VEJA www.veja.com editora ABRIL edição 2354 – ano 47 – nº 1 1º de janeiro de 2014 [descrição da imagem: com exceção de uma pequena faixa superior da capa da revistas, o resto está dividida no meio, no sentido vertical. No lado esquerdo, está, de frente, um menino negro, Deyvid, vestindo calção azul e camisete nas cores do Brasil com o número 9 no centro. Está com as mão na cintura, pelo lado, e está descalço, tendo à sua frente uma bola de futebol. O chão é de terra, e no fundo aparece metade de uma goleira e mato. No lado direito da capa, está Neymar, vestido com o uniforme da seleção brasileira de futebol, chuteiras laranja, calção azul e camiseta amarela e verde, oficial da seleção. Está também de frente, com as mãos na cintura. O chão é gramado e ao fundo aparece metade da goleira e as arquibancadas de um campo de futebol.] UMA COPA, DOIS PAÍSES Os desafios para o Brasil em 2014, dentro e fora do gramado. Deyvid Arnaldo da Silva, 11 anos, em um campinho de terra de Itaquera, São Paulo, ao lado de onde está sendo erguido o estádio da abertura da Copa de 2014. Neymar, no novo Maracanã. [descrição da imagem: parte superior esquerda da capa: foto de parte de um prédio, na frente arborizado, e aparecendo uma mulher de costas com bolça no ombro direito.] URBANISMO As novas sedes do Google, Facebook e Apple são sonhos digitais materializados. [descrição da imagem: foto do rosto que vem estampado em todas as notas do dinheiro brasileiro sendo que traz no pescoço a faixa presidencial, em verde e amarelo, com o ano 2014] PERSPECTIVA 2014 O que fazer para escapar do crescimento econômico medíocre. ______________________________ 1# SEÇÕES 2# PANORAMA 3# BRASIL 4# INTERNACIONAL 5# ECONOMIA 6# GERAL 7# GUIA 8# ARTES E ESPETÁCULOS _________________________________ 1# SEÇÕES 1.1.14 1#1 CARTA AO LEITOR – UMA COPA, DOIS PAÍSES 1#2 ENTREVISTA – JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN – “É PRECISO MUDAR A MENTALIDADE” 1#3 LYA LUFT – UM BAND-AID NA ALMA 1#4 LEITOR 1#5 BLOGOSFERA 1#6 EINTEIN SAÚDE – DIAGNÓSTICO DE LESÕES HEPÁTICAS 1#1 CARTA AO LEITOR – UMA COPA, DOIS PAÍSES O Brasil pode ser campeão do mundo em 2014 e não ganhar a Copa. Essa é a análise de Sérgio Rodrigues, escritor, jornalista e blogueiro de VEJA, autor da reportagem especial que ocupa oito páginas desta edição da revista. Ou seja, mesmo ganhando, corremos o risco de perder. Escreveu Rodrigues: "De forma incomparavelmente mais desafiadora do que em 1950, quando o Mundial da Fifa era um certame paroquial comparado à superprodução de hoje, será preciso vencer nos aeroportos, nos hotéis, nos táxis, nas filas diante dos estádios e na segurança — em resumo, na organização — um jogo em que o placar já foi aberto e nos é amplamente desfavorável". Da soma dessas duas Copas, a que será disputada nos gramados e a que se desenvolverá ao redor deles, teremos uma extraordinária narrativa, aos olhos do mundo, do que o Brasil deseja ser e do que de fato ele pode ser. A reportagem, que começa na página 74, recorre à história do futebol brasileiro para compor um painel da pátria do futebol, mas que é também o país dos grandes desequilíbrios sociais. Sérgio Rodrigues combina como poucos o domínio do português escrito e o amor pelo futebol. Sérgio é autor de O Drible, romance lançado recentemente, que o eterno craque Tostão, também um excelente colunista, definiu como "o livro que gostaria de ter escrito". No site de VEJA, Sérgio é o titular de dois blogs, o Todoprosa, dedicado à literatura, e o Sobre Palavras, em que mostra aos leitores as origens de palavras que subitamente ganharam relevância no Brasil e alerta para os abusos da linguagem escrita e falada. Até a partida final da Copa de 2014, marcada para o domingo 13 de julho, no Maracanã, goste-se ou não, o futebol vai ser o assunto dominante no Brasil. O melhor a fazer então, como Sérgio Rodrigues se esmera em demonstrar na reportagem especial desta edição, é tratar do assunto com originalidade, bom-senso e apreço estético. Um exemplo: "O craque nunca se chama Ronaldão, mas pode se chamar Ronaldinho. Recuando um pouco na história, vemos que foi esse o caso, entre muitos outros, de Zizinho, Quarentinha, Juninhos (Paulista, Pernambucano). E se incluirmos no raciocínio diminutivos menos óbvios, mas ainda diminutivos, veremos que foi o caso também de Didi, Garrincha, Zico e até Tostão — um ão anômalo, craque aumentativo cujo nome era na verdade um diminutivo monetário. No campo, o fino fala mais alto que o grosso". Torçamos para que fora do campo também a fineza supere a grossura, a honestidade triunfe sobre a esperteza e 2014 seja o ano em que o Brasil saia vitorioso nas duas Copas, a dos sonhos de grandeza no futebol e a da realidade. 1#2 ENTREVISTA – JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN – “É PRECISO MUDAR A MENTALIDADE” Um dos mais influentes economistas da atualidade diz que o Brasil deve se despir de velhas ideias e encarar de uma vez por todas as reformas para alcançar um novo patamar. MALU GASPAR Há mais de quatro décadas nos Estados Unidos, o carioca José Alexandre Scheinkman, de 65 anos, construiu uma carreira acadêmica brilhante como professor, com passagens pelas universidades de Chicago, Princeton e, agora, Colúmbia, em Nova York. Ao longo de sua trajetória, foi parceiro em estudos de ganhadores de prêmios Nobel e de xerifes da economia, como o presidente do Fed (o banco central americano), Ben Bernanke. Autor e analista renomado, tornou-se uma voz influente nas altas esferas das decisões econômicas, mas nunca deixou de lançar um olhar especialmente perspicaz sobre o Brasil, que visita com frequência. Em sua mais recente passagem por São Paulo, ele falou a VEJA sobre como a falta de regras claras e estáveis para investimentos e a permanência de focos de protecionismo continuam emperrando os avanços e mantendo o país na rabeira do bloco de nações mais promissoras. Por que a economia brasileira patinou em 2013? O fraco desempenho do PIB é um retrato de erros do governo em questões cruciais para o avanço da economia. Ele foi excessivo de um lado, ao promover o protecionismo e interferir no livre mercado, e ausente de outro, já que deixou de criar as condições para que o Brasil melhorasse sua produtividade. Ao se abster de enfrentar as reformas necessárias, precisou recorrer a ajustes pontuais que, como se sabe, não funcionam a longo prazo. Falo do congelamento do preço de combustíveis e energia para conter a inflação — mais um remendo que não traz crescimento sustentável. Enquanto o país teve um ano medíocre, é bom que se lembre, a economia mundial se recuperou, impulsionada pela indústria de tecnologia e pela novidade energética do gás de xisto, nos Estados Unidos, pelas boas perspectivas do Japão e ainda pela China, que não desacelerou tanto quanto se temia. O Brasil pode reverter a situação em 2014? Só haverá avanços reais se o governo encarar as reformas pendentes, desonerando a produção e elevando a competitividade. O problema é que essas medidas costumam ter custo imediato e benefícios a longo prazo — justamente o avesso do que os políticos buscam em ano eleitoral. O mais provável é que elas fiquem para o próximo mandato. Torçamos para que não. Mesmo com todos os problemas, o Brasil era até recentemente o país onde o mundo queria investir. O que fizemos de tão errado a ponto de espantar o capital estrangeiro? A verdade é que nem a economia brasileira estava tão bem nos tempos de euforia nem está tão ruim agora, apesar de tudo. Houve, isto sim, um otimismo exagerado, próprio de um momento em que as economias avançadas deixavam de ser atraentes. Quem tinha dinheiro sobrando começou a prospectar oportunidades em novos lugares e setores. Bastava dizer "infraestrutura" e "Brasil" e os cofres se abriam. Os investidores mais otimistas queriam injetar capital aqui de qualquer maneira, mesmo que os projetos não estivessem muito bem fundamentados. E olhe que não era gente desinformada: os maiores fundos americanos, aqueles que todo o mercado considera mais espertos e agressivos, investiram muito em negócios brasileiros. Parece o cenário típico de bolha. A euforia com o Brasil foi isso, uma bolha? Exato. As bolhas tendem a aparecer no rastro de grandes novidades, como ocorreu no caso da internet. Há uns anos o Brasil era essa novidade, um país que colhia os frutos de vinte anos de melhorias institucionais e um eficiente produtor de commodities. Em paralelo à bolha Brasil — e totalmente conectada a ela —, desenvolveu-se outra, a do Eike Batista. Eike surgiu como exemplo de sucesso que muitos políticos exploraram em proveito próprio e despertou grande interesse da imprensa, dois sinais comuns na formação de bolhas. O governo não demorou demais a deixar de financiar "campeões nacionais" como o Império X de Eike Batista? Só posso atribuir tamanha insistência a uma questão ideológica. Felizmente, os dogmas do atraso vão aos poucos caindo. Houve um tempo em que até investir em educação era visto como coisa neoliberal. Não é mais. O triste é que abandonar determinadas premissas demora, e a lentidão tem seu preço. Nos trinta anos que levamos para entender a importância dos investimentos na escola, outros países deram grandes saltos. É uma competição dura, global, que não perdoa a inação. Se tivéssemos sido mais rápidos, estaríamos em outro patamar. Fenômenos como a bolha Eike vão e vêm e os mercados não aprendem. Mas nem todas as bolhas são completamente destrutivas. Elas podem deixar algum substrato positivo. No caso do Brasil, ficou um legado. Que legado é esse? O país precisa de portos, de ferrovias, e o fato de uma quantia razoável de dinheiro barato ter sido alocada em projetos nesses setores ainda virá a ter efeitos positivos. É uma pena que, por falta de um ambiente regulatório mais adequado, tenhamos perdido uma ótima chance de aproveitar melhor a onda de expectativas positivas sobre o Brasil. Mas, reforço aqui, considero exagerada a atual onda de pessimismo. Onde está o exagero do pessimismo com o Brasil? Não devemos subestimar a existência no Brasil de um empresariado eficiente, que compra e transforma companhias no exterior. O Brasil tem marcas já fortes e reconhecidas, como InBev, Natura e Havaianas, e é capaz de promover inovação em larga escala. Precisamos disseminar essa cultura e ganhar eficiência, produzindo cada vez mais com o mesmo número de braços. Produtividade é o nome do jogo, a força propulsora das economias que mais cresceram no mundo. Desde 1989, os Estados Unidos aumentaram a produtividade em 12%, a China, em mais de 50%, a Coreia do Sul, em 65%. E o Brasil praticamente não saiu do lugar, o que é imperdoável. O que funciona mesmo quando o objetivo é aumentar a produtividade? Antes de tudo, reproduzir em larga escala iniciativas já testadas com sucesso, dentro e fora do país. No Brasil, o melhor exemplo vem da agricultura, que experimentou ganhos notáveis de eficiência nas últimas décadas. Isso se deve, em grande parte, à criação da Embrapa, um centro de inovação com pessoal e estrutura capazes de obter soluções sob medida para nossas necessidades e desenvolver técnicas revolucionárias para o agronegócio. O Brasil multiplicou por quatro a produção de milho, enquanto a área cultivada caiu à metade. Conseguiu também transformar a cultura da cana em uma indústria moderna. Enfim, o campo está repleto de exemplos inovadores que devem ser copiados. Por que é tão difícil replicar esse bom DNA em outros setores? Precisa haver uma mudança de mentalidade. A agricultura brasileira evoluiu justamente por ser um setor menos protegido e mais competitivo. Já a indústria funciona na mão inversa. A reserva de mercado na informática fez o Brasil perder tempo precioso; a exigência de conteúdo nacional mínimo em tantos segmentos também não ajuda. São todas iniciativas protecionistas que fecham a economia ao mundo e refreiam os ganhos de produtividade. As montadoras de automóveis recebem subsídios desde que se instalaram no Brasil, nos anos 1950, e até hoje fabricam alguns dos carros mais caros do planeta. O pior é que esse protecionismo acabou fazendo com que os investimentos se concentrassem nas rodovias, também as mais caras e menos eficazes. Resultado: produzimos milho e soja mais baratos que os americanos, só que, quando o carregamento chega ao porto, a vantagem já se perdeu. O objetivo de um país não deve ser o de enriquecer alguns poucos empresários, mas a sociedade como um todo. Vários leilões voltados para a infraestrutura fracassaram. O problema está nos investidores ou no governo brasileiro? O maior obstáculo reside no marco regulatório. No mundo todo se fazem leilões sob um arcabouço de regras já testadas e satisfatórias, mas o Brasil insiste em inventar normas, gerando incerteza e desconfiança. O investidor tem medo de ser surpreendido por algo que fará aumentar seus custos, como já ocorreu com a energia elétrica. É bom ressaltar que, no recente leilão dos aeroportos, se viu o oposto; o governo formulou regras que estimulavam os investimentos. E eles vieram. Também pesou aí o fato de uma empreiteira ser sócia do grupo vencedor. Empreiteiras sempre selam bons negócios com governos, e isso deve ter dado certa tranquilidade aos demais parceiros. Está em julgamento no STF a compensação aos poupadores por supostas perdas dos antigos planos econômicos. Será a maldição de que no Brasil até o passado é incerto? Esse episódio traz lições importantes. A primeira é que medidas voluntaristas, como o Plano Collor, não só não resolvem os problemas como deixam sequelas. Planos mágicos nunca funcionam. Felizmente não vejo hoje no Brasil ninguém ensaiando nada parecido. Mas convivemos, sim, com o segundo aspecto para o qual essa discussão toda chama atenção: a morosidade do Judiciário. Passaram-se mais de duas décadas até que a questão chegasse a um julgamento definitivo. Tal demora para dirimir dúvidas que envolvem tanto dinheiro é, com certeza, um fator de risco. E risco afasta investimento. O Brasil ocupa os últimos lugares nos rankings mundiais de inovação. Como mudar isso? O segredo está em criar canais de comunicação entre a academia e o mercado. Temos um bom ponto de partida: 200.000 pesquisadores e mais de 10.000 Ph.Ds., publicações de nível internacional e instituições como a Embrapa e o ITA. O difícil é pôr a tecnologia a serviço da sociedade de forma rápida e eficiente. Em 1999, o número de registros de patentes brasileiras nos Estados Unidos era praticamente igual ao da Índia e da China: cerca de 100 por ano. Hoje, a Índia registra anualmente mais de 4000 patentes; a China, 6000; e o Brasil quase não andou. Na origem desse atraso está a eterna discussão sobre uma suposta disputa entre pesquisa teórica e pesquisa aplicada, discussão tola e contraproducente. Como os estudantes brasileiros enviados às melhores universidades do mundo pelo programa Ciência sem Fronteiras podem ajudar a imprimir essa nova mentalidade? Outros países experimentaram enorme progresso com iniciativas desse tipo. Os empresários bem-sucedidos de Taiwan, uma grande potência em eletrônicos, estudaram nos Estados Unidos e regressaram para fundar suas empresas. Mas não basta enviar os alunos, sentar-se e esperar que promovam uma revolução. É preciso assegurar que as universidades tenham condições de lhes oferecer bons salários, estrutura para a investigação científica e um ambiente profícuo. É necessário promover a concentração de cérebros. Reunir talentos é o maior de todos os incentivos. Durante quinze anos, viajei diariamente de Nova York a Princeton, em Nova Jersey. Fazia o trajeto de duas horas de trem com gosto, porque sabia que encontraria lá uma atmosfera intelectualmente estimulante. Em pesquisa, conta muito quem são seus colegas. Outro fator decisivo para atrair talentos é o grau de urbanização da cidade. Quem pode escolher prefere, em geral, lugares bem organizados, com baixos índices de criminalidade e alta oferta de serviços e cultura. Isso só se alcança com uma eficiente política urbana. É o caso de Nova York? Sim, ali estão instalados um centro financeiro, empresas de tecnologia e grandes grupos de mídia. O Google inaugurou um enorme laboratório na cidade, porque, afinal, é lá que os jovens querem morar. Isso não é fruto de uma política. O prefeito Michael Bloomberg percebeu que faltavam boas escolas de engenharia e abriu uma concorrência internacional para escolher entre as melhores do mundo qual ganharia o terreno para se instalar na cidade. A disputa foi acirrada. Venceu a Universidade Cornell, em associação com o Instituto de Tecnologia de Israel. Iniciativas assim mostram como o Estado pode incentivar o verdadeiro avanço. 1#3 LYA LUFT – UM BAND-AID NA ALMA Não gosto de escrever sobre datas marcadas, mas às vezes acontece. Em cada virada de ano somos sacudidos por sentimentos positivos e negativos quanto a essas festas que para muitos são tormento. Vale a história do copo meio cheio ou meio vazio. Para alguns é um tempo de melancolia: choramos os que morreram, os que nos traíram, os que foram embora, os desejos frustrados, os sonhos perdidos, a fortuna dissipada, o emprego ruim, o salário pior ainda, a família pouco amorosa, a situação do país, do mundo, de tudo. Muitos acorrem aos consultórios de psicólogos e psiquiatras: haja curativo para nossa mágoa e autovitimização. Se formos mais otimistas, encararemos o ano passado, a vida passada, o eu que já fomos, como transições naturais. Não é preciso encarar a juventude, os primeiros sucessos, o começo de uma relação que já foi encantada, como perda irremediável: tudo continua com a gente. Em lugar de detestar estes dias, podemos inventar e até curtir qualquer celebração que reúna amigos ou família. Não é essencial ser religioso: se os sentimentos, a família, as amizades, a relação amorosa forem áridos, invocar Deus não vai adiantar. Mas celebrar é vital — e nada como algumas datas marcadas para lembrar que a vida não é apenas luta; é também a possível alegria. Não precisa ser com champanhe caro nem presentes que vão nos endividar pelo ano inteiro: basta algum gesto afetuoso verdadeiro, um calor humano que abrande aquelas feridas da alma que sempre temos. Quanto aos projetos, é melhor evitar aquela lista de impossíveis. Importa cuidar mais da relação, ser mais gentil com os pais e menos crítico com os filhos, falar mais com os amigos, sair da redoma de amargura e abrir-se para o outro. Ser fiel, ser sincero, ser bondoso: a primeira coisa num namorado ou namorada, eu dizia sempre a meus filhos e hoje digo aos netos, é que seja uma boa pessoa, leal, gentil. O grosseiro é inadmissível. O ignorante é uma tristeza. O falso, cínico ou infiel, é bom manter longe. Mas, ainda que sem brilho, um bom amor, um bom amigo, um bom pai e mãe, um bom filho, fazem a festa. O resto são castanhas e espumantes, ou — para quem não bebe — qualquer coisa que faça cócegas no coração. Que faça sorrir. Mesmo para os descrentes, nestes dias algo mágico circula por este mundo nem sempre bonito nem bom. Mas, se nosso projeto for o eterno perder 10 quilos, conseguir (isso não se consegue, acontece...) uma namorada gostosa ou um marido rico — ou, quem sabe, uma parceria carinhosa —, ganhar na loteria, vingar-se dos desafetos e mostrar quem é o bom, é melhor esquecer: não valerão a pena a festa nem o novo ano, pois vai ser tudo mentira, oco, e vazio. Também é aconselhável deixar em segundo plano nestas datas a ideia de consertar o país: não vamos reinventar a democracia, a Justiça, a igualdade, a honradez e o bem-estar geral. Não vamos evitar o desperdício de dinheiro nosso, o abandono dos flagelados, o horror das prisões, as falhas na Justiça, a violência, a insegurança, enfim, deixa pra lá. Vale mandar um pensamento, e, se for o caso, uma oração, aos que vivem privações emocionais ou materiais, que trabalham além do humanamente suportável, que perderam o amor de sua vida ou um filho amado, que foram esquecidos e decepcionados, que nesta data não vão escutar nem uma voz cálida ao telefone. E, para as nossas dores pessoais inevitáveis, a gente inventa um metafórico curativo para que o coração se comova, o sorriso se abra, o abraço encerre aqueles a quem dedicamos — e nos dedicam — algum afeto verdadeiro. Repito que valem todos os projetos e afetos, banais ou ousados, mas possíveis. Podem ser pequenos, como um Band-Aid: apesar dos nossos defeitos, a boa vontade, a gentileza, a licença que nos daremos para agradecer o dom da vida hão de nos iluminar melhor do que as antigas velas ou as modernas luzinhas. Vamos nos permitir, sobretudo, a alegria perdida no cansaço de tanta correria. Ela ainda existe: sabendo procurar, a gente a encontra. 1#4 LEITOR CARTA DE PRINCÍPIOS É estimulante ler a Carta de Princípios "A favor do Brasil" (25 de dezembro) quando atravessamos momentos de tanta instabilidade e descrença na apuração da verdade. Grande parte da imprensa brasileira vem atuando de maneira alienada. Precisamos de uma imprensa livre, investigativa e corajosa. Uma imprensa como aquela que, pela coragem e perseverança dos repórteres Carl Bernstein e Bob Woodward, do Washington Post, levou à renúncia o poderoso Richard Nixon. A nossa, em sua maioria, aprendeu que falar bem de governos gera dividendos. Quando há denúncias, dá grande ênfase se algum político de oposição está envolvido, quem sabe para justificar as notícias desfavoráveis que envolvem quem lhe garante os altos lucros nesse mercado milionário. Quem já não se acostumou com a célebre expressão "todos do PSDB", sobre as investigações de cartel no metrô de São Paulo? O recém-lançado livro Assassinato de Reputações, do ex-secretário nacional de Justiça Romeu Tuma Júnior, dá a dimensão de como setores da imprensa têm contribuído para "vazar seletivamente" as mais diversas investigações e diligências da Polícia Federal que têm como alvo inimigos do governo. Quem não se recorda do açodamento de determinada revista que informou em primeira mão ter o caseiro Francenildo recebido dinheiro da oposição para denunciar o ex-ministro Antonio Palocci, quando na verdade os envolvidos criminosamente quebraram o sigilo bancário do denunciante? Sou assinante e continuarei sendo até quando a revista honrar o compromisso assumido por seu criador, nosso saudoso doutor Roberto Civita (1936-2013). O Brasil que pensa tem sorte de ter VEJA. Ela não é somente a favor do Brasil. É, antes de tudo, a favor da democracia. CÉSAR MARCELO DE OLIVEIRA PAIVA São Luís, MA Roberto Civita, cidadão do mundo, amou o nosso Brasil como poucos. Nos quase 45 anos à frente da trincheira democrática do jornalismo brasileiro, a revista VEJA, ele deu transparência às sombras ocultas do poder e da política. Como seria ou estaria o país sem tal instrumento de informação e formação de opinião? Falta fará para sempre esse peso-pesado que era a favor da educação e da liberdade de expressão e avesso às ideologias vazias. Roberto Civita era — e é — a alma da imprensa e o olhar investigativo da nação. Uma lacuna ficou aberta nos anais da imprensa — e dificilmente será preenchida. PAOLO ALOISI Americana, SP VEJA mostra o que muitos brasileiros nem imaginam acontecer. VEJA não se corrompe e noticia a verdade nua e crua. O nome disso é idoneidade moral. Um atributo que o povo brasileiro está querendo ver em todas as frentes que participam do desenvolvimento da nossa nação. Parabéns à revista! MÔNICA DELFRARO DAVID Campinas, SP Em 2013 mergulhamos em questões éticas complexas, e o Brasil sucumbiu à manipulação e à hipocrisia. RICARDO C. SIQUEIRA Niterói, RJ RETROSPECTIVA 2013 Espetacular a edição de VEJA com a retrospectiva do ano ("As virtudes de 2013". 25 de dezembro). A qualidade das colunas e reportagens publicadas induziu-me a comprar a versão digital. Assim posso ler novamente, nos anos que virão, avaliações inteligentes e precisas desta competente revista. Parabéns à equipe! ARNALDO BITTENCOURT FILHO Por e-mail Na excelente Retrospectiva 2013, VEJA, em vários momentos, mostra fatos olhando para a frente, como quando focaliza a atuação do papa Francisco, ilustrando-a com seu gesto diante do italiano Vinicio Riva. Verdadeira parábola. Que ela possa inspirar todas as pessoas. LICINHA DESLANTOS Por e-mail Nada vai marcar mais 2013, verdadeiramente ímpar, do que a morte do único líder mundial que detinha o respeito e a admiração incondicional em todos os continentes. Nelson Mandela, depois de 27 anos na prisão, transformou a África do Sul numa democracia multirracial, pela via da conciliação. Um exemplo para nossos governantes que pensam poder resolver os problemas derivados da discriminação racial, mazela do nosso passado que ainda resiste em nossa sociedade, pela implantação de inesgotáveis sistemas de cotas. ABEL PIRES RODRIGUES Rio de Janeiro, RJ 2013 foi um ano de evolução política para os brasileiros. Cito dois exemplos marcantes: as manifestações no meio do ano, com as quais redescobrimos que um povo unido jamais será vencido, e a prisão dos mensaleiros. ARCANGELO SFORCIN FILHO São Paulo, SP A afirmação de que "o grito da torcida" indica que o Brasil saiu às ruas e entrou em campo para valer tem um pouco de exagero. Os movimentos localizados realizados em algumas cidades não podem ser caracterizados como manifestações do povo brasileiro. Foram alguns segmentos que agiram de forma corporativa, sem discussão nem debates sobre encaminhamentos. E mais: qualquer movimento social tem de levar em conta reivindicações e objetivos. Em suma, foram movimentações que perderam a razão de ser e nada deixaram de concreto e positivo. E refletem o momento despolitizado que vivenciamos, o que é muito negativo. URIEL VILLAS BOAS Santos, SP Os black blocs foram o grande desastre de 2013. Grupos formados por pessoas de índole duvidosa, que destruíram, agrediram e desrespeitaram autoridades policiais e os cidadãos de bem. Cadeia neles! CARLOS FABIAN SEIXAS DE OLIVEIRA Campos dos Gaytacazes, RJ Eu te espiono, tu me espionas... Depois de quase dez anos de vigilância estatal, a "operação mídia", que tinha como alvo a imprensa, ao desrespeitar a liberdade de expressão, fere profundamente os princípios constitucionais da República. Foram gastos tempo, pessoal e dinheiro público tentando controlar jornalistas. Os males dessa desnecessária e incompetente vigilância foram expostos pela mesma mídia com a ajuda do ex-agente Edward Snowden, que revelou a fragilidade dos órgãos do governo nos casos de espionagem internacional promovidos pela NSA. Os governos do Brasil, Argentina e outros, ao se preocuparem com o controle interno da mídia, deixaram as portas abertas para a espionagem internacional. ELÁDIO VIEIRA MILHOMENS JÚNIOR Fortaleza, CE Caramba, Papai Noel, você me decepcionou. Logo eu, que acreditei em você tanto tempo, acreditei na inocência do Zé Dirceu, nas boas intenções do Roberto Jefferson, e até votei na Dilma e pedi em troca só um emprego. Desses que o IBGE apregoa como sendo muitos. E o máximo que consegui foram headhunters inexperientes, que não conheciam a minha área, dizendo: "Seu perfil não é adequado, embora seu currículo seja ótimo". PAULO BERRINI Niterói, RJ A SEMANA Será muito bom para o Brasil uma mudança com o mineiro Aécio Neves ("O efeito Aécio", 25 de dezembro). Ele passa segurança, competência e esperança de mudanças, a exemplo do bom governo que fez em Minas Gerais. Vamos torcer. ABEL MAGALHÃES Maceió, AL O senador Aécio Neves está corretíssimo em sua maneira de agir, assim como seu avô Tancredo. Sabe que agora é a sua hora. Só assim para o Brasil sair desse marasmo imposto pela turma de Lula. LUCIANO TOLEDO Cesário Lange, SP VEJA é um dos poucos órgãos a tratar o assunto da punição à Portuguesa e da manutenção do Fluminense na primeira divisão com seriedade ("O padrão CBF no país da Copa", 25 de dezembro). CARLOS ALBERTO C. FREITAS JR. São Pauto, SP Tudo indica ter havido novamente uma grande armação para beneficiar o Fluminense. ALOÍSIO DE ARAÚJO PRINCE Belo Horizonte, MG J.R. GUZZO Em seu artigo "A cara do Brasil" (25 de dezembro), Guzzo foi preciso. Sou de Campinas, tenho 30 anos e moro na Austrália. Fico impressionado como aqui eles estão anos-luz a nossa frente. É preciso parar de acreditar em discursos, cobrar resultados, ou jamais seremos desenvolvidos. EDUARDO TANIO MORAES Perth, Austrália O Brasil tem muito para dar certo. Falta vontade. EDUARDO DAMIÃO CAVALLI Pinhais, PR A tirania da deseducação e da falta de instrução da população sempre é benéfica para quem está no poder e pretende se eternizar nele. Só uma virada radical no comando da nação nos trará a esperança de novos horizontes. LUDINEI PICELLI Londrina, PR Se 70% da população de Campinas — uma das mais avançadas cidades do país — não tem nível de alfabetização adequado, com certeza cerca de 90% dos brasileiros também não conseguiriam ler ou interpretar as colocações expostas no artigo de Guzzo. E nós insistimos, pela nossa ignorância e analfabetismo, em afirmar que tudo está cada vez melhor. O principal sintoma de um povo predominantemente analfabeto é não enxergar a realidade com clareza. JOSÉ SALIM CHAIB DE OLIVEIRA Araras, SP Infelizmente, perdemos mais uma oportunidade de ouro de melhorar verdadeiramente a qualidade de vida das pessoas no Brasil. Será que os responsáveis por mudar essa situação estão preocupados com o estado deplorável da educação em nosso país ou simplesmente estão se aproveitando disso para se perpetuar no poder? REGINALDO DE OLIVEIRA Florianópolis, SC "A cara do Brasil" é um texto que todo brasileiro deveria poder ler e entender — o que, infelizmente, como diz o próprio autor, não é possível. Serve para o Brasil a história contada por aqui do médico e do berne. No caso brasileiro, curar o berne é curar a educação; curada, não haverá espaço para tantos maus brasileiros à frente da coisa pública. LUIZ SERGIO AURICH Vitória, ES ROBERTO POMPEU DE TOLEDO Roberto Pompeu de Toledo, em seu "Conto de Natal" (25 de dezembro), reproduziu o que, nos dias de hoje, é ordinário, digo, comum nas residências. Com muito bom humor, Pompeu demonstrou que o que hoje existe já existia: a diferença é a forma, o formato. Mas a diferença fundamental é que as coisas do presente não significam interação — ops! — entre seres humanos, o que era possível no século passado, em sua primeira metade. Evolução para facilitar as coisas, o uso das coisas, o entendimento das coisas, demonstrou ele, apenas serviram para distanciar as pessoas umas das outras. Brilhantes observações sobre a atualidade. PEDRO LUÍS DE CAMPOS VERGUEIRO São Paulo, SP Pompeu me fez lembrar do dia em que minha filha viu pela primeira vez um toca-discos com um LP de 33 rotações. Ela ficou admirada com o fato de que o estranho aparelho, com aquela bolacha preta giratória, produzia som. ANTÔNIO FREDERICO CHASSERAUX SOUTO CORRÊA Santos, SP Roberto Pompeu de Toledo nos transporta para uma viagem ao passado, presente e futuro. Uma ficção com data de vencimento para virar realidade, unindo os conectados e cada vez mais isolando os desconectados. Os eletrônicos estão para os homens do século XXI como estava o fogo para os homens das cavernas: facilitador e cada vez mais indispensável. A transformação da expressão do pensamento, da fala, da escrita em dedilhados concatenados wireless. Pompeu nos relata o presente de uma sociedade em constante transformação e o futuro com a tecnologia eletrônica, gerando novas atividades, oriundas do descarte de eletrônicos. WILLER POS NOVA LIMA, MG O resumo dos tempos de Pompeu serve de lição a jovens e a adultos. O tempo é senhor de todas as horas. Perdemos a noção do passado. NASR FAYAD CHAUL Goiânia, GO Ao ler o "Conto de Natal" de Roberto Pompeu de Toledo, refleti sobre como os tablets e smartphones possuem uma incrível capacidade de aproximar as pessoas que estão longe e separar as que estão por perto. Gostaria que o texto servisse de alerta para que os jovens, principalmente, se dedicassem mais a conviver com as pessoas, e não apenas a se comunicar com elas. Parabéns ao autor pela forma discreta, porém incisiva, com que tratou a questão. PAULO CÉSAR CRIVELARO Jacutinga, MG Li, entre envergonhada e vingada, o "Conto de Natal" de Roberto Pompeu de Toledo. Envergonhada pelas vezes em que manuseei os aparatos eletrônicos quando poderia estar entabulando uma conversa com amigos; vingada pelas vezes em que o fizeram comigo. Mas uma coisa é certa: será o primeiro texto que trabalharei em 2014 com meus alunos do 1º ano do ensino médio. TELMA CÉSAR LEMOS Castanhal, PA Adorável o conto de Roberto Pompeu de Toledo. Relatou os tempos de hoje com humor preciso, em uma narrativa perfeita. MARIA HELENA GOUVEIA São Paulo, SP Historinha divertida e excelente. Pancrácio mostrou que estamos sendo, muitas vezes, apenas ridículos. WESLEY PORTELA Itapevi, SP Lendo a ficção "Conto de Natal", imagino que Pancrácio, com sua perspicácia, deve ter percebido que celulares e tablets são parte de uma nova norma de civilidade. Quando as pessoas se sentem obrigadas a permanecer em lugares de que não gostam, esses eletrônicos permitem ao menos que elas conversem com quem gostam. ANTONIO CARLOS RIGITANO Bauru, SP Correção: o partido do deputado federal Simplício Araújo é o Solidariedade (SDD), e não o PPS ("O Congresso acelera para reencontrar os brasileiros", 25 de dezembro). PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO DE VEJA: as cartas para VEJA devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de identidade e o telefone do autor. Enviar para: Diretor de Redação, VEJA - Caixa Postal 11079 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP; Fax: (11) 3037-5638; e-mail: veja@abril.com.br. Por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Só poderão ser publicadas na edição imediatamente seguinte as cartas que chegarem à redação até a quarta-feira de cada semana. 1#5 BLOGOSFERA EDITADO POR KÁTIA PERIN kperin@abril.com.br COLUNA AUGUSTO NUNES HANDEBOL O épico triunfo das meninas do handebol merecia ser visto por todo brasileiro capaz de distinguir uma bola de uma lâmpada. Mas a miopia da TV aberta e a arrogância da TV paga se conjugaram para negar a milhões de telespectadores as emoções proporcionadas por um timaço burilado pelo técnico dinamarquês Morten Soubak. www.veja.com/augustonunes COLUNA RODRIGO CONSTANTINO O CARRASCO OBAMA Eis aí mais um mito da esquerda caviar que desaba num piscar de olhos. Lembram daquele candidato multiculturalista, aberto aos imigrantes, camarada de todos? Pois é: o Obama real, no poder, é aquele que bate recorde em captura de imigrantes ilegais. O que seria da esquerda caviar sem sua retórica grandiosa e sua prática diametralmente oposta, ou seja, sem sua hipocrisia? www.veja.com/rodrigoconstantino DE NOVA YORK CAIO BLINDER PERSPECTIVAS 2014 Os gurus eleitorais estão obcecados desde agora pela corrida presidencial de 2016 nos EUA, mas antes temos a renovação total da Câmara e parcial do Senado, em novembro. Democratas e republicanos têm altas esperanças. www.veja.com/denovayork SOBRE PALAVRAS O TREMA "Caro Sérgio, sou fã do Consultório e gostaria de dividir com você uma singela angústia — a supressão do trema após a entrada em vigor do Acordo Ortográfico. Permito-me a opinião de que a extinção do famigerado diacrítico foi um grande desserviço. Gerações lusófonas posteriores, deparadas com vocábulos como 'equidade' e 'equiparar', poderiam se perguntar: 'Onde reside a diferença fonética entre esses termos, se ambos possuem o mesmo radical?'." (Luís Carlos Durans) A angústia de Luís Carlos é compreensível: a ortografia é um hábito e, como todo hábito, mudá-lo costuma provocar desconforto. A pronúncia das palavras é, historicamente, um fato anterior à sua expressão escrita em qualquer idioma, e tem seus próprios mecanismos de permanência. Aliás, para conhecer os efeitos da abolição do trema para os falantes de português, não será preciso esperar nada: basta perguntar hoje mesmo aos portugueses, que em geral continuam pronunciando tais palavras da mesma forma que o faziam até 1945, antes de exterminarem esse sinal diacrítico por lá. www.veja.com/sobrepalavras ESPELHO MEU PE DE ATLETA Atletas enfrentam alguns obstáculos na hora de evitar micoses nos pés. O próprio exercício deixa o pé quente e suado. Algumas precauções recomendáveis: • Se você for tomar banho no clube ou na academia, use chinelos. • Depois do banho, seque bem os pés e os espaços entre os dedos. Se a pele não ficar totalmente seca, complemente com papel higiênico, ou com um secador de cabelos no modo frio. • Depois de secar bem, aplique talco. www.veja.com/espelhomeu VIDA EM REDE GOOGLE+: VAI OU RACHA O ano de 2014 será decisivo para o Google+, um dos mais ambiciosos projetos do gigante de buscas. A rede social tem meio bilhão de cadastrados — metade do número de adeptos do rival Facebook —, mas boa parte dessa gente pouco vai ao Google+. O tempo gasto no serviço não chega a 2% do que as pessoas dedicam ao Facebook. Agora, a empresa deve aumentar a integração de seus produtos com a rede, forçando os usuários a utilizar em alguma medida o Google+ para ter acesso a funcionalidades do YouTube e do Google Maps, por exemplo. Para a rede, que em junho faz três anos de vida, será uma espécie de vai ou racha. www.veja.com/vidaemrede • Esta pagina é editada a parti dos textos publicados por blogueiros e colunistas de VEJA.com 1#6 EINTEIN SAÚDE – DIAGNÓSTICO DE LESÕES HEPÁTICAS Cistos e nódulos hepáticos podem ser investigados de forma mais precisa graças ao avanço da tecnologia. A evolução dos equipamentos de imagem tem levado a um maior número de diagnósticos de cistos ou nódulos hepáticos descobertos, geralmente, durante a realização de exames abdominais de rotina. A grande questão a ser respondida, nesses casos, diz respeito ao tipo de lesão: se ela é benigna ou maligna. Para chegar ao diagnóstico os médicos contam hoje com equipamentos extremamente precisos. Idade, sexo do paciente, uso de anticoncepcional oral, histórico familiar de câncer, cirrose ou outra doença do fígado (como a esteatose hepática, por exemplo) devem ser considerados. A história clínica do paciente, aliada aos dados epidemiológicos e aos exames de imagem, ajuda a identificar o tipo de nódulo ou lesão. Atualmente, diversos métodos de imagem permitem a caracterização precisa das lesões. Os especialistas podem lançar mão da ultrassonografia, da tomografia computadorizada, da ressonância magnética ou do PET-CT — sigla em inglês para positron emission tomography ou, em português, tomografia por emissão de pósitrons. Graças ao avanço da medicina diagnostica é possível caracterizar com precisão um cisto ou nódulo hepático em 90% das vezes. A exemplo disso, a ultrassonografia conta hoje com a tecnologia conhecida como elastografia, que avalia a solidez de um nódulo (os malignos tendem a ser mais sólidos que os benignos). A ressonância magnética, por sua vez, conta com opções de contraste que permitem mais precisão para distinguir os tipos de lesão, além de oferecer sequências adicionais que permitem entender melhor o funcionamento da lesão estudada. Já o PET-CT utiliza os recursos da tomografia computadorizada em conjunto com os da Medicina Nuclear, permitindo que as características malignas tornem-se visíveis. Os cistos hepáticos comuns (benignos) costumam ser preenchidos por líquido homogêneo, ter bordas finas e não apresentar realce. Para lesões desse tipo é indicado apenas o acompanhamento. Por outro lado, as lesões malignas aparecem nos exames com bordas irregulares, hipervascularização e realces anômalos. Nestes casos, a opção é a retirada cirúrgica do tumor. Já nos casos em que a identificação não é possível por meio dos exames de imagem, é necessário fazer biópsia das lesões hepáticas, procedimento em que pequenos fragmentos do fígado são retirados e avaliados de diversas formas, inclusive por meio de sequenciamento genético. É importante ressaltar que, apesar de a condição ser comum na população, a grande maioria dos achados não é maligna. Ainda assim é essencial consultar um profissional especializado para investigar as características dos nódulos hepáticos e afastar as possibilidades de malignidade das lesões ainda no estágio inicial. Saiba mais sobre este e outros assuntos no sito www.einstein.br Sugira o tema para as próximas edições: einstein.saude@einstein.br Sua saúde é o centro de tudo Responsável Técnico: Dr. Miguel Cendoroglo Neto - CRM: 48949 ________________________________ 2# PANORAMA 1.1.14 2#1 IMAGEM DA SEMANA – DO PODER À CLANDESTINIDADE 2#2 DATAS 2#3 HOLOFOTE 2#4 CONVERSA COM DOUGLAS SCHWENGBER – UM MODELO DE JUIZ 2#5 NÚMEROS 2#6 SOBEDESCE 2#7 RADAR 2#8 VEJA ESSA 2#1 IMAGEM DA SEMANA – DO PODER À CLANDESTINIDADE Atentado sangrento levou o governo egípcio a declarar a Irmandade Muçulmana uma organização terrorista. Ao longo de oito décadas, os radicais do grupo egípcio Irmandade Muçulmana acreditaram que, um dia, seu sonho de um Estado governado pela sharia, a lei islâmica, se tornaria realidade. Quando o engenheiro Mohamed Mursi assumiu a Presidência, em junho de 2012, muitos acharam que essa hora havia chegado. Uma Constituição que limitava os direitos das mulheres foi aprovada e grupos terroristas passaram a proliferar livremente na Península do Sinai. Em julho de 2013, quando uma junta militar atendeu a um apelo da população e depôs o presidente, a esperança nutrida por anos virou pó no deserto. A fantasia coletiva durou menos de 400 dias. Agora, conseguir que os simpatizantes da Irmandade engulam tamanha frustração tornou-se uma condição imprescindível para conquistar a estabilidade no Egito. E esse não parece ser o caso. Desde a deposição de Mursi, esparsas ações violentas foram realizadas contra as forças de segurança e contra o governo. Em julho, membros da Irmandade atacaram a facadas um policial na Universidade do Cairo. Na terça-feira 24, um carro-bomba explodiu em frente à sede da polícia na cidade de Mansura. Pelo menos dezesseis pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas. A rua se tornou um amontoado de ferros retorcidos banhados com sangue. A Irmandade negou a autoria do ataque, que foi assumido por um grupo do Sinai aliado à Al Qaeda. Mesmo assim, o governo classificou a Irmandade como terrorista. A resposta à decisão oficial só demorou dois dias para chegar. Na quinta-feira 26, uma bomba destruiu um ônibus no Cairo. Pelo menos cinco pessoas se feriram. Ainda não se conhece o responsável, mas a Irmandade novamente é a suspeita número 1. TATIANA GIANINI 2#2 DATAS MORRERAM Yusef Lateef, saxofonista e flautista americano de jazz e precursor da chamada world music. Nascido William Emanuel Huddleston, adotou o novo nome ao se converter ao islamismo, em fins da década de 40. Na juventude, participou da orquestra de Dizzy Gillespie. Gravou mais de 100 discos. Multi-instrumentista, tocou com Miles Davis e Charles Mingus, entre outros mestres jazzistas. Dizia fazer música "autofisiopsíquica", combinando elementos emocionais, físicos e espirituais. Dia 23, aos 93 anos, de causas não divulgadas, em Shutesbury, Massachusetts. Edgar Bronfman, empresário canadense e ex-presidente do Congresso Judaico Mundial, uma das mais destacadas entidades de judeus do mundo. Bronfman expandiu o império de sua família ao comandar a empresa de bebidas Seagram, fundada por seu pai em 1924. Entre 1981 e 2007, à frente do Congresso, arrecadou mais de 1 bilhão de dólares de bancos suíços para ressarcir as vítimas do Holocausto e seus herdeiros. Dia 21, aos 84 anos, de causas naturais, em Nova York. • SEG|23|12|2013 ABSOLVIDO pela Justiça argentina o ex-presidente da República Fernando de la Rua, que comandou o país de 1999 a 2001. Ele era acusado de subornar senadores para a aprovação, em 2000, de uma reforma trabalhista. Os valores alcançariam a cifra de 5 milhões de pesos argentinos (cerca de 1,8 milhão de reais). O julgamento teve início em 2012; o Ministério Público pedia uma pena de seis anos de detenção. A decisão livrou também o então diretor da Secretaria de Inteligência do Estado, Fernando de Santibáñes, os ex-senadores Alberto Tell, Augusto Alasino, Remo Constanzo e Ricardo Branda, o ex-ministro do Trabalho Alberto Flamarique e o ex-secretário parlamentar Mário Pontaquarto. TER|24|12|2013 PERDOADO postumamente pela rainha Elizabeth II da condenação por prática homossexual o matemático britânico Alan Turing, considerado o pai da computação moderna. Ele decifrou o Enigma, código utilizado pelos nazistas, dando assim aos aliados uma vantagem que permitiu a eles derrotar mais depressa a Alemanha na II Guerra Mundial. Até 1967, a homossexualidade era ilegal no Reino Unido. Turing foi condenado em 1952, destituído de seu posto no Bletchley Park, o centro inglês de decodificação, e castrado quimicamente (com injeções de hormônios femininos). Morreu em 1954, aos 41 anos, por intoxicação de cianeto. A princípio, acreditou-se que Turing havia se suicidado, mas estudiosos concluíram que o envenenamento se deveu a remédios que ele compulsoriamente tomava. O perdão ao matemático — que chegou a passar um período de trabalho nos laboratórios da Bell, nos Estados Unidos — coroou o esforço de cientistas de peso como Stephen Hawking, que se desdobraram numa campanha para alcançar tal objetivo. Paul Nurse, presidente da Royal Society e um dos engajados no esforço para que Turing fosse perdoado, declarou que a perseguição a ele "foi trágica" e que agora é possível "focar apenas o seu legado". Em 2009, o então primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, já tinha se desculpado em nome do governo pela "maneira terrível" com que o matemático havia sido tratado. Para o atual premiê da Inglaterra, David Cameron, Turing "teve um papel indispensável; suas ações salvaram incontáveis vidas". 2#3 HOLOFOTE OTÁVIO CABRAL • OTIMISMO NA DIREÇÃO A presidente Dilma Rousseff enviou a todos os ministros e a seus principais assessores um cartão de Natal inusitado: uma cópia de um anúncio publicitário da montadora alemã BMW, publicado nos principais jornais do país em 16 de dezembro. Na peça, a empresa anuncia o lançamento de sua nova fábrica, em Araquari (SC), e elogia a condução da economia brasileira: "O Brasil deixou de ser aquele sujeito que ficava à beira da estrada, só assistindo aos carros passarem, para virar motor do seu próprio destino". É esse tom otimista, disse a presidente na mensagem, que ela quer de seus ministros no último ano de mandato. • VERDES EM LEILÃO O presidente do Partido Verde, José Luiz Retina, tem encontros marcados até o fim de janeiro com os presidentes do PT, do PSDB e do PSB. Embora afirme em público que o PV terá candidato próprio a presidente, ele quer saber o que os presidenciáveis estão dispostos a oferecer por seu apoio. • NO CALCANHAR DO RIVAL Apesar de liderar as pesquisas, Geraldo Alckmin sabe que terá uma campanha difícil para a reeleição. O sucesso do Mais Médicos, aprovado por 78% dos paulistas em pesquisa encomendada pelo PSDB, servirá de combustível para a candidatura de Alexandre Padilha (PT), avalia o governador. Para tentarem conter o rival, marqueteiros de Alckmin estão gravando cenas em santas casas pelo estado, para mostrar que a gestão de Padilha no Ministério da Saúde levou grande parte delas à falência • A ENCRENCA ANUNCIADA Alexandre Padilha na Saúde provocou um atrito entre Dilma e Lula. O ex-presidente tenta convencê-la a nomear Ciro Gomes, em troca do apoio do Pros à reeleição da presidente. Mas ela teme que a verborragia e o estilo agressivo de Ciro possam causar problemas no governo e na campanha. Por isso, prefere pôr um técnico no cargo. Ao contrário do que costuma acontecer nessas disputas, desta vez o PT está do lado de Dilma. • DE OLHO NA ÁFRICA Empresas brasileiras querem aproveitar a Copa do Mundo para patrocinar seleções estrangeiras e divulgar sua marca em outros mercados. A primeira a fechar um contrato desse tipo foi a rede de lojas esportivas Centauro, que colocará seu nome nos uniformes de treino de Costa do Marfim, Gana e Camarões. A empresa também lançará uma campanha publicitária estrelada pelo volante marfinense Yayá Touré, astro do inglês Manchester City. • O PREJUÍZO DO PALMEIRAS O Palmeiras será o único dos grandes clubes de futebol de São Paulo que não lucrará com a Copa do Mundo. O atraso nas obras da Arena Palestra inviabilizou o plano de fazer shows com cantores e bandas internacionais para aproveitar a grande presença de turistas estrangeiros na cidade durante a competição. Duas apresentações que já haviam sido contratadas foram canceladas. O centro de treinamento do clube, reprovado em inspeção da Fifa, não poderá abrigar seleções, como farão seus principais rivais. O Corinthians será a sede do Irã, o São Paulo, a dos Estados Unidos, e o Santos, a do México e da Costa Rica. • FIM DOS TERCEIRIZADOS A Polícia Federal assinou um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Público Estadual de São Paulo para que funcionários terceirizados deixem de atuar na imigração do Aeroporto de Guarulhos. Segundo o MP, eles não têm o mesmo treinamento dos agentes da PF para lidar com a entrada de pessoas vindas do exterior. De acordo com dados obtidos por VEJA via lei de acesso à informação, São Paulo é o estado com o segundo maior número de terceirizados trabalhando em aeroportos (88), atrás apenas do Rio de Janeiro (112). Na expedição de passaportes, São Paulo tem a maior quantidade de funcionários que não fazem parte dos quadros da PF: 91 2#4 CONVERSA COM DOUGLAS SCHWENGBER – UM MODELO DE JUIZ Ele tem duas profissões: é árbitro de futebol, em jogos no Rio Grande do Sul, e modelo, condição em que participa de concursos de beleza. Em 2013, levou o segundo lugar no Best Model of the World e o quinto no Mister Brasil. O que os colegas de futebol acham de seus títulos de beleza? Hoje, eu sei quem são meus amigos. Muitos não me parabenizam nem curtem no Facebook as notícias sobre meus concursos. Devem pensar que, se curtirem, vão se tornar gays. Mente pequena. Qual a diferença entre preparar-se para um concurso e para uma partida? No futebol, entro em campo fechado, focado, só pensando nas decisões que terei de tomar. Nos torneios, sou simpático, sorridente. Tenho de saber trocar esse chip na cabeça. A profissão de árbitro ajuda na hora dos torneios? Como juiz, aprendi a ter postura e elegância. Tem gente que até me chama de lorde. Um juiz sabe onde pisa, aprende a ser precavido. É melhor ser modelo ou árbitro? A arbitragem é meu ganha-pão. Mas os juízes são menos valorizados do que deveriam. Um jogador top ganha milhões por mês e um juiz top, cerca de 2000 reais por partida. O que é avaliado nos concursos de que participa? Simetria corporal, atitude na passarela e até popularidade nas nossas redes sociais. Qual a diferença entre um concurso de beleza feminino e um masculino? O de homens é mais leve. As mulheres escondem batom e roupas para sabotar as concorrentes. Nós nos ajudamos nos bastidores. Fiz muitos amigos assim. As mulheres admiram a beleza umas das outras. Os homens também? Há alguns que não evoluem nesse quesito. Eu sou tranquilo. Olho a beleza alheia sem problema. Já levou alguma cantada em campo? Sim. Várias garotas caem no chão durante a falta e gritam pedindo que eu as levante. 2#5 NÚMEROS 15 feriados a mais o Brasil pode ter em 2014 por causa da Copa do Mundo. A Lei Geral da Copa autoriza que o Distrito Federal, estados e municípios decretem feriado em qualquer dia de jogo do Mundial. 8 feriados cairão em dias úteis no Brasil em 2014, o mesmo número de 2013. 1,1 milhão de ingressos já foram vendidos para a competição, de um total de aproximadamente 3 milhões. Os jogos mais procurados foram a abertura, no Itaquerão, e a final, que será no Maracanã, em 13 de julho. 2#6 SOBEDESCE SOBE • Salário mínimo - A partir desta quarta-feira, o salário mínimo será de 724 reais. O novo valor representa um aumento de 6,78%. • Judiciário - O Conselho Nacional de Justiça dobrou o número de punições aplicadas a juízes em 2013. Foram doze aposentadorias compulsórias, contra seis do ano anterior. • Cinema - A arrecadação de bilheteria dos filmes de Hollywood nos EUA bateu novo recorde em 2013 e ultrapassou 10 bilhões de dólares, 2 bilhões a mais do que em 2012. DESCE • Roberto Carlos - O especial de Natal do cantor na Rede Globo teve uma das piores audiências em seus quarenta anos de exibição: foram 26 pontos no Ibope, 3 a menos do que no ano passado. • Comércio no Natal - Os shopping centers do país tiveram em 2013 o pior Natal dos últimos cinco anos. Na média, as vendas subiram apenas 5%. • Educação no Brasil - 55% dos professores do ensino médio da rede pública dão aula sem ter formação específica na disciplina que lecionam, segundo o Ministério da Educação. 2#7 RADAR LAURO JARDIM ljardim@abril.com.br • ELEIÇÕES 2014 GOTA D'ÁGUA 1 O rompimento entre Aécio Neves e Renato Pereira ocorreu em dezembro, mas fazia meses que a cúpula da campanha tucana já dava como certo que o marqueteiro não comandaria a campanha do PSDB em 2014. De acordo com o que o senador Cássio Cunha Lima narrou a alguns interlocutores, o destino da parceria foi selado numa reunião em agosto no Rio de Janeiro. Nela, Pereira apresentou a Aécio, Tasso Jereissati e Cunha Lima a proposta para o programa de TV que o PSDB exibiria em breve. Diante do ceticismo de Tasso e Cunha Lima, Pereira defendeu a ideia de que Aécio fosse à TV dizer que, se eleito, adotaria a UPP e outros programas que Sérgio Cabral implantou no Rio. GOTA D'ÁGUA 2 Pereira é há quase uma década o marqueteiro de Cabral, que atualmente carrega um pesado fardo de impopularidade e descrença. Cunha Lima foi o mais veemente ao apontar o erro que via em vincular publicamente Aécio a Sérgio Cabral. O veto a essa estratégia do marqueteiro evoluiu para a desconfiança, e sua dispensa foi o resultado. PASTOR-DIRETOR-CANDIDATO Um pastor indicado por Marcelo Crivella e que há três anos ocupa a diretoria financeira da Transpetro pode ser o puxador de votos do PRB do Rio de Janeiro na próxima eleição. Rubens Teixeira, da Assembleia de Deus, está sendo assediado para concorrer a deputado federal em 2014. • GOVERNO A FOME DE SEMPRE Se Dilma Rousseff der mesmo o Ministério da Integração a Pedro Taques, como pede (e como pede!) a bancada do PMDB no Senado, Eduardo Cunha, comandante em chefe dos peemedebistas na Câmara, não admitirá perder o Ministério do Turismo para alguém que não seja deputado do partido. PARA A HISTÓRIA O ano está acabando e não custa revelar um fato importante ocorrido meses atrás. Numa reunião com Lula, no Instituto Lula, logo depois do auge das manifestações de junho, Henrique Meirelles desenhou um panorama dos problemas da economia brasileira. Enfatizou a falta de credibilidade da política econômica. Lula levou a avaliação a Dilma Rousseff e sugeriu a ela que pusesse Meirelles no Ministério da Fazenda, no lugar de Guido Mantega. Como é do seu feitio, Meirelles concordou em ir, desde que tivesse autonomia de ação. Dilma, que já não quisera que Meirelles continuasse no Banco Central na transição do governo Lula para o dela, mais uma vez refugou. Ela deixou no ar um "quem sabe em um provável segundo mandato". • BRASIL CENTRALIZAÇÃO Todas as ações contra os adversários políticos do governador Agnelo Queiroz, ou seja, José Roberto Arruda, Joaquim Roriz e Jaqueline Roriz, foram distribuídas para um mesmo juiz, Álvaro Ciarlini, da 2ª Vara da Fazenda do TJ de Brasília. TÁ DIFÍCIL ESCAPAR Depois da malfadada tentativa de trabalhar como gerente em um hotel, veio o pedido para cuidar da biblioteca do escritório de advocacia José Gerardo Grossi, em Brasília. Se nem isso for aceito pelo STF, José Dirceu vai mudar de estratégia para tentar cumprir sua pena em regime semiaberto. A defesa de Dirceu planeja entrar com um pedido na Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso, para que seu cliente possa prestar serviços para a Vara de Execuções Penais. Faz mais sentido. • CONGRESSO FICOU PARA 2015 O novo Código de Mineração empacou na Câmara em 2013. E parece que ninguém tem pressa: de acordo com as mineradoras, por falta de consenso, ele ficará dentro de uma gaveta qualquer em 2014. GOLE COM AVISO O desconhecido deputado Aureo (SDD-RJ) quer estender aos consumidores de álcool um alerta semelhante aos vistos nas embalagens de cigarros. Áureo apresentou um projeto de lei que determina a impressão de imagens de acidentes de trânsito e a frase "Se for dirigir, não beba" nos rótulos de todas as latas de bebidas alcoólicas. • CIGARROS BRASIL PIRATA O cigarro contrabandeado detém 61% do mercado total do Paraná. • ECONOMIA NÃO SÃO SÓ 5% Os 5% que Eike Batista detém no consórcio de gestão do Maracanã liderado pela Odebrecht valem, na realidade, bem mais, em virtude de uma opção de compra. Se exercê-la, Eike pode ficar dono de até 40% do negócio. TEMPO BOM, HEIN? Em novembro, a Tempo Participações ganhou um contrato de 300 milhões de reais por ano sem concorrência para fazer o seguro-saúde dos 90.000 funcionários da Petrobras. Em dezembro, vendeu sua unidade odontológica à Caixa Seguros por 133 milhões de reais. NOS EUA O BMG, que já tem uma operação de crédito consignado na Flórida, está expandindo sua base nos EUA. • JUDICIÁRIO REAJUSTE AUTORAL Para extinguir o processo que corria na Justiça fazia anos, a Globo aceitou praticamente dobrar o valor que repassa mensalmente ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). O pagamento foi de 6,3 para 11,5 milhões de reais mensais. • TELEVISÃO OI, TCHAU Há uma briga surda nos bastidores das emissoras de esportes dos canais por assinatura que pode acabar no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Motivo: a Oi TV, ligada à operadora de telefonia, pretende retirar do seu pacote básico (o mais barato) de assinatura os canais ESPN, Fox Sports e Esporte Interativo. Manteria apenas SporTV 1 e SporTV 2. A Oi TV já avisou a alguns desses canais sua intenção. Extraoficialmente, os canais prometem reagir levando o assunto ao Cade. • MÚSICA NO TOPO O fenômeno Anitta não conseguiu desbancar o sertanejo da preferência dos ouvintes de rádio em 2013. Uma pesquisa da Crowley, especializada no monitoramento do mercado, revela que Vidro Fumê, de Bruno & Marrone, foi a música mais tocada no Brasil entre janeiro e dezembro, com 36.977 execuções. Em seguida, aparece Te Esperando, de Luan Santana, ouvida 32.236 vezes, à frente de Show das Poderosas, de Anitta (25 507). A música brasileira já viveu dias melhores... • LIVROS MAIS DO QUE AUTORIZADA A Ediouro acaba de assinar contrato com Ivete Sangalo para um livro sobre seus vinte anos de carreira. Será uma obra (mais do que) autorizada. A INFIDELIDADE POR COELHO Três semanas atrás, em Genebra, Paulo Coelho botou o ponto-final em seu novo livro, Adultério, que sairá em abril pela Sextante, menos de um ano e meio depois de ter lançado Manuscrito Encontrado em Accra. O enredo da obra, cujo título é autoexplicativo, se passa em Genebra e tem como principais personagens uma jornalista e um político, ambos casados. Foi escrito a partir de conversas confidenciais entre Coelho e seus leitores, via e-mail. 2#8 VEJA ESSA EDITADO POR RINALDO GAMA A EPÍGRAFE DA SEMANA A propósito das expectativas depositadas em 2014, o ano da Copa — e de eleição presidencial — no Brasil “A esperança: um sonho feito de despertares.” - ARISTÓTELES, gigante da filosofia grega (384 a.C - 322 a.C) “Foi um erro. A legislação de trânsito é clara: criança tem de andar na cadeirinha. Peço desculpas pelo erro.” - DILMA ROUSSEFF, presidente da República, no Twitter, após ser fotografada com o neto, de 3 anos, no colo, no banco de trás do carro em que o levava para a casa do avô, em Porto Alegre; a infração é considerada gravíssima pelo Código de Trânsito Brasileiro. “FHC fez a estabilidade, mas manteve a democracia. O Lula preservou a estabilidade e colocou o país num ciclo de inclusão social que precisa prosseguir. E, se o Brasil parar a economia do jeito que está parando, a gente vai começar a ver desmanchar aquilo que estava feito.” - EDUARDO CAMPOS, governador de Pernambuco (PSB) e provável candidato do partido à sucessão de Dilma Rousseff, falando à Rádio Jornal, do Recife. “Renan (Calheiros) deveria estar careca de saber que não pode usar avião da FAB para fins particulares.” - CHICO ALENCAR, deputado federal (PSOL-RJ), ironizando o fato de o presidente do Senado (PMDB-AL) haver usado uma aeronave oficial para ir até o Recife fazer um implante capilar, conforme publicou a Folha de S.Paulo; ele declarou que vai devolver aos cofres públicos os gastos da viagem. “Daqui a dois meses estarei no auge de minha forma física.” - FRED, atacante do Fluminense, que esteve afastado da segunda metade do Campeonato Brasileiro devido a uma lesão na coxa direita, em entrevista ao jornal O Globo; o jogador é o preferido do técnico Luiz Felipe Scolari para ser o titular da camisa 9 da seleção no Mundial. “Se nos últimos tempos fomos capazes de sustentar alguns intercâmbios sobre temas de benefício mútuo (...), consideramos que podemos resolver outros assuntos de interesse, estabelecer uma relação civilizada entre ambos os países.” - RAUL CASTRO, presidente cubano, referindo-se aos Estados Unidos, no discurso de encerramento dos trabalhos de 2013 da Assembleia Nacional. “Estamos nos esforçando para evitar novos problemas nas relações entre o Irã e os EUA e também para superar as tensões que herdamos.” - HASSAN ROHANI, presidente iraniano, em artigo para o jornal alemão Süddeutsche Zeitung. “Nos laços estreitos entre Israel e os Estados Unidos, há coisas que não podem ser feitas e que, para nós, são inaceitáveis.” - BENJAMIM NETANYAHU, primeiro-ministro israelense, ao comentar, diante dos membros de seu partido, o Likud, as denúncias de que, entre 2008 e 2011, a Agência de Segurança Nacional americana (NSA) espionou o ex-premiê Ehud Olmert e seu ministro de Defesa, Ehud Barak. “O voto contra o demônio é uma vitória para Uganda. Estou feliz que o Parlamento tenha votado contra o mal.” - DAVID BAHATI, deputado ugandense, autor da lei que pune alguns atos homossexuais com prisão perpétua; Barack Obama a classificou de "odiosa". __________________________________ 3# BRASIL 1.1.14 3#1 NÃO É O QUE PARECE SER 3#2 UM LUGAR MAIS DECENTE 3#3 E O AMOR ACABOU 3#1 NÃO É O QUE PARECE SER O Palácio do Jaburu, a residência do vice-presidente, convive com o luxo e o lixo. Os banheiros não funcionam, o calor é insuportável, há infiltrações, mofo e ainda tem as galinhas... ROBSON BONIN Em março do ano passado, o sultão de Omã, Qaboos bin Said, homenageou o vice-presidente da República, Michel Temer, com um jantar no palácio real Bait Al Barakah. Antes dos brindes, Temer foi levado aos aposentos de hóspedes para se recompor da longa viagem. Ficou impressionado com o que viu. O "quarto" tinha sete ambientes, móveis luxuosos, banheiros com acabamentos em ouro e um frigobar abastecido com garrafas de Château Petrus. A excursão ao sultanato rendeu dividendos políticos e parcerias diplomáticas. Bin Said prometeu retribuir a visita. Se isso acontecer... Bem, Michel Temer também mora em um palácio. Construído para servir de residência aos vice-presidentes, o Jaburu é uma das belas obras do arquiteto Oscar Niemeyer. Seus ambientes são adornados com painéis, esculturas e afrescos de grandes artistas. As alas particulares abrigam seis quartos, sala de cinema, escritório e um salão para recepções. Do lado de fora, uma varanda liga o interior a duas piscinas e a uma sauna, circundadas por jardins do paisagista Burle Marx e um lago privativo. Há ainda quadra de tênis e uma capela para pequenas celebrações. Tudo planejado para proporcionar conforto ao segundo homem mais importante da República. Porém, se o sultão retribuir de fato a visita, o vice vai passai por um enorme vexame. Desde que foi construído, na década de 70, o Palácio do Jaburu jamais passou por uma reforma geral — está literalmente caindo aos pedaços. As dependências internas apresentam infiltrações e rachaduras. Diferentemente das torneiras de ouro de Omã, as instalações hidráulicas do Jaburu mal funcionam. O mobiliário de alguns quartos inclui velhos guarda-roupas e barulhentas camas de madeira, dessas que se encontram em lojas populares. Por causa do mofo e da falta de circulação do ar, os aposentos raramente são utilizados. Parado no tempo, o Jaburu carece dos mais elementares confortos da modernidade. Nas quentes e secas tardes do cerrado brasiliense, o mau funcionamento do ar-condicionado é um desafio aos engravatados convidados para reuniões com o vice. Há dois aparelhos em uso — e um grande problema. O duto de exaustão termina no banheiro dos seguranças do palácio. Ninguém sabe explicar o que acontece, mas os aparelhos só funcionam por exatos vinte minutos. Depois disso, a direção do ar se inverte e passa a soprar do banheiro para o escritório. "Aí ninguém aguenta. É melhor tirar o paletó", conta um ministro. Na temporada de chuvas, o vice se livra do ar condicionado e seus odores, mas a principal área de reuniões fica inutilizável por causa da cascata que escorre pela abertura do teto, repleto de infiltrações e sem nenhum sistema de drenagem. A água invade o subsolo e alaga o andar inferior, onde funcionam a administração e o refeitório dos servidores do palácio. Devido à umidade, a sala privativa de cinema, forrada de carpete escuro, foi tomada por fungos. Se sobra água em alguns ambientes, falta em outros. Certa vez, o vice-presidente reuniu deputados e senadores no palácio para uma das longas conversas regadas a vinhos, charutos e confabulações políticas. Logo depois de servidos os canapés, um deputado do Nordeste sentiu uma indisposição intestinal e precisou usar o banheiro. Devidamente recomposto da crise, ele se viu no meio de um terrível constrangimento: a descarga do banheiro não funcionava. "Fiquei no sufoco", lembra o parlamentar. A situação de calamidade do Jaburu está documentada em vários relatórios de inspeção realizados por técnicos do próprio governo. Em um deles, ao qual VEJA teve acesso, o cenário descrito é assustador. Ou melhor: repulsivo. Castigado por seguidos alagamentos, o subsolo é o lugar onde os funcionários fazem as refeições, tomam banho e organizam a burocracia administrativa do palácio. Suas instalações estão sujas, os fios elétricos expostos e as janelas têm vidros quebrados. O lugar não resistiria a uma fiscalização sanitária. Na cozinha, as pias apresentam vazamentos e os armários estão apodrecidos por causa da umidade. A nutricionista encarregada da fiscalização encontrou azulejos quebrados, geladeiras enferrujadas, além de tambores de lixo perto de alimentos. O relatório foi encaminhado à Secretaria-Geral da Presidência, que não autorizou a reforma. Em um ofício, um protesto oficial: "A não execução desses serviços tem causado grande desconforto ao senhor vice-presidente da República, em sua residência oficial", escreveu uma assessora de Temer. As privações vão além da parte estrutural. No Jaburu, a adega era até pouco tempo atrás abastecida pela Receita Federal com vinhos apreendidos em operações de combate ao contrabando. A bancada do PMDB já se rebelou contra a penúria dos rótulos. Em uma reunião de articulação, o garçom serviu uma garrafa de vinho tinto Santa Helena (Chile, 32 reais) — estragado. O líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, indignou-se: "Michel, não dá, esse vinho é de 30 contos e ainda tem gosto de vinagre". O parlamentar presenteou o vice com caixas do tinto Angélica Zapata Malbec (Argentina, 160 reais). O estoque já está chegando ao fim. A existência de galinhas que circulam livremente pela grama do palácio configura outro transtorno eventual para o seu principal morador. As aves já conseguiram resultados políticos que toda a oposição junta não logrou obter. Numa tarde de maio, por exemplo, Temer estava reunido com lideres partidários e representantes do governo para definir a estratégia de votação de uma importante medida provisória. O vice é um personagem fundamental no trabalho de articulação política. Presentes, senadores, deputados e as ministras Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, e Ideli Salvatti, das Relações Institucionais. Em dado momento, uma galinha começou a cacarejar e não parou mais. Os seguranças foram acionados, sem sucesso. A reunião teve de ser interrompida. Mas, até há pouco tempo, ao menos um detalhe na infraestrutura do vice do Jaburu poderia impressionar o sultão de Omã. O avião oficial da Vice-Presidência, um confortável Embraer 190, exibia na tela uma seta que indicava a direção de Meca, a cidade sagrada dos muçulmanos, e dispunha de um acessório que alertava os passageiros sobre os horários das orações. O próprio Temer explica: "O avião havia sido encomendado por um xeque que na última hora desistiu da compra. Aí, a Embraer o comprou e emprestou ao governo". Em julho, porém, a Embraer pediu o avião de volta. Temer fará bem se instruir sua secretária para o caso de o sultão de Omã ligar. O melhor a fazer é dizer que o vice não está. 3#2 UM LUGAR MAIS DECENTE Se autorizados a trabalhar, os mensaleiros também deverão mudar de presídio — e conquistar o direito a algum conforto, como televisão, geladeira e banheiro com chuveiro elétrico. HUGO MARQUES A Justiça deve anunciar em breve se autoriza ou não os mensaleiros presos a trabalhar fora da cadeia. A decisão pode mudar radicalmente a rotina de alguns condenados, especialmente os que cumprem pena em Brasília, caso dos petistas José Dirceu e Delúbio Soares e do ex-deputado Valdemar Costa Neto. Mudar radicalmente para melhor. Na penitenciária da Papuda, os mensaleiros convivem com os problemas típicos de qualquer presídio brasileiro: superlotação, celas sem nenhum conforto, ameaças de rebelião. O deputado Natan Donadon, que cumpre pena por corrupção, resumiu a percepção dos novos presidiários: "É desumano o que o preso passa lá". Não há chuveiro elétrico, falta água com frequência e a comida é ruim. Se os pedidos de emprego forem deferidos, os mensaleiros poderão ficar livres de alguns desses dissabores. Isso porque os presos que conseguem autorização para trabalhar são automaticamente removidos para o Centro de Progressão Penitenciária, o CPP, um estabelecimento sem grades a dez minutos do centro da cidade, com regras de segurança flexíveis e instalações mais confortáveis. O CPP nem de longe lembra o ambiente lúgubre da Papuda. Os presos se acomodam em beliches instalados em galpões ventilados, equipados com aparelhos de televisão. Os banheiros têm chuveiro elétrico, privada e pia. Na cozinha coletiva, há tanques para lavar roupa, ferro de passar, geladeira, liquidificador e filtro de água. Os detentos também podem manter uma pequena despensa. Como todos são autorizados a sair, não há um esquema rígido de vigilância. Uma das principais vantagens do CPP é que ele fica apenas a alguns minutos da Esplanada dos Ministérios. Os presos mais abastados podem inclusive usar carro próprio. Na parte externa do presídio, há estacionamento. A regra para visitas de familiares também é menos rigorosa. Na Papuda, os visitantes chegam a ficar 24 horas numa fila e são submetidos a uma constrangedora revista íntima. No CPP, não. Apesar de seguro, em setembro, o governo do Distrito Federal, comandado pelo petista Agnelo Queiroz, iniciou a construção de quatro celas individuais no presídio, todas com banheiro privativo, chuveiro elétrico e instalações para ar-condicionado. Justificativa? Criar uma ala especial para abrigar presos especiais — aqueles que correm algum risco. Como eram exatamente quatro os petistas condenados à prisão (José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino e João Paulo Cunha), a conclusão foi inevitável: as quatro celas estavam sendo adaptadas para receber os quatro petistas. A Justiça mandou suspender os trabalhos. Depois de receber proposta para gerenciar um hotel que tinha laranjas panamenhos como donos, o ex-ministro José Dirceu agora tem um convite para atuar num escritório de advocacia. Formado em direito, ele vai auxiliar nas pesquisas de jurisprudência, recebendo um salário de 2100 reais. Antes disso, especialistas vão avaliar se os empregos ajudarão, de fato, na ressocialização dos presos ou se servirão apenas para que escapem da punição. O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso lembra que o trabalho fora do presídio não é regra na Justiça: "A regra de quem está no semiaberto é trabalhar na cadeia, na colônia agrícola. Trabalhar fora é uma exceção das exceções". 3#3 E O AMOR ACABOU Lula tenta apaziguar o PT e o PMDB no Rio, para evitar um racha que pode custar caro a Dilma Rousseff em 2014. THIAGO PRADO A sempre impositiva e incontrastável demiurgia eleitoral de Lula já produziu um desastre em São Paulo com a eleição de Fernando Haddad para a prefeitura com o apoio de Paulo Maluf. Nas eleições de 2014 ela vai ser testada no Rio de Janeiro, o terceiro maior colégio eleitoral do país, onde, sem maiores sobressaltos, sobrevive há quase uma década a sólida aliança entre PT e PMDB. A situação no Rio é mais complexa do que foi em São Paulo. Se forçar muito a barra para um lado ou para o outro, Lula poderá acelerar o racha entre o PT e o PMDB, produzindo como resultado indesejável o fato de deixar Dilma Rousseff sem palanque no Rio de Janeiro em sua luta pela reeleição ao Palácio do Planalto. O jogo da sucessão estadual no Rio de Janeiro caminha para a polarização. De um lado está o petista Lindbergh Farias. Do outro, o candidato do PMDB, Luiz Fernando Pezão, vice e preferido do governador Sérgio Cabral. Ambos agem como candidatos. Lindbergh reivindica o corte imediato dos vínculos do PT com o governo do PMDB, divórcio que seria teatralizado pelo pedido de demissão em massa dos 1250 militantes petistas atualmente na folha de pagamento do governador Cabral. Pezão descreve os movimentos de Lindbergh como uma aventura inconsequente. Ambos, porém, devem estar conscientes de que não vão a lugar algum sem que seja selado um acordo em nível superior, aquele habitado por Lula e Cabral. Nesta altura de sua carreira política, o ex-presidente e o atual governador do Rio de Janeiro têm pretensões e circunstâncias distintas. Lula precisa se mostrar à altura de sua fama de grande estrategista, o fabuloso eleitor de "postes" do PT e reeleitor de Dilma. Cabral tem na eleição de Pezão para seu lugar talvez a única chance real de manter algum prestígio político no Rio de Janeiro. O governador se desgastou tremendamente como a figura central de uma série de escândalos. Sua credibilidade desmoronou, levando junto sua popularidade, a ponto de Cabral anunciar que sairia do governo bem antes do prazo legal para não atrapalhar demais a campanha de Pezão. Lula, que fareja como poucos as fragilidades dos aliados e adversários, vem cozinhando Cabral em fogo baixo. Sua esperança é convencê-lo de que terá todo o apoio do governo Dilma para tentar se reerguer politicamente, quem sabe até concorrendo ao Senado, como ele quer, desde que abra caminho para a candidatura de Lindbergh. Lula sabe que não pode deixar Cabral à deriva, sob o risco de que a poderosa engrenagem do PMDB fluminense ignore ou até hostilize a candidata Dilma. O Rio de Janeiro será o colégio eleitoral estratégico no xadrez de 2014. É o único entre os grandes no qual a oposição a Dilma não tem candidato forte. Em São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin está na dianteira na disputa pelo governo: em Minas Gerais, também é dado como certo que o PSDB do ex-governador Aécio Neves, oponente de Dilma, vai ganhar com excelente margem. Outro eleitorado importante para o PT, o de Pernambuco, deverá pender para onde o governador Eduardo Campos apontar. Nesse cenário, seria suicídio político abrir mão do palanque peemedebista no Rio de Janeiro. A máquina eleitoral do PMDB fluminense é formidável. Ela é formada por 10.000 cabos eleitorais muito bem abrigados em dezenas de prefeituras. Diz Jorge Picciani, presidente do PMDB no Rio: "O PT simplesmente não pode se dar ao luxo de prescindir dessa máquina". Um bom ponto de partida para tentar antecipar o que vai ocorrer no Rio, portanto, é tomar como premissa o fato de que Lula fará de tudo para não abrir mão da máquina eleitoral do PMDB no estado. As abóboras terão de se ajeitar na carroça de acordo com essa realidade. As promessas — e as eventuais traições — serão negociadas em torno desse, digamos, marco regulatório. Lindbergh, que hoje considera uma possível chapa única com Cabral para o Senado um ''abraço de afogados", terá de ceder em algum momento aos interesses eleitorais maiores do PT. Lindbergh é mais uma das criaturas de Lula que alimentam o sonho de vida política própria sem o constante sopro do criador no pescoço. Ele vem conversando com o PSD com a ideia de oferecer ao partido a vaga ao Senado em sua chapa; ganharia assim tempo de televisão, neutralizando um pouco os efeitos de uma cisão com o PMDB. Dilma detesta Lindbergh. Refere-se a ele como "moleque" e não lhe perdoa o notório entusiasmo com o movimento "Volta, Lula". Pezão, ao contrário, é amigo e aliado antigo de Dilma. Ela já o chamou publicamente de "pai do PAC" e o trata pelo apelido familiar de "leão da montanha". É útil lembrar que o senador Aécio Neves tem cordialíssima convivência com Lindbergh, amizade pessoal com Sérgio Cabral e diálogo ameno com muitos peemedebistas fluminenses. Portanto, 2014 promete ser o ano em que o Rio de Janeiro, de alguma forma, volta a se tornar a capital política do Brasil. _____________________________ 4# INTERNACIONAL 1.1.14 4#1 ELE PRENDE, ELE SOLTA 4#2 NEM OS PARENTES ESCAPAM 4#1 ELE PRENDE, ELE SOLTA Ao anistiar presos políticos, o presidente russo Vladimir Putin reafirma sua autoridade e tenta ganhar pontos em relações públicas. TATIANA GIANINI Gestos calculadamente magnânimos e supostamente movidos a compaixão sempre estiveram presentes na história dos czares russos. Em sua cerimônia de coroação, em agosto de 1856, Alexandre II declarou anistia para todos os presos políticos. Mais de 9000 foram libertados. Nicolau II, o último czar, assinou um documento que concedia uma anistia semelhante, em 1913. O objetivo era marcar o 300º aniversário da dinastia dos Romanov. Em todas as ocasiões, a intenção do governante era a mesma: demonstrar sentimentos de humanidade sem abrir mão dos métodos violentos. E reafirmar, com um gesto pretensamente nobre, seu quase ilimitado poder sobre a vida dos súditos. A vez agora é do presidente Vladimir Putin. Há duas semanas, ele "perdoou" o ex-magnata do petróleo russo Mikhail Khodorkovsky, seu principal rival político. O empresário havia sido condenado durante um tribunal de cartas marcadas, em 2005, e deveria ser solto de qualquer forma no ano que vem. Na segunda-feira, duas integrantes da banda punk Pussy Riot, presas em marco de 2012 por protestar contra o presidente numa igreja, também foram postas em liberdade (como no caso de Khodorkovsky, suas penas venceriam em 2014). Nadia Tolokonnikova, de 24 anos, e Maria Alekhina, de 25, foram beneficiadas pela lei de anistia aprovada anteriormente pela Duma, o Parlamento russo, que pretende liberar 20.000 prisioneiros. Na quarta-feira 25, a Justiça russa também retirou as acusações contra a tripulação do navio Arctic Sunrise, do Greenpeace. Os trinta integrantes, entre eles a bióloga brasileira Ana Paula Maciel, foram algemados quando gritavam contra a exploração de petróleo no Ártico. "O objetivo das anistias sempre foi mostrar a misericórdia do chefe supremo, e nunca iniciar uma correção verdadeira às injustiças políticas e sociais", diz a historiadora americana Elizabeth Wood, especialista de história russa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos. "O autoritarismo de Putin segue intacto e as leis na Rússia continuam sendo aplicadas de uma forma desigual." O governo persegue seus desafetos e a Justiça continua tão parcial como antes, mas o que aparece na TV é um presidente que se diz emocionado com o sofrimento dos que estão atrás das grades. Em uma coletiva de imprensa, Putin afirmou que Khodorkovsky deveria ser solto porque sua mãe estava doente. Também contou que o preso teria escrito um pedido para que ele interviesse pela sua libertação. A carta, na realidade, foi uma exigência do Kremlin. A salvo, na Alemanha, Khodorkovsky prometeu lutar pelos direitos dos presos políticos. Como conhece a natureza e a força do seu inimigo, fará sua campanha de Berlim, bem longe de Moscou. O medo se justifica, mas há quem já o tenha perdido, como é o caso das integrantes da Pussy Riot. "Isso não é uma anistia. É uma farsa e uma jogada de relações públicas", protestou Maria. Putin também anda preocupado com um vexame nos Jogos Olímpicos de Inverno, que serão realizados na cidade russa de Sochi, em fevereiro. As críticas em relação à violação dos direitos humanos levaram os presidentes dos Estados Unidos, da França e da Alemanha a cancelar a presença. Como Putin é um homem que preza sua imagem, não gostaria de aparecer sozinho na foto oficial da competição. A libertação dos presos pode ajudá-lo a evitar esse constrangimento. 4#2 NEM OS PARENTES ESCAPAM Depois de ordenar o fuzilamento do tio, o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, envia familiares do morto para campos de trabalhos forcados. Governos totalitários não se sustentam apenas com a violência direcionada a um grupo específico. É preciso que qualquer um, independentemente de sua religião, etnia ou opiniões políticas, tema se tornar a próxima vítima. A incerteza sobre o próprio destino é o que cimenta a obediência total ao líder. No dia 12 de dezembro, o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, mostrou que segue à risca a cartilha do tirano ao mandar para o pelotão de fuzilamento o tio Jang Song-thaek, até então o segundo homem mais poderoso do país. Nem os laços de parentesco o salvaram. Na semana passada, soube-se que a punição foi bem mais longe. Um dia depois do assassinato de Jang, policiais invadiram a casa de centenas de parentes dele, perto das 10 horas da noite, e levaram todos embora. Até os que habitavam cidades distantes da capital, Pyongyang, foram sequestrados. O destino de todos foi o mesmo, os infames campos de trabalhos forçados do país. Mesmo parentes do pai de Jang foram incluídos entre os banidos. A punição a familiares de condenados é uma prática comum na Coreia do Norte e se estende até àqueles que ainda não nasceram. Crianças que vêm à luz em campos de trabalhos forçados, por exemplo, são submetidas aos mesmos tratamentos desumanos que os demais presos e crescem sem saber que existem outros países além daquele em que tiveram o infortúnio de nascer. Como a punição deve sempre estar à altura do crime (ou vice-versa), o assassinato de Jang foi justificado por meio de uma lista de 24 delitos que ele teria cometido, e que incluem — além dos clássicos, "corrupção" e "adultério" — "criar ilusões sobre si mesmo". De acordo com analistas externos, a questão fulcral envolveu uma disputa comercial. Jang escalou posições no Partido dos Trabalhadores durante o reinado de Kim Jong-il, o pai do jovem Kim, e tomou o controle de setores que estavam nas mãos de militares, o que provocou a inveja de muitos deles. Entre os vários negócios lucrativos que assumiu, estava a venda de carvão para termelétricas chinesas. Ao ser informado sobre as negociatas do tio, Kim teria ordenado que os acordos voltassem para as mãos dos fardados. Como houve resistência, Kim ordenou a morte dos dois principais assessores do tio. Semanas depois, o próprio Jang foi fuzilado. As ordens de execução e prisões em campos de trabalhos forçados têm sido os principais meios usados pelo jovem Kim para se acomodar no trono, além das costumeiras ameaças de guerra à Coreia do Sul. Em agosto, doze artistas, instrumentistas e dançarinos de grupos musicais, incluindo uma ex-namorada de Kim, foram fuzilados sob a acusação de gravar vídeos eróticos. Seus parentes foram obrigados a assistir aos tiros e, na sequência, como é de costume, enviados a campos de trabalhos forçados. Em novembro, cerca de oitenta pessoas foram executadas em sete cidades. O crime delas foi ter assistido a novelas e programas de televisão da inimiga Coreia do Sul. Oito dos condenados foram mortos em um estádio na cidade de Wonsan diante dos olhos de 10.000 testemunhas. As provocações ao sul se tornaram mais frequentes com Kim Jong-un. Há duas semanas, seu governo enviou um fax ao Ministério da Defesa da Coreia do Sul. Nele, a Coreia do Norte prometia um ataque "sem aviso" e "sem piedade" contra a Coreia do Sul. Seria uma retaliação pelo protesto realizado nas ruas de Seul, em que manifestantes queimaram três bonecos com o rosto dos Kim: o avô Kim Il-sung, o pai, Kim Jong-il, que faleceu em 2011, e o atual Kim. A iniciativa, além de revelar que ainda existem no mundo usuários de fax como forma de comunicação, mostra até onde pode ir a confusão de um governo que desconhece a democracia, já que, ao contrário do que ocorre no país dos Kim, no sul manifestações nas ruas não são ligadas ao governo. Kim tem a bomba atômica, o míssil que pode transportá-la (ao menos para curtas distâncias) e está morrendo de vontade de juntar as duas coisas. Sem experiência política ou militar, assumiu o posto mais alto do país, e seu tio, que era considerado um fator de estabilidade no regime, não está mais no seu caminho. Assim, a Coreia do Norte hoje se divide em dois polos. Num está Kim. No outro, suas potenciais próximas vítimas. _________________________________ 5# ECONOMIA 1.1.14 MAIS UM ANO BEM MEDÍOCRE Se tudo der certo, o governo Dilma vai emplacar em 2014 um crescimento de 2% na economia. Mas ainda há muito vento de proa para atrapalhar mesmo esse "pibinho". ANA LUIZA DALTRO E MARCELO SAKATE Por ter de avançar submetida a diversas forças, mantendo o rumo e a sustentação, a economia de um país pode ser comparada a um avião. Não é por outra razão que os economistas usam e abusam de metáforas aeronáuticas quando analisam desempenhos ou fazem previsões. Quando a economia tem boas taxas de crescimento, eles dizem que o país "decolou". Se acham que o crescimento não é sustentável — ou seja, foi induzido por impulsos artificiais, como juros inadequadamente baixos ou tabelamento da taxa de câmbio —, dizem que ele não passa de um "voo de galinha". Da mesma forma, se preveem que uma economia aquecida começa a dar sinais de desgaste, eles dizem que ela poderá ter um "pouso suave ou se esborrachar na pista", dependendo das circunstâncias e da habilidade do "piloto na cabine de comando". Se usarmos essa mesma linha de metáforas para entender as perspectivas da economia brasileira para 2014, a imagem mais realista que vem à mente é a de um avião em voo rasante que não cai e tampouco ganha altura, apesar do excruciante esforço das turbinas. É assim há três anos e vai continuar sendo assim em 2014. A expansão média da economia no triênio da presidente Dilma Rousseff é de 2% ao ano, abaixo do ritmo mundial, de 3,3%. Em 2014, a economia brasileira vai encontrar pela frente uma circunstância externa predominante que influenciará fortemente todas as demais variáveis. Essa força maior é a decisão do governo dos Estados Unidos de retirar os estímulos monetários bilionários que vinha dando à economia desde a crise de 2008. Quem vai manejar a retirada é a economista Janet Yellen, a nova presidente do Fed, o banco central americano, cargo que ela assume em substituição a Ben Bernanke. Nenhum país — nem o Brasil, apesar da retórica ufanista oficial — ficará imune às grandes mudanças de rumo da economia americana. Enquanto duraram os estímulos bilionários, os juros americanos foram mantidos próximo de zero e não valia a pena investir nos papéis emitidos pelos Estados Unidos. A rentabilidade estava em países emergentes. O Brasil tornou-se um destino preferencial de investimentos mundiais. Com a mudança de curso, os juros americanos vão subir e remunerar bem melhor os investimentos. Juros mais altos vão se combinar de novo com a segurança oferecida pelos papéis americanos (os Estados Unidos nunca declararam uma moratória em sua história), e não vai ser fácil competir com eles por investimentos. Esse será o cenário dominante em 2014, e as aeronaves econômicas vão ter de se adequar a essas condições atmosféricas. Para o Brasil será desastroso se o Fed agir de forma abrupta. As reservas em dólares se evaporarão em pouco tempo. Mas o país tem 375 bilhões de dólares em reservas e ainda assim está fragilizado? Sem dúvida. Mesmo antes do anúncio do fim dos estímulos pelo Fed, o Brasil torrou o equivalente a parte substancial das reservas (cerca de 100 bilhões) na tentativa de não deixar o preço do dólar disparar em relação ao real. "As mudanças na política monetária americana terão o efeito de um gatilho — e não de causa primária — de mais problemas na economia brasileira", diz Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. Temos de torcer para que a retirada dos estímulos à economia americana seja o mais gradual possível. Nesse cenário mais ameno, em condições de atuar sem estar em uma emergência cambial, o Brasil poderá até fazer do limão uma limonada. Há sinais claros de retomada de ritmo das economias dos Estados Unidos e dos países europeus. Esse reaquecimento combinado dos dois lados do Atlântico é uma boa notícia para os exportadores brasileiros. Nesse cenário, a inevitável depreciação do real acaba sendo um fator favorável de competitividade para os exportadores brasileiros. Dessa forma, a mudança de rumos da poderosa economia americana teria sobre o avião brasileiro um efeito neutro. Isso é bom. Seria ainda melhor se o Brasil estivesse mais equilibrado internamente. Não está. A deterioração das contas públicas, um movimento contínuo desde 2011, deve se acentuar em 2014, como ocorre em todo ano eleitoral. "Existem medidas já tomadas, de desoneração fiscal e de aumento de gastos, que impedem que o governo ponha em prática o discurso de uma política fiscal menos expansionista", diz Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco. O voo rasante se explica pelo peso do Estado na economia. As turbinas de quem trabalha e paga impostos não suportam mais tanta carga tributária. Nessa situação, o Brasil cresce pouco e, portanto, mesmo com impostos excessivos, a arrecadação tende a baixar. A expectativa é que a diferença entre as receitas e as despesas antes de serem pagos os juros da dívida (o superavit primário) seja de apenas 1,3% do PIB, abaixo do 1,8% de 2013. São os dois piores resultados em uma década — e insuficientes para impedir que a dívida total em relação ao PIB volte a subir. Nosso avião, que já resfolega para se manter no ar, pode começar a preocupar os investidores, que, assim, cobrariam uma taxa de risco maior, encarecendo os empréstimos para o governo e as empresas brasileiras. "O maior desafio do governo será reverter a crise de confiança que afeta as decisões de empresas e consumidores", diz o economista Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central, da Projeta Consultoria. A fragilização dos fundamentos reduz o espaço para a melhora das expectativas. "Um novo plano de ação é necessário para que o Brasil volte a crescer acima de 3% ao ano. Isso envolve não só um comprometimento fiscal e monetário como político para que reformas sejam votadas e aprovadas", diz Will Landers, gestor em investimentos para a América Latina da BlackRock, a maior empresa de administração de recursos do mundo. Para passageiros que já sofreram com essas fragilidades no passado, a economia brasileira parece ainda mais arriscada. Crises de confiança se instalam rapidamente. Custa caro e é demorado reverter as expectativas. A boa vontade com o Brasil é imensa. Somos um país pacífico, unificado pelo idioma, sem disputas étnicas ou religiosas, com uma população que começa a ter oportunidades iguais de educação e ascensão social. É quase tudo de que um investidor precisa para se convencer a colocar aqui suas economias. O governo tem de fazer a sua parte — como o fez em 2013, com o sucesso da privatização de alguns aeroportos e estradas. Por essa razão, mesmo em ano eleitoral, o Brasil pode sinalizar para o mundo que podemos empinar o nariz do nosso avião e subir para patamares bem mais altos. Diz Monica Baumgarten de Bolle, diretora do Instituto de Estudos de Política Econômica — Casa das Garças e sócia da Galanto Consultoria: "Se as políticas econômicas erráticas forem corrigidas e a agenda de reformas retomada, o Brasil poderá voar mais alto". TURBULÊNCIA À VISTA As principais forças que vão determinar o desempenho da economia brasileira em 2014. Retirada dos estímulos nos Estados Unidos A normalização da política monetária americana, se acelerada pelo Fed (o banco central do país), afetará a entrada de recursos no Brasil, acentuando a desvalorização do real e elevando a inflação; o BC brasileiro teria de subir mais os juros. A redução na injeção de recursos no mercado pelo Fed só ocorrerá com a recuperação consistente da economia americana, que é a segunda que mais compra mercadorias brasileiras; a notícia beneficia os exportadores. Eleições para presidente e governadores O aumento dos gastos públicos em ano eleitoral, na maior parte improdutivos, pressionará ainda mais a demanda e a inflação e fará a dívida federal subir. O crescimento de candidaturas comprometidas com políticas econômicas transparentes e previsíveis devolverá a confiança do setor privado no país, favorecendo a retomada dos investimentos. Rebaixamento da nota de crédito do Brasil A confirmação dessa decisão pelas agências de classificação de risco, em decorrência da queda do superavit primário, afetará o fluxo de capital para o país, desvalorizando o câmbio e encarecendo os produtos importados. Interferência menor na economia A desaceleração dos empréstimos dos bancos públicos, se concretizada como promete o governo, aliviará a pressão sobre a inflação e a dívida federal e reduzirá as distorções no mercado de crédito, permitindo, por exemplo, que as concessões sejam mais criteriosas. ___________________________________ 6# GERAL 1.1.14 6#1 NEGÓCIOS – ELE SONHOU COM ESSE DIA 6#2 ESPORTE – SUCESSO QUE VEM DE FORA 6#3 CIÊNCIA – VITÓRIA DA PERSISTÊNCIA 6#4 URBANISMO – GIGANTES NO MEIO DO NADA 6#5 ARMAS – A “ARMA DA LIBERDADE” 6#6 GENTE 6#7 ESPECIAL – A COPA E A COPA NO PAÍS DO FUTEBOL 6#8 ESPECIAL – UMA EPOPEIA DE AFIRMAÇÃO 6#1 NEGÓCIOS – ELE SONHOU COM ESSE DIA Steve Jobs sabia que a China era mais do que mão de obra barata e quatro anos antes de morrer começou a negociar acesso ao mercado consumidor chinês. Agora a Apple conseguiu. FILIPE VILICIC O objetivo do acordo firmado na semana passada entre o gigante americano Apple, do iPhone, e a China Mobile, a maior operadora de telefonia, com 700 milhões de usuários (mais que o dobro da população dos Estados Unidos), é óbvio: ganhar clientes. A negociação é resultado de um flerte que ocorre há seis anos. Antes, a China Mobile não via vantagem na parceria, já que domina o mercado chinês, o maior do mundo, com smartphones baratos, que custam entre 100 e 200 dólares. E um iPhone não sai por menos de 550 dólares por lá. Mas a Apple precisa conquistar os chineses caso queira continuar a crescer e para tentar reaver o primeiro lugar em vendas de smartphones, posto hoje ocupado pela sul-coreana Samsung. O que os americanos fizeram para convencer a China Mobile? Um celular desenhado para eles: o iPhone 5C. Quando a Apple lançou a versão barata do iPhone, o 5C, em setembro, correu uma piada no Vale do Silício: "o 'C’ não é de cheap (barato, em inglês), é de China". O 5C sai por 99 dólares nos Estados Unidos. Mas chegou por 700 dólares às lojas chinesas (e o preço baixou recentemente para 550 dólares), o equivalente a um terço da renda anual de uma típica família do país. São dois os motivos para o alto preço: o imposto de 17% sobre o produto e a falta da parceria com a China Mobile, que, a exemplo do que fazem operadoras americanas, pode subsidiar parte desse valor. Só que, mesmo categorizado como artigo de luxo, o 5C, comercializado por concorrentes da China Mobile, vendeu bem nas lojas do país. O sucesso abriu os olhos da operadora chinesa. Estima-se que, com a parceria, ela venderá 30 milhões de iPhones em 2014. Para a Apple, isso representaria mais de 10% de suas vendas globais e aumentaria em 150% a presença no mercado chinês. Em efeito contínuo, deixaria de ser apenas a sétima maior vendedora de smartphones na China. A longo prazo, o negócio é ainda mais benéfico. As ações da Apple, que registram queda de 30% desde 2012, voltaram a crescer (3% em um dia). A China Mobile começará a vender iPhones no dia 17, e ele será o principal aparelho de sua recém-inaugurada rede 4G. A Apple ficou tão entusiasmada com o novo parceiro que estuda criar outro iPhone, ainda mais barato, para os chineses. O futuro no Oriente é promissor, mas, ao mesmo tempo, levanta uma questão. Até agora, a Apple baseou seu crescimento firmando parcerias com operadoras pelo mundo. Quando lançou o primeiro iPhone, em 2007, era um produto exclusivo da americana AT&T. A empresa se abriu aos poucos para outras operadoras para controlar o crescimento. A última relevante que faltava conquistar era a China Mobile. A questão: qual será a nova estratégia da Apple para continuar com seu crescimento exponencial, que a tirou da quase falência no início dos anos 2000 e a transformou na mais valiosa empresa do planeta? O QUE A CHINA TEM Com 1,3 bilhão de habitantes (um quinto da população global), PIB de 8 trilhões de dólares e crescimento próximo de 10% ao ano, a China deve se tornar o maior mercado consumidor do mundo — ultrapassando os Estados Unidos — em cinco anos. Algumas áreas nas quais já é líder na indústria digital Computadores (em unidades vendidas em lojas nacionais em 2012) 1ª China 69 milhões 2º EUA 66 milhões Mundo 350 milhões E-commerce (em número de consumidores on-line em 2012) 1ª China 270 milhões 2º EUA 156 milhões Mundo 1 bilhão Internet (em número de usuários em 2013) 1ª China 568 milhões 2º EUA 245 milhões Mundo 2,7 bilhões Linhas de celular (em usuários ativos em 2013) 1ª China 1,2 bilhão 2º Índia 867 milhões Mundo 6,8 bilhões Smartphones (previsão de unidades vendidas em 2013) 1ª China 301 milhões 2º EUA 137 milhões Mundo 900 milhões O mercado chinês de smartphones 17,6% Samsung 12,#% Lenovo 12,2% Yulong 8,7% ZTE 8,6% Huawei 5% Xiaomi 4,8% Apple 30,8% Outros 6#2 ESPORTE – SUCESSO QUE VEM DE FORA A conquista do Mundial de Handebol feminino evidencia o sucesso da estratégia de contratar técnicos estrangeiros para pôr o Brasil entre os dez primeiros nos Jogos do Rio. ALEXANDRE SALVADOR E PIETER ZALIS O handebol é o esporte mais praticado nas escolas brasileiras. Homens e mulheres se lembram das horas que passaram na infância em times de sete pessoas tentando fazer gols com uma bola nas mãos — em geral obrigados por um professor, já que a preferência da maioria era por futebol ou vôlei. Acabado o estudo, o esporte é abandonado. Entre os adultos, quase ninguém joga handebol. As ligas brasileiras são insignificantes no cenário mundial. E a seleção também era. Essa história começou a mudar há quatro anos, quando a Confederação Brasileira de Handebol contratou o dinamarquês Morten Soubak para comandar a seleção feminina. Em seu primeiro Mundial, o time chegou em 15º. O crescimento, mesmo longe dos olhos do grande público, foi notável. O Brasil terminou na sexta colocação a Olimpíada de Londres, teve uma jogadora escolhida como a melhor do mundo e, na semana passada, alcançou o topo. Com uma vitória de 22 a 20 na final contra a anfitriã Sérvia, o Brasil conquistou o campeonato mundial da modalidade. A presença de um estrangeiro na comissão técnica não é exclusividade do handebol. Faz parte de uma estratégia do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) para melhorar o desempenho do país até a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, na qual o objetivo é figurar entre os dez primeiros. Hoje, há 39 treinadores de outras nacionalidades em 23 das 28 modalidades olímpicas. Alguns deles foram contratados pelo próprio COB, com verba da Lei Agnelo/Piva, que destina 2% da arrecadação das loterias federais para o esporte. Em geral, esses treinadores estão em modalidades pouco difundidas, como a canoagem. Após a chegada do espanhol Jesus Morlán, em março, o Brasil ganhou uma medalha de ouro e uma de bronze em mundiais, com o atleta Isaquias Queiroz. Mesmo em modalidades tradicionais, os estrangeiros marcam presença e entregam resultados. É o caso do basquete, que com o treinador argentino Rúben Magnano se classificou para uma Olimpíada após dezesseis anos de ausência. E do judô, que tem a japonesa Yuko Fujii como membro da comissão técnica e alcançou o quarto lugar no último Mundial, com seis medalhas. Nenhum exemplo, porém, foi tão bem-sucedido até agora quanto o handebol. "Quando cheguei, fui direto ao ponto e perguntei: 'Nós somos conhecidos pelo quê?'. Todas ficaram mudas. Não éramos conhecidos por nada", afirma Soubak. Desde então, o esporte brasileiro conquistou uma identidade. O treinador trouxe de seu país, tricampeão olímpico, a aplicação tática que faltava ao grupo de atletas talentosas do Brasil — entre elas a melhor jogadora do mundo em 2012, Alexandra Nascimento, e a melhor jogadora do Mundial de 2013, Duda Amorim. "Nós, nórdicos, gostamos de jogar no contra-ataque e voltamos muito para marcar. Ensinei isso a elas. Os brasileiros gostam de fazer gol, por isso tiveram de aprender a se defender", definiu Soubak. Some-se à influência do treinador estrangeiro a experiência que as brasileiras adquiriram fora do país. Das dezesseis convocadas para o Mundial, apenas três atuam no Brasil. A Confederação Brasileira de Handebol notou a necessidade de intercâmbio e firmou, em 2011, uma parceria com o clube austríaco Hypo NÖ. Lá atuam seis campeãs mundiais, além de Soubak. "O Hypo é nossa base na Europa. A infraestrutura do clube é excelente", diz Manoel Luiz Oliveira, presidente da confederação. É a entidade que financia parte dos salários das jogadoras no clube, para que elas atuem entre as equipes mais fortes do planeta e conheçam de perto as principais rivais. A inspiração para a contratação de estrangeiros veio da Espanha. Nos quatro anos anteriores à Olimpíada de 1992, em Barcelona, a anfitriã tinha dezoito técnicos estrangeiros para as 25 modalidades de que participou. Com isso, a Espanha saltou de quatro medalhas na Olimpíada de Seul (1988) para 22 em Barcelona. Por aqui, a tendência é que ocorra o mesmo. "Hoje temos mais atletas classificados entre os vinte melhores do mundo do que tínhamos no primeiro ano do ciclo olímpico para os Jogos de Londres", afirma Marcus Vinícius Freire, diretor executivo do COB. Antes mesmo do fim dos Jogos de Londres, os brasileiros já traçavam as metas para 2016: conseguir mais de trinta medalhas, o dobro do que foi alcançado em cada uma das últimas duas edições dos Jogos (foram quinze em Pequim e dezessete em Londres). Em 2013, brasileiros conquistaram 27 medalhas em modalidades olímpicas disputadas em campeonatos mundiais. Se houvesse um ranking mundial anual, o Brasil estaria em oitavo lugar. Mantido esse desempenho, o país pode atingir outro objetivo: ficar entre os dez primeiros na Olimpíada do Rio. Atletas talentosos o país sempre teve. O dinheiro passou a aparecer em maior quantidade porque o Brasil é sede de Olimpíada. O handebol mostra que, juntando planejamento eficiente ao talento e ao dinheiro, é possível chegar ao topo do pódio. 6#3 CIÊNCIA – VITÓRIA DA PERSISTÊNCIA Depois de décadas de descrédito, a imunoterapia contra o câncer se impõe e é o Avanço do Ano da revista Science. RAQUEL BEER A revista americana Science, a mais prestigiada publicação científica do mundo, surpreendeu a comunidade de pesquisadores ao dar o prêmio de Avanço do Ano à imunoterapia contra o câncer. Há mais de cinquenta anos surgiu como uma solução mágica a ideia de curar o câncer pela estimulação do sistema imunológico dos doentes. Gradativamente, porém, essa frente de luta ficou em segundo plano, por falta de resultados satisfatórios. Cada descoberta teórica, cada novo estimulante do sistema imunológico sintetizado, produzia enorme esperança, que logo era frustrada pela realidade da prática médica. Foi assim com a vacina anticâncer produzida nos anos 80, a vacina da tuberculose, adaptada por uma série de médicos para se tornar também anticâncer. A terapia é um fracasso na grande maioria dos casos. Mais tarde o mesmo padrão de euforia seguido de decepção se deu com o interferon sintético, que se mostrou capaz de melhorar a resposta imunológica dos pacientes, mas só fez o tumor regredir em poucos casos. Nunca totalmente abandonada, a imunoterapia teimava em não ser alternativa à altura para a radioterapia e a quimioterapia. Os editores da revista justificaram a escolha da imunoterapia exatamente pelos extraordinários resultados práticos de tratamento de tumores malignos pela estimulação do sistema imunológico. "O que era apenas um conjunto de relatos esparsos foi se encorpando e tomando a forma de evidência científica", escreveu a Science sobre a cena cientifica em 2013, ano em que ficou célebre o caso da americana Emily "Emma" Whitehead, que em maio comemorou doze meses de remissão de uma leucemia tratada por imunoterapia. Desde a aprovação do primeiro tratamento imunoterápico, em 1997, nada de animador acontecera. Tudo mudou com o aumento do conhecimento. Descobriu-se que certos componentes do sistema, paradoxalmente, precisam ser inibidos. É o caso da CTLA-4, substância que impede o sistema imunológico de trabalhar sempre com carga máxima. Os melhores resultados vieram de terapias em que essa substância foi inibida, permitindo assim que o corpo se mantivesse em guerra total e permanente contra os tumores. Avalia o oncologista Bernardo Garicochea, do Hospital Sírio-Libanês: "Espero que a imunoterapia ganhe mais espaço e substitua progressivamente outras formas de tratamento mais tóxicas e invasivas". NÃO MENOS IMPORTANTES Os nove avanços científicos que competiram com o das imunoterapias contra o câncer pelo posto de "inovação do ano", em seleção feita pela prestigiada revista americana Science O AVANÇO... — MICROCIRURGIA GENÉTICA O estudo de como uma proteína, a Cas9, é capaz de alterar pedaços do DNA de qualquer ser vivo. .. E O QUE MUDA COM ELE – Testes realizados em ratos e células humanas mostram que a Cas9 pode modificar o DNA para combater doenças genéticas. O AVANÇO... — O CÉREBRO TRANSLÚCIDO Bioengenheiros substituíram gorduras de 4 milímetros de diâmetro do cérebro de um rato morto por um gel sintético, o que deixou transparente o tecido cerebral. .. E O QUE MUDA COM ELE — Médicos visualizam melhor as estruturas do cérebro e, assim, podem entender o que causa doenças mentais. O AVANÇO... — CRISTAIS ENERGÉTICOS A descoberta de que perovskitas, cristais raríssimos na natureza, convertem 15% da energia solar absorvida em eletricidade .. E O QUE MUDA COM ELE — Apesar de serem raros, esses cristais são facilmente obtidos em laboratório e podem ser associados a painéis solares para aumentar a eficiência energética em 50% O AVANÇO... — CLONES HUMANOS Cientistas clonaram embriões humanos e criaram células-tronco a partir deles .. E O QUE MUDA COM ELE — É a primeira vez que células-tronco são geradas dessa forma - elas serão usadas no estudo de diversas doenças O AVANÇO... — VACINAS APRIMORADAS Identificou-se que a configuração da estrutura molecular dos anticorpos pode ser utilizada para a criação de vacinas mais potentes contra vírus causadores de infecções respiratórias .. E O QUE MUDA COM ELE — A vacina deve ser testada em 2015 e, se aprovada, o pioneiro uso da estrutura molecular de anticorpos para esse fim poderá ser replicado na fabricação de outras vacinas O AVANÇO... — RESQUÍCIOS DO PASSADO DO COSMO Uma equipe de astrofísicos provou que parte dos raios cósmicos que atingem a Terra tem origem em supernovas, estrelas que l explodiram há dezenas de i milhares de anos .. E O QUE MUDA COM ELE — A análise desses raios ajuda a entender o que aconteceu no universo em seus primórdios O AVANÇO... — O MINICÉREBRO Austríacos recriaram o tecido cerebral, mas o resultado ainda é um pedaço do tamanho de uma semente de maçã .. E O QUE MUDA COM ELE — O minicérebro serve de objeto de estudo para biólogos e médicos O AVANÇO... — SONO PURIFICANTE Provou-se que a eficiência de vias por onde correm fluidos cerebrais, responsáveis por eliminar proteínas maléficas ao órgão, aumenta em 60% durante o sono .. E O QUE MUDA COM ELE — O resultado sugere que a falta de sono pode estar relacionada ao desenvolvimento de doenças neurológicas, como Alzheimer O AVANÇO... — MICRÓBIOS RUINS, SAÚDE RUIM Uma série de estudos sobre o papel dos micróbios em nossa saúde - em um deles, descobriu-se uma combinação de micróbios associada a uma grave síndrome que causa desnutrição .. E O QUE MUDA COM ELE — A comunidade científica passou a considerar a ação desses microrganismos em pesquisas médicas 6#4 URBANISMO – GIGANTES NO MEIO DO NADA Ao erguer prédios-monumento em suas pequenas cidades-sede, Apple, Facebook e Google pensam em atrair jovens funcionários seduzidos pelas metrópoles. MARIANA BARROS Em junho de 2011, quatro meses antes de morrer, Steve Jobs fez o que seria sua última aparição pública. No encontro, estavam presentes o prefeito da pequena cidade de Cupertino, onde fica a sede da Apple, membros do Conselho Municipal e integrantes do escritório Foster + Partners, liderado pelo premiado arquiteto inglês Norman Foster. A pauta da reunião girou em torno da aprovação do projeto de construção de uma nova sede da empresa na cidade. Desenhado por Foster ao longo de dois anos, o edifício agora tem previsão de ser entregue em 2016. Será abastecido por fontes renováveis de energia com uma das maiores instalações de painéis voltaicos, para captar energia solar, e ventilação natural. Na forma de um imenso anel de 464 metros de diâmetro, ele lembra uma nave espacial pousada no meio do nada. Os geeks, em geral, nunca fizeram questão de mostrar grande preocupação com a arquitetura ou com a moda. O próprio Jobs passou a vida usando a mesma combinação de calça jeans, camiseta preta e tênis. Assim, por valias décadas, os gigantes da tecnologia pouco se importaram com a forma de seus edifícios. Pareciam não ter tempo a perder com isso quando havia tantas ideias para desenvolver. A obsessão pela forma se restringia ao desenho dos produtos. Nos últimos anos, porém, o panorama mudou. Além da contratação de Foster pela Apple, Facebook, Google e Amazon recorreram a profissionais estrelados para desenhar novos espaços de trabalho, numa espécie de corrida maluca por prédios de arquitetura mirabolante. A tarefa de criar um edifício para o Facebook ficou a cargo do canadense e ultrapremiado Frank Gehry. Ele e Foster são vencedores do prêmio Pritzker, espécie de Nobel da arquitetura. No megacomplexo proposto, telhados ajardinados camuflarão uma área para 10.000 funcionários. Gehry deve entregar ainda os escritórios do Facebook em Dublin e em Londres. Já o Google contratou o NBBJ, fundado em Seattle e com filiais nos Estados Unidos, na China, na Índia e na Inglaterra. A ideia é integrar os diversos prédios da companhia na cidade de Mountain View. Ao contrário das empresas que decidiram iniciar um edifício do zero, o Google optou por uma reforma capaz de integrar os edifícios já utilizados atualmente. Também sairá das pranchetas do NBBJ a nova sede da Amazon, em Seattle. Três esferas de vidro, que lembram bolhas de sabão gigantes, serão cercadas por três torres de superfície espelhada. O desejo de provocar impactos estéticos não é a única razão dessa série de novas obras encomendadas pelas companhias de tecnologia. Por trás dos investimentos, há um esforço em tornar as cidades em que estão baseadas mais interessantes aos olhos da juventude que compõe a sua preciosa mão de obra e que ultimamente tem preferido se estabelecer em outras freguesias. Cupertino, por exemplo, onde pousará o Apple Campus 2, é um dos municípios do Condado de Santa Clara, parte do Vale do Silício, região da Califórnia onde estão as empresas do setor. Sua população, de 58.000 habitantes, é equiparável à de Penápolis, a 480 quilômetros da capital paulista. Seria mais uma cidade interiorana, não fosse pelo poderoso ativo de ter a Apple em seu território. O mesmo enredo se repete com Mountain View, que abriga o Google e tem o tamanho de Arujá (74.000 habitantes), ou Menlo Park, onde está o Facebook e que é equiparável a Cravinhos (32.000 habitantes). Todos esses municípios oferecem enormes bolsões de estacionamento para os funcionários das empresas e linhas de ônibus para transportá-los. São cidades que acabaram por abrigar apenas um segmento da economia, assim como Detroit, hoje um exemplo pouco animador. Historicamente voltada à indústria de automóveis, Detroit não dispunha de condições para o surgimento de outros tipos de empresa que poderiam ter servido de contraponto quando o modelo automobilístico entrou em declínio. A origem do Vale do Silício, porém, é bem diferente da de Detroit. Ele surgiu em torno de uma universidade, Stanford, onde se graduaram líderes como os fundadores do Google. Isso, somado ao foco em tecnologia, faz com que a região atraia constantemente gente jovem e de boa formação. O dilema que ocorre agora tem a ver com o estilo de vida da geração do milênio, nascida entre 1980 e 1990, que compõe a maior parte da força de trabalho da região. Estudiosos como o crítico de arquitetura Paul Goldberger dizem que, ao contrário de seus pais, que almejavam uma casa num subúrbio pacato, esses jovens têm predileção pelo cotidiano frenético (e também mais divertido) das metrópoles, mesmo quando já iniciaram a própria família. Isso explica por que São Francisco, a cerca de uma hora de distância de diversos pequenos municípios do Vale do Silício, se tornou o local de residência mais disputado pelos promissores talentos da tecnologia. Sua vida cultural fervilhante permite uma rotina bem mais animada do que nas cidadezinhas do Vale, ainda que o preço a pagar por ela seja alto. O aluguel médio de um apartamento de dois dormitórios em São Francisco está em 3250 dólares, e a média das casas à venda alcança 850.000 dólares, o que faz da cidade uma das mais caras do país. Ainda assim, a exemplo da juventude americana, empresas de mídia social como Twitter e Pinterest preferiram fincar raízes em São Francisco a optar por um município menor no Vale do Silício. Criado em 2006, o Twitter anunciou planos de expansão em 2011, abastecendo boatos de que migraria para outra cidade e seguiria o mesmo script das outras, com um convite para que um arquiteto renomado desenhasse a nova sede. Em vez disso, a empresa decidiu não apenas ficar em São Francisco como ocupar um pedaço degradado, recebendo isenção de impostos como contrapartida. Escolheu um edifício construído em 1937 na Market Street, a alguns quarteirões da prefeitura, para onde se mudou em junho de 2012, junto com dezesseis empresas. De lá para cá, o entorno sofreu um intenso processo de valorização, com uma série de novos empreendimentos e reformas. Movimento semelhante foi feito pela Amazon, baseada no centro de Seattle desde sua fundação, há quase vinte anos. Quando anunciou a criação da nova sede, reafirmou a escolha de permanecer no centro da cidade. Além da diversidade cultural, a questão do meio de transporte pesa na equação que faz das metrópoles os locais mais visados pelos jovens da tecnologia. A geração do milênio não vê glamour em dirigir o próprio carro — pelo contrário, enxerga no automóvel um vilão ambiental. Por causa disso, confortáveis ônibus com wi-fi a serviço das companhias transportam diariamente os funcionários das vilas corporativas para São Francisco. Por mais modernas que se tornem as sedes da Apple e do Facebook, elas continuarão dependendo de rodovias e de enormes estacionamentos, problemas que Amazon e Twitter, por estarem em grandes centros, não têm. Cerca de 15% dos funcionários do Twitter vão para o trabalho de bicicleta. No Brasil, arquitetos estrelados no cenário mundial concentram sua produção nas grandes metrópoles. A região do Porto Maravilha, zona portuária degradada do Rio de Janeiro, receberá uma série de empreendimentos e obras viárias. Estão previstos um edifício projetado por Norman Foster, o arquiteto da Apple, e uma gigantesca obra do espanhol Santiago Calatrava, o Museu do Amanhã. No lugar de um píer desativado, Calatrava concebeu uma estrutura cujo telhado se movimenta como asas e capta energia solar. A água da Baía de Guanabara servirá para climatizar o interior. Em Copacabana, a iraquiana Zaha Hadid, a primeira mulher a receber o Pritzker, fará o projeto de um hotel seis-estrelas que ocupará o último terreno sem prédio da Avenida Atlântica. É uma parceria entre os empresários Omar Peres e Germán Efromovich, dono da Avianca. Em São Paulo, outro vencedor do Pritzker, o francês Jean Nouvel, aliou-se ao escritório brasileiro Königsberger Vannucchi para criar um complexo com hotel, lojas, teatro de ópera e cinemas no subterrâneo do antigo Hospital Umberto Primo, a poucos metros da Avenida Paulista. Nos três casos, as megaobras estão localizadas em zonas servidas de boa infraestrutura. A do Porto Maravilha contribuirá ainda para um processo de revitalização do centro do Rio. Em vez da criação de edifícios de outro planeta em cidades interioranas, como permite a pujança econômica dos gigantes da internet, no Brasil, a escassez de recursos levou a outro desafio: encontrar maneiras de reaproveitar o que já existe e usar a fórmula para reverter cenários de degradação. O futuro dirá qual foi a melhor escolha. 6#5 ARMAS – A “ARMA DA LIBERDADE” Assim os comunistas soviéticos apelidaram o Avtomat Kalashnikova modelo 1947, o AK-47, cujo criador morreu, aos 94 anos, pregando o controle de armas para civis. DUDA TEIXEIRA O russo Mikhail Kalashnikov, criador do fuzil de assalto que leva seu sobrenome, morreu aos 94 anos, na cidade de Izhevsk, na segunda 23. Ao falar sobre sua vida, ele frequentemente entrava em contradição, o que levantava dúvidas sobre sua sinceridade. ''Culpem os nazistas por terem me transformado em um projetista de armas", disse ele em um evento para festejar os sessenta anos da arma, em 2007. Sargento do Exército Vermelho, ele abandonou o campo de batalha da II Guerra Mundial para tratar de um ferimento no ombro, causado quando seu tanque foi alvejado. Foi então que teve a ideia de criar um fuzil mais eficiente para retaliar os nazistas. Isso é metade da história. Findo o conflito, em 1945, os soviéticos vasculharam o pedaço oriental da Alemanha que ficara sob seu comando e buscaram os melhores engenheiros bélicos nazistas. Entre eles estava Hugo Schmeisser, que desenhou o fuzil Sturmgewehr 44, usado então pela infantaria nazista. Schmeisser trabalhou na mesma fábrica de Kalashnikov. Os dois fuzis, o Kalashnikov, ou AK-47, e o Sturmgewehr, ou MP-44, são incrivelmente parecidos. O alemão ajudou o soviético? "Eu lhe dei alguns conselhos", confessou Schmeisser. Da influência do nazista, pouco se fala. Do empenho dos demais projetistas que trabalhavam com Kalashnikov, quase nada. Embora tenha sido creditada a ele pelas autoridades a invenção do fuzil, seu papel foi chefiar um time que durante seis anos testou e aprimorou a arma em sucessivos testes. A criação, portanto, não resultou das elucubrações de um único homem, mas é assim, a partir das incongruências em sua história, que melhor se pode entender esse personagem. Em 1930, sua família foi deportada para a cidade de Tomsk, em meio à coletivização forçada das terras promovida pelo ditador Stalin. O pai pereceu no primeiro inverno. Mesmo assim, Kalashnikov sempre admirou o tirano. "Eu nunca o conheci pessoalmente, o que é algo que lastimo", dizia. Sua lealdade nunca esmoreceu. Com perto de 100 milhões de fuzis produzidos no mundo, incluindo as versões aprimoradas e as pirateadas, o AK-47 matou mais do que as duas bombas atômicas. Confrontado com esse poderio letal, Kalashnikov se lamentava: "Essa é uma arma de defesa. Não é para atacar". O objetivo primordial era proteger as fronteiras da União Soviética, mas foi essa mesma pátria que viu na arma uma maneira de conter a influência americana em países diversos e com distintos climas. O fuzil não precisava de manutenção cuidadosa e podia ser empregado na selva ou na neve, sem travar. Simples de usar, coube facilmente na mão de crianças-soldado. Participou de massacres étnicos, de atentados terroristas e de carnificinas. Diversas nações desenvolveram modelos próprios, copiando o AK-47. O sucesso, porém, não foi revertido em royalties para o criador, que mais tarde tentou compensar o infortúnio com a venda de seu nome para guarda-chuvas, garrafas de água mineral e de vodca. Nos últimos anos, ele pedia aos visitantes que não o retratassem mais tarde como um homem pobre. 6#6 GENTE JULIANA LINHARES. Com Raquel Carneiro e Thaís Botelho DEPENDENTE, SIM Ela fez 40 anos, é apresentadora de TV desde os 13 e a primeira a dizer que não sabe viver de outro jeito. "Eu piro se sair da televisão." Mais do que uma daquelas frases de efeito que os famosos adoram, no caso de ANGÉLICA essa é quase literal. Quando tinha 29 anos e ficou um ano na geladeira da Globo, sem programa e sem plateia, chegou a desenvolver sintomas de síndrome do pânico. Nada indica, porém, que tão longeva relação esteja agora ameaçada. Embora ela tenha aberto um salão de beleza com o cabeleireiro e amigo do peito Celso Kamura, a dedicação exclusiva ao ramo não está nos planos da apresentadora, que renova neste mês seu contrato com a Globo. Incansável, como se vê nas fotos da revista BOA FORMA deste mês. POR CIMA DA CARNE ASSADA 2013 foi um ano amargo para a cozinheira inglesa NIGELLA LAWSON. A agressão física (e pública) perpetrada pelo arquimilionário Charles Saatchi, seu então marido, culminou num divórcio pavoroso que reverberou até novembro, quando ele, já na condição de ex, espalhou que ela seria viciada em cocaína. Agora, porém, esplendorosa como sempre e elogiada pelo premiê inglês David Cameron, que a cobriu de louvores em uma entrevista, ela ressurge na nova temporada de The Taste, o programa de TV que julga aspirantes a chef. Sobre o casamento de dez anos, sabe-se que não foi exatamente um mar de muffins. Nigella, que se diz obcecada por "alimentar os outros" ("Até o sujeito que arruma meu aquecedor sai de casa com um embrulhinho"), viveu por dez anos com alguém que não via graça em comer e dizia para quem quisesse ouvir que não gostava de suas receitas. 2014 será mais doce. PRONTA PARA O SHOW Com 1,05 metro de pernas, o que dá 60% do seu 1,74 metro de altura, PATHY DEJESUS já foi atleta (competiu nos 100 metros rasos) e modelo. Na última função, ganhou o sobrenome amalgamado, já que o original, diziam os agentes de Nova York, fazia com que os clientes achassem que ela era mexicana. "Pronunciavam 'de Resus'. A agência tinha de corrigir e avisar que eu era brasileira." Depois de passar uma temporada como VJ da extinta MTV, ela se prepara para estrear como repórter do Vídeo Show. Diz estar pronta para a fama e também para as críticas, às quais já foi apresentada no ano passado, quando muita gente se mostrou inconformada com o fato de ela alisar as melenas. "O cabelo é um adorno. O que eu faço com ele não me deixa menos preta", desdenha. Se patrulha não é impedimento para Pathy, o marido é. Foi só por causa dele que ela até hoje não arriscou uma experiência com que sonha há tempos: testar o visual carequinha total. A GRACINHA DO CLÃ Na novela das 9, Bruno, o personagem de Malvino Salvador, anda todo triste porque está longe da filha e brigado com a mulher. Já no cinema, o ator vive uma fase animada, preparando-se para interpretar José Aldo, um lutador de MMA manauara. A familiaridade com as lutas vem do tempo em que ele praticou boxe, mas a ajuda da nova namorada, a lutadora de jiu-jítsu KYRA GRACIE, tem deixado tudo mais cor-de-rosa. Kyra é pentacampeã mundial do esporte e considerada a melhor lutadora do mundo. "É difícil pegá-lo. Ele tem os golpes precisos", diz. Não será por falta de ajuda que Salvador fracassará no novo papel: se a namorada se cansar, um paredão de cunhados estará à espera do ator: 90% dos 400 membros do clã Gracie vivem de luta. 6#7 ESPECIAL – A COPA E A COPA NO PAÍS DO FUTEBOL Em 2014, o Brasil do futebol mais vitorioso e festejado do mundo terá encontro marcado com o Brasil que é pereba na infraestrutura, perna de pau na educação, consistente na desigualdade social e matador na corrupção. Nenhum dos dois é uma mentirá, mas, naturalmente, estranham-se no espelho. SÉRGIO RODRIGUES [Sérgio Rodrigues, escritor e jornalista, colaborador do site de VEJA, autor do romance O Drible] A Copa do Mundo que se disputará de 12 de junho a 13 de julho do ano que começa será a mais difícil da história para o Brasil. A previsão de dureza para aquele que o mundo inteiro vê como o "país do futebol" — por ser a única nação pentacampeã e também a única a ter comparecido a todas as edições do evento, desde que um torneio capenga com a presença de quatro escassas seleções europeias abriu a série em 1930, no Uruguai — não leva em conta apenas as chances esportivas da equipe comandada por Luiz Felipe Scolari. Mesmo em uma Copa maiúscula, que contará com a presença de todas as equipes que já levantaram a taça, ninguém seria louco de subestimar o Brasil, muito menos jogando em casa. O prognóstico cauteloso se deve mais a fatores extracampo, que desta vez não poderemos nos dar ao luxo de relegair a segundo plano. Haja o que houver, seja quem for o campeão, existe desde já uma certeza: na Copa do Mundo do Brasil, o Brasil vai se encontrar com o Brasil — o país onde se joga o futebol mais vitorioso e festejado do mundo com o país que é pereba na infraestrutura, perna de pau na educação, consistente na desigualdade social e matador na corrupção. Nenhum dos dois é uma mentira, mas, naturalmente, estranham-se no espelho. Isso torna a Copa de 2014 única: aquela que, mesmo ganhando, corremos o risco de perder. Pela primeira vez, vencer nos gramados não será suficiente. De forma incomparavelmente mais desafiadora do que em 1950, quando o Mundial da Fifa era um certame paroquial comparado à superprodução de hoje, será preciso vencer nos aeroportos, nos hotéis, nos táxis, nas filas diante dos estádios e na segurança — em resumo, na organização — um jogo em que o placar já foi aberto e nos é amplamente desfavorável, com obras atrasadas, promessas que nunca saíram do papel, orçamentos estourados e desculpas estropiadas como a do ministro do Esporte, Aldo Rebelo, ao dizer que nunca viu a noiva chegar à igreja na hora marcada. Ocorre que, se o Brasil bom de bola pode ser escalado no papel de noiva, o país que se ofereceu para sediar a Copa é a própria igreja. Apesar dos percalços, e ainda que haja andaimes no altar, tudo transcorrerá, com alguma sorte, sem maiores problemas. Mesmo assim, o jogo não estará ganho. Será necessário demonstrar ao vivo, diante dos olhos do planeta, que o título de "país do futebol" não é um slogan vazio que uma parcela substancial da população, reunida do lado de fora da igreja com as mãos cheias de pedras em vez de saquinhos de arroz, encara com rancor e desdém, como se não passasse de um artifício publicitário destinado a enganar a massa. Afinal, o futebol brasileiro é algo parecido com aquele surrado clichê marxista, o "ópio do povo", ou sua expressão cultural mais refinada? As duas coisas, claro. Se eliminarmos uma delas, ficará incompleto o país de Deyvid Arnaldo da Silva, 11 anos, nascido e criado em Itaquera, bairro da Zona Leste de São Paulo onde, numa corrida contra o relógio, está sendo construído o estádio em que Brasil e Croácia farão a partida de abertura da Copa. Caçula e único homem entre os quatro filhos de Josinaldo, um asfaltador pernambucano, e da faxineira Rosilda, Deyvid planeja redimir os sonhos futebolísticos frustrados do pai e virar jogador profissional. Para tanto, magrelo e mirrado, joga num campo de terra batida da Rua Professor Leonidio Alegreti, nas cercanias do Itaquerão, o estádio inacabado no qual a queda de um guindaste, em novembro, matou dois operários e arrebentou o cronograma da obra. Deyvid é pobre — quem paga a mensalidade da escolinha que ele frequenta é um tio —, mas sonha alto. Mesmo sem dinheiro para o ingresso, imagina que possa "dar um jeito de entrar no estádio" para ver seus ídolos de perto. Isso ainda é pouco. "Quero ser igual ao Messi, o melhor do mundo", anuncia. Tudo muito improvável. Mas só quem não conhece o Brasil diria que é impossível. Goste-se ou não, é essa complicada equação que dominará 2014. Descartar como mentirosa ou irrelevante qualquer das duas imagens do país — tanto a que a paixão esportiva exalta quanto a que a consciência cívica revela — seria desperdiçar uma oportunidade histórica. Não se viu o quadro completo na exortação que o publicitário Nizan Guanaes, da agência África, publicou na imprensa por ocasião do sorteio dos grupos da Copa, na primeira semana de dezembro: "Agora, danem-se o aeroporto, o motorista que não fala inglês, dane-se tudo. Agora, o que vai imperar é a paixão pelo futebol, e, como sabemos, o amor é cego". Como se os aeroportos brasileiros precisassem de um empurrãozinho para se danar. Pela mesma razão, o escritor e jornalista inglês John Carlin pareceu ingênuo ao declarar sua incompreensão sobre a dinâmica da insatisfação social brasileira no recente artigo que escreveu para VEJA. "Como isso pode acontecer?", espantou-se, acrescentando que, em sua opinião, "não pode haver lugar mais adequado para celebrar a maior festa de futebol do mundo". O ex-craque francês Michel Platini, presidente da Uefa, entidade que controla o futebol europeu, reforçou o coro contra possíveis manifestações contrárias à Copa ao fazer em entrevista à Folha de S.Paulo uma ameaça em que ninguém acreditou: "Se eu tiver de assistir aos jogos ladeado por seguranças, por militares, não virei ao Brasil". Sim, Platini virá e, se for necessário, espera-se que encontre um esquema capaz de lhe garantir, e a todos os participantes, a segurança que a omissão das autoridades negou às vítimas da deprimente pancadaria entre torcedores do Atlético Paranaense e do Vasco da Gama em Joinville, no dia 8 de dezembro, na rodada de encerramento do Campeonato Brasileiro. Desvincular as palavras dos fatos é má política e já havia tornado a presidente Dilma Rousseff alvo de piadas quando, em abril do ano passado, ela tomou nossa autoimagem ufanista como expressão da verdade em seu discurso na inauguração da Arena Fonte Nova, em Salvador, afirmando que "somos um país conhecido por ser insuperável no campo, mas estamos mostrando que somos insuperáveis também fora de campo". A alguns metros de distância, do lado de fora do estádio, uma gigantesca placa de sinalização bilíngue traduzia "saída" por entrace — um erro duplo, pois o correto é entrance e significa "entrada". Repetindo Carlin: "Como isso pode acontecer?". A chance de equalizar o Brasil do sonho e o Brasil da realidade começa pelo reconhecimento de que o "país do futebol", sendo um mito, está longe de ser uma mentira. Para sustentar o argumento político desvairado que ronda muitas conversas pré-Copa — que o esporte mais popular do mundo não passa de uma impostura controlada por uma entidade imperial, a Fifa, para que grandes empresas faturem alto à custa do torcedor ingênuo —, é preciso jogar no lixo a bonita história do futebol brasileiro, uma epopeia que coincide bem demais com a própria evolução política e social do país no século XX (veja na pág. 80). Entre as narrativas de construção da identidade nacional, a que gira em torno da bola e embala os sonhos de meninos como Deyvid da Silva é a mais bem-sucedida, tanto junto ao público interno quanto no concerto das nações. Na galeria de heróis dessa saga podemos destacar os seguintes personagens, em ordem de aparecimento (cada um com seu apelido, como convém a criaturas mitológicas): Arthur Friedenreich, El Tigre; Leônidas da Silva, o Diamante Negro; Pelé, o Rei; Ronaldo, o Fenômeno; e o noviço Neymar, a maior esperança brasileira em 2014, ainda à espera de uma alcunha definitiva em substituição à depreciativa Filé de Borboleta que o técnico Vanderlei Luxemburgo tentou lhe pespegar. Todos negros ou mestiços, não fosse essa uma narrativa de ocupação de espaços por jogadores pobres e de como eles talharam na pedra bruta de um jogo europeu a feição cheia de surpresas e linhas sinuosas que o mundo reverencia como a "escola brasileira" — aquilo que o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, em artigo escrito em 1971 sob o impacto do tri, chamou de "futebol de poesia" em oposição ao "futebol de prosa" dos europeus. É inegável que os amantes do esporte espalhados pelo mundo tendem a mitificar a época de ouro da seleção brasileira, como se nossos grandes craques do passado fossem seres sobrenaturais que nunca erravam um passe, e contra esse ideal inatingível julgam com severidade excessiva os jogadores atuais. Também é óbvio que tal mito foi construído historicamente em jornadas vitoriosas que pela primeira vez levaram críticos insuspeitos, como o historiador inglês Eric Hobsbawm, a promover o futebol — só um jogo, ora — à categoria de expressão artística. Sim, estamos falando da principal contribuição estética que o Brasil deu ao mundo, segundo o próprio mundo, com a música popular garantindo honrosamente o vice-campeonato. Tudo isso pertence à esfera da lenda, mas vale lembrar a lição de Joseph Campbell, o grande mitólogo americano: "Os mitos dão pistas das potencialidades espirituais da vida humana". Quando uma expressão cultural se entranha a tal ponto na bagagem coletiva de um povo, como ocorreu com o futebol no Brasil, é preciso tratá-la com respeito. A pista sobre quem somos de fato, naquele espelho metafórico que a Copa do Mundo erguerá diante de nós, pode muito bem estar à vista de todos no traço mais decantado de nosso estilo: o improviso, a recusa do planejamento, a solução encontrada de estalo. A mesma característica que faz do jogador de futebol um craque e do administrador, um cabeça de bagre. O Brasil é um só, afinal. O SONHO DIANTE DO ITAQUERÃO Deyvid Arnaldo da Silva, de 11 anos, nascido e criado em Itaquera, bairro da Zona Leste de São Paulo onde se constrói o estádio em que Brasil e Croácia farão a abertura da Copa, tem um sonho alimentado nas peladas de terra batida: "Ser igual ao Messi, o melhor do mundo". Improvável, mas só quem não conhece o Brasil diria que é impossível. A ESCOLA BRASILEIRA Arthur Friedenreich, El Tigre; Leônidas da Silva, o Diamante Negro; Pelé, o Rei; Ronaldo, o Fenômeno; e o noviço Neymar, a maior esperança brasileira em 2014, ainda à espera de uma alcunha definitiva em substituição à depreciativa Filé de Borboleta que o técnico Vanderlei Luxemburgo tentou lhe pespegar. QUEM VAI DRIBLAR OS BLACK BLOCS? "Se eu tiver de assistir aos jogos ladeado por seguranças, não virei ao Brasil", disse o ex-craque francês Michel Platini, presidente da Uefa. Sim, ele virá e é muito provável que depare com manifestações como as de junho passado, durante a Copa das Confederações. O PADRÃO FIFA É PIADA A omissão das autoridades deixou sem segurança as vítimas da deprimente pancadaria entre torcedores do Atlético Paranaense e do Vasco da Gama em Joinville, no dia 8 de dezembro, na rodada de encerramento do Campeonato Brasileiro. Dificilmente teremos confusões dentro dos estádios da Copa, mas a sensação de descontrole de um campeonato que terminou nos tribunais é forte e ruim. CRAQUE E CABEÇA DE BAGRE Quando uma expressão cultural se entranha a tal ponto na bagagem coletiva de um povo, como ocorreu com o futebol no Brasil, é preciso tratá-la com respeito. A pista sobre quem somos de fato, naquele espelho metafórico que a Copa erguerá diante de nós, pode muito bem estar à vista de todos no traço mais decantado de nosso estilo: o improviso, a recusa do planejamento, a solução encontrada de estalo. A mesma característica que faz do jogador de futebol um craque e do administrador, um cabeça de bagre. "SOMOS INSUPERÁVEIS" Dilma Rousseff disse em seu discurso na inauguração da Arena Fonte Nova, em Salvador (na foto, com o governador Jaques Wagner): "Somos um país conhecido por ser insuperável no campo, mas estamos mostrando que somos insuperáveis também fora de campo". Verdade. A alguns metros de distância, do lado de fora do estádio, uma gigantesca placa de sinalização bilíngue traduzia "saída" por entrace — um erro duplo, pois o correto é entrance e significa "entrada. COLABOROU RENATA LUCCHESI 6#8 ESPECIAL – UMA EPOPEIA DE AFIRMAÇÃO Os grandes nomes da história do futebol brasileiro seguem a trajetória clássica do mito: a do homem comum submetido a provações em série, até se impor no epílogo como herói. A mais completa versão da epopeia de afirmação do futebol brasileiro foi escrita em 1947 pelo jornalista esportivo Mário Filho, que anos mais tarde daria nome ao Maracanã. O livro O Negro no Futebol Brasileiro — relançado com acréscimos substanciais em 1964 para incorporar a era Pelé — imprime ao relato jornalístico da popularização de um jogo inicialmente elitista um caráter de luta cultural e racial que guarda paralelos curiosos com outras narrativas de apropriação do esporte por grupos politicamente marginalizados, inclusive nas metáforas musicais. No estilo que nossos jogadores negros e mulatos impuseram ao jogo ríspido nascido na Inglaterra o sociólogo Gilberto Freyre, admirador de Mário, viu "a capoeiragem e o samba". Em seu livro Futebol ao Sol e à Sombra, o escritor uruguaio Eduardo Galeano elogiou o futebol jogado no Uruguai e na Argentina dizendo que "nos pés dos primeiros criollos nasceu o toque: a pelota tocada como se fosse violão, fonte de música". E no jazz esfuziante dos anos 1920-30 o escritor americano Nelson George, autor de Elevating the Game (Elevando o Jogo), identificou o germe do improviso e das variações de ritmo com que os jogadores negros revolucionaram o basquete americano. Não se trata de uma semelhança acidental. Em todos esses casos, o que se conta é menos uma história documentada do que uma parábola de afirmação cultural que pode ser reduzida ao esquema clássico do mito: um homem comum (no caso, uma coletividade) é submetido a provações em série, inclusive passando perto de morrer (o trauma avassalador da derrota de 1950), até se impor no epílogo como herói (a consagração do título mundial). Também não é casual que a primeira edição do livro de Mário Filho tenha vindo à luz nas sombras do Estado Novo: seu nacionalismo tingido de otimismo racial sepultava as teorias eugenistas para exaltar a miscigenação como a contribuição mais original da civilização brasileira. O primeiro capítulo dessa saga corresponde à República Velha, quando o fim da escravidão era notícia ainda fresca e aquele jogo de regras sistematizadas por lordes ingleses branquelos no século XIX entretinha jovens da classe dominante em seus clubes, sendo por isso mesmo desprezado por intelectuais identificados com o povo, como Graciliano Ramos. "Temos esportes em quantidade", escreveu o escritor alagoano em crônica de 1921. "Para que metermos o bedelho em coisas estrangeiras? O futebol não pega, tenham a certeza." Ocorre que, mesmo àquela altura, já tinha pegado. Mulato claro de olhos verdes e cabelo alisado, dado a dribles e chutes de efeito, o paulistano Arthur Friedenreich, filho de um alemão e uma negra brasileira, firmara-se dois anos antes como o primeiro grande ídolo do futebol nacional ao marcar o gol da vitória na final do Campeonato Sul-Americano de seleções contra o Uruguai — a primeira conquista relevante da equipe brasileira. O negro no futebol brasileiro faz de Friedenreich o primeiro herói dessa história, mas a trama de superação de dificuldades exigia mais do que um mulato disfarçado de branco. Coincidindo com a Revolução de 30, começa assim o segundo capítulo, em que o amadorismo hipócrita dá lugar ao profissionalismo e o protagonismo é assumido por um negro incontornável: o carioca Leônidas da Silva, que ganhou a reputação — contestada por alguns — de ter inventado a acrobática jogada chamada bicicleta. Artilheiro da Copa de 1938 e principal jogador da seleção brasileira que ficou em terceiro lugar naquela competição, Leônidas teve sua carreira internacional prejudicada pelo hiato da II Guerra, que engoliu as Copas de 1942 e 1946, mas foi uma espécie de prenúncio de Pelé. O maior de todos os heróis só entraria em cena no papel de redentor após o Maracanazo, que o antropólogo Roberto DaMatta chamou de "talvez a maior tragédia da história contemporânea do Brasil". A consagração de Pelé como rei do futebol, que encerra o livro de Mário Filho em tom ufanista, deixou para seus sucessores — mesmo aqueles dotados de brilho intenso, como Ronaldo e Neymar — o fardo da comparação com gigantes, como se o tempo do mito tivesse chegado ao fim e agora fosse a vez de os simples mortais se virarem como podem. A verdade, porém, é que a bela epopeia do futebol brasileiro ainda está sendo escrita. Em junho começa mais um capítulo. O REDENTOR DO MARACANAZO O maior de todos os heróis, Pelé, só entraria em cena no papel de redentor após o Maracanazo de 1950, que o antropólogo Roberto DaMatta chamou de "talvez a maior tragédia da história contemporânea do Brasil". A consagração de Pelé como rei do futebol em 1958 deixou para seus sucessores — mesmo aqueles dotados de brilho intenso, como Ronaldo e Neymar — o fardo da comparação com gigantes, como se o tempo do mito tivesse chegado ao fim e agora fosse a vez de os simples mortais se virarem como podem. SÉRGIO RODRIGUES ______________________________________ 7# GUIA 1.1.14 7#1 EM 2014, ORGANIZE-SE! 7#2 DIAS MAIS PRODUTIVOS 7#3 CURRÍCULO COM A CARA DO DONO 7#1 EM 2014, ORGANIZE-SE! PRATICAR ATIVIDADE FÍSICA, VOLTAR A ESTUDAR, NUNCA MAIS SE ATRASAR PARA UM COMPROMISSO: ENTRA ANO, SAI ANO, ESSAS PROMESSAS FIGURAM NA LISTA DE RESOLUÇÕES DE ANO-NOVO. E, ENTRA ANO, SAI ANO, POUCAS DELAS SÃO CUMPRIDAS CONFORME O PLANO. SE A IDEIA É DAR UM BASTA NA FALTA DE TEMPO — A DESCULPA-PADRÃO PARA POSTERGAR AS DECISÕES —, OS APLICATIVOS QUE AUXILIAM NA ORGANIZAÇÃO DA ROTINA PODEM AJUDAR A ABRIR ESPAÇO EM AGENDAS CONCORRIDAS. Na década de 40, a psicóloga e engenheira industrial americana Lillian Gilbreth já defendia a tese de que pessoas que não tomam nota de suas tarefas perdem tempo — e ocupam a mente — pensando no que fazer e, portanto, não conseguem cumprir seus compromissos. Ao integrarem recursos como bloco de notas, agenda, fotos e gravação de voz, os aplicativos de organização facilitam desde o acesso a informações rotineiras (como a série de repetições do circuito de musculação ou a lista de compras do mês) até o planejamento de um evento, como as férias da família ou a festa de casamento, em que uma relação de tarefas pode ser compartilhada com outros usuários. A pedido de VEJA, Marcelo Nascimento e Christian Barbosa, especialistas em gerenciamento de tempo e produtividade, avaliaram seis aplicativos que podem ajudar a pôr o dia a dia nos eixos. EVERNOTE As notas podem ser gravadas em formato de texto e trazer fotos, áudio e incluir arquivos anexos. Trata-se de um aplicativo multiplataforma, que pode sincronizar as anotações com o computador, o tablet ou outro smartphone. Na versão gratuita, é preciso acessar a internet para incluir ou editar notas. Já a versão paga, o Evernote Premium, permite baixar cadernos para o celular para consulta off-line, além de oferecer maior capacidade de envio de dados para a nuvem — que passa de 60 MB (o equivalente a 140 notas com fotos em baixa resolução) para 1 GB por mês. Ponto forte: a busca por anotações é simples, pois é possível utilizar marcadores que facilitam a pesquisa por palavras-chave Ponto fraco: alguns usuários reclamam que a última atualização deixou o aplicativo mais lento Preço: a versão mais simples é grátis. Quem preferir a Premium pagará 10 reais por mês ou 90 reais por ano Disponível para: iOS, Android e Windows Phone GOOGLE KEEP Simplicidade é a marca do Google Keep, que permite ao usuário criar rapidamente a lista de tarefas, fazer anotações e capturar imagens. Sua sincronização com o Google Drive, serviço que salva na nuvem arquivos e documentos de diversos formatos, facilita o acesso aos dados pela internet. Na versão para Android, é possível registrar as anotações em áudio. Ponto forte: facilidade no manuseio Ponto fraco: não permite ao usuário incluir em suas notas a duração de cada atividade. É preciso, portanto, atenção redobrada para que o dia não se transforme numa gincana de compromissos Preço: grátis Disponível para: Android SPRINGPAD Cria listas por categoria e atividade, o que possibilita anotar receitas, filmes para ver, contatos e compromissos. Pode ser acessado de qualquer plataforma, desde que se esteja on-line, e permite marcar sites para leitura posterior. Ponto forte: a organização por categoria agiliza a pesquisa Ponto fraco: o conteúdo é todo em inglês Preço: grátis Disponível para: iOS, Android e Windows Phone (neste, com o nome de Notes) TOODLEDO Permite criar diversos tipos de lista e tem recursos como pesquisar, classificar e detalhar as atividades, o que facilita visualizar os compromissos do dia. Possibilita acompanhar as prioridades, bem como a duração e o andamento das tarefas. Ponto forte: a "hotlist", uma relação dos compromissos mais importantes na agenda Ponto fraco: o conteúdo é todo em inglês Preço: 3,99 dólares Disponível para: iOS WUNDERLIST Tem interface intuitiva e é multiplataforma, o que facilita o acesso aos dados por meio de qualquer dispositivo. As tarefas podem ser separadas por tópicos (como pessoal, trabalho, filmes para ver e lista de desejos), e a sincronização pela nuvem é automática. Também é possível customizar a aparência do aplicativo: pode-se, por exemplo, escolher uma foto pessoal como fundo de tela. Ponto forte: a versatilidade, pois pode ser acessado por meio do celular, tablet, computador e leitor eletrônico Kindle Ponto fraco: não permite incluir a duração de cada atividade Preço: grátis (versão de entrada) ou 4,99 dólares por mês (versão Pró) Disponível para: iOS, Android e Windows Phone REMEMBER THE MILK O usuário pode separar as listas de tarefas por categoria, como estudo, pessoal ou trabalho, e ainda distinguir a visualização das atividades por prazos. Há também os recursos de impressão e de adição dos compromissos ao calendário do Outlook, da Microsoft. Na versão Pró, envia lembretes para o celular ou o tablet Ponto forte: variedade de recursos Ponto fraco: só funciona on-line Preço: grátis (versão básica) ou 25 dólares por ano (Pro) Disponível para: iOS, Android e Windows Phone (neste, com o nome de WinMilk) 7#2 DIAS MAIS PRODUTIVOS Quem nunca desejou dias mais longos depois de atestar que seus compromissos diários não caberiam em 24 horas? A solução para acabar com a correria pode estar em duas palavras: disciplina e planejamento. Para Christian Barbosa, especialista em administração de tempo e produtividade, o primeiro passo é aceitar que o problema para gerenciar o tempo existe e mudar de hábitos. Quem não se adaptar aos aplicativos poderá registrar as tarefas em um único local, para centralizar as atividades e não se perder. "As pessoas têm mania de programar o dia seguinte, o que é um erro. O ideal é planejar três dias adiante. Assim, tem-se uma visão ampliada das atividades, o que aumenta a flexibilidade e permite antecipar-se ao que pode virar urgente", explica Barbosa. Veja, a seguir, outras dicas do especialista para ter dias mais produtivos • Escolha a ferramenta para centralizar todas as anotações sobre suas tarefas. Pode ser um aplicativo de organização, uma agenda impressa ou um software instalado no computador • Priorizar as atividades é fundamental para que a pessoa organize seus compromissos e não deixe tarefas mais importantes e urgentes para trás • Deixe as atividades mais trabalhosas para as horas em que se sente mais produtivo. Para grande parte dos brasileiros, esse período é o da manhã • Estipule horários para ler os e-mails. O ideal é acessá-los pela manhã e checá-los, no máximo, cinco vezes ao dia, para não perder o foco das outras atividades • Não preencha todos os horários da agenda; tente reservar parte do tempo para administrar as inevitáveis urgências • Habituar-se a administrar o tempo demora entre cinco e seis semanas. Por isso, seja persistente e não desista. 7#3 CURRÍCULO COM A CARA DO DONO No mês passado; a rede social Linkedln divulgou as palavras mais populares em 2013 entre seus mais de 250 milhões de usuários para se definir profissionalmente. O termo que lidera em destaque no perfil dos profissionais em todo o mundo é "responsável". Veja como ficou o ranking para os brasileiros: 1º Responsável 2º Estratégico 3º Multinacional 4º Dinâmico 5º Organizacional 6º Especialista 7º Criativo 8º Eficaz 9º Inovador 10º Competitivo Mas, para se diferenciar profissionalmente, não basta eleger uma ou outra descrição: é preciso exemplificar suas capacidades por meio de ações e resultados. "Se o profissional é inovador, deve descrever o projeto do qual participou e os resultados obtidos, demonstrando sua conquista", aponta Osvaldo Barbosa de Oliveira, diretor-geral do Linkedln Brasil. Há também outras maneiras de valorizar características pessoais. As tão prezadas disciplina e organização, por exemplo, aparecem na forma como o profissional elabora seu currículo, na foto escolhida, na concisão ao descrever suas qualidades. "Priorize as cinco principais habilidades e enumere os prêmios ou cursos mais relevantes de sua carreira", recomenda Oliveira. CHRISTYE CANTERO E DANIELA MACEDO daniela.macedo@abril.com.br __________________________________ 8# ARTES E ESPETÁCULOS 1.1.14 8#1 MÚSICA – O FINO DA FOSSA 8#2 LIVROS – SABOR DA HISTÓRIA 8#3 CINEMA – A ÚLTIMA CEIA 8#4 CINEMA – PARA DERRETER CORAÇÕES GELADOS 8#5 MEMÓRIA – BREGA COM ORGULHO 8#6 VEJA RECOMENDA 8#7 OS LIVROS MAIS VENDIDOS 8#8 J.R. GUZZO – CONTANDO COM A SORTE 8#1 MÚSICA – O FINO DA FOSSA Na década de 70, os artistas que cantavam tragédias suburbanas e amores infelizes eram tidos como cafonas. Hoje, esse gênero chama-se, com muito orgulho, brega. SÉRGIO MARTINS Cafonas, cafonas, cafoooonaaas! Em meados dos anos 1970, esse era o termo usado para desqualificar todo artista popular que não pertencesse ao círculo da MPB intelectualizada (ou, pelo menos, todos que não se chamassem Roberto Carlos). Cafonas eram as baladas doídas de Odair José, Fernando Mendes e Reginaldo Rossi (o chamado "rei do brega", morto em 20 de dezembro, aos 69 anos, de câncer de pulmão), que falavam de empregadas, meninas de cadeira de rodas e bêbados. Cafonas eram os bolerões dramáticos de Waldik Soriano e Nelson Ned, com seu estilo "estoura-peito" de interpretação. Cafona era Sidney Magal, que temperou o estilo exagerado com um toque de latin disco. E cafona era o sambão jóia e balançado de Benito di Paula e Luiz Ayrão. Hoje a palavra empregada para caracterizar esses cantores é outra. Embora pertencessem a diferentes escolas musicais, todos foram acondicionados num único — e pejorativo — rótulo: brega. Originalmente, brega é o nome que se dava, no Nordeste, às casas que abrigam moçoilas desinibidas e rapazes em busca de uma noite de amor sem compromisso. A trilha sonora desses estabelecimentos exigia o romantismo mais popular. Os cantores do gênero, portanto, começaram a ser chamados de "bregas". A palavra acabou abrangendo tudo o que é de mau gosto. Nos últimos dez anos, porém, o brega — o gênero musical — passou por uma reavaliação. Seus expoentes ganharam até uma aura cult. "Os universitários antes odiavam a minha música. Hoje, uma das minhas principais fontes de renda são festas de faculdades", diz Magal, que, aos 60 anos e 110 quilos, mantém o carisma de sex symbol. O melhor arrazoado já feito sobre o brega é Eu Não Sou Cachorro, Não, livro de Paulo César de Araújo, mais conhecido como autor de uma biografia de Roberto Carlos que estamos proibidos de ler. O historiador baiano é tão enfronhado no movimento que até hoje se lembra da música que tocou na primeira vez que visitou um brega (o estabelecimento, bem entendido): Cadeira de Rodas, de Fernando Mendes. Araújo desmontou a ideia de que a música brega era, como se dizia na década de 70, "alienada": seus artistas falaram de política e problemas sociais e foram tão censurados quanto Chico Buarque e Caetano Veloso. O desprezo pela canção popular — ou popularesca, como preferem alguns — tem certo preconceito de classe: em geral, seus intérpretes são de origem humilde e têm pouca escolaridade. Musicalmente, o brega não cultiva nem a tradição, nem a modernidade. "Não é de raiz, como o samba. E não tem a sofisticação da bossa nova. O ouvinte de MPB tende a rejeitar as canções que não obedecem a esses dois estilos", diz Araújo. Conhecido por sofridas exaltações a prostitutas e domésticas e por uma canção que pedia para a mulher deixar de tomar a pílula anticoncepcional, o goiano Odair José, 65 anos, é um ouvinte atento dos Beatles e do cantor americano Neil Diamond. Parte de sua respeitável discografia acaba de ser recuperada na caixa Quatro Tons de Odair José, que compila álbuns lançados entre 1972 e 1975. O cantor criou até um daqueles discos "conceituais" que foram moda no período. O Filho de José e Maria, de 1977, é uma versão bem particular da vida de Jesus Cristo — chega até a questionar sua sexualidade na música O Sonho Terminou. "Eu queria que Ney Matogrosso a interpretasse", diz o autor. Odair José lançava discos pela mesma gravadora que Roberto Carlos, a CBS. Certo dia, ao mostrar Vou Tirar Você Desse Lugar (o lugar, você adivinhou, é um brega) a um executivo da companhia, recebeu uma reprimenda moralista. "Ele me disse: 'O Roberto canta Eu Te Darei o Céu e você vem com uma música sobre uma prostituta'", lembra Odair José. O compacto com Vou Tirar Você Desse Lugar disparou para o primeiro lugar da parada. E Odair acredita que sua música teve influência sobre o cantor que queriam lhe impor como modelo: "Minhas letras atrevidas motivaram Roberto e Erasmo Carlos a fazer canções adultas". O mineiro Fernando Mendes, de 63 anos, está alguns patamares abaixo de Odair José em prestígio junto à crítica musical que busca reavaliar o brega. Mas foi também um sucesso espetacular. Seu primeiro hit nas rádios foi A Desconhecida, de 1973. A história da composição é, como o gênero pede, melodramática. Foi uma homenagem a uma menina que vi certa vez na praça da minha cidade natal, Conselheiro Pena. Linda, tinha um cabelo estilo Vanusa. Eu a convidei para dançar, mas ela disse que ia nadar no rio — e morreu afogada", conta Mendes, criador de temas para outras musas sofredoras, como Cadeira de Rodas e Menina do Subúrbio. Menos conhecida (até porque foi censurada), Sádico Poeta é de uma ousadia exemplar: "Eu quero te comer feito antropófago / Sugar teu sangue assim que nem vampiro". Já o ambiente familiar de Sidney Magalhães, o Sidney Magal, não o predispunha à breguice. De classe média, o cantor de Se Te Agarro com Outro Te Mato é primo em segundo grau de Vinícius de Moraes. Magal foi criação do produtor argentino Roberto Livi, que chegou a inventar um passado cigano para sua criatura — cantado no sucesso Sandra Rosa Madalena. Os puristas do brega — sim, eles existem — hesitam em incluir o carioca em seu panteão: sem nenhum parentesco com o sofrimento de Odair José e Fernando Mendes, a música de Magal é dançante. Sua persona artística é um machão que, seguro de si, jamais afunda na fossa. É um brega que não se ouve no brega. Quem diz é o próprio Magal: "Entendo que toquem as músicas do Odair e do Fernando num brega, mas já imaginou um sujeito fazendo amor ao som de Sandra Rosa Madalena?". No auge do sucesso, Magal definiu sua ambição em uma frase: "Quero ser o sábado e o domingo do povo brasileiro". Ainda vale, quando é sábado e domingo, de futebol: Meu Sangue Ferve por Você se transformou em hino das torcidas do Botafogo e da Ponte Preta. Esnobada pela crítica de então, a geração brega dos anos 1970 foi modelar para o showbiz das décadas posteriores. "Eles mostraram como chegar aos ouvidos da massa com melodias simples e bonitas", reconhece Zezé Di Camargo. Entre os sertanejos, Leandro & Leonardo gravaram Cadê Você, de Odair José, e Leonardo cantou A Desconhecida, de Fernando Mendes, em sua carreira-solo. Há ecos do brega até no rock brasileiro contemporâneo. Fernando Catatau, guitarrista do Cidadão Instigado e um dos músicos mais requisitados da nova geração, nunca escondeu seu apreço pelas baladas populares. "São grandes artistas românticos", diz. Os bregas seguem na ativa. Odair José faz uma média de seis apresentações por mês e irá lançar o DVD do show O Filho de José e Maria em março. Fernando Mendes planeja um álbum de duetos. Sidney Magal acaba de gravar um disco de versões de sucessos latinos. "Um dia uma repórter me perguntou por que as pessoas ainda se interessam pelo meu trabalho. Porque meu trabalho é bom, poxa", diz Odair José. Que não se tirem as coisas de proporção: não se encontrará no brega a beleza melódica de Tom Jobim ou a profundidade lírica de um samba de Cartola. O gênero deve seu sucesso à simplicidade de sua música e às letras diretas. Mas este é o fundamento da canção popular em todo o mundo. O brega, sem deixar de ser brega, é o fino. ARISTOCRATAS DO BREGA Nos anos 1970, os cantores que faziam sucesso nas rádios e paradas gostavam de um drama bem derramado: cantavam sobre desprezo — e eram desprezados pela crítica, Os quatro artistas abaixo estão entre os melhores desse gênero tido como de ''mau gosto". SHOW DE 90 CENTÍMETROS - O primeiro sucesso de Nelson Ned foi Tamanho Não É Documento, alusão à sua estatura. Ned levou seus baladões românticos até para o Carnegie Hall. O PAI DO SAMBÃO JOIA - Uday Veloso, o Benito di Paula, fez do piano o instrumento principal de seu samba. Criou sucessos balançados como Charlie Brown. O MACHO ALFA - De chapéu e óculos escuros, Waldik Soriano encarnou a figura do conquistador — que interpretava também fora dos palcos. Seu maior hit é Eu Não Sou Cachorro Não. ACHADO NA RUA - Intérprete de Sorria, Sorria, o cantor Evaldo Braga foi, dizia-se, abandonado pela mãe numa lata de lixo. Suas canções, em geral, falavam de abandono e desprezo. 8#2 LIVROS – SABOR DA HISTÓRIA Além de ser um apurado registro iconográfico, Os Banquetes do Imperador revela, através da gastronomia no Segundo Reinado, episódios de dar água na boca. MARIO MENDES Educado para tentar reproduzir no Brasil — então visto como uma terra selvagem e misteriosa — a pompa e a circunstância esperadas dos soberanos das cortes europeias, dom Pedro II (1825-1891) não apreciava o peso dessa responsabilidade cerimonial e, por isso, desde cedo foi avesso aos grandes bailes e banquetes. Preferia as pequenas recepções e as refeições em família, nas quais costumava satisfazer seu gosto por aves. Mas, ao contrário do avô, o rei dom João VI, que segundo se diz tinha o hábito de carregar coxas assadas de frango nos bolsos da casaca, ele se fartava com a prosaica porém saborosa canja. Por ser o prato favorito de Sua Majestade, ela rapidamente foi alçada ao status de sopa do imperador ou — como mandava a supremacia da cultura francesa na época — potage à la volaille e canja à la brésilienne (a versão nativa de uma receita original indiana). Esse delicioso aperitivo abre Os Banquetes do Imperador, de André Boccato e Francisco Lellis (Senac São Paulo; 447 páginas; 199,90 reais), um apetitoso misto de registro iconográfico e inventário dos hábitos gastronômicos no Brasil do Segundo Reinado (1840-1889). A partir de 130 cardápios selecionados entre os 780 que restam da coleção doada pelo imperador à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, os autores não só revelam o paladar e os costumes da corte à mesa — uma fusão dos serviços à russa e à francesa — como investigam as influências europeias na gastronomia nacional, falam dos primeiros livros de culinária publicados no país e contam sobre os principais restaurantes, cates, padarias e banqueteiros na capital do império. Há também algumas receitas, devidamente reproduzidas com a ortografia da época. Na verdade, o imperador estava longe de ser um gourmet, mas o colecionismo era algo praticado com afinco pelas pessoas cultas no século XIX. Assim, os cardápios recolhidos por ele e pela família real — sobretudo a imperatriz Teresa Cristina, a princesa Isabel e a condessa de Barral, sua amiga muito próxima — em navios e hotéis durante suas viagens (ao todo foram quatro grandes expedições com comitivas de cerca de 200 pessoas cada uma) e nos eventos oficiais representam a admiração da nobreza pelo material impresso. A maioria dos cardápios brasileiros (ou "abrasileirados", como preferem os autores) foi pré-impressa na Europa ou nos Estados Unidos. As gráficas cariocas apenas aplicavam neles o nome dos pratos. Somente nos últimos anos do reinado passaram a ser inteiramente confeccionados no país. É curioso notar que quase nenhum deles traz referências à comida em suas ilustrações elaboradas — temas pastorais, exóticos ou alegorias mitológicas, conforme ditava a moda europeia. Entre uma galantine de jacu, um angu de quitandeira e uma feijoada — ou fejuade —, há duas licenças poéticas. Ou melhor, políticas: o Banquete Apoteose Abolicionista e o Baile da Ilha Fiscal. Ao primeiro, a família real não compareceu, e o segundo, por razões óbvias — foi realizado apenas seis dias antes da proclamação da República —, ficou fora da coleção. Decorado com franjas nas cores das bandeiras do Brasil e do Chile, o país homenageado da noite, o cardápio do Baile da Ilha Fiscal mostra que os convidados degustaram jacutinga et pigeons sauvages à la Guanabara, e brindaram com vinhos como Château d'Yquem e Lacrima Christi. Um bom resumo, enfim, da desajeitada harmonização entre a brasilidade afrancesada e as aspirações de um império tropical que ansiava por se imaginar menos provinciano. NACIONALISMO NA COZINHA IMPERIAL Pudim de Tapioca Ferve-se uma garrafa de leite com pão de canella, que se tira logo que tenha o aroma, ajunta-se meia libra de tapioca que se deixa amolecer no leite, juntam-se depois dois ovos, um pouco de manteiga; deita-se n'uma forma barrada de manteiga e cozinha-se em banho-maria por espaço de meia hora. D. Anna Corrêa, A Doceira Doméstica — 1876 8#3 CINEMA – A ÚLTIMA CEIA Meryl Streep sobe o tom como a mãe megera de Álbum de Família, mas seus parceiros de cena estão impecáveis. ISABELA BOSCOV Mal se pode qualificar como metafórico o câncer na boca de Violet Weston: foi pela língua que, durante décadas, escorreu a represa de veneno que a agora velha e frágil — fisicamente, apenas — Violet (Meryl Streep) contém em si. Não há maneira de menosprezar, humilhar e chantagear suas três filhas que Violet não conheça. A amarga Barbara (Julia Roberts), a cordata Ivy (Julianne Nicholson) e a patética Karen (Juliette Lewis) não bastam, porém, para saciar sua necessidade de ferir: no decorrer de Álbum de Família (August: Osage County, Estados Unidos, 2013), Violet vai dirigir seus terríveis abusos verbais e psicológicos contra todos os outros personagens — à exceção de sua irmã, Mattie Fae (Margo Martindale), que herdou uma habilidade comparável à dela para envenenar. Ver Violet atacando seu cunhado bom-caráter, Charles (Chris Cooper), ou seu sobrinho tímido, Little Charles (Benedict Cumberbatch), é como ver um leão rasgando a garganta de um filhote de antílope: os meigos e indefesos não têm a menor chance contra essa mulher predatória, mas também mal a divertem ou abatem seu apetite. É contra presas maiores, que revidam, que Violet gosta de se medir. E é justamente a perda de sua vítima de longa data, o marido Beverly (Sam Shepard), a razão para a belicosa reunião familiar que dá mote ao filme que desde sexta-feira está em cartaz — reunião durante a qual Violet e Barbara, em particular, vão partir uma para cima da outra com desejo assassino. Adaptado pelo dramaturgo Tracy Letts de sua peça homônima, Álbum de Família preserva para o bem e para o mal suas origens teatrais: assim como o câncer de Violet, que faz sua língua queimar e que ela usa como pretexto para a indulgência num antigo vício em analgésicos (o qual, por sua vez, é sua eterna desculpa para seu descontrole), não há elemento no roteiro que seja só um fato ou um dado — tudo é o que é e também o que simboliza. Por exemplo, a silenciosa Johnna (Misty Upham), a empregada cheyenne à volta da qual Violet gosta de fazer comentários atrozes sobre os índios: as planícies de Oklahoma nas quais os Weston sempre viveram foram um dos mais sangrentos palcos do genocídio praticado contra os indígenas americanos no século XIX e, no entanto, são hoje um dos lugares em que a decadência rural avança mais inexoravelmente. Tanta terra conquistada à força, observa Barbara, e para quê? Também o calor escaldante é uma metáfora da temperatura insuportável da acrimônia familiar, enquanto o suicídio por afogamento de Beverly referencia a insuficiência da bebida em dar conta de sua infelicidade: chegou o momento em que ele precisa de muito mais líquido do que caberia num copo de uísque para afogar as mágoas. As marcas do teatro estão ainda na simetria das relações, no recurso a um evento catalisador que faz eclodir ao mesmo tempo todos os rancores acumulados e, acima de tudo, no histrionismo de Meryl Streep, que irrompe em cada uma de suas cenas como uma Medeia enlouquecida — mas só é realmente eficaz nos momentos em tom menor. Como, por exemplo, no gesto vago mas enregelante com que ela sinaliza seu desprezo pelo sermão que o pastor proferiu no funeral de Beverly, ou na cena em que, fingindo provocar Ivy de brincadeirinha por ela estar apaixonada, revela a opinião crudelíssima que tem da filha. Por outro lado, é essa estrutura teatral que permite a Álbum de Família concentrar em duas horas seu comentário desolador sobre o significado que a família pode adquirir: não uma congregação de indivíduos que se apoiam apesar das divergências, como idealmente se espera, mas uma estrutura montada para que pessoas infelizes possam infligir sua infelicidade sobre outras e assim perpetuá-la geração após geração. Violet e Mattie Fae são as calamidades legadas por uma mãe perversa; Barbara, Ivy, Karen e Little Charles são os frutos arruinados que elas, por sua vez, produziram; e Barbara vai pelo mesmo caminho com a filha (Abigail Breslin) e com o marido (Ewan McGregor). O ponto de vista de Tracy Letts e do diretor John Wells é pessimista — nada no círculo dos Weston será capaz de sobreviver ao flagelo dessa reunião familiar. Mas, não obstante suas irregularidades, o filme exala veracidade e a sensação de algo vivido. Talvez por causa dessa honestidade fundamental que se pressente no texto é que o elenco se mostre quase todo tão excepcional: Julia Roberts, Julianne Nicholson, Margo Martindale, Chris Cooper, Benedict Cumberbatch, Misty Upham — é difícil decidir quem entende melhor seu personagem e o enverga com mais empatia. Meryl Streep ora ombreia com o restante do elenco, ora, em seus acessos de overacting, soa estridente e deslocada nas proximidades dos parceiros de cena mais sutis. Vai ver que Meryl, bem mais generosa do que Violet jamais seria capaz de ser, quis abrir espaço para os colegas. Ou pode só ter errado no tom mesmo. 8#4 CINEMA – PARA DERRETER CORAÇÕES GELADOS Frozen, nova animação da Disney, tem todos os elementos que fizeram o sucesso do estúdio: princesas, magia, romantismo e bichinhos fofos. Só a cantoria atrapalha. A princesa Anna não compreende por que Elsa, sua irmã mais velha, é tão reclusa. A caçula tem a vaga lembrança de que, há muito tempo, Elsa saía do quarto para brincar. Mas então algo mudou. Para agravar a desolação, os pais de Elsa e Anna morrem em um naufrágio, deixando as duas princesas adolescentes sozinhas num imenso palácio. Até que Elsa chega à maioridade e, para ser coroada rainha, deve sair do quarto para uma cerimônia pública. Extrovertida e espontânea, Anna conhece, nas festividades da coroação, um jovem príncipe. Apaixona-se de imediato. Elsa opõe-se ao intempestivo projeto de casamento e, numa explosão emocional, começa a lançar raios congelantes. Em pleno verão, os chafarizes do jardim tornam-se gelo. Eis a razão do isolamento: Elsa tem um poder mágico e não sabe controlá-lo. Vagamente baseado em A Rainha da Neve. conto de Hans Christian Andersen, Frozen: uma Aventura Congelante (Estados Unidos, 2013), novo desenho da Disney que estreia no país no dia 3, tem, nesses momentos iniciais, elementos de magia e tragédia que evocam antigos mitos de maldição. O rei Midas transformava em ouro tudo o que tocava, e a rainha Elsa congela tudo em que põe as mãos. Esse começo é também cheio de encanto visual. Os animadores da Disney fazem o espectador imergir em um deslumbre branco, com todas as variações imagináveis para os cristais de gelo. A partir daí, a história desenvolve-se de forma bastante convencional, mas isso não compromete sua beleza plástica. O convencionalismo tem algo a ver com o fato de este ser um musical: a cada clímax, os personagens soltam a voz numa cantoria estilo Broadway. Também já vimos Anna antes: as qualidades que a tornam tão cativante — o desejo de explorar um mundo às vezes hostil, a generosidade com que se entrega a pessoas que não merecem confiança — são as mesmas da Rapunzel de Enrolados, também da Disney. Elsa foge, e Anna tem de reencontrá-la no alto de uma montanha nevada. Como guia da inexperiente princesa, aparece Kristoff, plebeu rústico cuja única companhia é uma expressiva rena. Olaf, o boneco de neve que não sabe que pode derreter — e cuja voz, em português, é do humorista Fábio Porchat —, faz um bom coadjuvante cômico. Sem aqueles elementos de paródia tão comuns na produção recente (Megamente, Meu Malvado Favorito), Frozen vale-se da velha fórmula Disney: romantismo, bichinhos fofos, final feliz. Mas tudo isso é conjugado de forma bela e agradável. Fora, é claro, a cantoria. JERÔNIMO TEIXEIRA 8#5 MEMÓRIA – BREGA COM ORGULHO Reginaldo Rossi, morto em 20 de dezembro, aos 69 anos, em decorrência de um câncer de pulmão, era a personificação do gênero brega. Sua caracterização não se resumia ao repertório, repleto de historietas sobre bêbados, traições e paixões que doem muito mas jamais se concretizam. O figurino tampouco se limitava às vestimentas, que pareciam ter sido compradas numa liquidação das finadas lojas Ducal. Reginaldo Rossi se assumia como cantor brega, tinha orgulho de ser aclamado "rei" do gênero e o defendia em qualquer oportunidade. "O mundo é brega. Frank Sinatra não morreu cantando Let Me Try Again (Deixe-me Tentar Novamente)?", elaborava. Reginaldo Rodrigues dos Santos nasceu em Coelhos, bairro pobre do Recife, em 14 de fevereiro de 1944. Quando o rock explodiu, nos anos 1960, ele formou o grupo The Silver Jets. Em 1966, já em carreira-solo, compôs O Pão. O sucesso da faixa o credenciou para se apresentar no Jovem Guarda, programa liderado por Roberto Carlos. Quando a moda do rock passou, Rossi se reinventou como cantor romântico. Em 1998, o disco Reginaldo Rossi ao Vivo — Grandes Sucessos, que trazia releituras de suas canções mais famosas (entre elas o hino ébrio-melancólico Garçon), tornou-se um fenômeno de vendas e o reapresentou ao público do Sudeste. Imodesto, Rossi falava de si na terceira pessoa e gostava de se comparar a ninguém menos que Mozart. "Somos do signo de Aquário e compomos músicas audíveis", era sua disparatada explicação. Quem disse que ser brega é ser tristonho? “As minhas músicas tocam no iPod do desembargador e no radinho de pilha do porteiro” SÉRGIO MARTINS 8#6 VEJA RECOMENDA BLU-RAY COLEÇAO JAMES DEAN (WARNER) • No ano de 1955, começando com o lançamento em março de Vidas Amargas, o jovem James Dean cruzou como um cometa o céu de Hollywood — mas nem chegou a tomar conhecimento do fenômeno que viria a ser. Quando seu segundo filme (e aquele que o tornaria um ídolo teen quando esse termo nem sequer existia), Juventude Transviada, estreou, no fim de outubro daquele mesmo 1955, fazia já um mês que ele se espatifara com seu Porsche Spyder numa estrada da Califórnia, aos 24 anos. Um ano depois, seria a vez de seu último trabalho concluído, Assim Caminha a Humanidade, chegar aos cinemas. Três filmes apenas, com três grandes diretores (respectivamente, Elia Kazan, Nicholas Ray e George Stevens), e uma notoriedade que se tem provado eterna e inesgotável: só um carisma e um talento igualmente excepcionais podem explicar algo assim. As provas objetivas estão nesta caixa que agora ganha sua versão em Blu-ray: seja como um rapaz oprimido pelo pai severo nos Estados Unidos da Depressão, como um adolescente incompreendido da década de 50 ou como um trabalhador braçal que faz fortuna com petróleo no Texas, Dean não para de partir o coração de quem assiste a seus filmes. DVD SESSÃO DE TERAPIA — A PRIMEIRA TEMPORADA (BRASIL, 2013. SOM LIVRE) • Há todo tipo de caso e paciente no consultório de Theo (Zécarlos Machado): Júlia (Maria Fernanda Cândido) é uma médica com problemas em estabelecer relacionamentos; a adolescente Nina (Bianca Müller) resiste a tratar uma depressão; e o atirador de elite da polícia Breno (Sérgio Guizé) vive atormentado por ter assassinado uma criança. Há ainda as constantes divergências do casal Ana e João (Mariana Lima e André Frateschi) sobre ter um filho. E, por fim, é Theo quem está à beira de um ataque de nervos e precisa ser ouvido. Adaptação brasileira de um programa israelense, Sessão de Terapia já foi produzida em trinta países (a versão mais conhecida é a americana, com Gabriel Byrne). Exibida pelo canal pago GNT, esta versão nacional apresenta um elenco afiado e atesta a evolução do ator Selton Mello como diretor. DISCO BEYONCÉ (SONY MUSIC) • Apesar da frustrante apresentação no Rock in Rio, 2013 foi o ano de Beyoncé. Ela comandou uma performance inesquecível no Super Bowl, em que se reuniu às ex-parceiras de Destiny's Child; estrelou um documentário na HBO: e foi uma das poucas coisas boas do disco de seu marido, o rapper Jay-Z. No último dia 13 Beyoncé lançou seu quinto álbum de estúdio. Distribuído inicialmente em formato virtual (e já disponível também em CD), vendeu 1 milhão de cópias em seis dias. A cantora se aprofundou no R&B eletrônico e, se antes pecava nos floreios vocais e na sacarina, aqui encontra a dose certa de doçura e sensualidade. Soa romântica em Rocket, que lembra muito as produções de Prince dos anos 1980, e faz um dueto e tanto com o cantor Frank Ocean em Superpower. Já Partition descreve uma sessão de sexo na limusine — mas sem cair na vulgaridade. LIVRO AS LEIS DA FRONTEIRA, DE JAVIER CERCAS (TRADUÇÃO DE JOSELY VIANNA BAPTISTA; BIBLIOTECA AZUL; 432 PÁGINAS; 49,90 REAIS) • No verão de 1978, na pequena Girona, Ignacio Cañas entrou num fliperama "do lado de lá" do parque e conheceu Zarco e Tere. Todos com seus 16 anos e quase vizinhos, mas separados por suas vidas — mansa, no caso de Ignacio, e em meio à escória, no caso dos outros dois. Trinta anos depois, quando um escritor passa a pesquisar a vida de Zarco, que se transformara num mito da delinquência, Ignacio será a principal e mais notável fonte de uma biografia. Autor de Soldados de Salamina e Anatomia de um Instante, Cercas é um dos mais talentosos autores espanhóis do momento. Nas mãos do romancista, Ignacio — agora um advogado de sucesso — narra ao biógrafo de forma tensa e apaixonada essa singular amizade e as histórias de quem ousou cruzar a fronteira. OS MAIS VENDIDOS DE 2013 Veja Houve uma guerra religiosa nas livrarias em 2013. O padre Marcelo Rossi conquistou, pelo quarto ano consecutivo, o posto de livro mais vendido do ano na categoria autoajuda. Lançado em abril, Kairós vendeu 1,7 milhão de exemplares. O número impressiona, mas, sendo esse o autor, não surpreende: Ágape, livro anterior do padre, chegou a 10 milhões. A categoria de não ficção foi liderada pelos dois livros de memórias de Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus. O bispo não ficou muito atrás do padre: Nada a Perder 2 vendeu acachapantes 850.000 exemplares. Para chegar lá, a Universal organizou uma vasta operação nacional, levando milhares de fiéis às promoções de lançamento do livro por todo o país (o próprio Edir Macedo, aliás, não comparecia). Em um só dia que concentrou vários desses eventos, foram vendidos 430.000 livros. Parece até irônico que, na lista de ficção, o campeão seja um thriller com o título de Inferno, com 500.000 exemplares vendidos ao longo do ano. O americano Dan Brown tece mais uma história de conspiração histórico-cultural a ser desvendada por Robert Langdon, o herói de O Código Da Vinci. A trama envolve a Divina Comédia, o grande poema cosmológico do italiano Dante Alighieri — que, morto em 1321, não pode protestar por hoje se ver na companhia desse trio de autores best-sellers. JERÔNIMO TEIXEIRA 8#7 OS LIVROS MAIS VENDIDOS FICÇÃO 1- Inferno. Dan Brown. ARQUEIRO 2- Cinquenta Tons de Cinza. E.L. James. INTRÍNSECA 3- A Culpa É das Estrelas. John Green. INTRÍNSECA 4- Cinquenta Tons de Liberdade. E.L. James. INTRÍNSECA 5- Cinquenta Tons Mais Escuros. E.L. James. INTRÍNSECA 6- O Silencio das Montanhas. Khaled Hosseini. GLOBO 7- O Lado Bom da Vida. Matthew Quick. INTRÍNSECA 8- Para Sempre Sua. Sylvia Day. PARALELA 9- A Marca de Atena. Rick Riordan. INTRÍNSECA 10- A Casa de Hades. Rick Riordan. INTRÍNSECA NÃO FICÇÃO 1- Nada a Perder 2. Edir Macedo. PLANETA 2- Nada a Perder. Edir Macedo. PLANETA 3- 1889. Laurentino Gomes. GLOBO 4- Sonho Grande. Cristiane Corrêa. PRIMEIRA PESSOA 5- O Livro da Psicologia. Nigel Benson. GLOBO 6- Casagrande e Seus Demônios. Casagrande e Gilvan Ribeiro. GLOBO 7- Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo. Leandro Narloch. LEYA BRASIL 8- 1808. Laurentino Gomes. PLANETA 9- Carlos Wizard – Sonhos Não Têm Limites. Ignácio de Loyola Brandão. GENTE 10- 1822. Laurentino Gomes. NOVA FRONTEIRA AUTOAJUDA E ESOTERISMO 1- Kairós. Padre Marcelo Rossi. PRINCIPIUM 2- Eu Não Consigo Emagrecer. Pierre Dukan. BEST SELLER 3- Casamento Blindado. Renato e Cristiane Cardoso. THOMAS NELSON BRASIL 4- O Monge e o Executivo. James Hunter. SEXTANTE 5- Só o Amor Consegue. Zibia Gasparetto. VIDA & CONSCIÊNCIA 6- O Poder do Hábito. Charles Duhigg. OBJETIVA 7- Nietzsche para Estressados. Allan Percy. SEXTANTE 8- Uma Prova do Céu. Dr. Eben Alexander III. SEXTANTE 9- O Método Dukan - Eu Não Consigo Emagrecer. Pierre Dukan. BEST SELLER 10- As 25 Leis Bíblicas do Sucesso. William Douglas e Rubens Teixeira. SEXTANTE 8#8 J.R. GUZZO – CONTANDO COM A SORTE Aí vamos nós, de novo sozinhos, para atravessar mais um ano. Em 2014, como em 2013 e nos anos anteriores, contaremos apenas com nossa própria capacidade de resolver os problemas que nos aparecerem; mais uma vez, será perfeitamente inútil esperar qualquer colaboração da máquina pública, que todos pagam justamente para isto — colaborar, por pouco que seja, para dar à população um grau a mais de conforto nesta vida já tão complicada pela própria natureza. Muita gente, como sempre, veio prometer ao longo do ano soluções para nossos problemas do presente e anunciar planos para resolver nossos problemas do futuro. Falaram muito; disseram pouco. Depois, também como sempre, foram sumindo, cada um em seu canto, atrás do que realmente lhes interessa: segurar a fatia do Brasil que já têm. Não vão mudar de vida só porque 2014 será ano de eleição presidencial e de Copa do Mundo no Brasil; talvez tenham de se esforçar um tanto a mais para manter em cartaz a sua comédia, mas para tudo há um jeito. Vão encontrar o seu, como sempre, e acabarão deixando os brasileiros tão abandonados em dezembro de 2014 como estão agora. Sobram, para qualquer lado que se olhe, avisos claríssimos de que o ano novo promete ser igual ao ano velho — já nem se tenta disfarçar o pouco-caso com que os donos do país tratam o brasileiro comum e que aumenta a cada pesquisa de opinião garantindo que a presidente da República está a caminho dos 101% de popularidade. Há o caso do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que encerrou 2013 com um espetáculo realmente esquisito: foi brigar na Justiça com os cidadãos da própria cidade que dirige (e que lhe pagam o salário), para socar um aumento de até 35% em 85% dos contribuintes de um dos impostos municipais. Houve, nas alturas extremas onde vivem a presidente Dilma Rousseff, seu ministro da Fazenda e outras imensas autoridades federais, um surto de decisões desconexas sobre a possibilidade de retirar os airbags e freios ABS dos novos modelos de carro a ser fabricados, numa tentativa desesperada de impedir que subam de preço. Tira, põe, deixa ficar — a impressão que sobrou é que os decisores não sabiam realmente do que estavam falando, e acabaram perdidos de novo no nevoeiro mental em que vivem. Há ainda outros tumultos saídos da mesma pipa, mas parece que o mais instrutivo deles é a compra de 36 aviões-caça da Suécia, os Saab Gripen NG, que estaremos pagando ao longo dos próximos anos para defender o nosso espaço aéreo de seus possíveis inimigos. Tudo indica que em nenhum momento uma autoridade do governo pensou que a população deste país tivesse alguma coisa a ver com isso. Para começar, nenhum brasileiro jamais sentiu a falta de 36 caças suecos para resolver algum problema real em sua vida, ou na defesa do seu país. O cidadão poderia achar estranho, também, que o modelo escolhido tenha o inconveniente de ainda não existir; é o mais barato, mas só a partir de agora começará a ser desenvolvido, para entrega final até 2023. Até lá, esperemos continuar com a sorte, que nos acompanha desde Santos Dumont, de não sofrer nenhum ataque aéreo contra o nosso território. Além disso, o governo levou doze anos inteiros para decidir qual modelo compraria — basicamente, o americano F-18, o francês Rafale e esse sueco. Doze anos? Como o Brasil jamais foi acusado de ser um país que pensa demais, ou tem a reputação de só decidir alguma coisa depois de ter 100% de certeza na correção do que está fazendo (não consegue se entender nem sobre os tais equipamentos de segurança), o motivo da demora só pode ser do mal. Pois ou a compra é necessária, e aí o cidadão brasileiro não pode ficar esperando doze anos por uma decisão, ou não é — e aí o mesmo cidadão não tem nada de pôr a mão no bolso para pagar a conta. Mas ninguém no governo sequer se lembrou de que ele existe. Toda essa história teve a ver apenas com uma questão pessoal do ex-presidente Lula, primeiro, e da presidente Dilma Rousseff, depois. Lula queria o modelo francês de todo jeito; jurava que era o melhor, embora fosse o mais caro. Mas a França não deu apoio a um disparate qualquer que ele propôs na diplomacia mundial; o homem emburrou e nunca mais quis ouvir falar dos Rafale, que até então achava o máximo. Dilma se inclinou para o F-18 dos Estados Unidos, mas ele subitamente deixou de ser o melhor quando a presidente se ofendeu com o delírio americano de espionar tudo o que existe sobre a face da Terra. Qual é o critério da escolha? Qualidade ou birra? Sorte dos suecos.