0# CAPA junho 2014 SUPERINTERESSANTE – EDIÇÃO HISTÓRICA www.superinteressante.com.br edição 334 – junho / 2014 A VERDADE SOBRE A COPA Uma edição inteira da SUPER revelando o futebol e o que está por trás dele. [descrição da imagem: gramado e na parte superior, central, a bola de futebol da copa. A capa desta revista está com as cores amarelo e verde] MILAGRE EM CAMPO A incrível história do neurocientista que se aliou a Lula e brigou com meio mundo para fazer um paralítico levantar e andar na festa de abertura da Copa. por Leandro Beguoci e Denis Russo Burgierman FIFA, A DONA DA BOLA O SIGNIFICADO DOS EMBLEMAS DAS SELEÇÕES VIAJE AO URUGUAI DE 1930 NÃO VAI TER NA COPA RÚSSIA 2018, CATAR 2022. COMO SERÁ? COMO SE DAR BEM NO BOLÃO ______________________________ 1# SEÇÕES I 2# REPORTAGENS 3# SEÇÕES II _________________________________ 1# SEÇÕES I junho 2014 1#1 AO LEITOR – O POSSÍVEL E O IMPOSSÍVEL 1#2 MUNDO SUPER 1#3 SUPER NOVAS – PADRÃO FIFA EXTRALUXO 1#4 SUPER NOVAS 1#5 SUPER NOVAS – O INCONSCIENTE ENTRA EM CAMPO 1#6 CIÊNCIA MALUCA 1#7 DE CUECA A MENOS 110°C 1#8 COMO O CARTÃO AMARELO MUDOU O MUNDO 1#9 PAPO – O FIM DAS TORCIDAS 1#10 IDEIA VISUAL – LEMAS PERNAS DE PAU 1#11 MATRIZ – MASCOTES DE COPAS 1#12 BANCO DE DADOS – COPA DE 1950 1#13 COORDENADAS – ESPECIAL – PARA FUGIR DA COPA 1#14 ESSENCIAL – QUERO VER NA OLIMPÍADA 1#15 ORÁCULO 1#16 CONEXÕES – DE GHIGGIA A TOPO GIGIO 1#1 AO LEITOR – A SUPER AMARELINHA TODOS os MESES, alguns dias antes do dia 1º, a SUPER chega faceira e vermelha às bancas, digitais e impressas, com uma mistura astronômica de assuntos. Mas, além disso, nos últimos anos, temos feito a brincadeira de, até duas vezes por ano, pintar a SUPER com outra cor. Começou com a Verde, só para discutir temas ambientais, surgida em 2007. Aí veio a Prateada, de 2012, sobre o Futuro. E a Dourada, de 2013, com Ideias para mudar o mundo. Em 2014, uma cor se impôs: a Amarelinha, toda dedicada a Copas, futebol e suas ramificações. Confesso que, na hora em que a ideia surgiu, fiquei na dúvida. Embora já tenhamos publicado textos e infográficos memoráveis sobre futebol, a ideia de uma edição inteira dedicada a um tema só me soava quase como uma traição ao nosso leitor. Afinal, a alma da SUPER é ser diversa. Não seria um erro nos lançarmos ao mar do lugar-comum no qual o mundo inteiro está entrando em junho, com um único tema dominando todas as conversas? Acabei me convencendo de que valia a pena. Afinal, futebol não é um assunto só: é um universo de assuntos. A Copa tem 1 milhão de implicações políticas, econômicas, geopolíticas, científicas. É um emaranhado de inovações, disputas por poder, interesses comerciais, símbolos culturais, anseios e esperanças. E, enquanto o Brasil inteiro estiver distraído por dribles e gols, quem é que vai dar conta de desenrolar esse novelo grosso? Agora, com a edição tomando forma aqui nos computadores da redação e os prazos estourando no nosso cangote, posso dizer satisfeito: valeu a pena. Na minha humilde opinião, esta edição não fica devendo a nenhuma outra em termos de variedade. Da bucólica visita ao Uruguai de 1930 às especulações futuristas sobre a Copa de 2026, a edição está cheia de leveza e de profundidade, de diversão e de rigor. Cheia de ideias. Está cheia de informação, como no texto sobre a Fifa, dona da festa e da bola. Cheia de conhecimento, como na reportagem de capa, que viaja da neurociência ao marketing político. Cheia de histórias, como as que permeiam o texto sobre a primeira de todas as Copas. Cheia de infográficos, como nos mapas que representam a geopolítica do futebol. Enfim, está digna, e temos orgulho dela. Obrigado aos editores Alexandre de Santi e Juliana Vidigal, de texto e arte, que mandaram muito bem. Espero que a Amarelinha ajude você a compreender este momento com um olhar crítico e original, sem embarcar nas historinhas prontas que são produzidas em massa por aí. Grande abraço! Denis Russo Burgierman, DIRETOR DE REDACÃO DENIS.BURGIERMAN@ABRIL.COM.BR 1#2 MUNDO SUPER DUELO DE PATROCINADORES Tive a oportunidade de ler o livro Invasão de Campo, de Barbara Smit, que fala da trajetória das marcas Adidas e Puma e também do surgimento da Nike. Achei interessante: a final da Copa de 1998, entre Brasil e França, foi muito mais que uma partida de futebol. Foi um duelo entre as duas maiores marcas esportivas do mundo, Adidas e Nike, na maior vitrine do planeta. Ficaria feliz de poder ler algo a respeito de como o dinheiro e o poder de quem financia esses eventos interferem no esporte. - JÚLIO CÉSAR, DE ANGRA DOS REIS (RJ) S - Pedido feito, desafio aceito! Tem reportagem sobre quem são Os Donos da Bola na página 54. Nas Super Novas também: estão lá as Marcas que Mais Venceram Copas, página 15. "Meu cachorro comeu o papiro com as escalas de horários." - WANDERSON MEIRELES, no post "Conheça as desculpas que os trabalhadores das pirâmides davam quando não iam trabalhar." S – Troféu piadista do mês INSTINTO RACISTA Sobre a questão dos animais albinos sofrerem bullying: acredito que seja uma atitude própria da natureza evolutiva. Como eles não conhecem [aqueles animais brancos], acabam julgando o albinismo como uma doença perigosa para o grupo. - DANIEL SCHWENDLER, sobre a reportagem Somos Todos Mutantes (maio/14) FREE LOLITA Quero parabenizar a revista pela matéria 5 Mil Quilos de Vingança (abril/14), que aborda o confinamento de orcas nos parques temáticos. A Netuno USA, empresa de frutos do mar situada na Flórida, sensibilizou-se com o tema e resolveu apoiar a ONG Orca Network para aposentar e devolver ao mar a fêmea Lolita. Ela está no Miami Seaquarium e trabalha incansavelmente há quase 30 anos! - ANDRÉ M. BRUGGER, coordenador de sustentabilidade da Netuno USA. CORREIO ELEGANTE O comentário mais carinhoso que recebemos nas últimas semanas. Uma flor com sua riqueza de detalhes não nasce de um caos como o Big Bang! Deus criou os céus e a Terra e tudo que nela há. Acredito na teoria do Criacionismo e não nessa besteira de evolução química. Simples assim. - VINÍCIUS DE MORAES, no post "E se o Big Bang não tivesse acontecido?" 4 leitores opinam SOBRE O POST "COMER OVO PODE SER TÃO RUIM QUANTO FUMAR" 1- Cada vez dizem uma coisa! Daqui a pouco irão dizer que é saudável comer cigarro e fumar ovo. RAFAEL MENDES 2- Vou estudar economia oculta. Num dia, a coisa é excelente pra saúde, no outro, é a pior do mundo. Percebo uma manipulação para estimular o consumo ou a rejeição de certos produtos em épocas diferentes. Daqui a uns dias, os ovos serão bem recomendados. E assim caminha a humanidade. TIAGO ANDERSON 3- Por isso como cigarros. PATRÍCIA BELCHIOR 4- Num país onde tudo o que se come tá cheio de agrotóxicos, leite com soda-cáustica, frangos com anabolizantes, enlatados com conservantes, eles vêm me falar de ovo! ADRIANO FAIN SUPER BANCA Os dinossauros voltaram. E a Primeira Guerra também. DINOSSAUROS - A ORIGEM. A ASCENSÃO. O RETORNO. R$ 27,90 Humanos existem há 200 mil anos. Dinossauros reinaram por 200 milhões. Conheça as últimas descobertas científicas sobre essas criaturas. PRIMEIRA GUERRA – O CONFLITO QUE DEU ORIGEM AO MUNDO DE HOJE. R$ 14 Nas trincheiras: armas químicas, máquinas pré-históricas e o cabo Hitler. A Primeira Guerra como você nunca viu. LETÔNIA LOST IN TRADUCCIÓN Na reportagem A Verdade Sobre a Ucrânia (maio/14), publicamos um mapa da Europa. Onde deveria estar a Letônia, estava a "Látvia". Latvia (sem acento) é o nome da Letônia em inglês e alguns leitores puxaram nossa língua. Também viajamos na tradução na reportagem Ressurreição. Trocamos o nome do íbex-dos-pireneus por "bucardo", nome que o bicho tem em espanhol. O POEMA MAIS SUJO DE TODOS OS TEMPOS Com 155 mil acessos, o post que mais bombou no último mês conta a história de um poema pornográfico. Muito. Tanto que ficou censurado por 2 mil anos. “Catulo 16” foi escrito pelo polêmico Caio Valério Catulo, que vivei no século 1 a.C., no final do período republicano de Roma. O poema, repleto de obscenidades, nunca havia sido traduzido por completo — algumas passagens eram atenuadas ou até mesmo cortadas. Em latim, o primeiro verso: Pedicabo ego vos et irrumabo. Se quiser saber o que significam este e outros versos, confere lá no nosso site, no post “Um poema ‘censurado’ por 20 séculos”. FOI MAL Na reportagem A Verdade sobre a Ucrânia, dissemos que ela é o nono país do mundo em território. Não é. Com 603 mil km2 de área, não está nem entre os 40 maiores. Na reportagem Ressurreição (maio/14), confundimos a classificação: Capra pyrenaica é, na verdade, uma subespécie da Capra pyrenaica. É a subespécie que está extinta, não a espécie. Em Desaparecidos (maio/14), o piloto Gilberto Araújo escapou de um acidente aéreo em 1973, não em 1976, como citado na matéria. FALE COM A GENTE REDAÇÃO - superleitor@abril.com.br, av. das Nações Unidas, 7221, 14º andar, CEP 05425-902, São Paulo, SP, fax 11 3037-5891. 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O investimento bilionário colocou sua arena de 72 mil lugares e 288 pilares que circundam a estrutura entre as mais caras do mundo, segundo uma pesquisa da consultoria KPMG. Mas não se impressione. Apesar do Mané ser um dos mais valiosos do planeta, custou menos do que a metade do MetLife Stadium, em Nova Jersey, EUA, uma das estrelas da candidatura americana para a Copa de 2022 (os ianques não levaram, será no Catar). Inaugurada em 2010, a casa dos times de futebol americano New York Giants e New York Jets custou mais de R$ 3,5 bi. Com 82,5 mil lugares, o estádio muda de cor conforme o time. Outra extravagância é o Dallas Stadium, dos texanos Dallas Cowboys. Concluído em 2009, recebeu investimentos de RS 3 bi. Tudo isso para pagar os 111 mil assentos - na verdade, são 80 mil lugares fixos que podem aumentar conforme o público. Para fazer jus à cifra bilionária, carrega vários recordes mundiais: maior teto retrátil, maior TV em alta definição e maior número de portas retráteis em vidro contínuo. Ah, também é o maior estádio coberto do mundo. Mas há uma diferença crucial entre as arenas americanas e o Mané Garrincha: elas estão sempre cheias. A liga de futebol americano tem a melhor média de público do mundo - os Cowboys lideram a lista, com 88 mil pessoas por jogo. O MetLife ainda foi sede do Super Bowl deste ano e sediou o jogo número 1.000 da Seleção Brasileira. Enquanto isso, o Mané caminha para ser um dos elefantes brancos do Brasil. Nenhum dos times da capital federal está na série A do Brasileirão, e sua taxa de ocupação ficou em apenas 50% em 2013. Mas todas as arenas parecem sóbrias se comparadas ao King Fahd, na Arábia Saudita, estádio multiuso com torneiras de ouro nos banheiros. O King Fahd pode não ser tão ocupado quanto os americanos, mas pelo menos está no game Fifa 13 e 14 - ao contrário do Mané Garrincha. 1#4 SUPER NOVAS GRITA MAIS Na Copa da África, o mundo ensurdeceu com o incrivelmente alto som das vuvuzelas. O negócio fazia tanto barulho que chegou a ser proibido na França. O Brasil seguiu a onda africana e criou um instrumento oficial da Copa, a caxirola, espécie de chocalho de mão feito de plástico inspirado no caxixi, que é de palha trançada. Mas quem temia a volta do barulho ensurdecedor pode ficar tranquilo. Talita Pozzer e Stephan Paul, pesquisadores de acústica da Universidade Federal de Santa Maria, compararam o barulho feito pela vuvuzela e pela caxirola medindo o som dos instrumentos no ouvido de 22 voluntários. O resultado é tranquilizador: para produzir a pressão sonora de uma única vuvuzela são necessárias 30 mil caxirolas. A SELEÇÃO ADORA CAIR DE PÉ O Brasil ganhou cinco títulos, mas perdeu 14. O alento é saber que, em 71,4% dos casos, fomos eliminados por campeões ou vices. QUEM DERROTOU O BRASIL Seleções ouro - Uruguai (1050), Argentina (1978), Itália (1938 e 1982) e França (1998) – 35,7% Seleções prata - Hungria (1954), Angentina (1990), França (2006) e Holanda (1974 e 2010) – 35,7% Seleções bronze - Portugal (1996) (Em 66, o Brasil foi eliminado na primeira fase e também perdeu para a Hungria.), e França (1986) – 14,3% Seleções que não chegaram à final - Iugoslávia (1930) e Espanha (1934) – 14,3% O MAIOR INIMIGO: A FRANÇA 3 eliminações – França (em 1950 e 1998, não fomos bem eliminados: perdemos na final). 2 eliminações – Argentina, Holanda, Itália 1 eliminação – Portugal, Hungria, Iugoslávia, Uruguai e Espanha MARCAS QUE MAIS VENCERAM COPAS Adidas vence a disputa, mas, em segundo lugar, acima de Puma e Nike, vem a Athleta, empresa brasileira que ganhou três Copas: ADIDAS: 1974 (A camisa oficial da Alemanha era da Erima, que foi comprada pela adidas), 1978, 1990, 1998, 2010 ATHLETA: 1958 (Na final de 58, o Brasil teve de jogar com uniformes improvisados da Idroff e Umbro.), 1962 (Há registros de outras marcas que forneceram camisas para a Seleção, como a Ceppo. UMBRO: 1966, 1970 (Em 70, o Brasil tinha dois uniformes, um da Umbro e outro da Athleta), 1994 LE COQ SPORTIF: 1982, 1986 2002 NIKE: 2002 PUMA: 2006 93 SALÁRIOS MÍNIMOS ou R$ 66,9 mil é o que pode custar um ingresso no mercado negro para assistir à final da Copa no Maracanã, no dia 13 de julho. “NÃO OFEREÇA RESISTÊNCIA", recomenda o governo alemão em casos de assaltos no Brasil. Segundo site destinado a turistas que pretendem acompanhar a Copa, criminosos sob influência de drogas e normalmente armados não hesitam em usar a violência. E completa: "é aconselhável ter uma quantia de dinheiro pronta para entregar voluntariamente." Torcedor sofre Em um teste feito com espanhóis que assistiram à final da Copa de 2010, pesquisadores constataram níveis de cortisol e de testosterona elevados, um sinal de que a torcida sofre quase tanta pressão quanto os jogadores. É como se o corpo do fã estivesse pronto para a batalha. Deus em campo Um pesquisa americana mostrou que três em cada dez americanos acreditam que Deus tem um papel fundamental no resultado de um jogo. Mais da metade (53%) acredita que o Todo-Poderoso recompensa os jogadores por sua fé: times com jogadores crentes têm mais chance de ganhar. O corpo denuncia Um goleiro pode aumentar suas chances de defender um pênalti se ficar ligado nos sinais do batedor segundos antes da cobrança. Depois de analisar 126 cobranças, um estudo mostrou que é possível, sim, identificar o canto em que irá a bola conforme a posição do pé que fica na grama, a oscilação do que baterá na bola e o movimento do corpo. 1#5 SUPER NOVAS – O INCONSCIENTE ENTRA EM CAMPO Experimento levanta hipótese para explicar por que juízes apitam faltas que não existem. TEXTO Sílvia Lisboa EXISTE MUITA FALTA marcada injustamente no futebol - e elas decidem jogos. O culpado pode ser o inconsciente dos árbitros, que marcam mais faltas em jogadas que ocorrem da direita para a esquerda no seu campo de visão. No experimento feito por pesquisadores da Universidade de Dusquene, EUA, foram recrutados atletas do time da casa para examinar fotografias de um jogador em movimento tentando se livrar do adversário. A mesma imagem era reproduzida duas vezes: uma na orientação original e outra, invertida. Quando a ação ocorria da direita para a esquerda, eles marcaram três vezes mais faltas do que nas imagens invertidas. Para os pesquisadores, a explicação está no nosso padrão de leitura, orientado da esquerda para a direita (pelo menos no Ocidente - árabes lêem da direita para a esquerda). O cérebro do juiz tende a achar estranhos os movimentos originados da direita e apita faltas que não existem. Esse padrão é conhecido na indústria do cinema; repare como os mocinhos entram em cena pela esquerda, e os bandidos, pela direita. 1#6 CIÊNCIA MALUCA TEXTO Carol Castro ABR.AI/CIENCIAMALUCA Times ruins fazem mal à saúde Pesquisadores pediram a 726 pessoas para anotar o que comiam nos dias seguintes aos jogos de futebol americano. Quando o time perdia, abusavam mais de pizzas, bolachas e bolos. No total, consumiam 10% a mais de calorias que os torcedores vitoriosos. A sensação de derrota leva à busca de conforto em comidas gordas. Ser fanático traz felicidade Psicólogos analisaram pesquisas sobre fãs americanos de futebol ao longo de 20 anos. E viram que, quanto mais fanáticos, quanto mais se identificavam e consideravam o time importante, maior a satisfação com a vida. Isso porque eles se sentem parte de uma comunidade. A conexão e camaradagem com outros fãs têm um efeito psicológico positivo. Jogadores de elite são mais inteligentes Eles fazem parte dos 2% da população com melhores resultados cognitivos (percepção, atenção, memória etc). Principalmente na habilidade de criar, encontrar novas soluções e mudar táticas rapidamente. Foi o que cientistas descobriram ao distribuírem testes a 57 jogadores. Eles precisam dessa inteligência no jogo - e quanto melhor o jogador, maior a pontuação. 1#7 DE CUECA A MENOS 110°C Atletas se submetem a temperaturas quase insuportáveis para recuperar a forma física. Vale o sofrimento? TEXTO Sílvia Lisboa DESDE OUTUBRO do ano passado, depois de uma partida extenuante do Real Madrid, o craque Cristiano Ronaldo chega a La Finca, o nome da sua mansão, e fica de cuecas em uma câmara vertical de nitrogênio com temperatura abaixo de 110 °C por até três minutos - mais do que isso, o corpo não aguenta. Para não congelar, o atleta precisa estar com o corpo seco, de luvas, meias e cuecas de cotton. O que parece uma sessão de tortura seria o segredo da sua invejável forma física segundo ele próprio. Cristiano se tornou o mais novo adepto de uma tendência que caiu no gosto dos jogadores de futebol europeus: a crioterapia. A técnica, em si, não é nova. Colocar compressas de gelo sobre os músculos é uma forma antiga de combater a inflamação dos tecidos depois de um exercício repetido. A novidade agora são as câmaras de nitrogênio. Estudos dão conta de que a crioterapia dá, sim, ao atleta uma sensação de alívio porque os aparelhos reduzem a inflamação e melhoram a circulação nos tecidos superexigidos em treinos e partidas de futebol. O que pode explicar por que jogadores como Cristiano Ronaldo desembolsam 45 mil euros (R$ 138 mil, em média) pelos aparelhos. Mas as pesquisas não garantem bom desempenho em campo. As câmaras podem ser puro desperdício. "Não há evidência que suporte a afirmação que as câmeras de crioterapia são mais eficazes do que as tradicionais compressas de gelo", diz João Durigan, professor de fisioterapia da UnB. Ou seja, soluções muito baratas como uma sacolinha de supermercado ou uma banheira cheias de pedras de gelo talvez provoquem o mesmo efeito, segundo Durigan. O segredo do sucesso de Cristiano Ronaldo deve ser o próprio treino, e não a recuperação. 1#8 COMO O CARTÃO AMARELO MUDOU O MUNDO TEXTO Melissa Schröder Se houvesse cartão amarelo em 1966, o Brasil talvez fosse hexacampeão mundial. Os portugueses sentaram o sarrafo em Pelé no segundo jogo da Seleção, ninguém foi expulso e o craque saiu contundido. Não jogou mais naquela Copa, a única em que não foi campeão. A selvageria foi controlada em 70, no México, quando o cartão amarelo, uma invenção do árbitro britânico Ken Aston, entrou em campo. Ele estava esperando o semáforo abrir quando teve a ideia de criar uma comunicação não verbal para sinalizar os humores dos juízes. Até então, um jogador podia ser expulso, mas não se sabia bem os critérios do juiz. Com o cartão amarelo, ficou mais claro: na próxima infração grave, o jogador seria expulso, o que permitiu que torcedores, adversários e imprensa passassem a pressionar pela expulsão. Na estreia, em 70, foram 33 amarelos (o soviético Evgeny Lovchev foi o premiado com o primeiro cartão) e nenhum vermelho, que só deu as caras nas Copas em 74. Desde então, os juízes distribuíram 2.193 amarelos nas Copas. Do futebol, o cartão foi copiado para o rúgbi, o vôlei e a esgrima. 1#9 PAPO – O FIM DAS TORCIDAS A venda de grandes clubes de futebol está mudando o esporte – e acabando com as torcidas. Esse é o diagnóstico do jornalista francês Franck Berteau, que acaba de lançar Le Dictionnaire des Supporters "O dicionário das torcidas", sem tradução para o português). TEXTO Sílvia Lisboa Vários clubes europeus foram vendidos nos últimos anos. Como isso está mudando o futebol? Trata-se de uma evolução lógica. Na Europa, o futebol gera cada vez mais dinheiro em cima de transferências, patrocínios, merchandising, direitos de transmissão etc. Como resultado, atrai grandes corporações, para quem o futebol vira uma vitrine. Dessa forma, os clubes se tornaram empresas, dedicando-se mais à busca de novos clientes do que ao esporte e suas histórias humanas. O futebol está perdendo a autenticidade. É uma tendência sem volta? É mais do que uma tendência. É a evolução inevitável de um esporte que faz todos os dias novos adeptos, que apaixona milhões de pessoas no mundo. O sucesso nesse nível requer altos investimentos, ou seja, é difícil voltar atrás. A menos que se favoreça outros modelos, como os clubes cujos donos são os fãs, como o FC United, de Manchester, ou o AFC Wimbledon, ambos da Grã-Bretanha. Essas equipes, financeiramente, não podem jogar na primeira divisão, mas mantêm seu espírito original. E como a mercantilização do futebol afeta os torcedores? Os fãs estão virando clientes. E o jogo de futebol está se tornando um show muito mais do que um esporte, um espetáculo controlado pelos clubes e não mais por fãs apaixonados. O preço do ingresso aumenta e expulsa o público mais popular, que está na origem das torcidas. Os clubes estão controlando até o apoio ao time, como já ocorre na NBA. O espetáculo não ficará mais a cargo de uma torcida apaixonada, será orientado pelos próprios clubes. A violência nos estádios tem a ver com essa mudança? São fenômenos distintos. A violência sempre existiu em torno do jogo de futebol porque ele envolve rivalidade, delimitação de território e é um evento catártico para jovens mais truculentos. Mas essas empresas que querem desfrutar de uma imagem positiva do esporte fazem de tudo para que esses excessos desapareçam e pressionam pela expulsão dos estádios daqueles que promovem brigas, como fez o Paris Saint-Germain depois da morte de um torcedor, em 2010, no Parc des Princes. A principal ação foi acabar com o bilhete que dá direito a ir a todos os jogos da temporada nas arquibancadas populares (atrás dos gols) e fazer um ingresso que concede lugares aleatórios em cada partida para evitar que os torcedores se reúnam. As medidas eram necessárias e atingiram o seu objetivo: pacificar o estádio. Mas, tendo como alvo todos os fãs, violentos ou não, também tiveram um efeito perverso: fizeram a atmosfera do estádio perder intensidade. A alma do futebol está a perigo? As torcidas organizadas e mais expansivas têm dificuldades em encontrar o seu lugar no futebol moderno. Mesmo que existam várias maneiras de amar um clube de futebol, são esses fãs que garantem uma identidade, uma alma, que é ameaçada por políticas repressivas, por vezes, mal implementadas. Há uma hipocrisia, na França, em relação a isso. Os clubes querem o fervor das torcidas, mas não param de reprimir, sem distinção, seus fãs. O bom exemplo é a Alemanha, que pune severamente quem fomenta a violência, mas as autoridades não perseguem os fãs em geral. 1#10 IDEIA VISUAL – LEMAS PERNAS DE PAU "Preparem-se, o hexa está chegando!" Em 2014, esse é o slogan que o Brasil escolheu estampar no ônibus da Seleção. Veja os exemplos mais bem-humorados das últimas edições: uma verdadeira aula de sociologia - e um antiexemplo de marketing. EDIÇÃO Karin Hueck e Rafael Quick 9 PAÍSES MENCIONARAM ANIMAIS • Águia (Tunísia 2006, Arábia Saudita 2006 e Nigéria 2010). • Leão (República Tcheca 2006, Camarões 2010/14 e Inglaterra 2006). • Kiwi (Nova Zelândia 2010). • Elefantes (Costa do Marfim 2006, 2010, 2014). • Dragões (Bósnia 2014). OS DIDÁTICOS • França 2006 - "Liberdade, igualdade Jules Rimet". O lema da Revolução Francesa foi usado para inspirar a busca pela taça - e em francês tudo rima. • Costa Rica 2006 - "Nosso Exército é a seleção, nossa arma é a bola...". O slogan remete ao fato de que a Costa Rica é um dos poucos países sem exército. • SUÍÇA 2010 - "Hopp Schwiiz! Hop Suisse! Forza Svizzera! C'mon Switzerland!". O slogan em várias línguas representa três idiomas oficiais da Suíça, mais o inglês. O quarto idioma oficial o romanche, ficou de fora, provavelmente porque apenas 0,5% da população o fala. OS MUITO LONGOS PARA SEREM SLOGANS • COSTA RICA - "Minhas paixões são futebol, minha força, minhas pessoas, meu orgulho Costa Rica". • Portugal 2006 – “Na janela uma bandeira, no campo uma nação inteira. Força Portugal." • Equador 2006 – “ O Equador é minha vida, o futebol minha paixão, e a Copa minha meta." OS OBCECADOS POR UM TEMA • Costa do Marfim – “Força elefantes!” “Elefantes, vamos lutar”, “Elefantes rumo ao Brasil!” • Japão – “Descubra o seu espírito samurai”, “O espírito samurai nunca morre!”, “Samurais, chegou a hora de lutar!” • Croácia – “Com fogo nos corações, rumo à final”, “Com fogo nos corações, um por todos e todos por um!” OS IDEAIS PARA A GUERRA • Alemanha 2006 – “Para a Alemanha! Pela Alemanha!” • Suécia 2006 – “Força! Mostrem sua garra! Vamos! Estamos todos contigo!” • EUA 2010 – “Vida, liberdade e a busca pela vitória!” • Argélia 2014 – “Guerreiros do deserto no Brasil!” TROFÉU TROCADILHO • Austrália 2014 – “Socceroos, pulando para a gloria!” = soccer (futebol) + cangaroo (canguru). Sacou? Hã? Hã? TROFÉU ESPÍRITO ESPORTIVO • Coreia do Sul 2014 – “Vamos nos divertir, Vermelhos!” Fofo, né? 1#11 MATRIZ – MASCOTES DE COPAS Desde 1966, todo Mundial tem um personagem para tentar empolgar o público e vender bonequinhos. Nem sempre funciona. POR Camila Maccari, Juliana Vidigal NARANJITO, 1982 ESPANHA - Primeira vez que uma comida tradicional vira mascote. Ganhou até um programa de TV. GOLEO E PILLE, 2006 ALEMANHA - O leão e a bola foram eleitos os mais queridos das Copas em votação no site da Fifa, mas venderam tão pouco que quebraram a NCIC, empresa que licenciava os mascotes. WILLIE, 1966 INGLATERRA – Fez tanto sucesso que ganhou até uma música divertida do cantor escocês Lonnie Donegan. JUANITO MARAVILLA, 1970 MÉXICO - Primeiro mascote humano, o garoto simpático incentivou o fairplay dentro de campo: ninguém foi expulso em 70. Dá-lhe, Juanito! PIQUE, 1986 MÉXICO - Junto com a ola nas arquibancadas, a pimenta jalapeno de sombrero e bigode marcou um dos Mundiais mais animados. FOOTIX, 1998 FRANÇA - Parece o Pica-Pau gordo, mas os franceses juram que é um galo, animal símbolo do país. CIAO, 1990 ITÁLIA - Único mascote conceitual, ficou no meio do caminho entre um boneco de Lego e um homem-palito. Não empolgou. ZAKUMI, 2010 ÁFRICA DO SUL - O leopardo escolhido aleatoriamente entre os animais do continente rendeu US$ 3 bi em merchandising. KAZ, ATO E NIK, 2002 JAPÃO Os Spherikz vieram de um distante planeta no qual havia um esporte parecido com o futebol. Os terráqueos não entenderam. GAUCHITO, 1978 ARGENTINA - Ganhou o apelido pejorativo de Playmobil dos Pampas. STRIKER, 1994 ESTADOS UNIDOS - O cachorrinho criado pela Warner fez tanto sucesso quanto o futebol nos EUA. TIP & TAP, 1974 ALEMANHA OCIDENTAL - Representam as duas Alemanhas e um só estereótipo: pele alva e bochechas rosadas. FULECO, 2014 BRASIL - Precisou de escolta policial e foi destruído em manifestações pelo País. Pobre tatu-bola em extinção. 1#12 BANCO DE DADOS – COPA DE 1950 O Brasil perdeu a taça, mas teve o melhor ataque da competição, que trouxe ao País 13 seleções. POR Maurício Brum e Babi Brasileiro AS EQUIPES 34 seleções se inscreveram para as eliminatórias. 13 seleções vieram BOLÍVIA BRASIL CHILE ESPANHA ESTADOS UNIDOS INGLATERRA ITÁLIA IUGOSLÁVIA MÉXICO PARAGUAI SUÉCIA SUÍÇA URUGUAI A TORCIDA ENTRA EM CAMPO Em número de pessoas por jogo Média de Público da COPA excluindo jogos do Brasil – 19.602 Média de Público da seleção brasileira – 121.963 Maior Público fora do Rio e SP – 11.078 Maior Público em jogo sem o Brasil 74.462 O MAIOR E O MENOR A final da Copa foi o maior público da história do Maracanã. 173.850 torcedores pagantes (público pagante oficial segundo os arquivos da Fifa) Brasil 1x2 Uruguai. Rio de Janeiro 3.580 torcedores pagantes (público pagante oficial segundo os arquivos da Fifa) Suíça 2x1 México, Porto Alegre 7 x 1 sobre a Suécia foi a maior vitória do Brasil, nossa maior goleada em Copas até hoje. A COPA EM NÚMEROS 22 partidas disputadas 88 gols foram marcados no total 22 gols marcados pela seleção Brasileira 4 gols por jogo foi a média GOLEIROS MENOS VAZADOS (Critério de desempate: maior número de jogos) 1º) 2 gols em 3 jogos – Bert Williams (ING) 2º) 6 gols em 6 jogos – Barbosa (BRA) 3º) 3 gols em 3 jogos – Mrkusic (IUG) QUEM ENTROU EM CAMPO A base da Seleção que entrou em campo no Maracanã era carioca: 5 Vasco da Gama 3 Flamengo 2 Palmeiras 1 SPFC OS MELHORES ATACANTES 1º) 8 gols Ademir (BRA) 2º) 5 gols Oscar Miguez (URU) 3º 4 gols Chico (BRA); Zarra (ESP); Basora (ESP) e Ghiggia (*URU) O HOMEM DE UMA COPA Ghiggia disputou apenas 12 partidas pela seleção uruguaia e marcou quatro gols, todos na Copa de 50: Uruguai 8x0 Bolívia aos 42’/2º Uruguai 2x2 Espanha aos 29’/1º Uruguai 3x2 Suécia aos 39’/1º Uruguai 2x1 Brasil aos 34’/2º OS CUSTOS DA COPA DO MUNDO Não houve obras de mobilidade urbana. *em milhões de R$ corrigidos pelo IGP-DI. Rio de Janeiro 232,2 Belo Horizonte 5,58 Recife 1,49 Porto Alegre 0,8 São Paulo 0,3 Curitiba 0,3 2 estádios (Maracanã e Independência) foram construídos especialmente para a Copa do Mundo. 36,58 MILHÕES de cruzeiros foi a arrecadação total das partidas da Copa. Fontes Fifa; RSSSF; 1950: o Preço de uma Copa; Anatomia de uma derrota - 16 de julho de 1950; arquivos da Biblioteca Nacional. 1#13 COORDENADAS – ESPECIAL – PARA FUGIR DA COPA GENGIS CUP Enquanto duas seleções disputam a final da Copa, os mongóis estarão montados em cavalos correndo pelas estepes no maior festival local, o Naadam, em homenagem ao guerreiro. TEXTO Camila Maccari TODO JOVEM DA MONGÓLIA, independente do sexo, sonha em ganhar uma medalha no Naadam, maior festival de esportes inspirado no treinamento militar do exército de Gengis Khan, conquistador que unificou um império duas vezes maior que o Brasil e fez fama pelas carnificinas em guerra. Neste ano, os torneios estão agendados para 12 e 13 de julho, data da final da Copa no Maracanã, e vão reunir atletas de todo o país e turistas - se você já está farto da Copa, ainda dá tempo de fugir para lá. Cada cidade e aldeia celebra o festival, mas o principal ocorre na capital, Ulan Bator. Uma das competições mais aguardadas é a corrida de cavalos, que atravessam 20 km entre as estepes. Cheia de pompa, a festa começa no Estádio Central, onde autoridades e VIPs esperam a chegada dos nove estandartes brancos de Gengis Khan. Oportunidade perfeita para conhecer a cultura local: são mais de duas horas de danças budistas, canções tradicionais e shows de rock nacional. No final do dia, a maioria permanece nas estepes e dorme em uma ger, tenda circular usada pelos nômades, que representam 30% da população local. A capital vive em acelerado crescimento econômico por causa da mineração, que dá à cidade o título de a mais poluída do mundo. No inverno, além do carvão das usinas, a população utiliza o mineral para se aquecer de temperaturas que chegam a -30 °C - na época do Naadam, as temperaturas alcançam agradáveis 20 °C. Ou seja, além de aproveitar o festival, o verão é a melhor época de conhecer Ulan Bator, a capital mais fria do planeta, sem voltar asfixiado e congelado. ESTE MÊS NESSE PLANETA CALGARY 51° 02' N, 114° 03' Entre 4 e 13 de julho, Calgary, no Canadá, se transforma numa imensa arena para o maior rodeio do mundo, o Calgary Stampede. Espera-se 1 milhão de visitantes. EDIRNE 41° 40' N 26° 34' L Bezuntados em azeite, lutadores peleiam no festival Kirkpinar, usando apenas calção de couro, em Edirne, Turquia, de 29 de junho a 5 de julho. UM MOMENTO 24/6 9H Começa em Qorikancha, em Cusco, Peru, o Inti Raymi ou a Festa do Sol, o equivalente para os inças do Ano Novo ocidental. A celebração marca o início do solstício de inverno no Hemisfério Sul, quando os dias ficam mais curtos. 160 mil pessoas são esperadas no 49º Festival de Parintins, nos dias 27, 28 e 29 de junho, logo após os jogos na Arena Amazônia. Um dos maiores festivais folclóricos do Brasil, quase foi cancelado pela Fifa. QUE LUGAR É ESSE? 1- É um dos três maiores países da Europa Central. 2- A seleção do país fez o maior número de gols em uma Copa até hoje. 3- A capital é título de um livro escrito por um brasileiro famoso. Resposta: 1- A Hungria é o terceiro maior país da Europa Central, atrás da Alemanha e da Polônia. 2- Na Copa da Suíça, em 1954, a seleção húngara marcou 27 gols, record não superado até hoje. 3- Budapeste, terceiro livro de Chico Buarque. 1#14 ESSENCIAL – QUERO VER NA OLIMPÍADA Por sete anos, o Brasil foi obcecado pela Copa e seus preparativos. Só que, nesse meio tempo, esqueceu as Olimpíadas de 2016. Está tudo muito mais atrasado e não há plano B. TEXTO Alexandre de Santi EM FEVEREIRO, Curitiba viveu o drama de ser ameaçada de exclusão da Copa. As obras da Arena da Baixada estavam muito atrasadas e jornalistas chegaram a cravar: a Fifa vai tirar a capital do Paraná do roteiro mundial. Não foi a primeira cidade ameaçada. Porto Alegre e Cuiabá, por exemplo, sentiram a faca no pescoço diversas vezes. Mas, sempre que surgia o boato de corte de uma das 12 sedes, analistas corriam para argumentar que não seria nenhuma tragédia. Imaginava-se que a Fifa simplesmente optaria por cortar Curitiba, Porto Alegre ou Cuiabá do mapa e transferir seus jogos para outras praças. Redistribuir as partidas traria alguma dor de cabeça. O prefeito e alguns cidadãos da cidade ficariam chateados, a Fifa teria que imprimir novos ingressos, e torcedores, cancelar reservas em hotéis. A imagem do País ficaria arranhada, mas o Brasil tem novos estádios de sobra para receber jogos. Não seria motivo de vergonha nacional. A Copa de 2010, na África do Sul, por exemplo, foi jogada em nove cidades. Autoridades entraram em campo e garantiram os milhões que faltavam para Curitiba, e Jérôme Valcke, secretário-geral da Fifa, anunciou apressadamente, pelo Twitter (@jeromevalcke), que a Arena da Baixada estava mantida na Copa. O fato é que cada tijolo mal colocado nos estádios era comentado em todos os táxis do Brasil. Mas havia um problema nessa obsessão: enquanto discutíamos se haveria Copa, nos esquecemos de monitorar com a mesma paixão a preparação das Olimpíadas de 2016, no Rio. E não dá para levar as competições para São Paulo ou qualquer outra capital. Em caso de falência do planejamento carioca, os Jogos serão transferidos para outro país. Daí o mico é grande demais. No dia 9 de maio, o jornal inglês Metro noticiou que o Comitê Olímpico Internacional (COI) já conversou com a prefeitura de Londres para devolver as Olimpíadas para lá - a capital britânica recebeu a tocha olímpica em 2012. E as autoridades londrinas teriam dado sinal verde para o plano B no caso de fracasso fluminense. Uma coisa é ter uma sede riscada da Copa. Isso acontece. A Rússia já decidiu cortar quatro estádios e duas cidades da Copa de 2018. Até o Catar, o país mais rico do mundo em renda per capita, disposto a despejar US$ 200 bilhões na Copa de 2022, avalia a redução de arenas para cortar custos. Não seria uma grande vergonha se o Brasil também optasse pela moderação no Mundial. Mas perder uma Olimpíada seria um fato inédito na história dos Jogos. O COI retrucou dizendo que não havia "um pingo de verdade" na notícia sobre o plano B londrino. Faz sentido: o comitê não confirmaria a história. Isso causaria enorme constrangimento para o governo brasileiro. E, enquanto o COI não decide, de fato, mudar a sede dos Jogos, o discurso precisa ser conciliador, de confiança nas autoridades brasileiras. O comitê não esconde, no entanto, a insatisfação com a preparação do Rio, que, a dois anos dos Jogos, tem apenas 10% das obras concluídas. Na mesma etapa, o índice era de 60% em Londres e 40% em Atenas. A desconfiança é tanta que, em abril, o COI anunciou que Gilbert Felli, um dirigente do comitê, seria uma espécie de "interventor" do Rio, escalado para viajar regularmente ao Brasil para vistoriar as obras. Demorou. Os cariocas sabem desde 2 de outubro de 2009 que precisam levantar os locais de competição. Ainda assim, a situação está crítica: é a preparação mais atrasada em 20 anos. Algumas obras, como a do Maracanã, valem tanto para 2014 quanto para 2016, mas há uma série de projetos exclusivos para os Jogos que foram deixados de lado. O atraso carioca é um problema que ocorreu lá atrás. Precisamente entre 2009 e 2012, quando as obras mal saíram do papel. O Tribunal de Contas da União (TCU), em auditoria divulgada em setembro de 2013, constatou que apenas 5%, ou R$ 92 milhões do R$ 1,6 bilhão previsto, haviam sido gastos nos preparativos das Olimpíadas. Ou seja, nos primeiros três anos (2010, 2011 e 2012), as obras simplesmente não andaram. O que bate com o cálculo do COI: o atraso na preparação seria de dois anos. Parte da culpa é da própria Copa. A burocracia para liberação de verbas no Brasil é incrível. Até quando há dinheiro e vontade política, os governantes encontram problemas para colocar as obras na rua. Os orçamentos da Copa e da Olimpíada são diferentes, é claro, mas os governantes que lideram os preparativos são os mesmos. Entre dar um empurrãozinho para liberar dinheiro para a Copa ou a Olimpíada (um telefonema, uma assinatura, uma cutucada), o evento que acontecia antes virou prioridade. Natural. A coisa começou a andar em 2011, quando o Congresso aprovou o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, uma lei que, na prática, não passa de uma série de exceções para a liberação de verbas, criada justamente para acelerar obras da Copa e das Olimpíadas. Agilizou, mas abriu espaço para corrupção e abusos. Não dá para culpar apenas a concorrência com a Copa, como lembra Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas: "Pode haver milhões de problemas. Problema na licitação, no projeto...". É o que aconteceu no Rio: milhões de problemas. Já houve embargo judicial de obras, greve de funcionários e troca de comando nos órgãos criados para azeitar a preparação, como a Autoridade Pública Olímpica e a Empresa Olímpica Municipal. Mas vale lembrar que, quando os políticos estão interessados na obra, dão um jeitinho. Não surpreende, por exemplo, que as obras mais atrasadas sejam as do Parque Olímpico de Deodoro, o segundo maior do projeto carioca. Será que o mau planejamento (as duas últimas licitações foram lançadas somente em abril, incríveis 55 meses após a eleição do Rio) não está ligado aos esportes que vão disputar medalhas lá? Que político está interessado em agilizar instalações de competições pouco populares como esgrima, rúgbi e pentatlo? Com tanta papelada para assinar, os políticos priorizaram. Mas deixaram o País exposto ao maior mico da sua história. 1#15 ORÁCULO COPAS CARAS, JOGADORES RICOS, TORCEDOR REVOLTADO Pela página da SUPER no Facebook, nossos leitores mandam questões que mostram a verdade dos Mundiais: o que aconteceu em campo, fora deles e até os que não existiram. PERDEMOS O POSTO Qual é o país que mais gastou com Copa? (ironia) - VINÍCIUS EDSON E VÁRIOS OUTROS LEITORES Pois é, não somos nós, não. Japão e Coreia do Sul são os campeões de gastos, segundo levantamento feito pelo consultor legislativo Alexandre Guimarães, do Senado. É que, em 2011, muita obra prevista para a Copa de 2014 foi sendo descartada, como os BRTs de Curitiba e Manaus, a expansão do metrô de Salvador, VLTs de Brasília e de Manaus e o monotrilho de São Paulo, por exemplo. Só essas obras totalizavam a bagatela de R$ 4,8 bilhões. 1º Coreia do Sul/Japão R$ 35,2 Bilhões. 20 estádios + obras. 2º Brasil R$ 26 bilhões. 12 estádios + obras 3º África do Sul R$ 17,6 bilhões. 10 estádios + obras 4º Alemanha R$ 13,2 bilhões. 12 estádios + obras RICO BRASIL Qual a seleção mais "cara", com o salário dos jogadores mais valiosos? E os clubes que possuem os jogadores ganham algo pela convocação e os desfalques? - ARMANDO CEREZER É o Brasil-sil-sil, com um valor estimado em R$ 1,55 bi, segundo levantamento da Pluri Consultoria, especializada em esportes, até o fechamento desta edição. Em segundo vem a Espanha, com R$ 1,51 bi. Quanto aos clubes desfalcados, eles receberão uma diária de US$ 2,85 mil por jogador, quase 10% do que o Neymar ganha por dia no Barcelona. POBRE ARGENTINA Quais seleções seriam prováveis campeãs em 1942 e 1946, anos em que não foi disputada a Copa do Mundo por causa da Segunda Guerra? - ROBERTO NASCIMENTO A Argentina, Suécia e a Itália eram as mais cotadas. A equipe argentina contava com craques como Di Stéfano, lenda do Real Madrid. Entre 1937 e 1947, os argentinos disputaram seis Campeonatos Sul-Americanos (atual Copa América) e venceram cinco, derrotando Brasil e Uruguai, que fariam a final de 1950. A Suécia foi semifinalista em 1938 e, durante a guerra, montou a equipe que conquistou o ouro olímpico em 1948. A bicampeã Itália estava velha, mas passava por renovação e poderia incomodar. FENÔMENOS Quem são os três artilheiros e os três goleiros menos vazados das Copas? - LEANDRO FERNANDES Ronaldo, com 15 gols, e os alemães Klose e Gerd Muller, com 14 (veja mais nas págs. 52 e 53). Quanto aos goleiros, depende da sua definição de menos vazado. Entre os finalistas (ou seja, jogaram mais partidas numa única Copa), três goleiros levaram apenas dois gols no campeonato inteiro: o francês Fabien Barthez, em 1998, o italiano Gianluigi Buffon, em 2006, e o espanhol Iker Casillas, em 2010. Um goleiro não sofreu gois em uma Copa: o suíço Pascal Zuberbuehler, em 2006 - mas, jogou apenas quatro partidas. O que mais tempo passou sem levar gols, 517 minutos, foi o italiano Walter Zenga, na Copa da Itália, em 1990. ANTES TARDE DO QUE NUNCA Por que os brasileiros contra a Copa resolveram fazer protestos faltando pouco tempo para ela começar e ninguém falou nada quando o País foi eleito? - JONATAS BATISTA Porque, quando o Brasil foi escolhido como sede, em 2007, o governo disse que não ia usar dinheiro público na Copa. O custo inicial previsto para a construção dos estádios era de R$ 2,8 bi (virou R$ 8 bi), sendo que todo esse dinheiro viria da iniciativa privada, mas o governo arcou diretamente com quase metade do valor das arenas, equivalente a R$ 3,9 bilhões. Ou seja, a situação mudou ao longo dos anos e por isso levou um tempo até a população se indignar e ir para as ruas. Além disso, outras promessas foram descumpridas (veja mais nas págs. 60). BARRIGADA O Messi é autista? - GABRIEL SCHMITT Não. A suspeita, levantada pelo jornalista Roberto Amado (Messi teria Síndrome de Asperger, uma doença do espectro autista), foi desmentida pelo médico e pelo biógrafo do jogador. Messi teve sim uma deficiência hormonal, que afetou seu crescimento, e foi sempre caladão. QUER QUE DESENHE? Quem foi que colocou a Fifa para comandar, pintar e bordar com as Copas? Como é feita a votação do presidente? - THIAGO ALBERTO Explicamos em detalhes o poder da Fifa a partir da página 54. Sobre as eleições: 1- A candidatura só é validada se tiver o apoio de cinco das 208 federações. 2- Em votação secreta, o candidato tem de obter dois terços dos votos para ser eleito – pode haver mais de uma votação até que sobrem apenas dois. 3- Quando há apenas um candidato, ele é eleito por aclamação, o caso de Joseph Blatter, atual presidente. PÁ PUM Qual o nome da bola que mais vezes foi parar no fundo das redes em mundiais? Todas as bolas utilizadas em Copas têm nome e eu gostaria de conhecer a que mais pontuou na história. Será o nome do meu grupo de pelada semanal. - DIOGO FURTADO DE MOURA Foi a Tricolore, em 1998, na França, com 171 gols. Mas nem todas as Copas tiveram bolas exclusivas. A primeira foi a Telstar, em 1970. NÚMERO IMPORTANTE Uma em cada 160 CRIANÇAS tem transtornos do espectro autista, segundo a OMS. OUTRO DADO RELEVANTE SEM NENHUMA LIGAÇÃO 160 PONTOS foi a diferença que deu a Cristiano Ronaldo a Bola de Ouro da Fifa. O português somou 1.365 pontos, contra 1.205 de Lionel Messi. PERGUNTE AO ORÁCULO! Escreva para superleitor@abril.com.br com o assunto "Oráculo" e mencione sua cidade e Estado. 1#16 CONEXÕES – DE GHIGGIA A TOPO GIGIO TEXTO Sílvia Lisboa GHIGGIA - Jogador uruguaio e autor do gol que tirou o título do Brasil na Copa de 50. O atleta ainda jogaria na Itália antes de pendurar as chuteiras e virar funcionário do Cassino de Montevidéu, junto com o ex-colega de Peñarol e da seleção.... OBDULIO VARELA - Capitão da seleção uruguaia em 1950, Varela é um ícone do país, onde é conhecido como El Negro Jefe. Sua liderança em campo era tão grande que "não atava as chuteiras com cordões, mas com as veias", segundo a opinião do jornalista... NELSON RODRIGUES - Um dos maiores cronistas esportivos e dramaturgos brasileiros, Nelson Rodrigues iniciou sua carreira como repórter policial no jornal A Manhã, propriedade de seu pai. Na década de 1960, ingressou na recém-fundada... TV GLOBO - É a segunda maior rede de TV comercial do mundo, atrás da ABC, dos EUA. Tem 122 emissoras afiliadas e é exportadora de telenovelas. Em 1965, importou da Itália um fenômeno mundial para o programa Mister Show chamado... TOPO GIGIO - Ratinho orelhudo criado em 1958, na Itália, teve uma longa carreira de sucesso. Chegou ao Uruguai em um dos programas mais populares da TV, do comediante Pinocho, em 1968, mesmo ano em que Ghiggia aposentou as chuteiras. _____________________________ 2# REPORTAGENS junho 2014 2#1 CAPA – MILAGRE OU TRUQUE? 2#2 ATLAS DA COPA – CLASSIFICAÇÃO DAS SELEÇÕES POR PONTOS CORRIDOS 2#3 POLÍTICA – OS DONOS DA BOLA 2#4 ECONOMIA – NÃO VAI TER NA COPA 2#5 HISTÓRIA – DESBRAVADORES 2#6 FUTURO – UM GÁS NAS OBRAS 2#7 ZOOM – OS BRASÕES DA COPA 2#1 CAPA – MILAGRE OU TRUQUE? NÃO PERCA. ASSISTA AO VIVO, NO DIA 12 DE JUNHO, AO MAIOR ESPETÁÇULO CIENTÍFICO DESDE O POUSO DO HOMEM NA LUA. (OU NÃO.) TEXTO Leandro Beguocci e Denir Russo Burgierman ALÉM DE APRESENTACÃO que vão da capoeira à dança gaúcha, e de um encontro de Jennifer Lopez, Claudia Leitte e do rapper Pitbull, a cerimônia de abertura da Copa do Brasil, no dia 12 de junho, promete incluir uma revolução científica. Segundo o médico, pesquisador e palmeirense Miguel Nicolelis, o Itaquerão será sede do maior espetáculo da história da ciência humana desde que Neil Armstrong firmou sua bota branca no solo poeirento do Mar da Tranquilidade, na Lua, em 20 de julho de 1969. Acontecerá em algum momento da cerimônia, não se sabe se no começo ou no final. Um paraplégico relativamente jovem entrará em campo numa cadeira de rodas e, como se estivesse atendendo a um comando bíblico (Mateus 9:1-8, Marcos 2:1-12, Lucas 5:17-26), levantará e andará. Mas não vai ficar só na repetição do milagre de Cristo - a demonstração tem que ir além disso. O dito paciente irá caminhar e chutar uma bola de futebol Brazuca. Ainda não está claro se o espetáculo neuro-futebolístico será o marco inicial de uma nova era da humanidade ou se é apenas um golpe publicitário barato (na verdade, não tão barato assim). Mas certamente será um momento simbólico, que será lembrado por muitos e muitos anos, por um motivo ou por outro. A história desse milagre (ou não-milagre) começou cinco anos atrás, em 2009, quando Nicolelis teve uma ideia. DE VOLTA A 2009 Eram tempos de otimismo no Brasil. Naquele ano, a revista inglesa The Economist estampou na capa um Cristo Redentor decolando como um foguete. O presidente americano Barack Obama, quando se encontrava com Lula, saudava-o dizendo " that is my man", com inveja de seus índices de popularidade só comparáveis aos de certos reis de contos de fadas. De carona na prosperidade, bilionários brasileiros que vendiam matéria-prima para abastecer o crescimento chinês, até então intocado pela crise global, iam subindo nas listas dos mais ricos do mundo. Eike Batista naquele ano subiu de 142º para 61º lugar, empurrado apenas por apresentações de PowerPoint, e avisou que queria mesmo era ser o primeiro. Para completar a alegria, dois anos antes, em 2007, o Brasil havia ganho o direito de organizar a Copa de 2014, o que encheria o País de obras e, portanto, de mais prosperidade. As coisas iam bem para Nicolelis também. Reconhecido no mundo todo por suas pesquisas nos Estados Unidos em busca de interfaces entre o cérebro humano e as máquinas, ele vivia sendo lembrado em listas do tipo "os 20 cientistas que vão mudar o mundo". A SUPER mesmo cravou em 2006 que "este palmeirense vai ganhar o Nobel" (nossa reportagem acompanhou-o ao Parque Antártica e observou-o gritar "Pooooorcoooooo" do primeiro ao último minuto da goleada de 4x2 sobre o Paraná Clube). No mesmo ano da reportagem da SUPER, Nicolelis havia convencido a fundação que cuidava da fortuna do falecido banqueiro Edmond Safra a fazer aquela que foi possivelmente a maior doação privada para uma instituição científica na história do Brasil, de dezenas de milhões de dólares. Nascia o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra, encravado na pobreza do Rio Grande do Norte. O plano era ao mesmo tempo gerar pesquisa de primeira grandeza, para inserir o instituto na constelação dos mais importantes do mundo, e inspirar crianças Brasil afora a escolher o caminho da ciência. Para completar a lista incrível de feitos, em 2008, Nicolelis havia deixado o mundo de queixo caído com uma demonstração científica extraordinária. Seu grupo de pesquisa na Universidade Duke, na Carolina do Norte, havia implantado eletrodos em centenas de neurônios de macacos, e em seguida ensinou-os a jogarem videogame, controlando um robô no Japão com os sinais elétricos emitidos por neurônios nos Estados Unidos. Não, não é um roteiro da Marvel: Nicolelis e sua turma fizeram macacos controlarem robôs com a força da mente. Em 2009, ocorreu a ele uma exibição científica ainda mais espetacular, capaz de impressionar o mundo inteiro. E aí, no ano seguinte, ele fez essa ideia chegar a um outro brasileiro que também estava tendo um ano bom: Lula. O MILAGRE Quando a espinha dorsal se rompe, os sinais elétricos do cérebro para controlar todas as partes do corpo não conseguem chegar ao seu destino. É uma das lesões mais devastadoras que alguém pode sofrer - num instante uma pessoa hábil e forte pode se tornar incapaz de quase qualquer movimento. Aconteceu com Christopher Reeve, o Super-Homem do cinema. A medicina humana produziu incontáveis feitos no último século, da penicilina ao Viagra, mas o milagre de recuperar uma espinha rompida ninguém operou. Neurônios não se regeneram, diz o dogma. Mas 2009, com o Cristo decolando como foguete na capa da Economist, era um bom ano para planejar milagres. O de Nicolelis foi batizado de Walk Again Project, ou, no Brasil, Projeto Andar de Novo. A ideia do palestrino emplacou logo com o corintiano Lula, e foi selada num encontro entre o cientista e o presidente da Fifa, Sepp Blatter. O plano era escolher alguém entre 20 e 40 anos, pesando cerca de 70 quilos, homem ou mulher, cuja lesão de espinha não fosse nem muito nova nem muito velha, para entrar em campo no dia da abertura da Copa, vestido num robô. Aliás, não exatamente um robô: é um "exoesqueleto", uma máquina que faz o trabalho do esqueleto, de sustentação e locomoção, só que do lado de fora do corpo. A pessoa com exoesqueleto, usando apenas o poder da mente, iria caminhar até a bola e chutá-la, presumivelmente para as redes. O governo brasileiro contribuiu com R$ 33 milhões para o Andar de Novo, o suficiente para colocá-lo bem perto do topo da lista dos maiores empreendimentos científicos da história do Brasil. O simbolismo é colossal. Nicolelis pretende usar o momento em que boa parte da humanidade estará conectada para mostrar ao mundo todo, ao vivo, o triunfo da ciência sobre a doença e a morte. O físico americano Michio Kaku, autor de vários best-sellers sobre ciência, acha que a importância do chute do Itaquerão pode ir ainda além disso. Em seu livro The Future of the Mind, lançado em 2014, Nicolelis é descrito como um dos pioneiros de uma nova era da ciência, na qual o cérebro humano será conectado aos computadores, transformando os impulsos químicos dos neurônios em sinais elétricos digitalizados, capazes de tudo neste mundo digital no qual vivemos. A revolução que aconteceu com músicas, fotos e textos nos últimos anos poderá acontecer com ideias, pensamentos e memórias. ORQUESTRA Para fazer seu experimento famoso de 2008, Nicolelis teve que abrir o crânio de símios e realizar uma cirurgia cerebral, conectando pequenas peças de metal a grupos que iam de 100 a 500 neurônios. Na época, isso foi saudado como uma revolução científica, porque eletrodos dentro do cérebro registram uma informação muito mais precisa do que meros aparelhos de eletroencefalograma (EEG) presos com ventosas na careca raspada. Imagine uma grande orquestra, cheia de cordas e metais e madeiras, com centenas de instrumentos, cada um deles executando uma partitura diferente. A música emerge da união de todas essas informações. O cérebro humano é assim, só que muito mais complexo - tem bilhões de instrumentos. Antes de Nicolelis, gravava-se a música dessa imensa orquestra com meia dúzia de microfones, instalados do lado de fora do auditório que é o crânio - é o que o EEG permite fazer. O resultado é um registro tosco, no qual um som se mistura a outro, e várias sutilezas desaparecem abafadas pela tuba. O que a pesquisa de 2008 fez foi abrir a possibilidade de instalar um microfone ao lado de cada instrumento da orquestra, aumentando imensamente a resolução da música digitalizada. Claro que ninguém estava propondo que houvesse um eletrodo para cada um dos nossos 86 bilhões de neurônios, mas a aposta é que, com alguns milhares, seria possível montar um repertório grande o suficiente de músicas diferentes. Esses sinais, digitalizados, fariam o exoesqueleto se mover. Nicolelis prometia ser capaz de medir os impulsos emitidos por até 30 mil neurônios diferentes do cérebro humano. "Seria o suficiente para que o robô chute a bola como um jogador", disse uma vez à revista Wired. "Um jogador brasileiro, não inglês", complementou, caçoando da falta de resolução da habilidade futebolística britânica. Sua espetada não era só nos boleiros ingleses, mas também nos cientistas europeus, que desenvolviam interfaces cérebro-máquina movidas por EEG, com resolução muito mais baixa. A demonstração no Itaquerão estava prevista para acontecer com uma tecnologia muito superior, usando eletrodos conectados a milhares de neurônios, que produziriam sinais cheios de complexidade para mover o exoesqueleto. DO CÉU AO INFERNO Mas muita água correu por baixo da ponte desde que o Andar de Novo foi iniciado. No Brasil, a euforia econômica murchou com a contaminação da China pela crise global e uma política econômica que produziu mais inflação que crescimento. O dinheiro de megainvestidores minguou no País, deixando com calças na mão mercadores de ilusões como Eike Batista. Ele quebrou ruidosamente em 2013, e virou símbolo na imprensa internacional de um Brasil que promete e não entrega. A Economist, que havia retratado o Cristo decolando em 2009, fez uma releitura da capa quatro anos depois mostrando o foguete-Cristo desgovernado sobre a Guanabara. Manifestações contra tudo tomaram o País, e depois houve manifestações contra as manifestações. Foram anos difíceis para Nicolelis também. Em 2011, a cúpula inteira do Instituto Internacional de Neurociências Lily e Edmond Safra se demitiu. Com exceção do próprio Nicolelis e do chileno Romulo Fuentes, todos os outros oito membros da equipe científica, recrutados entre os jovens neurocientistas mais promissores do mundo, vários deles participantes da pesquisa histórica de 2008, fizeram as malas e se voluntariaram para montar um departamento de pesquisa do cérebro de nível mundial na UFRN. É o Instituto do Cérebro, concorrente do Instituto Safra, de quem tirou vários projetos. Há portanto hoje no Rio Grande do Norte dois institutos de pesquisas de ponta em neurociências, inimigos mortais um do outro. O escândalo é tratado com discrição nos meios acadêmicos - cientista normalmente não gosta de bafafá, só de cochicho, inclusive porque depende de doações e de indicações de seus pares para fazer pesquisa. Mas o que se conta é que a razão da ruptura foi, segundo os rebelados, o autoritarismo descontrolado de Nicolelis, que virou um megalomaníaco ("os jedis derrotaram Darth Vader", um deles teria dito). Já Nicolelis desfaz de seus ex-pupilos e considera-os indisciplinados e despreparados para o empreendedorismo científico de alto nível. Para piorar, os problemas do Brasil alimentaram os de Nicolelis. O Projeto Andar de Novo foi um entre milhares que sofreram com o fim do dinheiro fácil no Brasil. Aqueles R$ 33 milhões governamentais só vieram a ser liberados em 2011, e o projeto atrasou tanto quanto tudo o que tem a ver com a Copa. Em 2013, a revista Wired visitou o laboratório de Nicolelis nos Estados Unidos e comentou, jocosa: "a um ano e meio da Copa, Nicolelis continua trabalhando exclusivamente com macacos." MACACOS Já falamos aqui de Nicolelis, Lula, Blatter, Eike, Darth Vader, Neil Armstrong, do Super-Homem, de Jesus Cristo e da Cláudia Leitte. Mas, até agora, nem uma mísera linha sobre os macacos que tiveram eletrodos implantados no cérebro, os tais que jogaram videogame com os poderes da mente. Eles morreram. Constatou-se que a cirurgia para implantar os eletrodos machuca lentamente os neurônios e prejudica sua capacidade de transmissão. O sinal neural transmitido vai ficando cada vez mais fraco, até sumir. Os macaquinhos são, então, encaminhados para a eutanásia e suas células são estudadas. Obviamente, seguir o mesmo procedimento com a estrela da festa de abertura da Copa do Mundo não é uma possibilidade. Para complicar ainda mais, fazer com humanos o que Nicolelis havia demonstrado em macacos revelou-se bem mais complicado do que parecia. Nosso cérebro é muito mais apertado que o deles, por causa da abundância de neurônios. Com o prazo no pescoço e dificuldades tanto técnicas quanto éticas, Nicolelis foi obrigado a mudar de estratégia. No início de 2014, anunciou que abriu mão de medir os impulsos elétricos de neurônios individuais e que apelaria ao velho e bom EEG para a demonstração da Copa. Enfim, ele resolveu gravar a orquestra com microfones do lado de fora do auditório. Três anos depois de caçoar do futebol inglês e da ciência europeia numa mesma frase, Nicolelis se conformava com uma tecnologia de resolução mais baixa do que o futebol chinês. O MILAGREIRO Não é fácil falar com Miguel Nicolelis ultimamente. Não que ele se esconda. Aliás, muito pelo contrário. O neurocientista palestrino está sempre disponível para uma polêmica, se precisarem dele. Dia desses foi visto no Twitter em aberto bate-boca contra o roqueiro Roger Rocha Moreira, o autor de versos imortais como "tem gringo pensando / que nóis é indigente". Enquanto o neurocientista de Duke fazia pilhéria da contribuição cultural do adversário, o vocalista do Ultraje a Rigor acusava-o de pilantragem com dinheiro público. Nicolelis costuma usar o Twitter para comentar os jogos de seu time do coração, minuto a minuto. A torcida vibra quando ele dá uma de suas tiradas, como quando sugeriu conectar o cérebro do maior ídolo da história do Palmeiras, Ademir da Guia, a jogadores menos cotados do presente. Quando nós da SUPER enviamos e-mails a Nicolelis, ele algumas vezes responde de imediato. Mas sempre avisa que sua fala é "em off", ou seja, que não estamos autorizados a publicar o que ele diz (sem descumprir o combinado, só posso adiantar que ele se declara mais confiante no Projeto Andar de Novo do que na capacidade do rival Corinthians de terminar o estádio a tempo). Sua assessoria de imprensa nos avisa constrangida que está tentando evitar incomodá-lo, porque ele está sob muita pressão. O exoesqueleto, produzido por um parceiro de pesquisas na Alemanha, chegou a São Paulo só em fevereiro deste ano, quatro meses antes da bola rolar. Nicolelis e equipe estão testando o equipamento com oito pacientes, e os vídeos que ele posta na página do projeto no Facebook ainda ficam devendo aos efeitos especiais do Robocop (a versão antiga). BOLHAS NO PÉ Na conferência TED de 2014, realizada em Vancouver, Canadá, em abril, a palestra mais aplaudida foi a fala incrível do cientista Hugh Herr, um alpinista e biofísico que perdeu duas pernas congeladas numa montanha e, em troca, ganhou um emprego. Virou diretor do laboratório de biomecatrônica do MIT, em Cambridge, Estados Unidos, responsável por desenvolver novas tecnologias em próteses e atender pacientes que precisam delas. Herr subiu ao palco usando duas próteses tão futuristas quanto funcionais, com as quais se movimentava com naturalidade. Na palestra, ele se disse desapontado com o quanto boa parte das chamadas "interfaces homem-máquina" ainda são toscas. "Interfaces homem-máquina" são peças de conexão entre nossos corpos e nossa tecnologia. "Acho incrível que, ainda hoje, os sapatos que usamos nos provoquem bolhas", diz ele. Trata-se de um problema de interface: o tênis, que é um objeto tecnológico, machuca o calcanhar, que é uma parte biológica. Se isso acontece no pé, imagine no lado de dentro da cabeça, onde a complexidade celular é quase infinita. Herr dedica-se a resolver esses problemas. Descobriu, por exemplo, que, para evitar bolhas, basta encaixar prótese duras em partes moles do corpo e partes moles nas duras (o problema do sapato é descumprir essa regra ao se apoiar rigidamente no duro calcanhar). Seu laboratório produz loucamente e já equipou mais quase mil deficientes, a maioria veteranos das diversas guerras americanas. No TED, Herr emocionou o público mostrando próteses fantásticas que permitem, por exemplo, que uma dançarina que teve uma perna arrancada pela bomba na maratona de Boston, ano passado, voltasse a dançar apenas 200 dias depois da explosão. A prótese é uma maravilha tecnológica. De um lado, ela recebe impulsos nervosos através da pele do cotoco da perna da moça, e se move. De outro, ela envia sinais que fazem com que a moça sinta o chão como se tivesse a perna. O resultado é espetacular. A dançarina pode não ser ainda tão boa quanto antes da explosão, mas já se move de maneira fluida, humana, não como um robô. O milagre de Herr não exigiu cirurgia cerebral. Seus pacientes e ele próprio têm a espinha intacta, e portanto há sinal elétrico chegando à pele e não é preciso ir capturá-lo no cérebro. Mas sua demonstração, chamando a bailarina ao palco do TED para exibir seus movimentos ao vivo, evocou um vislumbre do futuro ainda mais impressionante do que os macacos jogando videogame de seis anos antes. (Nicolelis foi confirmado para palestrar no TED Global, que em ano de Copa foi transferido para a praia de Copacabana, no Rio, em outubro.) COPA X NOBEL No imaginário popular, o Nobel é como uma Copa do Mundo de gênios: uma competição entre os melhores, na qual um vence. Na verdade, não é bem assim. Veja o caso do imenso empreendimento colaborativo e global que é a pesquisa científica em "interfaces homem-máquina" (e, mais especificamente, as "interfaces cérebro-máquina"). No mundo inteiro, em centenas de universidades e centros de pesquisa, financiados por bilhões de dólares de dinheiro público e doações privadas, milhares de pesquisadores de dezenas de áreas diferentes dedicam seus dias de trabalho a pequenos avanços no conhecimento sobre cada aspecto envolvido: robótica, neurociência, biofísica, computação, aerodinâmica. O potencial dessas pesquisas é fabuloso: elas vão mudar a vida de muita gente no mundo de um modo inacreditável. Conectar homens a máquinas abre possibilidades maravilhosas. Cegos voltarão a ver, surdos ouvirão, membros serão devolvidos a amputados. A vida de milhões de pessoas vai se transformar, algumas da água para o vinho. Possivelmente chegará o momento em que a Academia de Ciências da Suécia irá olhar para trás e verá que o campo das interfaces homem-máquina já merecerá um Nobel de Medicina. Nesse momento, os sóbrios membros da academia discutirão a história desse campo e tentarão decidir quais foram as duas ou três pessoas do mundo que foram mais decisivas na construção dessa pirâmide, desde o início. Nunca aconteceu de escolherem um brasileiro. Enfim, ganhar um Nobel não se parece em nada com vencer uma Copa. Mas tem uma coisa em comum: não se ganha de véspera. INTERFACE Interface é a superfície de contato entre dois corpos. Quer dizer conexão, emenda. Resolver a interface homem-máquina significa criar caminhos para que a informação de um chegue ao outro, e de volta. Mesmo com a escolha pelo EEG, Nicolelis promete para o Itaquerão uma demonstração impressionante de interface. A pessoa que entrará em campo não apenas será capaz de levantar-se e mover as pernas até dar um chute, como irá sentir a pressão do gramado nas solas dos pés. Nicolelis promete que o exoesqueleto será comandado pela mente da pessoa que o estiver usando, mas a multidão de rivais que ele tem pelo mundo torce o nariz. Uns apostam que a pessoa não fará mais do que comandar com a mente o início de uma exibição pré-programada. "É preciso ter expectativas realistas. Nós avançamos muito, mas estamos muito longe de devolver os movimentos a uma pessoa paralisada", disse John Donoghue, pesquisador da Universidade Brown. "Quando o espetáculo terminar, as pessoas que o professor Nicolelis ensinou a usar os exoesqueletos vão voltar às cadeiras de rodas. Elas não vão recuperar os movimentos", disse. Serão pequenos passos para uma pessoa, mas ainda assim talvez um passo considerável para a humanidade. Ou ao menos um pequeno passo numa direção bem promissora. A descoberta de uma conexão melhor entre gente e máquina promete para o futuro uma imensa revolução, e não só para a medicina. Ainda mais na era digital, em que tudo aquilo que pode ser digitalizado pode também ser distribuído, arquivado e compartilhado. Em seu livro, Michio Kaku fala sobre poderes telepáticos (na realidade e-mails operados com a mente), gravação de sonhos e edição de memórias. Uma interface permitirá a uma pessoa transformar-se em uma máquina e operá-la com a naturalidade de quem comanda o próprio corpo. Uma pessoa pode ser um tatu gigante de 200 metros e garras de aço, pronto para escavar um túnel. Ou um imenso navio de carga com braços mais fortes que guindastes, carregando containers de um lado para o outro como quem rearranja almofadas. Você pode ser o camisa 10 da Seleção, num estádio lotado, com chute potente e impulsão felina, num videogame de carne e osso. Ou um soldado invencível, numa guerra de verdade. DIA 12 No dia 12 de junho de 2014, uma quinta-feira de feriado verde-amarelo, o Brasil acordará ansioso com a estreia contra a Croácia. Enquanto o trânsito estiver enlouquecido, nas duas horas que antecederão a entrada da Seleção no gramado do Itaquerão, ocorrerá a cerimônia de abertura da Copa do Mundo de 2014. Os heróis do mundo serão Neymar, Messi, Cristiano Ronaldo. Os assuntos do dia serão esquemas e atuações. A manchete do dia seguinte será sobre o jogo. Mas Nicolelis, o exoesqueleto e o paralítico em seu comando serão assunto. Se a exibição acabará em milagre ou em espuma, é cedo para saber. Dizem que, em ciência, às vezes leva 30 anos para distinguir os gênios dos equivocados. Talvez seja só uma distração de marketing, um saco de promessas vazias a necessitados, que formarão filas inúteis nas portas dos hospitais públicos. Talvez o espetáculo adie ainda mais a discussão sobre a inviabilidade de um país sem sistema de educação, onde só se faz ciência com despachante. Uma decepção a mais numa Copa cujo maior legado parece ser a desconfiança global eterna quanto à capacidade brasileira de cumprir prazos. Ou talvez seja o início de algo concreto, real. Nicolelis costuma dizer que o que acontecerá no Itaquerão será um começo, não um fim. Ele garante que o dinheiro do governo não será todo torrado numa exibição fugaz, mas deixará um projeto de pé, atendendo pessoas com lesão séria na espinha e criando soluções neurotecnológicas personalizadas. (Nicolelis não respondeu quando perguntado como pretendia gastar os R$ 33 milhões.) Quarenta e cinco anos atrás, quando Neil Armstrong carimbou sua pegada na Lua, Nicolelis era um menino de oito anos em São Paulo. Ele já contou que aquele momento mudou a trajetória de sua vida. Agora é a vez de ele tentar impactar as vidas de milhões de meninos e meninas reunidos em frente à TV ao redor do mundo todo. Que tipo de impacto será esse? COMO VAI FUNCIONAR O EXOESQUELETO a máquina projetada pela equipe de Miguel Nicolelis e fabricada num instituto de pesquisa da Suíça pesa cerca de 7o quilos, mais ou menos o mesmo peso da pessoa que a estiver vestindo. A bateria dura duas horas. 1- CÉREBRO - Aqui mora parte da polêmica sobre o projeto. Em vez de eletrodos inseridos cirurgicamente crânio adentro, Nicolelis optou por uma toca que lê padrões por eletroencefalograma 2- OUTRO CÉREBRO - Os sinais digitais são então enviados a um computador, nas costas do paciente, que os comparam a sinais identificados previamente, durante os testes. É o computador que envia a ordem para os membros mecânicos se moverem. 3- MEMBROS - As ordens digitais então acionam os membros. A demonstração será impressionante se os membros forem capaz de reproduzir cada pequeno sinal milimétrico, em vez de executar sequências prontas, tipo "dê um passo”. 4- E DE VOLTA - Sob os pés, há censores que sentem a pressão do chão. Como o paciente não tem sensibilidade nas pernas, os sinais são enviados aos braços, que comunicam ao cérebro. Por limites tecnológicos, sinais de ida e de volta se alternam – não funcionam simultaneamente. SUCESSO OU FRACASSO? Como saber se a exibição na abertura da Copa será bem sucedida ou não? Julgue você mesmo, pela TV. FLUIDEZ - Preste atenção na fluidez e na velocidade dos movimentos. Próteses movidas pela mente que são muito lentas e travadas não são novidades - a demonstração de Nicolelis só poderá ser considerada um sucesso se o movimento for minimamente natural. REPERTÓRIO - Lembra os videogames antigos, tipo Atari? Aqueles joysticks só enviavam nove tipos de sinal - oito direções e o botão de tiro. Por isso os jogos eram tão toscos. Repare se o exoesqueleto tem um repertório grande de movimentos ou se cada passo é exatamente igual ao outro, como os do Atari. CONTROLE - Repare se tudo é controlado ou se há espaço para imprevistos. A bola estará presa, para não rolar nem 1 centímetro? Ou será descuidadamente colocada no chão? Um exoesqueleto bom de verdade sabe lidar com pequenos imprevistos, em vez de fazer apenas movimentos pré-programados. CONTINUIDADE - Mas talvez o mais importante para avaliar o espetáculo sejam as dicas de que o projeto vai continuar. Se o show for anunciado como a inauguração de um centro que atenderá ao público, sucesso. Se ele raspar o tacho dos milhões de dinheiro público sem deixar legado algum, fracasso. PRÓXIMOS MILAGRES Não acaba aqui. As pesquisas sobre o funcionamento da mente prometem vários feitos milagrosos para os próximos anos. Abaixo, alguns deles: LEITURA DA MENTE - Com EEG ou eletrodos implantados no cérebro, grupos de pesquisa ao redor do mundo estão fazendo avanços na decodificação dos sinais. Até chegar o dia em que o sujeito da pesquisa pensará numa imagem e ela aparecerá na tela. TELEPATIA - Telepatia é um passo além da leitura da mente. Além de ler os impulsos do cérebro, os computadores precisam ser capazes de enviá-los digitalmente a outro cérebro, que precisa ser capaz de compreender o sinal. Um whatsapp mental que só será possível com amplas áreas do cérebro varridas por eletrodos. EDUCAÇÃO INSTANTÂNEA - Cientistas da Darpa, órgão ligado ao departamento de defesa dos EUA, estão trabalhando em projetos para implantar conhecimentos direto no cérebro, tipo Matrix. PARA SABER MAIS The Future of the Mind, Michio Kaku,Penguin, 2014 ted.com/speakers/hugh_herr 2#2 ATLAS DA COPA – CLASSIFICAÇÃO DAS SELEÇÕES POR PONTOS CORRIDOS Se as Copas fossem como o Brasileirão, estaríamos na liderança com 214 pontos. Canadá, El Salvador, Indonésia e China estão ameaçados de rebaixamento. INFOGRÁFICO Maurício Brum, Alexandre de Santi, Jorge Oliveira e Flávio Pessoa 76 SELEÇÕES JÁ PARTICIPARAM DAS COPAS 10 seleções com mais participações em copas (incluindo 2014); Brasil 20 Alemanha 18 Itália 18 Argentina 16 México 15 Inglaterra 15 França 14 Espanha 14 Bélgica 12 Uruguai 12 Seleções centenárias: quem já passou de mais de 100 gols em copas Brasil 210 Alemanha 206 Itália 126 Argentina 123 A mais próxima desse seleto grupo é a França, que tem 96 gols em mundiais. Campeões de aproveitamento A Holanda salta do 8º lugar em pontos para o 5º em aproveitamento. Confira os 10 melhores Argentina 59% Brasil 74,2% Portugal 56,5% Espanha 57,1% Itália 63,8% Inglaterra 54,8% Holanda 58,9% Dinamarca 54,2% Alemanha 67% Polônia 53,8% OS MAIORES ARTILHEIROS DE CADA PAÍS Nem toda seleção tem um Ronaldo para chamar de seu. Mas todo país tem aquele jogador que viveu a honra de marcar mais goLs do que qualquer compatriota nas Copas do Mundo. Artilheiros de Copa Confira quem marcou mais gols em cada uma das 19 Copas. 1930 – Stábile (Argentina) 8 1945 – Nejedly (Rep. Tcheca) 5 1938 – Leônidas da Silva (Brasil) 7 1950 – Ademir de Menezes (Brasil) 8 1954 – Kocsis (Hungria) 11 1958 – Fontaine (França) 13 1962 – Ivanov (Rússia); Jerkovic (Sérvia); Garrincha e Vavá (Brasil); Sanchéz (Chile) 4 1966 – Eusébio (Portugal) 9 1970 – Müller (Alemanha) 10 1974 – Lato (Polônia) 7 1978 – Kempes (Argentina) 6 1982 – Rossi (Itália) 6 1986 – Lineker (Inglaterra) 6 1990 – Schillaci (Itália) 6 1994 – Selenko (Rússia) Mais gols em um jogo 6x1 na vitória da Rússia sobre Camarões, Oleg Salenko marcou 5 vezes; Stoichkov (Bulgária) 6 1998 – Suker (Croácia) 6 2002 – Ronaldo (Brasil) 8 2006 – Klose (Alemanha) 5 2010 – Villa (Espanha); Müller (Alemanha); Sneljer (Holanda); Fórian (Uruguai) 5 TOP 5 EM CAMPO Os jogadores que mais vezes entraram em campo: Alemanha 25x Matthäus 82 a 98 Itália 23x Maldini 90 a 2002 Argentina 21x Maradona 82 a 94 Alemanha 21x Seeler 62 a 70 Polônia 21x Zmuda 74 a 86 Cafu está em 6º lugar, ao lado do polonês Lato com 20 partidas OUTROS NOTÁVEIS 2002 – o mais jovem a entrar em campo: 17 anos e 41 dias de idade. NORMAN WHITESIDE da Irlanda do Norte. Ele jogou contra a Iugoslávia. 1994 – o mais velho: 42 anos e 39 dias de idade. ROGER MILLA do Camarões. Enfrentou a Rússia. 1994 – autor do gol mais rápido: 11s de partida. HAKAN SUKUR, da Turquia, na vitória de 3x2 sobre a Coreia do Sul. O jogador mais indisciplinado: ZINEDINE ZIDANE. Não reluziu apenas com a bola no pé: o craque francês é o único com dois vermelhos e quatro amarelos. CAMPEÕES E ARTILHEIROS As principais seleções são boas de títulos e goleadores Brasil: Campeão 5; Artilheiro 5 Itália: Campeão 4; Artilheiro 2 Alemanha: Campeão 3; Artilheiro 3 Argentina: Campeão 2; Artilheiro 2 Uruguai: Campeão 2; Artilheiro 2 França: Campeão 1; Artilheiro 1 Inglaterra: Campeão 1; Artilheiro 1 Espanha: Campeão 1; Artilheiro 1 Rússia: Campeão 0; Artilheiro 1 Hungria, Portugal, Sérvia, Holanda, Croácia, Polônia, Rep. Tcheca, Bulgária e Chile: Campeão 0; Artilheiro 1 2#3 POLÍTICA – OS DONOS DA BOLA A Fifa é muito mais do que a entidade que regula o futebol global. Com 209 países-membros – mais do que a ONU – e uma estrutura que abrange todos os clubes e seleções do planeta, a Federação Internacional das Associações de Futebol é quase um Estado paralelo, quase como uma Igreja. Tem leis próprias, rejeita qualquer interferência e não hesita em usar seu arsenal para subjugar governos. TEXTO Andreas Müller e Robson Pandolfi Na tarde de 30 julho de 2011, a Fifa, entidade máxima do futebol, única responsável por realizar (e controlar) a Copa do Mundo, ordenou o fechamento do Aeroporto Santos Dumont, no Rio. Como se sabe, quem manda nos aeroportos brasileiros é o governo federal, por meio de organismos como a Anac e a Infraero. E ninguém mais. Mesmo assim, a ordem da Fifa foi atendida e, entre as 14h e as 18h daquele sábado, ninguém aterrissou ou decolou do sexto aeroporto mais movimentado do País. O motivo: a Fifa temia que o barulho dos aviões pudesse atrapalhar a transmissão e a logística do sorteio preliminar dos grupos da Copa, que ocorria a menos de 2 km dali, na Marina da Glória. Para garantir que tudo saísse como o esperado, mandou fechar a pista - e o Brasil obedeceu. Por quatro horas, mais de 4,5 mil passageiros tiveram de ser remanejados para outros aeroportos. O poder da Fifa é avassalador. E não é de hoje. A entidade surgiu dez anos depois do Comitê Olímpico Internacional (COI), em 1904, quando o futebol ainda era pouco conhecido. Em 1908, nos Jogos de Londres, o football começou a chamar mais atenção. Com o destaque, Fifa e COI começaram a entrar em conflito. O motivo? Dinheiro. Ou melhor, a profissionalização dos atletas. O COI queria preservar o "nobre" espírito da competição. Pierre de Frédy, o Barão de Coubertin, criador das Olimpíadas modernas, era contra que atletas competissem por dinheiro. Naquele tempo, valia mais a dignidade da disputa do que o resultado final. Bonito, mas talvez fosse papo-furado, já que o amadorismo também servia para elitizar a competição: somente os aristocratas tinham dinheiro para treinar e pagar as contas (a regra do amadorismo nas Olimpíadas durou até 1988, mas praticamente todos os atletas de ponta já eram profissionais). A Fifa começou a questionar essa filosofia. "Esse foi o grande elemento que culminou na criação da primeira Copa do Mundo, em 1930, no Uruguai", explica Sérgio Settani Giglio, integrante do Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol da USP. A primeira Copa foi aberta para todos os jogadores, profissionais ou amadores. A Fifa percebeu que, profissionalizando o esporte, teria sempre os melhores jogadores em campo, o que garantiria cada vez mais atenção do público - e, no futuro, dos patrocinadores. Essa visão persiste até hoje. Mas, no início, ainda havia muito amadorismo. Embora políticos tenham percebido desde a primeira edição que a Copa é uma ótima oportunidade para agradar eleitores e, por isso, vale a pena bajular a Fifa, foi somente na segunda metade do século 20 que a entidade conquistou o poder de fechar aeroportos. Um dos grandes responsáveis pela atual musculatura da Fifa foi o brasileiro João Havelange. Ex-nadador olímpico dos Jogos de Berlim (1936) e Helsinque (1952), o então presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD, a antiga CBF) logo se notabilizou entre os dirigentes como um sujeito afável e astuto, que dominava quatro línguas e se relacionava bem com todo mundo. Àquela altura, a entidade contava com 122 integrantes, mas dialogava com menos de metade deles. Africanos e asiáticos ocupavam poucas cadeiras na Fifa e ainda tinham de se estapear por apenas três vagas na Copa - o resto se dividia entre latino-americanos e europeus. Era preciso abrir a Fifa para o resto do planeta, globalizá-la. E foi justamente por isso que um sujeito chamado Horst Dassler, filho de Adi Dassler (o criador da Adidas), decidiu apadrinhar Havelange nas eleições da Fifa, em 1974. ERA DASSLER O empresário sonhava em estampar sua marca na camiseta das principais seleções do mundo. Para isso, era necessário ter alguém que expandisse a Fifa e estivesse disposto a ganhar dinheiro com a Copa. Havelange estava. Uma de suas prioridades foi dar mais espaço para a participação das seleções africanas - um prato cheio para Dassler garimpar contratos de patrocínio para a Adidas. Em troca, Havelange tinha apoio irrestrito do empresário para se manter no poder. Em Jogo Sujo - O Mundo Secreto da Fifa, o jornalista Andrew Jennings afirma que, a cada eleição, Dassler distribuía maços de dinheiro entre os "indecisos ou resistentes" para convencê-los a votar em Havelange. Mais do que parceiras, a Fifa e a Adidas agora eram irmãs. Jennings garante que até Joseph Blatter, o atual presidente da entidade, teria passado seis meses recebendo "treinamentos" na sede da Adidas, na Alemanha, muitos anos antes de suceder Havelange, em 1998. Boatos à parte, o certo é que a parceria rendeu para ambos os lados. Desde 1970, todas as bolas utilizadas da Copa do Mundo têm sido da Adidas. No ano passado, o contrato de exclusividade com a marca foi prorrogado até 2030, e a Adidas aparece, hoje, nos uniformes de nada menos que 61 seleções, mais que o dobro da Puma (29) e da Nike (27). Já a Copa do Mundo cresceu em tamanho e importância - o número de participantes mais que dobrou -, e a Fifa se consolidou como a mais poderosa entidade esportiva do mundo. Mas o caminho até aqui foi tortuoso e recheado de episódios obscuros. Um deles foi a ascensão e queda da International Sport and Leisure, a ISL. Criada em 1982 por Dassler, a empresa era a única autorizada a revender os direitos de transmissão da Copa do Mundo para as emissoras de TV. "Mais ou menos como vender água no deserto. Não tinha como dar errado", diz o jornalista Jamil Chade, autor do livro A Copa Como Ela É. A empresa não só atuava sozinha em um mercado bilionário como tinha autonomia para impor preços. Em 1994, analistas da ISL esquadrinharam os balancetes de cada emissora para verificar quanto elas ganhavam com a Copa. Os lucros, claro, eram astronômicos. As redes de TV compravam os jogos por um valor muito abaixo daquele que cobravam de seus anunciantes. Ou seja: a Fifa devia aumentar preços - com o apoio da ISL. A empresa, porém, teve vida curta Em 2001, decretou falência e deixou dívidas de mais de US$ 300 milhões - a segunda maior quebra na história da Suíça. Intrigados, juízes suíços iniciaram uma devassa nos balancetes para entender como um negócio tão promissor chegou à bancarrota. Acabaram descobrindo que a ISL era o caixa 2 de alguns dirigentes da Fifa. O processo mostrou que eles cobravam propinas para favorecer certas empresas na disputa pelas cotas de patrocínio e dos direitos de transmissão das Copas. Ou seja: fecharam negócios bons para seus bolsos e nem tanto para o caixa oficial da própria ISL. O esquema envolvia diversos caciques do futebol internacional - em seu livro, Jennings menciona uma lista com 175 episódios de suborno que totalizariam, juntos, cerca de US$ 100 milhões. Mas as investigações dos suíços identificaram somente três pessoas; João Havelange, presidente de honra da Fifa, Ricardo Teixeira, presidente da CBF, e Nicolás Leoz, presidente da Conmebol, a confederação sul-americana. Juntos, teriam recebido R$ 45 milhões em subornos. Para evitar punições, os três renunciaram a seus cargos entre 2012 e 2013. Teixeira, Havelange e Leoz conseguiram sair praticamente impunes porque os desvios ocorreram entre 1992 e 2000 e, nesse período, o pagamento de propina não era considerado crime na Suíça (sendo de comum acordo e declarado no imposto de renda, podia). Num acordo extrajudicial, concordaram em devolver uma pequena parte do dinheiro, R$ 6 milhões - na Suíça, os tribunais saem de cena quando a parte fraudada aceita fazer um acordo com os fraudadores. Blatter também foi investigado, mas não surgiram provas suficientes para incriminá-lo. A ISL havia se tornado, assim, o maior caso de corrupção da história da Fifa. Mas a empresa era apenas uma intermediária. A entidade continua com a propriedade dos direitos da Copa do Mundo e demais competições. Qualquer empresa que deseja patrocinar, transmitir ou lançar algum produto que faça menção a um campeonato da Fifa precisa pagar uma licença para a entidade. Há outras fontes de receita, como venda de ingressos e pacotes turísticos oficiais da Copa. Um mercado bilionário. INTOCÁVEL Não é por acaso que, mesmo com a credibilidade abalada, a entidade continua fechando aeroportos pelo mundo. Como? Parte da resposta, é claro, está na popularidade do futebol. "A Fifa não só controla o esporte mais popular do mundo. Ela sequestra as nossas emoções", resume Jamil Chade. A fome para se associar ao maior fenômeno de massas do nosso tempo é tanta que os candidatos a sede de Copa do Mundo se sujeitam a todo tipo de exceção, como isenções fiscais ilimitadas para a Fifa, que nunca paga imposto em lugar nenhum (nem na Suíça, onde mantém sua sede administrativa), ou como no caso da liberação da cerveja nos jogos da Copa, o que era proibido no Brasil inteiro. A entidade também criou uma série de escudos para se proteger. No papel, a Fifa é uma associação civil sem fins lucrativos. Isto é; um agrupamento de pessoas que buscam um interesse comum e não-econômico. Pela lei, a Fifa pode ganhar rios de dinheiro, mas não pode ter lucro - ou seja, seus sócios não podem simplesmente embolsar o dinheiro que sobra no caixa. Tudo tem de ser reinvestido na sua missão primordial: a promoção do futebol ao redor do mundo. Mas não há como assegurar que isso realmente aconteça por causa de um detalhe aparentemente banal: a sede administrativa da Fifa fica em Zurique. E a Suíça, como se sabe, é um paraíso fiscal - um país que não faz questão nenhuma de fiscalizar as atividades financeiras de seus cidadãos e organizações. Assim, nada impede que a Fifa ganhe muito dinheiro com a Copa e faça o que bem entender com ele. Até 2002, a entidade sequer publicava seus balanços financeiros - que são obrigatórios na maioria dos países, inclusive no Brasil. Quando passou a publicá-los, fez bem resumido, sem os detalhes que realmente explicam o que acontece com o dinheiro. Assim, quem confere o balanço de 2013, por exemplo, descobre que a entidade gastou US$ 36 milhões só com os salários dos seus 24 dirigentes mais importantes, como Blatter e o secretário-geral, Jérôme Valcke. A folha da Fifa cresceu US$ 2,8 milhões em relação a 2012. Até aí, tudo certo. Só que o lucro total da entidade encolheu quase US$ 17 milhões de um ano para o outro. Ninguém sabe - e a Fifa sequer tem a obrigação de informar - quem está ganhando salários mais gordos e por quê. Só que ninguém sabe quem recebeu o quê. Nesse vale-tudo suíço, a Fifa pode distribuir dividendos internamente e gastar com premiações, bonificações e repasses às federações de cada país - desde que pareça reinvestimento em futebol. Em 2011, por exemplo, Joseph Blatter iniciou o congresso geral da Fifa com uma notícia alentadora: o desempenho financeiro da entidade tinha sido tão bom que o Comitê Executivo daria US$ 10 milhões às federações de cada um dos 209 países-membros. Assim, arbitrariamente. Todos aplaudiram a decisão com furor. Minutos depois, ainda no clima de celebração, Blatter anunciou o início das eleições internas da entidade - e não é preciso dizer que foi reeleito. "A Fifa se tornou um grande governo do futebol. Institucionalmente, é maior do que a ONU, com a vantagem de que não responde a ninguém", diz o historiador Maurício Drummond, líder do Laboratório de História do Esporte e do Lazer (Sport), ligado à UFRJ. Por que ninguém investiga mais a fundo essas e outras manobras? Simples: porque a Fifa não deixa. As únicas leis que se aplicam à entidade são as da Suíça. Além disso, qualquer país que ouse confrontá-la pode ser excluído das Copas e perder seus representantes nas competições de clubes - como a Libertadores da América e a Champions League. Conclusão: nenhum governo quer correr o risco de ver seus eleitores afastados da comunidade do futebol, mesmo quando o objetivo é o mais nobre. O governo espanhol tentou, em 2007, renovar os dirigentes das federações esportivas do país. Mas Blatter ameaçou tirar a Espanha das Copas caso o ultimato do governo fosse levado adiante. Resultado: a Real Federación de Fútbol, a CBF deles, foi a única entidade esportiva que não realizou eleições - e a Fúria pôde, assim, buscar seu primeiro título na Copa do Mundo de 2010. Mas esses excessos de autoridade não são cometidos por acaso. Todos vêm em nome de um ideal, a valorização da experiência de quem está diretamente envolvido na Copa, como patrocinadores, emissoras de TV e os torcedores que compram os ingressos. Estádios com padrões mínimos de arquitetura, organização e limpeza, cidades com boa mobilidade e serviços padronizados - tudo ajuda no aprimoramento do produto Copa do Mundo. Os meios até podem ser questionáveis, mas os resultados, não. Até 1998, o faturamento anual da Fifa não passava de US$ 700 milhões. Neste ano, a ideia é catapultar a arrecadação para quase US$ 5 bilhões - sete vezes mais. Quase 90% desses valores vêm de contratos de patrocínio e da venda dos direitos de transmissão da Copa do Mundo, que crescem a cada edição. A Copa de 2006 gerou receitas de cerca de U$ 2,6 bilhões. Em 2010, bateu em US$ 3,2 bilhões, e no Brasil a previsão é de um faturamento acima de US$ 4 bilhões. Além dos escudos externos, a Fifa ainda tem proteções internas. Duas vezes por ano, os representantes dos 209 países-membros vão até Zurique discutir questões gerais como mudanças no estatuto, o desempenho financeiro da entidade e a aceitação ou veto a novos membros. Tudo é decidido no voto e ninguém desfruta de privilégios. Potências como Brasil, Alemanha e Itália, por exemplo, têm o mesmo peso que países perna-de-pau como Islândia e Ilhas Seicheles. Até o presidente e o secretário-geral são eleitos e reeleitos a cada quatro anos, sempre depois de cada edição da Copa. Fora dos encontros semestrais, não há tanta democracia: todas as decisões são tomadas pelo Comitê Executivo, uma panelinha que reúne 24 chefões do futebol mundial. Mas ninguém tenta tirá-los de lá porque, na prática, todos os afiliados estão relativamente satisfeitos com a forma como as coisas funcionam (em 110 anos, a entidade teve apenas oito presidentes). O comitê pode aplicar todos os bilhões da Fifa a favor da manutenção do próprio poder. O resultado é um sistema em que todos têm interesse em perpetuar o status quo. E o próprio estatuto da Fifa dá essa prerrogativa à panelinha de Blatter: o Comitê Executivo tem o compromisso formal de dar assistência a seus membros. O valor é definido conforme as regras do Programa de Assistência Financeira (FAP, na sigla em inglês). Funciona mais ou menos assim: cada federação elabora um orçamento para realizar aquelas atividades e investimentos que considera essenciais ao desenvolvimento do futebol - desde a organização de competições até a construção de centros de treinamento de jovens atletas. A Fifa, então, analisa o orçamento e decide se vai bancar a conta ou não - sabe-se lá com que critérios. Por fora do FAP há, ainda, os repasses relativos à Copa do Mundo. Só para a de 2014, a entidade vai desembolsar US$ 576 milhões, 37% a mais do que na Copa da África do Sul, em 2010. A maior parte desse valor será destinada a premiações – US$ 35 milhões só para a federação campeã. Outros US$ 70 milhões de dólares irão para os clubes que cederem jogadores à Copa, e US$ 100 milhões serão alceados no Programa de Proteção de Clubes da Fifa - uma iniciativa que dá compensações financeiras a clubes cujos jogadores sofram lesões graves. A Fifa, no entanto, vem se esforçando para apagar a imagem de caixa-preta. Em 2004, criou seu primeiro código interno de ética - até então, não havia um regimento formal que condenasse atitudes como as de Havelange e Teixeira. Em julho de 2012, a Fifa criou um comitê interno de investigação. Dessa vez, para escarafunchar outro escândalo: as denúncias de que alguns delegados seus teriam recebido suborno para votar na Rússia e no Catar como sedes das Copas de 2018 e 2022, respectivamente. Aparentemente, a Fifa está levando a iniciativa a sério. O chefe do comitê é ninguém menos do que o advogado Michael Garcia, um ex-peso-pesado do FBI, admirado por Barack Obama. Na Fifa, Garcia está sendo assessorado por um ex-funcionário do FBI e outro da CIA. Pois é: às vezes é preciso mudar tudo para que nada mude - e a Fifa continue enchendo seus cofres na santa paz. ETERNO PODER Um dos frutos do sistema da Fifa são sujeitos como Zeca Xaud, um contador de 69 anos que comanda, desde os 30, a Federação Roraimense de Futebol. Seu campeonato estadual conta com seis times na primeira divisão e uma média de 50 torcedores por jogo. Ainda assim, Xaud recebe cerca de R$ 700 mil por ano da CBF para administrar o futebol local. Seu voto, é claro, tem tanto peso quanto o do presidente da Federação Paulista de Futebol. Imagine, agora, quantos Zecas Xauds existem no futebol africano, asiático, latino-americano... PARA SABER MAIS Jogo Sujo, Andrew Jennings, Panda Books. 2011 A Copa Como Ela É, Jamil Chade. Breve Companhia, 2014 2#4 ECONOMIA – NÃO VAI TER NA COPA Em sete anos de preparação para o mundial, muitas promessas foram abortadas, vítimas da enguiçada burocracia nacional. TEXTO Camila Almeida GASTOS 100% PRIVADOS A PROMESSA Não utilizar dinheiro público na construção dos estádios. QUEM Ex-presidente Lula e Ricardo Teixeira, então presidente da CBF. QUANDO 30 de outubro de 2007, logo após o anúncio do Brasil como sede da Copa. O orçamento inicial dos estádios era de R$ 2,8 bilhões, todos da iniciativa privada. O valor quase triplicou em sete anos, e os governos arcaram com quase metade dos custos, R$ 3,9 bilhões, por meio de investimento dos governos estaduais e prefeituras. Dos R$ 8 bilhões gastos nas arenas, apenas R$ 133 milhões foram investimentos diretos de empresas, irrisórios 1,6% do total. O caso mais emblemático foi a reforma do Mané Garrincha, paga com R$ 1,9 bilhão dos cofres do Distrito Federal, fazendo dele o segundo estádio mais caro do mundo (perde apenas para Wembley, de Londres). A arena mais valiosa da Copa pertence à Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap). Apenas três dos 12 campos da Copa são particulares (Itaquerão, Arena da Baixada e Beira-Rio), mas eles também receberam dinheiro público: diretamente, por financiamentos ou por incentivos fiscais. Dos R$ 820 milhões do Itaquerão, RS 420 milhões foram bancados pelo governo local por meio de Certificados de Incentivo de Desenvolvimento (CID), um tipo de incentivo tributário, e o restante foi emprestado pelo governo federal. CAXIROLA A PROMESSA Incentivo à cultura nacional por meio de um instrumento com toque brasileiro, a caxirola. QUEM Marta Suplicy, ministra da Cultura, e Dilma Rousseff, presidente da República. QUANDO 23 de abril de 2013, na abertura da exposição O Olhar que Ouve, do músico Carlinhos Brown, no Palácio do Planalto. Logo na estreia, um Bahia x Vitória na Fonte Nova, em abril de 2013, evento-teste da Fifa para a Copa das Confederações, a caxirola catalizou o protesto dos torcedores do tricolor baiano, indignados com o desempenho do time. Desde a chuva de caxirolas, que virou um momento marcante da revolta do brasileiro contra tudo que tem sido empurrado goela abaixo em nome da Copa, o instrumento foi proibido nos estádios, mas ainda é possível encontrá-lo em algumas lojas (na internet, sai por R$ 29,90). Saldo final: a caxirola, um chocalho irritante, é um dos maiores micos da Copa. Criada por Carlinhos Brown, podia render em torno de R$ 1,5 bilhão para o artista baiano e seus sócios, que tinham a intenção de vender 50 milhões delas, e foi anunciada como o instrumento "oficial" da torcida. "Essa incrível caxirola vai ser uma marca na nossa música e no nosso futebol", disse Marta, no lançamento. Não foi. Nem nunca será. MOBILIDADE URBANA A PROMESSA 85% das obras prontas até dezembro de 2013. QUEM Ministério dos Esportes. QUANDO 23 de maio de 2012, na planilha de apresentação do terceiro balanço da preparação para a Copa do Mundo. Na primeira versão da Matriz de Responsabilidades, publicada em 2010, havia 50 projetos de mobilidade urbana. Hoje, aparecem listados apenas 45, que estão longe de serem os mesmos dos originais: vários deles foram retirados (os que não tinham a menor chance de ficarem prontos a tempo), outros foram acrescentados e quase todos reformulados. Em abril de 2014, o Tribunal de Contas da União apontou que apenas 57% dos recursos destinados à infraestrutura haviam sido repassados - o restante simplesmente não foi utilizado porque as obras não saíram do papel. Em Cuiabá, o Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), obra de mobilidade mais cara da Copa, com custo superior a R$ 1,5 bilhão, não vai ficar pronto. O lendário metrô de Salvador (em construção há 14 anos) vai operar em fase de teste e, nos dias de jogos, só vai transportar aqueles que tiverem ingressos em mãos. E se tem uma cidade que não vai usufruir do legado da mobilidade é Porto Alegre. Nove obras previstas foram retiradas da Matriz. Apenas as vias de entorno do Beira-Rio andaram. E o mais trágico é que tudo ficou mais caro, mas nada vai ser entregue. O custo das obras subiu de R$ 524,9 milhões para R$ 887,9 milhões - aumento de quase 70% - e, então, foram cortadas do planejamento. AEROPORTOS TININDO A PROMESSA 16 aeroportos reformados. QUEM Wagner Bittencourt, ministro da Secretaria de Aviação Civil, e Aldo Rebelo, ministro do Esporte. QUANDO 23 de novembro de 2011, em debate na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa nacional da Câmara dos Deputados. Nenhum ficou pronto no prazo. Culpa dos projetos mal elaborados. O Galeão, no Rio, palco da final da Copa, tem problemas logo nos terminais destinados aos voos internacionais. Em Porto Alegre, pelo menos uma melhoria era certa: ampliação da pista em 920 metros para receber voos diretos de grande porte e com carga cheia - obra aguardada há mais de 15 anos. Em janeiro de 2011, para agilizar o processo, a Infraero entregou ao Exército a responsabilidade de fazer o projeto. O prazo era de três meses, mas foram tantos os atrasos dos militares (por diversos motivos, incluindo problemas descobertos no terreno) que, em dezembro de 2012, o governo desistiu de entregar a nova pista até a Copa. TREM_BALA A PROMESSA Trem de alta velocidade ligando Rio e São Paulo. QUEM Dilma Rousseff, então ministra-chefe da Casa Civil. QUANDO 3 de junho de 2009, durante apresentação de balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O trem sairia do aeroporto de Viracopos, em Campinas, passaria por Guarulhos, teria como destino final o aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, e ainda contaria com outras cinco estações no caminho. Até agora, o projeto do trem, estimado em R$ 35 bilhões, não foi nem licitado, e a previsão é de que o edital seja lançado após as eleições. O maior problema foi a sucessão de adiamentos do leilão para a concessão do trem-bala. No último, em agosto de 2013, houve apenas um consórcio interessado (liderado pela francesa Alstom). Por falta de concorrência, foi remarcado. De acordo com o Ministério dos Transportes, um consórcio espanhol encabeçado pela empresa Renfe e um alemão liderado pela Siemens pediram mais prazo para participar do processo. TORCIDAS CONTROLADAS A PROMESSA Integrantes de torcidas organizadas cadastrados até a Copa. QUEM Ministério do Esporte e Ministério da Justiça. QUANDO 13 de março de 2009, no lançamento do projeto Torcida Legal. Não está nem perto de terminar. O projeto Torcida Legal, bolado para identificar torcedores com antecedentes em confusões e impedir sua entrada nos estádios, garantiria maior segurança durante o Mundial. Mas, em agosto de 2013, o governo informou que ainda estava finalizando o desenvolvimento do sistema para receber os dados das torcidas organizadas. O programa chegou a ser iniciado no Paraná, em 2011, mas foi cancelado após suspeitas de irregularidades: o Sindicato do Futebol teria assumido o projeto sem licitação, e o ministério teria liberado a verba de R$ 6,2 milhões "em tempo recorde" (a proposta do sindicato foi apresentada em 1º de novembro de 2009 e o dinheiro liberado em 11 de abril de 2010). Após uma reformulação do Torcida Legal, que eliminou o cadastramento biométrico, foram recolhidas informações junto aos próprios clubes. FILME DO PELÉ A PROMESSA Longa-metragem sobre o rei do futebol QUEM Imagine Entertainment QUANDO 3 de outubro de 2013, em nota oficial. A nossa procrastinação foi contagiosa. Contaminou até o estúdio norte-americano Imagine Entertainment (de O Código da Vinci e Uma Mente Brilhante), que está produzindo uma cinebiografia hollywoodiana de Pelé. Mas o filme não ficará pronto a tempo da Copa, expectativa inicial dos produtores. A ideia era aproveitar a publicidade do Mundial, mas atrasos na etapa de pós-produção e a necessidade de refilmagem de algumas cenas atrasou o cronograma. O longa, roteirizado e dirigido pelos irmãos Jeff e Michael Zimbalist (dos documentários Favela Rising e The Two Escobars), reconstrói a trajetória de Edson Arantes do Nascimento na infância e adolescência até seus 17 anos, quando disputou sua primeira Copa do Mundo, em 1958, na Suécia. No elenco, estão os atores Seu Jorge, Rodrigo Santoro, Milton Gonçalves e Marianna Nunes. A nova data de estreia ainda não foi divulgada. ESTÁDIOS LUCRATIVOS A PROMESSA Arenas lotadas após o Mundial. QUEM Aldo Rebelo, ministro dos Esportes. QUANDO 28 de março de 1012, durante debate na Câmara dos Deputados após divulgação de relatório do TCU. O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou em 2012 o risco de alguns estádios se tornarem elefantes brancos após a Copa, principalmente nas cidades carentes de clubes locais populares. No item 4.2 do relatório publicado em 15 de março de 2012, constava o seguinte alerta: "Em 4 cidades-sede observou-se que o risco da rentabilidade gerada pela arena de não cobrir seus custos de manutenção era grande: Natal, Manaus, Cuiabá, e Brasília." No mesmo relatório, consta que o Ministério Público do Distrito Federal chegou a questionar os 71 mil assentos do Mané Garrincha (a Arena Pernambuco, por exemplo, onde três times grandes podem jogar, tem 46 mil), muito superior à demanda dos clubes locais. Mesmo após Rebelo continuar garantindo que nenhum estádio seria subutilizado, um levantamento feito pelo Instituto Dinamarquês de Estudos do Esporte (IDEE), que elaborou um índice mundial de estádios, confirmou a análise pessimista do TCU. Arena Amazônia, Arena Pantanal, o Estádio das Dunas e o Estádio Nacional deverão receber médias de público de 2,1 mil a 4,5 mil torcedores após a Copa. O estudo aponta que todas as 12 sedes devem ter público inferior às médias internacionais após o evento. No Amazonas, uma proposta para melhorar o uso da arena já foi lançada: transformá-la em centro de triagem de detentos. MENÇÕES HOROSAS TAMBÉM NÂO VAT TER NA COPA... .. INTERNET RÁPIDA NOS ESTÁDIOS - O 4G está disponível em cerca de cem municípios brasileiros, entre eles todas as cidades-sede da Copa, mas uma minoria de usuários possui celulares com a tecnologia (o equivalente a 2% do mercado 3G). Mesmo com o aparelho certo, será duro conseguir conexão. A consultoria norte-americana Infonetics afirma que "certamente haverá tráfego congestionado": as 60 mil antenas instaladas no País seriam insuficientes. Em abril, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, admitiu que a internet será "deficiente" em metade dos estádios. A outra metade terá rede Wi-Fi dedicada. .. PORTO DO RECIFE 100% Inaugurado em outubro de 2013 ao custo de R$ 28,1 milhões, se assemelha a um aeroporto. Mas, para chegar lá, os turistas precisam passar aperto - após descer do navio, é preciso pegar um ônibus para usufruir dos serviços do novo terminal. Isso porque o cais de passageiros ainda não tem a estrutura necessária para atracar um navio do porte de um transatlântico. .. ESTÁDIOS VERDES E CERTIFICADOS - O Ministério dos Esportes garantiu que todos os estádios da Copa teriam certificação ambiental. Mas, até agora, apenas as arenas Castelão e Fonte Nova têm o selo Leed (Leadership in Energy and Environmental Design). Nada garante que as outras vão conseguir - após a construção, ainda são avaliadas por seis meses. Ou seja, durante o Mundial, os jogos talvez ocorram em estádios que, de verde, só tiveram o dinheiro investido. 2#5 HISTÓRIA – DESBRAVADORES Quando o futebol engatinhava, os uruguaios receberam seleções que vieram de navio para a primeira das Copas. O motivo? Eles eram a maior potência do futebol mundial. TEXTO Felipe Prestes Aproximava-se o verão na Barcelona de 1929. Mas, no elegante Salón Maria Cristina, da prefeitura local, mulheres desfilavam com casacos e adereços de pele, e os homens com terno, gravata e lenços alvos saindo calculadamente para fora do bolso do paletó. Ali, sem grande alarde, representantes de associações futebolísticas de 23 países, quase todas da Europa e das Américas, ratificaram o antigo desejo de realizar um torneio mundial entre seleções de futebol e escolheram o Uruguai como sede. Na época, os uruguaios tinham um jogo de dribles e tabelas curtas que desconcertava rivais do outro lado do Atlântico. Além disso, o país vivia, desde o início do século 20, um período de enormes avanços sociais, graças aos quais chegou a ser conhecido como a "Suíça da América". A euforia tinha repercussões no futebol com as duas medalhas de ouro conquistadas pela seleção uruguaia nos jogos de 1924 e 1928, que originaram o apelido de Celeste Olímpica. Sediar a primeira Copa do Mundo, no ano em que o país comemoraria os cem anos de sua primeira Constituição (daí vem o nome do estádio Centenário), era visto como uma forma de mostrar a todos esse país pujante escondido no sul do mundo. As reuniões no salón ocorreram entre os dias 18 e 20 de maio de 1929 no 18º Congresso da Fifa. A data por si só, a 14 meses do torneio, evidencia o abismo entre a preparação da primeira Copa e da 20ª edição - o Brasil foi eleito há sete anos. Horas antes do congresso, o parlamento uruguaio aprovou gastos de 500 mil pesos para o torneio (o equivalente hoje a quase US$ 7 milhões), dos quais 200 mil seriam destinados à construção de seu estádio principal. Com esse trunfo em mãos, os representantes uruguaios na Fifa ainda garantiram o pagamento dos custos de viagem e estadia a todas as seleções que participassem. O então presidente da Fifa, Jules Rimet, também gostava da ideia de levar o torneio para fora da Europa, o que foi determinante para a escolha do Uruguai. Mas é difícil acreditar que os europeus que queriam receber o mundial (Espanha, Holanda, Hungria, Itália e Suécia) foram realmente convencidos: nenhum disputou o torneio, em uma espécie de boicote não declarado. Qualquer país filiado à Fifa podia se inscrever no Mundial e não havia eliminatórias. A data limite de 28 de fevereiro precisou ser prorrogada até o final de maio por falta de interesse das federações. Antes do prazo acabar, com o lobby de Jules Rimet, quatro europeus se dispuseram a atravessar o Atlântico (Bélgica, França, Iugoslávia e Romênia), além dos oito países das Américas (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Estados Unidos, México, Paraguai e Peru). A odisseia foi feita a bordo de transatlânticos, e delegações adversárias e árbitros dividiam o mesmo convés. Mexicanos tiveram de navegar até Nova York, de onde rumaram para a América do Sul no mesmo barco dos ianques. Os romenos, a maioria empregados de uma companhia de petróleo britânica instalada na Romênia, tiveram de receber o aval do rei Carol 2º para poder sair do país sem perder o emprego. Embarcaram em um vagão de segunda classe até Gênova, onde pegaram o navio SS Conte Verde. O transatlântico parou na costa da França, onde coletou franceses e o próprio Jules Rimet, cuja bagagem continha a taça que, em 1946, levaria seu nome - até então, a peça de ouro se chamava Vitória. Na próxima parada, Barcelona, embarcaram os belgas. O navio ainda demoraria quase duas semanas para chegar à América, período no qual as seleções se preparavam com treinos improvisados no convés. Os iugoslavos foram os únicos europeus que viajaram em outro navio. SELEÇÃO DE CARIOCAS No Rio, os brasileiros pegaram o mesmo SS Conte Verde que saíra da Europa. Em Santos, embarcou o único jogador de clube paulista a ir à primeira das Copas, Araken Patuska. Havia forte rivalidade entre dirigentes cariocas, que controlavam a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) - entidade extinta em 1979 que coordenava todos os esportes no Brasil -, e paulistas, o que fez com que o Estado boicotasse o torneio. Patuska só paticipou da competição porque estava brigado com a diretoria do Santos. Por causa da rusga, o Brasil não teve alguns de seus principais atletas, como o lendário Arthur Friedenreich, autor de 554 gols em 561 partidas na carreira. Os navios com as seleções atracaram no porto de Montevidéu no início de julho de 1930 - e os uruguaios ainda lutavam para colocar o Centenário de pé. Inicialmente, todos os jogos seriam realizados lá, mas a arena não ficou pronta. Oito jogos da fase de grupos foram realizados nos estádios Parque Central, que até hoje é a sede do Nacional, e Pocitos, demolido em 1933. A cerimônia de abertura, um mero desfile das delegações, aconteceu em 18 de julho, quando o Centenário finalmente ficou pronto - ou quase pronto: havia cimento fresco em partes do estádio e andaimes. Foi também a estreia dos uruguaios, diante do Peru. Um a zero apertado para a Celeste, em meio a uma atmosfera caótica. Torcedores denunciaram cambistas que inflacionaram o preço dos ingressos, houve tumulto dentro e fora do estádio e truculência policial. Nada disso ofuscou a emoção de quem conseguiu entrar no Centenário. Jules Rimet disse que contemplar o estádio lotado foi uma das sensações mais intensas de sua vida. Dias depois, os uruguaios goleariam a Romênia e confirmariam a classificação. "Os jogadores uruguaios me deleitaram com seu jogo", disse o goleiro Lapesnau, após levar quatro gois. Os donos da casa eram um dos cabeças-de-chave, junto com Argentina, Brasil e EUA. Os quatro europeus ficaram no segundo pote, e os demais sul-americanos no terceiro. Essa divisão fazia sentido: mesmo que na Europa se praticasse futebol há mais tempo, o continente americano era superior naquele momento. Nos EUA, o futebol já era profissional antes mesmo do Uruguai, que só profissionalizou o esporte em 1932. No início do século 20, havia a ideia de que era uma desonra praticar esporte por dinheiro, e a Copa de 1930 ainda teve resquícios dessa ideologia. Os ianques fizeram jus a seu cartaz, vencendo Bélgica e Paraguai por 3x0 e avançando às semifinais. As vitórias fizeram o The New York Times estampar que a seleção era a favorita. O Brasil provavelmente teria se classificado se os paulistas tivessem jogado. Na estreia, levou 2x1 dos iugoslavos. A derrota praticamente eliminou os brasileiros, pois o grupo era um triangular complementado pela fraca Bolívia. Como os iugoslavos bateram os bolivianos, o último jogo brasileiro foi melancólico, apesar dos 4x0 sobre os andinos. No Brasil, jornais transmitiam os jogos com alto-falantes nas ruas, divulgando informações que chegavam de telegrama, numa espécie de minuto-a-minuto ancestral. Em frente às redações paulistanas, a eliminação "carioca" chegou a ser comemorada. A Argentina se classificou e contou com uma ajuda insólita da arbitragem brasileira. No jogo contra a França, os hermanos venciam por 1x0 quando Langiller apareceu cara a cara com o arqueiro argentino. O juiz Almeida Rego encerrou a partida nesse exato instante - só que ainda faltavam seis minutos. O árbitro voltou atrás, mas a França não conseguiu marcar. Nas semifinais, a escola riopratense confirmou seu favoritismo. As seleções vizinhas venceram seus jogos por 6x1 sobre os iugoslavos e norte-americanos. Disputar o primeiro mundial acirrou a rivalidade já existente. Para apitar a final, o belga John Langenus exigiu um seguro de vida e um navio à sua espera no porto para fugir rapidamente em caso de vitória da Argentina. Não foi necessário: os uruguaios venceram por 4x2, numa disputa em que a bola do jogo pode ter feito a diferença. Naquela época, não havia um esférico oficial da Copa. Os argentinos traziam uma bola; uruguaios, outra. A solução foi jogar um tempo com cada. O primeiro tempo, com bola argentina, terminou 2x1 para a Argentina. No segundo, com bola uruguaia, a Celeste virou o jogo e garantiu o título. A taça foi erguida pelo capitão, José Nasazzi, que havia sido cortador de mármore antes de vestir a camisa celeste. O meia José Leandro Andrade era engraxate e se tornou o primeiro ídolo negro do futebol. Nasciam ali heróis populares de um esporte que, até então, era dominado pelos ricos. Numa história familiar para nós, brasileiros, a primeira Copa extrapolou seu orçamento de 500 mil pesos, totalizando 800 mil pesos, o equivalente hoje a US$ 10,6 milhões, corrigidos pela inflação. A metade foi investida no Centenário, que ainda é o principal estádio uruguaio. Com o custo da Copa de 30, não dá para erguer nem um terço das arquibancadas temporárias do Itaquerão. RADIOGRAFIA DA COPA DE 30 Data 13 de julho a 30 de julho de 1930 SELEÇÕES PARTICIPANTES 13 JOGOS 18 CAMPEÃO Uruguai ARTILHEIRO Guillermo Stábile, da Argentina (8 gols) CIDADES-SEDE apenas Montevidéu ESTÀDIOS Centenário, Parque Central e Pocitos ESTÁDIOS CONSTRUÍDOS PARA A COPA Centenário GASTOS PÚBLICOS 800 mil pesos (US$ 10,6 milhões hoje) ARRECADAÇÃO COM BILHETERIA 255 mil pesos (US$ 2,98 milhões hoje) Era tudo diferente • A Copa teve apenas uma cidade-sede. • Transmissão só por rádio e, mesmo assim, apenas para Uruguai e Argentina. • Não havia nem bola oficial, quanto mais qualquer outro tipo de produto licenciado. • Não aconteceu nenhum jogo noturno. Mesmo o Centenário, construído especialmente para a Copa, só foi ter iluminação em 1932. • Jogadores de vários países não eram profissionais, inclusive das melhores seleções, como Uruguai e Argentina. Eles já recebiam para jogar, mas era disfarçado. É tudo igual • O governo precisou se comprometer com a Fifa em cobrir custos do evento, embora fossem bem menores. • A Copa motivou a construção de um grande estádio, o Centenário. • Destacar-se no torneio podia render um bom contrato na Europa. O artilheiro da Copa, Guillermo Stábile, foi contratado pelo Genoa, da Itália. Outro destaque argentino, Luis Monti, foi para a Juventus após receber oferta de US$ 5 mil mensais. • O Uruguai era um país que tomava medidas arrojadas. Se hoje é pioneiro na legalização da maconha, em 1930 era um dos primeiros países do mundo a aceitar o divórcio pela simples vontade da mulher. • Já havia patrocínio a seleções. O Brasil recebeu a doação de 30 caixas da Água Santa Cruz, que se declarou a "água oficial dos jogadores brasileiros". PARA SABER MAIS Montevideo: La Ciudad del Fútbol, Luís Prats, Ediciones de la Banda Oriental, 2008 Futebol ao Sol e à Sombra, Eduardo Galeano, L&PM, 2004 Where the Legend Began, Rony Almeida, Lulu Press, 2006 2#6 FUTURO – UM GÁS NAS OBRAS Na Rússia e no Catar, ninguém tem dúvida: vai ter Copa. Turbinados por reservas gigantes de gás natural, os países pretendem gastar astronômicos R$ 500 bilhões para sediar os dois próximos Mundiais e se afirmar como potências econômicas na geopolítica global - ainda que tenham que "relativizar" os direitos humanos em casa. Saiba como serão as Copas de 2018, 2022 e o que esperar de 2026. REPORTAGEM Pablo Augusto Relly (Doha), Fernando Duarte (Londres), Sandro Fernandes (Moscou). RÚSSIA - 2018 Ao gosto do czar No Brasil, o governo foi criticado por empurrar o projeto de 2014 a (quase) qualquer custo. Agora, imagine se não houvesse oposição. Será assim em 2018. EM DEZEMBRO, o Kremlin criou um conselho com arquitetos, figuras públicas e autoridades regionais para organizar a Copa em Ecaterimburgo, uma das 11 sedes de 2018. O novo prefeito da cidade, Yevgueni Royzman, foi "esquecido" do grupo. Ficou chato. Eleito em setembro de 2013, ele logo descobriu por que é tão difícil fazer parte de uma minoria na Rússia de Vladimir Putin, que comanda o maior território do mundo como presidente ou primeiro- ministro desde 1999. Royzman é o único político russo de oposição a comandar uma cidade-sede da Copa de 2018. Depois do mal-estar, o prefeito foi integrado ao conselho, mas com funções secundárias, quase como um observador. Royzman era contra as obras no Estádio Central de Ecaterimburgo, construído em 1957, que será restaurado para a Copa a um custo de US$ 310 milhões. A arena já havia passado por uma reforma recente a um custo de US$ 70 milhões. Em 2012, quando a cidade, a quase 1,5 mil km de Moscou, foi incluída na lista de sedes para 2018, o estádio havia sido recém-reinaugurado, mas não se enquadrava no padrão Fifa. Com 27 mil lugares, precisava de mais 18 mil para receber os jogos. Na primeira restauração, algumas colunas e esculturas históricas não resistiram às obras, e Royzman temia que os fundos para a segunda remodelação saíssem do seu caixa. No Brasil, o impasse entre o prefeito e o governo federal provavelmente geraria polêmica e atraso nas obras. Mas o governo de Putin agiu rápido: descartou mudanças nos planos e fez ameaças econômicas ao prefeito. Se Royzman não aceitasse as condições de reconstrução da arena, o Kremlin não daria dinheiro para obras de infraestrutura, como a reforma de outros dois estádios, do aeroporto, de algumas avenidas e a segunda linha de metrô, uma conta de US$ 415 milhões. O prefeito cedeu à pressão. A nova obra, com a promessa de preservar a arquitetura histórica, deve começar em junho e ficar pronta em 2017. Ao final do episódio, Royzman parecia resignado: "É o projeto deles. Digo de maneira cínica. (A Copa) Não diz respeito a nós." São derrotas sucessivas, mas Royzman segue marcando posição: em março, participou de uma manifestação contra a anexação da Crimeia. Dessa vez, foi confrontado apenas por populares. Na Rússia de Putin, dissidentes como Alexander Litvinov, ex-agente da KGB, a agência de inteligência russa, são assassinados por envenenamento de polônio- 210, e magnatas como Mikhail Khodorkovsky, o homem mais rico do país até 2003, ficam presos por dez anos por acusações aparentemente ideológicas. Dono de uma popularidade de 70% há 15 anos, o presidente controla o país - e políticos como Royzman, do partido Plataforma Cívica desde 2012, comandado pelo bilionário russo com pretensões presidenciais, Mikhail Prokhorov (outro oposicionista), não conseguem enfrentar o czar. E é exatamente isso que a Fifa espera da preparação para 2018. "Menos democracia é, às vezes, melhor para organizar uma Copa", disse o secretário-geral, Jêrome Valcke, em 2013. "Quando você tem um chefe de Estado muito forte, que pode decidir, como talvez Putin possa fazer em 2018, é mais fácil para nós, organizadores", completou. Quando foi escolhido para sediar a Copa, em 2010, o Kremlin esperava mudar a visão que o mundo tem do país. "Muitos estereótipos enraizados de tempos passados, desde a Guerra Fria, se espalham pela Europa - e eles assustam as pessoas", afirmou Putin na ocasião. Mas, agora, após anexar a Crimeia, península que pertencia à Ucrânia, criar leis contra direitos gays e abafar oposição e mídia, a Rússia de Putin não parece tão distante assim da União Soviética e de suas políticas repressivas. O projeto para o Mundial é apenas mais uma peça para fortalecer o czar moderno e sua saudade de uma Rússia capaz de enfrentar o Ocidente. "Foi uma vitória pessoal para Putin. Ele era o primeiro- ministro na época e dois anos depois foi eleito presidente. A ambição de Putin é pessoal e política", diz Sergei Ryabov, especialista em ciência política do Centro Carnegie. Para colocar seus planos adiante, Putin não poupa rublos. Para 2018, estão previstos US$ 17,5 bi - quase 40% a mais do que o Brasil. Dinheiro turbinado pelo gás natural - as reservas na Rússia são as maiores do mundo. E o custo da Copa tende a crescer, a exemplo das Olimpíadas de Inverno, realizadas no início do ano, em Sochi. O orçamento oficial era de US$ 7 bi, levando em conta apenas as obras diretamente ligadas aos Jogos. Depois, o governo reconheceu que, ao todo, foram gastos US$ 51 bi, quando somados todos os investimentos em infraestrutura na rica região do sul do país - custo que equivale a quatro Copas do Mundo no Brasil. "A Copa é um projeto de vaidade (de Putin) e uma tentativa de provar para o mundo que a Rússia é um país moderno e de sucesso", diz Marc Bennetts, jornalista inglês, autor de um livro sobre o futebol russo, Football Dynamo. Claro que o valor inspirou suspeitas: a Rússia aparece no 127º do ranking da corrupção elaborado pela ONG Transparência Internacional, que analisa 177 países. O Brasil é o 72º. Os altos investimentos no esporte se somam a outros flashbacks da era comunista. Em 2000, o Congresso aprovou a volta do hino soviético no lugar do russo. Dez anos depois, Putin ressuscitou a antiga estrela vermelha da União Soviética como um símbolo militar, agora com contorno azul, para lembrar a bandeira russa. No ano passado, retomou uma importante honraria da era comunista, chamada Herói do Trabalho, cujo primeiro premiado foi Joseph Stalin. O presidente russo não admite que está tentando reconstruir a URSS. Na verdade, esses são sinais de uma complicada ideologia que influencia o Kremlin: o "eurasianismo", que vê o país como o coração de um terceiro continente entre a Europa e a Ásia - a Eurásia. Uma Rússia independente e gigante - e que precisa ser respeitada. Putin é um capitalista, dono de uma suposta fortuna estimada em até US$ 70 bilhões segundo reportagem do New York Times, o que faria dele o homem mais rico do planeta. Não há nenhum comunismo no seu governo, mas o ideal soviético de um gigante unido, capaz de influenciar o mundo, segue vivo. "Precisamos celebrar nossa memória e manter nos nossos corações o orgulho pelo povo que construiu um grande país", disse Putin na premiação do Herói do Trabalho. E, para manter um continente unido, que convive com finlandeses a oeste e mongóis a leste, o líder russo precisa manter a oposição, a mídia e as minorias sob controle. O eurasianismo é difuso, mas forte o suficiente para que Putin advogue a favor da União Eurasiática, uma espécie de Mercosul local que, na prática, retomaria a aliança da União Soviética. Essa busca por autonomia se reflete em contradições para a diplomacia internacional. Em 2003, Putin defendia que a invasão americana no Iraque fosse avaliada pela ONU. Em 2008, quando invadiu a Georgia, ele não consultou ninguém. O único padrão é a constante reafirmação de que o Kremlin segue o caminho que quiser. Em 2013, após Moscou aprovar uma lei antigays, a Fifa e o COI pediram esclarecimentos. Putin esclareceu: a lei proíbe coisas como a Parada Gay e discursos em público a favor de relações sexuais "não tradicionais" (um eufemismo, é claro), e nada mudou. Após anexar a Crimeia, políticos dos EUA e ingleses exigiram que a Fifa cancelasse a Copa russa. A Fifa reconfirmou o país. Putin segue inabalado, com o país aberto para fazer negócios - desde que aceitem as regras da casa. Raio-x de 2018 SEDES - 11 cidades (eram 13) e 12 estádios (eram 16) POR QUR VAI SER MELHOR QUE 2014: As obras não vão atrasar POR QUE VAI SER PIOR DO QUE 2014: Forte preconceito contra estrangeiros e gays SÓ SE VÊ NA RÚSSIA: Sedes agrupadas em quatro regiões para evitar longas viagens QUANTO VAI CUSTAR: US$ 17,5 bi. CATAR – 2022 Estádios de areia Escravidão moderna, construir uma nova cidade, refrigeração nos estádios, jogos em dezembro, compra de votos. O país mais rico do mundo pode pagar de tudo, mas vai dar muita dor de cabeça para a Fifa nos próximos oito anos. SELEÇÃO CAMPEÃ da 22ª Copa do Mundo vai levantar a taça a uma temperatura de 26,1 °C, em ambiente 100% refrigerado a partir de energia solar. O estádio será o Iconic, na cidade de Lusail, no Catar, um dos nove que a monarquia árabe comandada por Tamim bin Hamad Al Thani, 33 anos (que assumiu o país no lugar do pai, Hamad, em meados de 2013), prometeu aos cartolas da Fifa em 2010, quando a entidade optou por levar a Copa de 2022 para o deserto. Com 86 mil cadeiras, o Iconic será uma das jóias de Lusail, que terá mais quatro arenas, e vai receber tanto a final quanto a abertura do Mundial de 2022. O problema é que, por enquanto, Lusail é quase uma miragem: recebeu seus primeiros habitantes em fevereiro. A 15 km da capital Doha, a nova cidade começou a ser construída em 2006 a um custo total estimado em US$ 45 bilhões, o que faz dela o maior de uma série de projetos megalomaníacos em andamento no Catar. Quando estiver pronta, em 2019, poderá receber até 450 mil pessoas, e será a sede das principais empresas de energia do país. Há a menção a uma floresta amazônica artificial em miniatura no projeto de Lusail. Localizado no sul do Golfo Pérsico, em uma península que mal chega à metade do tamanho do Sergipe, o país está para o futebol mais ou menos como o Brasil está para as corridas de camelo. O esporte não passa de uma excentricidade da família que comanda o emirado. Nas partidas da Qatar Stars League, a primeira divisão, a média de público não passa de 5 mil torcedores, semelhante à Série C do Brasileirão. Como um país com futebol mirrado e estádios de papel conseguiu vencer o favoritismo dos EUA, seu principal concorrente (e com longa tradição em promover grandes eventos esportivos) para ser a sede de 2022, ainda será motivo de intensa especulação nos próximos oito anos (leia mais na página 77). A explicação brota do petróleo e, principalmente, do gás natural - o Catar tem a terceira maior reserva do planeta. País mais rico do mundo em renda per capita, com cada habitante ganhando em média US$ 100 mil por ano (25% a mais do que o segundo colocado, Luxemburgo), o emirado promete empreender o mais arrojado investimento em infraestrutura já feito para uma Copa do Mundo. De acordo com a promessa de campanha, os 12 estádios do Mundial terão ar-condicionado para suportar o verão do Golfo Pérsico, e o Catar ainda pretende fazer novas estradas, portos e ferrovias até 2022, numa conta que deverá ultrapassar US$ 200 bilhões. Uma das arenas, a do Al-Rayyan, terá a fachada totalmente ocupada por um telão contínuo. São 11 vezes mais que os US$ 17,5 bilhões que os russos pretendem gastar em 2018, e o Catar tem só 2 milhões de habitantes, 1,4% da população russa. Como tem muitas construções e dinheiro a perder de vista, mas pouca mão de obra, o país precisa abrir as portas para trabalhadores de países como Filipinas, Nepal e Índia, que aceitam trabalhar de capacete sob o sol de 50°C no verão. Cerca de 88% da população do Catar, ou 1,7 milhão de pessoas, são trabalhadores imigrantes. Os salários são até baixos para padrões ocidentais, mas maiores do que nos demais países da Ásia e, o mais importante, o emprego é garantido. Basta aguentar as esquisitas condições de trabalho. E nem todos conseguem. Trabalhadores como J.S. não recomendam a experiência depois de um ano no Catar. Ele saiu das Filipinas com o desejo de ajudar os pais, três irmãos e iniciar o próprio negócio no país de origem: uma empresa de buffet. Mantê-lo anônimo é o pressuposto para falar com jornalistas, um receio comum em um país onde tudo é controlado pela família real e qualquer palavra fora do lugar pode mandar os visitantes de volta para casa. Com 29 anos, ele trabalha cerca de dez horas por dia e folga seis vezes por mês. O semblante demonstra o cansaço de quem dorme pela meia-noite, divide o quarto com 16 pessoas, e acorda às 3h45 para ser transportado ao local de trabalho às 5h. J.S. trabalha em ambiente com ar-condicionado e não corre o risco de sofrer complicações cardíacas associadas ao calor do Golfo, como outros imigrantes. O jornal inglês The Guardian constatou a morte de mais de mil trabalhadores indianos e nepaleses desde janeiro de 2012. Os dados são confusos: nem sempre está claro se o trabalhador morreu por causa do trabalho ou de outra condição. O que se sabe, de acordo com o jornal, é que uma grande proporção dos mortos foi vítima de acidentes ocorridos nas obras ou de ataques cardíacos súbitos. De acordo com o Comitê Organizador da Copa de 2022, as fatalidades não estão diretamente ligadas à construção de estádios, já que o primeiro deles, em Al Wakrah, evolui sem acidentes até agora. Ainda assim, as condições de trabalho no emirado geraram uma onda internacional de escrutínio liderada por grupos como a Anistia Internacional e a Confederação Sindical Internacional (ITUC, na sigla em inglês), fonte das críticas mais rigorosas. Um relatório da ITUC previu 4 mil mortes de operários até a Copa de 2022. No emirado, cada trabalhador é de responsabilidade da empresa contratante, num sistema de patrocínio conhecido por Kafala. Trocar de ocupação só é permitido se o empregador fornecer uma autorização. Fugir do patrão pode resultar em cadeia e deixar o país requer uma permissão de saída, emitida pelo patrocinador. Engana-se quem acredita que o Kafala é exclusivo dos trabalhadores mais simples. O jogador de futebol francês Zahir Belounis não ganhou a licença para sair do Catar por quase dois anos após se envolver em disputa judicial com seu ex-time em razão de salários pendentes. Parece escravidão, mas o Kafala tem uma lógica: evita a circulação descontrolada de imigrantes, o que poderia gerar uma casta de desempregados que o emirado não está preparado para receber. Nesse sistema, o desemprego é zero, e não há inflação sobre o custo de mão de obra. Mas o Kafala também abriu brechas para abusos. Os casos mais comuns, segundo a ITUC, são trabalhadores com passaportes confiscados, substituição de contratos, salários atrasados, jornadas longas, acomodação imprópria, como quartos superlotados e com condições higiênicas ruins, e trabalho forçado aos 50°C. Na comparação com milhares de outros operários, J.S. goza de uma vida melhor. O filipino tem acesso à internet e recebe um salário de R$ 680, que pode parecer pouco, mas é superior ao mínimo das Filipinas. Mesmo assim, após o contrato de dois anos, ele não pensa em permanecer no Golfo. "Fico até meu contrato terminar. Gostaria de ser transferido para outra empresa, mas, agora, tudo que preciso fazer é abraçar meu emprego, já que tenho só mais um ano pela frente ", diz J. S. Segundo uma pesquisa feita pela Universidade do Catar, 86% dos operários no pequeno país do Golfo são obrigados a entregar os passaportes aos empregadores - o que é ilegal. Com o Kafala na mira do mundo em função das denúncias, o governo já prometeu reformá-lo. O Catar tem muito dinheiro, mas o caixa não é infinito. Diante dos gastos exorbitantes, já se estuda a redução de 12 para oito estádios. E não há necessidade de tantas canchas: os organizadores estimam que será possível assistir até três jogos da Copa por dia em função das curtas distâncias entre as arenas (somente em Doha estão previstos seis estádios para 2022). Mas a promessa mais complicada é a temperatura controlada em 26,1°C nas arquibancadas. Populous, a firma contratada para desenhar a arena Sport City, em Doha, disse em 2011 que os custos para colocar ar-condicionado nas arenas seria exorbitante e "insustentável" . O Catar não é apenas quente, mas igualmente úmido e ventoso. A areia molhada soprada pelo deserto pode corroer e entupir o sistema. A solução? Transferir as partidas para o inverno árabe. A Fifa acenou com a possibilidade, mas, em maio, os clubes europeus divulgaram uma nota se opondo à mudança para novembro ou dezembro. Há muitos interesses comerciais em jogo: anunciantes e canais de TV temem a concorrência com outros eventos, como a NFL, cujas finais ocorrem nessa época. Sem contar que bagunçaria o calendário do futebol europeu. A Populous estuda alternativas arquitetônicas para esfriar as arenas, como túneis de vento que ajudariam a manter a temperatura a 30°C - se os jogos ocorrerem à noite. Ainda assim, a escolha do Catar não foi uma surpresa completa para quem acompanha a geopolítica do esporte. O projeto de 2022 é a cereja num bolo de intenções políticas e econômicas. O regime catariano vê o esporte como uma oportunidade preciosa de soft power e promoção do emirado. Nos últimos anos, os petrodólares do Catar surgiram em vários setores da economia europeia - um consórcio do país é dono da famosa loja de departamentos londrina Harrods, por exemplo -, inclusive no futebol. Hoje, a família real é dona do Paris Saint-Germain e injeta recursos generosos na equipe, comprando a estrela sueca Zlatan Ibrahimovic e o capitão da Seleção Brasileira, Thiago Silva. O Catar também se transformou num poderoso parceiro econômico do Barcelona. Na atual temporada, fez história ao estampar a marca da companhia aérea Qatar Airways, de propriedade do governo catarniano, na camisa do clube, que até então jamais tinha colocado o nome de uma empresa no uniforme. Nada que 96 milhões de euros em três anos de contrato não ajudassem a persuadir. 2026 ACUSAÇÃO DE COMPRA DE VOTOS PARA A VITÓRIA DO CATAR PODE FORTALECER UMA COPA "PURIFICADA" NA PRÓXIMA DISPUTA. Segundo a revista France Football, o Catar teria comprado os 14 votos que garantiram a primeira Copa do Mundo árabe (os EUA ficaram com sete), incluindo o voto de Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, que apoiou o emirado. O esquema, investigado pela própria Fifa, teria sido articulado pelo catariano Mohamed bin Hammam, ex-presidente da Confederação Asiática de Futebol, que tinha o hábito de distribuir dinheiro e presentes de luxo aos eleitores. Até 2022, a Fifa terá acumulado quatro Copas problemáticas: a África do Sul e seus elefantes brancos, os atrasos do Brasil, as tensões e homofobia da Rússia e a corrupção do Catar. É de se esperar que a entidade opte por reduzir conflitos para se concentrar nos negócios em 2026. Os EUA surgem como favoritos nesse cenário. Seria ao mesmo tempo um pedido de desculpas pela propina na eleição do Catar e uma nova aposta num mercado emergente do futebol. E há a vantagem, é claro, de ser um país notoriamente competente para organizar eventos, com estádios modernos e sempre cheios. Não há data para a eleição de 2026 e, por isso, não há candidatos oficiais. Canadá, México e Colômbia já anunciaram que pretendem concorrer. Europeus e asiáticos estão impedidos segundo as regras da Fifa, que proíbe candidaturas de países cuja confederação tenha recebido uma das duas últimas Copas (no caso de 2026, Rússia e Catar). 2#7 ZOOM – OS BRASÕES DA COPA TEXTO Priscila Daniel e Melissa Schröder Tem galo, elefante, canguru, emu, tigre, condor e até corvo. Mas o animal mais popular entre os brasões das 32 seleções que entrarão em campo no Brasil é a águia, presente em quatro escudos. A bola aparece em pouco mais da metade dos uniformes: 18 trazem o símbolo maior do futebol estampado em algum lugar do peito - nem sempre no lado esquerdo. 1- ESPANHA A atual campeã sempre levou no peito o escudo de armas da família real, que é uma salada de símbolos. Os reinos de Castela e Leão aparecem como o castelo à esquerda, e o leão, à direita. Abaixo, as listras simbolizam o Reino de Aragão, e as correntes em forma de cruz, Navarra. Embaixo, no detalhe, a fruta romã simboliza o Reino de Granada, e as três flores de lis no centro representam a Casa de Bourbon. O ano de 1909 é o da criação da primeira associação de futebol, a antecessora da Real Federación Espanola de Fútbol (RFEF). Uma bola foi acrescentada ao escudo. 2- BRASIL A Cruz de Malta, ao centro, que também aparece no distintivo do Vasco e de alguns clubes europeus, foi usada durante as Cruzadas pela ordem cristã Cavaleiros Hospitalários, que desembarcaram na ilha de Malta, onde o símbolo guerreiro se popularizou. 3- ALEMANHA Depois da unificação das seleções alemãs em 1990, o brasão oficial é o da antiga Alemanha Ocidental. A águia é um símbolo nacional relacionado à invencibilidade, coragem e bravura. As três faixas fazem referência às cores da bandeira: preto, vermelho e amarelo. 4- FRANÇA Fiére comme un coq ("orgulhoso como um "galo"): o dito francês inspirou a adoção do galo no centro do distintivo dos campeões de 1998. A Fédération Française de Football já usou várias versões do animal, símbolo de vigilância e valentia. Desde 2011, a entidade tingiu o mascote de branco com fundo de azul. 5- ITÁLIA O distintivo da Azzurra já passou por várias mudanças até virar uma flâmula com as cores da bandeira e os quatro títulos em Copas representados por estrelas. O azul do uniforme, que rendeu o apelido à seleção, é uma homenagem aos Savois, a família real italiana do século 19. Para completar, as siglas da Federazione italiana Giuoco Calcio, a CBF italiana. 6- RÚSSIA É o brasão de armas do país, cuja origem remete ao antigo Império Russo. O vermelho era a cor imperial e o dourado representava a eternidade. A águia bicéfala tem uma cabeça virada para o Ocidente e outra para o Oriente. Ela carrega um cetro e uma joia, representando a autoridade dos czares, antigos monarcas do Império Russo. Ao centro, está o símbolo de Moscou. São Jorge, santo padroeiro do país, monta o cavalo de cor prata e perfura o dragão, representando a vitória do bem contra o mal. 7- CAMARÕES Crustáceo só no nome: o animal símbolo camaronês é o leão. O felino, rugindo estampa o lado esquerdo do uniforme e inspirou o apelido dos “leões indomáveis”. No lado direito, o escudo da Federação Camaronense de Futebol tem as cores da bandeira: o vermelho e a estrela representam unidade, enquanto o amarelo lembra o Sol e as savanas, e o verde simboliza as florestas. 8- CHILE A insígnia tem o vermelho, que simboliza o sangue dos que lutaram pela independência, o branco alusivo à neve da Cordilheira dos Andes e o azul do céu. A estrela solitária é uma referência ao tipo de república que existe no Chile, sem divisão de Estados ou federações. 9- ARGÉLIA A “raposa do deserto” estampa dois distintivos na camisa: o brasão da Federação Argelina de Futebol no lado esquerdo e o escudo com a bandeira no direito. No brasão, há o nome do país em árabe, uma bola, a sigla FAF (Fédération Algérienne de Football, em francês) e dois símbolos islâmicos: a lua crescente e a estrela vermelha. 10- PORTUGAL Um distintivo bem católico, como o país. Ao fundo, aparece a Cruz de Portugal, emblema da tradicional Ordem de Cristo, instituição religiosa e militar portuguesa. Na frente, o brasão inspirado no escudo português tem cinco pequenos escudos azuis com outros cinco besantes em prata, simbolizando as chagas de Cristo. 11- HOLANDA Carrega no manto a cor laranja, em homenagem à família real, a Orange-Nassau. O leão simboliza a força e a soberania. O felino holandês já vestiu uma coroa, que representa a reunificação entre o norte e o sul do país. Mas, no Brasil, estará sem o acessório na cabeça. 12- GRÉCIA A cruz representa a Igreja Ortodoxa Grega, e cada uma das nove listrar corresponde às sílabas da frase “liberdade ou morte” (no grego, é claro). As letras em alfabeto grego formam a sigla da Federação Helênica de Futebol. 13- GANA A bola de futebol no escudo é envolvida pelas cores da bandeira do país: o verde, que representa a natureza, o vermelho, que simboliza o sangue derramado nas guerras de independência, e o amarelo, uma menção à riqueza mineral. No topo, a estrela que faz referência à liberdade do povo africano dá também o apelido aos jogadores, chamados de as “estrelas negras”. 14- NIGÉRIA A águia verde representa força, a cor verde (predominante na bandeira e no uniforme) simboliza a terra fértil e o branco faz referência à paz e à unidade. Ao redor da ave empoleirada sobre a bola de futebol, estão os nomes da Associação Nigeriana de Futebol e da capital do país, Abuja. O escudo garantiu à seleção nigeriana o apelido de “superáguias”. 15- AUSTRÁLIA Releitura do brasão de armas do país, tem todos os Estados australianos ao centro. Do alto, a partir da esquerda: Nova Gales do Sul, Vitória, Queensland, Austrália do Sul, Austrália Ocidental e a Tasmânia. O canguru, à esquerda, e o meu são símbolos do país – são animais que não andam para trás, sinalizando um país que só progride. Acima do escudo está a estrela de sete pontas da Comunidade Britânica. O verde e o dourado do uniforme é uma referência à Golden Wattle, uma acácia típica o país. 16- ESTADOS UNIDOS As estrelas menores representam as associações que formaram a United States Soccer Federation (a estrela maior). 17- BÉLGICA As siglas são as iniciais da federação belga em francês e em holandês. A coroa representa a realeza local. 18- BÓSNIA E HEZERGOVINA O mapa é uma bola. Só. 19- COLÔMBIA Sá a bola. As cores da bandeira: amarelo (riqueza do solo), azul (o litoral) e vermelho (o sangue dos heróis). 20- COREIA DO SUL Segundo a mitologia local, as pessoas ficam mais humildes e gentis em frente ao sagrado tigre branco. 21- INGLATERRA Os dois primeiros leões simbolizam a união entre os ducados da Normandia e da Aquitânia. Já o terceiro é uma homenagem ao Rei Ricardo I, o Coração de Leão. Em torno dos leões, estão as Rosas de Tudor, outro tradicional emblema do país. 22- SUÍÇA A cruz branca segue no lado esquerdo da camisa. Mas, do lado direito, há a sigla ASF-SVF estilizada, iniciais da federação suíça, e um jogador. 23- URUGUAI É a única seleção autorizada pela Fifa a destacar as conquistas em Jogos Olímpicos (em 1924 e 1928) além dos Mundiais (1930 e 1950). A razão está na própria história das Copas: antes da primeira, em 1930, as Olimpíadas eram o torneio oficial da Fifa. O centro do brasão remete à Torre de los Homenajes, de 98 metros de altura, símbolo do Estádio Centenário. 24- JAPÃO Um corvo de três patas é a marca da seleção japonesa. Chamado de Yatagarasu, a ave faz parte da cultura de vários povos asiáticos, mas, no Japão, ele representa o renascimento após as tragédias e a intervenção divina entre os mortais. Está no escudo porque cada perna simboliza uma das três escolas esportivas de Tóquio, que criaram um torneio unificado em 1904, origem da profissionalização do esporte no Japão. 25 - COSTA DO MARFIM Recortado no formato das fronteiras do país, o escudo destaca o elefante, símbolo do local. O animal é importante para a região pelo comércio das presas, que dá nome à nação. Dentro da bola de futebol é possível ver ainda as iniciais federação marfinense. 26- COSTA RICA Até os anos 90, antes da espiral e do jogador dourado, o distintivo era apenas uma flâmula com a bandeira e o nome do país. 27- HONDURAS As cinco estrelas representam as cinco nações que antes constituíam os Estados Unidos da América Central (El Salvador, Costa Rica, Nicarágua, Honduras e Guatemala), um afã saudosista. 28- CROÁCIA O xadrez branco e vermelho é uma menção ao brasão de armas da Croácia, que faz referência a um símbolo carregado pelos reis croatas desde o século 10. O distintivo é o mesmo da Federação Croata de Futebol, que tem suas iniciais representadas no brasão. 29- EQUADOR Quem rouba a cena é o condor pousado sobre o escudo. A ave, sagrada na cultura andina, é um símbolo equatoriano, usado também no brasão de armas. Na vida real, está ameaçada de extinção. 30- MÉXICO Reza a lenda que Huitzilopochtli, o deus asteca da guerra, enviou ao povo uma águia pousada em um cacto, com uma serpente no bico, para indicar o local exato em que deveriam construir sua capital. A águia se tornou símbolo do México e aparece no escudo empoleirada sobre um desenho que remete à Tenochtitlán, a capital asteca. Ao redor, estão as cores da bandeira mexicana: o branco representa unidade; o verde, esperança; o vermelho, sangue dos heróis nacionais. 31- IRÃ Assim como o regime político, o escudo do Irã segue uma linha conservadora. A bandeira nacional, onde está escrita 11 vezes a frase Allahu Akbar ("Deus é grande"), aparece junto com o nome da Federação de Futebol da República Islâmica do Irã escrito na língua oficial, o farsi. Logo abaixo, uma bola com o nome do país e da federação em inglês para agradar quem não entende o idioma. 32- ARGENTINA A Associação de Futebol da Argentina teve que esperar 85 anos até que seu escudo finalmente fosse estampado na camisa da seleção, o que ocorreu justamente na Copa da Argentina em 1978. A sigla AFA aparecia em azul escuro sobre um brasão dourado representando a nobreza, com a bandeira do país logo acima. Pouco tempo depois, apareceram as folhas de louro, que simbolizam o triunfo. ________________________________________ 3# SEÇÕES II junho 2014 3#1 TECH 3#2 CULT 3#3 E SE... – E SE A TECNOLOGIA SUBSTITUIR O JUIZ DE FUTEBOL? 3#4 MANUAL – COMO SE DAR BEM NO BOLÃO 3#1 TECH INGRESSO SETOR SOFÁ Não conseguiu ingresso para a Copa e tem verba sobrando? Nova TV traz o clima da arquibancada para dentro de casa com ajuda de recursos como o som ambiente do estádio. TEXTO Fernando Badô O TIME - O conjunto de recursos tem tela de 70 polegadas, considerado um dos melhores tamanhos para alta definição. Além disso, conta com Wi-Fi integrado para acesso de conteúdo da internet (como o Netflix, por exemplo) sem precisar de computador, resolução full HD (1.920 pontos x 1.080 linhas), imagens em 3D e exibição em streaming de vídeos, músicas e fotos do computador. A TORCIDA - A turma que não curte as narrações das partidas não vai precisar mandar o locutor calar a boca. Basta acionar o Modo Futebol para silenciar as vozes da transmissão e ficar só com o som ambiente do estádio, o que ajuda a aumentar o clima de arquibancada dentro de casa. Também dá acesso a conteúdos exclusivos da Fifa - a Sony é uma das patrocinadoras da entidade. ARMA SECRETA - Uma das novidades é o controle remoto One Flick, que não tem botões. Ele é um tipo de mouse pad com o qual é possível navegar por funções específicas, como acessar redes sociais ou interagir com proprietários de outras TVs do mesmo modelo. Pode ser personalizado pelo usuário para tornar mais rápido seu uso. O controle, vendido separado, tem preço sugerido de R$ 249. FIQUE ATENTO - Segundo a fabricante, a TV tem frequência de exibição de imagens de 480 Hz, o que representa até oito vezes mais quadros por segundo que os modelos de TV tradicionais. Isso tornaria as imagens mais realistas, gramados mais verdes e jogadas mais naturais e contínuas. É difícil sentir a diferença sem comparar a TV lado a lado com modelos de menor frequência. 1- CHUTEIRA-MEIA Com um tecido feito de fibras com propriedades elásticas entrelaçadas, esta chuteira tem travas de náilon. Promete não encharcar em partidas na chuva e reduzir as lesões devido ao ajuste ao formato do pé. A sensibilidade ao toque na bola também fica maior. NIKE MAGISTA NA EUROPA R$ 847 nike.com/br 2- BOLA DE LUZ Traz duas lâmpadas LEDs ultrabrilhantes embutidas e substituíveis, alimentadas por baterias. Alguns dos gomos são permeáveis à luz, o que permite ver a gorduchinha no escuro em peladas após o pôr-do-sol em campos fora do padrão Fifa. MAGMA LIGHT UP SOCCER BALL NOS EUA R$ 66,50 rebootsports.com 3- BOLA TREINADORA É perna de pau? Esta bola pode ajudar a melhorar sua técnica. Sensores coletam dados do chute (velocidade, ângulo etc.) e, com a ajuda de um aplicativo para iPhone, exibe dicas de como melhorar a posição do pé ou como acertar o chute. ADIDAS MICOACH SMART BALL Lançamento em 1º de junho. micoach.com/smartball 4- OLHO NO LANCE Foi escolhido por publicações especializadas como um dos melhores binóculos para ver eventos esportivos. Traz um botão de ajuste rápido do foco de uma imagem a distância e tem ajuste para configurar o grau dos óculos do torcedor míope. BINÓCULOS ZHUMELL 10X42MM SHORT BARREL WATERPROOF NOS EUA R$ 310 zhumell.com 5- GOL PORTÁTIL É ideal para quem gosta de jogar bola onde não há quadras. As estruturas metálicas dão sustentação às partes de tecido e sua montagem é simples como a de uma barraca. Montado, o maior modelo tem 3,6 m de largura e 1,8 m de altura. Leve, pesa apenas 3,5 kg. KICKSTER PORTABLE FOOTBALL GOAL NA EUROPA R$360 quickplaysport.com 6- TREINO EM CASA Este aparelho é um tipo de pêndulo que ajuda a desenvolver a técnica do futebol. Simula a reação da bola seguindo as leis da física (como a gravidade) após um chute. Com altura ajustável, permite treinar finalizações, passes e até embaixadinhas. OG ZERO GRAVITY IN HOME SOCCER TRAINER NOS EUA R$288 ogsoccer.com COMO CRIAR UM BOLÃO ELETRÔNICO PASSO 1 - Em época de Copa, os bolões são diversão para muita gente, mas dão dor de cabeça na hora de calcular a pontuação de cada participante. Agora, você não precisa mais se preocupar. Acesse o site vippredictor.com, faça o cadastro e escolha um dos campeonatos disponíveis. PASSO 2 - Crie um bolão privado e compartilhe o link privado com seus amigos. PASSO 3 - Cada convidado deve criar uma conta e preencher os palpites. O site calcula automaticamente a pontuação de cada um. 3#2 CULT FUTEBOL NA TELONA Ora como personagem principal, ora como pano de fundo, o futebol rende boas histórias também fora dos gramados. TEXTO Camila Maccari BOLA FORA 2005 - A TAÇA DO MUNDO É NOSSA. Lula Buarque de Holanda. Nem o futebol salva estreia sem graça do Casseta & Planeta nas telas. 2003 – GARRINCHA – ESTRELA SOLITÁRIA. Milton Alencar Jr. O romance do ídolo ganha mais atenção do que seus dribles. 2012 – GOL!. Danny Cannon. É o menos pior da trilogia patrocinada pela Fifa, Adidas e Real Madrid que conta a história de um imigrante ilegal mexicano nos gramados. NA TRAVE 2001 – KUNG FU FUTEBOL CLUBE. Stephen Chow Nonsensecom lances de futebol, artes marciais e bolas de fogo. Divertido. 2008 – LINHA DE PASSE. Daniela Thomas e Walter Salles. É possível fugir dos clichês ao contar o sonho de boleiro de um garoto de periferia. 2012 – HELENO. José Henrique Fonseca. Não espere ver dribles, mas a derrocada de um jogador, ídolo do Botafogo nos anos 40. 2005 – DUELO DE CAMPEÕES. David Anspaugh. EUA ganham um jogo da Inglterra em 1950 e comemoram como se fosse o título. BOLA DENTRO 2003 – O MILAGRE DE BERNA. Sönke Wortman. Faz você torcer ardorosamente pela seleção... alemã. 2004 – BUENOS AIRES 100 KM. Pablo José Meza. Uma quadra de futebol serve de moldura para esta pequena obra-prima latina. 2009 – MALDITO FUTEBOL CLUBE. Peter Morgan. Os tropeços do lendário treinador Brian Clough, que fez história com o Derby County e o Nottingham Forest 1 LIVRO EM 13 NÚMEROS Assim como a paixão pelo futebol, esta autobiografia do escritor inglês Nick Hornby não envelhece. Lançada em 1992, o livro ganhou uma nova introdução do autor na edição comemorativa que está nas livrarias. Ilustre torcedor do Arsenal, Hornby narra como os jogos do time do coração marcaram momentos importantes. A vida também imita o futebol. FEBRE DE BOLA NICK HORNBY, CIA DAS LETRAS, R$39 O livro narra 24 anos na vida do escritor. Maio de 1968 foi quando Nick se apaixonou pelo futebol. 100 mil pessoas estavam na Wembley na primeira vez que ele pisou no estádio. Ele tinha 11 anos. O valor de um ingresso para estudante assistir a um jogo em 1970 era de 15 centavos de libra. O arsenal perdeu de 1x0 para o Tottenham na primeira vez que ele foi padrinho de um casamento. 1 torcedor morreu por infarto antes da partida Crystal Palace x Liverpool, em outubro de 1972. Palavras-chave: Quantas vezes elas aparecem no livro Futebol 296 Arsenal 439 Derrota 33 Vitória 66 Pai 145 3 FILMES EM QUE PELÉ NÃO FOI PELÉ Até o final dos anos 80, Edson Arantes do Nascimento tentou a carreira de astro do cinema. Conheça o legado do maior dos artistas (da bola): • FUGA PARA A VITÓRIA (1981) John Huston Edson Arantes do Nascimento, Michael Caine e Sylvester Stallone, prisioneiros em um simpático campo de concentração, enfrentam os alemães no futebol. • OS TRAPALHÕES E O REI DO FUTEBOL (1986) Carlos Manga Pelé é o jornalista Nascimento, amigo dos Trapalhões, que ajuda a reerguer um time falido. Na partida final, abandona o jornalismo e ataca de goleiro. • SEDE DE VENCER - HOTSHOT (1987) Rick King Pelé encarna um famoso jogador chamado Santos, que ensina tudo o que sabe fazer com a bola para um playboy amargurado. 1 FILME EM QUE PELÉ FAZ UM SUPER PELÉ. OS TROMBADINHAS (1979) Anselmo Duarte "Não, sou o Jô Soares, sua piranha", disse Pelé quando uma personagem ousou não reconhecê-lo. No filme, Pele é rei do futebol, justiceiro e herói nacional. PELA LENTE DA BOLA O jornalista americano Franklin Foer decidiu levar a sério a máxima de que o futebol é uma metáfora da vida - e da política. Viajou o mundo, conversou com jogadores, técnicos e torcedores, assistiu a dezenas de jogos e explicou a globalização por meio da bola. Um time cheio de dívidas, mesmo com muitos patrocinadores, não é muito diferente de um país que não sai da miséria mesmo com potencial econômico. COMO O FUTEBOL EXPLICA O MUNDO - UM OLHAR INESPERADO SOBRE A GLOBALIZAÇÃO. FRANKLIN FOER, JORGE ZAHAR EDITOR, RS 49,90 CINE SUPER DOCUMENTÁRIOS UMA ESTREIA MARACANÁ - Setenta minutos de imagens inéditas para lembrar que o Brasil perdeu a última Copa que disputou em casa. NESTE MÊS, nos cinemas. NÃO DÁ PARA PERDER PELÉ ETERNO (2004) - A maior coleção de lances do maior ídolo do futebol. Superlativo. MARADONA POR KUSTURICA (2008) - Maradona desce do pedestal e reconhece seus erros diante da câmera de seu fã sérvio. GINGA (2006) - Dirigido por Fernando Meirelles, conta sete histórias de craques brasileiros. TODOMUNDO (1980) - Futebol visto pelas torcidas, traz imagens do final do Brasileirão de 1977. Assista no Youtube. 1958 - O ANO EM QUE O MUNDO DESCOBRIU O BRASIL (2008) - A conquista do primeiro Mundial, com mais de cem entrevistas. NÃO DÁ PARA DEIXAR DE PERDER O DIA EM QUE O BRASIL ESTEVE AQUI (2006) - O Haiti parou para ver amistoso da Seleção Brasileira - e não sai disso. 3#3 E SE... – E SE A TECNOLOGIA SUBSTITUIR O JUIZ DE FUTEBOL? Se a arbitragem eletrônica decidir faltas, impedimentos e até gols, pode haver menos erros. Mas e se o sistema cair? TEXTO Emiliano Urbim NARRADOR Bem, amigos da Rede Global. Estamos agora ao vivo e em definitivo de Cartagena, na Colômbia. Na tela, imagens do moderníssimo Estádio Nacional Gabriel Garcia Marquez, El Gabón, palco da final desta Copa do Mundo de 2026. Não é a final que a gente queria, claro: o Brasil do técnico Seedorf saiu antes. Mas logo estarão em campo as seleções de Inglaterra e Alemanha para nos brindar com um espetáculo de futebol. COMENTARISTA E de tecnologia. Atendendo aos apelos de torcedores, cartolas, jogadores e imprensa, esta foi a primeira Copa com arbitragem eletrônica. Assim como em outros torneios, os juízes e bandeirinhas foram substituídos por câmeras, chips e sensores. Cada detalhe é monitorado. A falha humana foi substituída pela precisão da máquina. NARRADOR É tira-teima, ao vivo, amigo! E o que esperar da partida? COMENTARISTA Vai ser um jogo pegado, de muita marcação, que vai ser decidido em um detalhe. NARRADOR E o comentário eletrônico, quando chega? Os jogadores aguardam o apito virtual e... bola rolando. O nome do jogador, você já sabe, aparece na tela assim que ele pega na bola. Então lá vai... a Alemanha. Olha o ataque rápido, envolvente, troca de passes, a defesa inglesa bobeou, o alemão caiu na área... Pênalti! COMENTARISTA O alemão se jogou. Os sensores nas meias e chuteiras dos envolvidos na jogada mostram claramente que não houve contato. Não foi pênalti e o cartão amarelo por simulação já consta da súmula virtual. NARRADOR Dramááático! Mas agora foi falta, perigosíssima, do jeito que a Inglaterra gosta. A distância é calculada e a barreira se posiciona sobre a linha acesa no gramado de LED. Bateu... por cima do gol da Alemanha, tirando tinta da trave. COMENTARISTA Passou a 15 centímetros. E a trave é de carbono, não tem tinta. NARRADOR Vem que vem a Alemanha. Lançamento para o atacante livre. COMENTARISTA Impedimento claro. A parede de laser já surgiu no campo. NARRADOR Haja coração! E tome contra-ataque da Inglaterra. O inglês recebeu livre, não tem impedimento... pra fora! Tinha a visão total, perdeu uma chance clara de gol. COMENTARISTA Na verdade, a câmera que dá a visão dele mostra que ele foi encoberto pelo goleiro. NARRADOR Olha lá, o capitão da Alemanha trocando uma ideia com o técnico. Eu queria ser uma mesquinha para saber o que eles estão dizendo. COMENTARISTA A câmera-inseto captou o diálogo. Tradução já disponível para o telespectador. NARRADOR É Copa do Mundo, amigo. Inglaterra, zero, Alemanha, também zero. Vale o título. O que estará passando pela cabeça desses jogadores? COMENTARISTA Pelos sensores instalados nos uniformes, a gente pode ter uma ideia bem boa. O número 10 da Inglaterra, por exemplo, está com os batimentos cardíacos altos, a pressão levemente baixa, pouco açúcar no sangue e sinais de desidratação. Quem quiser acompanhar a saúde de cada jogador, basta acessar o menu. NARRADOR É teste pra cardíaco, amigo. Quarenta e sete e trinta... e o computador quer jogo! Olha lá, Alemanha no ataque, pintou uma brecha, o atacante arrisca o chute de fora da área... No travessão! No chão! Em cima da linha! Foi gol ou não foi? O que diz a arbitragem eletrônica? COMENTARISTA O sistema foi invadido. Caiu a rede. Pane geral no sistema. NARRADOR É uma cena triste, amigo. O estádio em silêncio, os jogadores se olhando incrédulos. E a verdade, uma só: por causa de um hooligan, um hacker, uma pessoa que deveria ser banida do futebol, a Copa do Mundo vai ficar indefinida. COMENTARISTA A regra é clara: se um dia o sistema não voltar, assume o árbitro reserva, um humano. Nunca aconteceu, mas hoje parece que vai ser o caso. NARRADOR E quem é o juiz reserva? COMENTARISTA É o brasileiro Rafael Carvalho dos Santos. NARRADOR ... COMENTARISTA Tudo bem? NARRADOR É BRASIL! É a arbitragem brasileira na final do mundial! Quando a tecnologia não basta, chega a hora do craque do apito chamar a responsabilidade para si! Vai que é sua, Rafael! Cercado por alemães e ingleses! Sou mais você! É o apito moleque, o apito maroto, o apito brasileiro que vai decidir a Copa do Mundo! É o apito brasileiro que vai decidir a Copa do Mundo! Haaaja coração! COMENTARISTA O sistema voltou. 3#4 MANUAL – COMO SE DAR BEM NO BOLÃO Nem tudo é sorte: alguns padrões insistem em se repetir nas Copas. Antes de colocar seu dinheiro em goleadas inesperadas ou no México, prepare-se. TEXTO Maurício Brum APOSTE NOS TIMES DA REGIÃO Europeus nunca foram campeões nas Américas. E os sul-americanos se dão muito bem por aqui: em sete Copas americanas, as equipes da Conmebol foram semifinalistas 12 vezes. Nas dez Copas europeias, foram apenas seis vezes. BRASIL NA FINAL Desde 1919, quando recebeu seu primeiro grande torneio (o Campeonato Sul-Americano, avô da Copa América), o Brasil sempre decidiu o título quando jogou em casa. Foram seis campeonatos: ganhou todos, com a exceção, é claro, do Maracanazo, em 1950. O MÉXICO FICA NAS OITAVAS O grupo é difícil, mas, pelo histórico, os mexicanos passam de fase. E param aí. Há cinco Copas, são eliminados na segunda fase. Nas suas 14 Copas, o México ficou 12 vezes entre o 9º e o 16º lugares, as posições para os desclassificados nas oitavas-de-final. DE ONDE MENOS SE ESPERA, NÃO SAI NADA MESMO Alguma equipe ruim sempre perde de 5x0 ou mais. Na última edição, Portugal aplicou 7x0 na Coreia do Norte. Neste ano, os candidatos são Austrália e Costa Rica. PERDEU, TÁ (QUASE) FORA Sim, a Espanha perdeu para a Suíça e foi campeã em 2010. Mas é raro! Em 19 Copas, 15 títulos foram invictos. A Alemanha é a única que perdeu jogos em dois títulos (1954 e 1974). QUERIDINHOS DO BOLÃO Os cinco resultados mais frequentes da Copa do Mundo (Percentual sobre o total de jogos na história das Copas (772), considerando apenas o resultado do tempo normal, sem prorrogação ou pênaltis.) 1x0 18% - 140 vezes 2x1 13% - 102 vezes 1x1 11% - 90 vezes 2x0 10% - 84 vezes 0x0 9% - 71 vezes