0# CAPA 8.10.14 ISTOÉ edição 2341 | 08.Out.2014 [descrição da imagem: foto da praça e teatro municipal do Rio de Janeiro, com povo ao redor em movimentos de manifestações] AGORA É HORA DE MUDAR Depois de ocupar as ruas do país, chegou o momento do eleitor expressar o desejo de um Brasil melhor através do voto. [parte superior da capa: foto do rosto de Marina e Aécio] AÉCIO E MARINA EMPATAM _______________________ 1# ENTREVISTA 2# COLUNISTAS 3# BRASIL 4# ESPECIAIS – 25 ANOS DE ELEIÇÕES DIRETAS – 1º TURNO 5# ESPECIAIS – 25 ANOS DE ELEIÇÕES DIRETAS – 2º TURNO 6# COMPORTAMENTO 7# MEDICINA E BEM-ESTAR 8# ECONOMIA E NEGÓCIOS 9# MUNDO 10# TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE 11# CULTURA 12# A SEMANA _____________________________ 1# ENTREVISTA 8.10.14 MARLON REIS -"A ELEIÇÃO VIROU UMA CORRIDA PELO OURO" Juiz que criou a Lei da Ficha Limpa diz que atingiu seus objetivos ao impedir a candidatura de corruptos. Para ele, no entanto, a legislação eleitoral do País falha ao estimular o caráter individualista do voto por Josie Jeronimo INTERESSES INDIVIDUAIS - Para Marlon Reis, a legislação em vigor transmite a mesma mensagem que o império português mandava para os navegantes: "Ganhe para você" Marlon Reis não é ministro do Supremo Tribunal Federal, não tem assento no pleno da corte que julga governadores e não integra o colegiado da última instância eleitoral. No Judiciário, ele é um juiz titular e suas decisões influenciam a vida da comarca de João Lisboa, município de 23 mil habitantes. Mas Reis ganhou notoriedade nacional por irritar grandes raposas políticas. O juiz do Maranhão é um dos criadores e redatores da Lei da Ficha Limpa, regra que veta a candidatura de políticos condenados em decisões colegiadas. Graças a essa norma, figurões como José Roberto Arruda e Paulo Maluf foram barrados nestas eleições. A militância em movimentos de combate à corrupção rendeu inspiração para que Marlon escrevesse o livro “O Nobre Deputado”. O personagem fictício Cândido, um deputado corrupto, mexeu tanto com os brios dos parlamentares que o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, encaminhou uma representação ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o juiz com um pedido de punição disciplinar. "O presidente da Câmara, Henrique Alves, tenta me intimidar. Nunca antes alguém tentou usar uma medida para impedir a minha expressão" Em entrevista à ISTOÉ, o juiz conta que já sofreu perseguição dos próprios pares, mas que pela primeira vez enfrenta tentativa de censura. O criador da Lei da Ficha Limpa afirma que nossa legislação eleitoral ajuda a alimentar a cultura da corrupção, tanto para o político como para o eleitor. Mas ele é descrente em relação a reformas que dependam unicamente do Congresso e provoca a sociedade a ocupar os espaços vazios deixados pelo Legislativo. “A mensagem que a lei eleitoral transmite no Brasil é a de que a eleição virou uma corrida pelo ouro”, afirma. A estrutura do Judiciário também não escapa de suas críticas. Para Marlon, o Tribunal Superior Eleitoral deveria ser monitorado pelo Conselho Nacional de Justiça, a exemplo do controle externo sofrido pelas primeiras jurisdições. "Há uma tremenda dificuldade para o TSE ser submetido à fiscalização do Conselho Nacional de Justiça" Istoé - A representação do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, contra o sr. no Conselho Nacional de Justiça com críticas ao seu livro teve motivação política? Marlon Reis - Interpretei como uma tentativa de intimidação. Ele tenta me intimidar porque há centenas de livros tratando dos problemas da corrupção no Brasil, muitas vezes apontando nomes. Não faltam títulos, mas o meu gerou muita ira. Por eu ser um magistrado, falar de corrupção gerou um incômodo maior. A representação está correndo, o prazo para eu apresentar defesa termina na segunda-feira 6. Istoé - O sr. já sofreu perseguição devido à militância contra a corrupção e por causa da criação da Lei da Ficha Limpa? Marlon Reis - Eu sofri muitas perseguições de todo tipo, até ameaça de morte, mas há dez anos. Aqui no Maranhão, havia uma clara indisposição de alguns membros do Tribunal de Justiça. Buscavam qualquer motivo para abrir representações contra mim. Em um momento, havia 12 representações correndo concomitantemente. Depois do nosso trabalho com a Lei da Ficha Limpa, houve um recuo. Mas essa ação do presidente da Câmara foi inédita. Nunca antes alguém tentou usar uma medida para impedir a minha expressão. Istoé - Reflete alguma briga entre poderes, Legislativo contra Judiciário? Marlon Reis - Eu não vejo dessa forma. Tenho plena convicção da separação do meu trabalho de juiz e da minha atuação como cidadão e estudioso. Não é como magistrado que eu me pronuncio. É como um brasileiro que gosta das atividades intelectuais e usa isso como ferramenta, como tentativa de aprimoramento da democracia do meu país. Istoé - Como o sr. avalia a primeira eleição geral com aplicação da Lei da Ficha Limpa? Marlon Reis - Divido com milhares de pessoas que trabalharam na Ficha Limpa a alegria e o orgulho de perceber que a lei não tem nenhum dos defeitos que os poderosos adversários atribuíam. Falavam que seria uma caça às bruxas e atingiria inocentes e corruptos. O que nós observamos na aplicação em 2012 e neste ano é que a lei funciona como um míssil teleguiado, com direcionamento para segurar o alvo preciso. O leque de nomes que foram atingidos pela lei mostra que ela tem alcance certo, pois tira das eleições personalidades mais grosseiramente envolvidas em esquemas de corrupção. Istoé - Mas os tribunais regionais ainda fazem interpretações divergentes do veto a candidaturas. A lei ainda precisa de aprimoramentos? Marlon Reis - De fato, falta a consolidação de uma jurisprudência no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal para a aplicação mais homogênea da lei. Eu sempre disse que seriam necessárias cinco eleições até que houvesse essa sedimentação da jurisprudência. Mas essa sedimentação está acontecendo com uma velocidade maior do que eu imaginava. Nesta eleição estão sendo firmadas jurisprudências – uma delas é o conceito de dolo eleitoral. A Justiça Eleitoral está evoluindo para um entendimento de que o administrador público não tem a vontade livre do indivíduo. Ele tem sua vontade regulada pela lei. Nesse sentido, quando a lei trata de dolo, ela se refere à vontade do administrador, não da pessoa do prefeito. Istoé - No Distrito Federal, o primeiro colocado nas pesquisas para o governo era José Roberto Arruda (PR) e ele só não permaneceu como favorito porque teve a candidatura negada graças à Ficha Limpa. Há presença excessiva do Judiciário nas eleições? Marlon Reis - A nossa prática política é baseada na cultura do individualismo. Candidaturas são apresentadas como individuais e os partidos não existem como esfera de ação coletiva, mas como ambiente para a legitimação formal das possíveis candidaturas. O individualismo se reflete em todas as órbitas e é percebido pelo eleitor como uma mensagem que o aconselha a adotar uma prática igualmente individualista. Assim, o voto passa a ter uma função meramente pragmática e o eleitor o utiliza em um contexto particular. Tanto faz se o candidato é envolvido pessoalmente em atos afrontosos, desde que o apoio à sua candidatura possa representar interesses particulares. A mensagem que a lei eleitoral transmite no Brasil é a de que a eleição virou uma corrida pelo ouro. É a mesma que o império português mandava para os navegantes que vinham para cá: ganhe para você. Istoé - Mas, se o Congresso resiste a alterar a legislação eleitoral e a Lei da Ficha Limpa foi criada por iniciativa popular, qual é o caminho possível para reformar o sistema? Marlon Reis - Temos que agir como sociedade. Apesar do sistema, temos ainda o benefício de estarmos em uma democracia e de os mandatários temerem por seu futuro político. A Lei da Ficha Limpa passou no Congresso porque produzimos um temor sobre o futuro político da maioria dos parlamentares. Foi uma prova concreta para mostrar que, quando a sociedade se orienta, o Congresso fica pequeno, os congressistas ficam pequenos. Nesse caso, assim como a Ficha Limpa, a vitória depende da efetiva mudança de padrão da sociedade, cobrando não apenas da boca para fora, mas efetivamente. A reforma política só ocorrerá por pressão da sociedade. Istoé - Algum partido pode canalizar essa demanda e ajudar a mobilização da sociedade pela reforma? Marlon Reis - Lamentavelmente, grande parte dos partidos perdeu a autoridade para dirigir esse processo. É muito importante que a sociedade faça isso através de suas organizações de base. Falo isso com tristeza, porque eu sou a favor dos partidos políticos. Não há como defender a democracia sem defender o fortalecimento dos partidos. Mas o quadro político ajudou a enfraquecê-los. Para que seja resgatado o papel dos partidos, é preciso que haja uma força externa, que não seja limitada pela baixa legitimação social que os partidos têm hoje. Istoé - As manifestações de junho de 2013 produziram algum impacto? Marlon Reis - As manifestações ajudaram a aprovar matérias que estavam paradas por muito tempo. A primeira delas foi o voto aberto, que já começou a surtir efeito e mostrou para o que veio. O deputado Natan Donadon havia sido preso e mesmo assim teve o mandato mantido pela Câmara. Voltou a ser julgado pelas regras do voto aberto e foi cassado por uma maioria. Isso foi uma grande vitória. Também houve o arquivamento da PEC 37, que era uma violência contra o trabalho do Ministério Público. Houve ainda a aprovação da lei de responsabilidade empresarial e de combate à corrupção. Istoé - O escândalo da Petrobras mais uma vez demonstrou que uma das motivações de esquemas de desvio de recursos públicos é abastecer campanhas políticas. É possível, via Congresso, modificar o modelo de financiamento eleitoral? Marlon Reis - Eu conversei com todas as forças políticas com representação no Congresso nos últimos anos e confirmei que a maioria defende a manutenção das coisas como elas estão, principalmente no plano do financiamento. É natural que seja assim. O financiamento é o que define a capacidade de eleição. Existem estudos acadêmicos que mostram que os eleitos gastam cinco vezes mais do que os não eleitos. Quem não tem uma rica campanha não se elege, salvo exceções. Mas essa riqueza de recursos não é para todos. Os amigos das empresas financiadoras têm doações extremamente generosas. As empresas doam para se apoderar da máquina pública. Depois de financiados, ocuparão comissões na Câmara, onde será definida a vida dessas empresas. Isso se repete nas Assembleias e nas Câmaras de Vereadores. As empresas apostam nas candidaturas pensando nas obras públicas e na atividade legislativa e fiscalizatória dos financiados. Istoé - O que precisa ser aperfeiçoado para melhorar o combate à corrupção no âmbito da Justiça? Marlon Reis - No Judiciário, foi dado um grande passo com a criação do Conselho Nacional de Justiça. Foi um divisor de águas. Mas existe a necessidade de uma ação mais efetiva, para dar novos nortes para os tribunais. Quem mais sofreu o impacto extremamente positivo da criação do CNJ foram os de primeira jurisdição. Aprendemos a trabalhar com metas e planejamento. Houve uma explosão de produtividade. Mas essa influência do CNJ vai diminuindo na proporção do peso das instâncias superiores, a ponto de estar nula quando se trata do Supremo, onde não há controle. A Constituição não o colocou sob a égide do Conselho Nacional de Justiça e isso ainda se estende sobre o TSE, porque o tribunal é composto por três membros do Supremo. Assim, há uma tremenda dificuldade para o TSE ser submetido à fiscalização do CNJ. Ter toda a estrutura do Judiciário sob uma lógica de planejamento e controle externo poderia render frutos excelentes para a sociedade. ________________________________________ 2# COLUNISTAS 8.10.14 2#1 RICARDO BOECHAT - COM RONALDO HERDY 2#2 LEONARDO ATTUCH - O FIM DA CORRUPÇÃO 2#3 GISELE VITÓRIA 2#4 ANTONIO CARLOS PRADO - LÍNGUA SEM OSSO 2#5 BRASIL CONFIDENCIAL 2#1 RICARDO BOECHAT - COM RONALDO HERDY Nada diplomático Pediu aposentadoria ao Itamaraty na semana passada Michael Francis de Maya Monteiro Gepp. Até julho era embaixador do Brasil em São Vicente e Granadinas. Deixou o cargo sob denúncias de mandar e-mails com conteúdo bizarro e pornográfico a uma lista de pessoas, incluindo uma funcionária da chancelaria que, incomodada, denunciou o chefe. O desvio foi comprovado pela Comissão de Ética da Presidência da República. Na segunda-feira 29 o órgão aplicou “censura” ao agora ex-diplomata, admitindo que ele também fazia comentários grosseiros contra outras autoridades, como Dilma Rousseff. Livre concorrência Chuva no molhado Na campanha eleitoral a presidenta reiterou a necessidade da “regulação da mídia”. Dilma disse que não interferirá em conteúdo, mas promoverá a regulação financeira, evitando a formação de cartéis e oligopólios, a prática de preços abusivos e a concentração econômica no setor. São infrações previstas na Lei de Defesa da Concorrência e alvo de sanções pelo Cade. Para Ruy Coutinho, que por anos presidiu o Cade, Dilma revela desconhecimento do aparato que existe sobre livre concorrência. Esporte Gol de placa Estudo destinado a avaliar a imagem e o potencial de marketing de pessoas do mundo esportivo foi aplicado pela primeira vez no Brasil pela Nielsen Sports. Baseado em lembrança, grau de afeição e atributos como elegância e conhecimento de mídias sociais, revelou que Kaká é hoje o atleta mais bem conceituado no mercado, com nota 90,8. A seguir vieram Neymar (90,3), Davi Luiz (89,9), Cesar Cielo (87,8) e Thiago Silva (86,9), numa lista com 50 personalidades. Justiça Reta final A Procuradoria-Geral da República enviou ao STJ na semana passada parecer contrário ao Recurso Especial de Antônio Palocci, na ação movida pelo Ministério Público Federal em que o ex-ministro é acusado de improbidade administrativa quando prefeito de Ribeirão Preto. Ele questiona a competência de um juiz federal, que pediu vários documentos à prefeitura, a partir de irregularidades apontadas em auditoria do TCU. Nas duas instâncias anteriores Palocci perdeu. O caso tem como relator o ministro Mauro Campbell. Meio Ambiente Pelo bem-estar Uma crítica comum na sociedade – de que os parques públicos estão degradados – será tema de seminário na terça-feira 7, no Parque do Ibirapuera (SP), e nos dias 18 e 19 de novembro, na FGV, no Rio de Janeiro, promovido pelas ONGs Arq.Futuro e Instituto Semeia. Especialistas debaterão modelos de gestão que tornem os espaços públicos atraentes, seguros, economicamente viáveis, conectando-os à vida e ao cotidiano das pessoas. Entre os palestrantes estrangeiros, Regina Myer, presidente do Brooklyn Brigde Park. Governo federal Barriga vazia Desde a semana passada os cerca de 500 funcionários do Palácio do Planalto estão sem um kit distribuído todos os dias com fruta, suco e barra de cereal. Como foi a presidenta que o instituiu é chamado de “McDilma feliz”, numa alusão à promoção do Mc Donald’s. Comenta-se que o contrato acabou – e não foi renovado. Eleições 2014 Última forma O derradeiro gráfico “boca do jacaré” antes de os brasileiros irem às urnas aqueceu o ânimo no ninho tucano. A imagem reproduz a sequência de todas as pesquisas divulgadas até quinta-feira 2, mostrando as tendências entre os três principais candidatos ao Palácio do Planalto. OEA Na dianteira O ministro das Relações Exteriores do Uruguai, Luis Almagro, é hoje o mais forte candidato à Secretaria-Geral da OEA, nas eleições marcadas para março de 2015. Na semana passada, ele foi a Washington e fez campanha. O país vizinho é o único das Américas disposto a receber detentos de Guantánamo, contribuindo com o sonho de Barack Obama de esvaziar a prisão americana na ilha de Cuba. Política Tropa de plantão Para o segundo turno, a AGU manterá o plantão especial de advogados da União, prontos a recorrer ao Judiciário diante de qualquer movimento de paralisação de servidores da Justiça Eleitoral. O esquema funcionou a contento no primeiro turno a pedido do TSE, presidido por Dias Toffoly. O caso mais emblemático ocorreu em São Paulo, onde o Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário foi proibido de entrar em greve na terça-feira 30, por decisão do TRF da 3ª Região, sob pena de pagar multa diária de R$ 300 mil. História Pontos de vista A Comissão da Verdade do Rio de Janeiro enviou 28 recomendações à Comissão Nacional da Verdade para serem incluídas no Capítulo de Recomendações do Relatório Final. As sugestões vão desde alteração e produção de conteúdos didáticos do MEC e das Forças Armadas até alterações na legislação nacional, como nos casos da Lei de Anistia, de crime de desacato, autos de resistência e tipificação do desaparecimento forçado. Todas as unidades estaduais também estão enviando sugestões para Brasília. Congresso Meia-bomba Presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves convocou uma reunião de líderes partidários para terça-feira 14. É para definir quais projetos a Casa votará na segunda quinzena de outubro. Ninguém acredita em resultados práticos. Com Alves e muitos outros deputados mergulhados em disputas no segundo turno das eleições, a falta de quórum no plenário da Câmara será a tônica do mês. América do SUL Hasta la vitória Luis Almagro tem garantidos votos do Brasil, Chile e outros países da América do Sul. A Colômbia estava com Diego García Sayán, candidato do Peru, que renunciou na quinta-feira 2. Também no páreo, o ex-vice presidente da Guatemala, Eduardo Stein, apoiado por governos da América Central. Copa Deu rolo O Ministério Público Federal pediu – e obteve –a quebra do sigilo fiscal do Consórcio Copa e de seus dirigentes, no inquérito que investiga possíveis irregularidades no contrato entre o grupo e o Ministério do Esporte, para “apoio ao gerenciamento das obras destinadas à realização da Copa das Confederações (2013) e o Mundial da Fifa (este ano)”. A prestação do serviço acabou em julho do ano passado e agora o consórcio cobra R$ 12 milhões do governo na Justiça, alegando não ter recebido pelos serviços prestados. Futebol Perde e ganha A Adidas ganhou a parada e vai substituir a Nike, fornecendo os uniformes e material de treinamento para o Manchester United. O valor do contrato é de R$ 3 bilhões (aproximadamente US$ 1,2 bilhão) por dez anos. Em outras palavras, o equivalente a R$ 300 milhões a cada 12 meses. É bom lembrar que o contrato da Nike com a CBF, também na oferta de material esportivo, envolve valor menor, algo como US$ 568 milhões, entre 2011 e 2026. Cinema Em cartaz O escritor e editor Luiz Fernando Emediato – que lança seu primeiro filme, “O Outro Lado do Paraíso”, dirigido por André Ristum, esta semana no Festival de Cinema do Rio – anuncia que a Geração Entretenimento, braço cinematográfico de sua editora, começa a produzir mais dois: “O Senador”, livremente inspirado nas vidas de José Sarney e Antonio Carlos Magalhães, e “O Banqueiro”, também livremente inspirado na vida de Daniel Dantas. Nenhum deles, por razões óbvias, será chamado por seu próprio nome. 2#2 LEONARDO ATTUCH - O FIM DA CORRUPÇÃO Acredite: ela foi ferida de morte no Brasil depois da Operação Lava Jato da PF. Deve-se a um ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e a um juiz federal, Sergio Moro, o “big bang” que poderá extirpar, de vez, a corrupção no Brasil. Depois da delação premiada de Costa, sob a batuta de Moro, o crime deixou de compensar no País. A partir de agora, os riscos são bem maiores do que as eventuais recompensas. Coloque-se na pele de um servidor que ocupe posição estratégica numa estatal, numa secretaria ou num ministério qualquer. Quem, com um mínimo de responsabilidade, irá aceitar favores de algum fornecedor de bens ou serviços do setor público? Preso em abril deste ano, Costa ficou seis meses encarcerado. Depois de uma tortura moral, que incluía a possibilidade de prisão de sua mulher e de suas filhas, ele se rendeu à proposta de delação premiada. Imagine-se agora na posição do empresário que lida com o setor público, depois do acordo feito entre Costa e a Justiça Federal. O ex-diretor da Petrobras não apenas aceitou restituir R$ 70 milhões ao Estado – volume maior do que a Justiça recuperou em ativos em toda a sua história – como também revelou o mapa da corrupção no País, entregando provas documentais, como extratos e contas bancárias utilizadas por grandes empreiteiras. Tudo indica que, a partir desta delação premiada, pela primeira vez o Brasil terá a oportunidade de punir os corruptores, que serão submetidos aos rigores da Lei 12.846/2013. Ela prevê multas de até 20% do faturamento das companhias e a prisão dos responsáveis. Ou seja: o castigo, que antes punia só os corruptos, chegará, também, para a outra face da moeda, a dos corruptores. Com isso, o Brasil terá, pela primeira vez, a oportunidade de migrar do modelo atual, de capitalismo de compadrio, para um regime de verdadeira competição, mesmo naqueles setores onde é forte a presença do Estado. E o efeito simbólico da punição servirá como antídoto à repetição das mesmas práticas no futuro. Acredite se quiser, mas a verdade é que a corrupção foi ferida de morte no Brasil, depois da Operação Lava Jato, da Polícia Federal. 1#3 GISELE VITÓRIA Gisele Vitória é jornalista, diretora de núcleo das revistas ISTOÉ Gente, ISTOÉ Platinum e Menu e colunista de ISTOÉ Gisele black bloc Ela faria qualquer black bloc cair de joelhos. Vestindo Chanel e com o megafone mais chique do planeta na mão, na “rua” montada no Grand Palais, em Paris, a übermodel uniu-se ao desfile-passeata da maison francesa. Na manhã da terça-feira 30, lá estava Gisele, “protestando” e chamando a atenção do mundo para os direitos das mulheres. “Faz tempo que estou pensando nisso”, disse o estilista Karl Lagerfeld para a top no backstage, antes do desfile. Gisele responde: “Isso é incrível. E você vai andar no meio? Andaremos em fila?”, pergunta ela. Karl rebate: “Não, apenas vamos”. Ela ri. “Como na vida real, um caos organizado. É melhor acreditar. É o poder da mulher”, retrucou a top em cenas mostradas pelo site WWD. Por aqui, Gisele lança a nova coleção de sua grife de lingeries GB Intimates. A coleção foi batizada de Pandora, que em grego significa “dotada de tudo”. Da “feminista parisiense” à “linda mulher de lingerie”, alguém duvida de todos os dotes de La Bündchen? Top Marido de Yasmin Brunet e genro de Luiza Brunet, o top Evandro Soldati foi eleito pela revista “Vogue América” um dos dez modelos masculinos mais importantes de todos os tempos. “Sinto-me lisonjeado por fazer parte dessa lista. É o resultado de muito foco e determinação”, comentou o modelo, que já estrelou campanhas da Dolce & Gabbana e Louis Vuitton e ficou conhecido como o “Alejandro”, do videoclipe da cantora Lady Gaga. Tributo a Caio F. Tributo a Caio F. Mariana Ximenes, Alexandre Borges e mais 15 atores participam do documentário “Para Sempre Teu, Caio F”, de Candé Salles, baseado no livro da jornalista Paula Dip, sobre a vida e a obra de Caio Fernando Abreu. Os atores declamam textos de amor do escritor, que morreu em 1996, em decorrência da Aids. “São só os atores e a câmera. Sem muita encenação”, explica Candé. “Mariana declama o conto ‘Dama da Noite’, um clássico do escritor. Já Alexandre lê um texto inédito de Caio, sem nome. Consegui com a família para o documentário.” Eis um trecho do poema inédito: “Teu amor, pensei, podia me salvar/ Mas não salvou. Teu amor não veio/ Por isso que morro um pouco nesta tarde suja (..). Ciao, George A cerimônia do adeus ao último dos solteiros parecia filme. O casamento de três dias de George Clooney com a advogada Amal Alamuddin só podia merecer Veneza como cenário. Arrivederci, George...Sem mais palavras. Brincando com o visual A brincadeira nas fotos ao lado surgiu a partir de um papo rápido num encontro casual com Celso Kamura, cabeleireiro e maquiador da presidenta Dilma Rousseff. A mil na campanha presidencial, ele fez um pit-stop em São Paulo. São dele as inspirações de visual para Marina Silva (na cantora Diana Ross) e Dilma (na atriz Sophie Charlotte). A sugestão do visual George Clooney para Aécio Neves é da coluna. Mas Kamura não gosta: “Envelhece. O cabelo do Clooney é todo branco. Eu disfarçaria os brancos”, diz. “Aécio tem uma concentração de cabelo na orelha que devia disfarçar. Deveria usar o produto Oversized, da L’Oréal, para dar uma rejuvenescida”. ISTOÉ – Preparado para o segundo turno? Celso Kamura – Vai ter tanta surpresa... campanha é uma exaustão. Não parece, mas cansa. É Porto Alegre, Minas, Ceará. Aí ela (Dilma) acorda, fica sem voz. Todo mundo fica. Marina também está assim. ISTOÉ – E os debates? Kamura – Uma tensão, né? Procuro relaxá-la. Não fico enchendo-a de perguntas, só falo besteira, levo revistas leves. No debate da Record, ela (Dilma) falou comigo depois das declarações (homofóbicas) do Levy Fidelix. Ela disse: “Só pensava em você na plateia ouvindo aquilo”. Uma outra vez, no penúltimo debate da Globo, levamos susto na saída. Estávamos no helicóptero (ele acompanhava Dilma), em cima do mar, e o tempo virou em São Conrado. O piloto teve que voltar para o Projac. ISTOÉ – E a convivência? Já dormiu no Palácio do Alvorada? Kamura – Já. O palácio é minimalista. O último andar é da família. Tem uma cozinha. Outro dia, num domingo, ela fez um bacalhau. A gente comeu junto. Tinha ido pintar o cabelo dela. Quando não tem campanha, é vida normal... Era um bacalhau bem bom, com creme de leite. Ela falou: “Fui eu que fiz”. Respondi: “Ah, não acredito”. Ela retrucou: “Como não? Estou falando que eu que fiz”. ISTOÉ – Sugeres um novo visual para Dilma? Kamura – Agora ela está com mania de jogar o cabelo de lado. Já falei: “Ai, não gosto disso nisso não!”. Adoro o cabelo para cima. Dá uma levantada nela. No último debate da Globo, o penteado estava para cima, mas caiu e ela não quis retocar. Deixei de ladinho mesmo, para não estressá-la. Cada hora é uma mania, amiga! Um dia eu propus: “Vamos mudar o cabelo na campanha? Um corte Sophie Charlotte?” Ela disse: “Quem é Sophie Charlotte?” “É do ‘Rebu’ (novela da Globo)!”, respondi. “E o que vou fazer com essa franja na minha cara?”, Dilma comentou. Mas realmente a franja não ia ficar bem. ISTOÉ – E o que você mudaria na Marina? Kamura – Ai, bicha, acho que ela ia ficar linda meio Diana Ross, anos 70. Marina ia ficar linda montada. Magra, né? Mas ela poderia fazer uma escova antes de prender o cabelo. Você vê as ondinhas do cabelo. Você nota que é um coque religioso mesmo. Na maquiagem, agora ela não tem mais alergia com os produtos da M.A.C. É vontade de ganhar, né, amiga? Você não vê que a pele está feita? Na primeira campanha, ela não usava nada. Só o batom de beterraba. Mas eu vejo nos debates. Está usando M.A.C, sim. Mas elas não gostam de ficar bonitas, não. Querem passar credibilidade, naturalidade. 2#4 ANTONIO CARLOS PRADO - LÍNGUA SEM OSSO O ex-diretor da Petrobras e o doleiro falam fácil como Don Masino, mas resta saber se legalmente eles podem se valer da delação premiada. Então está combinado: a gente vai roubando verbas, desviando recursos e traficando influência, corrompendo e lavando dinheiro – e quem for preso dá o serviço para a Polícia Federal e para o Ministério Público, entrega os comparsas em troca de redução de pena ou da liberdade. Essa é a logística que vem sendo seguida (quem sabe antecipadamente montada caso a casa caísse) pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e um de seus operadores, o megadoleiro Alberto Youssef. Se tudo sair como planejam, a coisa ficou fácil demais para a malandragem sofisticada. Eles são réus no processo decorrente da Operação Lava Jato sob a acusação de organizarem uma rede de debandada de recursos da estatal envolvendo políticos e altos executivos da empresa. O rombo gira em torno dos R$ 10 bilhões, aproximadamente 60 vezes os R$ 165 milhões levados em 2005 do Banco Central de Fortaleza no maior assalto a uma instituição financeira do País. Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, se condenados, podem ser sentenciados juntos a dois séculos de prisão e por isso correram a se abrigar no instituto jurídico que prevê a redução de até dois terços da pena a quem facilita a vida da polícia colaborando com as investigações – isso leva o nome técnico de delação premiada. Na mais rastaquera das quadrilhas, no entanto, eles não teriam lugar sequer de porteiro: nela delatar significa “não ter osso na língua” e o prêmio para a delação é o cemitério. Pode-se questionar, também, se há lugar para o ex-diretor e o doleiro na legislação da delação premiada, da qual estão se beneficiando. É aí que tudo pode dar em nada. A inspiração desse caminho processual vem dos EUA, onde se chama “instituto da barganha” e por meio dele as autoridades americanas colocaram na cadeia diversos chefões da máfia – o delator foi Tommaso Buscetta. No Brasil a Lei 12.850, que trata “Da Colaboração Premiada”, refere-se ao crime organizado (narcotráfico), não ao crime financeiro porque nele as quadrilhas não são enquadradas como organizações criminosas – serve de exemplo a Lei 8.137, que abrange os delitos contra a ordem tributária e não contempla nenhum prêmio ou barganha na delação. Youssef poderia se valer então da Lei 12.850 em relação à investigação de ganho de dinheiro com tráfico de drogas, mas provavelmente se livrará dessa acusação, uma vez que o próprio Ministério Público entendeu que não há provas suficientes para denunciá-lo. Jamais poderia, porém, ter recorrido à tal lei para os crimes de evasão de divisas ligados à Petrobras. Nos EUA o mafioso arrependido foi premiado com diversas cirurgias plásticas que transformaram o seu rosto, mas somente depois que se comprovou que ele de fato citara os poderosos – e, igualmente importante, após a polícia prender tais figurões. O rebuliço feito aqui com a publicidade de que Costa pedira a delação já é motivo de anulá-la se a lei for seguida à risca, uma vez que não são apenas os nomes dos delatados que não podem ser vazados mas também o próprio fato de alguém estar delatando sob premiação precisa por força legal ser mantido em sigilo. Tudo, porém, segue em frente apesar do estardalhaço, e é bom que estejamos sabendo quem pode estar envolvido. Pode valer a pena se as informações dadas por Costa tiverem o calibre daquelas prestadas por Don Masino à Justiça americana, e se a Polícia Federal, comprovada a veracidade da denúncia, apresentar algemados os poderosos delatados. No caso de Youssef não tem jogo não. A lei “Da Colaboração Premiada” requisita o “arrependimento eficaz” do delator. Ele já se beneficiou dessa legislação em 2004, comprometeu-se com a regeneração mas persistiu na carreira de criminoso profissional. Certamente nenhum brasileiro que ganhe a vida honestamente apostaria outra vez no arrependimento do doleiro nem pagaria para ver o seu blefe se repetir. Antonio Carlos Prado é editor executivo da revista ISTOÉ 2#5 BRASIL CONFIDENCIAL por Eumano Silva Uma onda de greves para o próximo presidente Qualquer que seja o vencedor da eleição presidencial, o próximo titular do Palácio do Planalto vai enfrentar uma onda de paralisações. Pelo menos cinco categorias adiaram greves para não interferir na disputa eleitoral. A lista de insatisfeitos inclui a Polícia Federal. Agentes do órgão estão insatisfeitos com a atuação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e preparam uma lista de reivindicações, como reposição de perdas salariais e uso de aeronaves para a realização de operações. Assembleia geral A temporada de greves esperada para 2015 deve mobilizar também os funcionários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que reclamam de sucateamento do órgão, e servidores federais da área de educação. No caso desses últimos, há muitas queixas dos trabalhadores das escolas federais abertas nos últimos anos em todo o País. Provocação no seringal A presidenta Dilma Rousseff gosta de provocar Marina Silva. No dia 1º de outubro, o Ministério da Agricultura liberou R$ 20 milhões para cooperativas de extração de borracha. A medida beneficia os seringais do Acre, onde Marina trabalhou e iniciou a militância política. O grande sócio do poder Pelo andar da carruagem, ainda não será em 2018 que o PMDB lançará candidato a presidente da República. Com a perspectiva de eleger pelo menos oito governadores este ano, o partido tende a manter a política de alianças que garante uma fatia do poder em qualquer cenário. Estratégia errada I Integrantes da cúpula da campanha de Marina Silva buscaram explicações para a brusca queda nas pesquisas eleitorais da região Sul. Concluíram que foi um erro ela ter privilegiado o Sudeste e o Nordeste. Com isso, os Estados sulistas ficaram livres para Aécio e Dilma. Estratégia errada II Os socialistas também avaliam que, no Paraná, pesou o fato de Marina Silva ter-se recusado a subir no palanque do tucano Beto Richa. No Rio Grande do Sul, as bases do PT são muito sólidas e, no caso de Santa Catarina, a biografia da candidata do PSB é pouco conhecida. Conta que não fecha O presidente eleito ainda terá de enfrentar a pressão de 100 mil aprovados em concursos públicos que esperam por nomeação. Para piorar a situação, com a queda na arrecadação federal, os órgãos que devem receber esses novos servidores economizam em itens básicos, como acesso à internet e compra de materiais de consumo. Disputa Renan Calheiros acredita que o colega Eunício Oliveira vencerá as eleições no Ceará. Assim, o PMDB ficará sem líder. Vital do Rego (PB) quer o posto, mas Renan articula o nome do aliado Romero Jucá. Para Vital, se Dilma for reeleita, o presidente do Senado tentará uma vaga na Esplanada. O caixa de Eduardo Jorge Quando defendeu o nome de Eduardo Jorge para candidato ao Planalto pelo PV, o presidente do partido, José Luiz Penna, recebeu muitas reclamações dos parlamentares verdes. Eles afirmavam que Jorge espantaria financiadores de campanha e que a legenda voltaria ao nicho das siglas de resistência simbólica. Com o sucesso do candidato nas redes sociais, os ânimos se acalmaram. De um momento para outro, as doações ao presidenciável cresceram e o caixa, que registrava apenas R$ 2,4 milhões em arrecadação, deu um salto. Os valores ainda são mantidos em segredo, mas o presidente do PV é só sorriso. Fiado eleitoral Encerradas as eleições, João Vaccari Neto terá que se desdobrar para cobrir os rombos deixados por petistas em dezenas de campanhas estaduais. O comando do PT optou por concentrar a maior parte dos recursos para reeleger Dilma Rousseff. Os demais candidatos da legenda foram orientados a gastar fiado com a promessa de quitação das dívidas no primeiro semestre de 2015. Toma lá dá cá Senador Paulo Paim (PT-RS), relator do PLS 122 que criminaliza a homofobia ISTOÉ – Se a lei que criminaliza a homofobia estivesse em vigor, o que aconteceria com Levy Fidelix, do PRTB, após as declarações contra os gays? Paim – Ele seria enquadrado por crime de homofobia e estaria preso, como no caso de racismo. Meu relatório trata tudo como crime de preconceito. ISTOÉ – Como está a tramitação do projeto? Paim – Foi encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça antes da votação na Comissão de Direitos Humanos. Foi uma manobra para protelar a tramitação. ISTOÉ – Há chances de ser votado no Senado este ano? Paim – O Brasil está atrasado, mas vamos insistir no debate. Em 2015, sem a pressão eleitoral, podemos levar o assunto adiante. Rápidas *As pesquisas não oficiais dos partidos para monitorar tendências de seus candidatos foram usadas sem pudor para abastecer as redes sociais. Nesses treckings, as diferenças entre os concorrentes se mostraram muito além de qualquer margem de erro. *Para burlar as regras que impedem os eleitores de usar camisetas de candidato ou partido na hora de votar, aliados de Aécio Neves convocam os eleitores “anti-PT” para tirar do armário camisas verde-e-amarelas da seleção, esquecidas desde a Copa do Mundo. *O deputado Romário (PSB-RJ) cobra do Itamaraty a oficialização da posição brasileira sobre o Protocolo de Nagoya, uma espécie de tratado internacional sobre biodiversidade. O Brasil assinou o termo em 2010 e, desde então, não ratificou a posição. * Quando disputou a presidência contra Tancredo Neves, em 1985, Paulo Maluf foi acusado de comprar votos no colégio eleitoral. Na época, atribuía-se a ele a frase “em eleição, o feio é perder”. Três décadas depois, ele teve a candidatura barrada pela Ficha Limpa. Retrato falado Vereadora do PSB no Recife e prima de Eduardo Campos, Marília Arraes pede votos para a oposição e reclama do culto à memória do ex-governador. Os socialistas atribuem o comportamento de Marília a uma mágoa. Campos não apoiou seu projeto de concorrer a uma cadeira na Câmara dos Deputados. Para piorar a situação de Marília, João Campos, filho de Eduardo Campos, desponta como herdeiro político do pai. Lobby contra a maconha Ex-reitor da UnB, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) voltou a sofrer pressões de estudantes. Como relator do projeto de lei que estabelece a regulamentação da venda de maconha, o pedetista ouve reivindicações de jovens contrários e favoráveis à proposta. Um dos lobbies mais fortes para barrar a liberação é feito pela Associação Nacional dos Estudantes Cristãos, que prepara um abaixo-assinado. Lula e o “Velho Chico” Em 1994, em campanha para o Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva fez uma caravana de dez dias pelo rio São Francisco e prometeu que, se eleito, não deixaria o “Velho Chico” morrer. Duas décadas depois, o PT passou 12 anos no poder e a nascente mais simbólica do rio secou. ____________________________________ 3# BRASIL 8.10.14 3#1 O BRASIL VAI MUDAR? 3#2 EXCLUSIVO ISTOÉ/SENSUS: AÉCIO E MARINA EMPATAM 3#3 25 ANOS DE ELEIÇÕES DIRETAS 3#4 DUPLA DELAÇÃO 3#5 SURTO AUTORITÁRIO NA OAB-DF 3#6 INQUÉRITO REABERTO 3#1 O BRASIL VAI MUDAR? Num clamor por mudanças, multidões ocuparam as principais avenidas do País em junho do ano passado. Agora, chegou o momento de expressar esse desejo através do voto. O Brasil que emergirá das urnas depende do eleitor Claudio Dantas Sequeira (claudiodantas@istoe.com.br) As manifestações populares de junho de 2013 revelaram a insatisfação do brasileiro com a situação do País. Aos primeiros protestos contra o aumento da tarifa do transporte público logo se somaram críticas generalizadas a problemas como a inflação crescente, precariedade dos serviços de saúde e educação, ineficácia das políticas de segurança pública, corrupção e total carência de infraestrutura de mobilidade urbana. Pesquisas de opinião realizadas até a metade deste ano indicavam que 70% dos eleitores queriam mudanças na forma de governar o Brasil. Chegou o momento de transformar esse desejo em realidade. Neste domingo 5, mais de 140 milhões de eleitores têm a oportunidade de comparecer às urnas para escolher o presidente e os governadores, renovar o Congresso Nacional e as assembléias legislativas nos Estados. Agora é a hora de utilizar o principal instrumento de mudança política e social, consagrado em todas as democracias do mundo, que é o voto. Só a expressão da vontade do povo por meio do voto pode garantir a inflexão nos rumos do País que se anseia. Como diria Winston Churchill, “a democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras experimentadas”. Por isso, antes de apertar o botão “confirma” da urna eletrônica, o eleitor deve refletir bem sobre sua escolha para não se arrepender depois. Nos três últimos meses de campanha eleitoral, praticamente todos os candidatos, mesmo sem mover um centímetro em suas convicções, passaram a ostentar um bem ensaiado e conveniente discurso de ruptura com as práticas atuais. Até a presidenta Dilma Rousseff, cujo partido está há 12 anos no poder, lançou mão da retórica da mudança – sinal de que o País precisa mesmo de uma correção de rota. O candidato do PSDB, Aécio Neves, defende uma nova forma de governar e mostra como fazê-lo de modo seguro – até antecipou o futuro ministro da Fazenda, o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga — , enquanto o PT promete mudanças administrativas pontuais e Marina Silva, do PSB, apresenta fórmulas do que chama de nova política, mas não raro é ambígua e não deixa claro como irá montar sua equação. Treinada pelo marqueteiro João Santana, Dilma pode até ter melhorado seu desempenho em debates na TV, mas, até por ser governo há mais de uma década, encontra dificuldades em apresentar propostas que transformem o jeito petista de governar. A começar pela economia, um ponto bastante criticado de sua gestão. Seja quem for o próximo presidente, ele (ou ela) terá de retomar o crescimento e impedir a explosão dos índices de inflação. Não será tarefa fácil. Antes de tudo, precisará ganhar a confiança do mercado com medidas de austeridade fiscal e transparência. Durante a campanha, a presidenta disse indiretamente que, na hipótese de um segundo mandato, pretende substituir o ministro da Fazenda, Guido Mantega, titular do cargo desde 2006. “Governo novo, equipe nova”, afirmou ela. Mas isso não foi o suficiente para acalmar mercados e empresários que pedem maior interlocução. A candidata não admite que tenha desleixado a observância ao “tripé macroeconômico”, receita de estabilidade adotado durante o primeiro governo do presidente Lula que prescreve um regime de metas de inflação, de superávit fiscal e câmbio flutuante. Em sentido inverso, Dilma tenta reanimar a economia com aumento dos gastos públicos, estímulos ao consumo e maior oferta de crédito, modelo que funcionou no segundo mandato do antecessor, mas que se revela esgotado. Além disso o governo vem adotando práticas de maquiagem das contas públicas por meio de temerárias operações contábeis que incluem a retenção de pagamentos a fornecedores, de recursos para obras e até de repasses do Bolsa Família. Ao adiar os gastos, o governo consegue fechar o mês com mais dinheiro em caixa. As contas, porém, terão de ser quitadas – mais cedo ou mais tarde. Na semana passada, Guido Mantega reconheceu a dificuldade de cumprir a meta de 1,9% de economia nas contas públicas. “Este ano teremos o maior superávit fiscal possível”, disse o ministro. Quando o assunto é economia, o tucano Aécio Neves adota um discurso mais encorpado que suas concorrentes. Logo de cara anunciou o economista Armínio Fraga como futuro ministro da Fazenda e defendeu rigoroso controle dos gastos públicos, além de previsibilidade e segurança, pilares fundamentais para um bom ambiente de negócios. A fórmula do candidato do PSDB pode não ter alavancado de imediato o apoio que ele esperava. Mas na reta final do pleito, Aécio conseguiu encarnar o voto da confiabilidade e da mudança com segurança, o que explicaria a migração de votos para sua candidatura. Suas principais rivais na disputa fizeram o possível para contornar o debate de questão tão fundamental. A estratégia de Dilma foi a de evitar saias-justas, como a que enfrentou em entrevista no programa Bom Dia Brasil, da TV Globo. Marina Silva repetiu conceitos genéricos, mas evitou entrar em detalhes. Quando o fez, acabou expondo suas próprias contradições. Foi assim ao falar em estímulo à indústria e ao agronegócio, ressalvando que o faria de maneira sustentável – só não disse como. Difícil acreditar, considerando seu histórico de luta contra ruralistas. Marina não anunciou ministros, mas se cercou de conselheiros como o economista Eduardo Gianetti da Fonseca e Neca Setúbal, herdeira do banco Itaú. A ambiguidade de Marina minou os alicerces de sua campanha no momento mais crucial da eleição, ou seja, nos dias que antecederam a votação. A candidata do PSB chegou a empatar com Dilma nas pesquisas de intenção de voto, figurando como favorita num segundo turno. Mas desidratou nas últimas semanas até aparecer em empate técnico com Aécio. Ao encarnar a bandeira da “nova política”, Marina viu-se enredada em alianças costuradas por Eduardo Campos com tradicionais caciques da política. Rejeitou apoios que depois teve de aceitar. Em entrevistas e debates, revelou posições pessoais conservadores para boa parte de seus seguidores. Divulgou um programa de governo sem revisá-lo, passando a imagem de improviso. Ao ser questionada sobre algumas de suas propostas, Marina tampouco conseguiu explicar como fará para tirá-las do papel. Prometeu tornar obrigatória a destinação de 10% da Receita Bruta Corrente da União para a saúde pública. A melhoria dos serviços de saúde está no topo das prioridades de 87% dos brasileiros. No ranking internacional que mede a eficiência em 48 nações, o Brasil figura no vergonhoso último lugar. Em países desenvolvidos, os recursos públicos representam 70% dos gastos com saúde - ou 8% do Produto Interno Bruto. Aqui, o dinheiro liberado pelo governo corresponde a 44% das despesas do setor, o que significa 4,6% do PIB. Segundo especialistas, vincular os 10% da receita é um primeiro passo, mas não o suficiente. É necessário garantir o aumento progressivo do financiamento, combinado com iniciativas que garantam maior eficiência na gestão desses recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), com adoção de protocolos internacionais de qualidade. Deve-se estimular a humanização do tratamento, valorizar a mão-de-obra nacional e estabelecer contrapartidas sociais. Além disso, é necessário desenvolver nos municípios ações de prevenção e promoção de hábitos saudáveis, fortalecer a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e exigir das operadoras privadas maior rapidez e qualidade na prestação dos serviços. A aplicação de multas rigorosas aos que não cumprem os níveis de execução fixados inibiria a falta de compromisso com os projetos do governo. Outro desafio para o próximo presidente está na educação. O Brasil se encontra na “zona de rebaixamento” do ranking internacional do setor por apresentar a menor taxa de escolaridade da América do Sul e o terceiro lugar em evasão escolar no mundo. Essa situação torna urgente a necessidade de uma revolução na área, com atualização da grade curricular para atendimento das demandas da sociedade globalizada e mais investimentos em pesquisas. Recomenda-se, ainda, a adoção de políticas de valorização e capacitação dos professores valorizando-se a meritocracia. A segurança pública também entrou no topo das urgências. Durante as manifestações de junho de 2013, além da mobilidade, o enfrentamento dessa questão foi elencado como prioridade. A situação atual é assustadora. No Brasil, a violência mata mais por ano do que os grandes conflitos e guerras mundo afora. Só em 2012, foram 56 mil homicídios. A impunidade estimula cada vez mais atos de barbárie coletiva, violência sexual ou de gênero. Especialistas do setor apresentaram aos candidatos uma agenda prioritária que propõe, dentre outras ações, o aumento do orçamento do setor (hoje é 0,46% do PIB) e um novo pacto federativo nesse setor, com maior participação do governo federal. CLAMOR NACIONAL - A expressão "mudança" nunca esteve tão presente nas ruas do País como nas manifestações irrompidas em junho de 2013 No quesito infraestrutura, a herança não é das melhores. O País começa 2015 com 102 grandes obras inacabadas, sendo 31 delas consideradas prioritárias. Urge a conclusão dos eixos ferroviários Norte-Sul e Leste-Oeste, a transposição do rio São Francisco, a pavimentação da BR-163 entre Mato Grosso e Pará, a finalização da usina de Belo Monte e da refinaria Abreu e Lima – esta última envolvida no escândalo da Petrobras, com suspeitas de superfaturamento e desvio de dinheiro para políticos. A execução dessas obras serviria para cobrir o gargalo que eleva o custo das exportações e atenderia a crescente demanda por energia e água. Será preciso ainda dobrar o saneamento básico (o Brasil ocupa hoje a 112ª posição no ranking de 200 países) e implementar as promessas de mobilidade urbana que estavam previstas para a Copa. Como revelaram os protestos do ano passado, a sociedade clama por transporte público de qualidade, com custo acessível, que ajude a reverter a situação de colapso do tráfego urbano de grandes e médias cidades. Os problemas são muitos e os obstáculos maiores ainda. As recentes pesquisas de intenção de voto apontam para a reeleição de boa parte do Congresso Nacional, controlado pelo velho e fisiológico PMDB, e pela liderança na presidenta Dilma na corrida presidencial. Ou seja, um cenário de continuidade de tudo o que está aí. Os últimos movimentos eleitorais, no entanto, deixam claro que o principal partido aliado ao governo e o PT levam considerável vantagem sobre as legendas de oposição, justamente por terem a máquina pública nas mãos e abrirem mão de qualquer pudor em usá-la para se manterem onde estão. Durante a eleição, Dilma realizou reuniões partidárias na residência oficial do Palácio da Alvorada. Também compatibilizou agendas oficiais com eventos de campanha, desfrutando de toda a estrutura governamental. Ao se apegar a práticas políticas e administrativas viciadas, o PT parece ignorar o recado enviado pelas ruas no ano passado. No domingo 5, só o eleitor, na solidão da cabine eletrônica, é capaz de decidir: se quer alterar radicalmente o quadro atual ou promover correções pontuais de itinerário. É a hora de dizer quem, entre Dilma, Aécio e Marina, é o mais preparado para pavimentar o caminho rumo às mudanças tão acalentadas pela população. 3#2 EXCLUSIVO ISTOÉ/SENSUS: AÉCIO E MARINA EMPATAM Novo levantamento mostra que candidato do PSDB chega ao dia do pleito com mais condições de avançar ao segundo turno do que a representante do PSB A pesquisa ISTOÉ/Sensus realizada entre a terça-feira 30 de setembro e a sexta-feira 3 indica que 14,4% dos eleitores admitem mudar de voto e que outros 9,4% ainda não definiram em quem votar para a sucessão presidencial. É esse universo de aproximadamente 35 milhões de eleitores que irá definir quem deverá enfrentar a presidenta Dilma Rousseff (PT) no segundo turno: Aécio Neves (PSDB) ou Marina Silva (PSB). A tendência, segundo Ricardo Guedes, diretor do Instituto Sensus, é a de que o tucano passe para a fase final da disputa. “Os números mostram que Marina vem perdendo votos diariamente, em movimento contrário ao de Aécio, que em menos de um mês teve um crescimento de 5% no índice de intenção de voto”, diz Guedes. “Soma-se a isso o fato de que a perda de votos da candidata do PSB vem acompanhada de um aumento no seu índice de rejeição, o que representa uma dificuldade maior da candidata para obter o voto indeciso ou o voto mais volátil”, explica. O levantamento realizado em 136 municípios de 24 Estados, mostra que o índice de eleitores que afirmam não votar em Marina de forma alguma saltou de 33% para 38,8% apenas nos últimos sete dias. No mesmo período a rejeição ao tucano praticamente não variou. De acordo com o levantamento, a presidenta Dilma Rousseff tem 37,3% das intenções de voto, Marina Silva 22,5% e Aécio Neves 20,6%. Nos últimos sete dias, a diferença entre Marina e Aécio caiu de 4,3% para 1,9%. Os números apurados pela pesquisa ISTOÉ/Sensus confirmam a tendência mostrada pelas pesquisas internas feitas pelo comando das três principais candidaturas. No PT, o discurso oficial é o de buscar a vitória ainda no primeiro turno. Na prática, porém, o partido trabalha com o horizonte de uma disputa contra o tucano no segundo turno, reeditando a polarização PT/PSDB que vem marcando as campanhas presidenciais desde 1994. Foi esse o cenário que pautou a estratégia da candidata Dilma Rousseff no último debate antes do primeiro turno, realizado na noite da quinta-feira 2. A presidenta e o tucano acabaram sendo os principais protagonistas do embate. Marina Silva ocupou lugar bem mais discreto, ao contrário dos debates realizados no início de setembro, quando a ex-senadora acreana surfava nas ondas das pesquisas eleitorais. No QG de Marina o clima é de abatimento. No início da tarda da sexta-feira 3, pesquisas internas mostravam que Aécio e Marina continuavam em empate técnico, mas com ligeira vantagem para o senador mineiro. A candidatura de Marina também sofre com a divisão interna entre os “sonhaticos” da Rede e os líderes do PSB. Só na semana passada, por exemplo, é que Marina procurou uma aproximação com as alianças feitas pelos socialistas em Estados importantes, como São Paulo. Às vésperas da eleição, correu para distribuir material de campanha ao lado do governador Geraldo Alckmin, que deverá vencer a disputa no maior colégio eleitoral do País ainda no primeiro turno. Foi tarde demais. Nem mesmo os militantes do PSB se entusiasmaram com a tarefa. Já entre os tucanos, a ordem é apostar em um forte corpo-a-corpo com o eleitorado, usando para isso um exército de prefeitos, vereadores e deputados. As pesquisas também demonstram que o maior número de eleitores indecisos está localizado na região Sudeste. Trata-se de mais uma dado que pode ser decisivo em favor da candidatura de Aécio Neves. O PSDB tem no Sudeste do País suas principais lideranças e maiores redutos eleitorais. Para um provável segundo turno entre Dilma e Aécio, a pesquisa ISTOÉ/Sensus mostra uma vantagem inicial de 8,9% a favor da presidenta. Esse dado, de acordo com Ricardo Guedes, não representa nenhum tipo de tendência consolidada, embora a história recente não demonstre viradas entre o primeiro e o segundo turno. “Ao contrário de outras eleições, a candidata que vem liderando o primeiro turno tem um imenso índice de rejeição (39,1%). E isso é um impeditivo para a reeleição”, afirma Guedes. A estratégia final Como Dilma, Aécio e Marina buscam os indecisos nos últimos dias de campanha Ludmilla Amaral Nos últimos dias de campanha eleitoral, Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB) trabalham para atrair não só o eleitor indeciso como também aquele que admite mudar de voto. “Temos verificado em seguidas eleições no Brasil para governo do Estado e para prefeituras, mudanças, inclusive, no dia da eleição”, afirma Mauro Paulino, diretor do Datafolha. “Há uma parcela do eleitorado que define de fato o voto no dia da eleição”. DEBATE - Aécio e Dilma protagonizaram o último embate. Marina ficou isolada Líder nas pesquisas desde o início da corrida eleitoral, a candidata Dilma Rousseff (PT) pouco alterou sua estratégia de campanha na reta final. Passou a última semana mantendo os ataques contra Marina Silva (PSB) e deixou para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a tarefa de motivar os militantes do PT para que ocupassem as ruas nas horas que antecedem o primeiro turno. Já Marina, que viu sua candidatura ser desidratada nos últimos trinta dias e enfrentar turbulências internas no comando de sua campanha, tentou ampliar os ataques contra Dilma, para se caracterizar como oposição. As últimas pesquisas, no entanto, mostram que sua campanha continua na UTI. Já o tucano Aécio Neves manteve um crescimento sustentável, embora em velocidade menor ao que idealizou o PSDB. Com a candidatura de Marina em queda livre, passou a atacar a presidenta Dilma e o PT de forma mais incisiva. O objetivo é atrair para si o voto anti-petista. A partir de segunda-feira 6, uma nova disputa terá início, com novas estratégias, troca nas equipes e dois candidatos com o mesmo tempo de televisão para tentar convencer o eleitor. PESQUISA ISTOÉ/Sensus Realização – Sensus Registro na Justiça Eleitoral – BR- 00918/2014 Entrevistas – 2.000, em cinco regiões, 24 Estados e 136 municípios do País Metodologia – Cotas para sexo, idade, escolaridade, renda e urbano e rural Campo – de 30 de setembro a 3 de outro de 2014 Margem de erro - +/- 2,2% Confiança – 95% 3#3 25 ANOS DE ELEIÇÕES DIRETAS As eleições presidenciais de 1989 iniciaram um novo marco na história brasileira, foram fundamentais para consolidar a democracia no País e ainda têm importantes lições para o Brasil um quarto de século depois Ana Carolina Nunes (acarol@istoe.com.br) e Yan Boechat (yan@istoe.com.br) No domingo 5, às 8 horas da manhã, quando as sessões eleitorais começarem a receber os 140 milhões de brasileiros aptos a escolher o presidente da República pelos próximos quatro anos, o País vai comemorar o período mais longevo de transferência de poder entre civis por meio de eleições diretas, livres e universais. São apenas 25 anos, um simples quarto de século nos 514 anos de história do Brasil. Trata-se, claramente, de um marco simplório quando comparado a democracias mais maduras que a brasileira, como a norte-americana, por exemplo, mas de imensa importância para um país que vive hoje o mais longo período democrático de sua história. NAS RUAS - A disputa entre Lula (à esq.) e Collor (à dir.) tomou o País, com comícios e carreatas que reuniam dezenas de milhares de pessoas Foi em 1989, quase três décadas depois da última eleição direta para presidente, que o brasileiro voltou a ter o direito de escolher por conta própria, sem intermediários, quem iria governá-lo. Antes, a última vez que o país foi às urnas para escolher seu principal mandatário havia sido em 1960, quando, com pouco mais de cinco milhões de votos, Jânio Quadros foi eleito presidente da República. Jânio, assim como Fernando Collor de Mello, o eleito em 1989, não terminou seu mandato. Sete meses após assumir, renunciou, enquanto Collor foi cassado. O hiato democrático entre essas duas eleições transformou a corrida à Presidência da República em 1989 em um pleito intenso, disputado, repleto de superlativos. Todas as forças políticas, econômicas e sociais acreditavam ser capaz de conquistar os brasileiros, fazendo o primeiro presidente da República após o longo período de ditadura militar. “Primeira eleição presidencial direta depois de 29 anos, a disputa de 1989 realizou-se num clima de expectativas exageradas, como se fosse resolver todos os problemas do país”, diz o cientista político Bolívar Lamounier. “Infelizmente o resultado dela foi frustrante.” De fato os brasileiros buscavam, naquele momento, um salvador da pátria, alguém com poderes quase divinos, capaz de eliminar os sérios problemas que o país enfrentava. O fim do milagre econômico e o segundo choque do petróleo, no fim dos anos 70, fizeram o Brasil mergulhar em uma espiral de crises financeiras. Sem reservas para pagar a crescente dívida externa, o país adotara mais uma vez naquele ano a moratória. José Sarney, que adotou uma polêmica estratégia de congelamento de preços, finaliza seu governo derrotado pela inflação. Em novembro de 1989, o mês da eleição, ela batia nos 40% ao mês e, no acumulado do ano, superava os 1.750%. O país estava quebrado. Nada menos do que 22 candidatos se apresentaram para concorrer às eleições. Desde nomes importantes no cenário político brasileiro das últimas décadas, como Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Aureliano Chaves, Paulo Maluf, passando por forças políticas em ascensão, como Luiz Inácio Lula da Silva, Mário Covas, Afif Domingos, Fernando Collor de Mello, até nanicos que se notabilizaram pela excentricidade, como Enéas Carneiro, Marronzinho e Lívia Maria, a primeira mulher a concorrer à Presidência da República na história do país. “Foi o início de um longo processo penoso de construção política, que não se encerrou ainda”, diz o professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, Fábio Wanderley Reis. “Naquele momento ainda havia uma visão muito personalista.” Foi uma eleição marcada pela exacerbação da persona de cada candidato. Collor, o caçador de marajás, o jovem que iria transformar o Brasil em uma nação de primeiro mundo; Lula, o líder operário que prometia uma democracia do proletariado; Brizola, o caudilho nacionalista que não aceitava curvar-se às forças internacionais que desejam explorar as riquezas do país. Lula e Brizola dividiram os votos da esquerda, enquanto Collor, com apoio maciço da imprensa, do empresariado e com uma campanha moderna e inovadora, aglutinava a preferência da classe média brasileira. Foi uma eleição de imensa participação popular, com comícios reunindo dezenas de milhares de pessoas. Militantes pagos, tão comuns hoje em dia, eram quase um atentado aos bons costumes eleitorais. “A campanha em si de 89 foi um grande momento, só pelo fato de ela ter sido possível e sem intervenção militar”, diz Reis. Após quase um ano de campanha, a eleição que trouxe de volta o direito de o brasileiro escolher seu presidente terminou em um debate político entre Collor e Lula na televisão, com Collor saindo-se melhor e com um claro apoio da TV Globo na edição final do embate. “Até o debate Lula aparecia em primeiro lugar, mas ele foi mal, o desempenho foi tão ruim, que ele caiu nas intenções de voto. Especialmente depois de a Globo ter editado trechos do debate com os melhores e piores momentos”, diz o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília. Era um outro Brasil. Sem internet, sem redes sociais. Hoje, dificilmente, algo semelhante teria tamanho impacto. O Brasil mudou, sem dúvida. Mas, como em 1989, os desafios para a manutenção da democracia permanecem. História republicada As eleições de 1989 trazem não só uma importância histórica para a democracia brasileira. Elas mostram também a profunda transformação que o Brasil passou nesses 25 anos. Para entender melhor tamanhas mudanças, nada melhor do que saber o que pensavam as principais figuras políticas daquela época. Gente como Lula, Ulysses Guimarães, Collor de Mello, Brizola, Mário Covas, enfim, os principais nomes da elite política do país, deu seu testemunho à Istoé ao longo de todo aquele ano em entrevistas e reportagens. Para comemorar os 25 anos das eleições de 1989, Istoé está publicando em seu site, na íntegra, diversas entrevistas dos principais candidatos à Presidência da República naquele ano. Todo o conteúdo está disponível, gratuitamente aqui. 3#4 DUPLA DELAÇÃO Confissões do corrupto ex-diretor da Petrobras são reforçadas com a delação do doleiro que lavava dinheiro para políticos e autoridades. A polícia fecha o cerco Izabelle Torres (izabelle@istoe.com.br) Escoltado por três viaturas da Polícia Federal, que partiram do aeroporto do Galeão no Rio de Janeiro, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, voltou para a casa no fim da tarde da última quarta-feira 1. Delator do esquema bilionário de desvios de recursos públicos na estatal ele ficará pelo próximo ano sob regime de prisão domiciliar. Em frente ao portão de sua luxuosa residência três policiais federais se revezarão para impedir uma eventual tentativa de fuga, mas também para garantirem a segurança de Costa. Esta última preocupação aumenta porque, longe dali, na Superintendência da Polícia Federal do Paraná, em Curitiba, o velho parceiro de Costa, o doleiro Alberto Youssef, também resolveu delatar. Dupla do barulho: Costa era o executivo encarregado de assaltar os cofres da estatal; Youssef, o “banqueiro” do esquema, que aceitou um acordo de delação premiada. O doleiro promete entregar as contas no exterior e o caminho de remessas de dinheiro feitas para políticos e autoridades. A soma das duas delações tem potencial de estremecer a República. Enquanto a polícia fecha os elos da quadrilha, Costa levará uma vida melhor que a de Yousef, que continuará preso pelo menos por mais dois anos, por ser reincidente nos crimes pelos quais é acusado. A mansão de Paulo Roberto tem estrutura de spa, com quadra de esporte, piscina, churrasqueira e uma área verde grande o suficiente para passeios e caminhadas. Políticos que já frequentaram a casa do ex-diretor dizem que será como se ele estivesse em um hotel de luxo. Oficialmente as visitas são proibidas, mas familiares podem transitar livremente pela residência. Costa, monitorado por meio de tornozeleira eletrônica, vai contar ainda com uma equipe de empregados formada por quatro funcionários e será possível utilizar telefone e internet nas dependências da residência. “Estar em casa representa uma vitória para o delator”, reconhece sua advogada Beatriz Cattapreta. Os detalhes dos quase 100 depoimentos dados por Costa ao juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal em Curitiba, convenceram o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, a validar o acordo de delação na semana passada e conceder a maioria das exigências feitas pela defesa em troca dos detalhes do esquema criminoso. A negociação foi costurada por Cattapreta. QUADRILHA - Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Petrobras, e o doleiro Alberto Youssef, seu parceiro no assalto aos cofres da estatal Além de cumprir um ano de prisão em casa, Paulo Roberto Costa ganhou o direito a ter arquivado os fatos que surgirem contra ele a partir desta semana e recebeu a garantia de que parte da pena a qual for condenado será cumprida em regime semiaberto. O acordo foi estendido para a esposa, as filhas e genros do ex-diretor, que foram usados como laranjas no esquema e tentaram destruir documentos dias depois de sair a primeira ordem de prisão contra Paulo Roberto Costa, em março, no início das apurações da Operação Lava-Jato. As vantagens concedidas ao ex-diretor da Petrobras são um sinal de que a delação deve levar muita gente para a mira da Justiça. Ao justificar a homologação do acordo, o ministro Teori afirmou que há elementos indicativos do “possível envolvimento de várias autoridades detentoras de prerrogativa de foro perante tribunais superiores, inclusive de parlamentares federais”. Em seu despacho, o ministro afirmou ainda que há nos depoimentos de Paulo Roberto Costa indícios de “vantagens econômicas ilícitas oriundas dos cofres públicos”. Em troca do conforto de estar casa e da imunidade para a família, Paulo Roberto Costa se comprometeu a devolver ao Estado uma fortuna que amealhou com os desvios de dinheiro a estatal. Ele vai pagar multa de US$ 5 milhões como forma de indenizar o Estado e repatriar US$ 23 milhões de contas bancárias na Suíça. O dinheiro seria fruto de propina referente ao contrato da bilionária obra da refinaria Abreu e Lima. Além disso, ele vai entregar à Justiça uma Range Rover, avaliada em R$ 250 mil, e uma lancha de luxo orçada em R$ 1,1 milhão. Ao todo, serão mais de R$ 60 milhões repatriados apenas pela delação de Costa – um recorde para o Ministério da Justiça, que não vem tendo sucesso na recuperação de ativos. Segundo o ex-diretor, todo esse patrimônio devolvido foi resultado da atividade criminosa evolvendo políticos e empreiteiras. O doleiro Alberto Youssef iniciou o acordo de delação premiada na quinta-feira 2. O depoimento do doleiro, acusado de lavar o dinheiro do esquema, será juntado com a delação de Paulo Roberto Costa. A expectativa é de que ele possa fornecer detalhes que outros integrantes da quadrilha não souberam explicar, dado a sua posição de comando no esquema. Com base nas informações coletadas, o ministro Teori vai decidir sobre a abertura de ações penais para investigar políticos com foro no STF. Casos envolvendo governadores serão enviados ao Superior Tribunal de Justiça. Os danos das delações podem ser irreparáveis para poderosos políticos acostumados a usufruir das estruturas públicas para se locupletarem. 3#5 SURTO AUTORITÁRIO NA OAB-DF Ao negar registro de advogado a Joaquim Barbosa, a ordem faz um ataque aos princípios democráticos e revela inaceitável revanchismo político Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br) Desgastado pelos frequentes embates com colegas ministros e advogados, Joaquim Barbosa se afastou do Supremo Tribunal Federal (STF) e trocou a toga pelo traje de cidadão comum no final de julho. O magistrado que relatou o processo do mensalão e presidiu parte do mais rumoroso julgamento da história brasileira antecipou a aposentadoria em 11 anos porque queria um pouco de paz. Mas, logo na largada de sua nova vida, o ex-ministro descobriu que nem tudo seria como planejara. Interessado em se habilitar a escrever pareceres jurídicos, atividade muito bem remunerada para ex-integrantes da Suprema Corte, Barbosa entrou com um pedido de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal. Para surpresa do ex-ministro, a solicitação foi impugnada pelo presidente da OAB-DF, Ibaneis Rocha. Relação com o PT - O presidente da OAB-DF, Ibaneis Rocha (à esq.), é advogado trabalhista e atua em causas de entidades ligadas à CUT As justificativas apresentadas pelo dirigente de classe – num surto de autoritarismo sem precedentes na entidade – guardam estreita relação com o julgamento do mensalão. Ibaneis Rocha alega que falta ao ministro aposentado “idoneidade moral” para atuar como advogado. Para embasar sua tese, ele apresentou um detalhado histórico de indelicadezas que Joaquim Barbosa teria cometido durante o julgamento. Rocha citou a expulsão do advogado de José Genoino, Luiz Fernando Pacheco, da tribuna e uma crítica feita ao experiente José Gerardo Grossi, também defensor de réus no processo. Grossi foi criticado por Barbosa em razão de ter oferecido emprego a José Dirceu, um dos condenados, para o cumprimento de pena fora da cadeia. Lamentavelmente, militantes do PT, partido mais atingido pelo processo do mensalão, comemoraram nas redes sociais o pedido de impugnação. Por puro revanchismo partidário eles acabam aceitando arroubos de autoridade que não combinam com o regime democrático. A reação da militância e a trajetória profissional e pessoal de Ibaneis Rocha permitem a interpretação de que sua aversão a Barbosa tem mesmo forte componente político. O presidente da OAB-DF é advogado trabalhista e atua em causas de interesse de entidades profissionais ligadas à Central Única dos Trabalhadores, instituição com forte influência do PT, partido mais afetado pelo processo do mensalão. Nas eleições de 2006 e 2010, Rocha fez doações de R$ 1,8 mil para a campanha de Wellington Dias (PT-PI), senador e hoje candidato ao governo do Piauí, e de R$ 4,5 mil para o deputado Policarpo (PT-DF). O Conselho Federal da OAB ainda aguarda o resultado de uma reunião marcada pela seccional do DF para a quarta-feira 8 para se pronunciar sobre o assunto. Mas um ex-presidente nacional da entidade, Reginaldo de Castro, tem uma opinião sólida a respeito do episódio. “Não se pode negar a lei com base em antipatias. Isso não vai prosperar. Se ele insistir será ainda mais vergonhoso”, afirma Castro. 3#6 INQUÉRITO REABERTO O ex-governador José Serra prestará depoimento nesta semana sobre sua participação no cartel de trens que desviou bilhões de reais dos cofres públicos de São Paulo Alan Rodrigues (alan@istoe.com.br) Na terça-feira 7, dois dias depois das eleições, o ex-governador de São Paulo e candidato ao Senado por São Paulo, José Serra (PSDB), terá que depor na Justiça sobre a sua suposta participação no cartel de trens montado em São Paulo, entre 1998 e 2008, por empresas que atuam no setor de transporte sobre trilhos. O inquérito civil que apura o esquema estava arquivado há um mês, mas, na última semana, o procurador do Ministério Público, Sérgio Neves Coelho, ordenou que o processo fosse desengavetado. “Uma vez não esgotadas as diligências para apuração dos fatos, visto que pende colheita de prova testemunhal por parte da Polícia Federal, torna-se prematura a homologação de arquivamento”, disse Neves Coelho. NA MIRA DO MP - Para o Ministério Público, o caso que envolve José Serra ainda não foi esclarecido No entendimento do procurador, José Serra e mais 44 pessoas precisam ser ouvidas pela Polícia Federal. Segundo ele, é preciso se certificar se o ex-governador atuou a favor de empresas multinacionais que participaram do esquema, conforme indicam e-mails e o testemunho do ex-diretor da Siemens Nelson Branco Marchetti em documentos em poder da Justiça e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Marchetti é um dos seis lenientes que assinaram o acordo com o Cade. Ele afirmou ter se reunido com Serra em 2008 durante uma feira na Holanda e que o ex-governador teria lhe dito à época que, caso a Siemens conseguisse na Justiça desclassificar a empresa espanhola CAF em uma licitação de compra de trens, ele cancelaria a concorrência, pois o preço da multinacional alemã era 15% maior. O inquérito havia sido mandado para o arquivo pelo procurador-geral Márcio Elias Rosa em fevereiro deste ano. Com o arquivamento, o processo seguiu para o Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo para homologação. Mas o Conselho resolveu reabri-lo. Na sequência do relator, o procurador Paulo Sérgio de Oliveira e Costa pediu vista e interrompeu o julgamento. O ex-governador tucano alega que durante sua gestão não tomou conhecimento de qualquer cartel montado por empresas de transportes sobre trilhos. Muito menos que teria incentivado o conluio, pois sempre atuava, segundo ele, a favor do menor preço. A conferir o que dirá o desenrolar das investigações. _______________________________________ 4# ESPECIAIS – 25 ANOS DE ELEIÇÕES DIRETAS - 1º TURNO 8.10.14 4#1 1989: UMA ELEIÇÃO HISTÓRICA 4#2 O AZARÃO DIZ A QUE VEIO 4#3 COM QUÉRCIA, O PMDB CRESCE 4#4 CONTRA TODOS E NINGUÉM 4#5 AGORA EM NOVA EMBALAGEM 4#6 PRECISAMOS DE UM JK 4#7 A APOSTA DE ULYSSES 4#8 A CHINA É MUITO LONGE 4#9 DIABO, SATANÁS, CÃO, ESTADO... 4#1 1989: UMA ELEIÇÃO HISTÓRICA IstoÉ republica as principais entrevistas e reportagens que marcaram a corrida presidencial que sepultou de forma definitiva com o fantasma da ditadura militar Nunca na história política brasileira uma eleição reuniu personagens tão marcantes quanto o pleito de 1989. Estavam reunidos disputando a Presidência da República lideranças históricas, como Ulysses Guimarães, Leonel Brizola e Mário Covas, e forças políticas emergentes naquele momento, como Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Collor de Mello e Guilherme Afif Domingos. Ainda faziam parte da disputa figuras folclóricas, como Paulo Maluf, candidato derrotado na disputa presidencial de 1985, quando o mandatário brasileiro foi escolhido pelo colégio eleitoral, em uma eleição indireta. Abaixo estão selecionadas as mais importantes entrevistas e reportagens daqueles meses intensos, que culminaram com uma disputa que marcou e marcará o Brasil por décadas ainda: a batalha entre Lula e Collor no 2º turno. Em cada uma delas é possível mais do que relembrar aqueles dias. As páginas de Istoé que são republicadas agora na versão online da revista são uma verdadeira aula da história recente do país. 1º turno Fernando Collor de Mello: O azarão diz a que veio Nesta entrevista publicada em abril de 1989, quando a corrida eleitoral ao Palácio do Planalto ainda estava morna, com diversos partidos ainda decidindo quem seriam seus candidatos, Fernando Collor já esbanjava confiança. Apesar de liderar as pesquisas de opinião naquele momento, ainda não havia cristalizado o arco de alianças políticas, econômicas e sociais que possibilitariam sua eleição. Ainda assim, afirmava, categórico, que seria o próximo presidente da República Lula - “Com Quércia, o PMDB cresce” Em abril de 1989 Lula estava muito mais próximo do líder sindicalista que parou o ABC paulista no fim dos anos 70 do que do presidente da República popular que se tornaria pouco mais de uma decáda depois. Nesta entrevista publicada no dia 12 de abril de 89, o presidente do PT se mostra um candidato ainda atrelado a conceitos ideológicos estanques, apesar de reforçar a todo momento que, eleito, não pretende se tornar uma espécie de ditador socialista à brasileira. Neste momento, quase sete meses antes das eleições, Lula parece não enxergar a força de Collor, ou ao menos procura não transparecer preoucupação com a figura salvadora criada em torno do ex-governador de Alagoas, que meses antes recebera o título de "O Caçador de Marajás". Leonel Brizola – Brizola vai pela sombra No começo de julho de 1989, quando esta reportagem foi publicada, Leonel Brizola estava certo de que iria disputar o segundo turno com Fernando Collor de Mello. O velho caudilho era o segundo nas pesquisas de opinião e via, de longe, Lula brigando para estar entre os principais candidatos daquela eleição. O alvo preferencial de Brizola, naquele momento, era Collor, a quem havia atacado vigorosamente no primeiro dos inúmeros – e históricos – debates daquela eleição. Mário Covas – Contra todos e ninguém O ex-governador de São Paulo Mário Covas era o nome de consenso dentro do PSDB para assumir o posto de candidato à Presidência da República em 1989. Depois de desempenhar papel de destaque na Constituinte e de liderar a debandada do PMDB para a criação do PSDB, ele se apresentava como uma espécie de conciliador nacional, o nome que "não estava contra ninguém", mas que se propunha a apresentar "algo concreto" para a criação do novo Brasil que recém entrava no período de redemocratização. Tudo lindo, não fosse o fato de que sua candidatura não decolava nas pesquisas. Paulo Maluf – Agora em nova embalagem Paulo Maluf chegou às eleições presidênciais de 1989 tentando provar ser um novo homem. Nos quatro anos anteriores o eterno candidato do PDS havia sofrido três duras derrotas consecutivas. A primeira no Congresso Nacional, quando foi preterido na eleição indireta para presdidente por Tancredo Neves, que acabou vencendo, mas não assumindo em decorrência de sua morte. Depois, em 86, no ano seguinte, disputou o governo de São Paulo e tornou a ser derrotado, desta vez por Orestes Quércia. A terceira e mais humilhante derrota havia sido em 1988, quando Eluiza Erundina, então no PT, derrotou o ex-prefeito biônico de São Paulo na disputa pelo comando da capital paulista. Nesta reportagem e entrevista publicadas no final de agosto de 1989, Maluf tenta, uma vez mais, reconstruir sua imagem. Guilherme Afif Domingos – “Precisamos de um novo JK” Ainda no começo da corrida eleitoral de 1989, Guilherme Afif Domingos se apresentou como o “empresário do bem”. Um representante da elite, sem dúvida, mas, segundo seu discurso, cheio de vontade para atacar um dos grandes problemas do Brasil até hoje: a má distribuição de renda. À frente do Partido Liberal, entrou na briga pra valer. Atacou, logo de cara, a poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (“uma estrutura que mama nas tetas do governo”) e bateu forte em Brizola (“é o que de mais conservador e anacrônico existe por aí”). Nesta entrevista, afirmou com todas as letras que o caminho para o crescimento justo do Brasil passaria pelo desenvolvimento da agricultura e disse que a divisão entre esquerda e direita estava apenas na cabeça da elite. Ulysses Guimarães – A aposta de Ulysses Ulysses Guimarães chegou às eleições de 1989 sem o mesmo prestígio que conquistara ao longo da bela, porém derrotada, campanha pelas eleições diretas para presidente de cinco anos antes. Após ver a emenda Dante de Oliveira ser derrotada no Congresso Nacional, Ulysses se transformou em uma espécie de símbolo maior das lutas pela redemocratização plena do país naquela segunda metade dos anos 80. Mas, já quase na virada da década, a proximidade excessiva com José Sarney e suas políticas econômicas desastrosas e a costumeira dificuldade em unir o PMDB lhe cobrariam um preço alto. Chegou ao final da campanha sem apoio, quase desacreditado por seus pares. Ainda assim, conquistou mais de três milhões de votos e terminou como o sétimo candidato a presidente mais votado. Esta reportagem, publicada no fim de junho de 1989, conta o momento crítico da campanha de Ulysses e como ele acreditava que seria possível reverter o fracasso que se anunciava. Roberto Freire – A China é muito longe Comunista comedor de criancinhas? Essa era a imagem que Roberto Freire menos queria passar para seus eleitores. Como primeiro candidato do Partido Comunista Brasileiro (PCB) à Presidência do Brasil desde 1945, ele tentava mostrar que, em 1989, as propostas de seu agrupamento político estavam a anos-luz de distância do movimento repressor tão presente na China comunista da época. Freire também se mostrava disposto a fazer possíveis alianças com PT, PDT e até PSDB, já prevendo que sua candidatura teria poucas chances de chegar ao segundo turno. Nesta entrevista, o líder comunista aborda temas que permanecem atuais hoje, como os direitos dos homossexuais, a descriminalização das drogas e do aborto. "Queremos uma definição concreta de que a mulher deve ser dona do seu corpo", afirmou. Ronaldo Caiado – Diabo, Satanás, Cão, Estado... Privatização, meritocracia, livre iniciativa... o discurso parece familiar? Na campanha presidencial de 1989, Ronaldo Caiado, do PSD, era o candidato que apresentava com mais afinco esses ideais liberais. Ex-líder da União Democrática Ruralista, poderosa instituição que representava os interesses dos grandes produtores do campo, o médico Caiado dizia não ser de direita, mas um democrata, e defendia a presença do Estado apenas em setores considerados estratégicos, como habitação, saúde e segurança. Para todos os efeitos, na campanha, Caiado era um "nanico", mas cujas ideias encontram, até hoje, muitos apoiadores. "Não podemos confundir defesa de livre iniciativa nem defesa de terra produtiva como sendo radical de direita", disse. 2º turno Lula – Espantando os demônios Lula concedeu esta entrevista à Istoé na semana seguinte às eleições presidenciais no 1º turno. Era final de novembro e naquele momento as negociações partidárias para conquistar apoios para o 2º turno estavam frenéticas. Lá, como cá, o PMDB tinha imensa importância não só na busca pelos votos, como também na composição da bancada parlamentar que garantiria a governabilidade do presidente da República. Após um primeiro turno sangrento, em que foi vítima de uma série de acusações que se mostrariam falaciosas pouco mais de uma década depois, Lula buscava nessa entrevista desmistificar a figura de comunista revolucionário criada por seus adversários. Leonel Brizola – Lula, o flexível Derrotado no primeiro turno das eleições presidenciais de 1989, Leonel Brizola não demorou a dar um apoio natural a Lula na sequência da corrida para a Presidência. Apoio de peso. Na visão de Brizola, o candidato do PT representava a única possibilidade real de uma nova política no Brasil, conduzida por um candidato saído do povo, das frentes de trabalho e da luta sindical. Nesta entrevista, concedida em dezembro de 1989, pouco antes do pleito de decisivo, o líder do PDT faz elogios abertos à capacidade de Lula para negociar, mas mostra sérias ressalvas em relação ao vice do petista, João Paulo Bisol: “Ele não é uma pessoa confiável, vamos ter de trazê-lo de rédea muito curta”, disse Brizola. Fernando Collor de Mello: Dispensando alianças Depois de um primeiro turno em que superou a descrença e a gozação dos adversários, que o viam como um político de segundo escalão saído de um Estado de menor expressão (Alagoas), Fernando Collor chega ao segundo turno com força renovada. Nesta entrevista, publicada em novembro de 1989, o candidato do PRN ataca Lula, do PT, e diz que não abriria mão de nenhum ponto de seu programa de governo em troca de alianças que poderiam ajudá-lo a alcançar os 51% de votos válidos. Zélia Cardoso de Mello: Um pacote no primeiro dia Zélia Cardoso de Mello era uma jovem economista de pouco mais de 30 anos quando conheceu Fernando Collor de Mello, em 1987. Dois anos depois, tornou-se sua principal assessora econômica, depois de eleito, sua ministra da Fazenda. Zélia teve uma passagem, no mínimo, impactante pela Esplanada e se tornou uma das figuras centrais dos anos Collor. Nesta entrevista concedida às vésperas do 2º turno, com Collor na dianteira das pesquisas, Zélia já dava indicativos claros de que o futuro governo trabalhava com ideia de aplicar um choque na economia brasileira a fim de reduzir a inflação, o maior drama daquele Brasil recém saído de 20 anos de ditadura. O que ninguém imaginava é que Zélia e Collor seriam capazes de fazer um confisco na Caderneta de Poupança. O resultado desastroso foi o primeiro dos muitos equívocos que fizeram Collor ser derrubado do Planalto e levaram Zélia a um auto-exílio em Nova. 4#2 O AZARÃO DIZ A QUE VEIO Uma entrevista que vai além dos marajás: dívida externa, ideologia... Nesta entrevista publicada em abril de 1989, quando a corrida eleitoral ao Palácio do Planalto ainda estava morna, com diversos partidos ainda decidindo quem seriam seus candidatos, Fernando Collor já esbanjava confiança. Apesar de liderar as pesquisas de opinião naquele momento, ainda não havia cristalizado o arco de alianças políticas, econômicas e sociais que possibilitariam sua eleição. Ainda assim, afirmava, categórico, que seria o próximo presidente da República. "Lula e eu estaremos no segundo turno", disse, pouco depois de reconhecer, com rara clareza, que aquela seria uma campanha marcada pela força dos candidatos, e não das ideias. "Como estamos vendo, essa não será decidida pelos partidos, mas em torno de pessoas, de nomes, e isso é muito perigoso. A culpa não é da sociedade, não está na opinião pública, o erro está exatamente na prática política equivocada" ISTOÉ - Há muita gente que continua não levando sua candidatura a sério, mesmo sabendo-se que o sr. está, hoje, à frente da pesquisa Gallup. Dizem coisas assim: “O Collor é bonito, as mulheres gostam dele.” Isso explica seu sucesso nas pesquisas? Fernando Collor - Estou na frente porque há uma sintonia entre aquilo que eu venho pregando, e fazendo, e aquilo que espera a sociedade brasileira de um político. Só essa identificação explica o sucesso de uma candidatura de um governador de um Estado pequeno, dos menores do Brasil, inserido em uma região como a do Nordeste, esquecida de todos, uma candidatura sem apoio de nenhum governador, sem apoio de nenhum senador, sem apoio de nenhum deputado federal, sem apoio de banqueiros, empresários e do sistema militar. A população já se cansou da figura do político tradicional. Mais importante do que estar em primeiro é ver que, pela primeira vez, em dois anos, o candidato “poleposition” deixa de sê-lo. Não sei até que ponto o cansaço de velhas fórmulas políticas também não esteja ajudando nesse processo. ISTOÉ - O voto das mulheres não pesa? Collor - Eu gostaria que pesasse tanto quanto o dos homens. Numa pesquisa recente, eu tinha muito mais eleitores no sexo masculino do que no sexo feminino. O que está com melhor performance no sexo feminino é Ulysses Guimarães. ISTOÉ - o sr. se define um político, mas o eleitorado parece estar vendo no sr. a imagem do não-político, o sujeito que não tem partido, que é uma espécie de cavaleiro andante, que vai arrostando as coisas. Isso pode Ihe beneficiar neste momento. Mas é possível vencer uma eleição presidencial no papel de Dom Quixote? Collor - E possível estabelecer uma prática política que esteja associada ao caráter, à honradez, sobretudo à autenticidade. Na minha campanha a governador, rompi com todos os pactos de poder até existentes. Foi uma candidatura em que me contrapus ao poder econômico, à estrutura do poder estadual, ao sindicado do crime, à contravenção penal, a tudo isso. Às vezes, as pessoas diziam: "Sem esses apoios que normalmente dão sustentação a qualquer candidatura, você não vai chegar lá." Ficou demonstrado, na prática, que dá para chegar. Não adianta chegar à Presidência da República inteiramente amarrado com compromissos que irão impedir, no exercício do mandato, que você execute o seu programa de reformas. Você vai ter de pensar, para governar, na nomeação da filha de fulano, da sogra de sicrano e assim por diante. Fernando Collor - Antes só do que mal acompanhado ISTOÉ - O sr. diria que substituiu a ideologia das ideias pela ideologia dos princípios? Collor - São as duas coisas, se nós entendermos como princípios, na atividade pública, exatamente esses critérios da dignidade, da seriedade no trato da coisa pública, se nós associarmos a isso o ideal, que eu acalento, de ver um Brasil (sem falso ufanismo e sem nenhuma outra conotação extremada de amor à pátria), um Brasil que a gente se sinta orgulhoso de viver nele. A junção desse ideal de um Brasil socialmente mais justo, de um Brasil que cresça economicamente, com um Brasil em que haja o respeito à autoridade e as instituições sejam respeitadas, é o que me anima nesse processo todo. ISTOÉ - O sr. pertence à categoria das pessoas que acham que o tempo do ideologia terminou? Collor - Existe ideologia, sim, e vejo com muita preocupação a ideologia num plano secundário. Outro dia, vi o Carlos Chagas, na TV Manchete, fazendo uma pesquisa com a intenção do segundo voto das pessoas entrevistadas. Ele perguntava: “Em quem você votaria se a eleição fosse hoje?” E a pessoa dizia: “fulano”. Segunda pergunta: “E se fulano não fosse candidato, em quem você votaria?” Então, percebi que um percentual elevadíssimo dos votos que seriam dados ao Lula viriam para mim, caso ele não fosse candidato, e vice-versa. Outro ponto: “E se o Antônio Ermírio não fosse candidato, em quem você votaria?” 36% dos eleitores do Antônio Ermírio viriam para mim. Aí, procurei verificar o que tínhamos em comum, o Lula, o Antônio Ermírio e eu Liguei para um instituto de pesquisa, o Vox Populi, e perguntei como eles analisavam isso. Eles disseram que, primeiro, essa eleição não vai ser decidida pela questão ideológica. Segundo, que nós três seríamos os únicos fatos novos dessa eleição e que o eleitor vai votar pela renovação, em algo que signifique um basta ao sistema convencional de se fazer política. Mas vejo isso com certa apreensão, como vejo também com muita apreensão o fato dos partidos hoje não estarem servindo como canais de comunicação entre as aspirações da sociedade e os centros de poder. Como estamos vendo, essa não será decidida pelos partidos, mas em torno de pessoas, de nomes, e isso é muito perigoso. A culpa não é da sociedade, não está na opinião pública, o erro está exatamente na prática política equivocada. ISTOÉ – Ideologicamente, então, o que o eleitor pode esperar do sr.? O sr. é um homem de esquerda, de centro, de direita? Collor - Sou basicamente um reformista. Sou progressista, tenho uma profunda preocupação social, até porque sou cristão e me orgulho de sê-lo e de praticar a minha religião. Eu me defino como um reformista cristão, com uma enorme preocupação com esta política econômica desconectada da nossa realidade. Dilson Funaro seria meu ministro da Fazenda ISTOÉ - Até agora, o que as pesquisas mostravam era a força de dois candidatos de esquerda e uma desesperada tentativa de se achar um candidato de direita que pudesse neutralizá-los. Com a presente pesquisa, os conservadores não podem passar a pensar que esse candidato o sr.? Collor — Os conservadores, ao contrário dos reformistas, são conformistas. Desejam manter a situação do jeito que está, seja porque estão tirando proveito da situação, seja porque têm receio das mudanças. Minha candidatura assusta os conservados e assusta não somente a eles, porque é uma candidatura inteiramente descolada desse sistema. Não estou atrás de apoio de governador, não estou atrás de apoio de senador, da Fiesp (inclusive já tive oportunidade de dizer isto para alguns de seus diretores), não estou atrás de apoio de banqueiro, nem do sistema militar, absolutamente de coisa nenhuma. O meu pessoal diz: “Você vai precisar de parlamentares para ter um maior tempo no horário eleitoral.” Não, eu não posso sair lançando políticos que queiram vir para o partido apenas sob esse argumento de que vou precisar deles. Não, eu vou levar à Justiça minha reivindicação. ISTOÉ - O sr. concorda com a ideia de que o Lula e o Brizola são candidatos de esquerda? Collor - Lula sim, o Brizola não. Lula, é um candidato de esquerda, é um candidato autêntico, é um reformista. ISTOÉ - Numa área vital como a da economia há gente meio sem saber o esperar do sr. O eleitor pode pensar: “Tivemos aí o Delfim, tivemos o Mário Henrique, tivemos o Reis Veloso, tivemos depois o Funaro." No meio dessa gente, qual será o modelo ideal de ministro da Fazenda do presidente Fernando Collor de Mello? Collor - Uma pessoa que estivesse animada pelos mesmos ideais que os meus, com a minha proposta, por exemplo, para reativarmos o setor econômico, para enfrentarmos essa questão da dívida externa, que fosse patriota e que, naturalmente, tivesse competência para isso. ISTOÉ – Dá a ideia de que o sr. sairia para uma certa confrontação no plano externo, é isso? Collor — Isso tem que haver, mas civilizadamente, não no sentido temerário do termo. Com exceção do período em que o ministério foi chefiado pelo Dilson Funaro, o que estamos vendo é que estamos engolindo todas as fórmulas que de fora. Acho que devemos ter autonomia suficiente para oferecer uma solução que atenta aos interesses nacionais. Nessa questão dívida externa, não se trata da gente saber quanto será possível crescer, depois de pagar a dívida externa, mas sim de quanto será possível pagar, depois de garantir o nosso crescimento econômico. No ano de 88, o Brasil alcançou o maior nível de exportações sua história: US$ 30 bilhões que proporcionou um superávit de US$ 19 bilhões. Ao mesmo tempo em que conseguimos isso, o PIB nacional decresceu em 1%, o PIB de São Paulo decresceu em 3% e nós atingimos o menor nível de reservas da nossa história. Estamos com as nossas reservas abaixo daquelas que nós tínhamos quando foi declarada a moratória. ISTOÉ - Dilson Funaro seria um bom ministro no seu governo? Collor — O ministro Dilson Funaro foi um homem de uma correção absoluta, um homem que sempre esteve movido pelo interesse nacional. ISTOÉ — Mas assinou o decreto que criou a Ferrovia Norte-Sul, antes de se demitir. Collor — Não soube desse episódio. ISTOÉ - Ele deu o seu aval. Collor - Eu garanto que ele pode ter dado o aval pelo entendimento que tinha de que a obra era uma coisa importante para o País. Eu garanto que não deu aval à corrupção e ao assalto que foi praticado quando da concorrência. ISTOÉ — Mas o que torna a Norte-Sul ruim é a concorrência ou é a obra em si? Collor - Não é somente a obra da Norte-Sul, mas é lamentável que, no Brasil, quando se fala em qualquer obra pública se tenha que associar com a corrupção. ISTOÉ - O sr. fala em retomada do crescimento, mas de onde viria o dinheiro para financiar essa retomada? Vem do Exterior, da iniciativa privada ou do setor público, que está muito desprestigiado par questões de empreguismo e de corrupção? Collor - Sou contra a síndrome: “Não, nada de capital externo, vamos salvaguardar os interesses da empresa nacional.” o capital externo só vem para um país se ele tiver respostas para três perguntas: “Quanto eu vou ganhar, quando eu vou ganhar e em que eu vou ganhar.” Só quem pode dar essas respostas é aquele que estabelece a política econômica do país, no caso o governo. No último dia 11, terça-feira, estive na Comissão da Dívida Externa do Senado e pude apresentar o meu projeto econômico de governo, onde está incluída a questão da dívida externa que, entendo eu, seja o nó górdio de toda essa questão. A proposta que apresentei, com base no entendimento de que nós não podemos abrir mão do nosso crescimento econômico, e com base no estabelecimento de uma taxa de crescimento entre 6% e 7% ao ano como única maneira de fazer ingressar no mercado de trabalho de 1 milhão e 700 a 2 milhões de pessoas por ano, pressupõe isso: caixa. A proposta é retirar o aval da União de todos os contratos da dívida externa e, com isso, acarretar a negociação descentralizada dessa dívida. Essa negociação descentralizada faria com que houvesse uma auditoria compulsória nessa mesma dívida, porque no momento em que você deixa a Petrobras, por exemplo, negociar a sua dívida com os bancos credores, os seus diretores vão se sentar e examinar, ver a origem daquela dívida, qual foi aquela dívida contraída não para atender aos interesses da estatal em si, mas para cobrir buracos de outros lados etc. Não sou amigo de ACM. Em 86, ele veio ajudar meu adversário ISTOÉ - O sr. disse que à sua campanha faltariam os apoios tradicionais que cabem a um candidato conservador. Mas Brizola está nos jornais dizendo que o sr. é o candidato do dr. Roberto Marinho e do ministro Carlos Magalhães. Collor — Não sou o candidato do dr. Roberto Marinho e tampouco sou o candidato do ministro Antônio Carlos Magalhães. ISTOÉ — Mas em que se baseia para dizer isso? Collor - Não sei. Talvez pelo fato de eu ser de uma família de jornalistas, tradicionalmente ligados ao setor de comunicações. Mas, na verdade, não existe nenhum fundo de verdade nessa afirmação do ex-governador. ISTOÉ - Ele puxou o Antônio Carlos Magalhães de qual cartola? Collor - Não tenho a menor ideia. ISTOÉ - O sr. é amigo dele? Collor — Ao contrário. Eu sofri, ao longo da minha campanha para governador, em 1986, uma ação terrível encetada pelo presidente da República, por intermédio dos seus ministros, em Alagoas. Três ministros estiveram lá com muita assiduidade, os ministros Jorge Bornhausen, Marco Maciel e Antônio Carlos Magalhães, todos os três falando em nome do presidente da República e todos os três embalados pelo sucesso do Plano Cruzado. A bem da verdade, o que se disse pela imprensa, de que o Plano Cruzado serviu para ajudar aos governadores do PMDB, no caso lá de Alagoas foi o contrário, porque o meu opositor era presidente nacional da Frente Liberal. E chegou a ser dito em Alagoas, na campanha, não sei por quem exatamente, mas por um dos ministros, de que esse meu opositor havia colaborado na elaboração do Plano Cruzado. Isso era muito forte, naquela ocasião. Maluf estava derrotado. Mas eu tinha de respeitar o meu partido ISTOÉ — Os dois principais partidos ainda não definiram o seu candidato, quer dizer, o quadro eleitoral pode mudar muito. O sr. torce para que o PMDB, por exemplo, saia com quem? Collor — As dificuldades que os dois maiores partidos têm, hoje, de encontrarem os seus candidatos são o recibo que o Brasil está passando a duas agremiações que se associaram em um condomínio que levou à falência o edifício da Nova República. Essa fatura está sendo debitada na conta do PMDB e do PFL. Independente do candidato que um ou outro venha a lançar, isso em nada no resultado final. ISTOÉ - O PMDB está, portanto, batido, qualquer que venha a ser o seu candidato? Collor — Qualquer que venha a ser o candidato. Tanto ele quanto o PFL. ISTOÉ - Se o candidato for o Quércia, por exemplo, ele será “Quércia, o candidato do Sarney”? Collor - No meu entender, o candidato que menos desune o PMDB é o dr. Ulysses; o candidato que mais desune o PMDB é o governador Quércia, sendo que o Ulysses, do ponto de vista eleitoral, é muito mais fraco do que o Quércia. O PMDB terá que jogar com essas variáveis para saber qual a custo/benefício que lhe favoreça. ISTOÉ - O sr. não acredita na Nova República antes mesmo de ela existir, pois votou no Maluf contra o Tancredo, não é? Collor — As atitudes todas que eu venho tomando obedecem a uma profunda coerência. Como deputado federal, eu votei contra os decretos salariais do governo; estive nas Diretas-Já; votei no candidato do meu partido e não fugi assustado para o barco vencedor, que se sabia vencedor dois meses antes das eleições. ISTOÉ — O que pesou mais no seu voto: o partido, o candidato Maluf, o candidato do outro lado, a debandada geral, o presidente Figueiredo? Collor — O que pesou foi o respeito a uma decisão partidária. Quando a gente fala, hoje, sobre por que os partidos se encontram assim, tão sem respaldo, sem confiança, é exatamente por isso: porque as pessoas ingressam em um partido sem terem a preocupação primeira de lerem o seu programa e saberem se estão de acordo, se podem cumprir o seu programa. Então, que prática democrática é essa que só aceita o resultado de uma convenção partidária desde que ela lhe favoreça? Eu cumpri com os meus deveres, em relação ao partido, até o instante, como cumpri em relação ao PMDB. Eu li o programa do PMDB e disse: “Vou cumpri-lo.” Houve a questão da moratória (isso está no programa do PMDB) e eu fui o único governador que defendeu a moratória. Seria muito fácil para mim me associar àquele movimento, no mínimo pouco responsável, de alguns políticos que, enquanto o ministro Funaro negociava fora, estavam tramando a derrubada do ministro aqui dentro, ministro que tinha estabelecido um plano que tanto os ajudou a se elegerem. Na questão do mandato do presidente da República eu fui o único governador que se posicionou, desde o início, por um mandato de quatro anos para os presidentes da República. No dia seguinte à aprovação do mandato dos cinco anos — para a qual concorreu decisivamente o voto do PMDB — eu deixei o partido. ISTOÉ — Quando o ex-ministro Passarinho diz que se o sr. for eleito presidente, ele se manda para o Paraguai, o que é isso? Ele sabe de alguma coisa que ninguém sabe? Collor — Ele não com que se preocupar, porque no meu governo eu vou garantir um julgamento justo para todos. No segundo turno, estaremos os dois melhores: Lula e eu ISTOÉ – Do fundo do coração, o sr. acredita que realmente tem chances de ser presidente? Collor - Sem nenhuma presunção, eu sou o futuro presidente da República. ISTOÉ - De onde vêm esses votos que estão na pesquisa? Collor — É multifacetado, como multifacetada é a sociedade brasileira. É a busca em torno do novo, da renovação, da reforma, da coragem de tomar atitudes, da disposição de enfrentar os problemas. Todos aqueles que de alguma maneira estejam indignados com a situação atual são potencialmente meus eleitores, todos eles. ISTOÉ - Isso pressupõe um voto de protesto. E isso? Collor - Não seria somente o de protesto. O descontentamento será canalizado para aquela pessoa que os eleitores identifiquem com capacidade de amenizar ou acabar com essa sua indignação, ou seja, aquele em condições de resolver os problemas que estão afligindo a nação. Não basta se indignar e eventualmente escolher um candidato que sirva apenas como voto de protesto. Mais do que o voto da indignação, é a confiança que esse voto indignado tem de que aquela pessoa para quem ele foi colocado resolva as questões e enfrente os problemas. ISTOÉ - Então esse voto não iria obrigatoriamente para o Lula? Collor - Pode ir. Eu sempre venho dizendo que o candidato que eu reconheço como reformista, que eu entendo ser um candidato que desperta também a vontade do indignado de votar é o Lula. E por isso que acho que estaremos no segundo turno, o Lula e eu. ISTOÉ – O sr. vai até o fim sem o apoio de um grande bloco partidário? Dá para encarar uma eleição presidencial assim? Collor – Lá em Alagoas, nós tivemos uma coligação de onze partidos. PMDB, PC do B, PCB, PTB, enfim, uma frente muito heterogênea. Deus e eu sabemos as dificuldades que eu tive para conseguir diminuir as arestas, acomodar as diversas tendências, sem que esse bloco se rompesse. Quando você coloca essa questão de fazer um bloco, isso me faz tremer nas bases. ISTOÉ – Agora, esses partidos que estão aí no País de Fernando Collor de Mello, não sobra nenhum. Não sobra o PT? Collor – Depende da prática. ISTOÉ – Mas, digamos, o PMDB é um partido duradouro? O PFL é um partido duradouro? O PDS? Collor – Está é uma pergunta que só o futuro poderá nos responder. Há um fato importantíssimo que está prestes a ocorrer, que é a eleição de novo presidente da República. O novo presidente da República será eleito por 40 a 45 milhões de votos, mais da metade dos eleitores. Ele virá numa onda de esperanças renascidas enorme. Ele será o fato novo. À volta dele deve surgir, naturalmente, um partido fortíssimo, com as migrações que nós sabemos que existem, por essa falta de identificação muito clara entre filiados e partidos. Mas eu não posso realmente afirmar que o PMDB venha a acabar. Esperava-se que o PDS se acabasse logo depois do episódio do Colégio Eleitoral e ele continua aí, e renasceu, com alguma força, sobretudo no Sul do País, na região tida como a mais politizada do Brasil. ISTOÉ – Quem vai ser seu vice, Mário Covas ou Waldir Pires? Collor – O meu vice, acredito, deve ser do Centro-Sul, uma pessoa mais velha do que eu... mas isso fica para depois. ISTOÉ – Você tem um especial preparo físico para a campanha? Collor – Tenho. E bom. Inclusive para suprir a deficiência eventual de companheiros. 4#3 COM QUÉRCIA, O PMDB CRESCE Luiz Inácio Lula da Silva oferece um trailer da sua campanha e explica por que não gosta da ideia do quanto pior, melhor: ele gosta é de eleição por Antonio Carlos Prado, Mino Carta e Nirlando Beirao Em abril de 1989 Lula estava muito mais próximo do líder sindicalista que parou o ABC paulista no fim dos anos 70 do que do presidente da República popular que se tornaria pouco mais de uma decáda depois. Nesta entrevista publicada no dia 12 de abril de 89, o presidente do PT se mostra um candidato ainda atrelado a conceitos ideológicos estanques, apesar de reforçar a todo momento que, eleito, não pretende se tornar uma espécie de ditador socialista à brasileira. Neste momento, quase sete meses antes das eleições, Lula parece não enxergar a força de Collor, ou ao menos procura não transparecer preoucupação com a figura salvadora criada em torno do ex-governador de Alagoas, que meses antes recebera o título de "O Caçador de Marajás". Ao contrário, Lula diz esperar disputar o segundo turno com Brizola e acredita que se o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia disputar as eleições, o PMDB se torna um competidor de peso. Como se veria poucos meses depois, as avaliações do candidato do PT estavam equivocadas. O candidato do PT à Presidência da República, Luis Inácio Lula da Silva, voltou há pouco tempo da Europa e já se prepara para novas viagens, aos Estados Unidos, à União Soviética e à China. Passa por aí, no seu entendimento, o melhor aprendizado como candidato, mesmo que as circunstâncias dos países mais avançados do mundo sejam bem diferentes das condições brasileiras. Esta entrevista é o resultado de um longo papo matinal, concluído com um almoço numa churrascaria de São Bernardo do Campo. O cardápio incluiu frango com polenta e frango à caçadora, e foi regado à batida de maracujá e chope. Ao cabo de um almoço destes, anos atrás, a mulher de Lula, d. Marisa, observou o marido afundado em uma poltrona , em estado semitelárgico, e sentenciou, lapidarmente: “E ainda dizem que isso aí é salvação dos trabalhadores”. Lula, o parlamentarista - "Fui contra na Constituinte, porque era casuísmo" O senso de humor continua vigorando na casa dos Lula da Silva. Por isso, a despeito da candidatura e das experiências internacionais, os hábitos familiares são sempre os mesmos, sem exclusão das preferências gastronômicas. No mais, d. Marisa orgulha-se com toda razão, das fotos que tirou com o Papa. ISTOÉ — O sr. acaba de voltar de uma viagem a Europa. O sr. ainda acha que o Terceiro Mundo é a vítima da exploração dos ricos? Lula— Antes de ir à Europa, eu fui a Cuba, Nicarágua e Chile. Para ser candidato a presidente preciso ter uma noção mais atenta dos problemas do mundo. Ninguém pode negar que o chamado Primeiro Mundo ainda funciona, em certos aspectos, como uma metrópole em relação ao Terceiro Mundo. Mas eu penso que esta não é a única verdade. Por exemplo: a experiência da peãozada dentro da fábrica é de que numa empresa estrangeira frequentemente ganha-se melhor, goza-se de melhores condições de trabalho, vive-se de forma mais decente. Qualquer dirigente sindical vai dizer em alto e bom som que o grande sonho de um trabalhador de uma empresinha é trabalhar numa Volkswagen, numa Mercedes, ou seja, numa empresa multinacional que quase sempre se paga melhor. Lá vai outro exemplo. Digamos, Portugal. Não me consta que explore o Terceiro Mundo, embora tenha sido um país colonizador. A Espanha, também não explora, embora também tenha sido um país colonizador. Agora, a gente percebe que o povo português e o povo espanhol vivem muito melhor do que a gente. Há uma relação de respeito entre as pessoas que a gente não vê no Brasil. Eu acho que ainda há muitos empresários brasileiros que não têm capacidade, ou não querem, defender a sociedade em que acreditam. Vejamos. Uma sociedade capitalista pressupõe uma sociedade de consumo. Por quê? Porque quanto mais consumo, mais emprego, quanto mais emprego mais consumo. Esta é a lógica. Mas há empresário brasileiro afirmando excelência do capitalismo sem praticar o capitalismo. Este empresário, em lugar de investir na empresa, especula no mercado financeiro, aplica em seus bens pessoais, quando não deposita no Exterior. Hoje em dia fica difícil alegar que o Brasil é pobre por causa da exploração dos países ricos. Em parte é verdade, mas só em parte. ISTOÉ — Por quê? Lula– A relação comercial ainda é meio imperialista. A relação comercial entre um país rico e país pobre lembra o tratamento que uma grande loja em São Paulo dá ao coitado que vai comprar pela primeira vez uma televisão. Neste jogo de tênis, o Brasil é o pegador de bolas em cores. No caso da divida externa, por exemplo, o Brasil teria, de qualquer forma, grandes dificuldades para tentar uma negociação inteligente. Agora, é preciso dizer também que isto se deve à nossa fraqueza, à nossa incompetência. O Brasil não joga. Sabe aquele jogo de tênis que tem dois caras jogando e um catando bola? O Brasil é o catador de bola. O Brasil não tem iniciativa política porque não se faz respeitar. Não somente junto aos governos estrangeiros, mas também junto àquilo que eu definiria como o movimento vivo da França, da Inglaterra, da Alemanha, da Itália, da Espanha e de Portugal. A sociedade. A sociedade civil. Sindicatos, universidades, no mundo das comunicações. Por enquanto, nada, nesses setores, pode ser percebido como um sinal de mudança da política brasileira, dos nossos desequilíbrios sociais etc. etc. Na Alemanha, um empresário de Düsseldorf me disse: “Eu não posso admitir que você afirme que a empresa alemã só vai para o Brasil porque a mão de obra é barata.” Bem, a nossa mão de obra é barata mesmo. Mas é engraçado que aquele empresário mesmo pagando aqui um terço do que pague para os trabalhadores lá, ainda paga mais do que muitos empresários brasileiros. Então, eu vou defender dentro do PT que a gente crie um ou dois grupos para ir estudar um pouco mais a fundo o que é o Projeto Europa — 92;.o que está acontecendo nos Estados Unidos e no Canadá; o que está acontecendo no Japão e no mundo asiático. A gente precisa abrir os olhos. ISTOÉ—Quer dizer, o PT precisa aprender? Lula— O PT pode abrir um debate para que o brasileiro compreenda que ele não pode ficar à margem das mudanças que estão ocorrendo no mundo. Por exemplo, é importante dizer que essa união da Europa também tem muito de anticorpo. “Vamos nos garantir contra o Japão e os Estados Unidos”, é isso que eles estão pensando. E o Brasil precisa tomar alguma atitude porque senão vamos ter como parceiro a Etiópia. ISTOÉ— O sr. sentiu na Europa algo que poderia levá-lo a pensar que essa gente gostaria de manter o Brasil em seu atraso? Lula- Na Europa, conversei tanto com um ministro que me conhecia das divergências de 79, quando ele era diretor da Volkswagen na Alemanha, e a gente começou a fazer a greve na Volkswagen, quanto com um dirigente sindical francês que cansou de tomar cachaça comigo em São Bernardo e hoje é ministro de Mitterrand. Conversei com muita gente e não exclusivamente com amigos. O que sinto foi que todos estão convencidos da importância do Brasil, quer dizer, acham que este pais poderia ter um papel mais destacado na política internacional, nas discussões da ordem econômica. A gente sente que eles acreditam nisso. De verdade, eles não entendem por que o Brasil não sai do lodo. Agora eles sabem que a fuga de capitais no Brasil passa dos USS 30 bilhões. Ouvi esta cifra de autoridades da Suécia, Alemanha, França e Itália. Ouvi do Felipe González. Eles argumentam: “O Brasil precisa investir no Brasil. Vocês não podem ficar pedindo ao mundo que ajude vocês quando o capital de vocês está saindo para banco internacional.” ISTOÉ- Falando de dívida externa. Para o cidadão comum, uma negociação bem-sucedida só teria sentido se o País amadurecesse e se o governo fosse sério. Caso contrário, que vantagem há em reduzir os juros da dívida? Que garantia temos de que o capital poupado seria aplicado honesta e inteligentemente no Brasil? Lula- Nós estamos chegando ao limite, de fato. O prejuízo de não pagar é igual ao prejuízo de pagar. Em todo caso, o desenvolvimento é impossível se temos de desembolsar mais do que ganhamos. Mas o mundo parece preocupado com essa questão da dívida externa, até porque as pessoas se dão conta de que pode acontecer no Brasil o mesmo que aconteceu na Venezuela, só que em escala muito maior. Temos ai à ideia do Plano Brady. Há uma proposta do Mitterrand: um pool de bancos adquiriria a dívida pelo valor do mercado secundário e renegociaria a partir daí. Há gente do governo italiano e do próprio movimento sindical achando que o Brasil é pouco esperto. Ao invés de ficar brigando pela Amazônia, deveria utilizar esse debate extraordinário que está acontecendo no mundo para tirar proveito e discutir a dívida externa em patamares mais favoráveis. Eu disse por lá que se é verdade que a Amazônia é o pulmão do mundo, é verdade também que a dívida externa é a pneumonia. O governo Sarney faz sua demagogia nacionalista, mas me parece que poderia tirar proveito de um debate sobre a Amazônia com uma certa tranquilidade. Eu não tenho experiência de negociação diplomática, tenho experiência de fazer greve. E eu sei como é que a Volkswagen conversava comigo, dependendo do nível de organização que eu tinha. Quando eu estava mal-organizado, ela batia mais, quando eu estava bem-organizado, eu apanhava menos. Pode até negociar em bases bem favoráveis. Sarney quer transformar a Amazônia na nossa Malvina ISTOÉ— O sr. não é nacionalista nesta questão da Amazônia? Lula- Olha, é bem capaz que o Sarney, mesmo não sendo general, queira transformar a Amazônia nas Malvinas do Brasil. Quer dizer, em nome do nacionalismo, ele poderia imaginar que dá para convencer o povo e uni-lo na defesa de um território que é falsamente brasileiro, porque já tem tanta multinacional lá....Eu li uma revista italiana que publica uma lista de multinacionais estabelecidas na Amazônia, a lista não acaba mais. Também sabemos que na Amazônia uma área de 260 mil quilômetros quadrados, equivalente a quase todo o território da Itália, está nas mãos de 18 proprietários, no meio tem até uma empresa japonesa. O mundo não quer tomar a Amazônia, até porque em parte já tem. De resto, não vi um único governo ou um único movimento na Europa que fale em internacionalizar a Amazônia. O que eles querem é que a Amazônia não seja destruída. Me dá pena que a direita ainda pense em Jânio Quadros ISTOÉ- O sr. acha que os governos brasileiros acabam envergonhando o Brasil? Lula- Nesse plano da negociação internacional nós temos mesmo algumas experiências tristes. Um dia o Maluf viajou ao Japão com um grupo de empresários e o mundo foi informado que as pessoas da comitiva roubaram pérolas umas das outras. Receberam de presente ostras com pérolas, e as ostras sumiram. No tempo das viagens do presidente Figueiredo, a notícia do dia seguinte à volta dava conta de que o pessoal entrava trazendo equipamentos para montar uma rádio. Ou seja, contrabando oficial. Hoje, Sarney para fazer uma viagenzinha vai em dois aviões, como se, dando crepe no alto, o outro socorresse. Comportamento assim é que deixa o Brasil pequeno. Nesta viagem que a gente fez, os motoristas das embaixadas logo iam perguntando: ‘Qual é o dia em que vocês vão fazer turismo?” E, como não tinha dia de turismo, eles ficavam estranhando. E algo que me deixou muito orgulhoso foi à carta de um embaixador – prefiro não dizer o nome. Ele fez questão de passar para o papel: “Vocês foram primeira coisa séria que aconteceu por aqui.” ISTOÉ- Há dez anos surgia o PT, que hoje concorre com chances para a Presidência. O sr. esperava por isso? Lula- Dez anos é um tempo muito curto na vida de um partido como é curto na vida de qualquer coisa. Depois da frustração de 82, quando cheguei a imaginar que tinha chance de me eleger senador, eu cai na realidade e resolvi investir mais em médio prazo. Ou seja, seria preciso ter um trabalho de maior consolidação, embora o partido devesse sempre participar de todas as eleições. Mas eu já não via as eleições como a coisa principal, eu achava que o trabalho de organização do partido era a coisa mais importante. Ocorre que hoje as circunstâncias de certa forma favorecem o PT. Enquanto o PMDB mostrou todas as suas contradições, o PT mostrou coerência. É o confronto que começa promovendo o PT. Para nós teria sido muito mais cômodo ir ao Colégio Eleitoral, para dizer, em vez de “diretas-já”, e “mudança-já” e “muda com Tancredo”. Mas, o que dizíamos no PT? Dizíamos que o leque de alianças feito em torno de Tancredo não iria proporcionar qualquer mudança, porque os compromissos assumidos eram enormes. Agora já sabemos que foi assim mesmo, não há mais dúvidas a respeito. Enfim, o tempo nos deu razão. Este tipo de firmeza de propósitos, que, por exemplo, levou o PT a optar pela posição mais incômoda há quatro anos, fortalece muito o partido. Eu tenho clareza das dificuldades que nós vamos ter numa campanha, eu tenho clareza da fragilidade econômica do PT. Mas também tenho clareza da fragilidade dos adversários. E reparem, para mim não é motivo de alegria, não, verificar que a direita, 25 anos depois do golpe, só é capaz de pensar em um candidato chamado Jânio Quadros. Em todo caso, graças a tudo isso, o PT é o partido mais consistente em termos de militância. Claro que não estamos organizados em todos os municípios, mas o grau de fidelidade, de convicção, de um militante do PT não se compara com a de qualquer filiado a qualquer partido. Não é por acaso que nas últimas eleições ganhamos em São Paulo, Porto Alegre, ABC etc. etc. Agora, o PT sabe que essas vitórias aumentam a nossa responsabilidade. Vamos ter de provar que temos competência de atender és reivindicações que fazíamos quando éramos oposição. Eu brinco sempre com o pessoal do partido: o jeito é não fazer reivindicações absurdas, porque depois a gente vai ter de cumpri-las. ISTOÉ- E a prefeita Luiza Erundina está cumprindo? Lula- Eu acho que ela vai cumprir. Não preciso lembrar as divergências que eu tinha antes das eleições. Agora, a Erundina é uma companheira de muito caráter e eu penso que ela vai fazer uma ótima administração. ISTOÉ– Há quem diga que o PT também é uma frente, como o PMDB. Dentro dele se abriga um número muito grande de grupos, de facções, de movimentos. Lula- É verdade. Mas eu acho que é melhor que estejam dentro do PT do que em outro partido político. Nestes dez anos de PT, aprendi a conviver dentro da diversidade. Isso pode soar estranho para alguns amigos meus, mas eu acho que a existência desses grupos, embora crie divergências, discussões muito ásperas, brigas e tudo mais, acaba sendo benéfica para o partido. Por isso o PT não cai no imobilismo. Se o Lula fosse um caudilho, que baixasse ordens, decretos, leis, medidas provisórias, e os petistas apenas obedecessem, teríamos toda chance de virar um partido comum. Essa riqueza de debates no PT às vezes cansa, mas enriquece o partido. Esse gênero de divergência eu já fomentava no sindicato. O pessoal de esquerda é o mais sectário, mas é útil, porque apontam para onde você não deve ir. Às vezes, você descobre logo que não vale a pena dar ouvidos a esses companheiros – em compensação, eles não deixam que você caia no oposto. Esquerda sectária é útil porque mostra onde você deve ir ISTOÉ- Quer dizer que o sr. é do PT que não ocupa a fábrica? Lula- As fábricas começaram a ser ocupadas em São Bernardo... ISTOÉ- Certo, mas hoje em dia... Lula- Nós começamos a ocupar as fábricas porque era a única possibilidade que tínhamos de não apanhar da polícia. Essa tática de ocupação de fábrica começou pela Fiesp. A partir do êxito da greve de 78, a Fiesp produziu um livrinho para orientar os empresários: que quando os trabalhadores saíssem da fábrica eles deveriam fechar os portões e colocar a polícia lá dentro. Em 79 fizemos greve em São Bernardo do Campo, os trabalhadores saíram e a Volkswagen foi ocupada pela polícia. Então, a gente decidiu ficar de vez dentro da fábrica. Primeiro, você evita o furador de greve. Ninguém ousa ir trabalhar se você estiver dentro da fábrica, ocupando a fábrica. Ao mesmo tempo é uma garantia contra a polícia, contra a provocação e contra a cachaça. ISTOÉ— Tudo bem, mas 89 é diferente de 79. Hoje, o certo é fazer greve fora precisamente para impedir a intervenção da polícia. Já se você ocupa a fábrica, você dá chance para a polícia aparecer. A situação se inverteu, não é mesmo? Lula— Eu concordo. Tanto que nós brigamos como desgraçados para aprovar na Constituição o texto tal como está. Ainda assim, tem muitas autoridades e muitos empresários que ainda não amadureceram para o entendimento de que a grave é um direito de todo cidadão. Luis Antônio de Medeiros é um surfista do movimento sindical. ISTOÉ— Que tal o chamado sindicalismo de resultados? Lula— Já faliu. O sindicalismo de resultados foi criado pelo jornal O Estado de S.Paulo, pelo Afif Domingos, e por um assessor do Luís Antonio de Medeiros, um lua-preta, um cientista político. Tudo bem, tudo previsível. Quando eu fui cassado, esse mesmo cientista político teve uma conversa com o presidente do sindicato dos eletricitários, o Magri, e comprometeu-se a transformá-lo num novo Lula. Parece que no começo trabalhava com o Joaquinzão, mas o botou na rua. Então ele foi trabalhar com o Magri, e depois com o Medeiros, quando ele ficou com a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Eles passaram a se reunir com o Afifi para definir na Constituinte uma linha de combate contra a aprovação da estabilidade, 40 horas etc. Nesse tempo o Luis Antônio aparecia no Bom Dia Brasil da Globo, toda hora, para dar pau na Constituinte. Eu até mandei uma carta para a direção da Globo, uma vez, dizendo que tínhamos notado uma coisa: o trabalho da Comissão de Sistematização terminava às 3h da manhã e poucas horas depois o Luis Antonio estava no vídeo comentando o resultado sem ter assistido ao final da votação, enquanto nós tínhamos 12 sindicalistas do melhor nível que tinham ficado até o encerramento da sessão. No mínimo, um deles deveria ser chamado. No outro dia mandaram chamar-me para ir no programa Bom Brasil. Depois que terminou a Constituinte, surgiu aquela historia do Pacto Social. E Luis Antonio apostou alto no Pacto Social. E como não deu certo o Pacto Social, então ele tirou rapidamente o time de campo. Mas ele já aparece para a sociedade como a figura em busca de uma boa onda. É um surfista do movimento sindical. O Luis Antônio passa 24 horas por dia na porta da fábrica dizendo para o trabalhador que tem de lutar por melhores condições de vida. Ai, chega no dia das eleições, ele vai trabalhar para o dr. Antônio Ermírio de Moraes. ISTOÉ— O sr. está dizendo que Medeiros não tem coerência. Mas o PT tem. Quer dizer que, se o sr. for presidente, seu governo será socialista. Lula- De saída, quero deixar bem claro que os gestos são mais importantes do que os discursos. Agora, a questão do socialismo. O PT já deu um passo adiante. Quando nós fizemos a última reunião do Diretório Nacional acertamos que uma casa não se constrói a partir do teto, mas a partir dos alicerces. O programa do PT é socialista, o socialismo é o objetivo final do partido. Mas como candidato a Presidência não tenho de apresentar o meu projeto de socialismo, eu tenho de apresentar o meu projeto de governo. E em meu projeto de governo não cabe socialismo por decreto-lei, mas cabem medidas destinadas a combater a fundo a fome deste país. Acabar com a fome de 45 milhões de brasileiros, isto sim seria uma verdadeira revolução. Uma revolução num país com o dobro de habitantes que a Argentina, igual à Espanha e Portugal juntos. É isso que nós vamos mostrar para a sociedade. Nós vamos elaborar um programa de governo, com ênfase em pontos muito importantes. Por exemplo, a reforma agrária. Meu programa de governo não vai confundir-se com o programa do PT. Nós precisamos tirar a reforma agrária do debate ideológico entre os defensores da propriedade privada e os defensores da coletivização da propriedade. Faz cinco séculos que a questão está encruada. E o Brasil não pode ficar tendo como única experiência da reforma agrária as Capitanias Hereditárias. Nós temos de mostrar que só tem sentido discutir a reforma agrária se a gente tiver competência e condições para discutir também uma política agrícola capaz de satisfazer a milhares de pequenos produtores que hoje têm medo da reforma agrária porque pensam perder nela, tomados à força, seus cinco hectares, seus dez hectares, seus 200 hectares. Temos de dizer que nisso não vamos mexer. Nós temos de dizer onde é que nós vamos mexer e por que que vamos mexer. Mas, ao mesmo tempo, é preciso convencer a sociedade de que nenhum país do mundo consegue desenvolver-se se não houver uma política justa de produção agrícola a qual exige por sua vez uma reforma agrária. No programa de governo não vai caber a discussão sobre tipos de socialismo, mas uma proposta realista de solução para os nossos problemas. Por exemplo: que tipo de projeto educacional o PT traz para um país cujo índice de analfabetismo cresce enquanto diminui, quando não desaparece, no mundo todo. Estamos com 31 milhões de analfabetos. Para acabar com 31 milhões de analfabetos tem de haver uma revolução também na educação. E não vai ser com o programa Minerva. Não me perguntem agora qual é a minha proposta a respeito, neste exato instante. Eu não tenho proposta, porque não sou especialista em educação. Mas outro dia eu fui para um debate e estavam lá Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso e o ex-governador Montoro. Um debate sobre meio ambiente. Covas abriu uma pasta e começou a falar sobre a camada de ozônio e o efeito-estufa. Eu pensei comigo: deve haver no mínimo uns cinco mil professores universitários que sabem destas coisas de cor e salteado. Agora, a camada de ozônio e o efeito-estufa são questões que o Brasil não vai resolver, mas o que depende de nós é o gás que está poluindo São Paulo. As pessoas ficam tristes porque estão queimando a Amazônia e está muito certo que fiquem tristes, mas ninguém se incomoda com a miséria e o atraso que estão debaixo de seus olhos. Temos pena dos jacarés e não de 365 mil crianças que morrem por ano neste país. ISTOÉ- Há quem diga que o sr. não está preparado para ser presidente. Lula- Eu acho que tem muita gente com muito mais capacidade do que eu. Não nego e não negarei, mas não vou deixar de ocupar meu espaço. Pela primeira vez, vou poder ser candidato com televisão à minha disposição pelo menos três minutos diários. Eu fui candidato em 82 e não tive televisão. Eu tenho dito para o pessoal do PT o seguinte: não se preocupem. Tem muita gente mais capaz do que eu, mas vou ocupar meu espaço tanto com o resultado eleitoral, bem mais com a quantidade de adubo que a gente está colocando essa sociedade. Quanto a mim, quero desmistificar a figura do candidato. As pessoas, quando escolhem um candidato, querem um misto de ginecologista, pediatra, otorrino, ortopedista, cientista nuclear, ecologista, artista etc. etc. Leio nos jornais que, segundo o Brizola, o povo está precisando de um Moisés, profeta e guia. Eu não estou preocupado em ser profeta ou guia. ISTOÉ- Há quem diga que o maior problema do projeto do PT está em seu propósito de estatizar tudo, ou quase. Lula- Não é segredo: somos favoráveis a que educação, saúde, transporte e setores estratégicos, como o de energia, estejam nas mãos do Estado. Agora, o que nós temos de discutir dentro do PT, são os caminhos dessa intervenção. Será por decreto-lei, dizendo o seguinte “a partir do dia 15 de março de 1990 toda escola será pública”. Ai, eu pergunto: o Estado tem condições de dar resposta a isso? Ele está estruturado para tanto? Não. Penso que tenha de se estruturar primeiro. Cabe ao Estado aparelhar-se para que as pessoas não se sintam obrigadas a ir para a escola particular. Ou seja, o dia em que o Estado oferecer uma escola pública decente, você não vai mais precisar colocar seu filho em uma escola particular. E o que acontece, por exemplo, nos países da comunidade europeia. Aliás, já houve tempo em que também acontecia aqui: quando a escola pública é boa, o rico quer estudar nela. Basta ver as faculdades brasileiras. Já para os trabalhadores sobram às universidades noturnas, pagas. ISTOÉ- Os seus filhos estudam em escolas públicas? Lula— Estudam. Eu vou dizer para vocês, me ofereceram até bolsa de estudos para meus filhos para estudar em escola paga, mas eu sou contra. Eu sei que eu estou levando desvantagem, porque amanhã meu filho poderá até me cobrar porque o nível da escola pública não permite que dispute vaga na universidade em condições de igualdade, com quem estudou em escola particular. Mas que fazer? Prevaleceu o princípio. Em todo caso, o que disse sobre educação, vale também para a questão da saúde. Você não pode falar em estatização da saúde pura e simplesmente, se você não falar em melhorar as condições de atendimento. O Estado tem de dar um padrão decente, igual para todo mundo. Se, a partir daí, alguém tiver dinheiro e quiser pagar mais no hospital particular, que pague. Este também é o sistema de inúmero países capitalistas. O problema é que no Brasil o Estado foi sempre um péssimo administrador. Por exemplo: ainda não se viu uma estatal administrada de forma transparente, democrática. As nossas estatais são ineficientes. Salvo raras exceções. ISTOÉ- Quanto ao socialismo do PT, não é possível que, à medida que o tempo passa, vá ficando, digamos assim, menos tradicionalista? Quando a escola pública é boa, o rico quer estudar nela. Mudou por exemplo o programa do Partido Comunista Italiano, que era um partido proletário e revolucionário e que hoje é um partido social-democrata. Lula- Eu sonharia que pudéssemos comparar o Brasil com a Itália do ponto de vista da qualidade de vida, do alto grau de liberdade daquele povo. Mas é tão primitiva nossa situação de distribuição de renda, que é complicado demais discutir qualquer coisa em comparação com a Europa. Do ponto de vista social, nós estamos, no mínimo, 50 anos atrasados. Um programa social democrático, por aqui, já é revolucionário. ISTOÉ— A Europa levou dois mil anos para chegar onde está hoje. Mas aqui as coisas podem assumir outro ritmo. O PT virou partido em dez anos. Lula— Certo, o Brasil pode andar depressa e é bem possível que, dentro de pouco tempo, o debate seja outro. Sabe qual é a minha vontade de viajar para a União Soviética‘? É porque eu quero conhecer de perto. Eu gostaria de passar bom tempo visitando os países socialistas. Porque eu não quero discutir o socialismo apenas do ponto de vista teórico. Não posso mais discutir na base do sonho. Por que, de repente, o Gorbachev pira a cabeça de todo mundo com a perestroika? Por que na China há mudanças? Será porque os governos estão virando capitalistas, traidores do socialismo? Será que é isso ou será que a realidade política e social obriga as pessoas a se afastarem das lições do livro? ISTOÉ— O sr. já se imaginou entrando no Palácio da Alvorada juntamente com d. Marisa e a filharada? Lula- Primeiro, eu não sei se é necessário ir para lá. ISTOÉ- Se não for para lá, terá de ser para algum lugar bem parecido. Lula- Acho que interessa mesmo é ter a consciência de que se trata de governar a oitava economia do mundo. Um PIB enorme num país marcado pelas suas maiores desigualdades sociais. Somos o quarto exportador de alimentos e o sexto em desnutrição. Eu acho que estou preparado, tenho esta consciência. Além disso, eu só posso comparar-me aos que me antecederam. ISTOÉ- Por que os conservadores estão preocupados? Lula- Mas conservar o quê? A sociedade está precisando é de mudanças, e mudanças substanciais. O Brasil não pode terminar o século na bancarrota. É preciso que volte a adquirir esperança e perspectiva. Nós já vivemos melhor do que nós vivemos hoje. Em 1973, eu, torneiro-mecânico da Villares, pude comprar um TL. O TL era o carro do ano, em São Bernardo e no Brasil. Em 1988, com o salário de torneiro-mecânico, eu não compro a tampa de motor de um Fusquinha. Em 69, eu construí uma casa, nada de especial, quarto, sala e cozinha. No ano seguinte acrescentei um quarto. Em três anos, tive uma casa de verdade. Hoje, 20 anos pagando prestação do BNH, o cara não tem uma casa. O ódio do povo não equivale a alto nível de consciência política ISTOÉ- O sr. diz que é difícil a comparação com países europeus. Mas concordaria com a ideia do atual secretariado do Partido Comunista Italiano, de que o tempo dos revoluções terminou? Lula- Tive uma conversa de uma hora e meia com Achille Occhetto, secretário do PCI, e não tenho dúvida de que, se eu fosse italiano, seria do Partido Comunista. Pela clareza, pela competência, pela capacidade. Agora, é outro mundo. ISTOÉ- O PT é um partido revolucionário? Lula- A existência do PT no Brasil é um ato revolucionário. É revolucionário eleger, por exemplo, mais de 300 vereadores camponeses. ISTOÉ- Eleição não é revolução. Lula— Uso a força da expressão. Acho que no próximo 15 de novembro o povo tem a clareza de fazer a revolução pelo voto. Agora, se os poderosos do Brasil não tiverem consciência da necessidade urgente de mudança, o que aconteceu na Venezuela pode ser fichinha. ISTOÉ - O sr. gosta da ideia de quanta pior, melhor? Lula- Não gosto nem um pouco. Se gostasse não seria do PT e não seria candidato. Eu gosto é de eleição. E gosto da oportunidade que o povo tem de mostrar nas urnas que amadureceu. Mas que fique claro, eu não confundo ódio com consciência. Eu acho que o povo brasileiro carrega ódio represado. Isso não significa ainda um alto nível de consciência política. O partido, qualquer partido, é importante se oferece orientação a setores desorientados. ISTOÉ - As Pessoas teriam de votar na sua candidatura por que é de esquerda? Lula- Não é isso. E sobretudo porque pertenço a um partido político que tem um programa e coerência para cumprí-lo. O partido tem de ser o responsável, então o povo terá a quem cobrar. ISTOÉ - O sr. acha que hoje no Brasil já é possível votar em partido e não no candidato? Lula- Não, eu acho que ainda se vota na pessoa. Mas a situação ideal é a outra. Na minha opinião, o Brasil só será lindamente democrático quando os partidos apresentarem listas e o povo não tiver de escolher o homem. ISTOÉ - Mas isso é parlamentarismo. Lula— Eu sou parlamentarista. O parlamentarismo é a forma mais democrática de governo, é a forma que aproxima mais o povo do poder, ou o poder do povo. Por que eu votei contra o parlamentarismo na Constituinte? Primeiro, porque havia uma decisão partidária. Segundo, porque eu não podia votar no parlamentarismo apenas como recurso para neutralizar o Sarney ou para colocar o Ulysses de primeiro-ministro. Mas eu já disse a meu partido que sou parlamentarista e vou brigar para que o PT, em 93, apoie o parlamentarismo. ISTOÉ - Parece que o sr. não tem dúvidas de que chega ao segundo turno da próxima eleição. Quem será então o adversário final? Lula- Eu preferia que fosse o Brizola, para que a disputa se desse no campo do lado progressista. Mas a gente não pode menosprezar o PMDB, principalmente se o candidato do PMDB for Orestes Quércia. O PSDB é uma sala de aula cheia de professores, falta é aluno ISTOÉ- E Jânio Quadros? Lula- Eu não tenho preocupação com Jânio Quadros, apesar de muita gente: dizer: “Cuidado, o velho é experiente.” Sinceramente, acho que a última do Jânio foi à eleição para a prefeitura mesmo, porque ele realmente não disse a que veio. ISTOÉ- E Mário Covas? Lula- Eu brinco muito com os companheiros tucanos. O PSDB é uma sala de aula cheia de professores, mas sem alunos. O Mário Covas é uma pessoa da mais alta integridade moral e política, é um homem de palavra. Agora, em política não basta ser bom, é preciso ter um partido político atrás, e o Covas não tem. Acho difícil à campanha do Covas, a não ser que haja amplos setores de esquerda do PMDB dispostos a apoiá-lo. ISTOÉ- O sr. gostaria de disputar com Leonel Brizola. Ele está criticando muito o PT, não é mesmo? Lula- Brizola está estrategicamente equivocado. A não ser que ele esteja convencido de que o PT vai ganhar o primeiro turno e que ele tem de disputar com o PT de saída. Em todo caso, pelo menos nesta primeira fase, nós não vamos hostilizar o Brizola. Nós vamos tentar primeiro ver qual é o quadro à direita. Definido, esse quadro, nós poderemos mergulhar no debate com os candidatos da direita para cogitar de Brizola somente depois. 4#4 CONTRA TODOS E NINGUÉM O tucano Mário Covas só quer ganhar as eleições presidenciais com a força dos ideais do seu partido por Jorge Caldeira, Mino Carta e Nelson Letaif O ex-governador de São Paulo Mário Covas era o nome de consenso dentro do PSDB para assumir o posto de candidato à Presidência da República em 1989. Depois de desempenhar papel de destaque na Constituinte e de liderar a debandada do PMDB para a criação do PSDB, ele se apresentava como uma espécie de conciliador nacional, o nome que "não estava contra ninguém", mas que se propunha a apresentar "algo concreto" para a criação do novo Brasil que recém entrava no período de redemocratização. Tudo lindo, não fosse o fato de que sua candidatura não decolava nas pesquisas, assunto que lhe causava certa irritação. "Estatisticamente, o levantamento de opinião pública, a pesquisa de opinião pública é, cada vez mais, uma ferramenta de campanha", disse. A candidatura do senador Mário Covas é uma das poucas já colocadas que não sofrem torpedeamento dentro do próprio partido — O PSDB está fechado em torno de seu nome. Por essa razão, Covas pode concentrar esforços na busca de um arco de apoios externos que viabilizem sua empreitada. Nos últimos dias ele intensificou contatos com políticos e empresários, ao mesmo tempo em que aumentava suas aparições na televisão, rádio e jornais. Covas se mostra confiante quanto às chances de sucesso de sua candidatura e ri diante dos comentários de que ela não consegue decolar. Eleições recentes estão aí para mostrar que nem sempre quem sai na frente chega em primeiro. Covas - Se escolhido, Ulysses já sai em situação difícil ISTOÉ — O sr. costuma ser apresentado como candidato de centro-esquerda. É essa, inclusive, a definição da própria imprensa. Mas o sr. se considera um candidato válido contra o monstro Brizola, ou seja, contra os candidatos ditos de esquerda? Covas— Eu tenho uma aspiração um pouquinho maior do que essa. Eu acho que este país está complicado demais para alguém se colocar como candidato contra alguma coisa. Eu já estive em algumas reuniões em que a preocupação básica se encaminhou nessa direção: “Mas, afinal, quem é que vai ganhar do Lula e do Brizola?” Como se ganhar do Lula e do Brizola fosse uma tarefa de salvação nacional. Nós estamos é tentando apresentar uma proposta concreta, uma proposta clara, expondo o que a gente pretende fazer se o povo nos der essa delegação. Temos isto, é certo, uma proposta progressista, que tem como objetivo não se colocar contra Lula ou contra Brizola, mas impor-se como a melhor entre todas as concorrentes. ISTOÉ — Aparecem notícias nos jornais dizendo que Antônio Ermírio de Moraes o apoiaria, que o Olavo Setúbal estava do seu lado. Depois estas informações foram desmentidas. Que há de verdade nessa história? Covas — Eu não sei. Realmente não gostaria de falar por quem quer que seja, a não ser por aqueles que, sendo membros desse partido chamado PSDB, hoje se apresentam juntos para concorrer às eleições. Sobre o empresário Antônio Ermírio sempre cito um fato. Vinte dias depois de assumir a prefeitura de São Paulo, estava no meu gabinete, na companhia de um repórter. Era mais ou menos meia-noite e eu recebi um telefonema do administrador de São Miguel, que me dizia que o bairro chamado Vila Nitro Operária, um bairro de mais ou menos cinco mil residências, estava inundado pelo Tietê. Lá na origem, quando a Nitroquímica, empresa do grupo Votorantim, foi construída, passava por debaixo da fábrica uma galeria oval, de mais ou menos uns oito metros de diâmetro, por onde ficava canalizada uma corrente de água de vazão mínima, que hoje se transformou em uma coisa caudalosa chamada Córrego de Itaquera, que deságua no Tietê. Hoje o Itaquera nasce lá na Cohab Tiradentes, e só ali recebe um metro cúbico por segundo de esgoto. É provável que aquela galeria originária fosse suficiente para impedir tragédias, mas já não era quando assumi a Prefeitura e, além disso, lá havia outros pontos de enchentes: um na passagem da estrada de ferro Santos-Jundiaí, a 800 metros a montante da passagem da Nitro, onde havia uma ponte feita com vigas não invertidas, de maneira que acabou virando uma verdadeira barragem. Lembro-me de um cidadão do bairro que tinha o costume de dormir com uma mão para fora da cama, de forma que quando a enchente vinha ele acordava com a mão encharcada. Mas naquela noite a inundação cobria o bairro inteiro. Eu convidei os engenheiros da Nitro para uma reunião, no dia seguinte, no meu gabinete. Concluímos, numa primeira avaliação, que íamos precisar de 40 metros dentro da Nitro para abrir um canal; mas, ao final da reunião, eu, pouco satisfeito com o resultado, embora não tivesse sido decepcionante, resolvi telefonar para o Antônio Ermírio, com quem, nessa época, tinha pouca relação pessoal. Quatro dias depois, ele assinou com a Prefeitura um contrato de comodato cedendo os 40 metros por 40 anos, de graça, o que implicou inclusive a derrubada de certas edificações que havia no caminho. Eu achei que ele tinha manifestado, naquele instante, uma visão social muito clara. Para mim, em particular, a questão teve uma solução muito satisfatória, porque foi a primeira grande obra de conteúdo social que eu pude fazer no início da administração. Depois o Antônio Ermírio foi candidato a governador. E vou fazer um vaticínio: acho que não esgotou a sua vida política, porque alguém que teve a votação que ele teve acaba sendo novamente convocado, de uma forma ou de outra, a participar do processo eleitoral e político. Mas a verdade é que há cerca de um mês começou a se falar na sua candidatura à Presidência. Eu devia a ele um encontro, e até um agradecimento, por causa de referências que ele havia feito a respeito da minha candidatura. No domingo anterior, eu fui a Araguaína e fui a Imperatriz, no Maranhão, e antes de sair tive oportunidade de falar com ele pelo telefone para acertar que, assim que voltasse de viagem, eu o procuraria. Nesse intervalo, durante a semana, ele desistiu formalmente da sua candidatura. Independente disso, em companhia de José Serra, que é o presidente do partido aqui em São Paulo, no sábado, 18, fiz uma visita a ele. Fomos trocar ideias sobre a situação política em geral, não se falou em apoios eleitorais. ISTOÉ — Mas o senhor apreciaria o apoio de Antônio Ermírio? Covas — É evidente. Vejo até, nas pesquisas que os jornais publicam, que há urna certa superposição de intenção de voto na candidatura dele e na minha. De forma que o apoio dele seria um reforço eleitoral inegável. Portanto, seria bem-vindo. ISTOÉ — E quanto a Setúbal, de onde saiu a história da sua adesão? Covas — Não sei. Não faz muito tempo, fui um jantar de que também participava o Dr. Olavo, e fui levado a colocar os meus pontos de vista, como ocorre normalmente com quem é candidato. Estive conversando com ele. Acho que o Dr. Olavo, na sua passagem pela Prefeitura de São Paulo, deixou algumas marcas positivas. Eu, por exemplo, tive a oportunidade e a possibilidade de intervir no transporte coletivo, em determinado instante, quando os empresários tentaram impor aumento de tarifa pela ameaça de diminuírem 20% da frota. Mas havia um contrato assinado, no tempo dele, que me permitiu entrar na Justiça e ganhar a briga. ISTOÉ — Sabe-se de um estudo feito pela FIESP, no qual o senhor é apontado como um candidato aceitável e, mais que isso, simpático. Covas — Eu sei que a FIESP fez um estudo, destinado à moldura para ver quem é que cabia dentro dela. Parece que eu tenho algumas das qualificações que o estudo determinava e, portanto, poderia ser enquadrado como um candidato com possibilidades de sucesso. ISTOÉ — Mas parece que o sr. se irrita muito quando se diz que a sua candidatura não decola. Como é que o sr. faz a análise deste momento da candidatura em relação às outras, que já estão na rua? Covas — A resposta a uma pergunta dessas sempre soa como uma desculpa. Quando alguém é obrigado a explicar as coisas já começa mais fraco do que deveria. Eu precisaria que a gente definisse o que é decolar. Se decolar é aparecer em primeiro lugar nas prévias, eu não estou em primeiro lugar nas pesquisas de hoje, como a Erundina não estava na última eleição, como o Quércia não estava em 86, como muitos outros que ganharam eleições. Eu acho que essa eleição, a despeito de ser nacional, e também por causa disso, e por ser uma eleição solteira, vai ter no período de 35 a 45 dias antes da eleição o seu período de pico. Isso já aconteceu nas eleições municipais. Mas veja que estas eleições ocorreram em todos os municípios brasileiros e com enorme tipo diferente de alianças. Se você pegar a região da Grande São Paulo, é muito provável que em dois municípios não se encontre o mesmo tipo de aliança. Agora não, agora nós temos um primeiro turno em que você terá oito ou dez candidaturas com oito ou dez propostas, marcando oito ou dez partidos – e isso será a única marcação que será feita ao longo do tempo. Isso me parece que, primeiro, favorecerá a sedimentação de natureza partidária, em segundo lugar, favorecerá a diferenciação, ainda que por nuances, das propostas colocadas. E acho que será nesse instante que efetivamente a comunicação avançará a um nível capaz de produzir o quadro definitivo. Eu nem sei se o quadro definitivo me será mais favorável, naquela altura, do que é hoje; pode até ocorrer de não ser, mas pode ocorrer exatamente o contrário. Hoje nós temos a fotografia do instante. Estatisticamente, o levantamento de opinião pública, a pesquisa de opinião pública é, cada vez mais, instrumento, uma ferramenta de campanha, mas é evidente que ela só pode ter significado se observada de forma dinâmica, ao longo da campanha; não tem um grande significado quando colocada instantaneamente. Que significaria decolar? Como analisar, por exemplo, a candidatura do PMDB, que sequer está colocada? Que quer dizer decolar? O candidato do PMDB sequer existe... ISTOÉ — O senhor não acha que houve um momento que sua popularidade alcançou um patamar bem mais nítido e elevado do que as suas cotações atuais? Covas — Concordo, houve um instante de visibilidade maior. Quando participei da liderança de uma luta pelos quatro anos de mandato do Sarney. Até pela função que eu ocupava, na liderança do maior partido na Constituinte. Todas as negociações se davam em volta gabinete da liderança, por motivos óbvios. Não era nem pela minha qualificação pessoal, mas porque as coisas eram assim. ISTOÉ — O que o derrotou depois? O “centrão”? Covas — Acho que não. O “centrão” acabou provando, no período subsequente, algumas coisas que eu defendia e que a realidade demonstrou verdadeiras. Eu sustento, ainda hoje, que o trabalho realizado pela Comissão de Sistematização era de melhor qualidade que aquele que saiu do plenário, no final. ISTOÉ — Mas não foi o “centrão” que acabou tomando conta da Constituinte? Covas — Não. O “centrão” nunca chegou a tomar conta da Constituinte em toda a fase de negociação. Eu acho que o resultado básico da Constituição foi o trabalho de negociação feito ainda sob o comando da liderança do PMDB durante toda a votação do primeiro turno, complementado posteriormente, já comigo fora do PMDB, no segundo turno. Quanto ao “centrão”, acabou por deixar claro que não tinha a potencialidade necessária para fazer uma Constituição. Apresentou oito emendas, cada uma delas a um dos títulos da Constituição. Só que, quando convocado a honrar essa apresentação, não foi capaz de traduzi-la em votos. ISTOÉ — Mas na questão dos quatro anos a presença do “centrão” foi fatal. Covas — Eu acho que na questão dos quatro anos o que foi fatal não foi o “centrão”. Foi a presença de governadores do PMDB, foi a presença de Ulysses, a favor dos cinco anos. Mas houve gente dentro do “centrão” que votou pelos quatro anos. ISTOÉ — A gente se pergunta, hoje, se não está em gestação a tentativa de formar um novo “centrão” em busca do candidato anti-Brizula. Covas — Nem sempre a fronteira entre a escolha a favor ou a escolha contra é com clareza. Nós - eu coloquei isto desde o inicio - estamos com uma certa missão dentro desse jogo: a missão de trazer uma proposta que não tenha como referencial derrotar quem quer que seja. A nossa proposta pretende ser é ganhadora e, portanto, derrotar todos os demais. ISTOÉ — Certo. O senhor recusa-se a ser candidato do “centrão”. Covas — Recuso-me. Mas eu estaria sendo injusto se dissesse que sou a única hipótese de candidato que se situa nessa posição. Não sou. Eu acho que há outras candidaturas que certamente não se propõem a ser contra esse ou aquele, mas contra todos, num sentido afirmativo. ISTOÉ — Por exemplo, quem? Covas — A rigor, o que quero dizer é que não reivindico para mim, com exclusividade, a posição de ter uma proposta afirmativa que vale por si só. ISTOÉ — Mas Jânio Quadros não seria o candidato do “centrão”? Covas — Sim, sem dúvida. Mas, de resto, eu acho que neste momento Brizola e Lula já assustam menos que logo após as últimas eleições. Então, houve um momento de quase paranoia, por causa de uma análise que considero apressada do resultado da eleição. Na minha visão, o povo votou muito parecido em 86 e 88, paradoxalmente votando em gente completamente diferente. Mas acho que as razões que levaram o povo a votar dessa ou daquela maneira não se alteraram. Em 86 o povo votou na mudança. Que mudança? Na mudança que ele identificou no Plano Cruzado, e o Plano Cruzado foi indiscutivelmente uma enorme mudança, enquanto durou. Como é que ele traduziu e como é que ele canalizou esse voto? Ele canalizou esse voto da seguinte maneira: havia uma aliança sustentando o governo, o PMDB e o PFL; no entanto, ele canalizou o voto para o PMDB e não para o PFL. Por quê? Porque ele identificou a expectativa de mudança com o partido que tinha um discurso da mudança. Dois anos depois, o que aconteceu? Eu acho que o povo continuou votando de forma progressista, continuou votando na aspiração de mudanças. Só que ele votou contra quem lhe havia prometido mudanças e não lhe deu mudanças. ISTOÉ — É verdade que o governador Tasso Jereissati poderia ser vice na sua chapa? . Covas — Não creio. O Tasso é um nome possível, mas não acho que ele deixaria um governo de Estado, neste instante, para ser candidato a vice. Mas isso é uma opinião muito pessoal. Em todo caso, não quero dizer que estejamos fazendo qualquer restrição, mas também quero deixar claro que não há qualquer esquema montado com esse objetivo. ISTOÉ — Até que ponto cresceria a sua candidatura se um certo número de governadores do PMDB de repente se orientasse para as bandas do PSDB? Covas — A influência de um governador varia de Estado para Estado, independente do prestígio popular que o governador esteja gozando. É evidente que o peso eleitoral de um governador na área do Nordeste é, em igualdade de condições, maior do que o peso de um governador na região Sul. Há uma independência eleitoral muito maior nos Estados do Sul. Há uma enorme massa popular que enxerga o opressor, automaticamente, em quem está no poder. A miséria é tanta, que tem as suas razões para reagir dessa maneira. Agora, é preciso que um governador esteja numa situação de grande desprestígio para que o seu apoio seja mais negativo do que positivo. Por exemplo, não é muito estimulante ter o apoio do governador Newton Cardoso. O apoio do governador Tasso, pelo contrário, seria muito estimulante, como o de Waldir Pires, para citar outro nome. ISTOÉ — É o case de dizer que a probabilidade de êxito da sua candidatura será tanto maior quanta maior for o racha do PMDB? Covas — Sim, certamente. ISTOÉ — A sua longa experiência dentro do PMDB lhe diz o quê? Há possibilidade de racha dentro do PMDB? Covas — Racha que quebre ao meio, não, não creio que acontecerá. Mas eu acho que o PMDB terá defecções. ISTOÉ — Por exemplo, o Ulysses seria “cristianizado” se for o candidato? Quer dizer, oficialmente apoiado e traído por baixo do pano? Covas — Eu acho que o processo dentro do PMDB, se levar à escolha do Ulysses, já chega com o Ulysses na campanha em situação difícil - o que é até uma injustiça em relação a ele. Ele tem sido penalizado no processo interno, dentro do PMDB, de uma forma que até mesmo aqueles que não pertencem ao partido deploram. ISTOÉ — Quais são, daqui para a frente, as dificuldades de se acertarem as alianças, e como se organiza uma campanha nacional em função disso? Covas — Não temos preocupação com alianças, pelo contrário. Nós começamos por outro caminho, porque nos pareceu que a demanda, neste instante, aponta em outra direção. Nós começamos por formular a nossa proposta e começamos isso quando o partido foi instalado. Foi um longo trabalho e, finalmente, no começo de fevereiro a direção ofereceu à militância uma proposta que é um meio-termo entre programa de partido e proposta de governo. A partir daí, começamos a correr este País e a discutir— e eu já fiz isso em 14 Estados - com a militância, com dirigentes sindicais, com dirigentes empresariais, com a Universidade, a nossa proposta. Ela vai culminar agora no dia 31 de março, quando nós vamos dar o contorno definitivo, valendo-nos das contribuições de todos. A partir dai nós teremos a nossa proposta formulada. Em cima disso vai definir-se a política de alianças. ISTOÉ — Há um candidato que diz que fará aliança até com o demônio. Covas — Não é o nosso caso. Nós temos um patrimônio para oferecer. Temos hoje a terceira bancada da Câmara Federal, a terceira bancada do Senado. De forma que dá para você equacionar esse partidário, mesmo não querendo pauta-se pela proposta. Vale então a história de cada um dos integrantes do PSDB. Eles representam uma média cuja resultante está definida. Eu acho que neste país a gente vive a reclamar que não existem partidos políticos, que ninguém tem propostas, que todo mundo faz promessas e ninguém cumpre nada. Eu acho que a gente precisa começar a acostumar este pais, e quanto mais densamente a gente fizer isso, quanto mais a gente mostrar que não está ligado necessariamente no aliciamento de natureza eleitoral em detrimento da verdade que você acredita, mais pontos você marca, inclusive eleitoralmente. Esse vai ser um instante de demanda muito nítida nessa direção, sobretudo porque você vai usar um meio onde você aparece nu, que é a televisão. ISTOÉ — Parece-lhe que o Brizola ganha pontos na televisão, ou perde? Covas — Teoricamente o Brizola ganha pontos na televisão, porque o Brizola é um homem de grande capacidade de comunicação popular. Eu tive oportunidade de participar com ele de comícios. Na campanha da última eleição nós fizemos um comício juntos, em São Luis do Maranhão, porque lá o partido dele e o meu apoiavam o mesmo candidato, que por sinal ganhou a eleição. Brizola tem, no palanque, facilidade de comunicação popular, uma enorme facilidade. E a tem também na televisão. Mas eu acho que esse instante vai ser um pouquinho mais exigente. As pessoas vão querer respostas claras. ISTOÉ — Este não seria o forte do Brizola? Covas— Não tem sido. Eu detesto esse tipo de apreciação de natureza pessoal, mas ouço comentários a respeito de um programa feito por ele, recentemente, na televisão de São Paulo. Ele teria ficado muito das generalidades. Eu acho que esse instante é menos das generalidades e mais das especificidades. ISTOÉ — Duas perguntas em uma. O governador Moreira Franco gostaria de ver os tucanos de volta ao aprisco. Qual é a sua opinião a respeito? Segunda pergunta: será que o PSDB não se formou tardiamente? Covas — É possível. Mas, em primeiro lugar, no PSDB nem todos são originários do PMDB, embora sua grande maioria seja ex-peemedebista. Agora, é preciso entender o quanto pesou o gesto da ruptura. Eu não tenho nenhum constrangimento em dizer isso. Eu tenho muito orgulho da história que tive dentro do PMDB e da história do PMFB, a história do MDB que afinal, em alguns instantes como espectador, em alguns instantes como autor, eu ajudei a escrever, muito modestamente, mas ajudei. Eu sou um dos 127 deputados que assinaram o ato de criação, o atestado de batismo do MDB em 1965. Portanto, toda a minha vida política é ligada ao MDB, ao PMDB posteriormente. Não deve ter sido fácil para eu tomar uma decisão desse tipo. E, diga-se de passagem, eu a tomei quando ocupava a posição de líder da bancada na Constituinte, que era seguramente uma das três posições mais importantes da Constituinte. Eu tomei porque esse tipo de decisão você não escolhe o momento, você toma quando sente a necessidade de tomá-la, a obrigação. Feita uma escolha desse porte, a hipótese do retorno me parece afastada. ISTOÉ — Não há a menor possibilidade? Covas— Eu não a vejo como uma hipótese considerável. ISTOÉ — Se o sr. tivesse ficado, hoje não seria um excelente candidato do PMDB? Covas — Se eu tivesse ficado, e fosse um excelente candidato dentro do PMDB, então estaria negando tudo aquilo que eu digo. Quer dizer, se para ser candidato você tivesse de fazer determinadas concessões, então tudo aquilo que eu estou dizendo em relação ao comportamento de natureza eleitoral não tem validade. 4#5 AGORA EM NOVA EMBALAGEM De olho nas pesquisas, o candidato retoca a sua imagem, ajudado por eficiente assessoria, e até aposta agora na chegada do segundo turno José Carlos Bardawil Paulo Maluf chegou às eleições presidênciais de 1989 tentando provar ser um novo homem. Nos quatro anos anteriores o eterno candidato do PDS havia sofrido três duras derrotas consecutivas. A primeira no Congresso Nacional, quando foi preterido na eleição indireta para presdidente por Tancredo Neves, que acabou vencendo, mas não assumindo em decorrência de sua morte. Depois, em 86, no ano seguinte, disputou o governo de São Paulo e tornou a ser derrotado, desta vez por Orestes Quércia. A terceira e mais humilhante derrota havia sido em 1988, quando Eluiza Erundina, então no PT, derrotou o ex-prefeito biônico de São Paulo na disputa pelo comando da capital paulista. Nesta reportagem e entrevista publicadas no final de agosto de 1989, Maluf tenta, uma vez mais, reconstruir sua imagem. Mas, como mostra a matéria, Maluf continua o mesmo. Apesar de não ter chegado ao 2º turno, como parecia acreditar, conquistou quase seis milhões de votos e foi o sexto candidato mais votado. Basta passar uma segunda vez pela frente do palacete da rua Venezuela, 606, em São Paulo, para notar facilmente a diferença: a cada dia, cresce o número de carros ali estacionados. Desde que Paulo Salim Maluf instalou, um mês, seu comitê eleitoral, na antiga residência do amigo pessoal Jorge Yunes, editor e empresário, é crescente o movimento nos escritórios improvisados desta construção de dois mil metros quadrados. caracterizada pelos amplos espaços, portas e janelas trabalhadas e pelos tetos altos como não se fazem mais. Cerca de 30 funcionários contratados não param um minuto. datilografando, agendando, telefonando e anotando recados. Há coordenadores para tudo - desde a preparação das viagens do candidato até a compra de materiais de campanha, ou o preparo dos cartazes e adesivos de propaganda. Gente nova disposta a colaborar aparece a toda hora – já não há lugar para os que querem participar e eles circulam, atarantados, pelos corredores. A campanha de Paulo Maluf vive um nítido momento de euforia. O candidato e seus articuladores, tendo à frente o formulador Roberto Paulo Richter, esperavam, na quarta-feira, dia 23, a próxima divulgação das pesquisas do Ibope, com números que atestariam a subida inexorável de Maluf e sua chance de disputar a vitória, até, no segundo turno. E esse entusiasmo não diminuiu nem quando, na sexta-feira, dia 25, a pesquisa do Gallup revelou que Maluf continua longe de Brizola, embora mantenha firme, a terceira colocação com 6% das preferências do eleitorado. A mera tendência dos números revelados pelas pesquisas era suficiente para justificar a alegria dos malufistas. Eles notavam que Maluf é o único candidato em subida constante. Fernando Collor caiu de 44% para 40%, Leonel Brizola teve 17% e está com 13%, Luis Inácio Lula simplesmente despencou e todos os outros não saem da vala comum inferior a 4%, inclusive Mário Covas, que teve os seus 6%. Tudo assim parece favorável a Maluf, que chegou entusiasmado ao comitê naquela quarta-feira, para um encontro com uma delegação de tenistas paulistas, dispostos a lhe dar apoio. Ele apertou a mão de Danilo Marcelino e Ricardo Kyrillos, trocou com eles breves amabilidades e logo, incansável, passou a dar declarações às rádios do interior pelo telefone - rotina de todos os dias na sua agenda de campanha. Na sala ao lado, o assessor Carlos Brickman sugeria ao cabo eleitoral que patrocinara a vinda dos tenistas uma nova visita nos próximos dias. Mas ai, observava, os tenistas deveriam vir com suas roupas de jogo, e em maior número - “se possível uns 30, porque a televisão gosta é de imagem e não de palavras”. Novo e velho O publicitário Nelson Biondi (acima) começou a mudar a imagem de Maluf ano passado, mas só o anúncio do 752 permitiu consolidar o trabalho. Maluf continua a cortejar velhos cabos eleitorais como o "Comendador" Penido (abaixo), sem dispensar uma segunda barba para sair bem na televisão Minutos depois, Maluf, sempre sorridente, já recebia uma delegação de empresários da construção civil e dos transportes. Em certo momento, pegou pelo braço o velho conhecido Peterson Penido, empresário de transportes, e tratando-o por “Comendador”, acariciou: “O sr. é daqueles que nos dão estímulo: podia ficar em sua casa, descansando, que bem merece. E, no entanto, não pára de trabalhar pelo bem do País.” O estilo pode parecer exagerado, mas Maluf dizia exatamente o que aquela gente queria ouvir. Depois de abraçar carinhosamente o correligionário, voltou ao telefone para novas entrevistas. Jornalistas entraram na sala, perguntando sobre as declarações de Collor de Mello, de que passou a temer a candidatura Maluf. O candidato do PDS exultou. “Eu não assusto ninguém. O que quero é tranquilizar o povo brasileiro”, disse. Maluf poderia ter, por exemplo, atacado Collor, como os jornalistas possivelmente desejavam. Mas ele tem evitado polemizar com o líder das pesquisas. Sua tática parece clara: ele prefere que os outros ataquem Collor, particularmente Brizola e Lula. E isso porque acha que o possível desgaste de Collor e de seus atacantes só tem um provável beneficiário: ele próprio, Maluf. A idéia não é nova, na medida em que, tradicionalmente, na política, o tertius se aproveita das campanhas muito polarizadas. Mas Maluf, no caso, ainda tem outro bom motivo para ficar bem-comportado, só observando os acontecimentos. É que ele baseia sua campanha, desta vez, na construção de uma nova imagem. Quer surgir perante o eleitorado como um Maluf mais humilde, disposto a fazer o jogo democrático até as últimas consequências, sem nem resquício daquela marca de auto-suficiência e prepotência que o caracterizou em campanhas passadas. Maluf tem insistido que sua campanha não vai ter ataques pessoais, caracterizando-se como “educada” e “civilizada”. Sua suposição é a de que o novo estilo é mais agradável ao eleitor, que estaria cansado de tanto ver os políticos trocando acusações. Além disso, a nova imagem o beneficiaria num contexto de marketing político: ele seria agora um produto diferente, que não se confunde com os outros candidatos, facilitando desta forma a venda de outra de suas mensagens básicas - a de que só ele teria competência para realmente resolver os problemas do País. (Leia entrevista à página 38.) A ideia do novo Maluf surgiu, a rigor, na campanha do ano passado, quando ele concorreu à Prefeitura de São Paulo e perdeu no último momento para Luiza Erundina. Já então o publicitário Nelson Biondi, responsável pela sua imagem, notou que o próprio eleitorado havia mudado em relação a Maluf. Ele agora era carregado pelo povo nos comícios da periferia. As derrotas sucessivas em 85 e 86 pareciam haver “lavado”, nota o publicitário, a imagem do criticado Maluf, concorrente derrotado Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Afinal,ele perdera duas eleições e nem por isso o País estava melhor, nem o povo parecia feliz. O momento era oportuno para uma virada de imagem, que, no entanto, só chegou a ser ensaiada, dada a urgência da campanha municipal. Roberto Paulo Richter O estrategista da campanha A oportunidade chegou nesta campanha para presidente, quando o próprio Maluf decidiu pôr em prática a ideia. Seu primeiro passo foi tentar contratar o publicitário Washington Olivetto, por indicação do próprio Biondi, que o acompanha desde os tempos de governador de São Paulo. “Simplesmente, eu não tenho a pretensão de ser o melhor, nem de ser o único. Achei que o Olivetto seria um grande reforço”, explica Biondi. Consultado, porém, Olivetto acabou recusando o convite. Mas a manobra resultou bem para Maluf, porque Olivetto voltou a propor que o candidato aparecesse na televisão como garoto propaganda de um anúncio seu -como já o fizera, em vão, em 88. Desta vez, Maluf aceitou. Ele entrou assim na mídia televisiva em horário nobre, demonstrando as qualidades do sapato 752, da Vulcabrás, e o lance serviu exatamente a seu objetivo de apresentar uma imagem mais humana e simples, sem as características anteriores. O segundo lance foi a imediata contratação dos jornalistas Carlos Brickman e Ênio Pesce, ambos bem situados na imprensa paulista. Maluf desejava antes de tudo superar seus problemas de relacionamento tradicionais com a imprensa. Para isso,precisava muito de uma assessoria eminentemente profissional, que transmitisse uma idéia de respeitabilidade no trato com os jornalistas. Ele teve de insistir muito para que Brickman e Pesce aceitassem o convite, mas terminou conseguindo, quando subiu sua proposta para níveis desconhecidos no setor. Contratou-os por salários equivalentes a US$ 15 mil mensais - o que dá hoje cerca de NCz$ 60 mil, cerca de dez vezes mais o que cada um ganharia em seus respectivos empregos. O trabalho de Brickman e Pesce revelou-se eficiente para o candidato. Além da respeitabilidade, eles deram a Maluf uma assessoria honesta, que abre todas as informações possíveis para os repórteres e lhes dá a chance de falar com o candidato quase imediatamente após a chegada ao casarão da rua Venezuela.São ajudados pela jornalista Lúcia Tavares, a Lucinha, como a chama Maluf. Ela é capaz dc armar todo um esquema de entrevistas do candidato em qualquer Estado ou cidade, prevendo exatamente quem vai entrevistá-lo e o tempo de cada entrevista. Maluf não fica nisso: ele sabe também o que vão lhe perguntar e o que deve responder, porque recebe assessoria de marketing político da Brasmarket, de Sidney e Ronald Kuntz. Eles são especialistas no assunto e nas últimas eleições prepararam as campanhas de Said Xerfan, em Belém, Wilson Braga, em João Pessoa, e Júlio Campos, em Cuiabá, todos vitoriosos. Os Kuntz conhecem a realidade política de cada Estado e passam essas informações para Maluf. Sabem por exemplo que Xerfan, eleito com votação recorde em todo o País, faz hoje uma má administração em Belém do Pará, surpreendentemente. E esse é o tipo da informação preciosa para um candidato a presidente. A infra-estrutura de Maluf nas viagens supera, de resto, a dos outros candidatos. Seu organizador é Roque Carneiro, que está com o candidato desde os seus tempos de prefeito de São Paulo. Começando como segurança de Maluf, Carneiro evoluiu, com os anos, para a parte administrativa das campanhas sucessivas e hoje é uma espécie de faz-tudo do candidato. Cuida dos seus assuntos privados e dos esquemas de viagens, entre outras funções. Quando Maluf viaja, está sempre a seu lado. Sabe o tempo de cada deslocamento, providencia os carros para transporte e os motoristas, além dos carregadores de malas e tudo o mais. Os motoristas que contrata sabem até a porta onde devem deixar o candidato, o que às vezes não acontece com os que servem Fernando Collor, por exemplo. Carneiro é, assim, uma espécie de administrador da campanha propriamente dita. Mas o seu formulador é o empresário Roberto Richter, que está ao lado de Maluf desde o início de sua carreira de empresário. Ele trabalhou com Maluf e seu irmão Roberto durante 30 anos na Eucatex. Nas duas últimas campanhas, tornou-se o conselheiro de Maluf, tomando o lugar antes ocupado por Calim Eide Heitor Ferreira. Foi ele quem fez a Maluf uma observação fundamental para a campanha: desta vez, notou Richter, tudo seria decidido pela mídia, e não pelos apoios e estrutura política dos candidatos. Tratava-se, notou, de uma eleição solteira– ou seja, o presidente será escolhido sem que haja, ao mesmo tempo, nenhum outro pleito para o que quer que seja. Normalmente, os pleitos se complementam e possibilitam a formação de grandes estruturas de apoio político envolvendo desde vereadores até deputados e senadores, além dos governadores, Agora, não há outra eleição, fora a presidencial. Além disso, os políticos estão em fase de descrédito.Logo, a mídia passa a ser decisiva. Maluf ouviu essas observações de Richter e trabalhou a partir da sua aceitação. Até porque não se esquecera do seu erro de avaliação na escolha indireta pelo Colégio Eleitoral em 1985: na ocasião, trabalhou exclusivamente os apoios políticos, certo de que eles seriam decisivos – e na hora H, eles lhe faltaram pela influência dominante da opinião pública, contrária a sua candidatura. Uma amostra de como Maluf evoluiu nesse propósito pode ser encontrada nos roteiros de viagem que tem cumprido pelo Brasil. No Ceará, onde foi no final de julho, por exemplo, sua agenda previa, num só dia, a quarta-feira,26, cinco entrevistas longas a programas de rádio e tevê, contra apenas uma palestra, uma visita a deputados e um encontro sentimental com dona Luiza Távora , do seu ex-amigo e correligionário Virgílio Távora . No dia seguinte, Maluf foi a Natal e deu cinco entrevistas semelhantes, sem se preocupar com a falta de contatos políticos marcados. Na semana passada, na Bahia, sua agenda só previu, em dois dias, um encontro de fundo político, com a célebre Irmã Dulce. No mais, deu, como de hábito, nove entrevistas longas e médias e teve tempo de ser filmado na igreja do Senhor do Bonfim, também com fins de aparecer favoravelmente na mídia local. O caixa Yunes A espera das "primeiras doações" Nessas entrevistas, Maluf procura marcar bem seu novo estilo, contando anedotas, procurando frases de efeito (leia página 36) e utilizando profusamente a técnica dos “bordões” de campanha. Ele chegou à conclusão de que a comunicação única, não funciona. Qualquer mensagem, tem de ser repetida até a exaustão para ser bem apreendida pelo eleitorado. Sua proposta-base de campanha é a apresentação ao eleitorado com a nova imagem, para a solução definitiva dos problemas do País. Já que os outros não resolveram, insinua Maluf, por que não lhe dar agora uma oportunidade, se o seu passado de administrador confirma-lhe a competência? Além disso, acrescenta, se o eleitorado quer votar na ninguém seria mais oposicionista do que ele, pois todos os outros - todos, diz Maluf - tiveram seus lagos com a Nova República de Sarney. São mensagens genéricas que vão sendo ouvidas com atenção por onde Maluf passa. Mas ele também se envolve na defesa de pontos de vista específicos — e, ai, volta a ser polêmico. Foi o que aconteceu em Belo Horizonte, na segunda-feira, 21 durante debate na Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Segundo revelou o Jornal do Brasil, Maluf teria dito, à certa altura, uma frase que chocou a assistência. Discutia-se o problema da violência e ele insistia na sua idéia de que, além das soluções sociais, é necessário, no caso, investir no policiamento ostensivo. Foi quando teria dito: “O que fazer com um camarada que estuprou uma moça e matou‘? Tá com vontade sexual, estupra. Mas não mata.” Maluf negou veementemente a notícia, na quarta-feira, afirmando nunca ter dito a frase. Mas o professor José Rafael Guerra Pinto Coelho, diretor da faculdade, confirmou a versão do jornal e acrescentou ter em mãos uma que comprova a mativa do candidato. A transcrição da fita revelaria, se verdadeira, um lapsus linguae de Maluf. Pois, logo depois da frase desastrada, ele ainda teria tentado consertar as coisas, explicando: “Vocês são médico e eu posso ter aqui este tipo de linguagem. Tá certo? Eu gosto de fazer amor, não gosto de fazer guerra.” O candidato preferiu depois enterrar o assunto, dedicando-se rapidamente a outros temas dc campanha. Ele passou a preparar, cuidadosamente, sua viagem a Alfenas, Sul de Minas, no fim da semana, e intensificou seus contatos com os parlamentares do PFL que estão abandonando a candidatura de Aureliano Chaves entre os quais os mais graduados são o líder na Câmara José Lourenço e o senador Hugo Napoleão. Deslize em Minas Na palestra aos estudantes, a frase fatídica que ele jura não ter dito Tanto Napoleão como Lourenço tiveram papel de destaque na derrota de Maluf para Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. No entanto, Maluf está disposto a esquecer o passado para tê-los ao lado na corrida presidencial, De todo modo, o lance, para ele, vale como um sinal de seu crescimento e pode motivar o eleitorado, rendendo muitos votos indiretamente. Depois, Maluf está com problemas no Nordeste, onde suas antigas bases hoje preferencialmente com Collor. A entrada de Napoleão Lourenço pode alterar esse quadro. Maluf precisa, urgentemente, passar para a segunda fase de sua campanha, segundo revelam os articuladores. Depois da sua fixação como candidato e do polimento na nova imagem, é necessário agora aparecer também como um candidato viável. Particularmente porque é a viabilidade quem pode garantir a entrada de novos recursos financeiros para a campanha. Até aqui, segundo informa o empresário Jorge Yunes, que é o caixa de Maluf, digamos assim, o próprio candidato e seus amigos mais íntimos responsabilizaram-se pelas doações, via partido, que garantem a sobrevivência da campanha. O próprio Yunes cedeu sua residência sem nada cobrar e muita gente mandou cartazetes, adesivos, camisetas e outras doações. Maluf paga o grosso das contas. Agora, será a fase da abertura de novos canais de financiamento - admite Yunes. Enquanto isso, Maluf supera a falta de recursos com a tradicional economia recomendada por seus ascendentes árabes. Solicitado pelo deputado Delfim Netto para lhe enviar, na quarta-feira, 20 mil adesivos para distribuição em Brasília, Maluf cortou dc pronto: “Mandem quatro mil, apenas. Já é adesivo que dá gosto, para Brasília. Quatro mil carros é muito carro, não é?”, justificou, sorrindo. Anedotas de Campanha Uma coletânea do recente humor de Maluf Em seu esforço para reformar a imagem, Paulo Maluf surge nesta campanha quase sempre bem-humorado e disposto a contar piadas, fazer brincadeiras com seus interlocutores e até mesmo tem tentado as irônicas frases de efeito que nunca foram o seu forte. Alguns dos seus lances principais nesta linha, coletados nos últimos dias: Aproximação - Intimidade faz parte do tratamento dado aos jornalistas ° Quando recebe jornalistas, invariavelmente vai ao encontro das mulheres e pespega-lhes beijos nas faces, enquanto explica: “As moças dizem que eu sou o nova beijoqueiro. Então, eu preciso manter a fama. ° Quando fala da dívida externa, Maluf costuma contar uma tradicional anedota judaica, só que adaptando-a para personagens ao mesmo tempo judeus e árabes. Mais ou menos assim: “Abraão não conseguia dormir porque devia 10 milhões a Isaac e não tinha dinheiro para pagar a promissória no dia seguinte”. Sarah perguntou o que havia, ele contou, e ela disse: “Deixa comigo”. Pegou do telefone, ligou pro Isaac e disse: “Você está esperando que Abraão lhe pague a promissória? Pois bem: ele não vão pagar coisa nenhuma porque não tem dinheiro”. E desligou o telefone, dizendo para Abrão: “Agora pode ir dormir, que quem não vai dormir é o Isaac!” º Quando lhe perguntaram, recentemente, se estava atacando o Collor com sua inefável declaração de que “eleição não é concurso de penteado”, Maluf saiu-se com esta: “Olha, falando assim eu não estou atacando o Collor. Estou é defendendo o Ulysses”. º Diante da inesperada pergunta de uma espectadora da plateia de um programa de televisão no Rio Grande do Norte, sobre quantas vezes “comparecia” ao leito de sua esposa, dona Sílvia, Maluf não titubeou: “Umas três ou quatro vezes por semana”. Não contente, a espectadora reclamou: “Mas é muito pouco!” Ao que Maluf replicou: “Então, se fosse com você eu precisaria trabalhar menos para poder atender”. º Outra anedota que Maluf gosta de contar é a do vizir, do folclore árabe. Trata-se de um vizir muito eficiente, sábio e bom administrador. E tanto, que acaba despertando um ciúme mortal no califa a quem serve. Este o chama e faz-lhe um desafio: “Já que é tão maravilhoso, terá de ensinar seu camelo a falar. Se não conseguir, corto-lhe a cabeça!” – anuncia o ciumento califa. O vizir aceita o desafio mas uma ponderação : “Se para ensinar um ser humano é preciso um ano, ou às vezes até dois anos, para um camelo falar eu precisaria...de dez anos”. O califa aceita e, quando o vizir fica sozinho, os amigos vão preocupados a seu encontro. “Como poderá ensinar o camelo a falar?” – perguntam, desesperados, já o vendo sem a preciosa cabeça. O vizir, despreocupado, responde: “Isso eu não sei. O que sei é que em dez anos, ou o camelo estará morto, ou o califa, ou eu”. “As derrotas me ensinaram” Maluf, humilde, pede agora uma chance ISTOÉ – Diante das últimas pesquisas que lhe chegam às mãos, o sr. Já acha que pode disputar a vitória na eleição de novembro, não? Maluf– Eu acredito, por um sexto sentido e por pesquisas que eu tenho pessoais, que já estou disputando um lugar entre os dois que chegarão ao segundo turno. E se eu chegar ao segundo turno não tenho dúvida de que posso ganhar a eleição. ISTOÉ - De qualquer modo, o candidato líder das pesquisas, Fernando Collor, continua tendo em mãos neste momento uma boa parte do voto antes considerado malufista, Como o sr. pretende reconquistar todos esses votos? Maluf– O perfil do voto, hoje, eu diria que 20% está estabilizado, o restante ainda está livre. Uma boa parte da população ainda está indecisa, não conhece os programas dos candidatos, E outra parte que pretende votar em alguém ainda não está certa de que vai votar nessa pessoa, porque ela pode, afinal, não representar os seus ideais. Tem gente ai interpretando um papel, como artistas num palco, dizendo aquilo que a plateia deseja ouvir. Mas a plateia ainda não está convencida de que aquela representação é idônea e verdadeira. Muita água ainda vai passar por baixo da ponte. ISTOÉ - O Sr. ataca indiretamente o candidato Fernando Collor. Por que não o ataque direto? Maluf- A minha campanha é educada, civilizada, Não ataco Collor, nem Brizola, nem ninguém. ISTOÉ – É sem dúvida um esforço de mudança de imagem. Maluf– Não. É que não temos tanto tempo na televisão. Temos só dez minutos. Segundo: o nosso dia só tem 18 horas, para conversar com os amigos, correligionários, fazer nossa pregação. E acho que o nosso tempo é pequeno para mostrar o que fizemos e o que queremos fazer. Então eu prefiro gastar meu tempo nesse trabalho do que usá-lo em ataques pessoais aos outros candidatos. ISTOÉ - Mas o sr. de qualquer forma, realizou um trabalho de abertura de imagem, digamos. Maluf– Quem sabe o meu trabalho tem sido o de mostrar o verdadeiro Paulo Maluf, aquele que não foi fabricado num estúdio de televisão, nem criado por uma mídia, que apresenta as coisas na base do maniqueísmo. Em 85, o bem era Sarney, Tancredo, e o mal era Maluf. Decorridos quatro anos, pode-se verificar que nem eles eram tão bonzinhos nem eu era mau. ISTOÉ – Então, a história esta trabalhando a seu favor? Maluf- A história, com o tempo, repõe a verdade. Alguns conseguiram repor a verdade depois da morte, como foi o caso do Juscelino. Eu, por sorte, estou conseguindo isso ainda em vida. ISTOÉ - O sr. é um homem que no começo da vida só colecionou vitórias. Essas derrotas sucessivas dos últimos anos lhe ensinaram alguma coisa? Maluf- Eu consegui vitórias dos 35 aos 53 anos. Só nos últimos quatro anos é que tenho sido derrotado. Como a Bíblia fala em sete anos de vacas gordas e sete anos de vacas magras, até que tenho sido feliz, é? Mas eu aprendi nessas derrotas. A derrota é pedagógica, ela ensina. A vitória deseduca. Ela coloca em torno de você os áulicos ou, ou na linguagem popular, os puxa-sacos. E a derrota te mostra as verdadeiras causas do acontecido e te mostra os verdadeiros amigos. ISTOÉ - O sr. já andou revelando nomes de seu hipotético futuro ministério e por coincidências são todos nomes de empresários. É esta a sua ideia de salvação nacional: um ministério só de empresários? Maluf— Também de empresários. Só, não. O que apresentei foi um perfil dos ministros que desejo. Por exemplo, este governo teve seis presidentes de Banco Central em quatro anos. Isso não existe. Então o perfil do meu presidente de Banco Central é um homem honesto e competente como Amador Aguiar. Se eu tivesse de escolher um ministro da Fazenda, ele teria o perfil de um Afonso Pastore. Se eu tivesse de escolher um ministro de Planejamento, eu escolheria o de um Antônio Ermírio de Moraes. E assim por diante. Para a Indústria e Comércio, eu escolheria o de um Jorge Gerdau Johannpeter, um homem que entende muito de aço. ISTOÉ — O sr. já conversou com toda essa gente? Maluf- Não, não conversei com ninguém. Por exemplo, se eu tivesse de escolher alguém em Santa Catarina, escolheria da família Hering ou da família Fontana. No Paraná, eu pegaria o José Eduardo de Andrade Vieira. Quer dizer, esse é o perfil de gente correta e competente, bem-sucedida com seus negócios. Eu me nego a fazer um ministério imposto por políticos viciados que desejam pura e simplesmente fazer as suas nomeações e praticar seus escândalos. ISTOÉ - Há duas hipóteses otimistas para o sr. nessa subida de índices: chegar ao segundo turno com Collor ou com Brizola. Qual o sr. acha mais fácil de enfrentar no segundo turno? Maluf— Olha, eu não desejo ser pitonisa, adivinho ou profeta. Mas qualquer que eu venha a enfrentar, ganhando ou perdendo, o meu esforço vai ser de fazer uma campanha eleitoral pedagógica. Veja os Estados Unidos: eles têm 202 anos. Por que hoje as eleições lá basicamente dão certo? Porque eles quebraram muito a cara nestes 202 anos. Então o povo pode até votar errado. Mas precisa saber que se escolher mal ele é que vai sofrer. Eu vou dar os argumentos que podem até não convencer, mas vou tentar. Na verdade, eu tenho feito um esforço para dizer ao povo que aquilo que eu penso pode estar errado, mas é exatamente o que eu penso. Todos sabem: eu perdi as últimas eleições, mas eu pergunto: será que o Brasil ganhou? Então, eu peço ao povo: me deem uma oportunidade e vocês vão ver que o único candidato sincero, de oposição pode transformar o Brasil. 4#6 PRECISAMOS DE UM JK E até os astros disseram a Domingos que ele é esse novo Juscelino por Bob Fernandes e Nirlando Beirão Ainda no começo da corrida eleitoral de 1989, Guilherme Afif Domingos se apresentou como o “empresário do bem”. Um representante da elite, sem dúvida, mas, segundo seu discurso, cheio de vontade para atacar um dos grandes problemas do Brasil até hoje: a má distribuição de renda. À frente do Partido Liberal, entrou na briga pra valer. Atacou, logo de cara, a poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (“uma estrutura que mama nas tetas do governo”) e bateu forte em Brizola (“é o que de mais conservador e anacrônico existe por aí”). Nesta entrevista, afirmou com todas as letras que o caminho para o crescimento justo do Brasil passaria pelo desenvolvimento da agricultura e disse que a divisão entre esquerda e direita estava apenas na cabeça da elite: “O povo não anda para o lado, anda para frente”, afirmou. Não deve ser difícil, para um homem que passou a vida convencendo os outros de que a morte é um bom negócio, fazer o País acreditar que ele é um candidato viável à Presidência da República. Guilherme Afif Domingos, 45 anos, ex-vendedor de seguros de vida na sua Indiana de Seguros, ex-presidente da Associação Comercial de São Paulo, ex-secretário da Agricultura do governo Paulo Maluf e hoje candidato do pequeno mas atrevido Partido Liberal, entrou na briga para valer. Para isso, Afif se vale do exemplo de Juscelino Kubitschek, de um intenso trabalho por ora ainda restrito ao círculo dos que ele identifica como “formadores de opinião” e também, por que não, de uma profecia da vidente Neyla Alkmin, de Brasília, que viu nos céus a estrela de Afif brilhando como futuro presidente da República. Afif chegou a estar com Neyla, para ouvir pessoalmente o benfazejo agouro, mas, por via das dúvidas, resolveu adotar o lema de que “Deus ajuda a quem se ajuda”. O candidato dos liberais Estado forte é aquele que não se mete Assim, sem dispensar a mãozinha do sobrenatural, mergulha numa campanha que, por ora, não faz dele um expoente das pesquisas de opinião pública. Afif não se apressa: a campanha presidencial mal começou e ainda haverá tempo para o eleitor perceber, por exemplo, que ele, Afif, é o verdadeiro Collor de Mello. Com lencinho no bolso do paletó e tudo – para Afif, o lencinho compõe sua imagem e ele não vai fazer nenhuma concessão, mesmo porque acredita que vencerá o candidato que for mais verdadeiro. ISTOÉ – O sr. é candidato à Presidência da República, em 89, ou ao governo de São Paulo em 90? Afif – À Presidência da República. Inclusive o PL foi o único partido que já lançou chapa fechada, exatamente para mostrar que nós não viemos para uma barganha política e sim para nos firmarmos como partido, com uma mensagem. O eleitor está absolutamente confuso e nós não estamos aqui para contribuir com a confusão e sim com a solução. ISTOÉ - Mas é uma candidatura para vencer ou para abrir caminho? Afif - Quando você entra numa disputa, entra para vencer. Essa é a típica eleição onde não há nada definido. Quando dizem que o jogador de futebol tem sorte porque, na boca da área, a bola bateu na canela dele e entrou, desculpe, não é sorte, é que ele estava exatamente pronto para fazer o gol. Será uma de bola espirrada, de melê na área, com campo molhado, encharcado. O que vai ter de escorregão nessa área não está escrito. Isso começa a ser demonstrado pela própria confusão partidária. Portanto, tem chance de ganhar esta eleição quem até o último minuto está disputando o jogo. ISTOÉ - Mas o espaço que o sr. pretende ocupar não está sendo ocupado pelo governador Collor de Mello? Afif - Collor está comprovando a minha tese. Ou seja, que ninguém estava com cadeira cativa na pole position. Só o fato de ele ter aparecido num programa de televisão (ele tinha, é verdade, um posicionamento anterior na mente do eleitor) fez com que o crescimento dele, de uma hora para outra, assustasse muita gente. A mim não assusta. Como ele cresceu também pode baixar, porque esta é a eleição do eleitor buscando alternativa. É um eleitorado onde 90% dos 72 milhões de pessoas estão na mesma situação que eu. Eu vou votar pela primeira vez para a Presidência da República acompanhado de meus filhos de 17 e 18 anos de idade. Portanto, o que é essa geração? Será que ela se identifica com as mesmas raposas políticas dos últimos 30 ou 40 anos da vida brasileira? De forma nenhuma. A crise do PMDB é exatamente porque o seu velho cacique (aliás, que eu estimo pessoalmente) tem excelentes condições políticas e péssimas condições eleitorais. O desejo de Ulysses Guimarães não bate com o desejo do eleitor. ISTOÉ – Em relação ao Collor, o senhor não está, no íntimo, ao ver os resultados da pesquisa, se perguntando, “por que ele e não eu”? Afif - Não. Agora ainda não é a hora. Na verdade, eu acho que o Collor teve um problema sério: cresceu muito antes do tempo. Na corrida de São Silvestre ele seria aquele que, quando a corrida está no seu começo, dispara na descida da Consolação; depois, falta fôlego para a subida da Brigadeiro. Esta é uma corrida de fundo. ISTOÉ - Por que o eleitor de Collor acabaria votando em Afif Domingos? A sua campanha vai frisar que qualidades, quer dizer, aonde é que vão juntar-se essa expectativa meio perdida do eleitorado e a sua proposta política? Afif - Nesta eleição, você não vai inventar ninguém: ou a pessoa é ou não é. Nesta eleição, com comunicação aberta, o candidato vai aparecer nu, com suas qualidades e seus defeitos. Não vai ter maquiagem. Portanto, você tem que ser o que você é, com a sua mensagem, na forma como você se veste, da forma como você pensa, porque o eleitor hoje está buscando verdade. O eleitor hoje é amadurecido. Enganarn-se aqueles que pensam que o eleitor será enganado por este ou aquele detalhe. ISTOÉ - O sr. está se referindo a quem, especificamente? Ao Collor? Afif- Não, estou me referindo ao que o eleitor está buscando (pelo menos é o que as pesquisas indicam, hoje). Até a juventude, creiam, terá uma atitude nesse ponto conservadora. Eu vi pesquisas indicando que 75% dos jovens de 16 a 18 anos irão consultar os pais ou os mais velhos na hora de votar. Portanto, não será uma eleição louca, será uma eleição de reflexão; não será uma eleição do emocional, será uma eleição com forte dose do racional. ISTOÉ - Por que o sr., um empresário, tem atacado tanto a Federação das Indústrias de São Paulo? Afif - Eu ataco estruturas. Quero deixar bem claro que não estou atacando ninguém, pessoalmente. Tenho amigos na Fiesp. Não misturo pessoa física com pessoa jurídica. Mas tenho atacado a Fiesp, sim, porque eu assisti, na Constituinte, o cartorialismo empresarial brasileiro dizendo uma coisa da boca para fora e fazendo outra. ISTOÉ - Por exemplo? Afif - Em primeiro lugar, os democratas pluralistas defendem com unhas e dentes a manutenção da unicidade sindical e do imposto sindical. Vi a liderança da indústria fazendo acordo com o Partido Comunista, fazendo acordo com o Joaquinzão (Joaquim dos Santos Andrade, ex-presidente da CGT), na manutenção da unicidade e do imposto sindical, que é uma herança da Carta del Lavoro, de Benito Mussolini, de um lado, e do programa do Partido Nazista. Está lá, no Mein Kampf, de Adolf Hitler: unicidade sindical e o imposto sindical são as armas de formação de uma estrutura sindical alimentadora do processo político. Na hora em que eu vejo a representação da classe empresarial brasileira aliando-se com o que há de mais anacrônico e totalitário, ela se curva à triste herança do corporativismo do Estado-Novo e se distancia do pluralismo da democracia econômica. Muitas vezes, a Fiesp sai em defesa do mercado, enquanto setores seus falam em reserva de mercado, em manutenção de subsídios e dos CDIs da vida, das políticas industriais autorizadas pelo governo, do cartorialismo, do assistencialismo. ISTOÉ - O empresariado, por outro lado, acha que o sr. simplesmente está fazendo o jogo de candidato. Em Brasília, já há empresários dizendo: “Deixa Afif vir com aquela conversa da Sudene.” Parece que tem gente armazenando munição contra o sr. Afif - Eu não tenho telhado de vidro. Não adianta vir com ameaça, não adianta vir no estilo Malvadeza, que comigo ninguém pega: na hora em que eu dou o tiro, o tiro é certo. Quem está tentando me ameaçar é exatamente essa estrutura podre de Sudam, Sudene, dos fundos públicos como um todo, onde grassa a corrupção. Eu quero deixar muito claro que o médico quando vai fazer um exame e apalpa a barriga do paciente e ele urra, é sinal que ali tem tumor. Eu nunca vi uma gritaria forte come esta da estrutura da Sudene, na hora em que eu falei que ali é um antro de corrupção: berrou o triângulo de ferro, que é a estatocracia, os empresários que mamam na teta do governo e os políticos a cata de votos. É exatamente a estrutura que mama nas tetas do Estado; uns com a bandeira do social para expandir os empregos; outros com a bandeira do nacional para continuar mamando na teta porque não têm capital e vão buscar no fundo público manipulado pela estatocracia e o político à cata de votos, sempre aliado da estatocracia, porque é essa que expande os empregos para os seus amigos e parentes, e sempre aliado ao capitalista sem capital porque é esse que lhes financia as campanhas. Eu morri de rir quando recebi telefonemas de alguns empresários “sudeneiros” me dizendo: “Olha, você tem razão mas nós não podemos abrir a boca. Desculpe até a crítica que eu estou fazendo a você, porque, se eu não der essa pancada dura, depois não saem os meus financiamentos.” ISTOÉ – Este cenário é só no Nordeste, ou é o Brasil? Afif – É o Brasil inteiro. Grande parte dos “sudeneiros” está aqui, em São Paulo. É perversa, para o Nordeste, essa política de incentivo fiscal que leva a região a crescer 10% ao ano, em termos de industrialização, e a perder 12%, em renda. O sistema de incentivos fiscais é brutalmente concentrador de renda na de alguns poucos e a explosão da pobreza é uma consequência disso. Portanto, a Sudene tem de ser o órgão do desenvolvimento de todos os nordestinos e não de alguns nordestinos. Há a necessidade urgente de uma devassa em todos os fundos públicos existentes no Brasil. ISTOÉ - Como é que se controla esse tipo de repasse? Afif - Quando você quer fazer uma política de incentivos, ela tem de ser automática. Na hora em que uma empresa se instalou em um lugar A ou B, ela passa a ter direito, automaticamente, à redução tributária. Criando-se a automaticidade de um projeto, há muito pouco risco de ter corrupção. Mas na hora em que se criam os conselhos que vão analisar os projetos a serem beneficiados, então cada projeto tem um intermediário e toda uma máfia que serve essa estrutura de assistencialismo. Surge o funcionário conivente com aquele que a gente chama “projeteiro”, ou que faz o projeto, e que normalmente era lá de dentro, ou circula dentro. Quando denunciei isso na Sudene, quase fui agredido. ISTOÉ - Como e quando a sua candidatura vai ter cheiro de povo? Afif - Queria lembrar que sou o terceiro parlamentar mais votado do Brasil. Lembrar também que na cidade de São Paulo, tive uma votação superior à do Lula. Uma votação de 508 mil votos não configura uma candidatura elitista. Estamos na fase de contato com os formadores de opinião pública. Na hora da comunicação de massa, vou surpreender a muita gente, porque minha mensagem é extremamente popular, entra na cabeça e no coração das pessoas. Nem por isso vou deixar de usar terno e gravata. O povo não se engana. ISTOÉ - Num momento em que as pessoas estão tão desiludidas, o sr. pretende dizer, “olha, a gente pode ter sucesso na vida, a gente pode crescer, a gente pode ganhar as paradas", é essa imagem que quer passar? Afif - No pior cinturão de miséria de São Paulo, ou do Rio, o que mais ouço é: “Doutor, como é que um país tão rico pode ter um povo tão pobre?” Está no inconsciente coletivo do brasileiro que o Brasil será uma grande nação, é questão de acertar o governo que deixe o povo trabalhar. Isso está na cabeça do mais humilde dos cidadãos. Ele não acredita hoje na política, não acredita nos políticos, não acredita nas instituições, que, afinal, estão a serviço dos poderosos que roubam o povo. Mas todo mundo acredita que o Brasil tem saída. ISTOÉ – E qual é a saída? Afif - A saída do Brasil é a volta às origens. ISTOÉ - Como assim? Afif - É voltar para a agricultura: povo não come nem computador nem parafuso, povo come comida. Na hora em que você disser que o Brasil pode ser o maior produtor mundial de alimentos nos próximos 15 anos, o povo concorda, pois sabe que é viável, ele sabe que, neste País, jogando semente brota. Ele veio expulso da terra porque nós abandonamos totalmente a agricultura para darmos ênfase para a industrialização. Ele acabou passando fome, miserável, nos grandes centros urbanos. O Brasil tem um potencial enorme, mas ele não tem o que comer. Como é isso? Alguma coisa está errada. A saída do Brasil está na agricultura: no Centro, Centro-Oeste, Norte, Nordeste. A força dos Estados Unidos está na terra. O maior produto de exportação americano é o grão: milho, trigo, soja. Os americanos levantam, hoje, em relação ao Brasil, a bandeira da ecologia – imagine, o país que mais matou índio na sua história, o que mais produziu agente laranja desfolhante, o que mais fabrica bombas atômicas, cujas experiências são responsáveis pela mudança do ecossistema. Por quê? Porque os americanos perceberam que, apesar do governinho que temos, dos salafrários que estão no poder, nós passamos de 50 para 70 toneladas de grãos. ISTOÉ – O senhor vê aí o ímpeto produtivo do ministro íris Rezende? Afif– Chego a rir quando ouço isso. JK, sim, tinha essa visão. Seu projeto para reeleição, em 65, era “cinco anos de agricultura, 50 anos de fartura”. Por que Brasília foi para o centro do Brasil? Porque ali seria a porta de entrada de Canaã, a terra prometida. Como ele tinha implantado, antes, a indústria, capaz de fabricar trilho, vagão, trator, caminhão, navio, estava criada a infraestrutura para o desenvolvimento da segunda etapa do nosso processo de crescimento. Isso foi abandonado. Havia nações interessadas em que o Brasil não descobrisse o caminho do crescimento por aí. E hoje nós – custe o que custar – vamos enfrentar essa concorrência internacional para fazer o Brasil produzir 200 milhões de toneladas de grãos até o inicio do próximo século. ISTOÉ - O sr. é candidato de centro ou de direita? Afif - Essa história de direita e esquerda só está na cabeça de uma determinada elite. O povo não anda para o lado, anda para a frente. Quem pensa que o comportamento eleitoral é ideológico vai quebrar a cara. Comportamento eleitoral é ético. O eleitorado hoje busca os projetos éticos. O que é um projeto ético? É um projeto não comprometido com a estrutura de poder. A Luiza Erundina foi, em São Paulo, a que mais competentemente mostrou que não estava comprometida com o que aí está. Mas, no Recife, foi o Joaquim Francisco quem fez isso. E o Recife é o centro da esquerda, lá no Nordeste. Há hoje, no Brasil, um buraco onde as candidaturas novas podem entrar. A luta é do velho contra o novo ISTOÉ - Quem é velho? Afif - Todos os que estão há 30 ou 40 anos militando na política. ISTOÉ – Brizola, Jânio... Mário Covas também? Afif - Corre o risco de ser comprovado que sim, à medida que o PSDB, na cabeça do povo, é o PFL do PMDB. ISTOÉ - O sr. não acredita em ideologia? O projeto liberal não é ideológico? Afif - Acredito em projetos doutrinários – eu não os chamo de ideológicos, ideologia é uma coisa horrorosa. Estou partindo para o campo de doutrina e, aí, os únicos partidos com propostas nítidas são nosso e o do Lula, tanto é que fomos nós que emergimos das urnas com votações contundentes, cada um representando uma corrente de pensamento oposta à outra. Sob o ponto de vista ético, estamos iguais, ambos não temos rabo preso com a estrutura de poder. Portanto, a tendência é nós polarizarmos com o PT, em novembro. ISTOÉ - O Brizola é um candidato de esquerda? Afif - Não. É o que de mais conservador e anacrônico existe aí. Ele é um dos herdeiros do corporativismo, tanto é que as oligarquias nordestinas já estão em marcha batida para ele, porque ele é a maior garantia de manutenção do status quo. ISTOÉ - Quer dizer, o sr. diria que tem um compromisso social mais avançado do que o dele? Afif - Jamais posso ser chamado de conservador. Minha posição de fé na mudança está ocasionando essas reações brutais das oligarquias, tanto empresariais como estatais. Nossa proposta é profundamente reformista, com base num conceito liberal que não é do liberalismo do laissez-faire. Ao contrário, nós queremos é um Estado forte. O que é o Estado forte? É o administrador da igualdade de oportunidades, é o administrador dos direitos individuais e coletivos, que assegura a justiça e a segurança. É o Estado que intervém no sistema econômico quando as regras de mercado estiverem sendo subvertidas. ISTOÉ – E o Jânio? Afif - A gente não pode dizer que o Jânio seja novo, ou moderno. ISTOÉ - O sr. não teme que, ao longo da campanha, alguém lembre seu passado malufista? Afif - Eu conheci Maluf como membro da Associação Comercial de São Paulo, não por vinculação política. Pena que ele não tenha sua carreira como ele a iniciou: foi o primeiro a desafiar a Revolução. Desculpem-me os outros, mas quem beijou a boca do tigre dentro da jaula foi ele. O todo-poderoso Geisel, em 1978, e saiu governador do Estado, desrespeitando uma determinação imperial. Isto me fez muito bem, participar daquele processo de entrar no poder pelas portas do fundo, ante o horror de toda a corte. Participei de tudo como diretor da Associação Comercial. Só depois fui surpreendido com um convite para participar do governo. ISTOÉ - Para o Banco de Desenvolvimento do Estado, não foi? O que houve no Badesp para seus inimigos estarem murmurando: "Vamos contar aquela história do Badesp?” Afif - O que houve no Badesp foi que pude dar sequência à minha luta pelo micro, pequeno e médio empresários. Quando entrei para a Associação Comercial, entrei para lutar, porque eu sou pequeno segurador, e aquela era a época do milagre, em que se pregava a fusão das empresas para formar só grandes estruturas e eliminar os pequenos. E eu comecei a minha luta por ali, mas precisei de uma entidade maior para continuar a minha luta. No Badesp, em nove meses reverti a tendência do banco, passei a fazer um banco de atendimento ao micro e pequeno e eliminei toda e qualquer chance de grandes projetos, exatamente para poder pulverizar mais recursos para a massa dos micro, pequenos e médios empresários. Talvez tenha contrariado alguns interesses. Em 83, fui o primeiro presidente de entidade de classe – que em 82, quando terminou o governo, assumi a presidência da Associação Comercial – a ferir de morte o todo-poderoso ministro Delfim Netto. ISTOÉ – Como assim? Afif – Com aquele despacho do presidente Figueiredo, “é possível suportar isso? Até quando?”. Ou seja, eu fui lá, disse o que estava acontecendo no País e enfrentei o poder. Sabia dos riscos que corria. O presidente fechou a porta do Palácio do Planalto para mim, o Delfim Netto me botou o Imposto de Renda em cima. Quero deixar bem claro: essa gente que está aí travestida, hoje, de democrata, na verdade, quando tinha os instrumentos do poder na mão se comportava de forma autenticamente fascista. ISTOÉ - Como é que um eventual presidente trataria a CUT? Afif - Eu convivo com toda a representação autêntica. Líder, para mim, é aquele que se põe à frente da massa e a comanda com a liderança autêntica. Líder, para mim, não precisa fazer piquete nem esconder ônibus na greve. O PT ficou do meu lado contra a unicidade e contra o imposto sindical. No plenário, houve um acordo entre o Joaquinzão e o Mário Covas – o Covas seguia o que o Joaquinzão determinava – para efeito de negociação trabalhista. Tanto é que o Mário Covas ficou ao lado da estabilidade e depois aceitou a proposta alternativa da indenização quando o Joaquinzão deu o sinal verde. Joaquinzão, então, negociou com o Albano Franco a manutenção do imposto sindical e da unicidade sindical. Eu e o PT na tribuna, contra. Rejeitamos as propostas, houve o acordo final, em que entraram a Confederação Nacional da Indústria, a CGT, o PCB. Votei contra. O PT se absteve, porque, na verdade, ao PT interessava aquele tipo de acordo, porque ele tiraria a castanha do forno pela do gato. O PT ficou docemente constrangido, mas agora tem todos os recursos necessários para fazer o que a CUT está fazendo: os piquetes, esconder ônibus e tudo o que vise utilizar a greve como forma de manifestação política. Quem está procurando dinheiro da campanha do PT no Exterior está muito enganado. O PT tem de agradecer ao Albano Franco toda a soma de recursos que está recebendo. 4#7 A APOSTA DE ULYSSES Ele acha que, se ganhar o partido, ganha as eleições. Mas terá de usar toda a sua tenacidade para convencer o PMDB José Carlos Bardawil Ulysses Guimarães chegou às eleições de 1989 sem o mesmo prestígio que conquistara ao longo da bela, porém derrotada, campanha pelas eleições diretas para presidente de cinco anos antes. Após ver a emenda Dante de Oliveira ser derrotada no Congresso Nacional, Ulysses se transformou em uma espécie de símbolo maior das lutas pela redemocratização plena do país naquela segunda metade dos anos 80. Mas, já quase na virada da década, a proximidade excessiva com José Sarney e suas políticas econômicas desastrosas e a costumeira dificuldade em unir o PMDB lhe cobrariam um preço alto. No fim de junho, a quatro meses da eleição, a camapanha do "Senhor Diretas" não decolara e, rapidamente, Ulysses passou a gastar mais tempo tentando remendar o seu partido do que buscando votos. Aos 72 anos, Ulysses transformara-se em uma sombra do líder da década anterior. Chegou ao final da campanha sem apoio, quase desacreditado por seus pares. Ainda assim, conquistou mais de três milhões de votos e terminou como o sétimo candidato a presidente mais votado. Esta reportagem, publicada no fim de junho de 1989, conta o momento crítico da campanha de Ulysses e como ele acreditava que seria possível reverter o fracasso que se anunciava Político dos desafios, Ulysses Guimarães enfrenta há dois meses o maior deles, desde que se lançou candidato a presidente da República: precisa viabilizar, antes de tudo, a sua tentativa dentro do próprio partido que presidiu durante 28 anos, o PMDB. Na quarta-feira, 21, Ulysses atirou fora o estilingue que os publicitários de sua campanha haviam recomendado como uma boa imagem eleitoral exatamente para não atiçar ainda mais as contradições internas dos peemedebistas. A maioria não gostava nem um pouco do símbolo encontrado para a campanha. “É coisa de moleque”, comentava o vice-governador paulista Almino Afonso. “É um símbolo superado para a época do raio laser", atacava o deputado paranaense Hélio Duque. Juntando os fios Terça-feira, 20, na Assembléia de São Paulo, com Almino Até mesmo dona Mora, a dedicada esposa e companheira de batalha eleitoral que trabalha a candidatura na área feminina, havia apontado, no estilingue, um defeito básico: “E antiecológico, porque serve para matar passarinho.” Como as discussões aumentavam ainda mais o ambiente de que se armava em Brasília em torno do de campanha ulyssista, o velho líder simplesmente preferiu começar tudo de novo: mandou retirar os outdoors de estilingue que começavam a aparecer em São Paulo e marcou nova reunião com sua equipe de publicitários para a próxima terça-feira, quando espera, encontrar uma marca definitiva. Até lá, terá, porém, de administrar outras tantas dificuldades internas da campanha. Há gente, no chamado Novo PMDB, que não está apreciando nem um pouco a articulação nacional, a cargo do ex-ministro Renato Archer, um dileto amigo de Ulysses. Dizem que Archer não os ouve para nada, não faz reuniões, não discute, não usa a técnica consagrada do brainstorming. Que ele decide tudo sozinho, ou em conversas de pé de ouvido com Ulysses e mais um grupo privilegiado de assessores políticos e publicitários. O deputado Dante de Oliveira chegou a sugerir que Ulysses deveria “prestar contas” do que iria dizer a Jô Soares na gravação do seu programa de televisão, na noite da terça-feira, 20. Ulysses, com bom humor, respondeu cunhando uma frase: “Esse rapaz está trocando as bolas, porque eu entrei na igreja com ele, na condição de padrinho e não de noiva.” (Referia-se ao fato de ser padrinho de casamento de Dante.) Mas terminou levando a sério a ameaça e marcou também para a próxima semana uma reunião interna com os membros do grupo Novo PMDB. Pretende, então, dizer-lhes que, se querem participar ativamente da campanha, as portas abertas nas comissões de vários tipos que estão sendo organizadas. A chefia da campanha, contudo, vai continuar nas mãos de Archer - defenderá Ulysses. Inclusive porque ele não tem mandato parlamentar e, portanto, encontraria, na sua opinião, mais disponibilidade para trabalhar. As dificuldades de Ulysses são, no fundo, políticas - e começaram quando se lançou, pouco antes da Convenção do PMDB. Houve reação forte e inesperada. Um grupo de 12 governadores procurou-o na intimidade para dizer-lhe que seu nome, simplesmente, não estava sendo bem acolhido pelas bases. Os motivos dessa acolhida só eram dados pelos governadores em conversas muito reservadas, sem a presença constrangedora de Ulysses. Havia, em primeiro lugar, a chamada "síndrome de Tancredo” - a desconfiança do eleitorado com os 72 anos do candidato. De outra parte, Ulysses teria se identificado demais com o governo decadente de José Sarney, nos últimos dois anos. Agora, seria difícil descolar o candidato do presidente execrado pela opinião popular. Ulysses não ouviu argumentos tão duros e claros naquele encontro com os governadores. Mas para bom entendedor basta meia palavra e mesmo depois de superar oficialmente as resistências (na conversa constrangida e na convenção que se seguiu), ele identificou de pronto que ali residia a principal dificuldade para a decolagem da candidatura. Ainda que aparentemente conformados, os governadores, em sua maioria, estavam descrentes. E, como eles, muitos parlamentares e chefes políticos estaduais. Por isso mesmo, Ulysses decidiu que a estratégia de sua campanha começa pela conquista da adesão do próprio PMDB para a candidatura. Em reuniões sucessivas com Archer, ele procurou traçar planos para “juntar os fios do partido”, como define em conversas reservadas - e, nesse trabalho exaustivo, gastou a maior parte do seu tempo de candidato. Já se percebem, claramente, os primeiros resultados desse esforço, embora a pesquisa do Ibope dê 19% de aceitação para o PMDB e apenas 5% a Ulysses. Alguns governadores renitentes caminham lentamente para o aprisco: como o mineiro Newton Cardoso, que fez declarações públicas de apoio a Ulysses e de crítica ao seu adversário Fernando Collor de Mello. Além disso, Newton prepara encontros do candidato com as chefias políticas do norte de Minas, onde domina com mão de ferro os cabos eleitorais. Outro renitente, o gaúcho Pedro Simon, também faz o caminho de volta, e até com mais rapidez: patrocinou há dez dias uma reunião do candidato Ulysses com cerca de 2.500 lideranças locais do partido, um lance que Ulysses apelidou de “extraordinário, pela vibração e pelo entusiasmo dos militantes”. E pela mesma linha de adaptação à candidatura parecem seguir, também, os governadores Alvaro Dias (Paraná), Casildo Maldaner (Santa Catarina), Marcelo Miranda (Mato Grosso do Sul) e Miguel Arraes (Pernambuco). Este último, na semana passada, organizou também um encontro de Ulysses com as lideranças regionais de seu Estado; teve a deferência de ir receber o candidato no aeroporto de Recife; até mesmo saudou-o, em discurso veemente, como “o futuro presidente da República”. Para quem, há apenas 20 dias, declarava-se descrente quanto as chances de Ulysses diante de Collor, foi um progresso apreciável. Ulysses deu maior importância, ainda, às manifestações da militância que pôde sentir durante esses encontros. Animado com o calor das recepções, ele arriscou, com êxito, alguns lances de efeito que pretende utilizar, mais tarde, na campanha pela tevê e nas praças públicas. O problema da idade, por exemplo, foi enfrentado de peito aberto. “Ofereço à minha pátria a minha idade, a minha coragem e, sobretudo, a minha experiência”, disse por onde andou, sendo sempre entusiasticamente aplaudido. De olho na cadeira Presidente da Constituinte recebe o promissor governador de Alagoas (1987) Assim, Ulysses procura, nitidamente, reverter em seu favor o dado negativo da idade. E essa tática de reversão parece ser a sua preferida, nesta campanha. Ele prestigia acima de tudo o partido, num tempo em que se canta a desimportância das legendas e quando o líder das pesquisas é exatamente Collor, que só conta com uma ficção partidária, o PRN. Da mesma forma, Ulysses insiste na defesa do Congresso e dos políticos, exatamente no instante em que a atividade político-parlamentar chega ao seu mais baixo grau de credibilidade. Ulysses, sem dúvida, é um resistente. Sua história política demonstra claramente essa qualidade: ele resignou-se a ficar no MDB logo após a vitória do movimento armado de março, quando muitos dos seus antigos colegas do PSD se bandeavam para o lado vitorioso. Aparentemente, uma decisão errada, para um político que não tinha grandes vinculações ideológicas com os perdedores. Mas Ulysses considerou inconciliável com o seu passado de ministro do regime derrotado a participação num partido que daria apoio aos vitoriosos. Discreto, mas eficiente, logo se tornou um dos dirigentes do partido, em 1966, criado para fazer oposição de mentirinha. E em pouco tempo estava comandando uma oposição de verdade, e que incomodava o governo militar - tanto que seus representantes tinham os mandatos cassados com incrível regularidade. Em 1974, Ulysses teve a inspiração da “anticandidatura” a presidente da República. Correu o País como se tivesse chance de eleger-se num colégio eleitoral onde os representantes do poder eram flagrantemente majoritários. O então governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, tentou intimida-lo com os cachorros da Policia Militar, mas não conseguiu: Ulysses enfrentou os latidos ameaçadores, caminhando em direção à eles, para entrar na História. Pouco depois, chegou a comparar o general Geisel a um “Idi Amin” dos Trópicos. Quase foi cassado, mas sobreviveu, inatacável na sua aura de respeitabilidade. Em 1984, ainda coube a Ulysses comandar a campanha nacional pelas eleições diretas, surgindo novamente como candidato a presidente da República. Multidões foram às ruas para ouvi-lo, mas o aplauso não lhe subiu à cabeça: ele recuou para que Tancredo passasse, no Colégio Eleitoral, quando sentiu que o outro, de fato, teria mais chances de compor as alianças para derrotar Paulo Maluf. E Ulysses ainda cederia de novo, na noite do impedimento de Tancredo Neves, atirado a uma cama de hospital com infecção intestinal: houve quem o quisesse como substituto imediato do presidente eleito, mas não empossado, que era o presidente da Câmara; contudo, Ulysses preferiu a mais simples, apoiando a subida de José Sarney. Assim procurava evitar uma crise institucional, pois os militares, certamente, prefeririam o antigo amigo no poder. Tendo cedido o lugar por duas vezes, Ulysses mostra-se nessa terceira oportunidade, a eleição direta, possivelmente porque sente que é a sua derradeira cartada presidencial. Mas os tempos mudaram para Ulysses e o PMDB. O partido que em 1986 chegou ao seu auge com 305 constituintes e 22 governadores eleitos, hoje vê se reduzirem a cada dia as suas bancadas no Congresso, Assembleias Legislativas e Câmara de Vereadores, além de já ter perdido três governadores. Ulysses, portanto, baseia-se no PMDB justamente quando sua força eleitoral se esvai e quando as perspectivas da eleição surgem nada animadoras. Há, também, problemas regionais bem definidos. No Ceará, por exemplo, o governador Tasso Jereissati ainda lhe pede tempo para apoiar a candidatura. Tasso gostaria de fazer seu sucessor o secretário de governo Sérgio Machado, mas sabe que Ulysses preferiria o deputado Paes de Andrade, velho amigo do PSD e atual presidente da Câmara. Além disso, há problemas pessoais nesse desencontro entre Tasso e Ulysses. O governador ainda não lhe teria perdoado, segundo alguns observadores, o veto à sua indicação por Sarney para o Ministério da Fazenda, em 1987 - com a queda de Dilson Funaro. Ulysses não gostou da ideia e Sarney, por sua influência, indicou Bresser. Outra questão regional de complicada solução localiza-se em Pernambuco. Ali, Miguel Arraes vê-se isolado, num instante em que seus tradicionais adversários, Roberto Magalhães e Joaquim Francisco, transam com o esquerdista Brizola e quando o comunista Roberto Freire prepara, com a tentativa presidencial, uma forte candidatura ao governo do Estado em 1990. Arraes gostaria de fazer seu vice Carlos Wilson para a sucessão, mas não está encontrando espaço. Por isso, vai engolindo a candidatura Ulysses com muita dificuldade. Nos intervalos, parece mesmo disposto a aceitar a sobremesa esquerdista que lhe é oferecida pelo candidato do PT, Luis Inácio Lula da Silva. Na semana passada, Lula ofertou a Arraes a vice de sua chapa. Em Minas, ainda que apoiado por Newton Cardoso, Ulysses sofreu um golpe na semana passada, quando a vice-governadora Júnia Marise anunciou sua adesão a Fernando Collor. Também aí um lance de sucessão: Júnia quer encontrar espaço próprio para 1990, sem ficar à sombra de Newton Cardoso e se aliando ao vice de Collor, Itamar Franco. Outro lance mineiro da semana foi a anunciada adesão de Márcia Kubitschek a Collor - também um severo revés para Ulysses. Há algum tempo, Márcia esteve com Ulysses para revelar-lhe sua tendência a collorir em troca da candidatura à vice-presidência e ouviu uma reprimenda. “Seu pai estaria comigo nesta eleição”, disse-lhe Ulysses, lembrando que o pai de Collor, Arnon de Melo, fazia aposição a Juscelino Kubitschek. Fora isso, Ulysses avisou a Márcia que Collor não daria a ela a vice, como ela chegou a sonhar, e sim a Itamar Franco. Foi o que, de fato aconteceu. Itamar virou vice de Collor e Márcia, irritada, repetiu, à frente de Ulysses, na inauguração de um diretório do PMDB em Brasília, sua frase sobre o voto de Juscelino, sob aplausos gerais. Márcia reatou, porém, seu namoro com Collor e, na semana passada, parecia a um passo de collorir. Tudo pela democracia O anticandidato do MDB enfrenta os cães da ditadura em Salvador (1974) Ulysses, por certo, dá muita importância aos incidentes regionais da campanha. Percebe que, se não os resolver a tempo, pode perder a máquina partidária com que pretende ainda reverter as primeiras tendências das pesquisas, alcançando a vitória final. Ele deu uma mostra dessa sua preocupação na Paraíba, quando jogou nitidamente em favor do prestígio à liderança local de Ronaldo Cunha Lima, antepondo-se ao governador Tarcísio Buriti, que ameaça deixar o partido. Ulysses elogiou Cunha Lima e disse que Buriti, se quer sair, deve fazê-lo o quanto antes,“para não atrapalhar o partido”. Só que - acrescentou - deveria sair devolvendo o cargo que o PMDB lhe deu. “Este partido não é casa de tolerância nem agência de turismo!” - atacou Ulysses, sendo entusiasticamente aplaudido pelos correligionários paraibanos. Já a identificação com Sarney não parece tão preocupante para Ulysses. Ele insiste que deixou de dar palpite no governo desde a reforma ministerial de 1986, quando o presidente manifestou o desejo de ter um ministério de sua exclusiva confiança. Possivelmente, considera a indicação de Bresser uma mera exceção desta regra. De todo modo, Ulysses assegura que os atuais ministros “não têm compromisso com o PMDB”. E declara-se confiante que o eleitorado acabará compreendendo essa dissociação do seu partido com o governo Sarney. Ele pretende deixá-la mais clara nas próximas horas, quando o PMDB vai se posicionar contra a nova política salarial do governo. Mas recusou a proposta de alguns dos seus conselheiros, que desejavam vê-lo criticando aberta e diretamente o presidente da República. Ulysses, pelo contrário, desmentiu criticas que, segundo os jornais, teria dirigido a Sarney num discurso em Porto Alegre. Na verdade, endereçou farpas ácidas, mas genéricas, ao presidente. Ele não aceita a ideia de alguns assessores, segundo a qual Collor é, a esta altura,o adversário a ser atingido. Experiente, Ulysses considera que o jovem líder das pesquisas ainda tem muito chão pela frente antes de confirmar sua condição de favorito. Um dado recente pareceu-lhe bastante significativo: Collor foi vaiado quando compareceu às barracas da “Festa dos Estados” em Brasília, há dez dias. Nesse mesmo dia, ele,Ulysses, foi aplaudido. De qualquer modo, Ulysses não gosta muito de falar sobre os resultados das pesquisas, que insistem em apontá—lo num incômodo terceiro lugar, com 5% a 7% das preferências de voto. Ele concorda com a opinião de Aureliano Chaves de que as pesquisas não deveriam induzir o voto. Pretende mesmo apoiar a proibição do anúncio de resultados e pesquisas cinco dias antes do pleito. Contraditoriamente Ulysses usa, porém, pelo menos um dado da pesquisa a seu favor: é a preferência do eleitorado pela legenda do PMDB. Bastaria “colar” a candidatura ao partido, raciocina Ulysses, e ele estaria garantido para o segundo turno eleitoral. Agora sou eu A Tancredo cedeu a vez. Nunca mais Nos últimos dias passou esse raciocínio adiante até para ouvintes de outros partidos, entre os quais o presidente do PTB, Paiva Muniz. Ulysses apreciaria um acordo com o PTB, já antes até do segundo turno, mas aceita qualquer acordo, mesmo a posteriori. Ele se diz disposto a fazer “todos os acordos possíveis, desde que não descaracterizem a candidatura”. Outra hipótese do acordo muito acalentada é com o PSDB de Mário Covas. Ulysses encontrou-o em São Paulo, dias atrás, nos bastidores do programa de Jô Soares, e trocaram um longo abraço. Aos amigos, Ulysses segreda que a possibilidade de um acordo com o PSDB no segundo turno é “um dado natural da campanha”. Ele espera continuar crescendo, mesmo lentamente, nas próximas pesquisas, de modo a motivar esperanças novas na máquina partidária. Obtidas pelo menos 10% das preferências, prevê, “tudo ficará mais fácil”. Ulysses sabe que o pior momento de sua campanha é o de hoje. Se chegar aos 10% pretendidos, supõe, ainda poderá decolar com a ajuda da “máquina” e do programa de televisão gratuito. “Ninguém tem 23 minutos como nós. E mais: ninguém tem os quadros para ocupar esse tempo. Porque não basta ter tempo, é preciso ter gente para falar”, tem dito ele, repetidamente, numa demonstração do otimismo com que pretende incendiar o PMDB. 4#8 A CHINA É MUITO LONGE O candidato do PCB diz que o comunismo dele é o da glasnost e narra seu encontro com o dr. Roberto, da Globo por Bob Fernandes Comunista comedor de criancinhas? Essa era a imagem que Roberto Freire menos queria passar para seus eleitores. Como primeiro candidato do Partido Comunista Brasileiro (PCB) à Presidência do Brasil desde 1945, ele tentava mostrar que, em 1989, as propostas de seu agrupamento político estavam a anos-luz de distância do movimento repressor tão presente na China comunista da época. Freire também se mostrava disposto a fazer possíveis alianças com PT, PDT e até PSDB, já prevendo que sua candidatura teria poucas chances de chegar ao segundo turno. Nesta entrevista, o líder comunista aborda temas que permanecem atuais hoje, como os direitos dos homossexuais, a descriminalização das drogas e do aborto. "Queremos uma definição concreta de que a mulher deve ser dona do seu corpo", afirmou. Zagueiro central atuando sempre pela direita, o pernambucano Roberto Freire se consagrou mais pelo vigor do que propriamente pelo trato da bola nas partidas travadas, durante a Constituinte, entre parlamentares e jomalistas, em Brasília. Teve de refrear, porém, sua paixão pelo futebol por uma razão bem pragmática: está em campanha pela Presidência. Na única vez em que outro filiado ao Partido Comunista Brasileiro tentou essa proeza, em 1945, Freire tinha apenas 3 anos de idade. Na época, Yedo Fiúza amealhou perto de 10% dos votos, simbolizando a força de uma legenda que, na mesma eleição, elegeu um senador - Luiz Carlos Prestes - e 13 deputados federais. Hoje, as pesquisas praticamente desconhecem Freire, mas a candidatura vai até o fim, resistindo aos apelos de uma composição eleitoral à esquerda - o PCB quer, com Freire, mapear sua atual penetração no País. Roberto Freire - No futebol, ele atua pela direita O candidato, de resto, embora seja o vice-presidente do partido, tem pouco a ver com a imagem do comunista típico. Além de futebol, joga basquete, é ótimo conversador, adora uma cervejinha e é amplamente carnavalesco. Pai de cinco filhos – a mais velha deixou um curso de balé em Leningrado para ajudar na campanha do pai -, ele ironiza: “Demonstração clara de que os comunistas não comem criancinhas, fazem criancinhas.” Acabou de ler “Os Filhos da Rua Arbat”, clássico do anti-stalinismo e, quando encontra tempo, ouve músicas que façam lembrar sua juventude - bossa nova, de preferência. Trata-se, portanto, de um comunista bossa nova: ISTOÉ - Os acontecimentos recentes na China não atrapalham sua campanha? Roberto Freire – São profundamente lamentáveis os acontecimentos da China. O processo de repressão adotado pelo governo chinês frustrou, acredito, toda a consciência democrática do mundo. As sociedades socialistas, com a União Soviética à frente, estão dando respostas para processes de crise que vão enfrentando e surgem propostas de democratização, buscando conseguir que as sociedades socialistas não sejam apenas mais justas, mas também sejam mais livres. ISTOÉ— Isso não reativa, também, no Brasil, o preconceito que é tente com relação aos comunistas? Freire– Bom, isso é um dado negativo. Só que eu juntaria alguns dados tremendamente positivos. A começar pelo fato de que há todo um processo de democratização no restante do mundo socialista. Então essa é uma faceta negativa desse processo mais geral de luta pelo socialismo no mundo, o que se passa na União Soviética, o processo da glasnost, o que ocorreu na Polônia, e tudo o que ocorre na Hungria, toda essa efervescência e essa discussão, que é inclusive muito rica no mundo socialista, isso também nos ajuda; a do Gorbachev, toda essa política de desarmamento e de paz da União Soviética e dos Países socialistas, tudo isso é muito positivo. ISTOÉ — O sr. propôs há pouco tempo, durante a última onda de greves e atentados, um pacto antiterror. Foi um lance anti-PT e CUT, cujos militantes na época estavam sendo acusados pela bomba de Pernambuco? Freire - Não, até porque eu não acho que o PT tenha responsabilidade por aquele ato terrorista. Pode até ser que existam alguns aventureiros dentro do PT e que pensam que terrorismo é prática de luta da classe operária, mas estão muito enganados. Eu quero aproveitar para dizer que, quando nós nos pronunciamos contra isso, foi em cima da bomba de Volta Redonda, não foi da bombinha que ocorreu em Pernambuco. Só que nós não podemos admitir que isso de qualquer modo seja prática ou forma de luta da classe operária. Também não admitimos como prática da luta da classe operária grevistas encapuzados. O capuz serve para torturador ou para a Ku Klux Klan, não é da luta operária, em canto nenhum do mundo e nem da nossa tradição. Operário encapuzado em greve me assusta, me lembra Ku Klux Klan ISTOÉ — Isso não soa anti-PT? Freire - Ao contrário. A tentativa que houve foi exatamente a de vincular ao PT essas manifestações. O que nós pretendíamos dizer é que temos de barrar o terrorismo até para que existam as grandes manifestações operarias, até para que o direito de greve seja garantido, porque com atentados terroristas nós não vamos ter nem a liberdade nem o direito de greve. A defesa da democracia não vai ser feita pela direita, a democracia é um bem fundamental para a esquerda brasileira, é um bem fundamental para a classe operária, para os trabalhadores, para que ela possa organizar-se e ser alternativa de poder. E nós nisso somos radicais e essa nossa postura faz lembrar um episódio que é muito importante, o episódio do sequestro do embaixador americano. Quando foi solicitada a soltura de 12 brasileiros que eram presos políticos, dentre eles estava o Gregório Bezerra. Pois é bom a gente lembrar que Gregório Bezerra se negou a sair e só saiu para evitar que o embaixador americano corresse risco de vida, mas saiu com uma carta dizendo que aquilo não era a forma de luta adotada pelo PCB. ISTOÉ - Como é que o sr. explica a sua presença, como candidato comunista, no gabinete do empresário Roberto Marinho, da Rede Globo? Freire – Ora, eu fui lá como fui a diversos outros setores das comunicações sociais, como a TV Bandeirantes, o Jornal do Brasil, o Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo... ou seja, nós estamos conversando com todos. ISTOÉ - Os donos da mídia não estão querendo usar o Partido Comunista Brasileiro para tirar votos de outros setores da esquerda? Freire — Não. Eu queria lembrar que os eleitores de Roberto Freire são os únicos eleitores que não têm como segunda opção o Fernando Collor, ou seja, são os eleitores de esquerda, os mais conscientes e coerentes. Eles fazem a segunda opção por Covas ou Lula, mas nunca por Collor. São diferentes dos eleitores do PT e dos outros partidos, que têm como segunda opção o Collor. Ninguém pode estar imaginando que eu não tenha essa característica básica de ser um candidato que fala do socialismo, que tem uma proposta coerente de tentar construir o socialismo no Brasil e tem atrás de si uma tradição de luta de 67 anos. ISTOÉ - Mas o espaço dado ao sr. ultimamente não é maior do que o dado a outros partidos de esquerda? Freire - Note que quando vou falar com um bispo ou com um cardeal isto significa um dirigente comunista praticando um ato histórico, porque, antes, nunca o partido teve condições de dialogar com a Igreja. Eu não tenho bispo no meu partido, diferentemente de outros partidos. Então, é importante lembrar isso: é um fato histórico nesse País um alto dignitário da Igreja receber um alto dirigente comunista; e isso, é claro, tem espaço na imprensa. Ou não se cobre essa notícia? Agora, quando eu fui visitar Roberto Marinho, estava levando uma proposta contra terrorismo e a favor da democracia. Quero dizer é que não estou fazendo nenhuma concessão. É importante lembrar que esse processo político tem algumas coisas interessantes. O Partido Comunista Brasileiro veio a ser legalizado e a conseguir sua identidade depois da superação da ditadura, diferentemente de outros partidos que até tiveram a capacidade de se legalizarem no período da ditadura. Em nenhum momento, alguém ficou imaginando que isso tenha sido produto de concessão ou da conciliação que esse partido faz, para ser contra nós, os comunistas. E quando o PT se legalizou, em nenhum momento passou pela cabeça de ninguém que aquilo era uma jogada do sr. Golbery do Couto e Silva para acabar com os comunistas no movimento operário. Não obstante, a chamada reforma partidária viabilizou a legalidade do PT e não a legalidade dos partidos comunistas. O PT se legalizou na ditadura e nem por isso se dirá: “É obra do Golbery" ISTOÉ - O sr. falou há pouco em Collor como opção uma reprovável para a eleição presidencial. E essa a sua opinião sobre Collor? Freire — Olha, é difícil a gente descobrir hoje o que representa de fato o político Collor. Ele surgiu em cima de uma palavra de ordem, em cima de um processo administrativo de Alagoas, que gerou uma grande de marketing: o marajá. E a partir do combate ao marajá, que também foi criado a nível da mídia eletrônica, a figura de Collor passou a ser importante do ponto de vista da política, num País que se degrada moralmente. ISTOÉ — Mas o que se está buscando tem substância? Freire — A sociedade brasileira está desacostumada a processos democráticos, pode ser instrumento fácil da demagogia, dos slogans e até de marketings bem feitos que talvez representem muito pouco em relação aos nossos reais problemas, mas que podem significar algo para o eleitor. Nasce, assim, uma esperança de que se possa resolver a realidade a partir do combate aos marajás, contra a impunidade, pela punição dos criminosos de colarinho branco. Depois, o ex-governador de Alagoas teve também a vantagem de poder fazer três programas de televisão, no horário nobre, em rede nacional; coisa que nenhum outro candidato teve, e fazendo um programa com muito boa técnica, algo que poderíamos dizer que foi um videoclipe. Os processos eleitorais aqui não são discutidos em função dos programas, das ideias, dos projetos políticos. Aqui, o pessoal espera o Gallup ou o Ibope para só discutir sobre os índices de vários candidatos. Eu tenho discutido muito menos as ideias do Collor, até porque essas não são muito claras. Tenho muito mais discutido os seus índices no Ibope, no Gallup. ISTOÉ - Numa sociedade carente que busca o mito da juventude, a imagem do Partidão não está um pouco envelhecida para enfrentar uma campanha presidencial tão difícil? Freire - Ao contrário, o novo hoje no Brasil é exatamente o PCB e essa sua proposta a partir do socialismo renovado, a partir da sua radical vinculação à democracia como valor inerente à construção do socialismo. No campo da esquerda, nós estamos representando exatamente o que de mais moderno, o que de renovado, com o nosso projeto de discutirmos o socialismo para o Brasil. Eu quero dizer e tenho sempre repetido em alguns debates que talvez nós possamos estar sendo o novo exatamente porque temos história, porque somos o partido mais velho. A esquerda tem se unido. Mas, agora, no primeiro turno, é diferente ISTOÉ - Com quem é possível o PCB fazer alianças nesse processo de eleição? Freire — A esquerda brasileira, desde o processo constituinte, vem tendo algumas lutas unitárias muito importantes e muito significativas a nível da classe operária, dos trabalhadores, do movimento dos servidores públicos, dos movimentos diante das universidades, de toda a sociedade civil brasileira. Hoje, há muito mais convergência à esquerda do que divergência, mais trabalho unitário do que diversidade de ações. Dito isso, eu observo que no processo eleitoral se demonstra uma certa divergência. Isso é até muito salutar e próprio do sistema das eleições de dois turnos. Se a Constituição aprovou a exigência dos 51% dos votos para a eleição de governador, de prefeito ou de presidente, foi também para que se instalasse no Brasil o debate das ideias, para que houvesse o confronto dos programas, para que os projetos políticos das várias forças sociais dos vários partidos que existissem se confrontassem efetivamente na sociedade. E é isso que está ocorrendo. O primeiro turno é o turno privilegiado desse debate. ISTOÉ - Com quem o PCB está simpatizando hoje para o acordo no segundo turno? Freire — Algum tempo atrás, antes da convenção do PMDB, eu situava o partido de Mário Covas como uma tentativa de uma moderada social democracia brasileira. Já o PDT do sr. Leonel Brizola é integrante da Segunda Internacional, uma social democracia com alguns laivos populistas no Terceiro Mundo. O PT seria uma social democracia de esquerda, a partir da hegemonia que o grupo Articulação tinha no PT, que provocou inclusive o pedido de ingresso na Segunda Internacional Socialista feito por Lula quando da viagem à Europa. E a nossa candidatura é a candidatura do partido marxista deste País. Todos esses partidos poderiam estar agregados num segundo turno. ISTOÉ - PSDB, PT, PDT. Mas o sr. não falou do PCdoB . . . Freire - Ah, esse está junto com a gente. É que estou falando de partidos que têm candidatos. ISTOÉ — A frente ainda incluiria o PV e o PSB? Freire - O PV, eu não sei. O PSB também, mas sem muita unidade, porque tem gente do PSB em vários lugares. Eu estou falando das candidaturas que representam as forças de esquerda. Não sei se isso até vai ficar, porque tem uma grande discussão do problema da composição que a Frente Brasil vai adotar a nível da vice-presidência. Eu diria até que, depois da convenção, o PMDB fez uma clara opção pelo campo democrático, no momento em que derrotou o projeto que a direita tentava criar dentro do PMDB, que era a candidatura Orestes Quércia, e com a derrota dos chamados moderados. A maconha não deve ser tratada como droga, mas o tráfico tem de ser punido ISTOÉ — Digamos que o sr. se eleja presidente da República. Com que quadros o sr. vai governar? Freire — Com os quadros da democracia e das forças progressistas deste País. Nenhuma força sozinha poderia governar bem este País. ISTOÉ – As posições liberais que o sr. tem manifestado em relação a temas como o homossexualismo e droga são posições de campanha ou é uma posição de Partido Comunista Brasileiro? Freire – Eu diria que, primeiro, é uma posição pessoal, resultado de concepção de vida que tenho. Tenho uma relação com meus filhos, de homem que procura entender o seu tempo. Como tentei entender o meu tempo de jovem, e por isso mesmo discuto essas questões, buscando aquela tranquilidade de discutir e tentar entender. Minha posição frente à questão das drogas e do homossexualismo é algo que corresponde à minha concepção pessoal. ISTOÉ – Não é uma posição partidária? Freire – Acho que o PCB assumiu como partido político uma posição claramente avançada quando da votação da Constituinte brasileira, correspondente a essa posição e essa concepção pessoal que tenho. Então, não está havendo nenhuma contradição das minhas concepções pessoais com a visão que o partido tem dessas questões. E não tem nada a ver com o programa eleitoral, até porque há muito tempo temos nos posicionado dessa forma. Nós, quando votamos na Constituinte, apoiamos uma reivindicação dos movimentos das minorias sexuais, concretamente o movimento organizado dos homossexuais, na questão da orientação sexual. Era uma forma de demonstrar que isso não deve ser tratado como tratava a Previdência Social brasileira, como uma doença, catalogando o homossexualismo como um desvio de comportamento. Nós queremos que isso seja definido apenas como uma orientação que individualmente as pessoas podem assumir na questão sexual. ISTOÉ – E quanto às drogas? Freire – Antes, seria bom dizer que, na questão do aborto, queremos uma definição concreta de que a mulher deve ser dona do seu corpo: ela é que deve definir sua maternidade. Claro que guardadas as devidas precauções médicas. Então, nós também nos posicionamos a favor da descriminalização do aborto. E, na questão das drogas, achamos que a maconha tem de ser entendida não como droga, mas algo que precisa ser mais bem entendido e separado até da visão comum que se possa ter das drogas. As chamadas drogas pesadas têm de ter um tratamento vinculado à saúde pública, porque o grau de dependência que elas criam e até problemas que trazem de ordem genética, física e mental, exigem isso, além de serem necessários mecanismos para que o tráfico seja realmente punido, seja realmente perseguido. Mas aqueles que fazem uso da droga, em função do problema da dependência, têm de ser tratados de forma evidentemente diferenciada. É mito achar que a dúvida não será paga. Até Gorbachev está pagando a dele ISTOÉ – O que pensa o candidato do PCB sobre a dívida externa e a combalida economia brasileira? Freire – Um dos mitos que se tentou criar foi aquela história de dizer que nós não vamos pagar a dívida. Ainda bem que alguns dos setores que tinham essa posição não a têm mais; e já chegaram talvez àquela que nós defendíamos e éramos olhados com uma certa desconfiança, acusados de que não estávamos tendo a posição que deveríamos ter, aquele radicalismo de não querer pagar. É que nós talvez estivéssemos nos lembrando do que se passou com a União Soviética logo após a revolução bolchevique. (Aquela foi a revolução talvez mais radical que ocorreu no mundo e tinha o Exército Vermelho em armas, que disse, num primeiro momento, que as dívidas do czarismo eram do czarismo e que não iam ser pagas pelo novo poder soviético.) Pois bem: depois, o próprio poder soviético teve de buscar integração com os sistemas financeiros internacionais e teve de discutir a questão da dívida. Até bem recentemente, parece que Gorbachev estava pagando as últimas parcelas dessa dívida do czarismo. E nós não podemos ter uma posição de imaginar que a realidade brasileira ofereça uma correlação de forças a ponto de nós podermos dizer que não vamos pagar a dívida, até porque eu acho que não é só saber se teríamos força ou não. E também porque isso iria significar uma postura que estava condenando o Brasil a uma autarquização, a um isolamento. E essa não é nossa opção dentro do Movimento Comunista Internacional, num congresso que houve em Havana: a decretação de uma moratória por um prazo que nós havíamos fixado em cinco anos e que queremos transformar em dez anos. Dependendo da correlação de forças a nível internacional, a proposta de Gorbachev é até viável, a que foi feita na ONU, de 100 anos de moratória. Quero dizer que há um certo consenso internacional de que é impossível continuarmos com essa drenagem que estamos fazendo de exportar o excedente líquido como estamos, não para pagar a dívida, mas para pagar o seu serviço. Isso não é apenas o Brasil, são todos os países devedores, que estão exportando capital quando necessitam dele para seu desenvolvimento. ISTOÉ – E como é que o PCB trataria a questão do capital estrangeiro? Freire – Nós tínhamos definido na Constituinte que era interessante a Constituição brasileira ter um capítulo sobre o capital estrangeiro, definir claramente o seu grau de complementaridade, a necessidade que se pode ter de poupanças externas, mas definindo o ramo ou setor da economia onde essa complementaridade pode exercer-se. Era preciso também tratar, corretamente, questões como as remessas dos lucros, ou as das relações com as matrizes nos seus países de origem. E, mais do que isso, fixar uma vinculação clara para certos e determinados tipos de empresas que foram criadas no Brasil e que me parecem ser muito interessantes como modelo para a participação do capital estrangeiro na economia brasileira. Capital estrangeiro é bem-vindo, mas subordinado ao interesse nacional ISTOÉ – Por exemplo? Freire – São as chamadas empresas tripartites, fórmula inicialmente adotada na Companhia Vale do Rio Doce. É uma empresa com capital estatal, sob controle estatal, mas com a participação da poupança privada nacional e até internacional. Eu acho que é interessante esse tipo de sistema de empresas, porque pode ser o ideal para a absorção da poupança externa, desde que evidentemente no grau de complementaridade e no caso concreto, aí, no grau de subordinação aos interesses nacionais que é determinado pelo controle estatal. ISTOÉ – O Brasil não está na contramão num momento destes? Freire – Não, porque não se trata de impedir a participação do capital estrangeiro. Só que ele terá de estar subordinado aos interesses nacionais, terá de vir com um grau de complementaridade, terá de vir como nós, como capital brasileiro, somos tratados em qualquer lugar que vamos. ISTOÉ – O sr. falou em preconceitos. O partido está tendo problemas ou algum tipo de perseguição na campanha? Freire – Não acredito ainda, embora seja importante se levar em consideração que todo processo político tem o grau de insanidade inversamente proporcional ao grau de democracia que a sociedade tem. 4#9 DIABO, SATANÁS, CÃO, ESTADO... O intervencionismo estatal está para Caiado assim como a corrupção está para um outro candidato por Bob Fernandes Privatização, meritocracia, livre iniciativa... o discurso parece familiar? Na campanha presidencial de 1989, Ronaldo Caiado, do PSD, era o candidato que apresentava com mais afinco esses ideais liberais. Ex-líder da União Democrática Ruralista, poderosa instituição que representava os interesses dos grandes produtores do campo, o médico Caiado dizia não ser de direita, mas um democrata, e defendia a presença do Estado apenas em setores considerados estratégicos, como habitação, saúde e segurança. Para todos os efeitos, na campanha, Caiado era um "nanico", mas cujas ideias encontram, até hoje, muitos apoiadores. "Não podemos confundir defesa de livre iniciativa nem defesa de terra produtiva como sendo radical de direita", disse. O presidenciável Ronaldo Caiado vem descobrindo ultimamente uma insuspeitada identificação com a poesia de Caetano Veloso. Toca-lhe platonicamente a alma um trecho da música Gente que diz “gente é para brilhar, não para morrer de fome”. É provável que os inimigos do candidato não se comovam com a revelação, mas talvez se surpreendam ao descobrir que ele prefere um bom filme de suspense a um faroeste. No mais, Caiado é tudo aquilo que se sabe dele há um bom tempo. Continua invectivando contra o clero progressista, classifica de “demagógicas” as propostas dos candidatos de esquerda, a “esquerda de boutique”, para usar um termo que ele adora, diz ser um defensor da reforma agrária, a seu modo – aquela feita em terra da União – e reafirma seu credo privatista. Ronaldo Caiado - Perseguido desde o tempo da primeira comunhão No passado, valendo-se de uma bolsa de estudos concedida pelo governo brasileiro, Caiado especializou-se em Ortopedia em Paris, onde vivia com US$ 600 por mês num studio em Jussier - um “bairro de operários”, diz exultante. Hoje, aos 39 anos, o candidato do PSD não vê incoerência entre seu discurso atual e os favores oficiais de que um dia se valeu. “Foi por mérito”, explica. Também não acha contradição no fato de ter escolhido para seu vice Camillo Calazans, que recentemente se declarou de esquerda à IstoÉ Senhor. A propósito, Caiado se considera um “democrata liberal”, um homem de centro. ISTOÉ - Dizem que o sr., quando estudante, recebeu bolsa do governo, e que isso não combinaria com seu atual discurso antiestatizante. Ronaldo Caiado — Fui para o Rio de Janeiro com 16 anos, passei a viver em uma república e prestei vestibular no Maranhão disputando uma vaga com 80 candidatos. Fui universitário, acadêmico pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Fiz meu curso de pós-graduação no Rio de Janeiro, fui professor assistente na Universidade Federal do Rio de Janeiro e tive a oportunidade de tirar bolsa de estudos para ir à Europa. Depois retornei ao Brasil e todos os cargos que ocupei foram por concurso público. Desafio qualquer um a mostrar que eu tenha sido nomeado para algum cargo que não tenha sido por concurso público. Eu poderia, naquela época, muito bem me privilegiar da força política da minha família e no meu Estado e, talvez, ocupar um cargo de secretário. ISTOÉ - O seu avô foi governador? Caiado - Foi senador do Estado, meu tio-avô foi senador, o meu primo foi governador, meus tios senadores, deputados federais e estaduais. ISTOÉ – E isso em Goiás? Caiado – Tudo no Estado de Goiás. Então eu poderia muito bem ocupar cargos de nomeação, mas nunca quis e até hoje aguardo concurso público da Universidade Federal de Goiás para a cadeira de Ortopedia, porque esse concurso não foi aberto. Por currículo, tenho condições de ser aprovado. Sempre fui coerente. Em relação ao ensino, deve prevalecer a qualidade acadêmica de cada estudante. Quem se destaca deve ter direito à bolsa de estudos, independentemente da sua condição financeira. O estudante que não tem condições econômicas e chega a ser aprovado no vestibular também deve ter direito a uma bolsa de estudos. Já aquele que passou no vestibular, mas não mostra exuberância do ponto de vista acadêmico, deve pagar a universidade de acordo com sua capacidade, de acordo com o lmposto de Renda de sua família. Esta é a tese. Agora, o primeiro e segundo graus devem ser função do Estado. O fenômeno Collor é superficial, um efeito da sua arrancada inicial ISTOÉ — O sr. tem quantos filhos? Caiado — Eu tenho um casal e crio duas. ISTOÉ - O que o cidadão Ronaldo Caiado pensa sobre temas como, por exemplo, o aborto e a virgindade? Caiado - Em relação ao aborto, sou contra por dois motivos. Por ser médico e passar 24 horas dentro do meu consultório, do meu centro cirúrgico, para realmente salvar vidas. Além disso, pela minha formação católica eu sou contra. Em relação ao problema da virgindade, hoje é um assunto que não é mais tabu, não vamos mais rotular as pessoas por serem virgens ou não. ISTOÉ - Como médico ou político, o sr. nunca denunciou a mercantilização da medicina, os grupos médicos que se formam e cobram tarifas escorchantes. Por quê? Caiado - São pessoas da classe. Nunca critico uma classe. Há bons e maus médicos; há bons jornalistas e maus jornalistas. ISTOÉ - Mas não há todo um sistema errado no País? Caiado - Esse sistema no País, para ser analisado, precisa passar por uma auditoria. Você pode saber o seguinte: eu, Ronaldo Caiado, faço a minha medicina privada e faço a minha medicina, com bom atendimento, a todos aqueles previdenciários. O que nós temos de diferenciar aí é que um hospital não tem como sobreviver com as taxas que são pagas pela Previdência Social. Nós, médicos, não aceitamos que todo cidadão venha com a carteirinha da Previdência Social e queira o mesmo tratamento, porque aí você privilegia aqueles que têm condições financeiras, por questão de amizade ou de facilidades. O que nós queremos no Brasil é o seguinte: que o verdadeiro trabalhador, ou aquele que não tem realmente renda, ou que tem pouca renda, tenha cobertura 100% do Estado em termos de saúde. Mas aquele que realmente tem grande salário, ou que tem grande faturamento, não é justo que nós, médicos, tenhamos de atendê-lo em nosso hospital como sendo indigente ou um trabalhador de salário mínimo. ISTOÉ — O sr., certamente, vota em Ronaldo Caiado. Agora, se não fosse candidato, em quem o sr. não votaria? Caiado — Não votaria em nenhum daqueles que defendem teses estatizantes, não votaria em todos aqueles que defendem o Estado todo-poderoso. Você tem Lula, tem Roberto Freire, você tem Brizola. Sobre esses três, realmente, não teríamos como apoiar suas teses. ISTOÉ - Como o sr. analisa o crescimento de Collor? Caiado — É um fenômeno epidérmico. Não tem profundidade. Até agora, o fenômeno é decorrência da arrancada que ele teve. Daqui para frente os candidatos vão ser aquilatados pelos debates, pelas propostas. Todos os candidatos vão sempre dizer que têm solução para o problema da Eduação, da Segurança, da Habitação, que vão conter o déficit público, que vão dar melhores salários e que vão dar mais empregos. Agora, eu gostaria que se fizesse a seguinte pergunta: “Como o sr. vai arrumar verba para resolver esse problema?” ISTOÉ — Habitação Caiado — Exatamente. Só para se ter uma ideia, com dez milhões de casas, hoje, nós simplesmente atenderíamos os desabrigados. O que custaria 150 milhões de dólares. Então qualquer candidato que fala que vai resolver o problema agora, ele está sendo incoerente, pelo menos. Porque ele não teria como fazer essa injeção de verba só para o setor habitacional. O candidato deveria dizer, isto sim, é como ele vai arrecadar verba para viabilizar tudo isso que ele está dizendo, que vai arrumar a Segurança, Educação etc. O nosso projeto, se eleito, consiste exatamente em viabilizar não só os setores produtivos, mas também poder atender esse setor que toca ao governo. Se nós temos um governo totalmente falido e perdulário, nós, em primeiro lugar, temos de conter essa máquina estatal fazendo a privatização. E com isso você estaria capitalizando o Estado. ISTOÉ - Uma proposta sua que não foi bem compreendida, ou pegou mal, foi aquela coisa de ocupação da Amazônia. O que é aquilo? Caiado - Vamos deixar claro que ocupação não é devastação; ocupar de maneira inteligente, respeitando as normas, as regras, não destrói o ecológico. Nós não podemos nessa hora é ficar aqui com ar professoral esperando que a Amazônia seja horto florestal de europeu e americano, com os 15 milhões de brasileiros que lá vivem morrendo de lepra, malária, leishmaniose. O que nós precisamos é ocupar a Amazônia sem destruir nossos mananciais, sem destruir nossas florestas, sem provocar erosão, ocupando-a com culturas que são aquelas características de regiões tropicais. Você substitui a mata por seringais, por cacau, por dendê; isso em nada estará comprometendo a Amazônia. Você produzir - veja bem, ninguém nunca falou isso porque poucos conhecem o Brasil - em sete milhões de hectares de terra, mais ou menos, que são as várzeas dos grandes rios na Amazônia, onde há todas as condições férteis para se produzir, comparada às terras do Nilo. ISTOÉ - O que o sr. gosta de fazer? Caiado - A vida toda, desde a infância, eu sempre tive uma ligação muito grande com o campo. Tenho de reconhecer que nunca fui bom em esporte; o esporte que eu digo é o futebol, o basquete. Sempre gostei mais da atividade do campo. Sempre fui bom na montaria, fui bom no trabalho de curral, sempre gostei das festas do interior; sempre soube trabalhar na agricultura. ISTOÉ — O sr. tem tempo para ler? Caiado - Ultimamente tenho tido muito pouco tempo, porque, com essa maratona de reuniões, ele fica escasso, até para poder dormir; durmo em média três a quatro horas por dia. ISTOÉ - Que tipo de leitura o interessa? Caiado - Leio bastante Carlos Lacerda, Raymond Aron, que eu admiro, pois hoje acho um francês atual. ISTOÉ - Jacques Chirac é seu ídolo? Caiado - É uma pessoa que admiro, não só pela sua inteligência, mas pela maneira como ele pratica a política. Ele ainda vai ocupar o cargo que merece na política - não francesa, mas europeia. Então, tenho tido ultimamente oportunidade de ler mais livros ligados ao passado político, não só brasileiro, mas também internacional, para realmente poder discutir com mais base. ISTOÉ - E música? É country, caipira? Caiado - Gosto de sertaneja, gosto de samba, aprecio muito a Gal Costa - ela cantando Festa no Interior é algo bonito. Tem o Sérgio Reis com Menino da Porteira e coisas mais; são músicas bonitas. Vou contar um caso: a minha grande frustração é nunca ter aprendido a cantar nem tocar violão. Quando fui fazer a primeira comunhão pediram que eu não fizesse parte do coro, porque quando a voz estava lá em cima, eu estava embaixo, nunca consegui realmente aprender a cantar. Engraçado, um cantor que tem me impressionado, e que eu não observava muito, é o Caetano Veloso. Nas letras é um gênio, nas músicas também. Ele até diz: “Gente nasceu para brilhar, não para morrer de fome", depois ele fala sobre a eternidade da maçã. Se você for interpretar aquela música, ela tem muito de cultural, ela tem mensagens. Eu concordo plenamente com ele, é melhor ser cometa do que ser planeta. É melhor brilhar pelo menos uma vez na vida do que passar inerte pela vida toda. Concordo com Caetano Veloso. É melhor ser cometa do que planeta. ISTOÉ — E cinema, o sr. gosta de faroeste? Caiado - Não, eu gosto de... Vou contar uma coisa: há mais ou menos quatro anos, eu não tenho oportunidade de ir ao cinema. Eu tenho lido um pouco sobre alguns filmes, mas não tive a oportunidade de acompanhar nenhum desses aí, nem de Gandhi, nem do festival de Gramado. Eu gosto... de filme mais... filme de suspense, certo? Um policial, inteligente. Eu gosto também de um faroeste, principalmente da nossa época, o Zorro, o Roy Rogers, Hopalong Cassidy. ISTOÉ - O sr. negou diversas vezes o envolvimento da UDR no assassinato de Chico Mendes. O assunto é velho, mas vale a pena retomá-lo. Caiado - Cabe ao cidadão que denuncia ter de provar, e o que se viu no caso Chico Mendes foi que algumas pessoas e alguns setores extremados do País tentaram tirar subsídios políticos e eleitoreiros, não preocupados com a violência no campo, mas muito mais com seus problemas pessoais. O diretor-geral da Polícia Federal, dr. Romeu Tuma, esclareceu, apresentando a todo o povo brasileiro o assassino e o mandante. ISTOÉ - Qual é a sua estratégia para enfrentar isso, coma escapar desse estigma? Caiado - Esse estigma - vamos ser claros - que tentaram imputar sobre minha entidade, que presidi, de ultradireita, foi decorrência do nosso crescimento político a nível nacional. Quando um setor do País viu que realmente a liderança de Ronaldo Caiado extrapolava o meio rural e que nós conseguiríamos levantar o Brasil produtivo e desalojar este Brasil corrupto, incompetente, ou que faz a apologia da miséria, eles aí entraram rapidamente naquela famosa tática utilizada por Joseph Goebbels - foi ministro do Hitler - que defendia a tese de que uma mentira repetida mil vezes se transformava em verdade. ISTOÉ - Do ponto de vista ideológico, no Brasil ninguém é de direita, ninguém assume. Caiado - Qual é a origem do termo direita? Então vamos na origem. Direita vem de onde? Da posição onde os parlamentares sentavam no Parlamento francês. Os girondinos eram os que sentavam à direita, representantes dos comerciantes. À esquerda sentavam os jacobinos, representantes, vamos dizer, dos trabalhadores. E no centro sentavam os montanheses, que eram os representantes dos produtores rurais (sic). Desde a época francesa, ser de centro é estar no alto. Essa é a nossa e nós continuamos nela. Porque não podemos confundir defesa de livre iniciativa nem defesa de terra produtiva como sendo radical de direita. Sempre tive a coragem de defender aquilo que eu pratico. Usaram contra mim a tática de Goebbels: repetir a mentira até virar verdade ISTOÉ - Como o sr. se coloca ideologicamente, ainda que utilizando os rótulos conhecidos? Caiado - Ideologicamente eu sou um democrata-liberal. Eu sou um democrata, um homem que respeita a decisão da maioria, como também respeito as minorias. E liberal, porque acredito que se deve dar igualdade de oportunidades para as pessoas. ISTOÉ - Sim, mas igualdade de oportunidade entre, por exemplo, um filho de fazendeiro ou de um grande médico e de alguém que more em Alagados, isso é possível? Caiado — Desde que você dê a este homem que mora em Alagados saúde, educação, alimentação, ele terá condições de chegar à universidade e destacar-se não pela sua origem, mas pela sua capacidade. ISTOÉ - Não é igualdade de oportunidades que o Brasil tem oferecido às pessoas? Caiado - Não é, eu concordo plenamente, mas isso ai não é a livre iniciativa, isso ai não é o que nós defendemos, esse modelo que está aí instalado. O que nós defendemos é o modelo do Brasil verdadeiro, desse que tenta lutar contra a especulação, desse que tenta lutar contra a agiotagem, a corrupção que está instalada. Mas, infelizmente, esse Brasil está sendo cada vez mais destruído para beneficiar o Brasil que especula e que é agiota. Nunca confundir o nosso movimento com isso que está aí, com o status quo vigente. ISTOÉ - Como o sr. vê no Brasil a atuação da Igreja? Caiado - Sou católico praticante, respeito a Igreja Católica. A Igreja Católica na qual fui criado e onde aprendi os ensinamentos de Cristo, essa merece todo o meu respeito e admiração. Como católico, só conheço uma igreja, a de Cristo. ISTOÉ – E qual é a Igreja de Cristo? Caiado — A Igreja de Cristo representada pelo Papa. Não conheço na Bíblia e nem no ensinamento a Igreja Progressista. Essa não consta da minha formação. Os últimos pronunciamentos do Papa têm sido de total resistência a qualquer uma dessas deformações que a Igreja Progressista quis implantar na Igreja Católica. Tanto é que se nós formos dissecar bem a tese da Igreja Progressista, a tese qual é? É colocar Jesus Cristo à disposição de Karl Marx. ISTOÉ — Na época da Constituinte, o sr. dizia que não seria candidato a presidente da República, enquanto todo mundo sabia que era. E hoje o sr. é. O que é que houve? Caiado – Não adianta eu estar só na luta do produtor rural, chorando sobre o leite derramado, e nem na área médica, porque no final são alguns tecnocratas decidindo sobre nosso setor. E, num regime democrático, eu aprendi também que se não tiver posição de mando ou de decisão, você nunca vai interferir e as injustiças continuam. A tese da Igreja progressista é colocar Jesus a serviço de Marx ISTOÉ — Há algum descompasso na chapa Caiado-Calazans. O seu vice disse recentemente à própria revista IstoÉ Senhor que era um homem de esquerda e a favor da reforma agrária. Caiado - Ele nunca foi contra e nem eu. ISTOÉ - Qual é o modelo de reforma agrária de Ronaldo Caiado? Caiado – Já apresentamos por várias vezes ao ex-Ministério da Reforma Agrária e nunca foi deferido. Primeiro, o levantamento de todos os verdadeiros trabalhadores rurais arrendatários e meeiros. Esses são homens vocacionados e conhecem o problema da terra. Em segundo lugar, levantamento das terras públicas que giram em torno de 117 milhões de hectares - sem ter o governo que gastar para desapropriar, que somos nós, brasileiros, quem pagamos toda desapropriação. Terceiro lugar, o governo colocar a livre iniciativa promovendo os assentamentos. ISTOÉ - A UDR é contra as multinacionais que têm largas regiões de terras . . . Caiado - Não! Nós somos contra quem não produz. Não sou contra multinacionais, não sou contra o setor médico. Nunca generalize minha crítica. Sou contra quem não desenvolve atividade produtiva na sua propriedade. ISTOÉ - Qual o papel, na sua opinião, que o Estado deve desempenhar na economia? Caiado — O Estado deve ser um controlador, para não deixar que se pratiquem excessos. Ninguém vai querer sonhar que o Estado deve ser retirado de tudo. ISTOÉ — E onde ele deve permanecer? Caiado — Deve permanecer principalmente fazendo seus estoques reguladores, deve permanecer em setores de segurança nacional. Tudo bem, deve permanecer também naquilo que corra o risco de se tornar monopólio, onde uma pessoa se tornaria quase o dono de todo o setor. Quando defendemos a privatização não queremos transferir aquilo que o Estado construiu com o dinheiro público, para os grandes cartéis. Tanto que a nossa privatização vai ser estudada caso a caso. Vamos privatizar mais aquelas áreas que forem mais competentes em mãos da livre iniciativa. É para isso que eu tenho Camillo Calazans, que, além de ser economista, é um homem que conhece a fundo a máquina estatal. Junto conosco, ele está elaborando um plano de governo para essas áreas. ISTOÉ - Em que setores o Estado deve permanecer? Caiado — O Estado tem de interferir na área da saúde, habitação e segurança. Esses quatro são realmente fundamentais para que a sociedade possa ter igualdade de oportunidade. ___________________________________________ 5# ESPECIAIS – 25 ANOS DE ELEIÇÕES DIRETAS -2º TURNO 8.10.14 5#1 ESPANTANDO OS DEMÔNIOS 5#2 LULA, O FLEXÍVEL 5#3 DISPENSANDO AS ALIANÇAS 5#4 UM PACOTE NO PRIMEIRO DIA 5#5 DE SAÍDA, PULSO FORTE 5#6 NOS EMBALOS DAS ELEIÇÕES DE 89 5#1 ESPANTANDO OS DEMÔNIOS Com um discurso não-dogmático, o candidato do PT apresenta seu parentesco com Gorbachev e Walesa por Antonio Carlos Prado e Mino Carta Lula concedeu esta entrevista à Istoé na semana seguinte às eleições presidenciais no 1º turno. Era final de novembro e naquele momento as negociações partidárias para conquistar apoios para o 2º turno estavam frenéticas. Lá, como cá, o PMDB tinha imensa importância não só na busca pelos votos, como também na composição da bancada parlamentar que garantiria a governabilidade do presidente da República. Após um primeiro turno sangrento, em que foi vítima de uma série de acusações que se mostrariam falaciosas pouco mais de uma década depois, Lula buscava nessa entrevista desmistificar a figura de comunista revolucionário criada por seus adversários. Prometeu não estatizar o país, negou que iria confiscar bens da classe média e rechaçou, de forma firme, que não imaginava implantar no Brasil um regime similar ao cubano. Além de Cuba, naqueles anos, o temor da sociedade brasileira era de que o Brasil se transformasse em um Nicarágua, o equivalente à Venezuela hoje no debate político. Na manhã de terça-feira, 21, havia alguma tensão na casa do candidato Luís Inácio Lula da Silva, em São Bernardo (SP), sitiada pela imprensa escrita e televisada. Dona Marisa, mulher de Lula, não se sente muito à vontade com a curiosidade dos jornalistas. Ela é partidária da ideia “política, política, família à parte”. Mas a imprensa está lá, à espreita, de gravadores, máquinas e câmeras em punho. O candidato acabava de dar uma entrevista à revista Veja – de blusa verde. A fotógrafa que iria retratá-lo para esta entrevista propôs que mudasse a roupa, à espera de outras mudanças. Lula pediu que lhe trouxessem uma camisa, a qual veio vermelha. Ele achou que vermelho não é a cor mais adequada ao momento da sua campanha. Pediu que passassem outra, de cor neutra. Alguém foi até a cozinha negociar com Marisa. Voltou desolado. “Ela passou esta”, disse, com o tom de quem recomenda resignação. Lula vestiu a camisa vermelha em silêncio. ISTOÉ - Os empresários do Fórum Informal de Debates, à sombra da Fiesp, anunciam o seu apoio ao candidato Collor. Que acha disso? Luiz Inácio Lula da Silva - Primeiro, eu me pergunto se estes senhores representam o empresariado brasileiro. Creio mesmo que eles se mantém no poder porque a estrutura do movimento sindical é pelega. Se houvesse liberdade, autonomia sindical, teriam caído. Sei também que tem muitos empresários mais modernos, mais arejados. Empresários que acompanham o desenvolvimento do mundo e percebem os melhores caminhos para modernizar o Brasil. ISTOÉ — Mas as lideranças da Fiesp acham que o sr. é muito radical. Lula- Ocorre que quem está radicalizando, neste exato instante, são eles, com suas afirmações esdrúxulas, de que eu quero trazer para o Brasil o regime da Nicarágua, ou o regime de Cuba, ou que eu não creio em Deus, e por ai afora. Eles é que começam a radicalizar levantando mentiras, levantando infâmias, ou insinuações primárias como preferir. Na verdade esses empresários ainda não se habituaram a viver com o chamado setor moderno da classe operária, não se habituaram a entender que a greve é um produto da sociedade moderna, da democracia. Mas eu vou tirar proveito da ignorância, ou da hipocrisia, deles. ISTOÉ- De que forma? Lula- Eles estão conferindo à eleição uma característica de luta de classe, que ela, por si só, não teria. Que exige a eleição em si? Que cada um dos candidatos apresente o projeto de sociedade que ele quer. Mas, na medida em que eles começam a mentir, estão acirrando os ânimos, acentuando as contradições, exibindo diferenças. Assim, contribuem para que os brasileiros ganhem consciência de classe. ISTOÉ— Diante disso, o que o sr. pretende fazer? Lula— Para enfrentar o radicalismo deles, organizo para o segundo turno a receita do bom senso. Se meu adversário fala do seu passado, ou dos compromissos assumidos com quem o apoia nesta campanha, vai ter de mentir se quiser demonstrar que está a favor da maioria. Quanto a mim, tenho apenas de tentar contar a verdade. Quando eu conto o meu passado político, eu conto com orgulho, quando eles contam, são obrigados a mentir, porque o passado político deles deixa bastante a desejar em matéria de defesa das causas populares. Quanto a nós, vamos ter de dizer claramente, sem nenhum radicalismo mas com toda a força possível, que é preciso haver uma nova mentalidade empresarial neste pais, que é preciso haver distribuição de renda, que não podemos continuar convivendo com o povo mendigando para que a minoria possa fazer proselitismo político de quatro em quatro anos. Eu acho que essa verdade vai estar na ordem do dia, e que vai permitir a vitória da gente. E gostaria de poder reeditar a luta do “tostão contra o milhão”, levada avante em 53 pelo Jânio Quadros. Foi, na minha opinião, o maior slogan que alguém criou numa campanha. Hoje não temos o tostão, embora o salário tenha piorado em relação à época do tostão. Mas a campanha vai me permitir utilizar uma comparação da vida e do comportamento político de cada um. ISTOÉ- Mas os empresários, sobretudo os grandes, estarão com quem? Lula- Vou ter do meu lado muitos empresários, tenho certeza. Aliás, estou propondo à direção do partido que convoque urgentemente uma reunião com empresários, para discutir o nosso projeto de governo. ISTOÉ- O candidato Collor é, na sua opinião, igualzinho a outros, ou existe nele alguma novidade? Lula- Eu acho que tem muitos empresários se agarrando no Collor com medo do Lula, ou contra o Lula. Esta poderia ser a novidade. Deste ponto de vista, o Collor não é o candidato ideal de certos setores do empresariado. ISTOÉ- Desconfiam dele? Lula- Não sei. Quando a gente falava em corrupção, nós éramos radicais. Quando é um deles que fala, é bonito, é moralização do Estado. Às vezes, eu fico em dúvida: será que tudo não passa de um jogo de cartas marcadas? Será que o Collor não teria um pacto com essa gente? Eles os apoiam, mas ele revida agredindo-os. Eu me lembro de alguns dirigentes sindicais da década de 70 que falavam mal do governo nas assembleias e depois ligavam para o governo: “Nós temos que falar mal senão a oposição nos come”. ISTOÉ– E os ataques de Collor a Sarney? Lula– Ninguém ajudou mais o Collor que o Sarney. Mas eu concordo: Collor não faz parte desse círculo político antigo. Ele conseguiu escapar disso na questão dos marajás. Em todo caso, criou um sentimento na sociedade que nós temos plenas condições de desmistificar nesse segundo turno. Vocês vão perceber que ao longo desta campanha não falarei mal do meu adversário, no plano pessoal, em nenhum momento. Vou tentar levar a sociedade a descobrir as contradições entre o seu bom-mocismo e a sua vida política. ISTOÉ- Um argumento apresentado contra a sua candidatura reza que a perestroika e, em geral, a abertura no Leste europeu mostram que o PT está na contramão da História. Lula- Todo mundo de bom senso tem de parabenizar Gorbachev assim como todo mundo de bom senso não poderia concordar com o Muro de Berlim. O problema é que quem aparece como o fazedor de História não é quem faz a História, mas quem a conta, normalmente, a classe dominante. Agora, reparem. Quem defendia o sindicato Solidariedade, de Lech Walesa, em 79/80, éramos nós. Muita gente achava, então, que Walesa era agente da CIA. Até achavam isso de mim. Agora, o que me espanta é que os comportamentos dos donos do poder por aqui não mudam. Mas o Brasil não pode nesta virada de século continuar pensando como na virada do século passado. Não é possível. Um país não será moderno apenas porque moderniza o seu parque industrial. Precisamos é modernizar as cabeças das pessoas. ISTOÉ- Quer dizer, o papo é sempre o mesmo? Lula— Estão é atrás dos mesmos inimigos, ou seja, curtem os mesmos medos. O medo do comunismo que eles tinham em 35, continuam tendo em 89. Não são capazes de entender que o Gorbachev, o Solidariedade, os políticos que estão conduzindo o processo na Hungria, na Bulgária, que talvez vão acabar conduzindo o processo até na Romênia, estes hoje são o progresso, a esquerda. Quem hoje briga pela modernização contra o emperramento da máquina, a favor de mudanças substanciais, este é o pessoal do progresso, da esquerda. E é importante saber que lá fora a discussão esquerda-direita se dá num patamar diferente do daqui. No Brasil nós ainda estamos lutando por um prato de comida, por um primeiro emprego, pelo primeiro sapato. Eu não sei como alguém pode ser conservador neste país. Conservar o quê? Alguém ser conservador na França eu entendo, ser conservador na Alemanha eu entendo, mas ser conservador no Brasil é ser fariseu porque é conservar a miséria. ISTOÉ— O sr. falou de mentiras a seu respeito. Vejamos, estão dizendo que o PT no poder vai precipitar o confronto entre trabalho e capital. Verdade ou mentira? Lula — É uma cretinice. É claro que nesta campanha eu me coloco como defensor dos trabalhadores. Neste país, 80% da população têm renda familiar abaixo de dois salários mínimos. São dados do IBGE, não do PT. Sou a favor do resgate deste povo maltratado, e a minha disputa entre capital e trabalho é esta. É que eu quero levar o meu adversário a assumir a sua origem de classe, quer dizer, sou generoso: não quero que ele seja um traidor da classe dele. Eu disse numa entrevista a IstoÉ Senhor em março passado, e vou repetir. A lógica deles não é a minha lógica. Eles têm o capital na mão, oferecem emprego, pagam salários. Donde, geram consumo, que gera mais emprego, que gera mais salário etc. etc. Teria de ser assim, mas eles não estão cumprindo a regra básica do sistema em que dizem acreditar. Por quê? Porque muitos entre eles ganham e não reaplicam, colocam na sua conta bancária, compram dólar, ouro, e por aí. Especulam no lugar de produzir. Contra si próprios, contra os interesses do País e de um capitalismo moderno. ISTOÉ– Vamos insistir nesta área das definições – e das mentiras a seu respeito. Nicarágua? Lula — E inconcebível alguém trazer para o Brasil o regime da Nicarágua, porque a coitada da Nicarágua está à procura do seu próprio regime. A minha defesa da Nicarágua eu faço até o dia da minha morte, é a defesa intransigente da autodeterminação dos povos. ISTOÉ– Cuba. Lula – A mesma coisa, a mesma coisa. Há um aspecto que eu enalteço em Cuba. O Brasil teve um golpe militar em 64 e Cuba teve uma revolução em 59. Cuba conseguiu ao menos resolver o problema da educação e da saúde e no Brasil não resolvemos, e até pioramos a situação. Cresceu o nosso parque industrial, mas a riqueza foi mal distribuída. ISTOÉ- Tudo bem, mas o pessoal insiste: se o Lula ganha, transforma o Brasil numa Nicarágua. Lula - Eu não consigo imaginar que alguém de bom senso possa acreditar nessas bobagens. Ou não conhece o Brasil, ou não conhece a Nicarágua, porque não há como, geograficamente, economicamente, politicamente, comparar Brasil e Nicarágua. Quando você pensa no Brasil, tem de pensar num país-continente, destinado a ser uma nação decisiva, apesar dos seus atrasos e defasagens atuais. Você compara o Brasil à China, aos Estados Unidos, ao Canadá, à Índia, à Europa. Às vezes os tempos são diversos, mas o porte é o mesmo. ISTOÉ- E se Lula ganha, estatiza tudo? Lula – É outra imbecilidade. Veja, eu venho fazendo questão de brigar dentro da Frente Brasil Popular. Primeiro, nós precisamos moralizar o que está estatizado. Eu sempre defendi que os setores estratégicos da economia devam estar nas mãos do Estado, e que todo dinheiro do Estado deva ser utilizado sempre em benefício da maioria, e não em benefício de grandes grupos econômicos, como acontece hoje. É por isso que nós queremos desprivatizar o Estado para que o dinheiro do Estado seja aplicado em proveito da sociedade. No mais, eu sou favorável a manter todas as estatais estratégicas. Acho também que a Educação tem de estar nas mãos do Estado, e a Saúde também. Mas quando falo que a Educação tem de estar nas mãos do Estado, que quero dizer? Não é que amanhã a gente vai fechar todas as escolas particulares. Digo apenas que o Estado precisa garantir uma boa educação para a população. Agora, quem quiser colocar seu na escola particular, que coloque. Mas a escola pública tem de ser de primeiríssima qualidade. A saúde pública tem de ser de primeiríssima qualidade. Na Itália, na França, na Alemanha, alguém só vai no médico particular se quiser gastar dinheiro de sobra. É isso que nós queremos, coisa de país democrático ocidental, não é mesmo? E quero deixar bem claro que não critico, e jamais critiquei, quem coloca o filho na escola paga, porque eu acho que é justo e legítimo o pai procurar o melhor para o filho. Reafirmo, porém, que o Estado não está cumprindo o seu papel. ISTOÉ— Mas há quem ache que o PT vai encampar bens privados a torto e direito. Lula - Sim, eu sei. Quem tiver dois carros vai perder um. Ora, a gente não sonha em nivelar por baixo. Que é ser classe média? Morar decentemente, ter carro, ir à praia no fim de semana, ao restaurante no domingo? Ora, isso deve ser um direito elementar de todas as pessoas. ISTOÉ– Internacionalização da economia, capital multinacional. Lula - Queira Deus que venha, e que venha muito. A internacionalização da economia é um fato, assim como é fato que o Brasil depende de tecnologias elementares, porque é um país que não investe em pesquisa. Seria bom para todos se revertêssemos este quadro em proveito de nossa independência, econômica e política, sem com isso pretendermos ser uma ilha, uma economia fechada, autárquica, como pretendia o fascismo. E sobre o capital estrangeiro, eu tenho a dizer que ele trata melhor o trabalhador brasileiro do que o capital nacional, o que é, de certa forma, vergonhoso. Se você for perguntar para o trabalhador se ele quer trabalhar na Volkswagen ou numa empresa nacional, ele vai preferir trabalhar na Volkswagen. Lá as condições são melhores. ISTOÉ- Reservas de mercado. Lula - É para gente que quer agir sério. Fazer a reserva para permitir que meia dúzia de grupos econômicos tome conta, este é, no mínimo, um equívoco. Agora, eu tenho uma crítica a respeito deste assunto: o mesmo setor que é contra a reserva da informática no Brasil é favorável à reserva da indústria automobilística. Eu não vejo por que deva ficar a Autolatina mandando em 80% do mercado. ISTOÉ– Dívida externa. Lula - As conversas que tive no Exterior em março passado ainda continuam sendo o norte da minha campanha. Acho que em relação à dívida externa, é necessária uma forte política para que se discuta não somente a solução da atual dívida, mas a reestruturação da política internacional. A situação do Brasil é muito peculiar, porque quem defende o pagamento pensa em receber dinheiro novo. Nós estamos pagando e não está vindo dinheiro novo. Então, suspender esse pagamento não é bravata, é uma opção de vida ou morte. O desenvolvimento do País passa pela definição de uma política internacional mais arrojada de procurar novos parceiros, no sentido de estabelecer a discussão concreta de uma nova ordem econômica internacional. Sem isso, a nossa chance, a chance do Terceiro Mundo, fica a zero. Nós vamos virar o século numa situação muito engraçada. Nós vamos virar o século com a economia desenvolvida reorganizando-se, com alguns avanços incríveis. O projeto Europa 92 elimina as fronteiras, um português pode montar uma fábrica na Alemanha -, e nós estamos ilhados aqui. É lógico que eu tenho consciência de que a briga é política. Qual é a primeira medida que nós podemos tomar? É tentar transformar a discussão da divida externa numa discussão política e em uma discussão econômica. E, aí, não só tentaremos conversar com os governos, mas também com os partidos políticos e os grandes movimentos sindicais. Acho que contamos nessas áreas com apoios certos. ISTOÉ– Dizem que Lula romperia com o FMI. Lula - Não é isso. Mas repare. Quando o Lula fala de suspender o pagamento, as pessoas dizem que é radicalismo. Quando vem aquele economista que resolveu o problema da Bolívia, Jeffrey Sachs, e diz que não pode pagar, está tudo bem, os empresários se encantam com sua sabedoria. ISTOÉ— Reforma agrária. Lula – Há gente que tem dois alqueires e acha que vamos fazer reforma agrária na terra deles. Mas a reforma agrária é a condição básica para a gente resolver vários problemas que transcendem a produção agrícola. Conseguindo evitar o exôdo rural, a reforma agrária consegue resolver parte do nosso problema habitacional, parte do problema da urbanização desenfreada, parte do problema de alimentação. Por ai passa também o combate à mortalidade infantil, e até a melhoria da situação dos trabalhadores das cidades, porque na porta da Volkswagen não vai surgir diariamente um exército de desempregados. E acho que a reforma agrária pode ser feita sem qualquer trauma maior. É fazer um levantamento em cada município, em cada Estado, das terras devolutas, das terras improdutivas, tentar estabelecer uma política de assentamento, tendo como assentamento um conceito ainda incipiente, se a solução está em dar terra para particular, ou um sistema cooperativo. Enfim, quando a gente fala em reforma agrária, também vale discutir em geral a política agrícola. Médios e pequenos proprietários estão órfãos de pai e mãe, e eu imagino a oportunidade de uma política de crédito especial para eles, na qual possam pagar em produto, para não ficar na dependência da meteorologia e dos riscos da hipoteca. Eu penso que o Banco do Brasil pode emprestar para um pequeno proprietário uma quantia equivalente, em dinheiro, a mil sacas de café ou mil sacas de milho. ISTOÉ- Há mentiras, há fantasias. A que categoria pertence a seguinte frase: “Se o Lula ganhar, os militares vem aí!" Lula — Há muita invenção a respeito dos militares. O papal dos militares está definido na Constituição. Acho que está até de forma excessiva. Acho que os militares têm de cumprir o seu papel constitucional, têm de acatar o presidente da República como chefe supremo das Forças Armadas. Não vamos batalhar para tentar criar condições de ter um ministro da Defesa, até porque não é democrático você ter seis ministros militares numa mesa de reunião do Gabinete. Parece mais uma parada de 7 de Setembro do que uma reunião de ministério. Agora, frases como essas não ligam muito para a lei, têm sobretudo raízes culturais. Quanto a mim, faço numa distinção entre o respeito que a gente tem de ter pelas Forças Armadas, como instituição necessária, e o militarismo posto em prática depois de 64. Nos países da Europa não se verifica esta presença militar tão forte aqui e em toda a América Latina. Aqui, militares palpitam na área que teria de ser de trânsito exclusivo da sociedade civil. Em todo caso, eu tenho consciência de que é preciso trabalhar essa com cuidado. Acho que o militar gosta também de voz ativa, e vamos ter voz ativa, podem estar certos disso. ISTOÉ— Socialismo. Lula - Eu sou torneiro-mecânico, mesmo assim, não excluo que os cientistas políticos se juntem, nesta virada de século, para rediscutir tudo o que se discutiu no início do século. Algo poderoso aconteceu neste século, a Revolução de 1917. Mexeu com o mundo, dividiu, durante quase todo o século, a humanidade em dois blocos. E agora a própria União Soviética toma a iniciativa de redimensionar seu próprio projeto, porque percebeu que não estava andando como deveria. Então eu acho que a questão do socialismo tem de ser rediscutida por socialistas e não-socialistas, assim como tem de ser rediscutido o capitalismo. Eu me considero socialista, tenho um ideal socialista na cabeça, mas não tenho dúvida de que o socialismo só tem lógica se for democrático, só tem lógica se houver o pluripartidarismo, só tem lógica se proporcionar autonomia sindical. Sem esses requisitos não é socialismo, é ditadura. À direita e à esquerda. Isso é o que precisamos discutir, sem que ninguém pose de dono da verdade. Uma coisa está clara: não é possível mais conviver numa sociedade em que o Lula tem cinco pãezinhos para comer todo dia e outras pessoas passam cinco dias sem comer nenhum. ISTOÉ– Como o sr. acha que dá pra ganhar? Com quais votos, além daqueles de 15 de novembro passado? Lula - Eu vou tentar abocanhar muito voto do Collor. Duvido que ele abocanhe o meu, mas vou abocanhar muito voto dele. Confio também no voto brizolista. Brizola provou que é uma liderança respeitada, principalmente nos dois Estados que ele governou. Ele tem votos cativos, e acho que arrasta mais de 80% desses votos para o lado que escolher. Talvez o eleitor do PSDB seja um pouco mais difícil, porque é eleitor mais de classe média. Mesmo assim, acredito que uma parcela significativa vem com a gente. Só para vocês terem uma ideia, no comitê do PT em São Paulo têm aparecido dezenas de carros de eleitores do Mário Covas comprando adesivo e colocando ao lado do adesivo dele. ISTOÉ– E o PMDB? Lula - Setores importantes do PMDB vêm para o lado da gente também. ISTOÉ– Mas o sr. João Amazonas, do PC do B, diz peremptoriamente: “Ulysses não”. Lula — E muito difícil você dizer que não quer fulano ou beltrano. Eu acho que nós temos de estabelecer um programa mínimo e, quem quiser aderir, adere a esse programa. Eu me recuso a dizer quero este ou aquele. Mas quero mexer com o lado pessoal de cada um, não quero julgar ou prejulgar ninguém. Basta estabelecer um teto, para que esta aliança não vire a aliança Aliança Democrática. ISTOÉ— Mas o sr. Amazonas diz . . . Lula -...E eu digo que gosto muito do Ulysses. Acho que Ulysses se perdeu ao se preocupar se era mais oposição ou mais aliado do Sarney. Acho que Ulysses não soube trabalhar a televisão e passou 60 dias tentando negar o Sarney, o que foi um equívoco. Mas também acho que, se desse uma declaração de que me apoia, poderia me ajudar. Quanto ao PMDB como partido, se Ulysses não conseguiu uni-lo, quanto mais o Lula. ISTOÉ- Qual a sua perspectiva em relação aos debates? Lula — O debate será muito importante. Espero que sejam menos medíocres do que outros, em que não houve uma única pergunta sobre reforma agrária, distribuição de renda, energia, estatização. Era só pergunta de intriga. Valeriam debates em que os perguntadores fossem os melhores jornalistas do País e fizessem perguntas diretas e profundas, para pôr em xeque o candidato, suas ideias e seus propósitos. Perguntas para valer, com direito a réplica do perguntador, para apertar nas questões centrais. Assim é que deveria ser. ISTOÉ- Há uma questão que talvez não esteja sendo colocada com a necessária precisão. E a questão da governabilidade, que se propõe invariavelmente depois da posse. Lula — A aliança das forças progressistas é importante. Eu pretendo governar com um governo de coalizão. Falo antecipadamente, sem discutir com a Frente Brasil Popular, mas está claro que, para moralizar o Pais, estabelecer uma política dc distribuição de renda, fazer uma reforma administrativa, precisamos do apoio de outras forças políticas e da parte organizada da sociedade. Dai por que eu acho que Mário Covas é importante, Brizola é importante, Roberto Freire é importante, a esquerda do PMDB é importante. Não poderíamos dispensar, por exemplo, a contribuição de figuras como Luiz Gonzaga Belluzzo e João Manuel Cardoso de Mello. Não são do PT, mas são ótimos. Eu não estou partilhando cargos, eu gostaria é de partilhar responsabilidades. ISTOÉ- Com isso o sr. teria condições de compor uma bancada parlamentar que, pelo menos no primeiro ano, o ajudaria a governar? Lula — É isso. Com o apoio da esquerda do PMDB, de setores importantes do PSDB, do PDT, você monta uma bancada parlamentar da mais alta respeitabilidade. ISTOÉ- Sem dúvida, mas o tempo é curto, não? Lula - É curto, mas também o tempo deles é curto. Porque o presidente toma posse em março e o Congresso se renova em novembro. Nesse tempo, eles vão ficar mais progressistas. 5#2 LULA, O FLEXÍVEL O líder do PDT está impressionado com a capacidade de negociação de seu candidato para o segundo turno Derrotado no primeiro turno das eleições presidenciais de 1989, Leonel Brizola não demorou a dar um apoio natural a Lula na sequência da corrida para a Presidência. Apoio de peso. Na visão de Brizola, o candidato do PT representava a única possibilidade real de uma nova política no Brasil, conduzida por um candidato saído do povo, das frentes de trabalho e da luta sindical. Nesta entrevista, concedida em dezembro de 1989, pouco antes do pleito de decisivo, o líder do PDT faz elogios abertos à capacidade de Lula para negociar, mas mostra sérias ressalvas em relação ao vice do petista, João Paulo Bisol: “Ele não é uma pessoa confiável, vamos ter de trazê-lo de rédea muito curta”, disse Brizola. Enganaram-se os que acreditavam ser “a Presidência da República” o projeto de vida de Leonel Brizola. Derrotado por escassos 400 mil votos na corrida do primeiro turno, ele ressurgiu, no segundo, alegre e entusiasmado. Passou a semana de campanha articulando, cantando e viajando para os comícios de Lula em todo o País. Ao candidato da Frente Brasil Popular, ele deu um apoio sem condicionantes políticas, que se refletiu imediatamente nas pesquisas eleitorais — com Lula obtendo de 40% a 50% de vantagem sobre Collor de Mello no Rio e no Rio Grande do Sul. Sempre desconfiado Para Brizola, a fraude é uma ameaça a Lula Na segunda-feira, 11, Brizola concedeu esta entrevista exclusiva. Preparava-se para viajar a Porto Alegre, onde estaria ao lado de Lula no palanque. Recusava-se a falar de projetos pessoais. Qualificava-se como um “coadjuvante” e dizia que o mais importante de tudo seria a vitória que antecipava sobre “as elites reacionárias que por tantos anos têm minado este país”. ISTOÉ - Pela forma que foi e vem sendo dado, o seu apoio a Lula surpreendeu a área política. Há quem ache que o sr. não ganha muito com isso. Por que, afinal, o sr. dá tanto entusiasmo ao apoio a Lula? Brizola - Antes de tudo, por coerência. O povo falou e acho que nós temos de assumir uma atitude de humildade perante a decisão popular. Nós, no fundo, na essência, não temos nenhuma incompatibilidade com a candidatura Lula. Foi fácil o entendimento. Tínhamos essa do vice, mas trata-se de uma questão menor, embora possa ter consequências. Nós registramos esse assunto e vamos em frente. ISTOÉ - O sr. acredita realmente nas chances de Lula? Brizola - O Lula vai vencer, essa á a minha convicção. Eu acho que a vitória do Lula só pode ser impedida eventualmente por algum fato novo, alguma questão imprevisível. Essencialmente até, só pode ser impedida pela fraude. Ela á a grande ameaça para a eleição do Lula, sem nenhuma dúvida. E sabe por quê? Não porque a Justiça Eleitoral esteja sob a nossa suspeição; é que eles não são especialistas em informática, não sabem nada de computador e esse á um mundo complexo, onde se podem perfeitamente armar as situações mais inconcebíveis. Os juízes estão concedendo fé pública a esses números devido ao princípio de que tudo aquilo que as estruturas do Poder Judiciário fazem merece essa fé pública. Mas este não é o caso porque são empresas particulares ou empresas públicas que trabalham para governos de Estado, para o governo federal e tudo mais. Mas principalmente empresas particulares. Aí atuam funcionários que não são juramentados. Enfim, é uma espécie de caixa-preta. As do primeiro turno não foram fiscalizadas a partir do momento em que os boletins de uma foram digitados. A partir daí pode ter acontecido o inimaginável. ISTOÉ - E agora, no segundo turno? Brizola - Eu creio que nós estamos sob a mesma ameaça. ISTOÉ - O que pode ser feito? Brizola - Estamos procurando sensibilizar o pessoal do PT para esse problema, porque, na grande frente de forças que sustenta a candidatura Lula, o PT tem uma função de liderança. Nós estamos sugerindo que o Lula, como candidato, exija a eliminação do computador. Por que introduzir esse fator complicador, essa parafernália com milhares e milhares de pessoas lidando com isso, quando não há o que computar? Por que não usar máquinas eletrônicas, máquinas comuns? Por que não descentralizar? É muito que se tem de fazer? Não! São 2.500 juntas numa média de 100 urnas. Então tem de somar seis colunas de 100 números, em média - tem um pouquinho mais, um pouquinho menos, tem algumas de 70, outras de 120 - seis colunas somadas, e só. E aí estão os resultados de cada junta e uma ata com os seus responsáveis, que podem fazer duas, três, cinco verificações. Uma ata assinada! O conjunto dessas atas é que tem de ir para o TRE somar. E essa ata final do TRE é que tem de ir para o TSE, que tem de somar 27 atas. E sabe o que eles fizeram no primeiro turno? Botaram tudo no computador, e por isso as papeladas não resistem ao menor exame. ISTOÉ - O sr. poderia revelar em que termos foi acertado o apoio a Lula? Ou seja, Lula ganha os votos de Brizola. E Brizola, o que vai ganhar com isso? Brizola - A proposta inicial do PT era de formar uma coligação e não só para o segundo turno, para as eleições, mas também prevendo uma corresponsabilidade de governo, em torno do programa comum. Mas nós achamos que era um problema para o futuro, primeiro devíamos tratar de ganhar as eleições. Porque se criássemos um ambiente de confiança mútua, essa da participação, da corresponsabilidade no governo seria uma decorrência natural. Mas não havendo confiança, pouco adiantaria estarmos aí colocando no papel um compromisso a esse respeito, como ocorreu com o PMDB e o PFL, que depois da aliança democrática, passaram o tempo todo brigando e se confrontando. Nós achamos que o País está em crise, está vivendo uma fase muito difícil e é necessário muito desprendimento e espírito público. O nosso apoio foi limpo, honrado e independente. Tanto que nós fazemos restrições ao vice de Lula, da mesma forma como nós apoiamos Tancredo Neves, com restrição ao Sarney. Nós fomos ao plenário afirmar duas coisas: primeiro, que o nosso voto a Tancredo não se estendia, moral e eticamente, ao Sarney. Está na nossa declaração de voto. Se pudéssemos votar em duas chapas, estaríamos apenas votando no Tancredo. Agora, também, nossas reservas sobre o vice de Lula. Tudo muito claro e muito direto. A capacidade de Lula para conviver com situações difíceis a uma alta credencial ISTOÉ - O sr. realmente não confia no Bisol? Brizola - Não. Ele não é uma pessoa confiável, vamos ter de trazê-lo de rédea muito curta. Eu, por exemplo, vou estar sempre cuidando dos passos dele. Porque quem muda de partido em três meses desta forma - ele mudou para três ou quatro partidos, nem sei direito - não é mesmo confiável. Além disso, tem a história do empréstimo no Banco do Brasil, que é um mal antecedente. Mas nós vamos examinar esse assunto mais a fundo logo adiante, depois das eleições. ISTOÉ - O sr. conheceu melhor o Lula nesses últimos dias, teve longas conversas com ele. Qual a impressão: considera-o preparado para governar o País? Brizola - O Lula tem nos causado uma excelente impressão. Nós sempre tivemos encontros passageiros e trocamos... muitos cascudos. Às vezes até mais do que cascudos, algumas farpas, de ambas as partes, mas nunca descemos a águas mais profundas. Só agora tivemos de nos reunir mais demoradamente e diante de situações concretas. E nada como esses momentos, nada pode ser mais eficaz para dar uma ideia, comprovar a natureza de cada um. Foram momentos de grandes definições, em que nós trocamos ideias e, ainda premidos pelo tempo, tivemos o ensejo de andar juntos em algumas circunstâncias. E a minha observação sobre o Lula foi muito positiva. Eu verifiquei que ele é uma pessoa flexível. Especialmente nesse episódio Bisol, eu pude ver que ele tem grandes reservas em matéria de capacidade de negociação. Pude verificar que o Lula pessoalmente tem bom senso, que ele possui uma capacidade de conviver diante de situações dificultosas que lhe dá altas credenciais. Porque, na verdade, melhor seria que o Lula tivesse experiências anteriores de administração e de governo. Agora, governar é essencialmente ter bom senso, porque administrar é estar, permanentemente, coordenando vontades. E aquela visão superior que um governante precisa ter, de magistratura, de reitoria, de maturidade nas decisões, eu creio que ele traz em sua própria natureza, vem da sua origem. Como um trabalhador que ascendeu, o Lula não vai deixar de estar sempre refletindo essa sua procedência de uma forma coerente em tudo que recomenda, em tudo que decide, em tudo que faz. A Austrália teve cinco chefes de governo que eram líderes sindicais ISTOÉ - O sr. então considera que o fato de vir de baixo não desqualifica Lula para exercer a Presidência da República? Brizola - Certamente, não. Nesses últimos dias, inclusive, estudei mais a fundo os antecedentes do Partido Trabalhista australiano porque, lá, alguns sindicalistas ascenderam da militância sindical diretamente para a função de primeiro ministro, à do gabinete. O que é a situação concreta do Lula. Aí por volta de 1910, a Austrália era o próprio capitalismo selvagem, com lutas sindicais, problemas de distribuição de renda, tudo numa situação talvez muito parecida com a situação brasileira de hoje. Houve o confronto e com a vitória do Partido Trabalhista começou a mudança na Austrália. E sabe quem ascendeu a primeiro-ministro, à chefia do governo, ou seja, quem foi o presidente, em termos brasileiros - porque lá o regime é parlamentarista? Pois foi um sindicalista de nome Andrew Fisher, operário das minas de carvão. Este homem foi por três vezes primeiro-ministro. E a partir daí veio toda a legislação social australiana, que foi entrando pelos anos 20, anos 30 e anos 40. Depois,em 1945, foi eleito um maquinista de trem, um maquinista de estrada de ferro que governou de 45 a 49 e antes tinha sido eleito o líder do Sindicato dos Cortadores de Lenha; e antes tinha sido eleito um gráfico e também um secretário do Sindicato de Estivadores. Quer dizer, dos oito primeiros-ministros iniciais do Partido Trabalhista cinco eram líderes sindicais. ISTOÉ – Que conclusões o senhor tirou desses fatos? Brizola – Olhe, a Austrália é talvez o melhor exemplo que nós podemos invocar para o Brasil. É um país jovem, economia baseada na agricultura, na produção de grãos e nos produtos pecuários e na exportação de minérios, e até tem uma indústria que não chega aos pés da nossa, é um país perdido, distante do mercado, lá nos confins do Oceano Pacífico. A população é menor, mas se nós tirarmos o deserto, verificamos que os 17 milhões que tem a Austrália correspondem a uma densidade demográfica mais ou menos igual à nossa. E como é que aquele povo tem aquele altíssimo padrão de vida, com altos salários a nível europeu? Uma camareira de hotel ganha US$ 950 por mês, uma menina começa a trabalhar numa loja com US$ 800 por mês, o peão rural ganha US$ 800, todos ganham por semana US$ 200, até os militares, até o primeiro-ministro. Como é isto? O padrão de vida lá é mais alto? É, mas não é 30, 40 vezes como é a diferença de salário! É duas, três, quatro, cinco vezes, embora o aluguel lá, por exemplo, seja mais barato que aqui. Uma cidade como Sidney não tem uma rua sem pavimentação, sem cabos telefônicos, sem energia, sem água e sem esgoto! Não há um barraco, não há urna favela! Quer dizer, como é isto? Os mais altos executivos ganham oito vezes, nove salários mínimos. Ganham pouco? Não, o salário mínimo é que é alto! E como chegaram a isso? Esse Fisher, a primeira lei que ele propôs foi chamada de New Protection. E dizia que a proteção alfandegária que se devia dar às empresas não devia ser igual, horizontal, universal; devia ser especifica. Quanto mais altos fossem os salários e os benefícios aos seus operários, maior a proteção. Aí começou tudo. Collor tem toda a pinta do Tachito Somoza quando era jovem e bonito ISTOÉ - O sr. considera assim que a democracia social australiana não foi produzida pelas elites, mas pelo movimento trabalhista e sindical? Brizola – Sem dúvida alguma. As negociações chegaram a tal nível na Austrália que o país tem uma classe dirigente com uma prioridade, o bem-estar do seu povo. Não é o caso daqui; aqui estabeleceu-se uma cumplicidade de uma classe dirigente lá em cima, privilegiada, uma casta, que assimila os mais altos padrões de vida dos países estrangeiros e está voltada para os interesses internacionais, fazendo os seus negócios e pouco se importando com o que está aqui dentro. ISTOÉ - Então, ao contrário do que diz Collor, a modernidade seria o Lula? Brizola - Não tenho a menor dúvida de dizer: a modernidade é o Lula. A perspectiva que este Collor nos dá é a de que nós vamos ingressar numa Nicarágua na fase pré-revolução, pré-sandinista. Ele tem toda a pinta do Tachito Somoza, quando era jovem e bonitão, compreendeu? Ligações nas altas-rodas, diz que é o moderno, que vai trazer o capital estrangeiro, abrir a economia, modernizar a economia de acordo com os padrões dos países lá de cima. E vejam o que o Tachito fez. ISTOÉ - Apesar de toda essa subida do Lula, Collor ainda está em primeiro lugar nas pesquisas. E se ele conseguir manter essa vitória apertada que as pesquisas indicam, qual seria a saída para a oposição? Brizola - Eu acho que todos nós temos de assumir nosso papel diante dessa eventualidade que eu acho que não vai ocorrer. ISTOÉ - Mas qual seria esse papel? Brizola - Eu acho que a nossa posição deve ser de a mais rigorosa fiscalização desse governo, procurando impedir que ele realize os seus desígnios porque, no nosso entender, esse governo Collor faria, basicamente, grandes concessões aos interesses internacionais na economia brasileira. Concessões especialmente na área dos minérios e na área financeira. O Brasil ia ser urna colônia dos bancos estrangeiros. E eu acho que praticamente tenderiam a desaparecer os bancos nacionais. Isso se deu noutros países, não é novidade! No setor de energia, especialmente, eles vão procurar assumir posições, porque se sabe que no Primeiro Mundo, essas nações importantes têm planos de produção de energia para as suas indústrias aqui no Sul, que complementam as economias lá. Há um plano de inversão, aí no começo do século, de um trilhão de dólares para novas fontes de energia. Eles vão tratar de assumir essas áreas e isso traria algum capital estrangeiro e até um aparente alivio, antes que as bombas de sucção começassem a trabalhar, assim corno aconteceu no governo Médici, na ditadura. Eu acho que ocorrerá com o governo Collor uma espécie de um novo espasmo de controle da economia internacional sobre nós como ocorreu na ditadura, para nós, logo a seguir, pagarmos o tributo correspondente. Ao estimular o PT, os privilegiados quiseram dividir o trabalhismo. Em vão ISTOÉ - Na hipótese de um governo Lula, o senhor não teme que a truculência da elite de um lado e o sectarismo da tendência mais radical do PT possam atrapalhar? Brizola - Eu creio que tudo será muito complexo, embora estejamos vivendo uma outra fase da vida brasileira. Nós estamos diante de um modelo que se esgota, porque tudo isso que poderia ocorrer num eventual governo Collor, seria à custa de mais miséria, marginalização, violência, mais criminalidade, mais alguns milhões e milhões de menores aí, se desenvolvendo ao abandono. É um modelo que, está provado, não pode continuar. Há muita gente com essa convicção e estas pessoas todas estarão apoiando um governo que procure uma saída. Mas tudo á muito complexo, principalmente considerando-se as limitações da própria Constituição. Será preciso muita competência, muita habilidade e muita compreensão, mas não á uma tarefa impossível. ISTOÉ - Foi isso que o senhor quis dizer quando considerou que seria fascinante ver as elites engolindo um sapo barbudo? Brizola - Bem, esta foi uma expressão retórica que me ocorreu naquele momento, para dar um recado a todos que procuraram barrar a nossa ascensão ao governo e que estavam ali festejando a nossa derrota formal no primeiro turno. Eu disse mais ou menos aquilo que o presidente Vargas disse na sua carta testamento. Aos que pensam que nos derrotaram, nós vamos responder com a nossa vitória. Porque, veja: há anos, as classes dirigentes brasileiras vêm estimulando o crescimento do PT, da própria liderança do Lula e também o desenvolvimento da chamada Igreja progressista. Com isso, elas pretendiam cortar a história com a tesoura. Pensaram que iriam dividir de uma forma inexorável o movimento popular e o trabalhismo, porque ajudavam uma nova força que tinha à frente um operário de carne e osso. Só que era um galho da nossa árvore, porque quando o Lula chegou lá no ABC e começou a entrar no sindicato, ele encontrou o sindicato; e encontrou os lideres do sindicato; perseguidos, uns; oprimidos; outros, e, com eles, ele aprendeu e foi aparecendo. Agora, eles jamais imaginaram, quando realizavam essa estratégia, que o Lula pudesse vir a ser presidente. Nunca imaginaram que aquilo que eles pensavam que fosse apenas um instrumento de divisão pudesse amanhã ascender ao poder, porque jamais também imaginavam que pudesse haver de nossa parte esse desprendimento de fazer uma unidade em torno do Lula. E eles não vão ter tempo mais tempo de remediar. Os empresários vão entender que Lula é o próprio pacto social ISTOÉ - Qual será em todo caso a reação previsível da elite do empresariado no caso de uma vitória do Sapo Barbudo? Brizola – Olhe, os empresários vão se dar conta de que o Lula é o próprio pacto social! Não vai ser necessário nem falar no pacto social, está implícito! O pacto social vai se tornar possível porque mudará as relações de poder com Lula na Presidência. ISTOÉ – Mas há outra área que não parece disposta a aceitar o Lula. E isso se reflete até em declarações de seus chefes à imprensa: os militares. O senhor acha que um eventual governo Lula teria sempre sobre ele a sombra da caserna? Brizola – Eu acho que nós vamos ingressar em um novo patamar da vida brasileira. A ascensão do Lula vai significar o início de alta profissionalização e de dignificação das relações da sociedade civil com os militares. A intenção, a mentalidade que domina entre todos nós, nesse sentido, é de que nós temos de cultivar relações institucionais com as Forças Armadas. E o caminho é justamente a cada vez mais claro dos respectivos papéis na vida do País. ISTOÉ - Pelo que estamos notando o senhor fala do governo Lula com um sentido de integração total, como se já fosse governo junto com o PT! Está já acertada uma coparticipação no caso de vitória de Lula? Brizola - Não. Nós acertamos apenas questões de tese, de doutrina! É uma visão do Brasil que está no nosso programa comum. São 12 pontos, que começam com um conjunto sobre as nossas diretrizes em matéria política e econômica. Pretendemos acabar com esse capitalismo selvagem, e, para isso, é necessário colocar certas questões sob um novo ângulo. Essa história de privatização versus estatização é um falso dilema. O que temos no Brasil não é um capitalismo como na Austrália, com ênfase social e economia de mercado. O que temos aqui é uma economia cartorial, de mercado. Procura-se confundir o povo brasileiro. Outro exemplo: esse processo de abertura, da Perestroika na União Soviética, na Europa Oriental. Tudo aqui foi apresentado como se fosse o débâcle do socialismo. E isso é uma deformação porque o que havia e o que ocorria com esses países, a União Soviética e na Europa Oriental, era a existência de regimes autoritários, de ditaduras, que assimilavam as ideias socialistas a seu modo. O socialismo como pensamento originário, como diálogo humano, é o que foi se desenvolvendo na Europa, enfrentando todas as dificuldades. Ali o socialismo se desenvolveu como uma criação livre, autônoma, que considera inconcebível o socialismo sem liberdade. E isso é tão verdadeiro que o capitalismo do século passado só conseguiu se manter à medida que foi assimilando uma substância socialista. Esse capitalismo de hoje não é mais aquele do século passado. ISTOÉ - Fale um pouco mais, por favor, sobre o programa comum com o PT. Brizola - Bem, além da visão comum sobre a economia, nós colocamos especial ênfase na educação. Na educação de natureza social, porque não se trata apenas de criar bons estabelecimentos e bons sistemas didáticos, não. As crianças do nosso País estão extremamente debilitadas, subnutridas; ao abandono, aos milhões. Então, educar, num País como o nosso, também quer dizer nutrir e dar assistência médica e dentária, especialmente para os mais necessitados. ISTOÉ - Voltando à eleição: qual a sua opinião sobre a antecipação da posse? Brizola - Acho que vai ser uma imposição da realidade. Não só o presidente Sarney não terá condições de continuar como vai acontecer uma situação mais premente do que a que ocorreu na Argentina. O País não vai aceitar continuar sofrendo, tendo um presidente eleito escolhido para assumir. ISTOÉ - Na sua opinião, o quadro brasileiro é tão grave quanto o que motivou a antecipação, para Carlos Menem, na Argentina? Brizola - Eu acho que a situação aqui está adquirindo níveis até de maior gravidade, porque a inflação já está mais alta do que a verificada quando das eleições na Argentina. ISTOÉ - O senhor acha que o Menem errou muito na Argentina, para chegar na situação que enfrenta hoje, que é novamente de crise? Brizola - Não se pode dizer isso, ainda. Creio que o controle da inflação tem uma fase preliminar que equivale, por exemplo, a uma dose de analgésico dada para um doente que está com febre alta e sentindo dores: é uma espécie de anestesia. Na essência foi o que ocorreu até agora, na Argentina, mas se não forem tomadas medidas contra as causas da febre e das dores, ou seja, contra a doença propriamente dita, tudo voltará com maior gravidade. A antecipação da posse vai ser uma imposição da realidade ISTOÉ - E quais essas medidas mais profundas que o senhor recomendaria para deter um quadro de hiperinflação? Brizola - Essencialmente, em nossa concepção, as causas profundas da inflação estão nas perdas internacionais. É preciso defender a economia nacional dessa sangria sem o que o fracasso é inevitável - como constatamos com o Plano Cruzado. Ele só tratava dos sintomas. Foi fácil denunciá-lo como uma impostura. ISTOÉ - Quando o senhor fala em perdas internacionais, o sr. se refere a quê? À dívida externa? Brizola - A dívida á um dos canais por onde se processam essas perdas. Mas existem outros. ISTOÉ- Quais, por exemplo? Brizola — Esses mecanismos de importação e exportação, os subsídios sobre o faturamento; eles estão aí, nessas normas todas que precisamos modificar. É por isso que eu falo numa alteração total do modelo econômico. Naturalmente estou falando genericamente. Teríamos de detalhar tudo isso e acima de tudo fazer as coisas com competência. Não podemos nos isolar do mundo. Nós temos de conviver, nós precisamos ir lá fora buscar, saber quem são nossos verdadeiros amigos e lembrar à comunidade das nações ocidentais que nós fomos o companheiro de guerra, que derramamos nosso sangue para construir um mundo melhor e não para submetermos o nosso País a essas cláusulas coloniais. ISTOÉ - Alguns articuladores da campanha do Lula estão começando a ver no senhor um homem que poderia ter um papel nesse sentido: ser uma espécie de chanceler nesse governo tendo contatos internacionais, facilitando uma nova visão dos problemas brasileiros. O senhor aceitaria uma missão desse tipo? Brizola – Olha, esse problema de cooperação nós temos de discutir na sua oportunidade. Estando o Lula na Presidência, obviamente que não vamos negar a ele qualquer tipo de colaboração, mas ressalvando sempre, também, nosso próprio exame da conveniência. ISTOÉ – Qual sua opinião sobre a proposta de implantação imediata do parlamentarismo? Brizola – O parlamentarismo é uma questão que deve ser discutida em tese, nunca em cima de situações concretas. Isso tem sido o grande mal. Sempre que se fala em parlamentarismo é como cobertura para um golpe, ou um golpe branco, ou um golpe de esperteza. No fundo, para manter as oligarquias. Uma discussão do tema, em tese, está até prevista na Constituição. Vamos deixar para essa oportunidade. Agora, não tem nenhum sentido. ISTOÉ - Uma última pergunta: qual o projeto pessoal de Leonel Brizola? Brizola - Olha, com toda a lealdade, esse assunto não foi motivo de cogitação. É um problema que vamos examinar mais adiante. Quando ele me vem, em função de um diálogo, em função de uma pergunta, eu logo faço com que passe, para não estar acumulando, de uma forma inconveniente, tantos problemas. ISTOÉ – O senhor vai pensar... Brizola – Aí, sim, isso pode ser motivo de meditação. Agora, não é hora de pensar em projetos pessoais, mas sim no Brasil, na vitória do povo brasileiro. Podia ser comigo, perfeitamente, mas será com o Lula. 5#3 DISPENSANDO AS ALIANÇAS Ele espera conquistar os 51% sem ceder em pontos programáticos. Evita apoios à direita e insiste em caracterizar Lula como radical por José Carlos Bardawil Depois de um primeiro turno em que superou a descrença e a gozação dos adversários, que o viam como um político de segundo escalão saído de um Estado de menor expressão (Alagoas), Fernando Collor chega ao segundo turno com força renovada. Nesta entrevista, publicada em novembro de 1989, o candidato do PRN ataca Lula, do PT, e diz que não abriria mão de nenhum ponto de seu programa de governo em troca de alianças que poderiam ajudá-lo a alcançar os 51% de votos válidos. Collor também dá pistas do pacote econômico que se concretizaria logo no início de seu mandato, com o confisco das cadernetas de poupança. “Haverá um plano para os primeiros 100 dias de governo, mas perfeitamente enlaçado com o plano macro, com o plano global de governo”, disse. As antessalas de Fernando Collor de Mello estiveram lotadas da manhã à noite, ao longo da terça-feira, 21, no seu comitê eleitoral do setor comercial Sul, em Brasília. Governadores, parlamentares, funcionários públicos, cabos eleitorais de toda sorte - todos corriam à procura de Collor, para se acomodar à sombra do novo poder nascente. Faltavam cadeiras, mas nem as mais altas autoridades ligavam para o desconforto da espera. O governador do Piauí, Alberto Silva, por exemplo, resignava-se a ficar de pé diante da porta do candidato, elogiando-o, com fervor: “É o fenômeno da política: venceu sem partido, sem grandes nomes, sem nada!” Preferência Collor: Brizola seria mais difícil Naquele dia, Collor passou mais de dez horas encerrado em seu gabinete, não saindo, sequer, para o almoço. Alegre e determinado, acabou conseguindo atender todos que o procuravam - embora, ao fim do dia, se mostrasse esgotado pelo esforço de falar tanto, sem poder cometer nenhum erro. A essa altura, Collor já realizou metade do seu sonho: alçou-se ao primeiro plano da política nacional, saindo de um patamar que os adversários consideravam risível - o governo de Alagoas e uma estrutura política antes de tudo amadora. Agora, o candidato entra no segundo turno pouco disposto a mudar seus métodos de campanha, como se pode perceber pela leitura desta entrevista. ISTOÉ — O sr. acentuou sempre, ao longo da campanha, sua ausência total de compromissos com políticos e com os partidos. Como concilia agora essa colocação com o segundo turno, quando serão necessários os compromissos para a campanha fechar os 51% de votação? Fernando Collor - Fundamentalmente, a minha aliança é com o povo brasileiro e com a sociedade civil. E, dentro da sociedade civil, com a parcela mais sofrida, mais necessitada, mais à margem do processo de desenvolvimento. É com ela que eu continuarei aliado no segundo turno. ISTOÉ — Em todo caso, o sr. já começou esse trabalho de procurar alianças, não é isso? Collor - Não, não procurei, até porque a parte que nos cabe está cumprida, ou seja, oferecemos à Nação o nosso programa de governo. Ele aí está para ser debatido, discutido e, eventualmente, aprovado por aqueles que queiram, a partir da aprovação, se incorporar na nossa jornada. ISTOÉ - A imprensa noticiou que o sr. teria dirigido alguns recados a Leonel Brizola, recados que foram rechaçados por ele. E verdade? Collor - Não, não mandei nenhum recado. ISTOÉ - Qual é a sua opinião sobre Leonel Brizola? Collor — A disputa no segundo turno seria muito mais difícil com a presença do governador Leonel Brizola. A proposta dele, sem dúvida alguma, era bem mais ampla do que a do Lula. E ele, pela política de alianças que estabeleceria se estivesse no segundo turno, sem dúvida alguma seria um candidato mais forte. A proposta do candidato do PT é extremamente radical, estreita, prega a luta armada, prega explicitamente derramamento de sangue até se for necessário para se chegar ao poder, prega a invasão de terras, a invasão de propriedades, prega, enfim, um processo que não condiz com o sistema democrático que nós tanto prezamos e queremos manter. ISTOÉ - Mas o candidato Lula tem usado uma linguagem bem moderada até, admitindo conversas . . . Collor - Surpreendeu-me agora no dia da eleição... ISTOÉ - ...e o assessor econômico principal dele chegou a colocar em várias entrevistas que não vai mexer no capitalismo, que não é nada disso. Collor - Espero que isso seja sincero. Agora, no último dia 15, foi distribuído aqui em Brasília um panfleto da juventude petista que me deixou bastante preocupado, porque esse panfleto trata dessas questões que há pouco abordei de uma forma muito clara e nítida e que não é exatamente a forma democrática. ISTOÉ - Mas, de qualquer forma, se por um lado o Lula tem realmente problemas de alianças muito mais sérios do que teria Leonel Brizola, por outro lado, possui a vantagem de ter uma penetração muito grande no mesmo tipo de eleitorado que o seu, ou seja, o eleitorado descamisado. Isso não o preocupa? Collor – Não, porque se a gente for verificar não somente nas pesquisas que foram realizadas, nas na própria realidade das urnas, o que se verifica é que a minha candidatura tem a sua força, sobretudo, nas classes C, D e E... ISTOÉ – Mas ele também entra aí! Collor – Entra, mas não com a mesma força que eu entro. A candidatura do PT é muito forte na classe A, na elite, que é a única classe social onde eu perco. E não é somente um fenômeno no Brasil. Em Alagoas também sempre ocorreu. ISTOÉ – Maluf e Afif, já que estamos falando em nomes, não seriam aliados naturais da sua candidatura? Collor – Não, porque esta eleição difere das outras. Nas eleições anteriores, a liderança conduzia o eleitor a votar no candidato A, B ou C. Nesta eleição, o eleitor está conduzindo a liderança a votar no candidato de sua preferência. Por exemplo, se o sr. Mário Covas achar em algum instante que é proprietário dos cinco milhões de votos que obteve, ele incorre em gravíssimo erro. ISTOÉ – Por falar em Covas, publicou-se a notícia de que o sr., para tentar atrai-lo, estaria disposto a tirar o Itamar Franco da vice. Collor– Isso não é verdadeiro e já dei uma declaração formal desmentindo essa especulação, que não é procedente e em nenhum momento foi cogitada. ISTOÉ – Sobre que pontos programáticos o sr. aceita conversar com outros candidatos, com os derrotados nesta eleição? Collor – Isso não está colocado. A minha presença no segundo turno não condiciona nenhum tipo de conversa sobre o que poderia ser modificado, ou não, dentro do meu programa. O programa existe e ele é um todo, indivisível e consequente. Ele foi distribuído, chegou às mãos de todas essas lideranças que, se tiverem um tempinho para ler, para se interessar, podem expor alguma dúvida sobre o ponto A, B ou C que a gente pode dirimir. Mas não que alguns desses pontos venham ser modificados em nome de um adensamento de minha candidatura para o segundo turno. Acho que esse adensamento será conquistado na medida em que mantivermos o mesmo espírito com que iniciamos esta caminhada e que nos mantenhamos acesos no resgate desses princípios republicanos de exercer a atividade pública com honradez, com dignidade e com caráter. Alcançaremos a liderança nas pesquisas de uma forma autêntica porque nascida nas ruas, na sociedade. Já rechacei duas vezes o apoio da Fiesp. Agora o faço pela terceira vez ISTOÉ – Por falar na sociedade, os empresários paulistas se reuniram e resolveram apoiar a sua candidatura. Como o sr. vê esse apoio? Collor – Já rechacei o apoio da Fiesp duas vezes e o faço agora, pela terceira vez. A Fiesp representa o que já de mais atrasado no empresariado brasileiro. A modernidade das nossas intenções e, mais do que isso, das nossas propostas, é um fator impeditivo para que tenhamos algum ponto em comum, porque se eu sou contra os cartórios, contra esses benefícios, contra a presença patriarcal e paternalista do Estado da nossa economia, e se a Fiesp usufrui desse Estado clientelista e paternalista, ela conflita com o meu programa de governo. ISTOÉ – Mas, o sr. não está pensando muito em termos de aumentar sua base? Como então pretende chegar aos 51%? Collor – Olhe, como é que eu cheguei aos 30%? Chegamos a isso sem ter um partido, sem ter uma estrutura partidária, sem ter grandes políticos do nosso lado. Chegamos sem nenhum grande empresário, sem nenhum banqueiro, sem apoio militar, sem nada! A gente não pode esquecer que, quando iniciamos a nossa campanha, ela era vista com um certo ar de riso, quando não de incredulidade. Achavam que isso era um sonho, que era apenas o arroubo de um jovem que havia saído de Alagoas. Os 51% serão decididos pela sociedade entre duas propostas que são muito nítidas. O candidato do PT é o marxista. Eu combato o marxismo. E, dentro do marxismo, ele já está atrasado porque o polo irradiador da doutrina marxista, que é a União Soviética, já está dando uma demonstração de que quer se inserir na modernidade dos novos tempos, quando abre o país ao capital estrangeiro, quando já fala em lucro, quando já promove eleições, quando já inicia um processo de reformas, quando derruba o Muro de Berlim. ISTOÉ – O sr. não está simplificando demais a situação? Collor – Não. A sociedade vai ter de escolher entre uma pessoa que quer a presença do Estado cada vez maior na economia e uma pessoa, como eu, que defende que o Estado deve deixar de ser gigantesco, ineficiente, corrupto e irracional, para ser uma entidade racional, eficiente, que atenda à população com os serviços públicos à altura dos impostos que vêm sendo pagos. Eu defendo a abertura; ele defende o fechamento do País para o resto do mundo. Eu defendo o contrário, a inserção do País no restante do mundo, abrindo nossas fronteiras de uma forma responsável e com regras muito nítidas e claras ao capital, tanto privado quanto estrangeiro. Então, é aí que se vai buscar a vitória. Poderá a sociedade brasileira optar por uma linha de pensamento ou por outra. Irei aos debates, sim. E usarei os comícios. Eles não estão fora de moda ISTOÉ – Quais serão as suas táticas de campanha? O sr. vai trabalhar à base de comícios ou prefere investir mais fortemente na televisão? Collor – Sempre comícios. Erram os que afirmam que depois do advento da televisão os comícios se tornaram uma atividade démodé. É um equívoco. Os comícios são e sempre serão fundamentais e importantíssimos para qualquer candidato que queira ter possibilidade de vitória. ISTOÉ – Mas o sr. vai a debates na televisão? Collor – Irei aos debates, sim. ISTOÉ – O sr. já disse que não aceita a ideia do parlamentarismo já, como alguns querem; mas também já disse que é parlamentarista! Como é que concilia essas duas posições? Collor – Com base na nossa Constituição. Eu entendo que o parlamentarismo seja o sistema de governo mais democrático e mais aperfeiçoado. Lutamos para que o parlamentarismo fosse vencedor na Constituição, junto com o mandato de quatro anos para presidente da República. Infelizmente, o presidente da República, com uma ação indébita e nefasta, interceptou essa que era a vontade já manifestada na Comissão de Sistematização. E, quando o assunto foi levado a plenário, ele conseguiu modificar e aprovar aquilo que o povo não desejava: cinco anos de mandato para si e o sistema presidencialista de governo. Mas, agora temos a Constituição, e do mesmo modo que respeitamos os cinco anos para o Sarney, nós temos de respeitar também aquilo que a Constituição determina, que é a implantação do parlamentarismo, depois de feito o plebiscito, em 1992. Não tenho qualquer compromisso com ACM, ou com Roberto Marinho ISTOÉ - O sr. também disse que, caso eleito, congelará o salário dos parlamentares. Por que faria isso, em primeiro lugar? Collor - Esta foi uma medida contida no bojo de uma proposta que o PRN, pelo próprio líder na Câmara dos Deputados, encaminhou ao plenário do Congresso Nacional. Nós procurávamos estabelecer uma maneira de combater a inflação, que já atinge números e índices assustadores. E tratávamos também da questão da formação de uma cesta básica com preços congelados, que fosse acessível para o assalariado. Tratamos também da questão do orçamento e nesse contexto propusemos que os parlamentares dessem essa demonstração de desprendimento e de boa vontade, congelando, durante um certo período, os seus subsídios. Não foi somente esta medida que foi sugerida e nem seria eu quem a tomaria, até porque não posso fazê-lo. O presidente não pode mexer nisso. Esta é uma decisão que deve partir do próprio plenário do Congresso Nacional, a quem cabe decidir sobre essas questões. ISTOÉ - O sr. anunciou, então, uma proposta que não poderá cumprir. Collor - Isso não é atribuição do presidente. Cabe ao Congresso Nacional decidir e, a nós, propor. ISTOÉ - Esses altos salários realmente causam problemas para a administração, ou eles seriam apenas um problema moral? Collor – É a questão do exemplo. É claro que esse eventual congelamento, por um determinado período, dos subsídios dos deputados, não representará uma grande economia do Tesouro Nacional. Mas representa muito mais do que isso: porque é o exemplo dado à sociedade, que cobra das suas autoridades. ISTOÉ - Como o sr. pretende governar representando a modernidade, como falou, se é apoiado, em muitos casos, pelo que há de mais amigo na política brasileira? Collor - Mas o que vale é a minha posição, a minha postura, o que vale é a minha proposta. Não importam as pessoas. Acho que estamos levando uma campanha em cima de uma proposta muito clara, muito nítida, que representa e encarna a modernidade. ISTOÉ - Já que se falou em pessoas, citemos pelo menos uma: o sr. considera que o ministro Antônio Carlos Magalhães, por exemplo, seja moderno? Collor - O ministro Antônio Carlos Magalhães, ao que me consta, não está incorporado na nossa campanha. ISTOÉ - Em outras palavras, o sr. está querendo dizer que não tem nenhum compromisso com Antônio Carlos Magalhães? Collor - Nenhum compromisso. Nem com o Antônio Carlos Magalhães nem com ninguém. ISTOÉ – Então ele não continuará como ministro das Comunicações? Collor – Não, não há por que continuar. ISTOÉ – De qualquer forma, o sr. Antônio Carlos é um homem com talentos variados. Ele não incursiona apenas pela área de comunicações. É um político profissional que pode ser usado em outros cargos. O sr. vai aproveitá-lo de alguma forma, ou não? Collor – Em primeiro lugar, não posso ser indelicado. Nós temos de primeiro tratar de ganhar essa eleição, para depois começarmos a pensar. ISTOÉ – Qual será a influência do sr. Roberto Marinho em seu governo? Collor – Nenhuma influência. Essa é outra falácia que se cria. Quem assiste ao noticiário da Rede Globo percebe isso claramente, com muita nitidez. ISTOÉ – Mas o sr. não nega que é amigo do empresário Roberto Marinho. Collor – Sem dúvida. Sou amigo não somente dele, como sou amigo do Bloch, como me relaciono com mo Silvio Santos, ainda que não possa dizer que seja seu amigo. Também me relaciono bem com o Johnny Saad, da Bandeirantes. Mas tudo isso não quer dizer nada. Se o fato de você ter amigos significa que você vai se deixar influenciar decisivamente por esse seu amigo, então a gente tem de viver isolado do resto do mundo. ISTOÉ - Juscelino baseou sua ação no desenvolvimentismo, nas metas; o Brizola falava nos Cieps, na educação; o Lula está prometendo reforma agrária e distribuição de renda. Quais suas ideias básicas para governar o País? Collor - O nosso programa privilegia o crescimento econômico, do qual não podemos abrir mão, com justiça social. Para que isso seja alcançado, teremos de enfrentar três grandes problemas que são a corrupção, a inflação e a miséria. Para enfrentar cada um desses problemas nós temos de promover um amplo leque de reformas, a partir do saneamento financeiro do Estado, da reforma administrativa, da reforma financeira, da reforma fiscal e do equacionamento da dívida externa e da dívida interna. Com isso, estaremos preparando o País para o crescimento econômico com o bem-estar social. ISTOÉ - Mas é possível fazer essas reformas sem mudar a Constituição? Collor - É perfeitamente possível, porque nós teremos um Congresso que estará solidariamente conosco nesse processo de reconstrução nacional. Esta não será uma tarefa isolada do presidente nem de um agrupamento de partidos. Será uma tarefa, como disse, da sociedade civil, com base nesse amplo entendimento que deverá ser estabelecido, de se reconciliar a sociedade com o Estado brasileiro. E uma das peças fundamentais da sociedade civil brasileira organizada é exatamente o Congresso Nacional, o Poder Legislativo. ISTOÉ - O sr. está querendo dizer que o Congresso vai aceitar essas reformas? Collor - Sem dúvida, até porque quando o povo estiver votando no candidato a presidente da República, estará votando não somente na pessoa dele, mas também em seu programa de governo; ou seja, quando o presidente da República tiver de remeter algo ao Congresso, os parlamentares já estarão recebendo as suas propostas com a unção popular. Portanto, em nenhum instante poderão se contrapor a essas reformas, que foram previamente aprovadas pelo eleitorado brasileiro. ISTOÉ - Se o sr. chegar à Presidência, coma serão as suas relações com a área militar? Collor - As relações serão ditadas pelo que estabelece a Constituição. O papel dos militares está muito bem delimitado no texto constitucional, como também o papel do Executivo. ISTOÉ - Mas o papel dos militares na Constituição ainda é o de tutelar as instituições, a tutela ficou. Collor - Não me parece... ISTOÉ - Apenas ressalvou-se que precisaria haver convocação de um dos Poderes. Mas a tutela continua... Collor - Sim, mas a chamado. Antes, não havia essa expressão. Foi uma modificação fundamental, um grande avanço, acredito, diante do que estava estabelecido. ISTOÉ - No entanto, as militares continuam dando palpites. Ainda outro dia, o general Leônidas Pires Gonçalves falou que não aceita a bandeira brasileira com outra cor que não seja verde-e-amarela, numa clara referência ao vermelho da bandeira do PT... Collor - E, mas ele também defendeu o parlamentarismo, o que induz a gente a pensar que está também defendendo a criação do Ministério da Defesa. Talvez o candidato do general Leônidas não tenha entrado no segundo turno ISTOÉ - Por quê? Collor- Porque no regime parlamentarista a instituição do Ministério da Defesa é uma consequência lógica! ISTOÉ - Mas ele é um tradicional inimigo desse ministério. Collor- Também era um tradicional adversário do parlamentarismo. Não sei por que houve essa mudança de posição. ISTOÉ - Não será porque ele acha que Lula possa ganhar? Collor - Não acho. Talvez o candidato da sua preferência não tenha entrado no segundo turno. ISTOÉ - O sr. vai acabar mesmo com o SNI? Collor – Vou acabar com o SNI. ISTOÉ - Acabar ou apenas transformá-lo numa secretaria? Collor - Vou acabar com essa repartição que prestou tantos desserviços à causa democrática. ISTOÉ - A Presidência pode dispensar um órgão de informação? Collor - Precisamos é de um de inteligência, um desmilitarizado que não tenha status de ministério. Tem de ser um órgão de assessoria. E, fundamentalmente, um de inteligência que ajude o presidente a governar, que o ajude a descortinar novos horizontes. E não que fique criando dificuldades para que o presidente governe. ISTOÉ - O candidato Lula diz que tem um ministério já pronto e que sabe hoje quais serão os seus ministros. Como essa vê essa questão? Collor - Isso é uma precipitação, porque ele precisa primeiro ganhar para tornar realidade essa possibilidade de ter A, B ou C no seu ministério. ISTOÉ - Mas o sr. tem nomes já preparados para essa função? Collor - Se eu tivesse, não os declinaria. ISTOÉ - Quem seria o seu ministro da Economia? A economista Zélia Cardoso de Mello? Collor - Não tenho a menor ideia! ISTOÉ - Quem seria o seu ministro do Trabalho? Collor - Da mesma maneira, não saberia dizer. Sei apenas que será um líder do sindicalismo de resultados, porque eu desejo fazer com que haja uma modificação das relações trabalhistas no País. É importante que ao trabalhador seja dada também a oportunidade de responsabilidade na administração federal. ISTOÉ - O sr. pretende implantar um plano de emergência se e tão logo tomar posse? Collor - Haverá um plano para os primeiros 100 dias de governo, mas perfeitamente enlaçado com o plano macro, com o plano global de governo. ISTOÉ - Quais são os pontos básicos desse plano? Collor - Isso vai depender do cenário que nós encontrarmos. ISTOÉ - É necessária alguma forma de pacto social para permitir que o Brasil volte a se desenvolver? Collor - O que eu prego é o entendimento. A palavra pacto foi bastante desgastada pela pouca consequência às iniciativas que foram adotadas por parte do governo federal. Eu falo num entendimento nacional e num programa de reconciliação nacional. ISTOÉ - E os salários, como é que vão ficar? Logo que assumisse, recomporia os salários, as despesas salariais que os sindicatos tanto reclamam hoje? Collor - Temos de trabalhar em cima disso. A nossa política econômica não prevê, em nenhum instante, que o trabalhador seja mais uma vez penalizado. O trabalhador vem sendo, literalmente, roubado, assaltado em todos esses programas que vêm sendo feitos. É sempre ele quem paga a fatura. A sociedade quer que a investigação sobre Sarney saia da gaveta ISTOÉ - Falemos do presidente José Sarney: o sr. pretende mesmo investigar os atos de corrupção que lhe são atribuídos? Collor - Todos os atos que em processo de apuração serão continuados. Aqueles sobre os quais tiver pairado alguma dúvida de que foram engavetados por questões políticas serão desengavetados, tocados adiante. Até porque a sociedade exige uma resposta, em relação a esse período de impunidade que ainda estamos vivendo. ISTOÉ - Quer dizer que Sarney não terá vida mansa no seu governo? Collor - Nem ele nem ninguém. Se alguém tiver culpa no cartório, terá que pagar por isso. ISTOÉ - O sr. não tem certeza hoje sobre essa culpa em cartório. Ou tem? Collor - Preferiria chegar à Presidência e, com os dados de que disponho e outros com os quais espero contar, poder demonstrar isso. ISTOÉ - No entanto, em campanha, falou que o governo é fraco, ineficiente e corrupto! Collor - Sem dúvida alguma que o é. ISTOÉ - Então não estava se referindo à pessoa do sr. José Sarney, mas ao governo em geral? Collor - Ele é culpado, no mínimo, por omissão. Ele também o é, porque não vem demonstrando a mesma operosidade com que me persegue, não a vem demonstrando na caça ou na elucidação dos casos de corrupção que acontecem nos seus bigodes. 5#4 UM PACOTE NO PRIMEIRO DIA Para Zélia Cardoso de Mello, assessora econômica de Collor, só assim vai ser possível governar por Jorge Caldeira Zélia Cardoso de Mello era uma jovem economista de pouco mais de 30 anos quando conheceu Fernando Collor de Mello, em 1987. Dois anos depois, tornou-se sua principal assessora econômica, depois de eleito, sua ministra da Fazenda. Zélia teve uma passagem, no mínimo, impactante pela Esplanada e se tornou uma das figuras centrais dos anos Collor. Nesta entrevista concedida às vésperas do 2º turno, com Collor na dianteira das pesquisas, Zélia já dava indicativos claros de que o futuro governo trabalhava com ideia de aplicar um choque na economia brasileira a fim de reduzir a inflação, o maior drama daquele Brasil recém saído de 20 anos de ditadura. O que ninguém imaginava é que Zélia e Collor seriam capazes de fazer um confisco na Caderneta de Poupança. O resultado desastroso foi o primeiro dos muitos equívocos que fizeram Collor ser derrubado do Planalto e levaram Zélia a um auto-exílio em Nova York que dura até hoje. Caso seja eleito, Fernando Collor de Mello vai editar um gigantesco pacote de medidas econômicas logo no primeiro dia de governo. Nos cálculos de Zélia Maria Cardoso de Mello, a principal responsável pela formulação do programa de governo do candidato, os primeiros 100 dias de governo serão fundamentais para seu futuro. Se as medidas não derem certo logo, segundo Zélia, Collor, se eleito, pode ter, a partir de 91, um Congresso contrário a ele, capaz de paralisar qualquer tentativa de mudar a situação. Para evitar isso, o candidato deve colocar todas as suas cartas na mesa logo de cara. O objetivo é derrubar rapidamente a inflação, implantar um programa de reformas e esperar uma nova fase de crescimento da economia. Se tiver sucesso na primeira fase, o passo seguinte seria a implementação de uma política econômica tipicamente social-democrata, na qual os gastos públicos na área social seriam utilizados para tentar melhorar o perfil de distribuição de renda. Otimismo em alta Segundo Zélia, o Brasil está pronto para crescer Zélia e Collor se conheceram no início de 1987 em Brasília. Ela fazia parte da equipe do ex-ministro da Fazenda, Dilson Funaro, como encarregada da acompanhamento das dívidas dos Estados e municípios. O então recém-eleito governador de Alagoas tratou com ela da renegociação das dívidas de seu Estado. Os contatos entre os dois continuaram depois que Zélia deixou o governo, juntamente com Funaro. Contratada por Collor para dar assessoria ao governo de Alagoas, continuou trabalhando com ele quando se tomou candidato. Aos 35 anos, solteira, coordena o grupo que cuida da montagem das medidas que Collor pretende implementar no primeiro dia de seu governo. Acredita firmemente que trabalha para um candidato social –democrata, capaz de mudar o País. ISTOÉ- Fernando Collor de Meill0 é tido como um candidato de direita mas se apresenta como um candidato social-democrata. Como se explica isso? Zélia Cardoso— Acho que isso vem de uma má percepção, um preconceito muito grande que existe em relação ao Collor. Como a candidatura dele nasceu de parte da sociedade civil, ele cresceu nas pesquisas e à medida que ele crescia as pessoas o consideravam fogo de palha, uma nuvem passageira. E quando essa candidatura se solidificou, as pessoa não acreditavam que seu caráter social-democrata pudesse ser verdadeiro, dadas as condições em que a candidatura se instalou. A partir daí, o preconceito explodiu com uma força que a mim surpreende, porque conheço o Collor há alguns anos e tenho mantido com ele conversas constantes sobre problemas cruciais da economia brasileira. Durante todo esse tempo ele sempre mostrou preocupações que não são absolutamente de direita. Ele mostrava sempre uma preocupação, por exemplo, com a questão da dívida externa, com a forma a forma como a negociação vinha sendo tratada. Dizia que, na verdade, esse tratamento ocorria em detrimento de um projeto de crescimento econômico, acelerava a desarticulação do governo federal e a falta de eficiência deste governo em trabalhar com políticas sociais. Enfim, para mim, que conheço Collor, surpreendeu a maneira como esse preconceito apareceu, porque é absolutamente incoerente com a própria pessoa do candidato. ISTOÉ— O sr. Collor nunca quis fazer um programa de emergência, dizendo que bastava sua eleição para colocar ordem na economia. Já mudou de ideia? Zélia— No essencial, não. Nós realmente acreditamos que não há programa de combate à inflação que possa ser implementado com sucesso se não forem feitas algumas reformas, que são as reformas colocadas no programa. O erro da política econômica nos últimos anos foi o de tentar planos de curto prazo que não atacavam as raízes do problema. Então, sob esse ponto de vista, o programa, que vê a longo prazo, não muda, é o mesmo. As medidas adicionais de curto prazo virão como consequência disso. Nós entendemos que o fundamental é a implementação das reformas e cada uma delas supõe medidas de impacto. A privatização não deve ser discutida como um problema ideológico ISTOÉ- Quais são as reformas? Zélia— São a reforma administrativa, fiscal, patrimonial e a renegociação da dívida externa. Essas quatro reformas vão propiciar o saneamento do Estado. Nós julgamos que o problema fundamental hoje da inflação está ligado aos desequilíbrios financeiros e patrimoniais do Estado. ISTOÉ— O que é reforma administrativa? Zélia— A reforma administrativa parte do princípio de que hoje o Estado está desorganizado, e por isso não consegue implementar com eficiência as políticas sociais. Para fazê-las funcionar é necessária uma ampla e profunda reforma ministerial, porque hoje há uma superposição muito grande de dentro do governo. A primeira medida é esta. Do lado do funcionalismo, é preciso proceder a uma revisão de cargos e salários, e adequá-los às novas necessidades. ISTOÉ- A ideia de Collor é reduzir a dez ou 12 o mínimo de ministérios? Zélia— É. Estamos agora detalhando esse ponto, mas a proposta inicial é de uma redução e da junção de determinados ministérios, para dar uma atuação mais coordenada ao governo. ISTOÉ- E a reforma patrimonial? Zélia— A reforma patrimonial tem duas vertentes. Uma vertente é a de que o Estado é proprietário de um imenso patrimônio de imóveis rurais e urbanos que estão desocupados, ocupados indevidamente ou alugados por preços aviltantes. Enfim, ele utiliza esse patrimônio de uma maneira não adequada ao crescimento e ao próprio desenvolvimento. Então, tem de ser feito um plano de identificação desse patrimônio, porque hoje o Serviço de Patrimônio tem algumas falhas na sua identificação, e a partir daí fazer um plano de utilização. Esse plano de utilização não necessariamente significa sua venda, ele significa boa utilização. A outra vertente é a privatização. A privatização, do nosso ponto de vista, tem um componente básico e, o que é importante, um componente ideológico. Para começarmos a discutir a privatização e avançar na conversa, é preciso tirar a ideologia. A privatização, na verdade, é um novo padrão de financiamento do crescimento. ISTOÉ — Tudo pode ser privatizado? Zélia — Não. Deve ser privilegiada a privatização daquelas empresas que na verdade eram privadas e um dia foram encampadas pelo Estado. Isso seria, na verdade, a reprivatização. Depois vem a privatização de algumas empresas estatais que hoje não têm mais sentido em mãos do Estado, preservando os setores estratégicos e os interesses nacionais. Nas empresas que forem privatizadas será privilegiada a democratização do capital. A privatização seria feita principalmente através da transferência de ações para os próprios funcionários das empresas. Um terceiro ponto importante, para nós, dentro da privatização, é o dos novos investimentos. Hoje há grandes estrangulamentos, estamos com o mesmo problema que tínhamos na década de 50, com estrangulamentos na área de energia, de transportes, e agora na de comunicações. O Estado não tem hoje condições de continuar com esses investimentos, ele está endividado. O setor privado poderá gradualmente participar desses investimentos, basta que seja feita uma lei de concessão para que o setor privado passe a participar dessas áreas gradualmente. Para isso, um outro requisito além da lei de concessão é o de que as tarifas não sejam utilizadas como instrumento de política econômica no combate à inflação. O Brasil tem hoje os estrangulamentos que tinha no início da década de 50 ISTOÉ — E a reforma fiscal? Zélia — A reforma fiscal tem dois pontos importantes. O primeiro é o combate à sonegação. Temos hoje no Brasil uma situação onde a impunidade acaba gerando a sonegação, que a falta de informatização adequada e a legislação extremamente complexa ajudam a acontecer. A ação será no sentido de atacar três pontos: tornar difícil a sonegação, simplificar a legislação e ter maior informatização, uma melhoria no cruzamento de dados com vistas ao combate à sonegação. Outro ponto importante é a revisão de todos os incentivos, subsídios e outros tipos de renúncia fiscal que a União faz hoje. ISTOÉ — Mas na verdade as beneficiadas pelos subsídios são as empresas privadas. O programa vai contra as empresas privadas? Zélia — Haverá obstáculos, sem dúvida. O importante é que essas medidas devem estar no bojo de uma política industrial que deve privilegiar cada vez mais a competição. Esses incentivos na verdade funcionam como formas de proteção e reserva de mercado, que foram muito úteis no passado, mas hoje acabam favorecendo bolsões ineficientes. O parque industrial brasileiro deve capacitar-se tecnologicamente e estar cada vez mais apto para concorrer, mais exposto à competição. Por isso é preciso que se faça essa revisão dos subsídios. O problema dos subsídios é que eles foram se generalizando e proliferando sem nenhum compromisso com metas. O importante é o seguinte: se a sociedade decide que vai ter subsídios, eles devem estar sujeitos a metas - o que hoje não acontece - e a uma avaliação de custo-benefício. Por isso que é importante a revisão de todos esses subsídios. ISTOÉ — E a dívida externa? Zélia — Na questão da dívida externa temos uma posição muito clara. É a posição de que o Brasil tem de se integrar ao resto do mundo. Não somos partidários de nenhuma tese de isolamento, o Brasil tem de se integrar. Hoje há um reordenamento mundial do ponto de vista tecnológico, financeiro, comercial e produtivo. A dívida externa é um ponto importante dentro desse panorama mais amplo de política externa, de comércio exterior. O outro ponto importante da nossa proposta é que qualquer negociação da dívida externa não pode comprometer o crescimento econômico. O crescimento econômico tem de ser preservado. Temos uma proposta especifica em relação à dívida externa, que tenta exatamente criar um espaço de negociação que hoje não existe: tratar de maneira diferente as diferentes entidades do setor público, ao contrário do que hoje ocorre, quando elas são tratadas da mesma maneira. Várias entidades do setor público que são rentáveis, que tomaram empréstimos e aplicaram esses empréstimos em projetos que geram recursos, e outras onde isso não acontece. A primeira coisa importante é separar essas diferentes situações e trabalhar a negociação a partir da real capacidade de pagamento de cada devedor, e utilizar os instrumentos da conversão e da privatização junto com essa negociação. O objetivo é que, por exemplo, a Petrobras tenha projetos de investimento e possa negociar com os seus credores esses projetos, fazer conversão, se achar interessante, fazer sublocação de equipamentos se achar necessário. ISTOÉ — No entanto, o ponto final de todas essas ideias, apesar das diferenças, não é o velho e bom Tesouro? Zélia — É, mas exatamente porque hoje está tudo centralizado e existe o aval da União. As empresas que geram recursos pagam, não criam problemas. As que não têm deixam a conta para a que é obrigada a honrar os empréstimos. Queremos modificar essa situação. Vai continuar havendo centralização na União, mas centralização no sentido de que a União continue a ter a programação monetária, a programação de remessas de divisas. Mas nós acreditamos que com a descentralização das negociações poderemos adequar a capacidade de pagamento dos diferentes devedores e abrir um espaço para o crescimento que hoje não existe. Os incentivos ajudam a formar bolsões de ineficiência ISTOÉ— Juntando essas quatro reformas o resultado é de um programa até muito parecido com o do PSDB. Por que esse programa atraiu gente tão diferente dos que aderiram ao PSDB embora sendo semelhante? Não faltam social-democratas apoiando Collor? Zélia— Como falei antes, a candidatura Collor nasceu de fato nas ruas, teve um apoio muito grande da sociedade civil, e todo o crescimento se deu em função disso. A partir dai agregaram-se várias forças à campanha, mas não forças muito diferentes das que existem no PSDB ou no PMDB. ISTOÉ— Não há o risco da implementação desse programa ser dificultada pelos aliados do candidato? Zélia— De maneira nenhuma. O compromisso do Collor é um compromisso com a sociedade civil, é um compromisso com quem está votando nele, é um compromisso com aqueles que deram demonstração de solidariedade através do voto e é um compromisso com o programa. Eventuais apoios que possam existir são sempre subordinados a esse compromisso maior, que é o compromisso com os eleitores. O Estado no Brasil não vai reformado para se tornar liberal ISTOÉ— Qual é a velocidade prevista para essas mudanças? Elas têm de ser imediatas? Zélia— Dentro de cada uma dessas reformas nós temos medida de curto, e longo prazos. O fundamental é o problema da sinalização. Nós acreditamos realmente que o Brasil se encontra à beira de um novo ciclo de crescimento, basta que se desatem alguns nós que hoje aprisionam os capitais privados na armadilha financeira, basta que se desate o nó da dívida externa. A partir daí, estaremos criando as condições para a retornada dos investimentos. ISTOÉ— O Brasil que Collor vê não é um Brasil em crise, é um Brasil saindo da crise? Zélia— É um Brasil saindo da crise, é o Brasil da prosperidade. É o Brasil do crescimento, mas não de qualquer crescimento, é o Brasil do crescimento com conteúdo social e tendo o Estado como instrumento privilegiado de atuação na social e no crescimento econômico, o Estado atuando no combate à miséria. ISTOÉ— A reforma do Estado não é então uma reforma com sentido liberal? Zélia— Não é uma reforma no sentido liberal, é uma reforma no sentido de que o Estado deve ter uma ação prioritária nas áreas sociais. Nós não acreditamos que o crescimento econômico por si resolva as imensas desigualdades sociais e regionais que temos no Brasil. Para que se resolvam essas desigualdades, é preciso que o Estado atue prioritariamente nessas áreas, garantindo à maioria da população o acesso à saúde, à habitação, aos saneamento básico, ao transporte coletivo. De outro lado, e aí pode vir aparentemente um sentido liberal, entendemos que é preciso uma desregulamentação. Hoje o empresário gasta uma parte enorme do seu tempo em Brasília andando de gabinete em gabinete e isso faz com que o empresário brasileiro em vez de estar preocupado com a produção passe parte do tempo tentando resolver problemas burocráticos e na outra parte preocupado com a inflação. Isso não pode mais acontecer. ISTOÉ—Como é encarado o problema da inflação? Zélia— Se esse conjunto de medidas que estão sendo estudadas realmente for implementado no primeiro dia, reforçando o choque de credibilidade que vai ser dado pela posse do novo governo, um governo que vai estar implementando um programa que foi previamente discutido com a sociedade, haverá uma sinalização adequada. Como hoje não há nenhum projeto e os agentes econômicos sabem que o setor está absolutamente quebrado e desequilibrado, eles não acreditam que medidas específicas possam contribuir no combate à inflação. À medida que esse conjunto de medidas seja aplicado com coerência, os agentes econômicos estarão convencidos de que o governo realmente está caminhando para o seu equilíbrio e o equilíbrio das suas contas. A partir do momento em que se desata esse nó financeiro, eu não tenho dúvida nenhuma que a queda da inflação será bastante rápida. ISTOÉ— A equipe considera a hipótese de assumir com hiperinflação? Zélia— Não. Evidentemente trabalhamos com vários cenários, mas acreditamos que, salvo alguma ocorrência imprevista no período entre a proclamação do candidato e sua posse, não há nenhum motivo para a hiperinflação. ISTOÉ— Há uma ideia corrente hoje de que o próximo presidente tem de resolver o grosso dos problemas nos primeiros 100 dias. Isso é uma preocupação também de Collor? Zélia— O ano de 1990 tem características muito especificas. É o primeiro ano de um novo governo, mas é também um ano eleitoral. O próximo governo vai se defrontar com o Congresso em fase de renovação. Isso significa que o próximo presidente tem de acertar o período entre sua posse e a eleição do novo Congresso, porque é a única maneira que terá para não se defrontar com um Congresso legitimado pelo voto popular e disposto a impedir medidas adicionais que precisam ser tomadas. Para que isso não aconteça é preciso ter pronto o plano, apresentar logo ao Congresso o conjunto de medidas, esperar que esse conjunto de medida dê certo, porque se não der certo o próximo Congresso será naturalmente um obstáculo a qualquer medida que o novo governo venha a tomar. ISTOÉ— Isso não é acreditar em uma mágica? Zélia— Não. Acho que não é mágica. Isso não é um otimismo vazio. Acredito que a economia brasileira está preparada para uma nove fase de crescimento, ela precisa apenas do sinal correto. É preciso que se desatem os nós e que os empresários tenham regras claras. O que acontece hoje é o seguinte: há uma defesa financeira da parte dos capitais privados e não há uma defesa de não partir para o investimento porque nunca se sabe o que vai acontecer com os juros, o que vai acontecer com os preços, o que vai acontecer com o salário, qual vai ser a regra que vai ser mudada na próxima semana. Pretendemos ter regras claras durante todo o tempo. ISTOÉ— Mas a grande incógnita não é a inflação para cujo comportamento não há regras claras? Zélia— Com as reformas que estamos propondo, aliada a essa sinalização adequada e ao choque de credibilidade no governo, a inflação teria uma queda bastante acentuada num primeiro momento, e a partir disso uma queda gradual. ISTOÉ— Sem congelamento? Zélia— Sem congelamento, porque o congelamento acabou criando anticorpos na economia. Hoje, a sociedade e as agentes econômicos estão vacinados contra o congelamento. Um congelando seria, na verdade, a contaminação do novo com o velho. ISTOÉ— O começo do governo Collor é de combate à inflação? Zélia— É o combate à inflação sem prejuízo ao crescimento econômico. ISTOÉ - Mas não há economista que deixe de ver uma recessão durante o período de deflação. Zélia— Nos três primeiros meses poderá até haver um crescimento que não seja o esperado. Para compensar isso, faremos políticas de sustentação de consumo. ISTOÉ— Mas isso não significa imediatamente aumentar o gasto público que o governo diminuiu para combater a inflação? Zélia— Acontece que dentro da reforma fiscal um ponto importante é a qualidade do gasto público. Essa é a grande questão. A reforma fiscal não é só aumentar receitas e diminuir gastos, é fazer os fastos de uma maneira mais consistentes com os objetivos. ISTOÉ— Para isso funcionar logo não seria necessário um imenso choque dentro do governo? Zélia— Sem dúvida. Tem de acontecer uma reordenação e uma modificação de prioridades rapidamente. ISTOÉ— A sra. já recebeu algum convite para participar do governo? Zélia— Eu trabalho num grande projeto para o Brasil, num projeto no qual acredito. Acho também que Fernando Collor é a pessoa talhada para este projeto, tem todas as características para realizá-lo. Tem uma preocupação predominante com o social, um desejo e a obstinação de mudar. Enquanto acreditar nisso, estarei sempre trabalhando nesse projeto de construir um Brasil melhor. O importante é que o projeto dê certo, e não quem vai ajudar Collor a implementá-lo. 5#5 DE SAÍDA, PULSO FORTE Como Fernando Collor de Mello pretende tirar partido da legitimidade obtida das urnas por Bob Fernandes O Fernando Collor de Mello e o futuro presidente da República precisam se encontrar. O presidente, eleito no domingo, 17, com mais de 35 milhões de votos, anuncia, pelos jornais, que deseja fazer “um governo de entendimento e união nacional”. Mas Fernando Collor de Mello, aos 24 minutos do dia 18, cercado por meia centena de amigos em sua mansão no Lago Norte, em Brasília, ergueu um brinde, em lágrimas, e comemorou: “Destruímos o PT.” Já se conhece mais, em todo caso, sobre os planos do novo presidente. Ele pretende governar “com 13 ministérios” e não com 12 como anunciava sua assessora Zélia Cardoso de Mello. E já encontrou algumas alternativas para compor sua equipe de governo. Vencedor Enquanto propunha um governo de união nacional, erguia um brinde em lágrimas: "Destruímos o PT" Collor diz que “nenhum ex-ministro” deverá integrar sua equipe e sonha com um ministério de grandes nomes. Entre outros os do ex-presidente da Petrobras Ozires Silva, do dirigente da Vale do Rio Doce, Eliezer Batista, e dos parlamentares tucanos Fernando Henrique Cardoso e José Serra. Collor pretende, também, sair rapidamente do isolamento político observado na campanha. Na madrugada do domingo, 17, enviava três emissários ao Rio de Janeiro para uma conversa reservada com um integrante da Executiva Nacional do Partido Comunista Brasileiro. “Quero fazer um governo de entendimento”, mandou dizer o presidente aos comunistas. Antes, porém, que a realidade dos fatos e os seus desejos se ajustem, Fernando Collor de Mello e o futuro presidente da República terão de se encontrar e dirimir algumas questões. Como, por exemplo, pretende o presidente obter o apoio do PCB se o anticomunismo deu o tom para a reta final da campanha de Fernando Collor de Mello? Ou ainda: como o presidente imagina neutralizar a oposição da Central Única dos Trabalhadores, com seus 1.600 sindicatos e 18 milhões de trabalhadores, se Fernando Collor já optou pela cúpula do sindicalismo de resultados da CGT, deixando claro que Antônio Rogério Magri só não será um de seus ministros se recusarem o convite? Mas há mais: o presidente eleito conta com as bênçãos da Igreja Católica para o seu governo. No entanto, Fernando Collor chegou à Presidência com a engajada contribuição dos maiores adversários da Igreja Católica hoje, os grupos pentecostais. Isso, sem falar do descompasso entre a socialdemocracia, que o futuro presidente diz querer como modelo de governo, e a origem de sua votação. Fernando Collor de Mello venceu em 22 das 27 unidades da federação e teve mais de 50% dos votos em 18 destes Estados, mas, salvo uma escala de luxo como em São Paulo, sua passagem para o Palácio do Planalto foi carimbada pelo voto conservador dos grotões do País. Vencido Quando a vitória já parecia certa, Lula foi alvejado pela campanha collorida por um tiro diário no coração É certo que, do ponto de vista numérico, votos não devem ser qualificados, mas, sim, contados. Mas é inevitável que se imagine o futuro governo e suas ações e dificuldades levando-se em conta o desempenho da oposição nos principais centros urbanos do País. À exceção de São Paulo e Curitiba, no ano de 90, quando serão renovados o Congresso e os governos estaduais, as forças oposicionistas estarão plantadas, eleitoralmente, nas principais capitais e centros urbanos do Brasil. Não será nada fácil para o novo presidente o confronto com essa oposição urbana logo após seis meses de governo. Ainda mais porque Collor garantiu, em campanha, a redenção dos “descamisados e pés descalços”, mas chegará ao poder em meio a uma crise, econômica, de proporções ainda incalculáveis. No final da semana que antecedeu as eleições, um editor da revista norte-americana Fortune, até há meses um entusiasta da candidatura collorida, dizia para amigos em São Paulo: “Mudei de ideia. Acho que a melhor saída é o Lula e esta é também a opinião de muitos jornalistas americanos.” Diga-se, a propósito, que a imprensa americana, depois de uma fase de encanto com o clean, jovem e liberal Fernando Collor, começa a dizer que o Brasil escolheu um presidente “conservador e populista”. Collor, apesar do vazamento de nomes de ministeriáveis por parte de seus assessores, tem evitado falar em público sobre o futuro ministério e os planos de governo. Mas o esboço de ação para os primeiros 100 dias do novo governo já está pronto. Faltam os ajustes inevitáveis, que serão puxados pelo cortejo de alianças a caminho. Logo no primeiro dia, pretende editar três dezenas de decretos e projetos. O impacto maior ficará por conta da extinção das “mordomias oficiais” entre as quais as mansões no Lago, em Brasília, e os apartamentos para a alta burocracia. Ao mesmo tempo, Collor pedirá ao Congresso sinal verde para avançar no programa de desestatização. São Paulo e Rio "Sarney" passeia na av. Paulista, em São Paulo. As bandeiras do PT tremulam na praia carioca. O Sarney de Brasília diz que aceita a antecipação da posse, mas Collor prefere esperar Nos 100 dias seguintes, Collor prevê a ampliação das frentes de luta. Novamente, dois alvos irão polarizar as atenções. O primeiro é a renegociação da dívida externa. O presidente deverá pedir ao Congresso o estabelecimento de um teto máximo para o pagamento dos juros. A equipe hoje chefiada pela economista Zélia Cardoso fixou um patamar: 2,5% do PIB. Ou, em números redondos, US$ 5 bilhões. Isto vem a ser a terça parte dos juros que o País teria de pagar nos dias atuais. Nas conversas que manteve com Collor a economista sugeriu “pulso forte” no começo, para tirar partido da legitimidade ganha nas urnas e, ao mesmo tempo, tentar brecar o processo de hiperinflação. Este é o segundo alvo prioritário do novo presidente. Zélia acredita que Collor possa repetir no Brasil uma receita semelhante à de Menem na Argentina, mas recomenda uma movimentação mais cautelosa. Entre a Argentina de Menem e o Brasil de Collor existe uma solitária semelhança: a esperança de milhões de descamisados. O resto são mundos paralelos. Collor, ao contrário de Menem, não tem um partido organizado, nem o controle dos sindicatos, como ressalta um de seus assessores. Em todo caso, um dado é tido como certo na assessoria de Collor: caso ele opte pelo choque liberal seu convidado para o Ministério da Economia será o mega empresário Antônio Ermírio de Moraes. Com ou sem Antônio Ermírio, o presidente eleito não terá maiores dificuldades em obter o apoio do empresariado que em campanha dizia querer manter distante. Difícil será sua vida na área sindical. Como lançar uma ponte nessa direção é ainda uma pergunta sem resposta. E não se imagine que Antônio Rogério Magri, da CGT, irá representar, de fato, os setores sindicais. Na terça-feira, 19, de madrugada, em entrevistas nas tevês, Magri admitia o fechamento do Ministério do Trabalho ou, quiçá, sua transformação em uma secretaria especial da Presidência da República. Se isto se der, nascerá no Brasil a “Secretaria de Resultados”, vitória ímpar dos trabalhadores em todo o mundo. Há ainda outra questão no ar. Collor se inclinará para a corrente econômica liderada por Zélia, carimbada como desenvolvimentista, ou para a linha tradicional, voltada para o controle das contas? Assessores especulam que Collor buscará uma linha intermediária reunindo “gente nova”, como Zélia, e “gente experiente”, na linha Ozires Silva, ex-presidente da Petrobras. Nos próximos dias, Collor deverá dar também passos na direção da Igreja. Durante a campanha, ele preferiu atribuir a “setores da Igreja” a rejeição à sua candidatura, mas, na tarde de segunda-feira, em reunião com os mais próximos do novo presidente, o jornalista Sebastião Nery arrancou gargalhadas ao dizer: “A CNBB é a CUT de batina.” Nas Forças Armadas os entendimentos buscarão uma varredura no campo minado dos soldos e orçamento. Collor pretende dizer aos comandantes militares que a modernização das Forças Armadas não dará marcha à ré. A expectativa, segundo fontes ligadas aos militares, fica por conta da escolha do ministro da Marinha. Se for o almirante Mário César Flores, chefe do Estado-Maior, fica confirmada uma decisão: em lugar de criar o Ministério da Defesa, Collor terá sinalizado para o fortalecimento da Marinha com a perda gradual de peso do Exército. O realinhamento de forças de imediato não traria ameaças para Collor. A Marinha é uma força eminentemente profissional. Um condestável com origens navais não chegaria a criar área de atrito com o Exército, mas iria funcionar como contraponto à influência da tradicional força política do País. O atual ministro, Leônidas Pires Gonçalves, aliás, numa surpreendente declaração no dia da eleição disse, candidamente, que “gostaria de indicar” ou influenciar na escolha do seu sucessor. Na semana da eleição, Leônidas recebeu um amigo de José Sarney, o ministro da Cultura, José Aparecido. O ministro do Exército, indagado sobre a antecipação da posse do futuro presidente, afirmou ser contrário. Entende o co-governante da era Sarney que “o resultado precisa ser assimilado”. Na segunda-feira, 18, o próprio Sarney disse que não tomará nenhuma atitude para antecipar a posse, mas admitiu: “Se o novo presidente assim desejar, ele tem de dirigir-se ao Congresso e, se for aprovada a ideia, não criarei obstáculos.” A tese da antecipação gerou controvérsias no governo. O ministro do Planejamento, João Baptista de Abreu, diante das contas do País, disse ser “favorável”. O amigo de Sarney, Saulo Ramos, da Justiça, atacou: “Ao invés de fazer teratologia mental (narração de coisas maravilhosas ou estudo das monstruosidades) o ministro poderia pedir demissão do governo”, sugeriu Saulo. Fernando Collor, através de seu porta-voz, o jornalista Cláudio Humberto, mandou dizer também que não deseja receber o abacaxi já. Humberto ancorou-se no respeito à Constituição e teorias similares para dar o recado de Collor que, antes ou, mais provável, após a diplomação ainda em dezembro, pretende tirar férias de oito a dez dias. O presidente eleito na terça-feira, 19, oscilava entre Paris e a América Latina. Foi digna da América Latina a maracutaia na semana que antecedeu a escolha do presidente depois de um jejum de 29 anos. Com a inestimável colaboração de boa parte da mídia, o candidato Collor programou um tiro por dia no coração da candidatura Lula. A semana começou com uma armação no programa Ferreira Neto, da TV Record. Ali, Collor ameaçou a classe média com o término da poupança e a invasão dos apartamentos, episódios estes inevitáveis se o PT chegasse ao poder. Na terça, Collor passou na alcova do adversário. Consta que a jogada atingiu a alma de Lula, que chegou ao decisivo debate na quinta-feira, 14, muito abatido. Na véspera, as máquinas de vídeo-pôquer supostamente pertencentes ao locutor-vereador do PT-SP Juarez Soares causaram furor no País da ciranda financeira e das lotos e loterias do governo. Os petistas e agregados tiveram alguma esperança quanto ao desempenho de Lula quando, na quarta, o deputado Plínio de Arruda Sampaio (PT-SP) exerceu o direito de resposta à armação Ferreira Neto-Collor. O jornalista publicitário viu-se reduzido a quase coisa alguma diante das respostas de Plínio às alegações colloridas. Pensou-se, ali, que Lula estaria bem treinado para o dia seguinte. Não estava. E na sexta-feira a TV Globo abandonou eventuais resquícios de pudores e promoveu um comício eletrônico no seu Jornal Nacional, cuja audiência média supera os 45 milhões de brasileiras e brasileiros, agora tornados “minha gente”. No sábado, o País, e em especial São Paulo, viu-se invadido de versões revolucionárias do sequestro Abílio Diniz. No dia seguinte às eleições, em Brasília, diretores dos institutos de pesquisa, em conversas informais, não deixaram dúvidas. As versões do sequestro forçando às vezes a ideia da origem terrorista dos sequestradores, às vezes contrariando até a versão das autoridades, acabaram favorecendo a candidatura Collor. Não se diga que a Frente Popular foi pega de guarda baixa. Em reunião no comitê da Vila Mariana (SP) na quarta-feira, l3, pela manhã, o deputado Paulo Delgado (MG) opinou: “Eu não confio na polícia que leva dois meses para prender o Naji Nahas, que qualquer operador de Bolsa saberia onde encontrar”, disse o deputado, antes de sugerir: “Acho que no programa de hoje à noite devemos abrir o seqüestro de Abílio Diniz e tratá-lo como um caso político que será usado contra as eleições”. A tese de não “contaminação eleitoral” na divulgação de versões do seqüestro derrotou Delgado na reunião da qual participavam Plínio de Arruda Sampaio, César Alvarez (secretário de organização do partido), Gilberto Carvalho (coordenador de computação) e Wladimir Pomar. Esqueceu-se a Frente Popular do ensinamento de Von Clausewitz: “Na guerra, a única virtude negativa é a bondade da alma”. Fora de série Esta Mercedes lulou em vão Em um país onde centenas de ônibus são retidos nas garagens em dia de eleições, o PT, como se estivesse na Dinamarca, assistiu ao Tribunal Superior Eleitoral operar como se o Brasil fosse a Suécia. Não há porque pôr em dúvida as boas intenções do presidente do TSE, ministro Francisco Rezek, mas há que se perguntar: até a terça-feira, 19, quando já se anunciava a eleição e até nomes do Ministério de Collor, que medidas efetivas havia tornado o Tribunal diante das evidências de crimes eleitorais na Bahia, Ceará e Rio de Janeiro? Sabe-se que nas capitais e arredores destes Estados, ônibus foram retidos para impedir votos ou enviados para garantir a ida de eleitores às urnas. E daí? É certo que a Justiça tem os seus prazos e caminhos, mas, no caso de uma eleição como esta, o que se poderá fazer após o anúncio extra-oficial da eleição de um candidato? De todo modo, antes que o PT e sua Frente baixassem a guarda na véspera dos votos na urna, a esquerda, mais uma vez, já fracassara. Chegar ao segundo turno sem uma candidatura comum e, ainda, sem um programa previamente acertado, foi fatal. Durante quase duas semanas o candidato Lula viu-se paralisado pela busca de alianças que já existiriam se, ainda no primeiro turno, os acertos em torno de um projeto comum tivessem sido, pelo menos, iniciados. Deveriam as chamadas “esquerdas”, se de fato queriam vencer as eleições, recordar por quantas vezes sua divisão ou prevalência de sonhos individuais as levaram à derrota. Mas é possível que, no fundo, tenha prevalecido o que germinava nos corações e mentes de boa parte desta esquerda. Não deve ser à toa que, no domingo á noite, em São Paulo, reunidos num jantar com um amigo, dois conselheiros do candidato Lula tenham observado: “Menos mal termos perdido. Nós não estávamos preparados para governar.” Pitadas de intriga As brigas do poder collorido O Brasil amanheceu no dia 18 com um presidente eleito e, em torno do seu grupo de poder, já rolava uma brigalhada em nada diferente daquelas da era Sarney. Personagem destacada da briga, o vice-presidente de operações da TV Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, disse, ainda no domingo, que a edição do Jornal Nacional da sexta-feira, 15, noticiando o debate dos presidenciáveis na véspera, “foi mais favorável ao Collor” por um “erro de avaliação do departamento de jornalismo” da emissora. Segundo Boni, o noticioso da Globo refletiu “com uma pitada de exagero” a vantagem de Collor. Roberto Marinho "Boni não entende de eleição" Boni foi, sem dúvida, modesto quando falou em pitada. Em Brasília, na segunda-feira, 18, os dirigentes dos institutos de pesquisa admitiram: aquela edição do JN influiu mais no ânimo dos eleitores do que o próprio debate. Mas foi aí que a briga começou. Na mesma segunda-feira, o dono da Globo, empresário Roberto Marinho, respondeu a Boni: “Ele é o melhor diretor de televisão do Brasil, mas nunca o tive como especialista em questões eleitorais”. Marinho, certamente, considera-se um especialista no assunto eleições. Ainda na segunda-feira, fez ler no seu JN um editorial que estava pronto desde a sexta-feira, 15. Nele, trata Lula como “companheiro”, nega exercer um “poder político hegemônico” no País e, a propósito de responder a críticas do candidato petista, ataca o seu verdadeiro adversário: “Não caia na cantilena de Leonel Brizola. Ele é um fazendeiro que investe no estrangeiro seus bens de origem desconhecida”. Em torno de Collor, também, já medra a intrigalhada. Leopoldo, irmão do presidente, chamou de “traidores” os porta-vozes Cláudio Humberto e sua mulher, Thaís. “O Cláudio deve estar embranquecendo de medo, pois isso é próprio da má-formação do seu caráter”, disse Leopoldo ao Jornal do Brasil. “Isso é ciumeira”, responde Cláudio. Já Regina, a mulher de Leopoldo, ameaçou “ir aos jornais” se o cunhado, Fernando, não atribuísse a vitória ao irmão, Leopoldo, piloto do caso Míriam-Lula. A fuzarca verbal gerou o comentário de um assessor: “Isto parece briga de bicheiro no ponto”. A locomotiva mudou de trilho São Paulo não votou a favor. Votou contra São Paulo não concedeu, dia 17, a Fernando Collor de Mello só uma vitória nas urnas. Deu-lhe um aliviante pretexto, a desafogante sensação de que o futuro presidente da República não é meramente o queridinho dos grotões, do Brasil do atraso, dos eleitores interioranos e dos setores menos esclarecidos da Nação. Em São Paulo, apenas, Collor conseguiu inverter essa tendência verificada em todo o País – em São Paulo onde paradoxalmente nasceu o sindicalismo avançado do qual Lula é o maior símbolo. Mas São Paulo lhe basta. Se a Frente Brasil Popular ainda mostrou vigor no ABC, coração da indústria de peso e berço do PT e, eventualmente, em cidades dinâmicas, como São José dos Campos, Osasco e Bauru, o ex-governador de Alagoas venceu no maior colégio eleitoral (com seus 18 milhões de votantes), por uma margem folgada de quase 15 pontos percentuais – prevendo-se uma vitória de 8,5 milhões a 6,8. E colheu triunfos significativos onde São Paulo tem muito do seu progresso – Campinas, Santos, Piracicaba, Sorocaba. Mais do que tudo: Collor venceu na capital. De resto, Collor confirmou, no interior de São Paulo, uma vitória que, no primeiro turno, fora surpreendente e apertada, mas que se ampliou no segundo. Mas Lula e o PT punham fé numa reviravolta na capital, palco de um comício que, sob chuva, levou mais de 200 mil pessoas à praça defronte ao Pacaembu, a uma semana da definitiva eleição, e que chegou a prenunciar uma virada que as urnas não confirmaram: “Não adianta tapar o sol com a peneira, temos de encarar a derrota”, capitulava, logo aos primeiros resultados, o presidente regional do PT, Paulo Okamoto. Ele talvez possa começar a investigação pela curiosa constatação de que, nas 12 cidades que o PT governa, em todo o Estado só em três Lula venceu. Para o PT, a penosa digestão do resultado em São Paulo terá como horsd’oeuvre essa indispensável autocrítica, mas pode, desde já, dispensar críticas pesadas aos aliados do segundo turno. Leonel Brizola e Roberto Freire tiveram ralos votos a 15 de novembro – e, com certeza, os transferiram para Lula. Com os tucanos, sobretudo, convém não ser injusto. Embora o senador Mário Covas tenha sido hostilizado, na hora de votar, por eleitores que diziam ter votado nele, no primeiro turno, a irritação com sua adesão à candidatura da esquerda foi fenômeno da classe média alta dos Jardins – parte da votação popular de Covas migrou, sim, para Lula, ainda que tenha sido insuficiente para virar o jogo pelo menos na capital, onde Covas vencera o primeiro turno, com 31,9% dos votos. Na primeira rodada, Lula ficava nos 15,2%. Agora, chegou aos 40,3%. No interior, deve agradecer ao PSDB duas importantes vitórias: em Bauru e em Ribeirão Preto. Collor, na verdade, somou mais os votos da direita, com Paulo Maluf e Afif Domingos, e parte dos tucanos ocasionais. A rejeição tradicional dos setores da elite a um partido e uma candidatura operários – apimentada, na semana final da campanha, pelas histórias da bandeira vermelha do comunismo e pelo duvidoso episódio protagonizado pela ex-namorada do Lula – veio se juntar, agora, uma indicação preocupante para um partido que se quer popular: aquele voto de protesto, espontâneo e até irrefletido, que, em 1988, mudou o rumo da eleição municipal da noite para o dia e acabou elegendo Luiza Erundina, voltou-se agora contra o próprio PT e muda de dono. Esse voto de protesto, em 1989, como talvez de resto sempre, se municipalizou, não obedeceu à perspectiva nacional, mais abrangente, O eleitor menos informado votou para a Presidência pensando no ônibus, na Erundina e na Lubeca e não num programa econômico que possa fazer frente à hiperinflação. A reação mostra fraqueza Na Bahia, pelo menos Na terça-feira, 19, à tarde, a eleição ainda não estava definida na Bahia. A previsão de vitória de Lula por coisa de 4% dos votos, segundo as pesquisas eleitorais, esbarrava na realidade política do Estado, aonde a abstenção chegava aos 25%. Maracutaias mil e o sumiço do ônibus poderia, segundo o próprio PT, dar a vitória a Collor por uma diferença não superior a 200 mil votos.Qualquer que seja o resultado, além de Lula a eleição baiana apontará outro vitorioso: o ex-governador Waldir Pires. Waldir Pires "De qualquer maneira, sairão derrotados" No primeiro turno, Collor vencera com 400 mil votos de frente tendo a seu lado o ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, o prefeito de Salvador, Fernando José, e o seu inventor, o empresário Pedro Irujo. No segundo turno, a Bahia voltou ao passado. A Collor e ACM aliaram-se o ex-governador Roberto Santos (ex-Arena, agora no PMDB), o senador Luis Viana (PMDB, cujo pai, conselheiro Luís Viana, governava a Bahia há um século), o senador Rui Bacelar (PMDB), que declarou “neutralidade” com as bases colloridas e, principalmente, o governador Coelho. Quem imaginar que o governador conhece algo sobre a história dos ônibus que sumiam da capital e apareciam no interior e sobre as pressões contra prefeitos e burocratas do Estado, não estará longe da realidade. “Eles jogaram tudo, amedrontaram, deram dinheiro, ameaçaram cortar verbas, estradas, mas, de qualquer forma, sairão derrotadas”, dizia Waldir Pires. O resultado, ao menos, soará como derrota não apenas por não ter o governador chegado ao “milhão de votos na frente” que prometeu, mas também porque “a derrota será política e moral”. Um campeão solitário Amigos brigados, parentes descrentes, mas Fernando acreditou em Fernando Fernando Collor de Mello, 40 anos, terminou a campanha eleitoral como começou: sozinho. A solidão não beira o drama, nem exibe qualquer semelhança com aquela vivenciada há dois anos quando ele, no papel de caçador de marajás, sonhava apenas romper as limitações da provinciana Alagoas e projetar-se nacionalmente com uma fatia de 8% a 10% dos votos numa eleição presidencial. Collor, como todos aqueles que confiam exageradamente no próprio taco, optou por ficar só porque é assim que se sente seguro. O único elo em comum entre o solitário caçador de marajás dos primeiros momentos e o solitário caçador de votos da reta final – que se pudesse teria mexido nos ponteiros do relógio e antecipado a história – é a disposição de se guiar exclusivamente pelo instinto com absoluta autossuficiência. No debate na tevê, quinta-feira, 14, o olho gordo da câmera capturou um candidato real, que tremia os lábios e os olhos quando se sentia acuado, não vacilava em brindar o adversário com investidas agressivas e acusações sem provas e não fez qualquer esforço para camuflar o radicalismo ideológico. O Fernando Collor, que nã0 hesitava em afirmar em alto e bom tom, que Lula não sabia ler, corn aristocrática arrogância, ou que lia pausadamente papéis sacados de pastas verdes e amarelas, não parecia nem de longe o debatedor bem-comportado e sem alma que o País viu acuado no primeiro debate, domingo, 3. Collor permaneceu frio, medindo e repetindo frases para dar maior impacto, como aprendeu num curso relâmpago de uma semana com especialistas da agência norte-americana National Educational Media. Mas sabia, com convicção, que tinha atingido Lula no seu ponto fraco – a emoção. As imagens da ex-namorada Miriam Cordeiro, que o irmão de Collor, Leopoldo, teria comprado com um cachê de NCz$ 200 mil- segundo as denúncias - para despejar uma saraivada de golpes baixos contra o adversário, tiveram o condão de fazê-lo recuar e ficar um tanto inseguro. Collor sentiu isso quando viu Lula ao lado da filha, Lurian, de 15 anos, na tevê e pôde sentir, talvez, nos seus olhos o temor de que sua vida pessoal fosse alvo de novos ataques no dia do debate. Iniciação - No caratê, ele se preparou para a política, bater firme, sempre no mesmo lugar, deixando sem reação o adversário “Eu vivo levando porrada de todos os lados e vocês não fazem nada”, desabafou uma semana antes do debate, numa reunião que mudou os rumos da campanha em Brasília. “Ele estava irritadíssimo”, confidenciaram assessores. “A impressão é que ia explodir a qualquer momento.” Aquela altura, Collor resolveu deixar de lado tudo o que seu instinto de lutador de caratê rejeitasse e agir estritamente dentro do seu estilo. Marcos Coimbra, 42 anos, diretor da Vox Populi, seu alter ego intelectual, acionou o sinal de alerta quando ele deu um passo à direita na virada de dezembro, após os tumultos de Caxias do Sul. “O discurso anticomunista radical pode lhe tirar muitos votos. É melhor recuar”, teria lhe aconselhado Coimbra. Acabou se rendendo aos repetidos apelos de Leopoldo Collor, 49 anos, um experiente ex-executivo da TV Globo com raro talento para as coisas práticas. O irmão mais velho convidava-o a abrir os olhos: “Há infiltração da esquerda na sua campanha”, repetia Leopoldo, irritado a cada vez que terminava “os programas de merda” da jornalista Belisa Ribeiro. Não foram poucas as vezes que, pelo telefone ou pessoalmente, Leopoldo semeou o vírus da desconfiança no espírito de Collor. Belisa, paga com um contrato de US$ 100 mil, sem contar o dinheiro que recebeu por um trabalho especifico - um bem nutrido dossiê sobre a vida de Leonel Brizola -, passava de uma “espiã” de duas caras. “Uma falsa, interessada apenas no dinheiro”, intrigava insistentemente Leopoldo. Pancadaria - O irmão Leopoldo denunciou a "traição" e comandou no final a mudança de estilo A “espionagem” não terminava sempre no vitriólico diagnóstico de Leopoldo - na ação solitária de Belisa. Deu nome a pelos menos dois sabotadores do staff que frequentavam diariamente o café-da-manhã de Collor, na casa do candidato ou na do empresário Eduardo Cardoso, em Brasília. Eram eles o jornalista Claudio Humberto Rosa e Silva, coordenador de imprensa, e o deputado federal Renan Calheiros, articulador político. A própria Belisa abriu a guarda e ofereceu o esperado pretexto para os falcões quando deixou, “numa pixotada inconcebível”, na própria do candidate, de levar ao ar as poucas cenas do primeiro debate que lhe poderiam renderam votos. A omissão voluntária ou falta de sensibilidade rendeu o mesmo dividendo negativo: queda em flecha nas pesquisas, e logo no momento da decisão. Collor como profetizava Lula — arriscava-se a morrer na praia. Renan Calheiros ficava numa ilha intermediária. Era, sem dúvida, o braço direito de Collor nos círculos políticos, mas seu passado, assim como o de Belisa, estava ancorado na esquerda. Houve tempos em que costumava chamar Collor pelo nada lisonjeiro epíteto de príncipe da corrupção. Só mudou de linguagem e se rendeu ao seu comando na campanha para governador em Alagoas. Será que Belisa e Calheiros teriam efetivamente mudado de lado? Ou estariam vacilando diante do momento da verdade, com medo de perder a pose de esquerda light? Essa resposta Collor guardou para si. Efetivamente, o único cidadão de qualquer suspeita era Rosa e Silva. Esse jornalista de 35 anos que, como Collor, ama caros charuto Monte Cristo, e, a despeito de ter vivido sempre em Alagoas, sabe com surpreendente desenvoltura circular pelos bastidores do poder. Ele realmente fora adversário de Collor. Um homem de esquerda, com vínculos com o PCB e o PT. Mas isso foi há muito tempo. Mais exatamente na época em que Rosa e Silva trabalhava para a Tribuna de Alagoas, comandada pelo senador Teotônio Vilela, e cultivava verdadeiro horror à oligarquia encarnada pelo clã Arnon de Mello. O pai - Gentil até onde a política permitia De repente, tornaram-se amigos íntimos e Rosa e Silva assumiu as funções de inseparável escudeiro de Collor desde os primeiros momentos da campanha presidencial, quando, juntos, percorreram o País como uma versão nordestina de Dom Quixote e Sancho Pança, vendendo a ideia e a imagem do caçador de marajás. Desde que passou a trabalhar para as Organizações Arnon de Mello se revelara um amigo leal. Inclusive estava em Pequim naquele distante Natal de 1987 quando ele, Collor e o deputado Cleto Falcão, diante de um magnífico pato laqueado, decidiram lançar a candidatura do governador de Alagoas à Presidência, com o modesto objetivo de torná-lo nacionalmente conhecido. Mas, quando, às vésperas do segundo turno, o chão começou a fugir-lhe, Collor preferiu apostar apenas em si mesmo. É um traço de personalidade que fortaleceu nos tatamis lutando caratê. Em Brasília, um carateca famoso, Antônio Flávio Testa, 38 anos, faixa preta no quinto dam, nunca esqueceu um adversário temível que foi o primeiro campeão de caratê da cidade e, certamente, chegaria a brasileiro se não tivesse capotado com seu Puma na altura de Três Marias, Minas Gerais, numa viagem para competir no Rio. A personagem em questão é Collor, faixa-preta no primeiro dia, que diariamente se exercita, no mínimo 20 minutos, e tem disciplina e fôlego suficientes para dormir algo como três horas por dia, recuperar de 30 minutos a uma hora de sono entre um comício e outro num helicóptero ou fazer de nove a dez comícios por dia, quatro ou cinco meses seguidos como aconteceu na campanha. Caça às bruxas - Belisa perdeu o lugar por ser "de esquerda". Zélia passou a correr risco. Só o debate aliviou o astral “Ele era frio, seguro de si. Quando descobriu a debilidade do adversário, atacava com golpes sucessivos, socos e pontapés, sincronizados num movimento simultâneo, sem dar-lhe chances de esboçar uma reação”, lembra Testa. Collor é um político sem biografia. A sua trajetória poderia ser resumida em sucintos capítulos. Prefeito nomeado de Maceió, pelo partido do regime militar, a Arena, em 1978. Deputado federal pelo PDS, que não hesitou em votar contra Tancredo Neves, e a favor de Maluf, no Colégio Eleitoral, em 1984. E governador de Alagoas na segunda safra do voto direto em que soube tirar partido de uma campanha contra a casta de três centenas de funcionários altamente remunerados. Bem que Collor tentou melhorar a biografia política por três ou quatro vezes. Ele saltou do PDS malufista para o PMDB das diretas e fez coro e comícios ao lado de Ulysses Guimarães, de Brizola e, ironicamente, de Lula. Foi radicalmente contra o mandato de cinco anos para Sarney. Tentou entrar no PSDB de Mário Covas, mas foi vetado. Também por influência de Marcos Coimbra, PhD em Sociologia, de nítida inclinação progressista, Collor foi empurrado na direção da social-democracia, um figurino que, ele reconhece, não lhe cai muito bem, por força da fonte herança anti-comunista da família. Esta, sim, merece um capítulo especial. Os dramas e ascensão dos Collor de Mello são emblemáticos das contradições e estilo das elites tradicionais. Arnon de Mello, pai de Collor, era um jornalista dos Diários Associados e homem de negócios endinheirado que se elegeu deputado federal, foi governador de Alagoas e sobreviveu, como senador, por cinco legislaturas. Entrou para a história pela porta da tragédia. Em 1963, num duelo em plenário com o também senador Silvestre Péricles de Góis Monteiro matou, com uma bala perdida, o senador José Kairala. Mas quem o conheceu não hesita em defini-lo como um homem afável, envolvente, sem gosto pela violência, salvo aquela violência natural que é a marca registrada dos conflitos de coronéis do Nordeste. Arnon construiu um pequeno conglomerado de comunicações, com rádio, jornal e tevê nas Alagoas. Homem de visão, cedo se deu conta de que o futuro estava na Globo e não nos Associados. Associou-se ao dr. Roberto Marinho e dividiu os negócios entre dois dos cinco filhos. Collor, quando completou 22 anos, foi dirigir as empresas de comunicação do grupo e Leopoldo foi trabalhar na Globo, uma forma de sedimentar os laços com Roberto Marinho. A mãe de Collor, d. Leda (pronuncia-se Léda), se casou com Arnon quando vivia no exílio em Lisboa, com o pai, Lindolfo Collor,'ex-ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, que caiu em desgraça no Estado Novo. À época, Arnon era antigetulista, mas no segundo governo Vargas se aproximou do Catete por intermédio de Alzira Vargas, de quem era amigo de confiança. D. Leda fez campanha para o marido, de jipe, em 1950, era sua conselheira na expansão do império empresarial e nunca acreditou que Fernando viesse, um dia, a ser um político importante, menos ainda o presidente da República. “Ele era muito fechado, só pensava em festas, namorar e nos esportes”, admite. Fernando viajava muito, estudava línguas - ele fala fluentemente inglês, francês e espanhol e se mantinha distante da efervescência política. Era um rapaz que amava os Beatles e os Rolling Stones, mas tinha a versão a Che e Lênin. Desse quem entendia era Marcos Coimbra. Collor viveu noutra galáxia, nos agitados anos 60. E o que realmente importava eram os prazeres de herdeiro rico que passava o ano entre o Rio e Brasília e, nas férias, embarcava para os Estados Unidos ou a Europa. D. Leda foi uma das primeiras vozes a se erguer contra a ideia de o marido lançar Fernando Collor deputado em 1974. O ceticismo só caiu per terra quando o filho assumiu a Prefeitura de Maceió, em 1979. Uma visão totalmente diferente tinha Amon, que, quando o filho fez 12 anos, passou a levá-lo aos comícios. Aos 73 anos, d. Leda fez campanha para o filho. Passou dois meses no Rio Grande - epicentro do brizolismo- tentando reviver ligações plantadas por Lindolfo Collor, morto em 1942, cujo centenário de nascimento se comemora neste ano. E, junto com Leopoldo, mobilizou toda a família para cobrir a retaguarda do filho. Leopoldo, que a mãe considera um estrategista perspicaz e ágil com as finanças e funcionou como interventor no Rio quando o comando da campanha, consumido pelos choques de interesse, entrou em pane. A irmã “Ledinha”, de 47 anos, assumiu, na prática, o comando das operações em Brasília desde a abertura das urnas em 15 de novembro, quando o empresário Paulo Octávio, amigo íntimo de Collor, se revelou sem carisma para barrar a ascensão lulista em Brasília. O marido de “Ledinha”, o embaixador Marcos Coimbra, pediu licença do cargo na Grécia para vir coordenar a agenda de Collor. Foi Coimbra quem lançou as pontes de Collor no Itamaraty e, ao lado de Olavo Monteiro de Carvalho, ex-cunhado do candidato eleito, aparou as arestas do seu nome junto ao empresariado e lançou a tese verdadeira, claro, de que o conflito com a Fiesp não passara de um episódio localizado. “Um acidente de campanha”, na precisa definição da assessoria. Pedo, de 36 anos, que às vezes é confundido com Collor, ficou no comanda das empresas da família e da supervisão da campanha em Alagoas. A única que ficou à margem, numa atitude de discreta oposição, foi a psicóloga Ana Luiza, de 45 anos. É evidente que Collor não poderá governar com a família. O que fazer? Collor chegou ao poder graças a uma fórmula que reuniu ingredientes bastante simples: o vote do povão, de um punhado de amigos abnegados e uma nova elite que briga nos Estados com as elites tradicionais em busca de um lugar ao sol. Collor montou o comando da campanha com amigos da adolescência e aliados que foram surgindo aqui e ali em função de interesses regionais ou cisões entre os donos do poder. Tanto que há quatro grupos de traços bem-definidos: o grupo de Alagoas, o “grupo do avião, o grupo do Ciem e o grupo dos agregados. Desses, inegavelmente o mais forte e influente, no que pesem as tormentas e dissenções internas, é o grupo do Ciem. O pai de Collor, graças à influência nos círculos militares, conseguiu herdar o apartamento funcional em que vivia Juscelino quando foi cassado. Assim, Collor passou a juventude na Quadra 208, onde viviam os dos condestáveis da burocracia brasiliense e, com eles, frequentou os bancos do Ciem - Centro Integrado de Ensino Médio de Brasília. Foi lá que conheceu Marcos Coimbra, que viria a ser seu conselheiro e analista de pesquisas. Que cruzou, por aquela época, em campus opostos, com o militante do P C do B Álvaro Lins, hoje responsável ”pelo banco de dados em que armazena mais de dois milhões de informações sobre aliados e possíveis adversários. Ganhou amigos como Luiz Estevão e Paulo Octávio, ambos empresários, ambos tocados pela mosca azul do governo de Brasília. A seguir, vem o grupo de Alagoas. Seus expoentes são o deputado Cleto Falcão, líder de Collor na Assembleia, que ambiciona o governo de Alagoas, e o jornalista Cláudio Humberto Rosa e Silva, enfraquecido pelo chumbo grosso disparado por Leopoldo Collor no final da campanha. Em Maceió - Mas, fora de casa, só saía às ruas com militância paga e proteção de policiais N0 “grupo do avião” o nome novo é do ex-deputado e jornalista Sebastião Nery, que funciona como conselheiro para assuntos ligados a Leonel Brizola e comunicação. Os agregados - se é que se pode chamá-los assim - vão desde figuras que trabalham na linha de frente, como a economista Zélia Cardoso de Mello, a personalidades dos bastidores, come o ex-presidente da Petrobras, Ozires Silva, ou pessoas totalmente desconhecidas como o empresário alagoano Paulo César Faria, que term, pelo menos oficialmente, as chaves do cofre da campanha. Ou seja, um orçamento de US$ 150 milhões, num cálculo conservador. Pode-se ainda incluir a deputada Márcia Kubitschek, a quem Collor conheceu por intermédio de sua ex-mulher, Lilibeth Monteiro de Carvalho, quando tinha 16 anos, e o empresário Eduardo Cardoso, seu amigo e confidente há uma dezena de anos. Amigos ajudam na campanha, mas não configuram um governo. Collor não tem partido. Ele pode caminhar na direção de um novo “centrão”. Tentará se reforçar os laços com as ovelhas desgarradas, como ele chama os dissidentes de esquerda, do PCB, do PDT ou do PSDB. Quer selar urna aliança duradoura com o sindicalismo de resultados de Antônio Rogério Magri. E certamente não terá dificuldades em recompor sua imagem com os militares, no que pesem os informes que aterrissaram na sua mesa, nos últimos dias da campanha, dando conta de que a tropa não colloriu. Lulou. Independente do leque de alianças que venha a reunir, uma realidade é inescapável: politicamente, Collor é um prisioneiro da solidão. Pessoalmente, Collor sentiu na pele o rigor dessa situação nessa segunda rodada da campanha. Um exemplo, o comício de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Foi no dia 12. A hostilidade dos militantes petistas e brizolistas obrigou-o, por ordem da Justiça, a se confinar no estádio de futebol, sob a proteção de 300 brigadistas da PM. Collor olhava para os muros do estádio e se sentiu prisioneiro. À exceção dos dias que se seguiram ao último debate, a sua campanha viveu mergulhada numa contradição insolúvel: as pessoas tinham vergonha de assumi-la publicamente e toda a militância, do colador de cartazes à boca-de-urna, funcionava movida a dinheiro. Collor é um místico. Quem tivesse o cuidado de olhá-lo no palanque ou nas visitas oficiais, facilmente descobriria o colete à prova de bala e um patuá, amuleto com poderes mágicos, camuflados sob a camisa. No dia em que a vidente mineira Neila Alckmin previu um atentado, ele não saiu de casa. O vidente Ivo Carabajal ficava de plantão sempre que havia um comício, um debate decisivo ou os pontos caiam nas pesquisas. D. Leda, sua mãe, faz parte de uma escola de origem hindu que acredita na era de Aquarius, com a volta da felicidade à Terra, a partir do ano 2000. No domingo, 17, à medida que as urnas iam sendo abertas e, em velocidade quase igual à da Globo, os computadores espalhados por dez cidades brasileiras traziam noticias dos ventos favoráveis, Collor, segundo amigos, se mantinha frio. “A viagem está apenas começando. Agora, é que começam os desafios pra”, disse algumas vezes na sua casa, no Lago Norte, à qual apenas um círculo fechado de amigos teve acesso. A solidão se transformou, a um só tempo, no ponto forte e no ponto débil de Collor. A incapacidade para tecer alianças em bases reais criou um vácuo que ele, por mais corajoso e guerreiro que seja, dificilmente conseguirá preencher. Quando estourou a crise com o general Ivan de Souza Mendes, ministro-chefe do SNI, a quem chamou de generaleco, foi Collor quem procurou lançar uma cabeça-de-ponte nos quartéis. Não curvou a espinha, mas selou com o general Oswaldo Muniz Oliva, o comandante da Escola Superior de Guerra e pai do economista Aluísio Mercadante, do PT, um acordo de cessar-fogo. E cumpriu. Provavelmente, Oliva será seu ministro do Exército. Mas nem sempre consegue controlar seu temperamento - e o tom radical, anticomunista, da semana de campanha, no fundo tem muito a ver com ele próprio. Ele mesmo confessa que esse é o seu pecado capital: na crise, age por impulso e é tudo ou nada. Na vitória, pode ser conciliador. Quando seus partidários começaram a sair às ruas buzinando os carros e soltando fogos, sem medo de ser colloridos, ele foi o primeiro a sair a público para anunciar que vai organizar um partido, dar um passo atrás, para tentar arrefecer o estigma de anticomunista e tentar um grande entendimento com a oposição. 5#6 NOS EMBALOS DAS ELEIÇÕES DE 89 Os jingles que marcaram as primeiras eleições diretas pra presidente após o período ditatorial continuam na cabeça do eleitorado 25 anos depois Ana Carolina Nunes Na campanha que marcou o renascimento da democracia no País, também surgiram dois jingles que se tornaram clássicos e são lembrados até hoje. Eles embalaram a campanha dos candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Leonel Brizola (PDT). “Esses jingles viraram referência daquele momento”, lembra o cientista político e professor da Universidade Federal da Bahia, Luiz Claudio Lourenço, autor do artigo acadêmico “Jingles Políticos: estratégia, cultura e memória nas eleições brasileiras”. O mais icônico deles, o “Lula Lá”, composto por Hilton Acioli, surgiu em 1989 e acabou sendo utilizado em outras campanhas. Foi adaptado, inclusive, para a campanha de Dilma Rousseff de 2010, como “Dilma Lá”. “O ‘Lula Lá’ é bem interessante pelo conceito político que ele representou, já que o PT era um partido ainda novo”, diz Luiz Claudio. “O jingle passava essa ideia de alcançar o sonho do Executivo, o que na época era quase uma utopia.” Carlos Manhanelli, autor do livro “Jingles eleitorais e marketing Político”, lembra que o jingle é uma ferramenta multiuso que acompanha toda a campanha, na TV, no rádio, nos comícios, e que também mudou ao longo do tempo. Manhanelli explica que há duas formas de trabalhar o jingle. Uma é enaltecer as qualidades do candidato ou os programas de governo. A outra é colocá-lo como uma música de combate. “O ‘Lula Lá’ tinha a função de resolver o problema de conceito sobre o Lula na época, elevar suas qualidades e pedir ao eleitor para votar sem medo”, afirma. O jingle composto para a campanha de Brizola, o “La la la la la Brizola”, servia para reforçar a imagem do político. “O uso do coral de crianças foi uma estratégia interessante e atenuou o fato de que o jingle não ia muito além desse refrão”, diz Manhanelli. “Era bem simples, e mesmo assim acabou sendo marcante.” O autor destaca também o jingle - bastante animado, segundo ele - usado na campanha de Ulysses Guimarães. Segundo o especialista, a canção foi inspirada num jingle de Getúlio Vargas e tinha como objetivo fazer com que as pessoas confiassem e votassem “no velhinho”, que deixassem ele trabalhar, pois ele sabia o que estava fazendo. “Era a valorização da experiência”, diz Manhanelli. Ulysses tinha 73 anos na época da campanha - e esse fator pesava contra ele por conta da proximidade com a morte de Tancredo Neves, um político experiente como Ulysses, que se tornou presidente sem ter assumido em decorrência da doença que o vitimou. Curiosamente, entre os principais candidatos de 1989, o que tinha o jingle menos marcante acabou ganhando as eleições. “O jingle do Collor foi bastante apático”, destaca Manhanelli. “Acabaram fazendo outro para o segundo turno, que é o mais lembrado, e que reforçava para o eleitor que chegava a hora de confirmar o voto nele.” Com as novas formas de comunicação entre político e eleitor, Manhanelli diz acreditar que o jingle hoje tem a função de registrar o número do candidato. Até porque é dele que o eleitor precisa lembrar para votar na urna eletrônica, que não existia em 1989. “Hoje eles se concentram muito nas rimas clássicas, principalmente com os números, como ‘6’ com ‘outra vez’, e assim por diante”, diz. Outra diferença dos jingles de 1989 para os de 2014 é apontada por Luiz Claudio. Se antes as músicas começavam lentas e culminavam em coro apoteótico, com o refrão “chiclete”, hoje elas tendem ao ritmo gospel, sertanejo ou até mesmo aos regionais, como o arrocha e o forró. “É uma forma de se aproximar do eleitor, acompanhando essas mudanças culturais”, diz. _____________________________________ 6# COMPORTAMENTO 8.10.14 6#1 POR QUE BENTO XVI ESPIONOU PADRE MARCELO 6#2 EXIBICIONISMO INSANO 6#3 AS OBRAS BILIONÁRIAS DE IMELDA MARCOS 6#4 OS ÓRFÃOS DO ORKUT 6#5 OS GURUS DA BOA FORMA 6#6 CASO AMARILDO: UM DRAMA SEM FIM 6#7 A PRIMAVERA DA CHANEL 6#1 POR QUE BENTO XVI ESPIONOU PADRE MARCELO Alertado sobre a existência de missas-espetáculo, culto ao personalismo e vulgarização da liturgia, o Vaticano investigou durante anos o sacerdote mais famoso da América Latina, por temer um cisma dentro da Igreja Católica do País Com batina e de microfone em punho, agitando o próprio corpo e o de uma multidão de fiéis, embalados por música dançante e coreografias animadas, padre Marcelo Rossi, da arquidiocese de Santo Amaro, em São Paulo, imprimiu ritmo às modorrentas missas católicas a partir do final dos anos 1990 e assim galgou o pedestal da fama. Em nome da evangelização do povo, o sacerdote cantor se tornou onipresente em programas de auditório e se transformou no artista cristão mais bem-sucedido da América Latina – amparado pela venda de milhões de exemplares de CDs, DVDs e livros. Padre Marcelo, porém, nunca gozou de prestígio entre a alta cúpula da Igreja Católica, em Roma. No ano em que comemora o 20º aniversário de sua ordenação, ganhou de presente a indigesta notícia de que fora alvo, durante quase uma década, de uma espionagem do Vaticano, mais precisamente da Congregação para a Doutrina da Fé, órgão responsável por vigiar a retidão da doutrina cristã pelo mundo. O responsável pela investigação teria sido o papa Bento XVI – na época ainda cardeal Joseph Ratzinger, o prefeito dessa poderosa instituição, espécie de ministério da Santa Sé (leia quadro). Caso fosse mal avaliado por seus observadores romanos, o sacerdote brasileiro poderia ser impedido de rezar missas e celebrar a comunhão, além de ser obrigado a aposentar sua porção popstar e tudo o que advinha dela – produtos comerciais e a exposição acentuada em meios de comunicação. Vale lembrar que, em meados dos anos 90, a manifestação de uma espiritualidade mais efusiva, como a presenciada na Renovação Carismática Cristã, da qual padre Marcelo é simpatizante, causava arrepios nas autoridades da Igreja. No Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) chegou a publicar um documento para disciplinar a atividade. Assim, após Rossi ser acusado por um de seus pares brasileiros, cuja identidade foi mantida em sigilo, de vulgarizar a liturgia, dar ares de espetáculo às missas e fazer culto ao personalismo, o Vaticano acionou a sua Congregação para investigar se a sua ovelha estaria atravessando a cerca, justamente num dos solos mais férteis do catolicismo mundial. “O padre Marcelo se tornou o personagem principal na diocese de Santo Amaro, que fora uma subdivisão da antiga Arquidiocese de São Paulo, e servia de escada para o bispo dele (dom Fernando Figueiredo). É assim até hoje. E isso causava, no mínimo, um estranhamento”, afirma José Reginaldo Prandi, uma das maiores autoridades do País em sociologia da religião e professor sênior da Universidade de São Paulo (USP). ENCONTRO - Depois de se recusar a receber padre Marcelo quando esteve no Brasil, em 2007, o papa Bento XVI entregou pessoalmente ao brasileiro o prêmio de Evangelizador Moderno, em 2010, no Vaticano Para André Ricardo de Souza, autor de “Igreja in Concert: Padres Cantores, Mídia e Marketing” e professor do departamento de sociologia da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), a investigação teve como alvo não só o padre Marcelo, mas também dom Fernando, uma vez que o bispo deu o aval para a conotação midiática e a exploração comercial da fé em sua diocese. “Se ele permitia esse ritual, era suspeito também para o Vaticano”, diz. O receio da Santa Sé, na opinião de Souza, era que um cisma surgisse no seio do catolicismo brasileiro. “Desde a Reforma Protestante, quando um clérigo ganha muita projeção, a Igreja se preocupa com a possibilidade de ele desencadear uma dissidência”, afirma. “Então, preocupava, sim, que em Santo Amaro pudesse surgir uma vertente da Igreja Católica.” Procuradas, a Nunciatura Apostólica, espécie de embaixada do Vaticano no Brasil, e a CNBB não quiseram se pronunciar sobre o assunto. Grande mentor da Teologia da Libertação, movimento que interpreta o Evangelho à luz das questões sociais, o teólogo Leonardo Boff foi observado e punido pelo mesmo Joseph Ratzinger e sua Congregação para a Doutrina da Fé. Forçado a um silêncio obsequioso que culminou com a sua saída da ordem franciscana, em 1992, Boff não quis tecer comentários sobre alguém que, como ele, fora alvo de investigação do órgão católico. Apenas afirmou: “A inveja dos clérigos é a pior que existe. Roma não admite alguém que lhe faça alguma sombra.” Para o teólogo Jorge Claudio Ribeiro, da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo, o que mais choca é o silêncio que envolve esse episódio. “Ninguém sabe, ninguém comenta, não se sabe quem denunciou... Não gosto do estilo do padre Marcelo, mas ele não foi e nem está sendo tratado condignamente. Chanceler da Mitra de Santo Amaro, o padre Gílson dos Santos afirma desconhecer qualquer investigação feita pelo Vaticano contra um religioso da diocese. Em defesa do padre Marcelo, ele diz que, apesar da peculiaridade, ele nunca se desviou da doutrina católica. “Se fôssemos alvo de investigação, a congregação enviaria um observador aqui para conversar com o dom Fernando, acompanharia a nossa rotina e as missas do padre Marcelo. Ela jamais deixaria de nos dar direito à defesa”, diz. Em 2009, não conseguindo provar as acusações, o Vaticano encerrou as investigações contra o sacerdote brasileiro. No ano seguinte, padre Marcelo, que não pôde se encontrar com Bento XVI em 2007, quando este esteve em visita ao País, recebeu, em Roma, das mãos do papa, o prêmio de Evangelizador Moderno. Estava dado o aval para seguir cantando e pulando em paz. 6#2 EXIBICIONISMO INSANO Pequeno proprietário rural promove sequestro com reivindicações de cunho político, mobiliza mais de 150 policiais e mostra até onde uma pessoa pode chegar para chamar a atenção Raul Montenegro (raul.montenegro@istoe.com.br) Quando uma pessoa comum quer protestar contra as mazelas políticas de um país democrático, ela comparece às urnas para registrar sua revolta através do voto ou sai às ruas para se manifestar. Na segunda-feira 29, o agricultor e ex-secretário municipal da pequena cidade de Combinado (TO), Jac Souza dos Santos, 30 anos, pôs em prática uma estratégia diferente, incompatível com uma reivindicação legítima. Naquela manhã, ele fez uma reserva no hotel St. Peter, em Brasília, chamou um mensageiro ao quarto e, com uma arma de brinquedo e um colete de explosivos falsos, sequestrou o homem por oito horas na varanda do edifício. Para libertar o refém, exigiu a extradição do italiano Cesare Battisti (condenado por homicídio na Itália e com abrigo no Brasil), a aplicação da Lei da Ficha Limpa (que impede a candidatura de políticos condenados por tribunais colegiados) e o fim da reeleição. Seu comportamento mostra a necessidade insana de atenção de uma pessoa atrás dos holofotes, e não um cidadão na busca pelo bem comum. SEQUESTRO - Segunda-feira 29: Jac Souza dos Santos mantém mensageiro de hotel refém com arma e bomba falsas; no detalhe, o material apreendido A escolha do lugar não foi coincidência. Jac admitiu que mirou no St. Peter porque o hotel ofereceu emprego com salário de R$ 20 mil ao ex-ministro José Dirceu depois de sua condenação no caso do mensalão. Nem mesmo o andar de onde o sequestrador se exibiu para as câmeras e os 150 policiais que cercaram o prédio pareceu aleatório. Ele ficou no 13o piso, mesmo número do PT nas urnas eletrônicas. Já bem antes do crime, exibia um profundo interesse pelo poder. Antes de ser secretário da Agricultura na gestão do prefeito tucano Manoel Rebouças de Oliveira (2009-2012), foi candidato a vereador em Combinado pelo PP, e na escola já dava sinais de interesse pela política. “Era um aluno preocupado com questões sociais. No colegial foi presidente do grêmio e fez muitas ações voluntarias no colégio”, diz Helcio Coelho, que foi professor e diretor do local onde Jac estudou. Conhecidos dizem que o sequestrador de Brasília nunca foi agressivo, apesar de apresentar uma personalidade intolerante. “Ele defendia sua opinião com unhas e dentes, nada o fazia mudar. Defendia uma revolução se o País não conseguisse resolver os problemas de um modo politicamente correto”, afirma Deibson Araujo, amigo de Jac. De acordo com o colega, nos últimos tempos ele começou a passar muito tempo isolado e a apresentar traços de depressão. “Houve momentos em que foi agressivo com ele mesmo. Ficava irritado sozinho na fazenda onde morava e uma vez arremessou uma pedra contra o vidro do próprio carro”, diz Deibson. ALVO - O sequestrador escolheu como alvo o hotel St. Peter, em Brasília, que ofereceu emprego com salário de R$ 20 mil a José Dirceu após o mensalão Antes de executar o plano no hotel, Jac escreveu cartas para a mãe em tom de despedida e gravou um CD pedindo desculpas pela ação e revelando que só queria chamar a atenção, e não machucar ninguém. O áudio foi entregue à polícia quando o sequestrador se rendeu sem deixar feridos. Os policiais apreenderam ainda cartas nas quais ele dizia ter uma doença fatal, mas o diagnóstico não foi confir­mado.“Tenho certeza que é uma personalidade carente de estima, que está sempre fazendo as coisas em busca da notoriedade. A intenção maior é chamar a atenção”, afirma a psiquiatra June Megre. Psicanalista, Marco Antônio Coutinho Jorge faz uma avaliação parecida. “Não posso ter certeza sem conhecê-lo, mas parece que ele tem um distúrbio mental, provavelmente psicose paranoica ou delírio megalomaníaco. É muito comum nessas situações ter aspirações políticas. Ele quer aparecer como um salvador da pátria, mas funciona por imitação, faz uma colcha de retalhos com fatos colhidos na imprensa”, diz. Alheio às discussões sobre sua sanidade, Jac, que está preso, dá declarações contraditórias. Ele reconhece que o sequestro foi seu “maior erro”, mas já planeja novas ações. “Tudo o que faço é pelo cidadão brasileiro. Deus predestinou que eu iria lutar e irei lutar. Não abaixarei a cabeça.” 6#3 AS OBRAS BILIONÁRIAS DE IMELDA MARCOS Justiça apreende parte do impressionante acervo de quadros da ex-primeira-dama das Filipinas, famosa por sua coleção de sapatos de grife. A suspeita é de que eles tenham sido adquiridos com dinheiro público Famosa por seu impressionante acervo de três mil pares de sapatos, com marcas como Gucci, Ferragamo, Chanel, Prada e Christian Dior, a ex-primeira-dama das Filipinas Imelda Marcos, 85 anos, também era uma voraz colecionadora de obras de arte. A viúva do ex-ditador Ferdinand Marcos (1917-1989), que esteve à frente do país por mais de 20 anos, de 1965 a 1986, manteve em sua casa uma coleção de cerca de 150 obras assinadas por artistas do quilate de Picasso, Gauguin e Miró. Oito delas teriam sido apreendidas na terça-feira 30 sob suspeita de terem sido compradas indevidamente com dinheiro do Estado. Segundo o porta-voz do governo das Filipinas, Nick Suarez, ainda é necessário determinar “quais e quantos quadros” foram retirados da rica propriedade da família. VITRINE - Acima, Imelda Marcos em sua casa, com algumas de suas obras de arte ao fundo. Abaixo, parte da coleção de três mil pares de calçados exposta no museu Marikina, nas Filipinas A apreensão faz parte de um intrincado processo judicial no qual o governo filipino acusa o governo de Ferdinand Marcos de ter utilizado o dinheiro do Estado em seu próprio interesse. Calcula-se que o casal Marcos tenha desviado cerca de US$ 10 bilhões (R$ 24,5 bilhões) dos cofres públicos enquanto esteve no poder, em propriedades, joias, dinheiro e outros bens, quantia essa que nunca foi recuperada. O valor das oito obras apreendidas não foi divulgado, mas elas devem representar uma pequena fortuna, pois são assinadas por Picasso, Michelangelo, Miró, Gauguin, Francisco de Goya, Pierre Bonnard, Bernard Buffet e Camille Pissarro. Entre os 150 quadros, há exemplares de Van Gogh, Rembrandt e Monet, que também podem ser apreendidas. O advogado da família Marcos, Robert Sison, disse que o confisco judicial é altamente questionável e que não estava incluído no caso que o governo filipino abriu contra a família, há mais de uma década. Mesmo tendo sob suas costas dezenas de acusações de fraude e corrupção, Imelda não amargou um único dia na cadeia. A extravagante ex-primeira-dama, que ganhou concursos de beleza na juventude, foi readmitida nas Filipinas em 1991, após fugir para o Havaí em 1986, com a queda do marido durante uma revolta popular. Ferdinando já havia morrido, aos 72 anos, no exílio – na ocasião Imelda tinha 60 anos de idade. Quando voltou, a viúva trouxe consigo o corpo embalsamado do marido que hoje é exposto ao público como um herói filipino. No ano seguinte ao seu retorno, ela tentou entrar na carreira política, na esteira da imagem do falecido, porém só em 1994 conseguiu assumir o cargo de deputada, permanecendo na função até 1998. Desde então ela continua presente na política e em 2010 voltou a se tornar deputada, sendo a mais votada do país. Entre os anos de 2007 e 2008 enfrentou julgamento por corrupção, mas, à época, foi absolvida. Os filhos do casal também ingressaram na vida pública. Ferdinando Jr., 54 anos, foi eleito senador. Imée, de 56, governadora da província de Ilocos Norte, reduto da família. Além dos dois, o ditador e Imelda tiveram Irene e Aihmeé. Há dois anos, a ex-primeira-dama viveu outro contratempo, justamente com seus objetos de maior apreço: seus incontáveis e célebres pares de sapatos. Grande parte de sua coleção foi destruída por inundações e cupins – ela havia deixado 1.220 exemplares para trás quando saiu do país em 1986. Cerca de 765 pares permanecem conservados no museu de Marikina, nas Filipinas. O advogado Ferdinand Marcos começou sua trajetória política nas Filipinas em 1949, ao ser eleito para a Câmara dos Representantes. Em 1959, chegou ao Senado e, em 1964, foi eleito presidente do país pelo Partido Nacionalista – e reeleito em 1969 e 1981. Durante o seu governo, realizou reformas econômicas e sociais e elaborou uma nova Constituição em que atribuía mais poderes à presidência. Recebeu uma forte oposição, o que o levou a prender seus opositores e a instaurar a lei marcial, em 1981, mesmo período em que se intensificaram a corrupção, a pobreza e as guerrilhas no país. Em 1986, foi declarado oficialmente vencedor das eleições, mas houve forte suspeita de fraude eleitoral. Foi então que Marcos fugiu para o Havaí, em meio à Revolução do Poder Popular. Em seu lugar, subiu ao poder Corazón Aquino, viúva de Benigno Aquino, assassinado em 1983, um de seus grandes opositores. 6#4 OS ÓRFÃOS DO ORKUT Superada pela concorrência, rede social adotada por milhões de brasileiros, que formou casais, amizades e até negócios, sai do ar e deixa milhares de usuários fiéis saudosos Paula Rocha (paularocha@istoe.com.br) O casal de noivos Ricardo Ribeiro da Silva, 29 anos, e Andressa Linhares, 24, teve seu primeiro encontro em um lugar até então pouco usual: uma sala de bate-papo de uma rede social. Em 2008, os dois jovens se conheceram num grupo de discussão sobre a banda de rock americana Incubus, em uma dos mais de 52 milhões de comunidades do agora extinto Orkut. O site, primeira rede social de sucesso entre os brasileiros, saiu do ar na semana passada, deixando milhares de usuários saudosos. Segundo o Google, o fechamento foi necessário para concentrar energias e recursos em outras plataformas do grupo, como YouTube, Blogger e Google+. A decisão do gigante da tecnologia, no entanto, gerou protestos de internautas brasileiros, que criaram até uma petição online para impedir a extinção da página. O pedido, porém, não surtiu efeito. No dia 30 de setembro, o Orkut chegou a seu aguardado e lamentado fim. AUSÊNCIA - O paulista Felippe Garcia, moderador da comunidade "Doentes por Futebol", acessava o Orkut todos os dias desde 2004 Criado nos Estados Unidos, em 2004, pelo desenvolvedor turco e funcionário do Google, Orkut Büyükkökten, o site se manteve como a rede social mais popular do mundo durante sete anos, e grande parte desse desempenho se deveu aos usuários brasileiros. Apenas cincos meses após seu lançamento, 31% da audiência do Orkut vinha do Brasil e, um ano depois, esse número chegou a 50%. Em 2009, no auge da popularidade, 75% dos internautas brasileiros, um contingente de 35 milhões de pessoas, acessavam o site diariamente. No fim de 2011, contudo, o Orkut perdeu o primeiro lugar para o ascendente Facebook e, meses antes de seu fechamento, registrava apenas seis milhões de acessos mensais mundiais, contra cerca de 67 milhões do principal concorrente. Apesar do desprestígio e da crescente queda de acessos, muitos integrantes do Orkut continuavam frequentando o site, especialmente por conta das comunidades de discussão sobre os mais variados tópicos, recurso que não é oferecido da mesma forma pelo Facebook. O sucesso de determinadas comunidades foi tão grande que algumas até viraram um negócio. Caso do fórum de discussão “Doentes por Futebol”, que reunia mais de dez mil integrantes e hoje é uma empresa de conteúdo que atinge milhões de internautas no Brasil. Um dos administradores da “Doentes”, o publicitário paulista Felippe Garcia, 30 anos, lamenta o fim da rede social onde nasceu sua empresa. “Eu acessava o Orkut todos os dias, há dez anos. Usava o site como uma ferramenta para debates e para adquirir conhecimento”, diz. “A notícia de que o Orkut encerraria suas atividades foi triste. Sem dúvidas irei sentir falta”, afirma o empresário, que, a exemplo de muitos outros brasileiros, já migrou para a rede social russa VK, uma espécie de Facebook europeu que permite a criação de grupos de discussão ao estilo do Orkut. AMOR NA REDE - Os noivos Andressa Linhares e Ricardo Ribeiro se conheceram em uma comunidade do extinto site O conteúdo das comunidades da finada rede social, entretanto, não está perdido. Desde o encerramento do Orkut, qualquer pessoa que acessar o endereço do site poderá ler os tópicos e comentários de todos os grupos de discussão públicos criados entre janeiro de 2004 e setembro de 2014. Criar um tópico ou comentário novo, porém, não é permitido. Os antigos usuários também terão até 2016 para salvar fotos, perfis e dados de comunidades por meio do Google Takeout. O casal Ricardo e Andressa fez questão de salvar os álbuns de fotos que exibiam no Orkut, com imagens que marcaram sua história. “Eu tinha no Orkut a foto do nosso primeiro encontro pessoalmente”, conta Andressa. Apesar de não acessar mais o site, a empresária catarinense também se diz chateada com o fim da rede social. “O Orkut tinha um perfil mais família do que qualquer outra rede social. Lá fiz muitos amigos e conheci meu futuro marido”, diz Andressa. “Era um clima amigável e feliz. Já no Facebook tem muita briga”, diz. 6#5 OS GURUS DA BOA FORMA Quem são os profissionais da saúde que atraem uma legião de seguidores nas redes sociais com orientações sobre nutrição, exercícios físicos e hábitos saudáveis Camila Brandalise (camila@istoe.com.br) Eles frequentaram universidades, têm diplomas em alguns dos melhores cursos do Brasil e se especializaram em áreas ligadas, como nutrição e educação física. Abriram consultórios, dão aulas e, em palestras e workshops, dividem seu conhecimento com o público. Atentos ao crescente interesse por hábitos saudáveis, viram que todo esse trabalho talvez não fosse suficiente. Passaram, então, a usar a internet como meio de fazer a informação chegar mais longe. Os especialistas da saúde apostam nas redes sociais para dar dicas vindas direto da fonte e esclarecer as várias informações erradas que pipocam nesses meios. “Se alguém procurar uma dieta mirabolante para perder peso muito rápido, vai encontrar milhares”, diz a educadora física Paola Machado, 28 anos, idealizadora do site Kilorias, com 600 mil visualizações mensais, que terá uma versão em inglês, para os Estados Unidos, e um livro. A psicóloga Denise Pará Diniz, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acredita que o grande trunfo desses profissionais é motivar o público a repensar seus hábitos. “É muito difícil mudar comportamentos. Antes a pessoa precisa perceber que pode fazer diferente. E eles podem ajudar nessa questão.” Alana Rox, 31 anos, dona do perfil The Veggie Voice no Instagram e uma das colaboradoras de maior destaque do portal de bem-estar “30 Todo Dia”, segue o lema saúde em primeiro lugar. “Os benefícios estéticos são uma consequência”, diz ela, consultora em alimentação saudável. Vegetariana desde criança, Alana começou montando seus pratos e postando as receitas no Instagram, em setembro de 2013. O sucesso foi tão grande que um mês depois já estava dando palestras. “Chego a dar 12 workshops por mês em todo o Brasil”, afirma ela. Cesar Curti, 27 anos, criador do método Mahamudra, alia técnicas de meditação, coaching para desenvolvimento pessoal e vários tipos de exercícios físicos, como corrida e treinamento funcional. As redes sociais foram o melhor caminho para promover o Mahamudra. “Muitas pessoas passaram a nos seguir. Percebemos que esse é o caminho e o desejo da maioria que procura uma vida mais equilibrada.” 6#6 CASO AMARILDO: UM DRAMA SEM FIM Com mãe dependente química, os filhos do assistente de pedreiro torturado e morto no Rio contam apenas com a generosidade de alguns parentes Helena Borges (helenaborges@istoe.com.br) Em um casebre empoleirado na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, vivem os seis filhos do assistente de pedreiro Amarildo Dias, que desapareceu aos 47 anos, em julho do ano passado, após entrar em um carro da polícia. O caso foi investigado e os policiais que foram acusados de torturar e matar Amarildo aguardam julgamento. Hoje, os três filhos menores – Milena, 7 anos; Alisson, 11; e Ana Beatriz, 14 – podem também ter de se afastar da mãe, Elizabete Gomes, 47 anos, que passou a ser investigada pela 11ª. Delegacia de Polícia Civil por abandono de incapaz. Bete, como é conhecida, sumiu em julho deste ano, exatamente no aniversário de morte de seu marido, e foi encontrada dez dias depois, com o então namorado, desconhecido da família, em Barra de São João, litoral norte do Rio. Foi o filho mais velho, Anderson, 23 anos, que registrou o desaparecimento na delegacia. “Ficamos desesperados, procuramos até no necrotério”, disse à ISTOÉ. De acordo com o delegado responsável, Gabriel Ferrando, as investigações estão em fase de conclusão. A pior acusação à diarista desempregada, que atualmente se dedica a compromissos em prol da busca do corpo de seu marido, é sobre o uso de drogas e álcool. Ela nega, mas outras pessoas ouvidas por ISTOÉ confirmam a dependência química. São os parentes da família de Amarildo que tomam conta das crianças. Toda a família de Bete mora em Natal, Rio Grande do Norte. “Os mais velhos já são adultos e a avó mora aqui em frente. Eles passam mais tempo lá do que aqui”, explica a viúva de Amarildo. Sobrinha de Bete, Michele Lacerda, 27 anos, não encobre o complicado histórico da tia. Ela afirma que a viúva já foi dependente química, e que Amarildo a tirou das drogas, mas, “depois dos problemas do sumiço do meu tio, ela teve recaída”. Bete nega, diz que nem sequer consome álcool. Nascida em Natal, deixou para trás duas filhas, criadas por sua mãe. Michele só pensa nos primos. “Estamos numa luta muito grande para não perder a guarda deles. Precisamos manter essas crianças porque foi a única coisa que sobrou do meu tio. Queremos preservar a união que essa família sempre teve.” 6#7 A PRIMAVERA DA CHANEL Aos 81 anos, Karl Lagerfeld abala Paris com seu desfile-protesto. Fiel à doce subversão de Coco Chanel, o kaiser remonta o passado de lutas femininas e conecta a moda às manifestações mundiais para proclamar o futuro da livre elegância por Gisele Vitória (gvitoria@istoegente.com.br) Enquanto o Brasil acordava às 6h de 30 de setembro, Karl Lagerfeld abalava Paris no frescor fashion de seus 81 anos. Um boulevard parisiense virou cenário da passarela dentro do museu Grand Palais. Ali, o velho kaiser apresentou muito mais do que a coleção primavera-verão 2015 da icônica maison francesa. Fez um desfile para demarcar uma época. O que aconteceu foi uma autêntica Primavera da Moda. A Primavera da Chanel. Ao remontar com humor os protestos do passado, um Karl distante de Karl Marx, mas igualmente revolucionário na arena a que pertence, proclamou um novo futuro para a moda. Cristalizou o conceito de um vestir mais livre, confortável e socializado, ainda que a Chanel se mantenha no altar das marcas de luxo. Mas a elegância by Lagerfeld ganhou um sentido mais amplo. “Seja seu próprio stylist”, “He for she”, “Ladies first”, “Por um feminismo mais feminino” eram alguns dos cartazes do ‘protest-show’. “Achei divertido fazer uma manifestação de moda. Com um feminismo moderno e atual”, disse o estilista. “A Chanel não é uma moda de rua na realidade. Mas pode ser usada em qualquer circunstância. Não há qualquer imposição.” A alma de Coco Chanel, que subverteu a moda feminina dando-lhe outro sentido, estava presente no desfile-manifestação. Mais do que nunca, ela era homenageada com a genialidade sensível do tutor de seu legado. Nas vozes estridentes de Gisele Bündchen, Cara Delevingne e tantas tops – ouvidas por megafones muito chiques por elas empunhados –, as modelos ganharam voz. Viraram mulheres reais. Era-lhes permitido conversar na passarela. Berrar. Rir. E a moda conquistou mais atitude. O desfile-manifestação consolida a imagem de Karl Lagerfeld como um divisor de águas da moda do século XXI.Numa dimensão paralela, é impossível não lembrar de Joãosinho Trinta, quando o genial carnavalesco acordou o Brasil transformando lixo em luxo na passarela do samba carioca, em 1989. Mas Paris é Paris. Incomparável. Chanel e Karl Lagerfeld também. A verdade é que só Karl e o poder icônico da maison francesa poderiam usar a emoção e a beleza acalorada das massas manifestantes num desfile luxuoso, sem riscos de cair na caricatura. Tinha que ser Karl – não o que escreveu “O Capital”, mas o kaiser fashion – o porta-voz da mudança que empurra a moda para o epicentro do mundo real. Com o ‘protest-show’, a moda se une ao mundo por onde a humanidade quer caminhar A passeata da Chanel usou a força do glamour para recosturar o sentido de liberdade, igualdade e fraternidade. O sublime choque que surpreendeu Paris celebrou a estética dos movimentos sociais. Depois de setembro de 2014, a moda conecta-se ao novo mundo por onde a humanidade quer caminhar. Elegância libertada. Moda de alta qualidade. Genialidade sem idade. Assim caminha a humanidade de Karl Lagerfeld. Assim brota e floresce a Primavera da Chanel.  __________________________________ 7# MEDICINA E BEM-ESTAR 8.10.14 7#1 A POLÊMICA DIETA DO HORMÔNIO DA GRAVIDEZ 7#2 O FRÁGIL CERCO AO EBOLA 7#3 MAIS UM EFEITO COLATERAL DOS ANTIBIÓTICOS 7#1 A POLÊMICA DIETA DO HORMÔNIO DA GRAVIDEZ Torna-se moda no Brasil regime que usa hormônio produzido na gestação com promessa de emagrecimento rápido, mas especialistas não reconhecem sua eficácia Mônica Tarantino (monica@istoe.com.br) A lista dos regimes da moda ganhou mais um nome: a dieta do hCG. A dieta que conquista adeptos no País prescreve doses do hormônio gonadotrofina coriônica humana (a sigla em inglês é hCG) por cerca de 40 dias consecutivos. A substância é fabricada nos primeiros dias de gravidez e pode ser indicada em tratamentos de infertilidade e alterações no desenvolvimento de ovários e testículos. EFEITO COLATERAL - Mônica interrompeu o regime após dez dias depois de sentir tonturas e problemas gástricos A perda de peso acelerada foi o que atraiu a empresária Graciete Affini, de São Paulo. “Fiz exames antes de usar o hCG e conversei com o médico. Em 15 dias, perdi dez quilos e não tive efeito colateral.” Ao contrário de Graciete, a produtora Mônica Cosas, de Recife, não permaneceu na dieta. Ela queria se livrar de cinco quilos, mas interrompeu as injeções de hCG dez dias depois de começar a tomá-las. “Sentia fraqueza, tontura e tive problemas gastrointestinais”, conta. Ela também descobriu que tivera uma crise de hipotensão postural – queda na pressão arterial ao ficar em pé. “O médico disse que a doença se manifestou porque eu estava desidratada e tive infecção intestinal. Não se pode afirmar que algum desses problemas esteja ou não relacionado à dieta. Não há estudos e os sintomas coincidiram”, diz. O regime teve seu primeiro momento de fama nos anos 1970. Agora, voltou com força. Para conter sua expansão, a agência reguladora americana FDA decidiu que a publicidade de produtos contendo o hormônio deve informar que ele não demonstrou ser uma terapia eficaz no tratamento da obesidade. Depois dos EUA, a dieta se popularizou em países como Argentina e Equador e agora se espalha pelo Brasil na base do boca a boca. Mônica foi informada por seu médico que o hormônio a protegeria da perda de músculos que ocorre na dieta de baixas calorias a que se submeteria. Já Graciete ouviu que o hCG facilitaria a queima da gordura acumulada. Outro especialista disse que o hormônio simula uma gravidez e leva o corpo a consumir mais gordura para complementar o aporte de calorias necessário para se nutrir e nutrir o feto. Fica evidente o desencontro nas informações sobre a ação do hormônio. A pessoa emagrece, mas não sabe por quais mecanismos. Um é óbvio: a restrição calórica imposta pelo regime. Dois médicos que indicam a dieta procurados por ISTOÉ não quiseram dar entrevista. Um terceiro disse que daria as informações, mas não iria se expor porque o hormônio é usado de modo off-label (a indicação não consta da bula). No entanto, remédios aprovados para diabetes, como o liraglutide (Victoza) e exenatide (Byetta), são abertamente ministrados de modo off-label contra a obesidade. A diferença é que há estudos comprovando sua eficácia no emagrecimento. Já sobre a ação do hCG, não há pesquisas que documentem sua eficiência ou possíveis efeitos colaterais. Para o endocrinologista Walmir Coutinho, presidente da Federação Mundial de Obesidade, não há relatos de graves danos colaterais a longo prazo por causa da dieta, mas o hCG não ajudaria em nada o emagrecimento. “O que leva à perda de peso nessa dieta é a grande restrição calórica”, diz. “Mas a chance de recuperar os quilos perdidos é alta quando a pessoa retoma a alimentação normal”, diz. 7#2 O FRÁGIL CERCO AO EBOLA Nos Estados Unidos, falhas grotescas no atendimento ao primeiro paciente diagnosticado com ebola no país denunciam o quanto ainda é preciso melhorar a estratégia de contenção do vírus Cilene Pereira (cilene@istoe.com.br) A força com que o e bola se alastra pela África já havia demonstrado ao mundo como é preciso aprimorar muito mais as medidas de contenção de um dos vírus mais letais conhecidos. Na semana passada, porém, as falhas grotescas no atendimento do primeiro paciente com ebola diagnosticado nos Estados Unidos denunciaram de que forma enganos possivelmente cometidos por apenas uma ou duas pessoas podem colocar em risco toda a cadeia de detecção de casos montada por especialistas reconhecidos e experientes para impedir a instalação de epidemias. FALTA DE ATENÇÃO- Duncan foi liberado do hospital mesmo após ter contado que chegara da Libéria, onde há epidemia No dia 25 de setembro, o liberiano Thomas Eric Duncan, 48 anos, estava hospedado no Ivy Apartments, em Dallas, quando procurou um hospital. Sentia febre e mal-estar. Foi levado por familiares ao Texas Health Presbyterian. Lá, contou à enfermeira que chegara havia poucos dias da Libéria, um dos países mais atingidos pela epidemia na África. Mesmo assim, foi liberado, com uma receita de antibiótico. Três dias depois retornou à instituição, em estado bem mais grave. Até a sexta-feira 3 permanecia internado, agora com o diagnóstico de ebola. Calcula-se que desde a chegada de Duncan até seu isolamento no hospital, mais de 100 pessoas tiveram contato direto ou indireto com ele. Ou seja, com maior ou menor risco, podem ter sido infectadas. O erro primário cometido no primeiro atendimento deixou as autoridades de saúde perplexas. Afinal, Duncan contou que chegava da Libéria. Pelos manuais de contenção epidêmica, a informação preciosa deveria ter sido considerada e o liberiano, submetido a um teste para ebola. Mas o que se apurou é que a enfermeira não a repassou ao médico. Ele o submeteu a um exame sanguíneo padrão. “O hospital deixou a peteca cair”, disse Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA. Mas as falhas se estendem. Até a quinta-feira 2, o apartamento ocupado por Duncan não havia sido limpo. Lençóis e toalhas por ele usados permaneciam lá simplesmente porque as autoridades não encontravam quem pudesse fazer a limpeza correta e o descarte dos utensílios que ele tocou. Esse tipo de problema pode até fazer sentido em regiões pobres e insalubres africanas, mas espanta saber que está ocorrendo nos EUA. Entre outras razões, porque lá estão alguns dos maiores especialistas do mundo em evitar epidemias, boa parte deles reunida no famoso Centro de Controle de Doenças, o CDC. Sempre que o planeta é ameaçado por micro-organismos perigosos, é a esse serviço que se costuma recorrer em busca de ajuda. Equipes do CDC foram enviadas a Dallas assim que saiu o diagnóstico, mas ao que parece são insuficientes para auxiliar na superação dos pequenos erros banais que podem destruir grandes esforços. 7#3 MAIS UM EFEITO COLATERAL DOS ANTIBIÓTICOS O uso excessivo dos medicamentos até os 2 anos de idade pode levar as crianças a se tornarem obesas, de acordo com levantamento americano Cilene Pereira (cilene@istoe.com.br) Médicos da Universidade da Pennsylvania, nos Estados Unidos, fizeram um alerta na semana passada. Segundo levantamento realizado pelos especialistas, crianças que tomaram antibióticos mais de quatro vezes antes dos dois anos possuem maior chance de ser obesas. A pesquisa foi publicada na última edição do jornal de Pediatria editado pela Associação Médica Americana. Trata-se de um trabalho de fôlego. Os especialistas analisaram o histórico médico de mais de 64,5 mil crianças desde seu nascimento até os 5 anos de idade. Cerca de 70% fizeram tratamentos com antibióticos duas vezes antes mesmo de completarem dois anos. Entre o restante, aquelas que foram medicadas quatro ou mais vezes até essa idade apresentaram 10% mais chance de se tornar obesas quando chegaram aos 5 anos em comparação com as que receberam menos doses do medicamento. Na opinião do médico Charles Bailey, coordenador do trabalho, a explicação para o fenômeno seria o papel que os antibióticos desempenham na mudança da flora bacteriana presente no trato digestivo e que, sabe-se hoje, tem impacto no controle do peso. “Achamos que depois dos antibióticos algumas das bactérias presentes naturalmente no corpo e que são eficientes para ajudar na manutenção de peso podem acabar morrendo”, disse. “E aquelas que levam na direção contrária, prejudicando o metabolismo, tornam-se mais ativas”, considerou. Na investigação, verificou-se que o tipo de antibiótico também influencia o total de peso armazenado. Crianças medicadas com drogas indicadas para destruir tipos específicos de bactérias ganharam menos peso. Aquelas para as quais foram receitados antibióticos de espectro amplo (atingem tipos diversos de bactérias) engordavam mais. Entre a comunidade científica, o consenso é de que o resultado evidencia ainda mais a necessidade de tornar mais criteriosa a prescrição de antibióticos. ______________________________________ 8# ECONOMIA E NEGÓCIOS 8.10.14 8#1 O DEUS MERCADO 8#2 COMO CONTRATAR UM ASSISTENTE PESSOAL 8#1 O DEUS MERCADO Bolsa caindo e dólar nas alturas. Por que essa divindade sem rosto e com poder de mexer no bolso dos brasileiros está tão sensível às vésperas da eleição presidencial? Daniela Mendes Um dia ele acorda otimista. No outro, pessimista. Um dia, ele faz as ações das empresas descerem ladeira abaixo na bolsa de valores. No outro, é o dólar que sente sua mão pesada. Esse ser sem rosto, essa divindade com poder de mexer diretamente no bolso dos brasileiros ao influenciar no preço dos ativos fica com o humor ainda mais sensível às vésperas das eleições. Neste ano, com tantas reviravoltas no cenário eleitoral, “o mercado” está particularmente nervoso e reagindo com intensidade a cada nova pesquisa de intenção de votos para presidente, pois quer adivinhar qual será a política econômica dos próximos quatro anos. MAU HUMOR - Na segunda-feira 29, a bolsa caiu 4,52%, maior queda desde 2011. Os investidores reagiram à alta da presidenta Dilma nas pesquisas eleitorais “O mercado” pode ser entendido como o conjunto de analistas de investimentos, consultores, bancos, operadores e grandes fundações. Curiosamente, desta vez, está reagindo não ao desconhecido, mas ao conhecido. Nos últimos dias, cada ponto a mais da presidenta Dilma nas pesquisas fez a bolsa cair e o dólar subir. A gangorra financeira mereceu um comentário irônico do ex-presidente Lula na segunda-feira 29, quando o Ibovespa recuou 4,52%, a maior queda em três anos, no auge da crise da Grécia: “Ouvi dizer que o mercado está nervoso porque a Dilma vai ganhar. Quero dizer a vocês que eu ganhei em 2002 e não pedi voto para o mercado. Eu ganhei em 2006 e não pedi voto para o mercado. A Dilma ganhou em 2010 e não pediu voto. Ela vai ganhar em 2014 e a gente pede voto é para cada mulher e para cada homem deste País”. Não é verdade. Em 2002, o mercado tinha enorme desconfiança do que seria um governo do PT e o dólar chegou a bater em R$ 3,99. Lula divulgou a famosa Carta ao Povo Brasileiro na qual declarava que seria conservador na economia. Embora estivesse endereçada ao povo, a Carta tinha como destinatário o mercado – e eles viveram em paz por muitos anos. O próprio Banco Central quer saber as expectativas dos agentes financeiros e por isso semanalmente produz o Boletim Focus, que traz as previsões de crescimento e inflação do setor privado. CONVENÇÕES - O mercado se move por consensos e crenças de que a política econômica deve seguir numa determinada direção, diz o professor Antonio Corrêa de Lacerda, da PUC-SP A razão de ser do mercado é tentar antecipar cenários e sair na frente. Seu horizonte é o curto prazo e a realidade às vezes fica em segundo plano. Importa mais a opinião da maioria do que será o futuro. Por isso, outra característica é se mover por consensos. “O mercado age segundo algumas convenções e crenças de que a política econômica tem de seguir numa determinada direção”, diz o professor Antonio Corrêa de Lacerda, da Faculdade de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ninguém quer errar sozinho e ficar exposto perante os pares. Um aspecto das ciências econômicas é que elas alteram o objeto de estudo. “O governo tem razão quando diz que não existe avaliação imparcial que não afete a economia”, afirma André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos. “A análise altera a realidade, a recomendação de compra de uma ação interfere nela.” Nessas situações, a sociedade experimenta o poder do mercado, que se retroalimenta e suas profecias se auto-realizam. Se a ideia de que não há confiança para investir se dissemina, ninguém investe mesmo e a atividade econômica cai. Às vésperas das eleições, tudo ganha cores fortes. “As avaliações ficam mais emocionais e subjetivas”, diz Julio Sergio Gomes de Almeida, ex-secretário de política econômica e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), para quem esse é um jogo para profissionais do qual o pequeno investidor deve se manter distante. Na opinião de Perfeito, o mal-estar entre a presidenta Dilma, os empresários e o mercado faz parte de um momento de transição do País. “As margens de lucro caíram muito, ganhar dinheiro no Brasil está mais difícil”, diz. “É mais simples falar que está tudo errado, aí sobem os juros e é fácil ganhar de novo.” Em 2012, por exemplo, o movimento de redução das taxas não ganhou apoio da sociedade, segundo o professor Lacerda, da PUC-SP. “Até quem tinha R$ 10 mil aplicados reclamou. É o vício do juro elevado e uma mostra de como a situação é complexa”, afirma ele. Para Perfeito, esta é uma nova fase do Plano Real, de enfrentamento das taxas historicamente elevadas. “Há uma tentativa ingênua de voltar ao que era em vez de inovar com produtos financeiros de mais risco”, acredita. Como o Brasil não fará essa travessia sem dores nem perdas, necessita mais do que nunca de líderes capazes de fazer uma boa condução desse processo. 8#2 COMO CONTRATAR UM ASSISTENTE PESSOAL Eles organizam sua agenda, reservam restaurantes e até mesmo administram seu imóvel no exterior. Luisa Purchio (luisapurchio@istoe.com.br) O tempo escasso e as agendas cada vez mais apertadas trouxeram novas áreas de atuação para o antigo “concierge”, o profissional que antes era encontrado somente em hotéis de luxo na Europa com a função de deixar tudo preparado para que o hóspede desfrutasse de eventos sem ter de se preocupar com aborrecimentos como reserva de transporte e compra de ingressos. “Em 2009 não havia referência desses serviços no Brasil. Hoje já são diversos profissionais em São Paulo e nas principais capitais do País”, afirma Luciana Lima, diretora da Lugadeli Concierge Pessoal & Executivo, empresa que capacita esses profissionais e representa a Associação Internacional dos Concierges e Lifestyle Management nos eventos em São Paulo. Conhecidos como assistentes pessoais, esses funcionários são requisitados para resolver as mais diversas necessidades do dia a dia: de preparar detalhes de uma ocasião especial a elaborar o enxoval do bebê, além de cuidar do animal de estimação ou até mesmo administrar um imóvel no exterior. “Também somos contratados por empresas que viram uma estratégia de marketing de relacionamento com seus clientes”, afirma Natália Bonavita, sócia diretora da Due B, empresa cujo número de pedidos de concierge entre janeiro e setembro cresceu 40% em relação ao mesmo período do ano passado. ______________________________________ 9# MUNDO 8.10.14 A REVOLUÇÃO DO GUARDA-CHUVA Manifestantes tomam as ruas de Hong Kong reivindicando mais democracia, mas o governo chinês promete não ceder e os confrontos devem aumentar Luisa Purchio (luisapurchio@istoe.com.br) O governo chinês enfrenta seu maior desafio político desde 1989, ano do Massacre da Praça da Paz Celestial, quando manifestantes foram às ruas pedir mais liberdade e foram violentamente reprimidos. Desta vez, quem tenta se impor é Hong Kong, ilha que viveu sob o domínio britânico por décadas, foi devolvida à China em 1997 e é um dos maiores centros financeiros do mundo. Na última semana, dezenas de milhares de pessoas se concentraram em frente à sede do governo de Hong Kong para protestar contra o Partido Comunista (PC) da China, defender a democracia e o direito de escolher livremente seu governante em 2017, como estava acertado. O movimento foi apelidado de a Revolução do Guarda-Chuva, por ser a forma que os manifestantes se protegem do gás lacrimogêneo e do spray de pimenta disparado por policiais. SÍMBOLO - Os guarda-chuvas viraram escudo para se proteger do spray de pimenta e do gás lacrimogêneo da polícia. Abaixo, Joshua Chi-Fund, 17 anos, um dos líderes do movimento O estopim foi a declaração de Pequim de que o cargo de governança da ilha seria disputado apenas por candidatos aprovados antecipadamente por um comitê representativo do PC, decisão que causou revolta aos moradores. “É uma população familiarizada com o capitalismo e que não admite a perda da liberdade de opinião”, analisa o professor Alexandre Uehara, especialista em Ásia, da Universidade de São Paulo (USP). No acordo com os britânicos, ficou estabelecido que Hong Kong seria uma região administrativa especial, gerenciada com menor intervenção do governo e relativa liberdade de expressão. O regime ficou conhecido como “um país, dois sistemas”. O início dos protestos estava programado para a quarta-feira 1º, data que marca a fundação da China Comunista, mas os grupos pró-democracia bloquearam as ruas que dão acesso aos escritórios da região antes do esperado. As manifestações são lideradas pelo “Occupy Central With Love and Peace” (Ocupe Central com Amor e Paz), movimento conduzido por um pastor batista de 70 anos e dois professores da Universidade Chinesa de Hong Kong. Entre os jovens, o líder é Joshua Wong Chi-Fund, 17 anos, que já havia se destacado há três anos no Scholarism, movimento que ajudou a engavetar um plano para implementar “educação patriótica” nas escolas. Apesar da pressão popular, o governo chinês reiterou na sexta-feira 3 que não fará concessões aos militantes, acrescentando que a causa está “condenada ao fracasso”. Após cinco dias de intensos protestos, os confrontos se acentuaram quando grupos tentaram derrubar barricadas aparentemente contra os ativistas pró-democracia que paralisaram as principais avenidas da cidade. Dezenas de prisões já ocorreram. A tecnologia tem sido uma importante aliada para driblar a repressão e favorecer a comunicação entre os ativistas. O FireChat, aplicativo que permite a troca de mensagens sem o uso da internet, teve mais de 100 mil downloads em apenas 24 horas. Ainda assim, Pequim promete não ceder e advertiu a comunidade internacional que não admite interferências em assuntos internos. “O presidente Xi Jinping tenta dar a impressão de ser um líder forte e não gostaria de ser visto recuando diante da oposição das ruas”, disse à ISTOÉ Anthony Saich, diretor do Centro Ash para a Governança Democrática e Inovação da Universidade de Harvard. Para o PC chinês, há 65 anos no poder, manter-se firme em suas posições significa “cortar o mal pela raiz” e evitar o fortalecimento de outros grupos oposicionistas. “A garantia de estabilidade e de integridade territorial, assim como o sucesso econômico da China, garante a força do Partido Comunista”, afirma Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B e um dos maiores especialistas em Ásia do Brasil. “Para evitar o que ocorreu à União Soviética, a China evita a todo custo sua fragmentação.” ________________________________________ 10# TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE 8.10.14 UMA TORRE PARA ESTUDAR A AMAZÔNIA Uma estrutura de 325 metros, mais alta que a Torre Eiffel, está sendo instalada no meio da maior floresta do mundo para monitorar as mudanças climáticas e o efeito dos gases estufa na natureza César Soto A té dezembro deste ano um colosso de ferro e aço passará a monitorar centenas de quilômetros da Floresta Amazônica, erguendo-se em meio ao verde das árvores e chegando a uma altura de 325 metros. Essa torre gigante, maior que a Eiffel, está sendo instalada em meio à densa vegetação e servirá para estudar mudanças climáticas na região, tornando-se a maior estrutura desse tipo na América do Sul. Batizada de Observatório de Torre Alta da Amazônia (ou Atto, da sigla em inglês), a torre será responsável por analisar o papel dos gases de efeito estufa na natureza e o impacto do ciclo de liberação e absorção do CO² em um raio de 300 quilômetros na floresta. Com mais de 40 instrumentos, o observatório será a estação mais avançada do tipo no mundo e está localizada na reserva de desenvolvimento sustentável no município de São Sebastião de Uatumã (AM), a 176 quilômetros de Manaus. As buscas pelo local ideal para a instalação da torre levaram cerca de um ano, conta o professor da USP Paulo Artaxo, um dos coordenadores do projeto. “Tinha que ser o lugar mais afastado possível da civilização, mas perto o suficiente para que pudesse ser acessado por carro ou barco”, diz. “E também era importante que o terreno fosse firme, ou seja, fosse uma área não inundável.” O projeto é uma parceria entre os governos brasileiro e alemão e custou R$ 23 milhões. A torre ajudará a comunidade científica a estabelecer o papel da Amazônia nas mudanças climáticas globais e auxiliará o governo brasileiro no desenvolvimento de políticas públicas para lidar com elas. “A floresta armazena de 100 a 120 toneladas de carbono naquele sistema. Se uma parcela ínfima disso for liberada na atmosfera, já teremos um sério agravamento nesse cenário e atualmente não sabemos nem se ela tem liberado ou absorvido mais desse gás”, diz Artaxo. ____________________________________ 11# CULTURA 8.10.14 11#1 O HOMEM DE US$ 75 MILHÕES 11#2 DOCUMENTÁRIO - A ARTE DO PROTESTO 11#3 O SARAMAGO QUE FALTAVA 11#4 EM CARTAZ – CINEMA - MILITÂNCIA RADICAL 11#5 EM CARTAZ – CINEMA 2 - EM FAMÍLIA 11#6 EM CARTAZ – CD - A NOVA BOSSA DE BEBEL 11#7 EM CARTAZ – LIVRO - E DEUS CRIOU... BARDOT 11#8 EM CARTAZ – ARTES PLÁSTICAS - LUZES E SOMBRAS 11#9 EM CARTAZ – AGENDA - LIVE/INCÊNDIOS/JULIAN 11#10 ARTES VISUAIS - UMA JUNÇÃO DURADOURA 11#11 ARTES VISUAIS – ROTEIROS - MEMÓRIA DO FUTURO: PROJEÇÕES DE UMA OLIMPÍADA QUE AINDA SERÁ 11#1 O HOMEM DE US$ 75 MILHÕES Pelo segundo ano consecutivo, Robert Downey Jr. é o ator que mais faturou em Hollywood. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, ele conta como foi salvo pelo Homem de Ferro e diz por que seu novo filme "O Juiz" o fez rever a relação com seu pai Elaine Guerini, de Los Angeles A os 49 anos, Robert Downey Jr. desfruta do prestígio que recuperou aos olhos de Hollywood – e com juros. Com o passado de drogas e de loucuras enterrado, o astro nova-iorquino figura em primeiro lugar no ranking divulgado recentemente pela revista “Forbes” com os atores que mais faturaram no último ano: US$ 75 milhões, a mesma quantia faturada por ele no período anterior. Obviamente a fortuna se deve ao sucesso colossal da franquia “Homem de Ferro” e à participação do ator, repetindo o papel do super-herói, na milionária série “Os Vingadores’’. Juntos, os filmes da Marvel estrelados por Downey Jr. arrecadaram mundialmente mais de US$ 4 bilhões de bilheteria. Nada mal para quem amargou um período turbulento, entre 1996 e 2002, marcado por prisões por porte de heroína, cocaína e anfetaminas e por sucessivas temporadas em clínicas de reabilitação. NO TOPO - Os filmes da Marvel estrelados por Downey Jr. arrecadaram mundialmente mais de US$ 4 bilhões de bilheteria “Tive muita sorte por conseguir me reafirmar na indústria”, disse o ator, recuperado do vício que ele teria herdado do pai – foi o cineasta underground Robert Downey, usuário de drogas, quem apresentou a maconha ao filho, quando ele ainda era garoto. Também foi o pai que o lançou como ator, aos 5 anos, no filme “Pound’’ (1970), uma controversa sátira protagonizada por cachorros à espera de adoção. “Hoje eu enxergo mais claramente a superficialidade que gravita ao redor da profissão de ator. Acho que amadureci o suficiente para não me deixar influenciar pelos aspectos mais tolos. Dependendo de como anda a sua carreira, você pode equivocadamente se sentir mais importante do que é’’, afirmou Downey Jr., duas vezes indicado ao Oscar. Ele concorreu, como melhor ator, pelo retrato impecável do personagem-título de “Chaplin’’ (1992), e pelo papel do ator australiano que muda a cor da pele em “Trovão Tropical” (2008), na categoria de melhor coadjuvante. Robert Duvall (no detalhe) interpreta o pai do protagonista em "O Juiz". Downey Jr. também é produtor do filme ao lado damulher, Susan Levin. Eles são donos da produtora Team Downey Com a carreira de volta aos trilhos, Downey Jr. aproveita o poder que conquistou para assinar a produção de alguns de seus filmes. É o caso de “O Juiz’’, drama que chega aos cinemas nacionais no dia 16 de outubro – depois de passar pelo Festival do Rio. Seu personagem aqui é um advogado que acerta contas com o passado ao voltar à cidade natal para o enterro da mãe e descobrir que o pai (Robert Duvall, o juiz do título) é acusado de assassinato. “Depois que você atinge certo ponto na carreira como ator, é natural querer se expressar de outra maneira. Não basta apenas interpretar, o que equivale a estar sentado no banco do copiloto. Queria me envolver em outros aspectos na realização de um filme.” O trabalho atrás das câmeras (assinado pela empresa Team Downey) é dividido com a mulher, a produtora Susan Levin, com quem Downey Jr. está casado há nove anos. A dupla se conheceu durante as filmagens do thriller “Na Companhia do Medo’’ em 2003 e, desde então, Susan seria a responsável por Downey Jr. nunca mais ter caído em tentação. O casal tem um filho, Exton Elias, de 2 anos. “Susan ainda faz, com as sobras na geladeira, o melhor sanduíche do mundo”, brincou o ator, abrindo um sorriso. Simpático, mostrou-se interessado no Brasil na conversa com ISTOÉ. “Qual é mesmo o ritmo musical brasileiro que ganhou um nome em inglês, por conta da presença de soldados americanos durante a Segunda Guerra Mundial?”, perguntou ele, referindo-se ao forró (que poderia ter relação com a expressão “for all”). “Tendo nascido no Brasil, não me espanta que seja uma dança sexy.’’ “Fui o meu maior obstáculo na carreira” A seguir, os principais trechos de entrevista concedida à ISTOÉ, durante dois encontros com a reportagem em Los Angeles: ISTOÉ – “O Juiz” apresenta personagens que, só após muito sofrimento, conseguem chegar à melhor versão de si mesmos. Também acredita nisso? Robert Downey Jr. – Sim. O filme faz com que atores e espectadores se identifiquem. Todo mundo tem problemas de relacionamento e de família, além de acontecimentos embaraçosos que preferimos esquecer. Quando estávamos no set de filmagem, por mais que estivéssemos representando, nos escondendo por trás dos personagens, acho que todos conseguíamos lembrar de momentos dramáticos da vida. ISTOÉ – Você usou esses momentos, como a sua passagem pela prisão, na interpretação? Downey Jr. – Na hora de atuar, não. Quando estávamos contracenando, (Robert) Duvall e eu tínhamos o mesmo objetivo: queríamos passar pelo processo e não buscar imediatamente o resultado. Sabíamos que teríamos de convencer como pai e filho que escondem dores antigas, o que levou à relação terrível que vemos no início do filme. É a jornada que importa. Até porque nós, geralmente, não nos damos conta de que estamos vivendo um momento dramático quando ele está acontecendo. Isso você percebe no retrospecto. Na hora, não vê claramente. NO RUMO - A franquia dos filmes do Homem de Ferro recolocou a carreira dele nos trilhos ISTOÉ – O filme o fez rever a relação com o seu pai? Downey Jr. – Gosto de pensar que economizei dinheiro em terapia só por ter feito esse trabalho (risos). “O Juiz” me interessou justamente pelo roteiro conseguir abranger uma constelação no que diz respeito à vida emocional. Todos temos um arco de evolução ao longo da trama. E esse arco é repleto de falhas, assim como as histórias e os personagens. Como costuma acontecer na vida real, não há garantia de final feliz, há apenas esperança. ISTOÉ – Com qual aspecto da relação pai e filho do filme mais se identificou? Downey Jr. – Hoje, estamos acostumados a tentar resolver aspectos complicados da vida, como relações familiares, com uma espécie de terapia caseira. Mas não era assim. Como o meu personagem, cresci nos anos 1970 e 1980, quando tudo ainda era muito velado. Não discutíamos sentimentos abertamente, os ressentimentos atravessavam anos. Não digo que isso não aconteça mais hoje, mas a atitude é diferente, pois tentamos resolver. ISTOÉ – De onde vem o gosto pelos personagens intensos? Downey Jr. – Não sei. A verdade é que estou muito mais tranquilo hoje, embora ainda tenha a habilidade de interpretar caras nervosos e agitados. Talvez eu dê essa impressão porque ainda não sei gerenciar minha ansiedade. Quanto mais realista me torno, mais tenho de encarar a vida como ela é – e a vida é repleta de coisas assustadoras. Às vezes, posso acordar muito bem, mas, depois do café, tenho um pensamento terrível. E se um avião cair sobre a minha casa... Não é nenhum surto psicótico, mas uma ansiedade mal administrada. É aquele trabalho interno que ninguém mais pode fazer por você. “Hoje enxergo mais claramente a superficialidade que gravita ao redor da profissão de ator. Você pode, equivocadamente, se sentir mais importante do que é’’ ISTOÉ – Como administra isso hoje? Downey Jr. – Primeiramente estou aprendendo a aceitar que se preocupar demais com uma coisa, sobre a qual você não tem controle, é o mesmo que rezar para que ela aconteça (risos). ISTOÉ – Foi graças ao herói Homem de Ferro que você recuperou o status de astro na indústria, certo? Downey Jr. – Sim. Muitas vezes, fui o meu maior obstáculo na carreira, tendo perdido muitas oportunidades de estar sempre empregado. Certamente foram os filmes que fiz nos últimos cinco anos que me colocaram na posição confortável em que me encontro. E o maior bônus que tive foi o de me restabelecer nesse negócio altamente competitivo sem precisar sacrificar o meu prazer de atuar. Faço filmes nos quais ainda sinto que posso contribuir artisticamente. 11#2 DOCUMENTÁRIO - A ARTE DO PROTESTO Documentário mostra a calamidade ambiental provocada pela construção da usina elétrica de Balbina (AM) e como a artista plástica Bia Doria denuncia desastres ecológicos transformando-os em obras artísticas O cenário é desolador. Troncos esparsos despontam do que parece ser um enorme lago de natureza morta. Não há vegetação e a vida parece esquecida na região do município de Presidente Figueiredo, no Amazonas, a 130 quilômetros de Manaus, onde está localizada a usina elétrica de Balbina. Inaugurada em 1989 durante o governo de José Sarney, ficou conhecida por gerar uma quantidade muito baixa de energia após alagar o local, configurando-se em um verdadeiro desastre ecológico. Daquele lugar inóspito, brotou uma arte de protesto, como revela o documentário “Raízes do Brasil”, que retrata o trabalho da artista plástica Bia Doria. Dirigido por Waldemar Tamagno, o filme mostra Bia em viagem pela região e sua interferência na paisagem, ao pintar uma das árvores de vermelho, denunciando a catástrofe ambiental. INSPIRAÇÃO - Cena do documentário "Raízes do Brasil" e, abaixo, Bia Doria ao lado do polonês Frans Krajcberg, seu mentor A artista visitou a localidade pela primeira vez em março de 2013, quando procurava um novo cenário para trabalhar. Ela voltaria ao local em outubro, dessa vez com a equipe de filmagem. Tamagno, também corroteirista do projeto, explica que foi chamado para fazer um filme sobre a artista, e conversando com ela foi desenvolvendo o rumo a tomar. “A ideia inicial era fazer uma espécie de videobook, mas percebi que podia captar seu processo de criação, e com o tempo fui descobrindo uma maneira de contar sua história”, diz. O curta-metragem é composto de cenas da viagem a Balbina e de depoimentos de amigos e conhecidos, como Romero Britto e o americano Gary Nader, que expôs algumas das obras de Bia em sua galeria em Miami. “Procurei ser o mais natural possível, não houve uma intenção estética. O filme foi acontecendo aos poucos. No final eu tinha um material bruto de mais de duas horas”, explica Tamagno, que estreia como diretor. O filme de 20 minutos será exibido no canal Arte1 às 20h30 do sábado 4 e, em seguida, ficará disponível no site oficial da artista. Um DVD será lançado em conjunto com um livro, também intitulado “Raízes do Brasil”, que reproduz imagens e depoimentos do curta, a ser lançado em 17 de novembro pela Editora PitCult. Filha de fazendeiros do interior de Santa Catarina, Bia explica que o fascínio por temas ecológicos vem da infância, quando vivia em contato direto com a natureza. Seu interesse por artes plásticas só surgiria muitos anos depois, por volta de 2002. Sua maior referência é o polonês naturalizado brasileiro Frans Krajcberg, a quem ela chama de “grande mestre”. Enquanto criava suas primeiras obras, Bia ouvia de amigos que elas lembravam o trabalho de Krajcberg, e por conta disso resolveu entrar em contato com o artista, de quem se tornou próxima. “Ele me ensinou técnicas de como olhar a floresta, escolher o material e observar as formas”, diz ela, que tem planos de fazer algum projeto relacionado ao deserto de Atacama, no Chile. Bia terá uma exposição individual na Pinacoteca de Santos a partir de 15 de outubro, e participa da Art Basel, feira de arte em Miami que é considerada uma das maiores do mundo, entre os dias 2 e 7 de dezembro. Uma mostra individual em São Paulo está em negociação e deve acontecer no início do próximo ano. 11#3 O SARAMAGO QUE FALTAVA Obra inacabada do autor português, escrita durante seus últimos anos de vida, é lançada no País em edição que traz anotações dele e textos de intelectuais de vários países Quando o escritor português José Saramago morreu em junho de 2010, deixou incompleto o que seria um novo romance de sua autoria. Mais de quatro anos depois, “Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas” chega finalmente às livrarias brasileiras pela Companhia das Letras. Livros póstumos e inacabados são constantes no mercado editorial – ou se lança aquilo que o autor não quis publicar em vida por não considerar um trabalho de qualidade, ou editoras passam décadas recuperando textos inéditos de maneira esporádica, sempre garantindo se tratar da última obra encontrada do escritor. No caso de Saramago, o Prêmio Nobel de Literatura já havia afirmado que “Alabardas” seria seu canto do cisne e que planejava passar o resto dos seus dias lendo e descansando. Pilar del Río, sua víuva, garante que este é mesmo seu derradeiro livro e que o público não deve esperar outra obra inédita. Nos três capítulos remanescentes da obra, cujo título faz referência a um trecho de “Exortação da Guerra”, de Gil Vicente, Arthur Paz Semedo é o funcionário exemplar de uma fábrica de armas que nunca questiona sua profissão ou seus superiores. Após ser abandonado pela mulher, uma pacifista radical, tudo indica que ele não continuará capaz de manter sua indiferença em relação à vida. PÓSTUMO - Capa da edição brasileira de "Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas" A ideia inicial surgiu quando o autor refletia sobre o porquê de nenhum caso de greve em uma fábrica de armamentos ser conhecido. Saramago usa um personagem burocrata para fazer uma reflexão sobre a teoria da “banalidade do mal” criada pela filósofa Hannah Arendt. Além dos capítulos escritos por Saramago, a edição brasileira conta com anotações feitas durante o processo de escrita, com textos do ensaísta espanhol Fernando Gómez Aguilera, do antropólogo brasileiro Luiz Eduardo Soares e do escritor italiano Roberto Saviano e com ilustrações do alemão Günter Grass. 11#4 EM CARTAZ – CINEMA - MILITÂNCIA RADICAL Daniel Solyszko (daniel@istoe.com.br) Em “Libertem Angela Davis”, a documentarista Shola Lynch retrata uma das figuras mais importantes do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos. Produzido por nomes conhecidos como o rapper Jay-Z e o ator Will Smith, o longa-metragem apresenta uma série de depoimentos de pessoas próximas à ativista, intercalados com imagens de arquivo que reconstituem sua trajetória. Professora de filosofia na UCLA no final da década de 60, Angela era uma feminista radical ligada ao Partido Comunista, o que eventualmente levou à sua expulsão da universidade. Ela ganharia notoriedade em 1970 ao entrar para a lista dos dez mais procurados do FBI. Inocentada das acusações de envolvimento em um sequestro, foi morar alguns anos em Cuba antes de retornar ao seu país. +5 filmes sobre ativismo negro Malcolm X Spike Lee dirige a cinebiografia do famoso militante assassinado em 1965, interpretado por Denzel Washington Panteras Negras (1995) Filme de Mario Van Peebles que mostra como Huey Newton e Bobby Seale fundaram o partido negro Mississippi em Chamas Dois agentes do FBI investigam o assassinato de três ativistas no longa-metragem de Alan Parker Ambição em Alta Voltagem Filme dos irmãos Hughes sobre jovem negro que volta da Guerra do Vietnã e se envolve com o crime Com os Minutos Contados Sydney Poitier é um ex-militar que se torna ativista foragido da polícia nesse clássico dos anos 60 11#5 EM CARTAZ – CINEMA 2 - EM FAMÍLIA Daniel Solyszko (daniel@istoe.com.br) Uma garota comete suicídio no dia do seu aniversário de 11 anos. Aos poucos são revelados os segredos de sua família, na qual o patriarca mantém uma relação dominadora com as outras filhas. O diretor Alexandros Avranas usou como fonte de inspiração uma história real ocorrida na Alemanha em 2010. Considerado um dos maiores destaques do novo cinema grego, ele ganharia ainda o Leão de Prata de melhor diretor no Festival de Veneza de 2013. 11#6 EM CARTAZ – CD - A NOVA BOSSA DE BEBEL Daniel Solyszko (daniel@istoe.com.br) Depois de cinco anos longe dos estúdios, a cantora e compositora Bebel Gilberto lança “Tudo” (Sony Music), seu quinto álbum. O novo trabalho traz as características consagradas pela artista desde “Tanto Tempo”, de 2000: a mistura de bossa nova e música eletrônica e letras ora em inglês, ora em português. Também a exemplo dos discos anteriores, entre as 12 faixas de “Tudo” estão seis canções originais (destaque para a faixa-título e “Areia”) e releituras, como a versão bossa-novista de “Harvest Moon”, de Neil Young. 11#7 EM CARTAZ – LIVRO - E DEUS CRIOU... BARDOT Daniel Solyszko (daniel@istoe.com.br) “Brigitte Bardot é a mulher mais bela do mundo.” É com essa afirmação categórica que a jornalista francesa Marie-Dominique Lelièvre inicia o livro “Brigitte Bardot – Biografia” (Editora Record). Baseada em depoimentos inéditos da atriz e nas impressões da própria autora sobre a França das décadas de 50 e 60, a biografia traz um novo retrato da musa que conquistou gerações com sua beleza e autenticidade. Na obra, Brigitte aparece como uma burguesa rejeitada pelos pais, que não gostava tanto de fazer cinema, mas precisava ser olhada para sentir que existia. 11#8 EM CARTAZ – ARTES PLÁSTICAS - LUZES E SOMBRAS Daniel Solyszko (daniel@istoe.com.br) Reunidos em uma mesma exposição pela primeira vez, a carioca Renina Katz e o lisboeta Fernando Lemos apresentam uma série de aquarelas inéditas em “Tamanhos”, na Galeria Garage, na Vila Madelena, em São Paulo. Importantes nomes do cenário artístico nacional, os dois se radicaram na capital paulista no final da década de 50, mantendo-se atuantes desde então. Na mostra, em cartaz até o dia 29 de novembro, Renina apresenta 24 obras feitas em papel, onde aplica tintas opacas em um jogo de cor, luz e sombras, enquanto Lemos expõe um total de 120 postais, aplicando frases curtas na frente e no verso, usando-os como “forma de avisos de coisas rápidas”. 11#9 EM CARTAZ – AGENDA - LIVE/INCÊNDIOS/JULIAN Confira os destaques da semana Daniel Solyszko (daniel@istoe.com.br) Live Cinema (Oi Futuro, no Rio de Janeiro, até 12 de outubro) Oitava edição do festival de performances audiovisuais, com a participação de artistas internacionais Incêndios (Teatro Faap, em São Paulo, até 14 de dezembro) Marieta Severo interpreta uma árabe que ao morrer pede que os filhos saiam em busca de um pai e um irmão esquecidos Julian Schnabel (Masp, em São Paulo, até 7 de dezembro) Exposição do cineasta e artista plástico, considerado um dos nomes mais importantes do neo-expressionismo 11#10 ARTES VISUAIS - UMA JUNÇÃO DURADOURA Ao revisitar os 15 anos do programa Rumos, exposição finalmente provoca integração entre as artes visuais e tecnológicas por Paula Alzugaray Singularidades/Anotações: Rumos Artes Visuais 1998-2013/ Itaú Cultural, SP/ até 26/10 É muito interessante ver os personagens impalpáveis da videoinstalação “Espera” (2013), de Gisela Motta e Leandro Lima, cercados pelos “Observadores” (2013) das pinturas a óleo de Tatiana Blass. Ou mesmo o videorregistro do dispositivo de destruição de telefones celulares de Lucas Bambozzi ganhar ressonância nos estilhaços brilhantes de “Substrato Econômico 2”, de Andre Komatsu, que se espalham pelos cantos do espaço expositivo do Itaú Cultural. Essa “contaminação” entre o que se convencionou chamar de “arte cibernética” ou “arte tecnologia” e o grande campo das artes visuais (pintura, escultura, objeto, instalação, performance, etc.) é a grande contribuição da exposição “Singularidades/Anotações: Rumos Artes Visuais 1998-2013”. ARTE IMATERIAL - Arrudas motorizadas compõem a obra "Gira", de Alexandre Vogler A julgar pelo texto da artista Regina Silveira, que assina a curadoria com Aracy Amaral e Paulo Miyada, entende-se que esse fato foi cuidadosamente pensado. Ao escolher trabalhos de 35 artistas que representassem a evolução da produção artística brasileira, detectada nos 15 anos do programa Rumos do Itaú Cultural, a curadoria objetivou “juntar as duas áreas na mesma expografia, abrindo espaço para um contágio inevitável”, segundo Regina Silveira. Tanto melhor apreciar a interatividade de “Arvorar”, de Katia Maciel, ou de “O.lhar” (2012), de Raquel Kogan, dentro desse contexto, em vez de ambientes que isolam a experimentação em novas mídias em guetos que afinal se revelam estéreis. “Singularidades/ Anotações” atesta que o uso de motores e sistemas robotizados não é estratégia exclusiva dos artistas do tal grupo “cibernético”. Entre as obras mais notáveis da exposição, “Gira” (2007-2013), de Alexandre Vogler, é composta por três vasos de arrudas giratórios, enfestando o ambiente do aroma dessa planta mágica, como em um ritual de despacho. A performance integra projeto de intervenção urbana do artista, que em 2007 causou a ira de evangélicos de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, ao pintar um enorme tridente em um morro da região. Outro fator que sobressai dessa “exposição-resumo” é que o Rumos não apenas impulsionou o trabalho de centenas de artistas, como envolveu dezenas de curadores. Mas a curadoria foi incentivada apenas no Rumos Artes Visuais. Talvez esteja precisamente no fato de o Rumos Arte e Tecnologia nunca ter investido em pesquisas de equipes curatoriais a razão de esse segmento de produção não ter amadurecido e se projetado como ocorre em países como a Alemanha e os EUA. Espera-se que a experiência bem-sucedida dessa exposição represente um incentivo para a “junção duradoura” entre as artes visuais e “essa fatia de artistas de linhagem já secular que se dirigiu para os novos meios à disposição em seu tempo”, segundo Regina Silveira. 11#11 ARTES VISUAIS – ROTEIROS - MEMÓRIA DO FUTURO: PROJEÇÕES DE UMA OLIMPÍADA QUE AINDA SERÁ Romy Pocztaruk, Um Vasto Mundo/ SIM Galeria, Curitiba/ até 31/10 por Paula Alzugaray O crítico alemão Andreas Huyssen, que é um pensador sobre as relações entre arte e memória, afirma que o século XX não produziu ruínas, só escombros. Diz isso em referência às sequelas das experiências traumáticas do século passado. O trabalho da artista gaúcha Romy Pocztaruk também é marcado por incursões à memória. Mas, à primeira vista, talvez não pelo viés da violência e sim do abandono e do descaso, apontando para a inconsequência de projetos progressistas, realizados sem sustentabilidade. Uma série fotográfica sobre a melancolia da vida em torno da inacabada rodovia Transamazônica, em exibição na 31ª Bienal de São Paulo até dezembro, e a série “Olympia”, que retrata resquícios de instalações esportivas para cidades-sede de Jogos Olímpicos, exposta na SIM Galeria, em Curitiba, trazem à tona escombros de sonhos esquecidos ou abortados. Revestidos de certa aura de mistério, ou mesmo suspense, esses espaços captados pelas lentes de Romy Pocztaruk podem chegar a evocar até mesmo o pesadelo, como no caso da carcaça fantasmagórica do Hotel Sarajevo. MEMORIAL DO DESCASO - Fotos da série Olympia mostram instalações abandonadas Em 1984, Sarajevo sediou as Olimpíadas de Inverno. Durante 11 dias, a cidade se converteu em grande símbolo de integração internacional por meio do esporte, mas apenas oito anos depois foi sitiada e mergulhada num dos mais dramáticos conflitos da era moderna, a Guerra da Bósnia. Soterrada por mais de três anos de atrocidades, a sombra do espírito olímpico se insinua nas imagens de antigos ginásios, estádios e pistas de esqui, captadas por Romy Pocztaruk. Com curadoria de Gabriela Motta, a exposição apresenta também um filme super-8 em preto e branco sobre locais desabitados de Berlim, sede dos Jogos Olímpicos de 1936, que foram instrumentalizados pela propaganda política do regime nazista. Atravessadas pela artista, essas histórias implícitas nas ruínas ou nos escombros de grandes obras e abusos aos direitos humanos conferem às fotografias um estatuto de memorial. “A ruína tem uma potencialidade monumental que me interessa como ideia e como fracasso de utopias, e também vestígio de um passado que anuncia o futuro”, diz Romy à Istoé. Fato é que, a caminho da Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, e diante do perigo de construção de mais um cenário de promessas não realizadas (como a Transamazônica, ideal de “integração nacional” irrealizada), “Olympia” propõe a urgência de uma reflexão sobre o embasamento humanista de nossas projeções de futuro. __________________________________________ 12# A SEMANA 8.10.14 por Antonio Carlos Prado e Elaine Ortiz "O CRIME INCENDEIA SANTA CATARINA" Cerca de 80 atentados promovidos pelo crime organizado em pelo menos 22 cidades do Estado. Esse era o cenário de terror em Santa Catarina na manhã da sexta-feira 3, numa guerrilha urbana capitaneada por bandidos da facção Primeiro Grupo Catarinense. Os principais alvos ao longo da semana passada foram ônibus destruídos pelo fogo, casas de agentes penitenciários e instalações da segurança pública atingidas por tiros de rifles, metralhadoras e coquetéis molotov – a audácia dos criminosos chegou a prefeituras e ao próprio palácio do governo. Cerca de 40 suspeitos foram presos. Não é essa a primeira vez que Santa Catarina enfrenta tal situação: em 2012 e 2013 registraram-se 182 atentados em 54 cidades, e o que agora acontece é uma resposta do crime organizado à vitória da polícia naquela época – os líderes foram transferidos para uma penitenciária federal no Rio Grande do Norte e é de lá que partem agora as ordens para os comparsas barbarizarem Sul e Sudeste. "O CLIMA EM BRASÍLIA DAVA SINAIS DE TORNADO" Atmosfera instável, ar pesado e quente, mudanças repentinas na direção dos ventos. Assim anda o clima em Brasília nos últimos dias, carregado com fatores como esses que, segundo meteorologistas e geógrafos, explicam a formação de tornados tal qual o da quarta-feira 1º. A capital do País foi abalada pela primeira vez em seus 54 anos de existência por esse fenômeno natural: houve danos ao aeroporto JK com alagamento de áreas internas e desabamento de toldos sobre carros no estacionamento, queda de árvores e algumas casas que pertencem ao Exército ficaram bastante danificadas, sobretudo no Lago Sul – as Forças Armadas serão ressarcidas do prejuízo pela Prefeitura do Distrito Federal. Felizmente, é claro, não houve mortes. O custo material ficou em torno dos R$ 50 mil, quantia modesta e tratando-se de Brasília. "SCOTLAND YARD LOCALIZA O CORPO DE ALICE, MAS CONTINUA A SER CRITICADA" Com fama de impecável na conduta e extremamente cerebral e científica nas investigações, a polícia inglesa Scotland Yard vem sofrendo há dois meses duras críticas em toda a Grã-Bretanha devido ao misterioso desaparecimento da adolescente de 14 anos Alice Gross. Na quarta-feira 1º a Scotland Yard anunciou que finalmente descobrira o corpo de Alice. As críticas, no entanto, não amainaram. Ela estava enterrada em Londres às margens de um rio próximo à ponte onde sua imagem foi registrada pela última vez por câmera de segurança. A população quer saber por que a polícia não localizou o corpo quando vasculhou toda essa área pela primeira vez. Estaria a Scotland Yard negligenciando seu serviço ou protegendo alguém? As autoridades inglesas, em resposta, montaram agora a maior operação policial desde a de 2005 feita para prender depredadores de transporte público. Até a tarde da sexta-feira 3, no entanto, o criminoso continuava não identificado. "7,93%" 7,93% é quanto subirão as tarifas de embarque na rede de aeroportos administrados pela Infraero até o fim deste ano. Atualmente os passageiros pagam R$ 74,72 para embarques internacionais passarão a pagar R$ 80,64. "O FIM DA GUERRA DO ALGODÃO" Demorou 12 anos, mas finalmente chegou ao fim a disputa entre EUA e Brasil sobre os subsídios na produção de algodão. Na quarta-feira 1º os governos brasileiro e americano assinaram acordo que determinou aos EUA o pagamento de US$ 300 milhões aos cotonicultores do País. O ministro da Agricultura, Neri Geller, assegura que a medida beneficiará também os produtores de soja e milho. O imbróglio teve início em 2002 quando o Brasil recorreu à OMC para reclamar das garantias aos empréstimos à exportação dadas pelos EUA – prazo de 36 meses. No novo acordo o período cai para 18 meses. O Brasil é o terceiro maior exportador de algodão, atrás dos EUA e da Índia. Em 2013 exportou US$ 2 bilhões. ROUBO MILIONÁRIO" A tela “Bailarina Ajustando a Sapatilha”, do pintor francês Edgar Degas (1834-1917), foi furtada no Chipre da casa de um colecionador de 70 anos. A obra está avaliada em R$ 18 milhões e não tem seguro. Foram roubados também relógios de ouro, joias e binóculos de ópera – tudo estimado em R$ 500 mil. A polícia prendeu um cipriota e está procurando mais dois suspeitos. "INCESTO ENTRE IRMÃOS DEIXARÁ DE SER CRIME NA ALEMANHA" O governo da Alemanha pretende derrubar a lei que criminaliza as relações incestuosas entre irmãos – o próprio Conselho de Ética, que tem grande força junto aos Parlamento, defende a tese de que “a prática sexual entre irmãos deve ser legal” – o que não significa que não a condene moralmente. “O direito à autodeterminação sexual é mais importante que a ideia abstrata de proteção à família e mais importante que os riscos de se gerar crianças portadoras de necessidades especiais”, eis um dos argumentos do governo. Continuará sendo punido por lei, no entanto, o incesto entre pais e filhos. Relações sexuais consentidas são permitidas entre adultos, ainda que sejam irmãos, na França, em Portugal, Espanha, Bélgica e Luxemburgo. "O PADRE FEIJÓ E SUA IRMÃ" Um dos incestos mais marcantes no Brasil foi o do padre Diogo Antonio Feijó. Regente do Império entre 1835 e 1837 e presidente do Senado Imperial, registra a história que ele vivia maritalmente com a sua irmã. O INCESTO NO BRASIL" O incesto é condenado moralmente quase em todo o mundo, e em diversos países ocidentais ele é legalmente proibido – no Brasil, no entanto, o incesto não é punido criminalmente se as pessoas nele envolvidas forem maiores de 14 anos e a relação sexual se der de forma consensual. "TURQUIA ENTRA NA LUTA CONTRA A BARBÁRIE DO EI" Integrantes do grupo extremista e criminoso Estado Islâmico se aproximaram na semana passada das fronteiras da Síria com a Turquia. Foi o suficiente para que o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, recuasse imediatamente em sua decisão de não envolvimento com a coalizão internacional anti-jihadista liderada pelos EUA. Na quinta-feira 2, o Parlamento da Turquia autorizou a intervenção militar na Síria e no Iraque e abriu o seu território para a passagem de tropas estrangeiras e fixação de bases militares. O Estado Islâmico sofreu também no Iraque os primeiros bombardeios da Força Aérea Britânica baseada em Chipre. A resposta dos extremistas foi a mesma dos últimos dias, ou seja, a barbárie: o jornalista John Cantlie e outras dez pessoas morreram por decapitação. "CHICLETE PISADO NO CHÃO DO PALÁCIO" Nem precisa ser rainha para ficar histérica com pessoas que mascam chicletes e os jogam no chão dos locais que visitam ou os pregam sob tampos de mesa e assentos de cadeiras. A rainha da Inglaterra, Elizabeth II, está reagindo como qualquer pessoa educada: exigiu que o site oficial da família real britânica desancasse os inúmeros visitantes e ilustres convidados do Palácio de Buckingham que cospem chicletes em seu piso e os colam nos móveis. Mais: apesar de toda a contenção de despesas palacianas, ela anunciou que está disposta a contratar alguém “especializado em limpeza de chicletes”. Salário de 1,3 mil libras esterlinas, o equivalente a R$ 5,1 mil. "US$ 3,4 BILHÕES " US$ 3,4 bilhões é quanto a operadora de telefonia japonesa SoftBank Corp está oferecendo pela compra do estúdio americano DreamWorks, que produz desenhos como “Shrek” e “Ku ng Fu Panda”. "O LEILÃO DE DECEPÇÕES DO 4G" Foram frustrantes na terça-feira 30 os resultados do leilão de internet 4G. A Anatel conseguiu vender apenas quatro dos seis lotes oferecidos para a expansão da rede de alta velocidade, o que resultou na tímida arrecadação de R$ 4,9 bilhões – 36% a menos que os R$ 77 bilhões previstos pelo governo. Quatro empresas participaram da disputa: Claro, TIM, Telefônica/Vivo e Algar. Os dois lotes rejeitados poderão ser negociados dentro de um ano e meio. 4G é a tecnologia mais avançada para conexão na rede, dez vezes mais rápida que a sua antecessora. "DE VOLTA À PRIMEIRA DIVISÃO DO SISTEMA SOLAR?" Oito anos após perder seu status de planeta e ser rebaixado na astronomia para a categoria de “planeta anão”, novamente Plutão poderá agora retornar à primeira classe do sistema solar. Pesquisadores do Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica reabriram a discussão e começam a achar que o planetinha, descoberto em 1930 e menor do que a Terra e a Lua, deve sim sair da zona de rebaixamento.