopes, o irascível Enrico de Império, e fez lipoaspiração nas coxas. Mas o que provocou mesmo uma comoção coletiva entre os telespectadores da série Felizes para Sempre? foi outra coisa. "Paolla está mostrando um outro lado. Estou surpreso", diz o autor da trama, Euclydes Marinho. Ele e os brasileiros que fizeram do nome da atriz o termo mais buscado no Google na semana passada. "O país está num relacionamento amoroso com Paolla. E com o bumbum dela", brinca Marinho, referindo-se à cena em que Denise, a prostituta de luxo de Brasília que a atriz interpreta, aparece de calcinha. Mentirosa compulsiva, ela vai estar entre os suspeitos de um crime que definirá a história. Até o episódio final, no dia 6, ela aparecerá com dez perucas diferentes. Todo mundo, claro, estará de olho nas perucas. VOZEIRÃO SOB CONTROLE Ela está loira (contrato publicitário com marca de tintura), mais magra (Carnaval à vista) e virou apresentadora de TV. Em março, IVETE SANGALO assume o Superbonita, do canal GNT, no lugar de Grazi Massafera. "Várias entrevistadas são amigas dela, o que facilitou a adaptação de Ivete. A primeira será a Xuxa", diz o maquiador Fernando Torquatto. Como colocar o tsunami Ivete no ambiente controlado de um programa do gênero? Sem saias curtas e com treinamento para modular o vozeirão. "Voz rouca e grave remete a imponência ou sensualidade. Para o programa, que é de beleza, treinamos o lado sexy", explica a fonoaudióloga Janaína de Oliveira. OUTRO JOE NA VIDA DELA A cidade colombiana de Barranquilla deve ter algo muito bom na água. Vêm de lá a cantora Shakira, Paulina Vega, coroada miss Universo no último dia 25, e também a atriz SOFÍA VERGARA, 42. Foi em Barranquilla, quando tinha 18 anos, que Sofia se casou com JOE GONZALEZ, de vestido bufante escondendo os atributos que fizeram sua fama nos Estados Unidos e perfil de Grace Kelly. O casamento, que durou apenas dois anos, parecia ter fadado a atriz a relacionamentos inconclusivos, mas agora Sofia encontrou um homem à altura: o espetacularmente musculoso JOE MANGANIELLO, o lobisomem bonitão da série True Blood. Até o fim do ano, ela deve se vestir de noiva outra vez, acompanhada do filho de 22 anos e do segundo marido Joe. MAMÃEZINHAS MAIS OU MENOS QUERIDAS Imperfeitas ou dedicadas, quando não completamente malucas, mães famosas apareceram na semana passada com suas filhas — e, no caso da veteraníssima Debbie Reynolds, também com a neta — para lembrar como a vida de mãe pode ser complicada. COURTNEY LOVE, 50, e FRANCÊS BEAN COBAIN, 22 Índice maternal: quase zero Motivo: drogada, perdeu a guarda da filha muitas vezes depois do suicídio do pai, Kurt Cobain. Admitiu que usou heroína durante a gravidez. Hoje, relacionam-se razoavelmente. GOLDIE HAWN, 69, e KATE HUDSON, 35 Índice maternal: quase 10 Motivo: cuidou sozinha da filha quando o marido sumiu. Kate diz que a mãe é a pessoa que mais respeita, deu seu sobrenome a um filho e desfilou a genética num vestido de Donatella Versace. CARRIE FISHER, 58, DEBBIE REYNOLDS, 82, e BILLIE LOURD, 22 Índice maternal: por volta de 5 Motivo: a estrela de Cantando na Chuva foi retratada como autocentrada em livro escrito por Carrie, que caiu na droga. Estão reconciliadas. Billie repetirá o papel-chave da mãe, a princesa Leia de Guerra nas Estrelas. 6#3 TECNOLOGIA – UM SUSTO NO QUINTAL DA CASA BRANCA O drone recreativo que caiu no jardim dos Obama em Washington e foi inicialmente tratado como terrorismo vai acelerar a regularização da brincadeira de adulto. FILIPE VILICIC Um clima de tensão tomou conta da equipe de segurança da Casa Branca na segunda-feira passada, dia 26. Às 3 da manhã, um agente do serviço secreto americano avistou um objeto caindo no South Lawn, jardim a menos de 300 metros de distância da residência presidencial. Em teoria, a área é superprotegida. Não só pela icônica cerca que impede o acesso, ou pelos guarda-costas da família Obama, mas por radares capazes de detectar mísseis e aviões. Nada, porém, identificou a entrada de um drone recreativo, do tamanho de uma caixa de pizza, e que pode ser comprado por menos de 500 dólares no site da Amazon. Não até ele cair no gramado após seu sistema de navegação perder contato com o piloto, que o guiava de um apartamento a poucos quarteirões de distância. Cogitou-se, como de costume, que poderia se tratar de uma tentativa de ataque terrorista. Mas logo se descobriu que não passava do ato de um funcionário de uma agência de espionagem que, em sua folga, e bêbado, resolveu brincar com um drone. Além de levantar óbvias questões de segurança, o pitoresco caso mostrou a necessidade urgente de regularizar o uso de drones. Vendidos na internet (há versões de 50 dólares) e usados em diversas indústrias, bem como na agricultura, esses gadgets são proibidos de voar ao ar livre no meio da maioria das cidades americanas, como a capital, Washington. No Brasil, ainda aguardam legislação adequada. Convém lembrar que, como ocorre com toda nova tecnologia — quantas vezes não tentaram, sem sucesso, impedir o acesso irrestrito a diversos sites da internet, como os de pirataria? —, o simples ato de pô-la na ilegalidade é inútil. Um bom espelho é a própria web, à qual se aplicou uma orientação sensata: deve-se promover o livre acesso, sem esquecer de criar algum tipo de controle para combater o mau uso em atividades criminosas. Países como Canadá e Austrália têm feito a coisa certa com drones, ao estabelecer limites de utilização, sem diminuir a liberdade de quem muitas vezes quer apenas brincar. Nas palavras do presidente Barack Obama, em entrevista depois do risível incidente: "Drones podem ter funções como ajudar fazendeiros a administrar plantações ou conservacionistas a gerenciar a vida selvagem. Mas é preciso assegurar que essas coisas não são perigosas". Sim, podem ser muito perigosas quando grandes. Esses aparelhos surgiram em centros de pesquisa militar e são utilizados regularmente em missões bélicas. Há modelos, de 20 metros, que custam dezenas de milhões de dólares, capazes de carregar mísseis e identificar automaticamente alvos perigosos (veja abaixo). A popularização de versões comerciais levantou outra preocupação. Em uma conferência do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos no mês passado, demonstrou-se que mesmo um drone como o que entrou na Casa Branca pode carregar 1,5 quilo de explosivos. Por ser leve e pequeno, é confundido com um pássaro por radares, e já foi até utilizado para o transporte de metanfetamina pela fronteira do México com os Estados Unidos, como se estivesse dentro de um dos episódios de Breaking Bad. O lado mau dos pequenos drones, conclui-se, é fácil de identificar, sobretudo depois do incidente em Washington. Mais difícil é enxergar os aspectos positivos, por soarem distantes. Mas muito em breve eles deixarão de ser meras peças lúdicas, como aviõezinhos de aeromodelismo. A Amazon e o Google testam versões capazes de entregar produtos e de funcionar como roteadores de internet em áreas de difícil cobertura. O sucesso desses aparelhinhos é incontornável. Que tal, então, aprender a conviver com eles? A FAA, órgão responsável pela aviação americana, faz uma estimativa: haverá 7500 drones civis no país em três anos, e a saída é regularizá-los de modo que seus donos saibam onde usá-los sem risco. Perigo vindo do ar O drone que caiu no South Lawn, jardim cercado e protegido por agentes federais americanos, não é detectado por radares e poderia transportar uma bomba. A ameaça do tamanho de uma caixa de pizza, o DJI Phantom pode ser confundido com um pássaro por radares. Comprimento 34 centímetros Peso 1 quilo Preço 479 dólares Tempo máximo de voo 25 minutos Consegue carregar 1,5 quilos de explosivos. • O serviço secreto americano estuda como impedir que drones (proibidos em Washington) sobrevoem a Casa Branca. Uma alternativa: instalar sensores que identificam, por GPS, a aproximação do aparelho e enviam comandos para que ele pare de voar. Solução provisória A fabricante chinesa do DJI Phantom anunciou que atualizará o software do produto para que seu sistema de GPS impeça automaticamente o drone de voar a uma distância menor do que 25 quilômetros de Washington. A ÉTICA DOS ALGORITMOS Como é usual no desenvolvimento de novas tecnologias, os drones também brotaram de centros militares. Mas no Exército eles têm outro nome: veículos aéreos não tripulados (os vants). São aeronaves autóônomas, guiadas a distância por pilotos ou que navegam sozinhas, e que podem medir de poucos centímetros a dezenas de metros de comprimento. No começo dos anos 2000, passaram a ser utilizadas regularmente em missões do governo americano, e gradualmente substituem pilotos no campo de batalha. Se em 2009 3% da tropa da Força Aérea dos Estados Unidos guiava os vants, agora a parcela é de ao menos 10%, e há queixas de que não é o suficiente. E se no início eles substituíam soldados em tarefas arriscadas, como rastrear o bunker paquistanês no qual Osama bin Laden se escondia antes de ser morto, em 2011, agora solucionam até dilemas morais típicos de situações de guerra, e que antes só humanos conseguiam resolver. Às máquinas foram atribuídas decisões deontológicas. Quando foram concebidos, os vants eram totalmente guiados por um controle remoto. Tudo que a máquina fazia era responder aos comandos de um humano. Mas cada vez mais o homem se mostra dispensável. Os drones militares da década de 2010 contam com softwares dotados de algoritmos capazes de não só guiá-los, mas de identificar alvos e decidir se é preciso abatê-los. Um ex-operador de drones militares dos Estados Unidos revelou recentemente que as aeronaves rastreavam, sozinhas, o celular de um inimigo e indicavam se era necessário executá-lo, mesmo que ele não fosse o dono do aparelho, e com risco real de matar civis ao redor. Israel também divulgou a realização de testes com um programa que fará com que drones solucionem dilemas éticos. Exemplo: se o dano colateral, a morte de civis, for matematicamente mais prejudicial do que a execução de um alvo de menor relevância, a máquina cancela o ataque. Fórmulas matemáticas, em vez de humanos, podem passar a reger o campo de batalha. JENNIFER ANN THOMAS 6#4 SAÚDE – O CÂNCER NA MIRA Novos tratamentos destinados a atacar as células doentes com precisão — e pequenos danos colaterais — já permitem que pacientes graves de câncer vivam mais e melhor. NATALIA CUMINALE Há quinze anos, a paulistana Eny Rodrigues estava amamentando sua segunda filha quando notou uma mancha vermelha no seio esquerdo. Preocupada, procurou um médico. O diagnóstico: câncer de mama. Submetida à mastectomia, Eny passou também por sessões de quimioterapia e radioterapia. Cinco anos depois, em 2006, a alta foi anunciada — e comemorada. Em 2007, porém, Eny começou a sentir fortes dores nos braços, nas pernas e na coluna. Imaginou ser hérnia de disco. Não era. O câncer voltara, com metástases nos ossos e no fígado. A deterioração física foi rápida. No início, ela mancava. Em seguida, já não conseguia mais andar e mal saía da cama. Em seis meses, perdeu 20 quilos. "Sentia dores horríveis", lembra Eny. "Tomava morfina de quatro em quatro horas." O prognóstico era dos piores. Deram-lhe alguns meses de vida. Em razão da gravidade do estado de saúde e do seu tipo de câncer, o agressivo HER-2, foi convidada a participar de uma pesquisa com um medicamento experimental na ocasião, o pertuzumabe. Eny nada tinha a perder e aceitou a oferta. Hoje, aos 57 anos, oito depois, ela está livre das metástases. Recuperou a independência, está animada e forte. A cada 21 dias vai ao hospital receber a medicação endovenosa. Aprovado pelos governos americano e brasileiro em 2012 e 2013, respectivamente, o pertuzumabe reduz em até 32% a taxa de mortalidade entre as pacientes com câncer HER-2 — e 80% apresentam redução no tamanho do tumor. Diz o mastologista Roberto Hegg, chefe da pesquisa com o pertuzumabe realizada no Brasil, no Hospital Pérola Byington, em São Paulo: "São os melhores índices já alcançados no controle de metástases". Eny é personagem de um novo, silencioso e extraordinário progresso na oncologia. Pacientes graves como ela têm à disposição atualmente um arsenal de medicamentos capazes de aumentar sua sobrevida — e, o melhor, sem todo aquele sofrimento que um câncer em estágio avançado pode causar. Pertencentes à categoria das terapias- alvo, os novos remédios funcionam como mísseis teleguiados. Foram desenhados de modo a agir exclusivamente sobre as células doentes (veja o quadro nas págs. 74 e 75). Com isso, além de mais eficazes, oferecem menos reações adversas do que a quimioterapia tradicional. Nos últimos cinco anos, os medicamentos desse grupo conseguiram melhorar a vida de muita gente. Nos casos de câncer de pulmão, por exemplo, houve uma redução na taxa de mortalidade de até 50%. Para alguns tipos de melanoma, a queda chegou a 63% (veja o quadro ao lado). "Há uma mudança na lógica do tratamento", diz Fernando Maluf, chefe da oncologia do Hospital São José, da Beneficência Portuguesa, em São Paulo. "Para alguns tipos de câncer, a cirurgia e a quimioterapia perdem parte de sua relevância, e as novas terapias ganham espaço." Apesar de todas as conquistas, essa nova linha de tratamento está longe de representar a bala de prata contra o câncer, tampouco a sua cura, ou mesmo a sonhada "cronificação" da doença. O ganho de sobrevida conquistado pelos novos remédios em comparação aos métodos tradicionais, em geral, é contado em meses — em raríssimos casos, como o de Eny, em mais de dois anos. Na frieza das estatísticas médicas, para os pacientes graves de câncer de pulmão, o aumento foi de três a oito meses. Entre as portadoras de tumores mamários, o pertuzumabe oferece, em média, dezesseis meses a mais de sobrevivência. "Quando confrontadas com uma doença grave, as pessoas não querem viver mais para comprar um carro, casar e ter filhos ou descobrir sua vocação", diz a médica Ana Claudia Arantes, especialista em cuidados paliativos do Hospital das Clínicas. "Querem viver, em uma semana, um mês, um ano, tudo aquilo que adiaram a vida inteira. Querem apenas expressar e receber amor, perdoar e pedir perdão, agradecer e se sentir importantes." O desenvolvimento de medicamentos ancorados nas terapias-alvo, associado às recentes descobertas de uma frente promissora do combate ao câncer, a imunoterapia, promete novidades na luta contra a doença. As principais linhas de pesquisa da imunoterapia visam a duas proteínas: PD1 e PD-L1 (PD é a sigla em inglês para "morte programada"). Em uma pessoa saudável, essas substâncias contribuem para a regulação do sistema imunológico, determinando quando ele deve ser ou não ativado. Geralmente, as células tumorais não são reconhecidas como "inimigas" porque são produzidas pelo próprio organismo. Ou seja, na presença de um tumor, a PD1 e a PD-L1 podem acabar se transformando em "guardiãs" da doença. "O objetivo da imunoterapia é desabilitar essas proteínas de modo a fazer com que as células de defesa reconheçam o câncer e passem a atacá-lo", diz Paulo Hoff, chefe da oncologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Há dois medicamentos dessa família aprovados nos EUA, o pembrolizumabe e o nivolumabe, para melanoma. Mas a expectativa é que eles possam ser usados no tratamento do linfoma e de tumores de rim, bexiga, pulmão e estômago. Ressalve-se que as pequenas grandes vitórias no freio ao câncer metastático, fruto da associação de remédios milimetricamente precisos à imunologia, decorrem a rigor das notáveis conquistas no diagnóstico dos tumores em fase inicial. Nos últimos trinta anos, quando detectado precocemente, o câncer vem perdendo a invencibilidade. Hoje, depois de cinco anos, 75% dos pacientes estão vivos. Na década de 70, eram 55%. Em alguns casos, as taxas de sobrevida são maiores. A chance de cura de um tumor de próstata, identificado no início, é de 98%. Um dos motivos: a atual acuidade dos aparelhos de radioterapia, com os quais é possível controlar com exatidão as doses de radiação. Entre as mulheres, a modernização dos mamógrafos permitiu a detecção de tumores mamários de apenas 0,5 centímetro de diâmetro. Some-se a popularização das mamografias e a probabilidade de cura atinge 99%. COMO MÍSSEIS TELEGUIADOS Os novos medicamentos contra o câncer são terapia-alvo - ou seja, foram desenvolvidos de modo a atacar apenas as células cancerosas. Graças a tal característica, eles são mais eficazes e causam menos efeitos colaterais do que a quimioterapia tradicional. CÂNCER: MAMA (tipo HER2+) MEDICAMENTO (princípio ativo): Pertuzumabe COMO FUNCIONA: Bloqueia a ação da proteína HER2, combustível para o crescimento dos tumores de mama. Com isso, as células doentes são destruídas EFEITOS COLATERAIS: Diarreia, cansaço e pele avermelhada EFICÁCIA (porcentagem de pacientes que apresentaram redução do tumor): 80% EFICÁCIA DOS TRATAMENTOS ANTERIORES: 69% CÂNCER: MAMA (tipo (HER2+) MEDICAMENTO (princípio ativo): T-DM1 COMO FUNCIONA: Ao se ligar ao tumor, facilita a entrada de um quimioterápico potentíssimo, a entansina, levando as células doentes à morte EFEITOS COLATERAIS: Cansaço, náusea, dor de cabeça e sangramento EFICÁCIA (porcentagem de pacientes que apresentaram redução do tumor): 44% EFICÁCIA DOS TRATAMENTOS ANTERIORES: 30% CÂNCER: MELANOMA MEDICAMENTO (princípio ativo): Ipilimumabe COMO FUNCIONA: Ao bloquear a ação do antígeno CTLA-4, um inibidor do sistema imunológico, facilita o ataque das células de defesa ao câncer EFEITOS COLATERAIS: Diarreia, inchaço e erupção cutânea EFICÁCIA (porcentagem de pacientes que apresentaram redução do tumor): 42% EFICÁCIA DOS TRATAMENTOS ANTERIORES: 10% CÂNCER: MELANOMA (com mutação BRAF V600E/K) MEDICAMENTO (princípio ativo): Vemurafenibe COMO FUNCIONA: Desativa a mutação na proteína BRAF, um estimulante da proliferação tumoral. Metade dos doentes apresenta essa alteração genética EFEITOS COLATERAIS: Dor nas articulações e sensibilidade cutânea EFICÁCIA (porcentagem de pacientes que apresentaram redução do tumor): 48% EFICÁCIA DOS TRATAMENTOS ANTERIORES: 5% CÂNCER: PULMÃO (com mutação no gene ALK) MEDICAMENTO (princípio ativo): Crizotinibe (ainda não aprovados pela Anvisa) COMO FUNCIONA: Interrompe o funcionamento de anomalia no gene ALK. Essa mutação estimula a síntese da proteína quinase, relacionada à proliferação das células cancerosas EFEITOS COLATERAIS: Problemas de visão, náusea e constipação EFICÁCIA (porcentagem de pacientes que apresentaram redução do tumor): 65% EFICÁCIA DOS TRATAMENTOS ANTERIORES: 20% CÂNCER: PULMÃO (com mutação no gene EGFR) MEDICAMENTO (princípio ativo): Afatinibe (ainda não aprovados pela Anvisa) COMO FUNCIONA: Tem como alvo a proteína EGFR (sigla para receptor do fator de crescimento epidérmico). Entre os doentes, tal substância apresenta-se aumentada EFEITOS COLATERAIS: Pele seca, feridas na boca, diarreia e perda de apetite EFICÁCIA (porcentagem de pacientes que apresentaram redução do tumor): 58% EFICÁCIA DOS TRATAMENTOS ANTERIORES: 19% CÂNCER: PRÓSTATA MEDICAMENTO (princípio ativo): Enzalutamida COMO FUNCIONA: Blinda a ação da testosterona no tumor. Com isso, o hormônio deixa de estimular a multiplicação das células cancerosas EFEITOS COLATERAIS: Fadiga EFICÁCIA (porcentagem de pacientes que apresentaram redução do tumor): 64% EFICÁCIA DOS TRATAMENTOS ANTERIORES: 14% CÂNCER: ESTÔMAGO MEDICAMENTO (princípio ativo): Ramucirumabe (ainda não aprovados pela Anvisa) COMO FUNCIONA: Ao atuar sobre as proteínas VEGF, inibe a angiogênese, a formação de uma rede de vasos sanguíneos para o aporte de oxigênio e nutrientes ao tumor EFEITOS COLATERAIS: Dor nas costas, visão turva e coceira EFICÁCIA (porcentagem de pacientes que apresentaram redução do tumor): 28% EFICÁCIA DOS TRATAMENTOS ANTERIORES: 16% VIDA MAIS LONGA Com os novos tratamentos, os doentes vítimas de câncer em estágio avançadíssimo passaram não só a viver mais como a levar uma vida razoavelmente normal (em percentual de redução na taxa de mortalidade) Pulmão: de 41% a a 50% Mama: 32%, em média Estômago: 28%, em média Melanoma: de 46% a 63% Próstata: 29%, em média 6#5 HISTÓRIA – FOI PIOR DO QUE SE PENSAVA O maior banco de dados sobre o tráfico negreiro no mundo mostra que a escravidão no Brasil era ainda mais intensa e disseminada do que se aprende na escola. CECÍLIA RITTO “Era um sonho dantesco... o tombadilho / Que das luzernas avermelha o brilho / Em sangue a se banhar / Tinir de ferros... estalar de açoite / Legiões de homens negros como a noite / Horrendos a dançar." Alvo de intensa campanha abolicionista em seu apogeu, execrada em prosa e verso — como esses de Castro Alves, no poema Navio Negreiro — por um grupo estridente de intelectuais e políticos, a escravidão de africanos no Brasil, uma vez encerrada, acabou relegada a umas poucas páginas nos livros de história que nem de longe retratam sua real dimensão. Quem quiser se aprofundar no tema contará agora com uma ajuda poderosa: o banco de dados do Tráfico de Escravos Transatlântico, um monumental conjunto de documentos alojado no site Slavevoyages.org, com informações retiradas de registros alfandegários, declarações portuárias e diários de bordo sobre a saída e a chegada dos navios negreiros ao redor do mundo — conteúdo que em algumas semanas estará disponível pela primeira vez em português. Alimentado por uma equipe internacional liderada pelo historiador americano David Eltis, da Universidade Emory, em Atlanta, o trabalho redimensionou o comércio negreiro para as Américas e compôs um minucioso perfil dos meandros dessa lucrativa atividade em seu entreposto mais efervescente, o Brasil. O vasto material expõe novas ramificações do tráfico dentro do território nacional e mostra que ele foi ainda mais intenso do que se pensava. As 35.000 viagens documentadas contabilizam 1,2 milhão de escravos a mais trazidos para o país. Isso eleva a parcela do Brasil nesse comércio de seres humanos à extraordinária cifra de 4,9 milhões — quase metade do total de 10,7 milhões de homens, mulheres e crianças capturados na África e vendidos no Novo Mundo, principalmente, entre 1501 e 1866. A "carga" era despachada por rotas que até então não se sabia existir, revelando uma complexa teia de caminhos Brasil adentro — uma delas partia de Belém, passava por rios amazônicos e desembocava no Centro-Oeste. O movimento de escravos também era muito mais vigoroso do que se supunha nos portos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e em Santos. Depois de 1830, quando um tratado selado com os ingleses fez do tráfico uma atividade ilegal no Brasil, o comércio de africanos continuou numeroso, mas em pontos menos visados. Registros no banco de dados mostram que no Rio, por exemplo, eles passaram a desembarcar na então longínqua Praia de Copacabana. "A maior parte dos estudos sobre as rotas da escravidão se restringe aos três principais portos da época: em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Agora, está claro que o tráfico não era tão centralizado", explica Manolo Florentino, um dos maiores estudiosos do assunto e diretor da Casa de Rui Barbosa, à frente da tradução do site. O levantamento chegou também a um número inédito sobre a alta mortalidade nas travessias do Atlântico: foram 667.744 os escravos mortos a caminho do Brasil. As informações mais detalhadas vêm das acuradas listas — com nome, idade e procedência — de africanos libertados por barcos britânicos interceptadores de navios negreiros em pleno oceano. Os registros referentes a embarque e desembarque mostram que, nos portos africanos, subiam a bordo em média 400 escravos — uma constante do tráfico da qual não se tinha conhecimento. Amontoados no porão, os homens eram acorrentados nas laterais e as mulheres e crianças no meio. No século XIX, a escassez de água e comida e as péssimas condições de higiene resultavam na morte de no mínimo 10% dos cativos. Os registros disponíveis confirmam ainda que 70% dos escravos despachados para o Brasil vieram dos atuais Congo e Angola e revelam que, no afã de lotar os navios, alguns enganos causaram constrangimentos: a rainha de Libolo, em Angola, desembarcada em Salvador em 1654, teve de ser devolvida a sua tribo para não prejudicar a relação dos traficantes com seus fornecedores. "O estudo traça um cenário global e muito detalhado sobre o tráfico negreiro", avalia o historiador Luiz Felipe de Alencastro, autor de O Trato dos Viventes, resultado de uma pesquisa de três décadas sobre o tema. A força-tarefa dos maiores pesquisadores do mundo em tráfico negreiro teve ainda o mérito de cravar, pela primeira vez, o ano da última dessas viagens ao Brasil: 1856, seis anos depois da promulgação da Lei Eusébio de Queiroz, que enfim proibiu no Brasil o comércio transatlântico de escravos — um pujante negócio iniciado aqui em 1560 e que, em pouco tempo, abarcaria 40% do comércio internacional. Durante três séculos, o Brasil foi um país movido a escravos e totalmente dependente deles. "Éramos uma sociedade escravista no sentido mais amplo. Ter escravos era natural. Foi necessária uma transformação no pensamento da época para que o tráfico passasse a ser considerado inadmissível", diz o historiador Alexandre Ribeiro, professor da Universidade Federal Fluminense. Ainda neste ano, a versão em português do site Slavevoyages será incorporada a um novo arquivo na internet, Escravidão e Pós-Abolição: Memória e Acervos, iniciativa da Casa de Rui Barbosa, que acrescentará ao conjunto a vasta documentação sobre o tema do grande jurista, um abolicionista ferrenho para quem a escravidão era "a mutilação da liberdade do branco". 6#6 ESPORTE – COMO VIRAR O JOGO PERDENDO DE 7 A 1 É bom acostumar-se com os placares elásticos e as mudanças bruscas de resultado do futebol americano, modalidade que atrai interesse no Brasil, alimentado pela TV a cabo e pelas redes sociais. ALEXANDRE SALVADOR Está 7 a 1 no placar, desculpada a lembrança incÔmoda, e o cabeludão David Luiz pega a bola com as mãos, atravessa todo o gramado em velocidade e cruza a linha de fundo do campo adversário. Touchdown, 6 pontos e o resultado vai a 7 a 7. O melhor chutador da seleção tem ainda direito a soltar uma bomba com os pés entre as traves com formato em Y e sem rede: 8 a 7, de virada. Mas ainda há tempo, e lá vêm os alemães de novo — não, os alemães de novo! Por precaução, os onze brasileiros se postam diante dos onze da Alemanha numa posição, a linha de scrimmage, que lembra as lutas de sumô, uns encarando os outros. A bola é passada para trás e tem início uma ruidosa guerra de puxões e empurrões. A quem apelar? À inteligência do quarterback — o mais conhecido do mundo é Tom Brady, o camisa 12 do New England Patriots, o Pats, de Boston, celebrado entre nós por ser o marido de Gisele. Para prosseguir na analogia, o quarterback é como um meio-campista de futebol à moda antiga, elegante, de cabeça erguida, capaz de pôr a bola no peito de um companheiro com um passe a 40 metros de distância. Bem-vindo ao football, cujo apogeu anual se dará neste domingo, 1º, com o Super Bowl, a partida decisiva que há muitos anos lidera a audiência de televisão nos Estados Unidos e tem o minuto de intervalo mais caro entre todos os programas (veja o quadro na pág. 84). Comparar o futebol com o football, além do efeito didático, embora sejam modalidades espetacularmente diferentes, é um atalho para informar que o jogo americano caiu no gosto dos brasileiros — e não se trata de uma importação barata, como a do Halloween, que levou as crianças brasileiras a bater na porta para perguntar "Doces ou travessuras?", numa versão um tanto quanto descabida e sem graça. O interesse pelo futebol americano tem base mais sólida, ancorado na constatação de que, no esporte, só não gostamos daquilo que não entendemos. E entende-se cada vez mais, graças às transmissões de TV e à disseminação pelas redes sociais. Na comunidade oficial da NFL (a liga americana de futebol) no Facebook, o Brasil já é o terceiro país que mais curte a página do campeonato, atrás apenas de Estados Unidos e México, com mais de 430.000 likes. Segundo levantamento da consultoria Socialbakers, em 2012 o Brasil não estava nem entre os cinco primeiros — era o sétimo no ranking global, com apenas 42.000 fãs. Na televisão brasileira, as partidas são transmitidas pela ESPN (a cabo) e pelo Esporte Interativo (TV aberta). A audiência cresce anualmente no mínimo 10% desde 2010. Pelo menos 3,3 milhões de brasileiros acompanham as partidas de bola oval, segundo levantamento do Ibope Repucom — número muito menor que o dos que assistem ao MMA, mas já querendo incomodar a audiência dos jogos de basquete da NBA. O Super Bowl será exibido também em 54 salas de cinema de 34 cidades no Brasil, com ingressos quase esgotados. "Minha atração pelo futebol americano já se iguala ao gosto pelo nosso futebol", diz o paulistano Fernando Varella, de 16 anos, estudante do 2º ano do ensino médio do Colégio Santa Cruz. "Na minha faixa etária, entre os esportes coletivos, acho que a NFL só perde em interesse para as ligas de futebol da Europa." Pode-se atribuir o sucesso ao poder evangelizador das bem-humoradas transmissões de televisão, invariavelmente copiadas e reproduzidas no YouTube. Everaldo Marques, da ESPN, é hoje a voz oficial do futebol americano em português. Ele tomou para si a missão de catequizar o público. "Comecei a enviar de madrugada, por e-mail, a quem me procurava, uma apostila que encontrei na internet com as regras do jogo", diz. Some-se ao didatismo de Everaldo a irreverência de seu parceiro de transmissão, Paulo Antunes, nascido em São Paulo e educado nos Estados Unidos. O sotaque carregado ao pronunciar o nome dos jogadores e as interjeições em inglês caíram no gosto dos torcedores, com bordões inconfundíveis como "Temos um jogo" ou "Hello, bola!". Da televisão para os gramados e as areias, o atalho foi curto. Há, hoje, 5000 praticantes no Brasil (um único brasileiro atua na NFL, Cairo Santos, do Kansas City Chiefs). Por aqui, são mais de 100 equipes, masculinas e femininas, que se dividem em três vertentes: a do jogo com equipamento completo (capacete e ombreiras), o flag (variação com contato físico reduzido) e o beach (disputado na praia, como já antecipa o nome). Existe até uma seleção, o Brasil Onças, formada com atletas de duas ligas nacionais (uma delas tem como sócio um filho do ex-presidente Lula, o preparador físico Luís Cláudio). "Nossa ambição é disputar o campeonato mundial, que acontece de quatro em quatro anos", diz o paulistano Danilo Müller, técnico dos Onças, um agrupamento amador, de homens que exercem outras atividades no cotidiano. Luiz Felipe Domingues, o Balu, é estudante de engenharia. Bruno da Silva, o Gardenal, é personal trainer. Dhiego Taylor, o Gordo, é desenhista. Estão longe de ser os melhores do mundo, mas se dedicam. E, como sabem até onde podem ir (o futebol americano é mais inteligência que brutalidade, eis aí uma revelação), não saem por aí desafiando os grandes. Intuem, contudo, que, se estiver 7 a 1, dá para virar o jogo em pouco tempo. Touchdown! A FÍSICA DA BOLA OVAL Circunferência: 53 centímetros Comprimento: 28 centímetros COMPOSIÇÃO: Câmara de poliuretano revestida de gomos de couro costurados a mão PESO: Entre 397 e 425 gramas PRESSÃO OFICIAL: Entre 12,5 e 13,5 libras por polegada No escândalo Deflategate, onze das doze bolas estavam com 2 libras a menos que o permitido. O LANÇAMENTO: O giro aplicado pelo lançador – que pode chegar a 600 rotações por minuto (mais rápido que o de um CD player) - é o que permite um voo mais longo após o arremesso. Ao rotacionar no próprio eixo, a bola é influenciada pelo chamado torque giroscópico, uma força que se contrapõe à gravidade e mantém a bola no ar por mais tempo. A VANTAGEM DA BOLA UM POUCO MURCHA... Fica mais fácil arremessa-la, aplicando o giro ideal... ...e também agarrá-la por ser mais maleável. As equipes são responsáveis por oferecer as bolas quando vão atacar. Os Patriots, do quarterback Tom Brady, são acusados de ter tirado pressão delas para facilitar o arremesso e a recepção. ...E DE QUANDO ESTÁ CHEIA DEMAIS Ela flutua mais e reduz a perda de energia aplicada pelo pé do jogador no momento do contato. Neste caso, são os kickers (os chutadores) os maiores beneficiados. OS EUA SÓ FALAM DO DEFLATEGATE O Super Bowl é o evento mais visto da TV americana. O espaço publicitário de trinta segundos custa 4 milhões de dólares. Nos EUA, bate até a entrega do Oscar. A edição de 2015, que será disputada neste domingo (1º), entre New England Patriots e Seattle Seahawks, ganhou traços de roteiro hollywoodiano. A trama: doze bolas usadas pelo ataque dos Patriots na última partida antes da final (no futebol americano, as equipes é que levam o material esportivo) estavam mais murchas que o autorizado. Depois do Deflategate, o escândalo das bolas murchas, as estatísticas dos Patriots foram reexaminadas com lupa, e delas brotou um dado espantoso: a equipe de Boston registra um número muito baixo de fumbles, os lances em que o jogador deixa a bola cair após tê-la dominado (depois que ela toca o chão, a posse é de quem a agarrar). Os Patriots têm um fumble a cada 187 jogadas de ataque. A média da liga é de 105 jogadas por erro. E o que pode ajudar a evitar que a bola escorregue? Murchá-la propositalmente, por exemplo. Tom Brady, o marido de Gisele Bündchen, o homem que, como quarterback, é responsável pelos passes, nega a armação, de peito inflado. COM REPORTAGEM DE RENATA LUCCHESI _______________________________________ 7# ARTES E ESPETÁCULOS 4.2.15 7#1 CINEMA – O HOMEM DO SÉCULO 7#2 CINEMA – MENTIRA DRAMÁTICA 7#3 CINEMA – FALSOS BRILHANTES 7#4 LIVROS – O SILÊNCIO DA HISTÓRIA 7#5 VEJA RECOMENDA 7#7 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 7#8 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – MÃE DAS CRISES E MÃE DOS SONHOS 7#1 CINEMA – O HOMEM DO SÉCULO O Jogo da Imitação lança luz sobre Alan Turing, o matemático que foi essencial para decifrar o código nazista e virar a guerra, e que delineou toda a ciência da computação ISABELA BOSCOV, DE LONDRES Que lástima que tudo tenha terminado assim: quando o matemático Alan Turing se suicidou duas semanas antes de fazer 42 anos, em 1954, ele lutava havia quase dois anos com os efeitos da castração química a que se submetera para não ir para a prisão por homossexualidade — criminalizada na Inglaterra até 1967. Ao ingerir uma dose de cianureto, Turing selou de vez o silêncio sobre seu trabalho e as contribuições incalculáveis que deu ao século XX e ao XXI. Turing foi, primeiro, fundamental para que os ingleses quebrassem o Enigma, o código tido como indecifrável com que os alemães comunicavam suas operações durante a II Guerra. Estima-se que, sem ele, o conflito teria se arrastado por mais dois anos, levado outros 14 milhões de vidas e terminado, talvez, com a vitória do inimigo. Com a pesquisa que desenvolveu antes, durante e depois da guerra, Turing mudou de outra maneira ainda o seu tempo: seu trabalho está na base da ciência da computação atual — o mecanismo de busca do Google, por exemplo, é seu descendente direto. Poucos homens tiveram sozinhos um impacto tão direto, decisivo e abrangente sobre seu mundo. E, entre esses, nenhum foi tão ignorado. Além da pecha da condenação por indecência, contribuiu para a obscuridade de Turing o fato de que tudo que ele fez no centro de criptografia de Bletchley Park esteve sob sigilo de Estado até os anos 90. Até que sua relevância começasse a vir à luz, Turing era, sim, conhecido e até venerado por matemáticos, lógicos, prodígios do Vale do Silício — e quase só por eles. Tão recente e comparativamente tão pequena é sua celebridade fora dos círculos especializados que faz sentido que O Jogo da Imitação (The Imitation Game, Inglaterra/Estados Unidos, 2014), que estreia no país nesta quinta-feira com oito indicações ao Oscar, cuide de apresentar sua história. Não sobreviveram, de Turing, registros em filme nem em áudio. Algumas das pessoas com que ele trabalhou em Bletchley, como a criptógrafa Joan Clarke (Keira Knightley, em bom desempenho), tornaram-se muito próximas, mas mantiveram o hábito do silêncio adquirido durante a guerra. Alan Turing: The Enigma, a biografia do historiador Andrew Hodges que serve de base ao filme, é meticulosamente pesquisada, mas insuficiente como matéria-prima para compor um protagonista em movimento, por assim dizer: o Turing que gostava de maçãs e corria maratonas, que tinha confiança colossal na sua inteligência mas nenhuma habilidade nos relacionamentos, que queria decifrar o código nazista mas não ligava para a guerra em si precisa, num filme, existir de formas mais corpóreas do que esses dados podem sugerir. Imaginar não só quem Turing foi, mas como ele foi, é um exercício de dedicação e disciplina que Benedict Cumberbatch cumpre com seu discernimento característico, e com um calor e um carisma que tornam O Jogo da Imitação maior do que a soma de suas partes. Dirigido pelo norueguês Morten Tyldum, da comédia de humor negro Headhunters, O Jogo da Imitação é aquela criatura que quase todos os anos está presente no Oscar: o filme britânico "de prestígio", que recupera com boa produção, excelente elenco e olho para o gosto da plateia alguma passagem histórica. A seu favor, tem a direção firme de Tyldum, o roteiro bem urdido do americano Graham Moore e vários atores estupendos — Charles Dance como o almirante que detesta o matemático, Mark Strong como um sinistro figurão do MI6, Rory Kinnear como o policial que interroga Turing e, já com muito pesar, termina por levar à sua condenação. Tem a seu favor, acima de tudo, seu personagem central, deslindado em suas facetas complementares: humilhado e abatido nas cenas que abrem o filme, quando a polícia começa a investigá-lo, cheio de fogo intelectual e gelo social nos anos de Bletchley, hesitante e assustadiço na adolescência (quando é interpretado pelo ótimo Alex Lawther). Filho de diplomatas que o puseram para estudar num dos internatos mais exclusivos da Inglaterra, Turing gaguejava muito em criança (e um pouco na idade adulta), o que tornou sua vida na escola um inferno — e ajudou a direcioná-lo para a vocação solitária da matemática, que descobriu com a ajuda de seu único amigo e primeira paixão, Christopher Morcom. Turing se provou um prodígio de primeira grandeza. Estudou em Cambridge, fez Ph.D. em Princeton e antes dos 25 anos já tinha publicado estudos revolucionários. Quando a II Guerra estourou, Bletchley Park foi seu destino natural. Em Bletchley, vários times de criptógrafos vinham desde a captura da primeira máquina Enigma (e as usadas no filme são verdadeiras) tentando decifrar as dezenas de mensagens interceptadas diariamente dos nazistas, sem nenhum sucesso. A Enigma era capaz de 159.000.000.000.000.000.000 de combinações em cada um de seus ajustes. Verificá-las todas, com a força de trabalho disponível, levaria 20 milhões de anos. Não bastasse isso, à meia-noite os alemães mudavam a chave do código, e todo o trabalho executado nas 24 horas anteriores se perdia. Turing postulou que, para analisar o raciocínio de uma máquina, é preciso não homens, mas outra máquina. O protocomputador que ele construiu em Bletchley é o modelo lógico seguido pelos computadores desde então (embora não tivesse componentes eletrônicos, só elétricos e mecânicos). Quando finalmente Turing e seus colegas decifraram o Enigma, a guerra virou em favor dos Aliados. Com um detalhe macabro: era essencial que os alemães não percebessem que seus planos eram conhecidos, e todos os 51 dias decidia-se quais ações dos alemães seriam frustradas e quais se deixaria prosseguir — o que equivalia a, todos os dias, decretar a morte de centenas ou milhares de civis e militares aliados. A extensão da contribuição de Turing à vitória na II Guerra só começou a ser conhecida quando ele estava no semiesquecimento já havia décadas. O matemático cuja vida girou em torno de revelar e guardar segredos de guerra tinha também um segredo pessoal que veio à tona quando, em 1952, um vizinho notificou a polícia de que a casa dele fora arrombada. Turing não deu aos detetives explicações razoáveis nem sobre o arrombamento nem sobre seu trabalho; quando a conversa chegou à sua ficha de guerra, as coisas ficaram ainda mais vagas. O matemático tentava, na verdade, manter o sigilo sobre suas atividades em Bletchley e ocultar que fora roubado por um rapaz a quem pagara por sexo. A polícia, porém, interpretou suas imprecisões como sinal de que ele seria, entre outras hipóteses, espião soviético, e foi fundo no inquérito, terminando por indiciá-lo por atos homossexuais. Humilhado, depauperado pelas doses de hormônio feminino a que o juiz o obrigou e remunerado apenas com desonra por seu papel extraordinário, Turing se matou em 7 de junho de 1954. Que finalmente comece a ressurgir é nada menos que justo. "E AINDA ME PAGAM? DEVE SER SONHO" Ele ja interpretou o impressionista Van Gogh, o físico Stephen Hawking, o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, o mais jovem primeiro-ministro da história britânica, William Pitt - e deu um estouro planetário em 2010 com a série Sherlock, na qual vive uma versão contemporânea do detetive criado por Arthur Conan Doyle. O inglês Benedict Cumberbatch, de 38 anos, falou a VEJA sobre as compensações e desafios específicos de viver uma personalidade real como o matemático Alan Turing, a reação química curiosa que provoca a fama instantânea, e suas três maiores ambições. Há de fato diferença entre fazer um personagem real ou fictício? Em muitos sentidos, não. O senso de responsabilidade é igual. Tome-se Sherlock Holmes, por exemplo: o público tem expectativas imensas e muito específicas em relação a ele, embora Sherlock nunca tenha vivido neste mundo. Talvez a verdadeira diferença esteja não na responsabilidade, mas na integridade. Pessoas reais, vivas ou mortas, merecem toda a integridade de que o ator que as retrata é capaz. E isso é o máximo que se pode fazer, porque imagino que estejamos de acordo que não existe verdade absoluta. Quem conta uma história deve, sim, fazer o possível para ser leal a ela, mas toda pessoa que conta uma história está sendo leal à sua impressão dessa história. Em geral há gritaria quando algum fato é alterado numa cinebiografia. É justo? Não, nem sempre. A chave é interpretar, não imitar ou reproduzir. Deve-se imitar só o necessário para criar na plateia a sensação de que você estudou seu personagem e está habilitado a personificá-lo. E isso, embora não seja uma mentira com "m" maiúsculo, é uma mentirinha: o ator tenta chegar tão perto quanto possível do personagem, mas não é o personagem. Não sou Alan Turing, mas por duas horas a plateia e eu combinamos - se eu tiver sorte - que sou ele. Não existe registro em filme nem em áudio de Turing. Por onde começar? Justamente por aí, pela voz e pela expressão corporal. Com figuras dessa relevância, é quase automático que o ator comece por se concentrar mais no tema da vida delas e no seu legado do que nelas mesmas. Mas antes de colocar um indivíduo em contexto é preciso saber quem ele é. E a voz, para mim, é essa porta, já que ela é tão expressiva do caráter. A partir daí, vai-se colocando um tijolo, e mais outro - como Turing se vestia, a sensação psicológica de conviver com ele, sua pisada quando ele corria. É um processo que não termina: enquanto se está filmando, está-se buscando o personagem. Numa cultura de superficialidade, traz satisfação adicional viver indivíduos que tiveram um impacto tão tremendo, como Turing ou mesmo Ricardo III, que você acaba de viver em uma minissérie? Sim, sim, sim. Fingir que se é um homem dessa envergadura é algo que não dá para descrever. Mas há um aspecto que vai bem além da gratificação pessoal: é a oportunidade de trazer para nossa vida esse conhecimento. Tanto um matemático gay apanhado na engrenagem da II Guerra quanto um rapaz nascido no século XV, com uma deformidade física que precisa compensar quando se torna rei, como Ricardo III, têm o apelo não só dos seus feitos imensos como também o das suas circunstâncias, das dificuldades externas que têm de superar, do conflito interior que têm de travar - uma perspectiva que torna esses feitos ainda mais extraordinários e quase inimagináveis para uma geração como a minha. Ao mesmo tempo, conhecer essas pessoas por dentro me reduz à exata dimensão da minha insignificância - que importância tenho eu, que diferença faço? Vinte minutos depois de o primeiro episódio de Sherlock ser posto no ar, em 2010, seu nome estourou no Twitter. Como se dá essa reação química? É imprevisível esse momento em que um ator e o público se conectam. E foi uma reação tão imediata e tão forte que seria falso negá-la. Mas não sou o único elemento dela. Junto com (o criador) Steven Moffat e (o rateirista) Mark Gatiss, conseguimos acertar num grande número de coisas ao mesmo tempo. O que é fabuloso, porque me parece que tínhamos chances iguais ou até maiores de errar em muitas coisas ao mesmo tempo. Mas quanto ao meu peso aí... Não faço o tipo misterioso, que cerca de véus o seu "processo", mas acho que, quando se analisa demais uma reação espontânea como essa, ela se desfaz e morre. O que Sherlock Holmes tem de tão especial? Na minha opinião, é o atrevimento dele, a maneira como ele descarta tão abertamente tudo o que considera medíocre ou chato no mundo e nas pessoas. O jeito como ele às vezes passa por cima da mobília em vez de se desviar da mesa ou da cadeira: Sherlock nunca pede desculpas por ser quem é. É uma satisfação que vivemos por intermédio dele, já que não dá mesmo para agir dessa forma no mundo real. Se Sherlock e as coisas que se seguiram a ele não tivessem acontecido, teria sido uma decepção? Eu tinha uns 34 anos quando fiz Sherlock pela primeira vez. E trabalho desde os 21, por aí. Então acho que não teria sido uma decepção, porque eu era feliz antes. Mas como ter certeza? Isso é o que conheço agora, e não posso "desconhecer" os últimos anos. O que posso afirmar com honestidade é que sempre ambicionei três coisas: merecer o reconhecimento dos meus pares, trabalhar com pessoas que me inspirem e me sustentar de um jeito decente fazendo aquilo de que gosto. Até hoje me belisco para ter certeza de que não estou sonhando quando me pagam por um papel como este de O Jogo da Imitação. Para dizer a verdade, acho que o salário hoje em dia não é pela interpretação - é pelas coisas que vêm junto com ela. Mas amo demais meu trabalho para me queixar de qualquer coisa. Não tenho esse direito. Então talvez eu tenha, sim, a resposta: acho que eu seria feliz de qualquer jeito. AS INDICAÇÕES Melhor filme Direção — Morten Tyldum Ator - Benedict Cumberbatch Atriz coadjuvante - Keira Knightley| Roteiro adaptado Montagem Trilha sonora Desenho de produção 7#2 CINEMA – MENTIRA DRAMÁTICA Selma quer contar um momento histórico da luta contra o racismo. Mas os fatos e as emoções do filme são fajuto. Jimmie Lee Jackson, negro, 26 anos, tentou proteger a mãe e o avô quando policiais irromperam, distribuindo cacetadas, em um café em Marion, no Alabama. Um policial deu dois tiros em Jackson, que morreu oito dias depois no hospital de uma cidade próxima, Selma. Era fevereiro de 1965, e o movimento por direitos civis nos Estados Unidos vivia seus dias heroicos. No ano anterior, o presidente Lyndon Johnson sancionara a lei que aboliu a segregação racial. Mas, no sul racista, ainda se recusava aos negros o registro eleitoral. Foi em meio a manifestações por esse fundamento da democracia, o direito ao voto, que Jackson acabou assassinado. Selma tornou-se o centro do movimento. De lá partiria, em março, uma histórica marcha de militantes dos direitos civis, que em cinco dias de caminhada chegaram até Montgomery, capital do Alabama. Em frente à sede do governo — na qual dava expediente o governador George Wallace, um racista rábido —, Martin Luther King faria um de seus mais belos discursos. No mesmo mês, Lyndon Johnson anunciou que enviaria ao Congresso uma lei garantindo o direito de voto aos negros. Essa é, em resumo, a história que Selma — Uma Luta pela Igualdade (Selma, Estados Unidos, 2014), em cartaz a partir de quinta-feira, pretende contar. A diretora Ava DuVernay, porém, não parece acreditar no poder intrínseco desses eventos. Em todo momento crucial, ela recorre a algum clichê narrativo na tentativa de realçar a emoção. Cenas de violência como o assassinato de Jackson aparecem em uma artificiosa câmera lenta. Martin Luther King era um orador magnífico, mas seus discursos, em Selma, vêm sempre afogados em um crescendo de música melosa. Os momentos mais interessantes são os inflamados embates entre King e Lyndon Johnson — e aqui pesa o talento de David Oyelowo e Tom Wilkinson, dois ingleses interpretando personalidades americanas. O problema é que esses embates não aconteceram. King e Johnson teriam lá suas divergências, mas sempre cooperaram em prol de uma pauta comum nos direitos civis. Nos Estados Unidos, Selma vem sendo corretamente criticado por retratar Johnson como o vilão — pelo menos até uma incongruente virada no final, quando ele se converte em defensor dos direitos igualitários. Eis, então, Selma: um filme cujo único interesse dramático é uma falsificação histórica. AS INDICAÇÕES Melhor filme Canção original – Glory JERÔNIMO TEIXEIRA 7#3 CINEMA – FALSOS BRILHANTES História de uma farsa do mundo artístico, Grandes Olhos, de Tim Burton, expõe as ilusões vendidas pelo kitsch. MARCELO MARTHE Nem no supermercado Margaret Keane (Amy Adams) escapa de seus fantasmas. Numa pilha que se destaca entre as gôndolas, lá estão os pôsteres e cartões que retratam variações de um mesmo tema: crianças tristonhas com olhos imensos. Enquanto consumidores se jogam sobre as estampas fofinhas, Margaret tem um delírio: as pessoas parecem encará-la com olhos fora de proporção. Eis o único momento em que Grandes Olhos (Big Eyes, Estados Unidos/Canadá, 2014) envereda pelo surrealismo pop que é a marca de seu diretor, o americano Tim Burton. No restante do filme, já em cartaz no país, a sobriedade impera. É compreensível: narra-se um drama real insólito por si só. Margaret pintava suas figuras de olhos hipertrofiados em um parque na São Francisco dos anos 50 quando foi abordada por outro aspirante a artista. Walter Keane (Christoph Waltz) era um cafajeste do tipo que dava nó em pingo d'água. Seduziu a moca valendo-se de expedientes baratos, como gabar-se de seus supostos feitos artísticos em Paris. Os dois se casaram. Ele fazia qualquer negócio em busca do triunfo como pintor. Mas foram os quadros de Margaret que atraíram atenção e se revelaram lucrativos. Nos anos 60, ela foi um Romero Britto americano. Só que não levava a fama por isso. Walter fez a submissa Margaret endossar a farsa de que era ele o autor das obras. O esquema durou uma década, até que os dois se separaram e travaram um duelo de desfecho célebre: tiveram de demonstrar seu talento nos tribunais. Alegando dores no ombro, Walter não arriscou nem uma pincelada. Margaret fez uma mocinha com dois olhões que não deixavam dúvida sobre quem era a culpada pelas criações pueris. Grandes Olhos escorrega em certa ligeireza que faz lembrar um telefilme. como o recurso burocrático de contar em textos o que ocorreu com os personagens após o final. Mas Burton — colecionador de primeira hora dos quadros da pintora, que hoje tem 88 anos — ilumina um fenômeno que assombra a cultura contemporânea como os olhões que perseguiam Margaret: o kitsch (leia ao lado). Termo alemão de origem obscura, kitsch não é mero sinônimo para "de mau gosto" (apesar de assim ter sido mal traduzido numa legenda de Grandes Olhos). Tampouco se reduz àquilo que no Brasil se qualifica de brega. Nascido de avanços como a universalização do ensino, o kitsch é uma resposta ao desejo coletivo de consumir arte. O afã de ser palatável ao gosto médio, porém, abre terreno para aquilo que o italiano Umberto Eco chama de "mentira estética": a obra se vende como arte, mas na verdade é um prato-feito em que o autor informa ao espectador até quais emoções sentir diante de sua criação. Muitas vezes, é uma versão diluída de vanguardismos que entraram na moda. Dos retratos de peruas temperados com impressionismo oco pelo italiano Giovanni Boldini (1842-1931) aos gatos pintados pelo brasileiro Aldemir Martins (1922-2006), resultam daí itens feitos para enfeitar a sala sem que o dono tenha de dar trabalho à sua massa cinzenta. Basta que sejam sentimentais e digeríveis para lhe dar a ilusão de estar sorvendo arte. Pavonear-se como "grande arte", aliás, é o que denuncia o caráter jacu inerente ao kitsch. Margaret Keane era uma pintora medíocre mas perdoável, pois não se via como artista iluminada. Já seu marido se achava um Picasso — o que fazia dele um duplo embuste. Não é preciso ter olhos grandes para ver que o brilho do kitsch é falso. A ARTE DO MEDÍOCRE Os quatro elementos que explicam a prevalência do kitsch na cultura contemporânea O APELO BIOLÓGICO Não se deve desprezar a influência de componentes atávicos na atração pelo kitsch. Estudiosos como Stephen Jay Gould e Konrad Lorenz ensinam que os olhos grandes levam os humanos a projetar a mesma afeição que nutrem pelos bebés em certos mamíferos tidos como ''fofos". As figuras tristes das telas de Margaret Keane tiram proveito disso O APELO SENTIMENTAL Na definição célebre do escritor Milan Kundera, o kitsch faz com que as pessoas derramem duas lágrimas em sequência: "A primeira diz: que lindo é ver crianças correndo pelo gramado! A segunda diz: como é bom sentir-se tocado, junto com toda a humanidade, ao ver crianças correndo pelo gramado". Os romances pretensiosos mas "sensíveis" da americana Donna Tartt confirmam a tese O APELO DA FACILIDADE Nos Estados Unidos do século XIX, o francês Alexis de Tocqueville (1805-1859) constatou que o "rebaixamento" na qualidade da arte era efeito de avanços como o ensino universal. Ao consagrar o gosto médio, o kitsch - que explodiria no século seguinte - é reflexo da evolução social. Ainda que o preço a pagar por isso sejam tolices como a pintura de Homero Britto O APELO DO MODISMO O kitsch é voraz em diluir expedientes vanguardistas que se tornaram moda: vide as mulheres retratadas pelo italiano Giovanni Boldini (1842-1931) sob uma atmosfera impressionista - na época, o estilo já fora absorvido pelo gosto comum. No caminho inverso, a arte se apropria do kitsch com o pretexto de ironizar sua própria natureza. A tática, no entanto, só trai a complacência de artistas como o catalão Salvador Dali (1904-1989) e o americano Jeff Koons 7#4 LIVROS – O SILÊNCIO DA HISTÓRIA Nos romances do Nobel francês Patrick Modiano, a memória é insuficiente para recuperar um passado cheio de lacunas — mas guarda o dever moral de lembrar crimes esquecidos.. SÉRGIO RODRIGUES Agraciado em 2014 com o Prêmio Nobel de Literatura, Patrick Modiano fez da memória a sua matéria-prima. Isso pode sugerir um parentesco com Marcel Proust, o maior nome da literatura de seu país no século XX, autor dos sete volumes do caudaloso Em Busca do Tempo Perdido. Mas é enganosa a semelhança. Enquanto Proust se dedica à recriação da vida mundana nos círculos aristocráticos franceses da virada do século em prosa suntuosa, inchada de minúcias psicológicas e sensoriais que esticam suas frases para além do fôlego convencional da leitura, Modiano faz tudo ao contrário. Em seus livros sempre magros, estranhamente inconclusivos, é em tom menor e prosa singela, às vezes tateante, que o escritor nascido em 1945 busca reconstruir a vida na capital francesa sob o domínio nazista e no pós-guerra de sua infância, um tempo de existências fraturadas, identidades fugidias e segredos tenebrosos. Onde Proust oferece um banquete, inventando um triunfo literário sobre o poder corrosivo do tempo, o autor de Remissão da Pena (tradução de Maria de Fátima Oliva do Coutto; Record; 128 páginas; 29 reais) serve pratos frugais, ainda que cheios de sabores inusitados, incorporando ao leque temático de uma obra marcada pela melancolia o fracasso inevitável da tarefa que se impõe. Remissão da Pena é o primeiro romance de Modiano lançado pela Record, que tem outros dois livros, Flores da Ruína e Primavera de Cão, agendados para os próximos meses. Vêm se somar aos três importantes títulos que, fora de catálogo, a Rocco reeditou após a notícia do Nobel: Dora Bruder (tradução de Márcia Cavalcanti Ribas Vieira; 144 páginas; 19,50 reais), Ronda da Noite (tradução de Herbert Daniel: 128 páginas; 19,50 reais) e Uma Rua de Roma (tradução de Herbert Daniel e Cláudio Mesquita; 224 páginas; 24,50 reais). Pouco conhecido no Brasil antes de ser consagrado pela Academia Sueca, Modiano tem ainda ao alcance do leitor nacional um volume infantojuvenil, Filomena Firmeza (CosacNaify). O livro que chega agora às prateleiras saiu na França em 1988 e trata de forma romanceada, em primeira pessoa, de um curto período na vida do autor, quando ele tinha 10 anos e, na companhia do irmão mais novo, foi deixado pelos pais sempre ausentes — uma atriz belga em constantes turnês e um comerciante judeu especializado em negócios escusos — aos cuidados de três amigas da família num vilarejo nas cercanias de Paris. Enquanto espera em vão que os pais venham busca-lo, o menino se dedica a descrever uma rotina provinciana e aparentemente banal de vicissitudes escolares e incursões clandestinas a um castelo abandonado da vizinhança. É aos poucos e de forma sutil que o intenso vaivém de visitantes na casa de suas anfitriãs constrói uma atmosfera de desgraça iminente da qual o narrador não parece se dar conta Quem são aquelas mulheres? Sabemos que Hélène, ex-artista de circo, "tinha sido amazona e depois acrobata, o que lhe conferia prestígio" aos olhos dos dois irmãos. Annie, a mais jovem e maternal, "ia quase todos os dias a Paris, em seu Renault 4cv bege". Mathilde, mãe de Annie, é apresentada como pouco mais que uma megera clássica. Quanto aos visitantes habituais, não compreendemos melhor que o próprio narrador o que fazem da vida ou a natureza precisa de suas relações com as moradoras da casa. Naturalmente envolto em bruma, e mais turvo ainda por ser filtrado pelos olhos de uma criança, o passado instiga a curiosidade do leitor na mesma medida em que a frustra. Restam pistas escassas, vestígios de sentido numa paisagem humana desolada, e o efeito final de abandono e solidão que fica reverberando na cabeça do leitor é mais poderoso por isso. Modiano foge tanto da grandiloquência quanto do impulso de violentar a memória com a ficção. Elevadas à condição de uma marcante assinatura autoral, as lacunas que deixa tanto na composição dos personagens quanto na trama de suas histórias funcionam ao mesmo tempo como rendição e, paradoxalmente, resistência ao poder do esquecimento. O silêncio que reconhece a insuficiência da memória como reconstrutora do tempo perdido é o mesmo que, povoando-se de sugestões, evoca poeticamente o passado. No devastador Dora Bruder, romance ensaístico sobre a história real de uma jovem judia na Paris ocupada, deflagrado por uma nota de desaparecimento encontrada por acaso num velho exemplar do jornal Paris Soir, a investigação promovida pelo autor luta contra arquivos destruídos pela polícia e os escombros de bairros judeus demolidos depois da guerra pelas autoridades parisienses. Se o esquecimento, forçado ou espontâneo, é invencível, resta à literatura a atitude profundamente moral de nomeá-lo, apontando os espaços em branco onde deveria haver história. O Nobel foi parar em boas mãos. 7#5 VEJA RECOMENDA DISCOS CONCERTO DE FRONTEIRA, ORQUESTRA DO ESTADO DE MATO GROSSO E YAMANDU COSTA (KUARUP) • Criada em 2005, a Orquestra do Estado de Mato Grosso tem desenvolvido um trabalho sólido de formação de plateias de música erudita. O repertório do grupo sinfônico, regido pelo paulistano Leandro Carvalho, combina obras de compositores como Beethoven e Wagner com músicas folclóricas da região. O Concerto de Fronteira foi uma encomenda feita pela orquestra ao violonista gaúcho Yamandu Costa. Dono de um estilo visceral, ele criou um concerto em três movimentos no qual se percebem influências que vão do chamamé (estilo musical surgido na Argentina, mas popular também em Mato Grosso e no sul do Brasil) à bossa nova. Costa colabora com outras três peças de sua autoria, O Segredo da Vivência, Sarará e Bachbaridade, e dá um espetáculo violonístico em Decarísimo, do argentino Astor Piazzolla. Completam o álbum composições de dois paraguaios que também cruzaram a música erudita e a popular — Herminio Giménez, em El Canto de Mi Selva, & José Asunción Flores, com Mburicao (atente à brincadeira que ele faz com a Nona Sinfonia de Beethoven). UPTOWN SPECIAL, MARK RONSON (SONY Music) • O DJ e produtor inglês Mark Ronson foi um dos responsáveis pelo sucesso de Back to Black (2006), de Amy Winehouse. O êxito do disco credenciou o produtor a trabalhar com nomes como Duran Duran e Paul McCartney. E sua carreira-solo, iniciada em 2003, é tratada com o mesmo esmero que Ronson dedica a outros artistas. Uptown Special, que foi para o primeiro lugar na parada inglesa, conta com vocais de Stevie Wonder, Bruno Mars e Kevin Parker (do grupo de rock alternativo Tame Impala) e feras dos estúdios como o guitarrista Carlos Alomar e o baterista Steve Jordan. O escritor americano Michael Chabon assina nove das onze letras do álbum. Esse amontoado de talentos traduz as ideias musicais de Ronson, que passou da soul music dos anos 60 para o funk e o soft rock de décadas posteriores. Há faixas para rachar o assoalho, como Uptown Funk, na voz de Bruno Mars, e Feel Right, que ganhou uma interpretação forte do rapper Mystikal. LIVROS CONTAR TUDO, DE JEREMÍAS GAMBOA (TRADUÇÃO DE JOANA ANGÉLICA D'AVILA MELO; ALFAGUARA; 536 PÁGINAS; 59,90 REAIS) • Um livro que "se narra a si mesmo": é assim que o jovem prodígio Gabriel Lisboa, protagonista, narrador e presumível alter ego do autor de Contar Tudo, define este romance. Trata-se de uma história de formação: estudante de jornalismo em Lima, no Peru, Lisboa vai passar pelo aperto econômico — negligenciado pelos pais, vive com tios pobres e só pode frequentar a universidade porque conta com uma bolsa —, pelas agruras de um primeiro emprego e por uma desilusão amorosa antes de chegar ao momento epifânico no qual se convence de que sua vocação é ser escritor. Essa história na aparência simples de desventura e superação é narrada com um vigor e um humor arrebatadores, o que valeu ao peruano Jeremias Gamboa, 39 anos, amplos elogios críticos (o Nobel Mário Vargas Llosa tornou-se uma espécie de padrinho literário de Gamboa). Este é, sobretudo, um livro de luminoso otimismo, mas que jamais cai na banalidade EU NÃO PRECISO MAIS DE VOCÊ E OUTROS CONTOS, DE ARTHUR MILLER (TRADUÇÃO DE JOSÉ RUBENS SIQUEIRA; COMPANHIA DAS LETRAS; 456 PÁGINAS; 49,90 REAIS) • "Ela estava mais ou menos com a mesma idade dele, cheia de riso que não era riso e de alegria que não era alegria e de um desejo de aventura que era cansado", escreve Arthur Miller (1915-2005) no conto "Os desajustados". Não há como não enxergar aí Marilyn Monroe, com quem Miller estava casado em 1957, ano em que concebeu a história que seria transformada em filme — o último estrelado pela atriz. As reflexões do caubói envelhecido compõem um dos dezesseis contos desta coletânea, que mostra o lado menos conhecido do dramaturgo americano, autor de A Morte do Caixeiro-Viajante. Há também o garotinho que descobre a infidelidade da mãe no conto que dá título ao livro, a garota que deixa que escrevam em seu corpo em "O manuscrito nu", ou o desencanto da vida doméstica de "Moça do lar, uma vida". Escritos entre a Grande Depressão e os anos 50, foram publicados originalmente em revistas — "para serem espremidos entre anúncios", diz o autor no prefácio. Podem parecer ligeiros e casuais, mas têm a grandeza dramática que fez de Miller um mestre no teatro. BLU-RAY FLASH GORDON (ESTADOS UNIDOS/INGLATERRA, 1980. BROOK FILM/LONDON) • Depois que Superman, o Filme inaugurou o filão do cinema-gibi, em 1978, o mega-produtor italiano Dino De Laurentiis decidiu investir pesado no gênero. Colocou cerca de 35 milhões de dólares — uma fábula na época — na história do herói espacial criado pelo desenhista Alex Raymond. Ele queria Arnold Schwarzenegger como astro e Federico Fellini na direção — não conseguiu nenhum dos dois. O resultado nas bilheterias ficou muito abaixo do esperado. Revista hoje, a aventura se revela uma divertida comédia com visual espalhafatoso e atores de várias nacionalidades falando inglês macarrônico. Flash Gordon (Sam J. Jones) é o craque de futebol americano que viaja com um cientista louco (Topol) até o planeta Mongo para enfrentar o impiedoso imperador Ming (o sueco Max von Sydow, divertindo-se a valer), que pretende destruir a Terra. Juntem-se a isso uma princesa periguete (Ornella Muti), homens-pássaros, efeitos especiais psicodélicos, a trilha sonora do Queen, e está pronta uma genuína pérola do cinema trash. 7#7 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- Se Eu Ficar. Gayle Forman. Novo Conceito 2- O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 3- Para Onde Ela Foi. Gayle Forman. NOVO CONCEITO 4- Somente Sua. Sylvia Day. PARALELA 5- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA 6- O Irmão Alemão. Chico Buarque. COMPANHIA DAS LETRAS 7- Cidades de Papel. John Green. INTRÍNSECA 8- O Sangue do Olimpo. Rick Riordan. INTRÍNSECA 9- Extraordinário. R.J. Palacio. INTRÍNSECA 10- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA NÃO FICÇÃO 1- Nada a Perder 3. Edir Macedo. PLANETA 2- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 3- O Capital no Século XXI. Thomas Piketty. INTRÍNSECA 4- A Morte na Visão do Espiritismo. Alexandre Caldini Neto. BELALETRA 5- Sonho Grande. Cristiane Correa. PRIMEIRA PESSOA 6- Bela Cozinha: As Receitas. Bela Gil. GLOBO 7- Aparecida. Rodrigo Alvarez. GLOBO 8- Tudo ou Nada. Malu Gaspar. RECORD 9- Livre. Cheryl Strayed. OBJETIVA 10- Não Sou uma Dessas. Lena Dunham. INTRÍNSECA AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 3- O Poder da Escolha. Zibia Gasparetto. VIDA & CONSCIÊNCIA 4- 60 Dias Comigo. Pierre Dukan. BEST SELLER 5- Geração de Valor. Flávio Augusto da Silva. SEXTANTE 6- De Volta ao Mosteiro. James Hunter. SEXTANTE 7- Eu Não Consigo Emagrecer. Pierre Dukan. BEST SELLER 8- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 9- As Regras de Ouro dos Casais Saudáveis. Augusto Cury. ACADEMIA DE INTELIGÊNCIA 10- O Livro do Bem. Ariane Freitas e Jessica Grecco. GUTENBERG 7#8 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO – MÃE DAS CRISES E MÃE DOS SONHOS Brasília estará dividida, neste domingo, dia 1º, entre dois grandes acontecimentos: a escolha dos presidentes da Câmara e do Senado e o casamento da ministra da Agricultura, Kátia Abreu. Desde o de Marta Suplicy com Luis Favre, em 2003, não havia casamento no mundinho político mais alardeado do que o de Kátia Abreu com o engenheiro Moisés Gomes. A expectativa na semana passada era de uma catedral de Brasília estourando de gente. Nas eleições das duas casas legislativas, o destaque foi a campanha do deputado Eduardo Cunha. Os eleitores são só 513, mas ele esbanjou jatinho, e visitou estado por estado. Somadas, as pompas do casamento de Kátia Abreu e a campanha de Cunha comprovam que caminhamos mesmo para a Mãe de Todas as Crises. Como se sabe desde o Titanic, o que prenuncia a catástrofe não é a proximidade do iceberg, mas a valsa que a orquestra insiste em tocar no salão. Assim como ao Oscar de melhor filme se opõe o Framboesa de Ouro para o pior, e ao Prêmio Nobel o Ig Nobel, o Carnaval carioca tem seu jeito de destacar os melhores e os piores. Os melhores são honrados como enredo de escola de samba. Neste ano a Vila Isabel vai homenagear o maestro Isaac Karabtchevsky. Os piores viram máscaras no Carnaval de rua. Não que as máscaras estejam reservadas só a eles. Contemplam também heróis do esporte e astros das novelas. Mas, como são feitas para surpreender, e se possível assustar, os vilões são mais eficazes. Em anos recentes, fizeram sucesso a de Saddam Hussein e a de Osama bin Laden. Neste ano os produtores de máscaras investem forte na da presidente da Petrobras, Graça Foster. Kátia Abreu e Graça Foster são amigas da presidente Dilma Rousseff. Não a títulos iguais. Graça é uma antiga e, com toda a certeza, querida amiga. Kátia Abreu, de opositora, virou aliada recente, o que faz suspeitar de certo açodamento nas proclamações de amizade. Não há nenhuma dúvida, no entanto, de que Kátia Abreu, na iminência do casamento, se comportou como amigona. Primeiro, convidou Dilma para madrinha. Depois, mais amigona ainda, a desconvidou, poupando-a de figurar como a estrela da festança do agronegócio. Já Dilma, com relação a Graça, não se tem comportado com igual magnanimidade. A insistência em mantê-la no cargo passou do limite. Em vez de conforto, é desconforto que oferece à amiga, cada vez mais desencontrada em seu labirinto. Ter virado máscara de Carnaval é o espinho, talvez derradeiro, em seu suplício. Avanços no front da Mãe de Todas as Crises: o colunista Elio Gaspari prevê o esfacelamento do sistema político brasileiro, à semelhança do que ocorreu na operação Mãos Limpas, na Itália; o senador José Serra, segundo Ilimar Franco, de O Globo, prevê em conversas reservadas que Dilma não chegará ao fim do mandato; na internet, sempre ela, circulam notícias de planos de evacuação de São Paulo por causa da crise de água. (Evacuação para onde?!) __________________________ Morreu no domingo 25 de janeiro, aos 80 anos, o médico Aloysio Campos da Paz Júnior. Nascido no Rio, ele chegou a Brasília dezoito dias depois da inauguração da nova capital. Tinha 25 anos e vinha para trabalhar no Hospital Distrital de Brasília. Segundo escreveu num livro de memórias, no dia seguinte subiu na boleia de um caminhão, o único transporte disponível, e pediu que o levassem ao hospital. O motorista parou diante de uma picada e disse-lhe: "Vai por aí que você chega lá". O hospital era um barracão azul com uma estrela vermelha pintada na porta. Atrás de uma cerca, havia outra instituição médica — o Centro de Reabilitação Sarah Kubitschek. Décadas depois, Campos da Paz transformaria esse "Sarinha" na Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação — referência mundial e caso único, no Brasil, de excelência num hospital público e gratuito. A construção de sua utopia custou-lhe uma enormidade de trabalho, de imaginação criadora e de jogo de cintura com os poderosos do momento, mas ele morreu com a convicção de que a obra estava consolidada. Falta a utopia que morava dentro da utopia: a de que o Sarah contaminasse outras instituições públicas de saúde, puxando-as para o mesmo patamar. Se isso ocorrer um dia, o país embarcará na Mãe de Todos os Sonhos.