0# CAPA maio 2014 SUPERINTERESSANTE www.superinteressante.com.br edição 332 – maio / 2014 [descrição da imagem: a foto de um grande mamute. Ele está em um lugar onde aparecem montanhas, no fundo, rio e terra com pedras e grama seca.] RESSUREIÇÃO A VOLTA DOS ANIMAIS EXTINTOS JÁ COMEÇOU Pesquisadores trabalham para trazer de volta mamutes e até dinossauros. Mas o grande trunfo dessas pesquisas é outro: acabar com as extinções antes que elas aconteçam. Por José Francisco Botelho [outros títulos] O CÉU RACHOU A descoberta de defeitos nas paredes do Universo revela um segredo por trás do Big Bang UCRÂNIA: PROBLEMA DE GASES COMO PERDER US$ 70 BI A CIÊNCIA DO AEROPORTO PERFEITO AS MENTIRAS SINCERAS DAS PESQUISAS MORE NA CASA DO MACGYVER ______________________________ 1# SEÇÕES I 2# REPORTAGENS 3# SEÇÕES II _________________________________ 1# SEÇÕES I maio 2014 1#1 AO LEITOR – O POSSÍVEL E O IMPOSSÍVEL 1#2 MUNDO SUPER 1#3 A ESTRELA DA COPA 1#4 SUPER NOVAS - SUPERPLANTA FAZ MAIS FOTOSSÍNTESE 1#5 SUPER NOVAS 1#6 SUPER NOVAS – O BITCOIN DOS ÍNDIOS 1#7 CIÊNCIA MALUCA 1#8 A CIDADE DE FAZ DE CONTA 1#9 COMO A LÂMPADA MUDOU O MUNDO 1#10 PAPO – “VI COISAS LÁ EMBAIXO QUE NINGUÉM VIU” 1#11 IDEIA VISUAL – MONOGAMIA NÃO FAZ SENTIDO? 1#12 BANCO DE DADOS – VIOLÊNCIA URBANA 1#13 MATRIZ – FINS DE SÉRIES 1#14 COORDENADAS – PIRÂMIDES EM TEMPOS DE PRIMAVERA ÁRABE 1#15 ESSENCIAL – AS MENTIRAS SINCERAS DAS PESQUISAS 1#16 ORÁCULO 1#17 CONEXÕES – DO CRACK AO CROC 1#1 AO LEITOR – O POSSÍVEL E O IMPOSSÍVEL TEM CERTAS COISAS QUE são definitivas. A morte, por exemplo. Ou a extinção, que é um nível mais profundo de morte: a morte de uma espécie inteira, varrendo da Terra todo e qualquer resquício de milhões de anos de história evolutiva de um ser. Certo? Errado. No mundo real, pelo menos uma espécie já foi resgatada da extinção e trazida de volta do passado ao presente: o bucardo, um parente da cabra. Verdade que ele não sobreviveu muito tempo para contar a história, mas o fato é que algo que sempre pareceu impossível aconteceu. Mudou portanto a noção do que é possível e do que é impossível. E, quando muda essa noção, muda tudo. Agora, a visão de uma manada de mamutes vagando pelas planícies da Sibéria tornou-se algo possível. É possível sonhar em trazer de volta os neandertais. E, por que não?, os dinossauros. Trata-se da nova ciência da desextinção, que está bombando no mundo e que tem avançado muito aqui mesmo no Brasil. Um sonho impossível de outros tempos. Tornado possível pela engenhosidade humana. Longe de mim querer comparar a importância de uma coisa e outra, mas algo que também se tornou possível nos últimos anos foi sonhar em fazer aqui na SUPER uma operação editorial que não fica devendo nada a nenhuma publicação do mundo. Antes esse era um sonho impossível. Fazíamos revista no Brasil, bem longe dos maiores centros editoriais do planeta, sem recursos, sem acesso às melhores fontes, às melhores histórias, aos melhores profissionais. Tínhamos que nos conformar em copiar o que se fazia nos Estados Unidos e na Europa. Pois em abril saíram os resultados dos prêmios da Society of Publication Designers, dos Estados Unidos (ganhamos dois), e do Malofiej de Infografia, da Espanha (ganhamos uma medalha de prata). Fechou-se então a temporada dos prêmios internacionais de revistas — já tínhamos ganho quatro prêmios de excelência da Society of News Design. Foi um ano bom, e temos sonhos grandiosos para os próximos. Entre outras coisas, estamos criando uma grande editora de livros, um selo de filmes para o cinema e uma operação de videogames. Tudo coisa que era impossível até outro dia. E que agora parece tão possível, quase ao alcance da mão. No meio de tantos projetos, tantas ideias, tanto trabalho, parecia impossível que um dia chegasse a hora de descansar. Pois chegou. Assim que eu bater o ponto final deste parágrafo, saio de férias. Este espaço ficará nas boas mãos do redator-chefe Alexandre Versignassi. Denis Russo Burgierman, DIRETOR DE REDAÇÃO denis.burgierman@abril.com.br 1#2 MUNDO SUPER A POLÊMICA DO DEUS SENNA Os 7 mitos sobre Ayrton Senna, publicados na edição de abril, causaram polêmica entre os leitores. Teve gente indignada com os "ultrajes" ao piloto brasileiro e quem comemorou o discurso menos endeusado sobre Senna. ESPETACULAR A REPORTAGEM sobre Ayrton Senna na edição deste mês. Assisti ao GP de Mônaco de 1984 e minha opinião de que o carro mais veloz naquela prova era do Bellof sempre foi vista pelos outros como "você fala isso porque gostava mais do Piquet do que do Senna". Foi maravilhoso ver que, finalmente, 30 anos depois, alguém no Brasil concorda comigo. Mas, particularmente, não acho que o Senna lidera a tal corrida dos maiores pilotos da história. VLADIMIR BROWN ACHEI RIDÍCULA a comparação com a épica corrida de Ayrton no Brasil ganhando com apenas uma marcha em relação à corrida de Schumacher, na Espanha, chegando em segundo. Desrespeito ao nosso deus Ayrton. RAPHAEL DO AMARAL BOLACHA X BISCOITO Bombou pelas redes sociais um mini-infográfico usado pelo Grande Sábio, o Oráculo, para descobrir qual palavra é mais usada: biscoito ou bolacha? A bolacha venceu e o Ambos (que era só uma representação dos lugares em que os dois termos são usados) nasceu. CORREIO ELEGANTE Os comentários mais carinhosos que recebemos nas últimas semanas. A revista está insuportável, lutando agressivamente contra o conservadorismo e apoiando a esquerda assassina. Há ativistas comunistas influenciando matérias, que assumiram um papel de politicagem e abandonaram o perfil científico informativo. Abram o olho, logo esse meu post será deletado. - VÍTOR MONTICELLI e o comentário que nunca sumiu. Parece que sozinho ele consome por dez pessoas. - HUMBERTO BARBOSA, sobre a matéria Acumulador (dez/13), publicada no site da SUPER em abril. FALE COM A GENTE REDAÇÃO - superleitor@abril.com.br, av. das Nações Unidas, 7221, 14º andar, CEP 05425-902, São Paulo, SP, fax 11 3037-5891. PUBLICIDADE - publiabrif.com.br SP 11 3037-5189, RJ 21 2546-8100. Outras praças: 11 3037-5759. Vendas Diretas: 11 3037-5000. SAC - abrilsac.com abrilsac.lojaabril@abril.com.br SP 11 5087-2112 Outras Praças 0800-7752112 Segunda a sexta, das 8 às 22h. ASSINATURAS - assineabril.com SP 11 3347-2121 Outras Praças 0800-7752828 Segunda a sexta, das 8 às 22h. Sábado, das 9 às 16h. EDIÇÕES ANTERIORES – loja.abril.com.br Superinteressante SP 11 5087-2290 Outras Praças 0800-7718990. Ou solicite para seu jornaleiro – o preço será o da última edição em banca mais a despesa de remessa. TRABALHE CONOSCO - abril.com.br/trabalheconosco SUPER BANCA Conspirações cheias de sacanagem e sexo cheio de explicações. AS MAIORES CONSPIRAÇÕES LANÇAMENTO NO DIA 22 DE ABRIL R$ 27,90 As teorias sobre o 11 de Setembro, Jesus Cristo, a viagem do homem à Lua e mortes polêmicas. SEXO LANÇAMENTO NO DIA 13 DE MAIO. R$14 A química, a psicologia e a sacanagem. Das broxadas ao segredo do casamento eterno. 3 leitores opinam sobre o post "Casamento te faz economizar 5 mil reais por ano" 1- E nem assim parece um bom negócio. - MATHEUS ALBINO 2- Dados segundo o IPEA. - KÁSSIA GOMES 3- Cada hora uma desculpa para o descontrole financeiro do brasileiro. Talvez se as pessoas fossem bem orientadas desde a escola não houvesse tanto endividamento. - YGOR DAMASCENO FOI MAL Diferente do que foi publicado em 1 livro em 13 números, o Facebook divulgou dados de 18 mil usuários para órgãos dos EUA, e não 18. (Cult, abril) Em Concursos de Miss, a representante do Brasil no Miss Mundo não é mais a vice-Miss Brasil, mas uma bela eleita em concurso próprio. (Matriz, abril). OS PREMIADOS A SUPER faturou a medalha de prata no Prêmio Malofief, o Oscar da infografia mundial, com a matéria A nova cruzada (set./2013). Também recebemos mérito no Society of Publication Designers (SPD), prémio máximo do design editorial, pelo infográfico 100% bovino (set/2013). 1#3 A ESTRELA DA COPA Todos querem levantar a Taça da Copa do Mundo No início da década de 1970, a Fifa encomendou um novo troféu para a décima edição do Mundial, marcada para 1974. Ele substituiu a Taça Jules Rimet, conquistada em definitivo pelo Brasil após o tricampeonato no México (e roubada da sede da Confederação Brasileira de Futebol em 1983). Artesãos de sete países enviaram 33 projetos. O vencedor foi o italiano Silvio Gazzaniga, que descreveu sua criação assim: "As linhas saltam da base, em espirais, se abrindo para receber o mundo. Da impressionante tensão do corpo da escultura, surge a figura de dois atletas no agitado momento da vitória". Para confeccioná-la, primeiro foi feito um molde de gesso, depois outro, de cera rígida, e só então elaborada a peça final, em ouro maciço com base em malaquita, uma pedra semipreciosa, com espaço para gravação do nome de todos os campeões do Mundial e o respectivo ano da vitória, de 1974 até 2038. Até o momento, constam seis países: Brasil (1994 e 2002), Alemanha (1974 e 1990), Argentina (1978 e 1986), Itália (1982 e 2006), França (1998) e Espanha (2010). O troféu pesa 6,175 quilos e tem 36,8 centímetros. Cada campeão fica com ele por quatro anos e ganha uma réplica folheda a ouro, também com base em malaquita. DUELO DAS TAÇAS Taça Jules Rimet Peso: 1,8 Kg Altura: 35 cm Material: Ouro Autor: Abel Lefleur, francês Taça da Copa do Mundo da FIFA Peso: 6,175 Kg Altura: 36,8 cm Material: Ouro com base em malaquita Autor: Silvio Gazzaniga, italiano PARA VER A TAÇA Desde 2006, pessoas comuns podem chegar bem perto do troféu mais cobiçado do futebol. Em eventos batizados de Tour da Taça, realizados em diversos países, ela fica exposta ao público, protegida apenas por uma caixa transparente. A iniciativa de aproximar o troféu dos torcedores teve início antes da Copa da Alemanha, entre 7 de janeiro e 10 de abril de 2006. Na ocasião, a taça passeou por 31 cidades de 28 países. A viagem começou em Acra (Gana) e terminou em Roma (Itália), tendo passado por Rio de Janeiro (Brasil), Cidade do México (México), Los Angeles (Estados Unidos), Tóquio (Japão), Pequim (China) e Londres (Inglaterra), entre outros lugares. A segunda edição do tour foi realizada entre setembro de 2009 e maio de 2010, antes do Mundial da África do Sul. Na ocasião, o troféu passou por 84 países e 130 cidades, entre elas 50 africanas. Agora a taça está novamente em trânsito. O tour começou em setembro do ano passado, no Rio de Janeiro. Ao todo serão percorridos 149.576 quilômetros - mais de três vezes a circunferência do planeta - passando por 88 países em 267 dias. Em abril, de volta ao Brasil, a taça passará a ser exposta em todas as capitais. OLHANDO COM AS MÃOS De acordo com normas da Fifa, somente jogadores e chefes de estado podem tocar a taça. Mas em setembro de 2013, em uma ação comercial da Coca-Cola, a regra foi quebrada. O troféu foi tocado pelos jogadores do time brasileiro de Futebol de Cinco, disputado por atletas cegos. O TOUR DA TAÇA NO BRASIL Rio de Janeiro 22 a 25 de abril Porto Alegre 26 e 27 de abril Belo Horizonte 28 e 29 de abril Salvador 30 de abril e 1º de maio Cuiabá 2 de maio Curitiba 3 de maio Florianópolis 4 de maio Campo Grande 6 de maio Goiânia 7 de maio Vitória 8 de maio Aracaju 9 de maio Maceió 10 de maio João Pessoa 11 de maio São Luís 13 de maio Palmas 14 de maio Macapá 15 de maio Boa Vista 16 de maio Rio Branco 17 de maio Porto Velho 18 de maio Manaus 19 de maio Belém 20 de maio Teresina 21 de maio Natal 22 de maio Recife 23 e 24 de maio Fortaleza 25 e 26 de maio Brasília 27 e 28 de maio São Paulo 29 de maio a 1º de junho 1#4 SUPER NOVAS - SUPERPLANTA FAZ MAIS FOTOSSÍNTESE Cientistas americanos criam vegetal que produz mais oxigênio e elimina mais CO2 do ar; técnica pode resolver problema do aquecimento global. TEXTO Salvador Nogueira A FOTOSSÍNTESE é uma das invenções mais fascinantes da natureza. A vida na Terra só existe graças a esse processo, que transforma luz e CO2 em oxigênio e glicose. Mas, agora, a engenhosidade humana pode ter descoberto um jeito de turbiná-lo: com a criação de uma planta que faz 30% mais fotossíntese. O super - vegetal foi desenvolvido no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e é uma versão modificada de plantas do gênero Arabidopsis. Ela absorve mais luz e CO2, libera mais oxigênio e produz mais energia que as plantas comuns. Tudo graças à nano tecnologia. Os cientistas injetaram nanopartículas de dióxido de cério (um metal raro) nos cloroplastos - as estruturas da planta que fazem a fotossíntese. Essas partículas de metal facilitaram o fluxo de elétrons dentro do vegetal, acelerando a fotossíntese. Aparentemente, a injeção não provocou efeitos nocivos às plantas. A ideia, para o futuro, é criar grandes usinas só com superplantas. Elas sugariam muito CO2, do ar, o que ajudaria a brecar o aquecimento global. E também usariam a energia do Sol para produzir glicose (que depois poderia ser convertida em eletricidade para uso humano). "Essa técnica tem potencial para melhorar muito a coleta de energia solar", afirma o engenheiro químico Michael Strano, líder do estudo. O trabalho tem gerado polêmica na comunidade científica, pois não revela todos os detalhes envolvidos no processo (talvez porque o MIT pretenda patenteá-lo). Mas pode ser o início de algo revolucionário. 1#5 SUPER NOVAS EUA LIBERAM REMÉDIO HIPERVICIANTE O governo americano aprovou a comercialização do Zohydro ER, um analgésico dez vezes mais potente que os atuais. O remédio é mais forte porque contém mais hidrocodona, uma substância similar à heroína. A liberação causou polêmica no país, pois o medicamento é considerado de alto potencial viciante - tanto que a própria Food and Drug Administration, divisão do governo americano que regula a venda de medicamentos, tinha vetado a comercialização do Zohydro, em outubro passado. Os procuradores de 28 Estados americanos pediram ao governo que reconsidere a liberação do remédio. Nos EUA, aproximadamente 16 mil pessoas morrem a cada ano devido ao abuso de analgésicos. AGRESSÃO FÍSICA É PESADELO MAIS COMUM Voluntários registraram os próprios sonhos - e pesadelos - num diário O que acontece no seu sonho? Sonhos analisados: 9.796 Pesadelos: 684 Alucinações assustadoras – 4,5% Discussão e conflitos verbais – 29,5% Doença ou morte 12,2% Presença de alguma força má – 7% Fr4acasso – 17% Ser perseguido – 7,6% Agressão física – 31,5% Acidentes 6,3% Desastres 5,4% Insetos – 5,3% Sensação de preocupação 11,4% INSETO DERROTA MILHO TRANSGÊNICO Cientistas americanos descobriram que o verme do milho ocidental (Diabrotica virgifera virgifera) desenvolveu imunidade ao milho transgênico BT, que foi criado em 1996 e hoje é o tipo mais plantado nos EUA. O bicho criou resistência a uma toxina produzida pelo milho para matá-lo. HOSPITAL USOU FETOS COMO COMBUSTÍVEL Os restos mortais de 15.500 fetos abortados foram incinerados para gerar energia em 27 hospitais britânicos nos últimos três anos, segundo dados recém-descobertos pela imprensa inglesa. O governo decidiu proibir o incineramento. FLORESTA DE CHERNOBYL NÃO SE DECOMPÕE A alta radioatividade em torno da usina de Chernobyl, que explodiu em 1986, matou os fungos do local. Segundo um novo estudo, isso está impedindo a decomposição das plantas - há árvores que estão mortas há 15 anos, mas ainda não começaram a apodrecer. MÁQUINA RETIRA LIXO DO RIO SOZINHA Aparelho, que será instalado na baía de Baltimore (costa leste dos EUA), aproveita a energia solar e o movimento da água. 1- As boias direcionam o lixo. 2- O motor, alimentado pela placa solar e pelo coletor hídrico, faz a esteira girar. 3- O lixo sobe pela esteira e cai no cesto. 4- De tempos em tempos, um funcionário retira o cesto e põe outro. 15 GIGAWATTS foi a energia desperdiçada pelos carros elétricos da americana Tesla Motors desde 2012. Eles têm um defeito que faz o motor ficar ligado mesmo quando o veículo está parado no semáforo. A eletricidade seria suficiente para rodar 75 milhões de quilômetros. "ELE CUMPRIRIA UMA PENA DE MIL ANOS EM OITO HORAS" sugeriu a filósofa Rebecca Roache, da Universidade de Oxford, num estudo que repensa o futuro das cadeias. A ideia é que os detentos recebam drogas (a serem inventadas) que alterem sua percepção de tempo. E tenham a sensação de cumprir penas mais longas, ficando menos tempo presos. 1#6 SUPER NOVAS – O BITCOIN DOS ÍNDIOS Tribo americana ganha o próprio dinheiro virtual - para tentar vencer a pobreza pegando carona numa moda da internet.. TEXTO Júnior Bellé OS OGLALA LAKOTA MORAM NUMA RESERVA indígena 11O Centro-norte dos EUA, entre o rio Mississipi e as Montanhas Rochosas. Com pouca terra fértil, tentam sobreviver explorando o turismo e um cassino construído em 2007. Estão entre as pessoas mais pobres dos EUA. Mas podem ter descoberto a chave da riqueza: criar a própria moeda virtual, batizada de MazaCoin. Trata-se de uma imitação do bitcoin, dinheiro virtual que foi criado em 2009 por uma pessoa desconhecida e hoje movimenta bilhões de dólares na internet. Como o bitcoin, o MazaCoin é obtido por meio de "mineração" virtual: você deixa o seu computador rodando um software específico. A jogada é que os índios já começarão na frente, com 25 milhões de mazacoins. Se a moeda se popularizar e ganhar valor real, os lakota ficarão ricos. Parece fantasia, mas foi o que aconteceu com o bitcoin (cuja cotação saltou de US$ 0,01 para US$ 1.200 em três anos). A meta do MazaCoin é chegar a US$ 1 até o final do ano. A moeda foi criada pelo programador Payu Harris, de 38 anos, e um grupo de anônimos. "Com o MazaCoin, podemos libertar os lakota de usar o dinheiro de seus opressores", diz um deles por e-mail. Mas os índios parecem desconfiados. "Até hoje, nenhuma tribo conseguiu impor a própria moeda", disse o advogado Chase Iron Eyes, que representa os lakota, ao site The Verge. 1#7 CIÊNCIA MALUCA TETRIS CORTA A VONTADE DE FUMAR Cientistas pediram a voluntários para descrever um desejo incontrolável que sentiam no momento. Em seguida, metade jogou Tetris, enquanto outros olharam para uma tela sem nada. Três minutos de Tetris reduziram em até 24% a vontade de fumar, beber ou comer. É que o jogo distrai o cérebro e o impede de criar imagens que despertam o vício. Mickey deixa as crianças burras Um grupo de pesquisadores leu historinhas infantis para crianças pequenas, de até 5 anos. Metade delas ouviu histórias com personagens como Mickey e Ursinho Puff. A outra metade ouviu histórias sobre bichos de verdade, na natureza. Ao término do estudo, o primeiro grupo tinha memorizado menos informações. Especulação imobiliária gera mais bebês Economistas encontraram uma ligação entre os preços dos imóveis e o nascimento de bebês. A cada aumento de US$ 10 mil (R$ 22 mil) no preço médio dos imóveis, a taxa de natalidade aumenta 5% entre quem tem casa própria. Já quem paga aluguel sofre o efeito contrário - e vê sua natalidade cair 2,4%.. 1#8 A CIDADE DE FAZ DE CONTA Ela tem supermercado, restaurantes, teatro, cinema e pracinhas agradáveis. Uma típica vila holandesa. Mas nada disso é o que parece. TEXTO Débora Medeiros HOGEWEY É UM LUGAR pacato e charmoso, com 23 casinhas simpáticas, um restaurante agradável e várias opções de lazer para os cerca de 150 moradores. Poderia ser apenas mais uma vilinha qualquer no norte da Holanda. Mas é uma cidade de faz de conta - que foi construída dentro de um asilo para idosos portadores de doenças mentais. A ideia é que eles façam compras, frequentem o teatro, se encontrem para comer ou bater papo pelas ruas da vila, levem a vida como se estivessem numa cidade de verdade, mas protegidos dos perigos do mundo real. "Os pacientes podem sair para o café ou para o supermercado sempre que quiserem, em um ambiente totalmente seguro", descreve o arquiteto Michael Bol, que projetou a vila. Ela fica na cidadezinha de Weesp, de apenas 18 mil habitantes, e costumava ser um asilo como todos os outros, até que foi reconstruída em 2009. "Nós quisemos criar um clima de lar, não um ambiente hospitalar", afirma Bol. Moram até sete idosos em cada casa. Cada habitação tem decoração personalizada, tentando reproduzir o estilo do lugar onde cada um vivia antes. Os idosos são auxiliados por cuidadores - que usam roupas comuns, não uniformes, e além de cuidar dos velhinhos também trabalham no comércio da vila, como garçons, caixas de supermercado e cabeleireiros. Hogewey é mantido pelo governo, que paga 5 mil euros por mês para manter cada idoso. Alguns dos velhinhos nem chegam a perceber que estão num asilo. E vivem mais felizes. 1#9 COMO A LÂMPADA MUDOU O MUNDO Antes dela, as casas eram iluminadas por velas, que às vezes causavam incêndios enormes (como os que queimaram metade de Copenhague no século 18). Em 1879, o americano Thomas Edison inventou a lâmpada elétrica incandescente para acabar com esse perigo. Ela desperdiçava 95% da eletricidade, mas acabou ganhando o mundo - e aí veio a ganância. Na década de 1920, os fabricantes se uniram num cartel e resolveram produzir lâmpadas mais frágeis, que duravam apenas mil horas - 50% menos que a de Edison -, para obrigar as pessoas a trocarem mais. Em 1938, surgiu a lâmpada fluorescente, que gasta menos energia, mas tem seu próprio problema: contém mercúrio, altamente tóxico. Só no Brasil, 94 milhões de fluorescentes são jogadas em lixões a cada ano, contaminando o solo e os rios. A solução é a lâmpada de LED, que não usa mercúrio e dura 25 anos, mas ainda é cara (custa cerca de cinco vezes o preço de uma fluorescente). Já a velha lâmpada de Edison está perto da morte: seguindo EUA e Europa, o Brasil irá bani-la em 2016. 1#10 PAPO – “VI COISAS LÁ EMBAIXO QUE NINGUÉM VIU” Por oito anos, Sandro Zozo correu perigo. Como mergulhador de saturação (o nome vem de o corpo ficar saturado, no limite), ele descia a 250 metros de profundidade para realizar a manutenção de plataformas de petróleo. Até que, em 2012, sofreu um acidente quase fatal no fundo do mar. Aposentado aos 38, garante: faria tudo de novo. TEXTO Débora Nogueira Qual a preparação para mergulhar a centenas de metros de profundidade? Primeiro, você entra na câmara hiperbárica, que faz seu corpo chegar à pressão da profundidade em que você vai trabalhar - dez, 20 vezes maior que ao nível do mar. Isso leva praticamente um dia inteiro. Aí você entra no "sino", uma estrutura metálica que vai ser a sua casa no fundo do mar, e desce para mergulhar. Você fica mais uns 20 dias pressurizado. Como são esses 20 dias? É como viver em uma lata. Parece que você e os outros mergulhadores estão na cadeia: tem ordem do banho, hora certa de comer. Existe assistência 24 horas, o pessoal dá comida e monitora o dióxido de carbono lá dentro. Enquanto isso, você faz a manutenção necessária. E a volta? É preciso uma semana para despressurizar. Você vai respirando uma mistura de gases, que leva tempo para se dissipar no seu corpo. Entre o mergulho e a despressurização, são 28 dias de confinamento. Só é possível fazer esses mergulhos quatro vezes por ano. O resto do trabalho é no navio, dando suporte. Qual o efeito do mergulho saturado? Nós respiramos uma mistura de hélio, oxigênio e nitrogênio. O hélio vai roubando a temperatura do corpo humano, então isso precisa ser monitorado sempre. Às vezes está 28 graus e você treme de frio. Outro incômodo é a umidade da câmara, que chega a quase 80%. Você fica todo melado, precisa tomar mais de um banho por dia, pega fungo nas unhas, otite. Como você entrou nessa? Eu sempre gostei de mergulhar, mas achava que seria difícil. O mercado é muito fechado, existem uns 150 mergulhadores no Brasil, 50 estão desempregados. Eu dei sorte: um amigo me indicou. Fiz o curso e estou há quase dez anos nessa mesma empresa, mas estou afastado há dois por causa de um acidente. Como foi esse acidente? O "sino" é nosso apoio lá embaixo, como um cordão umbilical, tem tudo o que precisamos: cabo elétrico, mangueira de gás para respiração. Houve um vazamento em alguma das 60 válvulas que chegam à cápsula. O sino começou a alagar comigo e outro rapaz lá dentro. E não dava para ficar no mar, a gente morreria de hipotermia. Usamos uma roupa tipo de astronauta, térmica, com canos de água quente que vêm do navio. Mas, para piorar, essa água estava chegando fria. De que maneira vocês se salvaram? Conseguimos restabelecer o contato com o navio, e um técnico fechou todos os cabos que chegavam ao sino e, depois, abriu um a um até descobrir de onde vinha o vazamento. A água chegou quase à nossa cabeça. Ficamos 40 minutos nessa agonia. Enfim, não morri nem vi acidente com morte. Mas há muito risco. Faria tudo de novo? Faria. Se eu não tivesse feito, seria um sonho não realizado. Não me arrependo, vi coisas lá embaixo que ninguém nunca viu. Vi lula gigante, tubarãozinho pequeno. No Espírito Santo, vi uma tartaruga enorme tentando morder um mergulhador. Foi realmente uma vida muito diferente. Mergulhei em campo de lagosta, vi coral cheio de peixinho colorido de aquário. Foi maravilhoso. 1#11 IDEIA VISUAL – MONOGAMIA NÃO FAZ SENTIDO? Para o escritor Christopher Ryan, você não deve se sentir culpado se desejar o cônjuge alheio. Segundo ele, nosso corpo possui diversos indícios evolutivos de que tínhamos relações mais promíscuas antes do início da civilização. Será que somos onívoros sexuais? EDIÇÃO Karin Hueck e Rafael Quick “Eu sou contra sentir vergonha por seus desejos. Você não deve achar que há algo de errado com você, se você se sentir atraído por outra pessoa além de seu marido ou esposa.” PORQUE É BOM O Homo sapiens está entre os poucos seres vivos que fazem muito mais sexo do que o biologicamente necessário. Entre mamíferos, é comum que nasça um descendente a cada doze relações sexuais. Nos humanos, essa proporção é de um a cada mil vezes. Evidência de que, entre nós, o sexo não serve só para a reprodução - também é uma ferramenta para criar laços sociais. PARA O REFRESCO Um indício evolutivo está na anatomia do homem. Assim como em chimpanzés e bonobos, os testículos do macho humano ficam do lado de fora do corpo para deixar os espermatozoides mais resfriados e prontos para uso a qualquer momento. É como deixar um frigobar cheio de cerveja gelada a postos: nunca se sabe quando pode ser hora da diversão. MONOGAMIA É INVENÇÃO De acordo com Ryan, a monogamia é uma construção social do início da vida civilizada. Seria como uma troca de favores: a mulher se comprometeria a ficar com um único homem em troca de proteção, abrigo e comida; e o homem, por sua vez, para ter a certeza de que o filho é dele. Antes disso, as relações sexuais eram mais liberais e igualitárias - como ainda são em algumas tribos de caçadores-coletores. TODA HORA É HORA Outro indício está nas mulheres. A fêmea humana é uma das únicas que ficam receptivas para sexo durante todo o ciclo menstrual - não só quando estão férteis. Mulheres inclusive fazem sexo quando não há chance de se reproduzir: depois da menopausa ou mesmo quando estão grávidas, uma raridade evolutiva. 1#12 BANCO DE DADOS – VIOLÊNCIA URBANA Nada de Oriente Médio ou África. As dez cidades com mais mortes por armas de fogo estão na América Latina (e três no Brasil). As causas: crime organizado, grupos paramilitares e narcotráfico, entre outras. POR Inara Negrão e Sara Magalona CIDADES MAIS VIOLENTAS DO MUNDO (taxa de homicídio por 100 mil habitantes, 2013) Distrito Central – Honduras: 79 Caracas – Venezuela: 134 Barquisimeto – Venezuela: 64 Acapulco – México: 112 Cali – Colômbia: 83 Guatemala – Guatemala: 68 San Pedro Sula – Honduras: 187 Fortaleza – Brasil: 67 João Pessoa – Brasil: 67 Maceió – Brasil: 80 PORTE DE ARMAS NO MUNDO (em milhões) Civis – 650 Forças Armadas – 200 Policiais – 26 PAÍSES COM MAIS ARMAS COM CIVIS. Em milhões EUA – 270 Índia – 46 China – 40 Brasil – 14,8 (7º lugar A cada 100 habitantes EUA – 89 Iêmen – 55 Suíça – 46 Brasil – 8 (75º lugar) 42% DOS HOMICÍDIOS COMETIDOS NO MUNDO ENVOLVEM ARMAS DE FOGO IDADE MÍNIMA PARA POSSE DE ARMA Quênia – 14 Nova Zelândia e Belize – 16 Cazaquistão, EUA, Finlândia, Rússia – 18 África do Sul, Índia, Turquia – 21 Brasil e Uganda – 25 NO BRASIL 800 mil mortos por armas de fogo em 30 anos 1980 – 8710 2010 – 38.891 ESTADOS MAIS VIOLENTOS (mortes por armas de fogo a cada 100 mil habitantes) CE 25 DF 25,3 RJ 26,4 PR 26,4 PE 30,3 PB 32,8 BA 34,4 PA 34,6 ES 39,4 AL 55,3 (aumento de 215% em 10 anos) AS ARMAS (em milhões) 5,2 Posse criminosa 4,2 Posse informal 3,7 Civis 1,7 Forças Armadas (inclui armas de uso pessoal) 1,4 Policiais, bombeiros e justiça criminal (inclui armas de uso pessoal) 0,34 Lojas, coleções e outros 0,3 Empresas de segurança particular JOVENS MORREM MAIS (mortes por armas de fogo a cada 100 mil habitantes, 2010) 42,5 jovens (15 a 29) 10,7 outros HOMEM MORRE BEM MAIS 93,9% Homens 6,1% Mulheres 1#13 MATRIZ – FINS DE SÉRIES Entre os seriados de TV, a última impressão é a que fica. Confira abaixo como público e crítica reagiram aos finais de algumas produções clássicas e recentes. DECEPÇÃO DEXTER - 2006-2013. Como o serial killer escapa? Vira lenhador. HOW I MET YOUR MOTHER - 2005-2014. Nove temporadas até conhecer a "mãe" do título... e ela é irrelevante. BUFFI - 1997-2003. A caça-vampiros salva o dia. O resto do elenco - a graça da série - assiste. FAMÍLIA DINOSSAURO - 1991-1994. Trancado em casa: o clã aguarda a extinção. Mas era para criança! SEINFELD - 1989-1998. Quarteto preso por ser politicamente incorreto. Mas era uma comédia! THE WEST WING - 1999-2006. O democrata só virou presidente porque morreu o ator que fazia seu vice - perder o vice e a eleição seria demais. ALIAS - 2001-2006. A agente secreta não desvenda a conspiração e ainda vira dona de casa. HEROES - 2006-2010. Após 77 episódios, os heróis saem da clandestinidade. Ninguém repara. 24 - 2001-2010. Jack Bauer derrota terroristas e salva o mundo. Foi a oitava vez. LOST - 2004-2010. A Ilha é uma rolha que protege o mundo do mal. Ah: estavam todos mortos. THE OFFICE - 2005-2013. Sacar o chefe antes do fim deixou vácuo de gestão - e graça. ARQUIVO X - 1993-2002. Pior que os mistérios sem solução foi a exaustão criativa. SATISFAÇÃO FRIDAY NIGHT LIGHTS - 2006-2011. Sobre futebol americano, ganhou quem não é fã do esporte - qualquer esporte. OZ - 1997-2003. Rebelião no presídio, tragédia, caos, morte. Como a audiência queria! BREAKING BAD - 2008-2013. O professorzinho que virou chefão teve o que merecia. E nós também. FRIENDS - 1994-2004. Passou do ponto. Mas ao menos entregou o que o público esperava. MAD MEN - 2007-2015. Ainda não acabou, mas já dá pra saber que o final não será feliz. Nem ruim. THE WIRE - 2002-2008. Tese sociológica sobre corrupção e drogas resumida na última cena. Forte. HOUSE - 2004-2012. O doutor cínico finge sua morte e assume seu amor: o amigão Wilson. CAVERNA DO DRAGÃO - 1983-1985. Sim, o desenho animado tem final. E bom. Só não foi produzido. Mas o roteiro está na rede. SOPRANOS - 1999-2007. A série sobre máfia de Nova Jersey é das melhores. E o final, o melhor. Para não estragar, semispoiler: termina não terminando. BATTLESTAR GALACTIA - 2003-2009. Se perdeu, mas o final fechou com a filosofia da série. TRUE DETECTIVE – 2014. Quem tinha megateorias ficou frustrado. Mas é uma bela história de redenção. 1#14 COORDENADAS – PIRÂMIDES EM TEMPOS DE PRIMAVERA ÁRABE Cairo, Egito: as revistas armadas, o toque de recolher e os perigos de visitar o país em tempos tão conturbados. TEXTO Daniella De Caprio TANQUES E MILITARES ARMADOS em frente aos hotéis revistam todos que chegam, conferem passaportes e colocam as malas no raio-X. Nas esquinas de museus e monumentos famosos, guardas armados fazem parte da paisagem. Nos arredores do Museu do Cairo, por exemplo, me perdi em meio a tantos fuzis. Tive espasmos de medo. Mas, fora esses riscos, há vantagens em visitar o Egito. O país passa por maus bocados desde 2011, com a eclosão da Primavera Árabe. O presidente Hosni Mubarak caiu após uma ditadura de 30 anos, e a situação continua instável. Por conta disso, visitá-lo é uma experiência diferente do que em tempos de paz. Com as manifestações, os turistas debandaram. Sem filas e sem multidões de pessoas ocupando o enquadramento da sua foto, a viagem pode ficar mais agradável. Fora os preços melhores nos vendedores ambulantes (incluindo os famosos lenços e echarpes de algodão egípcio). Andar em grupo e com um guia local por perto aumenta a sensação de segurança, embora, se uma manifestação pipocar, possivelmente ela será longe, já que os principais pontos turísticos do Cairo ficam afastados dos locais mais tensos. As pirâmides de Gize, por exemplo, estão a meia hora do centro. Então dá para curtir a viagem sem maiores contratempos. A não ser que você precise estar no aeroporto de madrugada e um toque de recolher estiver em vigor. Aconteceu comigo. No caminho para pegar o avião, não havia uma alma na rua. Fui parada cinco vezes por policiais, que reviraram toda a mala. Achei que não voltaria para o Brasil. Mas cheguei a salvo, e com uma certeza: é perigoso, mas dá para ir ao Egito hoje, mesmo sendo mulher, mesmo sozinha. VÁ - Não há voos diretos. Faça conexão em Paris ou Amsterdã e dê um pulo na Europa. QUANDO - Julho e agosto para sentir o calor de 40°C no Cairo ou maio e outubro para temperaturas mais amenas. ESTE MÊS NESTE PLANETA CORDOBA – 37°53' N 04°46' 0. A cidade espanhola enfeita grandes cruzes com flores. A competição pela cruz mais bela vira uma festa com comida e drinques na rua. De 30/4 a 4/5. OSLO – 59°55' N 10°44' L. O Dia da Constituição da Noruega é celebrado com desfiles nas ruas da capital e em outras cidades. É comum ver pessoas usando bunads, a veste tradicional norueguesa. Dia 17. UM MOMENTO 1º/5, 9H Início das festividades do dia de Lei, feriado havaiano em que música, dança e os indefectíveis colares floridos (chamados leis, daí o nome) agitam o arquipélago. 45 mil TONELADAS DE ABACATE (dado referente a 2013, ano de produção recorde) são consumidas no Cinco de Maio, festa mexicana que é mais celebrada nos EUA do que no México. QUE LUGAR É ESSE? 1- A guerra civil deixou mais de 2 milhões de mortos. 2- Na Antiguidade, tinha nome de mulher. 3- Até 2010, era o maior do continente. Resposta: Sudão. A antiga Núbia viveu uma guerra civil de 50 anos com o Sudão do Sul, que conquistou a independência em 2010 e ficou com 25% do território. 1#15 ESSENCIAL – AS MENTIRAS SINCERAS DAS PESQUISAS Não é só o Ipea: qualquer pesquisa de opinião está sujeita a erros grosseiros. E a solução para esse problema passa por uma pessoa importante: você. TEXTO Pedro Burgos DO DIA PARA A NOITE viramos um país de estupradores. 65% dos brasileiros achavam que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo mereciam ser atacadas", dizia aquela pesquisa do Ipea. Começou ali a campanha "não mereço ser estuprada", Dilma tuitou o seu apoio, todo tipo de especialista ofereceu explicações. Mas, dias depois, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas corrigiu o gráfico. Disse que não eram 65% dos entrevistados, mas sim 26% que concordavam com o "ataque". O diretor responsável pela pesquisa pediu demissão, como se sabe. Mesmo com a correção, os protestos continuaram. Claro; 26% ainda era muito. E não existe dúvida de que falta muito para que haja igualdade de fato entre os gêneros — qualquer mulher que saia de shorts na rua não precisa de um levantamento do Ipea para ter certeza disso. Mas o caso também deixou claro que precisamos desenvolver um olhar crítico sobre outra coisa: as próprias pesquisas. O problema maior aí é que tanto os 65% do primeiro momento como os 26% posteriores foram tratados como fato. Como há uma crença de que os números não mentem, a pesquisa foi divulgada e compartilhada como um achado científico incontestável. Só que há números e números. Uma coisa é, digamos, o total de pessoas nascidas no Brasil em um determinado ano — algo registrado individualmente. Outro é uma porcentagem de pessoas que responderam de determinada forma em uma pesquisa de opinião. Um é dado concreto, outro, uma estimativa baseada em uma amostragem. O primeiro é fato. O segundo, nem tanto. Todas as pesquisas de opinião estão sujeitas a erro. Algumas mais que outras. A do Ipea, especificamente, tinha vários problemas. O maior foi na escolha da amostra, que simplesmente não representava a população brasileira. Entre as 3.810 pessoas entrevistadas, apenas 29% moravam em regiões metropolitanas (no Brasil real, são 44%); mais de 65% eram mulheres (contra 51% da população de verdade) e 19% tinham 60 anos ou mais (contra 11% da realidade). Pessoas mais idosas e que moram fora dos centros urbanos tendem a ter um pensamento mais conservador (e, logo, menos favorável ao uso de roupas sensuais), mas a pesquisa ignorou isso. O texto das perguntas também sofreu críticas - o que significa exatamente "atacadas"? Uma senhora interiorana pode tranquilamente interpretar isso como um "ataque" verbal - e vindo de outra mulher; algo bem diferente de estupro. Se o termo da pergunta fosse justamente "estupro", talvez os números fossem outros, mais baixos, até pelo fato de a maioria dos entrevistados ser mulher. O problema não está só no Ipea. Todos os grandes institutos têm erros importantes no currículo. Porque mesmo que os institutos falassem com todos os brasileiros, poderíamos não ter certeza sobre o que pensam as pessoas. Sim: a ordem das perguntas pode influenciar as respostas, por exemplo. Nas eleições de 2010, vários institutos de pesquisa foram questionados por enviesar o entrevistado. Antes de perguntar sobre a avaliação do presidente ou governador, por exemplo, o pesquisador fazia perguntas sobre o sentimento de insegurança, o desemprego, a inflação. Dependendo das respostas anteriores, uma avaliação que seria neutra ou positiva podia passar a ser negativa — já que o governante (citado na última pergunta) seria percebido como o culpado pela insegurança, pelo desemprego e pela inflação. Não que eventualmente não fosse: mas que a pergunta direcionava o entrevistado, direcionava. Outra questão está em quem divulga as pesquisas, seja a imprensa, seja cada um que compartilha no Facebook. É que o mesmo levantamento pode trazer dados que mostram realidades diferentes. O próprio texto do Ipea que acompanha os gráficos da fatídica pesquisa começa dizendo que 91% da população concordou com a frase "Homem que bate em mulher tem que ir para a cadeia". E, mais adiante, diz que os jovens culpam menos as mulheres pelo comportamento violento dos homens. São sinais claros de progresso. Mas ninguém levou em conta. O ponto aí, difícil de admitir, é que o nosso julgamento também afeta a conclusão de uma pesquisa. Inconscientemente, escolhemos quais números merecem crédito ou não, baseados nas nossas certezas. É humano: os psicólogos chamam isso de "viés confirmatório". Nate Silver, um estatístico americano que ficou famoso pelas margens de acerto que obteve em pesquisas eleitorais, explica: "A razão que torna a previsão tão difícil para nós é a mesma que a torna importante: o ponto em que a realidade objetiva e a subjetiva se encontram. Distingui-las requer tanto conhecimento científico quanto autoconhecimento". Em português mais claro: quando a pesquisa do Ipea foi divulgada, por exemplo, pessoas mais engajadas na luta pelos direitos das mulheres não questionaram os números, já que eles reforçavam a urgência da causa que elas defendem. Da mesma forma, gente normalmente crítica ao movimento de afirmação feminina foram os primeiros a tentar mostrar que havia algo errado na pesquisa - não por amor à ciência, mas para provar as convicções que já tinham antes. Tudo isso é um problema, porque pesquisas não são apenas termômetros da realidade. Elas ajudam a moldar o futuro. O Ipea, que antes só fazia estudos econômicos, tem como missão agora elaborar pesquisas que ajudem a "ditar políticas públicas". A porcentagem de gente que concorda com isso ou aquilo vai direcionar recursos para esta ou para aquela contratação de pessoal ou mudança no currículo escolar. Da mesma forma, pesquisas eleitorais direcionam o voto - o eleitor pode mudar a intenção para forçar um segundo turno, por exemplo, baseado nas pesquisas. No fim das contas, as pesquisas servem como uma arma a favor da democracia. Mas isso só vale, claro, se elas forem confiáveis. E só existem três formas de garantir isso. Primeiro, os institutos devem ser transparentes na hora de divulgar seus dados, mostrando como as perguntas foram feitas. Segundo, têm de gastar mais tempo e cérebro com a redação dessas questões, para evitar termos dúbios (como o "atacadas" do Ipea). Terceiro, e mais importante, é o papel do público: avaliar os números e o método. Porque não são só os institutos: nós também precisamos diminuir nossa margem de erro. 1#16 ORÁCULO EDIÇÃO Felipe van Deursen O CURIOSO CASO DO BUFÊ PARA MACACO Nossos intrépidos leitores batem recordes com perguntas estupendamente estapafúrdias. BICHOS MIMADOS Estava vendo uma matéria sobre macacos e percebi que eles comem basicamente a mesma coisa todo dia. Animais podem enjoar do que comem? Obrigada por responder (na verdade exijo que responda. Por favorzinho, vai). - VITORYA DA CRUZ, PORTO ALEGRE, RS Animais com dieta variada podem enjoar, assim como você. Se submetidos a um cardápio previsível, tipo os almoços de firma e suas maioneses, eles param de comer e procuram outra coisa para forrar o bucho. Já bichos que têm naturalmente poucas fontes de alimentos não passam por isso. É o caso do panda, que come broto toda a vida sem chiar. E o bambu? VOLTA, COPA ORÁCULO! Se uma criança de 9 anos passar creme que rejuvenesce dez anos, ela morre ou fica com -1 ano? - THIAGO NEVES, ARARAS, SP Se essa minipessoa passar creme rejuvenescedor em tão precoce idade, ela não morrerá nem se transformará num Benjamin Button. Mas correria o risco de ter reações de irritação e queimadura na pele. Pelo visto é bom esclarecer: esses cremes servem para tratar sinais de envelhecimento, não para fazer alguém ficar mais jovem literalmente - o que, pensando bem, seria incrível. Parabéns pela ideia. JARDIM DAS BIRITAS É verdade que cerveja faz bem para a samambaia? - NAYARA SAMPAIO, TERESINA, PI Cerveja faz bem para plantas em geral. Suas matérias-primas, como as leveduras e o lúpulo, fornecem nutrientes que podem ser absorvidos como se fossem adubo. Já o álcool serve para espantar agentes infecciosos, tipo fungos. Dito isso, muita calma nessa hora ao resolver tomar um porre com seu cacto. Em vez de embebedá-lo, faça uma mistura com só 10% de cerveja e 90% de água. Borrife na planta e, com o resto da bebida, regue o seu copo. PERGUNTA CLÁSSICA Ó, grande mente que tudo sabe, quando eu era criança e aprontava, minha mãe falava que eu ia saber com quantos paus se faz uma canoa. Hoje, 25 anos, casado, independente, nunca soube com quantos paus se faz uma canoa. Tire essa enorme dúvida que rodeia minha mente diariamente. - DAVI ARAÚJO, SÃO LUÍS, MA Um pau. Isso se você quiser uma piroga, canoa de tronco escavado, usada por povos americanos há mais de 2 mil anos. Se preferir algo mais moderno, no Brasil alguns fabricantes de pequenos barcos usam 70 a 90 ripas de madeira. Há ainda canoas bem simples com três tábuas (uma no fundo, mais as laterais). E tem também os barcos de alumínio, que não usam pau nenhum. Ou seja, tem pau (e canoa) para tudo que é gosto. PONTE AÉREA ASTRONÔMICA Se a Terra fosse do tamanho de Júpiter, quanto tempo demoraria uma viagem de avião de São Paulo a Tóquio? - DOUGLAS ALVES, SÃO PAULO, SP Sem escalas, a jornada seria de dez dias terrestres, 19 horas e 42 minutos. O raio de Júpiter é 11 vezes maior do que o da Terra, então a distância São Paulo-Tóquio (23 horas de molejo no avião) seria uma epopeia de 207.366 quilômetros. QUE DESELEGANTE Todo comercial de iogurte para regular o intestino tem mulheres como foco. Por que elas não conseguem "fritar o acarajé" tão bem quanto os homens? - GABRIEL RODRIGUES, VATAPALÂNDIA (leitores que não enviam cidade e Estado são passiveis de piada), ES Intestino preguiçoso é, de fato, mais frequente em mulheres. A principal culpada é a progesterona, que causa uma movimentação mais lenta do intestino. Além disso, situações como gestação e TPM podem contribuir para a prisão de ventre. E há o fator cultural. Mulheres tendem a evitar fazer o nº 2 fora de casa, e o intestino se acostuma a funcionar com menos regularidade. 6 COISAS MENORES QUE SEU INTESTINO 1-Vassoura 1,2 2- Capivara 1,5M 3- Onça-pintada 2M 4- Mesa para 10 pessoas 3M 5- Sucuri-amarela 4M 6- Carro sedã 4,5 M INTESTINO DELGADO HUMANO: 6 A 7 METROS QUER QUE DESENHE? Ó, divindade que responde consultas e orienta o crente, por que o silenciador fica na frente do revólver se o gatilho está atrás? - ALEX GONÇALVES, ITAPIRANGA, SC 1- Porque o que faz barulho são os gases que saem pelo cano. Então o silenciador fica na frente, para abafar o som. 2- O silenciador tem uma câmara oca que permite que o gás se expanda, diminuindo velocidade e volume (e, assim, o som). 3- Outras câmaras menores fazem a mesma função, enfraquecendo ainda mais o estrondo. PÁ PUM Qual o perfume mais vendido no mundo? E qual a marca de perfume mais famosa? - ABNER C. DE O. FARIA, MORRO AGUDO, SP O magnânimo Chanel Nº 5, criado em 1921, não só é o mais famoso como o mais vendido do mundo. Estima-se que 10 milhões de frascos são vendidos todos os anos. NÚMERO INCRÍVEL 18.500 KM Distância entre São Paulo e Tóquio. OUTRO DADO RELEVANTE SEM NENHUMA LIGAÇÃO 18.500 KG De haxixe, no valor total de € 100 milhões, foram apreendidos na Itália em março. PERGUNTE AO ORÁCULO! Escreva para superleitor@abril.com.br com o assunto "Oráculo" e mencione sua cidade e Estado. 1#17 CONEXÕES – DO CRACK AO CROC TEXTO Rodolfo Viana CRACK - Droga derivada da cocaína. Segundo a ONU, 1,3% dos sul-americanos usa a substância, na forma de pó ou pedra. Na região, um dos países com menor incidência de uso é a Argentina. Mas foi de lá que veio um atleta ícone do pó... DIEGO MARADONA - Gênio do futebol, aposentou-se em 1997, após muitos gols espetaculares e alguns escândalos com o uso de cocaína. Foi técnico da Argentina na Copa de 2010, na África do Sul. O torneio teve a bola mais comentada de todos os tempos, a... JABULANI - Tem 11 cores, que representam dialetos e etnias da África do Sul. Foi criticada por jogadores no Mundial. A fabricante Adidas rebateu dizendo que a bola é resultado de anos de pesquisa e que ela teve características inovadoras, como o material empregado... EVA -Sigla para espuma vinílica acetinada, é um plástico com vários usos na indústria, de materiais hospitalares a composições de asfalto. A jabulani foi a primeira bola de futebol a usar o material, que também está em outro produto polêmico, o... CROC - Tamanco que faz sucesso entre pessoas que trabalham de pé. A aparência o levou a ser eleito uma das piores invenções da história pela revista Time. Mas é tão confortável que muitos que usam não querem outra coisa. O croc é o crack dos pés. 2# REPORTAGENS maio 2014 2#1 CAPA – RESSURREIÇÃO 2#2 CAPA – A VACA IMORTAL 2#3 GUIA – COMO HACKEAR SUA CASA 2#4 ATUALIDADES – A VERDADE SOBRE A UCRÂNIA 2#5 ATUALIDADES – MELHOR DOS MUNDOS 2#6 CIÊNCIA – RACHADURAS NAS PAREDES DO UNIVERSO 2#7 HISTÓRIA – DESAPARECIDOS 2#8 GUERRA – MUY AMIGOS! 2#9 HISTÓRIA – PERDEU, PLAYBOY 2#1 CAPA – RESSURREIÇÃO Quando uma espécie é extinta, acabou. Fim. Mas talvez seja possível trazer de volta animais que desapareceram da face da Terra há dezenas, centenas ou milhares de anos. Conheça os projetos que estão tentando - e conseguindo - fazer isso. TEXTO José Francisco Botelho O cenário é uma planície gelada no hemisfério norte. O vento sopra sobre a vegetação rasteira, enquanto a terra estremece sob os passos de uma peluda fera de 4 metros de altura. Sua enorme tromba é ladeada por presas de marfim de mais de 5 metros de comprimento. Atrás da mãe, vem o filhote - um bebê mamute de apenas 1 metro de altura. Por um momento, a mamãe mamute se distrai, arrancando um arbusto com a tromba e o levando até a boca. Nesse instante, um feroz esmilodonte (ou tigre-dente-de-sabre) salta detrás de um rochedo sobre o filhote indefeso. Ouvindo o grito da cria, o mamute larga a refeição e avança contra o predador, com as presas erguidas para golpear o inimigo. A cena épica é observada por um casal de humanos, escondidos em um bosque. Mas não se trata de neandertais vestidos de peles e armados de clavas. É um casal de turistas usando roupas do século 21 - e com celulares em riste para filmar o duelo. Mais tarde, naquele mesmo dia, a briga entre o mamute e o tigre gigante receberá centenas de curtidas no Facebook. Essa cena pode parecer saída de um livro de ficção científica - como Jurassic Park, de Michael Crichton, que especula sobre o que aconteceria se os dinossauros fossem trazidos de volta à vida. Os tigres-dente-de-sabre desapareceram há cerca de mil anos; os últimos mamutes morreram entre 10 mil e 3 mil anos atrás - e o homem é um dos possíveis responsáveis pelo seu fim. Quando o romance de Crichton foi publicado, em 1990 - e levado ao cinema por Steven Spielberg três anos depois -, a ideia de ressuscitar espécies como essas era, de fato, pura fantasia. Afinal de contas, a extinção sempre foi considerada uma via de mão única: uma espécie extinta seria como uma pessoa morta e enterrada, e nada poderia trazê-la de volta. Mas nos últimos anos, com os avanços da biotecnologia, isso mudou: a desextincão - ou seja, a ressurreição de uma espécie inteira de animais, plantas ou até mesmo de neandertais - passou de livros e filmes para pesquisas científicas sérias. Em várias partes do mundo, há cientistas tentando trazer de volta animais extintos - e obtendo resultados animadores. Basicamente, existem duas maneiras de ressuscitar uma espécie que não existe mais. A primeira se chama transferência nuclear. É o seguinte. Os cientistas extraem DNA de fósseis do bicho extinto, e implantam no óvulo de uma espécie parecida. Isso gera um animal híbrido, que tem algumas características da espécie extinta. Os híbridos vão sendo cruzados até que, depois de algumas gerações (não se sabe ao certo quantas), você gera animais idênticos aos que haviam sido extintos. Foi isso o que aconteceu com o bucardo, uma espécie de cabra montanhesa que habitava os Pirineus, na divisa da França com a Espanha. Perseguida durante séculos por caçadores em ambos os lados da fronteira, a espécie foi diminuindo - no final dos anos 80, restava apenas uma dúzia de bucardos no mundo. Em 1989, graças a uma iniciativa do governo espanhol, cientistas passaram a monitorar e estudar os últimos sobreviventes. Mas já era tarde demais. Em 2000, o último dos bucardos (uma fêmea, a quem os cientistas haviam apelidado de Célia) foi esmagado pela queda de uma árvore, e a espécie se tornou oficialmente extinta. Um ano antes da morte de Célia, no entanto, pedaços de sua pele haviam sido coletados - e as células do bucardo continuavam vivas, em laboratórios de Saragoça e Madri. Quando Célia morreu, um grupo de cientistas liderados pelo espanhol José Folch iniciou um projeto que ninguém antes tentara: clonar um indivíduo de uma espécie extinta. Em um processo de clonagem convencional, o material genético é colocado dentro de um óvulo - e o óvulo, após algum tempo no laboratório, vai para o útero de uma fêmea, onde dá origem a um embrião. "E é aqui que está a grande dificuldade em clonar um indivíduo de uma espécie extinta", explica Lawrence Smith - cientista brasileiro, filho de pais ingleses, cujas pesquisas ajudaram na clonagem da ovelha Dolly em 1997. "Mesmo que você tenha o DNA do animal, você não tem uma fêmea viva daquela espécie para fazer a gestação." Os espanhóis resolveram implantar o embrião numa cabra, cujo óvulo teve o DNA removido. Eles tentaram fazer isso muitas vezes. Foram 439 tentativas, que geraram 57 embriões. Todos foram implantados, mas apenas sete cabras engravidaram - e a maioria abortou. Em 30 de junho de 2003, no entanto, uma das cabras deu à luz um clone vivo de Célia. Um dos cientistas segurou nos braços o filhotinho. E, por um breve tempo, a espécie dos bucardos voltou a existir. Mas a primeira desextinção na história da ciência durou apenas dez minutos. A nova Célia nascera com um tumor maciço em um dos pulmões e morreu por falta de ar. Na prática, a espécie havia sido extinta pela segunda vez. QUEBRA-CABEÇA GENÉTICO Apesar do fim prematuro do clone, a experiência abriu caminho para outras. Hoje, há diversos projetos de desextinção sendo desenvolvidos. E pode ser apenas uma questão de tempo até que algum deles se mostre 100% bem-sucedido. Além das tentativas de resgatar espécies que já desapareceram, cientistas também estão coletando o DNA de animais em risco de extinção - para ter alguma chance de trazê-los de volta, caso desapareçam. Atualmente, projetos desse tipo estão sendo conduzidos no zoológico de San Diego, nos Estados Unidos, e também no zoológico de Brasília, em parceria com a Embrapa (leia mais na página 42). Há pouco tempo, um grupo de cientistas chegou muito perto de ressuscitar o Rheobatrachus silus, ou "sapo de reprodução gástrica" - um esquisitíssimo anfíbio australiano extinto em 1987. O nome popular da espécie se deve aos seus inusitados hábitos reprodutivos: a fêmea liberava um punhado de óvulos, que então eram fertilizados pelo macho. Em seguida, a fêmea engolia os próprios óvulos e gestava os embriões no estômago. Algumas semanas depois, a sapa vomitava os sapinhos inteiros - como se fossem uma porção de comida estragada. Para trazer a bizarra espécie de volta, cientistas australianos liderados pelo pesquisador Mike Archer, da Universidade de New South Wales, introduziram o material genético em óvulos de uma outra espécie de batráquios. A experiência se arrastou por cinco anos - isso porque as fêmeas dos sapos ovulam apenas uma vez a cada 12 meses. Em marco de 2013, algumas centenas de óvulos começaram a se desenvolver, dando origem a embriões de Rheobatrachus. Mas eles sobreviveram apenas alguns dias. "Mesmo a clonagem convencional - usando DNA, óvulos e úteros de uma mesma espécie - ainda é uma técnica ineficiente e lenta, com uma taxa de sucesso que em geral fica apenas em 1%", explica Lawrence Smith. "Quando se tenta clonar entre duas espécies distintas, ainda que aparentadas, as dificuldades se multiplicam, pois jamais se sabe como a informação genética de uma espécie vai se adaptar ao óvulo e à gestação de outra." Exatamente por isso, alguns cientistas estão buscando a desextinção por outras vias que não a clonagem. É o caso de George Church, da Universidade Harvard. Desde 2011, ele tenta desextinguir o pombo viajante, uma espécie que era extremamente comum nos EUA até o século 19. Relatos da época descrevem as revoadas de pombos viajantes enegrecendo os céus em regiões do leste do país - os pássaros eram tantos que seu peso quebrava os galhos das árvores em que pousavam. Mas muito chumbo foi disparado por caçadores americanos de lá para cá - e o pombo viajante está extinto desde 1913. Mas, por sorte, há centenas de pombos dessa espécie empalhados em diversos museus dos Estados Unidos. Com pedaços de pele retirados da pata de um deles, Church conseguiu recuperar fragmentos do DNA do pombo - embora ainda não o genoma inteiro. A ideia não é clonar a ave desaparecida, mas introduzir pedaços de seu código genético nas células-tronco de um pombo comum. O pombo resultante seria um híbrido que iria passando por cruzamentos até recuperar todas as características da espécie (entenda melhor lendo o box na página 41). Caso funcione, essa mesma técnica poderia ser utilizada para ressuscitar espécies desaparecidas há muito tempo, como o mamute, o tigre- dente-de-sabre ou o auroque - um bovino selvagem, ancestral do gado moderno, desaparecido da Terra no século 17. CACAREJO JURÁSSICO Animais como o pombo, o boi e a cabra apresentam algumas características que facilmente remetem ao pombo viajante, ao auroque e ao bucardo - seus ancestrais distantes e já extintos. Até aí, nada de anormal. Mas você sabia que dentro de um simples frango existem resquícios de dinossauro? E há quem acredite que isso seja a chave para trazê-los de volta à Terra. "Nós estamos estudando como criar um dinossauro a partir de uma galinha", diz Jack Horner, paleontólogo da Universidade de Montana e autor do livro How to Build a Dinosaur ("Como criar um dinossauro", ainda inédito no Brasil). A ideia é acionar determinados genes - que as galinhas já possuem, mas que estão inativos. A técnica se chama engenharia genética reversa. Até os sete dias de gestação, toda galinha tem uma espécie de mão com três dedos, exatamente como os crocodilos e dinossauros. A partir da segunda semana, acontece uma fusão e os dedos se unem para formar a ponta das asas. Com a manipulação genética, seria possível brecar esse processo - fazendo com que a galinha tivesse mãos e dedos em vez de asas. Os cientistas da Universidade de Montana estão tentando usar esse processo para desenvolver cauda em uma galinha. O Frankenstein jurássico ainda não existe, mas já ganhou o apelido de dino-chicken - em bom português, "galinhossauro". "Não tenho dúvidas de que um dia cientistas conseguirão desenvolver animais que se pareçam com dinossauros e colocá-los em parques para exibição", afirma Horner, que serviu de inspiração para o personagem Alan Grant, em jurassic Park. Mas dentre os animais extintos há milhares de anos, é mesmo o lanudo paquiderme do norte quem tem mais chances de um dia voltar a pisotear a terra. Em abril de 2012, cientistas russos descobriram no gelo da Sibéria um filhote de mamute em excelente estado de conservação - o bicho, uma fêmea apelidada de Yuka, morreu com dois anos e meio de idade, há 39 mil anos. Yuka provavelmente morreu após ficar atolada em um pântano cuja lama mais tarde congelou. A parte superior de seu cadáver foi consumida por predadores, inclusive caçadores humanos. Mas a parte inferior do corpo ficou preservada no gelo, incluindo a tromba, partes da mandíbula e da cabeça, as patas e os tecidos da língua e da boca - o que faz de Yuka o exemplar de mamute mais bem preservado já encontrado. Em maio de 2013, uma nova notícia sobre Yuka aumentou a expectativa. Um grupo de pesquisadores russos e sul-coreanos conseguiu extrair uma amostra de sangue dos tecidos da mamutezinha. O sangue ainda está sendo analisado, e ninguém sabe se serão encontradas amostras viáveis de DNA. Mas, se isso acontecer, o material genético poderá ser usado para criar um clone - e trazer os mamutes de volta à vida. O projeto é liderado pelo cientista coreano Hwang Woo-Suk, que em 2005 ficou conhecido por ter sido o primeiro a clonar um cachorro. Se conseguir extrair o DNA, ele pretende implantá-lo num óvulo de elefante (espécie escolhida por ser geneticamente similar ao mamute). Nada garante que isso vá dar certo. Após milênios no gelo, é possível que o DNA esteja danificado. E mesmo que a tentativa seja bem-sucedida, será que existe lugar no mundo de hoje para um filhote de mamute - ou de tigre-dente-de-sabre, ou de dinossauro? QUEM PRECISA DE MAMUTES? A ideia da desextinção pode ser fantástica - mas, para alguns autores e pesquisadores, ela é uma bobagem. "A desextinção, na verdade, é uma reinvencão", opina Brian Swiket, jornalista especializado em evolução e autor do livro Written in Stone ("Escrito em Pedra"), no qual analisa o tema. Os cientistas não podem garantir que um mamute clonado vá se comportar como um mamute da Era do Gelo - até porque sequer existem métodos para fazer essa comparação. "Os mamutes, como os elefantes modernos, ensinavam hábitos aos seus filhotes e tinham formas de cultura em seus rebanhos. Mamutes clonados não teriam pais, nem rebanhos e, portanto, não se comportariam como verdadeiros mamutes", diz Swiket. Outro empecilho apontado pelos críticos da ressurreição das espécies: em muitos casos, os hábitats desses animais já desapareceram "O mamute, por exemplo, vivia em ambientes muito frios e secos. Por causa das mudanças climáticas, hoje há poucos lugares com essas características", diz Swiket. "Sem seu habitat original, as espécies desextintas poderiam simplesmente se extinguir outra vez", completa. É um ponto relevante. Seria cruel e inútil trazer de volta um bicho apenas para vê-lo morrer de novo. O contrário disso também poderia causar problemas. Uma espécie desextinta poderia acabar se adaptando bem demais à sua nova vida, dizimando as populações de outros animais e gerando desequilíbrios ecológicos. Mas nem todo mundo concorda com essa possibilidade. "Muitas espécies desaparecidas tinham importância vital em grandes ecossistemas", diz o geneticista George Church, da Universidade Harvard. Ele cita um exemplo: graças aos mamutes, as tundras no norte da Rússia foram um dia cobertas de grama. A terra, antes afofada pelas patas dos gigantes peludos e fertilizada por seu esterco, se tornou dura e árida após a extinção desses animais. "Se os mamutes fizeram isso milhares de anos atrás, podem fazer isso no futuro", acredita Church, que também aposta na possibilidade de reviver bichos como o dodo, o auroque e o tigre da tasmânia. Ao trazer de volta certos animais, estaríamos ressuscitando também um pouco do mundo onde viveram. O ponto máximo da desextinção seria trazer de volta o neandertal - que foi nosso parente mais próximo (e que nós mesmos varremos da face da Terra). O genoma dos neandertais já foi sequenciado, em 2010. Teoricamente, seria possível tentar produzir um. Para alguns pesquisadores, o estudo da fisiologia dos neandertais ajudaria a descobrir tratamentos para doenças como a osteoporose - à qual eles eram imunes. "Também poderiam ser feitos pequenos transplantes de tecidos de neandertais para seres humanos, deixando-os mais resistentes a doenças", acredita Church. Mas há algumas barreiras morais que parecem intransponíveis. Que mulher aceitaria carregar um bebê neandertal no útero? Também há uma questão jurídica, já que legalmente só seria permitido clonar um ser humano com o consentimento do próprio. Neandertais pertencem ao gênero Homo, o mesmo dos humanos modernos. E é complicado obter o consentimento de alguém cuja espécie deixou de existir há mais de 30 mil anos. O mais provável é que a engenharia genética seja usada para acabar com as extinções antes mesmo que elas aconteçam. E isso já está sendo feito, como você verá na reportagem a seguir. MAMUTE (Mammuthus primigenius) EXTINTO HÁ 3 mil anos RESSUSCITADOR Museu de Mamutes de Yakutsk (Rússia) COMO Em 2013, os cientistas retiraram uma amostra de sangue do fóssil de Yuka, uma mamute fêmea morta há 39 mil anos. Agora, estão analisando esse sangue para tentar achar uma célula intacta, que contenha DNA completo e legível. Se for encontrada, será implantada num óvulo de elefante. BUCARDO (Capra pyrenaica pyrenaica) EXTINTO EM 2000 RESSUSCITADOR Instituto Nacional de Pesquisa (Espanha) COMO Os cientistas coletaram DNA de Célia, um dos últimos exemplares dessa espécie de cabra. Entre 2003 e 2006, ele foi implantado em 400 óvulos. Um dos embriões deu certo e gerou um bucardo. Mas ele morreu após dez minutos. O projeto foi retomado em novembro de 2013. SAPO DE REPRODUÇÃO GÁSTRICA (Rheobatracus silus) EXTINTO EM 1987 RESSUSCITADOR Universidade de New South Wales COMO Quando a espécie estava quase extinta, amostras de seu DNA foram congeladas. Os cientistas introduziram esse material em óvulos "vazios" (com DNA removido) de outras espécies. Nasceram centenas de embriões. Agora, a meta é dar o passo seguinte - e criar girinos. POMBO VIAJANTE (Ectopistes migratórias) EXTINTO EM 1913 RESSUSCITADOR Universidade Harvard COMO Em 2011, os pesquisadores conseguiram extrair DNA de animais empalhados, e agora estão tentando implantar esse material nas células-tronco de pombos comuns. O animal resultante, se nascer, será um híbrido, com algumas características do pombo viajante, que serão transmitidas aos descendentes. Esses descendentes serão cruzados entre si, para ir purificando o código genético até chegar a um pombo genuinamente Ectopistes. PARA SABER MAIS How to Build a Dinosaur Jack Horner e James Gorman, Plume, 2010 Regenesis George M. Church. Basic Books, 2012 2#2 CAPA – A VACA IMORTAL Fazenda em Brasília desenvolve programa pioneiro de clonagem para proteger espécies ameaçadas de extinção - e trazer de volta animais que já morreram. TEXTO José Francisco Botelho, de Brasília A vaca se chamava Lenda, e seus dotes eram mesmo legendários. Representante exemplar da raça holandesa, ela era capaz de verdadeiras façanhas; em um ano, chegava a produzir 10 mil quilos de leite, quase cinco vezes a média das outras vacas (antes que você pergunte; sim, a produção de leite é medida em quilos, não em litros, porque alguns leites são mais densos do que outros). Durante sete anos, a abundante Lenda viveu pastando nos campos da Fazenda Vale do Sol, no município de São Miguel do Passa Quatro, Goiás. Mas em uma manhã chuvosa, em setembro de 2003, sua vida acabou em uma pequena tragédia rural. Tudo porque Lenda resolveu pular a cerca - no sentido literal da expressão. A vaca, que estava no cio, tentou saltar sobre um dos arames que dividiam os campos da propriedade. No meio do pulo, um vergalhão de ferro espetou as tetas de Lenda, rompendo a veia mamaria. A vaca cambaleou por alguns metros e caiu no chão. Quando os funcionários da fazenda a encontraram, estava se esvaindo em sangue. E, antes que a manhã acabasse, a fonte de Lenda havia secado. Para sempre. Para sempre? Não exatamente. Sim, Lenda morreu de hemorragia em 2003 - mas, 11 anos depois, ela continua vivíssima. Ou, pelo menos, uma cópia geneticamente idêntica a ela e batizada com o mesmo nome. Quando a vaca original morreu, algumas células foram coletadas às pressas e usadas para fazer a clonagem. Hoje com 10 anos, a nova Lenda vive na fazenda Sucupira, de propriedade da Embrapa. "A história da Lenda demonstrou que, pela clonagem, é possível resgatar um patrimônio genético que parecia perdido para sempre", diz Rodolfo Rumpf, um dos responsáveis pela clonagem. As tecnologias genéticas não servem apenas para trazer de volta certos indivíduos - também podem ajudar na preservação de espécies inteiras. Prova disso é a vaca Porã: clone de uma vaca Junqueira, raça que está à beira da extinção (restam apenas cem representantes vivos em todo o Brasil). Clonada em 2005, Porã é vizinha de Lenda na fazenda Sucupira. Além delas, o local de 1.800 hectares tem outros habitantes ilustres: 300 animais em risco de extinção, incluindo uma raça de asnos, duas de equinos, três de ovinos, três de caprinos e sete de suínos. Por isso, a fazenda - situada em uma área ensolarada a 35 quilômetros de Brasília - ganhou entre os funcionários e pesquisadores um apelido bíblico: Arca de Noé. Quando Lenda renasceu, a clonagem já era uma tradição no cardápio científico da Embrapa. Três anos antes, em 2001, os pesquisadores haviam realizado uma façanha de dimensões continentais. Foi na Fazenda Sucupira que nasceu o primeiro animal clonado em toda a América Latina: uma bezerra da raça simental, balizada como "Vitória da Embrapa" - ou apenas Vitória. A bezerra clonada cresceu forte e viveu até os 10 anos - muito para uma vaca. Além disso, teve dois filhos e quatro netos, provando que animais clonados têm um potencial de reprodução tão alto quanto suas versões originais. "Na época em que a Vitória nasceu, muita gente duvidava que o Brasil um dia pudesse dominar esse tipo de tecnologia", lembra Rumpf. Hoje, de 5% a 7% dos animais clonados pela Embrapa sobrevivem e levam vida normal, o que é considerado excelente (a média mundial é de 1%). A ONÇA NO FREEZER Hoje, existem mais de 600 espécies em extinção no Brasil - entre animais domesticados e espécies selvagens. Algumas das espécies domesticadas já foram clonadas. Mas, por enquanto, não existem clones de bichos silvestres. Isso pode mudar graças a um projeto da Embrapa e do Jardim Zoológico de Brasília. Pesquisadores das duas entidades estão montando um banco com o DNA de animais como o lobo-guará, o cachorro-do-mato, o quati e a onça-pintada. A ideia não é trazer de volta espécies que já sumiram - é evitar que as espécies ameaçadas desapareçam. Em cilindros de nitrogênio líquido, são armazenados materiais como células, espermatozoides e ovócitos (células sexuais femininas que dão origem aos óvulos). Os animais resultantes do projeto não serão soltos na natureza, mas criados no Zoológico de Brasília. Hoje, o projeto reúne mais de 400 amostras de DNA. "Já estamos cultivando células de um dos animais para iniciar estudos de clonagem. Mas só vamos divulgar a espécie quando houver uma gestação confirmada", diz o pesquisador Carlos Frederico Martins. A clonagem não é uma panaceia, pois gera bichos geneticamente idênticos uns aos outros - e, portanto, mais suscetíveis a doenças. "Para que uma espécie sobreviva, ela precisa ter variabilidade genética", explica o pesquisador Eduardo Melo, da Embrapa. Ao recriar uma espécie, o ideal é gerar animais que possuam DNAs diferentes uns dos outros, como na natureza. Por isso, o projeto está coletando amostras de centenas de animais - para ter vários representantes genéticos de cada espécie. Seja como for, é melhor gerar alguns bichos, ainda que sejam idênticos, do que nenhum. "A clonagem pode garantir a existência de um macho e uma fêmea, que levem a espécie adiante. É melhor do que nada", diz Rodolfo Rumpf, pesquisador licenciado da Embrapa. Embora estejam menos ameaçados do que seus colegas selvagens, os animais domesticados também podem entrar em extinção. É o caso das raças crioulas ou rústicas - descendentes abrasileirados de bois, cavalos, ovelhas, cabras, porcos e asnos trazidos da Europa no processo de colonização do País. Os bovinos, por exemplo, foram introduzidos no Brasil pelos portugueses no século XVI, - e com o tempo se espalharam por diversas regiões brasileiras, adaptando-se ao clima, à geografia e às doenças de cada lugar. E deram origem a raças que só existem aqui, como as junqueiras e as lageanas crioulas - estas últimas, surgidas na serra de Santa Catarina, têm um couro grosso que as torna resistentes a frio, bernes e carrapatos. Outro exemplo é o cavalo pantaneiro. Descendente dos cavalos ibéricos trazidos à região do Pantanal, ele vive bem em regiões úmidas e quentes: seus cascos podem passar até seis meses debaixo d'água sem apodrecer. Já o bode azul (cuja pelagem tem essa cor) é perfeitamente adaptado à caatinga nordestina. Mas, nos últimos cem anos, raças recém-chegadas foram substituindo as rústicas. O bode azul, por exemplo, perdeu lugar para raças importadas como a dopper e a sane, que têm mais carne e produzem mais leite. O problema é que as novas raças são menos resistentes e precisam ser criadas em confinamento. "Se fosse largado na caatinga, um bode dopper não conseguiria se alimentar e morreria rapidamente. Já o bode azul sobrevive comendo só cactos e pequenos arbustos", explica Manuel Avelino Paiva, técnico em agropecuária e um dos encarregados dos 300 animais da fazenda Sucupira. Como as raças rústicas são mais fortes, criá-las em larga escala pode ser uma forma de produzir carne de modo sustentável, com menos antibióticos e hormônios. "Essas raças podem ser usadas em processos de produção mais próximos à natureza, que permitam o comportamento natural das espécies", diz Daniel Perotto, do Instituto Agronômico do Paraná. Quem sabe um dia estejamos comendo carne de gado lageano. E bebendo leite da vaca Lenda. A própria. OS CLONES BRASILEIROS Seis animais ameaçados que poderão ser salvos via engenharia GENÉTICA. JAGUATIRICA ONDE VIVE Cerrado, Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica. COMO ESTÁ Prejudicada pela destruição gradual de seu habitat e também alvo de caçadores. Restam 40 mil. LOBO-GUARÁ ONDE VIVE Cerrado e Pampa. COMO ESTÁ Vítima de atropelamentos em estradas e doenças transmitidas por cachorros domésticos. No Pampa, restam apenas 50 animais. CACHORRO-DO-MATO VINAGRE ONDE VIVE Da Amazônia até o leste do Maranhão. COMO ESTÁ Restam 9 mil indivíduos no Brasil. Nas regiões mais povoadas, a espécie já desapareceu. TAMANDUÁ-MIRIM ONDE VIVE Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e Pampa. COMO ESTÁ No Sul, vem sendo extinto pela alteração do habitat e atropelamentos. Restam 10 mil indivíduos MICO-LEAO PRETO ONDE VIVE Mata Atlântica. COMO ESTÁ Restam pouco mais de mil indivíduos, a maioria em unidades de conservação como o Morro do Diabo (SP). CERVO DO PANTANAL ONDE VIVE Perto das várzeas de rios, ao longo do Pantanal e do Cerrado, até a região Amazônica. COMO ESTÁ Em 2000 (último dado disponível), restavam 44 mil indivíduos. Hoje, é provável que haja menos. 2#3 GUIA – COMO HACKEAR SUA CASA 59 DICAS DE PRODUTOS E IDEIAS PARA VOCÊ DEIXAR SUA CASA MAIS DESCOLADA, INTELIGENTE, SUSTENTÁVEL E DIVERTIDA. EDIÇÃO Felipe van Deursen QUARTO/SALA 3 PAREDES QUE VIRAM LOUSA TINTA Disponível nas cores azul, amarelo, marrom e o tétrico verde-venha-aqui-na-frente-Completar-a-taboada. R$ 83 EM bit.ly/1m3GfV5 PAPEL Aplique papel contact preto fosco. Cuidado para não deixar bolhas. R$ 33 EM bit.ly/1scYrNj MISTURA Rejunte 1 colher de chá Tinta à base de’água 200ml Com restos de tinta, use essa proporção para ter o efeito fosco da lousa. Assim, você pode, por exemplo, organizar os livros na parede DESPERTADORES DIVERTIDOS (porém não recomendados para quem acorda de mau humor) TIRO AO ALVO O alarme só desliga se você acertar o alvo com a arma laser que acompanha o produto. R$ 143 EM bit.ly/1jqkCwx FUJÃO Só é possível apertar o botão soneca na primeira vez. Na segunda, o relógio começa a correr pelo quarto - e você precisa levantar para desligá-lo. R$110 EM amzn.to/1jqle5t MALHAÇÃO Em formato de haltere, ele não desliga até que você complete 30 repetições. Ainda bem que pesa só 700 g. R$ 70 EM bit.ly/1aPOwnO VOADOR Uma hélice alça voo ao soar do alarme. O barulho só termina quando você pegar a peça de volta e encaixá-la no relógio. R$ 35 EM bit.ly/1iqUmC5 FLORESTA DE DORMIR O escritório de design Hilden Diaz, da Dinamarca, criou essa luminária que projeta imagens de árvores nas paredes. Para se sentir um Mogli. PREÇO SOB CONSULTA EM bit.ly/1eG66fR 3 DICAS PARA ORGANIZAR O GUARDA-ROUPA Doe peças do dia a dia sem uso há mais de um ano. Para mais espaço, tenha uma sapateira atrás da porta. Para ganhar tempo, etiquete as caixas de sapato. Separe as peças por cabides: acolchoado (roupas delicadas), plástico (camisas) e madeira (paletós). PENDRIVE GELADO Gela a lata no computador. Mas cuidado para não molhar o teclado. R$ 82,50 EM bit.ly/1egOKvh ESCADA-ESTANTE Uma escada simples pode virar estante. Ao pregar, certifique-se que ela esteja a uma distância de cerca de 5 cm da parede para que livros e objetos de decoração fiquem equilibrados. COMO REFRESCAR O AMBIENTE SEM UM AR-CONDICIONADO Coloque uma garrafa de água gelada na frente do ventilador, que deve estar voltado para a janela. ÓBVIO, MAS SEMPRE BOM LEMBRAR Cortina fechada refresca Recipientes com água ajudam a combater a baixa umidade Lâmpada incandescente, como o nome diz, esquenta. LÂMPADA DE SOL 3 horas de carga = 5 horas acesa 1- Deixe a jarra exposta a luz solar. Um painel na parte de dentro armazena a energia em uma bateria. 2- A bateria alimenta uma lâmpada de LED que acende quando o ambiente estiver escuro (ou o painel da jarra, coberto) R$ 80 em bit.ly/KOQ8pu PROJETOR PARA CELULAR Lupa; Estilete; Fita isolante preta; Clipe A projeção é invertida. Para consertar, use: Flip Vídeo Tool; Vídeo Rotate & Flip TV MAIS ESPERTA O Chromecast, do Google, dá acesso à internet, permite a interação TV-celular e é mais barato que a concorrente Apple TV. US$ 35 nos EUA (lançamento) previsto no Brasil em 2014) TIRE O CHEIRO DE XIXI E COCÔ DE BICHOS DE ESTIMAÇÃO Casa limpa com 2/3 de água morna + 1/3 vinagre COZINHA/BANHEIRO TENHA UMA MINI-HORTA CASEIRA Falta de espaço não é desculpa: mesmo morando num apartamento minúsculo, é possível ter uma. - Escolha um local onde bata sol (varanda ou junto à janela) - Use terra pronta, que tem os nutrientes necessários. - Escolha entre semente (que demora mais para brotar) ou mudas. - Coloque a terra no vasilhame, que deve ter um furo para escoar água. - Faça um buraco na terra de 1 cm e coloque a muda ou semente. ACABE COM A UMIDADE NO ARMÁRIO DA COZINHA Carvão (ou giz) DESENTUPA A PIA 4 xícaras de bicarbonato de sódio Meia xícara de vinagre Após, despeje água fervendo no ralo. LIMPE O MICRO-ONDAS Coloque cascas de 4 laranjas e água em um pote que possa ir no micro. Ligue o micro em 5 minutos. O vapor ajuda a amolecer a sujeira seca e o ácido cítrico da fruta dissolve, facilitando a limpeza. LIMPE A MÁQUINA DE LAVAR LOUÇA Coloque uma xícara de vinagre branco na máquina. Ponha a máquina em funcionamento 3 GRANDES UTILIDADE PARA ALGO JÁ BEM ÚTIL Estamos falando do imprescindível papel alumínio. AFIAR FACA E TESOURA – Amasse e corte o papel 10 vezes PASSAR ROUPA GASTANDO MENOS ENERGIA - Coloque a parte brilhante do papel para cima. Em cima um lençol para proteger a roupa. O alumínio reflete o calor acelerando o processo. DUBSTITUIR VEDA-ROSCA – Ele exerce a pressão exigida e não rasga como papel comum. TIRE O MAU CHEIRO DA GELADEIRA É só colocar um destes numa das prateleiras - Bicarbonato de sódio - Pedaço de carvão - Xícara de pó de café fresco - Fermento em pó - Essência de baunilha TIRE O MOFO DO BANHEIRO Meio limão e água NO CHUVEIRO COM MARIO Estes sabonetes que imitam cartuchos de jogos clássicos da Nintendo, como Zelda, Donkey Kong e Super Mario, são tão fiéis nos detalhes que nem parecem feitos para ensaboar. R# 52 em bit,ly/1caCVly RÁPIDO NO BANHO O DESIGNER INGLÊS Paul Priestman criou este aparelho, que emite uma luz durante o banho. À medida que se gasta mais água, a luz muda de cor, do verde ao vermelho. R$ 23 em bit.ly/1e13lkz POR CIMA É MELHOR Colocar o rolo do papel higiênico no suporte. Com a ponta para cima, é mais fácil para achar a ponta e mais fácil de cortar. ÁREA DE SERVIÇO/QUINTAL 3 USOS IMPROVÁVEIS PARA A MEIA DE SEDA VASSORA – envolva as cerdas com a meia de seda. A poeira adere à meia e não se espalha. TIRAR PÓ – improvise uma luva de seda. Funciona da mesma forma que a vassora. OBJETOS PERDIDOS – Encontre o brinco que sumiu debaixo de um móvel. Coloque a meia no bocal do aspirador de pó e ligue o aparelho. Ele sugará o item, que ficará preso na meia. TIRE MOFO DA PAREDE 1 litro de água. 1 litro de água sanitária. Pano úmido. LIMPE O FERRO DE PASSAR Meio copo de água. Maio copo de vinagre. Esponja. 4 JEITOS E UM PRODUTO PARA PASSAR ROUPA (SEM FERRO) Após lavar a peça, escolha um destes passos. - Alise a peça já seca com as mãos. - Ou alise com a ajuda de um secador. - Desamasse com o vapor do banho. - Use chapinha para passar mangas. - Produto: Passa-roupa. Aplique este spray já com a peça no corpo. R$ 9 em bit.ly/1ihsM7z VARREDOR DE VASSOURA –Uma pá com dentes de borracha é o que você precisa para retirar sem esforço aquela sujeira chata que fica na vassoura. R$ 41 em amzn.to/imxV500 CERVEJA GELADA EM 3 MINUTOS Cooler com gelo 500 g de sal 500 ml álcool 1- Jogue todos os ingredientes no isopor 2- Coloque as latas e as garrafas e feche a tampa 3- Conte até 180. Abra. Beba 2#4 ATUALIDADES – A VERDADE SOBRE A UCRÂNIA Religião. Política. Resquícios da Guerra Fria. A tensão entre Rússia e Ucrânia tem a ver com essas coisas - mas também tem uma explicação muito mais simples. O gás TEXTO Sarah Kern ATÉ POUCO TEMPO ATRÁS, mal se ouvia falar na Ucrânia. Ela começou a aparecer em novembro, quando o governo se recusou a entrar na União Europeia. A população ficou revoltada, e uma onda de protestos espalhou caos e destruição pela capital do país, Kiev. O presidente foi deposto. A vizinha Rússia começou a fazer ameaças. E os americanos entraram no jogo - ameaçando os russos. Uma tensão geopolítica que não era vista desde o fim da Guerra Fria. E todo mundo começou a debater a Ucrânia. Mas pouca gente percebeu qual o real motivo do conflito: o gás natural. A Gazprom é uma empresa estatal russa que produz petróleo e gás natural. Ela fornece 30% de todo o gás consumido na Europa. Aproximadamente 39 milhões de lares europeus dependem do gás russo para alimentar seus aquecedores - e não congelar durante o inverno. Acontece que a maior parte desse combustível tem de passar por gasodutos na Ucrânia (veja infográfico na página seguinte). A Rússia é dona do gás, mas os ucranianos têm muito poder sobre ele. Quando Rússia e Ucrânia se desentendem, os gasodutos são fechados - e a Europa fica sem gás. E isso tem acontecido com certa frequência. Apesar do tamanho imponente (é o nono maior país do mundo em território), a Ucrânia é um país pobre e muito dependente da Rússia. A economia está em crise, e o país tem dificuldade em pagar suas contas. Principalmente a da Gazprom - que fornece 80% do gás usado pelos ucranianos. Em 2005, estourou a primeira briga. Cansada de tomar calotes, a empresa russa endureceu - e retirou os descontos que dava à Ucrânia pelo uso de seu território. Isso quintuplicou o preço do gás, que chegou a US$ 230 por mil metros cúbicos. Kiev não pagou, e os russos fecharam a torneira. Isso aconteceu de novo em 2009, quando a Gazprom foi mais rígida ainda e elevou o preço para US$ 400. Resultado: gasodutos fechados - e caos na Europa, que ficou sem receber o gás de que precisava. Durante o auge do inverno, o fornecimento à Áustria diminuiu em 90%, a Eslováquia declarou estado de emergência e instituições fecharam na Bulgária, onde as temperaturas chegaram a 15 graus negativos - dentro das casas. De lá para cá, a Europa construiu reservatórios de gás, investiu em energia renovável e criou os gasodutos Nord Stream e South Stream, que passam pelo Mar Báltico e pelo Mar Negro. Mas ainda não são suficientes. Os europeus estão com medo de um novo corte de gás. E a Ucrânia se meteu num impasse. No fim do ano passado, ela recebeu uma oferta de ajuda financeira da União Europeia. A Rússia também se manifestou, oferecendo um empréstimo de 15 bilhões de euros e 30% de desconto no gás. O então presidente Viktor Yanukovych fechou acordo com os russos. "Yanukovych nunca teve a intenção de entrar na União Europeia. Era um jogo de cena. Ele sempre teve relações fortes com Moscou", diz Andrii Kravchenko, analista político e ex-funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia. A decisão rachou o país. Na parte oriental, os ucranianos foram simpáticos ao acordo. Já na parte ocidental, que tem laços econômicos com a UE, veio uma onda de protestos. Em Kiev, instituições do governo foram destruídas, e outras, tomadas por manifestantes. O presidente Yanukovych fugiu, e caiu. O Parlamento logo elegeu um substituto interino. "Há indícios de inconstitucionalidade nessa eleição. Yanukovych não tinha renunciado ao cargo", diz Eduardo Saldanha, doutor em Direito Internacional pela USP. Ou seja, um golpe de Estado. E isso pode ter tido algo a ver com o Ocidente. Especificamente, com os arquirrivais da Rússia: os EUA. A NOVA GUERRA FRIA Em 2008, os EUA descobriram em seu território enormes reservas de gás de xisto. Os americanos passaram a ter a maior reserva mundial de gás, colocando a Rússia em segundo lugar. E isso mudou o jogo. Agora, os EUA querem exportar gás para a Europa. Mas, para fazer isso, eles têm de minar a Rússia. Como? Controlando o corredor que fornece gás à Europa. No caso, a Ucrânia. Desde 2008, Washington já investiu mais de US$ 5 bilhões no país. Oficialmente, o objetivo é promover o livre mercado e manter o país "seguro, próspero e democrático". Mas também é uma tentativa de exercer poder político. Se os EUA controlarem a Ucrânia, os russos estarão perdidos - pois os americanos farão de tudo para atrapalhar os gasodutos. A Rússia, por sua vez, exerce influência sobre a Ucrânia de todas as maneiras possíveis. Apoiou as eleições de 2010, quando o partido pró-Moscou teve maioria esmagadora. A anexação da Crimeia, em março deste ano, foi uma demonstração de poder russo para o mundo - e para os EUA. Moscou também tenta sabotar os americanos de outras formas. Recentemente, o governo russo divulgou a gravação de uma conversa entre Geoffrey Pyatt, embaixador americano na Ucrânia, e Victoria Nuland, vice-secretária de Estado dos EUA, em que ela diz não estar nem aí para a Europa. "F***-se a União Europeia." Foi uma tentativa de criar mal-estar entre europeus e americanos, e funcionou. Depois de aceitar o pacote russo, aquele que incluía 30% de desconto no gás, a Ucrânia aprontou de novo: parou de pagar as contas. Mais uma vez, a Gazprom retirou o benefício, o que preocupou a União Europeia. Vão fechar o gás de novo? "É pouco provável. O orçamento federal russo depende da exportação de gás para a Europa", diz o analista Mikhail Korchemkin, da East European Gás Analysis. Ele vê outra possibilidade: terrorismo. "É possível que radicais ucranianos ataquem o gasoduto e cortem o fluxo de gás." Caso ocorra, o corte será menos catastrófico do que nos anos anteriores. O Hemisfério Norte está na primavera, com temperaturas mais amenas. Hoje a União Europeia tem estoques de gás suficientes para três meses. E já está em atividade o gasoduto Nord Stream, que não passa pela Ucrânia e liga a Sibéria à Alemanha, consumidora número um do gás russo. Mas os americanos continuam determinados a entrar no negócio. Recentemente, Barack Obama declarou publicamente que os EUA desejam fornecer energia à Europa. O problema é que, para ser transportado, o gás de xisto - abundante em solo americano - precisa ser liquefeito, enviado de navio, e convertido em estado gasoso novamente para o consumo. Isso tudo exige uma infra-estrutura que ainda não existe. E, mesmo quando existir, tornará o gás americano bem mais caro que o da Gazprom. Em março, Vladimir Chizhov, embaixador russo na União Europeia, disse que uma possível "Guerra do Gás" não tira o sono dos russos, pois o continente europeu só trocará o gás natural pelo de xisto daqui a 50 anos, no mínimo. E segue sendo bom cliente: em 2013, consumiu 21% mais gás nisso que no ano anterior. Até a conclusão desta edição, a Rússia continuava dizendo que não iria invadir o resto da Ucrânia - e fazendo ameaças ao mesmo tempo. O clima com os americanos também permanecia tenso, tanto que até a Nasa interrompeu seus projetos conjuntos com a agência espacial russa. O jogo está apenas começando. OS NÚMEROS DA DISCÓRDIA 3 9MILHÕES de lares europeus dependem do gás russo. 61,8 BILHÕES de dólares é quanto a Rússia fatura por ano vendendo esse gás. 775% foi o aumento no preço do gás imposto pelo governo russo à Ucrânia. 38 MIL QUILÔMETROS é o comprimento total dos gasodutos ucraniano. É TUDO DELES A Rússia é uma grande produtora de gás - e dona de todos os principais gasodutos que abastecem a Europa. Só tem um problema: vários passam pela Ucrânia. NORDSTREAM - Fez um link direto entre Rússia e Alemanha. Passa sob o Mar Báltico. TRANSBÁLCAN - Leva gás para a região dos Bálcãs e a Turquia. SOUTHSTREAM – Alternativa mais segura para a Europa, já que não passa pela Ucrânia (está em construção) BROTHERHOOD - É o maior gasoduto da Ucrânia. Foi construído em 1968. SOYUZ - Construído para levar gás ao oeste da URSS, atual Ucrânia. Tem 1.569 km. 30% DO GÁS USADO NA EUROPA VEM DA RÚSSIA O QUE CADA UM QUER EUA - Em 2008, descobriram enormes reservas de gás - e se tornaram a maior fonte mundial desse produto, superando a Rússia. Querem exportar gás para a Europa - mas, para isso, precisam enfraquecer o Kremlin. RÚSSIA - Tem bastante poder sobre a Europa, que precisa do seu gás para não congelar durante o inverno. Mas também depende dos europeus - que são responsáveis por 50% das exportações da Gazprom. ALEMANHA - Mantém boas relações com a Rússia - da qual compra muito gás. Mas vem tentando desenvolver fontes alternativas de energia, pois receia ser chantageada por Moscou. REGIÃO DOS BÁLCÃS - É muito dependente da Rússia. Quando Moscou interrompeu o fornecimento de gás, em 2009, a Eslováquia declarou estado de emergência e a Bulgária reportou temperaturas de 15° negativos - dentro das casas. ORIENTE MÉDIO - Qatar, Azerbaijão e Cazaquistão são ricos em gás - que desejam vender à Europa. Mas, para isso, terão de construir um gasoduto: o Trans-Adriatic, que ainda não saiu do papel. PARA SABER MAIS Oxford Energy oxfordenergy.org East European GAs Analysis eegas.com 2#5 ATUALIDADES – MELHOR DOS MUNDOS Sonhe: reunimos o que de mais espetacular existe nos melhores aeroportos do planeta. Agora acorde: comparamos com a realidade do Brasil para mostrar o que precisa melhorar - e o que já está melhorando. INFOGRÁFICO Felipe van Deursen, Inara Negrão, Cláudia de Castro Lima e Caio Yo TRANSPORTE DE BAGAGEM Nos melhores do mundo, as esteiras são bem mais extensas e vão até os aviões, na pista. Extensão das Esteiras: Incheon, Coreia do Sul 88 Km. 56,5 mil itens transportados por hora no Incheon, em Seus, que tem esteiras subterrâneas para ligar os terminais. A velocidade chega a 36 km/h. Cumbica, São Paulo 600m Brasil está mal: Em vez de esteiras, as companhias aéreas colocam as malas em carinhos. ACESSO A TRANSPORTE O Schiphol, na Holanda, tem estação de trem no subsolo. A ligação entre o Aeroporto de Zurique, na Suíça, com a cidade pode ser feita com trens, bondes e ônibus. VIAGEN AO CENTRO DA CIDADE Schiphol, Holanda 15 min Cumbica, São Paulo 2h Brasil está mal. Só duas linhas de ônibus e quatro empresas de táxi atendem o Santos Dumont, no centro do Rio, que deveria ser o aeroporto mais acessível do País. ARQUITETURA Tetos de vidro, como o Terminal 3 de Pequim, deixam o ambiente mais agradável. A Ásia domina a lista porque lá aeroportos são vistos de fato como cartão de visitas do país ESSENCIAL - Rampas de acesso - Sinalização clara e em outros idiomas - Check-in no mesmo andar por onde se entra. No Brasil, O Cruzeiro do Sul, no Acre, fica em uma floresta e tem o design inspirado em uma aldeia indígena. MELHOROU. MIMOS Changi – Jardim de borboletas. Incheon – Pista de patinação e cassino Schiphol – Anexo do maior museu da Holanda NO BRASIL Brasília – quatro cinemas Cumbica – Sala VIP com spa e bistrô COMIDA O Aeroporto de Hong Kong tem restaurantes com estrelas do célebre Guia Michelin. 80 restaurantes com especialidades do mundo todo existem no de Hong Kong. No BRASIL 7,2 é a nota de Cumbica em uma pesquisa recente do buscador Skyscanner. Com 17 bares e restaurantes, é o melhor do País. RETIRADA DE BAGAGEM Incheon tem 23 esteiras no desembarque. Além disso, todas as malas têm uma etiqueta eletrônica. Assim, a taxa de extravio é de 0,0001%. TEMPO MÁXIMO PARA SAIR DO AEROPORTO: Incheon, Coreia do Sul: 24 MIN Cumbica, São Paulo: 2h IMIGRAÇÃO Incheon usa máquinas que fazem reconhecimento facial em 12 segundos. No Brasil, Cumbica tem 40 guichês, contra 120 do Incheon, que tem um movimento só 27% maior. TEMPO MÁXIMO NA FILA DE IMIGRAÇÃO Incheon, Coreia do Sul: 12 MIM Cumbica, São Paulo: 1h30 CHECK-IN Em abril, o Changi, em Cingapura, ganhou portões de autoembarque, que devem agilizar ainda mais a fila. No Brasil, Cumbica reduziu em 30% a fila do check-in ao dispensar a checagem do selo de embarque antes do raio-X. TEMPO MÉDIO DE CHECK-IN Cumbica, São Paulo 21 MIN Phoenix, EUA 10 SEG 89 TOTENS DE AUTOATENDIMENTO - Existem só no Terminal 1 do Aeroporto de Hong Kong. Há ainda totens em hotéis e no metrô. O RANKING O World Airport Awards reconhece os melhores aeroportos do mundo, escolhidos em diversas categorias votadas pelos usuários. A última lista saiu em abril: Passageiros/ano (em milhões) 1º- CHANGI, Cingapura (SIN): 53,7 1º lugar em mimos 2º lugar em imigração 2º lugar em compras 2º- INCHEON, Seul, Coreia do Sul (ICN): 41,6 1º lugar em imigração 3º- MUNIQUE, Alemanha (MUC): 38,6 2º lugar em mimos 4º- HONG KONG, China (HKG): 59,6 3º lugar em compras 5º- SCHIPHOL, Amsterdã, Holanda (AMS): 52,5 3º lugar em mimos 6º HANEDA, Tóquio, Japão (HND): 68,9 7º- PEQUIM, China (PEK): 83,7 8º ZURIQUE, Suíça (ZRH): 24,8 9º VANCOUVER, Canadá (YVR): 18 10º- HEATHROW, Londres, Reino Unido (LHR): 72,3 1º lugar em compras 104º CUMBICA, GUARULHOS, SP (GRU): 32,7 2#6 CIÊNCIA – RACHADURAS NAS PAREDES DO UNIVERSO É a maior descoberta do século: astrônomos podem ter encontrado ondas gravitacionais nos limites do cosmos. Trata-se de um belo passo para a física, e de um grande salto para compreendermos a natureza do Universo ou melhor: a do Multiverso. TEXTO Rodrigo Rezende TIRE OS OLHOS DESTA REVISTA. Olhe para os lados, para cima, para baixo. Consegue ver o Sol, um pedaço do céu? Ou a vista trava na parede, num móvel da sua casa? Não importa. Em todas as direções para as quais olhou agora, você viu a mesma coisa: o passado. Está aí uma verdade fundamental que costumamos esquecer: a luz que sai dos objetos demora um tempo até chegar aos nossos olhos. Você acha que lê esta frase impressa aqui agora. Mas a imagem dela está no mínimo meio bilionésimo de bilionésimo de segundo no passado. E o Sol lá em cima na realidade não é o Sol. É só uma "fotografia" que viajou 150 milhões de quilômetros e demorou oito minutos para chegar na sua retina. A ideia de que o presente é invisível pode ser estranha, mas até que é simples de entender - a luz que um objeto produz ou reflete leva tempo para chegar até os seus olhos. Mas agora imagine que você é capaz de enxergar infinitamente longe. E que sua visão não é bloqueada por nenhum objeto. Nesta situação, sabe o que veria em todas as direções? Basicamente o mesmo ponto. OK, essa última ideia não foi tão óbvia assim. Mas raciocine novamente. Se, quanto mais longe olhamos, mais avançamos no passado, ao olhar infinitamente longe só poderíamos ver uma coisa: o ponto mais antigo do cosmos. Ou seja, a "explosão" que criou nosso Universo há 13,8 bilhões de anos, mais conhecida pelo nome de Big Bang. Isso parece bem lógico, não? Só que é impossível de acontecer. Isso porque, na época do Big Bang, não havia nada que um olho pudesse enxergar - ainda que esse olho não fosse humano, e sim um telescópio. É que a luz ainda não existia. Bom, "luz" é só um nome poético que damos para certas ondas eletromagnéticas (as que os nossos olhos conseguem captar). O fato é que não existia onda eletromagnética nenhuma - nem luz visível, nem raios X, nem ultravioleta. Nada. Esse tipo de onda só surgiu 380 mil anos após o nascimento do Universo, quando a temperatura da grande explosão esfriou. Com o resfriamento, os prótons e elétrons soltos no espaço se uniram e formaram átomos. Desse encontro entre as partículas, nasceram as ondas eletromagnéticas. Elas aproveitaram a expansão cósmica e o tamanho reduzido do Universo para se espalhar por todos os pontos do cosmos. Hoje elas formam uma espécie de radiação quase uniforme, que está presente em todos os lugares do Universo, coisa que os astrônomos chamam de radiação cósmica de fundo. Olhe para o infinito e você verá esse mesmo eco do Big Bang, o ponto mais profundo da história do cosmos a que os humanos têm acesso. Mas onde fica esse limite, essa "parede" visível do Universo? Imagine que toda a história do cosmos tenha apenas um dia, e que estamos agora exatamente 24 horas depois do Big Bang. Neste caso, a parede do Universo (ou radiação cósmica de fundo, como preferir) ficaria apenas 2,5 segundos após a grande "explosão". Mas, por mais formidável que fosse enxergar tão perto do início, os físicos ainda não estavam satisfeitos. Queriam mais. E havia um motivo importante para isso. Eles desconfiavam que, dentro naqueles 2,5 segundos entre o início de tudo e o nascimento das primeiras ondas eletromagnéticas, havia ocorrido um fenômeno sem paralelo na história do Universo: a inflação cósmica. HÁ 13,8 BILHÕES DE ANOS, o Universo era pequeno. Cabia com folga na ponta de um alfinete. Muita folga; tudo o que existe hoje estava concentrado num ponto do tamanho de uma partícula subatômica. O Big Bang propriamente dito é a fração de trilionésimo de segundo em que o Universo surgiu do nada até ele ficar do tamanho de uma partícula. O que aconteceu depois disso foi algo bem mais espetaculoso: a partícula começou a crescer numa velocidade inimaginável - muito, muito, muito maior que a da luz. Parece impossível, mas não é. Sim: Einstein descobriu em 1905 que nada pode se mover mais rápido que a luz através do espaço. Mas isso não impede que O PRÓPRIO ESPAÇO se mova mais rápido que a luz. Não impede que as paredes do cosmos cresçam a uma velocidade absurda, porque do lado de fora dessas paredes nem existe um lado de fora, não existe nada, nem vácuo. Em suma: o espaço não se move através do espaço, então para ele não existe limite de velocidade. Bom, o fato é que, de uma hora para outra, o Universo cresceu tão rápido que, numa fração de batida de asa de beija-flor, ele passou do tamanho de um próton para algo bem grande - com metade do tamanho que ele tem hoje. Isso foi a inflação cósmica. A existência desse período de crescimento vertiginoso é só uma teoria, mas tão bem aceita que muitos cientistas dedicam a vida a estudá-la, seja resolvendo equações, para estudar a matemática da expansão, seja de um modo mais direto: procurar algum sinal dessa inflação descontrolada impresso na "parede" visível do Universo. Foi com esse objetivo em mente que o cientista John Kovac viajou 23 vezes aos confins da Terra." O Polo Sul é o mais perto que se pode chegar do espaço com os pés no chão", disse Kovac. Armado com uma série de radiotelescópios ultrassensíveis, o cientista e sua equipe tiraram proveito da atmosfera seca e límpida do polo para fazer uma das maiores descobertas da física moderna: a fronteira visível do Universo não é completamente lisa e uniforme. Ela possui imperfeições e ondulações, como as rachaduras nas paredes da sua casa. Essas ondulações representariam uma espécie de eco da fase inflacionária do Universo. Isso soa como um resultado modesto e discreto. Mas causou furor entre os cientistas. "Não é todo dia que você acorda e aprende algo novo sobre o primeiro trilionésimo de trilionésimo de trilionésimo de segundo após o Big Bang", diz o cientista da Universidade Johns Hopkins Marc Kamionkowski. "Não é preciso ser cosmólogo para achar isso bacana". O entusiasmo se estende à equipe de Kovac. "O mundo da física é lotado de gente que passa a vida procurando coisas que não existem", afirma o integrante do estudo Clement Pryke. "Nós procurávamos uma agulha no palheiro, e achamos um pé de cabra". Um pé de cabra serve para abrir portas trancadas. É exatamente isso o que o estudo faz com relação à história do Universo, já que ele chega um milhão de bilhão (repita "de bilhão" quatro vezes) mais próximo do começo do Big Bang que tudo o que já se publicou até hoje. E as perspectivas que o estudo abre para a física de partículas (que trata do muito pequeno) colocam o "maior experimento do mundo" no chinelo. A partir de ondulações na parede do cosmos, pode ser possível estudar o mundo subatômico. Sim, porque, se elas se formaram mesmo durante a inflação cósmica, trata-se de fósseis do tempo em que o Universo todo era do tamanho de uma partícula. Poder estudar o infinitesimal usando telescópios capazes de enxergar os limites do cosmos já é algo poético o bastante. Mas não fica nisso: o estudo também torna cada vez mais palpáveis ideias teóricas e conceituais ainda consideradas como especulação para a maioria dos cientistas. Duas delas, em especial, ganharam fôlego com a descoberta. A PRIMEIRA IDEIA É O SANTO GRAAL de dez entre dez físicos: a teoria do tudo. Ainda não existe uma física que realmente explica o mundo. O que existe de fato é uma espécie de muro de Berlim que separa a física em duas partes; o domínio das escalas astronômicas (controlado pela teoria da relatividade de Einstein, que nada mais é do que a versão mais moderna da física tradicional, cujas bases foram fincadas por Isaac Newton no século 17) e o mundo das grandezas infinitesimais (que obedece aos princípios da física quântica). As regras do mundo das coisas grandes não se aplica ao das muito pequenas - neste último, por exemplo, o mesmo objeto pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. No nosso mundo, o das coisas grandes, isso seria mágica - violaria as leis da física. No mundo infinitesimal, não: estar em vários lugares ao mesmo tempo é a lei. Eis o muro entre a física quântica e a relatividade. Destruir esse muro e fazer da física algo integrado e completo, em que um único "código de leis" baste para explicar o domínio das escalas astronômicas e o dos átomos, era o sonho de Albert Einstein. Mas, para que isso seja possível, é preciso entender como a matéria se comporta quando grandezas astronômicas são comprimidas em espaços subatômicos. E isso acontece exatamente em situações como as que o estudo de Kovac ilumina. Num ponto bem próximo do Big Bang, é possível observar como as quatro forças fundamentais do Universo surgem e se comportam. Três dessas forças fundamentais já são explicadas pela física: o eletromagnetismo (que mantém os imãs presos na geladeira e que faz sua mão doer se você dá um soco na mesa, graças à repulsão eletromagnética entre os átomos da sua mão e os da madeira), a força nuclear forte (que organiza o núcleo atômico) e a força nuclear fraca (que age na periferia do átomo). "Explicadas", nesse caso, significa dizer que sabemos que todas elas são formadas por ondas. A própria luz é uma manifestação em forma de onda de uma dessas forças, o eletromagnetismo. Só que uma delas ficou de fora da festa: a gravidade. Ninguém nunca tinha detectado as ondas que deveriam formá-la. No caso, as ondas gravitacionais - algo que foi proposto por Einstein, mas jamais observado na realidade. Mas isso só até agora, pois as ondas gravitacionais finalmente entraram em cena. Segundo o time de Kovac, as cicatrizes na parede visível do cosmos provavelmente são ondas gravitacionais. O novo estudo é a primeira evidência de que essas entidades também existem fora da cabeça do gênio alemão. E de que a queda do Muro de Berlim da física ficou mais próxima - saber que a gravidade também é formada por ondas é um grande passo nessa direção. Já a outra teoria extrapola os limites deste Universo. Imagine que nosso cosmos não está sozinho. Ele é apenas mais um em meio a infinitos Universos. É o que diz a teoria do Multiverso, talvez a mais ousada hipótese científica já concebida. Ousada, porém coerente. Pois não há nada na física que contradiga a existência do Multiverso. Ele está de acordo com os princípios einsteinianos de que vivemos num mundo composto de um tecido único, que engloba o tempo e o espaço juntos. É nesse tecido de espaço-tempo que viajam as ondas gravitacionais. E o espaço-tempo não é uma entidade estática, imutável. Ele cresceu junto com o Big Bang. E foi vítima de oscilações bruscas causadas por ondas gravitacionais que surgiram na época em que o Universo era muito instável. É exatamente a imagem de instabilidade que o cientista da Universidade de Stanford Andrei Linde evoca para dar ideia de como era viver no Universo inflacionário: "Se alguém anda se equilibrando numa ladeira, talvez caia para um lado ou para o outro. Agora, se o sujeito anda bêbado, irá cair de um jeito ou de outro. A inflação causa mais ou menos isso: a instabilidade com relação à expansão do espaço". Ou seja: no Universo inflacionário, vários "pedaços" do Universo andavam meio trôpegos pelo tecido do espaço-tempo em expansão. E as violentas ondas gravitacionais que eram criadas a todo instante funcionavam como bebida destilada. Alguns pedaços do cosmos tomavam muito dessas ondas. E o porre de gravidade às vezes causava tombos tão fortes que rasgavam a própria "pele" do Universo - o tecido espaço-tempo, em termos técnicos. Esses "pedaços bêbados" se deslocavam e viravam bolhas em expansão: Universos-filhotes que continuavam a se expandir. Aquilo que você vê pela janela à noite é um desses Universos-filhotes. Nosso Universo, se a teoria estiver certa, é só um entre os zilhões de filhos do Big Bang. E inflação cósmica teria funcionado como uma espécie de cegonha cosmológica, entregando cada vez mais Universos ao Multiverso. "Se a inflação cósmica existe, o Multiverso também existe", afirma Linde, que também é um dos criadores da teoria da inflação. O achado dos pesquisadores do Polo Sul indica que, sim, a inflação cósmica provavelmente está lá. Logo, talvez tenhamos uma infinitude de Universos irmãos flutuando pelo Multiverso. E não é demais imaginar que, em alguns deles, deve haver seres exatamente no mesmo ponto de evolução científica que nós. E é provável que, assim como nós, eles estejam observando agora mesmo marcas nas paredes do Universo deles. E passando também por um momento singular em sua jornada pela existência; o momento em que conseguem contemplar as estrias deixadas por um parto cósmico. O BIG BANG , CONTINUA BIG-BANGANDO POR Alexandre Versignassi A radiação cósmica de fundo, estrela desta reportagem, é a maior evidência do-Big Bang, como você pode ler aí ao lado, mas não fica nisso: ela também indica que o senso comum não entende o que realmente foi o Big Bang. Pois é. Para começar, a explosão que "deu origem ao" Universo não foi uma explosão. Ela AINDA É uma explosão. O Big Bang continua big-bangando, porque o cosmos continua expandindo. E cada vez mais rápido. Vivemos dentro de uma "explosão controlada". Mais importante: o Big Bang não aconteceu em algum lugar distante nas profundezas do cosmos. Ele aconteceu exatamente aí, onde você está agora. Ele aconteceu em Guarulhos, em Júpiter e na sua testa. Ao mesmo tempo. É que, há 13,8 bilhões de anos," tudo o que existe hoje, aqui, no céu, na Crimeia ou na sua cabeça, estava espremido no mesmo ponto. E do lado de fora desse ponto não existia um "lado de fora". Não existia nada. Todo o espaço e tudo o que preenche o espaço estava contido lá. Tudo mesmo: da energia que forma os átomos do seus cílios ao espaço físico que separa São Paulo do Rio - ou a Via Láctea da Galáxia de Andrômeda. Tudo bem apertado, numa quantidade de espaço que caberia na ponta de um alfinete. O Big Bang foi a expansão dessa quantidade de espaço. E ainda é. PARA SABER MAIS Rachaduras nas Paredes do Universo - Super Online http://goo.gl/kn6o9l A Realidade Oculta, Brian Greene, Companhia das Letras, 2012 2#7 HISTÓRIA – DESAPARECIDOS O VOO DA MALAYSIA AIRLINES NÃO É O PRIMEIRO A SUMIR DO MAPA. O FUNDO DOS OCEANOS ABRIGA UM LARGO CEMITÉRIO DE AVIÕES E NAVIOS PERDIDOS. REPORTAGEM Ricardo Ampudia UM AVIÃO DE GRANDE PORTE some durante o voo. Cai no meio do oceano sem deixar qualquer vestígio. A história pode ser do boeing da Malaysia Airlines, que caiu em março deste ano, ou do boeing da Varig, que desapareceu em 1979. Ou pode ser o caso de outros cem aviões que caíram no mar, desde o fim da década de 1940, e nunca voltaram à superfície. O sumiço de grandes aeronaves, com mais de 60 metros de comprimento, parece surpreendente. Mas esse tamanho todo não é nada perto dos 360 milhões de quilômetros quadrados (mais de 40 Brasis) dos oceanos, mais a profundidade que pode chegar a 11 mil metros. Navios e aviões acabam afundando mesmo. É triste, mas é normal, sem qualquer mistério. Conheça nas próximas páginas histórias de outros aviões e navios que se esconderam no fundo dos oceanos. E permanecem lá até hoje. 1- UM BURACO NO TRIÂNGULO - 1945 Bahamas Em dezembro de 1945, uma esquadrilha de cinco aviões com 14 homens da marinha decola da Base Aérea Naval de Fort Lauderdale, no sul da Flórida, para exercícios militares. Quase duas horas depois, o líder do grupo chama a torre de controle. Mas não pede instruções para o pouso, como era esperado. Ele avisa que está perdido: as bússolas falharam e os aviões estão a mais de 200 quilômetros de onde deveriam estar. Não vêem o menor sinal de terra. Como o combustível não aguentaria mais horas de voo, o centro de comando envia um avião de resgate. Meia hora após a decolagem, chega à última posição relatada pela esquadrilha desaparecida. E some. Nunca mais envia notícias. Mais de 200 aviões e 20 navios saem para o resgate. Vasculham mais de 320 mil quilômetros quadrados, mas não encontram nenhum destroço, corpo ou vestígio. O caso despertou o mistério sobre o Triângulo das Bermudas. As pessoas perceberam que aquela região guardava várias histórias de desaparecimentos. E ninguém entendia por quê. Levou décadas (e cerca de cem acidentes) para que cientistas desvendassem o mistério. Em 2010, dois pesquisadores australianos descobriram que a culpa pode ser do metano. Naquela região, há uma alta concentração desse gás causada por intensa atividade vulcânica no oceano. O metano se esconde em rochas, mas pode se desprender e subir até a superfície, no formato de uma bolha gigante. Se um navio azarado passar por lá nesse momento, a capacidade de flutuação vai diminuir e ele, provavelmente, naufragar. Se um avião voar por lá em altitudes baixas, os estouros do metano ao atingir a superfície podem danificar os motores e fazer a aeronave despencar. Nenhuma teoria explica por que os acidentes diminuíram. Mas dá para imaginar: de lá para cá, a tecnologia e a segurança de aviões e navios melhoraram significativamente. 2- O CASO VARIG -1979 Estados Unidos Um Boeing 707 de carga da Varig parte de Tóquio rumo ao Rio de Janeiro, com escala em Los Angeles. Carrega a bordo seis pessoas e 20 toneladas de mercadoria: 153 quadros do pintor nipo-brasileiro Manabu Mabe, avaliados à época em mais de R$ 1,4 milhão, produtos eletrônicos e peças de mecânica. Cerca de 20 minutos após a decolagem, o avião faz contato com a torre, sem relatar anormalidades. Foi o último contato. Equipes de resgate japonesas e americanas fizeram uma busca intensa pelo Oceano Pacífico. Nunca encontraram qualquer vestígio do avião. Curiosamente, três anos antes, em 1976, o comandante Gilberto Araújo, piloto da aeronave, havia escapado de outro acidente aéreo. O avião dele pegou fogo em pleno voo. Onze pessoas sobreviveram e 123 morreram. 3- TEMPO DE GUERRA – 1918 Barbados O USS Cyclops, um cargueiro de 165 metros, sai da costa americana em direção ao Rio de Janeiro com duas missões: levar carvão para abastecer navios de guerra ingleses e voltar com manganês para fabricar munição. É começo de 1918 e a Primeira Guerra Mundial ainda não terminou. O navio chega ao Brasil, entrega o carvão, recebe a nova mercadoria e segue. Abastece em Barbados. E nunca mais é visto. Por ter sumido no Triângulo das Bermudas, o naufrágio do Cyclops carrega mistérios. Mas, na verdade, assim que chegou ao Rio de Janeiro, o comandante reportou problemas com o motor de estibordo, restringindo a velocidade a 10 nós e prejudicando a navegação. Suspeita-se também que o navio tenha sido sobrecarregado no Brasil – e talvez o carvão extra de Barbados tenha sido fatal. O navio sumiu junto com 306 pessoas. 4- OS PESCADORES DO HAVAÍ – 1979 Havaí Cinco experientes pescadores saem da ilha de Wailuku, no Havaí, no começo da tarde para uma pescaria em alto mar. À noite, o tempo muda e cai uma violenta tempestade. O bote Sarah Joe com os pescadores nunca retorna à ilha. E só é encontrado nove anos depois, em 1988, por um biólogo americano que inspecionava um atol deserto nas Ilhas Marshall, mais de 3,2 mil quilômetros longe de Wailuku. Próximo ao barco havia uma pequena cova com pedras, uma cruz feita de galhos, e blocos de papiro com pedaços de metais parecidos com ouro. Mais tarde, exames com a arcada dentária revelariam que o corpo era de um dos tripulantes do Sarah Joe. Até hoje não se sabe quem ou o que enterrou o pescador, nem como o bote foi parar naquela ilha, inspecionada três anos antes. Acredita-se que um dos tripulantes tenha se amarrado ao barco durante a tempestade, morrido lá mesmo, e sido enterrado por chineses que pescavam ilegalmente em águas americanas. Por conta da clandestinidade, nunca informaram ninguém sobre o corpo. Os outros pescadores do Sarah Joe jamais foram encontrados. 2#8 GUERRA – MUY AMIGOS! Poucos conflitos externos e muitos problemas internos fazem das forças armadas da América do Sul mal armadas. Saiba quem está menos pior em nosso subcontinente. POR Danilo Cézar Cabral, Emiliano Urbim e Fabricio Miranda EFETIVO MILITAR POR HABITANTE EQUADOR: 37 mil ativos. 15,5 milhões de habitantes. 0,24%. Veículos: 596 Aeronaves: 177 Embarcações: 37 COLÔMBIA: 444 mil ativos. 45,7 milhões de habitantes. 0,97%. Veículos: 1.186 Aeronaves: 699 Embarcações: 255 POWERED BY USA - As forças armadas colombianas receberam uma injeção de modernidade em troca do apoio aos americanos no combate aos cartéis e guerrilheiros de esquerda. Provou ter grande capacidade de adaptação e flexibilidade, restruturando o seu comando baseado nas instruções e treinamentos fornecidos pelos EUA. VENEZUELA: 113 mil ativos. 28,4 milhões de habitantes. 0,40%. Veículos: 1.346 Aeronaves: 319 Embarcações: 84 FORÇA DE BOLÍVAR - Há dúvidas se a criação de um exército popular, paralelo ao regular, ajuda ou atrapalha a Venezuela. Além disso, há quem diga que novos equipamentos gerarão mais custos de manutenção do que melhoria da defesa. PERU: 120 mil ativos. 29,8 milhões de habitantes. 0,40%. Veículos: 1.400 Aeronaves: 306 Embarcações: 94 PRO GASTO - As forças peruanas são bem organizadas e se beneficiaram de investimento recente. O país até seria capaz de enfrentar um conflito pequeno - mas seria facilmente subjugado por uma ameaça maior. BRASIL: 328 mil ativos. 201 milhões de habitantes. 0,16%. Veículos: 2.657 Aeronaves: 1000 Embarcações: 177 ATUALIZANDO - Nosso país foi às compras, porque atualizar é preciso. Um exército numeroso e descentralizado garante uma rápida capacidade de resposta a ameaças internacionais. Mas a marinha limita seus trabalhos a ações de patrulha e a aeronáutica opera em condições mínimas dentro de nossas necessidades. BOLÍVIA: 55 mil ativos. 10,4 milhões de habitantes. 0,53%. Veículos: 351 Aeronaves: 92 Embarcações: 192 PARAGUAI: 10 mil ativos. 6,6 milhões de habitantes. 0,16%. Veículos: 128 Aeronaves: 48 Embarcações: 66 CHILE: 60 mil ativos. 17,2 milhões de habitantes. 0,35%. Veículos: 2.715 Aeronaves: 348 Embarcações: 59 MAIS DO QUE PESA - A população e o território chileno são pequenos, mas a força é similar à da Argentina e o parque militar, o mais moderno do continente. O país investe no treinamento de seus soldados com o suporte de tanques e veículos blindados. Suas aeronaves são relativamente modernas e sua marinha é uma das mais atualizadas da América do Sul. URUGUAI: 24 mil ativos. 3,5 milhões de habitantes. 0,72%. Veículos: 623 Aeronaves: 80 Embarcações: 28 ARGENTINA: 73 mil ativos. 42,6 milhões de habitantes. 0,17%. Veículos: 1.718 Aeronaves: 376 Embarcações: 66 DAME DOS - Em fevereiro, a Argentina aumentou em um terço o orçamento de defesa - o maior investimento no setor da história argentina. Novos caças, defesa antiaérea, sistemas de detecção e melhora das forças especiais são os principais focos. FORA DO JOGO - As Guianas e o Suriname apresentam forças militares insignificantes, especialmente contra ameaças não-domésticas. AMIGO IANQUE - Os EUA queriam instalar bases militares na Colômbia, mas a ameaça de perda da soberania matou a proposta. PARA INGLÊS VER - De olho na renovação argentina, os britânicos reforçaram as defesas das Ilhas Falklands/Malvinas. MARINHAS SEM MAR - Bolívia e Paraguai não têm litoral, mas têm marinha, que cuida de seus lagos e rios. Os bolivianos possuem até mais embarcações que o Brasil - todas de menor porte, claro. SUPER TRUNFOS GRIPEM NG - BRASIL Apesar da polêmica, os caças suecos que o Brasil encomendou podem realmente fazer diferença. LANÇA-FOGUETES LYNX MLRS - CHILE Capaz de disparar vários foguetes de artilharia e mísseis táticos, alia mobilidade, alcance e precisão. FUZIL AK-103 - VENEZUELA Contrato com a Rússia prevê entrega de 100 mil fuzis AK-103 (sucessor do AK-47) e instalação de fábrica no país. Mas o que conta mesmo são os caças Sukhoi, que fizeram o Brasil renovar os seus. DRONE HERMES - COLÔMBIA De alta autonomia, será usado em combinação com o exército e a força aérea na vigilância de áreas de difícil acesso - leia-se: áreas do narcotráfico. PORTA-AVIÕES - BRASIL A marinha do Brasil está pensando grande, e até 2025 pretende substituir nosso único (e velho) porta-aviões por dois novos. Seriam os únicos do continente. 2#9 HISTÓRIA – PERDEU, PLAYBOY Sete homens e uma proeza: perder tudo em negócios furados, empresas falidas, divórcios e até tigres-de-bengala. Texto: Cristine Kist FICAR RICO NÃO É FÁCIL. Mas empobrecer é mais difícil ainda. Normalmente, nasceu pobre, morreu pobre; nasceu rico, morreu muito rico. Essa "imobilidade social" no topo da pirâmide acontece porque os filhos de famílias bem de vida costumam receber uma educação acima da média, e os pais sempre têm um conhecido influente que pode abrir portas naquela multinacional que está todo ano na lista da Forbes. E tem mais: ricos tendem a se casar com outros ricos. Uma pesquisa da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, mostrou que, se as pessoas não estivessem inclinadas a casar com gente da mesma classe social, a desigualdade no mundo seria bem menor. O que dizer então de sujeitos que perderam milhões ou até mesmo bilhões? São façanhas memoráveis, grandes feitos da história da economia. Juntos, os sete cavalheiros destas páginas perderam mais de US$ 100 bilhões (duas vezes o PIB do Uruguai). Mesmo assim, eles não ficaram pobres, só (muito) menos ricos. Eike preju. MASAYOSHI SON (56 ANOS / JAPÃO) PREJUÍZO US$ 70 bilhões. ERRO Bolha da internet. Não é que o japonês Masayoshi Son seja pobre. Ele é o terceiro homem mais rico do Japão e o 128º mais rico do mundo (não é uma posição lá muito glamurosa, mas pelo menos ele não passou meses reclamando do preço do tomate no Facebook). Mesmo assim, Masayoshi entrou para a história por ser a pessoa que mais perdeu dinheiro em todos os tempos. Fundador da empresa de software Softbank, o empresário se tornou um grande investidor de negócios digitais na virada do milênio. No início dos anos 2000, ele tinha participação em pelo menos 25% da internet inteira. Masayoshi era dono de mais de 20% do Yahoo e sócio do inesquecível Geocities, antigo serviço de hospedagem de sites. Até no portal de saúde brasileiro ConnectMed ele investiu. Com isso, o japonês ficou multibilionário, e chegou a ser um dos homens mais ricos do mundo, o 8º em 2000. Só que aí a bolha da internet estourou, as ações da Softbank caíram 98% e, de um dia para o outro, ele viu US$ 70 bilhões escorrerem pelo ralo. Ficou "só" com US$ 1 bilhão. Então, ele investiu em empresas de telefonia, games e, mais uma vez, internet. Agora, sua fortuna está em US$ 9 bilhões. Uma merreca. EIKE BATISTA (57 ANOS / BRASIL) PREJUÍZO R$ 60 bilhões. ERRO Excesso de otimismo. Eike Batista provavelmente ainda é muito mais rico que eu e você (que eu, com certeza). O problema é que ele não queria ter mais dinheiro que eu e você: ele queria ser mais rico que todo mundo. Em 2011, Eike jurou que seria o maior multibilionário do planeta até 2016. Só que aí chegou 2013 e, bom, ele perdeu 91% de tudo que tinha. No início dos anos 80, o Brasil vivia o auge da corrida do ouro. O jovem Eike pediu um empréstimo de US$ 500 mil e foi correndo para Serra Pelada, no Pará. O negócio dele era comprar ouro direto da fonte e revender mais caro no eixo Rio-São Paulo. Os US$ 500 mil viraram US$ 6 milhões rapidinho. E esses milhões foram investidos em máquinas que extraíam ouro. Depois, em minas de ouro. Aos 40 e poucos anos, Eike já era um bilionário. Em 2005, ele fundou a sua própria mineradora, a MMX. Deu certo e, logo depois, ele criou também a OGX, a petroleira do grupo. A OGX teve suas ações vendidas antes de sair do papel, e, nessa brincadeira, o pai do Thor e ex da Luma levantou mais alguns bilhões. Esses novos bilhões também não ficaram parados. Eike aproveitou o dinheiro para colocar em ação o seu plano mais ambicioso: montar uma rede de empresas interdependentes, o "Império X". Ele precisava de um porto para escoar o minério extraído pela MMX, então criou a LLX, uma empresa especializada em, bem, construção de portos. Depois veio a MPX, a termelétrica que forneceria energia para a MMX, a OGX e a LLX. Mas Eike não contava com o efeito dominó. Quando a OGX saiu do papel, revelou-se que seus campos de petróleo eram improdutivos. Aí já era. O ocaso da OGX derrubou todas as outras empresas X. E hoje Eike tem mais dívidas do que bens. Teve até que vender o iate, coitado. T. CULLEN DAVIS (80 ANOS / EUA) PREJUÍZO US$ 630 milhões. ERRO Tentar (ou não) matar a ex-esposa. A família do americano T. Cullen Davis era dona de uma multinacional do petróleo chamada Kendavis International. Mas Davis já tinha começado a torrar a grana do clã bem antes disso. Em 1974, sua esposa, Priscilla, pediu o divórcio. Ela continuou morando sob o teto que dividia com ele até ser surpreendida por um homem encapuzado ao chegar em casa com o novo namorado. O sujeito disse "oi" e desandou a atirar. Priscilla levou um tiro, mas sobreviveu. O namorado e a filha morreram. Quando se recuperou, ela disse que o encapuzado era Davis. Ele foi julgado e entrou para a história como o homem mais rico a responder por homicídio na Justiça. Só que foi inocentado, já que Priscilla retirou a acusação ao firmar um acordo de alguns milhões de dólares (olha aí o dinheiro indo embora). Anos depois, um condenado no corredor da morte disse que era o verdadeiro assassino, mas, bom, ninguém acreditou. Em crise, a Kendavis pediu falência em 1986. Davis estava quebrado, devia mais de US$ 230 milhões. Mas ele parecia não ligar muito para frivolidades como dinheiro. Junto com um amigo pastor, destruiu mais de US$ 1 milhão em objetos decorativos feitos de ouro e marfim da sua antiga mansão porque, segundo Davis, as peças honravam falsos deuses. Hoje, o antigo barão do petróleo vive longe dos holofotes e pouco se sabe de sua vida. A última notícia a respeito falava de um incêndio na casa dele, em 2008. Haja azar. JOHN LAW (1671 - 1729 / FRANÇA) PREJUÍZO Boa parte do dinheiro da França. ERRO Revolucionar a economia 200 anos antes da hora. Malandro, com um histórico de dívidas e uma condenação à morte na Inglaterra, o escocês John Law ganhou vida nova quando chegou à França no século 18. Ficou amigo do duque de Orleans, o regente na época, e virou ministro da Fazenda. Law criou o Banco Nacional da França, depois de prometer ao duque que o banco assumiria as dívidas deixadas por Luís 14, o Rei Sol. Em troca, a coroa só tinha que aceitar as notas emitidas pelo banco como forma de pagamento de impostos - até então, o sistema financeiro era todo baseado em ouro e prata. E foi assim que o dinheiro de papel começou a circular entre os franceses. Tudo estava dando certo: Law ficou milionário (ele era o dono do banco e podia imprimir quanto dinheiro quisesse), o duque não devia nada para ninguém e as pessoas estavam satisfeitas com a praticidade de carregar papel em vez de metal. Mas elas só estavam satisfeitas porque achavam que podiam trocar as notas do banco por ouro e prata quando quisessem. Até que um dia alguém se deu conta de que existiam notas demais no mercado, e que a França não tinha tanto ouro assim. Aí foi todo mundo tentar trocar as notas por metal - só que não tinha metal. Law tinha "esquecido de avisar" que o dinheiro do banco não tinha lastro. As pessoas ficaram furiosas, voltaram a usar ouro e prata e o escocês foi condenado à morte de novo (dessa vez, ele fugiu para Veneza). Mas deixou o seu legado: hoje, o mundo todo usa dinheiro sem lastro. WILLIAM DURANT (1861 - 1947 / EUA) PREJUÍZO US$ 1,8 bilhão. ERRO Quebrar uma montadora. Duas vezes. Durant era um bem-sucedido fabricante de carrocerias para carruagem do século 19 quando foi convidado a investir num negócio promissor: a carruagem sem cavalos (também conhecida como carro). Ele topou e, em 1908, sua montadora se juntou a outras líderes do setor, formando a General Motors. Durant foi nomeado o presidente da empresa, e, em apenas dois anos, conseguiu o que parecia impossível: quebrou. E foi demitido. Mas, em vez de se lamentar, o (ex) empresário aproveitou para fazer novas amizades. Foi assim que ele conheceu o piloto Louis Chevrolet, que na época estava tentando construir seu próprio carro. Durant se ofereceu para ser sócio. Da parceria dos dois, nasceu a Chevrolet. Deu tão certo que ele logo juntou o suficiente para comprar a GM de volta. Mas aí, para provar que alegria de rico às vezes também dura pouco, veio a crise de 1929. Os investidores queriam de volta a grana que tinham colocado na GM, e Durant teve que pagar do próprio bolso. Acabou pedindo falência pessoal e foi afastado de novo. Mesmo assim, ainda reuniu forças para investir em outro negócio: pistas de boliche. E quebrou de novo. MIKE TYSON (47 ANOS / EUA) PREJUÍZO US$ 423 milhões. ERRO Divórcios e tigres-de-bengala. Depois de uma noite agitada, o ex-lutador Mike Tyson perdeu uma mala (quem nunca?). Acontece que, dentro da mala, tinha US$ 1 milhão. Em sua autobiografia, ele contou que "tinha tido uma noite difícil" e "esqueceu onde deixou". A mala acabou sendo encontrada (e devolvida) uma semana depois, mas a história ilustra bem por que ele perdeu tudo. No auge, Tyson faturava até US$ 30 milhões por luta. Mas ele gastou o que tinha e o que não tinha em carros, festas, tigres-de-bengala e divórcios. Só com a segunda esposa, Monica Turner, foram US$ 9 milhões. Quando pediu falência em 2003, o lutador estava devendo US$ 17 milhões só em impostos. Mas Tyson não é o único atleta que faltou às aulas de economia doméstica: 60% dos jogadores da NBA e 78% dos da NFL (a liga de futebol americano) quebram cinco anos depois de se aposentar. No Brasil, também há diversos casos como o de Müller, bicampeão mundial pelo São Paulo, que torrou todo seu dinheiro e chegou a morar de favor. Tyson ainda tem casa própria, mas já avisou aos credores que deve, não nega e possivelmente não vai pagar nunca mais. JORGINHO GUINLE (1916 - 2004 / BRASIL) PREJUÍZO Cerca de R$ 20 milhões. ERRO Viveu demais. O carioca Jorginho Guinle só morreu pobre porque viveu demais. "Achei que fosse morrer com uns 75 anos e estou com 87. Calculei mal e gastei tudo antes da hora", disse na sua última entrevista, pouco antes de falecer, em 2004. Na época, ele morava de favor e comia de graça no Copacabana Palace, hotel fundado no Rio por um dos seus tios. Sua renda se restringia a uma aposentadoria de R$ 1.588, que ele recebia por ter batido ponto numa empresa da família por 30 anos. E era só isso mesmo que ele fazia no trabalho: bater ponto. Colocar a mão na massa para valer, nem pensar. Jorginho se orgulhava de nunca ter precisado trabalhar. Herdeiro de uma das famílias mais ricas e influentes do Brasil, ele jurava que não tinha torrado tudo sozinho, mas também não sabia exatamente quanto gastou. Só dizia que gastou cerca de R$ 20 milhões ao longo da vida. Preferia estar na capa de CARAS que em EXAME. Era um boa-vida. Namorou Marilyn Monroe e outras musas de Hollywood. Diferente dos outros cavalheiros citados aqui, Guinle ficou pobre praticamente porque quis. Se John Law descobriu a magia do dinheiro, ele descobriu que dinheiro é para gastar. 3# SEÇÕES II maio 2014 3#1 TECH 3#2 CULT 3#3 E SE... – E SE TODO MUNDO VIRAR VEGETARIANO? 3#4 MANUAL – COMO SE VIRAR NUMA EMERGÊNCIA 3#1 TECH EDIÇÃO Bruno Garattoni O RELÓGIO DO GOOGLE Moto 360 entende comandos de voz e tem o sistema Google Now, que mostra informações relevantes para cada momento. Um relógio conectado. Mas tão elegante quanto um modelo normal. TEXTO Fernando Badô e Bruno Garattoni MAIS DISCRETO - O Moto 360 não é o primeiro smartwatch do mercado. Já existem alguns outros, fabricados por empresas como Sony, Samsung e Pebble. Mas ele é o primeiro que tem mostrador redondo e realmente passa por um relógio normal. Os outros são quadrados, por causa da disposição interna dos componentes. MAIS MODERNO - Os smartwatches atuais usam sistemas operacionais próprios. Este virá com o Android Wear, que foi desenvolvido pelo Google e por isso terá uma integração melhor a serviços como Gmail e Google Maps. Além disso, é o primeiro relógio com o Google Now - que tenta adivinhar onde você está e o que está fazendo. MAIS ESPERTO - Vai pegar um ônibus? O Google Now percebe, e avisa onde o coletivo está. Se perdeu? Ele mostra um mapa. Tem reunião daqui a pouco? Chegou e-mail ou SMS? Seu time marcou gol? Ele avisa. Esses são apenas os primeiros recursos - poderá haver mais no futuro, à medida que os aplicativos Android forem sendo adaptados para o relógio. MAIS CARREGADO - O problema central dos smartwatches é a bateria, que dura pouco. Especula-se que o Moto 360 possa vir com um microgerador interno, que transforma os movimentos do seu braço em energia para alimentar o relógio. Isso ainda não foi confirmado. O modo de conexão, sim: ele usará a internet do seu celular (não exigirá um plano próprio). SOPA AUTOMÁTICA Cansado de sopa industrializada, mas sem paciência para fazer a sua própria? Esta sopeira resolve. Jogue os ingredientes dentro da máquina e ela pica, cozinha e mistura tudo sozinha. Vinte minutos depois, a sopa está pronta. SOUP MAKER NOS EUA: R$316 mea.philips.com PIPOCA DIGITAL Este micro-ondas ouve o som do milho estourando - e usa essa informação para calcular o tempo exato de cozimento da pipoca, sem queimá-la nem deixar grãos intocados (e desperdiçados). 1.9 MICROWAVE WITH ACCUPOP NOS EUA: R$1.286 whirlpool.com ANEL DE CONTROLE Ele funciona como controle para os seus gadgets. É possível programar comandos para diversas funções, como levantar o dedo para ligar a TV ou fazer um círculo no ar para acender a luz da sala. (É preciso instalar um adaptador em casa.) RING NOS EUA: R$375 logbar.jp/ring BERÇO GRAMPEADO Além de filmar o bebê, esta babá eletrônica tem truques a mais. Filma no escuro, monitora a temperatura do quarto, permite falar com o bebê e tem um sensor que avisa quando a criança está se mexendo. AC 1100 R$ 1.057 loja.angelcare.com.br CASE-CARTEIRA Ter um case é importante para proteger o smartphone de arranhões. Este também serve como carteira, pois tem compartimentos para cartões, documentos e dinheiro. Tem versões para iPhone 4 e5. VAULT SKIN NA EUROPA: R$ 113 vaultskin.com ULTRALARGO Com tela formato 21:9, mais larga que as convencionais, e resolução de 2.560 x 1.080 pontos, este computador é ideal para ver filmes no formato Ultra HD, que começarão a ser oferecidos este ano pelo Netflix. ULTRAWIDE PC NA EUROPA: R$ 2.490 lge.com COMO DESFAZER UM ERRO NO IPHONE Sabe quando você está digitando uma mensagem enorme, no iPhone, e apaga um pedaço sem querer? Ou quando deleta um e-mail por engano? PASSO 1 - A REAÇÃO MAIS COMUM é dar um suspiro... e começar tudo de novo. Mas há uma solução mais prática - e mais divertida também. PASSO 2 - SEGURE BEM O IPHONE - e sacuda-o de cima para baixo, como se estivesse com raiva. O iOS (versão 7 ou superior) perceberá - e mostrará um balãozinho com a opção "Desfazer". 3#2 CULT EDIÇÃO Carol Castro EFEITOS VINGADORES A chegada do filme que reuniu os grandes heróis da Marvel bombou de vez o faturamento do estúdio. Após o lançamento, Homem de Ferro e Thor chegaram a patamares ainda mais surreais que a dos filmes anteriores. E tudo indica que Capitão América 2, lançado em abril, seguirá o mesmo caminho. TEXTO Gabriel Fernandes BILHETERIA MUNDIAL (EM DÓLARES) 2003 – HULK – US$ 243 MI 2008 – O INCRÍVRL HULK – US$ 263 MI 2008 – HOMEM DE FERRO – US$ 585 MI 2010 – HOMEM DE FERRO 2 – US$ 624 MI 2011 – CAPITÃO AMÉRICA – US$ 370 MI 2011 – THOR – US$ 449 MI 2012 – OS VINGADORES – US$ 1,52 BI 2013 – HOMEM DE FERRO 3 – US$ 1,21 BI 2013 – THOR 2 – US$ 645 MI 2014 – CAPITÃO AMÉRICA 2 – US$ 585 MI EMPURRÃO - Quanto cresceu a bilheteria de cada sequência, depois de Os Vingadores 31% No pós-Vingadores, Thor 2 ultrapassou a casa do meio milhão de dólares. 49% Homem de Ferro 3 faturou o mesmo que os dois últimos filmes da saga juntos. 37% é o aumento do Capitão América 2 em relação ao primeiro, contando só as três primeiras semanas de bilheteria. ESTRELINHAS Quanto tempo cada um apareceu em Os Vingadores THOR – 26 MIN HULK – 28 MIN HOMEM DE FERRO – 38 MIN CAPITÃO AMERICA – 38 MIN Duração completa: 143 min OS PIADISTAS DOS VINGADORES: Homem de Ferro 33 Hulk 6 Capitão América 3 Thor 3 1 LIVRO EM 13 NÚMEROS Nos anos 30, dois físicos alertaram Albert Einstein: a humanidade chegaria ao fim se os nazistas construíssem a primeira bomba atômica. Era preciso alarmar o mundo. Em 1941, o governo americano levou a conversa a sério, e lançou o Projeto Manhattan - que daria vida à primeira bomba atômica. Trinity narra toda essa história em forma de quadrinhos. TRINITY JONATHAN FETTER-VORM. TRÊS ESTRELAS. R$ 29,00 Os cientistas sabiam que uma REAÇÃO NUCLEAR liberava 70 milhões DE VEZES MAIS ENERGIA que uma reação química. UM QUILO DE URÂNIO causaria uma explosão equivalente a 20 mil TONELADAS DE TNT. EM 1942, OS AMERICANOS levaram mais de 80 mil pessoas para a cidade de Oak Ridge para o Projeto Manhattan. Uma nova casa surgia a cada 15 minutos. No primeiro teste, O BRILHO DA BOMBA foi visto a 80 km do ponto de explosão. Mais de 1.000 BOMBAS NUCLEARES foram detonadas pelo governo americano nos desertos do país, durante a Guerra Fria. TERMOS-CHAVE: Quantas vezes eles aparecem no livro Guerra 38 Projeto Manhattan 20 Urânio 46 Explosão 15 Bomba atômica 28 Na manhã de 6 de agosto de 1945, um avião lançou a bomba sobre Hiroshima. Ela explodiu a 610 metros de altitude. 3 dias depois, foi a vez de Nagasaki. CINE SUPER PRESIDENTES Uma estreia – GETÚLIO - Seis décadas depois de sair da vida, Getúlio Vargas entra para o cinema na pele de Tony Ramos. O longa-metragem de João Jardim mostra a crise política enfrentada por Vargas ao ser acusado de ordenar o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, que resultou no assassinato de um major da aeronáutica. E diz por que o ex-ditador decidiu acabar com a própria vida em vez de renunciar ao mandato.1º DE MAIO, nos cinemas. ANTIGOS IMPERDÍVEIS MANDELA (2013) - A vida rural na infância até a presidência da África do Sul. UM FINAL DE SEMANA NO HYDE PARK (2012) - O lado garanhão de Franklin Roosevelt: a história de amor entre ele e a prima Daisy. FROST/NIXON (2008) - Frank Langella faz a melhor interpretação de Richard Nixon. ABRAHAM LINCOLN - CAÇADOR DE VAMPIROS (2012) - O presidente Lincoln vira herói e sai à caça de vampiros que ameaçam o mundo. O RÉQUIEM DE HOFFMAN Em maio, estreia nos Estados Unidos o primeiro filme com Philip Seymour Hoffman lançado após a morte do ator, que aconteceu em fevereiro. Em God's Pocket (O bolso de Deus), Hoffman vive Mickey, que tenta esconder o assassinato de seu enteado. Tudo sai errado: ele não consegue enterrar o corpo, um jornalista investiga a história, e a esposa insiste em saber a verdade. Não há previsão de estreia no Brasil. Mas há mais Hoffman por vir, e com previsão de lançamento: A Most Wanted Man (O homem mais procurado) chega em junho, e duas sequências de Jogos Vorazes (a primeira estreia no fim do ano). Faltavam só algumas cenas do segundo filme quando Hoffman morreu. A solução: recriar digitalmente o rosto do ator. O mesmo aconteceu com Velozes & Furiosos 7, em gravação quando Paul Walker sofreu um acidente fatal. Os irmãos do ator vão regravar as cenas de Paul. CINEMA GOURMET Estreia em maio, nos Estados Unidos, o novo filme de Jon Favreau, Chef. É a história de Carl Casper (interpretado por Favreau), um chef de cozinha que perde o emprego em um restaurante e decide abrir seu próprio food truck. Favreau apostou num elenco humilde: Dustin Hoffman, Scarlett Johansson, Robert Downey Jr., John Leguizamo e Sofia Vergara. O filme é puro food porn: os pratos lindamente preparados por Carl despertam a fome de qualquer um. 6 DE JUNHO, nos cinemas. 3#3 E SE... – E SE TODO MUNDO VIRAR VEGETARIANO? Se o consumo de produtos animais virar tabu, o ambiente agradece. Mas os rebanhos, abandonados após milênios domesticados, seriam extintos. Acompanhe um pai e um filho por uma antiga região pecuária - onde surgem novas questões familiares. TEXTO Emiliano Urbim PEDALAVAM. Nada ao redor dos dois, pai e filho, a não ser suas sombras no asfalto. Era o caminho que sempre faziam para tirar fotos de natureza: uma estrada vazia na fronteira do Brasil com o Uruguai, reta infinita cortando a planície oceânica. Até que o pai, que ia mais à frente, dobrou à direita, desviando para uma trilha de chão batido. O filho se surpreendeu. Mas o seguiu, e parou ao lado dele no alto de uma colina. Não sabia dizer o quê, mas havia algo estranho com seu pai. Calado, o cinquentão enxuto tirou seu capacete e lançou à paisagem um olhar de filósofo. E veio uma voz de filósofo. "Filho, chegou a hora de termos uma conversa difícil. Eu sempre te dei liberdade, não dei?" O rapaz acenou concordando. "Sempre fui um defensor da liberdade. Mas não apenas da sua. De todos os seres vivos." "Sei, pai. E daí?" "Sabia que toda essa área ao nosso redor já esteve repleta de bois e vacas?" Sem dar chance de resposta, o pai encadeou memórias: as viagens de carro com a família pelo pampa, vendo aquelas coxilhas cheias de bovinos. Os churrascos com amigos, as feijoadas aos sábados, o peru de Natal. Outro mundo. "Até que surgiu uma ten-dên-cia", ironizou o filho. "Uma nova consciência", rebateu o pai. "Cientistas, intelectuais, políticos. Todos começaram a se dar conta do absurdo que era comer carne. Fui um líder dessa causa. Agora, imagine como me sinto ao saber que meu próprio filho anda comendo queijo." O rapaz tentou responder, mas o pai prosseguiu com o sermão. Lembrou-se dos protestos para acabar com aviários, matadouros, frigoríficos, pesqueiros. "Olhando para trás, é óbvio que matar animais foi tão absurdo quanto a escravidão. Ou impedir mulheres de votar. Ou segregar pessoas por raça ou religião. Não entendo como ainda pode existir gente carnívora." "Pai, você está exagerando. Não virei carnívoro. Não precisa matar uma vaca para extrair o leite e fazer queijo. Além disso, foram só algumas vezes. Posso parar quando quiser." "Mas começa assim. Daqui a pouco, você se vicia em coisas mais fortes. Um ovo frito. Quando vê, já está no peito de frango. Em pouco tempo, está vendendo sua bicicleta para comprar picanha desses traficantes de carne. Você está dando força para algo que foi muito difícil de combater." Irritado, o pai voltou com a aula de história. A pecuária tinha sido uma das principais atividades econômicas, com um lobby poderoso. Mas a mudança veio da sociedade. Ano após ano, cada vez mais gente foi deixando de comer carne. Beber leite também se tornou malvisto, e até ovos viraram alimentos proibidos. Produtos de origem animal se tornaram tabu. Casacos de pele, blusões de lã e travesseiros de pena eram peças de museu. "Vestir uma jaqueta de couro é como se enrolar em um cadáver, concorda?" "Sua geração é muito extremista." "Extremista? Quando leio que as florestas retomam o espaço dos pastos, que os peixes estão voltando aos mares, quando eu vejo essa paisagem vazia, sem animais criados apenas para morrer, sinto que estou deixando um mundo melhor para a sua geração." "Podemos voltar agora? Aproveita e me deixa na clínica de reabilitação." "Chega de ironia, garoto. Quero te mostrar um lugar." Com um sinal do queixo, ele fez com que o filho montasse na bicicleta e o seguisse pela estradinha pampa adentro. Depois de uns 15 minutos, pararam ao lado de uma cerca. O pai tocou o ombro do filho e usou um tom conciliador. "A partir daqui, começa um santuário onde vivem em liberdade alguns dos últimos remanescentes daqueles rebanhos gigantescos." Após milênios de domesticação, os animais abandonados foram incapazes de sobreviver na natureza. Pragas e predadores acabaram com quase todos - 99,9% dos 1,5 bilhão de bovinos pereceram, numa das maiores extinções em massa da história. O pai tirou da mochila sua câmera fotográfica. Em silêncio, posicionou a máquina e aguardou. Até que chamou o rapaz para olhar no visor. Uma mancha branca, desfocada. Com um ajuste, ela surgiu. Uma das últimas vacas do pampa. "Não é um animal lindo?" O filho afastou a câmera do rosto e enxugou os olhos. "Desculpa, pai. De verdade." "Tudo bem", respondeu o pai, abrindo outro bolso da mochila. Em sinal de trégua, acendeu um baseado e ofereceu ao filho. Fumaram juntos admirando a paisagem. 3#4 MANUAL – COMO SE VIRAR NUMA EMERGÊNCIA POR Bruno Garattoni e Thais Harari COMO SE VIRAR NUMA EMERGÊNCIA É quase certo que você vá ter de enfrentar alguma situação crítica ao longo da vida. Então é fundamental estar preparado para as ocorrências mais comuns. Não entre em pânico - e saiba o que fazer. ATENÇÃO: A melhor coisa a fazer, sempre, é procurar um hospital - e o mais rápido possível. As instruções a seguir se referem a socorros imediatos, ou seja, medidas que você pode tomar antes de buscar ajuda médica (ou quando não tiver acesso a ela). 1- ENGASGAMENTO Engasgou com um pedaço de comida? O ideal seria que outra pessoa apertasse a sua barriga para fazer o objeto sair. Mas e se você estiver sozinho? - Fique de quatro no chão, com os punhos fechados. - Estique os braços, deixando-os na altura da orelha, e jogue o corpo para a frente - caindo com o peito no chão. Vai doer, mas fará pressão suficiente para expelir o objeto preso na traqueia. Se não der certo na primeira vez, tente novamente (você tem cerca de 5 minutos antes de perder a consciência). 2- FRATURAS MEMBROS SUPERIORES - Braço: Faça uma tala com madeira ou jornal dobrado. Em caso de lesão no antebraço, tire a camisa e use como tipóia - enfie o braço quebrado pela gola e amarre as mangas no pescoço. - Mão: Use um palito e um pedaço de pano para imobilizar o dedo quebrado. MEMBROS INFERIORES - Perna: Tire as calças. Use uma toalha ou cobertor para fazer uma tala e três tiras de pano para amarrá-la. Imobilize o membro todo, da coxa até o tornozelo. Em caso de fratura exposta, as tiras não devem ser amarradas a menos de 15 cm da lesão. - Pé: Coloque talas imobilizando a sola e a parte de trás da perna. 3- QUEIMADURAS AGUA VIVA - Lave com água doce e vinagre - o ácido acético irá inibir a toxina. Não urine sobre a queimadura (poderá infeccioná-la). FOGO, ELÉTRICA OU QUÍMICA - Lave com água fria por cinco minutos. Envolva o local com uma gaze encharcada em água ou soro fisiológico. Nunca use panos de algodão, pois eles podem grudar no ferimento. 4- PICADA DE COBRA, ARANHA OU ESCORPIÃO Lave com água e remova anéis ou pulseiras. Aplique compressas de água fria. Não tente chupar o veneno nem faça torniquete (pode causar gangrena) 5- CORTES Comprima o ferimento com gaze ou um pano limpo para estancar. Parou de sangrar? Lave com água e sabão e faça um curativo com gaze. Se o corte for superficial e o sangramento tiver parado, fique em casa. Se for profundo, vá ao hospital tomar pontos. 6- MORDIDAS - Siga o mesmo procedimento usado em cortes. Se o ferimento for superficial e você tiver certeza de que o cão é vacinado, pode ficar em casa. Mas se for um cachorro de rua, vá para o hospital - onde você deverá tomar vacina antirrábica.