0# CAPA outubro 2014 SUPERINTERESSANTE www.superinteressante.com.br edição 338 – outubro / 2014 [descrição da imagem: vários comprimidos, de diferentes tamanhos, formatos e cores, arrumados de uma forma que representa uma folha da planta maconha] MACONHA MEDICINAL Com uma guerra judicial envolvendo crianças, mães e o governo, a discussão sobre as propriedades médicas da maconha pega fogo no País. - Substâncias da maconha são úteis para dezenas de doenças crônicas - Mais de 20 países já legalizaram o uso medicinal - 60 pacientes brasileiros têm autorização para usar remédios à base da planta [outros títulos] UM SUBMARINO NAZISTA NO BRASIL Expedição encontra embarcação alemã sepultada há 70 anos na costa catarinense. OS TRUQUES DO MARKETING POLÍTICO PORQUE TANTO ÓDIO NA INTERNET? TRUFA BRANCA: FEIA, FEDIDA E CARÍSSIMA MONTE UM PARTIDO E FIQUE RICO EBOLA E AS PRÓXIMAS EPIDEMIAS ______________________________ 1# SEÇÕES I 2# REPORTAGENS 3# SEÇÕES II _________________________________ 1# SEÇÕES I outubro 2014 1#1 AO LEITOR – HISTÓRIAS QUE PRECISAMOS CONTAR 1#2 MUNDO SUPER 1#3 SUPER NOVAS 1#4 SUPER NOVAS – A FARRA DOS IDOSOS 1#5 CIÊNCIA MALUCA 1#6 SUPER NOVAS – O PROJETO MOLA 1#7 PAPO – “CIDADES SÃO FEITAS DE CONEXÕES” 1#8 IDEIA VISUAL – O SEGREDO DO DESEJO 1#9 BANCO DE DADOS – SELFIE 1#10 MATRIZ – PRESIDENTES DO BRASIL 1#11 COORDENADAS – A AVENIDA DOS VULCÕES 1#12 ORÁCULO – DINHEIRO VOADOR, OCEANOS SECOS E LÍNGUAS CANINAS 1#13 CONEXÕES – SIMCITY A SIN CITY 1#14 ESSENCIAL – PEQUENOS PARTIDOS, GRANDES NEGÓCIOS 1#1 AO LEITOR – HISTÓRIAS QUE PRECISAMOS CONTAR Tem histórias que seria mais fácil não contar. Por exemplo: a de Gustavo Guedes, um menininho lindo de l ano e 4 meses, a mesma idade da minha filha, que morreu enquanto a família dele se digladiava numa batalha jurídica kafkiana contra a burocracia. É que o Estado brasileiro não reconhecia como remédio a única substância que poderia salvar a vida de Gustavo. Isso porque o tal remédio é feito de maconha. Seria mais fácil ignorar histórias desse tipo porque gostamos de acreditar que vivemos num mundo científico, racional, de regras justas. É apavorante pensar que na verdade nossa vida continua cheia de obscurantismo e preconceito. Que muitos dos nossos médicos, cientistas e governantes tomam decisões mais por certezas morais e covardia política do que pelo conhecimento científico. Por mais que desejássemos não ter que contar essa história, sentimos que não tínhamos outra opção. A SUPER é uma publicação dedicada ao conhecimento humano. Se algo está sendo feito em contradição com o que é sabido, é nossa obrigação contar. É por isso que estamos dedicando a capa desta edição a esse tema delicado, por mais que saibamos que ele vai incomodar. A reportagem de Camila Almeida busca revelar tudo o que a ciência sabe sobre o assunto, sem esconder nada. É por isso também que, ainda neste mês de outubro de 2014, a SUPER vai estrear nos cinemas, com o filme ILEGAL, o primeiro documentário brasileiro a entrar de cabeça nesse tema. O filme, dirigido pelo jornalista Tarso Araújo e pelo cineasta Raphael Erichsen, estará em cartaz em cinemas do Brasil todo, trazendo histórias como a de Gustavo, a de Anny, que você conhecerá a partir da página 34, e a de Jairo, que está sendo processado por tráfico internacional pelo crime de aliviar a dor de sua esposa com câncer. ILEGAL é o primeiro filme da SUPER. Eu gostaria de pedir um favor a você. Se você, como nós, acredita num mundo racional, pautado pelo conhecimento e não por preconceitos, vá ao cinema prestigiar, e chame seus amigos. Somos iniciantes no mundo audiovisual e sabemos que o destino de um filme muitas vezes se define pela bilheteria do primeiro fim de semana. Se pouca gente aparece, o filme sai de cartaz e a história não é ouvida por ninguém. ILEGAL é o primeiro de muitos filmes que queremos fazer. Enquanto houver obscurantismo, haverá histórias precisando ser contadas. É essa a nossa missão, não importa se no papel, na internet, no cinema ou por telepatia. Esta edição, assim como o filme, é dedicada à memória de Gustavo Guedes e à luta de sua família. Não terá sido em vão. Denis Russo Burgierman, DIRETOR DE REDAÇÃO denis.burgierman@abril.com.br 1#2 MUNDO SUPER UM FOCO PARA CHAMAR DE NOSSO Recebemos dezenas de mensagens de gratidão pela última capa (set/14). Pelo visto, tem muita gente precisando de ajuda para se concentrar por aí. ALGUNS MESES ATRÁS PERDI MEU EMPREGO e meu namoro acabou. Fiquei totalmente perdida. Procrastinava tudo, não tinha vontade de procurar outro emprego, não queria pensar no futuro. Acordei para a vida, mas estava com dificuldade para organizar meus objetivos. A matéria me ajudou muito e vai me ajudar sempre que tiver vontade de procrastinar - vou direto pegar a revista para manter minhas metas! - CLAUDIA TOMOKO SATO NO INÍCIO DESTE ANO, ASSUMI A GERÊNCIA de uma empresa e me virando nos 30 para dar conta de tudo. Minha vida pessoal sumiu do mapa e, de uns tempos para cá, tenho buscado me organizar melhor. O problema é que, por exemplo, comprei A Tríade do Tempo, do Cristian Barbosa, mas não consegui ler por falta de tempo! A reportagem reuniu de forma clara e objetiva os princípios. Foi a meia hora mais bem aproveitada da semana por aqui! CYNTHIA SARMENTO SEMPRE FUI UMA PESSOA COM PROBLEMAS DE DISTRAÇÃO E PROCRASTINAÇÃO. E sempre lutei contra isso. Meu ambiente de trabalho e minha casa são povoados por post-it. Meu celular desperta várias vezes por dia para me lembrar de fazer coisas simples. Daí a importância da reportagem: descobri que eu não tinha método. Agora, estou entusiasmada para colocar em prática tudo que aprendi. Meus sonhos estão na lista "importante" e a sensação é que eles já estão em pré-processo. - ERIKA RODRIGUEZ PRESENTINHO INCÔMODO Ao ler a matéria, não pensei duas vezes, comprei o livro para enviar de presente aos nobres políticos de São Paulo! - PETUEL PREDA, sobre o texto Política sem Mordomia (set/14). BANHO ECONÔMICO O sistema de reaproveitamento da energia térmica da água do banho lá do Canadá custa cerca de R$ 900. A Companhia Energética de Minas Gerais utiliza um similar em algumas residências de baixa renda. Custa R$ 450, incluindo o chuveiro elétrico, e a montagem é bem simples. Eu não ganho nada com isso, só que é algo do nosso Brasil. - OSVALDO BONFIM, sobre O texto Ralo economiza 30% da energia do banho (set/14). CORREIO ELEGANTE Os comentários mais carinhosos que recebemos nas últimas semanas. Me pareceu, no mínimo, antissemita. Gostaria de entender: o que revistas como a Superinteressante ganham incitando o ódio e a intolerância ao diferente? - DIANNI DE OLIVEIRA, sobre o texto Israel, o Bem e o Mal (set/14). A revista insinuou, de forma infantil e impensada, que bissexuais são promíscuos. Prefiro acreditar que foi "acidente" terem publicado um conteúdo que tacha e ridiculariza em pleno século 21. - MICHELLE COSTA, sobre o texto E Se Todo Mundo Fosse Bissexual? (jul/14) 3 LEITORES OPINAM SOBRE O POST "AS ILUSÕES QUE DILMA, MARINA E AÉCIO VENDEM COMO REALIDADE". 1- Todas as desonerações [de impostos] realizadas no Brasil (do carro popular do Itamar à linha branca com Dilma) provocaram imediato aumento na arrecadação. Burramente, passadas as crises, os impostos tornavam a subir e a arrecadação a cair. - JOÁS MOTA 2- Produzir no Brasil é muito caro. Nossa infraestrutura é ridícula. O que produzimos no Centro-Oeste chega aos portos de caminhão. Como vamos ter produtos competitivos assim? - LEONAN BOLELLI 3- Hoje, o crescimento econômico bate no teto do que o ambiente pode suportar. Então, para que jogar essa ideia de que "se tudo der certo, uma hora crescemos num ritmo mais forte", se já estamos batendo nesse teto e experimentando seus efeitos ambientais? - RAFAELA MIE O SOL, A LUA, O MAR E NÓS Na reportagem Verdades Inconvenientes Sobre Astrologia (ago/14), dissemos que quando o Sol se afasta ou se aproxima da Terra, esquenta ou esfria. Mas a distância entre os dois corpos não determina as estações. Elas acontecem por causa da inclinação da Terra de 23,5° em relação ao Sol. Entre dezembro e março, os raios incidem quase perpendicularmente sobre o Hemisfério Sul. É o verão austral. Entre junho e setembro é o verão boreal, com incidência mais intensa sobre o Norte. Também demos a entender que é a distância da Lua em relação à Terra que determina as marés. Mas não. O que importa é a face da Terra virada para a Lua - se estiver de frente, maré alta; se não, baixa. SUPER BANCA Existe verdade nas histórias místicas. E explicação para a realidade mais absurda. LENDAS MEDIEVAIS - NAS BANCAS R$ 14 - As histórias por trás dos dragões, magos, santos e heróis da Idade das Trevas. A mitologia que deu a Tolkien inspiração. NAZISMO - NAS BANCAS R$ 27 - Como uma sociedade tão sofisticada como a alemã dos anos 30 foi capaz de abraçar o nazismo? Trazemos o panorama completo. SUPER NA SALA DE AULA A professora Fabiana Fernandes, do Centro Educacional Futurão (SC), usou a SUPER para praticar a modalidade de cartas à redação. Selecionamos duas para compartilhar. Fomos treinados para querer ser os melhores e para o individualismo, mesmo que isso signifique acabar com a vida do outro. Convenhamos, é só o outro? - MARIA FERNANDA NUNES, Sobre O texto Israel, o Bem e o Mal (set/14). Crianças criadas em zona de guerra, aprendendo a lutar desde cedo, quando deveriam estar nas escolas. Eu jamais conseguiria me ver passando por isso, mas cada um se adapta à vida que presencia todos os dias. - BRUNA MIKAELA KETZER FAGUNDES, Sobre a entrevista "Aos 12 anos, ganhei minha primeira AK-47" (set/14) FOI MAL • A sigla Mimo significa Mostra Internacional de Música em Olinda, não Música Instrumental de Olinda (Checklist Cult, set/14). • O programa Hoje em Dia, em que Edu Guedes faz suas receitas, é exibido pela Record, não pelo GNT (Chefe da TV, set/14). • Para falar sobre o logotipo da Cinemateca Brasileira, escrevemos "Ceci n'est pas un roleau". O correto é rouleau - rolo, em francês (Logoconfusões/Supernovas, set/14). FALE COM A GENTE REDAÇÃO - superleitor@abril.com.br, av. das Nações Unidas, 7221, 14º andar, CEP 05425-902, São Paulo, SP, fax 11 3037-5891. PUBLICIDADE - publiabrif.com.br SP 11 3037-5189, RJ 21 2546-8100. Outras praças: 11 3037-5759. Vendas Diretas: 11 3037-5000. SAC - abrilsac.com abrilsac.lojaabril@abril.com.br SP 11 5087-2112 Outras Praças 0800-7752112 Segunda a sexta, das 8 às 22h. ASSINATURAS - assineabril.com SP 11 3347-2121 Outras Praças 0800-7752828 Segunda a sexta, das 8 às 22h. Sábado, das 9 às 16h. EDIÇÕES ANTERIORES – loja.abril.com.br Superinteressante SP 11 5087-2290 Outras Praças 0800-7718990. Ou solicite para seu jornaleiro – o preço será o da última edição em banca mais a despesa de remessa. TRABALHE CONOSCO - abril.com.br/trabalheconosco 1#3 SUPERNOVAS Edição Bruno Garattoni SUICÍDIO MATA MAIS QUE HOMICÍDIO E DESASTRES Casos de suicídio superam todos os assassinatos e desastres naturais - e crise econômica global aumenta o número de pessoas se matando. TEXTO Sarah Kern SEGUNDO UMA ESTIMATIVA da Organização Mundial da Saúde, 883 mil pessoas se matam no mundo a cada ano. É mais gente do que todos os mortos em guerras, vítimas de homicídios e desastres naturais - coisas que, somadas, tiram 669 mil vidas por ano. E um novo estudo indica que o ritmo dos suicídios está se acelerando. A Universidade de Oxford estudou os efeitos da crise econômica global, que começou em 2008, sobre as taxas de suicídio nos EUA, no Canadá e na Europa. Em todos os casos, elas apresentaram crescimento: de 4,8%, 4,5% e 6,5%, respectivamente. Os suicídios no mundo já vinham aumentando (o número global de casos cresceu 60% desde a década de 1970), mas agora assumiram um ritmo mais intenso. A crise econômica não é o único fator envolvido. Em 2010, pela primeira vez na história, a maioria da humanidade passou a viver em cidades - onde há mais estresse e mais pressão para ser bem-sucedido. Ao mesmo tempo, as pessoas nunca estiveram tão sós: segundo um estudo feito nos EUA, 40% dos adultos se consideram solitários (o dobro da década de 1980). E isso pode estar impulsionando a depressão e as tentativas de tirar a própria vida. "Quanto maiores os laços sociais em uma cultura, menores as taxas de suicídio", afirma o psiquiatra Humberto Corrêa, especializado em suicídio. A família e os amigos nem sempre percebem que a pessoa está pensando em se matar. Mas uma nova técnica promete apontar o risco de suicídio com antecedência, por meio de um simples exame de sangue - que mede os níveis de dois genes relacionados à intenção de se matar. O exame foi criado para uso militar e ainda está em fase de testes. MEDO PODE SER TRANSMITIDO PELO AR Em um estudo realizado nos EUA, cientistas condicionaram um grupo de ratas a sentir medo de uma determinada situação - quando ela acontecia, as cobaias levavam um choque elétrico. Em seguida, o odor corporal emitido pelas ratas foi capturado e bombeado para um tanque separado, onde estavam seus filhotes. Os bichinhos não tinham nenhuma comunicação com as mães. Nem sequer podiam vê-las. Mas, assim que eles aspiraram o cheiro extraído do primeiro tanque, imediatamente passaram a demonstrar medo. Ou seja: de alguma forma, os ratos conseguem transmitir medo pelo ar, por meio de seu odor corporal. Não se sabe se o mesmo ocorre em humanos. JAPONÊS É O POVO QUE MENOS DORME Tóquio acorda muito cedo, mas vai para a cama de madrugada; australianos são os mais disciplinados, e russos gostam de dormir até tarde. PAÍS (CIDADE) – horas dormidas por noite Japão (Tóquio) – 5H46 EUA (Nova York) – 6H05 México (Monterrey)- 6H30 México (Cidade do México) – 6H32 Emirados Árabes (Dubai) – 6H32 Brasil (São Paulo) – 6H40 China (Beijing) – 6H43 Espanha (Madri) – 6H45 Itália (Roma) – 6H46 Itália (Milão) – 6H48 Rússia (Moscou) – 6H52 EUA (São Francisco) – 6H54 Canadá (Toronto) – 6H45 Suécia (Estocolmo) – 6H55 Alemanha (Berlim) – 6H56 Austrália (Sidney) – 6H58 Franca (Paris) – 7H00 Reino Unido (Londres) – 7H02 COLHER PARA IDOSOS ANULA TREMORES Aparelho permite que portadores de Parkinson se alimentem sozinhos SENSOR DE MOVIMENTO - detecta os tremores. É similar aos presentes em smartphones. MOTORES - movem a ponta da colher no sentido oposto aos tremores, reduzindo-os em 75%. EXTENSÕES - O aparelho pode ser usado como garfo ou colher. Basta trocar a ponta. BATERIA – tem autonomia para seis refeições (depois disso, é recarregada via USB). US$ 295 liftlabsdesign.com 16% dos franceses se dizem a favor do ISIS, grupo armado islâmico que controla partes do Iraque e da Síria e está tentando ganhar espaço no Oriente Médio. Entre os jovens, o apoio é ainda maior: 27%. A porcentagem é maior do que na Faixa de Gaza - onde 99,8% da população é islâmica, mas apenas 13% são favoráveis ao ISIS. "Eu vi gente tomando pílulas ANTES DE JOGAR" disse o publicitário Bjoern Franzen, que trabalhou dez anos em campeonatos internacionais de games - e agora resolveu denunciar a prática de doping nessas competições. Segundo ele, as substâncias preferidas dos gamers são a ritalina e o modafinil, que aumentam a concentração. SAÚDE Urso tem "diabetes" durante hibernação. Os ursos-pardos, que vivem no Hemisfério Norte, criam resistência à insulina (hormônio que transforma glicose em energia) durante sua hibernação, de sete meses. Em humanos, isso é sintoma de diabetes. Mas cientistas acreditam que ajude os ursos a sobreviver sem comer. CIÊNCIA Espiões roubaram milho transgênico. É o que diz o governo americano, que acusa a China de ter recrutado cientistas para roubar a tecnologia de milho transgênico desenvolvida pela Monsanto. Os espiões chineses supostamente viajavam pelos EUA coletando espigas e sementes. POLÍTICA País africano proíbe corridas na rua. O governo do Burundi teme que as corridas sejam usadas como disfarce para manifestações políticas, que este ano acabaram em violência. Agora, só é permitido correr em parques. 1#4 SUPER NOVAS – A FARRA DOS IDOSOS Festas de suíngue, tráfico de Viagra, sexo em público. A nada pacata vida na vila de aposentados The Villages. TEXTO Sara MagaLona PEGGY KLEMM FOI PEGA DIRIGINDO BÊBADA. Como tinha bons antecedentes, não foi presa. Mas, pouco tempo depois, voltou a aprontar - foi pega fazendo sexo com o amante numa praça. Seria um episódio banal, não fosse por um detalhe: a endiabrada Peggy é uma simpática velhinha de 68 anos. Ela é uma das moradoras do retiro The Villages, que reúne 50 mil idosos na Flórida e ficou famoso pelas festas fartas em álcool, sexo e confusões. "Está mais para um campus de universidade do que para uma comunidade de aposentados. Toda noite é sábado à noite", diz o jornalista americano Andrew Blechman, que se infiltrou na vila para escrever um livro a respeito (Leisureville, ainda sem versão em português). O caso de Peggy está longe de ser único. A polícia já flagrou dezenas de casais fazendo sexo em áreas públicas e em carrinhos de golfe, o meio de transporte local. A euforia é alimentada por drinques baratos - US$ 3,75 nos bares e restaurantes da vila - e pílulas de Viagra compradas sem receita médica. Também há festas de suíngue, organizadas nas próprias casas dos idosos. Para morar em The Villages, é preciso ter mais de 55 anos e comprar uma casa lá (a partir de US$ 80 mil). Há dez mulheres para cada homem, o que leva alguns deles a verdadeiros feitos. Um dos idosos, que o livro identifica apenas como Sr. Meia-Noite, diz ter feito sexo com mais de cem velhinhas em The Villages. Ele tem mais de 70 anos. 1#5 CIÊNCIA MALUCA TEXTO Carol Castro PSICOPATAS TÊM OLFATO RUIM Setenta pessoas tiveram de identificar certos odores. Em seguida, responderam a testes que mediam sua tendência à psicopatia (avaliando características como frieza e impulsividade). Conclusão: quanto mais psicopata uma pessoa é, pior seu olfato. É que, nos psicopatas, há menos atividade nos lobos frontais, regiões cerebrais ligadas ao olfato - e ao controle dos impulsos. COCÔ DE GATO PODE TRATAR CÂNCER O parasita Toxoplasma gondii é transmitido por fezes de gato - e provoca uma doença chamada toxoplasmose. Mas também pode ter um lado bom: estimular o sistema imunológico a combater tumores. Foi essa a conclusão de cientistas que injetaram o T.gondii em ratos com câncer. A sobrevida dos bichinhos aumentou. EX-FUMANTES ACHAM QUE SEIOS CRESCERAM Cientistas entrevistaram 25 mulheres que haviam parado de fumar. Após seis meses, as voluntárias haviam ganho pouco ou nenhum peso - mas quase todas notaram que seus seios ficaram maiores. 1#6 SUPER NOVAS – O PROJETO MOLA Brinquedo que ajuda a aprender arquitetura bate recordes de arrecadação - e se torna o maior projeto de financiamento colaborativo no Brasil. TEXTO Marcos Ricardo dos Santos MÁRCIO OLIVEIRA tinha uma dificuldade quando fazia faculdade de arquitetura: compreender plenamente as estruturas dos edifícios que estudava. Era tudo meio abstrato, fórmulas, equações e desenhos. Ele teve a ideia de criar um brinquedo que permitisse enxergar isso na prática. Nascia o Mola Structural Kit, que foi inscrito no site Catarse (catarse.me/pt/mola), principal plataforma de financiamento coletivo no Brasil. Até a conclusão desta edição, o projeto havia arrecadado R$ 312 mil - seis vezes a sua meta. E ainda faltava um mês para o encerramento das doações, ou seja, o número final deverá ser ainda maior. O Mola bateu com folga todos os recordes do Catarse, que existe desde 2011 e já viabilizou mais de 1.200 projetos. Geralmente, são iniciativas culturais (livros, discos, reportagens), não produtos físicos como o Mola. "O financiamento coletivo de produtos não era comum no Brasil", diz Felipe Caruso, diretor de comunicação do site. Márcio ficou quatro anos trabalhando no kit, que rendeu até tese de mestrado. São 121 peças que podem ser usadas para montar modelos de vários tipos de construção e entender como reagem a elementos como vento e peso. "Ele facilita a visualização das estruturas, que são muito abstratas", explica. É possível doar qualquer quantia, mas só quem der R$ 350 ou mais receberá o produto, cuja entrega está prevista para abril de 2015. 1#7 PAPO – “CIDADES SÃO FEITAS DE CONEXÕES” Centros urbanos parecem caóticos, mas escondem regras matemáticas simples. Segundo um cientista britânico, entender essas leis pode revolucionar o funcionamento das cidades. ENTREVISTA Carol Castro Como funcionam as leis de escala? Quando eu era físico, participava de um grupo de estudos de biologia. E foi nesse grupo que aprendi sobre as leis de escala, que mostram como as medidas de um sistema variam de acordo com as mudanças de tamanho, sempre em proporção. Por exemplo, se um animal dobra de tamanho, ele não precisa do dobro de energia para sustentar esse crescimento, mas de 75% a mais. Dessa forma, economiza 25% de energia. E como essas proporções podem ser utilizadas para estudar centros urbanos? Depois dos resultados com biologia, eu me questionei se essas ideias poderiam ser úteis em outras áreas. Descobri que cidades também seguem escalas. Por exemplo, indicadores sociais e econômicos, como índices de violência, número de patentes e casos de aids, aumentam de forma proporcional toda vez que uma cidade dobra de tamanho, sempre numa escala de 15%. Além disso, linhas de eletricidade, postos de gasolina e outros elementos que compõem a estrutura da cidade não precisam ser multiplicados por dois quando um centro urbano dobra de tamanho. Eles precisam crescer numa proporção de 85%, resultando numa economia de 15%. É possível prever esses índices usando escalas? Sim, porque os dados sempre aumentam na mesma proporção, seguindo o índice de crescimento e o tamanho da cidade. Por exemplo, se conheço a taxa de violência do país e a escala de crescimento de violência quando uma cidade dobra de tamanho, tenho as ferramentas necessárias para calcular a quantidade de crimes que atingem cidades específicas. As escalas funcionam mesmo em países distantes e com formações distintas? Quando pensamos em cidades, pensamos em prédios e pontes, na parte física. Mas existe algo em comum entre todas elas: são feitas de pessoas. Mais ainda, cidades são feitas de conexões entre pessoas. Apesar de existirem diferenças geográficas, culturais e históricas entre cada lugar, o fato de que todas essas cidades são construídas com conexões cria um ponto comum entre elas. Acredito que é desse ponto em comum que nascem as escalas. Como essa ideia pode ser explorada na prática? É possível usar escala para avaliar como uma cidade está se saindo em certos quesitos, se ela está acima ou abaixo da média. Por exemplo, baseado nas características de um centro urbano e nas leis de escala, posso descobrir que uma cidade de alguns milhares de habitantes deveria produzir um certo número de patentes. Se está produzindo menos do que essa média ideal, é preciso investir energia e recursos nessa área. Alguma cidade já começou a usar esses conceitos para resolver problemas? É muito difícil mudar cidades. Por exemplo, sempre esteve implícito que, se uma cidade dobra de tamanho, o melhor é dobrar todo o resto. Sabemos que isso não é verdade, mas acabar com essa noção é um processo lento. Isso porque muitas vezes faltam dados para realizar uma avaliação concreta ou as informações disponíveis estão corrompidas pela ideologia. Além disso, governantes estão acostumados a tomar decisões localizadas, sem lembrar que todos os elementos de uma cidade estão conectados. 1#8 IDEIA VISUAL – O SEGREDO DO DESEJO Manter a chama atiçada em um relacionamento estável é um desafio. Mas, de acordo com a psicóloga belga Esther Perel, há alguns comportamentos que podem tornar a pessoa amada sempre interessada - e interessante também. De nada. EDIÇÃO Karin Hueck e Rafael Quick SEGURANÇA X NOVIDADE Para Perel, o problema do desejo está em conciliar dois sentimentos que parecem opostos: a nossa necessidade de segurança, confiança e permanência (amor) contra a nossa curiosidade pelo desconhecido, pela aventura e pelo perigo (desejo). Quando amamos alguém, queremos ter a pessoa sempre disponível e por perto - ao passo que o desejo precisa de independência e mistério. Aqui, algumas maneiras de escapar desse paradoxo. DISTANCIE-SE - De acordo com pesquisas que Perel conduziu em mais de 20 países, a pessoa amada parece mais sexy quando está longe. Sem ter o parceiro por perto, é preciso deixar a imaginação agir - algo essencial para o desejo. ENCONTRE UM HOBBY – Pessoas consideram seus amantes mais desejáveis quando estão fazendo algo de que gostam muito: falando em público, tocando numa banda, trabalhando concentrados ou mesmo em uma festa se divertindo com outras pessoas. O segredo aqui é a autoconfiança, poderoso afrodisíaco. PROCURE O NOVO – Novidade é essencial para o desejo, mas Perel não defende uma ida ao sex shop ou lingeries de renda. Ela argumenta a favor de um estado de espírito particular que envolva comportamentos inusitados, bom humor, entrega e até alguma agressividade e imoralidade. 1#9 BANCO DE DADOS – SELFIE EDIÇÃO Felipe van Deursen e Luiz Romer Praga digital, fenômeno social e palavra do ano em 2013, o termo representa uma nova forma de se fotografar e de registrar a própria vida na internet. POR Daniela Fescina e Inara Negrão 17.000% AUMENTO DO USO DA PALAVRA em textos em inglês. Por isso, foi eleita a palavra do ano pelo dicionário Oxford. CAPITAIS DAS SELFIES Número de adeptos a cada 100 mil habitantes. 1º Makati e Pasig, Filipinas 258 3º Nova York, EUA 202 4° Miami, EUA 155 5º Anaheim e Santa Ana, EUA 147 7º Petaling Jaya, Malásia 141 NO BRASIL 85º Carapicuíba, São Paulo 33 96º Vitória, Espírito Santo 30 OLHA O PASSARINHO Entre 0 (sério) e 1 (sorridente), tailandeses são os mais simpáticos. Bangcoc 0,68 São Paulo 0,64 Moscou 0,53 ONDE ELAS ESTÃO 52% no Facebook 27% no Whatsapp 9% no Twitter 8% no Instagram 5% no Snapchat 2% no Pinterest FENÔMENO BRASILEIRO A SUPER analisou os perfis no Instagram das 20 celebridades mais viciadas em selfies. * NÚMEROS DE SELFIES A CADA 10 FOTOS Neymar e Ticiane Pinheiro 4,6 Luciano Huck, William Bonner e Bruna Marquezine 4,3 Luan Santana4 Mariana Rios 3,6 Angélica e Caio Castro 3,3 COISA DE MULHER O projeto Selfiecity analisou fotos em cinco capitais do mundo. Russas tiram muito mais selfies que russos. MOSCOU: mulheres 82%; homens 11% BANGCOC: mulheres 52,2%; homens 47,8% BERLIM: mulheres 59,4%; homens 40,6% SÃO PAULO: mulheres 65,4%; homens 34,6% NOVA YORK: mulheres 61,6%; homens 38,4% 23,7 ANOS idade média de quem faz selfies. Entre homens, a média aumenta para 30 anos. 80% DAS PESSOAS que fazem selfies regularmente consideram suas vidas sexuais insatisfatórias. 880 bi DE SELFIES serão tiradas em 2014 em todo o mundo. 16,9° É A INCLINAÇÃO MÉDIA FEMININA em São Paulo, campeã no quesito. Rostos inclinados são considerados mais sensuais. ESSES JOVENS Hábito de tirar selfies por década de nascimento. 1940/1950 9% 1960/1970 24% 1980/1990 55% HÁBITO PERIGOSO - Acidentes mais comuns entre adeptos britânicos Deixar cair o celular 26% Esbarrar em alguém 13% Cair ou tropeçar ao andar 10% Cair ou tropeçar ao posar 8% Pisar no pé de alguém 6% Bater de cara em algo 6% Quebrar a tela do celular 6% Pisar no animal de estimação 5% Deixar o celular cair na privada 4% 1#10 MATRIZ – PRESIDENTES DO BRASIL Já vivenciamos: ditaduras, impeachment, renúncias, reeleições e até mesmo um suicídio. Desde a República Velha, veja quem esteve à frente do País. POR Paula Bustamante, Alexandre de Santi e Mareei Hartmann *Estão na matriz apenas os presidentes que passaram mais de seis meses no poder. Os interinos Carlos Luz, José Linhares, Paschoal Ranieri Mazzilli e Nereu Ramos, que também constam na lista oficial do Palácio do Planalto, não foram incluídos par falta de representatividade e relevância. GETÚLIO VARGAS 1930-1945 (não eleito) 1951-1954 (eleito) Criou o salário mínimo e os direitos trabalhistas, mas instalou uma ditadura. Voltou eleito para um novo mandato e fundou a Petrobras. Enfrentou forte oposição e se suicidou antes de ser deposto. GASPAR DUTRA 1946-1951 (não eleito) Congelou o salário-mínimo e desagradou a população. Proibiu os jogos de azar. CAFÉ FILHO 1954-1955 (não eleito) Tentou acalmar os nervos do Exército após o suicídio de Vargas. Infartou e foi afastado por razões médicas. JUSCELINO KUBITSCHEK (1956-1961) eleito Espremeu 50 anos em 5 com o Plano de Metas, mas levou a capital do País para o meio do nada. JÂNIO QUADROS 1961 (eleito) Varreu biquínis e condecorou Che Guevara. Arrumou inimigos e renunciou repentinamente. JOÃO GOULART 1961-1964 (não eleito) Distribuiu renda, o que provocou instabilidade generalizada. Foi deposto por parecer comunista demais. CASTELLO BRANCO 1964-1967 (não eleito) Primeiro presidente da Ditadura Militar, centralizou o poder e começou a onda de prisões. Atendeu a apelos conservadores. COSTA E SILVA 1967-1969 (não eleito) Instituiu o AI-5, que colocou na clandestinidade quem fosse da oposição. EMÍLIO G. MÉDICI 1969-1974 (não eleito) Governou durante o milagre econômico, com extrema repressão à oposição e à imprensa. ERNESTO GEISEL 1974-1979 (não eleito) ERNESTO GEISEL Abriu a política brasileira aos pouquinhos, em passos de formiga. JOÃO FIGUEIREDO 1979-1985 (não eleito) Aboliu o bipartidarismo da ditadura e decretou anistia. Mas disse preferir cheiro de cavalo ao do povo. JOSÉ SARNEY 1985-1990 (não eleito) Assumiu após a morte de Tancredo e adotou medidas impopulares de combate à inflação, com o Plano Cruzado. FERNANDO COLLOR 1990-1992 (eleito) Eleito sob a esperança de modernizar o País, confiscou a poupança e sofreu impeachment após clamor popular. ITAMAR FRANCO 1992-1995 (eleito) Relançou o Fusca e fez um plebiscito para decidir o regime político. Bancou o Plano Real. FHC 1995-2002 (eleito) Foi criticado por privatizações e reformas, mas derrotou a inflação e foi o primeiro a ser reeleito. LULA 2003-2010 (eleito) Uniu trabalhadores e empresários com seu carisma. No entanto, a aliança manteve a velha oligarquia no poder. DILMA ROUSSEFF 2011-2014 (eleito) Quer acabar com a miséria, mas sofre com déficit de carisma e superávit de inflação. 1#11 COORDENADAS – A AVENIDA DOS VULCÕES Cotopaxi, Andes, Equador. Ainda ativo, o vulcão é o ponto de partida para um assustador desfile de montanhas cuspidoras de lava. REPORTAGEM Carol Castro UM COLCHÃO DE NUVENS ABAIXO DOS PÉS. Ao lado, a cratera de 800 metros de largura solta fumaça. No horizonte, outros vulcões, entre eles o gigante Chimborazo. Eis a vista do cume do Cotopaxi, 5.897 metros e o segundo vulcão ativo mais alto do mundo. Lá de cima, nos Andes Setentrionais, dá para se ter ideia da quantidade de vulcões que cortam o Equador, país pouco maior que o Estado de São Paulo; em quase 500 quilômetros, mais de 80 vulcões, um a cada seis quilômetros. A Avenida dos Vulcões é um cenário único, fruto da sobreposição das placas tectônicas Sul-Americana e Nasça. Chegar ao cume é um costume tradicional equatoriano. Até o presidente, Rafael Corrêa, já o fez. A caminhada começa a cerca de 4.600 metros de altitude. É o ponto máximo aonde o carro chega. Depois, subida, com pouco oxigênio, até o refúgio. De lá, aventureiros passam a noite para seguir rumo à escalada, que começa antes do dia nascer. Acima dos 5 mil metros, a neve. Após oito horas de caminhada, o topo, a cratera, as nuvens - e a Avenida. A vista compensa a subida. No pé do Cotopaxi, a água do degelo criou a lagoa Limpiopungo, por onde passeiam aves e cavalos selvagens. Ela dá cor a esse ambiente de vegetação rasteira e seca. No corpo do vulcão, o solo mescla o vermelho-lava com tons mais escuros de marrom. As pedras que o Cotopaxi cuspiu ou derrubou na última grande erupção estão por lá. Em 26 de junho de 1877, o vulcão mudou a paisagem da capital, Quito: cobriu-a com uma chuva de cinzas e antecipou o fim do dia. A próxima erupção deve acontecer em 50 anos. Até lá, a paisagem ao redor permanece mais inspiradora, e menos assustadora. VÁ - Em Quito, agências organizam a subida do vulcão e providenciam roupas e mantimentos. QUANDO - De dezembro a fevereiro tem menos vento e céu mais azul. Ah, evite ir durante uma erupção. ESTE MÊS NESTE PLANETA 15°10' N, 105°81' L RIO DE FOGO Bolas de fogo surgem no Rio Mekong, Tailândia. A explicação mais aceita é combustão de metano. Mas para os budistas é Naga, serpente aquática que cospe fogo. Dia 7. 26°21' N, 127°6T' L BATALHA ÉPICA Naha, no Japão, recebe o maior evento de cabo de guerra do mundo. A corda pesa 40 toneladas e é puxada por 15 mil participantes. Enquanto isso, dançarinos fazem performances sobre o cabo. Dia 12. UM MOMENTO 28/10, 9H Início da corrida de drag queens de Dupont Circle, em Washington, EUA. As participantes apresentam-se na largada maquiadas e de salto alto. 2.283 CASTANHAS são presas em cordas e viram armas no campeonato mundial de Conkers, em Southwick, Inglaterra. Ganha quem quebrar a castanha de mais de 250 competidores. QUE LUGAR É ESSE? 1- Um quinto da população morreu de gripe. 2- Primeiro da região a ser independente. 3- Tem menos habitantes que o Capão Redondo. RESPOSTA Samoa, na Polinésia, é independente desde 1962. Em 1919, 22% da população morreu de gripe. Tem 190 mil habitantes, 50 mil a menos que o bairro paulistano. 1#12 ORÁCULO – DINHEIRO VOADOR, OCEANOS SECOS E LÍNGUAS CANINAS Ainda tem sexo de cachorros e de zumbis. Se continuar assim, o Oráculo ganha programa no canal do Seu Silvio.. “QUEM QUER...” ETC. Quantos reais Silvio Santos já arremessou em todos os seus programas? - CAUÊ PASCARELLI LOPES, MANAUS, AM Ma-ôe, Silvio Santos começou a jogar os aviões de papel-moeda em Tudo por Dinheiro, no ar de 1986 a 1990. A tradição seguiu no quase xará Topa Tudo por Dinheiro (1991-2001), e no Programa Silvio Santos, que existe até hoje. Com notas de R$ 20, R$ 50 e R$ 100, ele já arremessou 35.557 aviões, totalizando R$ 2.044.250. CASINHA ARMADA Cães e gatos têm sonhos eróticos? - DIÓGENES PEIXOTO, BRASÍLIA, DF Eles sonham, mas não há evidências de que o conteúdo seja pornô. Provavelmente, são sonhos de experiências do dia a dia, como brincadeiras, passeios e comida. Aquela vidinha marota de Garfield. Então é possível que eles sonhem com sexo, mas sem erotismo, já que isso é uma racionalização humana do rala-e-rola. É comum cães filhotes terem ereções no sono, mas isso não quer dizer que sonham com sexo. Afinal, é assim com o senhor também, não? BALDE DE ÁGUA FRIA Qual a quantidade de água desperdiçada no Desafio do Balde de Gelo? - ALEXANDRE QUEIROZ, SÃO PAULO, SP Caso não saiba, o desafio oferece duas opções: jogar um balde de água gelada na cabeça ou fazer uma doação para uma organização que busca a cura da Esclerose Lateral Amiotrófica (a maioria faz os dois). Desde que começou, em julho, foram cerca de 136 milhões de litros de água. Apesar do desperdício (o volume poderia abastecer 1,2 milhão de pessoas durante um dia), a campanha arrecadou US$ 112 milhões. BICHO ESTRANHO Por que o chow chow tem língua escura e não vermelha? ANTÔNIO FURTADO, RIO DE JANEIRO, RJ A língua azul é fruto do excesso de melanina nas mucosas. Isso aconteceu por causa da seleção artificial do homem. A maioria das características marcantes dos cães, como o orelhão do bloodhound, vem dessa busca dos criadores por particularidades que diferenciem as raças. Todos são mutantes. A língua azul é detalhe. AZUIS (OU QUASE ISSO) IMPROVÁVEIS FRUTA - Mirtilo, chamada na gringa de blueberry. É bom para diarreia. GENTE - Paul Karason ficou azul após tomar remédio à base de prata. PICASSO - Teve sua fase azulada de 1901 a 1904. CÃO - Bidu, que se irrita com o amarelo Bugu e não se mistura com o verde Floquinho. COVA ARMADA Divindade magnânima, zumbi pode ter ereção? - KLEY PESSOA NASCIMENTO, MANAUS, AM Improvável. Segundo as histórias clássicas de zumbis, eles são corpos reanimados que não possuem circulação sanguínea, o que impediria a ereção. Mas há filmes e livros em que o morto-vivo tem interesse em sexo. É verdade que muitas dessas obras são pornográficas (porque existe pornô de quase tudo), mas, à medida que zumbis ficam mais populares, surgem mais histórias humanizando-os. Eles se curam, ficam amigáveis, sexy e viram capa de revista. #RNPRIMEIROEMTUDO Por que, diferentemente de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte e do Sul ficam bem distantes um do outro? - HERBERT MELO, ARACAJU, SE Porque Mato Grosso era uma coisa só, e Rio Grande, não. Em 1977, o Mato Grosso do Sul virou um Estado, separando-se do vizinho maior. A outra história é mais complexa. No século 16, surgiu a capitania do Rio Grande, batizada por causa do Rio Potengi, que desagua em Natal. Já Porto Alegre ganhou um presídio (ANOS DEPOIS), batizado de Rio Grande, em referência à Lagoa dos Patos que era chamada de rio. Foi a origem da futura capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul, no século 19. Nessa época, a xará do Nordeste virou Do Norte. E, décadas depois, com a República, o Rio Grande do Sul perdeu o nome santo. QUER QUE DESENHE? O que aconteceria se todos os rios fossem barrados e não chegasse mais água ao mar? - TIAGO HENRIQUE, VINHEDO, SP A água fluvial chegaria ao mar de qualquer jeito. 1- Nuvens se deslocam para o oceano. Ou seja, continuaria chovendo no mar. 2- A água também passa por baixo da terra. 3- A proporção das águas oceânicas é muito maior que a de rios e lagos. Então, eles não secariam o mar. PAPUM Direto e sem rodeios (ótimo trocadilho): qual é a boate da zona sul da canção Boate Azul? - LEONARDO FRUET, RODEIO, SC A letra do clássico sertanejo é inspirada na Boate Noite Azul, que ficava na zona sul de Apucarana, PR - a oito horas de carro da sua casa. ANO INCRÍVEL 1737 Inauguração do Presídio do Rio Grande, em Porto Alegre. OUTRO DADO RELEVANTE SEM NENHUMA LIGAÇÃO 1.737 KM Raio da Lua. A Terra tem um raio de cerca de 6,7 mil quilômetros. PERGUNTE AO ORÁCULO! Escreva para superleitor@abril.com.br com o assunto "Oráculo" e mencione sua cidade e Estado. 1#13 CONEXÕES – SIMCITY A SIN CITY Texto Fernanda Viana SIMCITY Simulador de cidades criado por Will Wright, lançado em 1989. Uma das inspirações para o jogo foi o conto The Seventh Sally, sobre um tirano deposto que inventa uma sociedade em miniatura para exercer sua opressão. Foi escrito por... STANISLAW LEM Escritor polonês, morto em 2006. Vendeu mais de 27 milhões de livros. Sua obra mais conhecida é Solaris, que virou filme três vezes. Antes do sucesso, viveu com documentos falsos e trabalhou como mecânico durante a.. SEGUNDA GUERRA Maior conflito da história, com 59 milhões de mortos. Causadora e derrotada, a Alemanha perdeu 7,5 milhões de vidas. Para escapar desse destino, muitos artistas deixaram o país. Como os cineastas que emigraram para os EUA, levando consigo o... EXPRESSIONISMO ALEMÃO Movimento criativo que alcançou seu auge na Berlim dos anos 20. No cinema, o estilo expressa subjetividade psicológica e emocional por meio de imagens distorcidas. É a raiz do estilo noir, que influenciou... SIN CITY Série de quadrinhos de Frank Miller, lançada em 1991. Narra o dia a dia de Basin City, metrópole tomada por violência, corrupção e sujeitos perversos. Se em SimCity você cria a cidade dos sonhos, em Sin City você terá uma cidade dos pesadelos. 1#14 ESSENCIAL – PEQUENOS PARTIDOS, GRANDES NEGÓCIOS Que partidos políticos podem ganhar fortunas por baixo dos panos, todo mundo sabe. Mas existe uma peculiaridade brasileira: o partido-empresa, que só serve como balcão de negócios. TEXTO Leandro Beguoci LEVY FIDELIX ESTAVA no aeroporto de Brasília em junho deste ano. Ninguém na fila reconheceu o candidato à presidência da República pelo PRTB (Partido Renovador Trabalhista Brasileiro), um homem que disputa eleições há três décadas, propagandeando seu "aerotrem". Ele só deixa o anonimato de dois em dois anos, quando se torna um dos símbolos da dor e da delícia da democracia brasileira: a proliferação de partidos inexpressivos. A ideia de multiplicar partidos surgiu no ocaso da ditadura. Durante o regime militar, o País teve apenas a Arena, governista, e o MDB, de oposição. Os anos do regime militar foram de ebulição ideológica. Havia uma grande pressão para abrir uma janela, permitindo que novas ideias se expressassem em novos partidos. O problema é que a janela nunca foi fechada. Hoje, o País tem 32 siglas, número que representa um dos maiores dilemas do nosso sistema político. Afinal, como cultivar a diversidade sem entulhar as eleições? Criar um partido não é simples. A parte mais difícil é reunir 492 mil assinaturas, em no mínimo nove Estados, de apoio à sigla. Muitas são invalidadas, porque os cartórios eleitorais não conseguem comprovar que o nome, o número do título de eleitor e a assinatura estão ligados entre si ou vêm de uma pessoa com a situação em dia com a Justiça. Para garantir uma gordurinha, já houve de tudo: empresários forcam funcionários, professores pedem aos alunos, prefeitos colhem assinaturas em hospitais. Nos últimos anos, houve suspeitas de que empresas especializadas entraram no jogo. Até agora, nada comprovado - embora, a princípio, a prática não seja proibida. Quando a barreira das assinaturas é rompida, a Justiça checa os documentos e concede o registro. Esse processo pode demorar de meses a anos. Em suma, dá trabalho e requer bastante organização - tanto que mesmo Marina Silva, com décadas de militância e milhões de eleitores, não conseguiu juntar a tempo as assinaturas que precisava para validar seu partido, a Rede Sustentabilidade. Mesmo assim, só entre 2010 e 2014, cinco partidos foram criados. Até um ex-vereador de uma cidade-satélite de Brasília montou o seu. Tudo porque o esforço para abrir um partido compensa bastante por aqui. O Brasil nem é o país com mais agremiações políticas no mundo. Itália, França e EUA têm mais. Mas aqui há uma vantagem extra para os políticos; nossos partidos mal precisam de eleitores. O Estado garante dinheiro e exposição, não importando o que o partido representa, ou mesmo se ele representa alguma coisa. Só para dar uma ideia: Levy Fidelix foi processado em 2012 por uma série de filiados do PRTB. Eles reclamavam do fato de a sigla ser comandada por ele e por membros da sua família com base em reeleições infinitas e controle absoluto. O partido, então, mal representa seus próprios filiados. Mesmo assim, continua firme. E está longe de ser o único nessa situação. Poucos partidos resistem a um teste de representatividade. Eles não precisam ser fortes. A legislação, afinal, assegura tempo mínimo de TV a todas as siglas. Ele aumenta de acordo com a representação na Câmara federal. Isso garante uma cota mínima para defender ideias em público, mas também cria situações esquisitas. Para ter tempo na TV, os candidatos com chances precisam de coligações gigantes. Dilma Rousseff, do PT, concorre com o apoio de nove partidos. Geraldo Alckmin, do PSDB, disputa a reeleição em São Paulo sob a união de 14 legendas. Os segundos a mais no horário eleitoral valem como moeda. É aí que um pequeno partido pode virar um grande negócio. A troca pode ser entre tempo de TV, cedido pelo partido menor, e dinheiro vivo, por cortesia do partido maior. Cargos públicos também podem entrar no acordo, em caso de vitória da coligação. Ou seja: o partido nanico acaba funcionando como uma empresa, uma companhia cujo produto principal são segundos de TV. E esses segundos não se materializam do nada. O Estado paga por eles, com dinheiro público. Não de forma direta, mas paga. O governo calcula o valor que as empresas receberiam em publicidade naqueles minutos em que o horário eleitoral é veiculado, e deixa as TVs abaterem esse dinheiro do imposto de renda. Só nas eleições deste ano, o governo vai deixar de arrecadar R$ 840 milhões por causa do horário eleitoral. Desse jeito, é como se uma fatia desses milhões fosse canalizada direto para os partidos-empresa. Nós, contribuintes, pagamos pelos minutos do horário eleitoral. Aí eles pegam e vendem para o próprio bem. Outra fonte de dinheiro é o fundo partidário, também mantido pelo Estado, e que em 2013 foi de R$ 294 milhões. Hoje, 5% dessa reserva é dividida igualmente entre os 32 partidos. Os outros 95% são repartidos de acordo com a representação das siglas na Câmara. Em 2013, o PRTB, com dois deputados, recebeu R$ 1,3 milhão. Os que menos levaram foram os novatos Solidariedade e PROS, que ganharam R$ 115 mil cada um. Também tem os debates. Imagine: você, candidato nanico, pode negociar com algum candidato de verdade para só fazer perguntas bacanas, levantando a bola para ele em troca de alguns milhões de reais. Não há indício de que algo parecido já tenha acontecido. Mas a possibilidade existe, infelizmente. Bom, nos últimos anos, uma série de medidas foi tomada para organizar essa geleia geral - sem sucesso. Até a fiscalização sobre o dinheiro usado pelos partidos é fraca. Há muitas explicações, mas a mais abrangente tem a ver com idade. A democracia é jovem no Brasil. Estamos vivendo o maior período consecutivo de eleições livres da nossa história. Boa parte das garantias que os partidos têm foi gestada por pessoas que cresceram em um Brasil arbitrário e autoritário. Elas colocaram seus medos de perseguição em forma de lei. Só pena que a cautela de ontem tenha virado terreno fértil para gente esperta de hoje. ________________________________________ 2# REPORTAGENS outubro 2014 2#1 CAPA – MACONHA: REMÉDIO PROIBIDO 2#2 HISTÓRIA – O SUBMARINO NAZISTA NO BRASIL 2#3 TECNOLOGIA – SEU VOTO EM RISCO 2#4 CIÊNCIA – AS PRÓXIMAS EPIDEMIAS 2#5 COMPORTAMENTO – O TERRÍVEL MUNDO DOS COMENTÁRIOS NA INTERNET 2#6 GASTRONOMIA – O TEMPERO MAIS CARO DO MUNDO 2#7 POLÍTICA – 6 TRUQUES DO MARQUETING POLÍTICO 2#8 ZOOM – SONHOS DE PESCADOR 2#1 CAPA – MACONHA: REMÉDIO PROIBIDO EM JANEIRO DESTE ANO, uma garotinha brasiliense de 5 anos viu suas convulsões cessarem. Anny enfrentava até 80 crises por semana (número equivalente a uma crise a cada duas horas), causadas por uma rara síndrome genética, a CDKL5, que desencadeia um tipo grave e incurável de epilepsia. Remédios pesados faziam parte da rotina, mas sem resultados. O antídoto para as convulsões estava num óleo à base de canabidiol (CBD), componente extraído da maconha, sem qualquer efeito psicoativo. Katiele Bortoli e Norberto Fischer, mãe e pai dela, ouviram falar do caso de uma menina americana, portadora da mesma síndrome, que estava controlando as convulsões com CBD. Apesar de nunca terem imaginado que maconha poderia ser remédio, decidiram arriscar. Compraram a substância de um laboratório dos Estados Unidos, enviada ilegalmente para o Brasil. Em apenas nove semanas de tratamento, o diário onde os pais anotavam as crises ficou limpo. Três meses depois, quando as ampolas do óleo acabaram, os registros de ataques epiléticos voltaram a aparecer no papel. A remessa seguinte do produto não foi entregue: ficou retida na Receita Federal. Por ser derivado da Cannabis sativa, nome científico da maconha, o CBD está na lista de substâncias proibidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão que controla o uso de substâncias no Brasil. A impossibilidade de continuar o tratamento comoveu e revoltou o País. Katiele, que viu a filha voltar a convulsionar, não teve medo de tornar o caso público assumindo que, perante a lei, ela era traficante. E continuaria sendo, para garantir a saúde e a qualidade de vida da filha. Anny teve sua primeira convulsão aos 45 dias de vida, nos braços da mãe. Quando ela completou 3 anos, as crises começaram a atacar o tempo inteiro, deixando a criança completamente debilitada, sem condições de se desenvolver. O CBD, enfim, era uma esperança. Proibida. O caso de Anny e o uso medicinal da maconha ganharam espaço em jornais, revistas e programas de televisão em 2014. As pessoas se engajaram na causa. Mesmo as propriedades médicas da erva sendo milenarmente conhecidas e seu uso para fins medicinais ser legalizado em países como Canadá e parte dos Estados Unidos, a discussão nunca havia chegado com força ao Brasil. Um assunto sobre o qual reinava o silêncio acabou se revelando como uma possibilidade para centenas de milhares de brasileiros, não só crianças com síndromes raras. Pessoas que sofrem com esclerose múltipla, epilepsia, dores crônicas e até mesmo as que fazem quimioterapia e nem imaginavam que o uso de maconha poderia ser útil, ficaram sabendo de uma terapia alternativa aos tratamentos. A pressão popular foi tanta que o presidente da Anvisa, Dirceu Barbano, chegou a anunciar que o composto sairia da ilegalidade, o que acabou não sendo cumprido. O único efeito colateral conhecido do CBD é sono - muito mais leve do que as reações causadas por drogas tarja preta receitadas pelos médicos. Anny tomou entre outras medicações, Depakene, aprovada pela Anvisa, indicada para pacientes de epilepsia. A bula possui um tópico dedicado a advertências, que alerta para reações adversas graves como: diminuição das plaquetas, anormalidade na coagulação do sangue, insuficiência fatal no fígado e no pâncreas, excesso de amônia no organismo, que pode causar perturbações no cérebro também fatais, atrofia cerebral e comportamentos suicidas. "Foi a primeira medicação que tiramos quando o CBD começou a funcionar. Ela tomou a vida toda", conta Fischer. A família conseguiu uma ordem judicial e Anny foi a primeira paciente do Brasil a ter autorização para importar um medicamento à base de maconha. Após dez meses de tratamento, os avanços dela estão cada vez mais visíveis. "Se comparada com outras crianças, ela ainda parece muito debilitada, mas, quando comparada com ela mesma, a transformação é incrível", comemora Katiele. "Ela não emitia nenhum som, não tinha expressão nem movimento. Hoje ela consegue segurar o pescoço, chora, ri, reclama", completa. A última crise que ela teve foi no dia 3 de maio. Foi ao jornalista Tarso Araújo que Katiele contou sua história pela primeira vez, numa entrevista para o especial A Revolução da Maconha, da SUPER, quando o editor estava em busca de um paciente de epilepsia que se tratasse com maconha no País. "Eu fiquei sensibilizado com a história da Katiele. Era um absurdo que ela não pudesse medicar a filha. Isso me mobilizou, não só profissionalmente, mas pessoalmente", conta o jornalista. A colaboração dele não parou numa reportagem: acionou um advogado para ajudar a família, criou a campanha Repense para difundir informações sobre cannabis medicinal e chamou os amigos Raphael Erichsen e Rodrigo Braga para fazer um filme. No final de março, lançaram o curta Ilegal, peça responsável por alastrar a história pelo País. A repercussão mostrou como o assunto é, ao mesmo tempo, tabu e mobilizador. Deu fôlego para a produção de um documentário, em parceria com a SUPER, que estará nos cinemas este mês. Nele, estão traçadas as trajetórias de pessoas que lutam para se medicar legalmente, ou para cuidar de seus filhos, como é o caso de Katiele. "A família foi muito corajosa, eles não deram para trás em nenhum momento. Estavam dispostos a fazer o que fosse preciso para garantir que a Anny tivesse direito ao medicamento que estava salvando a vida dela", lembra Tarso. ILEGALIDADE VICIOSA Hoje, no Brasil, a burocracia é a seguinte; para utilizar substâncias listadas como proibidas é preciso fazer uma solicitação de importação à Anvisa, que inclua laudo e parecer médico. Mas, justamente por serem proibidas, os médicos não têm permissão para prescrevê-las e correm o risco de terem o registro profissional cassado pelo Conselho Federal de Medicina. A proibição da maconha no País também faz com que não seja fácil ter acesso à planta para o desenvolvimento de pesquisas. E é justamente pela escassez de estudos que a Anvisa alega ser inviável liberar o uso medicinal. Enfim: não tem pesquisa porque é proibido, e é proibido porque não tem pesquisa. Um ciclo vicioso que entrava o conhecimento científico, deixa os médicos de mãos atadas e limita o acesso dos pacientes à saúde. Desde o caso da Anny com o CBD, a Anvisa recebeu 77 pedidos de importação de derivados de maconha por pacientes (número fornecido pela agência no início de setembro). Destes, 58 foram aprovados, sete estão em análise, outros sete necessitam completar as exigências de informação solicitadas e um foi arquivado. Dois casos foram liberados por autorização judicial, um deles o da estudante de Terapia Ocupacional Juliana Paolinelli, que sofre de dor crônica. Ela foi a primeira paciente no Brasil autorizada a importar o medicamento Sativex, que contém 45% de Tetra-hidrocanabinol (THC), substância psicoativa da maconha que é eficaz no alívio da dor. Outros dois casos terminaram em morte. Um deles é o do menino Gustavo, de 1 ano, que sofria com a síndrome de Dravet. O processo para sua mãe, Camila Guedes, conseguir a liberação na Anvisa demorou um mês. Após a liberação, o produto ainda passou dez dias retido na Receita Federal. A criança, que só conseguiu usar o CBD por nove dias, tempo insuficiente para dar resultado, morreu após uma série de convulsões graves. A Anvisa afirma que o tempo médio para a análise tem sido de uma semana. Em maio, a reunião que definiria a reclassificação do CBD, passando da lista de proibidos para controlados, e facilitaria a vida dos pacientes uma vez que os médicos poderiam receita-lo, foi adiada. A agência informou que o assunto continua sem previsão de retorno para pauta neste momento. Por meio de nota, complementou: "Estamos falando de um produto sem análise de segurança e eficácia no País, já que até hoje nenhum laboratório solicitou o seu registro no Brasil. Por essa razão, uma condição fundamental para a importação por pessoa física é que exista um laudo de um profissional médico. Nesse caso é o médico que assume a responsabilidade pelo uso do produto e pelo estabelecimento das dosagens". Para os pesquisadores, a situação também é difícil, mas está melhorando. "Do meio do ano para cá, a Anvisa clareou os trâmites, ficou mais fácil importar", conta o biólogo Renato Filev, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que estuda o uso de maconha para ajudar a controlar a dependência de álcool. O processo de importação era tão complicado e caro que não valia a pena. Há dois anos, o pesquisador Lucas Maia, que faz estudos com canabinoides na mesma universidade, tentou seguir os procedimentos da Anvisa, mas só para a agência receber a documentação eram mais de R$ 5 mil. Todos os custos somavam cerca de R$ 10 mil, a serem pagos com o dinheiro da bolsa de financiamento da pesquisa. "A gente precisava usar dinheiro público para bancar a demanda de órgãos públicos", ironiza. Atualmente, o valor cobrado pela vigilância sanitária é de R$ 1.800, fora as taxas de tributação e transporte da Receita Federal. E, a partir da entrada das substâncias no País, o prazo de liberação do material estabelecido pela agência é de 24 horas. Para a avaliação dos documentos, entretanto, não há prazo definido. Há outros caminhos para conseguir as substâncias que são proibidas no Brasil. Um deles é fazer convênios com a Polícia Civil ou Federal para utilizar droga apreendida. O problema é a falta de controle na qualidade do material repassado para as pesquisas. "Não tem rigor farmacêutico. Uma vez, pedimos cocaína e eles nos enviaram pasta base", critica Filev. Outra possibilidade é contar com pesquisadores como José Crippa, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), que recebe os canabinoides como doação do laboratório THC Pharm, em Frankfurt, na Alemanha, interessado em apoiar a produção de conteúdo científico sobre o tema. Apesar da substância ser gratuita, custa caro trazê-la. "Nós arcamos com os custos de transporte, taxas de importação e exportação, despachante e taxas alfandegárias - isso tudo acaba tendo um custo razoavelmente elevado", conta Crippa, médico com doutorado em saúde mental. Ele colabora fornecendo CBD para pesquisadores parceiros. O biólogo Renato Filev lamenta, ainda, a falta de interesse de outros médicos e pesquisadores da área de saúde nas pesquisas sobre drogas, especialmente no estudo de seus possíveis benefícios. "Seria fundamental que médicos estivessem empenhados em pesquisar e fazer estudos clínicos com maconha, estudando novas possibilidades de tratamento. Mas são raros", lamenta Filev. Há consenso com relação aos benefícios à saúde de canabinoides isolados, mas muitos médicos não acreditam que maconha possa ser uma opção de tratamento. ERVA MALDITA? Um exemplo de instituição médica que é contra o uso medicinal da maconha é a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), rejeitando qualquer tipo de vinculação da erva ao tratamento de pacientes. Publicaram um manifesto contra a legalização, e lá consta; "Usar o falso pretexto de que a maconha faz bem é ingênuo e perverso. O que pode eventualmente vir a ser útil são substâncias extraídas da maconha, sem características alucinógenas, como ocorre com o canabidiol, vendido em formulações a óleo e spray. A maconha fumada não possui nenhuma evidência científica com relação a sua eficácia terapêutica". O texto também afirma que a droga, quando fumada, piora todos os quadros psiquiátricos, como depressão, ansiedade e bipolaridade, e multiplica a incidência de desenvolvimento de esquizofrenia. Mesmo procurada inúmeras vezes pela equipe da SUPER para entrevista, a ABP não se manifestou sobre o assunto para a reportagem. Maconha certamente tem contraindicações. Pacientes que tenham tendências a surtos psicóticos devem evitar o uso, porque o THC pode ajudar a desencadear alguma crise. Há também problemas relacionados ao uso crônico e excessivo, como dificuldade para memorização e desmotivação para as atividades diárias, e os riscos são maiores com usuários mais jovens. Mas isso não quer dizer que não existam médicos a seu favor. O psiquiatra Luiz Fernando Tófoli, pesquisador da Universidade de Campinas (Unicamp), escreveu um manifesto a favor da legalização da droga, assinado por cem médicos das mais diversas especialidades espalhados por todo o País. "A proibição é perversa, por prejudicar o acesso aos benefícios médicos desta planta cujos registros de uso curativo remontam há cerca de 5 mil anos", aponta o texto. Em entrevista, o psiquiatra comentou que considera o posicionamento da ABP irresponsável. "Não há evidências científicas que comprovem que a maconha agrave todos esses quadros psiquiátricos. Inclusive, pesquisas apontam para propriedades antidepressivas e antipsicóticas", explica. Ela também é eficaz contra dores crônicas e nas articulações, espasmos, convulsões, dentre outras complicações. O psiquiatra Elisaldo Carlini, um dos mais importantes pesquisadores da maconha no Brasil, que estuda o assunto há 40 anos, considera os benefícios inquestionáveis - sem negar os malefícios. Por isso, fundou o Maconhabras, grupo de pesquisa da Unifesp que trabalha com canabinoides, do qual Renato Filev e Lucas Maia também fazem parte. Hoje, a maconha tem sido estudada como alternativa até para tratar a dependência de drogas, em políticas de redução de danos, por suas possíveis capacidades de reduzir a depressão e a ansiedade, que contribuem para a dependência, e ajudar a melhorar o sono e o apetite. E não seria necessariamente trocar um vício pelo outro. Maconha tem baixo potencial para causar dependência química. O professor Carlini, inclusive, salienta que dependência é possível desenvolver por qualquer substância, se a pessoa estiver psicologicamente vulnerável. "Há trabalhos descritos na literatura sobre a dependência de cenoura - algumas pessoas tiveram até crise de abstinência. Em relação à maconha, há casos registrados de dependência, mas eles não são frequentes, se considerarmos a imensa população mundial de usuários", esclarece. Apesar de o CBD estar em evidência por não "dar barato", o THC também tem importantes propriedades medicinais, como o alívio de dores, náuseas, aumento do apetite e melhora do paladar, devolução da qualidade do sono, dentre outros benefícios. Alguns pacientes se incomodam com as reações mentais da substância, que, por algumas horas, pode reduzir as habilidades de coordenação motora e concentração e deixar a percepção da realidade distorcida. Mas a psicóloga norte-americana Amanda Reiman, gestora de políticas sobre drogas da Califórnia e especialista em redução de danos, garante que há alternativas. "Se o paciente não gosta desses efeitos, é possível tentar medicações com níveis maiores de CBD e menores de THC. Além disso, se a dor é localizada, como nas articulações, são recomendados loções ou cremes, que não possuem qualquer efeito psicoativo ", esclarece. Ela ainda critica: há resistência à maconha, mas, nas farmácias, há medicamentos legalizados que causam as mesmas reações mentais, alguns até alucinógenos, como os opiáceos, prescritos para a dor; as benzodiazepinas, usadas como relaxantes musculares; e os antidepressivos e ansiolíticos mais frequentemente receitados. HÁ MILÊNIOS NO MUNDO Dá a impressão de que o assunto é novo, já que tão pouco se falava sobre as terapias com maconha. Mas não é de hoje que se conhece suas propriedades medicinais. A cannabis consta nos tratados médicos das mais antigas civilizações. Era amplamente utilizada na Mesopotâmia, na Pérsia, na Índia, na China, para tratar as mais diversas doenças, há mais de 5 mil anos - e até ontem, praticamente. Seu uso só foi proibido mundialmente em 1961, durante convenção das Nações Unidas contra substâncias entorpecentes. Antes disso, os médicos prescreviam maconha em suas receitas, como conta o psiquiatra Elisaldo Carlini. "Na época em que meu avô era médico, no começo do século 20, ele a receitava para os pacientes com insônia e até com asma, por ser broncodilatadora", lembra. "É um dos mais valiosos medicamentos que a medicina descobriu, capaz até de aliviar dores causadas por distúrbios no próprio sistema nervoso." Foram essas propriedades nobres que fizeram dezenas de países no mundo inteiro reabrirem o debate sobre maconha medicinal, mesmo contra a vontade da ONU. Nas últimas duas décadas, pacientes, médicos e a comunidade científica se mobilizaram pelo direito ao uso da planta. E, graças à mobilização, conseguiram garantir tratamento para quem precisa nas mais variadas formas: em comprimidos, em óleos e loções, na planta in natura e até mesmo com produção de alimentos. No Estado norte-americano da Califórnia, a maconha medicinal é legalizada há 18 anos. Dos 50 Estados americanos, 23 mais o distrito onde fica a capital Washington possuem legislação para o uso médico da planta. Como o governo federal ainda não reconhece seu uso médico, os usuários correm riscos de sofrerem punição se estiverem consumindo ou portando a droga além da fronteira do seu Estado. Mas, uma vez lá, basta apresentar uma receita médica na farmácia mais próxima para comprar maconha na forma que considerar mais adequada. "Temos muitos produtos diferentes porque os pacientes têm necessidades diferentes. Os que precisam de alívio imediato da dor preferem inalar o medicamento. Outros precisam de um alívio mais duradouro, então preferem tomar o remédio por via oral", conta a psicóloga Amanda. Entretanto, quando a maconha é ingerida em alimentos, uma opção dos pacientes, a dificuldade de controlar a dosagem é maior, porque os efeitos não são imediatos. Apesar de bem difundida nos Estados Unidos, a possibilidade de prescrever maconha ainda inexiste para muitos médicos, que não fazem ideia das propriedades da erva, que pode ser uma alternativa mais barata e eficaz, e com menos efeitos colaterais que os tratamentos disponíveis. Ao contrário dos remédios tradicionais, a maconha pode agir em várias frentes. Por exemplo, em vez de propor um comprimido para náuseas, outro para melhorar o apetite e mais um para dar conta do humor de alguém que passa por quimioterapia, a maconha, por si só, pode atuar sobre os três sintomas, com poucos efeitos colaterais além do efeito psicoativo. Mas a imensa maioria dos pacientes de câncer passam por todo o tratamento sem nem ouvir do seu médico essa possibilidade. "Essas informações não são ensinadas nas escolas de medicina, então os médicos não são expostos a todo o conteúdo científico que já foi produzido em torno da maconha. Muitas vezes são os pacientes que ensinam os médicos sobre maconha medicinal", alerta Amanda. No Uruguai, a maconha foi legalizada em dezembro do ano passado, e os usos medicinal, recreativo e industrial devem ser regulados até 2015. A médica Raquel Peyraube trabalha há dez anos pela legalização e hoje é assessora do governo uruguaio. De acordo com ela, há diversos especialistas participando da regulamentação da lei. "Nós estamos definindo como será feito desde o cultivo até a exportação", explica. O principal objetivo da medida é neutralizar o narcotráfico no país. "É responsabilidade do governo proteger a população dos perigos da ilegalidade, como a péssima qualidade da maconha do tráfico e o crime organizado", aponta Peyraube. A ideia é criar um produto competitivo, com todos os processos sendo controlados pelo Estado. "Os usuários vão contar com opções de alta qualidade e com preço acessível, ou plantar por conta própria, se preferirem. Nos remédios, vão constar a dosagem exata de cada componente." Por mais que parte da população seja contra a legislação tão liberal, o posicionamento do governo é muito claro. "O Uruguai é um Estado laico. Não podemos deixar que se decida moralmente ou religiosamente o que é melhor ou pior para nós", completa a médica. Quando o assunto é saúde, o único critério deve ser a ciência. MACONHA MEDICINAL NO MUNDO Israel foi o primeiro país do mundo a legalizar o uso médico da planta. Uruguai, o último - por enquanto. Fique por dentro da legislação de cada um dos países que permitem o tratamento de pacientes com cannabis e seus derivados. AMÉRICA DO NORTE 1.CANADÁ PACIENTES PODEM USAR PLANTA IN NATURA COMO MEDICAÇÃO. HÁ CULTIVO LEGALIZADO DE MACONHA NO PAÍS 2001. O país já tem 37 mil pacientes fazendo uso regular da maconha. Há medicações de todos os tipos disponíveis. 2. ESTADOS UNIDOS PACIENTES PODEM USAR PLANTA IN NATURA COMO MEDICAÇÃO. PACIENTES PODEM USAR REMÉDIOS À BASE DE MACONHA. HÁ CULTIVO LEGALIZADO DE MACONHA NO PAÍS A PARTIR DE 1996. 23 Estados mais a capital legalizaram o uso medicinal. Federalmente, a maconha não tem propriedades terapêuticas reconhecidas. AMÉRICA DO SUL 3. URUGUAI PACIENTES PODEM USAR PLANTA IN NATURA COMO MEDICAÇÃO. PACIENTES PODEM USAR REMÉDIOS À BASE DE MACONHA. HÁ CULTIVO LEGALIZADO DE MACONHA NO PAÍS 3013. A maconha é legal no Uruguai. A partir de 2015, pacientes de qualquer doença, contanto que tenham prescrição, poderão plantar e comprar remédios nas farmácias. 4. CHILE PACIENTES PODEM USAR REMÉDIOS À BASE DE MACONHA. HÁ CULTIVO LEGALIZADO DE MACONHA NO PAÍS 2014. A partir de 2015, pacientes poderão receber remédios de maconha gratuitamente, oferecidos por um projeto-piloto do governo. Em setembro, foi aprovada a primeira fazenda para cultivo. EUROPA 5. ITÁLIA PACIENTES PODEM USAR REMÉDIOS À BASE DE MACONHA. HÁ CULTIVO LEGALIZADO DE MACONHA NO PAÍS 2013. Sativex e Marinol são liberados. A partir de outubro, tratamentos com plantas também serão permitidos. O cultivo será feito pelo exército. 6. BÉLGICA PACIENTES PODEM USAR REMÉDIOS À BASE DE MACONHA. 2001. Pacientes de glaucoma, esclerose múltipla, aids e dor crônica podem usar remédios à base de maconha. Mas ainda é muito burocrático. 7. FINLÂNDIA PACIENTES PODEM USAR PLANTA IN NATURA COMO MEDICAÇÃO. PACIENTES PODEM USAR REMÉDIOS À BASE DE MACONHA. 2006. O Sativex é liberado e um paciente já conseguiu autorização para utilizar Bedrocan. Lei válida para pacientes de dor crônica. 8. REP. TCHECA PACIENTES PODEM USAR PLANTA IN NATURA COMO MEDICAÇÃO. HÁ CULTIVO LEGALIZADO DE MACONHA NO PAÍS 2013. 20 mil pacientes cadastrados. Apenas maiores de 18 anos podem usar medicamentos e plantas farmacêuticas. O plano de saúde não cobre. 9. INGLATERRA PACIENTES PODEM USAR REMÉDIOS À BASE DE MACONHA. HÁ CULTIVO LEGALIZADO DE MACONHA NO PAÍS 2010. O Nabilone é usado em hospitais para amenizar a quimioterapia desde 1982. Apenas pacientes de esclerose múltipla podem usar Sativex. 10. HOLANDA PACIENTES PODEM USAR PLANTA IN NATURA COMO MEDICAÇÃO. HÁ CULTIVO LEGALIZADO DE MACONHA NO PAÍS 2003. O governo tem um órgão dedicado exclusivamente à maconha medicinal, que promove o cultivo de diversos tipos da planta e produção de medicamentos. 11. ESPANHA PACIENTES PODEM USAR PLANTA IN NATURA COMO MEDICAÇÃO. HÁ CULTIVO LEGALIZADO DE MACONHA NO PAÍS 2006. O uso medicinal é legalizado na Catalunha desde 2001. Qualquer paciente pode se medicar, com prescrição, inclusive com a planta in natura. 12. ROMÊNIA PACIENTES PODEM USAR REMÉDIOS À BASE DE MACONHA. 2013. Qualquer paciente pode usar medicamentos derivados de maconha, com prescrição médica. 13. DINAMARCA PACIENTES PODEM USAR REMÉDIOS À BASE DE MACONHA. 2012. Apenas portadores de esclerose múltipla podem usar Sativex. 14. SUÍÇA PACIENTES PODEM USAR REMÉDIOS À BASE DE MACONHA. 2013. Pacientes com receita são liberados para usar Sativex. 15. SUÉCIA PACIENTES PODEM USAR REMÉDIOS À BASE DE MACONHA. 2012. Apenas o Sativex e o Marinol são liberados. 16. ESLOVÊNIA PACIENTES PODEM USAR REMÉDIOS À BASE DE MACONHA. 2014. Pacientes de qualquer doença, com prescrição, podem usar remédios derivados de maconha. 17. FRANÇA PACIENTES PODEM USAR REMÉDIOS À BASE DE MACONHA. 2013. É um dos países europeus mais repressores em relação à maconha. O Sativex é liberado apenas para esclerose múltipla, com muitas restrições. OCEANIA 18. AUSTRÁLIA E NOVA ZELÂNDIA PACIENTES PODEM USAR REMÉDIOS À BASE DE MACONHA. 2010. O Sativex é liberado para pacientes com esclerose múltipla. ÁSIA 19. BANGLADESH, COREIA DO NORTE E ÍNDIA PACIENTES PODEM USAR REMÉDIOS À BASE DE MACONHA. PACIENTES PODEM USAR PLANTA IN NATURA COMO MEDICAÇÃO. HÁ CULTIVO LEGALIZADO DE MACONHA NO PAÍS DESDE SEMPRE. O uso de maconha é cultural e nunca foi proibido pelo Estado. ORIENTE MÉDIO 20. ISRAEL PACIENTES PODEM USAR REMÉDIOS À BASE DE MACONHA. PACIENTES PODEM USAR PLANTA IN NATURA COMO MEDICAÇÃO. HÁ CULTIVO LEGALIZADO DE MACONHA NO PAÍS 1993. São 12 mil pacientes registrados, das mais diversas doenças. O governo possui um programa de distribuição gratuita desde 2007. CONTINENTE AFRICANO Zimbábue e Ruanda manifestaram vontade de liberar a maconha para uso médico. OS REMÉDIOS SATIVEX: spray composto por 50% de CBD e 50% de THC. MARINOL: cápsulas de THC sintético, o dronabinol. CESAMET (NABILONE): cápsulas de canabinoide sintético similar ao THC DOENÇAS E SINTOMAS ALIVIADOS COM MACONHA A planta geralmente não cura, mas pode retardar o avanço de doenças, controlar sintomas e complementar os tratamentos convencionais. É eficaz contra alguns males e parece promissora contra outros. Há poucas pesquisas e muito por descobrir. OS RESULTADOS PARECEM PROMISSORES Apesar da escassez de pesquisas, já há registros de que a maconha pode ser útil para muitas doenças. DOENÇAS NEUROLÓGICAS Dores crônicas e Artrite Reumatoide – A maconha tem poder analgésico para tratar dores persistentes, inclusive as causadas pelo sistema nervoso. Reduz o consumo de outros remédios. Epilepsia - O canabidiol reduz significativamente os ataques epiléticos em pessoas que têm doenças resistentes a outros tipos de tratamento, como a síndrome de Dravet. Alzheimer – Canabinoides podem desacelerar o avanço do Alzheimer e outras formas de demência. Parkinson – Pode diminuir os tremores e melhorar o humor e o sono. Síndrome de Tourette – Pesquisas apontam para redução dos tiques. Esclerose Múltipla – Reduz espasmos, falta de sono e rigidez muscular. Mas pode aumentar a perda de memória e déficit de atenção, comuns a quem tem a doença. DOENÇAS INFLAMATÓRIAS Doença de Crohn – A maconha ameniza náuseas e dores intestinais e pode atacar (e até erradicar) as células que provocam a infecção. DOENÇAS VIRAIS AIDS – Combate sintomas e efeitos colaterais do tratamento, como náusea e perda do apetite. Hepatite C – Doses pequenas aliviam a depressão e as dores musculares, causadas pelos fortes remédios. OUTRAS Insônia – Ajuda a induzir o sono, além de permitir noites mais tranquilas – o que pode ser útil no tratamento de estresse pós-traumático. Câncer - Útil para o alívio dos efeitos colaterais da quimioterapia. Testes em animais mostraram que canabinoides podem matar células cancerígenas e até destruir tumores. Ansiedade - Auxilia pessoas com estresse ou trauma recente. Mas, se a pessoa usar maconha por muito tempo, o corpo deixa de produzir as substâncias ansiolíticas naturalmente. Glaucoma - Diminui a pressão intraocular, mas o resultado dura pouco e os efeitos colaterais pela dosagem são muitos. Pesquisas tentam encontrar uma forma segura de administrar maconha. Asma - Ao contrário do tabaco, o THC dilata os brônquios. Maconha vaporizada dá alívio semelhante ao das bombinhas. ATUAÇÃO DA MACONHA NO CORPO Temos receptores específicos para reconhecer as substâncias da maconha. Eles compõem o sistema endocanabinoide, que pode explicar por que a planta ativa tantas funções no organismo. CONCENTRAÇÃO DE RECEPTORES ENDOCANABINOIDES Áreas do nosso corpo onde a maconha tem mais influência. * É possível que os endocanabinoides dos NÚCLEOS DA BASE atuem na regulação da atividade motora. Isso também explicaria alguns dos efeitos da maconha, como a tendência a se mover mais devagar, por exemplo. * O NEOCÓRTEX é responsável pelo raciocínio, a abstração e o planejamento. Aqui, pesquisadores acreditam que uma das funções dos canabinoides seja regular o ciclo do sono. Se isso for confirmado, pode explicar a sensação de sonolência causada pela maconha. * O HIPOTÁLAMO coordena manifestações emocionais como o choro e é responsável pelo apetite. A anandamina, um dos endocanabinoides já conhecidos, interfere nessas funções, assim como o THC. Aí começa a fome (ou a larica). * O HIPOCAMPO lida com a memória. As amídalas, com as memórias afetivas e o senso de perigo. O giro do cíngulo controla o humor e a agressividade. Os cientistas agora querem saber se ter poucos receptores nessas regiões se relaciona com transtornos de ansiedade, estresse pós-traumático, fobias e dor crônica. Por essa razão, a maconha é estudada como opção de tratamento para esses distúrbios. * No CEREBELO, os endocanabinoides interferem no equilíbrio – o que também explicaria o desequilíbrio causado pela maconha. * O TRONCO ENCEFÁLICO controla a respiração, os batimentos cardíacos e o vômito. Cientistas especulam que a presença de receptores nessa parte do cérebro faz com que a maconha ajude no controle da náusea. FUNCIONAMENTO DOS ENDOCANABINOIDES – O papel desse sistema, que atua no cérebro, é funcionar como regulador. A. Os neurotransmissores comuns excitam ou inibem a transmissão dos impulsos pelos neurônios. A adrenalina desencadeia reações de fuga, por exemplo. B. Os canabinoides agem diferente. Eles têm ação reguladora, com efeitos mais duradouros que os outros neurotransmissores. C. Tanto os canabinoides do nosso corpo quanto os da maconha avisam que está na hora de parar a liberação de neurotransmissores. Então, sensações como o medo, por exemplo, são controladas. 2#2 HISTÓRIA – O SUBMARINO NAZISTA NO BRASIL Ele veio para cá fazer a guerra, acabou afundando, e foi encontrado por exploradores brasileiros. A Marinha não quer que o submarino seja mexido. Mas uma expedição conseguiu ir até ele. Veja o que ela encontrou. REPORTAGEM Daniela Schwanke EDIÇÃO Bruno Garattoni EM JANEIRO DE 1942, o Brasil cortou relações diplomáticas com a Alemanha de Hitler. Os nazistas responderam de modo enfático: mandando uma frota de submarinos para a nossa costa. Sua missão era impedir o envio de suprimentos dos EUA para a Europa, torpedeando os navios que passassem pelo Atlântico. O alvo principal era a Marinha americana, mas também sobrou para nós: até o final da guerra, os nazistas afundaram 36 navios mercantes brasileiros, deixando 1.074 mortos. Um verdadeiro massacre, que gerou comoção nacional na época. Os alemães enviaram 25 submarinos para patrulhar o Brasil. Onze foram afundados pelos Estados Unidos. Apenas um deles, o U-513, foi localizado até hoje. Ele foi encontrado pelo velejador Vilfredo Schurmann, que passou anos procurando os destroços e está produzindo um filme a respeito (Em Busca do Lobo Solitário, atualmente em fase de edição). "A área de busca era muito grande. Era como procurar uma agulha no palheiro", conta. INFERNO SUBMERSO O U-513 era chefiado pelo almirante Friedrich Guggenberger, um herói entre os nazistas. Em 1941, ele foi condecorado pelo próprio Adolf Hitler por ter afundado um porta-aviões britânico. Guggenberger era de uma eficiência implacável - até o final da Segunda Guerra, ele afundou 17 navios. Mas a vida dentro de seu submarino não era das mais agradáveis. "Pegava-se um motor e construía-se um submarino em volta", diz Telmo Fortes, autor de um livro sobre o U-513. Isso significa que não sobrava espaço para quase nada - nem para que cada um dos tripulantes tivesse o próprio colchão. "Eles adotavam o chamado 'beliche quente'. Quando terminava seu turno, o marujo que saía do serviço se recolhia a uma cama que vagava." Havia apenas dois banheiros, um dos quais foi transformado em despensa - e os presuntos, salames e peças de carne de porco salgada ficavam pendurados ao longo do corredor central, dificultando ainda mais a circulação. O U-513 era bem primitivo para os padrões atuais. Usava tecnologias herdadas da Primeira Guerra Mundial e tinha de ser frequentemente abastecido por outros submarinos, conhecidos como "vacas leiteiras", que levavam combustível (diesel), armas e mantimentos. Começou a navegar em agosto de 1942, mas Guggenberger só assumiu seu comando em maio de 1943. Não duraria muito. No dia 19 de julho, um hidroavião americano viu o submarino na costa de Santa Catarina - e lançou duas bombas sobre ele. A segunda pegou em cheio. Apenas sete tripulantes sobreviveram, entre eles o próprio Guggenberger. "Os militares [americanos] poderiam tê-los deixado em alto-mar, mas preferiram salvar os sobreviventes", diz Schurmann. Guggenberger foi levado até uma penitenciária no Arizona, onde ficou até 1944. Em 23 de dezembro daquele ano, ele e outros 24 prisioneiros de guerra fugiram. Ele chegou a ser recapturado perto da fronteira com o México, mas acabou liberado pelos Aliados em 1946. Voltou à Alemanha, onde chefiou um quartel-general da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar coordenada pelos EUA na Europa) até se aposentar em 1972. PERMISSÃO NEGADA Vilfredo Schurmann soube do afundamento do submarino em 2002, enquanto fazia uma regata da ilha de Vitória até a ilha de Trindade - a aproximadamente 1.500 quilômetros de distância da costa brasileira em direção à África. "Em uma das noites, conversando com um fotógrafo e amigo meu, ele me mostrou um livro." Era A Última Viagem do Lobo Cinzento, o livro escrito por Telmo Fortes. A partir daí, foram 11 anos de pesquisa, entrevistando especialistas e pessoas envolvidas na história. "Fizemos um levantamento de dados, checamos e rechecamos informações, definimos uma área de busca, juntamos uma equipe de arqueólogos, oceanógrafos, biólogos e engenheiros", diz Schurmann. Foram 18 expedições de barco. A equipe usava um sonar, que funcionava como um radar submerso. Não era fácil enfrentar o mar agitado e ao mesmo tempo içar e submergir o sonar, que ficava conectado por um cabo de 130 metros. "Muitos da equipe desistiram", conta ele. Até que, depois de dois anos varrendo o fundo do mar, finalmente o submarino foi encontrado. "Foi uma emoção indescritível", diz Schurmann. Segundo ele, o submarino tem um grande furo no casco e está com o bico de proa quebrado, mas de resto está intacto. Ou seja, dentro dele com certeza há tesouros históricos de enorme valor - e, muito provavelmente, os esqueletos de 47 soldados nazistas. Por isso, a Marinha negou o acesso ao local. Não permitiu que mergulhadores desçam até o U-513. "Nós solicitamos a exploração, como já foi feita em vários países", diz o velejador. Procurada pela SUPER, a Marinha explicou que o lugar é considerado um "túmulo de guerra" (local onde há restos mortais de combatentes), e por isso não é permitido mexer nele. "Eu entendo que deveria ser permitida a exploração [por mergulhadores], para poder identificar alguns objetos do U-513. O mergulho seria feito com total segurança. Estávamos com tudo preparado", lamenta Schurmann. A Marinha só autorizou a ida de um robô até o submarino, o que já foi feito. As imagens gravadas por ele farão parte do documentário sobre o U-513, que será lançado no ano que vem. No final de setembro, Schurmann partiu com a família para uma nova expedição de veleiro. Eles irão passar por cinco continentes (veja o itinerário em expedicaooriente.com.br), e só deverão voltar ao Brasil em dezembro de 2016. Ele diz que não tem intenção de procurar outros submarinos afundados na costa brasileira. Mas acha que um deles pode ser encontrado: o U-199, afundado ao largo da cidade do Rio de Janeiro. "Os outros foram afundados em profundidades bem maiores, no Nordeste." A costa brasileira ainda guardará segredos da Segunda Guerra por muito tempo. Alguns, para sempre. A BUSCA Projeto usou mesmo veleiro no qual a família Schurmann cruzou o planeta em 1997. VELEIRO Chama-se Aysso e tem 16 metros de comprimento. 2 anos FOI A DURAÇÃO da busca pelo submarino. 18 FOI A QUANTIDADE de expedições para procurá-lo. 20 km2 FOI A ÁREA RASTREADA. É o equivalente a 13 Parques do Ibirapuera. 135 metros É A PROFUNDIDADE na qual o submarino foi encontrado. SENSOR Funciona como um sonar (radar submarino), emitindo ondas sonoras para localizar objetos submersos - que refletem essas ondas. É conectado ao veleiro por um cabo de 130 metros. O SUBMARINO O U-513 tinha motores a diesel - que acabava e tinha de ser reposto após alguns meses. Não era como os submarinos nucleares de hoje, que nunca precisam ser reabastecidos. 76 metro de comprimento. Largura do casco 6,75 metros. ARMAS três canhões, um deles antiaéreo, mais 22 torpedos e 44 minas explosivas. Tripulantes 54 Autonomia 25.000 km Velocidade 15 a 31 km/h Peso 760 toneladas PARA SABER MAIS u-513.com 2#3 TECNOLOGIA – SEU VOTO EM RISCO Neste mês, 142 milhões de brasileiros vão às urnas. Apesar de celebrado no mundo inteiro, o sistema possui três falhas que podem colocar seu voto em perigo. TEXTO E EDIÇÃO Luiz Romero ANTES DA ELEIÇÃO A urna eletrônica não passa de um pequeno e resistente computador, equipado com teclado (utilizado pelo mesário) e impressora (para produzir boletins de votos). O programa dentro dela, composto por 12 milhões de linhas, é escrito pelo Tribunal Superior Eleitoral. CÓDIGO SECRETO Apenas partidos, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério Público podem checar o programa. E os testes públicos feitos em 2012 não foram repetidos neste ano. Para Diego Aranha, especialista em criptografia da Unicamp, essa falta de transparência pode ocultar falhas de segurança. Henrique Neves, ministro do TSE, responde que grupos independentes (e representativos) podem pedir acesso ao código. Cerca de um mês antes da eleição, são feitas cópias do programa. Duas ficam em Brasília, numa sala-cofre protegida por portas blindadas, que podem ser abertas somente por seis funcionários do TSE. Os programas são enviados de forma digital ou dentro de cartões de memória para 530 mil urnas de todo o País. DIA DA VOTAÇÃO ORDEM NA BAGUNÇA Para garantir o sigilo das escolhas dos eleitores, a urna embaralha os votos. Mas um grupo da Universidade de Brasília, que fez testes de segurança na máquina em 2012, encontrou a chave usada para fazer essa mistura e conseguiu ordenar os números de acordo com o horário em que cada eleitor inseriu os votos, o que permitiria a quebra do sigilo. O TSE informa que o problema foi corrigido. Na manhã da eleição a urna imprime um recibo que comprova a inexistência de votos no seu sistema. Esse papel, chamado zerésima, sai da pequena impressora instalada dentro da máquina. Durante nove horas, a urna recebe os votos dos eleitores. Neste ano, eles podem escolher entre mais de 26 mil candidatos, dos cargos de deputado a presidente. IMPOSSÍVEL CONFIRMAR Segundo Amílcar Brunazo, engenheiro e especialista em máquinas de votação, o eleitor não possui meios de confirmar que o número que digitou é aquele mantido pelo programa e depois transmitido ao TSE. Neves garante a fidelidade do registro, mas Brunazo acredita que imprimir o voto de eleitor para conferência seria uma forma de minimizar riscos de fraude eleitoral. Ao final do dia, o mesário insere na urna um código que encerra a votação. A máquina conta os votos e registra tudo num pen drive. Além dessa gravação digital, a urna também imprime em papel quantos votos cada candidato recebeu. Esses boletins são pendurados na seção. APÓS A ELEIÇÃO Os resultados que estão no pen drive, transmitidos por uma rede privada, podem ser descartados e reenviados várias vezes caso o TSE perceba sinais de fraude. Os votos são somados àqueles que chegam de todo o Brasil. APURAÇÃO COLETIVA O aplicativo Você Fiscal permite uma checagem coletiva dos resultados das eleições. Com o celular, eleitores podem fotografar os boletins emitidos pelas urnas (com os votos recebidos por cada candidato) e comparar com os dados oficiais. Segundo Diego Aranha, que desenvolveu a ferramenta, a ideia é verificar se os dados foram fraudados na transmissão para o TSE. A URNA 530 mil urnas eletrônicas 315 é a média do número de eleitores por máquina 1996 – A urna eletrônica começa a ser usada. 2000 – Eleições digitais em todas as cidades do Brasil. 2018 – Prazo para que todas as urnas possuam leitores de impressão digital. 21 milhões – Número de eleitores que votam em urnas com leitores de impressão digital, uma nova tecnologia que está sendo testada pelo TSE. 3 dias – Tempo de viagem da urna até os índios Cinta Larga, no Mato Grosso. 12 milhões – Linhas de código dos programas da urna. OS ELEITORES 142 milhões 48% homens 52% mulheres PROBLEMA GERACIONAL 1ª GERAÇÃO - Nível das urnas no Brasil, que gravam os votos apenas de forma digital. Somos um dos poucos países do mundo ainda nessa geração. 2ª GERAÇÃO - Urnas dessa geração são capazes de imprimir o voto para checagem. São usadas em algumas regiões da Índia. 3ª GERAÇÃO - Caso de máquinas na Argentina, onde o eleitor pode acompanhar seu voto durante todo o processo de transmissão de dados. 2#4 CIÊNCIA – AS PRÓXIMAS EPIDEMIAS Gripe aviaria, gripe suína, ebola. Isso foi só o começo. Para muitos cientistas, o mundo irá viver uma grande epidemia — que afetará boa parte da população mundial. E ela pode começar a qualquer momento. REPORTAGEM Salvador Nogueira EDIÇÃO Bruno Garattoni AS DOENÇAS MAIS MORTAIS VÊM TODAS DA MESMA FONTE: ANIMAIS TUDO COMEÇA COM FEBRE ALTA, garganta seca e dores de cabeça. Gripe, certo? Vai melhorar. Só que não melhora. Vem o vômito incontrolável, uma diarreia ataca forte e surgem irritações na pele. Uma intoxicação alimentar, certo? Vai melhorar. Só que não melhora. A pessoa começa a sangrar pela pele e alguns de seus órgãos, como os rins e o fígado, começam a falhar. Ela está com ebola. Apavorante, não é? O vírus mata entre 50% e 90% das pessoas que o contraem em questão de dias. E este ano teve o maior surto de ebola da história. Pela primeira vez, o vírus ameaçou deixar a África e atacar outros continentes. Até a conclusão desta edição, havia 3 mil casos da doença, com mais de 1.500 mortes. A Organização Mundial de Saúde estima que 20 mil pessoas sejam infectadas até o final do ano - o que deverá significar 10 mil mortes por ebola. A epidemia está sendo contida e, ao que tudo indica, não haverá uma epidemia global. Mas o caso já é apontado pelos especialistas como um ensaio do que está por vir. Muitos cientistas acreditam que a humanidade irá acabar enfrentando um surto sem precedentes, que irá matar uma parcela significativa da população mundial. A grande dúvida é: como e quando essa grande epidemia vai acontecer? E de onde ela virá? JÁ ACONTECEU ANTES Isso não seria exatamente uma novidade. Em 1918, uma mutação do vírus da gripe se espalhou rapidamente pelo mundo e, em questão de um ano, matou pelo menos 50 milhões de pessoas. A gripe espanhola, como ficou conhecida, ceifou mais vidas que a Primeira Guerra Mundial, que aconteceu na mesma época. Na ocasião, ninguém sabia nem o que era um vírus, quanto mais como combatê-lo. Estimativas indicam que 500 milhões de pessoas chegaram a ser infectadas pela gripe espanhola. Um quarto de toda a população mundial na época. Em 2005, ao estudar um cadáver de uma vítima conservado sob o gelo no Alasca, pesquisadores dos CDC (Centros para Controle e Prevenção de Doenças), nos Estados Unidos, conseguiram recuperar amostras do vírus da gripe espanhola. Ele foi ressuscitado para estudos em laboratório. Dois anos depois, outro grupo de cientistas pegou o vírus recriado e o inoculou em macacos, para entender como a gripe agia. Descobriram algo surpreendente. O vírus fazia o sistema imunológico da vítima disparar - causando danos ao próprio organismo, que levavam à morte. Ou seja: o que matava não era a ação direta do vírus em si. Numa tentativa desesperada de reação a ele, o corpo se autodestruia. Isso explicou por que a gripe espanhola era mais letal para as vítimas jovens, de 20 a 50 anos. Elas tinham o sistema imune mais forte. Quanto maior a altura, maior o tombo. O ebola ainda não se espalhou pelo mundo porque, diferentemente do vírus da gripe, ele não se propaga pelo ar (apenas pelo contato com secreções e fluidos corporais da pessoa infectada). E porque, ao contrário do HIV, por exemplo, ele mata depressa - o que evita que a pessoa tenha tempo de espalhar a doença para muitas outras. Mas, se ele sofrer uma mutação, e alguma dessas características mudar, a humanidade não terá como escapar de uma epidemia global. É um pensamento aterrorizante. Por isso, há cientistas trabalhando a todo vapor para tentar evitar que esse cenário se concretize. Mas há uma variável incontrolável nessa história toda. É o que une a gripe espanhola, a aids e o ebola no mesmo pacote de doenças: todas elas são causadas por vírus que originalmente vieram, de animais. A ZONA DAS ZOONOSES "Esses surtos de doenças estão conectados, um atrás do outro", afirma o escritor americano David Quammen, autor do livro Spillover: Animal Infections and the Next Human Pandemic ("Propagação: infecções animais e a próxima pandemia humana" , ainda sem versão em português). "E isso é o resultado não intencional de coisas que nós estamos fazendo." São as intervenções humanas na natureza, cada vez mais agressivas, que provocam o surgimento das chamadas zoonoses — a passagem de vírus dos animais para nós. Todas as grandes epidemias começam assim. E não é difícil entender o porquê. Se um vírus está confinado em animais, ele não tem contato com seres humanos. Isso significa que os humanos não desenvolvem qualquer adaptação a ele. Quando o vírus sai dos bichos e vem até nós, estamos despreparados para reagir. Nosso organismo não consegue combatê-lo com a força necessária, ou então age de forma brutal demais, e por isso autodestrutiva (como no caso da gripe espanhola). As zoonoses estão por trás das principais ameaças atuais. O ebola veio dos morcegos, cuja carne é considerada alimento em alguns países africanos. A aids veio dos chimpanzés, pelo contato entre o sangue de um chimpanzé infectado pelo SIV (um vírus parente do HIV) e o sangue de um ser humano. As gripes suína e aviária surgiram dos porcos e das aves - e seu espalhamento foi facilitado porque criamos enormes quantidades desses bichos, em locais confinados, para matar e comer. Mas será possível detectar — e conter — uma epidemia antes mesmo que ela comece? Alguns cientistas apostam que sim. Eles estão criando simulações de computador e novas técnicas de diagnóstico para tentar detectar vírus perigosos no mundo animal, antes que cheguem à humanidade. "A ideia é identificar infecções sérias, como a próxima SARS", diz o epidemiologista Stephen Morse, da Universidade Columbia. A SARS, sigla inglesa para síndrome respiratória aguda grave, apavorou o mundo em 2002. Surgida na China, ela era causada por um vírus que não se espalhava pelo ar, apenas em gotículas de saliva. A partir de novembro de 2002, a doença começou a se espalhar de avião pelo mundo todo, carregada por pessoas infectadas. Chegou a 37 países e só foi contida, em julho de 2003, porque o vírus foi identificado rapidamente, o que permitiu isolar as pessoas contaminadas. Dos 8.273 casos registrados da doença até a contenção do surto, houve 775 mortes. A SARS também veio dos animais: civetas (mamífero africano que parece um gato selvagem), cães-guaxinins e até gatos domésticos que pegaram o vírus de morcegos e o repassaram. Tudo sempre termina nos humanos, um alvo irresistível para os vírus — somos 7 bilhões de indivíduos, a maioria amontoada em cidades, e até o final do século poderemos chegar a 11 bilhões. Isso, claro, se uma grande epidemia não devastar a população. UM SUPERVÍRUS CRIADO EM LABORATÓRIO PODERIA ARRASAR O PLANETA. E ELE JÁ EXISTE. OS SUPERVÍRUS Em 2009, pareceu que a humanidade iria viver uma nova catástrofe. Começou a circular, vinda dos porcos, uma versão particularmente perigosa do vírus influenza, o causador de todas as gripes. Os porcos têm uma característica ruim: eles podem ser contaminados tanto pela gripe humana quando pela gripe aviária. Os dois vírus se encontram dentro do porco e podem trocar genes entre si — gerando uma versão mais forte. Foi o que aconteceu. O supervírus se chamava H1N1. E a doença que ele provocava foi batizada de gripe suína. A epidemia surgiu no México, se espalhou pelo mundo e gerou um esforço global de combate (no Brasil, grande parte da população foi vacinada). A doença só foi contida em 2010, quando já tinha matado 300 mil pessoas. Mas 11% a 21% da população mundial foi infectada pelo H1N1. Ou seja: podia ter sido ainda pior. Bem pior. Ninguém demonstrou isso de forma mais contundente que Yoshihiro Kawaoka, um controverso cientista da Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Ele pegou o H1N1 e, em laboratório, induziu-o a sofrer mutações em ritmo acelerado. Acabou criando um supervírus - que é imune a todas as vacinas conhecidas pelo homem. Kawaoka está tentando se antecipar à natureza e criar vírus assassinos, bem como defesas contra eles, antes que as epidemias estourem por aí. Mas e se os vírus escaparem? Ele diz que não há perigo. "O trabalho é feito por pesquisadores experientes em condições apropriadas, com aprovação prévia de um comitê de biossegurança", disse o cientista ao jornal britânico The Independent. Mas algo sempre pode dar errado. Recentemente, o governo dos EUA encontrou num refrigerador de laboratório amostras do temível vírus da varíola - que deveriam ter sido destruídas após a erradicação da doença, em 1980. Muita gente, inclusive cientistas, não gosta da ideia de vírus super-perigosos guardados em laboratório. Para piorar, a medicina moderna também está criando outra ameaça: bactérias superperigosas. Essas, fora do laboratório. São cada vez mais frequentes os relatos de infecções hospitalares incuráveis, causadas por bactérias imunes a todos os antibióticos. Só nos EUA, elas já causam cerca de 25 mil mortes por ano, e o quadro tende a piorar. O surgimento dessas superbactérias é resultado de décadas de uso exagerado dos antibióticos. Hoje, damos esses remédios até para os animais, com pouco controle (nos EUA, 80% de toda a produção de antibióticos é consumida por bois, vacas, porcos, galinhas e outros animais criados para abate). O problema é que a exposição constante aos antibióticos está fazendo com que as bactérias criem imunidade a eles. Durante o século 20, estivemos na dianteira. Agora, as bactérias estão começando a reagir. A humanidade tem tentado reduzir o uso dos antibióticos (no Brasil, por exemplo, agora só é possível comprá-los com receita, que fica retida na farmácia) e criar novas versões deles, mas está perdendo terreno. Nos últimos cinco anos, apenas dois novos antibióticos foram aprovados nos EUA - um ritmo de inovação oito vezes menor do que nos anos 80. Nossas armas estão acabando. Por isso, já se cogita uma estratégia radical: abandonar os antibióticos tradicionais e usar vírus para matar as bactérias. A ideia é encontrar (ou desenvolver) vírus que não façam nada contra células humanas, mas sejam letais para as bactérias. Até, claro, que apareçam superbactérias imunes a eles. Assim é a corrida armamentista da biologia. E da vida. Aconteça o que acontecer, uma coisa é clara. O sonho ingênuo do século 20, de erradicar todas as doenças infecciosas, acabou. A realidade do século 21 é muito mais dura. É criar todas as armas possíveis para se prevenir contra as próximas epidemias. Mas sabendo que, cedo ou tarde, elas virão. 2#5 COMPORTAMENTO – O TERRÍVEL MUNDO DOS COMENTÁRIOS NA INTERNET Por que sites de notícia e redes sociais são infestados de comentários cheios de ódio, rancor e extremismo? O que são haters e trolls? De que se alimentam? Como identifica-los? REPORTAGEM Ana Prado EDIÇÃO Felipe van Deursen "À medida que cresce uma discussão online, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler ou nazismo aproxima-se de 100%." A Lei de Godwin, batizada em homenagem ao advogado americano que decretou isso no longínquo 1990, costuma ser certeira ainda hoje. A ideia contida na sentença diz que discussões digitais tendem a se radicalizar e mudar de foco. Faça o teste. Clique em qualquer notícia na internet e você encontrará postagens extremistas e ofensas gratuitas. Seu avô já dizia que discutir política, religião e futebol podia dar encrenca. Se esses embates podem ocorrer no bar com amigos, na terra de anônimos da internet a coisa beira a selvageria. No começo do ano, algumas mulheres criaram páginas no Facebook contra o assédio sexual. Uma causa séria e delicada. Menos para os homens que as ameaçaram de estupro. E a violência não se limita a questões de gênero, é claro. Em junho, em uma notícia publicada no portal Exame.com sobre os países com menores índices de violência, um usuário escreveu: "É muito difícil para algumas pessoas aceitar o fato de que, além de ser bonita e inteligente, a raça branca é a mais evoluída. Não estou cometendo racismo, apenas citando um fato." Há muito lixo na internet. GARIS DIGITAIS Durante um mês, mergulhei nesse lodaçal de comentários. Não me fez muito bem. Então imagine como é trabalhar todo dia com isso. É a função dos moderadores, que limpam diariamente blogs e sites do chorume da internet, a fim de remover frases ofensivas. É um trabalho enorme. Só no Facebook, mais de 1,2 bilhão de pessoas compartilham links e opiniões por mês. A moderação desse conteúdo conta com algoritmos que fazem uma filtragem prévia, mas isso é parte do trabalho, que ainda precisa de pessoas. Elas são, em grande parte, estudantes da Ásia, África e América Central que ganham cerca de US$ 4 por hora para ver e limpar conteúdo envolvendo abuso animal, violência, racismo, pedofilia, necrofilia, suicídios e coisas do tipo. Bruna é uma delas. O nome é fictício porque seu trabalho a torna alvo de radicais da internet (mais sobre eles adiante). Ela trabalha em uma empresa terceirizada que modera comentários em fóruns, notícias e blogs de empresas de comunicação do Brasil. A regra geral é barrar todo conteúdo ofensivo, com apologia à violência, preconceito, homofobia ou palavrões. "Em redes sociais, os moderadores são obrigados a ver conteúdos que vão de gente mutilada a pedofilia. Em comentários de notícias, o que mais assusta é o preconceito, que é muito forte no Brasil", diz. Se esse preconceito fica mais nítido em páginas na internet do que na fila do mercado, um motivo é claro: o anonimato. Em 1976, em um clássico estudo da psicologia social, pesquisadores da Universidade de Washington observaram cerca de 1,3 mil crianças na brincadeira de travessuras e gostosuras do Dia das Bruxas. Em 27 casas, elas eram recebidas por um adulto que lhes mostrava dois potes - um com dinheiro, outro com doces. As crianças não deveriam mexer no primeiro e só poderiam pegar um doce cada. Em parte das casas, a anfitriã perguntava nome e endereço de todos. Nas outras, não. Em seguida, saía de cena e deixava a garotada sozinha. O resultado foi o esperado: houve mais trapaça entre crianças em grupo, especialmente quando elas eram anônimas. Quando davam nome e endereço, 20% trapaceavam. Quando não diziam nada, 60% enchiam os bolsos de doces e, às vezes, até de moedas. A conclusão todo moleque que já quebrou vidraça do vizinho sabe. Grupos de anônimos são mais propensos a desrespeitar regras, pois acreditam que sairão impunes. Essa desindividualização é comum. Parado no trânsito, você já se pegou fazendo coro a outros motoristas dizendo coisas horríveis ao fulano lá na frente que travou um cruzamento? E xingar a mãe do juiz no estádio? Somos um só nessa bagunça, não há um indivíduo definido. Não nos sentimos responsáveis. A internet é isso, só que pior, porque não há corpo presente e a turba é incrivelmente maior. Assim, o usuário se sente ainda mais impune - e poderoso. E isso fica irresistível na hora de disparar impropérios contra aqueles que têm um ponto de vista diferente. Alguns desses sites e blogs são terreno fértil para a proliferação dos chamados haters, ou, em bom português, odiadores. É o caso do Blog do Sakamoto, do portal UOL. Responsável pela página sobre direitos humanos, o jornalista Leonardo Sakamoto atrai a ira de muitos brasileiros. "Estou acostumado. Sei que esse pessoal está aí para fazer bullying. Mas quem não está preparado pode ter a vida transformada em um inferno", diz. Mesmo assim, após oito anos de blog, ele continua se surpreendendo com as reações aos seus posts. "A ideia nunca foi criar algo polêmico. Mas não sabia que direitos humanos era um tema tão espinhoso no Brasil." Sakamoto não acredita que os comentaristas da internet representem um retrato fiel da população. "Os reacionários são minoria, mas são os mais barulhentos. Acho que muita gente que concorda comigo não comenta. Em blogs que defendem ideias de direita, quem é de esquerda é que pega mais pesado", afirma. É o que acontece com outro blogueiro famoso por atrair detratores, Rodrigo Constantino, do portal Veja.com. "A maioria dos que criticam parte para ofensas pessoais, ataques chulos ou repetição automática de slogans marxistas", diz o economista. Personalidades polêmicas na internet costumam atrair haters. Mas todo mundo que posta alguma coisa, seja alguém de extrema direita, de extrema esquerda ou você reclamando do preço da passagem, é sujeito a levar pedradas. É um comportamento típico da internet. Odiadores odiarão, sentença que é mais conhecida no inglês: haters gonna hate. POÇO DE ÓDIO Os psicólogos Justin Hepler e Dolores Albarracín, das universidades americanas de Illinois e da Pensilvânia, respectivamente, publicaram um estudo em 2013 que ajuda a explicar o ódio online. Eles pediram para voluntários indicarem, em uma escala, como se sentiam em relação a estímulos variados. O resultado dividiu as pessoas em dois grupos: abertas ao desconhecido e fechadas. O primeiro grupo tende a ser mais curioso. O segundo não gosta de nada. Isso cria um padrão de comportamento em que o que é avaliado é menos importante do que quem avalia. Os haters pertencem ao segundo grupo, pois odeiam o desconhecido - que permanece desconhecido por causa de outro fenómeno, o viés de confirmação. Esse conceito da psicologia cognitiva diz que tendemos a ignorar ou desprezar fatos que contradigam algo em que acreditamos. Outro estudo, da Universidade do Estado de Ohio, mostrou que as pessoas passam 36% mais tempo lendo um texto se ele se alinha com sua opinião. "Você fica tão confiante na sua visão de mundo que ninguém consegue dissuadi-lo", explica o jornalista americano David McCraney no livro Você Não é Tão Esperto Quanto Pensa. O conformismo de bater nas mesmas teclas alimenta o medo de absorver ideias novas - e vice-versa. No anonimato da internet, esse é o combustível para comentários inflamados de ódio e a razão da existência e proliferação dos haters. Para piorar, isso sustenta outra praga da internet, as teorias da conspiração. Se você procurar no Google apenas provas de que o homem não foi à Lua, vai encontrar várias - e se sentir aliviado por achar que está certo. Mas e quando o anonimato recua e as pessoas mostram a cara? Uma TV americana, em parceria com a Universidade do Texas, fez o seguinte estudo: por 70 dias, ela lidou com 2,5 mil comentários postados em sua página no Facebook de diversas maneiras. Algumas vezes, um repórter famoso do canal interagia com as pessoas. Em outras, o perfil oficial da emissora respondia. Quando o repórter comentava, houve 15% menos insultos do que nos tópicos sem interação. O estudo concluiu que quando o lado de lá participa, como, por exemplo, ao elogiar comentários que acrescentam algo à discussão, as pessoas vêem que atitudes têm consequências e que a internet, no fim das contas, é feita de pessoas. Só que tem um problema: existem pessoas e pessoas. E algumas delas são trolls. POR TRÁS DA TROLLAGEM Os trolls apareceram na rede de fóruns Usenet nos anos 80. O termo vem da expressão trolling for suckers. Trolling é uma técnica de pesca em que linhas com iscas são deixadas na água e arrastadas a partir de um barco em movimento, à espera de peixes que as abocanhem. É isso o que o troll faz na internet, provocar e esperar alguém que se irrite. Hoje, o termo abrange diversos tipos de comportamento. Para a moderadora Bruna, o pior é aquele que conhece os limites do que pode ser publicado. Não ofende ninguém, mas é campeão de discórdia. "Eles entram numa notícia de uma celebridade só para falar mal dela e irritar os fãs. Você não pode chutá-los porque estão dentro das regras, mas muita gente se revolta e perde a linha - e no final elas acabam bloqueadas." Tom Postmes, professor das universidades de Exeter (Inglaterra) e Groningen (Holanda), pesquisa o comportamento online das pessoas há 20 anos e notou que o estilo troll está cada vez mais bem definido. "Eles querem promover emoções antipáticas de nojo e indignação", diz. Segundo um estudo de 2013 do Centro de Pesquisa em Comunidades Online e Sistemas de E-Learning do Parlamento Europeu, na Bélgica, trolls têm muitas características em comum com pessoas que sofrem de um transtorno de personalidade antissocial. A causa seriam problemas de autoconfiança. A internet é uma adolescente. Ela existe há 44 anos, mas começou a fazer parte da nossa vida para valer há no máximo 20. Então, estamos todos amadurecendo nosso comportamento. Lembra seus primeiros posts no Orkut, em blogs antigos ou logo que entrou no Facebook? Bateu uma vergonha? É normal. A web cresce assim. Aos poucos, a noção falsa de que há uma fronteira entre comportamento online e offline enfraquece. A internet não é uma terra amoral, onde vale tudo. Ela é uma extensão da sociedade. Para o bem e para o mal. TROLL – Ele joga a isca, as vítimas caem na provocação – e se dão mal. A prática é tão comum que trollar já virou verbo informal. HATER – Odeia alguma coisa, alguém, muita coisa, muita gente. O que importa é odiar – e deixar isso sempre claro. BICHOS DIGITAIS Como identificar os tipos de comentaristas na internet. POVO DA ZOEIRA Posta conteúdos engraçados em discussões alheias, muitas vezes mudando o rumo da conversa para algo mais anárquico. Finge-se de hater ao postar mensagens inflamadas só para confundir extremistas e conspiradores. EXTREMISTA POLÍTICO De direita ou de esquerda. Uns defendem o nazismo, outros chamam de nazista quem discorda deles. Também são vítimas fáceis dos Trolls. SABICHÃO Sommelier de qualquer coisa, tem opinião formada sobre quase tudo. Gosta de insultar a suposta ignorância das pessoas ao redor. ISTA Sonistas (fãs da Sony) e nintendistas (da Nintendo). Pessoas que defendem marcas de games como se estivessem em torcidas organizadas. O fenômeno ocorre em outros ramos, como tecnologia (Apple x Google x Windows) e fotografia (Nikon x Canon). São alvos fáceis de trolls, que detonam seus ídolos só para ver o circo pegar fogo. MONOSSILÁBICO Limita a participação a um "que legal" ou "que lixo". É inofensivo e não acrescenta nada a nenhuma conversa. CONSPIRADOR Há muitas versões, como o dilmificador, que põe a culpa de tudo de errado no mundo no governo. Míssil derruba avião na Ucrânia? Culpa da Dilma. Outro tipo comum é o que duvida de tudo o que a "grande mídia" diz. TROLL DE RAIZ Usa o anonimato para assediar outros usuários, seja de forma sutil seja de um jeito mais agressivo. FOFO Traz novas informações à discussão e está pronto para responder cordialmente a todos os outros tipos. CONFUSO Xinga, mas é difícil dizer o quê e porquê. Dispara um repertório variado de clichês e preconceitos, mas não dá para saber que lado está defendendo. 2#6 GASTRONOMIA – O TEMPERO MAIS CARO DO MUNDO Como um fungo feio e com cheiro de enxofre se tornou a iguaria mais valiosa do planeta. TEXTO Marcos Nogueira Ovo frito: R$ 2. Ovo frito com lascas de trufas brancas de Piemonte: R$ 400. MASERATI ATRÁS DE LAMBORGHINI, Lamborghini atrás de Ferrari, a fila de veículos move-se lentamente na Strada Provinciale 157, rampa sinuosa que leva ao Castello di Grinzane Cavour, uma fortaleza de pedra erguida no século 14. Ao descer de suas máquinas, senhores em ternos alinhados e damas em vestidos de gala são abordados por equipes de TV. Gente ilustre, vê-se logo. "Olha lá, é o Cipollini", grita um adolescente fantasiado de guarda medieval, integrante de um grupo que executa números folclóricos para os convidados. Em segundos, dezenas de jovens com o mesmo traje reúnem-se para eternizar nas redes sociais a pose ao lado do ciclista Mário Cipollini, o Super Mário, campeão absoluto de popularidade no evento. Um tanto mais contidos, dois "soldados" em calças bufantes e elmos de ferro descruzam suas alabardas cada vez que alguém parece querer passar entre eles em direção à rampa que dá acesso ao castelo propriamente dito. O grande acontecimento daquela tarde é o leilão beneficente das maiores e melhores trufas "caçadas" na temporada de 2013 na região italiana do Piemonte, mais precisamente nas colinas próximas à cidade de Alba, as Langhe. Políticos, empresários e celebridades locais disputam entre si a honra de arrematar, por algumas dezenas de milhares de euros, cogumelos subterrâneos de aparência cinzenta e disforme, de aroma pungente. No telão atrás do palco do auditório do castelo, desenrola-se um leilão paralelo em Hong Kong, para onde foram levados alguns exemplares da Tuber magnatum pico, trufa branca de Alba para os íntimos. O clímax do evento tem lances simultâneos na China e na Itália: ao final, um figurão asiático compra por R$ 270 mil a jóia do leilão, duas trufas que totalizavam 950 gramas - cada uma do tamanho de uma batata-inglesa (o normal é ter as dimensões de um bombom). A trufa branca de Alba é a iguaria mais cara e cobiçada do mundo, por várias razões. Sua ocorrência na natureza é errática, variando entre rara e quase inexistente. Encontrá-la requer alguma sorte e um conhecimento específico cujos detentores trabalham arduamente para impedir que se dissemine; cultiva-la mostrou-se infrutífero até agora. Nunca há produto em estoque: todo o ciclo da trufa, da colheita ao consumo, precisa durar no máximo dez dias. Isso porque ninguém descobriu um modo de conservar o cogumelo - extremamente perecível - sem a perda de suas características. Tudo isso deve ser feito entre setembro e janeiro, a estação das trufas na Itália. E, não menos importante, as trufas brancas consistem num caso formidável de marketing - sem marketing, afinal, não existem mercadorias de luxo. A economia de Alba, com seus 32 mil habitantes, gira em torno da comida e da bebida. Além das trufas, a cidade concentra o comércio de alguns dos vinhos mais preciosos da Itália, entre eles o Barolo e o Barbaresco - garrafas que, a depender do produtor e da safra, podem custar várias centenas de euros. O montante que essa indústria de elite movimenta, entretanto, é mixaria comparado ao faturamento de R$ 25 bilhões que a Ferrero SpA, empresa com sede em Alba, teve no ano fiscal de 2013. Os números - referentes ao mundo todo, incluindo o Brasil - vêm da produção e venda de todo tipo de guloseima popular: Ferrero Rocher, Kinder Ovo, Tic Tac e, principalmente, Nutella. NUTELLA E PORCOS A pasta de chocolate com avelã é um favorito planetário, e seu sucesso ajuda a perpetuar a extravagância dos apreciadores de trufas brancas. Explica-se: o pé de avelã é uma das árvores que vivem em simbiose com o fungo. O cogumelo funciona como um reservatório de água e nutrientes minerais para a raiz da planta, que lhe retribui com o açúcar produzido na fotossíntese. Outras árvores - tais como o álamo e o salgueiro - também são hospedeiras da trufa. Enquanto essas outras espécies ocorrem esparsamente nos bosques da região, a avelã é cultivada de forma intensiva para a fabricação de Nutella e de Ferrero Rocher. Aí acontece outra relação simbiótica: o fazendeiro cobra uma espécie de pedágio do trifulau (nome dado ao "caçador" de trufas), e este, por sua vez, aumenta suas chances de sucesso. É a lógica do pesque-pague. Pode parecer estranho o emprego da palavra "caça" para a coleta de um fungo subterrâneo, mas a analogia faz todo sentido para quem acompanha o trabalho de um trifulau. Como um caçador, ele age sorrateiramente para não ser notado. Como um caçador, ele é territorialista, individualista e competitivo. Como um caçador, ele conta com a ajuda de um animal para farejar a presa e para fazer o serviço sujo. Nove entre dez pessoas que vão conhecer a caça de trufas em Alba querem saber dos porcos que acompanham os camponeses. Culpa nossa (dos jornalistas), que trabalhamos com o inusitado para satisfazer a curiosidade do público. Os porcos encoleirados - que você vê em documentários na TV a cabo - há muito foram aposentados no Piemonte. Os suínos se alimentam de trufas. Solte um porco num bosque de clima temperado, e ele irá escavar ao redor de raízes para garimpar fungos. Isso é uma vantagem óbvia, pois o animal não precisa de treino, mas também é um problema. Embora razoavelmente domesticável, um porco vai competir com seu trifulau pelo resultado da caçada. E confiscar a comida de um animal de 100 kg não é tarefa fácil. Mesmo quando o homem ganhava a disputa com seu porco, a falta de delicadeza do suíno deixava rastros de destruição nos cogumelos - tanto no tubérculo comestível quanto no micélio, uma teia de fios finíssimos que se esparrama pela superfície do solo. O dano constante a essas estruturas chegou a comprometer a produção italiana de trufas, o que levou as autoridades do país a banir o uso de porcos em 1985. Hoje são os cães que realizam a tarefa. A mudança equivale a transferir para um gestor profissional o comando de uma empresa familiar. Cachorros não têm nenhum interesse, por assim dizer, pessoal nas trufas. Elas não fazem parte de seu repertório alimentar. O obediente cão, porém, é muito mais eficaz que o porco quando bem treinado - assim como um jovem administrador com MBA. O currículo desse MBA canino é uma informação que cada caçador de trufas - uma categoria extremamente competitiva - julga de importância estratégica para o sucesso de seu negócio. Confidencial, portanto. Um trifulau irá, no máximo, falar de práticas já abandonadas ou de conhecimento geral entre seus pares. Sabe-se, por exemplo, que o treinamento do filhote deve ser iniciado muito cedo para que a marca em sua memória olfativa seja indelével. "Antigamente, deixavam o cachorrinho sem comer por vários dias e, quando ele já estava desesperado, davam-lhe trufas", conta Luca Aloi, que trabalha em parceria com Willie, um macho da raça braço italiano, na localidade de Roddi. Segundo ele, um método bastante comum hoje em dia é besuntar as tetas da cadela com óleo trufado para que a ninhada nunca se esqueça daquele cheiro. O COGUMELO DAS ESTRELAS No caso dos humanos, não é preciso mamar óleo de trufas brancas na tenra infância para memorizar seu aroma inconfundível. Qualquer um que já tenha comido uma refeição com uma pequena quantidade desse condimento sabe reconhecer o cheiro. Você provavelmente sabe. Só que o óleo trufado, a base aromática de todo prato "trufado" que não custa uma pequena fortuna, não tem nada a ver com a trufa. É uma imitação sintética barata, sinto dizer. O óleo trufado é feito com uma base de azeite de oliva ou óleo de semente de uva, mais substâncias sintetizadas em laboratório. Em especial o 2,4-ditiapentano. Esse composto orgânico, abundante na trufa natural, é um tioéter. Continuo falando dialeto piemontês? Bom, o que interessa saber sobre essa categoria de compostos é que ela abriga átomos de enxofre em suas moléculas. Isso explica a pungência do óleo trufado. Na trufa natural, esse monstrinho sulfuroso se manifesta de forma muito mais sutil e elegante, misturado a outras estruturas químicas num coquetel impossível de ser pirateado com exatidão. O óleo trufado é o tênis Mizuno de camelo. Acontece que ainda não se descobriu uma forma de obter um extrato natural da Tuber magnatum pico. Todas as tentativas de conservá-la em óleo fizeram-na fermentar, resultado da altíssima umidade da trufa. Desidratá-la não é uma opção, já que vários compostos aromáticos preciosos vão embora junto com a água. O congelamento também desfigura as características aromáticas da trufa, assim como a conserva em salmoura. O que resta é o produto fresco, que se torna desagradável para o consumo passados dez dias da colheita. Essa é uma das chaves para o preço exorbitante da trufa de Alba. A outra é o genial marketing inventado por Giacomo Morra, um comerciante da cidade morto em 1969. Dezenas de espécies de trufas comestíveis habitam o solo da Europa, da Ásia, da África e da América do Norte. Várias delas são prezadas pelos nativos como uma iguaria, uma comida especial. O sumérios comiam trufas. Os gregos comiam. Em Roma, claro que sim. Da Idade Média até o século 20, a trufa era uma discreta extravagância da nobreza e um privilégio dos camponeses que viviam em áreas onde ela abunda. Não havia um negócio que envolvesse a burguesia internacional. Foi o signore Morra que inventou a trufa branca de Alba como artigo de luxo. Longe de ser uma exclusividade piemontesa, a Tuber magnatum pico ocorre em várias regiões da Itália e também do outro lado do Mar Adriático, em países dos Bálcãs, como Eslovênia, Croácia e Sérvia. É fato que ela tem uma complexidade maior de sabores e aromas que espécies menos cotadas (pense em trufas pretas), mas isso não explica o frenesi em torno do feioso champignon. Morra fundou em 1930 a loja que leva seu nome, ainda em funcionamento no centro histórico de Alba. Foi o primeiro estabelecimento comercial a fazer a ponte entre o trifulau com a roupa suja de terra e o consumidor final, em um ambiente de empório chique. Foi o primeiro a negociar formalmente as trufas brancas e uma infinidade de derivados (mel trufado, salame trufado, manteiga de trufas - todos à base de trufas negras, mais baratas e resistentes a métodos de conservação). Para alavancar as vendas de seu comércio, criou a Feira Internacional da Trufa Branca de Alba, que ocorre anualmente até hoje - aos interessados, a edição de 2014 vai de 11 de outubro a 16 de novembro. E, para divulgar a feira, tornou-se um globetrotter. Em suas viagens, encontrava-se com celebridades e as presenteava com trufas, sempre com um fotógrafo contratado a tiracolo. Hitchcock ganhou a sua. Marilyn Monroe também. Churchill idem. Em meados do século passado, Morra já havia transformado seu produto em símbolo de status, dividindo o planeta entre aqueles que podiam pagar pelo ouro comestível de Alba e os outros 99,9%, os sem-trufa. Hoje a trufa branca movimenta R$ 36 milhões por ano, apenas no Piemonte, e garante o sustento de 4 mil coletores. Alba, durante a Feira da Trufa, é possivelmente o lugar em que você vai encontrar a iguaria pelos preços mais camaradas possíveis. Nessa época, o ar da cidade fica impregnado com uma mistura singular de aromas: as notas sulfurosas do cogumelo, vendido em lojas e tabuleiros no calçadão, se mesclam com as lufadas quentes de chocolate e avelãs tostadas que saem dos fornos das várias confeitarias. Todos os restaurantes, por mais humildes que sejam, oferecem trufas. Por ser delicada e preciosa, a trufa é empregada em preparações culinárias de sabor mais ou menos neutro, como um macarrão na manteiga ou um prosaico ovo frito. Quando solicitado pelo cliente, o garçom inicia um ritual solene: desembrulha a trufa de um pano e, sobre o prato fumegante à mesa, extrai dela fatias ultrafinas com o auxílio de uma ferramenta própria - um tipo de ralador chamado tagliatartufo. Não é necessária uma grande quantidade: 15 ou 20 gramas já bastam para transformar a comida. Na última temporada, as trattorias de Alba e região cobravam a partir de R$ 75 pela adição de algumas lâminas do ingrediente. É muito para o interior da Itália, mas uma pechincha em comparação com o preço de R$ 490 que o restaurante paulistano Fasano fixou, também em 2013, para o risoto à parmigiana com trufas. Os fins de semana da feira são animados com eventos como o leilão descrito no início desta reportagem ou uma corrida de jumentos. Nos cafés da cidade, ouve-se muito inglês, alemão e chinês - línguas dos turistas foodie que escolhem a plácida Alba como destino nesses meses. O ponto mais concorrido da cidade é o pavilhão da feira propriamente dita, onde a falta de circulação de ar fresco deixa a atmosfera carregada de 2,4-ditiapentano. Lá, o visitante pode comprar queijos, massas, vinhos, doces e principalmente trufas frescas. Na edição de 2013, 24 trifulai montaram suas barracas para vender o produto de suas caçadas. O preço da trufa varia muito de acordo com o seu tamanho, sua qualidade aparente e também com a vontade maior ou menor do vendedor de se livrar de algo muito perecível - na noite de domingo, perto do fechamento semanal do evento, são grandes as chances de se conseguir barganhas. O cliente negocia diretamente com o produtor, que lhe entrega a mercadoria em um saquinho de papel branco ou pardo. Antes de sair do pavilhão, é recomendado fazer uma escala no palco em que ficam as mesas dos juízes. Estes examinam e cheiram as trufas para avaliá-las. Caso o trufeiro tenha feito negócio desleal, é chamado para corrigir o acordo e toma uma descompostura em público. Quem tem dinheiro de sobra e não admite risco algum na transação deve esquecer o mercado e dirigir-se à Tartufi Morra. No porão da loja, uma câmara climatizada com aspecto de caixa-forte guarda os exemplares mais espetaculares - e caros - do Piemonte. SERVIR CARO PARA SERVIR SEMPRE A disponibilidade da Tuber magnatum pico, é claro, também influi na sua cotação. Seu surgimento depende da umidade, da composição do solo, da temperatura e, dizem os trufulai, das fases lunares. Até hoje não se descobriu uma forma de cultivar essa variedade - apesar de muitas outras espécies de trufa serem hoje produzidas em escala comercial. Ou pelo menos esse é o discurso oficial. A ninguém no Piemonte - governo, produtores, comerciantes - interessa trabalhar em métodos de produção que possam derrubar o preço da trufa branca e, em última análise, destruir o negócio inventado por Giacomo Morra. A sobrevivência da trufa branca de Alba como artigo de luxo depende de uma reserva de mercado peculiar. O programa turístico mais famoso de Alba envolve acompanhar um trifulau e seu cão pelos bosques de avelã. O passeio é feito em zonas próximas às estradas, à vista de qualquer um, e o resultado quase sempre é frustrante - apenas um punhado de trufas inferiores que são entregues como prêmio ao animal que as escavou. A brincadeira não passa de uma encenação para deixar os forasteiros mais leves no espírito e no bolso, porque o conhecimento dos locais sobre a ocorrência da trufa branca é o maior patrimônio dos trifulai. E isso eles não compartilham com ninguém. Cada caçador trabalha em uma área delimitada, onde, de certa forma, o fungo é cultivado. O solo é propício, as árvores são adequadas, e a abundância é verificada ano após ano. A própria coleta da trufa dissemina esporos que resultarão em novas trufas na temporada seguinte. O risco de fracassar na caça é baixo. Num país em que operários, vinicultores, queijeiros e fabricantes de salame se organizam em sindicatos, cooperativas e consórcios de toda ordem, os caçadores de trufas constituem uma categoria em que a desunião faz a força. Muitos trifulai optam por trabalhar à noite para não serem vistos pelos colegas. Como diz uma charada piemontesa: - Por que o trifulau não trabalha quando neva? - Para não deixar pegadas. PARA SABER MAIS Feira Internacional da Trufa Branca de Alba fieradeltartufo.org 2#7 POLÍTICA – 6 TRUQUES DO MARQUETING POLÍTICO Na hora de escolher um candidato, você analisa propostas, pesa os prós e contras, tira suas dúvidas e toma uma decisão perfeitamente racional, certo? Mais ou menos. Querendo ou não, todo mundo é influenciado por vários outros fatores - que os marqueteiros políticos procuram explorar ao máximo. Conheça alguns deles. Se você é candidato, aprenda os truques para ganhar mais votos. Se é eleitor, saiba como não ser manipulado. REPORTAGEM Marcos Ricardo dos Santos EDIÇÃO Bruno Garattoni USE SEU CORPO TODO MUNDO SABE que a linguagem corporal influi nas relações humanas. Mas pouca gente conhece a real força dela. Numa experiência feita pela Universidade Tufts, nos EUA, um grupo de voluntários julgou a competência de alguns professores. Como? Assistindo a um vídeo que mostrava apenas dois segundos de cada mestre dando aula. É pouquíssimo tempo, insuficiente para fazer qualquer análise racional. Mas adivinhe só o que aconteceu. Os professores julgados mais competentes foram os mesmos que, após um semestre inteiro de aulas, eram os preferidos dos alunos da universidade. Isso não significa que os tais professores fossem de fato bons (para saber isso, seria preciso fazer uma análise do conteúdo das aulas). Mas demonstra o poder avassalador da aparência física e da linguagem corporal - que nosso cérebro julga, de forma inconsciente e em poucos segundos, assim que olhamos para alguém. "As pessoas escolhem um candidato pela impressão que sua figura passa. Depois o nosso lado racional justifica essa escolha, tentando achar propostas ou argumentos políticos", afirma Giovanni Mileo, especialista em linguagem corporal que trabalha há dez anos com marketing político. É comum que os candidatos recebam instruções sobre posicionamento corporal. Um dos exercícios recomendados é fazer a chamada posição de super-homem: mãos na cintura, peito estufado, barriga para dentro e pernas abertas bem plantadas no chão, mantendo os pés paralelos. Se mantida por dois minutos, essa postura faz o cérebro aumentar os níveis de testosterona no organismo - o que eleva o grau de energia e confiança do candidato (ou candidata). Na hora de cumprimentar alguém, o aperto de mão é calculado: o ideal é dar seis balançadas na mão da outra pessoa. É que isso torna o aperto discretamente mais longo que o normal, passando a sensação de que o candidato se importa com a pessoa. Ao dar a mão ao eleitor, tem que ser de lado. Se o candidato colocar a mão por cima, passa a impressão de autoritário; por baixo, transmite fraqueza. A roupa também é escolhida com cuidado. Durante sua campanha, Barack Obama alternou gravatas vermelhas e azuis. É que, segundo estudos, essas cores geram efeitos bem específicos: vermelho dá a impressão de força e energia; azul, controle e tranquilidade. Mesmo com todas essas precauções, a imagem dos candidatos é rotineiramente alterada no Photoshop. E a mudança vai além de corrigir imperfeições. "Em todo cartaz de político, aumentamos as pupilas no computador, para dar uma sensação de energia e de que o candidato está emocionalmente envolvido", diz Mileo. PEGUE CARONA NOS OUTROS VOCÊ NÃO É CONHECIDO? Pode copiar o nome de alguém que é. Nas eleições de 2012, houve nada menos do que 106 "Lulas", 69 "Dilmas" e 48 "Tiriricas" candidatos. Essa clonagem nem sempre dá certo. No final de 2012, 78% dos brasileiros aprovavam a presidente Dilma Rousseff, segundo pesquisa CNI/Ibope. Mas, das 69 candidatas a vereadora que usaram o nome "Dilma" nas urnas, apenas duas se elegeram. Uma foi Dilma (do PMDB), que recebeu 176 votos na cidade sergipana de Pedra Mole. A outra foi Dilma (do PRB), eleita em Mirangaba, na Bahia. COMPONHA UM HIT OS JINGLES POLÍTICOS podem parecer instrumentos vulgares, sem conteúdo, para tentar mexer com as emoções dos eleitores. E eles são exatamente isso. Mas também cumprem uma função importante: martelar o número do candidato na sua cabeça. "Em geral, as pessoas sabem bem o seu voto para presidente, governador, prefeito. Mas para deputado ou vereador, às vezes o eleitor não se lembra de ninguém e acaba escolhendo na hora, pela música que está na cabeça dele", diz Nando Pinheiro, proprietário de uma empresa que produz jingles para vários partidos em São Paulo. Segundo Pinheiro, a escolha do ritmo depende da região do País. No Nordeste, por exemplo, quase todos os jingles são feitos em ritmo de forró, xote ou baião. "Já no Centro-Sul, o sertanejo universitário é quase imbatível”, afirma. Na maior parte dos casos, as músicas são composições inéditas. Mas, às vezes, os candidatos fazem paródias de hits já conhecidos - mudando parte da letra para falar do político. "Nesse caso, é preciso fazer um acordo com o compositor, e que a música seja exclusiva de um candidato naquela cidade", diz o produtor musical Hermes Negrão, que faz jingles para candidatos em Minas Gerais. Entre as músicas que Negrão oferece para uso nas eleições está uma versão de Lepo Lepo, principal sucesso do Carnaval deste ano. Mas, na opinião dele, o melhor jingle brasileiro de todos os tempos não é uma paródia, mas uma composição original: Lula lá, brilha uma estrela, que foi escrita em 1989 pelo músico potiguar Milton Acioli - e usada por Lula em cinco campanhas à presidência da República. MANIPULE OS DEBATES NA TV COM A POPULARIZAÇÃO da televisão, nos anos 60, os políticos passaram a entrar na casa de milhões de pessoas ao mesmo tempo. Nos EUA, a primeira eleição presidencial com debate ao vivo na TV foi entre John Kennedy e Richard Nixon, em 1960. E ele já teve seus truques. Como Nixon suava facilmente, seus assessores pediram à emissora CBS que aumentasse o ar-condicionado. Mas os assessores de Kennedy, que também sabiam disso, pediram para diminuir o ar assim que o debate começou. Nixon começou a suar muito, passando uma imagem de nervosismo e desespero. Pesquisas apontaram que Kennedy ganhou o debate, visto por 70 milhões de pessoas. Ele venceu a eleição por uma vantagem pequena, de apenas 100 mil votos. O suor do rival pode ter feito toda a diferença. No Brasil, a manipulação seguiu o caminho inverso. Aqui, suor é considerado uma coisa positiva. Pelo menos em um debate realizado na TV Globo. Em 1989, nas primeiras eleições diretas para presidente depois da ditadura militar, o segundo turno era disputado por Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva. Durante um debate entre os dois, Collor teve um tratamento especial por parte de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então diretor da Globo. "Eu achei que a briga do Collor com o Lula nos debates estava desigual, porque o Lula era o povo e o Collor era a autoridade", revelou o próprio Boni numa entrevista concedida em 2011. Primeiro, ele modificou a aparência de um dos candidatos. "Nós conseguimos tirar a gravata do Collor, botar um pouco de suor", conta. Segundo Boni, a produção da Globo passou um pouco de glicerina no rosto do candidato para fazer parecer que ele estava suando. E, com isso, atenuar seu jeito de almofadinha, aproximando-o do povo. "Foi uma maneira de melhorar a postura do Collor junto ao espectador", admitiu Boni. E a emissora também recorreu a outro truque no debate. Boni entregou a Collor uma pasta onde supostamente havia documentos que poderiam incriminar Lula - e disse isso aos assessores do candidato petista. Só que era tudo mentira. "As pastas estavam inteiramente vazias, ou com papéis em branco", disse Boni na fatídica entrevista, que foi concedida ao canal Globonews e pode ser vista no YouTube (goo.gl/fqUEku). Collor ficou segurando a pasta durante o debate, mas não a abriu. O objetivo era apenas desestabilizar o adversário. A SUPER entrou em contato com a assessoria de Collor. Segundo seu chefe de gabinete, ele prefere não comentar o episódio "por estar focado na campanha de reeleição" (ao Senado). JOGUE LAMA NOS RIVAIS FOI O QUE FEZ, literalmente, o republicano Carl Paladino, candidato ao governo de Nova York. Em 2010, mandou uma carta a 200 mil eleitores. Dentro, uma foto dos candidatos adversários e um papel - que havia sido aromatizado com cheiro de lixo e trazia a frase; "Há algo fedendo aqui". Paladino perdeu. Fazer ataques muito duros pode repercutir mal com o eleitorado. Mas há estratégias para não se expor na hora de pegar pesado. Em 1998, o candidato a presidente George Bush estava atrás do democrata Michael Dukakis. Quando foi governador, Dukakis criou um programa que permitia a alguns presos sair da cadeia nos fins de semana. Um deles acabou praticando estupro. Os marqueteiros de Bush fizeram anúncios que culpavam Dukakis pelo crime. Para não assumir a autoria do golpe baixo, montaram uma ONG de fachada, que dizia ser a autora dos vídeos. Bush venceu a eleição. FINJA SER HUMILDE HÁ POLÍTICOS QUE FAZEM de tudo para parecer gente comum. Em 1960, o advogado Jânio Quadros tinha o hábito de deixar caspa nas próprias roupas. Em 1994, o acadêmico Fernando Henrique Cardoso comeu buchada de bode e andou de jegue. Em ambos os casos, funcionou - venceram a eleição presidencial. Mas esses truques nem chegam perto do que o americano Neel Kashkari, candidato do Partido Republicano ao governo da Califórnia, fez neste ano. Kashkari é um milionário do setor financeiro. Mas viveu uma semana como mendigo em Fresno (a 300 km de São Francisco). Chegou lá de ônibus, com apenas US$ 40 no bolso. Se ofereceu para lavar louças, limpar chão, carregar caixas e cozinhar, mas não conseguiu emprego. Dormiu na rua. A experiência foi filmada e transformada em vídeo de campanha. Mas não colou. Até a conclusão desta edição, as pesquisas mostravam Kashkari 16 pontos atrás do rival, o democrata Jerry Brown. PARA SABER MAIS Manual Completo de Campanha Eleitoral. Francisco Ferraz. L&PM Editores, 2010. 2#8 ZOOM – SONHOS DE PESCADOR Carey Arnold cresceu num barco de pesca, acompanhando o pai. Hoje, percorre mares gelados pelo mundo e traz peixes imensos que seriam chamados de histórias de pescador, não fossem as fotos que ele tira para provar. EDIÇÃO E TEXTO Camila Almeida. 1- Autoretrato: Corey Arnold deitado numa montanha de alabotes do Pacífico, no Mar de Bering, no Alasca. Eles chegam a pesar até 22 Kg. 2- Polvos pendurados no parapeito de um barco de pesca de bacalhau. Esses não são vendidos: são picados e usados como isca. Eles medem 1,5 metro da cabeça aos tentáculos. 3- Tripulação deitada sobre cerca de 40 mil caranguejos opílios (típicos de lugares com neve). Corey está no topo, à direita. 4- Triagem dos caranguejos opílios num dia com temperatura de -10 "C. Em sete anos, Corey percorreu 40 mil Km com este barco. 5- Pesca de bacalhau pendurada em meio à neve, na Noruega. 6- O engenheiro-chefe Brian Greer segurando dois caranguejos-rei gigantescos durante a pescaria no Mar de Bering. 5 quilos é o peso de cada caranguejo-rei. _______________________________________ 3# SEÇÕES II outubro de 2014 3#1 TECH 3#2 CULT 3#3 E SE... – E SE VOCÊ PUDESSE GRAVAR SEUS SONHOS? 3#4 MANUAL – COMO EVITAR QUE AS SUAS FOTOS CAIAM NA INTERNET 3#1 TECH A NOVA ERA DO HOME THEATER Nova tecnologia faz o som dos filmes e dos games vir de todos os lados da sala - inclusive do teto. E o melhor: sem ter de entulhar a sua casa com mais caixas de som. TEXTO Bruno Garattoni e Fernando Badô COMO É HOJE - No home theater convencional, o áudio vem diretamente das caixas de som. Geralmente, são seis delas: três caixas na sua frente, duas atrás de você (e mais uma, que se chama subwoofer, para reproduzir os sons graves). Isso gera um efeito envolvente, mas apenas no plano horizontal. Não há como reproduzir sons acima da sua cabeça. COMO VAI FICAR - O novo sistema, que se chama Dolby Atmos, é diferente. Ele também utiliza seis caixas de som, ou seja, não ocupa mais espaço na sua sala. A diferença é que as caixas também têm alto-falantes verticais, que disparam o som para cima. A onda sonora é refletida pelo teto e chega aos seus ouvidos. Ou seja: o som também vem de cima. QUAL É A VANTAGEM - Os efeitos ficam muito mais realistas - e mais envolventes. Num game de tiro, por exemplo, você escutará helicópteros passando por cima da sua cabeça. Ou, num filme sobre tsunamis, ouvirá a onda engolindo você. Os novos filmes e games já virão no novo formato. Mas também dá para usar as versões atuais - pois elas são turbinadas, em tempo real, pelo Atmos. COMO TER - É preciso comprar um receiver (amplificador de som) Atmos. Ainda há poucos, e caros. Mas seu preço tende a despencar com o tempo. Também é preciso ter caixas de som compatíveis com o sistema. Mas, se você já possui home theater, pode fazer um upgrade das suas caixas atuais, comprando apenas os módulos Atmos - que custam em torno de R$ 1.000 (nos EUA). COMO VOLTAR NO TEMPO UM ANO (OU MAIS) Você se lembra do que postou nas redes sociais um ano atrás? Provavelmente não. Mas há um jeito fácil de saber. PASSO 1 - Baixe e instale o aplicativo Timehop. É grátis e tem versões para iOS e Android. PASSO 2 - Dentro do app, selecione as redes que você quer consultar (Instagram, Facebook, Twitter ou Foursquare), indique quanto tempo quer voltar, e pronto: surpreenda-se com a sagacidade (ou falta dela) naquilo que você postou. Recordar é viver. 1- FACADA NAS ESTRELAS - Parece uma escultura da X-Wing, a nave usada por LukeSkywalker para destruir a Estrela da Morte no primeiro filme da série Star Wars. E é mesmo. Mas também é um prático conjunto de facas de cozinha. X-WING KNIFE BLOCK NA EUROPA: R$ 260 thefowndry.com 2- QUASE SEM BORDA - A beirada dos smartphones é um desperdício. Ocupa 60% da frente do iPhone 5S, por exemplo. Este celular é o primeiro de borda ultrafina. Sua tela, de 5 polegadas e resolução de 1280x720 pontos, preenche quase todo o aparelho. AQUOS CRYSTAL NOS EUA: N/O sharpusa.com 3- DAS ANTIGAS - Fechada, ela é uma estilosa maletinha de madeira. Aberta, vira um videogame que roda jogos de Atari, Super Nintendo, Mega Drive e Playstation 1.0 controle no estilo árcade e o visual confirmam a intenção retrô. R-KAID-R NOS EUA: R$ 7610 lovehulten.com 4- MELHOR CHÁ DA HISTÓRIA - É o que esta máquina promete, graças ao sistema Rain ("infusão atmosférica reversa", em inglês), que submete as folhas de chá a vários ciclos de vácuo antes de fervê-las. Pena que custe uma fortuna. BKON CRAFT BREWER NOS EUA: R$ 29 MIL bkonbrew.com 5- UM COOLER COOL Além de guardar latinhas e garrafas, ele também tem: caixa de som bluetooth (sem fios e à prova d'água), carregador de celular, lanterna e até um liquidificador para fazer drinques. Um kit festa completo. COOLEST NOS EUA: RS 415 coolestkick starter.com 6- ESCOVA BLUETOOTH Ela se comunica, sem fios, com o seu iPhone - onde um aplicativo diz se você está escovando os dentes direito. É interessante. Mas o melhor é a escova em si, que limpa muito bem: suas cerdas se movem 48 mil vezes por minuto. SMARTSERIES NOS EUA: R$ 492 oralb.com 3#2 CULT EDIÇÃO Luiz Romero A CORRIDA DAS SÉRIES Mais de 500 roteiros foram comprados pelas grandes emissoras americanas neste ano. Mas apenas 50 viraram séries. Acompanhe esta maratona. FORA DE SÉRIE Alguns seriados pulam todas essas etapas. É o caso de Battle Creek, assinada pelo criador de Breaking Bad, Vince Gilligan, que foi do roteiro direto para a televisão. 1-ROTEIROS - Tudo começa na cabeça dos roteiristas, que tentam vender roteiros para os grandes canais americanos. 562 roteiros comprados 2- PILOTOS - E costume das emissoras escolher alguns roteiros e produzir um episódio de teste, chamado de piloto. 100 Pilotos produzidos MORREU NA PRAIA - A série How I Met Your Dad, dos criadores de How I Met Your Mother, contaria a mesma história do seriado original por uma perspectiva feminina. O piloto não convenceu e a série foi recusada. 3- PRIMEIRA TEMPORADA - Somente metade dos pilotos costuma sobreviver e estrear na televisão americana. 50 séries na primeira temporada aprovados 4- SEGUNDA TEMPORADA – O corte fica ainda maior quando as séries tentam uma segunda chance. 10 séries na segunda temporada aprovados ÚLTIMA CHANCE – Resurrection (dia 2, AXN) e The Backlist (dia 7, Sony) estreiam segunda temporada neste mês no Brasil. LINHA DE CHEGADA Entre as séries que sobreviveram à corrida e chegam ao Brasil neste mês, estão Selfie (dia 8, Warner) e Flash (dia 16, Warner), sobre o herói da DC. POR DENTRO DE: FILMES ETERNOS Como Boyhood, que sai neste mês, filmagens que levaram anos entre o "ação" e o "corta". FICÇÃO BOYHOOD (2014) ONZE ANOS Enquanto foi filmado, os dois protagonistas do filme, do diretor americano Richard Linklater, largaram a infância e entraram na adolescência. FICÇÃO TODOS OS DIAS (2012) CINCO ANOS Filmado na Inglaterra entre 2007 e 2012, a obra registra a evolução do relacionamento entre um homem preso por tráfico de drogas e sua mulher. DOCUMENTÁRIO BASQUETE BLUES (1994) CINCO ANOS A ideia era filmar um curta sobre dois estudantes que sonhavam em jogar basquete profissional, mas as filmagens acabaram durando anos. DOCUMENTÁRIO ANNA DOS 6 AOS 18 (1993) ONZE ANOS Entre 1980 e 1991, um diretor russo filmou sua filha respondendo a um mesmo questionário. De forma indireta, registrou a queda da União Soviética. PLAYLIST: CULTOS No mês em que a biografia de Tim Maia chega aos cinemas, listamos faixas influenciadas pela religião. 1- Escrituração Racional, TIM MAIA (“Banhado de energia racional / Você será orientado onde estiver”). 2- Famous Blue Raincoat, LEONARD COHEN (cita um nível de iluminação da cientologia) 3- Novo Aeon, RAUL SEIXAS (referência ao movimento ocultista Thelema) 4- Amo Bishop Roden, BOARDS OF CANADA (a faixa carrega o nome de uma das líderes da seita Ramo Davidiano) 5- Bow Down Mister, BOY GEORGE (escrita depois de contato com os Hare Krishnas) Se um asteroide fosse bem pequeno, mas superdenso, seria possível morar nele como o Pequeno Príncipe? RESPOSTAS POSSÍVEIS E se você tivesse um cientista de bolso, para quem pudesse enviar as curiosidades mais sórdidas? E se esse gênio fosse formado em física e tivesse passagem pela NASA? E se não houvesse limite para a estranheza das suas perguntas e as respostas geniais viessem em forma de quadrinhos, com uma explicação divertida? E SE? Randall Munroe (Companhia das Letras, R$ 39,90) BATALHA PELA SOBREVIVÊNCIA Sonic, Mário e Link brigam para salvar a Nintendo da falência. Tempos difíceis para a Nintendo, que aposta em Super Smash Bros. e na nostalgia dos fãs para tirar a empresa do buraco. Seu console, o Wii U, está num distante terceiro lugar em vendas e vem causando prejuízos inéditos para a marca (com alguns executivos cortando o próprio salário para economizar dinheiro). “Neuromancer nunca foi sobre 'como o futuro seria', mas sobre o que fazemos, como espécie, com as ideias que temos a respeito do futuro. Sobre como a tecnologia nos modifica, ou fracassa em nos modificar, de maneiras que os desenvolvedores dessa tecnologia geralmente não conseguem antecipar." WILLIAM GIBSON Do prefácio do clássico da ficção científica, Neuromancer (Aleph, preço a definir), lançado neste mês em edição especial de 30 anos, com três contos inéditos. PAPO COM OTTO GUERRA Por dois anos, o Brasil venceu o Festival de Annecy, na França. Neste ano, Até que a Sbórnia nos Separe não ganhou, mas engrossou a presença brasileira no Oscar da animação. Conheça o diretor, o gaúcho Otto Guerra. Como você conheceu Tangos & Tragédias, a peça que inspirou o filme? Foi na estreia, em 1984. Foi uma da poucas vezes em que me identifiquei com uma expressão cultural gaúcha. Desde então, creio ter assistido ao espetáculo umas oito vezes. Qual a história de Até que a Sbórnia nos Separe? O filme é baseado na peça e fala de dois artistas que vivem num continente perdido, a Sbórnia, que lembra um pouco o Leste Europeu. Observamos uma fase de ouro da animação brasileira? Vivemos o melhor momento da animação brasileira, fazemos cada vez mais e melhor. Nunca pensei que chegaríamos nesse patamar, com filmes como O Menino e o Mundo, uma obra-prima. Existe um estilo nacional de fazer animação? Nossa cultura é cosmopolita, uma boa fonte de ideias. Resta a diretores e roteiristas se inspirarem nessa cultura. Temos um vasto campo a ser semeado. OUTUBRO A ENTREVISTA - O filme, que simula o assassinato do ditador Kim Jong-Un, resultou numa carta raivosa da Coreia do Norte, que considerou a obra um ato de guerra. Dia 16 nos cinemas. CÂNONE GRÁFICO - No livro, clássicos da literatura viram quadrinhos, de Gilgamesh (no primeiro volume) a David Foster Wallace (que conclui o inédito terceiro tomo). Neste mês nas livrarias. O LUGAR ONDE TUDO TERMINA - Um dos filmes mais comentados do ano passado, sobre motos e globos da morte, lembra Drive, também com Ryan Gosling. Dia 25 na HBO. TERRA-MÉDIA: SOMBRAS DE MORDOR - Use esse jogo como aquecimento para a terceira parte de O Hobbit, que estreia nos cinemas em dezembro. Para PS4, PS3, XONE, X360 e PC. ILEGAL - Primeiro filme da SUPER, mostra a luta que mães brasileiras precisam travar para tratar seus filhos doentes. O desafio: o único remédio possível é um derivado da maconha. Dia 9 nos cinemas. 3#3 E SE... – E SE VOCÊ PUDESSE GRAVAR SEUS SONHOS? Se essa tecnologia surgisse, descobriríamos que nosso inconsciente tem muito mais caos e tensão do que podemos imaginar. Foi o caso do consumidor insatisfeito da história ao lado. TEXTO Amarílis Lage AOS 15, ELE COMPÔS UMA CANÇÃO que mudaria a história do rock. Melodia rica, letra genial, refrão para o estádio repetir. Só que, quando ia assinar o contrato milionário com a gravadora... ele acordou. Aos 22, escreveu o poema perfeito para conquistar Lili. Mas as rimas sumiram assim que se levantou para pegar papel e caneta. E Lili casou com J. Pinto Fernandes, que não tinha entrado na história. Aos 34, encontrou a fórmula do sucesso, um negócio inovador que o enriqueceria, mas... Pois é, você já deve ter entendido: foi um sonho. Aos 39, sem fama, sem dinheiro, sem amor e com uma gastrite de estimação, ganhou uma insônia. Virava as noites em frente à TV, em busca de um sonífero. "Quero levar você a uma viagem onde tudo é possível, onde você pode ser e fazer o que quiser", disse a moça na tela plana - curiosamente parecida com Lili. "Quero levar você para viajar no seu subconsciente", continuou ela, com uma piscadinha. "Conheça o Top Dream Recorder, capaz de gravar os sonhos do usuário e exibi-los depois, como um filme. Ligue agora para..." Ele ligou. Dois dias depois, recebeu a caixa da Onírica Ltda, leve como se estivesse vazia. Dentro, apenas uma tiara com sensores, um cabo USB e uma tomada. O manual veio mal impresso, mas ele logo descobriu como funcionava e se jogou na cama para um teste. Um carneirinho, dois carneirinhos, três carneirinhos, quatro carnei... Acordou vibrante, animado para conferir seu "filminho". De tiara, ligou o cabo na TV, clicou em "reproduzir sonho" e... nada. Ligou para o SAC da Onírica. "Em que posso estar lhe ajudando, senhor?" "Meu Top Dream Recorder veio com defeito." "Qual o suposto defeito que o senhor alega?" "Seguinte: tive um sonho simples, agradável, desses em que a gente está voando. Mas o que apareceu é completamente diferente." "Entendo, senhor. O que pode estar ocorrendo é que os clientes geralmente só se lembram do final do sonho. Isso porque a serotonina, neurotransmissor que vai estar registrando suas memórias, só volta a ser produzida no fim do sono. É exatamente por esse motivo que nosso aparelho é revolucionário: ele mostra aquela parte do sonho que as pessoas esquecem." "Moça, deixa eu explicar: esse sonho não é meu. Não tem nada a ver comigo. São imagens perturbadoras: ruínas, monstros, violência. Eu sou um cara supercalmo. Nunca briguei com ninguém! Além disso, me mostra no trabalho sem calças! Exijo ressarcimento." "Muitos clientes relatam essa surpresa. O fato é que os sonhos também servem como válvula de escape para desejos e emoções reprimidas, como raiva, medo, inveja. O senhor está estranhando porque, assim que desperta e busca reconstruir o sonho, ativa uma autocensura, para adequar o sonho à sua autoimagem." "Quem disse?" "Novos estudos, senhor." "Então, estudiosa, me explica esta: no sonho, eu usava umas galochas que tive na infância, o chuveiro pingava café, e meu chefe era ao mesmo tempo um coelho e um mordomo. Ou seja, uma bagunça. O que isso tem a ver com desejos reprimidos?" "Tem a ver com o córtex pré-frontal, senhor." "Oi?" "Ele gerência o pensamento racional. Como fica menos ativo durante o sono, informações de partes distintas do cérebro acabam se misturando: memórias de infância e sensações ligadas ao seu emprego atual, por exemplo. O sonho é seu, pode ter certeza." Enquanto falava ao telefone, ele revia a gravação. Aquilo tudo era dele? Era ele? Será que, após tantos sonhos desperdiçados, seu subconsciente estava dominado por caos e vingança? E sem calças? Como viver agora, depois de encarar seus pesadelos? "Ainda na linha, senhor?" "Sim, sim. Desculpe, me distraí." "Sem problema. Eu estava esclarecendo que o córtex pré-frontal também está associado às memórias de curto prazo. É por isso que, no sonho, você não conseguiu ler o manual de instruções e os rostos mudam. Aí seu chefe vira um coelho, depois se parece com o J. Pinto Fernandes." "Como você sabe do J. Pinto Fernandes?" Acordou assustado e levou às mãos à cabeça: nem sinal da tiara. Tudo um sonho. Parece que foi um sonho bom, agradável. Que boa ideia essa de máquina para gravar sonho, será possível construí-la? "Agora eu enriqueço!" 3#4 MANUAL – COMO EVITAR QUE AS SUAS FOTOS CAIAM NA INTERNET Recentemente, mais de cem atrizes americanas tiveram fotos pessoais roubadas e distribuídas pela internet. E isso não acontece só com celebridades - há cada vez mais casos do tipo, inclusive com gente comum. Veja como evitar que você seja a próxima vítima. TEXTO E EDIÇÃO Bruno Garattoni 1. PROTEJA SEU CELULAR Uma pesquisa feita nos EUA revelou que 64% das pessoas não protegem seus smartphones com senha. Isso significa que, se o celular for roubado, o ladrão terá acesso às fotos. É essencial colocar senha. NO IOS: Vá a Ajustes, Geral e Bloqueio Automático. NO ANDROID: Entre em Configurações, Segurança e Bloqueio de Tela. 2. IMPEÇA O UPLOAD Quando você tira uma foto, o celular envia uma cópia dela, automaticamente, para a sua conta na "nuvem" (iCloud, no caso da Apple, ou Google+, no caso do Android). O problema é que essa conta pode ser invadida por hackers - como aconteceu com o iCloud no mês passado. É melhor desativar o upload automático. NO ios, entre em Configurações e iCloud e desligue a opção Photo Stream. NO ANDROIO, abra o aplicativo Google+, entre em Configurações e desative a opção Backup automático. (Se você usa o aplicativo DROPBOX, entre nele e clique em Configurações e Desativar Envio da câmera). 3. BLINDE O COMPUTADOR É mais seguro guardar cópias das fotos no seu próprio computador, e não na "nuvem". Mas nem isso é perfeito. Se o laptop for roubado, ou você tiver de mandá-lo para o conserto, o ladrão ou o técnico irão ver as imagens. Para evitar que isso aconteça, use o programa TRUE-CRYPT. É grátis e tem versões para Windows (goo.gl/BdwteR) e Mac (goo.gl/Q4L4rU) Abra o programa e clique em Create Volume. Você poderá criar uma pasta, protegida por senha, para guardar as suas fotos pessoais. Atenção: sempre que terminar de usar o TrueCrypt, não se esqueça de clioar no botão Dismount. Do contrário, a pasta continuará aberta. 4. REFORCE AS SUAS CONTAS Ative o sistema de "autenticação dupla" (2-step verification), que dificulta muito a ação dos hackers - porque só libera acesso às suas contas mediante a digitação de um código, que você receberá no seu celular. NO FACEBOOK: Clique em Configurações, Segurança e Aprovações de Login. 5. CHAME A POLÍCIA Se mesmo com todas as precauções o pior acontecer, e alguém jogar fotos particulares suas na internet, procure imediatamente uma delegacia especializada em crimes cibernéticos. Veja a lista delas, com telefones e e-mails, em safernet.org.br/site/prevencao/orientacao/delegacias