0# CAPA 9.4.14 ISTOÉ edição 2315 | 09.Abr.2014 [descrição da imagem: uma escultura (grega ou romana) onde a figura masculina tem asas, e está segurando uma mulher, que está com as mãos na cabeça da figura masculina] A CURA DO AMOR Ao tratamentos médicos que poderão apagar o sentimento quando ele traz mais dor que alegria _______________________ 1# EDITORIAL 2# ENTREVISTA 3# COLUNISTAS 4# BRASIL 5# COMPORTAMENTO 6# MEDICINA E BEM-ESTAR 7# ECONOMIA E NEGÓCIOS 8# MUNDO 9# TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE 10# CULTURA 11# A SEMANA _____________________________ 1# EDITORIAL 9.4.14 "A REVISÃO NECESSÁRIA DA ANISTIA" Carlos José Marques, diretor editorial Meio século depois do Golpe de 64, que mergulhou o País no mais sombrio regime de exceção de direitos de que se tem notícia por aqui, entra na ordem do dia uma proposta de revisão da Lei de Anistia que livrou da cadeia torturadores, assassinos, sequestradores e agentes que cometeram barbaridades de toda ordem em nome da ditadura. A impunidade foi perpetrada em forma de um acerto entre militares e políticos para viabilizar a redemocratização. O acordo fez sentido à época da negociação nos idos de 79 para uma distensão lenta e gradual. Não havia outra maneira naqueles dias em que qualquer contestação colocaria tudo a perder. A anistia ampla brotou como saída possível, mas como instrumento de perdão a crimes tão hediondos deixou uma mácula no sentimento geral da Nação, que ainda hoje anseia por justiça. Não existem mais razões para deixar varrida debaixo do tapete tanta sujeira. Diversos países passaram por processo semelhante de depuração a fundo dos episódios e saíram bem melhor dele. Vivemos novos tempos em que o arbítrio não é tolerável. E uma das qualidades deste momento é a de ser favorável a exames de consciência, útil exercício recomendável a todos, em proveito da transparência e lisura de atos dos que detêm o poder. A condição contrária a passar a limpo essa história representa um flerte com o autoritarismo. E muitos parecem finalmente entender assim. Uma ala importante dos próprios militares, por exemplo, mostrou-se disposta a entrar nessa cruzada pela verdade. Na semana passada, as Forças Armadas anunciaram que vão instalar comissões para investigar as violações ocorridas na caserna. É um passo enorme. As Forças Armadas jamais admitiram qualquer responsabilidade pelos abusos cometidos. Ao criar tais sindicâncias elas saem da posição passiva e conivente que carregaram por décadas. É certo, o Brasil como um todo precisa confrontar seus fantasmas e afugentá-los de vez da memória. Só assim consolidará sua condição de uma sociedade politicamente justa, democrática e resolvida com o passado. As violações não podem ser classificadas como mero acidente de percurso, consequência de equívocos. Foram práticas cruéis, abomináveis, inafiançáveis e imprescritíveis, já documentadas, e que vêm sendo aos poucos conhecidas do grande público como políticas de estado de governos militares que assaltaram a liberdade da maioria desvalida. Por isso mesmo, a conveniência do esquecimento não pode se sobrepor à satisfação histórica que milhares de famílias vítimas do sistema merecem receber 2# ENTREVISTA 9.4.14 ANDRÉS SANCHES - "SE NÃO ACABARMOS O ESTÁDIO, VAI DO JEITO QUE ESTÁ" Responsável pela administração da obra da Arena Corinthians, o ex-presidente do clube conta que a Fifa abriu mão de várias exigências para a Copa por Rodrigo Cardoso PAPAS NA LÍNGUA - "Pago um preço por ser sincero neste país", diz ele No sábado 29, o paulista Andrés Navarro Sanches recebeu outro duro golpe na sua empreitada para deixar em condições de jogo a Arena Corinthians, escolhida para receber a abertura da Copa do Mundo, em 12 de junho. A terceira morte registrada no local – Fábio Hamilton da Cruz, 23 anos, caiu de uma altura de sete metros enquanto instalava estruturas nas arquibancadas – levantou novamente dúvidas quanto às condições do estádio para o Mundial. As obras voltaram a ser paralisadas, o Corpo de Bombeiros informou que ainda aguarda os laudos de segurança, o Ministério Público paulista aponta a existência de irregularidades no local e ameaça pedir a interdição do estádio até durante a Copa. Além disso, pairam incertezas sobre quem arcará com a conta de R$ 60 milhões das estruturas provisórias. Sanches diz que o Corinthians quitará a fatura, mas até o final da semana passada havia apostas de que a conta poderá ficar com o governo ou até com a própria Fifa. Ex-presidente do Corinthians que almejou ocupar o posto máximo da CBF, ele, agora, quer uma vaga no Congresso Nacional e é pré-candidato a deputado federal pelo PT. Aos 50 anos, divorciado, pai de um casal de jovens, esse descendente de espanhol garante entregar o estádio, no máximo, até 30 de abril, apesar de todos os contratempos. "O estádio do Corinthians não tem nada de padrão Fifa. É padrão Corinthians. A Fifa, há um ano e meio, ficou mais aberta" "Quem me viu como presidente do Corinthians tem ideia do que eu faria na CBF. Vamos ter um futebol muito negro quando o Marco Polo Del Nero assumir" Istoé - Por que a presidenta Dilma Rousseff não demonstra tanta empolgação com a Copa como o ex-presidente Lula demonstrava? Andrés Sanches - É um erro da Dilma. A Copa do Mundo era para ter sido trabalhada nesses três anos. Não para que venham pessoas ver o jogo de futebol, mas para trazer milhares de turistas para mostrar o Brasil, a nossa cara. É inadmissível o Uruguai receber mais turista do que o Rio de Janeiro! O governo federal falhou em como vender o País para fora. Foi um erro de avaliação da Dilma. Istoé - Se o sr. garante ter dito à Fifa que as estruturas provisórias do estádio, de R$ 60 milhões, serão pagas por vocês, por que o secretário-geral Jérôme Valcke diz que nada está definido? Andrés Sanches - Porque eu ainda não assinei o contrato da empresa que eles querem que eu contrate (para montar as estruturas). Mas isso vai ser feito. Ele sabe disso. Já falei que quem vai pagar é o Corinthians. A Fifa teve tanta decepção no País que talvez fique com um pé atrás. Mas o estádio do Corinthians não tem nada de padrão Fifa. É padrão Corinthians, padrão zona leste, padrão Brasil. A Fifa, no começo, exigiu isso e aquilo. Mas, de um ano e meio para cá, ficou mais acessível, aberta. Nós nunca tivemos estádio no Brasil. Os melhores estádios eram a Arena Barueri e a Arena da Baixada. O Pacaembu não é estádio. O Morumbi tem 60 anos e tem suas dificuldades. O Maracanã também. Então, não havia estádio novo no Brasil. E agora terão vários. Só que não é verdade, como se fala, que tudo é padrão Fifa. No vestiário que fiz lá no Corinthians, a Fifa não pediu para ser desse ou daquele tamanho. Istoé - O Jérôme Valcke já se indispôs com o governo brasileiro algumas vezes. Andrés Sanches - Comigo também. Ele disse, certa vez, que poderia tirar a abertura da Copa de São Paulo. E eu retruquei: “Não perca tempo. Tire já!”. Ele está numa pressão muito grande e nós, brasileiros, temos mania de deixar tudo para os 49 minutos do segundo tempo. Agora, o BNDES atrasar um ano e meio para liberar o empréstimo para nós é um absurdo. É uma burocracia interminável, por isso as coisas no País não vão para a frente. O estádio ainda não está pronto, mas a Fifa não está fazendo pressão sobre o Corinthians e, se acelerar, o Corinthians não aceita. Se acabarmos o estádio acabou, se não acabarmos, vai do jeito que está! Istoé - Sentiu-se desrespeitado pela cartilha da Fifa, alertando os turistas sobre o comportamento do brasileiro? Andrés Sanches - Foi ridículo, uma discriminação. Eu vou para Nova York e me dizem, no hotel, para eu não ir em tal rua. Na Copa da África, a mesma coisa. Só que nós não conseguimos transmitir o que é o Brasil. Logicamente, pode haver acidentes, mortes, vai haver assalto aqui. Mas não se trata de um país do Terceiro Mundo, dos macacos e dos índios, como estão falando. Então, para não ser mal educado, a Fifa foi muito infeliz. Istoé - Como construiu a sua car-reira como gestor? Andrés Sanches - Minha família, além da ala sindical, é formada por comerciantes. Meu avô, na Espanha, vendia burros, mulas, cavalos. Tenho sangue de comerciante. Não tenho nenhum curso de gestão, mas tenho um dom e aprendi, na vida e na dor, a negociar, delegar e cobrar. Com 12 anos, eu trabalhava de madrugada no mercado com o meu pai, que tinha boxe de frutas no Ceasa. Ali, tem pessoas sinceras, milionário, classe média, pobre, mendigo, ladrão e todo mundo convive. É um Brasil em menor proporção. Depois, meu pai comprou uma banca de feira-livre. Vivi do trabalho braçal dos 13 aos 23 anos. Tenho dois filhos com saúde, uma família maravilhosa, sou um cara que vive bem e tenho mais do que mereço e preciso. Do que posso reclamar? Istoé - Por que ocupar um cargo público seria importante para a sua trajetória? Andrés Sanches - Na vida, às vezes, você é levado para alguns caminhos. Eu não queria entrar na vida política, mas venho sendo convidado por associações, por partido, amigos... Penso se tudo o que falam (sobre a política em Brasília) é verdade, se indo lá não posso ver o que pode melhorar ou mudar. Vou tentar ver isso. Sou pré-candidato a deputado federal pelo PT e vamos ver como é que vai ser. Istoé - Enxerga diferenças nas administrações de Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, e do atual, José Maria Marin? Andrés Sanches - Trabalhei com o Ricardo por dois meses, e 11 meses com o Marin e Marco Polo Del Nero (presidente da Federação Paulista de Futebol e candidato de Marin para sucedê-lo). O Ricardo pode ter se perdido ou errado nos últimos anos, mas pegou a CBF quebrada, sem dinheiro para fazer o Campeonato Brasileiro no final dos anos 80, e recuperou financeiramente a estrutura do futebol. O Marin está fazendo uma transição compatível com ele. A CBF tem de pôr os custos no site dela. É empresa privada, mas, ao mesmo tempo, é a paixão do brasileiro, né? O futebol brasileiro precisa de transparência. Istoé - O sr. faria diferente? Andrés Sanches - Quem me viu como presidente do Corinthians tem ideia do que eu faria na CBF, mas as federações não quiseram. Vamos ter um futebol muito negro quando o Marco Polo assumir. Eu estava na chapa da oposição dele. Mas acha que alguma federação me queria? Oitenta por cento dos presidentes das federações sabem o que vão passar quando o Marco Polo assumir a CBF, mas, como a maioria está nas federações há mais de 15 anos, pensa: “Está ruim, mas deixa do jeito que está. Novidade a gente não sabe o que pode acontecer”. Istoé - O que faz para relaxar? Andrés Sanches - No sábado eu vou ao meu pagode. Mas é difícil relaxar. Sou um cara muito ansioso, preocupado, ligado nas coisas. O que me diverte um pouco é o meu samba ou quando vou às noitadas, que ultimamente têm sido raras porque as preocupações com o estádio têm tomado muito tempo. Fazer um aparelho daquele tamanho funcionar e se pagar… Muita gente fala que ganhamos de graça (o estádio), então não sei nem porque temos de pagar! Istoé - Seus filhos não o aconselham a ser menos ligado, diminuir um pouco o ritmo? Andrés Sanches - Conselhos não. Eram corneteiros, porque são corintianos, quando eu era presidente do clube. Reclamavam disso, daquilo, que o time estava mal, que tal jogador tinha de jogar.... Meus filhos sofreram nos dois primeiros anos da minha gestão. Infelizmente, neste país, tornar-se uma pessoa pública é crime. E, se você se der bem, é mais crime ainda. Mas depois se acostumaram. Eles reclamam muito é da minha ausência. Passo até 15 dias sem vê-los. Isso é triste, muito triste. A minha filha tem o gênio mais forte, fala o que pensa, como eu, não tem uma inclinação de fazer média. Meu filho é um pouco mais moderado. Istoé - Já tentou moderar esse seu lado para não se prejudicar tanto? Andrés Sanches - Procuro sempre respeitar as pessoas, mas não lembro de nada de besteira que falei, não. Pago um preço por ser sincero neste país. Muita gente não quer ouvir a verdade. Existe muito preconceito, discriminação. Por não ter um curso universitário, por não usar terno e gravata, por não falar o português em excelência. Mas eu falo como 90% da população brasileira. Então, quando dou entrevista, ou falo com alguém, realmente eu sou mais seco, meio emburrado. É que sou precavido pelo muito que apanhei no começo. Mas sou um cara tranquilo, bom papo, boa companhia. E tenho momentos mais estressados e outros menos. Istoé - Qual foi o maior erro que cometeu no futebol? Andrés Sanches - Talvez ter sido presidente do Corinthians. Larguei a minha família, vi pouco os meus filhos, me tornei uma figura pública e hoje sou julgado por pessoas que não sabem quem eu sou. Só porque estou com um copo de uísque na mão, acham que eu tomo 50 litros por dia. Ninguém pôs o revólver na minha cabeça para eu assumir o Corinthians, mas eu não sabia que o preço seria tão caro. Não me arrependo do que eu fiz, apesar do preço a pagar. Por outro lado, a minha maior vitória no futebol foi mostrar que um cidadão sem faculdade, que não fez curso algum naquela universidade americana...como chama? Heverton, Hapton, Hepton? Aquela que faz doutorado? Ah, aquela lá... (referia-se à Harvard). Bom, mostrei que apenas com dedicação, coragem e um pouco de ousadia um cara assim consegue recuperar um clube quebrado. 3# COLUNISTAS 9.4.14 3#1 RICARDO BOECHAT 3#2 LEONARDO ATTUCH - O COPO VAZIO DE ALCKMIN 3#3 PAULO LIMA - TIMES FOR CHANGE 3#4 GISELE VITÓRIA 3#5 BRASIL CONFIDENCIAL 3#6 RICARDO ARNT - A BOLSA DO CLIMA 3#1 RICARDO BOECHAT Com Ronaldo Herdy STJ Entre os cinco Os ministros Felix Fischer, presidente do STJ, e Francisco Falcão, corregedor nacional de Justiça, se enfrentam em uma queda de braços virtual na quarta-feira 9. Na eleição de um desembargador federal à vaga de Eliana Calmon é voz corrente na Corte que o primeiro apoia Reynaldo da Fonseca; o segundo, Luiz Alberto Gurgel. Nos últimos pleitos, deu Fischer, com a eleição de dois conterrâneos paranaenses. São 14 os candidatos e com alguma chance também na briga estão Maria do Carmo Cardoso, Messod Azulay e José Machado. Olimpíada É civil A expectativa da população em relação à Rio 2016 será medida pelo Instituto Nielsen. É o que decidiu o comitê brasileiro organizador do evento. A empresa fez avaliações de mercado para os jogos de Londres (2012) e Pequim (2008). Ainda sobre a Rio 2016, comenta-se que houve uma tentativa, sem sucesso, de classificar a Autoridade Pública Olímpica (APO) como uma espécie de unidade militar. Assim, o presidente da entidade, Fernando Azevedo, oficiais e sargentos alocados na APO concorreriam às promoções das Forças Armadas, não precisando retornar à tropa no prazo limite de dois anos. Hoje, quem está fora das fileiras não sobe de posto. TCU Caminho livre Ao contrário do que ocorreu em 2011, os auditores do TCU não promoverão eleição para contrapor um nome técnico à indicação de político à vaga que se abrirá em novembro, com a aposentadoria do ministro José Jorge. Presidente da União dos Auditores Federais de Controle Externo, Leonel Munhoz considera difícil mudar as regras atuais, já que significa mexer na Constituição. Um empecilho a menos no caminho da ministra Ideli Salvatti, temporariamente ministra da Secretaria dos Direitos Humanos. Trabalho Pajelança Depois da repercussão do “churrasco de sardinha com farofa” na porta do Ministério da Fazenda, no mês passado, a Força Sindical fará atos semelhantes nas principais capitais brasileiras a partir da próxima semana, em frente a agências da CEF. Quer pressionar o governo a pagar as perdas de 101% do FGTS desde 1999, segundo a entidade, que defende a correção dos saldos do fundo pela inflação e não a TR (Taxa de Referência). A Força já impetrou 280 ações coletivas na Justiça por conta dessa defasagem, diz seu presidente, Miguel Torres. Futebol Tirando onda Governador de Mato Grosso do Sul, André Pucinelli anda curtindo com a cara de colegas cujas capitais serão sedes dos jogos do Mundial da Fifa. “Quando perdemos a disputa para Mato Grosso fiquei com uma dor de cotovelo. Hoje, vejo o meu vizinho Sinval Barbosa (governador de MT) recheado de problemas e com R$ 400 milhões a mais em dívidas.” Meio Ambiente Briga doméstica No Ministério do Meio Ambiente atribui-se ao Ministério da Agricultura a responsabilidade pela demora na implantação do Cadastro Ambiental Rural. Previsto no novo Código Florestal, o sistema eletrônico de registro de ocupação do solo brasileiro (SiCAR) deveria estar no ar há pelo menos um ano, trazendo segurança jurídica ao campo, entre outros benefícios. Uma reunião na Casa Civil na quarta-feira 2 não selou as divergências. Política Por trás das urnas Crise política à parte, o tititi da hora no Congresso envolve um expoente senador da base aliada do governo. Ele, casado, envolveu-se em pecado capital com uma adorável eleitora, que foi mulher de um grande empresário fluminense. Ministério Público Unidade especial Diante de crescentes denúncias de que grandes crimes no Brasil são planejados dentro de cadeias, o Ministério Público Federal mudou sua estrutura na quarta-feira 2. Uma câmara específica fiscalizará o funcionamento dos presídios federais e o controle externo da atividade policial. A medida vale a partir de maio e não afetará o trabalho hoje feito nos Estados pelos MPEs. A proposta partiu do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. História Quem sabe... A revisão histórica do golpe militar que acaba de completar 50 anos pode chegar ao STF. Mesmo com a presidenta Dilma Rousseff afirmando que não vai propor a revisão da Lei de Anistia, o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, Roberto Caldas, lembra que no julgamento da Guerrilha do Araguaia, em 2010, o tribunal considerou que as disposições da Lei de Anistia brasileira não podem impedir a investigação e a sanção de graves violações de direitos humanos. E nunca é demais lembrar que de lá para cá o STF mudou bastante. Religião Amém! Será ecumênica a Campanha da Fraternidade de 2015. Os católicos brasileiros vão celebrar o tema a ser definido no mês que vem, em Itaici (SP), na companhia de evangélicos das igrejas ortodoxa, luterana, anglicana, presbiteriana e metodista. Arquitetura Sem freios Está para ser votada no Congresso uma medida provisória que promete se tornar o trem da alegria dos construtores e empreiteiros. A MP 630/13, de autoria do Executivo, amplia o Regime Diferenciado de Contratação usado para as obras da Copa, permitindo que as concorrências sejam feitas sem projetos, ficando por conta dos empreiteiros todas as operações inerentes ao empreendimento. Mudanças na lei das licitações (8.666) são esperadas há anos pelos gestores públicos, mas abrir a torneira assim pode provocar outro tenso confronto entre governo e oposição no Congresso. Loterias Perigo no ar Reunidos em Florianópolis, cerca de 800 lotéricos decidiram que, se a Caixa Econômica não sentar com representantes da classe nos próximos dias, o bicho vai pegar. Os agentes que recebem remuneração média de R$ 0,37 por transação hoje querem R$ 0,70. O boicote nos serviços à população que prometem para maio começará com a paralisação do pagamento do Bolsa Família, menina dos olhos do governo. O número de lotéricos no Brasil é da ordem de 12 mil. Economia A todo vapor O mais quente verão das últimas décadas levou a Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento a rever suas projeções. A estimativa agora é de um faturamento da ordem de US$ 16,2 bilhões em 2014 – 6% acima do previsto no ano passado. Tamanho movimento resultará na geração de cerca de 350 mil empregos, diretos e indiretos. Fifa Ficou no desejo A Air France queria aproveitar a viagem que trará a seleção francesa ao Brasil para a disputa da Copa do Mundo e colocar na rota Paris-Guarulhos o seu Airbus-A380. A aeronave imensa tem capacidade para acomodar jogadores, comissão técnica, cartolas e uma penca de torcedores, com seus 500 lugares. A Anac não deu sinal verde para o pouso em junho nem tem previsão de quando isso ocorrerá. Cenas cariocas É “Lindinho”... Análises de pesquisas feitas pelo sociólogo Fábio Gomes, do Instituto Informa, dos candidatos ao governo do Rio de Janeiro mostram que a juventude do senador petista Lindbergh Farias é o maior ponto fraco do postulante ao Palácio Guanabara. “Em disputas para o Executivo, o eleitor prefere políticos mais experientes”, diz Gomes. Além desse problema, Lindbergh terá ainda que superar o carinho que voltou a reinar na relação entre a presidenta Dilma Rousseff e o PMDB fluminense. 3#2 LEONARDO ATTUCH - O COPO VAZIO DE ALCKMIN O governador parece não ter escolha a não ser adotar um racionamento o quanto antes em São Paulo. Nunca houve tão pouca água no Sistema Cantareira desde que esse complexo de nascentes, barragens e túneis comunicantes entrou em operação, no início dos anos 1960. Apenas 13,2% da capacidade total para o abastecimento de cerca de dez milhões de pessoas na Grande São Paulo existiam na semana passada. O resto foi consumido ou evaporou. O fundo de quilômetros quadrados de represas está em cacos de terra endurecida, como no sertão nordestino. O período de estiagem vai até setembro. Isso significa que o risco iminente de racionamento de água, como acredita o presidente da Agência Nacional de Águas, Vicente Guillo, se instala agora e, uma vez concretizado, deverá acompanhar todo o período eleitoral até as urnas de outubro. Não será algo de alguns dias ou semanas, mas de meses ou para o restante do ano inteiro. Para não naufragar nessa seca, por mais paradoxal que pareça, o governador Geraldo Alckmin terá de ser mais do que apenas um portador de boas notícias. Ele tentou, até aqui, tranquilizar a população e negar as evidências que apontam para o racionamento. Estimulou a redução do consumo por meio de diminuição nas tarifas de água e tentou executar planos alternativos. Mas dificilmente será mesmo possível escapar do corte nas torneiras, pois não se espera, na frente climática, que São Pedro ajude São Paulo. Não há chuvas em volume suficiente previstas no horizonte. Os adversários de Alckmin fizeram carga sobre a estratégia do governador de evitar, a todo custo, dar uma má notícia aos paulistas. O ex-ministro Alexandre Padilha, o ex-prefeito Gilberto Kassab e o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, cobram atitudes e informações do futuro concorrente oficial à reeleição. Até agora, ele não parece ter encontrado o discurso certo para enfrentar o caso. Um bom começo para Alckmin seria, sem dúvida, admitir a iminência do racionamento. Só assim a população poderá ser preparada para enfrentar, de maneira organizada, uma situação de escassez. Quando acreditar que precisa dar uma notícia real para o público, o governador Alckmin terá dado o primeiro passo para sair do córner em que está entrando ao não admitir o que deve acontecer no futuro próximo – goste-se ou não. Até lá, ao insistir em trombar contra as evidências, Alckmin amplia um problema e, em consequência, o desgaste que pode atingi-lo na cena eleitoral. O melhor para ele seria furar essa bolha o quanto antes, sob pena de ficar preso entre suas paredes. 3#3 PAULO LIMA - TIMES FOR CHANGE O que uma modelo e atriz transexual pode fazer pela imagem do Brasil?. Infelizmente, já é redundante dizer que as notícias sobre o Brasil têm o péssimo costume de se alternar entre as seções policiais e as colunas sobre escândalos políticos e/ou econômicos. Nas últimas semanas, em especial, oscilamos entre imagens aterrorizantes da cidadã carioca Claudia Silva Ferreira sendo tragicamente arrastada pelo asfalto presa pelas roupas à traseira de um carro da polícia, relatos sobre a onda de lama que vem afogando cada vez mais a maior empresa do País, manifestações tensas nas ruas e cenários pessimistas em relação à nossa capacidade de fazer frente aos compromissos assumidos por conta da Copa do Mundo. Mas nem tudo está perdido. No último dia 15, o “The New York Times”, muito provavelmente o mais importante e respeitado jornal do mundo, trouxe em suas páginas uma reportagem grande em todos os sentidos, que mudou um pouco o saldo dessa conta. O artigo trazia um interessante relato sobre como as modelos transgêneros estão sendo tratadas de forma mais digna pela indústria da moda e pela sociedade no Brasil, em que pesem as enormes dificuldades que ainda enfrentam para conduzir suas vidas. Na fotografia ao lado, uma das protagonistas da matéria mencionada, a jornalista carioca Carol Marra, aparece posando para seu primeiro ensaio sensual, publicado na “Trip” em setembro de 2012. Carol, como afirma o autor da reportagem, tem servido como referência para modelos, atrizes e profissionais de outras áreas que vão aos poucos vendo sua condição de transgênero sendo aceita e respeitada, de forma especial nas grandes cidades brasileiras, como São Paulo e Rio. O “NYT” não se furta a mencionar o enorme drama que várias dessas pessoas enfrentaram e continuam enfrentando para levar suas vidas de forma ao menos razoavelmente digna. Mas enaltece o fato de que cada vez mais empresas e pessoas percebem que se trata de algo que precisa ser mais bem entendido e acolhido por um país que carece urgentemente de fatos que nos permitam ainda acreditar que somos minimamente civilizados. Carol chegou a trabalhar em equipes de produção de jornalismo na Rede Globo, desfilou para o estilista Ronaldo Fraga e esteve em outras empreitadas tão interessantes quanto. Mas nos últimos meses suas atividades profissionais ganharam novo impulso. Como atriz, fará um papel na festejada série de televisão “Psi”, do canal HBO, baseada na obra do psicanalista e escritor Contardo Calligaris, ele mesmo há muitos anos um estudioso do universo dos indivíduos transgêneros. Num dos episódios, aliás, Carol protagonizará o primeiro beijo transgênero da tevê brasileira. Estará ainda como protagonista representando um personagem feminino num dos episódios da série “Segredos Médicos”, do canal Multishow. No ensaio mencionado pelo jornal nova-iorquino, publicado em 2012, Carol dizia coisas como: “Olha, espero que o homem mude um dia... O preconceito vem da falta de informação. No dia em que o ser humano começar a ouvir mais o outro, conhecer antes de julgar, vai respeitar. O que eu diria para os leitores que se sentirem ofendidos de alguma forma por ver uma Trip Girl transexual? Ninguém precisa gostar de mim, mas respeito é fundamental. Sou um ser humano como outro qualquer, tenho pai e mãe, e não escolhi ser transexual. Eu nasci assim. Meu sonho é simples. É ter um marido, uma família feliz, uma vida comum.” Como dizem aqueles que realmente se aprofundam nas pesquisas sobre o futuro da comunicação, independentemente de toda a tecnologia que o mundo possa desenvolver, o olhar humanizado e capaz de ver o que não é óbvio nem necessariamente consagrado, e muito especialmente a capacidade de acessar os sentimentos das pessoas através de histórias bem escolhidas e bem contadas, vai continuar por muito tempo determinando a diferença entre o que passa e o que fica. O “NYT” sabe disso faz tempo. A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente 3#4 GISELE VITÓRIA Gisele Vitória é jornalista, diretora de núcleo das revistas ISTOÉ Gente, ISTOÉ Platinum e Menu e colunista de ISTOÉ Com Tom na plateia Desta vez, deu Gisele Bündchen na passarela e o maridão, Tom Brady, na plateia do SP Fashion Week (primeiro à esq. na foto). Mais do que olhares cúmplices, a pose dela para ele e os urros de Brady enquanto a übermodel desfilava, o que chamou a atenção foi a bolsa de apostas. O bolão era para saber quanto foi o aporte para o astro do futebol americano estar na primeira fila da grife Colcci. Circulava a informação de US$ 500 mil. A marca diz que não. “Partiu dela trazê-lo. Ele não ganhou um tostão. Gisele avisou que traria o marido e os filhos. Veio como convidado. Seria uma chance de reunir a família”, informou a assessoria da Colcci. O cachê de Gisele é estimado em US$ 2 milhões (na última campanha da joalheria Vivara, sua diária foi de 1 milhão de euros). Experts ressalvam: mesmo com flexibilidade por ser uma estrela, dificilmente Brady interromperia treinos no New England Patriots para ver, num bate-volta, os pivôs da esposa no Brasil sem nada ganhar. O funk do Schroder Na festa “Vem aí” da Rede Globo, a emissora tentou não perder o padrão, nem quando improvisou com três humoristas no palco. Problemas nos microfones não ofuscaram o show de Tatá Werneck. Mas foi a dupla Leandro Hassum e Marcelo Adnet que alfinetou o todo-poderoso diretor-geral, Carlos Henrique Schroder, com o “funk aprovação”. Foi uma apologia ao seu jeito linha dura de administrar. Os coleguinhas privilegiados com mais de um programa também não foram poupados, a exemplo da apresentadora Fernanda Lima, que, além de “Amor e Sexo”, ganhou uma nova atração – o “SuperStar”. Balas E XUXA? O destino de Xuxa prossegue incerto: “Ela vai desenvolver o novo projeto, que será avaliado com vários outros, de acordo com as necessidades da grade”, diz o diretor de programação da Globo, Amauri Soares. VÁRIOS PADRÕES Sérgio Valente, diretor da Central Globo de Comunicação, avisa: “Hoje a Globo está focada em manter o padrão Globo de qualidade, mais o padrão Globo de criatividade e de inovação.” INVERSÃO E o troca-troca de programas por séries está criando um novo time de profissionais na Globo. Atores viram diretores: Malu Mader está estagiando com a equipe do remake “O Rebu” e Camila Pitanga vai dirigir um documentário sobre o pai, Antônio Pitanga. RINDO À TOA A atriz Susana Vieira está feliz da vida. “Eu beijei muito e estou assim desde o Carnaval.” Ela se refere aos beijos dados no ex-prefeito de Jaguariúna, Gustavo Reis. O teste do segurança “Q.A.P (na escuta)! Qual o nome da pessoa que entrou e não avisamos?”, pergunta um segurança, com rádio na mão, enquanto a fila de carros para o trânsito na entrada da casa do empresário João Doria Jr., em São Paulo. “A-É-CIO NE-VES”, reclama a voz metálica no walk-talk. “É o homenageado da noite...Q.A.P!” O funcionário fica pálido: “Desculpa, eu não conhecia...” O lapso, nada que em minutos Doria – tranquilo e infalível como Bruce Lee – não corrigisse no hall da mansão, aponta o que Aécio Neves sabe: o pré-candidato do PSDB à Presidência precisa ficar mais conhecido em São Paulo. Foi o primeiro grande jantar em torno do tucano mineiro. Os 150 empresários que o esperavam pareciam compartilhar o reforço. “Tenho enorme confiança nos quadros que temos”, disse o senador, de costas para uma parede com obras de Di Cavalcanti, ao lado de Armínio Fraga, que já falava como seu homem da economia. Seu maior avalista dividiu com ele a cabeceira da mesa de 18 lugares: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Horas antes, no mesmo 31 de março, data dos 50 anos do golpe, Aécio falou à tarde no evento do Lide (Grupo de Líderes Empresariais) para 518 empresários. Brincando com a Copa, respondeu à pergunta a que técnico se compararia: “Não ousarei dizer que sou um Felipão. Mas existiu um técnico em minha terra que não deve ser muito conhecido de vocês. Telê Santana. Ele sabia fazer o time jogar muito bem.” Em 28 de abril, Eduardo Campos, pré-candidato à Presidência pelo PSB e ávido para conquistar os paulistas, também passará pelo teste de reconhecimento do segurança. Doria organiza o mesmo jantar em torno do governador de Pernambuco. “A presidenta Dilma também já foi convidada para outra rodada.” A ira de Irina A russa Irina Shayk, namorada do jogador português Cristiano Ronaldo, veio ao Brasil para desfilar pela Triton, no SPFW. Mas, em sua primeira visita ao País, ela queria cuidar da beleza. Seguiu os conselhos da amiga top Izabel Goulart e foi ao salão Laces and Hair, onde fez tratamento à base de multivitaminas para os cabelos, e à clínica estética da médica Cristiane Coelho para acabar com a flacidez e a celulite. Ao stylist Matheus Mazzafera, que a entrevistou para o “Pânico”, Irina gritou que jogaria no lixo o porta-retrato que ganhou com a foto da vice-miss bumbum Andressa Urach, que afirma ter tido um caso com o craque. A camisa da Seleção Brasileira que também recebeu de Matheus ela disse que venderia: “Eu só torço para o Cristiano. Ele me mata se eu vestir essa camisa.” 3#5 BRASIL CONFIDENCIAL Por Paulo Moreira Leite Império sob ataque A prisão do doleiro Alberto Youssef gerou um estrago muito maior do que o passeio de avião do deputado André Vargas (PT-PR). Até os comerciantes da rua 25 de março que trabalham com duas contabilidades – uma legal, outra por debaixo da mesa – sofrem com a falta de moeda americana para zerar negócios com a China. Responsável pelo abastecimento de dólares que movimentam boa parte da economia informal brasileira, Youssef deixou várias personalidades em situação de orfandade. Em véspera de campanha, políticos com reservas no Exterior dão sinal de nervosismo. Atletas com fortuna lá fora também. A única certeza do mercado é que, se Youssef não retornar logo aos negócios, outro doleiro tomará seu lugar. Mal-estar A proposta de fortalecimento das carreiras do Supremo Tribunal Federal criou um mal-estar entre os presidentes do STF, Joaquim Barbosa, e do STM, Raymundo Cerqueira. Informado de que Barbosa articula mudanças no plano de cargos e salários da corte, sem ter combinado nada com outros tribunais, Cerqueira promete ir para o enfrentamento se concluir que servidores do STM ficarão em desvantagem. Farinha pouca... O ministro da Agricultura, Neri Geller, acertou com o colega de partido e presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB), a indicação de um aliado para a Secretaria-Executiva da pasta. Com a manobra, Geller tenta vedar o nome de Gilson Bittencourt, preferido de Dilma. ... Meu pirão primeiro O resto da cúpula da pasta está nas mãos do senador Blairo Maggi, que além de Geller indicou também o secretário de Política, Sereni Paludo, que dirige a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato) e tem base em São Miguel do Iguaçu (PR), terra natal de Maggi. Sem chances Apesar da pressão dos grupos de comunicação para tornar o horário da Voz do Brasil “flexível”, a Câmara dos Deputados não vai debater o projeto em 2014. O presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), assumiu com líderes da Casa o compromisso de não pautar o projeto, mesmo aprovado no Senado. Sem acesso à programação padrão das emissoras comerciais, a maioria dos parlamentares usa a “Voz do Brasil” para falar a seus eleitores e teme que, com horários flexíveis, discursos e entrevistas que hoje são ouvidos às 19 horas sejam transferidos para a madrugada. Terceirização fica para depois Com forte apoio de empresários, o projeto de terceirização saiu da pauta. Os sindicatos ameaçaram denunciar a medida como uma revogação a frio da CLT e a maioria dos líderes do Congresso se convenceu de que não valia a pena comprar a briga em ano eleitoral. Cada um na sua De quatro em quatro anos, os irmãos Álvaro e Osmar Dias, que controlam uma larga fatia do poder político no Paraná, estrelam uma disputa familiar-política em campos rivais. O ex-senador do PDT Osmar Dias, que hoje ocupa uma vice-presidência do Banco do Brasil, entra na campanha para apoiar o PT de Gleisi Hoffmann e pode sair como deputado federal. O irmão tucano, Álvaro Dias, tenta reeleição na única vaga em disputa do Senado. Dilma encontra Angela Merkel A primeira-ministra Angela Merkel virá ao Brasil para assistir ao jogo de estreia da seleção alemã, contra Portugal. Seu encontro bilateral com Dilma Rousseff está marcado, e vai ocorrer em 16 de junho. As duas chefes de Estado tiveram um momento tenso, quando Dilma deixou claro que tinha críticas ao caminho escolhido pela Alemanha – e pela União Europeia – para enfrentar a crise econômica. Mas tornaram-se aliadas com a descoberta de que seus governos haviam se tornado alvo da espionagem americana. Fogo amigo Teria partido de um ministro do PT a informação que vazou à imprensa sobre o voo polêmico do deputado André Vargas (PT/PR), em avião cedido pelo doleiro Alberto Youssef. O objetivo era tirar o foco da Petrobras, mas acabou virando um tiro contra o PT. Toma lá dá cá Nana Queiroz, jornalista e criadora do movimento “Eu não mereço ser estuprada” ISTOÉ – O que acontece agora, depois que até a presidenta da República apoiou o protesto? Nana Queiroz – A Secretaria da Mulher está falando numa campanha massiva de educação contra o assédio. ISTOÉ – Uma pesquisa do Ipea mostrou a presença do machismo como uma força na sociedade brasileira. Parecia ser mais frequente entre pobres. Por quê? Nana – No Brasil, como a segurança pública é parca, esse movimento explodiu com mais intensidade. O machismo não é restrito a uma classe, as mensagens que eu tenho recebido de agressão vêm de todas as classes sociais e faixa etárias. ISTOÉ – O movimento feminista precisa de reciclagem? Nana – De certa maneira. O movimento feminista é muito importante, mas tem que aprender a falar para as camadas baixas. Às vezes as feministas se excluem em debates teóricos, sem falar para quem realmente precisa ouvir sua mensagem, que são pessoas que nunca ouviram falar de feminismo. Rápidas Na lista das vitórias da Igualdade Racial. Ao assumir a liderança do PT, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, tornou-se o primeiro negro com a função de líder partidário no Congresso brasileiro. O Brasil começou a formar partidos políticos de verdade ainda no tempo do império. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), já estreou o novo implante capilar, realizado quando tomou um jatinho da FAB para fazer a cirurgia em Alagoas. Ninguém entendeu a aposentadoria política precoce do governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), que desistiu de concorrer ao Senado e pretende dedicar-se a partir de agora à criação de um instituto de educação para crianças. Relator do Marco Civil da Internet, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ) foi recompensado pelo governo pelo seu trabalho. Planilha de execução das emendas parlamentares mostra que Molon é um dos deputados mais prestigiados: 70% dos seus R$ 15 milhões em emendas individuais já foram empenhados. Retrato falado Estrela de uma reunião de 700 pessoas na noite de 31 de março, na Ordem do Grande Oriente, que reúne maçons de Brasília, o general da reserva Augusto Heleno fez uma crítica à Comissão da Verdade. Disse que a presidenta Dilma errou na escolha dos integrantes do grupo. “É como pegar o torcedor mais fanático da torcida do Vasco e mandar escrever a história do Flamengo.” Briga pela gestão do FGTS Projeto do senador Paulo Bauer (PSDB-SC) aprovado na Comissão de Assuntos Sociais deu asas a um antigo anseio do PP: colocar as mãos nos bilionários recursos do FGTS. O PT do Senado dormiu no ponto e os parlamentares aprovaram projeto que transfere do Ministério do Desenvolvimento Social para o de Cidades a função de gestor do FGTS. Como o projeto tramitou em caráter terminativo, vai para a Câmara, onde o PP já se articula para ganhar apoios e aprovar o projeto de Bauer. SUS dos VIPs O gasto da União com a saúde de parlamentares, ex-parlamentares e respectivos dependentes tornou-se um poço sem fundo. Só neste ano, o Senado pagou R$ 4,1 milhões a grandes hospitais particulares para atender às demandas de parlamentares. A maioria só se submete a procedimentos médicos no Sírio-Libanês, com deslocamento e despesas integrais pagos pelo Legislativo. No ano passado, essa despesa ultrapassou R$ 17 milhões. 3#6 RICARDO ARNT - A BOLSA DO CLIMA "Quanto a geração atual está disposta a se sacrificar hoje para que, daqui a 50 ou 100 anos, tenhamos uma qualidade de vida aceitável?" (Pérsio Arida). O aquecimento do planeta é inequívoco e muitas das mudanças climáticas que presenciamos não têm precedentes há milênios. A atmosfera esquentou, a quantidade de neve e gelo diminuiu, os oceanos se tornaram mais ácidos, o nível do mar subiu e os gases do efeito estufa criaram um manto que abafa o planeta. No Hemisfério Norte – mais sensível à mudança por conter mais terra e menos água que o Hemisfério Sul –, o período de três décadas sucessivas mais quentes dos últimos 1.400 anos ocorreu entre 1983 e 2012. A interferência humana no clima é um fato. A civilização de sete bilhões de pessoas a caminho de nove bilhões influencia o ciclo d’água, a saúde dos oceanos, a redução da neve e das geleiras e os eventos climáticos “extremos”. Na atmosfera, a concentração de gás carbônico “antropogênico” (produzido pelo engenho humano) decorre, primariamente, da queima de combustíveis fósseis e, em segundo lugar, das emissões originadas por mudanças no uso da terra (como desmatamento). Tudo isso está documentado. Divulgado em 31 de março, o 5º Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, não deixa dúvidas: os gases-estufa gerarão impactos climáticos por séculos à nossa frente – a menos que se descubra uma maneira de neutralizá-los. A poluição climática é um fenômeno novo – uma “externalidade” do passado sobre o presente e o futuro – e um desafio bastante difícil. Ela requer, segundo o jornalista britânico Martin Wolf, “ações custosas e coordenadas entre vários países, para lidar com uma ameaça distante, em nome de pessoas que ainda não nasceram, e sob um manto de perturbadoras incertezas sobre o custo de não agir”. Quem acompanha o tema sabe que a crise econômica decorrente do colapso do mercado imobiliário nos Estados Unidos, em 2008, teve entre vários efeitos nefastos o de arrefecer a transição para a economia verde baseada em energias renováveis. As negociações climáticas do Protocolo de Kyoto estacionaram em impasse, o mercado de créditos de carbono encolheu e os investimentos em tecnologia verde diminuíram. A recessão tornou difícil a vida daqueles que singram a onda do desenvolvimento sustentável. Entretanto, a mudança climática não é uma “onda”, mas uma realidade alheia a posições na bolsa de valores do interesse geral. O encontro com os seus impactos é inevitável, afirmam 259 cientistas que compilaram 12 mil estudos científicos do 5º Relatório do IPCC. Nesse sentido, não importam cinco ou dez minutos de fama. As mudanças que legaremos às próximas gerações afetarão a saúde, a alimentação e a segurança do planeta. Ninguém ficará imune a elas. Para limitar esses impactos são necessários um imposto universal sobre a emissão de poluentes e reduções substanciais e sustentáveis do seu volume, que custarão mais caro do que a sustentabilidade custa hoje. Quando isso acontecerá, ninguém sabe. O drama está contido na pergunta feita pelo economista Pérsio Arida: “Quanto a geração atual está disposta a se sacrificar hoje para que, daqui a 50 ou 100 anos, tenhamos uma qualidade de vida aceitável?” Ricardo Arnt é diretor da revista Planeta 4# BRASIL 9.4.14 4#1 POR QUE O BRASIL DEVE REVER A LEI DA ANISTIA 4#2 A VOZ DAS VÍTIMAS 4#3 NUNCA MAIS! 4#4 SERÁ UM NOVO DEMÓSTENES? 4#5 A CASA DAS MANOBRAS 4#6 "O MAIS MÉDICOS É MARAVILHOSO, MAS FUI ENGANADA" 4#1 POR QUE O BRASIL DEVE REVER A LEI DA ANISTIA Em meio às manifestações pelos 50 anos do Golpe de 64, cresce no País um movimento para que agentes de Estado, civis ou militares que cometeram crimes durante a ditadura possam ser punidos. Saiba por que a revisão da norma de 1979 é necessária Josie Jerônimo (josie@istoe.com.br) No dia 1º de abril, parlamentares ergueram cartazes na Câmara com fotos de desaparecidos políticos e militantes perseguidos, torturados e mortos durante a ditadura. No mesmo dia, a presidenta Dilma se emocionou ao relembrar a volta dos exilados Na terça-feira 1º, a presidenta Dilma Rousseff convocou investidores e ministros para a cerimônia de assinatura de contrato da concessão do Aeroporto do Galeão à iniciativa privada. Mas aquele momento de rotina para qualquer governo produziu uma emoção que os brasileiros não devem esquecer tão cedo. “Minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro... dentro de mais um minuto estaremos no Galeão”, disse a presidenta, cantarolando o “Samba do Avião,” para acrescentar, em seguida, com voz embargada e olhos marejados: “É uma síntese perfeita do que é a saudade do Brasil, a lembrança do Brasil e, melhor de tudo, voltar ao Brasil chegando ao Galeão.” Obra-prima de Antônio Carlos Jobim, composta em 1962, o “Samba do Avião” transformou-se, nos anos seguintes, na avaliação de Dilma, na esperança íntima de milhares de exilados do regime militar que só puderam retornar ao País depois que, em 1979, o Congresso aprovou a Lei da Anistia. Dilma costuma sentir emoções fortes em situações que lembram os 21 anos da ditadura, o que é particularmente compreensível para quem ingressou numa organização armada e, mais tarde, enfrentou a prisão e a tortura em dependências militares, “recebendo choques elétricos em tudo quanto é lugar.” Registrada dois dias antes da cerimônia no Galeão, a passagem de 50 anos do golpe de 64 foi marcada por uma situação nova, porém. Num movimento capilar, um contingente numeroso de brasileiros tem se mobilizado pela vontade de conhecer a fundo os segredos da ditadura, em particular aquele crime que se tornou sua marca repugnante e vergonhosa – a tortura. Opondo-se à determinação da lei de 1979, confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2010, que tem impedido o julgamento de oficiais e delegados acusados de tortura e execução de adversários políticos, cidadãos e cidadãs querem levar os torturadores e demais responsáveis ao banco dos réus. Na última semana, a discussão sobre a revisão da lei, de 1979, esquentou nos meios políticos e acadêmicos. A organização da sociedade civil Anistia Internacional Brasil lançou na terça-feira 1º, mesmo dia do emocionado depoimento de Dilma, uma campanha para que agentes de Estado, civis ou militares que cometeram crimes durante a ditadura militar possam ser punidos. A iniciativa ganhou o apoio da OAB (leia entrevista ao lado). A população também se mostra a favor. Segundo o DataFolha, hoje 48% dos brasileiros são favoráveis ao julgamento de torturadores e 37% são contra. Em 2010, a situação era invertida: 45% eram contra o julgamento de torturadores e 40% eram a favor. Na semana passada, enquanto os candidatos melhores colocados nas pesquisas eleitorais se mantiveram em silêncio sobre o que fazer com a Lei da Anistia, Dilma Rousseff disse que reverenciava “os que lutaram pela democracia, enfrentando a truculência ilegal do Estado”, mas também afirmou: “Reconheço e valorizo os pactos políticos que nos levaram à redemocratização.” Pelo menos uma parte do PT não concorda mais com isso. Na mesma semana, o senador Humberto Costa (PT-PE), que é líder do partido, fez um discurso a favor da revisão. Nos próximos dias, quando um projeto de revisão apresentado pelo senador pelo Amapá Randolfe Rodrigues, candidato a presidente pelo PSOL, entrar em debate na Comissão de Direitos Humanos, outros integrantes da base do governo irão se colocar a favor. A petista Ana Rita (PT-ES), que é presidente da Comissão, também já disse que é favorável. Em 2011, quando Luiza Erundina (PSB-SP) apresentou um projeto semelhante na Câmara dos Deputados, a proposta foi enterrada na Comissão de Constituição e Justiça e não saiu do lugar. Hoje, o ambiente político é outro. ESCRACHOS - Um grupo fez na tarde do dia 31, em Brasília, uma manifestação em frente à casa do coronel reformado Carlos Brilhante Ustra, condenado por envolvimento em crimes de tortura durante a ditadura. No dia seguinte, um outro escracho expôs o ex-militar e delegado acusado de homicídios Aparecido Calandra Em 1979, um combativo parlamentar de oposição, Alencar Furtado, do Paraná, foi à tribuna dizer que o projeto aprovado “anistia com antecedência os torturadores e marginaliza os torturados.” O que se modificou, em 25 anos, foi a visão sobre o que se fez naquele tempo. Se antes a Lei da Anistia era vista como uma ponte para a transição da ditadura à democracia, duas décadas e meia depois é enxergada como um obstáculo para a consolidação de um regime de direitos e liberdades fundamentais, num país onde a Constituição afirma que a tortura é um crime “imprescritível”. Por trás dessa mudança, encontra-se a Comissão Nacional da Verdade, criada por decreto presidencial em 2012. Organismo de caráter oficial, com acesso assegurado a todo documento público e poder de convocar toda autoridade que possa lhe prestar esclarecimentos, em menos de dois anos realizou 450 audiências pelo País. Abriu um debate que ajudou muitos brasileiros a tomar contato com uma realidade que desconheciam – e outros tinham pavor de encarar. A atividade da Comissão Nacional fermentou o nascimento, sem que ninguém tivesse planejado, de outros 75 comitês, em 21 Estados, dando origem a uma estrutura descentralizada pelo funcionamento, mas unida pela ideia de que é preciso saber mais sobre o passado político do Brasil. Algumas revelações obtidas pelo Comitê da Verdade têm caráter particularmente chocante, contribuindo para que o País de fato se pergunte como deve reagir a elas. Um exemplo: divulgado pela tevê e pela internet, o depoimento de Paulo Malhães, coronel da reserva do Exército que na década de 1970 participou de sessões tortura e de macabras operações para o ocultamento de cadáveres, causou choque e indignação. “Quebrava os dentes. As mãos (eu cortava) daqui para a cima,” disse, entre risos de escárnio. Quando lhe perguntaram quantas mortes havia ocorrido no período, o coronel respondeu: “Tantas quanto foram necessárias.” Se a Lei da Anistia for revista, torturadores conhecidos como Malhães e até militantes de esquerda alvos de processo ainda em vigor poderão ser punidos. Autor do projeto que, em 2001, criou reparações em dinheiro para os perseguidos pela ditadura e suas famílias, Fernando Henrique Cardoso declarou-se, na última semana, assustado com o “cinismo” e cobrou uma mudança de postura por parte das Forças Armadas. “E não vejo agora por que não as próprias Forças Armadas dizerem: ‘Erramos. Mas foi uma minoria.’ Por que essa maioria de hoje não diz: ‘Não temos nada com isso?”’ Nos últimos dias, vieram sinais positivos dos três comandantes militares, sempre uma interrogação nesta história. Atendendo a uma solicitação da Comissão da Verdade, eles concordaram em iniciar uma investigação em sete locais, em quatro Estados brasileiros, onde ficou registrado um maior número de casos de tortura e morte. O pedido envolve o DOI-Codi paulista, onde o jornalista Vladimir Herzog foi morto sob tortura, e também a 1ª Companhia da Polícia do Exército, no Rio de Janeiro, onde o empresário Rubens Paiva foi visto pela última vez. O objetivo é esclarecer como era a rotina e o funcionamento desses locais. Para Pedro Dallari, advogado da Comissão, o fato de o próprio Estado já ter pago indenização a vítimas de tortura que ficaram detidas nesses locais não permite dúvidas sobre que se passava ali. “O que precisamos agora é apurar o desvio de função, o delito administrativo.” E que uma revisão da Lei da Anistia possa punir quem os cometeu. “TORTURA NÃO SE ANISTIA” Michel Alecrim Presidida pelo advogado Wadih Damous, da OAB-RJ, a Comissão da Verdade do Rio de Janeiro obteve a confissão do coronel Paulo Malhães, da reserva, de participação na tortura, morte e ocultação de cadáveres durante a ditadura. Damous acredita que as revelações podem levar a uma mobilização pela revisão da Lei da Anistia. ISTOÉ – Pesquisa recente mostra que a maior parte dos brasileiros apoia a punição dos crimes da ditadura militar. A que o sr. atribui essa mudança? Wadih Damous – A pesquisa captou uma mudança no sentimento da população. Atribuo isso ao trabalho das comissões da verdade. Além disso, este ano, como se completam 50 anos do golpe, as pessoas estão se informando melhor e ficam indignadas com o fato de esse pessoal estar solto. ISTOÉ – Muita gente só está tomando conhecimento das atrocidades agora? Damous – Muitos jovens começam a se identificar com os rapazes e moças torturados e mortos. Veem que foi uma violência desmedida e inaceitável. ISTOÉ – O sr. defende a revisão da Lei da Anistia ou acredita ser possível encontrar uma interpretação do texto que possa levar à punição desses criminosos? Damous – Acredito que a Lei da Anistia, como foi redigida, não anistia os torturadores. Foi um malabarismo de interpretação o que o Supremo Tribunal Federal fez em 2009. O ministro Eros Grau dizer que movimentos sociais foram às ruas clamar por anistia ampla, geral e irrestrita para beneficiar todo mundo foi uma distorção. Mas pode haver um novo julgamento e há um dado promissor que é o novo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, antecipar seu entendimento coincidente com o nosso, de que a lei não beneficia torturador. ISTOÉ – Mas, em sua opinião, o que seria melhor, uma nova interpretação do Supremo ou a alteração do texto da lei? Damous – O Congresso pode fazer isso antes. Há um ano, não via qualquer possibilidade de o projeto da (Luiza) Erundina (PSB-SP) passar. Ele exclui da anistia agentes públicos civis e militares. Hoje, sou um otimista moderado. Penso que tem de deixar a lei mais clara e não desafiar novas interpretações. Toda anistia tem o conceito de perdoar crimes políticos. Agora, tortura, estupro, desaparecimento forçado, não dá para dizer que isso é crime político. O que esses agentes fizeram são crimes contra os direitos humanos, imprescritíveis. Tortura não se anistia. É crime de lesa-humanidade. 4#2 A VOZ DAS VÍTIMAS Como foi a vida no exílio daqueles que foram beneficiados, em 1979, com a Lei da Anistia, e o que eles pensam sobre a revisão da norma Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br) O Congresso viveu dias intensos no mês de agosto de 1979. Parlamentares do MDB tentavam reagir aos termos do projeto do governo que estabelecia anistia a crimes políticos cometidos durante o regime militar. A lei precisava de aperfeiçoamentos, mas a oposição chegou à conclusão de que o mais importante seria aprovar uma “anistia possível” para acabar logo com a agonia de mais de quatro mil brasileiros que tiveram a vida interrompida por uma década, fugindo da perseguição do regime. “Capenga”, como resumiram deputados do MDB, a Lei da Anistia preservava os algozes de cidadãos torturados e de famílias que tiveram a vida destruída pela repressão. Mesmo assim, foi amplamente comemorada por aqueles que passaram longos anos buscando refúgio em países desconhecidos, usando documentos falsos e controlando crises de pânico a cada vez que eram abordados por policiais estrangeiros. O ex-ministro Franklin Martins narra essa sensação de insegurança que tomava conta dos exilados. Ele conta que em 1976 elaborou detalhado plano de cruzar três continentes para chegar o mais próximo do Brasil e se encontrar com companheiros de militância. A lei de 1979 resgatou vidas espalhadas pelo mundo, mas, para Franklin, passado o momento da “anistia possível”, o Brasil precisa avançar. “Não é possível achar que a Anistia representou um acordo da nação, porque uma das partes não podia negociar, estava silenciada na prisão, no exílio.” No fim da década de 1960, Franklin e Vladimir Palmeira eram as duas principais lideranças estudantis do País. Mas Palmeira tem visão diferente da de Franklin, em relação à revisão da Lei da Anistia. Ele afirma que mais importante do que punir os torturadores do passado é promover uma aproximação das Forças Armadas com a sociedade. “A cultura da tortura ainda está embutida, é preciso inibir isso.” O jornalista Fernando Gabeira, preso e exilado por participar do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, também é contrário a revisões. “Punir gente com 80 anos pode dar a eles uma aura de vítima, que eles não precisam ter.” Ainda na militância da esquerda, Cid Benjamin e Milton Temer afirmam que o texto da lei ainda dá margens para dúvidas, quando o assunto é a anistia a torturadores. 4#3 NUNCA MAIS! As fotos que ilustram esta página mostram um momento da história que o Brasil não deve esquecer para nunca mais repetir. O Golpe de 64 foi iniciado por uma mentira – a de que se pretendia defender a democracia ameaçada pelo comunismo – para terminar numa tragédia de 21 anos, que trouxe a tortura, a censura e a perseguição aos adversários políticos. Ao retirar do povo o direito de escolher seus governantes, o regime militar tentou se apossar do destino de uma nação alegre, diversificada e tolerante. Produzido por forças políticas que foram buscar, nos quartéis e até em países estrangeiros, um apoio que não eram capazes de obter nas urnas, o regime militar encerrou-se em ambiente de merecido repúdio nacional. Em duas décadas, não resolveu nenhum problema antigo e deixou uma herança de problemas novos que os brasileiros, sob o mais prolongado regime de liberdade de sua história, têm toda capacidade de resolver. A cena das libélulas sobre duas baionetas deixou Costa e Silva tão enfurecido que ele prendeu o fotógrafo por 24 horas no Palácio do Catete Na virada do dia 1º para o dia 2 de abril de 1964, o fotógrafo Evandro Teixeira foi o único civil a entrar no Forte de Copacabana. Aquela era a primeira noite que o País vivia sob o regime militar A histórica passeata dos 100 mil, em 26 de junho de 1968, reuniu estudantes, intelectuais, artistas e civis na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro, numa das maiores manifestações populares organizadas contra a ditadura militar. A imagem tornou-se um símbolo do movimento popular que lutou por mais liberdade Fotos Evandro Teixeira 4#4 SERÁ UM NOVO DEMÓSTENES? Como o ex-senador do DEM, o destemido petista André Vargas pode perder o mandato por envolvimento com contraventor acusado de ser o pivô de um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou R$ 10 bilhões Izabelle Torres (izabelle@istoe.com.br) Assim como o ex-senador Demóstenes Torres (ex-DEM), cassado por envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, o vice-presidente da Câmara dos Deputados André Vargas (PT-PR) sempre gostou de posar de paladino da moralidade. Em plena sessão solene de abertura do ano legislativo no Congresso, ousou desafiar o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, erguendo os punhos cerrados, em repetição a gesto feito pelos mensaleiros quando foram presos. A foto do deboche ganhou as redes sociais e os principais jornais, levando o deputado a passar dias recebendo cumprimentos dos petistas críticos do desfecho do julgamento do mensalão. No ano passado, Vargas já havia feito a alegria dos petistas ao se lançar contra outro crítico dos réus do mensalão. O alvo foi Olívio Dutra, que recomendara a renúncia de Genoino. “Quando ele (Olívio) passou pelos problemas da CPI do Jogo do Bicho, teve a compreensão de todo mundo”, atacou André Vargas. Agora, assim como Demóstenes, Vargas corre o risco de perder o mandato por envolvimento com a contravenção. Na última semana, revelou-se que ele mantém relação de proximidade e amizade com o doleiro Alberto Youssef, que está preso por ser o pivô de um esquema de lavagem de dinheiro que pode ter movimentado cerca de R$ 10 bilhões. Vargas e o doleiro são amigos de longa data – há pelo menos 20 anos. Nas escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal durante as investigações da Operação Lava Jato, os dois trocaram dezenas de telefonemas e trataram de assuntos que vão desde política até negócios do doleiro com o Ministério da Saúde. Em uma das conversas, eles se referem ao contrato de R$ 150 milhões da Labogen, um laboratório com folha salarial de R$ 28 mil, com o Ministério da Saúde. A PF acredita que Vargas mantenha com o doleiro preso uma espécie de “sociedade” — a mesma suspeita que chegou a pesar na relação entre Carlinhos Cachoeira e Demóstenes. Na semana passada, mais uma clara demonstração de proximidade entre os dois foi publicada pelo jornal “Folha de S. Paulo”, mostrando que o deputado pediu a Youssef que viabilizasse um avião para que ele e a família fossem de Londrina a João Pessoa passar férias, em janeiro. Youssef fretou um Learjet 45 por mais de R$ 100 mil e Vargas não só desfrutou da viagem como levou com ele sete pessoas de graça. Sobre o passeio, o parlamentar se contradisse algumas vezes ao tentar se explicar, mas terminou assumindo se tratar de um favor feito pelo doleiro, que não teria aceitado nem sequer o pagamento da gasolina usada. Disse tratar-se de “imprudência” voar à custa do doleiro, em discurso na Câmara na semana passada, e jurou não manter negócios com Youssef. Poucos acreditaram. INTIMIDADE - O petista André Vargas mantém uma relação de 20 anos com o doleiro Alberto Youssef. Além de usufruir do jatinho do amigo, Vargas é suspeito de ser sócio dele A proximidade – ou sociedade – de um político que parecia não ter o que temer com uma pessoa investigada por envolvimento com corrupção não é o único paralelo que se pode traçar entre os casos de André Vargas e Demóstenes Torres. Há outra semelhança. Assim como Cachoeira, o doleiro de Vargas também já havia sido preso por envolvimento no esquema do Banestado. Apesar disso, o deputado diz que não conhecia as atividades do amigo, assim como fez Demóstenes em 2012, ao negar que mantinha qualquer relação com o seu amigo contraventor acusado de comandar negócios ilegais. PUNHOS CERRADOS- Em sessão solene de abertura do ano legislativo, André Vargas desafiou o Supremo ao repetir gesto característico dos mensaleiros ao lado de Joaquim Barbosa O ex-senador Demóstenes Torres enfrentou a investigação no Conselho de Ética do Senado, aberto em resposta a um pedido do PSOL. O parlamentar foi cassado pelo plenário três meses depois e ficou inelegível. Na quinta-feira 3, novamente coube ao mesmo PSOL a iniciativa de pedir apurações contra Vargas. O partido apresentou um ofício ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), para que a Corregedoria apure a conduta do petista. O caso coloca em cena mais uma vez as relações duvidosas entre pessoas públicas e contraventores, um enredo cujo desenlace depende da boa vontade dos próprios políticos em investigar seus pares. 4#5 A CASA DAS MANOBRAS O mesmo Congresso que se mobilizou para instalar a CPI da Petrobras agora se rende aos interesses do governo e praticamente enterra as chances de investigação séria Claudio Dantas Sequeira (claudiodantas@istoe.com.br) Em um Legislativo com maioria governista, a CPI era até pouco tempo um dos poucos e legítimos recursos da minoria oposicionista para aprofundar investigações contrárias ao interesse do Executivo. Por algum tempo, tal ferramenta serviu à apuração de escândalos importantes envolvendo diferentes legendas. Foi assim com os casos dos “Anões do Orçamento”, a CPI do PC, a do Banestado e a célebre CPI dos Correios. Mas o uso excessivo do inquérito parlamentar como moeda de barganha política abalou sua credibilidade, tanto quanto as manobras regimentais que continuam a surgir para barrar qualquer tipo de investigação séria. Mesmo que haja um fato específico, falar em CPI hoje é como quebrar ovos e juntar um bocado de farinha para assar uma grande pizza. A impressão de que Vossas Excelências não cansam de zombar do eleitor foi reforçada na semana passada. O mesmo Congresso que havia se mobilizado para abrir uma investigação sobre denúncias na Petrobras dobrou-se à vontade do Palácio do Planalto, praticamente enterrando as chances de que qualquer denúncia venha de fato a ser apurada. Não por falta de CPI. Se antes havia uma, agora são quatro (veja quadro). Nesse caso, porém, a quantidade é inversamente proporcional à qualidade. Duas foram efetivamente criadas, mas ainda não estão instaladas. E o governo trabalha para adiá-las ao máximo. Primeiro, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) apresentou questão de ordem questionando a legalidade da CPI. O presidente do Senado, Renan Calheiros, rejeitou o recurso, mas transferiu a decisão de instalação para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que é dominada por governistas e deve empurrar com a barriga a apreciação. Fez o mesmo com o requerimento de CPI apresentado pelos governistas que propõe ampliar as investigações ao Porto de Suape, ao metrô de São Paulo e do Distrito Federal e aos contratos da União com a empresa Ideia Digital, alvo da Operação Logoff da Polícia Federal. Temas que atingem PSDB e PSB. Para tentar manter o controle da investigação, a oposição também colheu assinaturas no Senado e na Câmara para uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigue a Petrobras. Em resposta, os governistas colheram também assinaturas nas duas Casas legislativas para uma CPMI de escopo mais amplo. Essas duas ainda não foram lidas em plenário, passo anterior à instalação, o que só deve ocorrer no dia 15 de abril, segundo estratégia acordada pelo PT com a cúpula do PMDB e bancada por Renan. Os petistas avaliam que, com a chegada do feriado da Páscoa, será possível postergar a leitura para o fim do mês ou o início de maio. CONCHAVOS - O líder do governo Eduardo Braga (topo), em parceria com a senadora Gleisi Hoffmann, questiona a legalidade da CPI e Renan Calheiros (acima) transfere a decisão para a CCJ, ajudando o Planalto Responsável por capitanear as tentativas de investigar a Petrobras, o senador e presidenciável Aécio Neves (PSDB-MG) reagiu à tentativa do governo de barrar a CPI. “É zombar da sociedade”, disse. O tucano reclamou das manobras do governo, criticou a decisão de Renan e promete levar o caso para o Supremo Tribunal Federal. “Se for essa a interpretação de desprezar a CPI apresentada pelas oposições, nos restará judicializar essa questão”, afirmou. Em 2007, o plenário da Corte deliberou que pedidos de CPI, quando formulados corretamente, devem ser acatados sem questionamentos. Além de recorrer ao STF, a oposição tentará obstruir a pauta de votações na Câmara. “Vamos fazer obstrução total. Não vamos votar nada até que se instale a CPI”, avisa o líder do DEM, Mendonça Filho (PE). RESTOU - O tucano Aécio Neves reagiu à tentativa do governo de barrar a CPI e prometeu levar o caso para o Supremo Tribunal Federal: "É zombar da sociedade", disse. Seja qual for a CPI instalada, os governistas já trabalham com outra tática protelatória: colocar na pauta da comissão um enorme conjunto de requerimentos que atrapalhem a convocação de autoridades ligadas ao caso Petrobras, assim como testemunhas menos relevantes, afastando os depoimentos importantes e pedidos de quebra de sigilo bancário e fiscal – o filé-mignon de toda investigação parlamentar. A oposição, por sua vez, prepara o contra-ataque. Uma das principais iniciativas para agilizar as investigações é requerer à Polícia Federal, ao TCU e ao Ministério Público Federal dados sobre os negócios da estatal. Também buscam paralelamente manter a polêmica aquecida, com a convocação dos envolvidos, como o ex-diretor da área internacional da estatal Nestor Cerveró. 4#6 "O MAIS MÉDICOS É MARAVILHOSO, MAS FUI ENGANADA" Maior símbolo contra o programa, a médica cubana Ramona Rodrigues fala à ISTOÉ sobre seu futuro nos EUA e, agora, elogia a iniciativa federal Raul Montenegro (raul.montenegro@istoe.com.br) Na noite de 1º de abril, a médica cubana Ramona Rodrigues, 51 anos, divulgou um vídeo seu nos Estados Unidos, onde havia chegado na manhã do dia anterior. Ela se tornou símbolo contra o Mais Médicos ao abandonar o programa e pedir abrigo ao deputado oposicionista Ronaldo Caiado (DEM-GO) no Congresso. Depois, ficou hospedada no apartamento de outro parlamentar democrata antes de ser empregada pela Associação Médica Brasileira (AMB), também contrária à iniciativa do governo. Na semana passada, de Miami, falou à ISTOÉ sobre sua nova vida em solo americano. RECOMEÇO - Ramona, em Miami: "Estou muito feliz" VIDA EM MIAMI “É a primeira vez que vou aos Estados Unidos. Estou muito feliz, a vida está apenas começando. Quero trabalhar, vou buscar opções e fazer cursos. Eu gostaria de ser médica aqui, porque essa é a minha profissão. Vivo agora em um país seguro, livre, estou muito bem. Tenho teto graças à ajuda de amigos cubanos. Passo dois dias na casa de um, três na de outro. Ficarei assim até conseguir um local fixo onde possa viver.” ACUSAÇÕES “Não fui ao Brasil apenas para fugir. Já trabalhei como médica em outro país, a Bolívia, e se quisesse ir para os Estados Unidos teria feito isso antes. Também não tenho namorado em Miami, como disseram para me desacreditar. Nem familiares. Sou divorciada e tenho uma filha e uma neta, que estão em Cuba. O deputado federal José Geraldo (PT-PA) disse em plenário que eu era vista embriagada em Pacajá (PA), onde trabalhava, e que, por isso, nem os outros médicos cubanos me queriam na cidade. Isso também foi uma manobra para me desmoralizar. Eu não bebo, jamais bebi. É uma mentira, e muita gente lá saiu em minha defesa.” FUGA “Decidi abandonar o Mais Médicos porque estava inconformada com o nosso pagamento. Nosso salário era de R$ 2.300 – poderíamos usar R$ 900 no Brasil e o restante iria para uma conta em Cuba –, enquanto os demais médicos estrangeiros recebiam R$ 10.500. Me senti enganada porque nós, cubanos, temos a mesma capacidade de qualquer outro. Tive, então, o auxílio de amigos brasileiros – pacientes – que me ajudaram a ir de Pacajá a Marabá, também no Pará. Demorei quase nove horas porque estava chovendo muito e a estrada ficou completamente enlameada. De lá, peguei um avião até Brasília.” GRAMPO “Em Brasília, minha primeira opção foi pedir asilo à embaixada dos Estados Unidos. Dias depois, fui ao Comitê Nacional para os Refugiados pedir ajuda, mas eles nunca me responderam. Eu estava em Brasília quando fui comunicada pelos meus amigos de que a Polícia Federal havia ido à casa onde eu morava, em Pacajá, para me deportar. Eles também grampearam as chamadas. Foi quando falei com um médico cubano que eu conheço, residente no Brasil. Ele recorreu ao deputado Caiado, que me deu a proteção que eu precisava. Se não fosse por isso, eu já teria ido embora há muito tempo. Depois, trabalhei na AMB fazendo traduções e ajudando no serviço administrativo até que a embaixada americana me concedeu o asilo através de um programa destinado a acolher médicos cubanos trabalhando fora do país.” USO POLÍTICO “Não acho que o deputado Caiado ou a AMB tenham me usado politicamente. Não posso responder por eles, mas ideia minha não foi. Eu simplesmente procurei por pessoas que pudessem me proteger. Sou uma médica e meu interesse não é fazer política, só desejo minha liberdade. Foi minha única opção, eu nunca quis fazer esse barulho.” MAIS MÉDICOS “O Mais Médicos é uma grande medida. É um programa belo, maravilhoso, que leva a saúde pública aos rincões mais distantes do Brasil. Eu nunca tive nada contra o programa, mas contra as diferenças que existem para os profissionais cubanos. Decidi aceitar a missão no Brasil porque em Cuba há muita necessidade, e essa era uma forma de ganhar dinheiro para manter minha família bem. Eu prefiro morar em Miami, mas só quero viver em liberdade, seja onde for. Não tenho isso em Cuba. Seria bom se o governo do meu país se aproximasse do governo dos Estados Unidos.” 5# COMPORTAMENTO 9.4.14 5#1 REPROVAÇÃO VERGONHOSA 5#2 ASSÉDIO DE TOGA 5#3 O SANTO QUE FEZ HISTÓRIA 5#4 A QUEM CABE A DECISÃO? 5#1 REPROVAÇÃO VERGONHOSA Últimas posições no ranking do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes mostram que os alunos têm dificuldade para resolver problemas de raciocínio lógico. Por que o Brasil não avança nas políticas de educação? Camila Brandalise (camila@istoe.com.br) Um estudo divulgado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) na terça-feira 1º colocou o Brasil mais uma vez nas últimas posições de um ranking de educação. Desta vez, o alvo da pesquisa foi a capacidade de os alunos de 15 anos resolverem problemas, avaliando seu raciocínio lógico. É a primeira vez que o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) faz um levantamento das habilidades cognitivas, que envolvem capacidades como interpretação, análise e organização de informações, motivado por números da própria OCDE. Um estudo publicado no ano passado mostrou que 57% dos adultos que chegam ao primeiro nível de competência dessas capacidades estão empregados, enquanto 79% dos que chegam aos níveis quatro ou cinco têm emprego. Ficar em 38º lugar em um ranking com 44 países é um péssimo resultado para o Brasil. Mas assusta ainda mais o fato de 75,1% dos jovens estarem no nível dois de proficiência ou abaixo. São adolescentes carregando uma lacuna de desenvolvimento cognitivo que pode se estender para o resto de suas vidas. E quem perde com isso, além deles, é o País. CURRÍCULO - Para melhorar o desempenho dos alunos, especialistas sugerem que o raciocínio seja trabalhado em sala de aula com questões relacionadas ao cotidiano Apesar de ter apresentado uma baixa performance na prova, o Brasil ainda ficou acima do esperado em comparação a outros países que tiveram desempenho similar no Pisa de matemática, ciências e leitura, divulgado em dezembro de 2013, segundo Andreas Schleicher, diretor-adjunto de educação e competências da OCDE. Para Ernesto Martins Farias, coordenador da Fundação Lemann e especialista em análises de dados educacionais, isso mostra que há um potencial de aprendizado dos alunos que o nosso sistema escolar não está conseguindo acompanhar. “Acredito que, basicamente, é preciso melhorar o ensino de matemática, já que a disciplina pesa bastante no desenvolvimento do raciocínio lógico”, diz. Resolver o problema, porém, não é tão fácil, pois partimos de índices muito baixos. De acordo com dados da última Prova Brasil, aplicada em 2011, apenas 12% dos jovens cursando o nono ano da rede pública demonstram aprendizado adequado. Um importante passo para melhorar esse cenário é avançar em relação à equidade e garantir o acesso à escola de qualidade a todos os estudantes brasileiros. O Pisa mostra que, regionalmente, a diferença é gritante. Quando se dividem alguns países por regiões e os distribuem em rankings, Sudeste, Sul e Centro-Oeste do País apresentam pontuação maior do que a média geral nacional, enquanto Nordeste e Norte aparecem mais de dez posições abaixo. “O Brasil é um país desigual. O que o Pisa mostra não é diferente de outros levantamentos”, diz Chico Soares, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Mudar isso requer esforços em políticas públicas, como capacitação de professores. Mas, quando se trata de investimentos, a questão fica ainda mais delicada e nebulosa. Segundo estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) divulgado na quinta-feira 3, o País está entre as 30 nações que mais arrecadam impostos, porém é o que tem pior retorno dessa verba, não só em educação, mas também em áreas como saúde e saneamento. AVALIAÇÃO - "Precisamos caminhar para que os brasileiros tenham oportunidades educacionais mais completas", diz Chico Soares, presidente do Inep Revisão da base curricular unificada e capacitação de professores estão entre as soluções propostas por especialistas para desenvolver o raciocínio lógico dos alunos brasileiros. Já é possível notar mudanças. Se há alguns anos a escola focava mais no conteúdo, hoje há uma preocupação em incitar a reflexão e a análise. O enunciado da prova deixa de ser somente uma conta e passa a ter um texto com uma situação cotidiana. A psicopedagoga Quézia Bombonatto, diretora da Associação Brasileira de Psicopedagogia, defende essa mudança no perfil das escolas e ressalta a importância de ensinar o aluno a aprender, a construir o conhecimento, e não a decorar ou chegar a conclusões de maneira automática. “Fazer isso significa instrumentalizá-lo para a vida.” Essa modernização da educação, porém, ainda está limitada, em grande parte, às escolas particulares. Isabel Santana, educadora e superintendente da Fundação Itaú Social, defende que a escola pública garanta educação integral, com ampliação da jornada e diversificação de conteúdos, para que os alunos em desvantagem por causa da diferença socioeconômica recuperem esse “prejuízo” com mais atividades. “É preciso colocar intencionalmente no currículo a necessidade de valorização do desenvolvimento das habilidades mais complexas”, afirma Isabel. Embora a própria OCDE reconheça que o Brasil tem mostrado progressos, aumentando o acesso e as taxas de alfabetização de crianças, avaliações como o Pisa deixam claro que ainda há muito a ser conquistado. É consenso que universalizar e aumentar a qualidade do ensino levará décadas. Enxergar a educação como algo essencial para o desenvolvimento do País é uma ideia relativamente recente. Segundo especialistas, há avanços concretos, principalmente a partir da década de 1970. O problema é que, mais de 40 anos depois, a área ainda não parece ser uma prioridade do governo. Enquanto isso não acontecer, corre-se o risco de o baixo desempenho se arrastar por mais tempo e continuarmos amargando os últimos lugares dos rankings. “A lógica é: precisamos caminhar para que os brasileiros na sua totalidade tenham oportunidades educacionais mais completas”, diz Chico Soares, presidente do Inep. Estamos, sim, caminhando. Mas precisamos ter mais pressa. 5#2 ASSÉDIO DE TOGA Funcionários do Poder Judiciário de vários Estados acusam juízes de praticar humilhações e perseguições. Como servidores públicos não podem ser demitidos, as contendas viram batalhas judiciais Fabíola Perez (fabiola.perez@istoe.com.br) Dos juízes espera-se equilíbrio, serenidade e, sobretudo, justiça nos atos e tomadas de decisão. Parte dos servidores do Poder Judiciário, porém, tem se deparado com magistrados autoritários e prepotentes, que perseguem e assediam moralmente os funcionários. Uma pesquisa inédita no País, realizada pelo Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro e obtida por ISTOÉ, é um indicador do ambiente ruim dos tribunais brasileiros. A enquete revelou que 44,5% dos servidores do Tribunal de Justiça do Estado entrevistados afirmam já ter sofrido algum tipo de assédio moral. “Começamos a perceber um número cada vez maior de servidores afastados por problemas psicológicos”, afirma Alzimar Andrade, coordenador-geral do Sind-Justiça. “Esse quadro é agravado porque os juízes assediadores se sentem em uma classe superior, repleta de poder, e têm uma espécie de garantia de não punição.” O levantamento também apontou que 45% dos funcionários ouvidos disseram que já foram ofendidos ou humilhados no atendimento a advogados ou a partes de um processo (leia abaixo). O assédio no serviço público tem peculiaridades. Em uma empresa privada, o chefe descontente pode demitir o trabalhador, algo que não ocorre com funcionários concursados. “O que se negocia são os benefícios e a independência interna do servidor”, afirma o professor de sociologia do direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro Fernando Fontainha. Isso permite, por exemplo, a perseguição de um profissional até que ele decida se exonerar da vida pública. Frequentemente, trava-se uma guerra judicial entre as partes, como ocorreu com a funcionária do Tribunal de Justiça de Minas Gerais Flávia Felício Silva, 42 anos. Ela afirma ter sido perseguida pelo juiz Roberto Ribeiro de Paiva Júnior enquanto trabalhou como escrivã judicial na Comarca de Uberlândia em 2007. “Além do meu trabalho, eu era obrigada a fazer despachos para o juiz, que é atribuição dos estagiários, e trabalhava das 7h às 22h”, relata. Flávia conta que engordou 30 quilos em quatro meses e, quando chegou ao limite, foi conversar com o juiz. “Ele disse que ninguém falava ‘não’ para ele e que eu veria quem mandava”, conta. BATALHA - Flávia e o juiz Roberto Ribeiro de Paiva Júnior travaram uma guerra judicial: ele entrou com cinco processos administrativos contra ela e todos foram arquivados Naquele momento, segundo Flávia, os maus-tratos vieram à tona. Ela foi proibida de entrar no gabinete de Paiva Júnior. “Eu ouvia dele que eu fedia e era gorda e irresponsável”, diz. Por ter cometido uma falha em um processo que resultou em prejuízo financeiro para as partes, ela tomou uma suspensão de cinco dias. Diante disso, a servidora entrou com um mandado de segurança contra o juiz e a atitude do magistrado foi considerada inconstitucional pelo TJ-MG. O caso virou uma disputa judicial. Flávia fez uma representação contra Paiva Júnior na Corregedoria-Geral do Estado e o juiz entrou com cinco processos administrativos contra ela, todos arquivados. A Corregedoria, por sua vez, determinou que o juiz a tratasse com dignidade. Em 2009, Flávia foi transferida de vara. Procurado por ISTOÉ, o Fórum de Uberlândia informou que o juiz está de férias. Tratamentos humilhantes repetitivos podem comprometer a identidade, as relações afetivas e a capacidade de se adequar ao ambiente de trabalho, muitas vezes sem que a pessoa tenha consciência. No Rio de Janeiro, o caso da oficial de Justiça Márcia Elisa Barroso, 38 anos, chegou ao extremo. A funcionária atirou-se do sexto andar do seu prédio, em novembro passado, após ter sido removida de local de trabalho contra a sua vontade, o ápice de uma série de problemas, segundo ela. Márcia fazia parte de um grupo de 12 servidores que, em 2011, abriu um processo administrativo para denunciar o assédio moral praticado pela chefia da Central de Mandados do Fórum de Alcântara, em São Gonçalo, e pedir remoção coletiva. “Todos sofriam com o tratamento da diretora da Central e a juíza nos acusava de fazer motim”, diz. Segundo Márcia, o tempo era restrito para cumprir o número de mandados exigidos, a diretora colocava os funcionários uns contra os outros no momento de definir plantões e quando alguém não dava conta do trabalho ela humilhava e gritava com a pessoa na frente de toda a equipe. Em julho de 2012, Márcia passou a trabalhar em Niterói, mas em novembro passado foi novamente transferida para São Gonçalo. “Entrei em profunda depressão”, diz ela, que não se lembra direito do dia em que resolveu pular da janela. A servidora sofreu traumatismo craniano, uma série de fraturas, ainda está de licença médica e atualmente precisa de um andador para se locomover. O TJ-RJ nega que tenha havido assédio moral. A juíza Renata de Souza Vivas Pimentel, da Central de Mandados de Alcântara, afirmou que a remoção ocorreu em razão da abertura de um presídio na região, o que aumentaria a demanda de trabalho no Fórum local. GRUPO - Márcia e outros 11 servidores abriram um processo administrativo para denunciar o assédio moral praticado no Fórum de Alcântara, em São Gonçalo (RJ) No Poder Judiciário, a disparidade de forças parece mais evidente. “O servidor vive um embate com uma pessoa que possui muito mais poder”, diz Roberto Dias, professor de direito constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Assim, quando o funcionário vai atrás de seus direitos, ele corre o risco de ser malvisto pelos outros juízes e prejudicar a continuidade de sua carreira pública.” A chefe de cartório Nara Pereira, 52 anos, hoje trabalha em Criciúma (SC), mas ainda teme que sua carreira seja prejudicada pelo juiz Lírio Hoffmann Júnior, com quem trabalhou no Fórum de Orleans (SC). Em 2012, ela apresentou uma representação contra ele na Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado, alegando maus-tratos e perseguições no ambiente de trabalho. Os desentendimentos começaram logo no início da relação profissional. “Ele começou a incitar os estagiários contra mim e a me desautorizar diante deles. Também queria que eu o ajudasse a prejudicar seus desafetos”, conta. “Percebi que se tratava de assédio moral quando fui trancada em uma sala e uma servidora falou que eu estava sendo observada.” Nara relata ainda que a funcionária lhe disse que sua função era dar andamento nos processos para acelerar a promoção do juiz. Na denúncia à Corregedoria, Nara acusou Hoffmann de ameaçar abrir uma ação administrativa contra ela, o que de fato ocorreu. De acordo com o desembargador do TJ-SC, Ricardo Roesler, a representação aberta por Nara foi “arquivada por inconsistência de provas e o processo disciplinar continua em tramitação na presidência do Tribunal de Justiça”. Hoffmann afirmou desconhecer alegações sobre assédio moral. “Nossa relação de trabalho era boa, mas não posso dar mais informações sobre o que motivou o processo administrativo”, disse o juiz. Numa área célebre pela morosidade e com uma demanda de maior rapidez da sociedade, as disputas tendem a se acentuar. “O índice de servidores públicos com problemas de saúde é cada vez mais elevado”, diz Paulo Blair de Oliveira, professor da Universidade de Brasília (UnB) e juiz do trabalho há 20 anos. “Por que o tema assédio se tornou tão premente agora? Porque a sociedade exige uma solução com velocidade digital para as suas solicitações e o Judiciário ainda trabalha em ritmo analógico.” 5#3 O SANTO QUE FEZ HISTÓRIA Fundador de São Paulo, autor da primeira gramática, naturalista, pacificador... A biografia de José de Anchieta, canonizado pelo papa Francisco, conta muito da construção do Brasil Raul Montenegro (raul.montenegro@istoe.com.br) Na manhã da quinta-feira 3, com atraso de um dia em relação ao cronograma original, o papa Francisco assinou o documento que garantiu ao padre jesuíta José de Anchieta o terceiro posto no panteão dos santos brasileiros – ao lado de Madre Paulina e Frei Galvão, canonizados em 2002 e 2007, respectivamente. Apesar de atraírem muitos devotos, os dois primeiros, no entanto, nunca foram tão conhecidos quanto Anchieta, que dá nome a 348 ruas e avenidas, sem contar a rodovia que liga a capital paulista à Baixada Santista, oito bairros e 288 escolas no País. “É um santo muito popular, porque é um herói nacional”, diz padre Cesar Augusto dos Santos, que defendeu a causa do jesuíta no Vaticano. A fama desse missionário é alimentada também por meio dos livros de história. “Você não precisa ser católico para conhecer Anchieta. Ele teve um papel na construção da nação brasileira”, afirma Francisco Borba, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Santos que ajudaram a formar países por meio da catequização são comuns na Europa. Junto aos seus discípulos, os irmãos gregos São Cirilo e São Metódio criaram o primeiro alfabeto eslavo para evangelizar o Leste Europeu e a Rússia no século IX. Por isso, o nome cirílico. Da mesma forma, Anchieta criou no Brasil a gramática tupi para se comunicar com os índios. Na Irlanda, há São Patrício e, na França, Santa Joana d’Arc, emblemática na formação daquela nacionalidade. A influência de Anchieta nos registros históricos brasileiros não para por aí. Nascido nas Ilhas Canárias, ele chegou ao País em 1553, aos 19 anos, e um ano depois participou da missa de fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga, hoje Pátio do Colégio, ao redor do qual cresceu a capital paulista. “Apesar das contradições, os missionários estavam a favor dos índios, o que inclusive prejudicou a canonização de Anchieta, porque ele não estava ao lado dos europeus”, diz Borba. RELÍQUIA - Manto usado pelo Padre Anchieta está exposto no marco zero de São Paulo, o antigo Colégio de São Paulo de Piratininga, fundado pelo jesuíta O processo de santificação do padre, que demorou quatro séculos, foi muito influenciado pelos altos e baixos da Companhia de Jesus, da qual ele era membro. Depois de sua morte, em 1597, aos 63 anos, no Espírito Santo, os jesuítas ficaram sem dinheiro para patrocinar a empreitada, foram expulsos de Portugal e de suas colônias e sofreram o mais duro golpe ao serem extintos pelo papa Clemente XIV, em 1773. Anos depois, a ordem foi restaurada, mas a Igreja só reabriu o caso do missionário após o terceiro centenário de sua morte, às portas do século XX. Anchieta foi beatificado apenas em 1980, pelo papa João Paulo II. Depois disso, a santificação ficou parada até que, durante a Jornada Mundial da Juventude, que aconteceu no Brasil em julho do no ano passado, o cardeal dom Raymundo Damasceno Assis, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), pediu ao papa Francisco que reabrisse o processo. Duas semanas depois, a canonização foi confirmada. Estudiosos relativizam o fato de a escolha ter sido feita justamente pelo primeiro papa jesuíta da história – hoje a ordem é a mais influente da igreja, com 18 mil religiosos espalhados por 130 países. “O sumo pontífice não toma essas decisões em função de preferências pessoais, mas é evidente que ele vai procurar entre os casos disponíveis aqueles através dos quais passará mais facilmente sua mensagem”, diz Borba, da PUC. OBRA - Capela de São Miguel, na zona leste da capital paulista. O missionário fazia percurso de 20 quilômetros por terra e pelo rio Tietê para chegar ao local, onde ergueu o templo Ao contrário da maioria dos santos, Anchieta não possui milagres reconhecidos pelo Vaticano. Em 1980, para a beatificação, João Paulo II dispensou o feito e, agora, a promoção se deu através de um processo chamado canonização equipolente, resolução feita a portas fechadas que atrasou um dia por causa da agenda papal. Nessa modalidade, o candidato é alçado a santo por ser alvo de grande devoção. “Eu fiquei surpreso quando descobri que em cada Estado há pelo menos 50 devotos e multiplicadores – o pessoal que distribui santinhos, que faz a propaganda”, diz Santos, o postulador. “Esse não é o primeiro caso da Igreja Católica e também está longe de ser o único. O que mais importa para nós é a vida santa”, afirma o cardeal de São Paulo, dom Odilo Scherer. Para o arcebispo, a importância de um santo não está relacionada apenas à sua relevância espiritual. “Anchieta pacificou as relações entre indígenas e portugueses, fundou várias escolas e foi o primeiro naturalista do Brasil, escrevendo sobre a fauna, a flora e a meteorologia do País”, diz Scherer. Agora, todos esses feitos poderão ser venerados nos altares. 5#4 A QUEM CABE A DECISÃO? Justiça obriga mulher a fazer cesariana sob o argumento de risco para o bebê, e o caso levanta a discussão sobre os limites dos direitos individuais Wilson Aquino (waquino@istoe.com.br) Em 2011, a Justiça de Cleveland, nos EUA, tirou um menino obeso, de 8 anos, da guarda da família porque a mãe do garoto não conseguia fazê-lo emagrecer. Em 2013, médicos do Hospital Nossa Senhora da Conceição, de Tubarão (SC), obtiveram da Justiça uma liminar autorizando a transfusão de sangue em um recém-nascido cujos pais eram da religião Testemunhas de Jeová – contra esse recurso da medicina. São inúmeros os casos em que o limite entre o direito de uma pessoa decidir sobre si mesma ou seus dependentes é mudado por força judicial. O episódio mais recente chocou o País: na segunda-feira 31, a Justiça de Torres, no Rio Grande do Sul, determinou que uma grávida fosse submetida a uma cesariana, contra a vontade dela, sob o argumento de que a criança e a mãe corriam risco de morrer caso o parto fosse natural, pois o bebê estava sentado, ela já havia feito duas cesarianas e a gestação chegara às 42 semanas. Afinal, a quem cabe a decisão? À FORÇA Adelir com o marido e Yuja no colo: ela se sentiu “sequestrada” pelos policiais O caso levanta discussões sobre os limites dos direitos individuais. “Isso é um absurdo. Parto normal ou cesariana é escolha da mãe. Não é nem do pai!”, afirma o diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Carlos Eduardo Guerra. Preocupado com futuras demandas judiciais, o obstetra Jorge Kuhn diz que os médicos estão sendo formados em um modelo que coloca o parto do bebê sentado como impossível de acontecer por via vaginal. “Isso não é verdadeiro. Os profissionais de saúde é que não sabem prestar assistência nesse caso”, afirma ele, que se diz estarrecido. O Tribunal de Justiça gaúcho explicou, em nota, que a magistrada analisou o relatório de prescrição e evolução da gestação, o boletim de atendimento médico e os demais documentos. Todos teriam atestado a necessidade de intervenção estatal “para o resguardo da vida e integridade física do nascituro”. A doceira Adelir Góes, 29 anos, disse que foi “sequestrada”. “Eram nove policiais armados dizendo que, se eu não fosse por bem, iriam me algemar e me prender. E eu com contrações”, contou à ISTOÉ. A brutalidade com que ela foi tratada remete à violência que uma em cada quatro mulheres relata sofrer durante o parto, segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo. Adelir disse ter sido insultada pela médica, que a chamava de “irresponsável”. A menina Yuja Kali nasceu com 3,6 kg e 49 cm e passa bem. 6# MEDICINA E BEM-ESTAR 9.4.14 O AMOR PODE TER CURA Cientistas propõem o uso de remédios e de outras intervenções para acabar com o sentimento quando ele traz mais sofrimento do que alegria Cilene Pereira (cilene@istoe.com.br) É difícil encontrar alguém que nunca sofreu por amor. E que no auge de sua dor não tenha imaginado como seria ótimo se existisse uma pílula, algo que pudesse ser comprado logo ali, na farmácia, para acabar com o sofrimento. Na opinião de um respeitado time de cientistas, esses remédios existem. Alguns já estão disponíveis, outros em estudo. Juntos, eles formam um arsenal capaz de curar amor – e devem começar a ser usados sempre que necessário. A proposta está sendo feita por pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, uma das mais renomadas do mundo. Por seu teor polêmico, a proposição iniciou um grande debate entre os cientistas sobre a oportunidade de se recorrer a recursos para encerrar um amor – seria mesmo adequado tratar o sentimento como se lida com uma gripe, uma gastrite? – e as consequências éticas que podem advir do uso do que os estudiosos ingleses estão chamando de biotecnologia antiamor. No olhar do grupo de Oxford, porém, trata-se de lidar com o tema sob uma perspectiva diferente da convencional. Existe o amor de Platão, de Shakespeare. Fala-se aqui do ideal, do sentimento arrebatador, que nasce sem muita explicação e gera histórias inesquecíveis. E existe o amor entendido pela ciência. Nesse caso, não há espaço para romantismo. A emoção seria produto de respostas fisiológicas desencadeadas no cérebro a partir de um estímulo. Sua geração faria parte do arcabouço de emoções que a espécie humana desenvolveu ao longo de sua evolução com o objetivo de garantir sua sobrevivência. O medo, por exemplo, nos ajudou a ter reações de fuga diante de predadores. O amor, por sua vez, foi o sentimento que garantiu a continuidade da reprodução da espécie. E hoje, defendem os cientistas, é possível interferir nas etapas desse processo com a finalidade de interrompê-lo. “A neurociência está nos apresentando um entendimento novo do amor”, disse à ISTOÉ o pesquisador Brian Earp, de Oxford, coordenador do grupo que estuda os tratamentos para o sentimento. “Portanto, se pensarmos que ele é algo que emerge da química cerebral, começa a fazer sentido falar em cura.” SEM LIGAÇÃO - Em suas pesquisas com cobaias, Young conseguiu impedir a criação de laço afetivo O consenso científico sobre o amor é o de que ele é dividido em três fases. A primeira é chamada de luxúria e caracteriza-se pelo desejo sexual. A segunda é a atração. As duas fases formam a paixão. Elas são associadas aos hormônios estrogênio e testosterona – responsáveis, respectivamente, pelas características femininas e masculinas. Também há o foco no objeto da paixão, podendo ocorrer inclusive pensamentos obsessivos a seu respeito. “Os apaixonados e os pacientes que sofrem de Transtorno Obsessivo Compulsivo dividem um mesmo tipo de pensamento. Os primeiros são focados nos parceiros, e os segundos, em suas obsessões”, disse à ISTOÉ a pesquisadora italiana Donatella Marazziti, da Universidade de Piza, na Itália. Ela é autora de um trabalho exemplar sobre esse aspecto. Primeiro, Donatella selecionou 20 voluntários em pleno estado da paixão e 20 portadores do transtorno. Ela quantificou nos dois grupos a concentração de uma proteína envolvida no transporte da serotonina, substância cerebral relacionada à regulação do humor. Tanto apaixonados quanto pacientes tinham baixa quantidade da proteína, o que significa que havia pouca disposição de serotonina. Um ano depois, seu nível já havia subido entre os amantes. E eles não manifestavam mais obsessão pelo parceiro. CAUTELA - Marchant, da Universidade do Arizona, teme o uso abusivo das drogas antiamor As estruturas cerebrais acionadas nessas duas fases são as que compõem o sistema de recompensa. Ele é ativado quando se vive algo que dá prazer. Ao entrar em ação, há a liberação de dopamina. O composto é a base química que está por trás da alegria que sentimos quando desfrutamos de uma situação prazerosa. Esse sistema é o mesmo acionado nos casos de dependência, como a de drogas ou de álcool. No caso do amor, a recompensa é o prazer proporcionado pelo parceiro. É por essa razão que há o entendimento de que o amor pode se tornar um vício. “Há teorias sobre adição que sugerem que qualquer substância, comportamento ou relacionamento que apresente potencial de recompensa pode desencadear dependência”, diz Earp. No artigo que publicaram sobre o tema na revista científica “The American Journal of Bioethics”, os pesquisadores ingleses elencaram várias categorias de remédios que poderiam ser usadas para interromper a evolução da paixão. Os antidepressivos, por exemplo, reequilibram as concentrações de serotonina, reduzem pensamentos obsessivos, interferem na liberação de dopamina – portanto, haveria menos euforia diante do amado – e têm entre seus efeitos colaterais a queda da libido. Outras opções seriam as medicações que impedem a ação da testosterona, provocando diminuição do desejo. Apontam também a naltrexona, usada para tratar a dependência de opioides (receitados contra a dor) e contra o alcoolismo. A terceira etapa do amor é a do vínculo. Trata-se aqui do sentimento a longo prazo, sem o impulso da paixão, marcado por sensação de segurança e de proteção ao parceiro. Nessa fase, agem duas substâncias: a ocitocina e a vasopressina. A primeira é um hormônio envolvido na formação de laços afetivos e de fidelidade. “Ele é liberado quando há contato íntimo, um toque carinhoso”, explicou à ISTOÉ o americano Larry Young, diretor da Divisão de Neurociência Comportamental do Centro de Pesquisa Yerkes, da Emory University (Eua). Já a vasopressina atua na formação de vínculos nos cérebros masculinos. “Em outras espécies, ela é responsável por um comportamento associado à proteção de território”, disse Young. “Mas em espécies monogâmicas está relacionada a vínculo, provavelmente porque o cérebro masculino considera a fêmea parte de seu território.” Nessa química, também opera uma molécula chamada CRF, que ajuda a manter a relação por longos períodos. “Quando os amantes estão separados, a CRF os faz ter sentimentos negativos, até depressão”, completou Young. O americano é um dos mais proeminentes estudiosos da neurofisiologia do amor. Pesquisa o tema há 20 anos, usando como cobaias um tipo de ratazana cujo comportamento familiar se assemelha ao humano, mantendo longas relações com apenas um parceiro. Nas suas experiências, porém, ele provou que é possível manipular esse comportamento simplesmente agindo sobre as substâncias associadas ao vínculo. “Podemos bloquear qualquer um desses compostos e evitar que as cobaias construam laços ou se sintam mal quando um parceiro vai embora”, afirmou Young. Em um dos experimentos, ele usou um composto para impedir a ação da ocitocina nas fêmeas. Elas não criaram ligação com um parceiro e tornaram-se polígamas. “Teoricamente, drogas semelhantes poderão ser dadas às pessoas para manipular seu amor por seus companheiros”, disse o pesquisador. O inglês Brian Earp, de Oxford, está otimista quanto à criação de mais recursos anti-amor. “Conforme o conhecimento do mecanismo cerebral por trás do sentimento se aprofundar, a tecnologia antiamor se tornará ainda mais poderosa”, acredita. Não se descarta, inclusive, a manipulação da memória por meio do emprego de técnicas adotadas hoje no tratamento de estresse pós-traumático. Nesse caso, o que se quer é apagar as lembranças ruins associadas ao evento que levou ao trauma. Um dos recursos é o uso do anti-hipertensivo propranolol. E mais opções estão em estudo, envolvendo treinamentos específicos e outras medicações. No caso do amor, os métodos seriam usados para fazê-lo desaparecer. “Pode-se imaginar terapia similar sendo usada para apagar a memória do amor”, afirmou a antropóloga Helen Fisher, da Rutgers University (Eua), também investigadora importante da área. MEMÓRIA - Estudiosa do amor no cérebro, Helen acha possível apagar a lembrança do sentimento Os pesquisadores defendem o uso de armas como essa para todos os casos nos quais a relação é claramente prejudicial e precisa ter um ponto final. “Imagine uma pessoa em um relacionamento violento. Ela sabe que precisa sair dessa situação, mas seu sentimento de vínculo é tão forte que não consegue”, disse Earp. “Se ela pudesse usar um remédio que possibilitasse uma separação emocional do parceiro, seria um uso possível.” O cientista cita outra circunstância. “Pense em alguém atraído por outra pessoa que não o seu parceiro, mas que quer continuar fiel”, exemplifica. “A tecnologia antiamor pode ajudá-lo a diminuir seus sentimentos de atração pelo outro.” Indivíduos com dificuldade para se recuperar de um rompimento e partir para outra experiência também se beneficiariam. Segundo Earp, em Israel já houve a adoção de uma das armas. Por determinação de rabinos, antidepressivos foram dados a jovens para aplacar sua libido de forma que ficasse mais fácil, no entendimento dos religiosos, seguir as normas da religião sobre o comportamento sexual. A proposta de curar o amor desencadeou intensas reações na comunidade científica. Após a publicação do artigo do grupo inglês, pensadores de várias partes do mundo iniciaram um debate sobre as repercussões da proposta. A professora Kristina Gupta, da Universidade Georgetown (Eua), foi uma delas. Estudiosa da sexualidade humana, ela vê benefícios na aplicação de tecnologias para aplacar o sentimento. “Acho válido em alguns casos, como para alguém que quer terminar uma relação com um marido violento”, afirmou à ISTOÉ. “Mas é preciso se certificar de que os recursos não sejam usados para eliminar tipos de relacionamentos somente porque não são considerados aceitáveis pela sociedade. Um exemplo são as relações homossexuais”, completou. Especialista em filosofia e sexualidade, o canadense Neil McArthur, da Universidade de Manitoba, também reagiu. Ele defende que os recursos seriam úteis quando as pessoas não são aptas a se recuperar de forma sadia após um rompimento. “Como aquelas que começam a manter pensamentos suicidas ou a perseguir seus ex-parceiros”, exemplificou à ISTOÉ. E a exemplo de Kristina, prega a cautela. “Gostaria que esses remédios fossem muito bem regulados e usados em casos extremos.” McArthur toca em um ponto central das discussões: como garantir que não haveria abuso na aplicação dos métodos antiamor. “Estamos preocupados com essa possibilidade”, afirmou à ISTOÉ o americano Gary Marchant, professor de tecnologias emergentes, lei e ética da Universidade do Arizona. Ele abordou a questão em um artigo publicado no “The American Journal of Bioethics”. “O iminente desenvolvimento de agentes antiamor nos coloca sob o sério risco de atitudes não éticas para manipular sentimentos românticos”, escreveu. Na opinião do especialista, é preciso começar a pensar em uma legislação que proteja, por exemplo, contra a manipulação involuntária do sentimento. “Mas isso será um desafio”, acredita. Há outra crítica importante levantada. Intervir para curar o amor embute o risco de tirar do ser humano uma oportunidade de evoluir. “Se tomarmos uma pílula a cada vez que uma relação não der certo, nunca aprenderemos a ver o que fizemos de certo ou errado e como nos tornar pessoas melhores”, afirma o canadense McArthur. “Além disso, pense em toda a maravilhosa arte, música e literatura feitas sobre o amor. Nada disso existiria se esses remédios estivessem disponíveis. A dor da perda nos torna criativos.” Pondera-se também se a proposta não seria mais um caso de “medicalização” de um sentimento. Ou seja, de tornar um problema médico uma emoção natural. “Isso pode ser bom ou mau”, responde Brian Earp. “O alcoolismo, por exemplo, foi considerado durante muito tempo uma questão moral. Quando começou a ser tratado como um problema de saúde, houve a abertura para a criação de tratamentos. E eles melhoraram a vida das pessoas que estavam sofrendo”, defende o inglês. 7# ECONOMIA E NEGÓCIOS 9.4.14 7#1 1 O EFEITO CRIMEIA 7#2 COMO SE PREPARAR PARA O FIM DO WINDOWS XP 7#1 O EFEITO CRIMEIA O aumento da tensão entre Rússia e Ucrânia e as ameaças de sanções das potências do Ocidente podem trazer benefícios econômicos ao Brasil Pedro Marcondes de Moura (pedro.marcondes@istoe.com.br) O mundo tem muitos motivos para lamentar a crise Rússia-Ucrânia, mas o conflito, pelo menos por enquanto, pode fazer bem ao Brasil. O acirramento das tensões entre russos e ucranianos, a anexação da Crimeia pelo Kremlin e as consequentes ameaças de sanções das potências do Ocidente provocaram o que os especialistas chamam de efeito manada nos grandes investidores internacionais. Nos três primeiros meses de 2014, saíram da Rússia US$ 70 bilhões, o equivalente a R$ 159 bilhões. O motivo é simples: assustados com os desdobramentos da crise, os donos do dinheiro estão em busca de portos mais seguros. Não existe nenhum estudo que comprove a relação direta entre uma coisa e outra, mas alguns indicadores apontam que os países emergentes são o destino preferido desses investidores. Uma análise mais atenta ao movimento da Bolsa de Valores de São Paulo mostra que o Brasil vem recebendo recursos extras do Exterior, sem que houvesse um fator interno que justificasse a entrada de capital. Entre 1º e 20 de março, o capital estrangeiro comprou o equivalente a US$ 550 milhões em ações negociadas na Bovespa. Detalhe importante: esse indicador estava negativo nos últimos dois meses. DEBANDADA - Tropas russas na Crimeia: assustados com o conflito, investidores tiram dinheiro da Rússia A Rússia vive um período econômico crítico. Desde janeiro, a bolsa de valores local caiu cerca de 20% e o rublo, moeda nacional, desvalorizou-se quase 8% ante o dólar. O Banco Mundial, que antes da crise ucraniana previa um crescimento de 2,2% para a economia russa em 2014, agora já trabalha com um encolhimento de 1,8%. Enquanto isso, o Brasil, se ainda não retomou o esperado ritmo de crescimento, produz sinais que justificam algum otimismo. Na semana passada, o Ibovespa, índice que mede o desempenho das ações cotadas na bolsa de São Paulo, recuperou finalmente as perdas do ano, recuperação essa desencadeada pelo fluxo crescente de investimentos estrangeiros. Na quarta-feira 2, Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, deu mais um motivo para que especuladores internacionais coloquem dinheiro no Brasil. O BC aumentou a taxa de juros para 11% ao ano – quanto mais altos os juros, mais ganhos para os investidores. O ex-economista-chefe da Febraban Roberto Luis Troster diz que isso explica o ingresso de capital estrangeiro. “O fluxo de recursos para o Brasil se deve ao ambiente interno”, diz. NAS ALTURAS - Alexandre Tombini, presidente do Banco Central: alta de juros atrai especuladores internacionais Não é apenas o mercado acionário brasileiro – sujeito às variações de humor dos investidores e, portanto, capaz de tomar um rumo diferente de uma hora para outra – que pode se beneficiar da turbulência russa. “Caso exista alguma sanção europeia ou americana, a Rússia virá buscar no Brasil os produtos importados desses países”, diz Gilmar Menezes, diretor-superintendente da Câmara Brasil Rússia. “Os principais beneficiados seriam os produtores de frangos, bovinos e suínos. Podemos estimar nesses segmentos um crescimento de mais 15%.” Autoridades confirmam que os produtos brasileiros estão mesmo na mira. Em entrevista publicada na semana passada no jornal “A Gazeta Russa”, Konstantin Kamenev, cônsul-geral da Rússia em São Paulo, declarou que as possíveis sanções de Barack Obama podem fortalecer os laços econômicos com o Brasil. Atualmente, a balança comercial Brasil-Rússia é de US$ 6 bilhões, mas a meta é ampliá-la para US$ 10 bilhões em um período de três anos. “Se sanções forem impostas, redirecionaremos nossos negócios e faremos melhor uso do potencial existente na América do Sul”, confirmou Alexey Nemeryuk, diretor do Departamento de Comércio e Serviços da Rússia. Para José Roberto Cunha, especialista em economia internacional do Programa de Comércio Exterior Brasileiro (Proceb), o crescimento das exportações brasileiras à Rússia deve ser residual. “As declarações dos dirigentes dessas potências são, em parte, jogo de cena”, diz. “Eles sofrem pressões de grupos econômicos internos que não têm interesse em boicote de nenhuma das partes.” Oficialmente, o Brasil não se posicionou a respeito da crise Rússia-Ucrânia, o que pode causar algum tipo de embaraço. “Queríamos que o nosso parceiro estratégico (o Brasil) não ficasse em cima do muro”, declarou o embaixador ucraniano no País, Rostyslav Tronenko. 7#2 COMO SE PREPARAR PARA O FIM DO WINDOWS XP Um dos sistemas operacionais mais utilizados pelos brasileiros começa a sair de circulação. Entenda o que isso significa e como aderir às tecnologias disponíveis no mercado Luisa Purchio (luisapurchio@istoe.com.br) Na terça-feira 8, o sistema operacional Windows XP começa a desaparecer. A partir dessa data, a Microsoft deixará de fazer as atualizações de segurança do sistema e não dará mais suporte técnico aos usuários. Na prática, a mudança significa uma coisa só: para não correr o risco de ver o computador pifar, é melhor colocar em seu equipamento as novas versões do Windows. Ou, então, comprar um novo. “Um sistema de 12 anos atrás não foi pensado para os padrões de hoje”, diz Fábio Gaspar, gerente de produtos Windows, da Microsoft. O engenheiro eletrônico Alexandre Peña, que trabalha com informática há 32 anos, recomenda aos usuários a instalação de um novo sistema operacional compatível com o computador que irá usar. “Tenho indicado o Windows 8 apenas para quem deseja usar um monitor com tela touch. Para quem não tem, a melhor opção seria o 7”, afirma. 8# MUNDO 9.4.14 O ABRAÇO DA DIREITA Conservadores obtêm votação recorde na França, expõem as deficiências do governo socialista de François Hollande e comprovam a força da onda nacionalista na Europa Mariana Brugger (marianabrugger@istoe.com.br) Se as eleições municipais da semana passada na França significaram uma catástrofe para o presidente socialista François Hollande, para os conservadores o resultado das urnas foi consagrador. Pela primeira vez na história a direita vai controlar mais da metade dos municípios de médio porte. A esquerda perdeu em Toulouse, quarta maior cidade do País, e Limoges, comandada pelos socialistas desde 1912. Ambas passaram ao comando da União por um Movimento Popular (UMP). Outra surpresa foi protagonizada pela Frente Nacional (FN), partido que tem como bandeiras a intolerância com imigrantes e homossexuais. Comandada por Marine Le Pen, filha do notório xenófobo Jean-Marie Le Pen, a FN obteve votação recorde. Elegeu prefeitos em nove cidades com mais de dez mil habitantes, ficou com o 7º Distrito de Marselha (onde vivem 150 mil pessoas) e fez 1,5 mil vereadores pelo país. Com isso, a Frente Nacional tornou-se a terceira maior força política da França, atrás da UMP e do Partido Socialista (PS) de Hollande. A capital Paris manteve-se como a “pièce de résistence” da esquerda, com a eleição da feminista Anne Hidalgo, do mesmo partido do presidente. PODER - Filha do xenófobo Jean-Marie Le Pen, a reacionária Marine Le Pen tornou-se uma das novas lideranças políticas da França Com uma taxa de desemprego em torno de 10%, uma das mais altas da história, e um crescimento econômico pífio, de 0,3% ao ano, os franceses usaram as urnas para mostrar seu descontentamento com Hollande. “Nesse cenário, o discurso conservador deixa de ser impopular e passa a ser visto como alternativa”, diz Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais. Até a abstenção recorde de 37% é resultado do descrédito com os políticos em geral e com o presidente em particular. “As eleições municipais na França sempre serviram como uma espécie de plebiscito sobre a aprovação do governo federal”, diz Geraldo Tadeu Monteiro, cientista político e diretor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. VAZIO - À espera de eleitores: abstenção recorde de 37% é resultado do descrédito com os políticos em geral e com o presidente Hollande em particular Quais são os riscos do avanço da extrema direita? Para Monteiro, a Frente Nacional de Marine Le Pen está “domesticada” e deve “endurecer a política com os imigrantes, mas sem instaurar uma república que quer expulsar os estrangeiros”. O crescimento dos partidos ultraconservadores não é um fenômeno exclusivamente francês. Em 2012, o nacionalista Aurora Dourada abocanhou 7% dos votos para o Parlamento grego, o que também representou um recorde, e a onda nacionalista ganhou pontos em países como Espanha, Dinamarca e Finlândia. Em fevereiro passado, um referendo na Suíça estabeleceu cotas para estrangeiros, e na Alemanha e Inglaterra o governo tem discutido propostas para limitar o número de cidadãos não europeus. Recentemente, a revista inglesa “The Economist” se debruçou sobre o tema e concluiu que pelo menos 10% do próximo Parlamento Europeu, a ser eleito no fim de maio, será constituído por representantes de ultradireita. Hollande entendeu o recado. Célere, anunciou que reduzirá o número de ministérios pela metade, numa iniciativa chamada de populista pela imprensa local. Criticado ao mesmo tempo por socialistas e conservadores, cometeu o grave pecado de governar para e com os dois lados – o resultado é uma administração caótica, que não sabe para onde vai. Manuel Valls, o novo primeiro-ministro, é um liberal que reconhece que defenderá matizes centristas, mas estranhamente se declara um “homem de esquerda”. O Ministério da Economia terá dois comandos. De um lado, Arnaud Montebourg, que faz parte da extrema esquerda do Partido Socialista, e de outro Michel Sapin, um liberal que terá a missão de fazer a interlocução com a União Europeia. Em pronunciamento feito na segunda-feira 31, Hollande disse que seu novo gabinete terá três objetivos: recuperação econômica, justiça social e união. O discurso é bonito, mas a prática é inócua. 9# TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE 9.4.14 VAI PIORAR O novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, mais conhecido por sua sigla em inglês – IPCC –, traz notícias pouco animadoras sobre o futuro do planeta. O documento, divulgado na segunda-feira 31 em Yokohama, no Japão, não só confirma que o aquecimento global está impactando cada vez mais a vida dos seres humanos na Terra como também faz previsões alarmantes sobre o futuro. Para os cientistas que redigiram a versão final do 5º Relatório de Avaliação do IPCC, o aumento da temperatura global irá produzir fome, ondas migratórias e conflitos por todo o mundo nas décadas seguintes, se nada for feito para reduzir as emissões de carbono, o principal causador do aquecimento. “Ninguém neste planeta ficará imune aos impactos das mudanças climáticas”, afirmou Rajendra Pachauri, presidente do IPCC. DESERTO - O Nordeste do País é uma das regiões afetadas pelo aquecimento global Apesar de os impactos serem globais, eles não serão homogêneos, ao menos na opinião dos pesquisadores que produziram o documento. A tendência é de que as regiões mais pobres do planeta sejam as mais afetadas, em especial as áreas tropicais de baixa latitude. No Brasil isso significa que o Nordeste e a Amazônia, áreas que concentram uma parcela significativa das populações mais pobres do País, sejam os mais impactados. No mundo, a expectativa é de que países do centro da África e de parte do Sudeste Asiático sejam os mais afetados pelos reflexos do aquecimento, por conta de secas mais prolongadas ou em razão de estações de chuvas mais concentradas. “Na mudança climática, aqueles que criam o problema nem sempre são os que sentem os seus impactos”, diz José Marengo, cientista do Instituto Nacional de Estudos Espaciais (Inpe) e representante do Brasil na elaboração do relatório. Marengo refere-se ao fato de as regiões mais afetadas pelo aquecimento não serem as que mais produzem CO2, como no Nordeste brasileiro, por exemplo. Mesmo com o processo de interiorização da economia brasileira, a região ainda é essencialmente rural e com um número elevado de pequenos agricultores e pecuaristas que produzem primordialmente para consumo próprio e vendem o excedente. A produção de CO2 no Nordeste é infinitamente inferior àquela registrada em regiões industriais da China ou em grandes cidades dos Estados Unidos, por exemplo, que não sofrerão os impactos na mesma intensidade. POLUIÇÃO - Redução na emissão de gases de efeito estufa é a única maneira eficaz de mitigar os impactos do aquecimento global No Nordeste brasileiro o temor é de que a crise hídrica, que afeta a região há séculos, seja ainda mais acentuada. Hoje o sertão nordestino vive uma das piores secas de sua história e a ampliação do quadro de falta de chuvas poderia tornar a área que abriga mais de 15 milhões de pessoas em condições muito difíceis de ser habitada. O temor é de que o semi-deserto do sertão se transforme em um grande deserto. “Esse é um problema com vários componentes, não só a chuva, vale destacar”, diz Marenco. “A má utilização do solo e a consequente redução na capacidade de produção de alimentos para pessoas e animais podem vir a gerar uma nova migração em massa.” Distante alguns milhares de quilômetros, a Amazônia é outro ecossistema brasileiro extremamente sensível às variações climáticas. Mesmo com a cheia recorde do rio Madeira, que isola o Acre e transformou parte do centro antigo de Porto Velho no leito do rio, a tendência, dizem os cientistas, é de que o ciclo de chuvas na região seja afetado pelo desmatamento que devasta a floresta. Poucas regiões do planeta registram uma correlação tão clara e tão imediata entre o clima e a vegetação quanto a Amazônia. E se faltar chuva no Norte do País a tendência é de que haja também falta de chuva nas regiões Sul e Sudeste, que dependem diretamente da umidade produzida na Região Amazônica para regular os períodos de chuva. CHEIAS - Chuvas cada vez mais fortes e concentradas são um dos efeitos apontados pelos cientistas no novo relatório do IPCC divulgado no Japão O relatório do IPCC ressalta a certeza cada vez maior nas mudanças climáticas e na participação do homem nesse processo, mas não tem como definir, ao menos agora, com precisão como e quando os efeitos mais severos serão sentidos. Ele faz previsões para diferentes cenários, porém indica que as consequências são mais graves quanto maiores os níveis de emissão de gases-estufa. Por isso o documento reforça a urgência das ações de adaptação e mitigação. O problema das ações de adaptação é que elas têm uma receita bastante local e impactam de forma diferente cada comunidade: depende do quanto essa localidade é vulnerável e de suas condições geográficas, econômicas, sociais e políticas. “Gestão de risco é o termo-chave quando se fala em adaptação”, diz Carolina Dubeux, economista do Coppe/UFRJ, que também integra a equipe de elaboração do relatório. O IPCC mostra diversos valores para o custo de adaptação das sociedades ao novo cenário climático, que podem atingir US$ 100 bilhões ao ano. “Ainda há incertezas muito grandes em relação a esses custos, vai depender do cenário, do clima e de uma série de avaliações, até porque a mudança climática é um fenômeno dinâmico”, explica Carolina. DESMATAMENTO - Na Amazônia, o clima está diretamente ligado ao meio ambiente e menos árvores significam menos chuvas 10# CULTURA 9.4.14 10#1 EXPOSIÇÃO - O UNIVERSO DELIRANTE DE SALVADOR DALÍ 10#2 CINEMA - SUPER-HERÓI NA GUERRA FRIA 10#3 TELEVISÃO - A DISPUTA DOS TALK SHOWS 10#4 LIVROS - CAÇADOR DE NAZISTAS 10#5 EM CARTAZ – CINEMA - DUAS VEZES SAINT LAURENT 10#6 EM CARTAZ – LIVROS - UM VOO EMOCIONANTE 10#7 EM CARTAZ – TEATRO - AS LAMENTAÇÕES DE GERALD THOMAS 10#8 EM CARTAZ – FESTIVAL - A HORA DA VERDADE 10#9 EM CARTAZ – MÚSICA - NA TRADIÇÃO DO FOLK 10#10 EM CARTAZ – AGENDA - PSI/NEY MATOGROSSO/LEGRAND 10#1 EXPOSIÇÃO - O UNIVERSO DELIRANTE DE SALVADOR DALÍ Chegam agora ao Brasil exposições com obras do excêntrico pintor surrealista que, 25 anos depois da sua morte, ainda arrasta multidões para mostras cujo faturamento somou 60 milhões de euros nas duas últimas décadas Ana Weiss (ana.weiss@istoe.com.br) Excêntrico, bufão, louco. O pintor catalão Salvador Dalí (1904-1989) soube, como poucos artistas de seu tempo, construir um personagem maior que a vida e, com isso, nunca sair de cena. Os bigodes eriçados e o olhar alucinado do homem que andava com cavalos cobertos de joias para chamar a atenção da imprensa não pertencem apenas à história da arte; hoje fazem parte do imaginário popular. No auge da fama, sua figura tornou-se mais conhecida que qualquer uma das telas com objetos derretidos em paisagens irreais, responsáveis pela circulação de 60 milhões de euros nas duas últimas décadas, contada apenas a renda com exibições. Alguns dos quadros mais significativos de sua intensa produção poderão ser vistos no Rio e em São Paulo. O Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-Rio) recebe primeiro a exibição do conjunto emprestado em sua maioria pela Fundação Gala-Salvador Dalí a partir de maio. Em outubro, a mostra “Dalí”, um dos maiores sucessos de público dos últimos tempos do Centro Georges Pompidou, em Paris (que atraiu 790 mil visitantes), vai ocupar o Instituto Tomie Ohtake com 30 telas a óleo, mais de 100 criações em papel e uma instalação. Juntas, essas obras ultrapassam o valor de US$ 170 milhões. A versão brasileira da montagem foi orçada em R$ 9 milhões, devidamente aprovados pela Lei Rouanet. Desses, cerca de R$ 3 milhões se destinam apenas à cessão de direitos autorais, tornando impossível não imaginar o volume de produtos licenciados que estarão à venda nas lojinhas das instituições. Nada que desagradasse ao pintor nascido em Figueras que, criança, sonhava em ser Napoleão Bonaparte e, crescido, apoiou o regime franquista. Em Brasília, a Caixa Cultural deve receber ainda este mês (a data se tornou incerta por problemas na alfândega brasileira) uma reunião de 26 esculturas da Coleção Clot, de Madri. Menos conhecidas e importantes, as peças foram moldadas pelo surrealista em cera entre 1970 e 1981 em Port Lligat, na Catalunha, onde ele esculpia com a cera amolecida pelo sol mediterrâneo. O conjunto se manteve unido pelo fato de toda a produção ter sido trocada de uma vez só por um quadro de Francisco de Goya, maior ídolo do pintor. O grupo mais importante de criações se concentra na montagem que percorre Rio e São Paulo, reunião de suas imagens imediatamente reconhecíveis traduzindo cenas que se tornaram símbolos do inconsciente. Como tudo em Dalí, a expectativa de público para a montagem brasileira não tem projeções modestas. Dois milhões de pessoas, aposta o diretor da Fundação Gala-Salvador Dalí, Joan Manoel Sevillano. Com obras que vêm ainda do Museu Reina Sofía, de Madri, e do Salvador Dalí Museum, da Flórida, nos EUA (as outras duas maiores coleções), o acervo mostra como o artista está em sintonia com a contemporaneidade. “Ele é radicalmente atual por ser provocador, por desejar antecipar, pela curiosidade ilimitada”, diz a diretora do Centro de Estudos Dalinianos e curadora da exposição, Montse Aguer. Para a pesquisadora do Reina Sofía, a recriação de si mesmo, em forma de autorretratos é outro índice da atualidade do pintor catalão, que morreu em 1989, aos 84 anos, na mesma cidade em que nasceu. Dalí passou pelo impressionismo e costuma-se dizer que flertou com o cubismo. Algumas obras dessas fases menores poderão ser vistas no Brasil, como “Figuras Tumbadas em La Arena”, de 1926, um arremedo da desconstrução cubista proposta por Picasso, mas que já continha sementes das paisagens mentais que se tornariam principal cenário – quando não objeto – de sua pintura. Mas foi na imagem e na atitude do movimento surrealista que construiu e difundiu sua fama, a ponto de ser reconhecido como seu maior representante. Aí todos os excessos e obsessões couberam como uma peça de marketing à frente de seu tempo. A fixação pela mulher, Gala, para quem construiu um castelo surrealista cercado por elefantes e avestruzes, está representada por obras como “O Pé de Gala”, feito entre 1975 e 1976. Ou ainda na marca de um corpo ausente na cama e poltrona de “Composición Surrealista con Figuras Invisibles”, de 1936. “O conjunto pretende completar um quadro geral da produção de Dalí, indo além do interesse pelas telas mais famosas”, diz a curadora. “A trilha proposta pela exposição conduz o visitante através da obra habitada por sonhos e obsessões, sempre enquadrada em paisagens que o definem, como Empordà Figueres, Cadaqués e Port Lliga”, continua. Mesmo retornando aos cenários natais, como o colega surrealista Joan Miró, pouquíssimo afeito a aparições, Dalí se esforçou ao máximo para se destacar de tudo e de todos, inclusive de sua origem. Até o fim foi notícia. Morto há 25 anos, é o recordista de visitações em quase todas as aparições de sua obra espetaculosa, sempre ligada à sua barulhenta vida, modelo de marketing para nomes como Jeff Koons e Damien Hirst, entre outros filhotes do narcisismo publicitário e rentável de Salvador Dalí. 10#2 CINEMA - SUPER-HERÓI NA GUERRA FRIA Desencantado e sombrio, o Capitão América revive o mundo dividido entre os EUA e a ex-união soviética em filme que muda o perfil do herói nascido na segunda guerra mundial Ana Weiss (ana.weiss@istoe.com.br) Parece que depois de quase destruir Nova York para mandar o deus malvado Loki de volta para Argard, em “Os Vingadores”, Steve Rogers nunca mais foi o mesmo. O Capitão América (Chris Evans) volta em seu novo filme com suas certezas patrióticas abaladas, meio em crise, sem saber para que lado ir. Esse atordoamento ideológico, zeitgeist da Guerra Fria, que ecoa na atual indisposição política entre Barack Obama e Vladimir Putin, dá o tom aos primeiros diálogos de “Capitão América – O Soldado Invernal” e traz um herói menos crédulo e com humor suficiente para rir de si mesmo e até cantar de vez em quando a colega russa Natasha Romanoff (Scarlett Johansson), ex-espiã da KGB. AMEAÇA VERMELHA - Ao lado da Viúva Negra, o herói do escudo indestrutível enfrenta o Soldado Invernal, uma máquina de matar com uma estrela estampada no ombro mecânico A mudança para pior do supersoldado é um alento. A Marvel segue a lógica dos quadrinhos, ao preservar a narrativa dos personagens entre um filme e outro. Mas este é um longa em que Steve Rogers já viveu tempo suficiente nos dias de hoje para se manter um gentleman dos anos 1940 que sonha em defender a pátria. Já um tanto descrente do mundo, o herói, criado por Jack Kirby e Joe Simon (em 1941, para combater nazistas) e retomado por Stan Lee duas décadas depois, descobre (não sem dor) que nem todo cidadão americano é confiável e que a S.H.I.E.L.D., agência a quem serve, pode estar sendo manipulada por um inimigo que ele já não sabe de que lado vem. A aparição dramática do Soldado Invernal (vilão citado no título em português) tem muito do visual dos comics da Guerra Fria. Grande, descabelado, escondido atrás de uma máscara, o guerreiro com a estrela vermelha carimbada no ombro mecânico chega quebrando o que vê pela frente, como uma máquina de guerra. O mamute soviético teria sido o único soldado a acertar um tiro na infalível Natasha Romanoff, que levou a melhor até contra o Incrível Hulk, em uma de suas mais assustadoras aparições no cinema. Mas, ao sentir os passos do Soldado Invernal, a Viúva Negra treme inteira e busca abrigo sob o escudo estrelado de Steve Rogers. O clima entre os dois agentes da S.H.I.E.L.D, os diálogos espertos e a angústia compartilhada entre eles recuperam muito do interesse na leitura dos quadrinhos do tempo em que o mundo se sentia à mercê do apertar de um botão. PANCADARIA - No novo longa, o soldado não espera ser atacado para revidar e parte para o confronto sem a complacência do filme anterior Diferentemente do que se pode encontrar nas páginas de onde eles saíram, o longa, que tem ainda Robert Redford e Samuel L. Jackson no elenco, guarda poucas surpresas. O inimigo parece russo, ou melhor, soviético, mas, na verdade, é nazista, um cérebro alemão sem corpo que manipula o mundo por um sistema de computadores. E nisso reside uma questão histórica sem a qual não seria possível ter Stan Lee, papa dos comics, nos créditos. O Capitão América foi criado para lutar na Segunda Guerra Mundial. Dizem que Hitler achava o desenho bom e se irritava por ele pertencer ao outro lado. Com o fim da guerra, os criadores acharam que não fazia sentido continuar a saga que tinha seguido até então no front. E talvez tivessem razão. Mas em 1964 a Marvel resolveu reviver o cabo franzino que se torna indestrutível depois de servir de cobaia para um projeto de criação de superguerreiros. E o argumento foi a queda do avião que o teria mantido por duas décadas congelado nas profundezas do Atlântico Norte. O espanto do encontro com um mundo cínico 20 anos depois quase desaparece nessa continuação. Mas os valores do Capitão América permanecem intactos atrás do escudo estampado com a bandeira americana, nessa metáfora fora de época sobre a defesa da liberdade pelos americanos. 10#3 TELEVISÃO - A DISPUTA DOS TALK SHOWS Danilo Gentili e Rafinha Bastos brigam na madrugada pelo Ibope com o veterano Jô Soares. A dupla acredita que há lugar no sofá para os três - e a rivalidade começa a apertar Ivan Claudio (ivanclaudio@istoe.com.br) No Brasil, talk show sempre foi sinônimo de Jô Soares – pelo menos na modalidade “late night”, tarde da noite. Só na Rede Globo, Jô está há 14 anos no ar e se tornou visita obrigatória de quem é notícia no País. Ao voltar de três meses de férias, contudo, o Gordo foi surpreendido com dois concorrentes – leves, mas de humor heavy metal: Rafinha Bastos, que comanda na Band o “Agora É Tarde”, e Danilo Gentili, à frente do “The Noite”, no SBT. Até aí, nada de mais; existem programas de domingo em todas as emissoras, atrações femininas na maioria delas e novelas em igual proporção. A chegada de jovens apresentadores, dessa forma, só faria bem ao mercado, levando, de quebra, a uma renovação do gênero. O que descortina um cenário inédito na tevê brasileira, no entanto, é que Rafinha e Gentili, saídos da onda stand-up, surpreendem com gás e ideias próprias. Gentili, em particular, vem deixando a Globo levemente mal-humorada. Por duas vezes, o ex-CQC roubou a liderança no Ibope do “Programa do Jô” (teve média de 6 pontos contra 2 na terça-feira 25) e, pela desenvoltura demonstrada em quase um mês no ar, promete incomodar ainda mais. DE TERNO E COLETE - Danilo Gentili, no "The Noite", do SBT (acima), e Rafinha Bastos em "Agora É Tarde", da Band: trajes formais, irreverência domada e aposta em inovações, de olho no público jovem Do seu lado, Rafinha, mesmo sendo lanterninha na disputa, não é carta fora do baralho. Afinal, mesmo dois ou três pontos nessa faixa de horário pesam no cômputo geral. A reação já se faz notar. Segundo a assessoria de Jô Soares, sua atração vai investir em nomes internacionais, terreno que domina como poucos – o primeiro deles foi ao ar em sua volta: o líder da oposição venezuelana, Henrique Capriles. Uma saída inteligente, já que os garotos “boca suja” investem justamente no contrário, em convidados que rendam conversas sem grandes pretensões, dando espaço para a irreverência, que é o forte deles. Basta examinar quem vem sentando nos seus respectivos sofás: Sérgio Mallandro, Serjão Loroza e MC Nego do Borel, no programa de Gentili; Mr. Catra, MC Guimê e a turma do “Pânico”, na atração de Rafinha. O elenco às vezes surpreende com a entrada em cena do pastor Silas Malafaia, por exemplo, mas a linha dominante tem sido essa. É claro que a escolha de entrevistados responde a novas demandas. O conceito de celebridade mudou muito, e hoje se leva à bancada de um talk show (o próprio Jô já fazia isso) não apenas o ator premiado ou o escritor best-seller, mas qualquer pessoa em seus 15 minutos de fama. Além disso, existe um público novo, mais afinado com o estilo da atual geração de humoristas – o mesmo que adotou há tempos o “Pânico na TV!” e que lota comédias como “Se Beber Não Case”. É de olho na participação dessa audiência que Rafinha e Gentili investem. “Eles são ousados, mexem bastante no formato e focam no jovem”, diz Dirceu Lemos, professor de rádio e tevê da Faculdade Belas Artes, em São Paulo. “Seus talk shows são oxigenados, trazem uma linguagem dinâmica que atrai esse segmento.” Rafinha acha que a tevê está amadurecida para abrigar três programas do gênero e que esse processo já está em andamento: “Os números apontam um pequeno crescimento nesse público. Na sexta-feira 28, marcamos 3 pontos de audiência, o SBT 5 e a Globo 7. No ano passado, nenhuma das emissoras apontava esses números numa sexta-feira.” Tanto ele quanto Gentili, que são sócios na vida real (na casa de espetáculos Comedians, voltada para o stand-up), apostam numa renovação do estilo bancada-sofá-grupo musical com quadros e recursos inovadores. “Minha ideia sempre foi subverter o formato. Não se trata tanto de fazer algo radicalmente novo, mas de resgatar o jeito como esse tipo de programa era feito. As coisas ficaram muito chatas, hoje divertir se tornou um tabu”, afirma Gentili. Totalmente voltado para o programa, ele costuma chegar aos estúdios do SBT às 9h30 e só sai às 22h. Grava entre quatro e cinco horas, para chegar a uma hora de programação diária. A vantagem é que a emissora consegue aparar os excessos que, muitas vezes, terminam por deixar também o entrevistado bastante à vontade. Duas entrevistas de Gentili – uma com o jornalista Jorge Kajuru e outra com o músico e humorista Rey Biannchi – tiveram partes cortadas antes de ir ao ar por serem ofensivas à presidenta Dilma Rousseff. O mesmo se deu com o papo entre Rafinha e Lobão, que disse no Twitter que a conversa foi “um peido”. Em processo de limpeza da imagem, depois do episódio Wanessa Camargo, o apresentador gaúcho está com o nariz “mais comedido” e foi extremamente gentil com Luan Santana no programa de estreia, a quem pediu que cantasse uma música de Zezé Di Camargo & Luciano. Ao entrevistar Rodrigo Santoro, contudo, apareceu de cueca fio dental e mostrou o traseiro para a plateia. “Não faço o programa para mudar visão alguma. Estou nele para fazer um show legal e bater papos interessantes”, diz Rafinha. 10#4 LIVROS - CAÇADOR DE NAZISTAS A saga de um judeu que deixou o exílio na Inglaterra para prender na Alemanha um oficial da SS responsável pela morte de um milhão de pessoas é contada por seu sobrinho-neto em um livro emocionante Michel Alecrim (michel.alecrim@istoe.com.br) O carrasco nazista Rudolf Höss (1901-1947) comandou friamente a morte de mais de um milhão de pessoas no campo de concentração de Auschwitz, na Polônia. No entanto, fraquejou diante de um judeu armado com uma faca, que ameaçava arrancar seu dedo. Um dos maiores criminosos da história, que fugiu e usou nome falso terminada a Segunda Guerra Mundial, Höss acabou entregando sua aliança de casamento e revelando sua identidade. Quem o capturou foi o alemão de origem judaica Hanns Alexander, cuja história é contada pelo seu sobrinho-neto, o jornalista inglês Thomas Harding, no livro “Hanns & Rudolf” (Rocco). O autor mostra como o ex-combatente, sem o traquejo de investigadores experientes, foi implacável e eficiente nas buscas e nos interrogatórios. Alexander agiu movido pelo ódio de quem sentiu na pele a perseguição aos judeus em Berlim, onde nasceu, e viu de perto as atrocidades do campo de concentração de Belsen. Trabalhou pela Justiça, mas também aplacou, em parte, sua fome de vingança. FIRMEZA - Hanns Alexander agiu movido pela vingança e demonstrou astúcia e sangue-frio ao identificar criminosos de guerra. Rudolf Höss, por exemplo, revelou o nome ao lhe entregar sua aliança Harding começou sua pesquisa após a morte do tio-avô, aos 89 anos, em 2006. Teve acesso a gravações e cartas de família e entrevistou sobreviventes da guerra. Concluiu que a atitude de Alexander não teria sido a mesma se não tivesse carregado pessoalmente para a vala comum centenas de corpos, em sua maioria de judeus mortos por doenças ou pela fome. “Havia corpos mortos andando, corpos mortos deitados, gente que achava que estava viva, mas não estava”, contou Alexander sobre Belsen, numa descrição que beira o surrealismo. As notícias do extermínio em massa nas câmaras de gás ainda eram rumores, mas foram sendo confirmadas em depoimentos tomados pelo caçador de nazistas, que interrogou, entre outros, Franz Hössler, um ex-funcionário de Auschwitz. Foi um dos primeiros a revelar o nome do “kommandant” daquela máquina de morte, Rudolf Höss. Alexander percorreu praticamente todo o território alemão em busca dos algozes de seu povo, mas seu principal objetivo era pôr as mãos em Höss. Antes de atingir seu objetivo, ele recebeu a missão de prender Gustav Simon, chefe da administração nazista durante a ocupação de Luxemburgo. O maior orgulho dele foi deixar esse território “judenfrei” (livre de judeus). Depois de percorrer 2.400 quilômetros durante 17 dias, seguindo pistas do carrasco, Alexander encontrou o criminoso próximo à cidade de Paderborn (região central da Alemanha). Simon se suicidou na prisão, mas Alexander fez questão de entregar o corpo ao Poder Judiciário luxemburguês. CONDENAÇÃO - A prisão do capitão da SS Rudolf Höss (ao centro), que comandou os campos de concentração de Auschwitz e Belsen: enforcado após julgamento A dedicação do judeu alemão que passou para o lado inglês foi reconhecida pelas autoridades britânicas. Alexander chegou a ser promovido a capitão da chamada First War Crimes Investigation Team (Primeira Equipe de Investigação de Crimes de Guerra). Sua missão pessoal não cumprida foi encontrar sua tia Cäcilie Bing, única parente próxima da próspera família que não conseguiu emigrar para a Inglaterra. Seu destino foi Auschwitz, conforme soube nos arquivos da Cruz Vermelha. Durante sua peregrinação, retornou à Berlim de sua infância, então praticamente destruída. As ruínas da clínica de seu pai faziam parte desse cenário. Em março de 1946, Alexander encontrou a família de Höss já numa prisão na cidade de Lunden. Diante da insistência de Hedwig de que o marido estava morto, ele usou de uma tática impiedosa: disse que o trem que acabara de chegar à cidade levaria o filho do casal para a Sibéria caso ela não colaborasse. A mulher acabou dando pistas do paradeiro do nazista. Harding revela que seu tio-avô foi quem encontrou Höss numa fazenda na localidade de Gottrupel. Não evitou que seu grupo desse uma surra no carrasco, mas preferiu evitar uma execução e optou por levar o ex-kommandant a julgamento público. Antes de ser enforcado, em 16 de abril de 1947, no próprio campo que comandou, Höss relatou por escrito as barbaridades do Holocausto. A maior contribuição de Alexander foi, portanto, ajudar a provar fatos que hoje ainda deixam muitos incrédulos. 10#5 EM CARTAZ – CINEMA - DUAS VEZES SAINT LAURENT por Ivan Cláudio (ivanclaudio@istoe.com.br) Garoto prodígio da alta-costura (assumiu a Dior aos 21 anos), o estilista francês Yves Saint Laurent é protagonista de uma guerra no cinema francês. Assunto de duas cinebiografias feitas ao mesmo tempo, ele divide a cena com o companheiro, Pierre Berger, com quem criou a sua maison, em “Yves Saint Laurent” (em cartaz na quinta-feira 10). A trajetória de glamour, crises e drogas, mostrada do início de carreira nos anos 1950 até o lançamento de sua revolucionária coleção, inspirada nos balés russos duas décadas depois, teve a aprovação de Berger. Mas dividiu a crítica, na França, apesar da interpretação meticulosa de Pierre Niney (acima, à esq.) no papel do estilista. A melhor aposta é a segunda produção, assinada por Pierre Bonello, centrada no mesmo período, e vítima da perseguição do companheiro de Saint Laurent. + 5 filmes sobre moda PRÊT À PORTER Comédia de Robert Altman sobre os bastidores de um desfile. Tem participações do estilista Thierry Mugler e da top Naomi Campbell. COCO ANTES DE CHANEL A revolução promovida pela estilista que liberou a mulher francesa do espartilho. O DIABO VESTE PRADA O poder e o charme do mundo fashion nos passos de uma publisher de moda, vivida por Meryl Streep. CINDERELA EM PARIS Garota nova-iorquina é contratada para ser o “novo rosto” de uma famosa revista francesa. Com Audrey Hepburn e Fred Astaire. ZOOLANDER Comédia maluca sobre um modelo em decadência, vivido por Ben Stiller, ameaçado pela ascensão de um novato, interpretado por Owen Wilson. 10#6 EM CARTAZ – LIVROS - UM VOO EMOCIONANTE por Ivan Cláudio (ivanclaudio@istoe.com.br) Em seu novo livro, ?Altos Voos e Quedas Livres? (Rocco), o escritor inglês Julian Barnes parte de uma narrativa quase ensaística sobre o balonismo no século XIX para desembocar num desfecho confessional em que discorre sobre a morte de sua mulher e agente literário com quem viveu 30 anos. Numa imprevisível mistura de gêneros, ele trata do amor, da perda e do luto de forma corajosa, sem pieguismo. ?Alguns voam por meio da arte, outros da religião; a maioria, do amor. Mas, quando voamos, podemos cair?, escreve. 10#7 EM CARTAZ – TEATRO - AS LAMENTAÇÕES DE GERALD THOMAS por Ivan Cláudio (ivanclaudio@istoe.com.br) O espetáculo “Entredentes” (Sesc Consolação, São Paulo, até 10/5) marca os 50 anos de carreira de Ney Latorraca, de volta aos palcos após um período de convalescença. É também o seu reencontro com o diretor Gerald Thomas, que hoje vive em Londres. Com Edi Botelho e Maria de Lima, a peça mostra o encontro de um judeu ortodoxo e um muçulmano no Muro das Lamentações, em Jerusalém. Latorraca faz o judeu, que sofre de incorporações mediúnicas. Os traços cômicos se juntam em cena a comentários da atualidade, como um conflito na Crimeia, que confere um tom jornalístico à montagem. 10#8 EM CARTAZ – FESTIVAL - A HORA DA VERDADE por Ivan Cláudio (ivanclaudio@istoe.com.br) Em sua 19ª edição, o festival internacional de documentários É Tudo Verdade, que acontece simultaneamente no Rio de Janeiro e em São Paulo, firma-se como um dos maiores eventos do gênero no mundo. Dos 77 títulos (vindos de 26 países), 19 fazem sua estreia na mostra. O mundo das artes aparece em três filmes: o dinamarquês “Ai Weiwei – O Caso Falso”, de Andreas Johnsen; o francês “A Corrida da Arte”, de Marianne Lamour; e o russo “Eixo Óptico”, de Marina Razbezhkina. Outro título aguardado é “Bardot, a Incompreendida”, com os arquivos familiares que a atriz francesa Brigitte Bardot compartilhou com David Teboul. 10#9 EM CARTAZ – MÚSICA - NA TRADIÇÃO DO FOLK por Ivan Cláudio (ivanclaudio@istoe.com.br) Sem lançar um álbum inédito há seis anos, período em que apenas produziu CDs de amigos como Charlotte Gainsbourg e Thurston Moore, o cantor americano Beck volta com o CD “Morning Phase”, que é também um reencontro com o passado. Conhecido pela versatilidade (flertou com o funk, o hip-hop e a eletrônica), ele investe novamente no estilo que lhe rende melhores canções, o folk e o country rock presentes em um de seus melhores trabalhos, o CD “Sea Change”, de 2002. Não à toa, Beck levou para o estúdio os mesmos músicos com os quais havia trabalhado há 12 anos e admite que o disco atual é uma espécie de continuação do anterior. A sonoridade melancólica tem familiaridade com a de artistas como Neil Young e Simon & Garfunkel e mostra que a melhor música sempre bebe na tradição. 10#10 EM CARTAZ – AGENDA - PSI/NEY MATOGROSSO/LEGRAND Conheça os destaques da semana por Ivan Cláudio (ivanclaudio@istoe.com.br) PSI (HBO, domingo, 21h) – Emilio de Mello é o psicanalista Carlo Antonini na série baseada em livros do também psicanalista Contardo Calligaris. A trama gira em torno de questões psíquicas e existenciais. NEY MATOGROSSO (Rio de Janeiro, Teatro Bradesco, 5/4; São Paulo, Teatro Bradesco, 11/4 e 12/4) – A turnê de 40 anos de carreira do cantor prossegue com mais datas. O repertório baseia-se no CD “Atento aos Sinais”. MICHEL LEGRAND (São Paulo, Ohtake Cultural, 9/4; Rio de Janeiro, Theatro Municipal, 11/4) – Um dos maiores autores de trilha sonora para o cinema, o pianista francês apresenta-se acompanhado de baixo e bateria. 11# A SEMANA 9.4.14 por Antonio Carlos Prado e Elaine Ortiz "O CHILE TREMEU E BACHELET SE MEXEU" O Chile é um país sísmico e seus abalos costumam fazer tremer o prestígio político de presidente que não age rápido em situação de emergência. Tanto é assim que os 500 mortos e as 250 mil casas desabadas no terremoto de 2010 ainda estão na memória dos chilenos. Não sem motivo a lembrança voltou na semana passada, quando ameaças de tsunamis com ondas de dois metros de altura e tremores de terra deixaram até a noite da quinta-feira 3, na costa norte do país, seis pessoas mortas. Para uma mulher, em especial, a tragédia de 2010 ficou impregnada como trauma político: a presidenta Michelle Bachelet. Naquela ocasião ela foi acusada de omissão pela demora em providenciar socorro. Agora, recém-empossada na Presidência do Chile, Michelle Bachelet viajou imediatamente à região atingida e criou um comitê de emergência. Cotejada com 2010, a natureza foi dessa vez bem menos madrasta com os chilenos. E Bachelet se mexeu. "O DIA EM QUE PAUL GAUGUIN E PIERRE BONNARD FORAM PARA A COZINHA" Dois belos e imponentes quadros enfeitavam a cozinha de um morador da cidade italiana de Turim. Por US$ 30 e muitos anos atrás ele arrematou esses quadros em um leilão no setor de achados e perdidos da estação ferroviária – achou que as pinturas combinariam com a sua casa, na cozinha as pendurou e ali ela permaneceram. Na semana passada descobriu-se que os quadros expostos à fumaça e à gordura são na verdade as telas “Fruits sur une Table” (ou “Nature au Petit Chien”), de Paul Gauguin, avaliada em US$ 48 milhões, e “La Femme aux Deux Fauteuils”, de Pierre Bonnard, estimada em US$ 820 mil. Elas pertenciam a um casal de colecionadores de Londres e foram roubadas na década de 1970. A hipótese da polícia italiana é de que os ladrões abandonaram os quadros no trem, assim que desembarcaram em Turim, temendo ser presos. A solução do caso, passados 40 anos, só foi possível porque o garoto que cresceu admirando as obras na cozinha do pai é hoje um estudante de arquitetura e artes plásticas. " A GRANDE REDE CONTRA A VIOLÊNCIA SEXUAL" Viu-se ao longo da semana passada, no Brasil e em diversos países, uma reação em cadeia ao resultado da pesquisa do Ipea apontando que 63% dos brasileiros consideram que mulheres vestidas com roupas curtas ou decotadas merecem ser estupradas. A jornalista Nana Queiroz organizou nas redes sociais o movimento “Eu não mereço ser estuprada”. A repercussão e a adesão foram imediatas – 45 mil mulheres se juntaram a ela em 24 horas. Especialistas condenaram metodologicamente o estudo, alegando que as questões induziram a determinadas respostas. E surgiu outra campanha: “Eu não mereço ser enganado pelo Ipea”. “Nana Queiroz merece toda a minha solidariedade e respeito”. Dilma Rousseff, presidenta da República. A cantora Daniela Mercury e sua companheira, Malu Verçosa, aderiram à campanha assim que ela foi lançada. "MUSEU GANHA PRÊMIO INTERNACIONAL DE ARQUITETURA" Nem Dinamarca, Holanda, China ou Azerbaijão. O Brasil é o país que construiu o melhor museu em 2013 e derrotou esses também fortes concorrentes no “Architizer A+ Awards”, o mais conceituado prêmio internacional de arquitetura. Levou o primeiro lugar com o Museu de Arte do Rio (MAR), no centro do Rio de Janeiro, inaugurado em março do ano passado. O complexo de 15 mil metros quadrados foi projetado pelo escritório carioca Bernardes + Jacobsen e une (por meio de uma passarela e cobertura em forma de onda) dois prédios de estilos radicalmente distantes no tempo: o palacete Dom João VI, inaugurado em 1916 e tombado em 2000, e o edifício de estilo modernista onde originalmente funcionou um terminal rodoviário. "PUTIN BANE EX-MULHER DE SUA BIOGRAFIA" Até agora, a Rússia tinha a tradição de ir tirando de fotos oficiais aqueles que caíam em desgraça junto ao governante – Josef Stalin, por exemplo, jamais se constrangeu em deixar as fotografias com “buracos”, e Leon Trotsky foi um dos banidos. Agora, o presidente russo Vladimir Putin inaugura uma nova prática: tirar da biografia oficial a presença de ex-esposa. Seu divórcio de Lyudmila Putina foi concluído na quarta-feira 2. Putin já ordenou que não haja vestígios de Lyudmila em sua biografia. Foram casados por 30 anos. "CARTEL DO METRÔ PAULISTA NO STF" O secretário estadual da Casa Civil do governo paulista, Edson Aparecido, o deputado federal Arnaldo Jardim e o senador Aloysio Nunes Ferreira não serão investigados no processo que apura no STF o propinoduto no metrô de São Paulo. Eles ficaram de fora do processo a pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O procurador entendeu, no entanto, que há indícios de envolvimento do secretário estadual de Energia, José Aníbal, e do secretário estadual de Desenvolvimento, Rodrigo Garcia. Ele pediu a instauração de inquérito ao ministro do STF Marco Aurélio Mello. "CONTRATAÇÕES NO BARCELONA SÓ DEPOIS DE 2015" A Fifa decidiu na quarta-feira 2: o Barcelona só poderá voltar a contratar jogadores depois de 2015. Motivo da punição: o clube fez contratos irregulares com menores de 18 anos em seus times de base. Para o presidente do Barcelona, Jose María Bartomeu, a determinação da Fifa “castiga a essência do time”. "CONTA DE LUZ PRÉ-PAGA" A Agência Nacional de Energia Elétrica aprovou sistema pré-pago para o consumo de eletricidade. Funcionará praticamente como o celular, no qual se colocam créditos. O usuário estima quanto vai gastar de luz e compra o correspondente em quilowatts. Tem a vantagem de controlar melhor o orçamento doméstico. Se estourar os créditos, a energia não é cortada. O consumidor é notificado e tem um crédito extra de 20 kWh (equivalente ao consumo médio de três dias). "20 MIL ANOS DE PRISÃO A PMS QUE CONTINUAM SOLTOS" Há exatos 21 anos e seis meses, na extinta Casa de Detenção de São Paulo, 111 presos do Pavilhão 9 munidos de paus e estiletes foram assassinados por soldados da Tropa de Choque armados de fuzis e metralhadoras durante uma rebelião – os tiros se concentraram na cabeça dos presidiários e muitos foram alvejados nas costas. Na semana passada foi concluído o quarto e último julgamento dos PMs envolvidos. Ao todo foram condenados 73 policiais, e somando-se as suas penas chega-se a 20.876 anos de prisão. Todos continuarão em liberdade para recorrer de suas sentenças. O coronel Ubiratan Guimarães foi o comandante direto da chacina, mas sozinho jamais determinaria a invasão sem aval superior (à época tinha até patente menor, a de capitão). Saber quem disparou a ordem da matança é até hoje história nebulosa. O mandante do massacre do Carandiru, esse não sentou no banco dos réus. "A CIDADE BRASILEIRA QUE PODE SE TORNAR BOLIVIANA" Os cerca de 23 mil habitantes da cidade acriana de Brasileia estão sofrendo com duas preocupações. O primeiro tormento são as fortes chuvas que castigam a região nos últimos meses. O segundo temor é decorrente do primeiro: por causa da chuva há uma progressiva erosão nas margens do rio Acre, fronteira entre Brasil e Bolívia, que está transformando os bairros de Samaúna e Leonardo Barbosa em uma ilha cada vez mais próxima ao país vizinho. Ou seja: quem vive em Brasileia teme que uma parte da cidade se solte nas águas e seja incorporada pelos bolivianos. "SEM FESTA, TORRE EIFFEL COMPLETA 125 ANOS" A Torre Eiffel, em Paris, completou 125 anos na segunda-feira 31, sem grandes festejos devido à reforma pela qual vem passando desde 2008 – dois de seus três elevadores estão desativados. O que se tenta com as obras é modernizá-la, principalmente o seu primeiro andar (o maior de todos, com cinco mil metros quadrados), que há muito tempo deixou de atrair turistas pela falta de atrativos. - Inaugurada às 13h30 de 31 de março de 1889. Foi o momento em que o arquiteto Gustave Eiffel chegou ao degrau 1.710 em sua edificação e nele hasteou a bandeira da França (Eiffel já tinha experiência em monumentos notáveis porque participara da construção da Estátua da Liberdade em Nova York) - Possui 18.038 estruturas de metal e 2,5 milhões de parafusos. Sua altura é de 300 metros – foi a construção mais alta do mundo até que surgiu nos EUA o Empire State Building - Foi esteticamente criticada, no início de sua construção, por intelectuais franceses como Guy de Maupassant e Alexandre Dumas. "O ABSURDO LIMITE PARA CORPOS ESTRANHOS NOS ALIMENTOS" A Anvisa acaba de estabelecer as regras para a presença de corpos estranhos em alimentos – tais corpos vão de pelo de roedores a areia ou cinzas. Eis os limites da quantidade máxima de porcarias em alguns alimentos (embora não dê para entender por que há limites e não tolerância zero). GELEIAS - nelas são permitidos 25 fragmentos de insetos para cada 100 gramas (excluídas formigas, moscas e baratas). MOLHOS DE TOMATE - tudo bem, segundo a Anvisa, se houver 1 pelo de roedor para cada 100 gramas. CHOCOLATES - é lícito que neles se encontre 1 pelo de roedor para cada 100 gramas. ORÉGANO - são permitidos 3% de areia ou cinzas. "Fraude Em Pesquisa Sobre Células-Tronco" A notícia que circulou nos meios científicos em janeiro animou pesquisadores em todo o mundo: estudo japonês descrevia como transformar células animais adultas em células-tronco embrionárias, escancarando uma porta para a cura e a prevenção de diversas doenças genéticas. Bastava criá-las em meio ácido, afirmava a pesquisa. Na semana passada o otimismo esfriou. Uma comissão do Instituto Riken concluiu que a responsável pela pesquisa, a cientista Haruko Obokata, forjou os dados. "R$ 10 MILHÕES" É quanto a Câmara dos Deputados vai gastar para fazer propaganda de si mesma e melhorar a sua imagem perante a população. O projeto estava suspenso desde o caso do mensalão em 2005. "BOMBAS NA PENÍNSULA" A Coreia do Norte e a Coreia do Sul mostraram os dentes uma para a outra na semana passada. De ambos os lados dispararam-se projéteis e bombas que caíram em águas do mar sul-coreano. Os dois países alegaram que faziam apenas exercícios militares rotineiros. Nada disso: a população de regiões próximas ao oceano foi removida e a certo momento os navios foram protegidos por caças da Força Aérea.