0# CAPA 3.12.14 VEJA www.veja.com Editora ABRIL edição 2402 – ano 47 – nº 49 3 de dezembro de 2014 [descrição da imagem: foto de rosto de Joaquim Levy. Ele està¡ de frente, usa óculos, está com olhar para o lado direito e sorrindo. Está com gravata.] DILMA 2.0 CAIU A FICHA! A presidente põe na Fazenda Joaquim Levy, especialista em gastos pàºblicos, cujo descontrole é a raiz dos males que impedem o crescimento do Brasil. [parte superior da capa] ESPECIAL INOVAÇÃO 19 PÁGIINAS Teste: você é um inovador? O segredo por trás das mentes mais criativas da história Por que não existem perguntas estúpidas. Só respostas O fascínio dos jovens brasileiros pela matemática ______________________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# INTERNACIONAL 5# ESPECIAL – EMPRESAS E PESSOAS INOVADORAS 6# GERAL 7# ARTES E ESPETÁCULOS _________________________________ 1# SEÇÕES 3.12.14 1#1 VEJA.COM 1#2 CARTA AO LEITOR – DILMA ROUSSEFF 2.0 1#3 ENTREVISTA – MARCO BOBBIO – MODERAÇÃO E SERENIDADE 1#4 LYA LUFT – ORAÇÃO DA NAU À DERIVA 1#5 LEITOR 1#6 BLOGOSFERA 1#1 VEJA.COM A CIÊNCIA DO ESTILO Farto dos velhos manuais de redação, o cientista Steven Pinker resolveu reunir achados da linguística, neurociência e psicologia e propor um guia de estilo "para o século XXI", que acaba de ser lanà§ado nos Estados Unidos. Em entrevista ao site de VEJA, o psicólogo explica por que escrever é tão difícil, quais as armadilhas mais comuns e como a ciência pode ajudar a superá-las. "Sabemos mais sobre a linguagem no século XXI do que cinquenta anos atrás. Temos melhores teorias da gramática e experimentos sobre o que torna uma sentença fácil ou difícil de entender", diz. "Isso pode se traduzir em conselhos mais úteis do que as impressões pessoais de um escritor." Reportagem de VEJA aponta os princípios que regem o bom uso do idioma e as estratégias que dão clareza e coerência à comunicação escrita. OS IMPOSTORES DA HISTÓRIA Ao contrário do que é contado no cinema, o jovem alemão Kaspar Hauser não passou a infância isolado em uma masmorra. Ele provavelmente inventou essa história para ganhar fama na Alemanha do sà©culo XIX. No livro Os Grandes Impostores, Recém-lançado no Brasil, Jan Bondeson, da Universidade de Gales, desvenda esse e outros mistà©rios, Reportagem no site de VEJA explica como cientistas ajudaram a esclarecer lendas históricas. MAIS PETRÓLEO, MENOS ESTADO Dois anos atrás, o pesquisador de Harvard Leonardo Maugeri apresentou um estudo mostrando que o fim da era do petróleo ainda estava longe. Hoje, com a exploração das reservas de gás de xisto nos Estados Unidos, Maugeri celebra suas projeções acertadas: o aumento da produtividade fez com que a capacidade de produção superasse a demanda em 8 milhões de barris por dia. Mas a América Latina, detentora de grandes reservas, não foi um dos motores desse avanço. Ao contrário: suas petrolíferas, fortemente atreladas aos governos, perderam relevância. Em entrevista ao site de VEJA, Maugeri explica por quê. VIOLÊNCIA NO CÂMPUS As denúncias recentes de crimes cometidos dentro da renomada Faculdade de Medicina da USP são mais que assunto para as páginas policiais. Há anos, universitários aparecem em inquéritos de casos de estupro, racismo, homofobia e até homicídio. Até o momento, nenhum aluno foi sequer suspenso das aulas. Reportagem no site de VEJA mostra que, por trás da impunidade, existem sentimentos de privilégio e casta – encontrados também em universidades de elite fora do Brasil. 1#2 CARTA AO LEITOR – DILMA ROUSSEFF 2.0 “Pode ter certeza de que os americanos farão sempre a coisa certa. Mas só depois de terem esgotado todas as outras possibilidades." Essa ironia, que costuma ser atribuída a Winston Churchill, aplica-se à presidente Dilma Rousseff. Durante seus quatro anos de mandato, Dilma cometeu ou deixou que se cometesse toda sorte de equívocos na política econômica. Os resultados foram desastrosos. Estatista, o governo fragilizou a Petrobras e a Eletrobras, as maiores empresas estatais do país. Dizendo governar em favor dos mais pobres, viu aumentar os índices de miséria. Antagonista do mercado financeiro, retomou o topo do ranking mundial na modalidade "a mais alta taxa básica de juros". Na quinta-feira passada, porém, com a indicação do economista Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, tendo esgotado as demais possibilidades, Dilma começou a fazer a coisa certa. Escolher um ministro da Fazenda com vasto conhecimento teórico e experiência prática em contas públicas foi apenas o primeiro passo. Mas ele foi dado na direção correta. Agora, Dilma precisa deixar que Joaquim Levy faça seu trabalho sem interferência do Palácio do Planalto — ou seja, dela própria e de seus assessores mais próximos que se consideram versados em economia. A missà£o de Joaquim Levy, apelidado de "mãos de tesoura", é cortar gastos públicos de modo que, como explicam os especialistas, o lado fiscal dê uma ajuda à política monetária, possibilitando, entre outros benefícios, a queda dos juros. Em resumo, Levy terá sido bem-sucedido se conseguir que o Estado brasileiro caiba dentro do PIB. O equilíbrio das contas públicas é essencial para uma economia que precisa readquirir credibilidade junto aos investidores internos e externos e, assim, escapar do imobilismo estampado pela sucessão de índices pífios de crescimento. O deste ano mal deve levantar a cabeça acima do zero. Com a autoridade de quem criticou o intervencionismo de Dilma Rousseff nos primeiros quatro anos, VEJA faz os mais sinceros votos de que a nova equipe econômica do governo obtenha sucesso em sua empreitada. Isso faria bem não apenas à imagem da presidente, mas pouparia os brasileiros, notadamente os mais humildes, das imensas provações econômicas e desequilíbrios sociais que, até a semana passada, pareciam ser inevitáveis. 1#3 ENTREVISTA – MARCO BOBBIO – MODERAÇÃO E SERENIDADE O cardiologista italiano diz que os tratamentos preventivos são falà­veis e receita um estilo de vida equilibrado, que não prive as pessoas, mesmo as doentes, dos prazeres à mesa. ADRIANA DIAS LOPES Marco Bobbio, de 63 anos, dirige um dos centros de referência em cardiologia da Itália, o hospital Santa Croce e Carle di Cuneo, no Piemonte. Ele se notabilizou entre os colegas de todo o mundo por ter colocado na dimensão correta a atual obsessão pela preservação da juventude a qualquer custo. Do pai, o filósofo Norberto Bobbio, morto em 2004, um ícone do pensamento liberal e da defesa dos direitos individuais, Marco herdou a inteligência e a ironia cortante com que postula suas teses. "Meu pai dizia que o homem de cultura é aquele que valoriza a dúvida. É o que faço diariamente exercendo a medicina." Antes de embarcar para o Brasil, onde lançará nesta semana o livro O Doente imaginado, Marco Bobbio falou a VEJA, por telefone, de sua casa em Turim. A medicina preventiva é um ramo com muitas histórias de sucesso para contar, mas ainda não o convenceu totalmente. Por quê? Há um exagero nas medidas que visam a evitar o aparecimento das doenças. O médico deveria intervir menos e esperar mais o curso natural das coisas. Acredito nas intervenções em situações agudas, como no caso do paciente vítima de um infarto ou um derrame. Desconfio um pouco das medidas a longo prazo. Os tratamentos da medicina moderna fazem com que as pessoas vivam mais. Vive-se mais, mas não se vive tão bem. São pouquíssimas as pessoas que chegam a uma idade avançada sem problemas. A vida se prolongou. Mas o mal-estar associado ao envelhecimento também. Não há cura para esse mal-estar.É o que chamo de ''paradoxo da medicina" Vejo pessoas com 85 ou 90 anos dizendo que estão cansadas. Elas estão mesmo é idosas. Como harmonizar sua tese com a promessa da medicina de fazer pelo paciente tudo o que estiver ao alcance? Os cuidados preventivos podem levar uma pessoa até os 90 anos com o sistema cardiovascular funcionando muito bem. Mas eles não eliminam por completo todos os problemas associados à idade avançada, como a dificuldade de locomoção, a perda de memória, o cansaço. A tecnologia dos exames e o aprimoramento dos medicamentos são dois dos muitos recursos capazes de manter uma pessoa viva por muito mais tempo, mas ainda não foi possível desenvolver mecanismos que possam proporcionar qualidade de vida aos pacientes em idade avançada. Uma mulher de 50 anos descobre no check-up anual que tem um câncer de mama em fase muito inicial. Nessas circunstâncias, a probabilidade de cura ultrapassa 90%. Sem medidas preventivas ela estaria condenada, não? O rastreamento do câncer de mama é um dos poucos exames que tàªm provado sua eficácia preventiva. Nesse caso hipotético, à© inegável que a prevenção foi decisiva. O problema é quando os médicos não respeitam os valores e as necessidades do paciente, acreditando que o que eles oferecem é sempre o melhor. Nà£o se pergunta nem mesmo o que o paciente quer. Muitas vezes a questà£o é dar a ele o direito de não seguir um determinado tratamento, se essa for a sua vontade. Conhecer o risco de desenvolver uma doença, por menor que ele seja, não ajuda o paciente a organizar a vida? Isso seria verdadeiro se, ao descobrirmos a doença, fôssemos capazes sempre de eliminá-la. Raramente é possível mudar a história de uma doença, esse é o ponto. As dificuldades comeà§am pelos exames que identificam o problema. Os pacientes acreditam que os exames dão sempre uma resposta definitiva. O tumor é benigno ou maligno? A placa de gordura vai se expandir ou não? Todo e qualquer exame tem o chamado resultado falso negativo ou falso positivo. No caso do falso negativo, o paciente vai para casa tranquilo, quando, na verdade, pode ter mesmo um câncer. Ou então, quando o exame confirma a doenà§a, o paciente se submete a inúmeros procedimentos invasivos e, possivelmente, a um procedimento mutilador. Há um excesso de determinismo na prática da medicina atualmente. Um em cada cinco exames, em média, dá resultado falso positivo ou falso negativo. Esse número é altíssimo, não? A taxa de falsos positivos e falsos negativos depende do tipo de exame, da forma como ele é aplicado e das condições de sua realizaà§ão. Uma regra para saber se vale a pena se submeter a um exame de detecção precoce é conhecer os dados globais de sua eficà¡cia. A mamografia e a colonoscopia, que detecta o câncer colorretal têm sua eficácia comprovada por esse critério. A expectativa dos pacientes em relação à medicina é demasiadamente alta? Sim, e essa postura é alimentada pelos próprios médicos. Não é incomum ver profissionais renomados declarar para revistas, jornais e televisão sua onipotência, divulgando feitos extraordinários. Por exemplo, o cirurgião que recuperou um paciente em condições desastrosas depois de uma operação de dez horas de duração. Claro que isso pode acontecer. Mas não é o comum. Esse médico, então, passa a ser visto como um salvador, quase um ente divino. Pode acontecer também de um paciente morrer na mesa de cirurgia ao ser operado de apendicite. Também é incomum. Excluindo-se aqui o erro médico, há o imprevisto, a fatalidade. O imponderável. Saber lidar com isso é saudável porque faz o mà©dico não se sentir Deus — e errar menos. A medicina não é uma ciência exata. É uma ciência biológica que tem de lidar com características muito particulares e complexas. Qual o pecado mais evidente dos médicos atualmente? Os médicos estão muito arrogantes, impondo seu ponto de vista a todo custo. Parte da culpa é das subespecializações médicas, um fenômeno recente na medicina. Elas são necessárias para a compreensão mais aprofundada de uma doença, mas, quando o médico se concentra em uma pequena porção de uma determinada afecção, passa a ver o paciente de forma fragmentada. Os médicos atualmente só sabem falar de questões referentes às suas subespecialidades. Não do paciente. A postura dos especialistas à© comparável à dos socialistas, para quem só há uma única solução para um problema — ela é perfeita, e não tem discussão. Hoje em dia, exames e tratamentos são determinados pelos estudos científicos, sem maiores reflexões. Se um paciente sofre um infarto em São Paulo, em Nova York ou na Índia, é tratado basicamente da mesma forma. São, evidentemente, boas abordagens, mas que funcionam bem com a média da populaçà£o. Quando o paciente procura ajuda médica, ele é um indivà­duo, não uma média — é único. Parece chavà£o, mas pensar assim faz uma diferença brutal. Cada paciente tem uma história que deve ser levada em consideração. E isso implica, muitas vezes, não seguir as diretrizes médicas. Há os que querem se submeter a tratamentos menos eficazes, mas menos invasivos. Hà¡ os que simplesmente não querem prolongar a vida com má qualidade. A decisão deve ser primordialmente do paciente. Sempre. E, quando ele não tem mais condições de decidir sobre o fim da vida, cabe aos parentes fazê-lo. No fim da vida, doente, seu pai, o filósofo Norberto Bobbio, não foi submetido a nenhum tratamento extraordinário. Foi uma decisão sua? Em outubro de 2003, meu pai completou 94 anos em condições bastante boas. Fisicamente ele estava um pouco limitado. Já não saà­a de casa, conseguia, no máximo, caminhar do quarto para o banheiro ou para a sala. Mas se locomovia sozinho. Festejamos o Natal daquele ano em sua casa. Foi uma alegria. Dois dias depois, porém, ele pegou uma pneumonia. Com dificuldade para respirar, teve de ir para o hospital. Lá, foi tratado com antibióticos, antitérmicos e recebeu oxigênio. Recuperou-se e retornou para casa. Em 6 de janeiro de 2004, li os jornais para ele, que compreendeu tudo. No dia seguinte, piorou drasticamente. A febre voltou, seu estado geral se agravou. Dessa vez teríamos de tomar a decisão se seria ou não entubado e submetê-lo a alimentação artificial. Eu disse não. Pensei comigo: até pouco tempo atrás ele teve uma vida maravilhosa. Mas, viúvo há três anos, se sentia só e estava deprimido. Nos últimos meses, repetia com frequência a expressão latina taedium vitae para dizer que estava cansado da vida. A partir daquele momento, foi indo embora devagarinho, apenas com o suporte médico para controlar o mal-estar causado pela doença. Mesmo assim, quando o coração dele comeà§ou a bater mais fraco, as enfermeiras me olharam aflitas e perguntaram o que deveriam fazer. Nada, respondi. No dia 9 de janeiro ele se foi. Como o médico pode saber com segurança a hora de interromper o tratamento? É muito difícil, independentemente da situação do paciente. Trata-se sempre, repito, de uma decisão que deve ser tomada com o paciente ou com seus parentes. Mas sempre tento seguir a lógica de um movimento médico nascido na última década chamado Slow Medicine, do qual faço parte. O lema é praticar uma medicina o menos invasiva possível que respeite a vontade do paciente. Como o senhor cuida da própria saúde? Tomo um copo de vinho por refeição, como muita verdura e consumo pouca carne, pouco sal e pouco açúcar. Sei que o vinho faz bem ao coração, o excesso de carne aumenta o risco de câncer de intestino, o sal está associado à pressão alta e o açàºcar ao diabetes. Mas não me escravizo por isso. Se vou à casa de amigos e lá há um doce gostoso, como com muito prazer. Se o vinho é bom, bebo mais de duas taças, claro. Faço caminhadas apenas quando posso. E sempre de forma prazerosa — em meio às montanhas do Piemonte. Dou risada quando vejo as pessoas correndo em esteira. O senhor faz check-ups? O único exame que já fiz na vida foi o do sangue oculto nas fezes, para investigar possíveis lesões intestinais. Esse é um dos poucos exames que de fato conseguem predizer a existência de uma doença. Nem o PSA, o marcador para o câncer de próstata, eu fiz. Não é uma forma tão eficaz de detecção quanto se pensava. Alguns institutos canadenses excluíram recentemente a indicação desse exame, e espero que outros lugares façam o mesmo. Não tomo remédios. Nunca fiz um exame de coração. O senhor não tem medo de ter um infarto, para o qual pode estar caminhando sem sinais aparentes? Claro que sim. Mas não vejo vantagem em fazer um exame se me sinto muito bem. Tenho 63 anos e, certamente, minhas artérias não são as de um garoto de 20. Sei que posso ter uma lesão. Mas sei tambà©m que, seguramente, os exames e os procedimentos médicos não vão me garantir uma sobrevivência serena. Prefiro viver sem saber. Em minha opinião, não faz sentido eu me sentir bem e ir ao mà©dico para tentar saber quando vou estar mal. O que seus pacientes acham de suas opiniões? Os que discordam não voltam mais. Posso lhe garantir que a maioria volta. O que o senhor aconselha a quem está bem de saúde e quer se conservar assim? Tente levar uma vida serena. Não tenha como objetivo chegar aos 70 anos com o mesmo vigor que tinha aos 50. Desfrute a vida e não se prive de prazeres. Hoje, quando as pessoas se reúnem à mesa com os amigos ou com a família, não dizem mais se gostam ou não de determinado prato, mas se podem ou não comê-lo. Isso significa invariavelmente comer mal. Deve-se comer um pouco de tudo. Inclusive quando se está doente. Aqui os médicos pecam novamente. O paciente que sofreu um infarto vai ouvir da maioria dos especialistas a recomendação de eliminar a gordura do prato. Eu não concordo. Recomendo a meus pacientes que comam queijo, mas não um queijo qualquer. Escolham um produto de excelente qualidade, mesmo que ele custe mais. Toda noite se deliciem com um pedacinho dessa maravilha, deixando que ele derreta na boca bem devagar. O mesmo vale para todo tipo de alimento, seja salame, vinho, sal ou açúcar. Comam com moderação e vivam com serenidade. Nà£o existe receita melhor de saúde. 1#4 LYA LUFT – ORAÇÃO DA NAU À DERIVA Senhor, neste mar indeciso e muitas vezes encapelado em que estou perdida, dá-me alguma certeza de que existe uma rota firme e fixa, de que o trajeto correto é possível e de que no fim desse nevoeiro me espera uma luz positiva, uma luz boa, não apenas promessas e palavras vãs, mas realidades necessárias para que eu sobreviva com minha preciosa carga humana, moral e material de tantos bens que vêm sendo mal cuidados. Dá-me, Senhor, uma tripulação competente, com alta perícia, que me tire destas dificuldades e aflições, e me faca retornar ao que devo ser; um barco singrando águas promissoras, com possibilidade de sucesso, crescimento, bem-estar e felicidade para os milhàµes de passageiros que confiam em mim, e pelos quais sou responsável. Pois, no nevoeiro, e com tantas nuvens de tempestade ameaçando, talvez rochedos fatais debaixo da linha d'água, tenho medo de soçobrar. Dá-me, Senhor, um timoneiro experiente, sério, honrado, de pulso firme e ideias claras, coerente, decidido, que saiba o que faz e que deseje fazer o que é preciso para corrigir os rumos, a fim de que esta viagem acabe bem, sem ligar para interesses diversos fora dessa sua missà£o única: salvar a nau, os passageiros, os bens aqui embarcados, e abrindo possibilidade de muitas boas viagens por este mesmo mar. Dá-me, Senhor, responsáveis que escolham sua tripulação segundo seus merecimentos e preparo, gente boa, corajosa, incansà¡vel que consiga limpar as águas apodrecidas em que de momento estou mergulhada. São sujeiras de alguns anos, às quais tanto nos acostumamos que a ideia de despoluir este oceano chega a espantar – como se isso não fosse possível, e devêssemos todos, meus passageiros e eu; nos acomodar à ideia de que é assim mesmo, de que a podridão é normal e o resto são utopias antiquadas. Dá-me, Senhor, águas limpas para navegar, pois nestas em que agora navego boiam algas e sujeira e até cadáveres que se prendem na minha quilha ou impedem a hélice de funcionar: flutuo devagar, inclinada, num mar morto, à beira de um naufrágio. Não adianta mentir, nem inventar que estou bem, pois estou naufragando em águas turvas com milhares e milhões de passageiros em meu bojo, a grande maioria dos quais não faz ideia do que realmente acontece. Meus madeirames estalam e tremem, mesmo assim há quem diga que estou em boas condià§ões, que os malefícios são mentiras, que tudo está controlado. Contra a mentira e a mediocridade generalizadas, e a resignaà§ão de tantos de meus passageiros, iludidos ou desinteressados, preciso da tua ajuda. Dá-me, Senhor, gente que acredite que vale a pena mudar, que incômodos, aborrecimentos, até receios que quaisquer transformaà§ões impõem, são essenciais e benfazejos nestas horas, que graves revelações precisam ser seguidas de graves puniçàµes, sem as quais nada vai mudar, e continuarei sendo uma nau incerta e ameaçada, enquanto outras muitas seguem em viagens bem-sucedidas, crescendo em importância e benefícios para sua gente, integradas na frota global onde tantos escapam de tempestades e recuperam seus eventuais perdidos roteiros. Minha esperança, Senhor, é que com tua ajuda eu receba apoio e parceiros na busca da verdade, da honradez, da mudança firme, radical, talvez dolorosa, que me livre de ideologias funestas e arcaicas, por meio de um inaudito e necessário esforço pelo bem geral. Que acabem as maquinações ocultas ou ameaças ruidosas do perverso desejo do poder pelo poder, e da manutenção do poder espezinhando a democracia, única salvação de qualquer povo. E assim, quem sabe, numa difícil e audaciosa empreitada, a gente escape dos redemoinhos fatais e volte a se equilibrar, redescubra as melhores rotas e, com motores liberados de ônus perniciosos, velas abertas a ventos limpos e benéficos, eu retome minha imagem positiva, e talvez me salve, com meus passageiros, da ruína final. Dá-nos, Senhor, a dádiva da renovação para que eu seja uma nau respeitada e bela, e não restos de naufrágio em qualquer ilha esquecida. LYA LUFT É ESCRITORA 1#5 LEITOR CORRUPÇÃO NA PETROBRAS As evidências sobre o possível envolvimento da alta cúpula do PT no petrolão, o maior escândalo de corrupção da história do Brasil, tornam-se a cada dia mais cristalinas ("De: Paulo Roberto. Para: Dilma Rousseff, 26 de novembro). Esse e-mail comprometedor, enviado pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa à então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e atendido na íntegra pelo então presidente Lula, inviabiliza de vez a utilização do velho bordão: "Eu não sabia". Resta agora ver por quanto tempo a blindagem protetora, criada preventivamente pelo partido, resistirá. Os fatos são teimosos! MARCOS A.L. SANTANA Palmas, TO A cada etapa da Operação Lava-Jato, divulgada por VEJA com grande profissionalismo e comprometimento com a verdade, fico mais esperançoso de um futuro digno para esta nação. A cada andar que esses homens honrados da Polícia Federal e do Ministério Público sobem, varrendo esses lixos sociais, eles deixam mais de 50 milhões de brasileiros ansiosos pela faxina na cobertura, onde mora o chefão. VEJA, não me esconda nada neste momento tão esperado! MANOEL BEZERRA Goiânia, GO Se Lula e Dilma ignoraram alertas de irregularidades na Petrobras, eles devem ser considerados coniventes com a corrupção e submetidos ao rigor da lei. É o que todo cidadão de bem espera para que haja mais respeito com o dinheiro público obtido pelos impostos arrecadados dos trabalhadores honestos do Brasil. ANESIO SCANDIUCI Campinas (SP), via tablet Quem tem medo de ler VEJA? Agora dá para entender ainda melhor por que Lula e sua turminha fogem da revista como o diabo da cruz. Assim como o diabo, eles têm o rabo preso. Tudo se explica: o sinal vermelho é o somatório de investigações, denúncias e provas cabais. Tremei, oh profanadores do país, uma corja de ladrões antipatriotas! A nós, só resta a grande esperança de uma futura redenção, com corruptos e corruptores devidamente punidos para o bem geral da nação. FRANCISCO MICHIELIN Caxias do Sul, RS Do petrolão já é possível extrair algumas certezas: que as maiores empreiteiras do país são administradas por gatunos; que não temos partidos políticos, e sim clubes atuando em busca de cargos e benefícios em proveito próprio; que não temos uma estadista, e sim uma presidente subserviente a um partido; e, por fim, que não temos uma civilização brasileira, e sim uma república de bananas. ROBERTO LAPA Carpina, PE Se o passado condena, imagine o presente. Confiança se adquire, nà£o se negocia. ANTONIO KÄMPFFE Rio de Janeiro (RJ), via smartphone CARTA AO LEITOR Correto e oportuno o editorial "O papel das instituições" (Carta ao Leitor, 26 de novembro). Ao historiar as origens da Operacão Lava-Jato, seu desenvolvimento e resultados que todos os brasileiros esperam conhecer o mais rápido possível, a revista VEJA presta um serviço de utilidade pública não só pela informação que apresenta sobre tais apurações, mas, principalmente, por reforà§ar a saúde das instituições, para evitar tempos tenebrosos, que alguns remanescentes saudosistas de eras passadas nebulosas inutilmente tentam reviver. JOSÉ DE ANCHIETA NOBRE DE ALMEIDA Rio de Janeiro, RJ ROBERTO POMPEU DE TOLEDO Claro e objetivo o artigo "Caro golpista" (26 de novembro), de Roberto Pompeu de Toledo. O resultado da eleição deste ano não pode ser alterado. Devemos ficar vigilantes e atuantes até 2018 para finalmente nos livrarmos desse grupo incompetente. GILNEY SANTOS Aparecida de Goiânia, GO Desculpe, Roberto Pompeu, houve um exagero de generosidade de sua parte ao comentar as qualidades das instituições brasileiras. Vejamos: Poder Executivo — responsável direto pelo caos em que o país se encontra; Poder Legislativo — a grande maioria de seus componentes enfileira-se na listinha de destruições financeiras do poder mencionado; Poder Judiciário — seu representante maior, o STF, acaba de se mostrar no julgamento televisionado do mensalão, tendo como último ato viagens de um condenado entre Brasília e São Paulo, exigindo de um ministro atitudes de chefe de disciplina em um colà©gio de segundo grau. Portanto, nós, meros eleitores com algum discernimento, temos razão ao querer a saída da presidente Dilma Rousseff. Até o momento: ela não sinalizou disposição para mudar sua administração vergonhosamente corrupta e extremamente custosa ao Brasil. O país e os brasileiros merecem — e precisam de — melhores dirigentes. OTO RAFAEL ARANTES Belo Horizonte, MG O colunista Roberto Pompeu de Toledo tem toda a razão ao demonstrar que não há motivos para uma intervenção militar. Tem mais razão ainda ao advertir que o resultado seria exatamente o oposto ao supostamente pretendido: fortaleceria o PT, um verdadeiro gol contra. Entretanto, seu artigo "Caro golpista" pode induzir o leitor a erro. Dá a entender que as 40.000 pessoas que foram à Avenida Paulista se manifestavam por uma intervenção militar — o que não é verdade. Até podia haver um ou outro que portava cartaz nesse sentido, mas era uma minoria insignificante que de forma alguma representava a verdadeira razão daquela manifestação. EDUARDO BELMONTE DE ATUAYDE BOHRER Brasília, DF MAÍLSON DA NÓBREGA O excelente artigo sobre o "Bolsa Família: voto racional, e não de cabresto" (26 de novembro), do economista Maílson da Nóbrega, além de esclarecer a origem e os motivos da necessidade do programa, contribui para a conscientização da sua importância, desde que seja utilizado para atender o seu objetivo. MEIRY LUCAS Jaboticabal, SP O artigo de Maílson da Nóbrega sobre o Bolsa Família foi a explanação mais lúcida que já li sobre o programa. Desde sua concepção histórica até a relação com a duradoura permanência do PT no Palácio do Planalto. Maílson desmistifica as lendas e restabelece a verdade. Parabéns! RENATO DE CÁSSIA E SILVA FILHO Teresina, PI Parabenizo Maílson da Nóbrega pela correta análise e visà£o sobre o Bolsa Família e o voto de cabresto. CARLOS RIOS São Paulo (SP), via tablet Concordo com Maílson. Para acabar com o uso indevido do programa na eleição, sugiro que ele seja colocado na Constituição. Assim, acaba-se com a manobra do PT. GRORGES EVANGELOS FASSOLAS Campinas (SP), via tablet Concordo que o Bolsa Família não teve papel decisivo na reeleià§ão de Dilma. Mas que o programa garante ao governo dos chamados "petralhas" cerca de 27 milhões de votos, ah... isso garante. JULIANO SILVA COELHO Passos (MG), via tablet Esclarecedor o artigo de Maílson da Nóbrega. Mas não concordo que o programa rendeu somente 27 milhões de votos, o mesmo número de beneficiados. Conheço famílias inteiras, aqui em Brasília, que votaram em Dilma porque seus parentes, no interior do Nordeste, recebem o benefício. Ela perderia a eleição, pelo reduzido porcentual que a elegeu, caso não utilizasse esse poderoso cabo eleitoral denominado Bolsa Família. JAIR PEREIRA Brasília, DF O raciocínio do usuário do Bolsa Família é feito com a barriga e o estômago, como já havia dito o nordestino Lula com relação a ajudas semelhantes de governo não petista. E junto a cada beneficiário existe uma família cujos filhos vão à  escola somente pela exigência, mas não estudam e vivem repetindo o ano. Todo beneficiário do Bolsa Família sabe que o PT à© o dono do benefício e vai votar sempre no partido, até que isso seja um programa de governo explícito. JOSÉ ARIMATEIA DA SLLVA Natal, RN PESCADOR NO BRASIL Fiquei espantada ao saber que aumentou em onze vezes o número de pessoas que se declararam pescadores no Brasil desde 2003, para receber o seguro-defeso — uma bolsa paga durante o período de reproduçà£o dos peixes (Números, 26 de novembro). Quase 800.000 pessoas và£o receber um salário mínimo mensal, pago durante quatro meses, em média. Isso não é o fim do mundo, não. É sà³ o fim do Brasil! MÔNICA DELFRARO DAVID Campinas, SP TECNOLOGIA Congratulações pela excelente reportagem "Quem vê cuida" (26 de novembro), sobre a inserção do patrimônio natural de Fernando de Noronha no mapeamento do Google. A reportagem de VEJA mostra que o acesso universal a esse tesouro da natureza certamente contribuirá no sentido de manter e aperfeiçoar nossas leis de proteção ambiental pela via da conscientização das pessoas que aqui vivem e que nos visitam. REGINALDO VALENÇA JÚNIOR Administrador do Distrito Estadual de Fernando de Noronha (PE) GENÉTICA DO SERTÃO Cumprimentamos a jornalista Adriana Dias Lopes pela reportagem "A genética do sertão" (26 de novembro) e pelo enfoque dado às chamadas doenças órfãs, ou doenças raras. Há no Brasil aproximadamente 15 milhões de pessoas atingidas por alguma das cerca de 6000 doenças raras. Nós, da Associação Brasileira dos Doentes de Wilson, convivemos com as dificuldades enfrentadas por quem é portador de uma delas. A doença de Wilson, enfermidade genética que atinge três em cada 100.000 pessoas, se caracteriza pelo acúmulo de cobre no organismo, que afeta o fígado, os neurônios ou ambos, e, se não tratada, leva à morte. Como o acúmulo de cobre "explode" no fim da adolescência, a moléstia é chamada de doença de adolescentes. O principal problema enfrentado por pessoas com doenças raras é a falta de medicamento adequado. Como em geral atingem pequenos grupos específicos, elas não despertam o interesse dos laboratórios. Muitas das vezes, os remédios órfãos só existem no exterior, e sua aquisição pelos doentes à© complicada e dificultada pelo custo e pela imensa burocracia dos órgãos de saúde, como a Anvisa. É necessário que o governo crie laboratórios ou credencie os já existentes, como a Fiocruz ou o Instituto Butantã, para que produzam medicamentos para doenà§as raras. Basta apenas vontade política. Temos a esperança de que reportagens como a de VEJA despertem o interesse de nossos governantes para esse grave problema. LÚCIO MAZZA Vice-presidente da Associação Brasileira dos Doentes de Wilson Guarulhos, SP Sou professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenadora do projeto Genética do Sertão, juntamente com a doutora Kiyoko Abe Sandes. Nosso trabalho em Monte Santo tem como principal objetivo investigar a ocorrência de doenças genéticas raras em elevada frequàªncia e promover uma atenção em saúde pública para pessoas portadoras dessas enfermidades. Ele iniciou-se em 2006 devido aos rumores de casos de mucopolissacaridose tipo VI, fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito, contando com uma equipe multidisciplinar de diversas instituições de ensino e pesquisa. Ao longo desses anos, diagnosticamos uma série de outras doenças genéticas, com destaque para a surdez genética, estabelecendo uma linha de cuidados aos afetados e familiares, como aconselhamento genético e detecção de portadores, além de educação continuada em genética para os agentes comunitários de saúde (ACS), grandes parceiros do projeto. Entre as explicações para essas ocorrências, destacamos o isolamento populacional, baixa migração, efeito fundador, casamentos endogâmicos e consanguíneos. Nosso atual projeto do PPSUS está realizando um censo de toda a população por meio de um instrumento simples, aplicado pelos ACS em todas as famílias. Em seguida, vamos avaliar os casos levantados, para melhor caracterização, em paralelo com a implementação de uma linha de atenà§ão em saúde pública para genética, de acordo com a política nacional de doenças raras. Esperamos que essa experiàªncia possa contribuir como um modelo de genética comunitária para todo o pais. ANGELINA XAVIER ACOSTA Salvador, BA LUCIANA TAMBURINI Excelente conversa com a funcionária do Detran Luciana Tamburini ("A mulher que não perdeu o juízo", 26 de novembro). Ela mostrou que devemos, sim, manter nossos valores, as convicções e a ética que aprendemos com nossos pais, diante de qualquer pretenso poderoso, independentemente do cargo e da posição social ou econômica. ERIBERTO GRECORIO VIDAL Rio de Janeiro, RJ Um primor a entrevista com Luciana Tamburini, que demonstrou um alto carà¡ter e firmeza na sua atitude, não se intimidando com a autoridade prepotente, soberba e transgressora do magistrado que se julga acima do bem e do mal. JOÃO GUILHERME FREITAS Bento Gonçalves, RS TERRORISMO A reportagem "Por que ninguém mais se importa?" (26 de novembro) expõe de forma inteligente o aspecto dicotômico do pensamento humano. Por um lado, o obscurantismo do pensamento terrorista, cujo mais perverso meio justifica o mais injustificável fim. Por outro, o pensamento conformista anestesiante de uma plateia que assiste indolente a atos de barbárie humana no quintal do vizinho, permanecendo prostrada, alheia e cúmplice. E, assim, prisioneiros da inércia e como os piores cegos, em pleno século XXI, com todo o avanço da civilização, continuamos a presenciar meninas sendo escravizadas, minorias étnicas e religiosas sendo torturadas e decapitadas, em nome de tresloucada e incompreensível lógica, em que permeia ética difusa, fanatismo religioso e político, na qual se baseiam os estapafúrdios integrantes do grupo terrorista Estado Islâmico. Sejamos voz: não ao terrorismo! LUIZ ADRIANO PREZIA CARNEIRO São Bernardo do Campo, SP ADIB JATENE Doutor Adib Jatene, uma referência para jovens e estudantes que querem se dedicar à profissão de médico a vida toda. O doutor Adib Jatene, além de um grande profissional, era um homem exemplar que se dedicava à "família" ("Entre o coração e a razão", Memória, 26 de novembro). Jamais nos esqueceremos de seus ensinamentos. JOÃO LUIZ CARNEIRO COSTA Dourados (MS), via tablet SAMUEL KLEIN Agradecemos o registro feito pela revista VEJA em homenagem ao nosso patriarca, Samuel Klein, e também o respeito à privacidade da família neste momento tão doloroso (Datas, 26 de novembro). Nossa gratidão. FAMÍLIA KLEIN Por e-mail PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação. VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP: Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderà£o ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até a quarta-feira de cada semana. 1#6 BLOGOSFERA EDITADO POR KÁTIA PERIN kperin@abril.com.br NOVA TEMPORADA FERNANDA FURQUIM SHERLOCK A aguardada quarta temporada da série britânica Sherlock comeà§a a ser filmada em janeiro. Está previsto também um especial para ir ao ar no Natal de 2015. No Brasil, a série é exibida pelo canal BBC HD e está disponível no Netflix. www.veja.com/temporada COLUNA REINALDO AZEVEDO ECONOMIA Os petistas e as esquerdas deveriam estar felizes. O abacaxi na economia, vejam vocês, terá de ser descascado não por um esquerdista nem por um populista, mas por um economista que eles consideram "conservador". Pois é... Um conservador vai ter de consertar as burradas do petismo. Tomara que consiga. www.veja.com/reinaldoazevedo COLUNA AUGUSTO NUNES PETROBRAS Se a Petrobras fosse um país e calculasse o produto interno bruto com base no produto do roubo, não faria feio no ranking do Fundo Monetà¡rio Internacional que rastreia a situação econômica de 187 nações. Segundo a Polícia Federal, as fortunas engolidas pelo maior esquema de corrupção de todos os tempos somam 10 bilhões de dólares. O resultado do saque sem precedentes supera o PTB de 52 países. www.veja.com/augustonunes SOBRE IMAGENS BOB GOMEL Piloto da Força Aérea americana durante a Guerra da Coreia, Bob Gomel começou a trabalhar para a revista Life em 1959 e documentou boa parte da vida política da família Kennedy e do presidente Richard Nixon. Também fez fotos da turnê dos Beatles pelos Estados Unidos e acompanhou Muhammad Ali em várias lutas. Em dezembro de 1960, Gomel foi um dos primeiros fotógrafos a registrar um acidente aéreo entre dois aviões em Nova York. Os destroços das aeronaves caà­ram em pleno bairro do Brooklyn, matando 134 pessoas. Depois que a Life parou de circular semanalmente, em 1972, Gomel passou a trabalhar para o mercado publicitário. www.veja.com/sobreimagens SOBRE PALAVRAS A MANIA DO "E MUITO" "Gostaria do parecer do blogueiro sobre a nova — e irritante — mania de empregar o advérbio 'muito' precedido da conjunçà£o 'e' ('e muito'). Ex.: em vez de 'João correu muito', 'João correu, e muito'. Por que agora todos dão ênfase ao advérbio 'muito' desse modo? Não suporto essa mania." (Antônio Araújo) Quando se põe entre o verbo e o advérbio a cunha da conjunção "e", produz-se um efeito de reiteração que dramatiza a mensagem: a cada "e" é quase como se o verbo se repetisse. Veja-se o que dizia o personagem Rubião a Sofia em Quincas Borba, romance escrito por Machado de Assis na penúltima década do século XIX: "— Não se zangue; não desejo ofendê-la; mas, deixe-me dizer que a senhora é que me tem enganado, e muito, e sem compaixà£o". É como se Rubião dissesse:"... a senhora é que me tem enganado, e tem enganado muito, e tem enganado sem compaixão". Nà£o faria sentido condenar um recurso que expande as possibilidades expressivas da língua, é claro. O máximo que pode estar ocorrendo é um surto de abuso ou banalização de tal recurso — não digo que seja o caso, pois isso nunca me chamou a atenção, mas é o que poderia justificar a implicância de Antônio. Vale ficar de olho. www.veja.com/sobrepalavras QUANTO DRAMA A BIOGRAFIA DO COMENDADOR Nos próximos capítulos de Império, Téo Pereira, municiado das informações do ''garganta profunda" Maurílio (Carmo Dalla Vecchia), vai ajudar a deflagrar a série de acontecimentos que levarão à morte fingida do comendador José Alfredo (Alexandre Nero). Com isso, Téo finalmente poderá desfilar entre os grandes nomes do jornalismo nacional, ao lançar a "biografia não autorizada†de José Alfredo de Medeiros. O spoiler foi dado ao blog Quanto Drama! pelo próprio autor, Aguinaldo Silva, que, como jornalista que é, se sente incomodado com as limitações impostas pela Justiça à publicação de biografias no Brasil. "É uma vergonha para o país, um limite à liberdade de expressão", diz ele. “Téo conseguirá o que quer: ser reconhecido como jornalista. O livro será um sucesso!", adianta, às gargalhadas. • Esta página é editada a partir dos textos publicados por blogueiros e colunistas de VEJA-com _____________________________________ 2# PANORAMA 3.12.14 2#1 IMAGEM DA SEMANA – A GERAÇÃO CALIFADO 2#2 DATAS 2#3 CONVERSA COM FARRUQUITO – BATE O PÉ E ARRASA CORAà‡ÕES 2#4 NÚMEROS 2#5 SOBEDESCE 2#6 RADAR 2#7 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – A GERAÇÃO CALIFADO Extremistas islâmicos resistem a ataques e formam futuras levas de combatentes. No último dia 19, Chuck Hagel, secretário de Defesa dos Estados Unidos, fez uma descrição assustadora dos ultrafundamentalistas do Isis, que dominam regiões da Síria e do Iraque. Disse que nunca tinha visto um grupo "tão bem organizado, tão bem treinado, tà£o bem financiado, tão brutal e tão impiedosoâ€. Cinco dias depois, ele não era mais ministro, demitido pelo presidente Barack Obama. Militantes do Isis comemoraram pelo Twitter, postando mensagens em que Hagel aparece sendo degolado. Exaltar demais o inimigo não é uma boa tática política, mas o fato é que, por culpa de Hagel ou do chefe, os Estados Unidos estão se desmoralizando com os bombardeios sem resultados de pontos sob controle do Isis, e os jihadistas radicais estão ganhando a guerra da propaganda. Desde que começaram os pífios ataques americanos, aumentou o número de voluntários vindos de diversas regiões do mundo para aderir ao califado, a ambiciosa autodenominação político-religiosa do grupo. O alcance do Isis foi demonstrado na semana passada com um vídeo feito no Cazaquistão que mostra meninos pequenos sendo doutrinados e treinados no uso de fuzis. "Eles são a próxima geração, são eles que vão estremecer a terra" promete um dos instrutores. Num trecho do vídeo, aparece um bebê com a mesma roupa camuflada dos meninos maiores e uma arma de brinquedo. Produzir futuros guerreiros é traço comum a todas as ideologias totalitaristas. Um militante que deixou a Inglaterra para aderir ao Isis postou na semana passada uma foto dele com o filhinho recém-nascido e uma hasntag simples: geração califado. Mais um motivo para Chuck Hagel ocupar seu tempo livre pensando nas dimensões da missão que não cumpriu nem cumprirá. VILMA GRYZINSKI 2#2 DATAS MORRERAM Roberto Gómez Bolaños, criador e intérprete de Chaves e Chapolim Colorado, personagens humorísticos de larga popularidade na TV. Mexicano, cursou engenharia, mas nunca exerceu a profissão. Foi redator publicitário em rádio e televisão antes de ter o seu prà³prio programa, que lhe garantiria fama internacional. Nos últimos meses, estava com a saúde fragilizada. Dia 28, aos 85 anos, em Cancàºn. P.D. James, escritora inglesa de obras policiais, considerada "a rainha do crime". Nascida em Oxford, Phyllis Dorothy James já sabia, desde os 16 anos, que queria ser ficcionista. Mas um casamento precoce e o início da II Guerra postergaram os planos. Seu marido, o médico Ernest White, retornou do serviço militar com severos problemas mentais. Para bancar as despesas da casa e de suas duas filhas, Phyllis foi trabalhar no Serviço Nacional de Saúde. Seu livro de estreia, O Enigma de Sally, só foi lançado em 1962, quando tinha 42 anos. Nele já figurava o inspetor Adam Dalgliesh, que se tornaria seu personagem mais conhecido.“Talvez Adam Dalgliesh seja uma versão idealizada do que eu gostaria de ter sido se tivesse nascido homem", declarou ela certa vez. Frequentemente comparada a outras autoras consagradas do gênero, como Agatha Christie, P.D. James venceu alguns dos principais prêmios destinados a romances policiais, como o Cartier Diamond Dagger. Em 1991, recebeu o título de baronesa e, em 2008, entrou para o International Crime Writing Hall of Fame. Ao longo da carreira, escreveu dezoito livros, alguns deles adaptados para o cinema e a TV. Sua última obra foi Morte em Pemberley, sequência de Orgulho e Preconceito, da também britânica Jane Austen (17754817). Dia 27, aos 94 anos, de causas não divulgadas, em Oxford. Dodo Cheney, tenista americana que ganhou 391 títulos, a maioria deles depois dos 55 anos. Californiana, Dorothy Bundy — nome de batismo — foi a primeira mulher de seu país a vencer o Australian Open, em 1938. Em 1946 era a sexta melhor tenista do mundo. Sempre que ia jogar, gostava de usar um colar de pérolas, vestido, meias e munhequeiras rendadas. Dia 23, aos 98 anos, na Califórnia. Marion Barry, polêmico político americano, eleito quatro vezes prefeito de Washington (1978, 1982, 1986 e 1994). Nascido no Mississippi, filho de agricultores, iniciou sua trajetória quando cursava a faculdade de química. Durante o terceiro mandato, foi detido por utilizar crack e ficou preso por seis meses. A experiência foi usada como modelo de superação na campanha pelo quarto mandato. Dia 23, aos 78 anos, em Washington. • QUA|26|11|2014 ANUNCIADO para o dia 4 o leilão da medalha do Nobel de Medicina recebida por James Watson, um dos descobridores da estrutura do DNA, em 1962. A estimativa é arrecadar entre 2,5 e 3,5 milhões de dólares. É a primeira vez que a medalha de um Nobel será vendida com o laureado vivo. • QUI|27|11|2014 NEGADO pelo TCU recurso do ator Guilherme Fontes, que tenta reverter uma condenação por sonegação fiscal relacionada ao filme Chatà´. A produção começou em 1996 e obteve 8,6 milhões de reais por meio da Lei de Incentivo à Cultura, mas o longa nunca foi lançado. Fontes tem de devolver cerca de 66,2 milhões de reais. Não cabe recurso, mas ele pode tentar um embargo de declaração, obtendo mais tempo para saldar a dívida. 2#3 CONVERSA COM FARRUQUITO – BATE O PÉ E ARRASA CORAÇà•ES Filho e neto de dançarinos de flamenco, o espanhol Juan Manuel Fernà¡ndez Montoya fez sua primeira apresentação na Broadway aos 5 anos. Sedutor, diz que dançar "é mais bonito que estar apaixonado". É preciso ter origem cigana para nascer com a dança no corpo? Qualquer pessoa que ame o flamenco e dedique boa parte do seu tempo a ele será capaz de dançar como um cigano. Não é como no balé clássico. Minha tia dança e é muito gorda. Como se exercita? Danço até seis horas por dia. Faço flexões, para sustentar bem os braços, e abdominais, para a postura. Qual cantora famosa tiraria para dançar? Beyoncé. A rítmica da música negra é semelhante à da cigana. O que não suporta ver profissionais do gênero fazendo no palco? Virou moda agora misturar flamenco com dança contemporânea. Se fazem bem, até admiro; mas, de resto, fico bravo. Minha dança à© mais tradicional, embora tenha influência musical contemporânea. O flamenco corre o risco de virar apenas atração turística? Se a dança tivesse de ser 100% pura, não existiriam shows. Vocઠdançaria em casa, sem ninguém ver, e não por dinheiro, às 21 horas, em algum teatro. É verdade que sua dança tem o poder de enlouquecer coraçàµes femininos? O flamenco é envolvente e misterioso. Uma mulher falou que estava apaixonada por mim só de me ver dançando. Nos catorze meses em que esteve preso, por matar uma pessoa atropelada, foi tratado como celebridade? Fui reconhecido, claro. Nesse período, dancei todos os dias. Até ensinei flamenco a alguns presos. Bater os pés no chão, com ritmo e força, desperta mesmo as divindades da terra? Os ciganos começaram a bater os pés no chão para marcar território. Como somos nômades, quando parávamos em algum lugar, dançávamos forte para mostrar que ali ficaríamos. Braços ao vento, olhar para o coração e pés no chão. 2#4 NÚMEROS 0,53 centavos de dólar é o preço médio da ligaçà£o de celular para um número da mesma operadora no Brasil, segundo levantamento feito pela União internacional de Telecomunicações (UIT). 5ª colocação, entre 166 países, ocupa o Brasil no ranking dos mais caros do mundo — fica atrás apenas de Suíà§a (0,65), Irlanda (0,60), França e Grécia (0,54). 4,96% da renda mensal média os brasileiros gastam para ter um pacote de trinta ligações por mês e 100 mensagens de texto. Em Macau, onde as ligações são proporcionalmente as mais baratas no mundo, um contrato semelhante custa apenas 0,11% dos ganhos mensais médios. 2#5 SOBEDESCE SOBE * Crédito consignado - O empréstimo bancário com desconto direto na folha de pagamento aumentou 46% depois que o número máximo de prestações subiu de sessenta para até 96. * Municípios - O Congresso aprovou o aumento de 1 ponto percentual nos repasses do Fundo Nacional dos Municípios, o que deve render 1,9 bilhão de reais por ano às prefeituras. * Paraísos fiscais - Eles abrigam ao menos 7,6 trilhões de dà³lares em contas particulares, o correspondente a 8% da riqueza mundial, de acordo com o Journal of Economic Perspectives. DESCE * Obesidade - Segundo pesquisa do McKinsey Global Instituto, o custo global da gordura excessiva é de 2 trilhões de dólares por ano, ou 2,8% do PIB mundial — o impacto é equivalente ao de guerras e terrorismo somados. * ONU - A organização já admitiu que, ao contrário do que havia previsto, não conseguirá conter até dezembro o surto de ebola na África, epidêmico em países como Serra Leoa e Mali. * Medicina da USP - Após as denúncias de abusos sexuais contra alunas, a faculdade resolveu proibir festas e o consumo de bebidas alcoólicas. 2#6 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • LAVA-JATO A TERRA VAI TREMER Fernando Baiano está negociando um acordo de delação premiada. VISITAS PERIGOSAS A propósito, deputados adversários do notório Eduardo Cunha já têm em mãos imagens gravadas pelas câmeras de segurança da Câmara que mostram Fernando Baiano adentrando gloriosamente a liderança do PMDB na Casa. Não se sabe exatamente para quàª. Cunha, nunca é demais reforçar, é o líder do PMDB. A MELHOR SOLUÇÃO O que o comitê de crise do Planalto vê como a melhor saída para a Lava-Jato é uma ação que puna pecuniariamente as empreiteiras, mas sem fechá-las ou torná-las inidôneas, além, claro, da condenação dos executivos envolvidos. ME DESCULPA A Petrobras deveria ir à TV e, numa fala de dois minutos, pedir desculpas ao país pela roubalheira em série que agora começa a se desvendar. Essa foi uma das ideias discutidas na quarta-feira passada pelo grupo que cuida da imagem da Petrobras — agências de propaganda, o chefe da comunicação institucional, Wilson Santarosa, e o seu time. Até segunda ordem, não foi aceita. JANOT TRABALHA O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, está se reunindo desde a semana passada com as empreiteiras encrencadas na Lava-Jato. Em encontros individuais, propõe que encampem a tese de cartel e livrem o governo de qualquer participação. Elas teriam agido em comum acordo, tendo Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef como agentes e parlamentares como beneficiários. A Camargo Corrêa e a OAS lideram o grupo das que defendem o acordo. Janot falou em riscos à "governabilidade", prometeu que as empresas não seriam declaradas inidôneas e lembrou que formação de cartel é um crime econômico mais defensável. A propósito, chega nesta semana às mãos de Teori Zavascki, do STF, a ação da Engevix que propõe tirar o processo das mãos de Sérgio Moro e catapultá-lo ao STF • GOVERNO ROTEIRO DEFINIDO Já está tudo combinado com Dilma Rousseff. Kátia Abreu será reconduzida à presidência da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil no próximo dia 15, pedirá licença e emplacará no cargo João Martins Júnior, baiano da sua inteira confiança. Só depois será nomeada ministra da Agricultura. Vai, portanto, controlar o ministério e uma entidade de classe. NÃO GOSTOU A propósito, a JBS ainda não digeriu a escolha de Kátia Abreu para a Agricultura. NÃO MUDA Martelo batido: Arthur Chioro permanecerá no Ministério da Saàºde no segundo mandato de Dilma. • BRASIL EM DÍVIDA O governo deve ao Sistema S 700 milhões de reais por cursos que Senai, Senac, Senar e Senat realizam no Pronatec, o programa mais citado por Dilma Rousseff em sua campanha. EM AÇÃO De janeiro até a metade de novembro, a Polícia Federal já conseguiu o sequestro de 210 milhões de reais em bens de traficantes de drogas. Em 2013, foram 85 milhões de reais. • ECONOMIA PAPO DE ALTO NÍVEL Joaquim Levy e Armínio Fraga conversaram pelo telefone antes do "sim" do futuro ministro da Fazenda. NÃO ESTÁ FÁCIL A Sete Brasil parou de pagar os fornecedores há trinta dias. 4 BILHÕES DE DÓLARES O governo projeta um rombo de 4 bilhões de dólares na balança comercial em 2014. O déficit, apresentado há duas semanas em reunião na Casa Civil, é próximo às estimativas do setor privado. • FUTEBOL UNIFORME NOVO Não foi assinado ainda, mas já está tudo acertado: a partir de 2015, a nova patrocinadora e fornecedora de material esportivo do Sà£o Paulo será a americana Under Armour. Pagará 32 milhões de reais ao clube pelo contrato. • TELEVISÃO FREIO PUXADO O clima anda tenso na Record, muito tenso. O chefão da emissora, Marcus Vinícius, exigiu dos subordinados uma redução de 25% no orçamento de 2015. Demissões e corte nas produções sà£o esperados para breve. 2#7 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA “O que realmente importa é que nossos gols sirvam para chegarmos a Berlim (sede da final).†- LIONEL MESSI, craque do Barcelona, ao se tornar o maior goleador da Liga dos Campeões. “Neste momento tão importante, reflita sobre o que o tornarà¡ uma pessoa mais feliz e saiba que a idade é o menor dos obstáculos.†- ABILIO DINIZ, presidente do Conselho de Administração da BRF, 77 anos, dirigindo-se, no UOL, ao goleiro são-paulino Rogério Ceni, de 41, que voltou a desistir da anunciada aposentadoria. “Eu bebi um drinque na noite passada, e isso já é mais do que suficiente para mim.†- LEWIS HAMILTON, piloto inglês de F1, explicando, em coletiva à imprensa, como comemorou o bicampeonato mundial da categoria. â€œÉ como se um derramamento do óleo da Petrobras tivesse manchado o Brasil.†- EL PAÍS, diário espanhol, em editorial sobre o escândalo do petróleo. “Acho que nenhum outro país viveu tamanha roubalheira. Pelo valor das devoluções, algo gravíssimo aconteceu.†- FELIX FISCHER, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ),em sessà£o que julgou pedido de habeas corpus de um investigado na Operaçà£o Lava-Jato. “Talvez não se possa ter um diálogo, mas você nà£o pode nunca fechar a porta. É difícil, alguém poderia dizer que é quase impossível, mas a porta está sempre aberta.†- PAPA FRANCISCO, admitindo, em discurso no Parlamento Europeu, uma negociação com o Estado Islâmico, cujo idioma é o da degolação — inclusive de cristãos. “Você não pode colocar homens e mulheres em patamar igual. É contra a natureza. (...) A maternidade é a posição mais alta. Você não pode explicar isso às feministas. Elas não aceitam a maternidade.†- RECEP TAYYIP ERDOGAN, presidente da Turquia, batendo o recorde de disparates em um mesmo pronunciamento, durante evento sobre direitos femininos, em Istambul. “Pela via repressiva, o narcotráfico está se matando de rir. Cada vez se trafica mais, se gasta mais dinheiro em polícia, em colocar gente nas prisões. Estamos cultivando uma esplêndida derrota.†- JOSÉ MUJICA, presidente uruguaio, que deixará o cargo em março, na Folha de S.Paulo. “Uma das maiores tristezas em morrer é que será o único evento da minha vida sobre o qual não poderei escrever.†- GABRIEL GARCIA MÁRQUEZ, escritor colombiano e Nobel de Literatura (1927-2014), conforme lembrou o filho Rodrigo ao jornal The New York Times: ironicamente, o arquivo do autor, crítico do "imperialismo americano", foi adquirido na semana passada pela Universidade do Texas, “Sim, existe essa possibilidade de que eu seja candidato outra vez.†- VLADIMIR PUTIN, presidente russo, falando à agência Tass. “Minha mandíbula doeu por horas, pois eu não conseguia parar de rir.†- FREDRIK WIKINGSSON, apresentador de TV na Suécia, comentando, na revista Rolling Stone, sua reação ao show que Bob Dylan fez só para ele na Academia de Música de Filadélfia; o inusitado concerto integrará o documentário Experimento Sozinho, de Anders Helgeson, amigo de Wikingsson. “Neste século XXI, a humanidade atingiu um desenvolvimento tecnológico extraordinário, mas o desenvolvimento humano ficou para trás.†- ETTORE SCOLA, cineasta italiano, em O Estado de S. Paulo. EPÍGRAFE DA SEMANA A pretexto dos desafios da inovação digital “Nas trevas, a imaginação trabalha mais ativamente do que em plena luz.†- IMMANUEL KANT, filósofo alemão (1724-1804) . ___________________________________ 3# BRASIL 3.12.14 3#1 UMA NOVA CHANCE PARA A ECONOMIA 3#2 “A ÁGUA ESTÁ CHEGANDO AO PESCOÇO†3#3 UNIDOS PELA CORRUPÇÃO 3#1 UMA NOVA CHANCE PARA A ECONOMIA Joaquim Levy no comando da equipe econômica traz a perspectiva de uma mudança radical na política em curso, com a previsão de um desejado controle nos gastos públicos e a volta do combate à inflação. É uma esperança para retomar o crescimento. Resta saber como Dilma conviverá com ideias diferentes das suas. MALU GASPAR O novo ministro da Fazenda JOAQUIM VIEIRA FERREIRA LEVY Nascimento: 1961, no Rio de Janeiro. Família: casado, pai de duas filhas. Formação: engenharia naval, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestrado: economia, pela Fundação Getulio Vargas, em 1987. Doutorado: economia, pela Universidade de Chicago (EUA), em 1992, Atuação: Fundo Monetário Internacional (FMI), entre 1992 e 1999. Economista do Banco Central Europeu, entre 1999 e 2000. Secretário adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda, em 2000. Economista-chefe do Ministério do Planejamento, em 2001. Secretário do Tesouro Nacional, entre 2003 e 2006. Secretário da Fazenda do Rio de Janeiro, entre 2007 e 2010. “As medidas necessárias para o equilíbrio das contas pàºblicas serão tomadas. É um trabalho importante, pois é o que garante as condições de crescimento†Não foram poucas as vezes em que Sérgio Cabral, em seu primeiro mandato no governo do Rio de Janeiro, desabafou a respeito de seu secretário da Fazenda, Joaquim Levy: "Bem que o Lula me disse que esse Levy era um pão-duro!" Pelo seu histórico em cargos públicos e pelas suas convicções acadêmicas, o economista carioca de 53 anos, apresentado na quinta-feira como o novo ministro da Fazenda, no lugar de Guido Mantega, deverá levar à exasperação tambà©m a presidente Dilma Rousseff. Que assim seja! Passados quatro anos de maquiagens nas contas públicas, manobras fiscais e pouco empenho risco de cair no descrédito. Mudar de rota traz a esperança de uma retomada no crescimento. Diante dos desafios do petrolão, que poderá fragilizar o governo, e do jogo político pesado de um Congresso eleito menos favorável ao diálogo, a correção de rumo na economia pode ser o pilar de sustentação do segundo mandato de Dilma. Levy é um fiscalista. Isso significa que crê na necessidade de manter o equilíbrio do Orçamento, garantindo que as despesas cresçam em ritmo menor que o das receitas. É uma mudança radical em relação a Dilma 1.0 e sua equipe, que vendiam a ilusão de que o Brasil poderia crescer empurrado só pelo crédito. Terminou com o governo gastando um dinheiro que não tinha com empresários que não queriam investir. Dilma 2.0 começa diferente. Isso à© motivo de otimismo. Dilma 1.0 semeou inflação e colheu juros, justamente a acusação que ela passou a campanha presidencial inteira fazendo aos tucanos. Para o PT foi ainda mais cruel. O partido semeou Unicamp e colheu Chicago. Por Unicamp entenda-se a seita instalada na escola de economia da famosa Universidade de Campinas, em São Paulo. Chicago refere-se à universidade americana recordista mundial de ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, com 28 agraciados. Resumindo, o Brasil teve quatro anos de avestruz, enterrando a cabeça na terra para não enxergar os efeitos de desrespeitar certas leis econômicas. O resultado foi crescimento econômico quase nulo, inflação, aumento da miséria, perda da credibilidade e desarranjo do sistema de preços definidos pelo mercado — com as perversas consequências que isso acarreta e que são conhecidas pela humanidade desde a primeira tentativa registrada pela história no Código de Hamurabi, 3700 anos atrás. Não surpreende, portanto, o crescimento do PIB do Brasil de Dilma 1.0 ter ficado sempre abaixo da média dos vizinhos latino-americanos, longe de serem conhecidos como locomotivas econômicas. Mas Dilma 2.0 se anuncia diferente. Quem encarna isso é Joaquim Levy, que, até a posse da presidente no segundo mandato, vai trabalhar em um gabinete no Palácio do Planalto. Ao seu lado estará o novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, além do atual e futuro presidente do Banco Central Alexandre Tombini. A trinca é do ramo. Se deixarem que os três trabalhem sem interferências, ameaças e constrangimentos, a economia brasileira terá muito mais chance de atravessar o difícil ano de 2015 sem maiores danos do que os já infligidos pelo baixo crescimento de 2014 e pela falta de apetite dos empresários para investir no Brasil. Chamado de Joaquim "Mãos de Tesoura", o novo comandante da economia aproveitou o anúncio de sua confirmação no cargo, na quinta-feira passada, em Brasília, para emoldurar sua visão do problema básico da economia brasileira: "Temos a convicção de que a redução de incertezas sobre os objetivos do setor público sempre é um ingrediente importante para a tomada de risco por parte de empresas, trabalhadores e famílias, especialmente nas decisões de aumento de investimento, de capital físico e humano". Traduçà£o: por medo de que os gastos irresponsáveis do governo quebrassem o Brasil, nem pessoas nem empresas queriam correr o risco de investir. Ao diagnóstico correto seguiu-se a terapia adequada: "As medidas necessà¡rias para o equilíbrio das contas públicas serão tomadas" Também produziu um efeito muito positivo a aparente harmonia da nova equipe econômica. Nelson Barbosa, mais alinhado com o PT, queria ser ministro da Fazenda, mas aceitou assumir o Planejamento e está afinado com Levy: “A continuidade dos processos de inclusão social depende de estabilidade, da inflação, do crescimento da economia, que depende da confiança e da manutenção fiscal e monetária". Joaquim Levy formou-se em engenharia naval, fez mestrado em economia e doutorou-se na Universidade de Chicago, aquela que teve 28 professores agraciados com o Nobel de Economia e onde, resumindo, se aprende que governos não produzem riqueza e que seus méritos estão em criar condições favoráveis para que os agentes econômicos gerem a riqueza. Ensina-se em Chicago também que sempre que os governos gastam mais do que arrecadam eles pressionam a inflação, o mais cruel dos tributos, pois atinge mais fortemente os mais pobres. Levy trabalhou no Fundo Monetário Internacional, foi vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington, e, no governo Lula, ocupou o cargo de secretário do Tesouro. Dilma foi buscá-lo no Bradesco, no qual há cinco anos dirigia a Bram, gestora de recursos do banco. A presidente teve de assimilar críticas dos oposicionistas e fogo amigo no próprio partido. Para o PSDB, Dilma simplesmente se rendeu à óbvia constatação de que a maneira dos tucanos de conduzir a economia é a correta. Para o PT, a prioridade foi salvar as aparências com variações da seguinte explicação: não é nosso governo que se adapta a Levy, mas ele que se adapta ao nosso governo. Como o que está em jogo não é a retórica política, mas o bem-estar dos brasileiros, o que conta mesmo é Dilma acertar por conveniência ou pragmatismo em vez de continuar errando por convicção. A indicação de Levy veio de Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco. Ele foi a primeira opção de Dilma para o cargo, e por pouco não foi convidado. Na derradeira conversa no Planalto, há duas semanas, Trabuco apresentou o nome de Joaquim Levy. Seguiram-se as consultas de praxe de Dilma, sendo Lula o primeiro a ser ouvido. Ele vinha se batendo com a presidente pela necessidade de sinalizar a mudança de rumo na condução da política econà´mica. O modelo centrado em Dilma que prevaleceu no primeiro mandato havia falido. Mesmo que isso ferisse o ego da presidente, era vital deixar claro que ela não acumularia a Presidência como cargo de ministro da Fazenda no segundo mandato. Feito o convite, na quinta-feira 20 de novembro, foi a vez de Levy viver os próprios dilemas. Nas conversas com amigos, disse que Dilma hà¡via sido muito sedutora em sua proposta e confidenciou que estava propenso a aceitá-la. Mas não queria que seu gesto fosse entendido como um mero ato de vaidade, e, principalmente, não tinha certeza sobre até que ponto a presidente de fato compreendia a gravidade da situaà§ão fiscal brasileira. Voltou a Brasília na segunda-feira 24 disposto a expor o quadro da forma mais clara possível, assim como os mecanismos que julgava essenciais para consertá-lo. Pelas primeiras declarações do novo ministro da Fazenda e de seus colegas de equipe econômica, presume-se que a visão dele prevaleceu. Contudo, ninguém tem ilusões de que Levy vá ter uma vida tranquila. Tanto no governo do Rio como em sua passagem anterior por Brasília, no primeiro mandato de Lula, enfrentou constantes pressões de outros membros do governo para aumentar os gastos, mas ganhou autoridade ao alcançar bons resultados. No Tesouro, conseguiu alongar os prazos de vencimento da dívida pública e assegurou superávits fiscais robustos. No Rio, informatizou e profissionalizou a estrutura da secretaria, reviu benefícios fiscais e promoveu uma caça às receitas, transformando um déficit de 1,8 bilhões de reais em superavit de 3 bilhões. Uma história vivida há dez anos dá uma mostra dos embates que o novo ministro deverá viver na Fazenda. Em 2004, Levy se contrapôs ao hoje ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, em uma discussão sobre a meta de inflação. Mercadante, na época líder do governo no Senado, defendia a tese de que a meta subisse, enquanto Levy advertiu que o efeito poderia ser o contrário do desejado. "Sempre se corre o risco de mudar a meta, a inflação subir e aí não ter espaço para que os juros nominais caiam" disse. Quando era secretário, contava com o respaldo total de Palocci e trabalhava em afinidade com outros secretários e também com o então presidente do BC, Henrique Meirelles. Os próximos meses revelarão se Levy gozará agora do mesmo grau de apoio e de autonomia operacional para fazer os cortes necessários e recolocar a economia no caminho do crescimento sustentável. A reação positiva dos investidores brasileiros e estrangeiros a Levy ficou aquém da euforia. Paira ainda uma dose de ceticismo sobre a autonomia do novo ministro e o grau de tolerância política aos inevitáveis apertos nos gastos. Diz o economista Sérgio Vale, da MB Associados. "Um ministro só não faz verão. A terapia de que precisamos para voltar a crescer é complexa. A combinação de cortes nos gastos públicos, juros em alta e crescimento inexistente tende a ser cruel." Levará tempo para a nova equipe remontar as engrenagens necessárias ao processo de crescimento sustentável da economia. Mas é animador o fato de os esforços, agora, estarem sendo feitos na direção correta. Sem isso, o sofrimento imposto aos brasileiros seria muito maior. A semana passada terminou com um soluço da economia mundial. O preço do petróleo caiu, o dólar subiu em relação às demais moedas. Foi um aperitivo para 2015. Mais uma razão para comemorarmos o fato de ter gente do ramo no comando da economia. UMA ECONOMIA QUE NÃO AVANÇA Os resultados do PIB, divulgados na semana passada, revelam uma economia ainda estagnada (variação do PIB em relação ao mesmo trimestre do ano anterior) 2010 1º TRI 9,3% 2º TRI 8,8% 3º TRI 6,9% 4º TRI 5,3% 2011 1º TRI 4,2% 2º TRI 3,3% 3º TRI 2,1% 4º TRI 1,4% 2012 1º TRI 0,8% 2º TRI 0,6% 3º TRI 0,9% 4º TRI 1,8% 2013 1º TRI 1,9% 2º TRI 3,5% 3º TRI 2,4% 4º TRI 2,2% 2014 1º TRI 1,9% 2º TRI -0,9% 3º TRI -0,2% : GASTOS DO GOVERNO +1,9%; AGROPECUARÍA +0,3%; CONSUMO DAS FAMÍLIAS +0,1%; INDÚSTRIA -1,5% ; COMÉRCIO -1,8% ; CONSTRUÇÃO CIVIL -5,3%; INVESTIMENTOS -8,5% UM GUIA PARA ENTENDER O DEBATE ECONÔMICO Ajuste fiscal - Depois de quatro anos de maquiagens e manobras nas contabilidades públicas, chegou a hora de apertar o cinto. Assim como fazem as famílias com as suas finanças em tempos mais difíceis, o governo deverá reduzir os seus gastos. Mas apenas isso não serà¡ suficiente para reequilibrar as finanças a curto prazo. Espera-se o aumento de impostos para o próximo ano. Déficit público - Ocorre quando o governo gasta mais do que arrecada, ou seja, todo santo ano. O saldo negativo se acumula na dívida pública, cujo custo é pago pelos impostos. Desoneração - É aquela colher de chá dada pelo governo, na forma de tributos mais camaradas, a poucos setores favorecidos - e com lobby mais forte em Brasília. Só neste ano, a perda na arrecadação superou 80 bilhões de reais. Superavit primário - É a poupança que o governo deve fazer, excluindo a conta dos juros, para evitar o aumento na dívida pública. Neste ano, o saldo deveria ficar positivo em 100 bilhões de reais, mas o governo gastou demais, e o superavit primário será prà³ximo de zero. Resultado: o aumento ainda maior da dívida. Se a trajetória não for revertida, o Brasil poderá perder o grau de investimento. Grau de investimento - Classificação dada a países e empresas com histórico de bons pagadores. Quanto melhor a avaliação, menor a chance de calote, mais baixos são os juros pagos para financiara dívida e mais prósperos são os países. Sem o ajuste fiscal (veja na pag. ao lado), o Brasil corre o risco de ser rebaixado. Gastos correntes - São as despesas com o funcionamento da administração federal. Assim como as famílias devem pagar o aluguel ou a conta de luz todos os meses, o governo também tem despesas fixas - entre elas salários, viagens e o cafezinno. Cide - É a Contribuição de Intervenção no Domà­nio Econômico, tributo cobrado sobre a gasolina e o óleo diesel, em tese para financiar obras de infraestrutura. A Cide foi zerada hà¡ dois anos para evitar uma alta acentuada dos combustíveis, mas deverá voltar em breve. Previsão de gasolina mais cara adiante. Mercado - Na boca de esquerdopatas, virou sinônimo de especuladores, banqueiros inescrupulosos, escroques capitalistas. Figuras assim fazem parte do mercado, sem dúvida, mas elas não são o mercado. O mercado nada mais é que a forma desenvolvida pela humanidade para arbitrar as trocas comerciais em uma sociedade. Todos fazemos parte do mercado, investidores, consumidores, empresários, famílias e o governo. Política ortodoxa - Atualmente é assim chamada a política econômica que nutre o equilíbrio nas finanças públicas, combate a inflação e promove o livre-comércio. É o modelo dos países mais ricos do mundo. Para a esquerda, entretanto, é um sistema que, ao controlar os gastos públicos, arrocha o salário e os benefícios sociais. Esses críticos esquecem-se de dizer como financiarão os seus generosos programas assistenciais. Política heterodoxa - É o modelo que prevê a intervenção pesada do governo na economia, supostamente para beneficiares mais pobres, mas que ao fim acaba em desarranjo, por ser insustentável. A Argentina e a Venezuela são ótimos exemplos. Foi assim também, em grande medida, no primeiro mandato de Dilma, com resultados pífios. Desenvolvimentista - Jabuticaba acadêmica nacional. É um grupo de economistas que dizem favorecer o desenvolvimento. Mas que economista à© contra o desenvolvimento? Trata-se de uma corrente dos heterodoxos que meteram os pés pelas mãos nos primeiros anos Dilma, provocaram uma regressão do desenvolvimento e perderam o emprego. Selic - É a taxa básica de juros fixada pelo Banco Central, usada para calibrar o custo do dinheiro na economia. Se o governo gasta muito, pressionando a inflação, os juros precisam subir mais. É o que aconteceu nos últimos meses. Investimento - Recursos aplicados na construção e na ampliação de fábricas e de ferrovias, portos, rodovias e aeroportos, projetos sem os quais um país não consegue crescer de forma sustentada sem gerar inflação. No governo Dilma, a taxa de investimento nunca decolou. Poupança interna - Parcela da renda nacional que não é gasta e tem a imprescindível finalidade de bancar os investimentos. No Brasil, o governo prefere atrapalhar o crescimento ao gastar mais do que arrecada, reduzindo, portanto, a poupança nacional. O resultado é que o país pouco investe e, quando o faz, depende de recursos de fora (a poupança externa). A PROSPERIDADE DOS MERCADOS As cidades italianas de Veneza, Gênova e Florença foram pioneiras, ainda no fim da Idade Média, em criar um ambiente seguro para os negócios. A execução dos contratos e a defesa dos direitos à  propriedade eram aplicadas com rigor, e os comerciantes contavam com garantia para financiar as navegações e outros empreendimentos. As autoridades venezianas eram as guardiãs dos direitos de seus mercadores, tidos como o pilar da república. Veneza foi o primeiro governo a reconhecer patentes. Esses avanços institucionais propiciaram o florescimento do comércio e das finanças, levando ao Renascimento. Uma das principais inovações foi a Casa de San Giorgio, instituição financeira genovesa fundada em 1407. Um dos precursores dos bancos, consolidava as contas do governo e fazia operações de crédito. Ganhou confiabilidade dos investidores e comerciantes, podendo realizar operações com prazos mais longos, a um custo menor. Veneza e Florença também criaram instituições parecidas. São os primeiros exemplos da prosperidade de Estados confiáveis, em um arcabouço de confiabilidade para os empreendedores. Não apenas. Revelam como os governos adquiriram a capacidade de, graças aos mercados, realocar os recursos dentro da economia para manter o crescimento, ou recuperá-lo depois de choques externos, como guerras, pestes e desastres naturais, ou ainda diante de choques internos, entre eles crises políticas ou financeiras. Como se lê em The Cambridge History of Capitalism: "Os sinais dados pelo mercado são essenciais para direcionar os esforços na retomada do crescimentoâ€. Foi o que a história mostrou. É o que Dilma, agora, reconhece. Em tempo. OS DESEQUILÍBRIOS NA ECONOMIA Em oito quadros e comparações, os maiores desajustes a ser enfrentados por Dilma para reativar o crescimento. 1- Mesmo com o crescimento baixo, a inflação não cede Inflação (IPCA, em % ao ano) Meta 4,5% 2010 5,91% 2011 6,5% 2012 5,84% 2013 5,91% 2014 6,59% (12 meses até outubro) 2- O superavit fiscal caiu e a dívida aumentou Resultado primário (receitas menos despesas antes do pagamento de juros, em % do PIB) 2010 +2,7% 2011 +3,1% 2012 +2,4% 2013 +1,9% 2014 +0,6% (12 meses até setembro) Dívida bruta do governo (em % do PIB) 2010 53% 2011 54% 2012 59% 2013 57% 2014 62% (12 meses até setembro) 3- O BNDES empresta mais, mas o investimento não cresce Empréstimos do BNDES (em bilhões de reais) 2010 168 2011 140 2012 156 2013 190 2014 190 (projeção) Taxa de investimento (em % do PIB, no terceiro trimestre) 2010 20,5% 2011 20% 2012 8,7% 2013 19% 2014 17,4% 4- O comércio avança, e a indústria não acompanha (variação 2010-2014 até setembro) Vendas do varejo +19% Produção da indústria -5% 5- Os salários aumentam acima da produtividade na indústria Salários reais 2011 +3,3% 2012 +5,8% 2013 +2,4% 2014 +3,8% (primeiro semestre) Produtividade (variação em relação ao ano anterior) 2011 +0,1% 2012 -0,7% 2013 +2,4% 2014 +0,3% (primeiro semestre) 6- O crédito avança mais nos bancos públicos Saldo total dos empréstimos concedidos (em trilhões de reais) Bancos privados 2010 0,99 2011 1,15 2012 1,23 2013 1,32 2014 1,36 (em outubro) Bancos públicos 2010 0,71 2011 0,89 2012 1,13 2013 1,39 2014 1,56 (em outubro) 7- A Petrobras perde dinheiro com os combustíveis subsidiados Resultado da Petrobras (na área de abastecimento, em bilhões de reais) 2010 +3,7 2011 -10 2012 -22,9 2013 -17,8 2014 -8,7 (até junho) 8- O déficit externo se aprofunda Resultado das operações do país com o exterior (em bilhàµes de dólares) 2010 -47 2011 -52 2012 -54 2013 -81 2014 -84 (12 meses até outubro) Fontes: IBGE, Banco central, Petrobras, BNDS e Iedi COM REPORTAGEM DE ANA LUIZA DALTRO, CECÍLIA RITTO E MARCELO SAKATE 3#2 “A ÁGUA ESTÁ CHEGANDO AO PESCOÇO†O advogado da Petrobras avisou o Planalto dos riscos de a estatal continuar contratando obras sem licitação apesar das sucessivas advertàªncias do Tribunal de Contas da União sobre irregularidades. ROBSON BONIN E HUGO MARQUES Na semana passada, VEJA mostrou que mensagens eletrônicas encontradas pela Polícia Federal nos computadores do Palácio do Planalto revelavam que o ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff tiveram; em 2009, a oportunidade de interromper a ação dos corruptos que atuavam no coração da Petrobras — e a desperdiçaram. Chefe da Casa Civil do governo Lula, Dilma recebeu do então diretor de Abastecimento e Refino da Petrobras, Paulo Roberto Costa, um e-mail alertando para o risco de que obras sob sua responsabilidade fossem paralisadas por recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU). Cà©rebro da quadrilha que desviou bilhões dos cofres da companhia, Paulo Roberto estava preocupado com a ação dos auditores que comeà§aram a farejar pistas da existência do cartel de empreiteiras que superfaturava contratos na estatal. Para impedir que o dinheiro parasse de jorrar no bolso dos corruptos, o diretor sugeriu que o governo agisse politicamente para neutralizar as denúncias do tribunal. E assim foi feito. Logo depois de receber a mensagem, Dilma se pôs a criticar a iniciativa do TCU, e Lula vetou a decisão do Parlamento de interromper as obras suspeitas, entre elas a de construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Na esteira da apuração da reportagem, VEJA perguntou à presidente, que também comandava o Conselho de Administração da Petrobras na ocasião, se era comum um diretor desconsiderar a hierarquia, dirigir-se diretamente ao Palácio do Planalto e tomar a liberdade de oferecer sugestões políticas para um problema administrativo. Dilma não respondeu. A presidente também não explicou por que o governo, em vez de atuar para sanar as irregularidades apontadas pelo tribunal, fez exatamente o contrário. Depois da publicação da reportagem, Dilma Rousseff preferiu, em nota oficial, atacar o mensageiro. Ela acusou VEJA de manipulação. A revista só relatou fatos produzidos pelos governos de Lula e Dilma. Não foi VEJA que colocou Paulo Roberto Costa na Petrobras com o objetivo de montar um esquema de corrupção para obter recursos a ser entregues a políticos e partidos aliados do governo. Não foi VEJA que colocou o doleiro Albert Youssef a serviço do esquema de Costa na Petrobras. Quem disse que Lula e Dilma sabiam de tudo foi Youssef. VEJA apenas revelou a fala do doleiro. Portanto, não adianta esbravejar contra o mensageiro, quando é a mensagem que fere. Em 29 de maio de 2007, o então advogado da estatal junto ao TCU, Claudismar Zupiroli, enviou um e-mail à então secretária executiva da Casa Civil, Erenice Guerra. Ele relatou sua preocupação com o fato de o TCU estar no pé da Petrobras pelo uso abusivo de um decreto que permite gastos sem licitação na estatal (leia a entrevista com o presidente do TCU na pág. 72). Zupiroli informa que há um "voa barata" entre os gestores da Petrobras, que estavam "com medo do recrudescimento do tribunal em cima delesâ€, por causa das contratações sem licitação. Editada em 1998 no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, a norma foi idealizada com uma finalidade nobre: agilizar a contratação de serviços prioritários e urgentes a fim de evitar que a estatal perdesse competitividade no mercado. Nas mãos de Paulo Roberto Costa e de outros diretores corruptos da estatal, no entanto, o decreto passou a ser usado indiscriminadamente para dispensar a licitação em praticamente todas as obras, servindo de biombo para acobertar as maiores atrocidades patrocinadas com o dinheiro público. É da natureza dos corruptos não se intimidar diante de leis e decretos que dificultam sua ação. Assim, não se pode ver na dispensa de licitação a única causa da transformaçà£o das obras da Refinaria Abreu e Lima no maior assalto aos cofres pàºblicos já registrado na história do Brasil. De 2,5 bilhões de dólares, o custo da refinaria saltou para 20 bilhões. Uma parte considerável desse dinheiro foi desviada pelo esquema de corrupà§ão liderado por Paulo Roberto na Petrobras. No relatório de 2009, o TCU alertava para a existência de superfaturamento. Informava que os negócios suspeitos eram planejados em uma sala secreta, localizada no 19º andar do edifício-sede da Petrobras. Era lá que Paulo Roberto dava expediente como diretor de Abastecimento. Dali ele redigiu a mensagem a Dilma Rousseff sugerindo a bem-sucedida intervenção do governo para que nada fosse investigado. Zupiroli também achou por bem advertir Erenice: "Cresce a corrente dos que se recusam a assumir cargos de responsabilidade, como cresce a disposição daqueles que acham que devem ligar ‘o f.’ no sentido de aplicar a Lei de Licitações, independentemente das consequências. A água está chegando ao pescoço". Não há registro de que a principal conselheira de Dilma tenha tomado alguma providência no sentido de ao menos averiguar se havia algo errado. O que se viu foi que as contratações sem licitaçà£o continuaram a todo o vapor. O primeiro e-mail revelado por VEJA mostrou que o Planalto foi acionado por Paulo Roberto Costa para não deixar o TCU interromper as obras e, claro, a dinheirama sem licitação. A mensagem do advogado, bem mais explicita e eloquente, mandara o mesmo recado dois anos antes. Na semana passada, o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) apresentou requerimento pedindo a convocação de Dilma e Lula para prestar esclarecimentos na CPI mista da Petrobras. “A presidente disse que está disposta a aprofundar toda a investigação. Nada mais justo do que ela ir à CPI para esclarecer, em primeiro lugar, a acusação do doleiro e, agora, a ligação com esse diretor corrupto." O parlamentar também quer que o ex-presidente e sua sucessora expliquem como a quadrilha conseguiu se instalar na Petrobras sem que o governo percebesse. Quadrilha que: segundo os depoimentos colhidos pela polícia, também ajudou a financiar a própria campanha presidencial de Dilma em 2010 e alimentou o caixa do PT e de seus aliados. “AVISAMOS VÁRIAS VEZES†O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Augusto Nardes, diz que o governo foi avisado várias vezes sobre as irregularidades encontradas na Petrobras. Somente nos últimos dois anos, houve cerca de cinquenta reuniões na Casa Civil da Presidência da Repàºblica para discutir os problemas detectados nas obras da estatal. Ele conta que advertiu pessoalmente a ministra Gleisi Hoffmann sobre a constatação dos auditores que encontraram indícios graves de superfaturamento e combinação de preços. Para o presidente do TCU, a gênese da maioria dos problemas está no mau uso do decreto presidencial que autoriza a Petrobras a contratar serviços e fazer compras fora da Lei de Licitações. O que deveria ser um instrumento de uso excepcional para dar agilidade à empresa virou a regra e favoreceu a ação de corruptos e corruptores. O governo sabia das irregularidades na Petrobras? O primeiro a saber é sempre o próprio auditado. Avisamos o governo várias vezes. Quando começamos uma auditoria, contatamos a direção. No caso da Petrobras, quem está administrando a empresa toma conhecimento. Fiz uma visita à presidente Graça Foster hà¡ um ano e meio e comuniquei a ela a situação preocupante de Pasadena (de acordo com o TCU, a compra da refinaria no Texas gerou um prejuízo de 1 bilhão de dólares). A reação dela foi dizer que sabia da situação. Naquele momento já estava em andamento a auditoria do TCU. Graça Foster se pôs à disposição para dar informações. Isso já foi positivo. E as obras que o tribunal recomendou paralisar? Em relação à Refinaria Abreu e Lima, eles tinham conhecimento há muito tempo. Lá atrás, falei com o Gabrielli (José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras), mas a reação já não foi a mesma. O senhor disse que também avisou o Planalto sobre as irregularidades por meio da ministra Gleisi Hoffmann (chefe da Casa Civil do governo Dilma), mas ela nega. Como explica isso? Nós comentamos o assunto em várias reuniões com a Casa Civil. Temos feito muitas reuniões, especialmente na parte de regulação, e demonstramos nossa preocupação. Mas é claro que são tantos os assuntos de que a Casa Civil trata que pode ser que nà£o tenham dado a devida importância. Não sei dizer por que nada foi feito. Mas foi comunicado. O escândalo da Petrobras poderia ter sido evitado? Uma refinaria que começou com um custo de 2,5 bilhões de dólares e hoje está próximo de 20 bilhões de dólares jamais poderia ter sido feita sem usar a Lei de Licitações. Abre-se uma concorrência, escolhe-se a empresa capacitada e que oferece o melhor preço. Neste ano a Petrobras investiu 84 bilhões de reais, e 60% disso foi gasto sem licitações. Isso facilita a ação de pessoas mal-intencionadas, o que a polícia está mostrando com clareza de causar espanto e indignação. Por que o senhor é contra a declaração imediata de inidoneidade das empresas envolvidas no escândalo? Defendo a repactuação dos contratos, o que não significa que não possamos transformar a empresa em inidônea mais à frente. Tem de ser dada oportunidade de defesa. As grandes empreiteiras não podem ser impedidas de trabalhar. Os culpados têm de ser penalizados, mas não se pode acabar com a empresa. O impacto social e econômico seria muito grande. 3#3 UNIDOS PELA CORRUPÇÃO Adversários no segundo turno deste ano em Rondônia, o governador Confúcio Moura e o ex-senador Expedito Júnior integravam o mesmo esquema, de acordo com a PF. No último debate antes do segundo turno das eleições deste ano em Rondônia, o ex-senador Expedito Júnior (PSDB) questionou logo no primeiro bloco o governador Confúcio Moura (PMDB) sobre as denúncias de corrupção no estado, que envolviam até familiares seus. Durante toda a campanha, o governador também havia atacado o ex-senador, que foi condenado em 2009 pelo Supremo Tribunal Federal por compra de votos e abuso de poder econômico nas eleições de 2006. Em meio à troca de acusações, ficava difícil saber quem tinha razão, mas o que os eleitores não sabiam é que ambos falavam com conhecimento de causa: segundo a Polícia Federal, os dois participavam do mesmo esquema de corrupção que desde 2011 causou um prejuízo de pelo menos 57 milhões de reais ao estado. De acordo com a PF, o acerto começou em 2010. Em troca do apoio de Expedito Júnior no segundo turno daquele ano, Confúcio, uma vez eleito, renovou de maneira fraudulenta os contratos do governo com uma empresa da qual o ex-senador tucano é sócio oculto, a Rocha Segurança. As parcelas mensais passaram de 3,2 milhões de reais para 4,2 milhões, e uma parte do dinheiro voltava para o grupo do governador. O caso foi descoberto depois que dois integrantes do esquema aceitaram fazer uma delação premiada. A Controladoria-Geral da União, então, analisou os contratos entre os dois ''adversários" e constatou as irregularidades. Embora a empresa tivesse apenas 151 revólveres, foi contratada para fazer a segurança armada em 414 locais em todo o estado. A conclusão é que parte dos serviços jamais foi prestada. Quando a PF deflagrou a operação, o governador e o ex-senador foram conduzidos à sede da polícia para se explicar. Ambos negara as acusações. A reportagem de VEJA teve acesso ao inquérito do caso, que està¡ sob segredo de Justiça. De acordo com a documentação, o acerto de Confúcio e Expedito era parte de um esquema maior de corrupção em Rondônia, que envolvia ao menos oitenta funcionários públicos e 76 empresários. Segundo o Ministério Público Federal, “as evidências colhidas na investigaçà£o demonstram que a institucionalização da corrupção no Poder Executivo estadual tem origem no seu chefe maior, o governador Confúcio Mouraâ€. A PF agora vai analisar todo o material apreendido e as movimentações financeiras do governador reeleito, que teve os sigilos bancário e fiscal quebrados. A depender do resultado das investigações, o teatro não vai se repetir em 2018. KALLEO COURA ______________________________________ 4# INTERNACIONAL 3.12.14 QUANDO OS FATOS NÃO TÊM VEZ A sensação de que a polícia é injusta com os negros nos EUA ofusca o fato de que, no caso da morte de Michael Brown, não houve crime. FELIPE CARNEIRO Em seu poema Burnt Norton, o americano T.S. Eliot (1888-1965) escreveu que “a espécie humana não pode suportar tanta realidadeâ€. Diante de fatos concretos que desafiam uma ideia preconcebida, a saída mais comum é alterá-los e reduzi-los, em vez de mudar de opinião. Foi essa a reação que predominou na semana passada depois do anúncio, na segunda-feira 24, de que o policial Darren Wilson, branco, não iria a julgamento por ter matado a tiros, em agosto, o jovem Michael Brown, negro, em Ferguson, na região metropolitana de Saint Louis – cidade natal de Eliot. O episódio foi visto como uma confirmação da percepção de que a polícia americana é racista e injusta e provocou protestos, em alguns casos violentos, em mais de 100 cidades americanas. Dezenas de carros policiais foram destruídos. Lojas foram saqueadas e incendiadas. Na Califórnia, amis de 130 pessoas foram presas. As multidões indignadas preferiram ignorar as 4799 páginas com provas materiais, depoimentos de testemunhas e o relato do policial divulgados pela promotoria e que serviram de base para a decisão de não levar Wilson a julgamento. Aos fatos: em 9 de agosto, Darren Wilson, de 28 anos, fazia a patrulha com sua viatura quando avistou dois homens caminhando no meio da rua. Pela janela do carro, pediu a eles que fossem para a calcada. Dorian Johnson, amigo de Michael Brown, respondeu que já estavam quase chegando em casa e continuaram no asfalto. Naquele momento, Wilson se deu conta de que o biótipo e as roupas dos jovens coincidiam com a descrição dos bandidos que haviam roubado uma loja de conveniência minutos antes. Ele chamou reforço pelo rádio, engatou a ré e atravessou o carro na pista, impedindo a passagem dos suspeitos. Ao tentar abrir a porta para sair do automóvel. Wilson foi impedido por Brown, que deu socos em seu corpo e em sua cabeça. A agressão foi confirmada por fotografias do rosto de Wilson feitas pela perícia. Em algum momento da refrega, Brown entregou ao amigo uma caixa de cigarrilhas, o que confirmou a suspeita de que eram eles os ladrões procurados. Em seguida, Brown, de 18 anos e 1,98 metro, a mesma altura de Wilson, debruçou-se para dentro do carro e tentou tirar a arma do policial. A pistola Sig Sauer P229 escorregou. Quando Wilson a alcançou, ele apertou o gatilho uma, duas vezes, e nada. Na terceira tentativa, a arma disparou. A bala atravessou a porta do carro e atingiu Brown. O sangue encontrado dentro do carro confirmou a versão. Após o tiro, Brown fugiu. Wilson foi atrás dele com a pistola em punho, dando ordem para que se deitasse no chão. Depois de tentar, sem sucesso, entrar em um automóvel cheio de passageiros, Brown deu meia-volta e caminhou — ou correu (as testemunhas deram versões diferentes sobre isso) — na direção do policial. Wilson disparou sua arma dez vezes para tentar detê-lo, sem sucesso. A bala fatal entrou pela parte de cima do crânio de Brown. Embora algumas testemunhas tenham dito que ele levantou as mãos, implorando para que Wilson não atirasse, os rastros de sangue encontrados pelos tà©cnicos forenses corroboram o relato do policial: não houve esboà§o de rendição. Outra versão que evaporou com a coleta de provas foi a narrada por Johnson. Ele disse que Wilson, ainda sentado no carro, levantou seu amigo pela gola. Brown pesava 131 quilos, 35 a mais que o oficial. Diante de tais evidências e de tantos testemunhos desencontrados, o grande júri, formado por cidadãos comuns, decidiu que não havia elementos para indiciar Wilson. A versão do policial, de que atirou porque se sentiu ameaçado por Brown, era crível. As minúcias da investigação, porém, são irrelevantes para os manifestantes que tomaram as ruas americanas, porque a narrativa de tensão permanente entre a polícia, predominantemente branca, e a população negra, em geral mais pobre, já estava posta. Embora os negros constituam 63% da população de Ferguson, só há três deles entre os 53 policiais da região. "A verdade é que a maioria dos negros não quer trabalhar na seguranà§a pública. Precisamos da ajuda deles para diminuir essa grande discrepância", disse o prefeito da cidade, James Knowles. A questão é que, nos Estados Unidos, ainda que as leis raciais tenham desaparecido há cinco décadas, os cidadãos infligem a si mesmos uma segregação baseada na cor. Pelas regras do mercado imobiliário americano, por exemplo, vizinhos podem vetar a chegada de um novo morador. Isso leva à formação de bairros só de negros, asiáticos, brancos ou latinos. A maioria dos crimes é intrarracial: 84% das vítimas brancas foram mortas por criminosos brancos e 93% dos negros foram assassinados por negros. Mas, como as escolas são financiadas pelos distritos, áreas mais pobres acabam tendo os piores professores, o que resulta num ciclo vicioso que preserva as desigualdades e deixa algumas comunidades mais expostas ao crime. Em Ferguson, os negros representam 86% das pessoas abordadas pelas viaturas e 92% dos que terminam na cadeia. Embora aviltantes, esses nàºmeros são condizentes com a proporção dos crimes atribuídos a negros pelas próprias vítimas. Isso se reflete no estereótipo que os policiais têm dos criminosos e leva ao tratamento injusto de pessoas que não devem nada à lei. Uma pesquisa mostra que cerca de 70% dos negros dizem se sentir injustiçados, enquanto entre brancos esse desconforto só existe para 37%. O número é menor que o de 2009, quando 86% dos negros tinham essa percepção. "A concentração de negros nas áreas pobres, de alta criminalidade, é um problema maior do que o racismo na polícia'', diz o sociólogo John Logan, da Universidade Brown, na Califórnia. Ainda que Darren Wilson não seja um racista dedicado a matar negros apenas por serem negros, uma parcela da população americana já o condenou a esse papel simbólico. Trata-se de uma manipulação dos fatos amparada em episódios reais, como o espancamento de Rodney King, um operário negro, por quatro policiais em Los Angeles, em 1992. Em Burnt Norton, T.S. Eliot escreveu: "O que poderia ter sido e o que foi / Convergem para um só fim, que é sempre presente". COM REPORTAGEM DE PAULA PAULI ___________________________________________ 5# ESPECIAL – EMPRESAS E PESSOAS INOVADORAS 3.12.14 5#1 A DIGITAL DA INOVAÇÃO 5#2 OS ATLETAS DE OURO DOS NÚMEROS 5#3 QUER SABER? É SÓ PERGUNTAR 5#4 O IMPLACÁVEL TESTE DA REALIDADE 5#1 A DIGITAL DA INOVAÇÃO A mente do homem cria ideias, empresas e produtos que transformam o mundo. Mas qual é o segredo por trás das cabeças mais inventivas da história da humanidade? FILIPE VILICIC A busca por inovar uma capacidade (até onde se sabe) exclusiva do Homo sapiens, é o motor das engrenagens da civilização. Inovações, sempre nascidas para solucionar necessidades pulsantes da humanidade, levam a transformações definitivas no modo como produzimos e dão início a mudanças profundas nas relaçàµes humanas. Sem a prensa inventada pelo alemão Johannes Gutenberg em 1440, livros poderiam ainda custar o equivalente a 20.000 reais, a maioria das pessoas continuaria analfabeta, o conhecimento não seria democratizado e esta revista não estaria nas bancas. A máquina de tear que James Hargreaves construiu em 1766 substituiu o trabalho de oito operà¡rios, originou as fábricas e serviu de impulso para a Primeira Revolução Industrial, pedra fundadora do mundo moderno, povoado por computadores capazes de fazer o trabalho de milhares de homens e de aprimorar nossas habilidades intelectuais. Mas o que torna um indivíduo, ou uma empresa, inovador? A resposta ajuda a entender as mentes por trás dos maiores avanços científicos da humanidade. Um estudo divulgado recentemente pela consultoria americana The Boston Consulting Group (BCG) elencou as cinquenta empresas mais inovadoras de 2014. Analisar as características em comum a elas auxilia a revelar o que está por trás do toque criativo. No topo da lista estão Apple e Google, e também figuram no ranking Microsoft (4º lugar), Amazon (6º) e Coca-Cola (16º). São marcas que reinventaram nosso cotidiano e, com isso, se firmaram como as mais influentes do planeta — o ritmo de inovação da Apple a levou a se tornar, na semana passada, a primeira companhia da história a valer mais de 700 bilhões de dólares. O que as fez chegar lá? Essas empresas nasceram sem medo de arriscar, valorizam mais a criatividade do que o lucro, execram a burocracia, sabem ver o lado mercadológico de descobertas científicas e não punem a falha (pois sabem que, para inventar, à© necessário errar muito antes). Não por coincidência, a maioria também foi fundada por líderes inovadores, com personalidade de características similares. A fórmula é composta de ingredientes óbvios, mas que poucos têm, ou mesmo procuram ter. "É preciso coragem para esse negócio", disse o engenheiro americano Nolan Bushnell, fundador da Atari e inventor do videogame comercial. "Afinal, é necessário se arriscar, expondo-se ao risco de falhar grosseiramente ou de ter sucesso absoluto. O bom é que os verdadeiros inventores não se amedrontam com os próprios erros", concluiu. A inovação surge em lugares propícios a ela. Metade do ranking da BCG é de empresas de tecnologia, a maioria com sede no Vale do Silício californiano. Mais de 30% do lucro da maioria das cinquenta empresas vem da venda de produtos criados nos últimos três anos— porcentagem que é o dobro da verificada em todas as outras companhias, as "não inovadoras". Vale frisar: não são startups que acabaram de chegar, mas veteranas como a Apple, dispostas a se transformar continuamente para continuar na toada de criação imposta há décadas. Disse a VEJA o economista Andrew Taylor, líder do estudo da BCG: "A inventividade ainda vem da capacidade de se abrir para o mundo e reunir os requisitos necessários para criar. Identificando-os onde estiverem, seja dentro da empresa ou em universidades e startups". Uma ausência notável no ranking: o Brasil. Três fatores explicam a falta. Primeiro: a burocracia. Processos morosos, que levam anos, impregnam universidades e empresas, privadas ou públicas. Mesmos os raros bons exemplos, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), se vêem limitados. Para registrar um novo avanço nas pesquisas genéticas da soja, por exemplo, é preciso submeter a pesquisa a três órgãos governamentais que demoram a responder. O segundo problema: a falta de comunicação entre estudiosos da academia e empresas. Se a ligação não é estabelecida, não há avanço. Em um caso raro por aqui, a Embrapa só conseguiu criar, nos anos 70, técnicas que permitem o cultivo de soja no cerrado por ter feito essa ponte. O terceiro problema? Explica o engenheiro Olavo Cunha, da BCG: "As empresas precisam implementar uma cultura real de inovação, ouvindo funcionários de todos os setores e nà­veis e se arriscando com projetos que, em seu nascedouro, não parecem indicar lucro". Líder do ranking há uma década (desde que o BGC comeà§ou a divulgar o estudo anual), a Apple é o exemplo máximo de boa postura inovadora. Nos anos 70, os fundadores Steve Jobs; morto em 2011, e Steve Wozniak criaram os primeiros computadores pessoais nos modelos que usamos hoje com ideias que viram em outras empresas (a exemplo da Xerox) ou que emprestaram de universidades e centros militares — como o conceito do mouse, desenvolvido pela equipe do americano Douglas Engelbart em laboratórios militares (veja mais a respeito da história ao computador na pág. 96). Ao aprimorarem e simplificarem o uso dessas criaà§ões, fundaram uma indústria. "As ideias semiformadas flutuam", disse o físico inglês Tim Berners-Lee, criador da World Wide Web (o www), base da internet. "Elas vêm de lugares diferentes, e a mente tem essa maneira de jogá-las para lá e para cá, até que um dia se encaixam", resumiu. A internet é outro fruto dessa junà§ão de ideias: seu conceito nasceu em universidades, ela começou a ser construída por militares que necessitavam de uma rede com estrutura capaz de sobreviver a um ataque nuclear e se popularizou quando inventores conseguiram simplificá-la. O livre fluxo de ideias está por trás do surgimento de qualquer inovação. Por isso, a grande maioria dos inovadores é contra o controle do conhecimento, estabelecido sobretudo por meio de patentes. Caso de Berners-Lee, e também de Steve Jobs (no início da Apple) e Bill Gates (no comecinho da Microsoft). Dizia Gates, hoje o homem mais rico do mundo, em 1991: "Se as pessoas tivessem pedido patentes quando muitas das ideias de hoje foram inventadas, a indústria estaria estagnada". Na academia há uma discussão atual em torno do real valor das patentes, se é que elas ainda valem como valiam em décadas passadas. Um artigo publicado em 2013 por professores de economia da Universidade de Washington, por exemplo, conclui que esses documentos burocráticos apenas atrasam o desenvolvimento científico e deveriam ser abolidos. Segundo o texto, enquanto o número de requisições de patentes se multiplicou por quatro nos Estados Unidos desde a década de 1980, o ritmo de aumento da produtividade do país diminuiu de 1,2% ao ano para 1% em quarenta anos. Conclusão: "Não há evidência empírica de que as patentes sirvam à inovação, a nà£o ser que a produtividade seja identificada com o número de patentes ganhas". Por outro lado, os autores mostram que esses documentos limitam a inventividade, criando o que foi chamado de "trolls das patentes" (troll, uma criatura mitológica horrenda, virou, na era digital, apelido dos que atuam de forma grosseira). São empresas que perderam parte de sua glà³ria e por isso tentam se sustentar processando outros por usar (mesmo como mera inspiração) ideias que criaram. Até a Microsoft, que já fora a mais valiosa e criativa companhia do mundo nos anos 90, com fundadores avessos a essa prática, tem adotado essa postura na última década, em que viu sua liderança ser tomada. Ainda mais grave, existem até "trolls" que chegam a comprar patentes apenas para processar rivais. A receita para inovar tem ainda um elemento extra, menos tangível mas de extrema relevância: a concepção de uma ideia. Tendemos a achar que invenções são somente o que vemos, como um relógio da Apple ou o novo carro elétrico da BMW — que, de fato, são espetaculares (veja na pág. 114). A inovação, contudo, é gerada antes de tudo em um exercício mental. Antes de surgir o iPhone, havia a ideia que o originou: a de um computador portà¡til, com múltiplas funções, e interligado a outros aparelhos. Há ainda as invenções que nem resultam diretamente em um produto, mas com importância às vezes ainda maior. Em 1602, a Companhia das Índias Orientais, fundada na Holanda, separou o executivo do dono de um negócio, criou a sociedade anônima e, a partir dessa concepção, iluminou o futuro do capitalismo, que passou a cobrar as bancarrotas proporcionalmente ao porcentual de ações. As primeiras apólices de seguro assinadas na Gênova do século XIV também tiveram efeito renovador, sobretudo por diluir as perdas de empreendedores. A inovação acompanha o homem, a rigor, desde sempre. Ao terem a ideia de usar o fogo no preparo de alimentos — eis a inovação! —, nossos ancestrais pouparam energia com o processo digestivo, e a força economizada foi redirecionada para o cérebro, que aumentou de tamanho (e em inventividade). A inovação transita entre a arte e a ciência, entre o pensamento abstrato necessário para vislumbrar o futuro e o conhecimento, normalmente matemático, para concretizá-lo. Já dizia a escritora inglesa Ada Lovelace no século XIX: "(a matemática) constitui a única linguagem através da qual podemos expressar de maneira adequada os fatos do mundo". Lovelace é exemplo dessa mistura. Nà£o era uma cientista de primeira, mas em seus textos mostrava o significado de máquinas que surgiam, capazes de calcular números complexos. Escreveu: "Ao permitir que um mecanismo combine símbolos, estabelece-se uma ligação entre as operações e os processos mentais". No século seguinte, inventores se debruçaram sobre esse pensamento e recorreram a teorias matemáticas para transformá-lo em realidade. Usaram, por exemplo, o código binário, criado pelo alemão Gottfried Leibniz há 300 anos, para tecer a linguagem de programação, pela qual, com sequências de um e zero (por isso, binárias), se codificam softwares com quaisquer tarefas. E assim surgiu o computador, o perfeito casamento entre imaginação e números. AS 5 MAIS CRIATIVAS A consultoria americana The Boston Consulting Group elencou as cinquenta empresas mais inovadoras de 2014. Conheça as líderes da lista. Critérios para a escolha: • Votação de 1500 executivos de alto escalão de mais de vinte países • Cálculo do retorno financeiro aos acionistas nos últimos três anos • Crescimento do faturamento em três anos • Crescimento do lucro em três anos 1ª Apple PAÍS: Estados Unidos EM QUE ÁREA MAIS INOVA: Computação (tradicional e móvel) ANO DE FUNDAÇÃO: 1976 FUNDADORES: Steve Jobs, Steve Wozniak e Ronald Wayne VALOR DE MERCADO (EM DÓLARES* em números arredondados, de acordo com o valor da empresa em 26 de novembro): 700 bilhões 2ª Google PAÍS: Estados Unidos EM QUE ÁREA MAIS INOVA: Internet ANO DE FUNDAÇÃO: 1998 FUNDADORES: Larry Page e Sergey Brin VALOR DE MERCADO (EM DÓLARES* em números arredondados, de acordo com o valor da empresa em 26 de novembro): 370 bilhões 3ª SAMSUNG PAÍS: Coreia do Sul EM QUE ÁREA MAIS INOVA: Computação móvel ANO DE FUNDAÇÃO: 1938 FUNDADORES: Byung-Chull Lee VALOR DE MERCADO (EM DÓLARES* em números arredondados, de acordo com o valor da empresa em 26 de novembro): 170 bilhões 4ª Microsoft PAÍS: Estados Unidos EM QUE ÁREA MAIS INOVA: Software ANO DE FUNDAÇÃO: 1975 FUNDADORES: Bill Gates e Paul Allen VALOR DE MERCADO (EM DÓLARES* em números arredondados, de acordo com o valor da empresa em 26 de novembro): 390 bilhões 5ª IBM PAÍS: Estados Unidos EM QUE ÁREA MAIS INOVA: Big Data ANO DE FUNDAÇÃO: 1911 FUNDADORES: Thomas J. Watson e Charles Flint VALOR DE MERCADO (EM DÓLARES* em números arredondados, de acordo com o valor da empresa em 26 de novembro): 160 bilhões O QUE AS EMPRESAS INOVADORAS TÊM EM COMUM: • Abominam a burocracia • Investem em ideias de funcionários de qualquer escalão • Foram fundadas por reconhecidos inovadores em sua área • Mais de 30% da receita vem de produtos criados nos últimos três anos • Investem em projetos que não têm previsão de lucro • Atrelam bônus à capacidade dos empregados de inovar O MOTOR DA ECONOMIA As inovações dão fôlego à civilização: quando um novo passo da ciência origina um produto disruptor, surgem mercados que alimentam a economia. O gráfico evidencia como cinco avanços tecnológicos impulsionaram o PIB mundial e, assim, ajudaram a sustentar o crescimento da humanidade. 1820 - Motora vapor Variação do PIB per capita no mundo: 605 dólares Crescimento do PIB per capita após trinta anos: 16,7% 1870 - Telefone Variação do PIB per capita no mundo: 837 dólares Crescimento do PIB per capita após trinta anos: 46,3% 1910 - Aviação Variação do PIB per capita no mundo: 1399 dólares Crescimento do PIB per capita após trinta anos: 34,2% 1970 – Computador pessoal e internet Variação do PIB per capita no mundo: 3599 dólares Crescimento do PIB per capita após trinta anos: 65,5% 2014 - Computador pessoal e internet Variação do PIB per capita no mundo: 10.901 dólares (previsão) O NOME DO JOGO É COLABORAÇÃO Os Inovadores mostra como o computador e a internet, muito mais que uma ação solitária, foram criados por várias mentes ao longo de séculos. “A história do mundo não é mais do que a biografia de grandes homensâ€, dizia o historiador inglês Thomas Carlyle no século XIX. Em seu novo livro, o jornalista americano Walter Isaacson, especialista em biografar nomes da ciência e da tecnologia, dà¡ um passo além dessa constatação ao mostrar que, muito mais que um mosaico de gênios, a "história do mundo" é costurada por releituras, adaptações e retomadas, ao longo do tempo, das ideias desses "grandes homens". Para Isaacson, o exemplo máximo à© a criação do computador pessoal e da internet, tema central do excelente Os Inovadores (Companhia das Letras; 576 páginas; 57 reais, ou 38,90 reais na versão digital). Ao contrário do que o imaginário popular costuma conceber, as inovações mais fundamentais da era digital não saíram de uma garagem, fruto da brilhante ideia de um indivíduo solitário. Originaram-se de um castelo de ideias que afloraram ao longo de dois séculos, até um grupo de engenheiros hippies e nerds reuni-las para construir as máquinas que hoje estão em nossas mesas e movimentar a rede que se tornou a principal forma de comunicação do planeta. Nas palavras do autor: "Não foram boladas num sótão. Em vez disso, a maior parte das inovaà§ões foi criada de maneira colaborativa". A abordagem é inusitada para Isaacson, e o autor admite isso. Desde que contou a história do ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger, em livro de 1992, ele se especializou em enaltecer o papel de indivíduos que, sozinhos, revolucionaram a civilização. Filho de um engenheiro elétrico, Issacson cresceu rodeado de kits de eletrônica e desde cedo se interessou pela área de computaçà£o. O que se refletiu em sua carreira: antes de virar CEO do canal de notícias CNN, dirigiu a divisão digital da revista Time. A partir de 2004, especializou-se em narrar a trajetória de ícones da inovação com o lançamento de sua biografia de Benjamin Franklin, o prolífero inventor americano que no século XVIII empinou uma pipa com uma chave amarrada na ponta para provar que raios são feitos de descargas elétricas. Em seu livro mais famoso, de 2007, escreveu a história de Albert Einstein e, em outro best-seller, de 2011, descreveu a vida de Steve Jobs, o icônico fundador da Apple. Em Os Inovadores, Jobs, que na obra anterior de Isaacson é exaltado como um revolucionário maluco e prepotente responsável por erguer e reerguer indústrias inteiras (da computação e do mercado de música à indústria de desenhos animados), torna-se mais um personagem - essencial, é claro - dentro de um grupo de indivà­duos que fortuitamente colaboraram entre si para a criação de aparelhos inteligentes interligados por uma rede planetária. A origem dos computadores está associada diretamente à indagação "as máquinas podem pensar?". Foi a questão que motivou o primeiro protótipo de computador, nos anos 1830: a Máquina Analítica do matemático inglês Charles Babbage, que tinha a intenção de construir um aparelho inteligente, de múltiplos propósitos, capaz de simular o raciocínio humano. Demorou 100 anos para que surgissem os avanços tecnológicos necessários para cumprir sua ambição. Desde então, centenas de nomes se envolveram com a criaçà£o dos primeiros computadores, e seria imprudente associar a inovação a apenas um deles. O inglês Alan Turing, que por toda a vida (encerrada com um suicídio em 1954) se debateu com a questão sobre se a mente humana seria diferente de uma máquina determinística, formulou o conceito de um aparelho capaz de "computar qualquer sequência computável". De forma independente, o alemão Konrad Zuse e o americano John Atanasoff criaram os primeiros computadores digitais. Atanasoff foi uma das inspirações para a equipe do físico americano John Mauchly criar o Eniac, o primeiro computador a realizar múltiplas funções, cuja construção foi financiada pelo governo dos Estados Unidos para uso militar. Em 1968, no que veio a se tornar a apresentação mais marcante da história da tecnologia, Douglas Engelbart compilou tudo o que se sabia, adicionou o mouse e o teclado e exibiu o que seria o PC do futuro. A versão comercial finalmente chegou à casa das pessoas entre os anos 70 e 80, quando Steve Jobs e Steve Wozniak fizeram os primeiros computadores como imaginados por Engeibart e Bill Gates e Paul Allen montaram o software que serviu de base para a operaà§ão de PCs. A internet seguiu caminho parecido. Foi concebida em 1963 pelo matemático Joseph Licklider, que imaginou uma "rede de computadores intergaláctica", e construída ao longo de décadas por variados protagonistas dessa história, a exemplo de Ray Tomlinson (criador do e-mail), Vint Cerf e Bob Kahn (desenvolvedores do protocolo TCP/IP) e Tim Berners-Lee (que formulou o www, de World Wide Web). Os bastidores da criação tanto do computador quanto da internet evidenciam como ninguém inova sozinho. "Uma nova ideia vem de modo intuitivo, mas a intuiçà£o não é nada mais do que o resultado de experiências intelectuais anteriores", proclamava o físico Albert Einstein, cujo rosto é sinônimo de genialidade. Há um perigo enorme em achar diferente. Quando fez o protocolo www — e assim fundou a internet aberta, acessível a todos —, Berners-Lee teve a chance de patenteá-lo e certamente se tornar um multibilionário. Escolheu o contrário, ao abandonar os direitos de propriedade intelectual em favor da democratização da rede. Sem isso, qualquer novo blog teria de pagar direitos autorais para existir, o que acabaria por sepultar a função da web de dar voz a qualquer um. Berners-Lee compreendeu assim que não foi o único criador da internet, mas, sim, aquele que teve a oportunidade de copiar e melhorar o que foi feito antes dele para então fundar algo completamente novo. Uma lógica que está na base de qualquer inovação, por mais disruptora que seja. VOCÊ TEM UMA MENTE INOVADORA? As pessoas capazes de construir soluções criativas são as que pensam de modo diferente do habitual e conseguem transformar as construções mentais em ações e negócios reais. O teste abaixo foi adaptado do livro DNA do inovador: Dominando as 5 Habilidades dos inovadores de Ruptura, de Clayton M. Christensen, com colaboração de Jeff Dyer e Hal Gregersen (HSM Editora). Ele afere o seu nível das chamadas "competências de descoberta" (as capacidades de associar, questionar, observar, fazer networking e experimentar), postura comum à maioria dos grandes inovadores corporativos. 1- Frequentemente minhas ideias ou perspectivas divergem de modo radical das perspectivas de outros 2- Regularmente faço perguntas que desafiam o status quo 3- Tenho com frequência ideias novas quando observo como as pessoas interagem com produtos e serviços 4- Quase sempre acho soluções para problemas me inspirando em soluções ou ideias desenvolvidas em outros setores, campos ou disciplinas 5- Frequentemente experimento criar maneiras novas de fazer as coisas 6- Costumo me perguntar "E se..." para provocar a exploração de novas possibilidades e fronteiras 7- Compareço a conferências (sobre minha área de especialização ou áreas não relacionadas) para encontrar pessoas novas e compreender os problemas que elas enfrentam 8- Converso regularmente com um grupo diversificado de pessoas (de diferentes funções, organizações, setores, áreas geogrà¡ficas de negócios) para descobrir e aperfeiçoar novas ideias 9- Busco ativamente identificar tendências emergentes por meio da leitura de livros, artigos, revistas, blogs etc. 10- Observo regularmente as atividades de clientes, fornecedores e outras organizações para obter ideias novas CALCULE SEU “DNA DE INOVAÇÃO†Some os valores atribuídos a cada uma das afirmações Discordo totalmente 1 ponto Discordo um pouco 2 pontos Não discordo nem concordo 3 pontos Concordo em parte 4 pontos Concordo totalmente 5 pontos SUA CAPACIDADE DE INOVAR: 46 ou mais = muito alta Entre 40 e 45 = alta Entre 35 e 39 = de moderada a alta Entre 29 e 34 = de moderada a baixa Menos de 28 = baixa COM REPORTAGEM DE RAQUEL BEER 5#2 OS ATLETAS DE OURO DOS NÚMEROS VEJA conta a história dos vencedores da olimpíada de matemática das escolas públicas, uma turma que, acreditem, se diverte na busca de soluções para problemas difíceis. CECÍLIA RITTO E ANA BEATRIZ MAGNO Gottfried Leibniz, o pai da aritmética binária, semeou o terreno para o desenvolvimento do computador percorrendo uma sequência lógica típica dos chamados universalistas do passado, gênios matemáticos que puseram seu apurado raciocínio a serviço dos desafios intelectuais da sua época e, assim, fizeram avançar a roda das novas ideias. A matemática é isto: uma ciência que tira da solução de problemas intenso prazer intelectual e, nesse exercício, abre o caminho para invenções que mudam o mundo. Ou, pelo menos, deveria ser assim. No Brasil de hoje, o fascínio com a mais exata das ciências está soterrado, na grande maioria das escolas, sob fórmulas incompreensíveis, aulas desinteressantes e uma acachapante impopularidade entre os alunos. Pois, nesse cenário desolador, um punhado de estudantes talentosos, empurrados por professores conectados às necessidades do mundo moderno, vem operando um milagre: resgatar o gosto pelo raciocínio matemático. O palco para a transformação é a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep), competição que completa dez anos com o mérito de ter descortinado para ao menos uma parcela dos estudantes, alguns deles em rincões impensáveis, um horizonte em que a ciàªncia dos números é a coisa mais interessante que existe — e, quanto mais difícil melhor. Não é pouca coisa: para muitos jovens medalhistas, a vida mudou completamente. A trilha da excelência olímpica, povoada de escolas públicas sem grandes recursos nem infraestrutura, reforça o que é comprovadamente exitoso na educação: diretores comprometidos, bons professores e alunos estimulados pela meritocracia elevada à última potência. Pais, vizinhos, às vezes a cidade inteira se vê envolvida com a ''febre do ouro†olímpico. Uma delas, Cocal dos Alves, fica em pleno coração seco do Piauí, a 277 quilà´metros da capital, Teresina. Chegar lá de carro demanda quase cinco horas em rodovia de mão dupla, sem acostamento. Na cidade não há asfalto, cinema, mercado, hospital, rede de esgoto, transporte pàºblico nem numeração nas casas. Sitiada por esse labirinto de carências, a escola estadual Augustinho Brandão acumula nada menos que 88 medalhas olímpicas, oito delas de ouro. "Conseguimos esse resultado porque trabalhamos duríssimo para isso", simplifica Jean Carlos Sousa, ouro em 2014, que não se imaginava pisando em uma universidade. Ele trabalhava na roça, como o pai, e vivia aos tropeços na escola até que se descobriu, em meio à maratona olímpica, um virtuose na resolução de problemas. Saiu da lavoura para uma iniciação científica na Universidade Federal do Piauí e agora sonha ser Ph.D. em matemática. Em sua cidadezinha, assim como em outras alçadas ao panteão da Obmep e visitadas por VEJA, as ciências exatas estão em alta: engenharia e computação costumam encabeçar a lista. A olimpíada foi criada pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada, o Impa, com sede no Rio de Janeiro, justamente para trazer à tona talentos submersos no pântano da disciplina em que o Brasil tradicionalmente ocupa os últimos lugares nos rankings internacionais. "Tenho a convicção de que a habilidade para a matemática està¡ uniformemente distribuída pela população, e nós precisamos procurá-la"; diz o diretor do Impa, César Camacho. A Obmep é seu instrumento. Qualquer aluno de escola pública pode participar, e há professores que inscrevem a turma inteira (em Minas Gerais, o estado com mais premiados na década, isso é obrigatório). Dos 18 milhões de inscritos, 900.000 chegaram à segunda fase em 2014 — um enorme grupo não resolveu sequer o primeiro problema, o mais fácil, porque não conseguiu compreender o enunciado. Distribuem-se muitas medalhas (6500, mais 46.200 menções honrosas), justamente pelo estímulo que representam — "Assim, salvamos mais gente", argumenta Camacho. A bóia de salvamento faz muita diferença. "Envolver milhões de jovens numa atividade intelectual desse gênero certamente terá impacto positivo sobre o desempenho educacional dessa geração, que estará mais preparada para se tornar uma força produtiva e inovadora", avalia o economista José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, ele mesmo ex-aluno do Impa. Os problemas apresentados nas provas olímpicas (veja questões na pág.109) não exigem conhecimento formal da matéria. Requerem, isso sim, saber pensar — esse o grande motivador de quem mergulha nos números, sejam medalhistas olímpicos, sejam grandes gênios. "Indispensável na matemática só mesmo a capacidade de raciocínio lógico", define o excêntrico francês Cédric Villani, ganhador da medalha Fields, o Nobel da área. "Quando as crianças aprendem a raciocinar, isso se reflete em todas as disciplinas. A olimpíada ajuda a semear o valor do estudo", diz Cláudio Landim, que coordena a competição. O incentivo não para na entrega da medalha: todos os ganhadores de ouro, prata ou bronze na Obmep, independentemente da idade, têm direito ao Programa de Iniciação Científica (PIC), um curso em universidade (onde a maioria pisa pela primeira vez) e uma bolsa de 100 reais por mês. Uma vez aprovado em qualquer faculdade, o medalhista pode desfrutar outra bolsa, essa de mestrado, para seguir aprofundando-se na matemática. Mais de 1000 jovens já passaram por esse programa, a maioria alunos regulares de cursos de ciências exatas, que por definição apuram o raciocínio lógico e a capacidade para inovar. Por trás de todo medalhista há sempre um professor preparado, associação verificada em uma olimpíada paralela para docentes, que o Impa também realiza: os que dão aulas para alunos premiados se saem sempre melhor na competição. O lado pouco glamouroso dessa comparação é o desempenho abaixo da crítica da imensa maioria dos mestres. Neste ano, o prêmio de até 1000 bolsas de estudo só pôde ser entregue a 691 professores, entre 13.000 concorrentes — os demais não alcançaram a nota mínima exigida. "Surpreende o fato de os alunos terem um desempenho melhor do que os professores em provas de nível similar", aponta Landim. Evidentemente, em um cenário em que, via de regra, faltam docentes e os que existem são mal formados, nenhuma olimpíada, por melhor que seja, vai resolver todos os dilemas do ensino. O caminho para grandes mudanças deve começar com uma reviravolta nos cursos de pedagogia. "Infelizmente, as faculdades priorizam ensinar teorias pedagógicas em detrimento do conteúdo de matemática", critica Suely Druck, doutora em matemática pura e ex-diretora da Obmep. O cenário de atraso geral reforça ainda mais o mérito do conjunto de escolas que souberam tirar proveito do estímulo das medalhas olímpicas, sem apelar para nenhum grande método mirabolante. "Em educação, gostam de inventar muita coisa que não funciona. Meu truque é simples: fazer o menino perceber que a matéria terá utilidade na vida dele e desafiá-lo o tempo todo", diz o professor Geraldo Amintas, da escola estadual Terezinha Pereira (198 medalhas), localizada na mineira Dores do Turvo — cidade em que, logo na entrada, uma faixa anuncia: "Na trilha do ouro". Mestres como ele dão aulas de reforço e atendem alunos fora do horário sem ganhar um tostão por isso. Estão cumprindo o que Suely qualifica de missão essencial do professor de matemática: "Despertar no aluno o prazer de racionar, de quebrar a cabeça com um problema". Quebrar a cabeça é o prazer que move o universo dos números, no qual não há questão sem solução, mesmo que ela se arraste por séculos — como aconteceu com o célebre teorema deixado em aberto por Pierre de Fermat, no século XVII, e cujo resultado foi arranhado muito recentemente. A premissa é verdadeira em qualquer tempo e idade. Ainda engatinhando no terreno dos desafios matemáticos, onde foi parar por obra das olimpíadas, o paulista Otávio Sarti Alves, 13 anos e uma medalha de ouro no currículo, já dá sinais de ter aprendido a fórmula dos grandes mestres como Fermat: "Basta deixar o pensamento voar''. É matemático. SALTO OLÍMPICO Cidade de 5500 habitantes voltada para o cultivo de feijão e milho, Cocal dos Alves, no Piauí, costumava ser lembrada por ter um dos piores índices de desenvolvimento humano do país. Agora, entrou no mapa por um motivo bem mais nobre: emplacou duas escolas entre as campeãs em toda a história da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep). Em uma década, amealhou 88 medalhas. Um dos motores desse desempenho é o raro entusiasmo do professor Antà´nio Cardoso do Amaral, 34 anos, que, à base de uma disciplinada maratona de exercícios, conseguiu converter os números e pôr na trilha da universidade crianças que mal se interessavam pela escola. "Não uso nenhuma pedagogia revolucionária, só mesmo o bà¡sico para que meus alunos se apaixonem pela matemática", diz o mestre. FEBRE DO OURO A primeira medalha de Dávila Meireles, 15 anos, em olimpíadas de matemática foi de bronze. Ela considerou um lance de sorte, mas aà­ vieram três ouros consecutivos (um deles agora) e a estudante convenceu-se de que as ciências exatas fazem parte de sua história. "Vou estudar na cidade grande", anuncia Dávila, que, como o colega Evandro da Silva, 15, prata neste ano, vive na zona rural de Dores do Turvo, município mineiro a 250 quilômetros de Belo Horizonte. As três instituições de referência por lá são a igreja, o time de futebol Tupi, da série C, e a escola estadual Terezinha Pereira, que já catapultou dezenas de jovens às boas faculdades de engenharia, medicina e matemática. O espírito da cidade se traduz em uma faixa bem na entrada: "Dores do Turvo, a trilha do ouro da matemática". SETE VEZES CAMPEÕES Eles passaram a vida inteira se esbarrando — na escola, nos cursos extras, nas competições de matemática —, mas pouco se conhecem. Na semana passada, seus caminhos se cruzaram outra vez: Luize Vianna e Aiessandro Pacanowski, de 18 anos, cravejaram no currículo a sétima medalha de ouro consecutiva em uma Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep), feito só alcançado por mais dois estudantes em toda a última década. As coincidências, porém, cessam aí. Luize prima pela disciplina, é de poucas palavras e sonha ser professora (de matemática, claro); Alessandro deixa a barba por fazer, jura fugir ao rótulo nerd e planeja uma faculdade de economia nos Estados Unidos. "Ele é um pouco melhor do que eu. A diferença é que me esforço muito", diz Luize. "Ela tem a turma dela e eu a minha", resume Alessandro. Matematicamente falando, os dois são produto de um mesmo bem-sucedido modelo: desde a 6ª série, frequentam o Colégio Militar do Rio de Janeiro, o campeão nacional em medalhas nesta Obmep — dezoito — e o primeiríssimo em ouros na história olímpica. Não é nenhuma fórmula mirabolante, muito menos o excesso de criatividade, que faz a escola disparar nesse e em outros rankings da excelência. A matemática ali segue um script básico, ainda que frequentemente esquecido em salas de aula brasileiras: primeiro vem o conceito, depois exaustivo treino de cálculo e, por fim, os problemas, cuja resolução deixa insones os jovens medalhistas. Meritocracia é palavra de ordem. "Um exemplo brilhante ajuda a melhorar o desempenho geral", avalia o coronel Alex Vander Lima Costa, diretor da escola. Por isso, os melhores alunos pertencem a um "panteão de honra" e as conquistas acadêmicas de cada um são anunciadas na frente de todos, logo no começo do dia, quando a turma forma pelotão no pátio. Não será diferente com os talentosos heptacampeões. PÓDIO EM DOSE DUPLA Os gêmeos Vinícius e Matheus Aguiar, 14 anos, fazem tudo absolutamente juntos — inclusive estudar para a olimpíada. É uma vantagem competitiva. Eles resolvem os problemas sozinhos e depois debatem os caminhos que cada um percorreu para chegar à resposta. Deu certo: neste ano, ambos faturaram o ouro. "Queremos ser engenheiros", dizem em uníssono. Talvez não precisem nem deixar sua cidade, a mineira Santa Rita do Sapucaí, encravada na região conhecida como "vale da eletrônica" pela forte indústria nessa área. Muita gente que passa pela escola dos gêmeos, a estadual Doutor Luiz Pinto de Almeida, em destaque na Obmep, arranja trabalho por ali mesmo. COMPETITIVOS, SIM, E DAÍ? À frente da rotina de treinos para a olimpíada de matemática na escola municipal José Negri, em Sertãozinho, interior de Sà£o Paulo, a professora Luciane Ferreira, 42 anos, se guia pela seguinte filosofia: "Quanto mais cedo se ensina a criança a pensar matematicamente, mais natural será para ela". Luciane também é adepta da ideia de que o rigor acadêmico não exclui o prazer com os números. "A verdade é que, quando você começa a resolver problemas, não consegue mais parar", diz. Os alunos, cujo desempenho nos últimos anos alçou o colégio ao topo da Obmep, concordam. E o bom exemplo se espalhou: com a fama da José Negri, as escolas vizinhas não quiseram mais ficar de fora da olimpíada. RESPONDA SE PUDER As três questões mais difíceis das provas da primeira fase da olimpíada deste ano aplicadas, respectivamente, aos alunos de 6 º-7º, 8º-9º anos e aos do ensino médio Nível 1 Quantos são os números ímpares, de cinco algarismos, nos quais a soma dos algarismos das unidades e das dezenas é 16 e a soma de todos os algarismos é um múltiplo de 5? A) 90 B) 180 C) 216 D) 360 E) 532 Nível 2 Rodrigo brinca com uma fita de 2 metros, com marcas de centímetro em centímetro. Começando pela ponta de marca 0 centímetro, ele dobra a fita várias vezes em zigue-zague, sobrepondo pedaços de fita de mesmo tamanho até dobrar um último pedaço que, pode ser menor do que os demais. Ele observa que as marcas de 49 centímetros e de 71 centímetros ficaram sobrepostas em pedaços vizinhos. Ele observa também que a marca de 139 centímetros ficou alinhada com elas. A que marca do penúltimo pedaço a ponta final da fita ficou sobreposta? A) 160 cm B) 176 cm C) 184 cm D) 190 cm E) 196 cm Nível 3 Dois dados têm suas faces pintadas de vermelho ou azul. Ao jogá-los, a probabilidade de observarmos duas faces superiores de mesma cor à© 11/18. Se um deles tem cinco faces vermelhas e uma azul, quantas faces vermelhas tem o outro? A) 1 B) 2 C) 3 D) 4 E) 5 RESPOSTAS 1) D 2) D 3) D A resolução completa está na edição de VEJA no iPad. 5#3 QUER SABER? É SÓ PERGUNTAR No livro E Se?, o americano Randall Munroe mostra que mesmo as indagações absurdas têm valor, respondendo-as com ciência séria e humor brincalhão. ISABELA BOSCOV Com seu último teorema, rabiscado numa página de um volume da Arithmetica, o francês Pierre de Fermat lançou aquele que talvez seja o desafio mais longevo da ciência: entre 1637, quando ele fez sua anotação, e 1994, o ano em que finalmente o inglês Andrew Wiles formulou a primeira demonstração válida do teorema, 357 anos se passaram. Mais de três séculos e meio, portanto, de esforços massacrantes por parte de um sem-número de matemáticos em todo o mundo — os quais, nesse caminho, instigados pela conjectura de Fermat, mesmo sem conseguir demonstrá-la foram, por sua causa, delineando e desbravando campos hoje cruciais dessa disciplina. Eis aà­ o valor incalculável, na ciência, de uma indagação: ao objetivo atingido, somam-se as conquistas imprevisíveis, e às vezes até mais relevantes, propiciadas pela busca desse objetivo. Mas e se a indagação proposta fosse não um problema da envergadura do Último Teorema de Fermat, e sim uma maluquice? Por exemplo, "o que aconteceria se todo o DNA de uma pessoa desaparecesse de uma hora para a outra?". Buscar uma resposta poderia aí ter algum valor? A resposta, em uma palavra, é: sim. Talvez não para o avanço da ciàªncia. Mas certamente teria alguma valia para o esclarecimento de princípios científicos, para o exercício agradável e criativo do raciocínio e, por que não, também para a diversão tanto de quem procura a resposta quanto para quem a lê. É o que demonstra o americano Randall Munroe no seu best-seller E Se? (tradução de Érico Assis; Companhia das Letras; 328 páginas; 39,90 reais, ou 27,90 na versão eletrônica). É oportuno que a primeira pergunta absurda respondida pelo autor em seu livro seja esta: "E se, de repente, a Terra e todos os objetos no solo parassem de girar, mas a atmosfera mantivesse sua velocidade?" Pouco importa, para Munroe, que um evento como esse seja uma completa e absoluta impossibilidade. Responde ele: "Quase todo mundo iria morrer. Depois o negà³cio ficaria interessante". E ponha-se interessante nisso: detalhando passo a passo os efeitos dos súbitos ventos de 1700 quilômetros por hora que se formariam — a velocidade com que a Terra se movimenta em relação ao seu eixo na altura do Equador —, desde a aniquilação de tudo que foi construído pelo homem até a turbulência e evaporação da camada superficial dos oceanos e daí por diante, Munroe explica mais sobre a intrincada mecânica do planeta em que vivemos, em seis páginas, do que muitos bons alunos terão tido chance de depreender em anos na escola. E veja-se que nem se trata de seis páginas sólidas de texto. Físico de formaà§ão e ex-funcionário da área de robótica na Nasa, Munroe há alguns anos largou o emprego para se dedicar à xkcd, uma tirinha com bonequinhos de palito na internet, e ao filhote desta, a seà§ão what if?, na qual responde com absoluta seriedade científica, e infalível senso de humor, às perguntas excêntricas enviadas por seus seguidores. Daí que uma parte considerável do espaço é dedicada a pequenos cartuns e a diagramas tão explicativos quanto cômicos, como os que ilustram esta reportagem. O texto, em si, não é menos engenhoso: ora sugere ao leitor uma mudança para Helsinque, na Finlândia, onde a parte subterrânea da cidade ofereceria aos sobreviventes distrações como shopping center e piscina, ora lhe avisa que de pouco adiantaria abrigar-se num bunker capaz de resistir ao tornado supersônico se o bunker de seu vizinho fosse menos bem construído e terminasse por levantar voo e chocar-se contra o seu. São maneiras leves e ligeiras de explicar que catástrofes são eventos em cadeia nos quais a sobrevivência imediata pode ser não apenas fútil como cruel, ou de ilustrar o efeito-liquidificador que se instalaria na Terra na situação enunciada. Poucas vezes a divulgação científica foi tão prazerosa, tão eficaz — e tão descomprometida. O espírito que anima a seção what if? e seu desdobramento em livro é aquele que é o pai e a mãe de todos os avanà§os científicos, técnicos e tecnológicos protagonizados pela humanidade: o amálgama de curiosidade espontânea, compulsà£o por buscar relações mesmo (ou principalmente) onde elas nà£o são evidentes e capacidade de projetar cenários que extrapolam a realidade imediata e palpável. Em suma, a combinação miraculosa entre as habilidades da inquisição, investigaçà£o, associação e abstração que o cérebro humano proporciona. O de Munroe nunca perdeu sua propensão inquisitiva e errática: alertado por um professor de que não faria futuro na ciàªncia com sua falta de foco e a mania de pular de um problema para outro, ele encontrou uma solução diferente. Foi viver de algo em que essa mania, em vez de atrapalhar, ajuda. "Sou um procrastinador nato", disse o autor a VEJA. "Jogo videogame quando deveria estar desenhando, desenho quando deveria estar pesquisando respostas para a what if?, pesquiso respostas para a what if? quando deveria estar lavando a louça. Mas, de alguma maneira, isso funciona." Munroe é, também, um obsessivo: no momento, dedica imensa energia a uma questão ''inútilâ€, na sua definição: bolar um algoritmo capaz de responder sistematicamente com alta margem de acerto à pergunta aleatória "quanto de troco tenho no meu bolso/nesta jarra?". Também os curiosos da what if? têm dúvidas assim candentes sobre o resultado possível de toda a população da Terra dar um pulo ao mesmo tempo, ou sobre quantas flechas realmente seria necessário disparar para tapar o Sol, como no filme 300. Parece bobagem? Pois não é. Cada uma das perguntas aparentemente ridículas respondidas por Munroe rende uma resposta fascinante e de imenso potencial elucidativo. Alguns exemplos: e se um secador de cabelo com eletricidade contínua fosse ligado e posto numa caixa hermética de 1 metro x 1 metro x 1 metro? (Incrível: poderia significar a destruição do planeta.) Dá para construir um jetpack usando metralhadoras que atirem para baixo? (Sim, se as armas forem russas com sua extraordinária relação peso-potência.) De que altura você teria de soltar um bife para que ele chegasse ao chão cozido? (Uns 250 quilômetros, mas ele tocaria o solo malpassado e congelado.) Quando o Sol finalmente se pôs no Império Britânico? (Ainda não se pôs, e assim será enquanto a Inglaterra mantiver a posse das Ilhas Pitcairn, no Pacífico Sul.) Se todas as pessoas no planeta ficassem longe umas das outras por algumas semanas, não erradicaríamos o resfriado? (E valeria a pena, se isso interromperia boa parte da atividade produtiva e conduziria ao colapso econômico?) Mais interessante que as conclusões, porém, é o trajeto que leva até elas, e a maneira inusitada com que Munroe encara os problemas. Sobre aquela primeira pergunta lá no parágrafo inicial, por exemplo: se todo o DNA de uma pessoa desaparecesse de repente, ela de cara perderia 150 gramas, principia o autor — que desaconselha, no entanto, tal método de emagrecimento. Diz Munroe que um de seus critérios para selecionar as perguntas é seu conhecimento prévio de que aquele tema pode render ideias surpreendentes. Em linhas gerais, portanto, ele sabe mais ou menos aonde vai chegar antes de começar a pesquisa. Às vezes, porém, é pego desavisado pelos rumos que a coisa toma. Crente de que a questão sobre o que aconteceria com um aventureiro que fosse nadar no tanque de resfriamento de um reator nuclear terminaria com um daqueles cenários catastróficos que seus seguidores adoram, ele se obrigou a refazer seus cálculos uma meia dúzia de vezes, incrédulo com a resposta que eles produziram: como a água é um isolante muito eficaz, absorve-se menos radiação nadando no tanque do reator do que simplesmente andando pela rua. O que é fatal, diz ele, é tentar entrar na usina para dar um mergulho: o nadador seria abatido pelos tiros dos seguranças bem antes de chegar perto da água. Então, se tivesse autorização, ele vestiria um calção e provaria que està¡ certo? "Bom", hesita Randall Munroe, “acho que sim, se eu tivesse certeza de que a manutenção está em dia." E se a usina fosse uma remanescente da tecnologia nuclear soviética? "Humm, aí não. Nem se estivesse em área sujeita a terremoto", apressa-se. Calma, Randall. A gente estava só perguntando. 5#4 O IMPLACÁVEL TESTE DA REALIDADE Perguntar, como se pode deduzir da leitura de E Se?, o bem-humorado livro de entretenimento científico de Randall Munroe, não ofende o espírito inovador; ao contrário, é o que lhe dá forma. Então, pergunte-se: o que é preciso para que os novos produtos que inundam as lojas todos os anos cumpram a sua invariável promessa de revolucionar o mercado? Acima de tudo, é preciso que eles passem pelo teste de realidade. Isso porque algumas novidades que se mostram extremamente promissoras nos laboratórios falham de modo retumbante quando postas à disposição do consumidor. Um bom exemplo disso é o Google Glass, óculos com funcionalidades de smartphone lançados em abril. Um dos produtos mais aguardados de 2014, o Google Glass deve sair de circulação em breve pela baixa aceitação que acabou obtendo junto ao público, devido ao preço elevado (1500 dólares) e polêmicas relacionadas à privacidade — eles permitem gravar disfarçadamente vídeos e publicá-los imediatamente na web. Já é possível adquiri-los em alguns sites pela metade do valor cobrado pelo fabricante — sinal claro de arrependimento de quem os comprou. Seja como for, certo é que a criatividade embutida nos novos produtos continuará a ser um poderoso atrativo comercial. Afinal, como escreveu o poeta italiano Giacomo Leopardi (1798-1837), "a imaginação é a primeira fonte de felicidade humana". Leia, a seguir, uma seleção de produtos apresentados em 2014, com uma promessa de felicidade para seus consumidores: inovação. Nome do produto: Microsoft Surface Pró 3 Fabricante: Microsoft Preço: US$ 799 Descrição: é um tablet pensado para substituir o laptop - sim, o fabricante que popularizou os PCs não ignora a agonia dessa era. Com uma tela de 12 polegadas, roda programas como Word, Excel e PowerPoint. Um teclado, vendido separadamente, pode ou não ser acoplado ao aparelho. Nome do produto: BMW i3 Fabricante: BMW Preço: US$ 41,350 (no Brasil, R$ 236.000,00, em média) Descrição: o primeiro carro elétrico da marca tem autonomia de 160 quilômetros e pode ser recarregado em tomadas normais, gastando para isso até dezesseis horas, ou com o carregador vendido pelo fabricante, que faz o tempo cair para apenas três horas. Nome do produto: ChefJet Fabricante: 3D Systems Preço: entre US$5000 e US$10.000 Descrição: criada no rastro de uma das últimas febres do mercado de novos aparelhos, a ChefJet é a primeira impressora 3D de alimentos. Usa um material similar a uma pasta de açúcar para criar doces e chocolates em formatos inusitados - como o de um jarro e figuras geométricas vazadas. Nome do produto: Hendo Hoverboard Fabricante: Arx Pax Preço: US$10.000 Descrição: trata-se de um skate flutuante como o usado por Marty McFly, personagem principal da trilogia De Volta para o Futuro. Uma espà©cie de tapete magnético gera o impulso que faz com que o objeto flutue a 2,5 centímetros do chão. O Hendo suporta até 140 quilos. Nome do produto: Apple Watch Fabricante: Apple Preço: US$ 349 dólares Descrição: além, é claro, de registrar as horas, o relógio inteligente traz GPS, marca o batimento cardíaco e as calorias queimadas, faz ligações, manda mensagens e ainda realiza pagamentos com cartões cadastrados previamente. O design é moderno e elegante, como de praxe na marca. Nome do produto: Copenhagen Wheel Fabricante: Superpedestrian Preço: US$ 799 Descrição: transforma uma bicicleta comum em uma versão hà­brida elétrica. A Copenhagen Wheel substitui a roda traseira da bike "mecânica". Ao ser acionado, seu motor aumenta a força da pedalada em até dez vezes. A energia fica armazenada na bateria quando a bicicleta é freada ou desce uma ladeira. Sensores monitoram a condià§ão das ruas e de temperatura. ____________________________________ 6# GERAL 3.12.14 6#1 GENTE 6#2 PROPAGANDA – OS LIMITES DE UMA BOA HISTÓRIA 6#3 FAMÍLIA – DA VISITA À CONVIVÊNCIA 6#4 JUSTIÇA – O MÉTODO SOCRÁTICO 6#1 GENTE JULIANA TAVARES. Com Danielle De Caprio e Thaís Botelho UM VESTIDO CHEIO DE HISTÓRIA Criador insaciável de roupas deslumbrantes para a Chanel, o estilista alemão Karl Lagerfeld preferiu copiar um vestido para um vídeo promocional com a modelo inglesa CARA DELEVINGNE e o cantor americano PHARRELL WILLIAMS. Mas que vestido: o grandioso modelo branco com que Elizabeth, a imperatriz da Áustria conhecida como Sissi, foi retratada aos 28 anos tornou-se uma das roupas mais famosas e imitadas de todos os tempos. A própria Sissi é vista como uma espécie de precursora das obsessões atuais do mundo da moda: dormia com bifes no rosto para manter o frescor da pele, pesava 45 quilos e praticamente só ingeria caldos ralos — hoje, seria chamada de anoréxica. Teve uma vida tremendamente infeliz e morreu assassinada por um anarquista italiano, mas a atriz Romy Schneider a interpretou alegre e radiante como as estrelas de diamantes que usava na cabeleira — o figurino de Christine, em O Fantasma da Opera, retoma o tema. Na recriação de Lagerfeld, a graça de ter um rapper negro como o imperador Francisco José I quase ficou ofuscada. ESTÁ OU NÃO ESTÁ NA CARA? Em linhas gerais, a situação de FRANÇOIS HOLLANDE pode ser resumida assim: 65% dos franceses querem que ele desapareça da Presidência — onde não consegue conter o desemprego nem alavancar os negócios da segunda maior economia do euro —; foi fotografado trocando carinhos com a namorada, que insinuava não ver mais, nos jardins do Palácio do Eliseu; e o livro que sua ex-parceira escreveu, contando intimidadas constrangedoras, entre elas que o socialista Hollande chama os pobres de "desdentados", está vendendo como baguete quente. Diante disso, dá até para chamar de respiro ser homenageado com um colar típico por uma polinésia suspeita num evento banal. Mesmo que a foto tenha captado sua alma. CANTADA CERTEIRA A modelo ISABELI FONTANA se prepara para, em poucos dias, participar do maior desfile de lingerie do mundo. Está sem comer e se acabando na esteira? "Nada. A Isa pira em salgadinho. É como eu, sem frescura: curte um som, dar um rolê de carro e andar de chinelo", descreve a, hoje, maior autoridade em Isabeli, seu namorado e anunciado futuro marido, o músico DI FERRERO. Isabeli, que tomou a iniciativa para a cantada inicial jà¡ foi casada outras duas vezes, e ele, quase, quase, uma. Vocalista da banda NX Zero, que já fez curso de engenharia de som e de canto lírico e toca violão, gaita e bateria, Di Ferrero credita a essas experiências o fato de ter se saído bem no posto de assistente de Lulu Santos, analisando os cantores do programa The Voice. "Aqueles caras cantam melhor que eu", brinca. CONQUISTANDO O BRAÇO FORTE Ser moderna e popular ao mesmo tempo; ser "cabeça" e usar o corpo; ser famosa e preservar um véu de mistério. Ser MARIANA XIMENES ajuda a fazer tudo isso e ainda dedicar uma temporada ao cinema. Foram quatro filmes seguidos. Em 2015, virão mais dois. Como preparação para a torrente de personagens, Mariana teve aulas de escalada ("Subi a Pedra da Gávea, no Rio, em três horas e meia, sem instrutor nem equipamentos especiais"), de mergulho e de trapézio ("Pratico a 4 metros do chão, mas, para uma cena, fiquei pendurada a 12"). A intrepidez ajudou a moldar o discurso e os braços, esguios e fortes. "Arriscar é importante. Precisamos de coragem para enfrentar a vida", diz Marixi, como é chamada pelos amigos. Uma beleza de ver na capa da revista NOVA. 6#2 PROPAGANDA – OS LIMITES DE UMA BOA HISTÓRIA A forma como duas marcas brasileiras criaram narrativas edulcoradas de seus produtos levanta algumas questões éticas que estão no coração da publicidade desde sempre. RAQUEL BEER Mad Men, a fabulosa série de televisão americana, pôs o público em contato com o mundo da publicidade nos anos 50 e 60, momento em que as mudanças comportamentais do fim do século XX comeà§avam a se anunciar, e, com elas, a necessidade de contar novas histà³rias para vender velhos produtos. Na agência Sterling Cooper Draper Pryce, nem tudo é o que parece. Nem mesmo o motor criativo da empresa, Don Draper, interpretado por Jon Hamm, é ele mesmo. Quando soldado, Draper assumiu a identidade de um oficial morto em combate na Coreia para voltar aos Estados Unidos, fugido da guerra. A gênese da publicidade é assunto de mesa de bar porque Mad Men a iluminou. Recentemente, uma reportagem da revista EXAME, da Editora Abril, que publica VEJA, encaminhou os leitores ao coração das questões éticas que brotaram lá nos primórdios da propaganda profissional. Daria um excelente episódio de Mad Men a revelação de que duas marcas brasileiras, a fabricante de sorvetes Diletto e a de sucos Do Bem, romantizaram suas origens para exibir uma imagem mais interessante de si mesmas. Dizia o inglês David Ogilvy, que fundou a agência Ogilvy & Mather, em 1948, um dos inspiradores da figura ficcional de Don Draper: "à‰ preciso uma grande ideia para atrair atenção. A menos que a sua publicidade tenha isso, ela passará despercebida, como um navio na noite". A grande ideia da Diletto foi construir uma narrativa irreal para sua marca. Na embalagem dos sorvetes, lê-se: "Seguimos a receita original de Vittorio Scabin, que em 1922 começou a fazer seus picolés à base de neve no pequeno vilarejo de Sappada, na região do Vàªneto". Problema: o tal Vittorio, que seria avô dos fundadores, nunca existiu. A receita foi desenvolvida por um dos sócios, Leandro Scabin, cujo avô era italiano, sim, mas entendia de jardins, não de picolés. Já a marca Do Bem resolveu criar um roteiro 100% saudà¡vel para a fonte das laranjas. A fruta viria da fazenda de um certo senhor Francisco, no interior de São Paulo. Essa origem orgânica — termo hoje popularizado como sinônimo de qualidade pastoril — seria uma das justificativas para o preço 10% maior que o da concorrência. Mas ocorre que o Francisco não existe e as laranjas vêm de fornecedores industriais (ótimos fornecedores, ressalte-se). A reportagem da EXAME instou os consumidores a fazer aquilo que està¡ a seu alcance: reclamar. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) foi acionado, e um veredicto deve sair no dia 11. Há quatro possibilidades: arquivamento do processo; advertàªncia; alteração das embalagens; ou sustação das campanhas das marcas. Não haveria mesmo muito mais a fazer do que reclamar da publicidade. Os produtos são bons e adequados às normas sanitárias estabelecidas pelo governo. Aos fabricantes, caberá se defender. Os publicitários talvez tenham sido criativos demais, especialmente no caso da Diletto, para quem seria desnecessário um avô fofinho. Os sorvetes são fabricados com esmero e ingredientes importados, como coco da Malásia. A sucos Do Bem terá mais dificuldade, dada a discrepância da origem das laranjas, tendo anunciado um insumo ausente nas embalagens. Convém esmiuçar o ruído provocado pelas duas empresas do ponto de vista dos limites da propaganda. O recurso de storytelling, o de contar histórias, é clássico e legítimo. Há empresas que utilizam bem a técnica, como a brasileira Natura, que sabe traçar uma relação emotiva com o cliente ao oferecer relatos (reais) sobre como pequenas comunidades produzem alguns ingredientes que ela utiliza. Há outros casos, porém, de exagero. O mais conhecido despontou antes mesmo da profissionalização da publicidade: o do snake oil (óleo de cobra) de vendedores do Velho Oeste americano do sà©culo XIX. A promessa era que o elixir, feito de insumo de cascavéis, curaria qualquer doença. O produto, porém, era de óleo mineral e não tinha propriedades medicinais. Nos anos 2000 ficou conhecido, nos EUA, um caso semelhante ao da Diletto e da Do Bem. A americana Hollister anunciou que teria sido fundada por um surfista nos anos 20. A realidade era menos romântica. A Hollister é uma subsidiária de outra fabricante de roupas, a Abercrombie&Fitch, e ponto. "O storytelling à© valioso, mas nada deve ser mais relevante do que preservar o consumidor. Se a história é fictícia, o público deve perceber isso de caraâ€, diz Orlando Marques, presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade. É magnífica a arte de criar contos de faz de conta, desde que comecem com o genuíno "era uma vez" das fábulas. COM REPORTAGEM DE GABRIELA NERI 6#3 FAMÍLIA – DA VISITA À CONVIVÊNCIA Uma lei aprovada pelo Congresso determina que o juiz busque, antes de tudo, solução de guarda compartilhada dos filhos entre o pai e a mà£e depois da separação. MARIANA BARROS Das quase 150.000 separações de casais com filhos no Brasil em 2012, apenas 6% terminaram com a guarda compartilhada das crianças — o acordo segundo o qual elas passam temporadas iguais nas casas do pai e da mãe. Uma nova lei aprovada pelo Congresso na semana passada, que foi para a sanção da presidente Dilma Rousseff, deve mudar essa realidade. A partir de agora, o juiz deve obrigatoriamente considerar a guarda compartilhada como a primeira opção, desde, é claro, que sejam atendidas duas premissas básicas: que tanto o pai quanto a mãe queiram ficar com os filhos e que ambos tenham condições de cuidar das crianças. Os pais devem ser os maiores beneficiados pela mudança na lei. A guarda compartilhada existe desde 2008 no Brasil, mas a lei anterior era muito menos assertiva e determinava que ela deveria ser decidida pelo juiz "sempre que possível" O resultado é que as mães ficam com a guarda dos filhos em 87% dos casos. Aos pais, são reservados fins de semana e visitas com hora marcada. A nova lei brasileira segue uma tendência internacional e já é adotada na maior parte dos países da Europa e em mais de trinta estados americanos. Na França, onde o mecanismo existe nos mesmos moldes da nova lei brasileira, 15% das crianà§as já crescem alternando-se entre a casa do pai e a da mãe. O número de casos de guarda compartilhada já vinha crescendo (dobrou de 2008 para 2012, o último ano com dados disponíveis), e a previsão agora é que essa tendência se acentue, segundo especialistas ouvidos por VEJA. Um dos principais problemas é que juízes hesitavam em conceder a guarda compartilhada quando a separaà§ão não terminava bem e o casal brigava na Justiça por causa de outros temas, como a partilha de bens, por exemplo. "Existia uma interpretação de que a guarda compartilhada só funciona se os pais se entendem bem, o que é um contrassenso, pois nesses casos eles podem fazer um arranjo que independa da Justiça", afirma Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos, promotora da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro que elaborou um dos primeiros projetos sobre o tema, em 2002, usado como base para a nova lei. Depois de sancionada por Dilma, a nova regra já valerá para os casos de discussão de guarda que estão em tramitação na Justiça, mas não se aplicará imediatamente a quem jà¡ tem acordos fechados. Pais ou mães que queiram rever decisões sobre guarda unilateral terão de recorrer mais uma vez à Justiça. O esquema da guarda compartilhada também coloca uma série de questões práticas: como fica a pensão alimentícia? E se os pais vivem em cidades diferentes? E se a criança preferir morar apenas com um deles? A lei estabelece diretrizes para solucionar esses obstáculos (veja o quadro), baseadas acima de tudo no bom-senso — quando ele faltar, como acontece em muitas separações, a decisão caberá ao juiz. A guarda compartilhada não é, obviamente, a panaceia para os problemas que surgem em uma separação, mas ela pode minimizar o impacto sobre os filhos. Um estudo feito em 2002 pelo psicólogo americano Robert Bauserman, que analisou 33 pesquisas sobre o tema feitas entre 1982 e 1999, mostrou que crianças em guarda compartilhada têm menos problemas emocionais, autoestima mais elevada e notas melhores no colà©gio, além de laços familiares mais fortes, do que aquelas que vivem com apenas um dos pais. Esse novo arranjo familiar não significa uma geração futura de adultos felizes e bem resolvidos — aliás, milhões de jovens que cresceram em lares de pais separados são hoje pessoas perfeitamente saudáveis —, mas pode ajudar a tornar menos traumática uma situação cada vez mais comum. TROCA DE GUARDA Projeto aprovado no Congresso determina prioridade para a divisão de tempo igual com os filhos para o pai e a mãe em caso de separaçà£o. A GUARDA COMPARTILHADA AGORA É OBRIGATÓRIA? A partir de agora, os juízes terão de analisar essa saída como prioridade em caso de separação de um casal com filhos. Sà³ não haverá divisão igual entre o pai e a mãe se ficar provado que um deles não tem condições de cuidar da criança ou se abrir mão desse direito E COMO FICA A PENSÃO ALIMENTÍCIA? Os pais serão orientados a criar uma planilha de despesas e estabelecer um valor proporcional à renda de cada um para custear gastos como escola, mercado e plano de saúde. Caberá ao juiz aprovar a planilha e garantir que ela seja cumprida. Em caso de descumprimento, valem as mesmas punições atuais (multa ou prisão) COMO FICA QUANDO OS PAIS MORAM EM CIDADES DIFERENTES? Não há definição, mas o texto da nova lei incentiva que seja levado em conta o que for melhor para a criança, sem privilegiar nenhuma das partes — hoje em dia, na maioria dos casos, a vità³ria é da mãe. ACORDOS ANTERIORES PODEM SER REVISTOS? Sim. Quando o texto entrar em vigor, pais que já têm um acordo definido poderão entrar com recurso para pedir a guarda compartilhada. Para os divórcios que ainda estão em tramitação, a aplicação será imediata. A VONTADE DA CRIANÇA PASSA A VALER MAIS? Não, isso não mudou. O juiz pode querer saber com quem a crianà§a prefere ficar, mas a opinião dela não é obrigatoriamente levada em conta. A vontade do filho passa a ter mais peso a partir dos 12 anos, faixa etária em que ele ja é considerado adolescente. 6#4 JUSTIÇA – O MÉTODO SOCRÁTICO Preso por corrupção, o ex-premiê português José Sócrates usava a influência do cargo para fazer lobby de empresas. O socialista José Sócrates foi primeiro-ministro de Portugal de 2005 a 2011. Em seu governo, o desemprego quadruplicou e a dívida pública chegou a 97% do PIB. As falhas de gestão, somadas à crise internacional fizeram o país mergulhar em uma situação mais melancólica que os fados. Apesar de seu fracasso, Sócrates era incensado pelo então presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e pelo venezuelano Hugo Chávez. No dia 21 de novembro, o que restava da imagem de estadista de Sócrates ruiu de vez. A Justiça portuguesa decretou sua prisão preventiva pelos crimes de corrupção, fraude e lavagem de dinheiro. Ele é acusado de montar uma intrincada rede de contas na Suíça e empresas offshore para esconder a fortuna que amealhou quando estava no governo. Segundo as autoridades portuguesas, vários imóveis de propriedade do político em Portugal e na França estão registrados em nome de empresas sediadas nas Ilhas Virgens. Uma das principais fontes de recursos de Sócrates era o serviço de lobby que ele prestou durante e após o seu mandato à frente do governo. Segundo os investigadores. Sócrates tem 17 milhões de euros em contas na Suíça em nome de um empresário amigo. O dinheiro é resultado de comissão paga por uma empreiteira contratada por Hugo Chávez para a construção de casas populares na Venezuela. O contrato de 998 milhões de dólares foi intermediado por Sócrates em 2010, quando ainda era primeiro-ministro. Em 2013, o português assumiu a presidência do conselho para a América Latina da farmacêutica suíça Octapharma. Os investigadores suspeitam que, além de se valer dos seus bons contatos com governos de outros países para fechar negócios vantajosos, Sócrates usou o cargo na multinacional para lavar o dinheiro que havia acumulado ilicitamente em anos anteriores. O Ministério Público português sustenta que a farmacêutica simulava o pagamento de bônus a Sócrates para justificar a origem do dinheiro escondido em suas contas secretas na Suíça. A Octapharma é uma velha conhecida da Justiça brasileira. Em 2004, a empresa foi apontada pela Polícia Federal como parte de um esquema que desviou 2 bilhões de dólares do Ministério da Saúde. A Operação Vampiro identificou que as empresas combinavam preços e fraudavam licitações na venda de hemoderivados destinados ao tratamento de hemofílicos e pacientes com câncer e aids. Em 2008, o Ministério Público denunciou a Octapharma pelos crimes de fraude em licitações e superfaturamento, e pediu o cancelamento dos contratos e a devolução do dinheiro desviado. O processo se arrasta na Justiça. Por ironia, no mesmo ano a Octapharma voltou a vender remédios ao governo brasileiro, depois de três anos afastada. Em fevereiro do ano passado, Sócrates desembarcou no Brasil com a missão de ampliar as exportações da empresa. Foi recebido pelo ministro da Saúde Alexandre Padilha. Desde 2008, o governo brasileiro já pagou 880 milhões de reais à Octapharma. LEONARDO COUTINHO _____________________________________ 7# ARTES E ESPETÁCULOS 3.12.14 7#1 TELEVISÃO – O HOMEM E A LENDA 7#2 TELEVISÃO – A DESBOCADA DO MARANHÃO 7#3 CINEMA – “TODO DIRETOR É DITADOR†7#4 CINEMA – A MULTIDÃO VIRTUAL 7#5 LIVROS – A AVENTURA E A LEI 7#6 VEJA RECOMENDA 7#7 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 7#8 J.R. GUZZO – SEM ALEGRIA 7#1 TELEVISÃO – O HOMEM E A LENDA A série Marco Polo põe em evidência um fenômeno peculiar: a transformação de um personagem histórico em uma entidade na fronteira entre a realidade e a fantasia. MARCELO MARTHE Enquanto agonizava no leito de morte, o aventureiro veneziano Marco Polo (1254-1324) foi instado a tomar uma derradeira providência: admitir que mesclara diversas histórias fantasiosas com os fatos reais narrados em seu livro de memórias. Ainda em vida, Polo se tornara famoso graças aos relatos de suas viagens reunidos em Il Milione — conhecido no Brasil como O Livro das Maravilhas. No fim da adolescência, ele embarcara numa expedição rumo ao Oriente remoto na companhia do pai, Niccolò, e de seu tio, Maffeo. Para a isolada Europa medieval, o alcance de sua façanha era espantoso: Polo percorreu 24.000 quilà´metros pelo mar e pelo interior da Ásia, cruzando desertos e cordilheiras até chegar ao temido império mongol. Lá, foi acolhido na corte de Kublai Khan, neto do feroz guerreiro Gêngis Khan, que fez de Polo uma espécie de conselheiro. De volta a Veneza 25 anos depois de deixar a cidade, envolveu-se em uma guerra, foi preso e contou suas histórias para um companheiro de cela. De acordo com a anedota narrada acima, o herói moribundo não recuou em uma linha sequer do que escrevera em Il Milione. Ao contrário: a resposta aos que exigiam que se retratasse foi que, na verdade, só teria narrado metade das histórias incríveis que testemunhara. Mas até o imaginativo aventureiro poderia se surpreender, 700 anos após sua morte, com a exuberância do retrato dele pintado na série Marco Polo (Estados Unidos, 2014). Com estreia mundial em 12 de dezembro, a produção original do serviço de vídeos on-line Netflix tem um orçamento por si só fabuloso: o custo de seus dez episódios é estimado em 90 milhões de dólares. Gravada no Cazaquistão e na Malásia, a série ostenta cenários e figurinos luxuosos. Os cuidados com a pesquisa histórica impressionam, da descrição dos costumes da Ásia do século XIII ao modo esperto como as memórias do viajante são incorporadas ao roteiro. Mas o Marco Polo que emerge na tela, vivido pelo italiano Lorenzo Richelmy, também faz coisas difà­ceis de acreditar — ou, pelo menos, de comprovar. Ele luta kung fu com a desenvoltura acrobática de um personagem do filme Kill Bill, de Quentin Tarantino, envolve-se com donzelas que gostam de sexo também movido a alguma pancadaria marcial, sobrevive a uma picada de serpente no rosto, fica doidão ao fumar haxixe e gasta muita energia limpando a barra de seu pai-problema na corte de Kublai Khan (o inglês de ascendência chinesa Benedict Wong). Seria ingênuo, no entanto, denunciar tais liberdades como um atentado à veracidade histórica. Està¡-se diante, afinal, de um personagem cuja biografia foi tão romantizada que se faz impossível separar os fatos da ficção: o mito tornou-se exponencialmente maior que a figura de carne e osso. Marco Polo, aliás, é só uma gota em um imenso oceano de vultos de reputação nebulosa (confira o quadro abaixo). Nem se vai entrar no campo espinhoso das lacunas que pairam sobre a vida de santos, profetas e fundadores das grandes religiões, de Buda a Jesus Cristo. Também não é o caso de juntar ao balaio personagens cuja própria existência é duvidosa — como o líder viking Ragnar Lodbrok, que pode ou não ter vivido em algum momento entre os séculos VIII e IX. A série do Netflix permite examinar algo diferente e, em boa medida, mais perturbador: os mecanismos que fazem personagens verídicos ter sua imagem edulcorada, engrandecida, reduzida, difamada — em suma, inflada para o bem ou para o mal até que a versão se sobreponha à verdade e ganhe vida autônoma. As conveniências do nacionalismo e da ideologia têm peso considerável na mistificação. Na Espanha do século XI, o cavaleiro El Cid foi um mercenário que oferecia seus préstimos tanto aos mouros quanto a seus inimigos católicos. Ao lado desses últimos, teria tido atuação decisiva na expulsão dos seguidores do profeta Maomé na Península Ibérica. El Cid logo virou, contudo, um símbolo de pureza patriótica: em um poema do século seguinte já era louvado como libertador da cristandade. No Brasil, o esquerdismo submeteu a figura de Zumbi dos Palmares a um processo depurativo semelhante. O líder do quilombo do século XVII foi elevado a herói da luta contra a escravidão, embora a investigaçà£o histórica hoje mostre que ele era dono de escravos e controlava Palmares com mão de ferro. A imaginação popular é outro motor do fenômeno. A crença de que o rei português dom Sebastião, desaparecido em uma batalha no século XVI, voltaria para salvar seu país ensejou muitas teorias conspiratórias. A mente popular, essa entidade cheia de caprichos, também tem uma queda pela romantização dos bandidos: só isso explica a fama de Billy the Kid, pistoleiro obscuro dos Estados Unidos do século XIX. Às vezes, o próprio personagem deflagra a transmutaçà£o de sua imagem. Em suas memórias, o aventureiro galês Lawrence da Arábia tornou coisa de cinema o que já era uma vida épica. Marco Polo seguiu caminho parecido: acredita-se que ele não tenha vivido, mas sim ouvido de terceiros, parte do que se narra em seu livro. Desconfia-se também que seu ghost writer na prisão tenha dado certo colorido pessoal à obra. A precariedade da época cuidou de potencializar os efeitos disso: as cópias feitas a mão acrescentaram mais fantasias aos fatos. Conhecem-se 140 manuscritos distintos do livro. É óbvio que personagens como ele são o sonho de consumo de qualquer produtor de cinema e TV: além do apelo popular, eles permitem abusar nas licenças poéticas sem que ninguém se queixe. Na série do Netflix, o criador John Fusco pode dar vazão plena à sua predileção pelas artes marciais. Debaixo de todo sexo, violência estilizada e pílulas de sabedoria oriental, porém, encontra-se um item compensador: Marco Polo é uma eficiente trama de intriga política. Ilumina, por exemplo, as nuances entre a brutalidade mongol e a sutileza insidiosa de seus rivais do sul da China. Se o viajante veneziano viveu tudo aquilo, é o de menos. Quem conta um conto aumenta um ponto. MAIORES QUE A VIDA Seis vultos históricos cuja biografia funde mito e realidade El Cid (1043-1099) Um século após sua morte, o cavaleiro já era enaltecido no poema El Cantar de Mio Cid, marco da literatura espanhola. O mito do cristão fervoroso que livrou seu país dos muçulmanos foi endossado num filme dos anos 60 com Charlton Heston. Na verdade, El Cid foi um mercenário que lutou, sem peso na consciência, tanto ao lado dos cristãos como de seus inimigos. Henrique VIII (1491-1547) Na imaginação popular, o monarca inglês foi um fanfarrão libertino que governava com despotismo e só pensava em uma coisa: trocar de mulher, livrando-se das ex de forma cruel. A realidade é que ele foi um rei culto e humanista. E seu rompimento com a Igreja Católica teve urgentes razões sucessórias, bem mais complexas que o simples desejo de se divorciar para correr atrás de outro rabo de saia. Dom Sebastião (1554-1578) Morto aos 24 anos em uma guerra na África, o rei português ganhou aura divina. Diz a lenda que ele teria sumido sem deixar vestígio enquanto combatia os infiéis. Mas historiadores já sustentaram que foi morto e enterrado no campo de batalha ou até que fugiu e reapareceu na Itália. A dúvida deu origem ao sebastianismo, crença de que o rei um dia voltará para salvar Portugal. Zumbi dos Palmares (1655-1695) No século XX, o líder do maior quilombo do Brasil colonial foi elevado pelo pensamento esquerdista ao posto de herói da luta contra a escravidão e líder de uma suposta comunidade igualitária. Mas estudos recentes mostram que o Zumbi real pouco tinha a ver com sua versão idealizada: ele possuía os próprios escravos e chefiava Palmares com rigor autoritário. Billy the Kid (1859-1881) O pistoleiro americano ilustra uma categoria pródiga: a dos bandidos cuja biografia foi colorida por certo romantismo. Há incerteza sobre sua origem e a real dimensão dos esforços para matá-lo. Entre as fantasias a respeito de sua trajetória, a maior — criada por um jornal sensacionalista — é que teria matado 21 homens em seus 21 anos de vida. Na verdade, foram quatro. Lawrence da Arábia (1888-1935) Na I Guerra, a Inglaterra valeu-se do aventureiro galês para estimular o levante dos árabes contra o domínio turco. A lenda tornou-se maior que a pessoa graças ao relato de suas proezas por um jornalista e ao livro de memórias de T.E. Lawrence, Os Sete Pilares da Sabedoria — inspiração um bocado fantasiosa do filme épico que leva seu nome, de 1962. 7#2 TELEVISÃO – A DESBOCADA DO MARANHÃO Amor & Sexo, da Globo, fala de temas eróticos com humor e informalidade. Mas nada se compara ao vocabulário nu e cru do programa regional Sem Vergonha BRUNO MEIER É hora do rush em São Luís, no Maranhão, e a morena de 1,75 metro caça entrevistados num ponto de ônibus. Ela aborda as pessoas sem nem um "com licença" e já sai perguntando sobre o tema do dia — não muito agradável: era a semana dedicada à prevenção do câncer de próstata. "Tenho medo de me viciar", responde um taxista gaiato quando a repórter pergunta sobre o exame proctológico. Duas senhoras de idade observam o tumulto a uma distância cautelosa. "É aquele programa da noite, Só Sacanagem", diz uma delas. A outra corrige: "Não. O nome é Sem Vergonha". Não haveria título mais exato para essa atração regional. No Sem Vergonha, a jornalista maranhense Mônica Moreira Lima conversa sobre sexo, todas as noites de sexta-feira, na TV Guará, retransmissora da Record News, com linguagem desabusada e atitude para lá de liberal. Uma espectadora pergunta, por e-mail, se de bicicleta tambà©m se chega ao êxtase, e Mônica logo assume a linha "vale tudo pra chegar lá", recomendando brinquedinhos ou, na falta deles, certos legumes. "O importante é ter prazer. Até banco de bicicleta, sim: você pode entrar em forma e ainda manter sua satisfação sexual em dia." Isso é que é cicloativismo! "Não sou sexóloga. Minha única referência são 31 anos de ****", diz Mônica (como ela tem 46, sabe-se que se iniciou no tema com 15). A apresentadora explica que a linguagem mais do que franca tem a ver com sua personalidade: "O romantismo me *****. Gosto da fuleiragem. Durante nove anos, Mônica foi repórter e apresentadora de jornais locais na TV Mirante, da família Sarney, afiliada da Globo. Abandonou o posto, descontente com o salário de 2000 reais, mas ainda elogia o antigo patrão: "José Sarney é amigo da família. Um tio meu pegava carona em seu avião quando ia para Brasília". Há dois anos na Guará, Mônica começou falando de polà­tica. Mas o empresário Roberto Albuquerque, proprietário da emissora, achou o tom de Mônica muito parcial (no pleito deste ano, ela torceu pelo comunista Flávio Dino, que acabou eleito governador). Surgiu então a ideia de ela se dedicar a temas menos escandalosos que a política. Albuquerque deu a ela uma referência; Marta Suplicy, que antes da carreira política teve um programa de sexo na Globo. Em fevereiro deste ano, surgia o Sem Vergonha. No CQC, da Bandeirantes, o quadro Top Five, catadão de momentos pitorescos da TV do Brasil, já levou as tiradas de Mônica ao ar três vezes. Na mais famosa, ela gentilmente convida as espectadoras a abandonar o temor do sexo por vias não convencionais: "Essa mulherada tá economizando essas ****** pra quàª?". Diz Albuquerque: "Criei um monstro". Uma atitude desassombrada e irreverente é fundamental para quem conduz programas de sexo. A canadense octogenária Sue Johanson empolgava ao falar com autoridade e naturalidade sobre práticas sexuais, mas sempre chamando as coisas pelo nome de família: pênis, vagina etc. Atualmente no ar pela Globo, Amor & Sexo é mais informal, mas nem de longe tão explícito quanto Sem Vergonha. Com uma bancada entrosada (excetuando-se Otaviano Costa, que soa sempre desesperado para aparecer), o programa de Fernanda Lima já está em sua oitava temporada. As diferenças entre as duas sexólogas improvisadas não são só de estilo: Fernanda ganha sessenta vezes o salário de Mà´nica, que complementa os proventos da TV com um programa de rádio e trabalhos de assessoria de imprensa. Aliás, não convém citar o nome de Fernanda Lima perto da maranhense: "Tanto investimento para um programa superficial. Ela canta e se veste de perereca (o batráquio, deixe-se claro). Ridículo", desdenha. Embora a carreira de conselheira erótica televisiva seja recente, Mônica sempre gostou do assunto: "Quando criança, media o ***** dos meus primos e os peitos das minhas amigas". Diz que seus três filhos têm acesso à lista na qual anota o nome e as características (aquelas que interessam, ao menos) de todos os homens (não, nenhuma experiência gay) com quem já teve sexo. Com Sem Vergonha, ela descobriu um público ousado, que lhe manda fotos tão explícitas quanto a linguagem do programa. "Uma loucura. Mandam cantada, pedido de casamento e fotos de **** e ****" (os asteriscos aqui encobrem dois termos sinônimos para a mesma porção masculina). Casamento não está no horizonte: Mônica diz que há dezesseis anos não tem um parceiro firme. Recorre a um eventual P.A. (a sigla é típica do vocabulário da jornalista; A quer dizer "amigo" e P é o que se adivinha). Tem também sua coleção de brinquedinhos — o favorito tem regulagem com controle remoto, e ela o usa na balada, enquanto dança e "sensualiza". Ah, sim: de vez em quando, ela vai de bicicleta para o trabalho. Amor & Sexo — Globo Apresentadora: Fernanda Lima, 37 anos Salário: 150.000 reais Tirada apimentada: "Gostaria de saber por que os homens gostam de dar apelidinho e até sobrenome para o seu *****". Sem Vergonha -TV Guará, Maranhão Apresentadora: Mônica Moreira Lima, 46 anos Salário: 2500 reais Tirada apimentada: "Recomendo fazer o teste da manga com o cabra antes de marcar encontro com ele. Ofereça a fruta e veja como ele come. Se pedir garfo e faca, ele é monoglota: fraco em linguagem sexual". 7#3 CINEMA – “TODO DIRETOR É DITADOR†Estrela clássica, a americana Shirley MacLaine continua na ativa no cinema, com um olho na TV e outro na tecnologia. Como nos livros sobre vidas passadas que fizeram dela um sucesso da autoajuda, a atriz americana Shirley MacLaine continua reencarnando. Sua mais recente existência está em Elsa & Fred (Estados Unidos, 2014), jà¡ em cartaz no país, no papel da septuagenária sonhadora e um tanto mentirosa que vive um romance com o vizinho mal-humorado e igualmente idoso (Christopher Plummer) — um remake morno da comédia argentina homônima. Aos 80 anos, Shirley, uma das últimas remanescentes da Hollywood clássica — trabalhou com Alfred Hitchcock, entre outros mestres —, não quer saber de aposentadoria. De sua casa no Novo México, ela falou ao editor Mario Mendes sobre a ditadura nos sets de filmagem, sua atual fixação pelo universo on-line e o que fazia quando era indicada ao Oscar mas voltava para casa de mãos abanando. Em Elsa & Fred, sua personagem inventa histórias e esconde verdades. O que a senhora teria a perguntar a ela? Exatamente sobre esse seu senso de realidade. Foi uma personagem difícil porque a maioria das coisas que ela faz poderia pôr uma pessoa na cadeia. Mas ela é tão encantadora e convincente que acaba sendo perdoada. Eu perguntaria o que ficou na minha cabeça o tempo todo: "Você agia assim mesmo antes de saber que estava doente?". A cena em que Elsa e Fred mergulham na Fontana di Trevi, em Roma, como em A Doce Vida, de Fellini, foi feita em estúdio, não? Não, nós realmente voamos até Roma, e Christopher e eu entramos na fonte, A temperatura estava perto do zero, a água estava gelada e eu fiquei gripada. Também me achei gorda naquele vestido tomara que caia, e a tomada toda foi simplesmente terrível. Mas esse é o nosso trabalho. Fora de Hollywood, a senhora filmou com Vittorio De Sica, em Sete Vezes Mulher (1967). Havia uma grande diferença no jeito de fazer cinema nos Estados Unidos e na Europa? De maneira nenhuma. Cá ou lá, não existe democracia em um set de filmagem. Tudo e todos obedecem à vontade do diretor — ele era italiano, e um ditador encantador e maravilhoso. A senhora continua escrevendo livros sobre temas místicos, como a reencarnação? Não paro de escrever, é o que mais faço. Infelizmente, nà£o posso adiantar o tema do livro que vou lançar no ano que vem. Só digo que ando com fixação em e-books, no design de páginas eletrônicas e na criação de conteúdo on-line. Justo eu, que sempre detestei tudo o que tem a ver com tecnologia. A senhora tem perfil nas redes sociais? Não, de jeito nenhum! Odeio redes sociais porque sinto que elas està£o afastando as pessoas dos contatos reais, além de fazê-las mais idiotas. Depois de participar de Downton Abbey e Glee, a TV continua em seus planos? Se me convidarem e eu estiver disponível, por que não? Não participei da quinta temporada de Downton Abbey porque Julian Fellowes, o criador da série, não escreveu nada para mim. Mas espero que ele escreva na próxima. Vamos ver. A senhora foi indicada seis vezes ao Oscar, mas só levou na última, em 1984, por Laços de Ternura. Como era ser indicada e não ganhar? Eu voltava para casa e comia um bolo inteiro. 7#4 CINEMA – A MULTIDÃO VIRTUAL Em Homens, Mulheres & Filhos, Jason Reitman trata com agudeza — e compaixão — do isolamento dos conectados. Dos cineastas de sua geração, Jason Reitman é o mais comprometido com o espírito do tempo, que ele em geral capta no instante exato em que um tema atinge seu ponto de saturação. Em 2005, quando as políticas de tutelagem social viviam seu triunfo, ele tratou em Obrigado por Fumar das táticas de um trio de lobistas para as indàºstrias "malditas" do tabaco, do álcool e das armas. Em Juno (2007), estava em jogo a questão que domina boa parte da discussão cultural americana, a do ser diferente e destoar do grupo a que se pertence, Amor sem Escalas, lançado em 2009, no auge da crise econômica, apresentava um tipo novo de profissional, o especialista em demissões em massa. Jovens Adultos, de 2011, era um retrato cruel da geração que ruma para os 40 sem largar do egoísmo e do narcisismo da adolescàªncia. Agora, com Homens, Mulheres & Filhos (Men, Women & Children, Estados Unidos, 2014), que estreia nesta quinta-feira no país, Reitman parece chegar com algum atraso ao paradoxo entre hiperconectividade e extrema solidão ou alienação. Decerto esse terreno já foi repisado à exaustão, sem que se tenha avançado muito nele além da mera constatação? De início, enquanto desenha seu cenário, Reitman dá mesmo a impressão de chover no molhado. Tem-se a garota (Olivia Crocicchia) que só pensa em virar celebridade e, encorajada pela mãe (Judy Greer), posta fotos inapropriadas na sua página. A outra (Elena Kampouris) que frequenta sites de anorexia. O casal (Adam Sandler e Rosemary De Witt) que não conversa nem transa e vai buscar on-line os remédios para a insatisfação. O garoto (Travis Tope) que, aos 15 anos, já se viciou na pornografia virtual e não mais consegue se excitar sem ela. A menina cujos passos — os físicos e os digitais — são vigiados pela mãe (Jennifer Garner) com ferocidade fanática. E o menino que, para confusão do pai (Dean Norris), alivia o abandono materno num jogo que consome seu tempo e energia. Esses dois últimos, Tim (Ansel Elgort) e Brandy (Kaitlyn Dever), formam o eixo central: a vida digital os condiciona mas ainda não os norteia nem os preenche, e estão ambos, primeiro sozinhos e depois juntos, tentando achar algo de palpável. A impressão de que Reitman está criando tipos, portanto, logo se dissipa. Como em seus outros filmes, seu dom é a perspicácia e compaixão com que investiga o íntimo dos personagens e descortina, neles, aqueles dramas, aflições e frustrações que acompanham o ser humano desde sempre. O fenômeno inédito que ele localiza é o quanto se disseminou a ideia de que existe uma cura para essas dores no mundo digital — e o quanto essa cura vicia, o quà£o agressiva pode ser e como, em última análise, ela alimenta ou mesmo cria a "doença" que se quer curar. Da mesma forma que Jovens Adultos, este Homens, Mulheres & Filhos foi recebido com considerável hostilidade: é o preço que Reitman paga por ir direto à veia. ISABELA BOSCOV 7#5 LIVROS – A AVENTURA E A LEI Uma coletânea de documentos do século XVI mostra que foram os espanhóis, e não os portugueses, os pioneiros do direito no Brasil. ALBERTO MUSSA Entre os períodos canônicos em que se costuma dividir a história brasileira, talvez não haja nenhum tão fundamental quanto aquele que precede a instituição do governo-geral, correspondendo na prática à primeira metade do século XVI. Foi o momento do grande encontro, do grande embate entre duas civilizações radicalmente díspares — a europeia e a americana. Para o leitor comum, o século XVI traz a sedução da aventura, da fantasia e do mistério: é a era dos piratas, dos desbravadores, dos homens que enfrentaram tenebrosos oceanos e penetraram terras desconhecidas, habitadas por povos muitas vezes hostis, em busca de cidades douradas e reinos governados por mulheres guerreiras. Daí a enorme relevância, e o amplo espectro de interesse, entre leigos ou especialistas, de Primórdios da Justiça no Brasil (Tekoá et Orbis; 652 páginas; 550 reais; vendas pelo site www.tekoaetorbis.com.br), de Amílcar D'Avila de Mello, obra que reúne e comenta textos castelhanos de cunho jurídico, escritos no Brasil entre 1526 e 1541. Sendo essa a época menos documentada da nossa historiografia, a publicação desse curioso conjunto de cartas, petições, procurações, depoimentos, pareceres e notificações constitui saborosa e rara via de acesso à vida cotidiana dos incipientes núcleos de povoamento litorà¢neo. Belissimamente ilustrado com reproduções de mapas, códices, gravuras e imagens diversas, o livro traça, nos primeiros quatro capítulos, um panorama evolutivo da estrutura jurídico-administrativa da Espanha. No quinto e último capítulo, que constitui o cerne da obra, Amílcar D’Avila reproduz e traduz documentos relativos às intrincadas querelas judiciais de duas expedições quinhentistas: a de Sebastião Caboto e a de Cabeza de Vaca. É fascinante a história de Caboto. Capitão-mor de uma armada castelhana que se destinava às Ilhas Molucas, esse afamado navegante ouviu em Pernambuco notícias sobre metais preciosos no interior do continente, cujos segredos eram conhecidos de náufragos que viviam na Ilha dos Patos (atual Ilha de Santa Catarina). Caboto decide, então, investigar a veracidade de tais informações, o que teria indignado o fidalgo Francisco de Rojas, capitão de uma das naus da esquadra, por representar essa medida uma desobediência ao regimento. Houve rumores de que Rojas e outros viajantes planejavam um motim contra Caboto. O capitão-mor, então, resolve desterrar Rojas e dois companheiros para a Ilha dos Patos. Segundo alguns depoentes, eles teriam sido dados como escravos a Tup࣠Verá, o poderoso tuxaua dos carijós naquela ilha. Rojas foi resgatado por um português, mas os outros dois se afogaram numa tentativa de fuga. Caboto vai em busca das riquezas e, em São Vicente, reencontra Rojas e o intima a se reintegrar à expedição. Não é obedecido: ali mesmo, no litoral paulista, Rojas obtém declarações contra Caboto, que ainda iria responder na Espanha por seus desmandos. Não menos interessante é a biografia de outro célebre explorador do Novo Mundo: Alvar Núñez Cabeza de Vaca. Em viagem pelas futuras terras brasileiras, em 1541, foi empossado governador da ilha de Santa Catarina. Aventurou-se a pé pelo interior do continente, atà© ser preso e destituído do cargo quando em Assunção, no Paraguai, por contrariar o interesse dos colonos. A documentação reproduzida em Primordios... revela o pitoresco cotidiano da época. Em pequenos arraiais de escassos moradores, havia homicídios, furtos, apropriação indébita, injúria e até um caso de amor proibido, que levou uma mulher a se vestir de homem para visitar o amante no cárcere. Há ao menos duas teses defendidas pelo autor, uma explícita, outra tácita. Amílcar D’Avila propõe que o desterro de Francisco de Rojas e dos outros dois oficiais da expedição de Caboto, em 1526, foi a primeira manifestação do direito romano no Brasil — e ocorreu em castelhano, não em português (um diário de bordo de expedição portuguesa, em 1511, traz um registro de furto, mas é só o relato do caso, sem autos de processo). A tese implícita se liga ao próprio conceito de Brasil. Caboto e Cabeza de Vaca, os envolvidos no processo, eram súditos do monarca espanhol Carlos V. e a Ilha de Santa Catarina era então domínio da Coroa de Castela. Talvez haja quem objete a tratar tais casos como manifestações do direito em território brasileiro, se esse conceito se vincular apenas aos domínios de Portugal. Percebe-se, contudo, que em Amílcar D’Avila a noção de Brasil não se restringe à jurisdição oficial, mas contempla a continuidade histórica das populações. Logo, os primeiros brasileiros podem ter sido, por exemplo, tanto luso-tupis quanto hispano-guaranis. E o direito, o maior legado de Roma para a civilização ocidental, chegou ao Brasil nas naus espanholas. 7#6 VEJA RECOMENDA EXPOSIÇÃO ROBERTO BURLE MARX: UMA VONTADE DE BELEZA (EM CARTAZ NA PINACOTECA DO ESTADO, EM SÃO PAULO) • A pintura foi sempre considerada a prima pobre na obra de Burle Marx (1909-1994). Difícil, afinal concorrer com seus feitos como paisagista, do desfile de palmeiras magníficas no Aterro do Flamengo aos jardins de Brasília (que funcionam como providencial antídoto à monotonia de concreto dos palácios projetados por seu contemporâneo Oscar Niemeyer). Mas essa espécie de renascentista tropical — que atuou da arquitetura ao design, passando por um extraordinário trabalho de investigação botânica — não enxergava as coisas desse modo. Burle Marx se via, antes de tudo, como um pintor. "Para ele, o paisagismo era parte de um projeto de pinturaâ€, diz Giancarlo Hannud, curador da mostra paulistana. Faz sentido. Esta retrospectiva de quarenta telas, desenhos e objetos de design como vasos de vidro e jóias mostra que há uma unidade inescapável entre seu modo de fazer arte e criar jardins. Burle Marx começou como um pintor um tanto derivativo das tendências modernistas à sua volta, mas lá pelos anos 60 seu abstracionismo atingiu a maturidade, combinando rigor geométrico às curvas e cores que também marcavam seus projetos no paisagismo. LIVRO MAX PERKINS, UM EDITOR DE GÊNIOS, DE A. SCOTTBERG (TRADUÇÃO DE REGINA LYRA; INTRÍNSECA; 544 PÁGINAS; 44,90 REAIS, ou 29,90 NA VERSÃO ELETRÔNICA) • Seu nome não consta da capa do livro e seu trabalho não costuma ser celebrado pela crítica: o editor é uma figura dos bastidores da produção literária. O americano Max Perkins (1884-1947) foi, muito de acordo com a compostura da profissão, um homem discreto: esquivava-se de entrevistas e dizia ter "paixão pelo anonimato". Seu trabalho, porém, foi fundamental para uma geração marcante da literatura dos Estados Unidos. Em seus 36 anos na editora Scribners, Perkins deu forma a obras de Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e Thomas Wolfe, entre outros. Foi um editor na melhor tradição americana: lia os livros com extremo cuidado, fazia anotações, sugeria mudanças e cortes às vezes extremos, e os autores o respeitavam por isso. Perkins era também um grande amigo, ocasionalmente chamado a socorrer o beberrão Fitzgerald quando o escritor já não tinha como pagar suas dívidas. O biógrafo Scott Berg oferece, a partir da vida de Perkins, uma visão íntima da literatura americana. TELEVISÃO SONIC HIGHWAYS (ESTREIA NO DOMINGO 30, ÀS 20H30, NO CANAL BIS) • As qualidades musicais de Dave Grohl, o líder da supervalorizada banda Foo Fighters, são bem discutíveis. Mas ele vem descobrindo um novo talento: documentarista dedicado a temas musicais. Grohl começou essa empreitada em Sound City, homenagem ao lendário estàºdio de Los Angeles. Sonic Highways (mesmo título do novo álbum do Foo Fighters) é mais ambicioso. Trata-se de uma viagem, em oito capítulos, por cidades fundamentais da música americana: Chicago, Washington, Nashville, Austin, Los Angeles, Nova Orleans, Seattle e Nova York. O cineasta diletante não se limita a entrevistas, mas também participa de números musicais. Em Chicago, Grohl fez covers de Buddy Guy e Muddy Waters; em Nova Orleans, saiu pelas ruas com a banda de jazz Preservation Hall. Há momentos em que ele se despe da pose de rock star para falar de lembranças afetivas. Em Chicago, entrevista um primo, ex-vocalista de uma banda punk, e lembra que ele o levou para o primeiro show que viu na vida (do Naked Raygun, outra banda punk). Cada episódio à© acompanhado pela gravação de uma faixa de Sonic Highways. Depois da exibição no Bis, os episódios estarão disponà­veis no site www.canalbisplay.com.br DISCO DIFFERENT SHADES OF BLUE, JOE BONAMASSA (VOICE MUSIC) • Joe Bonamassa é americano e tem 37 anos, mas espiritualmente pertence à Inglaterra das décadas de 60 e 70. O estilo do guitarrista busca dar uma embalagem do século XXI à elegância de Eric Clapton ao tempo em que tocava com a banda Cream. Bonamassa participou de dois projetos estrelados: o Bloodline, ao lado de Robby Krieger (do Doors) e dos filhos de Miles Davis, e o Black Country Communion, com o baixista Glen Hughes (ex-Deep Purple) e o baterista Jason Bonham (filho do lendà¡rio John Bonham, do Led Zeppelin). Mas ele tem também um sólido trabalho-solo em que prossegue já há mais de uma década. Different Shades of Blue, seu disco mais recente, traz onze canções bem acessíveis, que transitam pelo blues, pelo rock e pelo cruzamento desses gêneros com o rhythm'n'blues. Na gravação, o màºsico usou nada menos que dezenove guitarras diferentes — todas listadas na ficha técnica. Mas ele não faz exibições estéreis de virtuosismo, nem se perde em solos muito longos: em sua màºsica, o poder de destruição da guitarra está sempre a serviço da canção. DVD FEDORA (FRANÇA/ALEMANHA, 1978. VERSÁTIL) • Quase trinta anos depois de realizar Crepúsculo dos Deuses, sua obra-prima sobre a velha Hollywood, o diretor Billy Wilder (1906-2002) voltou ao tema já não mais com uma tragédia, e sim em tom desiludido de farsa. Tal como a Norma Desmond do filme anterior, Fedora (Marthe Keller) é uma antiga estrela de cinema. Mas não foi esquecida: ainda enigmaticamente bela, isolou-se do mundo e recusa sucessivos convites para voltar a filmar. Um velho e quase falido produtor (William Holden) com quem ela teve uma noite de amor no auge da fama vai procurá-la para lhe oferecer um papel, mas começa a desconfiar de que há algo bizarro na ensolarada ilha grega que serve de refúgio à atriz. Escondida sob chapéus e óculos escuros, Fedora demonstra odiar e temer as pessoas com que vive: um cirurgião plástico beberrão (José Ferrer) e uma decrépita condessa (Hildegard Knef). Em seu penúltimo filme, Wilder lança um olhar impiedoso sobre a paranóia da vaidade em um meio que ajudou a construir e no qual já não mais se sentia à vontade. 7#7 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- Somente Sua. Sylvia Day. PARALELA 2- Se Eu Ficar. Gayle Forman. Novo Conceito 3- Para Onde Ela Foi. Gayle Forman. NOVO CONCEITO 4- O Irmão Alemão. Chico Buarque. COMPANHIA DAS LETRAS 5- O Sangue do Olimpo. Rick Riordan. INTRÍNSECA 6- O Pequeno Príncipe. Antoine de Saint-Exupéry. AGIR 7- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA 8- Petrus Logus – O Guardião do Tempo. Augusto Cury. SARAIVA 9- Quatro. Veronica Roth. ROCCO 10- Jogos Vorazes. Suzanne Collins. ROCCO NÃO FICÇÃO 1- Nada a Perder 3. Edir Macedo. PLANETA 2- O Capital no Século XXI. Thomas Piketty. INTRÍNSECA 3- Aparecida. Rodrigo Alvarez. GLOBO 4- Bela Cozinha: as Receitas. Bela Gil. GLOBO 5- Guga — Um Brasileiro. Gustavo Kuerken. SEXTANTE 6- Carlos Wizard – Sonhos Não Têm Limites. Ignácio de Loyola Brandão. GENTE 7- Tudo ou Nada. Malu Gaspar. RECORD 8- O Diário de Anne Frank. Anne Frank. RECORD 9- Sonho Grande. Cristiane Corrêa. PRIMEIRA PESSOA 10- Eu Sou Malala. Malala Yousafzai. COMPANHIA DAS LETRAS AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Ansiedade. Augusto Cury. SARAIVA 2- Não Se Apega, Não. Isabela Freitas. INTRÍNSECA 3- De Volta ao Mosteiro. James Hunter. SEXTANTE 4- Geração de Valor. Flávio Augusto da Silva. SEXTANTE 5- As 25 Leis Bíblicas do Sucesso. William Douglas e Rubens Teixeira. SEXTANTE 6- As Regras de Ouro dos Casais Saudáveis. Augusto Cury. ACADEMIA DE INTELIGÊNCIA 7- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 8- Quem Me Roubou de Mim?. Padre Fábio de Melo. PLANETA 9- O Poder da Escolha. Zíbia Gasparetto. VIDA & CONSCIÊNCIA 10- Adeus, Aposentadoria. Gustavo Cerbasi. SEXTANTE 7#8 J.R. GUZZO – SEM ALEGRIA A história vive nos ensinando como é difícil satisfazer certos ganhadores. Quanto mais ganham, mais reclamam; por questões de temperamento pessoal, ou pelo momento político, ou pelo tumulto que criam para si mesmos e para os outros, seus triunfos tendem a gerar discà³rdia, neurastenia, frustração e: no fim das contas, um pote até aqui de mágoa. Um caso clássico de infelicidade na glà³ria é o do rei Felipe II da Espanha, geralmente visto como o monarca mais bem-sucedido de todos os tempos. Felipe II governou um império que cobria os 24 fusos horários da Terra. A bandeira espanhola estava presente nos quatro continentes conhecidos em seu tempo; em toda a América, da Califórnia à Patagônia, incluindo o Brasil, ele reinava sozinho. Era o proprietário da maior parte de todo o ouro e prata existentes no mundo. Nem a Inquisição Católica da Espanha, a mais selvagem da época, tinha coragem de se meter com ele. Mas nada disso, pelo que se sabe, foi suficiente para deixá-lo satisfeito. "Queira Deus que eu possa ser tratado melhor no céu do que nesta vida", queixou se Sua Majestade pouco antes de morrer, em 1598, após 42 anos seguidos no trono. Homem difícil de agradar, esse Felipe II — o que mais ele poderia querer? Sem dúvida, mas o cidadão comum ficaria surpreso se soubesse como são frequentes os casos de baixo-astral explícito que acompanham muitas das grandes vitórias na política. Justo agora, por exemplo, temos no Brasil uma situação desse tipo. Ninguém aqui está dizendo que Dilma Rousseff, recém-vitoriosa nas eleições, é uma Felipe II, porque ela com certeza nãoé uma Felipe II — a começar pelo fato de que não pode ficar, como o companheiro espanhol, mais de quarenta anos no governo, o que lhe daria o equivalente a dez mandatos seguidos na Presidência da República. Mas tudo indica que seu último triunfo está sendo um desapontamento. A presidente foi reeleita. Seu patrono, o ex-presidente Lula, conseguiu um novo milagre. Seu partido ganhou pela quarta vez seguida a eleição presidencial. Ainda assim, Dilma nunca pareceu tà£o infeliz quanto agora. Fez duas excelentes escolhas para o seu novo ministério, Joaquim Levy para a Fazenda e Kátia Abreu para a Agricultura — mas o PT ficou irado. Meteu-se numa miserável trapaà§a para falsificar no Congresso os números do orçamento, e por conta disso colocou fora da lei o governo que chefia. Suas tropas atiram em si próprias com a mesma violência com que atiravam até outro dia contra os adversários da campanha eleitoral. Fantasmas do passado se associam com fantasmas do futuro. É verdade que com um petrolão inteiro pela proa não dá para ninguém ficar animado — Dilma e Lula, a esta altura, não podem mais construir uma linha de defesa que os absolva, e os fatos já demonstraram que os governos de uma e do outro entrarão para a memória pública como os mais corruptos de toda a história do Brasil. Mas parece haver algo mais inquietante nessa síndrome de depressão pós-eleitoral. Antes ainda do resultado final, gente graúda no governo e em seu sistema de apoio garantia que a presidente só poderá salvar o seu segundo mandato de um naufrágio se "se livrar" de pessoas e de posturas que se tornaram flores no seu jardim. Dilma, por esses teoremas, precisa "livrar-se" deste ou daquele ministro, dos arquiduques desta ou daquela estatal, e por aí se vai. Perfeitamente: poderia livrar-se, aliás, dos seus 39 ministros, e ninguém iria perceber nada. O problema, falando francamente, é que para que as coisas melhorassem de verdade Dilma teria de livrar-se principalmente de si mesma — e isso, como se diz, não vai rolar. O que complica a situação para Dilma Rousseff, e principalmente para o país a ser governado por ela nos próximos quatro anos,é precisamente Dilma Rousseff. Essa conversa toda sobre seu estilo, sua inclinação à "gerência", sua paixão por frases que não acabam e por pensamentos que não começam etc. fica indo de lá para cá, de cá para lá, e esconde o fato essencial — o de que a presidente do Brasil, diga-se com toda a educação possível, não tem capacidade para exercer esse cargo. Há pessoas que aprendem o suficiente para ter muitas ideias, mas não o necessário para fazê-las dar certo; é o caso da presidente. Pessoas assim acabam criando uma hostilidade sem limites a tudo o que não é medíocre, e com isso se condenam a não aprender nada que as ajude. Só mudam quando são forçadas. São obcecadas por truques montados para esconder suas derrotas e negar os erros. É uma fórmula segura para viver na insatisfação. -- Você está participando do grupo "DV-Escola", dos grupos do Google. Sua inscrição é de sua inteira responsabilidade. Atenção! 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