0# CAPA 30.7.14 ISTOÉ edição 2331 | 30.Jul.2014 [descrição da imagem: foto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sentado, com as mãos sobrepostas sobre a perna esquerda. Aparece olhando para frente, veste terno e gravata] EXCLUSIVO HÁ UMA FADIGA EM RELAÇÃO AO GOVERNO Em entrevista a ISTOÉ, FHC diz que o mal-estar no país ampliou as chances de vitória de Aécio Neves. _______________________ 1# EDITORIAL 2# ENTREVISTA 3# COLUNISTAS 4# BRASIL 5# COMPORTAMENTO 6# MEDICINA E BEM-ESTAR 7# ECONOMIA E NEGÓCIOS 8# MUNDO 9# TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE 10# CULTURA 11# A SEMANA _____________________________ 1# EDITORIAL 30.7.14 "SAÚDE PARA TODOS" Mário Simas Filho, diretor de redação Na última semana, a Santa Casa de São Paulo, maior hospital filantrópico da América Latina, fechou as portas de seu pronto-socorro por 30 horas. A medida radical tomada pela direção da entidade deixou sem atendimento emergencial quase dez mil pessoas, expôs a penúria financeira em que se encontram os mais de dois mil hospitais beneficentes do País e deflagrou uma irascível briga entre os governos federal e estadual. Além dos desdobramentos rotineiros de casos como esse, o episódio permite uma inadiável reflexão. O fechamento de um dos principais prontos-socorros do Brasil aconteceu dias antes de a campanha pela sucessão presidencial e nos Estados ocupar o horário nobre nas rádios e tevês. E esse é o momento oportuno para que os candidatos consigam expor com clareza aos cidadãos o que realmente planejam para que a saúde do brasileiro seja tratada com um mínimo de decência. Até aqui, nesse período de pré-campanha que se instalou há pelo menos um ano, quase nada foi dito. A pauta que norteou os principais candidatos se resumiu ao programa Mais Médicos, colocado em prática pela gestão de Dilma Rousseff. Trata-se de um projeto que merece respeito e que, por sua abrangência e necessidade, já ganhou elogio nas páginas de ISTOÉ. No entanto, é muito pouco para fazer frente aos enormes desafios do setor. O SUS (Sistema Único de Saúde) surgiu com a Constituição de 1988. Veio com a nobre missão de garantir saúde de qualidade a todos os brasileiros. Passados 26 anos, o que se constata é que estamos muito longe de cumprir a meta constitucional. Aqueles que dependem da rede pública ou dos convênios médicos já perceberam isso há muito tempo. A sociedade como um todo já se manifestou ocupando em junho do ano passado as ruas das principais capitais. Parece, no entanto, que aqueles que se colocam como postulantes aos postos de presidente e governadores ainda não perceberam a dimensão do problema. A campanha eleitoral é um momento privilegiado para debater e propor reformas que efetivamente venham a assegurar, entre outras coisas, saúde de qualidade para todos. É o momento de obter o aval do eleitor para implantar o projeto que receber o apoio da maior parte da população. Mas, até aqui, a campanha vem se pautando mais por troca de farpas entre os candidatos do que pelo embate de projetos concretos. Tomara que o fechamento por 30 horas do pronto-socorro da Santa Casa tenha a força de sensibilizar os políticos e que a partir do início do horário eleitoral surjam as ideias que possam realmente transformar o Brasil em um país mais saudável. _________________________________________ 2# ENTREVISTA 30.7.14 IGNACIO BERDUGO - "O MUNDO EXIGE ALUNOS COM FORMAÇÃO GLOBAL" Um dos maiores especialistas do mundo em ensino superior, o ex-reitor da Universidade de Salamanca defende a validação sem burocracia de cursos feitos no Exterior e diz que o Ciência sem Fronteiras dará resultados a longo prazo por Camila Brandalise FOCO - "Se queremos favorecer o intercâmbio, é preciso investir no ensino de idiomas", diz ele Uma universidade precisa garantir aos seus alunos educação de qualidade, oferecer boa formação profissional e possibilitar pesquisas inovadoras. Mas para o espanhol Ignacio Berdugo, 63 anos, reitor da Universidade de Salamanca, na Espanha, por dez anos e um dos maiores especialistas do mundo em ensino superior, há, hoje, um novo desafio: internacionalizar o aprendizado dos estudantes. "Há ótimas universidades aqui, como a USP e a UnB (foto). Não devem nada às europeias. Um dos pontos fortes do Brasil é a pós- graduação" “É uma maneira de contribuir com a mobilidade do conhecimento e também com a geração de profissionais capacitados para atuar tanto local como globalmente”, afirma Berdugo, diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca e presidente do Comitê Organizador do III Encontro Internacional de Reitores Universia, que reunirá mais de mil reitores do mundo esta semana no Rio de Janeiro. Doutor honoris causa por dez instituições, Berdugo falou à ISTOÉ sobre a necessidade de possibilitar o intercâmbio de alunos e de pesquisas, o Ciência sem Fronteiras e a estrutura educacional do Brasil. "Cada geração quer introduzir seu próprio desenho na sociedade. A mobilização estudantil é sinal de uma geração saudável, que sabe pensar e argumentar" Istoé - Como modernizar a universidade? Ignacio Berdugo - Tornando-a globalizada. Criando centros de línguas, desenvolvendo a área de informática. Também é preciso fazer as coisas de um jeito diferente. Muitas universidades têm atitudes conservadoras, mantêm-se como estão. Uma instituição de qualidade tem que ter autocrítica sobre o que precisa melhorar. Por isso é um desafio. É preciso mudar para ter novas respostas. Istoé - Por que é preciso internacionalizar a educação? Ignacio Berdugo - O mundo exige alunos com formação global. Acredito que é papel das universidades responder às demandas das sociedades em que estão inseridas. E entre as necessidades mais importantes e recorrentes da atualidade está a universalização do conhecimento e da formação prática e sociocultural. A internacionalização contribui com a mobilidade do conhecimento e também com a formação de profissionais capacitados para atuar tanto local como globalmente. No mundo de hoje, esse é um fator que define um bom profissional. Quem tem que possibilitar isso? Todos os agentes da educação. A educação interessa à sociedade, ao Estado. É um direito, não um privilégio. E quem garante os direitos? O Estado. Nesse caso me refiro ao setor público em geral, em todo o mundo. Interessa a todos que a educação seja de qualidade, inclusive às empresas. Então, se para ela há benefícios nisso, também precisa investir. Istoé - O que deve ser feito? Ignacio Berdugo - Estabelecer relações que possibilitem a mobilidade. Criar centros de pesquisa, políticas internas que facilitem as trocas de alunos e pesquisadores e de conhecimento. Se queremos favorecer o intercâmbio, é preciso investir no ensino de idiomas. São mercados que lidam com pessoas que falam diferentes línguas. Também significa reconhecer os estudos no Exterior. Se eu sair do Brasil e for estudar em Buenos Aires, não deve haver empecilhos para validar minhas aulas, a responsabilidade da universidade brasileira é reconhecê-las. Istoé - Esse parece ser um grande entrave para a internacionalização do ensino no Brasil. Ignacio Berdugo - O reconhecimento de títulos de outro país é sempre um problema, não apenas no Brasil. Para a União Europeia, por exemplo, esse foi um fator-chave, pois se objetivava a mobilidade de profissionais e de capitais. Istoé - Na Europa há muita interação entre as universidades. Por que o mesmo não acontece na América Latina? Ignacio Berdugo - Na União Europeia são 23 línguas, na América Latina, duas, que se parecem, e a princípio seria um elemento facilitador. Mas na comparação há um fator político lá que favorece essa internacionalização: o projeto da própria União Europeia. Um médico formado na Finlândia pode trabalhar na Bélgica. Um arquiteto espanhol pode construir na Alemanha. É preciso internacionalizar os conteúdos de formação de carreiras e na Europa houve esforço político para que os cursos se pareçam. Istoé - O programa Ciência sem Fronteiras está atendendo às expectativas? Ignacio Berdugo - Acho que o Ciência Sem Fronteiras trará uma resposta a longo prazo. Dentro de dez, 15 anos, assim como a maioria das políticas educativas. Não é uma ponte, uma obra pública. Não se pode ver. Mas, se a ideia é reformar a universidade brasileira ou favorecer a internacionalização, esse é um começo. Os efeitos gerais sobre a sociedade não vão ser vistos de imediato. Mas são necessários, também, programas bilaterais. Seria bom, por exemplo, que o Ciência sem Fronteiras favorecesse os dois lados não só para enviar alunos brasileiros, mas também para receber estudantes de fora do Brasil. Nesse caso, os governos dos outros países teriam de pagar. Istoé - Qual é sua visão sobre o ensino superior no Brasil? Ignacio Berdugo - Acredito que a história de cada país é um condicionante básico da realidade atual. A história da educação superior no Brasil é muito curta, a primeira instituição de ensino superior é do século XIX. O que havia antes? A elite ia para Portugal e se formava em Coimbra. Quando houve a independência, foram criadas faculdades de medicina e de direito. Outro condicionante é o positivismo, a ideia de que interessam soluções de curto prazo. Depois houve a conversa sobre a criação de universidades, não só faculdades profissionalizantes. Trata-se de uma discussão no Brasil que se divide entre formar um profissional no sentido estrito ou no sentido mais amplo. Há universidades de um lado e, de modo ilhado, centros universitários, institutos, escolas... É uma peculiaridade do sistema brasileiro. Istoé - Como vê o ensino superior brasileiro? Ignacio Berdugo - Há ótimas universidades aqui, como a Universidade de São Paulo, a Universidade Estadual de Campinas, a Universidade de Brasília. São de primeiríssima qualidade e não devem nada às europeias. Um dos pontos fortes do Brasil é a pós-graduação. A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), o CNPq (Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) são instituições reconhecidas internacionalmente. São chaves para o desenvolvimento do pesquisador. A qualidade do mestrado aqui também é alta. Mas ainda faltam políticas para a dupla titulação: estudar em duas universidades, uma no Brasil e outra fora, que dividem o programa de formação, e quando acaba a formação ter o diploma reconhecido nos dois países. Istoé - Como garantir vagas em universidades públicas para um maior número de pessoas, como ocorre na Europa? Ignacio Berdugo - Na Europa, o sistema, em sua maior parte, é público. É uma consequência da estabilidade demográfica. Mas aqui também há várias universidades privadas de ótima qualidade. Mas o tamanho da população é um problema. São muitas pessoas concentradas de maneira nada homogênea. Isso, de fato, dificulta. Istoé - Muitas faculdades privadas têm sido abertas, mas várias delas de qualidade duvidosa. O que pensa disso? Ignacio Berdugo - Essa é uma questão muito complexa. Há universidades privadas de ótima qualidade. Mas e se fecho as universidades privadas que não são de tão boa qualidade? Pior é não tê-las. Esse é um debate ideológico que não se resolve de um dia para o outro. Uma coisa que chama a atenção no Brasil quando se fala em educação é a falta de coordenação do sistema educativo: o ensino básico é municipal, o médio estadual e o superior federal. E o ensino público dos níveis inferiores não é de grande qualidade. Os colégios privados são melhores. Mas as universidades públicas têm mais qualidade. Isso justifica políticas de reservar vagas para alunos de escolas públicas, por exemplo. É preciso criar mecanismos de organização entre os níveis de educação. Istoé - O sr. acha que as políticas de cotas são uma saída para garantir a inclusão e o acesso ao ensino superior? Ignacio Berdugo - Meu conhecimento sobre a realidade brasileira não é o mesmo de um brasileiro que vivencia as oportunidades e suas disparidades. Mas posso dizer que as políticas de inclusão são ações destinadas a reduzir a desigualdade e, portanto, as considero positivas. Assim, para aspirar à igualdade, é preciso garantir que todos tenham acesso à educação, independentemente da classe social. E, no Brasil, a questão racial e a origem socioeconômica direcionam as pessoas para diferentes rumos no sistema educacional, principalmente primário e médio, resultando em diferentes chances de entrar em determinadas instituições de ensino superior. Acredito que as ações afirmativas tenham resultado nesse sentido. Istoé - Estudantes brasileiros ocupam reitorias para exigir mudanças nas estruturas de ensino. No Chile há um movimento estudantil forte. As universidades precisam ouvir mais os alunos? Ignacio Berdugo - Um dos temas para o encontro de reitores é esse: estamos dando respostas adequadas aos questionamentos dos nossos alunos? Mas há dois pontos distintos: existe um pedido por resposta política quando o único lugar onde eles podem fazer política é a universidade, exigindo mudanças no País. Por outro lado, há o debate educacional puro, sobre ser gratuita ou não. Cada geração está vinculada a mudanças e quer introduzir seu próprio desenho na sociedade. Não se pode limitar a liberdade, isso é um risco. Garanti-la é uma forma de melhorar o mundo em que vivemos. A mobilização estudantil é um sinal de uma geração saudável, que sabe pensar e argumentar. Mas sem recorrer à violência, porque aí seria a não razão. _________________________________________ 3# COLUNISTAS 30.7.14 3#1 RICARDO BOECHAT 3#2 LEONARDO ATTUCH - BRASIL, ISRAEL E OS ANÕES MORAIS 3#3 PAULO LIMA - FOTO DE SEGUNDA 3#4 GISELE VITÓRIA 3#5 BRASIL CONFIDENCIAL 3#6 RICARDO ARNT - ÚLTIMA FRONTEIRA DO AGRONEGÓCIO 3#1 RICARDO BOECHAT Com Ronaldo Herdy Outros tempos A CUT oficializará apoio ao PT em sua 14ª Plenária na segunda-feira 28 e terça-feira 1º em Guarulhos (SP). Lula, que sempre teve relação mais próxima com as centrais sindicais do que Dilma Rousseff, vai até lá dizer aos companheiros que sigam com a sua sucessora. Apesar de o governo continuar surdo a certos pedidos dos trabalhadores, como o fim do fator previdenciário. Em 2008, todas as grandes centrais sindicais ficaram com a presidenta. Agora, há baixas. Judiciário Finalmente Como outros tribunais superiores, o TST vai aprimorar a jurisprudência trabalhista para evitar que milhares de processos envolvendo as mesmas questões subam um atrás do outro à Corte, entupindo a pauta de julgamentos. A padronização batizada de “Recurso de Revista Repetitivo” virou realidade com a sanção de Dilma Rousseff à Lei 13.015, na segunda-feira 21, após anos de tramitação no Congresso. Judiciário 1 Prioritários Um dos primeiros casos a serem enquadrados ao novo sistema, segundo o ministro Augusto Cesar Carvalho, poderá ser a fórmula de remuneração média por região, em vigor na Petrobras, surgida em Acordo Coletivo de Trabalho. Outro caso deve ser o da crescente terceirização de serviços nas empresas de telefonia e telecomunicações. Eleições Acarajé baiano Por decisão do Tribunal Regional Eleitoral, o Vox Populi foi impedido de publicar pesquisa na Bahia. Eleitores foram ouvidos associando os candidatos a quem os apoiava. O problema eram os nomes. Com Rui Costa (PT) vinham Lula, Dilma Rousseff e o governador Jaques Wagner. Já Paulo Souto (DEM) trazia FHC, José Serra e ACM Neto. “Por que o PT omitiu José Gabrielli, Delúbio Soares e José Dirceu?”, indagou o advogado Ademir Ismerin, autor do recurso que resultou na decisão do TRE. São Paulo Em campo Quem esteve com José Serra (PSDB) no Rio de Janeiro, onde ele autografou, na terça-feira 22, “Cinquenta Anos esta Noite: o Golpe, a Ditadura e o Exílio”, diz que o tucano está buscando pessoalmente doações para a custosa campanha de se eleger senador por São Paulo. Adiantar-se ao próprio partido atrás de patrocinadores, aliás, tem sido a prática de muitos candidatos pelo País. Suassuna Entre eles Nas redes sociais, Dilma Rousseff (PT) superou Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) no pesar pela morte de Ariano Suassuna – ocorrida às 17h28 da quarta-feira 23. No Facebook, ela postou foto e trecho da obra do escritor paraibano às 18h08. Aécio Neves entrou em cena às 19h18, portanto, 13 minutos após a homenagem de Eduardo Campos. Este, para lá de exagerado, se referiu a Suassuna como “tio, avô e pai”. Café Protecionismo O Brasil parece conformado em fornecer US$ 8 bilhões em sacas de café para o mundo transformar em US$ 40 bilhões em derivados do produto. Só isso explica o silêncio oficial frente ao interesse de grandes indústrias do Exterior em se instalar aqui, desde que o governo permita que se enquadrem no regime “draw back” (suspensão de tributos incidentes sobre insumos importados para utilização em produto a ser exportado). O lobby da cafeicultura nacional segue falando grosso. Recursos naturais Controle na cisterna Em tempo de reservatórios vazios, a indústria automobilística tem boa história a contar. No complexo de São Caetano do Sul da General Motors, o reúso da água somou 225 milhões de litros desde 2011, sendo 10% no primeiro semestre deste ano. Aliás, a melhoria em diversos processos reduziu em 73%, entre 2005 e 2013, o consumo do líquido usado na fabricação de cada veículo. Aviação Civil Vai decolar A Agência Nacional da Aviação Civil reajustará as tarifas aeroportuárias nos 63 terminais administrados pela Infraero – nos aeroportos privatizados isso vem ocorrendo. O estudo prevê correção de 7,9% no valor cobrado para embarque de passageiros e de 1,9% por conexão. A maior mordida – 12% – incidirá no pouso e na permanência de aeronaves nos terminais, assim como na armazenagem e capatazia de carga. Desde 2012 os valores não eram corrigidos. O pacote terá impacto de R$ 20 milhões no caixa das empresas aéreas de passageiros. As novas taxas devem entrar em vigor em agosto. Literatura Sigilo total Em antecipação às comemorações do aniversário de Agatha Christie, que completaria 125 anos de nascimento em 2015, a editora Nova Fronteira relançará seis de suas melhores obras em edição de luxo. Em paralelo, o livro inédito da eterna “Rainha do Crime”, que está sendo escrito por Sophie Jordan, chega ao Brasil capítulo por capítulo, via Sedex, para evitar vazamentos. O lançamento mundial foi marcado para 8 de setembro. Meio ambiente Sobreviventes Uma boa notícia sobre a conservação no Brasil. Ameaçadas de extinção, as araras-azuis-de-lear estão se multiplicando. Um censo acaba de revelar que elas somam cerca de 1.300, em relação a um universo de aproximadamente 400 unidades no início da década de 2000. Uma área na Caatinga baiana segue como local preferido de concentração dessas aves, que precisam continuar protegidas. Ministério Público Fundo sem fundo? O Instituto de Gestão Previdenciária do Tocantins parece caixa-preta aos olhos do Ministério Público do Estado. Várias investigações estão em curso e uma ação por improbidade administrativa será instaurada nesta semana contra o Igeprev. Entre 2012 e 2013 houve recolhimento a menor de contribuições previdenciárias dos servidores públicos, o que coloca em risco o patrimônio do instituto. As contas de 2011 do presidente Gustavo Furtado Silbernagel estão pendentes no Tribunal de Contas do Tocantins, enquanto uma corretora, que aplicou R$ 150 milhões da entidade, terminou liquidada pelo Banco Central. Olimpíada Agora, não! Depois do sucesso da Copa está visível na Esplanada dos Ministérios a disputa entre Aldo Rebello, dos Esportes, e Aluizio Mercadante, da Casa Civil, pelo comando da Olimpíada de 2016. No Palácio do Planalto, o recado emitido para ambos é que briguem apenas depois das eleições. Agronegócio Fé no campo O consumo de fertilizantes no Brasil será de 31 milhões de toneladas este ano, segundo empresários do setor. O volume é quase igual ao de 2013. Isso significa que o agronegócio não tem um pingo de medo do El Niño que se aproxima. Futebol Tudo em cima Tem muita gente criticando a contratação de Dunga pela CBF, duvidando se o gaúcho é realmente capaz de renovar o futebol brasileiro. Se dará cabo da missão só o futuro dirá, mas ele está afinado com sua entidade de classe. Carlos Caetano Bledorn Verri é registrado no Conselho Regional de Educação Física do Rio Grande do Sul desde 2008 – e está com as mensalidades em dia. 3#2 LEONARDO ATTUCH - BRASIL, ISRAEL E OS ANÕES MORAIS Ninguém tem feito tanto pelo antissemitismo que se alastra quanto Netanyahu. Israel tem hoje um grande inimigo, com armas de destruição em massa. É um inimigo interno, com potencial para destruir seu próprio Estado. Seu nome é Benjamin Netanyahu. Sim, desde a Alemanha nazista, ninguém tem promovido o antissemitismo que se alastra ao redor do mundo quanto o primeiro-ministro israelense, que ocupa o cargo desde 2009 e, desde então, tem ampliado a segregação do povo palestino e ignorado todo e qualquer esforço pela paz. Na mais recente escalada de violência, Netanyahu liderou atrocidades que, tivessem sido cometidas por qualquer outro líder mundial, o colocariam na lata de lixo da história e nos tribunais penais internacionais por crimes de guerra. Em seu incessante banho de sangue da operação “Margem Protetora”, Netanyahu foi capaz de bombardear um hospital e até mesmo uma escola da Organização das Nações Unidas que abrigava refugiados na Faixa de Gaza. Atitudes que deixaram o secretário-geral Ban Ki-moon “estarrecido” e que devem motivar uma investigação aprofundada das Nações Unidas por crimes de guerra. O apoio incondicional de aliados como Estados Unidos e Inglaterra ao “direito de Israel se defender” alimentou a ilusão, em Netanyahu, de que ele teria salvo-conduto para assassinar civis impunemente, incluindo mulheres e crianças. Ocorre que o apoio a Israel é cada vez mais pesado em sociedades abertas e democráticas. Haverá um dia em que será tão insustentável quanto o apoio que os mesmos americanos e ingleses, com a ajuda de Israel, concederam ao apartheid na África do Sul – aliás, apartheid é uma palavra até moderada para definir o que os israelenses fazem em relação aos palestinos. Foi exatamente nesse contexto que a diplomacia brasileira, responsável pelo primeiro voto para a criação do Estado de Israel, mas sempre fiel às questões humanitárias, se levantou contra a barbárie liderada por Netanyahu. A nota, que condena a desproporcionalidade da reação ao Hamas, veio em boa hora e deve servir de alerta ao mundo civilizado com uma mensagem clara de que não há mais espaço, no século XXI, para genocídios. Patética foi apenas a reação do governo de Israel, por meio do porta-voz Yigal Palmor, que chamou o Brasil de “anão diplomático” e ironizou a derrota da Seleção Brasileira por 7 a 1 na Copa do Mundo, que seria “desproporcional”. Comparar um jogo de futebol à matança de mulheres e crianças revela apenas que, a Israel, faltam argumentos e que suas lideranças decidiram jogar no time dos anões morais. 3#3 PAULO LIMA - FOTO DE SEGUNDA Sem fazer pose de intelectual blasé, um artista paulistano produz obras e imagens intrigantes há mais de 30 anos em todas as plataformas que encontra. Há 11 anos, um grupo formado por aproximadamente 500 pessoas recebe e-mails com uma fotografia, sempre às segundas-feiras. Nas mensagens, aparece o provocativo assunto “foto de segunda”. O remetente é Tadeu Jungle, que criou o projeto em 2003. Sua intenção era abrir um canal com amigos e pessoas com quem queria manter contato a partir de uma imagem de sua autoria. “É diferente das redes sociais, que nem existiam na época, o retorno é pessoal e privado. E, para comentar, a pessoa tem que responder diretamente para mim. O retorno é muito bom, abriu muitas possibilidades de conversas que vão desde uma discussão de linguagem artística até comentários pessoais ou possibilidades de novos projetos profissionais.” No caso da foto que ilustra a coluna, enviada para o grupo na semana passada com o título Sozinha (Coney Island, NY, 2014), Tadeu recebeu os mais variados tipos de comentários, desde “lembra a pintura de fulano de tal” até “você ainda está em Nova York? Vamos nos encontrar!” ou “por mim ela não estaria sozinha”. Ainda sobre a ideia por trás do projeto, Tadeu explica: “Alguns curadores, no começo, achavam que eu não deveria pôr título nas fotos, mas eu discordo. Para mim a obra é o título e a foto. O título é a chave do meu ponto de vista sobre aquela imagem. A linguagem verbal sempre foi fundamental no meu trabalho.” A foto foi feita em julho deste ano. “Sempre quis conhecer Coney Island, adoro praia cheia, gosto de gente. E finalmente consegui ir.” O gosto por praia cheia, aliás, resultou em um outro trabalho em que Tadeu fotografou as praias brasileiras (e seus frequentadores) percorridas por ele de 2004 a 2006, desde o Rio Grande do Sul até Belém do Pará, num ensaio chamado Povo da Praia. O multiartista ficou mais conhecido quando o programa “Fábrica do Som” estreou em 1983 na TV Cultura. Era um projeto inovador para a época, ao vivo, e ele, como apresentador, aos 27 anos, era o seu eixo central. Ágil, inquieto e irreverente, se movia tanto quanto as câmeras e as bandas de rock que se apresentavam no palco do Sesc Pompeia e interagia sem parar com o público de mais de 1.100 pessoas ou com as câmeras, provocando os jovens a uma maior participação na vida cultural e política em plena época da abertura no Brasil. Muito antes de projetos como os de Serginho Groisman popularizarem esse tipo de formato nas televisões abertas, Tadeu testava a fórmula enquanto a inventava. Serginho, aliás, fez parte de um outro produto inovador que tinha Tadeu entre suas cabeças pensantes, o inesquecível “TV Mix”, iniciativa da TV Gazeta de São Paulo que juntava nomes como Fernando Meirelles, Astrid Fontenelle, Anna Muylaert, Hugo Prata, Alê Primo Marcelo Mansfield, Cleber Machado, Marcelo Tas e este colunista, entre muitos outros, durante a efervescência dos anos 80. Ao longo de uma carreira de mais de 30 anos, fez parte da “geração do vídeo independente” do começo dos anos 1980, mas também é poeta, designer gráfico, fotógrafo, artista plástico, diretor de cinema, televisão e publicidade. É também sócio e diretor da produtora Academia de Filmes. A retrospectiva de sua extensa obra e experimentações pôde ser vista na mostra “Tadeu Jungle Videofotopoesia”, que esteve em cartaz no ano passado no Oi Futuro Flamengo, no Rio. Um livro de mais de 300 páginas derivou dessa mostra e tem seu lançamento previsto para novembro deste ano. Ao contrário de figuras que se deslumbram diante das próprias imagens e, depois de produzirem meia dúzia de peças seja do que for, passam a se sentir e a se comportar como “primas-donas”, fazendo o tipo “artista Everest” (frio, altivo e distante), Tadeu não se leva mais a sério do que a vida manda e, sem fazer nenhum esforço para isso, não para de experimentar, produzir e testar fórmulas. E nesse sentido faz eco a outro artista brasileiro de respeito, o ator Lázaro Ramos. Em entrevista recente à “Trip”, ele declarou: “Quando você se acredita alguma coisa, você estaciona, fica obsoleto.” Exatamente por isso, Tadeu Jungle não para. E vive fazendo arte. Paulo Lima é fundador da editora e da revista Trip 3#4 GISELE VITÓRIA Gisele Vitória é jornalista, diretora de núcleo das revistas ISTOÉ Gente, ISTOÉ Platinum e Menu e colunista de ISTOÉ Nova apresentadora “Menina, foi uma brincadeira. Sabe aquilo de um convidado sacanear o outro? E lá estou eu”, gargalha Giselle Itié. Ela entrou no ar como apresentadora do programa “Hoje em Dia”, da Record, substituindo a titular Chris Flores, que está de férias. A atriz, estrela da emissora, participara do programa matinal ao lado do pai, o chef Fernando Itié, e do humorista Rafael Cortez. “Brinquei com o Cortez dizendo que na segunda-feira estaria lá. Mas, depois do movimento nas redes sociais, na mesma noite recebi uma ligação para ‘brincar’ de apresentadora”, conta. Giselle está gostando tanto da experiência que confessa o interesse pelo novo ofício. Dostoiévski à vista De férias da tevê, Carolina Dieckmann só quer descanso. “Depois de anos emendando um trabalho no outro, estou me dando ao luxo”, diz a atriz. Mas um projeto desafiador está a caminho. “Os Irmãos Karamazov”, clássico de Dostoiévski e um dos maiores romances da literatura russa, pode virar minissérie, com Carol no elenco. “Só que este projeto ainda não está aprovado pela Globo. É um desejo da diretora Amora Mautner”, despista ela. Enquanto isso, a atriz curte ainda o efeito Copa ao lado dos filhos Davi, 14 anos e José, 6. “Eles são completamente viciados. Em casa, somos flamenguistas e torcemos unidos pelo nosso time”, diz. E, com sabedoria futebolística, emenda: “Na final, torci pela Argentina. Sou fã incondicional do Messi, mas reconheço a qualidade técnica da seleção alemã. O título foi merecido”. Na foto, Carol estrela uma campanha da marca Morana. Bala Música para os olhos No fim de semana passado, um fato curioso chamou a atenção no show “Gilbertos Samba”, do cantor Gilberto Gil, que inaugurou o Theatro Net, em São Paulo. Durante o espetáculo, um casal de intérpretes da língua brasileira de sinais (Libras) traduzia as canções em tempo real. Até Gil interagia com os intérpretes. Pouco usual, a prática já existe na filial carioca do teatro. A procura por ingressos cresceu entre os deficientes auditivos, que saem emocionados por fazerem parte do show. Cleóprata, em família Angelina Jolie já avisou que quer sair de cena em grande estilo. Além de anunciar que se aposentaria quando desse vida à Cleópatra em uma superprodução cinematográfica, agora ela deseja que o filme seja uma grande celebração familiar. Assim dizem os tablóides britânicos. Segundo o “Daily Mirror”, Jolie já estaria negociando papéis para seus seis filhos (Maddox, Zahara, Shiloh, Pax, Vivienne e Knox) e para o marido, o ator Brad Pitt. O casal não trabalha numa mesma produção desde “Sr. e Sra. Smith”, em 2005, quando o romance começou. A atriz acabou de contracenar com a filha Vivienne em “Malévola”. Ela já havia declarado que não gostaria que seus filhos seguissem seus passos na carreira. Parece que está revendo a ideia. “Hoje, sinto como se minha cena (do beijo gay) tivesse ido ao ar” Bruno Gagliasso vai estrear no cinema. E o ator já começa na telona com três produções. Em “Isolados”, de Tomás Portella, que entra em cartaz em setembro, ele contracena com José Wilker. No filme “Jogos Clandestinos”, de Caio Cobra, ele estreia em novembro como um assaltante de cassinos. Em “Não Aprendi Dizer Adeus”, sem data de estreia, ele protagoniza o cantor Leonardo nessa cinebiografia. Na tevê, Gagliasso grava a próxima minissérie de Gloria Perez, “Dupla Identidade”, e vive um serial killer. Foi também com Gloria, em 2005, na novela “América”, que Bruno sofreu a censura daquele que seria o primeiro beijo gay na teledramaturgia. A seguir, o ator comenta a frustração na época e, hoje, a vitória contra a censura nas cenas protagonizadas por Mateus Solano e Thiago Fragoso, e Giovanna Antonelli e Tainá Muller: ISTOÉ – Você estreia com um personagem complexo... Gagliasso – “Isolados” é um dos primeiros thrillers psicológicos do Brasil. Faço o dr. Lauro, médico psiquiatra que se en­­volve com uma paciente. Em uma viagem dos dois, a personalidade dele muda completamente e ele mostra quem é. ISTOÉ – José Wilker está no filme. Como recebeu sua morte e como se sente tendo contracenado com ele em seu último trabalho? Gagliasso – Fiquei muito triste quando soube. Mas fico feliz em poder ter trabalhado com ele e visto sua postura no set, sua generosidade. Ele era leve, amava o que fazia. ISTOÉ – Você também está em “Dupla Identidade”, uma aposta grande da Globo... Gagliasso – Sou Edu, um serial killer. Um desafio para mim. É muito boa, tem padrão de série gringa. ISTOÉ – Em “Jogos Clandestinos”, você atua ao lado da sua mulher, Giovanna Ewbank? Gagliasso – Sim! É química garantida, é uma parceria da vida em cena. Não tem como não ficar bom. ISTOÉ – Tivemos o beijo gay nas novelas “Amor à Vida” e “Em Família”. Em 2005, na novela “América”, você gravou um beijo gay , que foi censurado. Como se sente hoje? Afinal, o primeiro beijo gay da teledramaturgia deveria ter sido do seu personagem... Gagliasso – Na minha época diziam que o público não estava pronto. Eu discordo. Quem somos nós para dizer quando o público está pronto ou não? O papel da arte também não é oferecer ao público algo que transforme? Na época, o corte da cena do beijo, que foi filmada, foi bem frustrante. Mas hoje fico feliz com a evolução, sinto como se minha cena tivesse ido ao ar. 3#5 BRASIL CONFIDENCIAL Por Paulo Moreira Leite Petistas acompanham Heráclito Um dos mais ruidosos adversários do governo Lula na década passada, o ex-senador do Piauí Heráclito Fortes formou uma caravana de petistas que acompanha minuciosamente cada passo de um processo que pode atrapalhar sua tentativa de retorno à atividade parlamentar. Em 2010, quando Heráclito foi acusado de desviar dinheiro público para fazer autopromoção, o ministro do STF, Gilmar Mendes, concedeu efeito suspensivo no processo. Com direito a concorrer à reeleição, Heráclito acabou derrotado. De olho nas urnas de outubro deste ano, ele deixou o DEM, vestiu a camisa do PSB e fez planos para disputar uma cadeira de deputado. Em 2012, quando o processo foi julgado e ele acabou condenado, graças ao voto do presidente do STF, Joaquim Barbosa, Heráclito entrou com recurso e agora pode salvar-se. Depois da aposentadoria de Joaquim, o caso acabou redistribuído. Foi parar, de novo, no gabinete do ministro Gilmar Mendes. A caminho da rua Convencidas de que nenhum partido político tem interesse real em modificar as regras do jogo sem receber empurrão debaixo, as entidades mobilizadas pela reforma política e pela Constituinte exclusiva resolveram juntar esforços na Semana da Pátria. Seus militantes irão às ruas em centros de concentração popular das grandes cidades para pedir apoio a dois abaixo-assinados de uma vez. Um deles pela reforma e o outro, pela Constituinte exclusiva. Pela culatra Lotam as mesas dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) mandados de segurança de investigados de CPIs do Congresso que questionam a quebra de sigilo telefônico concedida a parlamentares. O problema é que, ao entrar com o mandado de segurança, os cidadãos que tiveram as conversas devassadas por investigações do Congresso se expuseram ainda mais. Para avaliar se há excesso nas quebras de sigilo, os ministros do STF receberam das operadoras telefônicas todos os arquivos de diálogos telefônicos. E como o processo é público, o sigilo debatido fica mais desprotegido no Supremo do que no Congresso. Divisão de trabalho A divisão de águas da campanha de Dilma entre Franklin Martins e João Santana pode se revelar mais proveitosa do que se imagina. Ao deixar Santana como único responsável pela publicidade oficial da campanha, entregando a Franklin uma área paralela, a campanha pode se alimentar dos estilos opostos de ambos. Enquanto Santana fica com o rosto oficial da campanha, pelo qual a candidata pode ser cobrada, Franklin responde pela artilharia pesada, de quem disputa a crítica e a denúncia. Desescolarizou Os quatro anos de mandato do ex-pugilista Acelino Popó (PRB-BA) na Câmara afetaram seu currículo escolar. Nas eleições de 2010, em meio à polêmica da escolaridade do também deputado Tiririca (PR-SP), Popó disse à Justiça Eleitoral que tinha curso superior incompleto. Esse ano, no entanto, o deputado declarou que só “lê e escreve.” Alegria subsidiada O gosto de boa parte da Assembleia de Pernambuco por show até se compreende no Estado do frevo. Mas há um sinal estranho em matéria de prioridades quando se verifica que 39 deputados, de um total de 49, fizeram questão de contribuir para pelo menos um espetáculo artístico. Foram 488 eventos, ou uma dúzia, em média, por parlamentar. Gastaram-se R$ 19,3 milhões, o que equivale a quase 40% do total de R$ 50,7 milhões que cada um poderia gastar. Sinal amarelo nos sindicatos No início desta semana, os grandes sindicatos do País se reúnem para debater um recurso que chegou ao Supremo Tribunal Federal sobre terceirização de mão de obra. Apoiado por empresários que não conseguiram levar adiante uma proposta parecida no Congresso, o recurso pretende derrubar a resolução 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que limita a terceirização às chamadas atividades-meio, proibindo que envolva atividades-fim. Convencidos de que a medida pode trazer um retrocesso de envergardura nos direitos dos assalariados, os sindicatos gostariam de, pelo menos, serem ouvidos pelo STF, coisa que não está garantida até o momento. O relator do caso é Luiz Fux, que já informou que se trata de um caso de repercussão geral – ou seja, aquilo que se resolver numa situação específica, será aplicado por todos. Toma lá dá cá Deputado federal Carlos Souza (PSD-AM) – Titular da Comissão de Defesa do Consumidor e autor de projeto que pune empresa que abordar cidadãos por telefone, sem autorização prévia. ISTOÉ – O método de abordagem por telemar-keting é adequado? Souza – Não, é um desrespeito ao consumidor, telemarketing é uma invasão de privacidade. As pessoas não têm com quem reclamar. ISTOÉ – O sr. propõe punição às empresas, o projeto pode limitar o assédio do telemarketing ativo? Souza – O projeto é para isso, para cessar a prática abusiva. O consumidor só será abordado se der consentimento. Atualmente, as operadoras de telefone preferem se omitir e fazem pouco caso quando o consumidor reclama. ISTOÉ – As operadoras de telefonia têm parcela de culpa no abuso do telemarketing ativo? Souza – Sim, inclusive estou preparado para enfrentar o lobby das operadoras contra o projeto, que limita as abordagens aos consumidores. Tenho certeza de que vão tentar atrapalhar mais do que ajudar. Rápidas * Principal liderança feminina do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, em sua passagem pelo Brasil na semana passada, Ângela Davis, hoje uma senhora de 70 anos de idade, disse a quem quiser ouvir que os programas de ação afirmativa do governo brasileiro avançaram mais – e mais depressa – do que a versão original americana. * Sem material de campanha e contando com apenas 27 segundos de televisão no horário eleitoral , a ex-senadora Heloísa Helena está irreconhecivelmente contida na disputa pela cadeira de Alagoas ao Senado. * Informou-se aqui que Pedro Corrêa, condenado pela AP 470, estaria cumprindo pena fazendo trabalho interno junto a um pequeno rebanho de gado no interior de Pernambuco. Na verdade, seu trabalho interno é na biblioteca, para a qual fez doações do acervo particular. * Na disputa pelo voto, cinco mil sindicalistas têm encontro marcado com Dilma no início de agosto, no ginásio da Portuguesa, em São Paulo. A CUT terá boa presença, mas espera-se o apoio de outras centrais, como a Força Sindical e Servidores Públicos de São Paulo. Retrato falado O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) sofreu uma enxurrada de ataques dos profissionais de enfermagem após deixar claro que não apoia o projeto de redução de carga horária para 30 horas, pleito antigo da categoria. O posicionamento do parlamentar fez os enfermeiros questionarem a carga horária de trabalho dos deputados. Cunha não gostou. Constrangimento no fim Atores que encenam a peça “Quem Ri por Último” passaram um constrangimento em Brasília. Depois da apresentação, o elenco formado por estrelas globais tentou fazer uma homenagem ao presidente do STF, Joaquim Barbosa. O ator Júlio Rocha, que chega a ficar inteiramente nu durante o espetáculo, voltou ao palco – devidamente vestido – e pediu para que a plateia presente aplaudisse o ministro. Alguns aplausos foram ensaiados, seguidos de muitos sorrisos amarelos. Ao contrário do que foi anunciado, Barbosa não estava presente. Armistício Henrique Eduardo Alves selou um armistício com o governo e segurou a guerra com Dilma Rousseff. Agora, são amigos, quiçá, aliados. Um precisa do outro. Com o governo do RN detonado, Henrique precisa de recursos federais, para mostrar trabalho. 3#6 RICARDO ARNT - ÚLTIMA FRONTEIRA DO AGRONEGÓCIO Não basta produzir comida para o mundo. Para continuar a crescer, o agronegócio precisa agregar valores, como a preservação do ambiente global. Há dez anos o aumento da produtividade no campo convive com a queda quase contínua dos índices de desmatamento. Houve uma época em que parecia mais difícil controlar o desmatamento do que a inflação. Em ambos os casos os pessimistas estavam errados, mas nos dois as soluções chegaram tarde e custaram caro. Felizmente hoje, o volume das safras cresce mais do que a área ocupada pelos cultivos. Graças à boa performance da agricultura tropical brasileira estão se apagando da memória décadas de recordes vexatórios de desmatamento, como o de 1995, com 29 mil km2 de florestas queimadas. No ano passado, o agronegócio gerou US$ 83 bilhões de saldo positivo, um resultado crucial para amenizar o déficit e estabilizar a balança de pagamentos, sem o qual a economia estaria batendo pino com muito mais estridência. Em 2013/2014 o Brasil colherá 193 milhões de toneladas de grãos, uma megassafra que todo ano aumenta. Os especialistas acreditam que poderemos chegar a 350 milhões de toneladas em 2050, num planeta com nove bilhões de pessoas. Alguns já acordaram para “the shape of things to come”. Em dez anos, a classe média chinesa terá 630 milhões de pessoas. O Brasil é o país mais capacitado para atender à demanda global de alimentos, graças a seus recursos de terra, sol, água, energia, empreendedorismo, tecnologia e ciência. Mas, no mundo congestionado do futuro, produzir comida não será o suficiente. Será necessário gerar valores, como a preservação da base periclitante dos ativos naturais e o zelo pela convivência global instantânea, volátil e desigual. A inovação consistirá em promover progresso em condições adversas, em uma economia de baixo carbono, Para continuar a crescer, a próxima fronteira da competitividade é a agricultura de baixo carbono. Para tanto, há dois anos o governo lançou o Plano ABC (Plano Agricultura de Baixo Carbono), que oferece financiamento a juro baixo para a recuperação de terras degradadas, integração lavoura-pecuária-floresta e ações de reflorestamento e de redução de emissões de gases-estufa. Em maio, foi regulamentado o funcionamento da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), sucessora da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), que o governo Collor extinguiu em 1990, demitindo 1.500 extencionistas rurais. A Anater vai coordenar o Plano ABC e alavancar a assistência técnica rural levando-a ao produtor no campo. Mas sua viabilidade política está longe de ser resolvida. Nem a diretoria foi nomeada. Há um mês, os visionários do campo ganharam uma nova ferramenta, o GHG Protocol Agropecuária, que oferece um programa específico para controle das emissões rurais de gases-estufa. A agropecuária já produz 30% do total das emissões brutas brasileiras, perdendo apenas para os 32% das emissões decorrentes de mudanças de uso do solo (nas quais o agronegócio também é agente). O GHG Protocol é o instrumento voluntário de gestão de gases mais usado no mundo, já adotado por 106 empresas brasileiras, mas por apenas uma do setor agropecuário. A gestão do carbono deixou de ser problema dos outros. A agropecuária tropical terá que demonstrar, agora, seu compromisso com a preservação do ambiente global. Ricardo Arnt é diretor da revista Planeta ___________________________________________ 4# BRASIL 30.7.14 4#1 FHC NO CENTRO DA ELEIÇÃO 4#2 O PODEROSO MERCADANTE 4#3 NORDESTE: A PREOCUPAÇÃO DE DILMA 4#4 CERCO AO VANDALISMO 4#1 FHC NO CENTRO DA ELEIÇÃO Em entrevista à ISTOÉ, FHC faz uma avaliação do atual momento político e diz que o mal-estar no País, os erros da política econômica e a quebra de confiança do empresariado em Dilma ampliaram as chances de vitória de Aécio Neves Sérgio Pardellas (sergiopardellas@istoe.com.br) Os últimos três infortúnios eleitorais do PSDB na corrida ao Planalto, em 2002, 2006 e 2010, tiveram como característica comum a ausência do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso da campanha. Sem assumir a principal herança do partido – os dois mandatos de FHC, quando o Plano Real estabilizou a economia –, o PSDB parecia se apresentar ao eleitor vazio de identidade. Nas eleições deste ano, os tucanos resolveram se reconciliar com o passado e Fernando Henrique regressou ao epicentro da campanha, tanto pelo lado da oposição como do governo, que vê neste retorno uma possível vantagem comparativa. INFLAÇÃO É CARESTIA - Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil enfrenta de novo o problema da alta dos preços O candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves, além de aconselhar-se com FHC, insiste nas referências ao legado do ex-presidente e tem exaltado a importância do seu governo. “Os anos FHC começaram a reescrever a história do Brasil”, tem dito Aécio em recentes entrevistas. No programa “Roda Viva”, da TV Cultura, Aécio mencionou 19 vezes o nome do ex-presidente. Elogiou as privatizações dos setores de telecomunicações, de siderurgia e de aeronáutica e prometeu resgatar programas de FHC, como o Médico da Família. Reunido no Palácio da Alvorada na última semana, o staff da campanha de Dilma também resolveu trazer FHC para o centro do ringue eleitoral. Na esteira da troca de farpas entre FHC e Lula pela imprensa, os petistas apostam suas fichas na comparação entre os oito anos do governo FHC e os 12 anos da gestão Lula-Dilma. Para obter êxito, os petistas ancoram-se em pesquisas em poder do marqueteiro João Santana que apontariam um desgaste de FHC perante a população. Embora esteja de volta à campanha, FHC se diz afastado do cotidiano partidário. Essa condição permite que, em alguns momentos, o Fernando Henrique sociólogo se sobreponha ao empedernido tucano. Foi o que aconteceu em entrevista concedida na segunda-feira 21 à ISTOÉ na sede do instituto que carrega o seu nome. Aos 83 anos, mais de uma década depois de deixar o Planalto e sem qualquer pretensão política, o ex-presidente se comportou, durante as duas horas de entrevista, como uma figura pública capaz de fazer análises objetivas do momento do País. Fez duras críticas ao governo, mas também ao PSDB. Elogiou determinados aspectos das gestões Lula e Dilma Rousseff, enquanto relativizou alguns de seus próprios feitos. Ao discorrer sobre a economia, tratou com pouca relevância um dos alvos preferenciais da oposição, o crescimento pífio do PIB brasileiro.“O importante é a população viver melhor. Portugal não tem PIB nenhum e é mais Primeiro Mundo do que o Brasil”, disse. FHC também admitiu pela primeira vez a desunião do PSDB nas últimas disputas presidenciais, classificando de “grave problema”, algo que, segundo ele, foi superado no pleito deste ano. “O PSDB uniu todo”, afirmou. Na entrevista, o ex-presidente ainda confessou que há dois anos não acreditava no triunfo dos tucanos nas eleições presidenciais. Porém, o cenário, na avaliação de FHC, alterou-se substancialmente de lá para cá. Hoje ele considera provável a vitória de Aécio. A mudança de compreensão deriva, segundo ele, de um mal-estar no País, de uma fadiga em relação ao governo, da piora da economia, da falta de confiança do empresariado e da perda de credibilidade do PT, arranhado pelo mensalão. Na campanha, o presidente de honra do PSDB prevê obstáculos adicionais para Dilma pelo fato de ela, em sua visão, não falar com o País. “As pessoas querem mais. As explosões de junho do ano passado foram conseqüência do querer mais” “O PT perdeu a credibilidade” ISTOÉ – O que mudou no cenário político de 2010 para cá? Fernando Henrique Cardoso – O Brasil de 2010 tinha tomado medidas contra a crise de 2008 que funcionaram. Era um Brasil que tinha alguma esperança. Basicamente, o governo tentou estimular o crescimento com mais consumo graças à maior oferta de crédito. Então, houve uma expansão grande do crédito, que animou o consumo. Mas levaram muito tempo para entender que, para reativar o investimento, precisavam ter capital público e privado. E parou. Depois, por causa da Copa do Mundo, deu aquela aflição e correram para fechar parcerias público-privadas. Mas o fundamento posto lá atrás, qual seja, o crescimento via consumo e expansão do crédito, continua aí e não vem dando resultado. DESPERDÍCIO - FHC avalia que o momento internacional era de "vacas gordas" durante o governo Lula e o petista não soube aproveitar ISTOÉ – O que deu errado? FHC – Houve certa desatenção, não muito grave, à pressão inflacionária. Mas o endividamento é muito grande. É uma sociedade que cresceu no consumo e que chamam de “novas classes médias”, embora, sociologicamente falando, não sejam uma nova classe média de fato. Mas isso também trouxe transformações. As pessoas consumiram mais e agora é natural que queiram mais. As explosões de junho do ano passado foram consequência do querer mais. Existe uma corrida pelo crescimento do PIB. O governo está em busca disso. Mas a sociedade não quer só isso. As pessoas querem viver melhor. ISTOÉ – Mas as manifestações de junho juntaram mais que apenas a chamada classe C. FHC – É verdade. Todo mundo quer essa mudança. Queremos entrar no Primeiro Mundo. O Primeiro Mundo não é um país que tem muito PIB. É um país em que se vive melhor. Em que se tem segurança, educação, respeito e dignidade. Portugal não tem PIB nenhum e é mais Primeiro Mundo do que o Brasil. Aqui falta educação, segurança, o transporte não funciona. Estourou no governo Dilma. O governo persistiu no estímulo ao consumo e não olhou para os outros lados. Além disso, tem o manejo da política. O Lula sabia manejar o Congresso. Não da maneira correta, pois o mensalão ninguém pode apoiar. Mas ele sabia manejar. A Dilma não sabe manejar o Congresso. E a situação está aí. Vou ser sincero: há dois anos eu não acreditava na possibilidade de uma derrota eleitoral do governo. Porque o governo é o governo, tem recursos enormes e tem a exposição permanente. Os meios de comunicação, sobretudo a televisão, vão para um lado só. A televisão brasileira é esporte, crime, um pouquinho de internacional e muito governo. Por tradição. Nos EUA, ouve-se o outro lado. Aqui, o outro lado não existe para a massa. A pessoa só começa a ver o outro lado durante o período eleitoral. Achava muito difícil que houvesse uma mudança. Hoje eu acho possível transformar esse mal-estar em algo que tenha consequência eleitoral. ISTOÉ – O sr. acha que a oposição não teve espaço na televisão brasileira? FHC – É da nossa tradição. No meu governo também era assim, a oposição pouco aparecia na tevê. A diferença é que, no meu governo, não fazíamos tanta propaganda, até porque não tínhamos recursos. Este faz muita propaganda. ISTOÉ – Isso não acontece hoje porque a oposição propõe pouco, não tem um projeto objetivo e claro? FHC – O problema da oposição é outro: existe apenas uma oposição congressual. Os partidos existem no Congresso, não na vida da sociedade. A única exceção era o PT, que sempre teve organização partidária. A oposição se faz no Congresso, mas não repercute. O Congresso ficou muito confinado a ele próprio. Quando eu era senador, meus discursos eram publicados na íntegra nos jornais. Isso não acontece mais. Foi se perdendo o elo do Congresso com a sociedade. O mesmo aconteceu com outras instituições, com os sindicatos, com a UNE. Ela era importantíssima no passado. Hoje, qual é a importância? “O Lula sabia manejar o congresso. não da maneira correta, pois o mensalão ninguém pode apoiar. mas ele sabia manejar. Dilma não sabe” ISTOÉ – Isso não tem relação com o aparelhamento dessas instituições? FHC – A UNE, por exemplo, foi aparelhada. Mas talvez tenha sido no passado também. O problema é que a UNE e os próprios sindicatos eram grandes personagens da vida brasileira. Isso tem a ver com a sociedade como ela é hoje. De massas, conectadas, mas não presenciais. O que o governo decide incide sobre as pessoas. A oposição não toma decisão. Ela fala. E isso não aparece, só aparece um lado. O outro lado só aparece na eleição. Tem outra questão ainda: as diferenças, hoje, são lidas no espectro ideológico, direita e esquerda, mas não se dão nesse espectro. Na formulação é como se fosse “uns estão para cá, e outros estão para lá”. Na realidade não é assim. A diferença entre o PT e o PSDB é principalmente a concepção que se tem da política e do governo. O PT acredita que se muda o País ocupando o Estado e através do Estado tomando as decisões, controlando mais, sobretudo a economia. O PSDB acredita mais que é preciso não ocupar o Estado e ter uma relação maior com a sociedade. Isso é tênue, claro. Os dois têm um pouco de cada um. Mas a diferença essencial é essa. Na política monetária, por exemplo, o PT pode ter errado aqui ou ali, mas não mudaram o que vinha sendo feito. O juro não baixou como devia, é verdade. Mas isso é algo técnico. Ninguém está discutindo, na essência, a função do Banco Central. ISTOÉ – No início do seu governo ainda havia uma tensão entre os que defendiam uma política econômica ortodoxa e os que queriam algo mais parecido com o desenvolvimentismo. Mas isso se diluiu. No governo Dilma a questão voltou e escolheu-se o caminho do nacional-desenvolvimentismo. Foi o caminho errado? FHC – O que se entendia pelo desenvolvimentismo? O José Serra acredita muito no desenvolvimento com ativismo do governo. Acho que deve haver um ativismo mesmo. Quando eu era jovem, só se falava em desenvolvimento e subdesenvolvimento. A fórmula era assim: põe barreira para importação, dá subsídio ao juro e o governo investe. Isso foi mudando com o tempo. Como vai colocar barreira na importação com a economia globalizada? ISTOÉ – A abertura da economia não tem volta? FHC – Depois que o Collor abriu a economia não houve mudança nessa direção. Não houve movimento de fechamento. Todo mundo também é a favor da redistribuição de renda. As Bolsas (Escola e Alimentação) começaram no meu governo. E os outros governos só não fizeram porque não tinham como. A grande mudança nesse sentido se deu com a Constituição de 88, que garantiu direitos democráticos e desenhou a possibilidade de um país social-democrático, para usar uma expressão abusiva. A Constituição manda que o governo providencie gratuitamente a educação, a saúde, faça reforma agrária e assegure a previdência social. A partir de então, os governos, queiram ou não, terão de ir nesse caminho. As Bolsas foram para isso. A política de sustentação do saláriomínimo começou no governo Itamar. ISTOÉ – O sr. não vê no governo Lula uma aceleração do processo de inclusão? FHC – Acelerou porque ele pôde. Ele teve recursos para isso por causa do boom da China. Acabou a dívida externa na América Latina toda, não só aqui. A folga fiscal foi maior. Mas os princípios foram lançados antes. Progressivamente o Estado foi criando condições para melhorar. Condições estruturais e organizacionais, digamos. Não era possível criar as Bolsas sem internet. O Banco Mundial foi quem propôs primeiro. O PT era contra. Quem primeiro fez foi Honduras e quem melhor fez inicialmente foi o Chile. O cartão para criar o Bolsa Escola fui eu que fiz, copiando o exemplo de Goiás, com Marconi Perillo, para dar cidadania e entregando os recursos para a mulher. Foi decisão do meu governo. As Bolsas também estavam sendo unificadas no meu governo. Era uma questão técnica. MÃO DO ESTADO - Segundo o ex-presidente, Dilma tem uma visão "general Geisel" por ser mais intervencionista ISTOÉ – Mas o Lula iniciou com o Fome Zero. FHC – Que nunca existiu. O Fome Zero do Lula ficou um ano sem sair do papel. Depois eles perceberam que era melhor pegar o plano anterior, que era o das Bolsas. Não houve mudanças radicais quando mudou o governo. ISTOÉ – Nenhuma mudança expressiva? FHC – O que houve foi maior presença do partido nas empresas. Sempre lutamos para tirar qualquer partido de dentro das empresas. A Petrobras, por exemplo. Nunca pensamos em privatização. É mentira. Nem se cogitou. Queríamos a competição e tirar a influência partidária. O mesmo com o Banco do Brasil e a Caixa Econômica. Eu diminuí muito a presença de partidos aí. Com o Lula isso se inverteu. E a Dilma está sofrendo as consequências. Ela, quando colocou a Graça Foster, foi para diminuir a influência política. Mas estourou na mão dela. Hoje, o PMDB tem vice-presidente da Caixa, Banco do Brasil, no meu governo não tinha isso. Essa é a diferença. Agora, entre a Dilma e o Lula, existem outras diferenças. Para a Dilma, o Estado tem que ter um papel crucial no investimento e no controle. Ela é intervencionista. Tem uma visão mais general Geisel. “Quem tem 47% de rejeição não pode dizer que é somente a elite branca que está contra o governo” ISTOÉ – E isso é prejudicial? FHC – É uma visão mais dos anos 60 e 70. Mas, em relação ao Lula, não houve uma mudança muito radical, como não haverá se o Aécio Neves ganhar. O Aécio não vai mexer na política do Bolsa Família. O que deverá fazer é aumentar o mercado de trabalho. Acompanhar a pessoa que é assistida até ter o emprego, como ocorreu no Chile. O ideal é que as pessoas não sejam dependentes. O Bolsa Família é uma solução de emergência, necessária, mas não para o futuro. ISTOÉ – Uma das críticas que são feitas recorrentemente à oposição é que, além de esconder o sr. nas últimas eleições, ela não soube dizer o que poderia fazer de diferente. Chegou o momento de fazer isso? FHC – A população está interessada no bolso, e isso pesa muito hoje, porque a inflação para o povo é mais do que 7% – está em cerca de 10%. Hoje, o Bolsa Família é menor do que o bolso. A Bolsa não é suficiente para o bolso. Para as classes mais populares a vida está cara. Para a classe média também. Para o povo, inflação é carestia. Estamos vivendo de novo um problema de carestia. Nisso o candidato de oposição tem que ser claro. O governo atual levou a essa situação. ISTOÉ – Como o candidato Aécio Neves pode passar a segurança de que tem condições de mudar o quadro atual? FHC – Eu cultivo o hábito de desligar o som da tevê toda vez que começa o programa eleitoral de algum candidato. Porque sei que as pessoas percebem muito mais é como o candidato fala. O jeitão. Se transmite firmeza, simpatia, segurança. Podem dizer: se for assim, a Dilma dificilmente seria eleita... Mas o Lula não. E quem elegeu Dilma foi o Lula. Então você tem um lado que é como a pessoa se relaciona com o conjunto da população. São 140 milhões de eleitores. Eles não vão ler programa de partido. Mal sabem o nome dos candidatos. Estão começando a aprender, salvo o do governo. E eles vão pensar: eu confio nesse cara ou não confio? Ele falou alguma coisa que tocou no meu coração? Bem, ele vai pensar que é no coração, mas é no bolso também... O candidato tem que ter uma conversa com o País. Eu ganhei duas vezes no primeiro turno. E já era o Lula. Nunca deixei de falar do jeito que eu falo, embora digam que eu falo pedantemente. Não é verdade. Eu tenho meu jeito, não adianta imitar o outro. Mas eu falava com o País. Fui pesquisador de campo e sei como é isso. O Lula fala com o País. Já a Dilma não fala com o País. ISTOÉ – O Aécio fala com o País? FHC – O Aécio pode falar. Jeitão ele tem. Ele passa uma simpatia. Mas precisa dizer alguma coisa que faça ele chegar lá. Ele foi governador de Minas Gerais. Conseguiu. ISTOÉ – Quem, entre os candidatos, pode capitalizar melhor o que aconteceu em junho de 2013, quando houve as manifestações populares? FHC – Por enquanto, ninguém. E quem for capitalizar agora vai perder. A população vai interpretar como oportunismo. Agora, é muito importante em qualquer eleição o bad ou o good feeling. Hoje existe um mal-estar no País. Isso favorece a oposição. Por isso, acho que temos grandes chances. Há também o cansaço de material. Fadiga. O Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, com 54% de apoio, é um dos poucos que contrariam essa tese. ISTOÉ – Mas no caso do Geraldo Alckmin parece que há o efeito teflon. Nada cola nele, mais ou menos como acontecia antes com o Lula. FHC – É verdade. Nada cola. ISTOÉ – Há uma fadiga em relação ao PT? FHC – Há uma fadiga em relação ao governo. Bem, também existe a fadiga da classe média em relação ao PT. Sobretudo em São Paulo. É assustadora essa rejeição de 47% no Estado e 49% na cidade. ISTOÉ – O que todo mundo comenta, no meio político, é que a batalha de São Paulo terá um peso maior nessas eleições. O sr. concorda? FHC – Se for isso, nós vamos ganhar. Olha, o PSDB nunca tinha conseguido isso e estamos alcançando agora. Uma harmonização grande entre São Paulo e Minas. No Rio, nunca tivemos uma grande força e agora o Aécio Neves tem sido hábil e conseguiu desorganizar lá a base do governo. Para vencer, precisamos consolidar o peso que temos por aqui e reduzir a diferença no Norte-Nordeste. No Estado de São Paulo, o Aécio ganha no segundo turno e, na cidade, no primeiro turno. No Sul, a gente ganha. Na Bahia, estamos razoavelmente bem. Em Pernambuco, o Eduardo Campos, candidato do PSB, vai tirar votos da Dilma. No Ceará, fizemos acordo com Tasso Jereissati e Eunício Oliveira, do PMDB. E temos as prefeituras de Maceió, Teresina, Belém, Manaus, algo que nunca tivemos. Por isso, a chance de ganhar aumentou. Claro que o aumento da possibilidade de vitória do Aécio decorre de outros fatores que já elencamos, como o mal-estar no País, o cansaço, os erros de condução da política econômica e, mais recentemente, a quebra de confiança do empresariado no governo. “O Bolsa Família não é suficiente para o bolso. A vida está cara. O governo levou a essa situação” ISTOÉ – Essa ruptura do governo com o empresariado aconteceu quando? FHC – Entre seis meses e um ano. No começo havia o sonho do “Volta, Lula”, que vinha mais do meio empresarial do que do povo. Depois que essas pessoas se convenceram de que não seria o Lula, começaram a tomar distância. Quem vai decidir mesmo é a massa, mas há uma certa fluidez entre esses segmentos. Não é isolado. Por exemplo, teve o episódio das vaias a Dilma no estádio. E falaram: “Ah, mas é elite branca”. É um exagero, não refletiu só isso. Se fosse, as pesquisas agora não iriam apontar essa queda na avaliação da presidenta. Vamos considerar que, de fato, as pessoas de maior poder aquisitivo eram as que estavam presentes no estádio. É verdade. Mas quem chamou a elite branca para lá? Foi o governo. Sobre os xingamentos, a mim me chocou. Soube, depois, que o que disseram para a Dilma se tratava de um bordão comum nos estádios de futebol. Bem, de qualquer maneira, ir ao estádio é chamar vaia. Qualquer governante. Nas atuais circunstâncias, mais ainda. Mas não é algo isolado: um candidato com 47% de rejeição não pode dizer que quem está contra é somente a elite branca. ISTOÉ – O sr. não acha que essa definição de elite branca se destina a enfatizar que o PSDB é o partido dos ricos e o PT o partido dos pobres? FHC – É um estigma que o PT quer colocar. Mas o PSDB ganha em Alagoas, em Maceió, em Belém e no Piauí. Essas são algumas das regiões mais pobres do Brasil. O quadro médio do PSDB é o sujeito de classe média universitária. O do PT é o quadro sindical. Tem uma diferença, sim. Mas não é essa coisa de elite branca. JEITÃO - Para FHC, o candidato do PSDB ao Planalto, Aécio Neves, tem um "jeitão" para falar com o País e capacidade pessoal para acabar com divisões ISTOÉ – Mas o sr. não acha que essa imagem pode ter força eleitoral? FHC – O que pega na eleição depende do que o eleitor quer ouvir. Há momentos em que o povo está disposto a ouvir certos estigmas. Há outros que não. Isso não é religião: “Eis aqui a verdade, eu sou a verdade”. Você pode dar o dado certo, mas, se o povo não estiver querendo ouvir, não vai ouvir. Eu acho que a diferença nessas eleições é que o povo está disposto a ouvir outras coisas. Eu não ganhei do Lula? E não sou de classe média e universitária, da elite branca? ISTOÉ – Pela sua autodefinição, da elite meio branca... FHC – Isso, da elite meio branca... Mas a questão é que agora acho que o eleitor está disposto a ouvir o outro lado porque há uma ruptura de confiança, a economia piorou, há um cansaço e uma fadiga de material. Por isso, considero agora que é provável a vitória do PSDB e de Aécio Neves. ISTOÉ – O escândalo do mensalão não colou no PT em 2005 e 2006. Pode afetar agora depois das prisões de ex-integrantes da cúpula do partido? FHC – Não pegou porque as pessoas não estavam dispostas a ouvir. Nem a classe média. Mas ali o PT perdeu a credibilidade. O Lula não perdeu popularidade naquele momento, não sei hoje, mas perdeu a credibilidade. O mensalão arranhou muito. “O eleitor quer ouvir o outro lado (oposição)porque há um cansaço, uma ruptura de confiança e a economia piorou” ISTOÉ – E o mensalão mineiro, que atingiu quadros do PSDB? FHC – Teve pouca repercussão. E, por outro lado, o Eduardo Azeredo é um cara correto. Você acha que se fosse só o José Genoino ele iria para a cadeia? ISTOÉ – O sr. vê uma diferença entre o José Genoino e os demais presos pelo mensalão? FHC – Eu falei mais pela percepção da população. Racionalmente, eu acho que o Genoino tinha que ser preso porque ele assinou aqueles papéis. Mas ele não tem a imagem de um cara maquiavélico e que vai se locupletar. O Eduardo Azeredo também é um cara assim. ISTOÉ – O Joaquim Barbosa é visto hoje como alguém que mudou a cara da Justiça do País, mas, ao mesmo tempo, como uma pessoa autoritária. O sr. acha que ele tem futuro na política? FHC – Se ele fosse candidato, teria muitos votos. Porque tem esse lado da Justiça, que todo mundo quer, e porque ele é negro e teve coragem. São atributos valorizados. Mas ele teve o bom senso de não se candidatar. Iria esmaecer o que fez. Não acho que ele tenha aptidões políticas. Ele é justo. Mas política não é só isso. Impeachment, por exemplo, não é justiça. É julgamento político. ISTOÉ – O STF é uma casa política? FHC – É e tem que ser. Por isso acho que deveria se restringir a discutir assuntos constitucionais. Mas o julgamento do mensalão não foi político. Ele fez um julgamento comum, em última instância, um julgamento de crime. O Joaquim, que é promotor, aplicou a lei. E o povo gostou, porque ele aplicou a lei sobre poderosos. E foi importante, de fato. ISTOÉ – Qual é a diferença do PSDB que pode chegar ao poder em 2015 daquele de 1994, quando o sr. foi eleito? FHC – Em 1994, era um PSDB que começava a entender a mudança do mundo. Mas quem chegou ao poder não foi o PSDB, fui eu, por causa do sucesso do Plano Real. O povo viu que mudamos a vida dele. E ali eu ganharia sem apoio de ninguém. Não precisava de aliança. Fiz aliança com o PFL para conseguir governar. Era melhor fazer aliança antes do que depois. Mas eu ganharia sem o PFL. Como o Lula ganhou sozinho em 2002, não foi o PT. O Lula ganharia sozinho. Mas ele foi fazer aliança depois e deu no mensalão. Se tivesse feito antes, seria mais fácil. Ganhamos com o Plano Real e com o sentimento da população de que a vida melhorou. Hoje é diferente. Se o Aécio ganhar, não será ele que vai vencer só. ISTOÉ – Por quê? FHC – O peso do PSDB vai ser maior desta vez. O Aécio teve que articular bem. Ele está crescendo por causa da capacidade de articulação que tem. ISTOÉ – Um dos problemas das últimas eleições foi que o partido rachou. O PSDB está unido hoje? FHC – O PSDB uniu todo. O Aécio foi lá e fez. Foi, de fato, um dos problemas graves das últimas eleições. Agora, o Aécio vai enfrentar uma situação mais difícil que a minha, se ele ganhar a eleição. Os problemas se acumularam, não foram resolvidos e o PT será duro como oposição. "Há dois anos eu não acreditava. Agora, eu acho provável a vitória de Aécio Neves" ISTOÉ – É um exagero dizer que aqui caminhamos para uma situação como a da Venezuela. Mas já se percebe que a campanha será muito acirrada. Há risco de o País sair dividido das urnas? FHC – O Aécio tem uma grande capacidade pessoal de acabar com divisões. E a força de atração do poder é muito grande. O PT vai espernear, mas não tem capacidade de paralisar certos processos em marcha. Governar é sempre difícil. Você depende de sorte também. Como fazer o PIB crescer quando você tem crise no mundo? O governo Lula teve vacas gordas e não usou. ISTOÉ – O que o sr. achou da denúncia sobre a construção, pelo governo de Minas Gerais, de um aeroporto dentro de uma área que pertenceu a um tio-avô do candidato do PSDB, Aécio Neves, e qual o impacto eleitoral disso? FHC – O Aécio explicou que a construção se fez em área já desapropriada e pertencente ao Estado de Minas e que seu tio-avô contesta o valor da desapropriação. Se é isso, qual a acusação? Se há denúncia, que haja apuração, mas não creio que isso arranhe a candidatura. 4#2 O PODEROSO MERCADANTE Com prestígio em alta, o ministro da Casa Civil acumula responsabilidades administrativas, coordena os demais ministérios e ajuda a fazer a ponte entre o Congresso e governos regionais, no momento em que Dilma precisa de tempo para se dedicar à reeleição Nesse momento pré-eleitoral, o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, talvez seja o ministro mais entusiasmado com a reeleição da presidenta Dilma Rousseff. A todos os interlocutores, tem dito que Dilma será eleita para um novo mandato. “E a eleição não será das mais difíceis”, completa. Os quase 13 minutos da presidenta no horário eleitoral gratuito, diz ele, serão insuficientes para o governo exibir todas as suas realizações. “E governo que tem muito a mostrar não perde eleição”, aposta. Questionado sobre a alta rejeição de Dilma e a dificuldade na montagem de palanques robustos pelo País, ele não titubeia. “Participei de todas as coordenações de campanha desde 1989. Com essa experiência, reafirmo: Dilma não perde a eleição”, encerra. O SUPER-MINISTRO - Com Mercadante na Casa Civil, Dilma reprisa o modelo adotado na época em que Antonio Palocci ocupava a pasta: com um ministro avançando sobre todas as áreas administrativas e com carta branca para fechar acordos políticos em nome da chefe de Estado O ar de confiança traduz o poder e o prestígio conquistados por Mercadante desde quando o petista foi guindado à Casa Civil em janeiro deste ano. Um episódio, ocorrido na última semana, é capaz de ilustrar com precisão a sua influência no governo Dilma. Na terça-feira 22, Dilma reuniu na residência oficial do Palácio da Alvorada presidentes de partidos aliados para discutir estratégias para as eleições presidenciais deste ano. O encontro só foi iniciado após a chegada de Mercadante, que, antes de se dirigir à reunião, precisou cancelar um compromisso com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB). Quando substituiu Gleisi Hoffmann, o Palácio do Planalto esperava dar à Casa Civil uma cara mais política, no lugar do perfil administrativo que a pasta ganhou durante a gestão da senadora do Paraná. Mas o novo ministro não se contentou com a função de chefe da articulação política e decidiu chamar para si responsabilidades administrativas. Com Mercadante na Casa Civil, Dilma repete o modelo adotado na época em que Antonio Palocci ocupava a pasta: com um ministro avançando sobre todas as áreas administrativas e com carta branca para fechar acordos políticos em nome da chefe de Estado. O mais curioso, afirmam petistas, é que o ministro caiu nas graças da presidenta justamente por uma mania considerada irritante pelos subordinados das pastas que comandou antes de ir para a Casa Civil. Mercadante gosta de saber tudo em detalhes que poderiam ficar restritos aos técnicos, um grande ponto de afinidade com Dilma. Assim, em poucos meses passou a dominar os meandros da organização da Copa do Mundo e trouxe para seu gabinete o assunto, que antes ficava restrito a grupos de trabalho do Ministério do Esporte. Foi tão ativo nos temas da competição que recebeu mais tapinhas nas costas do que o ministro Aldo Rebelo quando a Copa acabou e foi considerada um sucesso. Mercadante gostou disso e decidiu abraçar, também, os preparativos para os Jogos Olímpicos de 2016. Ele não é ministro do Esporte, mas se reúne regularmente com o Comitê Olímpico. Aldo Rebelo não foi o único a dividir o poder e os louros com Mercadante. À medida que seu poder cresceu na Esplanada, ele foi encarregado de elaborar um plano para melhorar a execução orçamentária do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Minha Casa Minha Vida, vitrine do PT nas eleições deste ano. A atuação rendeu um importante canal de articulação com governadores. E, apesar de não ser considerado um dos políticos mais afáveis, os governantes regionais encontraram em Mercadante uma ponte que há muito tempo procuravam ter com o Planalto. Pequenas gentilezas, telefonemas de agradecimento por empenhos de verbas ou mesmo alguns minutos na agenda para ouvir queixas não fizeram milagres na formação de alianças eleitorais, mas ajudaram a distender um clima de animosidade política que em nada contribuiria para a candidata Dilma Rousseff. A habilidade administrativa de Mercadante já era conhecida por seus colegas. Nos últimos três anos comandou o Ministério da Ciência e Tecnologia, a Educação e agora a Casa Civil, sem tropeçar nos diferentes temas abrangidos pelas pastas. O que tem surpreendido positivamente a cúpula petista é a arrumação que ele conseguiu promover entre a Casa Civil, a Secretaria de Relações Institucionais e as lideranças do PT na Câmara e no Senado. Como ele tem acesso direto à presidenta, consegue municiar os colegas do Congresso para agirem com timing e reduzirem ou anularem as ofensivas da oposição e as rebeliões da base. O poder que dispõe no governo também ajuda quando aliados batem à porta pedindo verbas públicas. A sensação de acesso às decisões parece ter dado mais confiança política a Mercadante. Em 2009, ele foi desacreditado por colegas pela falta de aptidão como líder. Deixou, abruptamente, a liderança do PT no Senado crivado de críticas por sua gestão e irritado com as constantes intervenções no partido. A máquina governamental está longe de funcionar com o destravamento necessário às negociações políticas, mas o trabalho de Mercadante à frente da Casa Civil aliviou um pouco a presidenta. A sempre centralizadora Dilma confiou atribuições administrativas ao “super-ministro” e com isso ganhou algum tempo para fazer política, que é o que interessa agora. 4#3 NORDESTE: A PREOCUPAÇÃO DE DILMA Campanha petista tenta consolidar hegemonia em seu histórico reduto eleitoral, mas esbarra no crescimento da oposição e na insatisfação da população com promessas não cumpridas Izabelle Torres (izabelle@istoe.com.br) Depois de perder força no Sudeste, a campanha à reeleição de Dilma Rousseff (PT) preocupa-se agora em não abrir espaço para a oposição na região onde o PT historicamente registra seus maiores índices de aprovação. A presidenta lidera as pesquisas na região Nordeste, mas se vê diante de um cenário bem diferente de 2010, quando a então candidata conseguiu a adesão de quase 90% dos nordestinos na disputa contra o tucano José Serra. Agora, quatro anos depois, além de perder eleitores para a chapa encabeçada pelo pernambucano Eduardo Campos (PSB), Dilma sofre com a migração de integrantes da sua base aliada para campanhas dos opositores e vê o senador Aécio Neves (PSDB) celebrar alianças com puxadores de votos em Estados estratégicos como Rio Grande do Norte, Ceará e Bahia. A CONTA - Produtores rurais e moradores que perderam plantações durante a seca amargaram prejuízos financeiros estimados em R$ 15 bilhões No domingo 20, ao participar da missa pelos 80 anos da morte de Padre Cícero, na cidade de Juazeiro do Norte (CE), Aécio Neves deu o tom da ofensiva do PSDB na região e anunciou que vai apresentar este mês um plano estratégico para o Nordeste, incluindo o aumento de repasses financeiros para municípios de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Na prática, atendeu a um pleito dos prefeitos nordestinos, que reclamam que são tratados de maneira desigual em relação às cidades mais ricas. “Será um conjunto de ideias que vai permitir o desenvolvimento do Nordeste”, disse ele. Já Eduardo Campos planeja intensificar a campanha na região na reta final das eleições. Ele acredita que a divulgação de suas realizações em Pernambuco, Estado que governou por oito anos, pode gerar uma identificação dos nordestinos com a candidatura socialista. “A campanha no Nordeste começa mais tarde. Temos certeza de que, à medida que ela avançar, nós teremos um cenário semelhante ao que ocorre no Sudeste: a migração de antigos aliados para candidaturas de oposição”, aposta. Outra preocupação no PT é com a lista de pendências do atual governo com a região. O Nordeste viveu a pior seca dos últimos 50 anos durante o mandato de Dilma Rousseff e o Executivo não conseguiu cumprir nem metade das promessas que fez a produtores rurais e aos moradores que perderam plantações, ficaram sem água e amargaram prejuízos financeiros estimados, por um estudo da Organização Mundial de Meteorologia, em R$ 15 bilhões. O governo do PT também não concluiu obras consideradas essenciais, como a transposição do rio São Francisco e a ferrovia Transnordestina. A conta já começou a ser cobrada pelo eleitor. 4#4 CERCO AO VANDALISMO Com informações passadas por agente infiltrado e por ativistas traídas pelos namorados, polícia descobre como funciona o grupo acusado de organizar manifestações violentas no Rio Wilson Aquino (waquino@istoe.com.br) Na semana passada, o Uruguai recebeu o primeiro pedido de asilo político de brasileiros desde os tempos da ditadura – e negou. A solicitação partiu de ativistas brasileiros que tinham a prisão preventiva decretada sob acusação de formação de quadrilha armada em protestos no País. O inusitado pedido joga luz num caso importante porque deve balizar a forma de tratar o ativismo violento daqui em diante. Afinal, o direito de manifestação deve ser garantido, mas a depredação de patrimônio público ou privado é intolerável. ISTOÉ teve acesso à investigação que resultou em processo contra 23 ativistas cariocas, sendo que três deles – Elisa de Quadros Pinto Sanzi, a Sininho, 28 anos, Camila Aparecida Rodrigues Jourdan, 32, e Igor D’Icarahy, 25 – foram soltos na quinta-feira 24, após 11 dias na cadeia. Foi graças às informações passadas por um policial infiltrado que a ação e a estrutura do grupo foram descobertas. Também contribuíram para montar o quadro os depoimentos das ativistas Anne Rosencrantz e Rosângela Ferreira, motivadas pelo ciúme de Sininho, a quem acusam de ter roubado seus maridos, os líderes Luiz Carlos Rendeiro Jr., conhecido como Game Over, e Gabriel Fernandes Soares. AQUI NÃO - Eloísa Samy teve o pedido de asilo ao Uruguai negado O agente infiltrado, cujo nome será mantido em sigilo, foi quem revelou à polícia, por exemplo, a atuação da advogada Eloísa Samy – uma das que tentaram asilo –, até então vista apenas como defensora de manifestantes. Um dos trechos do relatório policial diz que “ele presenciou Eloísa Samy falando para os black blocs que estava na hora de começar a confusão, dando a entender que era para iniciar os atos de vandalismo, o que de fato ocorreu.” Membro da Força Nacional de Segurança, o espião filmava os integrantes do grupo em manifestações e fazia transmissões em tempo real, através do aplicativo “twitcasting”, para o Centro Integrado de Comando de Controle (CICC), estrutura montada pelo governo Federal para a Copa do Mundo ainda ativa no Rio de Janeiro. SOLTAS - As ativistas Elisa Sanzi, a Sininho, e Camila Jourdan (abaixo) respondem a processo por formação de quadrilha e foram libertadas após 11 dias na cadeia Ele ganhou a confiança dos ativistas, trocou telefones e e-mails e passou a fazer parte de um grupo fechado de conversa criptografada chamada “Telegram”, que não pode ser grampeada. Era através do “Telegram” que os atos mais violentos eram combinados. O espião também passou para a polícia os endereços de sites e páginas pessoais que os ativistas usavam. A investigação sepulta os argumentos de que a violência nas manifestações evoluía de forma espontânea ou como reação à repressão da PM. “Eles associaram-se com a finalidade de praticar, nas manifestações populares, crimes diversos, como danos, lesões corporais, posse de artefatos explosivos e corrupção de menores”, afirma do promotor Luís Otávio Figueira Lopes na denúncia. Grupos como Organização Anarquista Terra e Liberdade (OATL), Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR) e Movimento de Resistência Popular (MRP), entre outros, formaram a Frente Independente Popular (FIP), para definir uma linha de atuação durante os protestos. Entretanto, segundo o promotor Lopes, em reuniões secretas das quais somente participavam as lideranças, a FIP planejava as ações violentas. Membros da FIP e instituições, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), desqualificam o processo judicial, classificado de “criminalização da liberdade de manifestação”. Na quarta-feira 23, 50 integrantes da FIP se reuniram no campus da Universidade Estadual do Rio (Uerj) e uma das questões debatidas era a forma de punir os juízes que deferem a prisão de ativistas. Parlamentares da esquerda fluminense fizeram representação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o juiz Flávio Itabaiana, chamando o magistrado de “arbitrário” e o acusando de “abuso de poder”. Em São Paulo, três manifestantes presos por vandalismo tornaram-se réus na semana passada: o servidor e estudante da Universidade de São Paulo (USP) Fábio Hideki Harano, 26 anos, o professor Rafael Marques Lusvarghi, 29 – ambos detidos no dia 23 de junho – e o motorista João Antônio Alves de Roza, 46, preso desde 1º de julho. A Justiça aceitou a denúncia contra Hideki e Lusvarghi por associação criminosa, incitação à violência, posse de artefato explosivo, resistência e desobediência. Roza é acusado de depredar uma concessionária de carros de luxo durante um protesto. Ele é identificado pela polícia como black bloc e responde por associação criminosa e dano ao patrimônio. Na quinta-feira 24, foi preso temporariamente o professor Jefte Rodrigues do Nascimento, 30 anos. Ele foi detido sob suspeita de depredação a uma agência bancária e uma concessionária durante manifestação em 19 de junho. CADEIA - Na quinta-feira 24, o professor Jefte Rodrigues foi preso em São Paulo, acusado de vandalismo. Outros três manifestantes paulistas viraram réus na semana passada pelo mesmo motivo ______________________________________ 5# COMPORTAMENTO 30.7.14 5#1 AS RELIGIÕES AFRO CONQUISTAM A CLASSE MÉDIA 5#2 VIVENDO DE VIDEOGAME 5#3 "O CÉU ESTÁ EM FESTA" 5#4 ARTE QUE NÃO VIAJA 5#5 ATÉ ONDE DUNGA PODE IR 5#6 À BEIRA DO COLAPSO 5#1 AS RELIGIÕES AFRO CONQUISTAM A CLASSE MÉDIA Os cultos de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, atraem cada vez mais a população escolarizada do País Paula Rocha (paularocha@istoe.com.br) Em uma noite fria na cidade de São Paulo, um grupo composto por advogados, engenheiros, médicos e empresários se reúne em um salão amplo e bem iluminado no segundo andar de um prédio, na zona leste da capital. Vestidos de branco e carregando flores e velas, cada um deles está ali por motivos distintos, mas com um objetivo em comum: louvar os orixás – divindades africanas – e oferecer seus corpos como “casa” temporária para espíritos de caboclos e outras entidades. Esse ritual, ou “gira” na linguagem da umbanda, acontece quinzenalmente ao som de tambores e cânticos e sob a orientação do médium Rubens Saraceni, sacerdote umbandista. Além das profissões de prestígio dos frequentadores, outro detalhe chama a atenção: entre os mais de 200 médiuns, de ambos os sexos, presentes naquela noite, apenas três eram negros. A superioridade branca desse terreiro é um sintoma da nova composição de fiéis das religiões afro-brasileiras. Antes frequentados majoritariamente por pessoas de origem humilde, baixa escolaridade e negros – grupo ligado à origem desses ritos –, os cultos de matriz africana, como a umbanda, o candomblé e a religião dos orixás (leia quadro com as características de cada religião na pág. 53), conquistam cada vez mais a classe média branca e escolarizada do País. Segundo os últimos dados do IBGE, 47% dos adeptos das religiões afro no Brasil são brancos e 13% do total de fiéis tem nível superior completo – índice acima da média nacional, de 11%. A advogada Flora de Almeida, 29 anos, é o retrato desse crescente tipo de devoto. Criada por pais católicos não praticantes, ela sempre sentiu falta de professar uma religião. “Mas não me sentia à vontade em instituições cheias de dogmas e regras nas quais não acredito”, diz Flora. Em 2012, enquanto enfrentava o término de um relacionamento amoroso, ela decidiu buscar apoio na umbanda, fez um curso e começou a trabalhar em um terreiro. Meses depois, no entanto, conheceu o candomblé e se apaixonou. Hoje ela é “filha” do sacerdote Armando de Ogum e ainda está assimilando os conceitos de sua nova fé. “É como se eu voltasse a ser criança. Tenho que aprender tudo do zero, e é um aprendizado muito bonito. Fui acolhida dentro de uma família”, diz. As religiões de matriz africana chegaram ao Brasil entre os séculos XVI e XIX, trazidas pelos escravos, alguns deles sacerdotes, que eram traficados para cá. Como, naquela época, a única religião aceita no País era o catolicismo, os devotos dos orixás tiveram que se comportar como cristãos, frequentando ritos e cultuando santos católicos. Dessa mistura entre tradição africana e influência europeia nasceu o candomblé – que une a devoção aos orixás com conceitos da religião católica –e posteriormente a umbanda, misto de culto aos orixás, com preceitos kardecistas e crenças indígenas. “As religiões afro-brasileiras nasceram marginalizadas e, ao longo do tempo, foram estabelecendo laços com pessoas influentes, que ajudavam a diminuir o preconceito na sociedade em geral”, diz Reginaldo Prandi, professor-sênior do departamento de sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro “Mitologia dos Orixás”. “As pessoas de classe média e alta já vêm se integrando aos cultos afro há muito tempo, mas são discretas devido às suas posições sociais”, conta o sacerdote Rubens Saraceni. “Mas essa integração, principalmente à umbanda, cresce cada vez mais.” Na esteira do aumento do grau de instrução dos fiéis das religiões afro surgiram escolas e cursos de umbanda e candomblé, que ensinam os conceitos teológicos por trás das atividades praticadas nos centros religiosos. Já existe até uma faculdade de teologia umbandista reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC), a Faculdade de Teologia Umbandista (FTU). Outro setor que prospera com a inserção dos mais abastados nos cultos de matriz africana é o do comércio de artigos afro. Só a loja Mãe África, considerada a maior do País, oferece mais de dois mil itens em 340 m2 de área – o mais caro deles, uma peça em bronze que reproduz uma rainha iorubá (grupo étnico africano), custa R$ 15 mil. “A ideia de que as religiões afro são coisa de gente pouco instruída ou pobre está totalmente errada”, diz Prandi. “Hoje, a camada mais pobre do Brasil, a base da pirâmide, é, em sua maioria, evangélica.” Nascida em uma família de classe média católica e com ascendência oriental, a empresária Juliana Ogawa, 37 anos, presenciou de perto a mudança no perfil dos fiéis afro. Aos 13 anos, levada por um tio, ela procurou a umbanda pela primeira vez, atrás de uma cura ou explicação para as dores de cabeça que sentia constantemente, e que não foram diagnosticadas. Durante os sete anos seguintes, ela se dedicou à religião, descobriu-se médium, mas abandonou os rituais, procurou outras formas de exercer sua espiritualidade e só voltou para a umbanda em 2009. “Antes, era raríssimo encontrar alguém com ensino superior. Hoje, todas as pessoas da casa que frequento têm terceiro grau completo”, conta Juliana. Assumir sua opção religiosa, no entanto, não é mais fácil atualmente do que há duas décadas. “O preconceito ainda existe e parece até pior do que antes, por conta do avanço dos evangélicos neopentecostais, que são contra os cultos afro”, diz ela. “Os neopentecostais tratam as religiões de matriz africana como inimigas e esse intenso combate contribui para a evasão dos mais humildes”, acrescenta Prandi. Os novos fiéis de classe média, por sua vez, fazem questão de não esconder sua religiosidade. Caso do médico Rogério Pascale, 38 anos, seguidor da religião dos orixás há sete anos. Toda vez que cumprimenta o Babá King, sacerdote do Templo Oduduwa, em Mongaguá (SP), o clínico geral se ajoelha e encosta a testa no chão, em sinal de reverência, mesmo que esteja dentro do hospital em que trabalha. “Nessa religião não há julgamento e respeitamos as pessoas pelo que elas são”, diz Pascale. “Aqui não importa quem ganha mais ou menos. Somos todos iguais.” 5#2 VIVENDO DE VIDEOGAME Como é a rotina dos ciberatletas brasileiros, jovens que têm patrocinadores, recebem salário para passar o dia jogando e disputam torneios mundiais Helena Borges (helenaborges@istoe.com.br) Pedro Marcari tem 18 anos, acaba de se formar no ensino médio e leva a vida dos sonhos de qualquer garoto da sua idade: acorda às 11 horas, joga videogame por horas a fio e vai dormir de madrugada sem ouvir reclamações dos pais. Férias? Longe disso. Essa é a profissão de Marcari, e graças a ela já recebe um salário mensal em torno de R$ 3 mil. Ele faz parte de uma turma de jovens conhecidos como ciberatletas, que viajam pelo mundo competindo em torneios internacionais de videogames e, às vezes, acumulando verdadeiras fortunas. A equipe chinesa Newbee, por exemplo, venceu na segunda-feira 21, em Seattle, nos Estados Unidos, o mundial de “Defence of the Ancients”, jogo popularmente conhecido como “Dota”, e levou para casa nada menos do que US$ 5 milhões. A brincadeira pode parecer de criança, mas as cifras são de gente grande. PROFISSIONAL - Game House da equipe Kabum: os garotos moram numa casa em Limeira (SP) onde álcool, festas e namoradas são proibidos “Meus pais não acreditavam muito, até que o dinheiro começou a cair na conta”, diz Marcari, que se mudou de Ribeirão Preto para Limeira, ambas em São Paulo, e hoje vive com seis amigos em uma game house. Lá, eles não se preocupam com faxina, contas ou supermercado, tudo é pago pelos patrocinadores do time. Há quatro dessas moradias no Brasil. Elas servem de quartel-general onde namoradas, festas, ou bebidas alcoólicas não são permitidas. Ali só se pensa em uma coisa: League of Legends, ou LOL. Na arena virtual, Marcari se chama Lep, é o capitão da equipe Kabum, composta por mais quatro colegas, e comanda ataques às torres dos rivais com o objetivo de destruir a base inimiga, numa espécie de xadrez fantasioso. Durante a final mundial desse jogo, no ano passado, 13 mil pessoas lotaram o estádio do time americano de basquete, o Los Angeles Lakers, e 32 milhões assistiram via web. No Brasil, a derradeira batalha na disputa do prêmio de R$ 55 mil estava marcada para o sábado 26, no Maracanãzinho, e teve os sete mil ingressos esgotados em apenas cinco horas. Para Marcari e sua turma chegarem lá, foram necessárias seis horas diárias de treino, mais duas horas analisando gravações próprias e de adversários para criar novas estratégias, além de acompanhar transmissões ao vivo dos grandes mestres, os asiáticos, que dominam o ranking. Seu desafiante, o time paulistano CNB, foi criado pelos irmãos Cleber e Carlos Fonseca, de 23 e 27 anos. Hoje publicitário, Cleber chegou a repetir o oitavo ano do ensino médio por causa dos campeonatos, dos quais começou a participar em 2009. Os irmãos comandam 14 ciberatletas de três jogos diferentes e possuem uma game house na zona sul de São Paulo. EMPRESÁRIOS - Os irmãos Carlos (à esq.) e Cleber comandam 14 ciberatletas de três jogos diferentes Cleber explica o modelo de gestão da empresa: “Pagamos salário de R$ 800 somente para gastos pessoais e eles também ganham com publicidade em seus vídeos”, diz. Transmissões ao vivo contabilizam semanalmente sete milhões de espectadores que ficam, em média, mais de 70 minutos assistindo às partidas, tempo precioso para anunciantes. A renda mensal de um jogador pode variar de R$ 2 mil a R$ 10 mil, segundo ele. No entanto, como para qualquer atleta, a carreira é curta. A idade máxima gira em torno de 28 anos. Depois disso, alguns voltam para seus planos iniciais de faculdade, outros criam suas próprias empresas. Iniciadas como movimentos de fãs, as competições ganharam a atenção das empresas de software nos últimos três anos e hoje figuram entre suas maiores fontes de renda. Segundo a empresa de monitoramento online Super Data, usuários americanos de plataformas como LOL e Dota gastaram US$ 774 milhões com os jogos, apenas no mês passado. Esse valor se refere exclusivamente a extras, como equipamentos e roupas para os personagens, pois o acesso aos programas é gratuito. A previsão para o Brasil é de que o mercado – já existem 3,4 milhões de jogadores no País – movimente US$ 1,5 bilhão neste ano. Apesar das cifras generosas, os números ainda estão a léguas dos da Coreia do Sul, onde os jogos são transmitidos por canais de tevê aberta no horário nobre. “Isso vai levar décadas para acontecer aqui, os coreanos têm uma cultura de jogos muito enraizada”, diz Roberto Iervolino, da Riot Games. A primeira geração de ciberatletas brasileiros já está em campo. 5#3 "O CÉU ESTÁ EM FESTA" A dura infância de Ariano Suassuna moldou o escritor que fez do sertão um clássico internacional e partiu deixando um livro inédito por Luciano Suassuna Autor de 15 peças de teatro, seis romances e dezenas de poemas, ele gostava de escrever à mão A essa altura, o Encourado está ainda mais zangado porque não consegue cumprir sua parte no julgamento – e, coitadinho, por força do papel, nem se divertir ele pode. A Compadecida, dessa vez, foi dispensada de interceder pelo homem alto e magro que, recém-chegado ao céu, reúne a maior plateia já vista de anjos e santos, todos embevecidos com sua aula-espetáculo. Ariano Suassuna ainda não percebeu, mas Manuel, o Jesus negro da peça “Auto da Compadecida”, teve de se recolher a um canto discreto para não comprometer a aura divina: às gargalhadas, ele ouve as histórias do escritor que transformou o sertão num clássico da cultura nacional e sucesso de público internacional. Histórias como a da madrugada em que se preparava para o vestibular, no misto de sala de estudos e quarto de dormir, no primeiro andar da casa em que a família morava, no centro do Recife, quando ouviu a ponta de uma escada encostando na janela aberta. Com a luz apagada, Ariano se acocorou ao pé da janela enquanto acompanhava pelo som a escalada do intruso. Quando ele colocou a cabeça para dentro do sótão para reconhecer o ambiente, Ariano se levantou de supetão: – Boa noite, seu ladrão! O homem recuou do susto, a escada tombou e ele fugiu. “O céu está em festa”, disse Ana Rita, a mais nova dos seis filhos de Ariano e Zélia, durante o velório do pai, na quinta-feira 24. “Nós vamos chorar e rir, pois lembraremos de todas as histórias dele.” Mas Ariano era avesso ao céu. Pelo menos o dos homens, com seus aviões. Numa das suas saídas do Recife, a aeromoça percebeu seu incômodo com a viagem. – Moço, o senhor está com falta de ar? – Não, minha senhora. Estou com falta de terra. O escritor de 15 peças de teatro, seis romances e dezenas de poemas, seu lado menos conhecido do grande público, partiu aos 87 anos, vítima de um AVC. Escrevia à mão e usava a máquina de escrever para passar o texto a limpo, antes de corrigir, refazer, rasurar novamente o papel. “Gosto do corpo a corpo com escrita”, explicou numa entrevista à ISTOÉ Gente. “Acho o computador frio.” Ariano tinha na cultura oral e nos personagens populares do sertão sua eterna fonte de inspiração. Soube garimpar na aridez profunda das terras da Paraíba e de Pernambuco o ouro cultural que a Península Ibérica aportou ao Brasil nos séculos da colonização. Para isso, temporadas na fazenda de um tio, em São José do Egito, e os anos em que morou em Taperoá, na Paraíba, ofereceram-lhe os motes e os personagens. “Na legendária Fazenda São Pedro ouvi, pela primeira vez na minha vida, meu tio Joaquim – seu Quincas – ler para mim, com uma dicção impecável, páginas e páginas de uma biografia de dom Sebastião, rei de Portugal. Foi lá que aprendi as primeiras “cantigas velhas”, romances ibéricos sobreviventes em nossa tradição oral e que aparecem ainda hoje em quase tudo o que escrevo”, anotou Ariano. Tirou de um dos moradores da fazenda, Mané Gaspar, o jeito de João Grilo, o protagonista da “Compadecida”. Na origem desse homem sorridente, contador de histórias divertidas, havia um início de vida doloroso. Ariano nasceu no Palácio da Redenção, na capital da Paraíba, então chamada de Nossa Senhora das Neves. Seu pai era o presidente da província da Paraíba, de onde saiu eleito deputado federal. Aos 3 anos, despediu-se dele no porto do Recife. Para sempre. No Rio de Janeiro, então capital do País, João Suassuna foi assassinado com dois tiros, vítima da radicalização política da Revolução de 1930. No dia 8 de outubro, enviou uma carta à mulher, Rita, que pela emoção das palavras e a força dos propósitos marcou profundamente a família. Leia alguns trechos desse documento marcante, registrado no livro de um dos irmãos de Ariano como “Carta de um homem à sua mulher, na véspera de ser assassinado”. Rio 8 de outubro de 1930 Ritinha Saudades infindas! Ah! minha querida mulher, só Deus sabe como tenho sofrido moralmente nesses dias de incerteza e apreensões terríveis. Quero dar o testemunho mais uma vez perante o Senhor para, se eu desaparecer também e não nos virmos mais nesse mundo de tristezas e dores pungentes, poder você assegurar aos nossos adorados filhos que eu sou inocente na morte do presidente João Pessoa. Eu nunca me despedi de você, Ariano, Betinha e Saulo, a bordo, como de Neves e dos outros filhos em Paulista, com tanta saudade. Ah! que esforço fiz para não chorar e demonstrar a você como me ficava o coração naquele abraço, talvez o último nesse mundo, em que os deixo ou deixarei pobres e expostos a verdadeiros martírios. Não alimentem, apesar disso, ideia ou sentimento de vingança contra ninguém. Recorram a Deus e para Deus somente. Não se façam criminosos por minha causa! Continue a educá-los no trabalho, na modéstia da vida e na religião cristã. Ariano se lembra da despedida. A ausência do pai o marcou profundamente. “Essa é uma coisa com que a gente nunca se conforma”, disse. À ISTOÉ Gente contou uma história que mostra o poder da frase do pai, pedindo na carta para a família não alimentar vingança. Condenado a quatro anos, o pistoleiro Miguel Alves de Souza cumpriu dois e, uma vez solto, passou desavisadamente próximo à fazenda da família, em Sousa, no sertão paraibano. Escapou da morte por misericórdia. “Lembro de um morador, que gostava muito de papai, ajoelhado nos pés de mamãe”, contou Ariano. “Ele pedia que ela não dissesse que mandava matar ele: mas dissesse apenas que permitia. Ela não permitiu.” Rita de Cássia Vilar Suassuna tirou dos nove filhos qualquer ideia de vingança e, até morrer, aos 94 anos, usou luto como forma de protesto. Ariano deixa um livro inédito, uma obra de centenas de páginas a que se dedicou por três décadas. “É um livro dividido em vários romances mais curtos”, explicou. “Cada um deles tem vida independente. Pode ser lido separadamente. Mas, no todo, forma um conjunto harmonioso porque os personagens são os mesmos. Eu já escrevi muita coisa, mas o problema é saber o que vou colocar no primeiro. Porque o primeiro precisa servir de introdução aos outros.” Quando seus interlocutores se espantavam demais com as reviravoltas de uma história, explicava que nunca mentia para criar uma história, apenas a melhorava. E, talvez pela infância difícil e a leveza com que tocou a vida depois, tinha outra máxima: “Toda história ruim de passar é boa de contar depois”. Ariano se vai, deixando pequenas joias, como esse trecho do poema “A mulher e o Reino”: Dizem que tudo passa e o Tempo duro tudo esfarela: o Sangue há de morrer! mas quando a luz me diz que esse Ouro puro se acaba por finar e corromper meu sangue ferve contra a vã Razão e há de pulsar o Amor na escuridão! 5#4 ARTE QUE NÃO VIAJA Museu holandês anuncia que o famoso quadro "Garota com Brinco de Pérola", de Vermeer, não deixará mais o país, a exemplo de outras obras célebres impedidas de transitar para não serem danificadas ou frustrar o público Raul Montenegro (raul.montenegro@istoe.com.br) Depois de um tour internacional que passou por Japão, Estados Unidos e Itália, o famoso quadro “Garota com Brinco de Pérola”, de Johannes Vermeer, voltou à sua casa, na Holanda, terra natal do pintor. Desta vez, para sempre. De agora em diante, a obra ficará confinada ao Mauritshuis, em Haia, porque centenas de turistas visitam o museu todos os dias só para vê-la. Mestre do século de ouro holandês, Vermeer foi um artista obscuro em seu próprio tempo – suas pinceladas só ficaram conhecidas no começo do século XX. A fama de “Garota com Brinco de Pérola”, porém, aumentou muito quando, em 1999, Tracy Chevalier escreveu um romance sobre a moça e a publicação acabou inspirando um filme de 2004, estrelado por Scarlett Johansson. Apesar de os cineastas não serem historicamente precisos (ninguém sabe quem era a menina retratada nem se ela foi amante de Vermeer, como a ficção retrata), a obra cinematográfica conferiu enorme popularidade ao quadro, conhecido como a “Mona Lisa do Norte”, e filas cada vez maiores foram se criando por onde passou. Agora, essa multidão deverá se concentrar em Haia. Garota com Brinco de Pérola (Johannes Vermeer) - O quadro do século XVII ficará proibido de sair de Haia, na Holanda, para não desagradar às centenas de turistas que visitam o museu Mauritshuis diariamente só para vê-la Com isso, “Garota com Brinco de Pérola” se une a outras obras impedidas de viajar, por motivos de preservação ou financeiros. Exposta no Louvre, em Paris, a Mona Lisa de Leonardo da Vinci não pode ser emprestada porque foi pintada em madeira e é sensível a mudanças climáticas. No entanto, é claro que o fato de ser um chamariz de público é determinante. O próprio museu francês admite que não pode decepcionar seus 9,3 milhões de visitantes anuais, dois terços deles compostos por estrangeiros que estarão em suas galerias uma única vez na vida e querem ver o quadro mais célebre do Renascimento. No Louvre também está a “Vitória de Samotrácia”, estátua grega do século 2 a.C. que retrata Nice, outra preciosidade que só pode ser apreciada in loco devido ao seu peso, o que dificulta os deslocamentos. Nem para ser restaurada ela deixou o museu. Foram dez anos de planejamento somente para a escultura de 5,7 metros e 30 toneladas ser transportada para outra sala. “O maior receio é com a conservação. Mas é claro que tem o lado econômico também. Que galeria quer perder sua obra-prima?”, pergunta Angelo Oswaldo, presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), do Ministério da Cultura. O tamanho também é um problema no caso de “Guernica”, a colossal tela modernista de Pablo Picasso sobre os horrores da Guerra Civil Espanhola. Com 3,5 metros de altura e 7,8 de largura, a pintura precisava ser enrolada para viajar a exposições em outros locais, prática hoje considerada arriscada por museólogos. Um dos 39 lugares que receberam o quadro foi a 2ª Bienal de São Paulo, entre dezembro de 1953 e fevereiro de 54. Foi o próprio Picasso quem pediu que ela não fosse mais emprestada devido aos óbvios danos que havia sofrido. Já “Os Jogadores de Cartas”, do pós-impressionista Paul Cézanne, está confinado à Fundação Barnes, na Filadélfia (EUA), criada pelo colecionador Albert Barnes. Ele proibiu que os trabalhos expostos ali fossem emprestados ou mesmo que sua disposição fosse alterada no museu, por ver seu acervo como um conjunto inseparável. Além de 69 Cézannes, a fundação possui 181 Renoirs, 59 Matisses, 46 Picassos e sete Van Goghs, entre outros. No Brasil, medidas tão drásticas ainda não foram adotadas pelos mais importantes museus do País. No Museu de Arte de São Paulo (Masp) as obras pintadas sobre madeira viajam muito pouco porque o material sofre forte ação de variações na temperatura. É o caso de “Ressurreição de Cristo”, de Rafael, feito na virada do século XIV para o XV. Algumas saem do País só sob condições muito especiais. Foi o que ocorreu com “São Jerônimo Penitente no Deserto”, de Andrea Mantegna, exposta no Louvre para uma mostra sobre o renascentista italiano. A condição para empréstimo era de que fosse restaurada pelos profissionais do museu de Paris, já que a recuperação de uma obra desse tipo pode custar até US$ 500 mil. 5#5 ATÉ ONDE DUNGA PODE IR Enquanto a CBF emite todos os sinais de que pouco pretende mudar, o governo prepara uma série de medidas para tentar modernizar o futebol no País Rodrigo Cardoso (rcardoso@istoe.com.br) Dunga tem em seu currículo 77,9% de aproveitamento nos 68 jogos em que esteve no comando da Seleção, entre 2006 e 2010. Amparada nesse retrospecto, a CBF deu, na terça-feira 22, nova chance ao treinador gaúcho. Após o País protagonizar o maior fracasso da história do futebol mundial – nunca uma seleção anfitriã havia tomado uma goleada de 7 a 1 numa Copa, como o Brasil –, a estratégia da cartolagem foi promover uma troca súbita da comissão técnica e desviar o foco da modernização da estrutura do futebol brasileiro. Nesse sentido, alçar ao cargo Dunga, um tipo linha-dura, polêmico e com índices de rejeição na casa dos 80%, teria sido a saída perfeita para manter as discussões restritas à escolha do novo técnico. SEGREDO - Dunga nunca admitiu, mas documentos mostram que ele já lucrou vendendo jogadores para o Exterior Afinal, Dunga não simboliza uma renovação, fato que ficou ainda mais claro depois que a emissora de tevê ESPN revelou, na quinta-feira 24, que o treinador já atuou como agenciador. Documentos provam que, em 2004, ele recebeu comissão de R$ 407.384,08 pela transferência do jogador brasileiro Éderson, que hoje está na italiana Lazio. Ou seja, além do coordenador de Seleções Gilmar Rinaldi, o treinador da Seleção, que assumiu o posto reforçando seu estilo pautado pela transparência, também já lucrou com transferências de atletas. Em sua apresentação na CBF, Dunga não discorreu sobre isso, porque, claro, supunha que o assunto pudesse ficar escondido. E deixou claro que o seu negócio, agora, é a Seleção e a Copa de 2018, na Rússia. Nada foi falado também sobre o fato de o Brasil, País de dimensões continentais, não formar uma quantidade maior de jogadores excepcionais – aqui, hoje, nascem bons atletas como ocorre em outros países menores. A desejada reformulação no futebol tem sido costurada pelo Bom Senso F.C. e por políticos. Na segunda-feira 21, a presidenta Dilma Rousseff recebeu representantes do movimento no Palácio do Planalto. Depois de ouvir dirigentes de clubes, a intenção é modernizar a gestão do futebol por meio da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, que tramita na Câmara. O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, não se conforma com o fato de, em um País pentacampeão mundial, o futebol ter peso pequeno na economia brasileira. A média de público no Brasil, sétima maior economia mundial, é menor do que em nações com pouca tradição no futebol, como China e Estados Unidos. O governo quer que os clubes apresentem balanços rotineiros, sejam rebaixados se não pagarem seus atletas e que as federações possam promover apenas uma reeleição após um mandato de quatro anos. A presidenta se comprometeu a ajudar o Bom Senso a democratizar a estrutura do esporte, fazendo com que treinadores, atletas e árbitros participem de eleições de entidades ligadas ao futebol. Como a CBF se mostra mais preocupada em cuidar da Seleção, é importante mesmo que alguém zele pelo futebol brasileiro. 5#6 À BEIRA DO COLAPSO A Santa Casa de São Paulo, maior hospital filantrópico da América Latina, fecha as portas do pronto-socorro por 30 horas, deixa seis mil pessoas sem atendimento e expõe a situação de penúria dessas instituições no País Fabíola Perez (fabiola.perez@istoe.com.br) Na terça-feira 22, a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo fechou as portas do pronto-socorro por quase 30 horas e deixou de atender mais de seis mil pessoas. O motivo da interrupção nos serviços da maior instituição filantrópica da América Latina é a falta de recursos para comprar medicamentos e itens básicos, como seringas e esparadrapos. A instituição tem hoje uma dívida de R$ 50 milhões com fornecedores, que, segundo o provedor do hospital, Kalil Rocha Abdalla, se negam a entregar novas encomendas enquanto o valor não for pago. A crise não é exclusividade de São Paulo. Outros hospitais filantrópicos brasileiros também estão à beira do colapso e podem fechar. Estimativas do setor indicam que as dívidas das instituições filantrópicas brasileiras chegam a R$ 15 bilhões. DÉBITO MILIONÁRIO - Portões fechados na Santa Casa de São Paulo: dívida supera R$ 300 milhões Em Belo Horizonte, a maternidade da Santa Casa ameaça encerrar as atividades. O serviço gera um prejuízo de R$ 1 milhão por mês, de acordo com o superintendente Gonçalo de Abreu Barbosa. A dívida da instituição supera R$ 200 milhões. Num país onde a carência no atendimento à saúde é uma triste rotina, a declaração de Barbosa surpreende: “Mais de 30 leitos novos estão fechados para contenção de gastos”, diz ele. No interior da Bahia, 40 Santas Casas deixaram de existir nos últimos dez anos. O hospital filantrópico Santa Izabel, em Salvador, recebe do governo federal R$ 5 milhões por mês. Mas, segundo o provedor do hospital, Roberto Sá Menezes, seriam necessários R$ 8 milhões mensais para manter todos os serviços ligados ao Sistema Único de Saúde (SUS). “Tiramos recursos do lucro com os planos de saúde para cobrir o buraco nos serviços públicos de cardiologia, oncologia e ortopedia”, conta. As Santas Casas são responsáveis por 51% da assistência do SUS e chegam a atender mais de dez mil pessoas por dia. Em 999 municípios são a única alternativa da população. A instituição de São Paulo já passou por uma situação semelhante em 2011, quando o hospital ameaçou suspender o atendimento do pronto-socorro pela primeira vez. Naquela época, a dívida era de R$ 120 milhões. Hoje, supera os R$ 300 milhões. A principal queixa do setor é em relação ao financiamento do SUS. “Queremos que o governo pague o que nos custa prestar todo esse atendimento”, diz Edson Rogatti, presidente da Federação das Santas Casas. Segundo ele, a tabela do SUS não é reajustada há dez anos. O governo paulista liberou de forma emergencial R$ 3 milhões para a reabertura do posto, mas exigiu uma auditoria nas contas do hospital. Enquanto a população sofre, a situação virou uma briga política. O Ministério da Saúde acusa São Paulo de reter R$ 74 milhões enviados para a Santa Casa. A administração estadual nega e diz que o governo federal confunde e infla os números. _____________________________________________ 6# MEDICINA E BEM-ESTAR 30.7.14 O SONHO QUE PODE TRATAR A ciência começa a testar de que maneira sonhar pode ajudar no tratamento de pesadelos, dor crônica, estresse, doenças mentais como a esquizofrenia e até aprimorar o desempenho esportivo Cilene Pereira (cilene@istoe.com.br) O paulista Bruno Henrique do Carmo, 32 anos, sempre teve pavor de água. Um dos temas recorrentes em seus pesadelos eram tsunamis, afogamentos. O terror permaneceu até que um dia teve um sonho diferente. Sonhou que estava em alto-mar, mas, em vez de sucumbir ao medo, teve a clareza de perceber que estava apenas sonhando. “Resolvi aproveitar a liberdade de fazer o que quisesse”, lembra. “Mergulhei e nadei”, recorda-se. Depois do episódio, Bruno perdeu a aversão à água. Pesquisador da área de neurociências do Instituto do Cérebro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Natal, ele agora aproveita as praias da capital potiguar, surfa e veleja. O tipo de sonho que Bruno teve se chama sonho lúcido. Nele, o indivíduo sabe que está sonhando e pode até interferir no roteiro se desejar. O fenômeno é conhecido da ciência há tempos, mas nos últimos anos ganha atenção crescente. Isso porque ele apresenta um expressivo potencial para ajudar no tratamento de diversas condições – assim como foi decisivo para que Bruno perdesse o medo da água. Hoje, há centros de pesquisa pelo mundo avaliando sua eficácia contra pesadelos e dor crônica, entre outras enfermidades, e como um instrumento de promoção da melhora no desempenho motor e esportivo. Contra os pesadelos, o objetivo é usar a consciência de que se está sonhando para interferir no conteúdo e mudar a história de forma a trocar o que dá medo por algo que conforta. No Instituto de Consciência e Pesquisa do Sono, na Áustria, esse trabalho vem sendo feito há sete anos. Os primeiros pacientes tinham pesadelos recorrentes, sem causa aparente. Depois, juntaram-se a eles vítimas de estresse pós-traumático, condição marcada por sonhos aterrorizantes a respeito do trauma que motivou o estresse. “Temos resultados significativos com os dois grupos”, disse à ISTOÉ a pesquisadora Brigitte Holzinger, uma das fundadoras da Associação Austríaca de Pesquisa em Sono. Os resultados da Áustria aproximam-se dos obtidos em outras partes do mundo. Na lista das melhores práticas para o tratamento dos pesadelos, publicada no “Journal of Clinical Sleep Medicine”, um dos principais no campo da medicina do sono, a terapia do sonho aparece com uma recomendação positiva. “Ela pode ser considerada uma opção”, explicou à ISTOÉ Sanford Auerbach, da Universidade de Boston (Eua) e um dos coordenadores das orientações. Boas evidências do potencial dos sonhos lúcidos também são encontradas na área das habilidades motoras e performance esportiva. O que se quer é melhorar a precisão do chute, do arremesso, por exemplo? Use o sonho lúcido para treinar os movimentos. Um dos primeiros a apontar os benefícios da estratégia foi Daniel Erlarcher, da Universidade de Heidelberg, na Alemanha. Um de seus trabalhos demonstrou como ter consciência do sonho auxilia na coordenação. Ele selecionou 40 voluntários, metade dos quais com histórico de ter sonhos lúcidos espontaneamente. Todos deveriam jogar moedas em um recipiente e tinham 20 chances de fazer isso. Os sonhadores foram orientados a tentar sonhar que acertavam a jogada. No dia seguinte, os sete indivíduos que conseguiram treinar durante o sonho mostraram melhor performance. “Ensaiar durante o sonho tem impacto positivo na performance real”, afirmou Erlarcher à ISTOÉ. CIÊNCIA - Dresler (à esq.), da Alemanha, mapeou o que ocorre no cérebro durante os sonhos. Sérgio, do Brasil, quer criar métodos para induzir esse tipo de experiência Seu colega Tadas Stumbrys, também de Heidelberg, está ampliando as investigações. “Constatamos que o sonho lúcido pode melhorar o desempenho no esporte”, contou à ISTOÉ. Seus levantamentos revelaram que 5% dos atletas utilizam conscientemente esse poder. Dados semelhantes foram levantados por Melanie Schadlich, na mesma universidade alemã. Em uma pesquisa preliminar feita com os que costumam ter sonho lúcido e os utilizam para aprimorar as habilidades na música e nos esportes, ela colheu depoimentos interessantes. Muitos relataram que treinar no sonho os ajudou a realizar movimentos que antes não eram capazes de executar. Nos EUA, o pesquisador Mauro Zappaterra, da Universidade da Califórnia, registrou o primeiro caso do mundo de alívio da dor crônica com o auxílio do sonho lúcido. O paciente, chamado apenas de Mr. S., sofria dores terríveis após uma cirurgia feita em 1991. Ao longo dos 22 anos seguintes, Mr. S. foi submetido a diversos tratamentos. No dia 2 de março de 2013 ele teve o sonho que interrompeu esse sofrimento. Consciente de que estava sonhando, ele viu formas como se fosse o DNA. E procurou entender o que estava vivendo. “Pareceu que meu cérebro desligou e foi ligado novamente”, contou. Quando acordou, a dor havia ido embora. Ela reapareceu 20 dias depois, mas com a metade da intensidade. Hoje, ele mantém o controle com medicação – menos do que antes – e terapia. Os cientistas não sabem ao certo o mecanismo que levou ao alívio. “Acredito que o trabalho multidisciplinar feito nos dois anos anteriores ao sonho tenha remodelado seu sistema nervoso. E o sonho funcionou como uma poderosa experiência de cura após todo o trabalho prévio”, disse à ISTOÉ Mauro Zappaterra. A possibilidade de tirar proveito do sonho é objeto de estudo de Peter Morgan, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Yale (EUA). “Esse recurso pode ter benefícios para uma variedade de condições físicas e mentais, na maioria das vezes como terapia coadjuvante”, afirmou à ISTOÉ. No Brasil, a psiquiatra cearense Natália Mota pesquisa o assunto no Instituto do Cérebro, em Natal. Um dos aspectos é a relação entre o sonho lúcido e a esquizofrenia. Entre os raciocínios que motivam a investigação está o de que, talvez, seja possível usá-lo para ajudar o paciente a perceber quando tem uma alucinação. “Teoricamente, se ele é treinado e fica apto a identificar quando está sonhando, talvez fique habilitado para saber quando está tendo uma alucinação”, explica a médica. Acredita-se ainda que, a contar pelos resultados obtidos até agora na melhora das habilidades motoras, é possível que os sonhos sirvam como um meio útil para auxiliar na reabilitação física após lesões e acidente vascular cerebral. “Os exames de imagem cerebral mostram que a prática motora durante os sonhos ativa as mesmas regiões cerebrais acionadas na vigília”, disse o cientista Tadas Stumbrys. Há também o aprendizado sobre a própria consciência e o crescimento emocional que pode advir disso. Um dos que estão empenhados em descobrir como funciona o estado de lucidez durante os sonhos é o cientista Martin Dresler, do Instituto Max Planck, na Alemanha. Ele acaba de publicar um trabalho no qual descreve um mapa do que ocorre no cérebro durante esses sonhos. “Aprofundaremos os estudos para explorar mais os circuitos neurais envolvidos”, adiantou à ISTOÉ. Diante de todo esse potencial, há esforços para encontrar maneiras de facilitar a ocorrência do sonho. Há técnicas que ajudam a ter esse tipo de experiência (leia quadro abaixo). Mas os cientistas pesquisam outras formas. É o caso do pesquisador Sérgio Mota Rolim, do Instituto do Cérebro, em Natal. “Queremos construir um dispositivo para induzir o sonho lúcido”, conta. Na J.W. Goethe-University Frankfurt, na Alemanha, a cientista Ursula Voss descreveu na revista científica “Nature” como fez isso por meio da aplicação de suaves estímulos elétricos em pontos do cérebro. “Acho que qualquer pessoa pode ter um ou mais desses sonhos”, disse Ursula à ISTOÉ. Colaborou Mônica Tarantino _______________________________________ 7# ECONOMIA E NEGÓCIOS 30.7.14 7#1 SAUDADES DO PIBINHO 7#2 COMO NEGOCIAR AS TARIFAS DA CONTA-CORRENTE 7#1 SAUDADES DO PIBINHO Previsão do PIB para 2014 cai pela oitava semana consecutiva, fica em menos de 1% e piora a expectativa sobre a economia Luisa Purchio (luisapurchio@istoe.com.br) Diante do fraco desempenho da economia em 2014, a equipe econômica do governo já trabalha com a hipótese de o Produto Interno Bruto (PIB) registrar resultados negativos no segundo e terceiro trimestres, o que configuraria um quadro de recessão técnica. Na segunda-feira 21, o Boletim Focus, do Banco Central, apontou para um cenário desalentador, ao reduzir pela oitava vez consecutiva as expectativas para a expansão da economia para 2014. O número caiu de 1,05% para 0,97% – no começo de 2013, ele estava em 3,8%. Em 2012, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, estimava um PIB de 2% e classificou de “piada” a projeção de 1,5% feita por economistas do banco Credit Suisse. A situação de lá para cá só se agravou. O Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV diminuiu a expectativa de crescimento de 1,2% a 1,6% para 1% a 1,2%, enquanto a consultoria GO Associados baixou o número de 1,5% para 0,5% (leia quadro). O baixo resultado da indústria nos últimos meses, somado à alta da inflação, à piora das contas públicas e principalmente à baixa confiança dos empresários foi o que fez com que fossem recalculadas as expectativas de crescimento para o ano. Alguns indicadores recentes também foram fundamentais para a revisão dos números, como a queda de 0,18% de abril a maio do IBC-Br – o índice de atividade do Banco Central que é considerado uma prévia do PIB – e o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que apontou uma criação de vagas 57% menor em junho deste ano em comparação a junho de 2013. SINAL VERMELHO - Com queda nos índices de produção e aumento na taxa de importação, as indústrias têxtil e de vestuário iniciam o segundo semestre de 2014 em estado de alerta Os resultados negativos, segundo especialistas, refletem um esgotamento do modelo econômico adotado pelo governo de Dilma Rousseff, baseado no estímulo ao consumo. Além disso, o modelo protecionista do Estado, que influencia, por exemplo, os preços da gasolina, tem resultado em um ambiente de insegurança. O Índice de Confiança Empresarial caiu 6,8% no segundo trimestre de 2014 em relação ao trimestre anterior, enquanto o Índice de Confiança do Consumidor, calculado pela FGV, teve a oitava queda trimestral consecutiva. “Os problemas econômicos do Brasil são conjunturais e estruturais. A chamada “nova matriz econômica” resultou em baixo crescimento e em uma política fiscal associada à contabilidade criativa”, afirma Marcel Balassiano, especialista em economia aplicada do Ibre/FGV. A expectativa para os próximos meses não é das mais animadoras. “Há uma espera pelas eleições e um clima de insatisfação em relação à política econômica”, disse à ISTOÉ o economista Gesner Oliveira, sócio da GO Associados. 7#2 COMO NEGOCIAR AS TARIFAS DA CONTA-CORRENTE Levantamento realizado pelo Idec com os maiores bancos do País constatou que o cliente não sabe que é possível adquirir pacotes mais baratos Por Luisa Purchio (luisapurchio@istoe.com.br) Desde julho de 2013, seguindo regulamentação do Banco Central, as instituições financeiras devem oferecer quatro pacotes de tarifas para pessoa física. A norma facilita o entendimento do consumidor sobre os serviços prestados pelos bancos e seus respectivos valores. Um levantamento realizado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) com os maiores bancos do País constatou, no entanto, que o consumidor ainda enfrenta uma série de dificuldades ao adquirir os serviços. “Há falta de transparência nos pacotes que são oferecidos de acordo com a renda do cliente”, afirma Ione Amorim, economista do Idec. Conhecer em detalhes os serviços ofertados e contratá-los conforme a utilização real por mês pode garantir uma economia de mais de 50% sobre os gastos com tarifas bancárias. “Na prática, o cliente acaba pagando por um serviço que não usa”, afirma Sérgio Odilon dos Anjos, chefe do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central. _________________________________________ 8# MUNDO 30.7.14 8#1 "SOB AS BOMBAS, VIVO COMO UM ZUMBI" 8#2 NA PISTA DOS ASSASSINOS 8#1 "SOB AS BOMBAS, VIVO COMO UM ZUMBI" Palestino relata o sofrimento de morar em Gaza sob intenso ataque de Israel, com racionamento de água, comida e eletricidade Depoimento de Ayman Fahmi Nimer à repórter Mariana Queiroz Barboza A escalada da violência entre o Exército de Israel e o Hamas, facção islâmica que controla a Faixa de Gaza, atingiu um novo pico na semana passada. A ação das forças israelenses se intensificou. Foi bombardeada uma escola que era usada como abrigo pela Organização das Nações Unidas, matando pelo menos 16 pessoas, inclusive funcionários da ONU. Sem acordo para um cessar-fogo, o número de vítimas fatais entre os palestinos ultrapassou 800 – a maioria civis, entre eles, muitas mulheres e crianças. Israel teve 35 mortos. O lançamento de mais de dois mil foguetes do Hamas provocou o cancelamento de voos internacionais a Israel, no que os israelenses classificaram como um “prêmio ao terrorismo”. Sob o medo de novos ataques e com o racionamento de água, comida e eletricidade, a vida em Gaza ficou ainda mais dramática. Na noite da quinta-feira 24, o palestino Ayman Fahmi Nimer, que mora no centro da cidade de Gaza, falou com a ISTOÉ poucas horas depois que um prédio vizinho foi bombardeado. Abaixo, está seu depoimento: POPULAÇÃO EM PÂNICO - Mulher palestina se desespera em prédio atingido pelos mísseis lançados por Israel. Civis são as principais vítimas dos ataques “Viver com o barulho dos bombardeios é assombroso. Em Gaza não temos nenhuma espécie de esconderijo para a população, como há em muitas cidades do Oriente Médio. Vivemos esperando o desconhecido. Não sabemos quando isso vai acabar. É um filme de terror sem fim. Para mim, é muito difícil olhar para minhas filhas enquanto as bombas caem aqui perto, sabendo que não posso fazer nada para protegê-las. Ficamos todos reunidos, a maior parte do tempo, perto da porta de entrada e da escada para sairmos em caso de emergência. Comemos aqui e dormimos no chão. Só nos movimentamos para ir ao banheiro. Passamos o tempo conversando, falando sobre o futuro, lendo, brincando com nossos gatos. Sou como um ator. Estou triste por dentro, mas finjo que está tudo bem. Não quero pensar muito, porque, quando o faço, espero o pior. Não durmo mais de duas horas seguidas há 18 dias. É impossível dormir à noite, fico esperando mais bombardeios. Os mísseis iluminam o céu escuro. Sob as bombas, sem sono, vivo como um zumbi. Não consigo focar em nada. Minha mulher mantém perto dela uma bolsa com documentos importantes: passaporte, cartão do banco, escritura do apartamento. Estou em casa com minha mulher e minhas três filhas agora. Saí há pouco para comprar comida. Estamos no Ramadã, um mês sagrado para muçulmanos do mundo todo, no qual fazemos jejum até o sol se pôr. Acabamos de fazer nossa primeira refeição. Vivo com minha mulher, Heba, e nossas filhas, Lama, de 16 anos, Menna, 14, e Mesma, 13, num apartamento de três quartos no coração de Gaza, no último piso de um prédio relativamente alto, de sete andares. Isso me dá a oportunidade de ver o que está acontecendo em boa parte daqui. Como faz muito calor, mantenho todas as janelas abertas. Tenho sorte de ter uma família relativamente pequena. Os árabes gostam de ter muitos filhos, mas eu não quero mais, porque é muita responsabilidade. Um pai tem que prover abrigo, água, comida e segurança para seus filhos. Mas, em Gaza, é completamente diferente por causa da contínua disputa entre israelenses e palestinos por território. Minhas filhas passaram boa parte de sua infância durante guerras. Elas não sabem o significado de paz. Elas não sabem nem o que é paz de espírito. Sou muito preocupado com o futuro delas. Eu sou farmacêutico, tenho um bom emprego e uma renda relativamente alta. Minha família é muito feliz. Para nossa sorte, as aulas na escola das meninas acabaram há um mês. Estamos agradecidos a Deus que elas não tiveram que ficar ausentes das aulas. DESTRUIÇÃO - A Faixa de Gaza está sob bombardeio há três semanas. Quase 800 palestinos já morreram Toda a Faixa de Gaza é uma fração da cidade de São Paulo. Por isso, quase todo mundo se conhece. Com mais de 800 mortes, em cada vizinhança, existe alguém que perdeu parentes ou amigos. Isso é muito triste. Mas é interessante notar como as pessoas ficam ainda mais unidas. Em volta das mesquitas, elas compartilham sua comida, o pouco de água que têm. Elas não têm nem certeza se viverão para desfrutar daquilo. Eu também não sei se estarei vivo amanhã. O dinheiro não tem valor nenhum, porque os mercados e as lojas estão fechados. Alguns fazendeiros se reúnem em volta das mesquitas. As pessoas vão lá para as orações da tarde e encontram os fazendeiros vendendo legumes que eles mesmos produzem. Hoje comprei tomates, batatas, cebolas e pimenta. É difícil encontrar comida fresca. Também temos um problema com água potável. Nós juntamos garrafas vazias de Coca-Cola e Seven-Up e levamos à rua para enchê-las. Dividi minhas últimas quatro garrafas d’água com minha mãe, então preciso sair amanhã e procurar mais. Não é tão difícil assim encontrar, o pior é trazer para casa. Tenho que pegar o máximo de galões que conseguir carregar nas costas. Tenho também um estoque de alimentos não perecíveis, como feijão, arroz e açúcar, para emergências como essa. Gostamos de estar preparados, porque nunca sei quando tudo isso vai recomeçar. Eu diria que 99% das lojas e restaurantes estão fechados. Há pequenas lojas familiares no térreo das casas, onde posso bater na porta e comprar alguma coisa. No Ramadã, nós jejuamos por 16 horas. Isso é bom porque, durante a noite, ninguém consegue comer e beber tanto. Nos conflitos de 2008 e 2009, foi pior. Eles começaram a atacar em dezembro e a temperatura era muito baixa. Precisávamos de mais comida e mais energia elétrica para nos manter aquecidos. Agora temos energia por duas horas diárias, em média. Há dias em que não há nada. É horrível, porque precisamos de energia para tudo, para acompanhar as notícias, as redes sociais, falar com nossos familiares. Sem eletricidade, me sinto cego. POR TERRA Tanques israelenses avançam pela fronteira, ao norte da Faixa de Gaza. Os ataques ocorrem também por ar e mar. Os israelenses enviam comunicados em panfletos, SMS, ligações telefônicas. Eu recebi uma mensagem gravada, mas, na área em que moro, não nos dizia para deixar nossas casas. Pelo contrário, eles querem que as pessoas se concentrem aqui. O meu bairro é mais seguro que o resto da cidade, mas, ainda assim, há bombas por todo lado. Na mensagem que ouvi, eles explicaram que essa operação é contra o Hamas, não contra os civis. Hoje um prédio vizinho, a 100 metros da minha casa, foi bombardeado por um míssil. Tivemos que descer as escadas correndo e isso foi muito difícil, porque, depois da explosão, uma quantidade enorme de poeira escureceu tudo ao redor. Esperamos três horas na frente do prédio até que pudéssemos voltar. Felizmente ninguém morreu. Você consegue ouvir isso? (O barulho de uma explosão encobre a voz de Ayman) Passou bem pela minha cabeça. Se tiver que deixar minha casa, não tenho para onde ir. Nenhum lugar é seguro. Eu sempre fui um pregador da paz, mas agora, se tivesse um míssil em minhas mãos, o atiraria contra Israel. Pelo menos eu morreria de uma forma digna. Israel tem um dos maiores Exércitos do mundo e nós, palestinos, não temos nada. Para muitos palestinos, não há oportunidade nem esperança. Então, se tiverem de morrer, que morram lutando. Mas não gostamos de morrer, gostamos de viver em estabilidade. Nós deveríamos ter nosso Estado. Eu sou contra o Hamas, mas posso dizer: o Hamas não usa as pessoas como escudo humano, como diz Israel. Há 18 anos vivendo aqui, eu nunca vi um único militante nas ruas. Eles estão todos debaixo da terra (em túneis). Nas ruas, só se pode ver homens segurando sacolas de comida a caminho de casa. Não há mulheres nem crianças. Além de ser muito perigoso dirigir, não há postos de gasolina abertos, então todos andam a pé. O Hamas acredita que as negociações de paz não são a língua que os israelenses entendem. Os israelenses só entendem a língua da violência, matam por vingança. Eu tenho simpatia pelo Mahmoud Abbas (presidente da Autoridade Palestina), mas ele não atingiu nada até agora, todas as negociações falharam. Abbas precisa ouvir mais seu próprio povo. É urgente uma reconciliação entre o Hamas e os outros grupos políticos por uma Palestina unida. Talvez a resistência seja a última reserva que os palestinos tenham para atingir seus objetivos.” 8#2 NA PISTA DOS ASSASSINOS As evidências indicam que os separatistas foram os responsáveis pelo ataque ao voo MH17 da Malaysia Airlines Ludmilla Amaral (ludmilla@istoe.com.br) O cenário que envolve a queda do voo MH17 na quinta-feira 17 da Malaysia Airlines na Ucrânia tornou-se desfavorável aos rebeldes separatistas da autoproclamada República Popular de Donetsk (RPD). As investigações levam a crer, cada vez mais, que os rebeldes são os responsáveis pelo provável disparo do míssil terra-ar que levou à morte 298 passageiros que estavam a bordo, contando com uma pequena ajuda da Rússia, que teria fornecido os armamentos necessários. INDÍCIOS - Peritos revelaram que os separatistas manipularam as evidências, movendo corpos e cortando pedaços dos destroços Analistas militares independentes disseram, ao longo da semana, que o tamanho, a disposição, a forma e o número de estilhaços visíveis em um pedaço da fuselagem do avião indicam o uso de um sistema de mísseis como o SA-11, provável arma utilizada para derrubar a aeronave. Konrad Muzyka, analista do Centro de Análises sobre Defesa IHS Jane, disse que o número de buracos visto nos pedaços da aeronave significa que apenas mísseis com poder de fragmentação como o SA-11 poderiam ter sido usados. “Ele tem uma ogiva de 70 quilos que explode e manda estilhaços para fora”, explicou. O fato de os buracos serem voltados para dentro confirma que a explosão aconteceu do lado de fora do avião. Os separatistas pró-Rússia, num primeiro momento, negaram que teriam em mãos o míssil originário do sistema Buk, criado pela antiga União Soviética e que, de acordo com os EUA, teria sido a arma que abateu a aeronave. Mas, na quarta-feira 23, o líder separatista Alexander Khodakovsky reconheceu que os rebeldes possuíam o armamento. “A questão é esta: a Ucrânia recebeu provas oportunas de que os voluntários tinham essa tecnologia, por culpa da Rússia. Kiev não só não fez nada para se proteger como provocou o uso desse tipo de arma contra um avião que voava com civis inocentes”, afirmou Khodakovsky. Os insurgentes, que tinham total controle dos corpos das vítimas e das caixas-pretas, também relutaram em entregá-los aos investigadores, o que só ocorreu na quarta-feira 23, quando os dispositivos foram levados à Malásia e posteriormente à Grã-Bretanha para serem analisados por especialistas britânicos da Air Accidents Investigation Branch. As caixas-pretas, de acordo com os especialistas, foram danificadas, mas o módulo de memória crítica estava intacto e os dados de um dos diapositivos – de gravação das conversas na cabine – já foram recuperados. A outra caixa-preta, assim que os dados forem recuperados, deverá revelar a hora do acidente, altitude e posição exatos da aeronave. Os investigadores reclamam, no entanto, que os separatistas ainda estão dificultando o acesso das autoridades internacionais ao local dos destroços. Peritos ainda afirmam que os separatistas manipularam as evidências, movendo corpos e cortando pedaços dos destroços. Apenas 200 corpos foram entregues às autoridades. Para piorar, na quarta-feira 23, os rebeldes derrubaram dois caças militares ucranianos que voavam a 17.000 pés, o que levantou ainda mais suspeitas sobre seu envolvimento no ataque ao avião da Malaysia Airlines. Em meio à crise ucraniana, o primeiro-ministro do país, Arseni Yatseniuk, renunciou na quinta-feira 24, após cinco meses no cargo. O chefe de governo perdeu o apoio de dois partidos, o que retirou sua maioria no Parlamento. No lugar de Yatseniuk, assume o atual vice-primeiro-ministro da Ucrânia, Vladmir Groisman. ________________________________________ 9. TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE 30.7.14 AMIZADE GENÉTICA Após estudar 1,5 milhão de genes de mais de duas mil pessoas, cientistas descobrem que cargas genéticas semelhantes podem ser um dos fatores que nos fazem tornar-se amigo de alguém Até hoje se acreditava que as pessoas se tornavam amigas exclusivamente por fatores ligados à personalidade, aos gostos pessoais e por situações vivenciadas em conjunto. A ciência nunca havia aventado a possibilidade de que fatores genéticos pudessem influenciar, de alguma forma, a maneira com que nos relacionamos com pessoas com as quais não temos ligações familiares. E, muito menos, a maneira como escolhemos quem serve para estabelecer conosco uma relação de amizade profunda e duradoura. Mas uma pesquisa realizada por cientistas da Universidade da Califórnia e da Universidade de Yale vai na contramão do senso comum e afirma que, sim, a carga genética pode ter uma forte influência nas relações entre pessoas sem ligação familiar. CAFEZINHO - Os cientistas Fowler e Christakis descobriram que amigos tendem a ter os mesmos genes ligados ao olfato O estudo, conduzido pelo professor de genética e política social da Universidade da Califórnia James Fowler e pelo professor de biologia evolucionária da Faculdade de Medicina de Yale Nicholas Christakis, chegou à conclusão de que pessoas que têm relações de amizade tendem a ter uma carga genética mais semelhante entre si do que com aquelas pessoas da mesma comunidade que não são suas amigas. Segundo os dois cientistas, a pesquisa apontou que por alguma razão evolucionária tendemos a nos tornar amigos daquelas pessoas que são mais parecidas conosco, geneticamente falando. “Pelo nosso estudo percebemos que aquelas pessoas que são amigas de longa data têm uma carga genética tão semelhante quanto primos de quarto grau”, afirmou Fowler. Os dois cientistas chegaram a essa conclusão após estudar cerca de 1,5 milhão de marcadores genéticos – sequências de DNA específicas que determinam as diferenças entre pessoas – de cerca de duas mil pessoas. Fowler e Christakis se aproveitaram dos dados coletados pelo Projeto Framingham, um estudo sobre doenças cardíacas que vem ocorrendo sem interrupções desde 1948. A pesquisa é considerada uma das mais aprofundadas sobre problemas vasculares no mundo e coletou informações de mais de seis mil pessoas da pequena cidade de Framingham, no Estado americano de Massachusetts. Além das informações médicas comuns, como pressão arterial ou hemogramas, o Projeto Framingham obteve dados genéticos de boa parte dessas pessoas e fez um profundo estudo sobre o comportamento delas. Dessa forma, os cientistas tinham em mãos dados dos genes dos pesquisados, assim como de sua vida social. Bastou aos cientistas, então, cruzar os dados. “Nós começamos a perceber que aqueles que eram amigos chegavam a ter 1% do genoma estudado semelhante”, diz Fowler. “Parece pouco, mas em genética isso é um número impressionante”, diz ele. Os pesquisadores constataram que os amigos tinham a tendência de terem genes ligados ao olfato mais semelhantes entre si. E, ao mesmo tempo, terem genes ligados à imunidade mais diferentes. “Evolutivamente isso se explicaria como uma proteção ao grupo. Ou seja, se alguém contrai uma doença, não significa que ela vai dizimar a todos.” Apesar dos resultados promissores, o estudo de Fowler e Christakis não pode ser simplesmente generalizado. “Os dados recolhidos são muito interessantes, mas é preciso lembrar que a população estudada por eles é muito homogênea”, diz o geneticista brasileiro Ciro Martinhago. Quase todos os moradores da pequena Framingham são descendentes de europeus e há pouca miscigenação entre eles. “Mas sem dúvida é uma janela que se abre para futuros estudos nessa linha”, diz Martinhago. ______________________________________________ 10# CULTURA 30.7.14 10#1 LIVROS - HOLLYWOOD NAZISTA 10#2 CINEMA - O MAGO ATORMENTADO 10#3 LIVROS - MONSTRO À ESPREITA 10#4 EM CARTAZ – CINEMA - O ADEUS DE ALAIN RESNAIS 10#5 EM CARTAZ – LITERATURA - FLIP ONLINE 10#6 EM CARTAZ – DVD - O SAMURAI ALAIN DELON 10#7 EM CARTAZ – DANÇA - FESTIVAL DE JOINVILLE TAMBÉM EM SÃO PAULO 10#8 EM CARTAZ – MÚSICA - SEM RESSENTIMENTOS 10#9 EM CARATZ – AGENDA - ANIMA/ALOÍSIO/PAULÍNIA 10#10 ARTES VISUAIS - O BRASIL EM COLISÃO 10#11 ARTES VISUAIS – ROTEIROS - O TEATRO DO ABSURDO E O INSTANTE DECISIVO NA ARQUITETURA DA MULTIDÃO 10#1 LIVROS - HOLLYWOOD NAZISTA Pesquisador mostra como MGM, Paramount, Warner Brothers e Fox apoiaram a ascensão de Hitler adequando seus filmes à propaganda nazista e financiando a produção alemã de armamentos Ana Weiss (ana.weiss@istoe.com.br) Adolf Hitler disse em “Minha Luta” que os livros não serviam para nada. Que um escritor jamais poderia mudar a opinião do homem comum. Para o líder, o filme demandava menos do cérebro, exigindo a leitura de no máximo textos curtos: as legendas. Ele mesmo, conta o pesquisador Bem Urwand em “A Colaboração”, só parava de falar na frente de um filme, qualquer que fosse o filme. A sétima arte foi eleita por Hitler como a mais importante arma de propaganda nazista. O que o livro do pesquisador australiano, da Universidade Harvard, revela agora é como Hollywood serviu aos interesses do Reich – algo que os grandes estúdios, indústrias altamente lucrativas até hoje, tentaram deletar de sua história. Jack Warner, da Warner Brothers, por exemplo, tomou a iniciativa de convidar o ascendente partido nazista a participar das decisões das suas produções, antes que elas fossem finalizadas e distribuídas pelo mundo. Ninguém tinha pedido. “Existe um mito que diz que os irmãos Warner lutavam avidamente contra o fascismo, mas eles foram os primeiros a tentar agradar aos nazistas”, descreve o autor, municiado de documentos como cartas, relatórios timbrados e assinados e fotografias dos governos alemão e americano esparsos em arquivos diferentes pelo mundo, que cotejou com algumas dezenas de reportagens de veículos como o “Washington Post”, a “Variety” e a “Hollywood Reporter”. Nas gavetas hollywoodianas, porém, não encontrou mais nada que confirmasse a colaboração de empresas como a Paramount, a Warner e a MGM durante toda a década de 1930 com a propaganda nazista. Nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, o mercado alemão representava uma fatia gorda do faturamento da indústria cinematográfica americana. Para garantir a distribuição alemã, os estúdios alteraram o conteúdo de filmes a favor da supremacia da raça ariana e cortaram das narrativas personagens de origens judaica, indígena, negra ou ainda mulheres que não dependessem de homens. Jack Warner, que ordenou que a palavra “judeu” fosse retirada de todos os diálogos do filme “A Vida de Émile Zola”, de 1937, entrou para a história como um dos poucos magnatas do cinema americano a resistir ao fascismo, por ter feito “Confissões de um Espião Nazista”. O que o historiador mostra é que mesmo esse longa passou pelo crivo dos auxiliares do Führer – ou seja, o único filme declaradamente antinazista da época mostrava o que os alemães queriam que o mundo entendesse por seus pontos negativos. ALIADOS - Livro mostra que os empresários de Hollywood sabiam das atrocidades de Hitler Urwand esclarece que o argumento de que as atrocidades cometidas pela Alemanha não eram inteiramente reportadas pela imprensa não procede. Os noticiários transmitiam, sim, a existência de extermínios civis e muitas formas de violência, além dos assassinatos e outros crimes cometidos dentro dos campos de concentração. Ainda assim, a cúpula hollywoodiana – quase toda formada por descendentes de judeus – fez quase tudo o que a Alemanha nazista quis para manter a distribuição de seus produtos e ficar bem com o Reich. Depois da rendição, o governo americano promoveu uma excursão em território alemão com quase todos os grandes de Los Angeles. Os donos de estúdio não se sensibilizaram com o desejo dos vencedores da guerra em pintar a verdade sobre os seus inimigos. Eles tinham na gaveta dezenas de filmes que não haviam estreado. Não tinham por que investir em novos roteiros e produções e por muitos anos abasteceram as salas da Alemanha com os filmes até então banidos com adjetivos como “nocivos” ou “enervantes”. 10#2 CINEMA - O MAGO ATORMENTADO Filme que levou sete anos para ficar pronto recria o sofrimento mental e as brigas familiares de Paulo Coelho Maria Elisa Arruk (mariaelisa@istoe.com.br) O escritor brasileiro mais traduzido e vendido no mundo quase chorou ao assistir à cópia finalizada da cinebiografia “Não Pare na Pista – A Melhor História de Paulo Coelho”, escrita por Carolina Kotscho. Com estreia prevista para 14 de agosto, o filme toca em uma das passagens mais difíceis da trajetória do autor: a internação à força pelo pai, que acreditava que o jovem fosse esquizofrênico e paranoico. METAMORFOSE - Ravel Andrade é um dos atores que interpretam Coelho O filme revela a trajetória do autor antes do estrondoso sucesso internacional. Trajetória essa pautada por inúmeros tormentos mentais, por drásticos conflitos familiares e pelo misticismo de uma personagem obstinada na realização de um sonho levado a cabo: ser um escritor de sucesso. “Não Pare na Pista” retrata o escritor em idades diferentes. Primeiro, o adolescente filho de classe média conservadora do Rio de Janeiro que, após tentar o suicídio, é internado numa clínica psiquiátrica pelos pais. Depois, o delinquente que foge do hospital psiquiátrico, onde é internado pela segunda vez pela família, e vai morar com o avô, descobrindo a liberdade e mergulhando no universo do sexo e das drogas. "CRIEI O MEU PAULO COELHO" - Carolina Kotscho, que assina o roteiro da cinebiografia, teve carta branca para vasculhar a vida do escritor, com uma exigência: que não lesse a biografia de Fernando Morais Mais tarde o jovem doidão, que, por meio da revista de ufologia “2001”, que editava sozinho, conhece o roqueiro Raul Seixas, faz pacto com o diabo e é torturado pela ditadura. Ainda, o homem de 40 anos, peregrino do caminho de Santiago de Compostela que ouve vozes de mentores desencarnados e escreve seu primeiro best-seller, “O Diário de um Mago”. Por fim, o autor rico e consagrado, aos 66 anos, que, dois anos depois de se submeter à cirurgia coronariana, resolve (aqui num toque de ficção) refazer o caminho de Santiago de Compostela. Da mesma forma que Fernando Morais, Carolina teve carta branca para vasculhar o passado de Coelho. Com uma ressalva do escritor: que desenvolvesse seu trabalho paralelamente ao do jornalista. O pedido foi seguido à risca. “Não li a biografia de Fernando Morais. Construí a minha versão da história do personagem a partir das dezenas de entrevistas e da relação que estabelecemos nesses anos de trabalho”, diz Carolina. VIVA A SOCIEDADE ALTERNATIVA - Com o parceiro musical Raul Seixas, Paulo fundou a Sociedade Alternativa, baseada nas ideias do ocultista britânico Aleister Crowley (1875-1947) A roteirista acompanhou Paulo Coelho em suas viagens pelo mundo por sete anos. “Foram oito países visitados. Estávamos sempre em trânsito, indo para alguma feira ou evento em sua homenagem”, lembra. Com uma exceção. Graças a uma nevasca que a impediu de embarcar de volta para o Brasil, a roteirista foi pela primeira e única vez convidada a se hospedar no apartamento do casal Paulo Coelho e Cristina Oiticica, em Genebra, na Suíça. “Foram quatro dias incríveis, que me renderam as melhores entrevistas. Pude, finalmente, conhecê-lo na intimidade.” Roteiro pronto, hora de escolher o diretor. Paulo Coelho queria que o filme fosse dirigido pelo americano Clint Eastwood; Carolina convidou um cineasta brasileiro e iniciante em longa-metragem de ficção, Daniel Augusto, 41 anos. O gaúcho Júlio Andrade (que viveu Gonzaguinha na cinebiografia “Gonzaga – De Pai pra Filho”) e seu irmão, Ravel Andrade, se revezam no papel do escritor. Enrique Díaz interpreta o pai, Pedro Coelho, e o baiano Lucci Ferreira, seu parceiro musical Raul Seixas. Filme finalizado, a equipe correu para apresentá-lo a Paulo Coelho, que, diferentemente da reação que teve diante da biografia de Fernando Morais, da qual não gostou, “ficou com um nó na garganta em vários momentos” ao ver sua história dessa vez retratada de forma romanceada por Carolina Kotscho. 10#3 LIVROS - MONSTRO À ESPREITA Lucía Puenzo reconta passagem do carrasco alemão Josef Mengele pela Argentina, em thriller que denuncia a conivência daquele país com a presença de criminosos de guerra depois da rendição da Alemanha Muito pequena para seus 13 anos, a menina Lilith, pela singularidade genética, torna-se objeto de obsessão de um médico estrangeiro que se instala na cidade argentina de sua família, no final da Segunda Guerra Mundial. Josef Mengele de fato se escondeu naquele país com nome falso e lá continuou a praticar medicina. Mas, “O Médico Alemão”, livro de Lucía Puenzo que chega ao Brasil depois do filme com o argumento acima (também dirigido por dela), não é um documentário. Imbuída do desafio de refazer os pensamentos de um fugitivo de guerra que entrou para a história como o Anjo da Morte – piloto dos mais brutais experimentos científicos realizados em seres humanos de que se tem notícia –, a autora argentina desenvolve um thriller que é uma carta aberta de protesto ao seu país. Sabia-se – muitas autoridades sabiam – da presença de fugitivos de guerra no país sul-americano. INCÓGNITO - O médico nazista Josef Mengele, que se escondeu na Argentina e depois no Brasil, onde terminou a vida afogado em Bertioga, litoral paulista O pai de Lilith, um fabricante de brinquedos obcecado em desenvolver um produto perfeito, não se incomoda com a perturbadora proximidade do doutor estrangeiro com sua filha. “Wakolda”, título original da novela, é o nome da boneca preferida da pequena Lilith. Para se aproximar da vítima, com a anuência de sua família, o dr. José, como fica conhecido, transforma Wakolda na boneca perfeita desejada pelo pai. Metáfora explícita do ideal nazista de aperfeiçoamento da raça, mostra quão pernicioso e letal o silêncio pode se tornar. 10#4 EM CARTAZ – CINEMA - O ADEUS DE ALAIN RESNAIS Pouco mais de duas semanas depois de "Amar, Beber, Cantar" ser reconhecido como "um filme que abre novas perspectivas" no Festival de Cinema de Berlim deste ano, seu autor, Alain Resnais, morreu em Paris, aos 91 anos Ana Weiss (ana.weiss@istoe.com.br) Pouco mais de duas semanas depois de “Amar, Beber, Cantar” ser reconhecido como “um filme que abre novas perspectivas” no Festival de Cinema de Berlim deste ano, seu autor, Alain Resnais, morreu em Paris, aos 91 anos. Este que, portanto, é seu último filme chega agora às salas do País. Luminoso, o longa entrelaça a história de três casais com a montagem de um espetáculo teatral amador. A morte participa como sujeito oculto, de maneira leve e poética. Sabine Azéma, viúva do cineasta responsável por obras-primas como “Noite e Neblina” e “Hiroshima, Meu Amor”, protagoniza o longa ao lado das atrizes Sandrine Kiberlain e Caroline Silhol. Todas as outras mulheres amam o mesmo homem, George, um amigo que não entra em cena e que se fica sabendo ter os dias contados. Algo que lembra uma despedida. +5 filmes do diretor ERVAS DANINHAS (foto) O pai de família Georges Palet encontra a carteira de uma mulher e se apaixona por ela MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS Seis personagens solitários se cruzam em Paris, como o corretor de imóveis solteirão Thierry O ANO PASSADO EM MARIENBAD Em um hotel de luxo, um homem tenta convencer uma mulher casada a fugir com ele HIROSHIMA, MEU AMOR Um dos primeiros filmes da nouvelle vague, com roteiro de Marguerite Duras, conta a história de amor entre uma francesa e um japonês NOITE E NEBLINA Documentário sobre os campos de concentração nazistas, com texto do escritor Jean Cayrol, que foi prisioneiro em Orianemburgo 10#5 EM CARTAZ – LITERATURA - FLIP ONLINE Ana Weiss (ana.weiss@istoe.com.br) Os ingressos já estão esgotados, mas os debates com autores – os mais disputados momentos da Festa Literária Internacional de Paraty – poderão ser acompanhados ao vivo pela internet durante o evento, que vai do dia 30/7 até 3/8. O chileno Jorge Edwards, o mexicano Juan Villoro, a argentina Graciela Mochkofsky e o peruano Daniel Alarcón são os escritores latino-americanos que ocupam algumas das principais mesas. Os debates serão transmitidos ao vivo pelo endereço: www.flip.org.br 10#6 EM CARTAZ – DVD - O SAMURAI ALAIN DELON Ana Weiss (ana.weiss@istoe.com.br) A restauração das cópias não mudou o tom cinza do clássico de Jean-Pierre Melville. Mas a cor não seria necessária para dar o contorno noir do filme policial rodado em Paris nos anos 1960. Jef Costello (Alain Delon sob indefectíveis trench coats e chapéus de gângster) vive um assassino que segue o Bushido, código de honra dos samurais do Japão antigo. Até a noite em que o método falha e um de seus crimes deixa uma testemunha. Com o filme, o lançamento da Versátil apresenta entrevistas com o diretor e o ator e making of. 10#7 EM CARTAZ – DANÇA - FESTIVAL DE JOINVILLE TAMBÉM EM SÃO PAULO Ana Weiss (ana.weiss@istoe.com.br) Em sua 32ª edição, o Festival de Dança de Joinville traz uma novidade: o Estímulo Mostra de Dança. Não competitivo, o recorte apresenta espetáculos inéditos dos grupos amadores mais premiados nos últimos cinco anos. É o caso da Cia. de Dança Vera Passos, do Ceará (29/7); e da Cia. Brasileira de Danças Clássicas, de São Paulo (1º/8). Na noite de gala (28/7), quem se apresenta no Centreventos Cau Hansen, em Joinville, é o Ballet da Cidade de São Paulo. Além da apresentação na cidade-sede, no dia 2/8, o maior festival de dança do mundo levará seus vencedores para o Auditório do Ibirapuera, em São Paulo, no dia 15/8. 10#8 EM CARTAZ – MÚSICA - SEM RESSENTIMENTOS Ana Weiss (ana.weiss@istoe.com.br) Os dois estão lado a lado nas prateleiras. Mas já estiveram em lados opostos. Os irmãos Gallagher, mentores do Oasis, extinto em 2009, acabam de relançar “Definitely Maibe”, o álbum que 20 anos atrás os alçou à fama. Damon Albarn, vocalista do Blur, apresenta seu primeiro trabalho solo em “Everyday Robots”. Antes disso, passaram 16 anos às turras pelo trono de banda mais popular do pop britânico nos anos 90. Em 2011, Albarn – hoje também à frente do Gorillaz e do The Good, the Bad & the Queen – e o guitarrista Noel Gallagher – que chegou a declarar que queria que o rival contraísse Aids e morresse – se encontraram em um pub e, entre cervejas, fizeram as pazes. Nada como a maturidade: muito do que Albarn, 46 anos, canta em “Everyday...” o leva de volta à sua infância em Londres, em uma autobiografia sonora fina, introspectiva e reflexiva. 10#9 EM CARATZ – AGENDA - ANIMA/ALOÍSIO/PAULÍNIA Conheça os destaques da semana Ana Weiss (ana.weiss@istoe.com.br) Anima Mundi (Fundição Progresso, no Rio de Janeiro, até 3/8, e Espaço Itaú de Cinema, em São Paulo, até 10/8) Segundo maior festival de animação do mundo, conta este ano com 418 curtas e longas-metragens Aloísio Magalhães (Itaú Cultural, São Paulo, até 24/8) Mostra com pinturas, gravuras, fotografias e manuscritos do arquiteto pernambucano Aloísio Magalhães (1927-1982), pioneiro no design moderno brasileiro. Paulínia Film Festival (Theatro Municipal Paulo Gracindo, Paulínia, SP, até 27/7) Um dos destaques do festival é o documentário “O Samba”, sobre Martinho da Vila, do francês Georges Gachot 10#10 ARTES VISUAIS - O BRASIL EM COLISÃO Exposição de Beto Shwafaty aponta as falhas e os efeitos colaterais dos processos de modernização em curso no Brasil desde os anos 1950 por Paula Alzugaray Remediações – Beto Shwafaty/ 3ª e 4ª Temporada de Projetos, Paço das Artes, SP/ até 7/9 O Brasil que em séculos passados atraiu expedições artísticas e científicas ao coração da floresta é a condição ancestral do país moderno, hospitaleiro e “de alegria contagiante”, que este ano sediou a Copa do Mundo da Fifa. O elemento propulsor do interesse internacional foi, em ambos os casos, a construção de uma imagem de exotismo. O paulistano Beto Shwafaty, que viveu, estudou e trabalhou na Alemanha e na Itália entre 2008 e 2012, teve tempo para observar de longe esse Brasil idealizado, verificando como os discursos de modernização estão na raiz da propaganda oficial. Como resultado disso, o artista vem realizando, desde 2010, o projeto “Remediações”, que se refere aos processos de modernização em curso no Brasil desde o nacional-desenvolvimentismo dos anos 50 e 70 até hoje, apontando para suas falhas e seus efeitos colaterais. IMAGENS DO PAÍS - Mobiliário popular brasileiro é utilizado em instalação de Shwafaty e vídeo discorre a respeito da produção de clichês sobre o Brasil Em exibição no Paço das Artes, a instalação “Remediações” é formada por intervenções gráficas sobre impressos de fotografias que veiculam ideias de progresso, um vídeo e uma escultura em forma de mobiliário modernista. “Cada trabalho é uma colisão entre discursos; entre o projeto e sua concretização”, diz o artista à ISTOÉ. As intervenções gráficas de Shwafaty sobre a ponte Rio-Niterói, a catedral de Brasília ou a estrada Transamazônica atribuem às imagens “mais uma camada de conflito”. O mesmo recurso de inserções de formas geométricas (o que acaba por remeter à tradição do abstracionismo geométrico brasileiro – a mais bem-sucedida imagem de exportação da arte brasileira) é usado no vídeo de mesmo nome. O vídeo, em que Shwafaty faz colidir imagens do geógrafo Milton Santos, do Zé Carioca e dos governantes da ditadura, também pode ser acessado na curadoria “Anunciantes”, realizada por Ana Maria Maia para a revista digital “Plataforma”, dedicada a apresentar um panorama da arte contemporânea brasileira para o público estrangeiro. “Remediações” é, portanto, um trabalho sobre a produção de imagens do Brasil, mas também de fissuras históricas. Mas avisa que o Brasil, que sempre conhecemos como o país dos contrastes, é agora também o país das colisões. 10#11 ARTES VISUAIS – ROTEIROS - O TEATRO DO ABSURDO E O INSTANTE DECISIVO NA ARQUITETURA DA MULTIDÃO Ascensão - Renata Siqueira Bueno/ Galeria Marcelo Guarnieri, Ribeirão Preto, SP/ de 2/8 até 26/8 Paula Alzugaray Em verbete da Enciclopédia Itaú Cultural, o teatro do absurdo é definido como uma expressão cunhada após a Segunda Guerra Mundial para designar peças que tratam da atmosfera de desolação, solidão e incomunicabilidade do homem moderno. Entre os principais dramaturgos do absurdo estão Beckett, Ionesco, Arrabal e Pinter. Já o instante fotográfico é um conceito criado pelo fotógrafo Henri Cartier-Bresson, na mesma época (1952), para designar o momento decisivo em que as ações do mundo, em constante agitação e caos aparente, se alinham e são sintetizadas em uma imagem harmônica, perfeita. Os dois conceitos se encontram integrados na série “Ascensão”, que Renata Siqueira Bueno expõe na galeria Marcelo Guarnieri, em Ribeirão Preto. Fotógrafa e cenógrafa, Renata busca nessa série de foto-performances um paralelo entre suas duas esferas de atuação, “através da construção de imagens nas quais a veracidade é substituída por outros sentidos da realidade”. Assim, o encontro entre o instante e o absurdo acontece na exata medida em que a artista atinge o contraste entre o verossímil e o onírico. As imagens apresentam corpos no momento em que são acometidos pelo desfalecimento. A queda se dá como se fosse obra do acaso, mas em realidade é fruto de uma análise detalhada sobre como as pessoas se comportam em espaços públicos, como ruas, teatros, museus, catedrais, viadutos. Se Beckett ambientava suas ações em atmosferas de desolação, aqui elas acontecem onde as pessoas se movimentam e atuam coletivamente, “lugares onde o indivíduo nunca pode se encontrar em solidão”, segundo palavras da artista. Realizadas com câmera analógica 35 mm, as fotografias de Renata Siqueira conseguem conferir certa materialidade à força da gravidade. Embora procure nessas imagens “algo da ordem muito mais do poder do que da falência”, a artista transmite a certeza de que a queda ou a ascensão são instantes que garantem singularidade aos corpos. _________________________________________________ 11# A SEMANA 30.7.14 por Antonio Carlos Prado e Elaine Ortiz "OS VOVÔS DA LUA" Em pleno século XXI estamos acostumados às conquistas espaciais e por isso soou natural na semana passada a convicção com que diretores da Nasa declararam que em 2030 o homem estará pondo os pés em Marte. Tal afirmação se deu nas comemorações dos 45 anos da grande revolução na exploração do cosmos: em 20 de julho de 1969, astronautas americanos se tornaram os primeiros homens a pisar na Lua. Oito anos antes, a mesma Nasa e o então presidente John Kennedy garantiram que a chegada ao satélite da Terra iria acontecer na data em que de fato ocorreu, mas eram os tempos da Guerra Fria na qual os EUA e a ex-URSS faziam da corrida espacial uma extensão de suas conquistas geopolíticas no nosso planeta – por isso as coisas soavam às vezes como mero proselitismo. A previsão era, no entanto, real. A Missão Apollo 11 desembarcou na Lua com os astronautas Neil Armstrong, Edwin Aldrin Jr., e Michael Collins – os dois primeiros caminharam em solo lunar e Collins ficou a bordo da Apollo. "O JOGADOR BRASILEIRO QUE VAI PARA A GUERRA NA UCRÂNIA " O mais indesejado e sombrio dos envelopes foi jogado na semana passada sob a porta da casa onde mora na Ucrânia o jogador de futebol brasileiro Edmar Lacerda – desde 2002 ele está nesse país e em 2011 se naturalizou ucraniano para ingressar na seleção do Leste Europeu (um gol em 11 jogos). O envelope marrom-escuro, e nele o timbre oficial das Forças Armadas. Quem o recebe, reúne a família, torna-se pensativo, já sabe o conteúdo: convite para comparecer ao exército da Ucrânia, um eufemismo para não chocar friamente o destinatário: convocação para a guerra que o país trava com separatistas e tropas russas. “Minha esposa sentiu medo, mas eu a tranquilizei. Vai ficar tudo bem”, disse Edmar. Ele joga no Metalist Kharkiv. Também na semana passada, cinco brasileiros e um argentino que atuam no time ucraniano do Shakhtar Donets o abandonaram e não retornaram ao país após uma partida na França. É o medo da guerra. "36%" das escolas públicas do Brasil contam com sistema de saneamento básico de água e esgoto. Os dados são de um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Educativas. Comparou o ensino público e privado. Das 151.871 escolas públicas de educação básica, 50% têm acesso à internet, contra 90% das particulares, e somente 29% possuem bibliotecas, o que representa 30% a menos em relação às escolas privadas. "TCU INOCENTA DILMA NO CASO PASADENA" O TCU isentou a presidenta Dilma Rousseff e responsabilizou os integrantes da antiga diretoria da Petrobras no caso do bilionário prejuízo dado à empresa brasileira com a compra da refinaria americana de Pasadena. O rombo na Petrobras com a transação foi da ordem de US$ 1,25 bilhão. Na época Dilma era a presidenta do conselho de administração. "DOIS AVIÕES CAEM EM 48 HORAS E MATAM PASSAGEIROS E TRIPULANTES" Ainda não recuperado da surpresa de saber que um avião civil da Malaysia Airlines fora abatido militarmente por forças separatistas da Ucrânia, o mundo assistiu na semana passada a mais dois acidentes aéreos envolvendo grande número de mortos. Na quarta-feira 23, um turboélice da TransAsia Airways se espatifou ao pousar no aeroporto da ilha de Penghu, a oeste de Taiwan: 48 pessoas morreram. No dia seguinte autoridades de Taiwan anunciaram abertura de inquérito para apurar as causas do acidente, levando-se em conta as condições climáticas, já que um tufão passara horas antes pela ilha”. Nesse mesmo dia, uma aeronave da Air Algérie que decolou de Uagadugu (Burkina Faso) com destino a Argel, transportando 118 pessoas, desapareceu dos radares 50 minutos após iniciar a viagem e caiu. Segundo o governo francês, não há sobreviventes. "O JOVEM "PRÍNCIPE" MADURO" O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, insistiu que seus opositores o acusam injustamente de nepotismo. Motivo: estão chamando seu filho, Nicolas Ernesto Maduro Guerra, de “o príncipe”. É fácil ver quem está certo: o moço de 23 anos acaba de ser nomeado diretor da Escola Nacional de Cinema. Mais: ele também foi nomeado inspetor da Presidência. Mais ainda: será delegado do governo no III Congresso do Partido Socialista Unido Venezuelano. “A ascensão do jovem é o processo de verticalização do partido governista, que se parece cada vez mais com o Partido Comunista Chinês”, disse Carlos Romero, um dos mais conceituados intelectuais do país e professor da Universidade Central da Venezuela. "SEM ATENDIMENTO, HOMEM MORRE NA PORTA DE HOSPITAL" A cena é chocante. Repercutiu em São Paulo, onde aconteceu. Para vergonha de todos os paulistas, repercutiu no Brasil. Para vergonha de todos os brasileiros, repercutiu no mundo. Um homem se contorce na porta de um hospital até a morte sem receber socorro. Seu nome era Nelson França. O hospital é o Santo Expedito. Testemunhas afirmam que enfermeiros queriam socorrê-lo, mas um deles os teria impedido porque o hospital é particular e França não tinha convênio. O enfermeiro Leonardo Brambila disse que teve receio de que o hospital fosse assaltado se seus colegas saíssem à rua para ajudar o agonizante. "MINISTÉRIO DA JUSTIÇA TENTA AJUDAR MALUF NOS EUA" O deputado federal Paulo Maluf está relacionado nos EUA em um processo sobre eventual evasão de divisas – e, por isso, a Justiça americana o considera foragido. Aliado do PT no âmbito da administração federal, ele conseguiu que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, atuasse a seu favor: o ministro enviou ofício ao governo dos EUA cogitando da possibilidade de Maluf ser interrogado no Brasil e não lá. "GEORGE FAZ ANIVERSÁRIO E GANHA CORTADOR DE UNHA DE R$ 3,7 MILHÕES" Completou 1 ano de idade, com direito a visitar pela primeira vez a famosa exposição de borboletas do Museu de História Natural de Londres, o filho do príncipe William e de Kate Middleton: na terça-feira 22 o pequeno George aniversariou. O melhor presente, no entanto, veio da empresa Stylfile: um cortador de unhas de crianças no valor de R$ 3,7 milhões – mais da metade do preço do triplex da apresentadora Sabrina Sato, cujo anúncio de venda virou notícia na internet na semana passada. O cortador de unhas, cravejado com 350 diamantes, é feito de ouro 18 quilates. "INDENIZAÇÃO DE R$ 53 BILHÕES À VIÚVA DE FUMANTE" O filme “Obrigado Por Fumar” (2005) mostra que durante anos a indústria do tabaco nos EUA promoveu o cigarro como símbolo de glamour – e minimizou os seus efeitos nocivos à saúde. O enredo tem a ver com a realidade americana. Na semana passada ele serviu de argumento para que a Justiça do Estado da Flórida determinasse à companhia de cigarros R.J. Reynolds, a segunda maior dos EUA, o pagamento de indenização no valor de US$ 23,6 bilhões (cerca de R$ 53 bilhões) à viúva do fumante Michael Johnson – ele morreu de câncer no pulmão em 1996. Trata-se do maior valor já pago em um processo individual na Flórida. A companhia pretende apelar da decisão. "O BRASIL PERDE UM DE SEUS MAIORES EMPREENDEDORES" Morreu no sábado 19, em São Paulo, aos 93 anos, um dos mais competentes empreendedores do Brasil. Seu nome: Norberto Odebrecht. No início da década de 1940, e ainda sob os efeitos da Segunda Guerra Mundial, ele herdou, aos 21 anos de idade, uma construtora falida. Pouco tempo depois fundou sua própria empresa, a Norberto Odebrecht, marco inicial de um dos mais sólidos conglomerados do País, que abriga os setores de construção civil, petroquímica, petróleo, gás, mineração, açúcar, álcool e diversos serviços (faturamento de R$ 96,9 bilhões em 2013). Norberto nasceu no Recife e quando criança recebeu da família rigorosa educação germânica. Ainda na adolescência foi orientado pelo ideário calvinista que dá ênfase ao trabalho, ao esforço individual, à ética e à cultura – a rigor, um dos melhores métodos para se formar cidadãos. Norberto Odebrecht morreu em decorrência de complicações cardíacas. "US$ 900 MIL PELO PIANO DE "CASABLANCA"" Vai a leilão em Nova York um dos mais famosos instrumentos entre todos que já integraram o cinema americano: o piano do filme “Casablanca”. Em uma das cenas, enquanto toca esse piano, o ator e cantor Dooley Wilson, fazendo o personagem Sam, ouve de Humphrey Bogart a inesquecível frase: “Play Sam, play ‘As time goes by’” (convenhamos que Woody Allen a melhorou ainda mais em um de seus filmes, transformando-a em “play it again Sam”). O lance inicial será de US$ 900 mil. "O PRINCIPAL MÉDICO NO COMBATE AO EBOLA ESTÁ CONTAMINADO PELO VÍRUS" O continente africano passa pelo pior surto de ebola desde que, em 1976, se registrou pela primeira vez a presença desse vírus – 723 pessoas morreram nos últimos seis meses, 68 delas na semana passada. Igualmente devastadora é a notícia de que o médico Sheik Umar Khan (foto), chefe da equipe de combate à epidemia, acaba de se infectar com o vírus. O ebola é fatal em 99% dos casos. O contágio se dá por meio de fluidos corporais e ambientes contaminados como os próprios hospitais.