ISTOÉ edição 2296 | 20.Nov.2013 [descrição da imagem: foto de ex-ministro José Dirceu , cabeça baixa, em posição como se estivesse caminhando.] CHEGOU A HORA DA CADEIA STM emite mandados de prisão de 12 réus do mensalão. _______________________ 1# EDITORIAL 2# ENTREVISTA 3# COLUNISTAS 4# BRASIL 5# COMPORTAMENTO 6# MEDICINA E BEM-ESTAR 7# ECONOMIA E NEGÓCIOS 8# MUNDO 9# TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE 10# CULTURA 11# A SEMANA _____________________________ 1# EDITORIAL 20.11.13 "SANEAMENTO BÁSICO" Luiz Fernando Sá, diretor editorial-adjunto Todo mundo sabe o que corre pelos esgotos de nossas cidades. Só lembramos desse conteúdo quando ele vaza perto de nós ou quando alguém abre as tampas dos bueiros e deixa que ele transborde aos olhos de qualquer um. Não há analogia mais exata para o atual escândalo dos fiscais do ISS em São Paulo. Não há cidadão que não soubesse da lama fétida que circulava no viciado sistema de concessões de habite-se da cidade, num esquema de corrupção que, de tão arraigado, se tornou até relaxado. Ocorre que ela também transbordou. E aí fomos apresentados a escroques travestidos de novos-ricos, achacadores concursados e delatores bem apadrinhados – todos em carne, osso, carrões e loiras a tiracolo. Emergem, nessas horas, os seres de cuja existência estamos cansados de saber. E, pela enésima vez, nos perguntamos por que não se faz uma limpeza definitiva nas entranhas da administração pública. Há alguma esperança de que a desinfecção aconteça desta vez? Convém sempre manter alguma fé, com vários pés atrás. À medida que as eleições de 2014 se aproximam, interesses políticos tendem a se sobrepor aos de justiça e moralização. O caso em questão gerou um bate-boca entre opositores transformados em parceiros desconfortáveis. Imediatamente, antes que um arrastasse o outro para a lama, comprometendo ambos os lados na hora de recolher votos, foi chamado o esquadrão fecha bueiro. Com o movimento, contém-se o estrago e preserva-se a imagem pública das administrações. A questão é que não se deve perder oportunidades saneadoras. Longe das aparências políticas, que normalmente levam a uma composição sem punições, há muito trabalho a ser feito, esquemas a serem desmontados e um modelo mais eficiente e justo a ser implantado, para que a sociedade não precise mais se defrontar com a fauna dos subterrâneos. ________________________ 2# ENTREVISTA 20.11.13 MARA GABRILLI - "FUI APEDREJADA EM PRAÇA PÚBLICA" A deputada federal explica por que sofreu resistência ao defender a opção de escolas especiais para autistas. Tetraplégica há 20 anos, ela diz que o deficiente pode ter uma vida sexual intensa por João Loes VETO - Quando Mara chegou ao Congresso, a tribuna não era acessível. Ela se recusou a fazer os discursos do chão Quando a deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP), 46 anos, foi procurada por um amigo editor para escrever a própria biografia, em 2008, ela desconversou. Tetraplégica desde 1993 após um acidente de carro, a então vereadora de São Paulo não se sentia pronta para expor sua vida. Um ano depois, porém, ela topou se encontrar com a jornalista Milly Lacombe para contar algumas de suas histórias. Das conversas regadas a vinho em um bistrô paulistano, surgiu o livro “Mara Gabrilli – Depois Daquele Dia” (Ed. Benvirá, 2013). Relatora do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a deputada se envolveu em uma polêmica com sua própria base eleitoral. Por sua campanha contra o veto da presidenta Dilma a um parágrafo da lei que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista foi chamada de “demônio” por famílias que defendiam a retirada do trecho para garantir matrículas de autistas em escolas regulares. "Se um casal com Down quer se casar, leva mais de um ano para conseguir autorização do juiz. A lei não pode ser restritiva” “Na Câmara, tinha vereador que ficava de olho no que eu ia fazer, para empatar meus projetos. Meus maiores inimigos eram da minha própria bancada" Istoé - Como é a realidade de quem fica tetraplégico no Brasil e não tem as condições financeiras da sra.? Mara Gabrilli - Se acidentar, como eu me acidentei, sem recursos, no Brasil é bastante complicado. Hoje até temos opções de tratamento de ponta, como a Rede Lucy Montoro e a AACD, mas todas estão superlotadas. Fora que circular pelas cidades é difícil demais, as calçadas são terríveis. Soma-se a isso o fato de que poucas empresas contratam pessoas com deficiência. O despreparo é generalizado. Istoé - A sra. tem dificuldade de falar do acidente? Mara Gabrilli - Conforme fui me distanciando do momento mais trágico, ficou mais fácil. Agora, lendo o livro, me emociono. Recentemente, li o relato do dia mais difícil da minha vida. Voltei da reabilitação nos EUA, cinco meses após o acidente, no dia 24 de dezembro. Voltei para uma cidade e uma casa que não eram mais minhas, com um corpo que não reconhecia e com pessoas cuidando de mim a toda hora. Era como se tivessem me jogado em um filme no qual não sabia atuar. Li o relato desse dia e chorei. Mas também fiquei feliz por ver o quanto evoluí desde então. Istoé - O que fez nesse 24 de dezembro? Mara Gabrilli - Era Natal, então fui com minha família a uma festa na casa de amigos. Encontrei umas 60 pessoas, muitas conhecidas. Foi estranhíssimo. Lá estava eu, com aquele grupo de conhecidos, mas agora tetraplégica, branca, seca de magra, careca, com cicatrizes no pescoço e a cabeça e os braços apoiados em travesseiros. Alguns me cumprimentaram como se nada tivesse acontecido, outros faziam cara de piedade. Me senti muito mal. Felizmente, no meio daquilo tudo, ouvi um “Marinha!”. Era o filho de uma amiga que tem deficiência intelectual. Ele me abraçou, me deu beijos e brincou com meu braço. Foi o único que me tratou naturalmente. Istoé - Qual foi a maior dificuldade na hora de retomar a vida? Mara Gabrilli - Me tornar dependente. Foi tudo muito difícil, voltar para casa dos meus pais, perder a minha independência financeira, perceber que eu ficava o dia inteiro em função do meu corpo. Tive de aceitar que perdi quase tudo que construí até os 26 anos. E viver sem saber do futuro. Não sabia quando eu voltaria a ter um pouco de independência. Istoé - Como fica a sexualidade na tetraplegia? Mara Gabrilli - As pessoas têm pouca informação. Muitas vezes um médico diz que nunca mais vai rolar e a pessoa acredita. Não é assim. Não é porque virou cadeirante que virou árvore. Dá para ter uma vida sexual com intensidade. O desejo continua e o corpo de uma pessoa com uma lesão medular é muito dinâmico. Às vezes, quando descubro um lugar mais sensível chego a levar um susto. O corpo mudou, mas está ali. A gente vai se descobrindo. Istoé - O tratamento que a sra. fez com células-tronco retiradas da sua medula óssea deu resultado? Mara Gabrilli - É difícil mensurar a melhora que veio em função, exclusivamente, do implante. Mas das 30 e poucas pessoas que passaram pelo protocolo, 16 registraram melhora – e eu estava entre esses 16. Depois de um tempo, só dois continuaram evoluindo – eu e mais um homem. Mas continuo tetraplégica, né? Não saí andando. Istoé - A presidenta Dilma vetou um parágrafo da Lei 12.764 que daria às escolas autonomia para aceitar ou não um aluno autista. A sra. foi contra o veto, por quê? Mara Gabrilli - Primeiro, não era isso que dizia o parágrafo. A autonomia, e isso estava claro, era da família e não das escolas. O que o artigo dizia era que, caso a família decidisse que o filho autista não conseguiria estudar na escola regular, o governo tinha de prover uma alternativa de educação. Argumentei que os pais que veem o filho autista não se adaptar ao colégio regular teriam de bancar uma outra escola para o filho, porque a rede pública não oferece mais uma opção. Acho injusto. Istoé - Então por que houve resistência à sua tentativa de derrubar o veto? Mara Gabrilli - Fui apedrejada em praça pública. Me transformaram num monstro e chegaram a me chamar de demônio. Diziam que eu queria afastar a pessoa com deficiência da escola regular. Nunca quis excluir ninguém. Criei, inclusive, um artigo que pune ferozmente o gestor escolar que rejeita a matrícula de uma criança, seja qual for a deficiência. Mas percebi que estava criando aflição nas pessoas com essa tentativa de derrubar o veto. Conversei com algumas delas e disse que não brigaria mais por isso. Istoé - Por que o assunto gera tanta polêmica? Mara Gabrilli - As pessoas olham muito para o próprio umbigo. Para garantir o lugar do filho com autismo na escola regular, tem gente disposta a privar outra família de ter o filho numa escola especial. A educação não está boa para nenhum aluno, com ou sem deficiência. A polêmica surge porque as escolas, fugindo de sua responsabilidade, ainda recusam matrículas e não se adequam à diversidade. Istoé - Nas escolas particulares, isso ocorre de forma velada. Por que a recusa continua a acontecer? Mara Gabrilli - Deveria haver uma orientação clara dos Conselhos Estaduais de Educação de que alunos com deficiência não podem ter a matrícula recusada, mas isso não acontece. Em São Paulo, por exemplo, soube que essa orientação pode não existir porque o Conselho tem sido presidido e representado, há muitos anos, por diretores e donos de colégios particulares. Um promotor me disse que a presidência fica variando entre gente da Escola Móbile e do Colégio Bandeirantes, que, tudo indica, não têm interesse em receber alunos com deficiência. E, ao terem a matrícula recusada pelos colégios, os pais não costumam denunciar a escola ao Ministério Público. Istoé - Por quê? Mara Gabrilli - Porque eles querem resolver a questão da educação do filho, que é prioridade. Passa o tempo, a criança consegue uma matrícula em outro lugar e a situação acaba ficando por isso mesmo. Estudo, inclusive, apresentar uma denúncia ao procurador-geral do Estado. O Conselho Estadual de Educação de São Paulo faz vista grossa para o que está acontecendo. Istoé - As Apaes parecem incomodadas com a decisão de colocar todos em escolas regulares porque poderiam perder alunos e repasses de verba do governo. Mara Gabrilli - Nem todas as Apaes têm escola. Algumas oferecem apenas atividades como fisioterapia, terapia ocupacional, clínicas, mas não escola. Essas não podem mesmo receber o repasse da educação. Se recebem, isso precisa ser corrigido, pois não dá para considerar terapia de música, por exemplo, como educação. A distinção é importante. No meu entendimento do Plano Nacional de Educação, Apaes como a de São Paulo, que tem um trabalho exemplar e é escola, não correm risco algum de perder o convênio com o governo. Istoé - Na discussão do Estatuto da Pessoa com Deficiência fala-se de leis que não respeitam o direito da pessoa com deficiência. Pode dar um exemplo? Mara Gabrilli - Hoje, se um casal com síndrome de Down quer se casar, leva mais de um ano para conseguir a autorização de um juiz por conta das restrições no Código Civil. O Estatuto propõe mudar isso porque a legislação pode proteger o deficiente intelectual, ser protetiva, mas jamais restritiva. Até porque não dá para dizer que a pessoa, por ser deficiente intelectual, não sabe escolher um parceiro. Por acaso quem não é escolhe bem sempre? Istoé - O deficiente é sub-representado politicamente? Mara Gabrilli - Está melhorando. Vivo encontrando parlamentares com deficiência. Hoje somos três cadeirantes no Congresso, sendo eu a única tetraplégica. E olhando o pessoal que circula por lá, já contei uns sete deputados que mancam. Ou seja, têm alguma deficiência. Istoé - O Congresso atende aos requisitos de acessibilidade? Mara Gabrilli - Logo que fui eleita, me disseram que eu teria de fazer meus discursos do chão porque a tribuna não era acessível. Não aceitei. Seria muito incoerente, na casa que aprovou a lei de acessibilidade, eu fazer discurso do chão. Corri atrás de um arquiteto que já tinha feito uma intervenção de acessibilidade numa obra do Niemeyer, levei até Brasília, fizemos o projeto e encontrei uma empresa de elevador que topasse executar a obra. Hoje, já discurso da tribuna, mas ainda não chego à Mesa Diretora porque tem degrau. Mas o presidente Henrique Alves me garantiu que fará a obra de adequação no recesso de 2014. Istoé - Que tipo de reação observou entre seus colegas quando chegou ao Congresso? Mara Gabrilli - Muitos esticavam o braço para me cumprimentar. Isso, para mim, é comum, não é por isso que me lembro que sou tetra. Mas sei de pessoas que passaram dias se martirizando por isso. Teve também um deputado velhinho, não sei quem era, que me perguntou por que eu não votava usando o dedo, como todos. Quando expliquei que não mexia os braços, ele olhou para mim e começou a chorar. Tentei acalmá-lo, mas não adiantou. Hoje sinto o carinho e a admiração deles, que ouvem o que eu falo. Lá, percebi o quão mesquinho era o ambiente na Câmara dos Vereadores de São Paulo. Istoé - Como assim? Mara Gabrilli - No Congresso há uma grandeza. Na Câmara, tinha vereador que ficava de olho no que eu ia fazer, para empatar meus projetos. Meus maiores inimigos eram da minha própria bancada. Talvez porque há uma competição ferrenha pelos espaços eleitorais. Certa vez, estava tentando levar um time de basquete para treinar num clube e, quando cheguei, um vereador apareceu lá de louco para não deixar acontecer porque era reduto dele. Era esquisito. 2# ENTREVISTA 20.11.13 MARA GABRILLI - "FUI APEDREJADA EM PRAÇA PÚBLICA" A deputada federal explica por que sofreu resistência ao defender a opção de escolas especiais para autistas. Tetraplégica há 20 anos, ela diz que o deficiente pode ter uma vida sexual intensa por João Loes VETO - Quando Mara chegou ao Congresso, a tribuna não era acessível. Ela se recusou a fazer os discursos do chão Quando a deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP), 46 anos, foi procurada por um amigo editor para escrever a própria biografia, em 2008, ela desconversou. Tetraplégica desde 1993 após um acidente de carro, a então vereadora de São Paulo não se sentia pronta para expor sua vida. Um ano depois, porém, ela topou se encontrar com a jornalista Milly Lacombe para contar algumas de suas histórias. Das conversas regadas a vinho em um bistrô paulistano, surgiu o livro “Mara Gabrilli – Depois Daquele Dia” (Ed. Benvirá, 2013). Relatora do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a deputada se envolveu em uma polêmica com sua própria base eleitoral. Por sua campanha contra o veto da presidenta Dilma a um parágrafo da lei que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista foi chamada de “demônio” por famílias que defendiam a retirada do trecho para garantir matrículas de autistas em escolas regulares. "Se um casal com Down quer se casar, leva mais de um ano para conseguir autorização do juiz. A lei não pode ser restritiva” “Na Câmara, tinha vereador que ficava de olho no que eu ia fazer, para empatar meus projetos. Meus maiores inimigos eram da minha própria bancada" Istoé - Como é a realidade de quem fica tetraplégico no Brasil e não tem as condições financeiras da sra.? Mara Gabrilli - Se acidentar, como eu me acidentei, sem recursos, no Brasil é bastante complicado. Hoje até temos opções de tratamento de ponta, como a Rede Lucy Montoro e a AACD, mas todas estão superlotadas. Fora que circular pelas cidades é difícil demais, as calçadas são terríveis. Soma-se a isso o fato de que poucas empresas contratam pessoas com deficiência. O despreparo é generalizado. Istoé - A sra. tem dificuldade de falar do acidente? Mara Gabrilli - Conforme fui me distanciando do momento mais trágico, ficou mais fácil. Agora, lendo o livro, me emociono. Recentemente, li o relato do dia mais difícil da minha vida. Voltei da reabilitação nos EUA, cinco meses após o acidente, no dia 24 de dezembro. Voltei para uma cidade e uma casa que não eram mais minhas, com um corpo que não reconhecia e com pessoas cuidando de mim a toda hora. Era como se tivessem me jogado em um filme no qual não sabia atuar. Li o relato desse dia e chorei. Mas também fiquei feliz por ver o quanto evoluí desde então. Istoé - O que fez nesse 24 de dezembro? Mara Gabrilli - Era Natal, então fui com minha família a uma festa na casa de amigos. Encontrei umas 60 pessoas, muitas conhecidas. Foi estranhíssimo. Lá estava eu, com aquele grupo de conhecidos, mas agora tetraplégica, branca, seca de magra, careca, com cicatrizes no pescoço e a cabeça e os braços apoiados em travesseiros. Alguns me cumprimentaram como se nada tivesse acontecido, outros faziam cara de piedade. Me senti muito mal. Felizmente, no meio daquilo tudo, ouvi um “Marinha!”. Era o filho de uma amiga que tem deficiência intelectual. Ele me abraçou, me deu beijos e brincou com meu braço. Foi o único que me tratou naturalmente. Istoé - Qual foi a maior dificuldade na hora de retomar a vida? Mara Gabrilli - Me tornar dependente. Foi tudo muito difícil, voltar para casa dos meus pais, perder a minha independência financeira, perceber que eu ficava o dia inteiro em função do meu corpo. Tive de aceitar que perdi quase tudo que construí até os 26 anos. E viver sem saber do futuro. Não sabia quando eu voltaria a ter um pouco de independência. Istoé - Como fica a sexualidade na tetraplegia? Mara Gabrilli - As pessoas têm pouca informação. Muitas vezes um médico diz que nunca mais vai rolar e a pessoa acredita. Não é assim. Não é porque virou cadeirante que virou árvore. Dá para ter uma vida sexual com intensidade. O desejo continua e o corpo de uma pessoa com uma lesão medular é muito dinâmico. Às vezes, quando descubro um lugar mais sensível chego a levar um susto. O corpo mudou, mas está ali. A gente vai se descobrindo. Istoé - O tratamento que a sra. fez com células-tronco retiradas da sua medula óssea deu resultado? Mara Gabrilli - É difícil mensurar a melhora que veio em função, exclusivamente, do implante. Mas das 30 e poucas pessoas que passaram pelo protocolo, 16 registraram melhora – e eu estava entre esses 16. Depois de um tempo, só dois continuaram evoluindo – eu e mais um homem. Mas continuo tetraplégica, né? Não saí andando. Istoé - A presidenta Dilma vetou um parágrafo da Lei 12.764 que daria às escolas autonomia para aceitar ou não um aluno autista. A sra. foi contra o veto, por quê? Mara Gabrilli - Primeiro, não era isso que dizia o parágrafo. A autonomia, e isso estava claro, era da família e não das escolas. O que o artigo dizia era que, caso a família decidisse que o filho autista não conseguiria estudar na escola regular, o governo tinha de prover uma alternativa de educação. Argumentei que os pais que veem o filho autista não se adaptar ao colégio regular teriam de bancar uma outra escola para o filho, porque a rede pública não oferece mais uma opção. Acho injusto. Istoé - Então por que houve resistência à sua tentativa de derrubar o veto? Mara Gabrilli - Fui apedrejada em praça pública. Me transformaram num monstro e chegaram a me chamar de demônio. Diziam que eu queria afastar a pessoa com deficiência da escola regular. Nunca quis excluir ninguém. Criei, inclusive, um artigo que pune ferozmente o gestor escolar que rejeita a matrícula de uma criança, seja qual for a deficiência. Mas percebi que estava criando aflição nas pessoas com essa tentativa de derrubar o veto. Conversei com algumas delas e disse que não brigaria mais por isso. Istoé - Por que o assunto gera tanta polêmica? Mara Gabrilli - As pessoas olham muito para o próprio umbigo. Para garantir o lugar do filho com autismo na escola regular, tem gente disposta a privar outra família de ter o filho numa escola especial. A educação não está boa para nenhum aluno, com ou sem deficiência. A polêmica surge porque as escolas, fugindo de sua responsabilidade, ainda recusam matrículas e não se adequam à diversidade. Istoé - Nas escolas particulares, isso ocorre de forma velada. Por que a recusa continua a acontecer? Mara Gabrilli - Deveria haver uma orientação clara dos Conselhos Estaduais de Educação de que alunos com deficiência não podem ter a matrícula recusada, mas isso não acontece. Em São Paulo, por exemplo, soube que essa orientação pode não existir porque o Conselho tem sido presidido e representado, há muitos anos, por diretores e donos de colégios particulares. Um promotor me disse que a presidência fica variando entre gente da Escola Móbile e do Colégio Bandeirantes, que, tudo indica, não têm interesse em receber alunos com deficiência. E, ao terem a matrícula recusada pelos colégios, os pais não costumam denunciar a escola ao Ministério Público. Istoé - Por quê? Mara Gabrilli - Porque eles querem resolver a questão da educação do filho, que é prioridade. Passa o tempo, a criança consegue uma matrícula em outro lugar e a situação acaba ficando por isso mesmo. Estudo, inclusive, apresentar uma denúncia ao procurador-geral do Estado. O Conselho Estadual de Educação de São Paulo faz vista grossa para o que está acontecendo. Istoé - As Apaes parecem incomodadas com a decisão de colocar todos em escolas regulares porque poderiam perder alunos e repasses de verba do governo. Mara Gabrilli - Nem todas as Apaes têm escola. Algumas oferecem apenas atividades como fisioterapia, terapia ocupacional, clínicas, mas não escola. Essas não podem mesmo receber o repasse da educação. Se recebem, isso precisa ser corrigido, pois não dá para considerar terapia de música, por exemplo, como educação. A distinção é importante. No meu entendimento do Plano Nacional de Educação, Apaes como a de São Paulo, que tem um trabalho exemplar e é escola, não correm risco algum de perder o convênio com o governo. Istoé - Na discussão do Estatuto da Pessoa com Deficiência fala-se de leis que não respeitam o direito da pessoa com deficiência. Pode dar um exemplo? Mara Gabrilli - Hoje, se um casal com síndrome de Down quer se casar, leva mais de um ano para conseguir a autorização de um juiz por conta das restrições no Código Civil. O Estatuto propõe mudar isso porque a legislação pode proteger o deficiente intelectual, ser protetiva, mas jamais restritiva. Até porque não dá para dizer que a pessoa, por ser deficiente intelectual, não sabe escolher um parceiro. Por acaso quem não é escolhe bem sempre? Istoé - O deficiente é sub-representado politicamente? Mara Gabrilli - Está melhorando. Vivo encontrando parlamentares com deficiência. Hoje somos três cadeirantes no Congresso, sendo eu a única tetraplégica. E olhando o pessoal que circula por lá, já contei uns sete deputados que mancam. Ou seja, têm alguma deficiência. Istoé - O Congresso atende aos requisitos de acessibilidade? Mara Gabrilli - Logo que fui eleita, me disseram que eu teria de fazer meus discursos do chão porque a tribuna não era acessível. Não aceitei. Seria muito incoerente, na casa que aprovou a lei de acessibilidade, eu fazer discurso do chão. Corri atrás de um arquiteto que já tinha feito uma intervenção de acessibilidade numa obra do Niemeyer, levei até Brasília, fizemos o projeto e encontrei uma empresa de elevador que topasse executar a obra. Hoje, já discurso da tribuna, mas ainda não chego à Mesa Diretora porque tem degrau. Mas o presidente Henrique Alves me garantiu que fará a obra de adequação no recesso de 2014. Istoé - Que tipo de reação observou entre seus colegas quando chegou ao Congresso? Mara Gabrilli - Muitos esticavam o braço para me cumprimentar. Isso, para mim, é comum, não é por isso que me lembro que sou tetra. Mas sei de pessoas que passaram dias se martirizando por isso. Teve também um deputado velhinho, não sei quem era, que me perguntou por que eu não votava usando o dedo, como todos. Quando expliquei que não mexia os braços, ele olhou para mim e começou a chorar. Tentei acalmá-lo, mas não adiantou. Hoje sinto o carinho e a admiração deles, que ouvem o que eu falo. Lá, percebi o quão mesquinho era o ambiente na Câmara dos Vereadores de São Paulo. Istoé - Como assim? Mara Gabrilli - No Congresso há uma grandeza. Na Câmara, tinha vereador que ficava de olho no que eu ia fazer, para empatar meus projetos. Meus maiores inimigos eram da minha própria bancada. Talvez porque há uma competição ferrenha pelos espaços eleitorais. Certa vez, estava tentando levar um time de basquete para treinar num clube e, quando cheguei, um vereador apareceu lá de louco para não deixar acontecer porque era reduto dele. Era esquisito. ________________________ 3# COLUNISTAS 20.11.13 3#1 RICARDO BOECHAT 3#2 LEONARDO ATTUCH - PÁGINA VIRADA? 3#3 PAULO LIMA - TE ENCONTRO NA CURVA 3#4 GISELE VITÓRIA 3#5 BRASIL CONFIDENCIAL 3#6 ANTONIO CARLOS PRADO - AUTOBIOGRAFIA NÃO AUTORIZADA 3#1 RICARDO BOECHAT Com Ronaldo Herdy Classificados Bye, bye, Brasil Está à venda na avenida Rui Barbosa, um dos endereços mais nobres da zona sul carioca, na Enseada de Botafogo, o apartamento de Luiz Felipe Denucci. Demitido no ano passado da presidência da Casa da Moeda sob suspeita de corrupção, o executivo – que teria uma inexplicável fortuna de US$ 25 milhões em contas no Exterior – revelou a parentes que pretende se mudar para a Flórida. As investigações sobre ele simplesmente não andaram. Brasil Voo tucano Em uma conversa reservada em São Paulo há dias, cujo tema era plano de vida, Aécio Neves disse que se não emplacar o seu nome na disputa pela Presidência da República no ano que vem deixará a vida política ao fim do mandato. Com cadeira no Senado garantida até 2019, o tucano mineiro terá tempo de sobra para se arrepender dessa decisão. Campo Acabou a paciência A atual crise do café, que já subtraiu cerca de R$ 10 bilhões da renda global do setor, começa a afetar as 28 cooperativas nacionais. Várias estão na corda bamba e as principais têm pela primeira vez chapas de oposição sendo formadas para substituir dirigentes que há décadas no comando das entidades hoje não conseguem satisfazer os anseios dos que vivem de cultivar o produto. Meio ambiente Furões detidos Há dois meses em operação no Aeroporto de Guarulhos (SP), a unidade de fiscalização do Ibama exibe bons resultados. Cerca de três mil animais foram apreendidos ao chegar ao País, entre aves, mamíferos, peixes ornamentais e invertebrados aquáticos. No grupo estão seis furões da espécie “Mustela Putorius Furo” – o terceiro bicho de estimação mais popular nos EUA. JBS/MST À mesa Um jantar a dois reuniu em São Paulo, na semana passada, Joesley Batista, dono do império agropastoril JBS, maior exportador de carne do mundo, e João Pedro Stédile, da direção nacional do MST. O encontro foi na casa do empresário, de quem partiu o convite. Reforma agrária, tensões no campo, economia e apoio à reeleição de Dilma Rousseff fizeram parte do cardápio. Justiça Saia poderosa Não pode reclamar da Justiça Maria Rita Curiati, 51 anos, filha do deputado estadual Antônio Salim Curiati, um dos políticos mais ricos de São Paulo. Na 11ª Vara de Família da Capital ela obteve R$ 12 mil mensais de pensão. A sentença é do juiz José Isaac Birer (que já foi alvo de processo por suposto envolvimento com o narcotráfico). O empresário setentão recorre da sentença. Argumenta que morou com a empresária apenas seis meses. E na 16a DP paulista, onde a denunciou, ela foi indiciada por falsificar a assinatura dele em cheques que somam R$ 500 mil. Congresso Pauta pronta O Senado espera votar em novembro os três projetos de lei que tratam de mudanças na Lei da Arbitragem e na criação de uma legislação específica da mediação como instrumento para a solução de conflitos. O relator Vital do Rêgo entregará parecer sobre as matérias que tramitam em conjunto logo após o feriado da sexta-feira 15. A iniciativa pode desafogar o Judiciário. Futebol Dupla afinada Um encontro em São Paulo na terça-feira 12, entre os presidentes Roberto Setubal e José Maria Marin, selou a renovação do contrato de patrocínio do Itaú com a CBF. As duas partes continuarão juntas até 2022, com um reajuste de valor da ordem de 40%. O banco é entre os parceiros da confederação quem melhor tem tirado proveito da boa imagem do futebol brasileiro. Grãos Vitória da lagarta O governador Sinval Barbosa (PMDB) enviará ofício ao Ministério da Agricultura para o Mato Grosso ser declarado estado de emergência fitossanitária. Com isso, quer assegurar prioridade no combate à lagarta “Helicoverpa armigera”, que arrasa plantações no Centro-Oeste. A Frente Agropecuária Parlamentar discorda. Para ela, o decreto do governo é tão burocrático que terá difícil aplicação. Ou seja, antes que defensivos agrícolas e o agrotóxico (benzoato de emamectina) sejam usados, a lagarta comerá hectares e mais hectares. Energia “Bala perdida” Refinaria de petróleo virou assunto proibido desde que a crise financeira atingiu os países em desenvolvimento, obrigando estatais de energia a reverem planos estratégicos. Em palestra na Associação Comercial de São Luis, há dias, Ciro Gomes disse que as refinarias estatais Premium I e II não sairão do papel. Falando o que pensa, o ex-ministro - que ganhou o apelido de “bala perdida” na última eleição presidencial - fica perto do fogo banhado em gasolina de alta octanagem. Assim, dificilmente receberá um convite de Dilma Rousseff para ocupar o Ministério da Integração, conforme quer o seu partido (PROS). Vinho Marca de origem Até o próximo dia 29 chega ao mercado a primeira safra de vinhos e espumantes produzidos a partir da uva Goethe. Seis vinícolas e sete produtores locais participam dessa primeira etapa de uso do selo de Indicação de Procedência. A variedade é cultivada na região de Urussanga, Santa Catarina, onde surgiu há 150 anos, segundo o Instituto Totum, responsável pelo processo de certificação. Legislativo Na banheira... O deputado federal Marcelo Matos (RJ) apresentou projeto que muda o Estatuto do Torcedor. Quer impedir que se aplique punição a clubes por violência nos estádios scuasado por orcedores. O Procurador Geral do STJD, Paulo Schmitt, alerta: “A proposta equivale a um cheque em branco para a violência e a impunidade. Se aprovado no Legislativo, esqueçam a moralidade e a disciplina. Não haverá mais pena de perda de mando”. Telecomunicações Estratégia Para crescer de forma mais rápida no mercado interno, a Oi vai mudar sua estratégia. Atuará em cada Estado de forma diferente, porém, sem deixar de lado as linhas mestras de seu plano estratégico. Música Presente de Natal Ana Carolina foi a primeira artista brasileira a ser escolhida pelo iTunes no Brasil para lançar um álbum em streaming completo: o CD #AC, ação que vem sendo realizada com sucesso em todo o mundo por alguns dos artistas mais importantes da indústria musical. Agora no Natal, o CD será relançado na loja da Apple em um pacote “premium”, trazendo além da sua edição normal dois vídeos inéditos. Entre eles, o clipe da música “Resposta da Rita” – uma “resposta” da mítica Rita à canção de Chico Buarque nos anos 60 escrita por Ana Carolina e Edu Krieger sob inspiração de uma ideia de Maria Bethânia. O clip, também dirigido por Ana Carolina, tem a participação de Chico Buarque. Pirataria Subiu A Associação Antipirataria Cinema e Música registrou alta de 5% nas condenações de violação de direitos autorais até outubro deste ano em relação a 2012. As autoridades deram atenção especial a casos de irregularidades na internet.No mês passado, por exemplo, o MPF capixaba conseguiu a condenação de Rodrigo Reis da Silva, administrador dos sites cdportatil.com e baixarcdmp3gratis.org. Ele disponibilizava links para download de álbuns completos sem autorização dos artistas. 3#2 LEONARDO ATTUCH - PÁGINA VIRADA? Símbolos de uma era terminaram presos, mas nada indica que o sistema político foi saneado. Antes de proferir seu voto, na derradeira sessão da Ação Penal 470, o ministro Luís Roberto Barroso, o mais novo integrante do Supremo Tribunal Federal, fez uma importante lembrança. Citou três escândalos recentes, posteriores ao chamado mensalão, e disse que, em todos eles, a raiz do problema foi exatamente a mesma: o financiamento ilegal de campanhas políticas. “A corrupção não tem partido”, pontuou Barroso. O ministro se referia aos desvios milionários do Ministério do Trabalho, comandado pelo PDT, ao propinoduto tucano do metrô, em São Paulo, e à máfia dos fiscais da prefeitura paulistana, que atinge o PT, do ex-secretário municipal Antonio Donato, o PSDB, do ex-governador e ex-prefeito José Serra, e o PSD, do também ex-prefeito Gilberto Kassab. Barroso disse ainda ter a esperança de que a execução penal possa servir para melhorar a forma de se fazer política no Brasil. Um dia depois, o sempre teatral Roberto Jefferson, que delatou o caso, mas não conseguiu escapar da prisão, declarou, no Twitter, algo na mesma direção. “Mentiria se dissesse que estou satisfeito; conforta-me, porém, a crença de que a política poderá ser melhor no futuro”, afirmou. No entanto, nada no horizonte aponta para essa certeza. Terá sido a prisão de José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, o início de um novo tempo da justiça penal no Brasil, ou apenas um ponto fora da curva? Terão os ministros do Supremo Tribunal Federal o mesmo ímpeto para punir os réus do chamado “mensalão mineiro” ou “mensalão tucano”? Em alguns casos, os crimes até já prescreveram. Em outros, os ministros da Suprema Corte não receberão nem um décimo da pressão sofrida no caso da Ação Penal 470. Além disso, existe a possibilidade de que o condutor de todo esse processo, o ministro Joaquim Barbosa, deixe o STF e se lance de vez a um eventual projeto político. Como aos juízes é dado o privilégio de retardar sua filiação partidária, Barbosa ainda pode vir a ser um curinga na sucessão presidencial de 2014. Neste caso, a pergunta será inevitável: ao longo do processo, ele agiu apenas como juiz ou já era um político? Há questões em aberto, que só serão respondidas pela história. Exageros, injustiças e até eventuais omissões podem ter sido cometidos num processo tão eletrizante e midiatizado. Mas o ponto central é que, apesar da Ação Penal 470, nada foi feito para mudar a forma de se fazer política no Brasil. A discussão sobre uma reforma política não avançou, o plebiscito foi engavetado, e a proposta que trata do financiamento público de campanhas não saiu do lugar. Ou seja: tudo continua no mesmo lugar. As disputas eleitorais são cada vez mais caras, a política é vulnerável ao dinheiro privado e os doadores se tornam donos dos governos que ajudam a eleger. Serão necessários mais escândalos, e novas punições, para que o Brasil desperte de vez? 3#3 PAULO LIMA - TE ENCONTRO NA CURVA Paulo Lima é fundador da editora e da revista Trip Quatro designers brasileiros de idades e histórias diferentes se encontram para dar vida às curvas e ideias em que acreditam. Lorena Kreuger, a moça da foto abaixo, herdeira do estaleiro que fornece barcos para nomes como Scheidt e Grael, juntou-se ao time de criadores que deu vida a peças leves, nobres e únicas, como a mesa K2 Duas retas paralelas nunca se encontram. Ou, para ser exato, só se encontram no infinito. É o que se aprende na escola. Mas, quando se trata de arquitetura e design brasileiros, muitos dos grandes encontros e soluções se dão mesmo é na paixão pelas curvas. Foi graças às curvas da arquitetura de Oscar Niemeyer que o designer gráfico e arquiteto Rafic Farah, 65 anos, impactado pela inauguração de Brasília, resolveu estudar na FAU, a faculdade de arquitetura e urbanismo da USP, no fim da década de 1960. Otávio Coelho, 29 anos, formou-se na mesma escola, em 2011. Seu trabalho de gradução foi sobre a construção de barcos. Os dois se conheceram quando Otávio foi trabalhar como arquiteto no escritório de Rafic. Tempos depois, se reencontraram numa exposição e pela primeira vez pensaram em partir juntos para uma jornada: desenhar móveis inspirados em barcos. Os projetos e perspectivas fluíram com rapidez e de forma natural, sempre feitos a quatro mãos. Mas como executá-los? Os protótipos digitais simulavam móveis fantásticos: curvilíneos, delicados, leves, aconchegantes e, ao mesmo tempo, resistentes. Mas a dupla não encontrava no Brasil um meio de tirá-los do papel, isto é, do computador. Quando já pensavam em desistir, um e-mail do estaleiro Kalmar divulgando sua nova área de atuação bate na caixa de entrada. A movelaria era a nova frente de trabalho da empresa catarinense especializada em embarcações. Na semana seguinte a dupla desembarcava em Itajaí. Lorena Kreuger, 28 anos, sócia e diretora do estaleiro que é referência em marcenaria naval e na construção de barcos artesanais de alta qualidade, resolveu mergulhar na aventura e solucionar tecnicamente os desenhos idealizados pela dupla. Estudante de desenho industrial, velejadora e surfista, aos 24 anos Lorena teve de assumir o comando da Kalmar, o negócio da família, depois da morte precoce de seu pai, Lars Kreuger, em 2008. Lars era considerado um mestre pelos amantes da vela e do mar no Brasil. “Não tive muito o que pensar. Foi como uma tempestade no mar. Não dá para voltar. Tem que enfrentar e seguir em frente”, contou Lorena num depoimento recente ao jornalista Marcus Lopes. Executados os primeiros protótipos reais, faltava encontrar a última parte do sistema. Era preciso buscar alguém que conhecesse a fundo design e arquitetura para perceber o valor daquelas peças, mas que também tivesse conexões e tarimba no mercado para apontar os atalhos mais seguros, de forma que as criações da dupla paulistana tornadas reais pela empresária e designer catarinense encontrassem as pessoas certas. Baba Vacaro, 47 anos, designer, membro da equipe criativa da série “Casa Brasileira” do canal GNT e diretora de criação da Dpot, empresa focada em design brasileiro de mobiliário, abraçou o projeto e uniu os pontos que faltavam para lançar a linha Brasil 66, nome dado aos móveis de Rafic e Otávio. “A transformação de seus desenhos de curvas complexas modeladas por computador através de uma técnica totalmente manual demandou uma boa dose de experiência, pesquisa, observação, intuição e colaboração”, explica Vacaro. Em outras palavras, o resultado nobre do encontro de ideias, sonhos, competências e curvas. A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente 3#4 GISELE VITÓRIA Gisele Vitória é jornalista, diretora de núcleo das revistas ISTOÉ Gente, ISTOÉ Platinum e Menu e colunista de ISTOÉ E um, e dois, e três... Alessandra Ambrosio foi uma das estrelas que arrebataram o mundo no esperado desfile da Victoria’s Secret, na quarta-feira 13, em Nova York. Para aparecer com o corpão ainda mais sexy na passarela da marca de lingerie, a angel suou a camisa. Uma semana antes, Alessandra intensificou a malhação com treinamento de barra e pilates. “Para o desfile, cuido ainda mais da alimentação e faço algumas atividades extras. Este ano, foquei no power pilates e TRX (equipamento funcional de musculação)”, conta. A top convocou o personal trainer Marcio Lui, que voou de São Paulo para Nova York, com a especial missão de deixar os músculos e as curvas da top mais definidos. “A minha profissão exige que eu sempre esteja pronta para o trabalho. Por isso mantenho uma rotina de exercícios ao longo do ano”, diz Alessandra, que é mãe de dois filhos, Anja, 5 anos, e Noah, 1 ano e 6 meses. MALHAÇÃO A angel convocou o personal trainer em São Paulo para ir a NY dias antes do desfile Sem álcool O DJ francês Bob Sinclar está de malas prontas para vir a São Paulo. Ficará hospedado no hotel Tivoli e já passou a lista de exigências, que surpreendem: água, frutas e energéticos. Nada de bebida alcoólica. Bob toca para mil convidados, na festa Let’s Dance Pirelli, que celebra o encerramento da temporada de Fórmula 1 deste ano. O evento será na sexta-feira 22, no Grand Metrópole, no centro de São Paulo. Balas prêmio Entre os vencedores do Prêmio Esso 2013, a grande novidade veio da categoria Melhor Contribuição à Imprensa. A “Revista de Jornalismo ESPM” ? edição brasileira da Columbia Journalism Review –, dirigida pelo jornalista Eugênio Bucci, conquistou o prêmio em seu segundo ano de vida. dupla alegria O empresário Marcus Elias será pai pela quarta vez: de uma menina. E seu primogênito, Gabriel, se casa no dia 7 de dezembro. Pinault no ar Na passagem relâmpago por São Paulo, o poderoso François Pinault, presidente do grupo Kering, que detém marcas como a Gucci, veio no próprio avião, passou uma noite no Fasano e se reuniu com Carlinhos Jereissati. Há quem conte que o empresário brasileiro estava nervoso antes do encontro. Micareta na varanda de casa A Bahia não sairá jamais da alma de Ticiana Villas Boas. Depois de comemorar um ano de casada com o empresário Joesley Batista, presidente da holding J&S (que controla a JBS-Friboi), a apresentadora do “Jornal da Band” abrirá os salões de sua casa em São Paulo no sábado 23 para literalmente rodar a baiana. Nascida em Salvador, de onde saiu há oito verões, ela vai dar um festão de comemoração de seus 33 anos. “Vou trazer a Bahia para São Paulo”, diverte-se. “Micaranda” foi como batizou a micareta na varanda de casa, na qual 200 convidados receberão camisetas-abadás confeccionadas pela grife Oma Tees, de Claudia Saad – mulher do presidente da Band, Johnny Saad. Nesse clima, vão assistir ao show de Preta Gil. A banda baiana Chica Fé também animará a noite cheia de outras surpresas. O bufê será do restaurante Capim Santo. É a primeira vez que Ticiana festeja seu aniversário fora da Bahia. Na sua última festa em Salvador, em 2011, ela namorava Joesley havia três meses. “Ele estava nervoso porque conheceu toda a minha família naquele dia.” No ano passado, pulou as comemorações por conta de seu megacasamento em São Paulo. Agora, ela promete muito axé. Por uma boa causa Um encontro um tanto inusitado está marcado para o sábado 23, em São Paulo: Cleo Pires e o piloto inglês de F1 Jenson Button. O motivo? A dupla protagoniza uma sessão de fotos para a Johnnie Walker em incentivo ao consumo responsável. Cleo atesta: “É inegável que as pessoas consomem álcool e dirigir faz parte do cotidiano. Acho genial que uma marca importante venda seu produto através da conscientização.” A atriz recebeu o convite da McLaren, escuderia patrocinada pela marca de bebidas. “Gostei também porque adoro dirigir e amo velocidade. Não acompanho a F1, mas gosto do esporte”, completou Cleo, que em janeiro começa a gravar a série “O Caçador” e o filme “Boletim de Ocorrência”. Novo folhetim Em conversa com a coluna, Suzana Pires revelou que já está em um novo projeto com Walther Negrão. Depois da dobradinha com o autor na coautoria da novela das seis “Flor do Caribe”, a atriz vai ajudá-lo a escrever sobre a vida de Eny Cezarino, dona do maior bordel do Brasil na década de 60. O Eny’s Bar, que ficava em Bauru (SP), era frequentado por políticos da época e artistas como Vinícius de Moraes. “Ela não era só uma cafetina. Era uma mulher que tinha uma influência política enorme. Mas ainda estamos no início, começando a pesquisar sobre a vida de Eny”, conta Suzana. Além de escrever, ela vai atuar no projeto, que deve estrear em 2015. Ainda não está definido se a trama será uma minissérie ou uma novela das 23 horas. 3#5 BRASIL CONFIDENCIAL Por Paulo Moreira Leite O incêndio interno que derrubou Donato Mesmo dirigentes importantes do PT concordam que não foram os adversários de Fernando Haddad que derrubaram Antônio Donato da Secretaria de Governo da Prefeitura de São Paulo. Dizendo-se convencidos de que o ex-secretário possui respostas coerentes para se defender de cada acusação lançada pela máfia do ISS, os petistas consideram que Donato foi derrotado por um imenso fogo amigo. Momentos antes de formalizar o pedido de demissão para reassumir a cadeira na Câmara de Vereadores, Donato encontrava-se em condições de provar que seus movimentos na Prefeitura não só eram monitorados de perto, por pessoas próximas, mas chegavam instantaneamente aos jornais em versões que ajudavam a oposição a amplificar a visão de que era cúmplice dos fiscais mafiosos. Faculdades de Medicina em alta Até quarta-feira passada, 120 municípios brasileiros estavam inscritos no MEC para abrir novas faculdades de Medicina, com a finalidade de criar 12.000 vagas no país inteiro. Na nova fase, de pré-seleção, os municípios têm várias exigências a atender, inclusive garantir cinco leitos do SUS para cada novo aluno. Tudo acaba em van A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) cruzou o traçado das novas linhas de metrô e trens leves de superfície em construção para melhorar a estrutura de transporte durante a Copa do Mundo com itinerários dos ônibus e conclui que, mesmo com todo investimento, os turistas dependerão de transporte alternativo para deixar os seus hotéis e chegar aos estádios. Assim, as vans voltarão com tudo em 2014. O todo-poderoso Incomodado com a desenvoltura excessiva de Renan Calheiros, que não quer largar a presidência do Senado e faz questão de se manter como homem-forte da política alagoana, o vice-pre­sidente Michel Temer determinou que ele escolha. Ou prioriza a presidência do Congresso ou se dedica a política estadual. Procura-se guru digital Orientado pelo publicitário Renato Pereira, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) está à procura de um jovem talentoso para ser os seus olhos na rede mundial de computadores. O marqueteiro do pré-candidato à Presidência avalia que os pequenos boatos disseminados na internet são mais perigosos do que reportagens negativas publicadas pela imprensa. Derrota agravada Derrotada nas eleições do PT em Santa Catarina, o futuro da ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, é permanecer no cargo enquanto puder. O novo presidente do PT local, Claudio Vignatti, é seu inimigo pessoal. Ao chegar ao ministério, Ideli providenciou sua demissão imediata. Toque de cinegrafista A equipe da TV Justiça escalou uma repórter para abordar a ministra Cármen Lúcia, do STF. A missão é descobrir por que a magistrada é tão refratária a maquiagem. Técnicos da emissora reclamam que o rosto da ministra brilha demais e que com as tecnologias de alta resolução a sua imagem perde nitidez. Dilma comemora tempo na TV O comando da campanha de Dilma Rousseff celebra a contagem de minutos para fazer propaganda na TV em 2014. Somando com o tempo dos aliados, a presidenta já acumulou 12m24 segundos. É uma soma quase 20% superior a que possuía em 2010, quando ficou em 10m38. Embora tenha perdido o PSB de Eduardo Campos, o palanque do PT conta com apoio do PP, que ficou neutro há quatro anos, e também do PTB e da fatia do DEM que se transformou no PSD de Kassab. Entre os adversários, Aécio Neves é o que possui maior tempo. Contabiliza 4m11 até agora, dieta considerável em comparação com a campanha de 2010, em que Serra ficou com 7m18. Caso a caso Mesmo com a pressão de parlamentares para que o vice-presidente Michel Temer (PMDB) declare como os peemedebistas devem se colocar nas eleições estaduais e com quem devem se coligar, Temer avisou que não haverá uma decisão padrão. Ele vai analisar caso a caso e cada Estado terá um veredicto. Rápidas * Prevista para esta semana, a próxima reunião de presidentes do Mercosul foi adiada para o início de 2014. O motivo é a delicada saúde da presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, que está impedida de viajar de avião. * Petistas do Acre não entendem bem a insistência do PSDB do estado em emplacar áreas de livre comércio em cidades da fronteira para vender produtos de grife a baixo custo. Os municípios que abrigariam o free shop defendido pelos tucanos – Brasiléia, Santa Rosa e Cruzeiro do Sul - estão na lista do Cadastro Único de famílias do governo federal como cidades em que os habitantes têm a menor renda. Além disso, a região do free shop fica a mais de 200 quilômetros da capital e os municípios não têm nenhuma estrutura para atrair consumidores de alta renda. * Possível pacto de não agressão gaúcho: eleitores e especialmente eleitoras têm preferência multipartidária por Dilma Rousseff para presidente e a senadora Ana Amélia para o governo. Retrato falado “A ideia é discutir no Senado as irregularidades que levaram às paralisações. Todo mundo deveria ter interesse nisso” De olho nos próximos programas eleitorais, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) enviou um requerimento de informações para o Tribunal de Contas da União (TCU) pedindo a lista de todas as obras inacabadas com pedidos de paralisação. A ideia dos tucanos é que Aécio visite esses locais para destacar a importância das obras para cada comunidade e liste as falhas encontradas pelos auditores. Tudo deve ser usado no programa eleitoral partidário. Toma lá dá cá O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, está preocupado com a baixa empolgação em torno da Copa do Mundo ISTOÉ – Por que o senhor está preocupado com a falta de animo em torno da Copa? Aldo Rebelo – Acabo de voltar da França, que está tentando sediar uma das próximas Copas. Os franceses confessam que têm uma grande admiração pela sorte do Brasil, que vai sediar uma Copa e, dois anos depois, uma Olimpíada. Eles dizem que fomos abençoados pela sorte. ISTOÉ – Os franceses estão certos? Aldo Rebelo – Não tenho dúvida. Não se pode culpar a Copa por qualquer problema do país. Pelo contrário. Estudos sérios dizem que ela é responsável pelo crescimento de 0,4% do PIB e gera mais emprego do que a maioria das profissões. Outro dia, o Nizan Guanaes, publicitário que tem tantas ligações com o PSDB, fez uma crítica ao nosso governo porque ainda não abraçamos a Copa. Ele está certo. Peru ficou menos distante O encontro de Dilma Rousseff com o presidente do Peru, Ollanta Humala, incluiu acordos e protocolos variados, em especial na área social. Humala ficou particularmente interessado pelo programa Farmácia Popular, que oferece remédios gratuitos à população carente. Dilma comemorou um saldo negativo: em nenhum momento da visita falou-se do Acordo do Pacífico, pacto de Chile, Colômbia e Peru que tenta rivalizar com o Mercosul com apoio de Washington. O número 2 O líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), teve sua influencia medida por pesquisa do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), que listou os 10 mais influentes do Congresso. Em voto dos colegas, Cunha aparece em segundo lugar, atrás apenas do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves. 3#6 ANTONIO CARLOS PRADO - AUTOBIOGRAFIA NÃO AUTORIZADA Antonio Carlos Prado é editor executivo da revista ISTOÉ Abri o computador e relaxei: deixei os meus dedos à vontade para digitarem o que bem quiserem sobre o seu dono - que, obviamente, sou eu. E, daqui para a frente, quando tocarem no assunto de biografias e censura, vou recorrer mesmo ao teclado da galhofa. Decidi escrever minha autobiografia – não autorizada. Entediado com essa eterna discussão se o biógrafo precisa ou não das bênçãos do biografado, lembrei-me que estamos em pleno século XXI e na minha opinião fica entre o anacrônico e o absurdo essa perda de tempo em se discutir ainda a censura, seja ela pré ou pós – censura não tem de existir, e ponto final. Resolvi então lançar-me à aventura de minha autobiografia não autorizada, mas, como não dei a mim mesmo autorização, não sei o que sairá – até porque me é impossível descobrir qual parte minha vai escrever sobre a outra parte, minha também. E que todos nós temos no mínimo uma face para as ruas e outra para o travesseiro, isso todos nós temos! Admito, não sem constrangimento, que tive calafrios noturnos receando que eu não goste de algumas coisas que eu mesmo revelarei a meu respeito e decida recorrer à censura. Eu me mostro publicamente liberal e democrata, é desse olhar de admiração pública que meu ego se alimenta, mas, gente... como fica a minha situação se eu recorrer à censura para me autocensurar? E se um lado meu quiser contar intimidades do outro, sigilos meus de sauna ou de alcova... pior ainda, planos de ser político? Já imaginaram, a partir daí, uma fração do meu eu contando que outra fração do meu eu é censora? Acometido por profunda crise de ansiedade nessa cisão, decidi falar com uma advogada civilista. Disse-me ela: “Relaxa, faça como Machado de Assis que escreveu sobre si com a ‘pena da galhofa’. Jamais advogarei para o teu lado censor, defenderei sempre a liberdade do teu lado escritor, e assim estarei defendendo o Estado Democrático”. Engraçado, ela falou de Machado, eu me lembrei de Noel Rosa, o mais genial de todos e que possuía o humor e a inteligência de fazer tudo com seriedade. mas sem se levar a sério. Dizia o poeta da Vila Isabel, “falem mal mas falem de mim”. E passei a lembrar de outros pontos. Foi numa biografia mais do que autorizada, por exemplo, que se deu a Winston Churchill a paternidade da frase “sangue, suor e lágrimas” referente ao sacrifício dos ingleses na Segunda Guerra Mundial. Na verdade, antes de Churchill essa frase foi utilizada pelo poeta Byron, que, por sua vez, a surrupiou do também poeta John Donne. Ficou cristalizado numa biografia, essa não autorizada, que o humorista Groucho Marx foi quem criou a frase “eu jamais ingressaria num clube que me aceitasse como sócio”. O certo é que a frase é do sisudo Sigmund Freud. Aliás, falando em Freud, a definição da psicanálise como “a cura pela palavra” não é dele como consta de muitos relatos sobre a sua vida, autorizados ou não – é de Anna O., uma de suas mais famosas pacientes. E Cleópatra, que entrou para a história como egípcia, meu Deus, ela era grega! E a glória dada pelos biógrafos a Júlio César que “atravessou o Rubicão”? Hoje se sabe que o Rubicão era um laguinho tão raso que dava para sapatear. O mundo continua a ser o mundo, com suas perfeições e imperfeições, apesar de tudo de certo e de errado que entrou para a história nas biografias autorizadas ou não. Os parlamentares pátrios vão votar na semana que vem a questão das biografias e da censura, e há até a proposta de que casos de ofensas sejam resolvidos em ritos sumários – também me dá calafrios, esses noturnos e diurnos, cada vez que ouço falar em ritos sumários (descobrimos a cada dia planetas fora do sistema solar que eventualmente podem ter vida e por aqui ainda discutimos a censura). Tomei um Lexotan, abri o computador e relaxei mesmo: deixei os meus dedos à vontade para digitarem o que bem quiserem sobre o seu dono – que, obviamente, sou eu. E, daqui para a frente, quando tocarem nesse assunto, vou recorrer mesmo ao teclado da galhofa. Antonio Carlos Prado é editor executivo da revista ISTOÉ _________________________ 4# BRASIL 20.11.13 4#1 A ESCOLINHA DA PROFESSORA DILMA 4#2 PROCURADOR MUY AMIGO 4#3 PROPINA RESPINGA NA ELEIÇÃO 4#4 COMO JOAQUIM VENCEU 4#5 E ZÉ DIRCEU MUDOU O BRASIL 4#1 A ESCOLINHA DA PROFESSORA DILMA Presidenta escala ministros para ensinar prefeitos e governadores a desatar os nós burocráticos que impedem a liberação de recursos federais Izabelle Torres A dificuldade para dar andamento a programas e convênios de Estados e municípios com o governo federal pode ter efeitos diretos nas metas pretendidas pela presidenta Dilma Rousseff. Ciente desse impacto, ela escalou ministros e funcionários graduados da Caixa Econômica Federal para ensinar governadores e prefeitos a elaborar projetos e cumprir as exigências dos programas federais. A ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, ficou responsável por organizar verdadeiras aulas nos Estados. Desde maio, ela se desloca acompanhada de técnicos de diferentes ministérios, que montam tendas para ministrar aulas aos gestores. Ideli dá palestras acompanhada pelo ministro das Cidades, Agnaldo Ribeiro, que tem nas mãos a responsabilidade pelas obras de mobilidade urbana, orçadas em R$ 50 bilhões. Apesar do dinheiro farto, as obras emperraram por dificuldades de implementação. Dilma quer tirar do papel promessas de campanha e algumas feitas durante as manifestações populares de junho, como a construção de creches, a realização de obras de mobilidade e a implementação de programas de melhoria da segurança pública. Para isso, precisa que prefeitos e governadores cumpram os convênios e executem os contratos. Como a principal alegação dos municípios que esperam pelo dinheiro quase sempre diz respeito ao desconhecimento dos trâmites oficiais, Dilma deu duas ordens: reduzir as exigências que autorizam entes federados a receber recursos e abrir um canal de diálogo capaz de esclarecer dúvidas e ensinar gestores sobre a burocracia federal. Desde então, a equipe de ministros e técnicos visitou 24 dos 27 Estados. Técnicos da Caixa Econômica Federal já foram escalados para ensinar como os recursos são liberados e como é possível deixar a inadimplência que emperra novos repasses. PROFESSORA - A ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, que deu aulas em diversos Estados: ela quer facilitar a liberação do dinheiro Na semana passada, a Caixa decidiu listar alguns dos municípios mais problemáticos, para enviar engenheiros, arquitetos e analistas financeiros com a missão de auxiliar os gestores. Correndo contra o tempo, os ministros tentam dar respostas. No Ministério da Justiça, governadores interessados em construir presídios contam com um projeto pronto elaborado pelos técnicos da pasta, restando aos Estados apenas a responsabilidade de realizar a licitação. O mesmo aconteceu no Ministério da Saúde, onde um projeto de padronização de unidades básicas pode ser baixado em formato PDF. Enquanto isso, a comitiva em forma de escola segue realizando os treinamentos. Pelo menos até que as metas dos programas federais se aproximem das promessas da presidenta. 4#2 PROCURADOR MUY AMIGO Rodrigo De Grandis deixou de investigar quatro autoridades que comandaram o setor de energia durante governos tucanos em São Paulo Claudio Dantas Sequeira Agaveta do procurador Rodrigo De Grandis é mais profunda do que se imaginava. Além dos ofícios do Ministério da Justiça com pedidos da Suíça para a apuração de contratos suspeitos envolvendo a multinacional Alstom, ele engavetou uma lista secreta com nomes de autoridades públicas, lobistas e empresários que deveriam ter sido investigados desde 2010. O que mais chama a atenção na lista suíça, a qual ISTOÉ obteve com exclusividade, é a presença de quatro ex-executivos da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), que, até agora, não haviam aparecido no enredo do escândalo do Metrô e do propinoduto tucano em São Paulo. Poupados por De Grandis, esses personagens comandaram o setor de energia durante seguidos governos tucanos e, hoje, ganham a vida em consultorias privadas, algumas com estreito vínculo com a cúpula do PSDB paulista. São eles: Julio Cesar Lamounier Lapa, Guilherme Augusto Cirne de Toledo, Silvio Roberto Areco Gomes e Iramir Barba Pacheco. Os quatro foram nomeados por Covas. Mas, enquanto Lapa deixou o governo tucano ainda em 2001, os outros três permaneceram intocáveis na cúpula da Cesp por mais de uma década. ENGAVETOU DE NOVO - Rodrigo De Grandis já tinha mandado para o arquivo oito ofícios que pediam apuração do escândalo do Metrô Lapa, que foi presidente da Comgás na gestão Mario Covas e diretor financeiro e de relações com investidores da Cesp, é sócio de Bolívar Lamounier na Augurium Análise Consultoria e Empreendimentos Ltda. Bolívar, velho amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com quem até escreveu um livro em parceria, é considerado um dos principais intelectuais tucanos. Outro integrante da lista dos poupados por De Grandis, Toledo foi o que permaneceu na Companhia Energética de São Paulo por mais tempo – 12 anos no total. Ele assumiu a presidência da Cesp em 1998 no lugar de Andrea Matarazzo, quando este virou secretário de Energia. Como já se sabe, Matarazzo responde a inquérito por suspeita de receber propina do grupo Alstom em contratos superfaturados. Além da Cesp, Toledo acumulou a presidência da Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), que também assinou contratos milionários com a Alstom. Ele deixou o governo apenas em janeiro de 2010, sob ataque de sindicatos do setor contra o plano de privatização da companhia. Em novembro daquele ano, o MP suíço pediu que Toledo fosse ouvido dentro do processo EAI 07.0053-LENLEN. Além da oitiva, os promotores pediram medidas de busca e apreensão, além de quebra de sigilo bancário. Os dados seriam fundamentais para a instrução de mais seis processos em curso naquele país. Assim como Lapa, Toledo hoje vive de consultorias no setor. A estatal também abrigou, de Covas a José Serra, o engenheiro Silvio Areco Gomes, outro protegido por De Grandis. Ele só deixou a direção de geração da Cesp em 2008, ano em que eclodiram as primeiras denúncias do esquema de propinas da Alstom. Assim como Toledo, Gomes virou consultor. Abriu a Consili Consultoria e Participações. Pacheco é o quarto na lista engavetada pelo procurador De Grandis. Ele foi nomeado em 1999 como diretor de planejamento, engenharia e construção da Cesp e lá ficou até o início do segundo governo de Geraldo Alckmin. Foi substituído no cargo por Mauro Arce, que acumulou a função com a de presidente da estatal. Pacheco responde no Tribunal de Contas do Estado, junto com Toledo, por contrato suspeito com a empresa Consbem Construções, responsável pela reforma dos edifícios-sede I e II da Cesp. A 2ª Câmara do TCE considerou irregulares o contato de R$ 37 milhões e seus cinco aditivos. Os réus recorreram da decisão no ano passado e o caso foi parar justamente nas mãos do conselheiro Robson Marinho, já denunciado por receber propina da Alstom. Sem avançar nas investigações, o MP suíço ainda não aprofundou o envolvimento dos quatro executivos da Cesp no esquema de propinas tucano. Serão necessários um pente-fino nos atos administrativos e uma devassa nas contas das consultorias identificadas. No mesmo processo suíço que arrola os protegidos do procurador, também estão citados outros 11 nomes. No Brasil, apenas cinco deles foram incluídos no inquérito que a Polícia Federal concluiu em 2012 e que levou ao pedido de quebra de sigilo bancário solicitado por De Grandis em setembro. Entre eles, os tucanos José Geraldo Villas Boas e José Fagali Neto. LOGO ELE - Apuração de irregularidades no setor de energia foi parar nas mãos do conselheiro Robson Marinho, denunciado por receber propina da Alstom 4#3 PROPINA RESPINGA NA ELEIÇÃO Investigação sobre máfia dos fiscais em São Paulo tumultua a relação entre o PT de Fernando Haddad e o PSD de Gilberto Kassab e ameaça acordo para a reeleição de Dilma. Lula é chamado para pôr fim à crise Alan Rodrigues BOMBEIRO - O ex-presidente Lula agiu, na última semana, para apaziguar os ânimos entre PT e PSD Na quarta-feira 20, a presidenta da República, Dilma Rousseff, e o ex-prefeito de São Paulo Giberto Kassab se encontrarão no Palácio do Planalto. Presidente nacional do PSD, Kassab desembarca em Brasília em meio a uma crise política envolvendo o seu partido e o PT. O estopim foram as desavenças públicas com o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), por causa das investigações da máfia da propina na prefeitura paulistana. Na última semana, depois de Haddad afirmar, em entrevista, que herdou uma prefeitura degradada, em “situação de descalabro” e com “nichos” de corrupção “instalados e empoderados”, Kassab respondeu no mesmo tom, dizendo que “um descalabro” seria o primeiro ano de gestão do petista à frente da capital paulista. Kassab ainda acusou o petista de usar politicamente a investigação para desgastá-lo. O temor de Dilma é que a contenda política regional inviabilize a almejada aliança com o PSD de Kassab nas eleições presidenciais do próximo ano. Por isso, na conversa com o ex-prefeito de São Paulo, Dilma tentará jogar água na fervura da crise paulistana. Não deverá, porém, ser uma conversa simples. A crise não se restringe às trocas de farpas públicas. Vereadores do PSD alegam ter sofrido represálias e perdido cargos em subprefeituras por terem votado contra o aumento do IPTU, proposto por Haddad. “Vamos querer os cargos de volta ou uma compensação”, declarou um parlamentar do PSD. Ciente de sua relevância no xadrez político, Kassab também cobrará que Haddad cesse os ataques contra ele. “O que causou indignação foram afirmações e ilações de que a corrupção não foi combatida em nossa gestão – embora sejam públicos os inúmeros casos em que agimos com resultados extremamente positivos. A investigação, como requer toda e qualquer denúncia anônima, foi iniciada pela Corregedoria-Geral do Município em setembro do ano passado”, disse Kassab em entrevista à ISTOÉ. “Aqueles que porventura se sintam acusados por não proteger o Estado no passado – seja pelo arquivamento de denúncias, seja pela não condução de um processo formal e consequente investigação – têm todo o direito de tentar se explicar”, devolveu Haddad, demonstrando que a negociação de um cessar-fogo entre os dois será mais complicada do que parece. Ocorre que os articuladores políticos do governo federal estão convencidos da importância da aliança de Dilma com o partido comandado por Kassab. O PSD possui 46 deputados federais e três minutos de tempo no horário eleitoral gratuito, fundamentais tanto para a reeleição de Dilma como para eventual apoio à candidatura do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, ao governo de São Paulo, no primeiro ou no segundo turno, caso Kassab seja candidato. Aliás, o PT conta com a candidatura de Kassab ao Palácio dos Bandeirantes, para facilitar a realização de um segundo turno. O principal objetivo do PT em 2014, além de reeleger a presidenta Dilma, é quebrar a hegemonia tucana no Estado. A parceria com Kassab é considerada tão estratégica pelo Palácio do Planalto que até o ex-presidente Lula entrou em campo, na última semana, para serenar os ânimos políticos do PSD e evitar que a troca de chumbo respingasse em Dilma. Foi Lula quem articulou, em conversa com Kassab, uma indicação formal de aliança desde já. A pedido de Lula, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, também conversou com o ex-prefeito nos últimos dias. Embora não tenha havido qualquer promessa de que as investigações sobre a máfia dos fiscais pouparão Kassab, existe uma ala, mais próxima a Lula, que acredita que o partido, para consolidar a aliança com o PSD, deve abrandar as denúncias de corrupção que envolvam aliados do ex-prefeito. “Haddad tem que fazer seu papel de prefeito, de investigar, mas é preciso preservar as relações”, entende o deputado Vicente Cândido. Na última semana, porém, as apurações se voltaram contra a própria gestão de Haddad. Na terça-feira 12, o principal dirigente petista com cargo na prefeitura, Antônio Donato, entregou o cargo de secretário de Governo, suspeito de envolvimento com a máfia dos fiscais da prefeitura. Donato é acusado de ter recebido, de dezembro de 2011 a setembro de 2012, uma mesada de R$ 20 mil de Eduardo Hole Barcelos, um dos fiscais presos no esquema milionário de fraude no ISS. O fiscal disse aos promotores que era “investimento futuro” para manutenção de cargos, se o PT vencesse as eleições. Donato negou. O problema maior, no entanto, foi que ele, a exemplo de Haddad, resolveu atirar no antecessor do prefeito. “Essa é uma crise do governo passado, que precisa explicar como um esquema desses ficou oito anos aqui dentro”, disse Donato. Como se percebe, mesmo com a intervenção de Lula e o interesse de Dilma em colocar panos quentes na crise, os ânimos estão acirrados. Historicamente, os atritos não são uma novidade. A relação entre o PT e o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab nunca foi tranquila. Pelo contrário. Em 2012, apesar do esforço do Planalto e da cúpula petista por uma aliança nas eleições municipais, Kassab foi muito vaiado durante cerimônia de comemoração dos 32 anos do PT. Ao fim e ao cabo, o tucano José Serra decidiu concorrer à prefeitura e Kassab apoiou o PSDB. É tudo o que o Planalto não quer em 2014. 4#4 COMO JOAQUIM VENCEU O presidente do STF transformou o julgamento do mensalão numa cruzada e triunfou no seu esforço de evitar a impunidade Izabelle Torres A decisão de colocar imediatamente na cadeia 15 dos condenados no processo do mensalão devolveu o protagonismo do maior julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) ao seu relator, Joaquim Barbosa. Há dois meses, ele foi surpreendido pela disposição dos colegas de aceitar os recursos apresentados pelos réus e, desde então, articulava uma estratégia para evitar que sua cruzada em defesa das condenações não fosse em vão. Agora, o presidente do STF conseguiu reverter o jogo e impôs novamente o seu estilo ao julgamento. Em uma votação marcada por decisões inéditas, ele convenceu os ministros a votar o pedido de prisão imediata dos mensaleiros e evitou que os advogados ganhassem mais tempo para se manifestar sobre as ordens de prisão. Para isso, precisou driblar procedimentos formais que vinham sendo utilizados por décadas pela Suprema Corte e adotar nova interpretação para o processo de execução das penas impostas pelo STF. Barbosa defendeu com veemência, por exemplo, a possibilidade de fatiar a sentença em capítulos, o que permitiu a chegada de condenados à prisão antes mesmo do julgamento de todos os recursos. A prática não é novidade em tribunais de primeira instância, mas é inédita no Supremo. Para o presidente, era a única forma de garantir o cumprimento das penas, demonstrar repúdio a recursos protelatórios e levar mensaleiros, inclusive do núcleo político, para a cadeia. Se medidas como essa se tornarem rotineiras, o STF efetivamente dará mostras de que está em sintonia com as manifestações populares. SINTONIA COM AS RUAS - Na quarta-feira 13, a atuação do presidente do STF, Joaquim Barbosa, foi fundamental para levar os mensaleiros para a cadeia O mensalão se tornou uma questão pessoal para Barbosa. Graças às suas posições sintonizadas com o clamor das ruas, o caso o colocou em evidência, tornando-o um símbolo de combate à corrupção, com direito à popularidade em alta e especulações sobre suas intenções políticas. Seu grande mérito foi empreender todos os esforços para evitar a impunidade, que ameaçou dar o ar de sua graça quando a Corte votou pela admissibilidade dos embargos infringentes. Na semana que antecedeu o julgamento, o presidente da Corte manteve conversas com outros ministros. Em todas, falou que a conclusão do processo era uma questão institucional e ressaltou a importância de concluir o caso ainda neste ano. “Quando as instituições se degradam, o País se degrada”, pregou. Mas não foi o coleguismo dos ministros e a preocupação com a imagem do Supremo que ajudou o presidente a cumprir seus planos na condução da ação penal mais famosa da história do País. Barbosa contou também com as incertezas nas teses defendidas por ministros historicamente contrários a ele. Diante da discussão sobre prender até mesmo quem ainda tinha recursos a serem julgados, alguns ministros perderam-se nos próprios entendimentos e a sensação de quem acompanhava as discussões era de que nem eles sabiam ao certo o que estava em jogo. Diante das dúvidas, o presidente quase conseguiu emplacar a tese de que poderia ser preso até mesmo quem tivesse recursos pendentes de análise. Coube a Teori Zavaski propor a execução apenas das penas irreversíveis. Há mais de 40 dias, Barbosa já havia decidido que, na quarta-feira 13, pediria a prisão imediata dos mensaleiros. Um dos poucos conhecedores dessa intenção era o novo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Há dez dias, Barbosa disse a ele que faria o pedido de cumprimento das condenações, dando a entender que o Ministério Público Federal não precisaria se manifestar formalmente sobre o assunto. Janot ouviu, mas surpreendeu ao fazer o pedido na véspera do julgamento dos embargos apresentados pelos réus. Há quem entenda que, essa manifestação do MP, mesmo que tardia, deveria obrigar a Corte a também ouvir a defesa dos acusados. Novamente Barbosa interferiu. Alegou que Janot teve tempo suficiente para agir, mas decidiu fazê-lo apenas na véspera da sessão. Para ele, era uma tentativa de protelar o desfecho do caso. “Desse jeito, o julgamento não terá fim. Marquei a sessão com 15 dias de antecedência e ele decidiu apresentar parecer na véspera”, reclamou. Ao fim, Joaquim triunfou. 4#5 E ZÉ DIRCEU MUDOU O BRASIL O ex-guerrilheiro que enfrentou a ditadura militar e ajudou a colocar um operário no poder vai para a prisão por corrupção e se transforma no símbolo nacional contra a impunidade Josie Jeronimo OS ÚLTIMOS MOMENTOS DE LIBERDADE - José Dirceu deixa o mar na praia de Itacaré (Bahia), na quarta-feira 13, enquanto sua prisão era definida em Brasília José Dirceu de Oliveira usava boné preto e calção branco nas areias do paraíso baiano de Itacaré, na quarta-feira 13, quando mais uma vez foi surpreendido pela história. Dessa vez, a surpresa não foi protagonizada por homens fardados a serviço de um regime de exceção, contra o qual o ex-todo-poderoso ministro empenhou boa parte de seus 67 anos. Na quarta-feira, no final de uma das mais longas deliberações do Supremo Tribunal Federal, os 11 ministros praticamente encerraram o chamado julgamento do mensalão e 13 dos 25 réus já condenados tiveram suas prisões decretadas. Entre eles há empresários, uma banqueira e diversos líderes políticos (leia quadro acima), mas Dirceu, sem dúvida, é o principal personagem de uma história cujo desfecho pode representar significativa mudança para o Brasil. Em cinco décadas, José Dirceu viveu momentos difíceis e também gloriosos da política brasileira. Liderou os protestos estudantis de 1968, exilou-se em Cuba e retornou ao Brasil como guerrilheiro disposto a pôr fim à ditadura militar. Experimentou a clandestinidade, ajudou a organizar a campanha das diretas-já, foi um dos arquitetos do PT e um dos principais responsáveis pela chegada do partido ao poder. Tinha o projeto e estava se preparando para ser o sucessor de Lula quando acabou abatido no escândalo do mensalão, acusado de ser o “chefe de uma quadrilha” que desviava dinheiro público para a compra de apoio parlamentar. Na semana passada, enquanto na Bahia o ex-ministro descansava na praia, em Brasília sua prisão era decidida não por razões políticas ou ideológicas, mas por corrupção e formação de quadrilha. No papel de réu, José Dirceu, por mais irônico que pareça, contribui mais uma vez para revolucionar o País. A decisão do STF vira uma página de nossa história. A ideia de que do lado de baixo do Equador os casos de corrupção terminam em pizza e de que os poderosos não são punidos como os simples mortais pode estar com os dias contados. Para isso, basta que em suas futuras decisões os membros da mais alta corte de nossa Justiça ajam com o mesmo rigor com que julgaram o mensalão. Alertado por seus advogados, pouco depois de Joaquim Barbosa anunciar a decisão do STF em Brasília, José Dirceu já havia abandonado o traje de banho e tomava o caminho de São Paulo. Era tarde da noite quando desembarcou em Jundiaí, a caminho de sua casa em Vinhedo, onde pretendia assistir à reabertura do julgamento, na quinta-feira 14. Mais tarde, foi até seu apartamento, no Ibirapuera, em São Paulo. Fiel a uma postura de lutar por seus direitos e defender a própria inocência sem tomar nenhuma atitude que possa ser vista como desafio à lei, seria conveniente a José Dirceu encontrar-se em seu endereço residencial quando uma equipe da Polícia Federal tocasse a campainha, o que se imaginava que poderia acontecer mesmo nos dias seguintes. Na tarde da quinta-feira 14, o único pedido de José Dirceu aos advogados era o de que fosse poupado de cenas constrangedoras, como o uso de algemas e a condução em viaturas policiais. Oito anos se passaram desde que o mensalão foi denunciado pelo então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), também com a prisão decretada pelo STF. E, apesar da experiente bancada de defensores, todos os réus foram colhidos de surpresa na semana passada. A bons observadores, não foi difícil constatar que a medida foi aprovada às vésperas de 15 de novembro, aniversário da República, aquela que tantos julgam ameaçada e outros supõem distraída. Antes da quarta-feira 13, mesmo os tarimbados profissionais de direito não faziam ideia da importância especial da sessão marcada para aquele dia. A maioria das cadeiras reservadas a advogados, no plenário do STF, estava vazia. Idem para as mesas e os computadores destinados aos jornalistas e também para poltronas que acomodam estudantes que costumam ser anunciados pelo ministro Joaquim Barbosa antes do início dos trabalhos. Depois que a defesa conseguiu, há dois meses, a aprovação dos embargos infringentes, naquela que foi a primeira derrota aberta de Joaquim Barbosa no julgamento, a impressão geral era de que a Ação Penal 470 entraria em novo curso, favorável aos acusados. Em função da natureza específica dos crimes de que são acusados, boa parte dos condenados do núcleo político, com José Dirceu à frente, parecia ter ótimas chances de escapar do regime fechado. EXECUÇÃO IMEDIATA - Em sua estreia no mensalão, o procurador da República também pediu a prisão imediata dos mensaleiros A decisão da última semana não muda essa percepção, mas aos brasileiros permite a avaliação de que a impunidade não venceu. E, sob o ponto de vista jurídico, pode encerrar a fase de boas notícias para os réus. Depois que o STF aprovou a execução das penas por 11 a 0, a estratégia de procurar retardar as decisões fica absolutamente comprometida. Agora, entendem juristas ouvidos por ISTOÉ, as chances de os réus saírem vitoriosos em seus pedidos de revisão parecem menores. A votação da quarta-feira 13 mostrou que ministros até então considerados votos fiéis aos acusados podem perfeitamente se alinhar ao relator do processo, ministro Joaquim Barbosa. Os primeiros sinais de que os dias de José Dirceu em Itacaré estavam para terminar surgiram na noite da terça feira 12, quando o novo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, divulgou um parecer sobre o julgamento. Janot assumiu o posto em setembro, recebendo elogios até da banda jurídica do governo Dilma Rousseff, convencida de que os tempos excessivamente politizados de Roberto Gurgel e Antônio Carlos Fernando haviam terminado. Divulgado depois que Janot teve um encontro reservado com Joaquim Barbosa, antes do julgamento, o parecer desmentia essa visão e antecipava a proposta que o presidente do STF iria apresentar de viva voz, no dia seguinte, durante a sessão. Janot trazia, no parecer, a ideia de pedir a prisão de todos os réus com condenações definitivas – ressalvando, apenas, os crimes em que ainda se aguardasse recurso. RUMO À CADEIA - Em sua casa no interior do Rio, na quinta-feira 14, o ex-deputado Roberto Jefferson aguardava a confirmação do cumprimento imediato de sua pena Surpresos com o posicionamento do procurador-geral, os advogados esperavam que Janot usasse a tribuna para sustentar sua tese. Isso lhes facultaria o uso da palavra e qualquer decisão levaria ao menos cinco ou seis sessões para ser tomada. Na prática, imaginavam levar a discussão apenas para depois do recesso do fim de ano. O que eles não esperavam é que o procurador permanecesse em absoluto silêncio. Diante dos protestos dos advogados da defesa, queixando-se de que não era correto serem recebidos com uma medida de surpresa, à ultima hora, o ministro Ricardo Lewandowski solicitou que fosse dado o prazo de cinco dias para que todos debatessem a questão. “A surpresa num processo jurídico não é compatível com o ordenamento legal de um regime democrático,” disse o ministro, mais tarde, falando à ISTOÉ. Lewandowski acabou derrotado por 9 a 2. Da mesma forma que o Supremo ainda elaborava, na semana passada, os últimos cálculos sobre as penas de cada condenado, estavam em curso os preparativos para recebê-los. Numa primeira fase, o plano é reunir todos eles numa ala especial no presídio da Papuda, em Brasília, que costuma receber políticos que cumprem penas provisórias em casos de corrupção apurados em sucessivas operações da Polícia Federal. Nos últimos anos, 150 agentes penitenciários foram treinados e integram um grupo que deverá cuidar dos condenados da Ação Penal 470 assim que as guias de prisão começarem a ser cumpridas. Geralmente, os pedidos de prisão são direcionados aos órgãos estaduais de execução. Como o Supremo é uma corte nacional, Joaquim Barbosa optou por centralizar no Distrito Federal a primeira fase de apresentação dos réus. Os condenados devem chegar a Brasília de avião e ser entregues às autoridades penitenciárias do Distrito Federal. Seu destino é uma ala composta por dois blocos independentes, com sete celas cada uma. Os condenados terão escolta, por serem considerados presos “com visibilidade”, o que implica não apenas a curiosidade maior dos meios de comunicação, mas também eventuais problemas de segurança. A rotina de cada preso na Papuda dependerá, inicialmente, dos despachos do juiz Ademar Silva de Vasconcelos. Cabe a ele decidir se o preso pode ou não ter televisão, cela individual, receber alimentação especial e esquema especial de visitas. De forma discreta, o juiz tem sido assediado por advogados procurando assegurar o melhor conforto aos condenados. A passagem por Brasília pode ser definitiva ou provisória. Dependerá, na verdade, da disposição de cada preso. Aqueles que solicitarem permanecer na capital federal terão direito a fazê-lo. Mas a legislação reserva às pessoas privadas de liberdade o direito de solicitar transferência para uma área próxima de seu domicílio. A palavra final é sempre do juiz encarregado da execução penal, mas essas solicitações costumam ser atendidas. Na agenda do Supremo estão vários casos de corrupção envolvendo figuras importantes da República. Entre eles há o mensalão tucano e o mensalão do DEM, por exemplo. Daqui para a frente, portanto, os ministros do STF terão oportunidade de provar ao País que a intolerância com os desvios de conduta dos poderosos e o ataque aos cofres públicos seguirão merecendo rigor idêntico ao da AP 470. _________________________ 5# COMPORTAMENTO 20.11.13 5#1 OS FILHOS CANGURUS 5#2 OCTÓGONO É LUGAR PARA CRIANÇAS? 5#3 ROUPA À PROVA DE BALA 5#4 É PIOR DO QUE PARECE 5#5 A TRAGÉDIA DO MENINO DE RIBEIRÃO 5#1 OS FILHOS CANGURUS Nos últimos dez anos, a média de idade para os filhos saírem da casa dos pais subiu de 25 para 35 anos. O que leva esses adultos a adiarem cada vez mais essa despedida? Natália Mestre No orçamento da corretora de imóveis Luciana Esnarriaga, 36 anos, não estão previstos gastos com a casa, como contas de luz e água, compra de supermercado ou tevê a cabo. Tudo que ela ganha é gasto com suas despesas pessoais, como celular e carro, além da diversão, que inclui as baladas nos fins de semana e as viagens, sua grande paixão. O sustento da moradia é bancado pelos pais, que proporcionam à moça, além do aconchego familiar, comida e roupa lavada. “Moro com os meus pais porque a gente se dá muito bem, é muito tranquilo e gostoso estar com eles”, diz Luciana. “Tenho a minha liberdade para trazer quem eu quiser em casa, como amigos e namorado. Não vejo sentido em morar sozinha no momento.” A corretora de imóveis que se formou em direito, mas resolveu trabalhar na imobiliária da família com a mãe, Angelita Esnarriaga, 64 anos, está longe de ser uma exceção entre a turma de mais de 30 que ainda não deixou o ninho. Pelo contrário, esse grupo, chamado pelos estudiosos do tema de “geração canguru”, só vem aumentando. Nos últimos dez anos, o número de adultos entre 25 e 30 anos morando com os pais cresceu mais de 40%, enquanto a idade média de os filhos saírem de casa passou dos 25 para os 35 anos. ECONOMIA - O corretor de imóveis Adriano Beccari, 36 anos, só estudou nos EUA porque conseguiu juntar uma boa quantia vivendo com os pais A constatação faz parte do trabalho de pesquisa da psicóloga Mariana Figueiredo, que deu origem ao livro “Geração Canguru Ninho Cheio – Filhos Adultos Morando na Casa dos Pais” (editora Versos, 192 págs.). Assim como a corretora Luciana, um time cada vez maior de trintões, até quarentões, já formados e inseridos no mercado de trabalho, prefere continuar sob a asa paterna a sair de casa e começar uma vida do zero, com muitos desafios e sem privilégios. “É um reflexo do novo modelo de sociedade, em que homens e mulheres passaram a priorizar as suas profissões, fazendo com que o casamento e a formação de família sejam cada vez mais tardios, somado a um contexto de grande liberdade sexual”, afirma Mariana, baseada em sua vasta experiência como terapeuta familiar no consultório, onde entrevistou dezenas de “famílias cangurus”, junto com anos de pesquisas sobre o tema na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Um dos pontos positivos dessa história é observar como as relações ganharam em qualidade nos últimos anos, passando a ser mais igualitárias. “Os pais estão dando maior liberdade aos filhos e isso permite estender suas estadias por mais tempo.” DO MEU JEITO - Daniel Dezontini, 37: ele arriscou abrir um negócio próprio porque tinha respaldo financeiro dos pais A construção de carreiras de sucesso é um outro aspecto positivo desses adultos que adiam a saída de casa. A segurança proporcionada pelos pais permite um investimento maior na carreira. É possível garantir um bom curso de línguas, uma pós-graduação ou MBA e cumprir as exigências do mercado. “Eu fiz pós-graduação em ortopedia, curso de pilates e outros investimentos fundamentais na minha área, que certamente não conseguiria se estivesse morando sozinha”, diz a fisioterapeuta Elaine César de Matos, 34 anos, que vive com a mãe em São Paulo. Já o corretor de imóveis Adriano Beccari, 36 anos, conta que só realizou o sonho de morar durante quatro meses nos Estados Unidos e aperfeiçoar o inglês porque conseguiu juntar uma boa quantia vivendo com os pais. PARCERIA - Luciana e Angelita Esnarriaga: aos 36 anos, a advogada e corretora de imóveis trabalha e mora com a mãe Os filhos cangurus encontram, ainda, o apoio de uma corrente de psicólogos britânicos que discutem a necessidade de estender a adolescência até os 25 anos, e não mais até os 18. Segundo eles, essa medida evitaria que os jovens se sentissem pressionados a atingir marcos importantes, como a entrada na faculdade, por exemplo, o que pode levar a um complexo de inferioridade caso não os alcancem. Mas nem todos os especialistas concordam com essa tese. “Os pais estão retardando o crescimento dos filhos e a entrada deles na vida adulta”, diz o terapeuta familiar Moises Groisman. “Isso é totalmente negativo.” Unido a ele, está um time que defende que o amadurecimento tardio traz impactos negativos a esses jovens que cresceram cercados de cuidados excessivos. “São pessoas que não toleram nenhuma frustração”, afirma a psicóloga Lídia Aratangy. O advogado Daniel Dezontini, 37, que mora com os pais em São Paulo, confessa que montou o próprio escritório aos 30 porque não conseguia se adaptar a nenhum emprego. “Ter o respaldo dos meus pais me deixou mais corajoso para arriscar e engolir menos sapo.” Mas uma coisa é certa: por trás de todo filho canguru, existe um pai canguru. Em suas pesquisas, Mariana percebeu que muitos possuíam um comportamento ambíguo, ora estimulando as crias a serem independentes, ora recuando e se tornando possessivos. “Existe também um medo grande dos pais de encararem a realidade do envelhecimento, da renovação do casamento, de uma relação que precisa ser reconstruída”, afirma Groisman. O discurso de dona Angelita, mãe da corretora Luciana, confirma a tese: “Eu até acho que a Luciana pode se acostumar mal, porque tem muita mordomia, mas, se um dia ela for embora, eu vou sentir demais a falta dela”, confessa. 5#2 OCTÓGONO É LUGAR PARA CRIANÇAS? De olho no mercado milionário do MMA, americanos colocam filhos para participar de competições nos EUA. Especialistas alertam para os prejuízos físicos e emocionais da luta Wilson Aquino A partir dos cinco anos, crianças americanas têm sido levadas por seus pais para participar de torneios infantis de MMA – ou melhor, Pankration, técnica grega semelhante, mas na qual são proibidas joelhadas e cotoveladas. Estima-se que cerca de três milhões de meninos e meninas pratiquem o esporte nos Estados Unidos. No Brasil, começam a despontar academias de artes marciais mistas (ou MMA) para os pequenos, porém sem combates oficiais. Mas, com a popularização dos marmanjos fortões do Ultimate Fighting Championship (UFC), que enriquecem em shows de brutalidades, não será surpresa o surgimento de torneios infantis aqui, até porque não há legislação que proíba. Nos EUA, os eventos para crianças não envolvem dinheiro, mas os minúsculos gladiadores são condecorados com medalhas e troféus, além do aplauso dos pais, que sonham com os bilhões de dólares que a indústria pode oferecer aos pimpolhos no futuro. Entretanto, apesar de serem fortes e disputarem ferozmente com os adversários no octógono, eles não deixam de ser crianças e, não raro, saem de cena chorando. Alguns fazem pirraça e se negam a cumprimentar o rival, como é obrigatório. MINIGLADIADORES - Torneio infantil nos EUA: os campeões têm apelidos como "A Besta" A questão chamou a atenção recentemente, depois que o fotógrafo peruano radicado em Nova York Sebastian Montalvo, 24 anos, viajou por vários Estados americanos registrando as lutas entre crianças. O conjunto das fotos é um impressionante documento sobre roubo de infância até para feras do octógono, como o ex-lutador de MMA Royler Gracie, 48 anos, que mora e tem academia nos Estados Unidos desde 2008. “Sou totalmente contra esse tipo de competições para crianças porque elas não têm maturidade para isso”, afirma. Montalvo resume o que viu: “Como é um dos esportes que mais crescem no mundo, uma nova geração tem feito de tudo para participar dos eventos da Liga Americana de Luta.” Um dos campeões de MMA infantil tem 7 anos, nasceu no Arizona, e atende pelo apelido de “The Arm Collector” (O colecionador de braços), por causa de sua habilidade de vencer pela imobilização dos membros superiores dos adversários. Outro, da Califórnia, da mesma idade, é conhecido como “The Beast” (A Besta). Como será o crescimento de uma criança que se acostumou a ser chamada por esses apelidos e elogiada pela brutalidade? “Quem passa a infância e a adolescência batendo nos coleguinhas vai se transformar em um adulto que não consegue negociar, não tem empatia nem pena do outro”, alerta a psicanalista Ana Maria Iencarelli, que há 40 anos trabalha com crianças e adolescentes. “Qual é a filosofia desse esporte?”, pergunta ela, para responder em seguida: “Acabar com o outro.” Ou seja, o ensinamento básico não pode proporcionar um crescimento saudável. CONTROLE - Academia em Brasília: crianças aprendem técnicas de MMA, mas só lutam jiu-jítsu “É um esporte muito contundente. Uma criança não está preparada em nenhum aspecto para suportar esse tipo de competição”, adverte o professor paulista Danilo Dourado, que treinou campeões do UFC, como Maurício Milani Rua, o Maurício Shogun, e ensina MMA para crianças, mas não admite luta entre elas. É seguido, no raciocínio, pelo diretor e médico da Confederação Atlética Brasileira de MMA, Márcio Tannure: “Sou a favor de a criança treinar MMA porque, além de ser saudável para o corpo, a filosofia milenar das artes marciais educa a mente. Mas sou contra colocar para lutar.” Ortopedistas alertam para os riscos de lesões que podem ocorrer na placa de crescimento (leia quadro). O ex-lutador Pedro Galiza, que ensina o esporte para crianças, em Brasília, não incentiva a competição e opta pelo treino de jiu-jítsu, que é arte marcial e prioriza a imobilização. “Chute e soco somente na manopla (almofada)”, explica. Uma de suas alunas, Isadora, 9 anos, pediu aos pais para trocar o balé pelas aulas de MMA. O pai, o advogado brasiliense Mário Thiago Padilha, 31 anos, praticante de muay thai (boxe tailandês), diz que é uma atividade física saudável. “Disciplina e prega o respeito aos colegas. Em ambiente controlado de academia, com professor observando, os riscos de lesão são praticamente nulos”, defende. 5#3 ROUPA À PROVA DE BALA Empresários e executivos aderem a jaquetas, ternos e casacos que resistem a tiros de pistolas. Calças e capacetes blindados em breve chegarão ao mercado Michel Alecrim Em várias partes do mundo, empresários e executivos já andam com roupas à prova de balas, sem que ninguém perceba. Podem ser ternos alinhados, jaquetas esportivas e coloridas, casacos, tudo com idêntica proteção balística de um colete blindado, desses usados por policiais. O ator Steven Seagal usa, o presidente americano, Barack Obama, também, e pessoas comuns, inclusive no Brasil, vêm aderindo à moda. Uma das peças mais comuns é a jaqueta que impede a perfuração de pistolas de 9 milímetros ou de calibre 40, que, no Brasil, são fabricadas pela Tamtex, em Mauá, na Grande São Paulo. O gerente de marketing Felipe Silvério conta que o aumento de procura, especialmente por motociclistas, levou a empresa a desenvolver blindagem também para calças e capacetes, ainda não comercializados. Por fora, a roupa é feita de couro ou tecido sintético, como cordura, em cores variadas. Os preços variam entre R$ 1.820 e R$ 2.425. PROTEÇÃO - O empresário Luís Fernando Oliveira de Moura comprou a jaqueta blindada: "Já fui assaltado duas vezes e fiquei traumatizado", diz ele Em países vizinhos, vestir um terno à prova de balas do estilista colombiano Miguel Caballero não é raridade. O presidente Obama teria usado um paletó feito por ele no dia da posse do primeiro mandato, em 2009, informação nunca confirmada ou desmentida pela Casa Branca. Também a alfaiataria Garrison Bespoke, de Toronto, no Canadá, oferece ternos resistentes à bala para executivos. Embora a roupa seja discreta, aumenta em dois quilos o peso. Importante: é preciso licença da Polícia Civil, intransferível, para ter essas roupas. O diretor da Associação Brasileira dos Profissionais de Segurança, Vinícius Cavalcante, aconselha, também, que os interessados façam um curso de defesa pessoal antes, e alerta para o fato de as vestimentas não protegerem contra tiro de fuzil – como já acontece com coletes à prova de balas usados por quem não é policial. “O mais importante é a pessoa aprimorar sua percepção, saber dos riscos ao seu redor e como se portar”, aconselha o especialista. O empresário paulista Luís Fernando Oliveira de Moura, 37 anos, foi um dos que adquiriram a jaqueta. “Tenho que me deslocar por longas distâncias para trabalhar. Já fui assaltado duas vezes e fiquei meio traumatizado. Tenho um filho de 14 anos e preciso me proteger até por ele”, explica o empresário. Nesta sociedade violenta, blindar-se virou tendência. 5#4 É PIOR DO QUE PARECE Infraestrutura sucateada das escolas brasileiras compromete mais a qualidade do ensino do que indicava o censo oficial Fabíola Perez No último mês, o estudante Kaíque Vargas Brito, 10 anos, não conseguiu assistir às aulas regularmente nem jogar futebol nas quadras de sua escola. Ele faz parte de um grupo de 600 alunos que teve de ser transferido para o Centro Educacional Unificado no bairro de Perus, em São Paulo, enquanto a Escola Municipal de Ensino Fundamental Badra passa por uma reforma. Em outubro, a instituição foi interditada após denúncias de que o prédio oferecia riscos à integridade das crianças. Funcionários e familiares contam que a construção foi erguida sobre um aterro sanitário e as obras do Rodoanel Mário Covas ao redor do terreno teriam aumentado a fragilidade do edifício. Inaugurado há apenas quatro anos, o prédio possui paredes com infiltrações e ambientes em mau estado de conservação. SEM MANUTENÇÃO - Escola Badra, na periferia de São Paulo, foi interditada e 600 alunos tiveram de ser transferidos para outro estabelecimento Os problemas que atingem o colégio de Perus são os mesmos enfrentados pela ampla maioria dos estudantes de todo o País. Um estudo realizado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pela Universidade de Brasília (UnB) criou uma escala para medir a qualidade da infraestrutura nas escolas públicas e privadas brasileiras. O levantamento dimensionou o estado crítico da maioria dos estabelecimentos de ensino. Quase metade das instituições tem apenas o mínimo para estar em operação – água, banheiro, energia, esgoto, cozinha. Na outra ponta, somente 0,6% delas dispõe de infraestrutura considerada avançada, com salas de professores, laboratórios de ciência e informática, parques infantis e acessibilidade. “A escala ajuda a quantificar quanto deverá ser investido em políticas públicas educacionais daqui para a frente”, afirma Joaquim José Soares Neto, professor da UnB e um dos coordenadores da pesquisa. A situação é mais grave nos estabelecimentos municipais e isso prejudica a qualidade do ensino. “O professor que deseja trabalhar algumas habilidades específicas não consegue por causa de limitações de infraestrutura”, diz ele. Segundo Neto, em países avançados, o espaço físico é mais padronizado. No Brasil, a escala reproduz as diferenças sociais geográficas dentro do ambiente escolar. Os pais dos alunos da escola Badra não estão satisfeitos com a improvisação adotada em Perus. “Eles não estão tendo aula, são apenas atividades de lazer”, conta Joana Vargas Brito, mãe de Kaíque. Hoje, o colégio passa por duas reformas e a expectativa da prefeitura é de que as aulas voltem ao normal ainda este mês. O mau estado de conservação dos prédios é de fato perigoso para a comunidade escolar. Em 23 de outubro, a luminária e parte do forro da sala de aula da Escola Municipal Lavínia Figueiredo Arnoni, em Ribeirão Pires (SP), caíram, ferindo seis crianças. A defesa civil interditou o prédio e os 360 alunos estão assistindo às aulas em uma escola estadual no centro da cidade. EXCEÇÃO - A escola municipal Rogê Ferreira tem infraestrutura avançada O Censo Escolar do Ministério da Educação, realizado com a colaboração das administrações estaduais e municipais, é a principal ferramenta para obter um panorama nacional da educação e para a formulação de políticas públicas, mas ele não capta a falta de equipamentos e o péssimo estado dos edifícios. Segundo o levantamento de 2012, 40% das escolas públicas de ensino fundamental possuem biblioteca e 42%, laboratórios de informática. A socióloga e diretora da ONG Aprendiz, Helena Singer, afirma, porém, que o cenário é bem diferente. “Os dados não registram que, muitas vezes, apenas a secretaria da escola tem computadores”, alerta. “Existe uma diferença brutal entre as informações do censo e a realidade.” Outro entrave à qualidade do ensino relacionado à infraestrutura é a rotatividade de profissionais. “Escolas municipais com estruturas precárias não conseguem manter o quadro de funcionários e, com isso, não desenvolvem um projeto nem uma identidade”, ressalta Helena. Mas há exceções. Desde 2006, o prédio da Escola Municipal Deputado Rogê Ferreira está inserido no Parque Pinheirinho D’Água, em São Paulo. “Passamos por uma reforma em 2011 para qualificar o espaço”, explica Fernando José Mendonça de Araújo, diretor da instituição. A medida trouxe bons resultados para o ensino. “Graças ao ambiente bem conservado, os professores não têm vontade de sair”, diz ele. “As escolas que quiserem seguir o mesmo caminho precisam investir em infraestrutura e promover encontros entre o conselho diretor, pais, alunos e a comunidade.” 5#5 A TRAGÉDIA DO MENINO DE RIBEIRÃO Assassinato de garoto de 3 anos, encontrado em um rio no interior de São Paulo, descortina a história conturbada de sua mãe, uma psicóloga, e de seu padrasto, que é viciado em drogas Camila Brandalise, de Ribeirão Preto “Dona Augusta?” “Me desculpe, mas não posso falar com ninguém”, responde, retraída, a senhora escondida atrás do muro da casa de classe média, na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Até pouco tempo atrás, Augusta Aparecida Raymo Longo, mãe de Guilherme Raymo Longo, 28 anos, padrasto e principal suspeito da morte do menino Joaquim Ponte Marques, 3 anos, desaparecido na terça-feira 5 e encontrado morto no rio Pardo, no domingo 10, era facilmente encontrada conversando com algum conhecido da vizinhança no portão de sua residência. Agora, é mais cautelosa e não responde tão rapidamente quando ouve o seu nome ser chamado. Só fala depois de muita insistência e para defender o filho, em prisão temporária desde o domingo 10. Além de ter de lidar com a perda de Joaquim, que diz ter sempre tratado como um neto, precisa suportar o envolvimento do nome da família em um dos casos de maior comoção nacional dos últimos tempos. A morte da criança, uma tragédia por si só, causou também o desmoronamento não só de uma, mas de várias famílias: a de Guilherme Longo e Natália Mingoni Ponte, 28 anos, mãe da vítima e mulher dele, e a dos parentes dos dois lados. O casal está preso temporariamente e o sigilo telefônico de ambos e de parentes foi quebrado para obter informações que podem ajudar nas investigações, que começaram colocando o padrasto como possível responsável pela morte. A polícia acredita que Joaquim teria sido jogado no córrego Tanquinho, próximo à casa em que vivia com a mãe e o padrasto. Já se sabe que não houve afogamento e, portanto, o garoto morreu antes – seu corpo foi encontrado na região de Barretos, a 130 quilômetros de Ribeirão Preto. COMOÇÃO - A casa de Guilherme Longo (acima) e Natália Ponte, padrasto e mãe de Joaquim (abaixo), está inundada de cartazes acusatórios contra o casal e de mensagens para a criança de 3 anos assassinada Longo foi ouvido pela polícia na quarta-feira 13. Ele afirma ser inocente e não saber o que aconteceu com o enteado. Também disse ter autoinjetado 30 doses de insulina – antes, havia falado em duas doses. Há suspeitas de que a criança, diabética, tenha morrido com uma superdosagem do medicamento. De acordo com o delegado responsável pelo caso, Paulo Henrique Martins de Castro, serão ouvidos familiares e testemunhas, mas a maior expectativa é pelo resultado do laudo que apontará se há alguma substância no corpo do menino (apesar de especialistas dizerem ser muito difícil encontrar insulina a essa altura, pois o organismo a metaboliza rápido). O documento está previsto para sair em 20 dias. “Precisamos saber o que motivou a morte e qual é o envolvimento exato da mãe e do padrasto em tudo isso”, diz Castro. Chama a atenção na investigação, segundo o delegado, a mudança de postura de Natália do primeiro para o segundo depoimento. “Antes, ela não falava sobre problemas na relação. Depois, admitiu que o companheiro era agressivo e lhe fazia ameaças.” A mãe de Longo, que é filho adotivo, rebate as acusações, apesar de o próprio ter reconhecido, durante testemunho na delegacia, ter sido agressivo com a esposa em algumas ocasiões. “Guilherme era muito amoroso com o enteado e com a mulher”, afirma Augusta. “Ele não seria capaz de fazer mal a ela nem ao menino, pois o tratava como um filho”, diz ela, que tem outros dois filhos adotivos. O pai, Dimas Raymo Longo, está ainda mais recluso do que a mulher. Câmeras flagraram o momento que ele saiu, na madrugada da terça-feira 5, durante quatro minutos de sua residência. Ele mesmo reconheceu que foi até a casa do filho, que mora distante uma quadra, de onde havia saído às 22h, pois estava preocupado. No domingo 3, Guilherme teria tentado se matar ao tomar uma dose muito alta de medicamentos, se internado e saído do hospital na segunda-feira 4. Seu pai estaria por perto para acompanhar a recuperação – várias pessoas ouvidas por ISTOÉ confirmaram que o casal Longo é superprotetor. O pai de Natália, Vicente Ponte, morador e dono de uma autoelétrica em São Joaquim da Barra, cidade distante 75 quilômetros de Ribeirão Preto, afirma nunca ter notado problemas na relação do casal. Ponte fica com os olhos marejados e engole seco ao falar sobre o assunto. “Estamos tentando seguir em frente, mas é tudo muito difícil”, diz. Sua esposa, Maria Cristina Mingoni Ponte, está à base de calmantes. “É um momento de desespero”, afirma o irmão de Natália, o arquiteto Alessandro Mingoni Ponte. “Além da tristeza de perder o Joaquim, não conseguimos nos desligar pensando nela presa. Acreditamos cegamente que ela não tem envolvimento com a morte dele.” Natália conheceu Longo na comunidade terapêutica Santa Rita de Cássia 2, em Ipuã, a cerca de 105 quilômetros de Ribeirão Preto. Ela era psicóloga e ele fazia tratamento para se livrar do vício em drogas. “Natália trabalhava na autoelétrica de manhã com o pai e, à tarde, ia para a clínica, diz Carla Lopes, amiga da família. Pedro Souza, um dos atuais coordenadores da Santa Rita, que também fez tratamento na comunidade, diz ter entrado lá na mesma época em que o padrasto de Joaquim: novembro de 2011. “Conversávamos muito e ficamos amigos”, afirma. “Ele nunca causou nenhum problema.” Segundo Souza, foi em meados de 2012, já ao final do tratamento de Longo, que o rapaz e Natália começaram a se envolver. “Os dois foram fazer um curso de cinco dias em outra cidade. Ele ia ser monitor da clínica. Depois da capacitação, entraria em fase de estágio. Foi nessa viagem que eles se aproximaram.” O ex-interno ficou mais três meses como estagiário e decidiu sair para procurar um emprego na área de informática. Já Natália saiu de lá entre abril e maio deste ano, de acordo com o coordenador. “Ela estava grávida e ele a convidou para morarem juntos em Ribeirão Preto. Ela aceitou.” O filho do casal, Victor Hugo, tem hoje quatro meses e está com os avós maternos. Na mudança, Natália levou para viver na mesma casa com Guilherme o filho Joaquim, de outra união. Segundo o delegado que cuida do caso, a psicóloga ainda estava com o pai do menino, Artur Paes, quando se envolveu com Longo. Devastado com a perda trágica do filho, Paes, que acompanhou as buscas e foi ao enterro, está em sua casa, em São Paulo, à base de medicamentos. LUTO - Na escola Lacordaire, que Joaquim frequentava, a diretora Christinne Magalhães (acima) pediu ajuda de psicólogos para trabalhar a morte do menino. Abaixo, a avó materna Maria Cristina: desespero no velório A psicóloga e Longo começaram a morar juntos há cerca de seis meses. Mas, após a união, Natália decidiu ficar um tempo longe do companheiro e passou alguns dias na casa dos pais, em São Joaquim da Barra. “Ela não comentou com ninguém o que estava acontecendo, mas notamos que havia algum problema”, diz o irmão dela, Alessandro. O delegado Castro confirma. “Natália pensou em se separar porque soube que ele estava usando drogas novamente. Por pressão da família, e de Longo, acabou voltando para Ribeirão com ele.” A relação não parecia ser tranquila, diz o delegado. No segundo depoimento da psicóloga, ela disse que ele a ameaçava constantemente e que tinha ciúme de Joaquim, por ser filho de outro homem. Teria agredido a companheira grávida e dito que iria atrás dela “até no inferno”, caso o deixasse. Chegou a ser agressivo mesmo durante a gravidez. O advogado de Longo, Antônio Carlos Oliveira, nega as acusações. “Ele não tinha ciúme de Artur. Somente uma vez, em que achou que o ex tratava Natália de maneira desrespeitosa, eles sentaram para conversar e resolveram a situação”, diz Oliveira, sem dar maiores detalhes. DOR - Natália se envolveu com Guilherme quando ainda era casada com Artur Paes (acima), o pai de Joaquim, que saiu da capital paulista, onde mora, para acompanhar as buscas do filho e agora vive à base de calmantes No dia do desaparecimento de Joaquim, Natália disse à polícia que dormiu durante toda a noite e só se deu conta de que o filho havia sumido às 7h da terça-feira 5, quando foi aplicar insulina no garoto. O mesmo disse o padrasto, que naquela madrugada admitiu ter saído à procura de cocaína, mas voltou para casa após não encontrar a droga para comprar. Na escola Lacordaire, em que o menino estudava, os alunos começaram a fazer várias perguntas aos professores para tentar entender o que havia acontecido com o amigo. “Com auxílio de dois psicólogos, elaboramos algumas orientações e as enviamos aos pais para que eles também soubessem responder às perguntas sem assustar os filhos”, diz a diretora-geral, Christinne Magalhães. Um dos pontos do comunicado diz o seguinte: “Precisamos minimizar o impacto dessa tragédia em cada lar, não aumentando e remexendo a história.” No lar já devastado onde vivia Joaquim, não será possível seguir essa orientação. __________________________ 6# MEDICINA E BEM-ESTAR 20.11.13 UMA REVOLUÇÃO NO ATAQUE AO COLESTEROL Entidade americana muda o foco da prevenção: em vez de batalhar para atingir metas fixas, o objetivo agora é fazer cair de 30% a 50% a concentração do mau colesterol Cilene Pereira A Associação Americana do Coração anunciou na semana passada recomendações que mudam radicalmente a forma de controlar o colesterol. Depois de quatro anos de revisão dos artigos médicos a respeito do tema, uma comissão de vinte especialistas da entidade decidiu que em vez de tentar baixar os níveis de LDL (o mau colesterol) para menos de 100 mg/dL ou 70 mg/dL, o paciente deve ser orientado a reduzir a concentração desta fração do colesterol entre 30% e 50%, independentemente de atingir ou não os níveis até agora preconizados. “Por muitos anos, a meta era diminuir o mau colesterol para menos de 100 mg/dL. Isso foi completamente eliminado agora”, afirmou o cardiologista Steven Nissen, da Cleveland Clinic, referência da cardiologia mundial. CUIDADO - Na opinião do cardiologista brasileiro Raul Dias dos Santos, do InCor, ao ampliar a faixa de pessoas que estão em risco, as medidas farão com que mais indivíduos sejam tratados De acordo com os especialistas americanos, a mudança se deve à constatação de que o benefício para a saúde cardiovascular, na verdade, é proporcional à redução de colesterol obtida – fato embasado em evidência científica mais sólida do que a que sustentava o uso das taxas como parâmetro. A outra grande alteração está na determinação de quem possui risco suficiente o bastante para começar a tomar uma estatina, o tipo de remédio que controla o colesterol. A partir de agora, indivíduos entre 40 e 75 anos que apresentam 7,5% de chance ou mais de sofrer um evento cardiovascular (infarto ou acidente vascular cerebral) nos próximos dez anos devem começar a ser medicados. Antes, somente as pessoas com risco acima de 20% entravam no grupo das que tomavam o medicamento. A maneira de calcular esse risco também foi aprimorada. A fórmula, disponibilizada aos médicos no site da associação, leva em consideração a idade, o sexo, a raça, colesterol, nível de pressão arterial, se a pessoa tem diabetes e se é fumante. “Cada um desses itens tem um valor numérico a ser incluído na equação que criamos. E ela vai fornecer o risco de cada paciente”, explicou Donald Lloyd-Jones, responsável pela formulação da nova conta. “Focamos realmente na questão do risco global de cada um”, disse o médico. “Existem muitas pessoas com chances substanciais de sofrer algum problema mas que não estavam sendo monitoradas por causa dos padrões anteriores”, completou. Cardiologistas americanos calculam que essas mudanças farão com que dobre o número de pacientes que tomam estatina nos Estados Unidos. As orientações não são consenso entre os especialistas. Há, por exemplo, o temor de que ocorra um exagero na prescrição de estatina, algo que, segundo os críticos, beneficiaria apenas a indústria farmacêutica. “Já existe um uso abusivo de estatina entre pessoas sem história de doença cardiovascular mas que estão tentando se prevenir”, afirmou o cardiologista Eric Topol, chefe acadêmico do Scripps Health, organização americana que reúne 2,6 mil médicos e atende 500 mil pacientes por ano. “Minha preocupação é a de que essas novas recomendações tornem ainda mais promíscuo o uso desses medicamentos.” Outros questionam o abandono das metas no combate ao LDL. Temem que médicos e pacientes se atrapalhem no controle pela falta de taxas precisas. No Brasil, o cardiologista Raul Dias dos Santos, do Instituto do Coração, de São Paulo, também tem dúvidas em relação a essa medida. “Em linha geral, gostei das recomendações porque farão com que mais gente seja tratada. Mas em relação a abandonar totalmente as metas, acho uma questão complexa”, disse. Recentemente, a Sociedade Brasileira de Cardiologia apresentou também suas novas diretrizes para um ataque mais eficiente ao colesterol. Há semelhanças conceituais entre o documento brasileiro e o americano. Os brasileiros também reconhecem que é preciso ser mais agressivo no tratamento do problema e provocar uma redução significativa nas taxas de LDL. No entanto, diferentemente dos colegas dos Estados Unidos, não acabam com as metas. Professor de Cardiologia Preventiva e presidente da comissão responsável pelas novas recomendações americanas, o médico Neil Stone rebateu as críticas. Em sua opinião, as orientações farão com que os médicos ofereçam de fato um atendimento individualizado. “Estamos tirando os cardiologistas da zona de conforto”, disse. “Em vez de confirmarmos que o fato de o paciente alcançar as metas significa que ele está bem, estamos fazendo com que ele se pergunte qual é a melhor terapia para aquela pessoa.” ___________________________ 7# ECONOMIA E NEGÓCIOS 20.11.13 7#1 DEMOLIDOR DE NEGÓCIOS 7#2 AS NOVAS REGRAS DO FUNDO DE GARANTIA 7#1 DEMOLIDOR DE NEGÓCIOS Ao passar o poder da programação da tevê para o consumidor, o Netflix avança nos EUA e no Brasil enquanto assiste à derrocada de seus velhos concorrentes Mariana Queiroz Barboza Quando deixou o palco após receber o Emmy de melhor série dramática por “Breaking Bad”, há algumas semanas, Vince Gilligan, criador do programa, não agradeceu à emissora que transmitiu o seriado por cinco temporadas. O agradecimento destinou-se a um serviço de transmissão online de vídeos. “Foi o Netflix que nos manteve no ar”, disse Gilligan. O sucesso da série na tevê, que atingiu mais de 6 milhões de espectadores em sua última temporada, está atrelado à sua estreia, há dois anos, no catálogo do Netflix. Desde então, a audiência praticamente dobrou e o Netflix foi reconhecido como um distribuidor vital de conteúdo. Mas não é só. Como produtora de conteúdo, a empresa também não ficou para trás. O drama político “House of Cards” levou três prêmios Emmy, um feito inédito para uma série que nunca foi ao ar na tevê tradicional. Criado em 1997 por dois engenheiros de computação da Califórnia, o Netflix é hoje a rede líder de televisão online nos 41 países onde atua, inclusive o Brasil, com filmes, séries e documentários, e fatura mais de US$ 1 bilhão por ano, enquanto assiste confortavelmente à derrocada de seus concorrentes mais tradicionais. VISIONÁRIO - Reed Hastings, presidente do Netflix, sabia desde a fundação da empresa, em 1997, que a internet mudaria o mercado de vídeos Um mês depois de ter superado, nos Estados Unidos, em mais de 1 milhão de assinantes a gigante HBO, o Netflix viu a Blockbuster – que um dia chegou a ser a maior locadora de vídeos do mundo com mais de 9 mil lojas – anunciar seu fim definitivo. No início do ano que vem, as 300 unidades remanescentes da rede que ainda restam em território americano serão fechadas. Para o Netflix não é uma questão de canibalização, mas de competência. “Eles simplesmente não fizeram um trabalho tão bom quanto o nosso”, disse à ISTOÉ Jonathan Friedland, executivo-chefe de comunicação do Netflix. Friedland lembra que a companhia começou como um serviço de entrega de DVDs pelo correio, similar ao que a Blockbuster também tinha. Seu fundador e presidente-executivo, Reed Hastings, contudo, sabia que esse negócio era temporário. A expectativa era que, em cinco anos, os discos digitais fossem substituídos pela transmissão via internet, chamada de streaming. Demorou o dobro do tempo, mas o Netflix soube usar a tecnologia a seu favor. Quando a Blockbuster resolveu entrar no segmento de streaming, em 2011, o Netflix já estava inteiramente focado nisso, construindo uma estrutura virtual, enxuta e hábil em negociar com os grandes estúdios. Em seis anos, conquistou mais de 40 milhões de assinantes no mundo todo. “O Netflix é uma organização centrada no consumidor, faz tudo por sua conveniência”, diz William Halal, professor de inovação da Universidade de George Washington, de Washington, e presidente da consultoria TechCast. Como uma tevê personalizada, a plataforma identifica as preferências de cada cliente, disponibiliza seus programas favoritos na página inicial, sugere outros com características semelhantes e retoma uma série do episódio em que ele parou. Não por acaso, o Netflix lidera o tráfego online na América do Norte, especialmente no horário nobre (entre 21 horas e meia-noite). Na Europa, a participação da empresa no movimento da internet é de 20%. Na América do Sul, que conhece o serviço há pouco tempo, o índice é de 2%. A dominação desse mercado tem preocupado as redes de tevê. Nos Estados Unidos, os especialistas observam uma tendência de jovens que estão deixando a casa dos pais e nunca chegaram a (nem quiseram) assinar um serviço de tevê paga. São os “cord nevers”. Dados da Nielsen mostram que atualmente há, nos Estados Unidos, mais de 5 milhões de casas sem televisão, mas conectadas à internet – em 2007, eram apenas 2 milhões. A consultoria IHS projeta que, em 2013, as assinaturas de tevê paga cairão no país pela primeira vez na história. “Essa geração quer uma programação não linear”, diz Carolina Teixeira, consultora de telecomunicações da Frost & Sullivan.“Com o streaming, o consumidor passa a ter um posicionamento mais ativo e não quer mais que outras pessoas e empresas digam a ele o que assistir e a que hora assistir.” Além disso, a tecnologia funciona aliada à mobilidade de novos aparelhos, como smartphones e tablets, cada vez mais populares. Como a memória está armazenada em servidores virtuais, chamados de nuvens, o consumidor pode acessar seu conteúdo onde lhe for mais conveniente (na academia, na hora do almoço e até em outro país). No Brasil, o número de assinantes da tevê paga continua subindo. Segundo a Anatel, 16,9 milhões de casas assinam o serviço, o que representa um avanço de 16,7% sobre 2012. O mercado, como um todo, quintuplicou de tamanho nos últimos dez anos. Mas, para Carolina, da Frost & Sullivan, isso deve mudar. “Esse crescimento se deve, principalmente, à tevê por satélite, que não precisa de infraestrutura”, afirma. “Os ‘cord nevers’ do País podem não ser só jovens, mas consumidores de áreas que ainda não têm rede de internet banda larga.” Com a ampliação do acesso e a melhoria dos serviços de banda larga, a expectativa é que esses clientes migrem para serviços como o do Netflix. O preço é um atrativo importante. O Estudo de Preços de Televisão por Assinatura, elaborado pela Fipe, entre abril e maio de 2013, mostra que o preço médio do pacote básico de tevê é de US$ 23,25 no Brasil. A mensalidade do Netflix equivale a US$ 8. Nos EUA, uma nova geração de jovens nem se interessa em assinar tevê paga. para eles, a internet basta. os serviços online de vídeo permitem que os consumidores vejam o que querem, onde querem e quando querem, pagando pouco por isso O Brasil é hoje o principal mercado na América Latina para o Netflix e um dos que mais crescem. Segundo Friedland, além de uma crescente rede de banda larga e uma população com renda em expansão, o País atrai investimentos porque os consumidores adoram filmes e séries americanas. Desde que iniciou o serviço aqui, em 2011, o Netflix ampliou em quatro vezes sua oferta de conteúdo, incluiu a opção de legendas e dublagens e produziu pequenos especiais de comédia. O conteúdo nacional deve crescer, apesar da recusa da Rede Globo em negociar com o Netflix. “Vivemos uma situação particular no Brasil, porque é o único país onde a maior produtora de conteúdo não aceita licenciar seus produtos localmente”, diz Friedland. “Nós adoraríamos ter seus programas em nosso catálogo, mas não estamos preocupados. Podemos fazer nosso próprio conteúdo.” PRESTÍGIO - Produzida pelo Netflix, a série -House of Cards- virou febre e ganhou três prêmios Emmy. O segredo para atrair grandes nomes, como Kevin Spacey e David Fincher, é liberdade de criação O Netflix não abre os números, mas divulga que, em 2014, espera dobrar os investimentos em conteúdo original. Estima-se que David Fincher, indicado ao Oscar de melhor diretor por “A Rede Social” e “O Curioso Caso de Benjamin Button”, tenha recebido US$ 100 milhões para estrear na tevê online com “House of Cards”. Kevin Spacey, vencedor duas vezes do Oscar, é a estrela da série. Mais do que dinheiro, Jonathan Friedland diz que o que atrai grandes nomes do cinema a trabalhar com o Netflix é a liberdade. “Não sofremos influência de anunciantes nem limitação de horários”, afirma. “Somos ousados e gostamos de riscos.” A estratégia tem atraído os estúdios também. No início de novembro, o Netflix anunciou um acordo com a Disney para produzir séries exclusivas com personagens da Marvel a partir de 2015. O primeiro a ganhar um programa será o Demolidor. 7#2 AS NOVAS REGRAS DO FUNDO DE GARANTIA Governo amplia as opções de uso do FGTS. Descubra por que as mudanças significam um bom negócio para os trabalhadores com carteira assinada por Fabíola Perez Na semana passada, o governo anunciou que os 37 milhões de brasileiros com carteira assinada poderão aplicar 30% do FGTS em um fundo de investimento ligado a empresas de infraestrutura. A ideia é aumentar a rentabilidade do FGTS, que hoje está em torno de 3,5% ao ano. É um índice muito baixo – perde até para a inflação prevista para 2013, de 5,85%. A tendência é que o novo investimento seja mais vantajoso. Um fundo semelhante de infraestrutura, também administrado pela Caixa Econômica Federal, rende em média 7% ao ano. “Como o dinheiro fica o tempo todo parado no banco, trata-se de uma boa opção de investimento”, diz Samy Dana, professor de finanças da FGV. Recentemente, o governo também mudou as regras de uso do FGTS para a compra de imóveis. O valor máximo que pode ser financiado com recursos do Fundo subiu de R$ 500 mil para R$ 750 mil. “Era uma defasagem que há muito tempo precisava ser corrigida. A mudança vai aquecer o mercado imobiliário”, diz Marcelo Prata, diretor do Canal do Crédito. _________________________ 8# MUNDO 20.11.13 MAIS FEROZ QUE O KATRINA Tufão Haiyan destrói cidades e mata milhares de pessoas nas Filipinas. A questão agora é se o aumento da força de fenômenos atmosféricos incomuns é resultado do aquecimento global João Loes Poucos países estão tão sujeitos a tragédias naturais quanto as Filipinas. Com vulcões ativos, terremotos que ultrapassam os sete graus na escala ­Richter e uma média de 20 tufões registrados todos os anos, há quem diga que essa ilha no Pacífico, uma ex-colônia espanhola, acostumou-se com os castigos impostos pela natureza. Mas nem os calejados filipinos esperavam ter de encarar o monstro meteorológico que aportou por lá na semana passada. Batizado de tufão Haiyan, o fenômeno já é tido como um dos mais fortes de que se tem registro (leia quadro). Até a quinta-feira 14, o Haiyan havia tirado a vida de 2.357 pessoas e ferido pelo menos outras 3.891, segundo dados oficiais. Com ventos médios de 315 km/h, quase 60% mais velozes que os registrados durante o furacão Katrina, que matou 1.836 pessoas nos Estados Unidos em 2005, o tufão chegou a elevar o nível do mar em algumas regiões em até quatro metros, alagando ruas e abrigos subterrâneos. “O Haiyan chegou à costa filipina quando ele estava no pico de suas forças”, afirmou Kerry Emanuel, cientista do clima do Massachusetts Institute of Technology (MIT), à National Public Radio, dos Estados Unidos. A devastação que se seguiu foi proporcional. DESTRUIÇÃO - As cidades de Guiuan (acima) e Tacloban foram devastadas por ventos de 315 km/h e ondas de quatro metros Tufões nesta época do ano na região das Filipinas são um fenômeno bastante comum. O que surpreende no caso do Haiyan é sua intensidade. Há quem diga que a confluência de condições que criou esse monstro nada mais é que uma infeliz coincidência. O estrago se explicaria por acasos como o ângulo incrivelmente desfavorável de entrada do Haiyan no conjunto de ilhas, a velocidade com que ele se deslocou sobre o mar e a presença de ventos fortes na região antes de sua chegada. Outros especialistas, porém, apontam culpados menos aleatórios, sendo o principal deles o aquecimento global. “As mudanças climáticas significam que supertufões não serão mais eventos únicos a cada século”, disse Naderev Sano, em Varsóvia, na Polônia, durante a abertura da 19ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro da Organização das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-19). “Temos que aceitar essa transformação e tentar nos preparar, pois estamos vendo essas tragédias anualmente”, completou ele. Sano anunciou ainda uma greve de fome que seria mantida até que ele visse resultados positivos no sentido de mitigar as mudanças climáticas. Não é difícil entender o raciocínio de Sano e de um corpo crescente de especialistas em clima que associam o aumento da força e da frequência de fenômenos atmosféricos incomuns, como os supertufões, ao aquecimento global. Tufões se alimentam, fundamentalmente, de água do mar aquecida. Com a elevação das temperaturas atmosféricas em função do aquecimento global, as águas do mar se aquecem mais e em áreas mais extensas. Embora cautelosos – o raciocínio requer montanhas de dados para ser comprovado –, até os estudiosos do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), órgão tido como referência mundial no assunto, já reconhecem como provável o vínculo entre aquecimento global e tufões mais intensos. Ou seja, a julgar pelas evidências e os repetidos fracassos nas tentativas de colocar em prática políticas que possam vir a reduzir o aquecimento global, quem vive nas rotas desses destruidores deve se preparar para encarar tufões cada vez mais fortes e frequentes. RESGATE - Voos militares tiraram alguns sobreviventes de Tacloban Em países subdesenvolvidos como as Filipinas, o desafio será ainda maior. E por várias razões. A começar pela ocupação irregular das áreas de risco. Como acontece em boa parte das nações mais pobres – inclusive no Brasil –, o desleixo governamental estimula a ocupação caótica. “Muitos acabam se expondo, sem saber, a perigos que desconhecem”, diz Roberto do Carmo, do Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Fala-se que em Tacloban, a cidade mais atingida pelo tufão Haiyan, parte da tragédia se deveu ao fato de que muitos dos 220 mil moradores viviam em áreas de risco. Até o subprefeito da cidade, Jerry Sambo, foi pego de surpresa. Sua casa, abastecida de suprimentos, mas fincada entre o mar e uma baía, foi alagada em minutos. Por pouco Sambo não perdeu a mulher e o filho afogados. Ambos tiveram de ser retirados às pressas por uma janela quebrada. Investir em sistemas de previsão de tempo altamente sofisticados e na divulgação dessas informações pode ser um caminho para reduzir o impacto das tragédias. De acordo com um analista regional da Aon Benfield, multinacional do ramo de seguros e resseguros, hoje boa parte das previsões de eventos atmosféricos extremos no Pacífico é feita apenas com informações de satélites, sendo que observações conduzidas por especialistas e equipamentos meteorológicos instalados em aviões costumam ser mais precisas. Retomar esses voos e refinar os sistemas de previsão não faria mal a ninguém. “Às vezes, não importa o quanto a gente se prepara, o desastre é simplesmente grande demais”, lamenta Zhang Qiang, especialista em mitigação dos efeitos de grandes desastres da Beijing Normal University, na China. Parece que foi o caso do encontro entre Haiyan e as Filipinas. ___________________________ 9# TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE 20.11.13 9#1 UM APP PARA CHAMAR DE SEU 9#2 PRODUTORES DE MATA ATLÂNTICA 9#1 UM APP PARA CHAMAR DE SEU Com o auxílio de sites especializados e cursos gratuitos, cada vez mais pessoas estão criando aplicativos para celulares e tablets mesmo sem saber nada de programação Juliana Tiraboschi Verônica Souza gosta de festa e é fã da Gambiarra, balada itinerante que acontece em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e Salvador. Pensando em quais informações sempre procurava no site do evento, decidiu criar um aplicativo para celular que reunisse todos os dados: contatos, programação, valores e fotos. Por meio de um site especializado, Verônica montou seu app – os programinhas que rodam em smartfones e tablets – sem precisar ter nenhum conhecimento prévio em programação. Com o produto pronto, contatou os organizadores da Gambiarra, colocou o app nas lojas de aplicativos da Apple e do Google Play e hoje recebe uma remuneração mensal para mantê-lo atualizado. Assim como Verônica, muita gente sem experiência em programação está buscando a ajuda de cursos e tutoriais na internet para criar aplicativos sob medida. Sites como o brasileiro Fábrica de Aplicativos e os estrangeiros iBuild App e App Machine fornecem as ferramentas básicas para que qualquer leigo crie aplicativos de baixa complexidade. “Acho bacana, porque por meio desses sites a pessoa consegue ver se é aquilo mesmo que ela quer fazer e adquire noções de como deve ser o app e seu design”, diz Victor Meireles, vice-presidente do Instituto de Artes Interativas, em São Paulo, escola que oferece cursos de programação para leigos e que vê aumentar a demanda por eles ano a ano. “Recebemos uma média de 50 novas matrículas por mês para o curso básico, 30% mais que no ano passado”, afirma. Mas, para quem está pensando em criar o próximo Instagram, um despretensioso aplicativo de fotos que foi comprado pelo Facebook por US$ 1 bilhão em abril deste ano, é melhor cair na real. “Nós recebemos muitas ideias, mas a maioria quer vender o conceito e quer que a produtora desenvolva o app de graça”, diz Meireles. Para os desenvolvedores, são poucos os casos em que vale a pena investir. “Os que chegam já com um protótipo bem montado são atípicos”, afirma. Mesmo assim, há quem consiga transformar uma boa ideia em fonte de renda. O médico David Pares, de São Paulo, adiou a residência para se dedicar ao aplicativo que criou. Filho e irmão de médico, percebeu ainda na faculdade que não existia um software barato ou gratuito e fácil de usar que ajudasse os profissionais a organizarem consultas e fazerem o planejamento de despesas e receitas do consultório. Em junho do ano passado, lançou o AvalDoc, programa para gestão de clínicas que fica hospedado na nuvem e pode ser acessado de qualquer computador, celular ou tablet. Criou também uma versão mais simples do software em forma de app para smartphone e se prepara para lançar um aplicativo completo para iPad. Pares é autodidata. Fez um curso de programação online gratuito da Universidade de Stanford (EUA), leu livros e pesquisou sobre o assunto na internet. Mas, para garantir que a parte técnica de seu produto estivesse tinindo, associou-se a um engenheiro da computação para criar seu app. Junto com um terceiro sócio, investiu R$ 100 mil no produto. Em março deste ano, conseguiram arrecadar R$ 1 milhão de investidores “anjo”, como são chamados aqueles que injetam recursos em startups. “Fizemos uma pesquisa informal com médicos para saber quais eram as necessidades deles, e elaboramos um plano de negócios somente quando fomos atrás de investimento”, diz. Para quem não tem dinheiro para investir na criação de um aplicativo, Meireles sugere procurar conhecidos com os mesmos interesses que possam diluir os gastos iniciais. “Tenho um amigo que teve uma ideia para uma plataforma de pagamentos, mas não tinha verba para criar o produto. Ele procurou sócios, entre eles um programador, e em oito meses lançaram o app. Hoje eles já têm um escritório com dez pessoas e faturam entre R$ 30 e R$ 40 mil por mês”, diz. Para Tallis Gomes, criador do aplicativo Easy Taxi, quem quer colocar um aplicativo no mercado tem de conversar com outras pessoas e testar a viabilidade da ideia. “No meu caso, ia falar com taxistas, analisava os dados e colocava em uma planilha de Excel”, diz. Outra estratégia de Gomes foi construir o sistema em camadas e começar pelo que os programadores chamam de “minimum viable product”, ou seja, um protótipo viável com as características mais básicas possíveis. “Quando lançamos o site do Easy Taxi, nós mesmos ligávamos para os taxistas para pedir os carros”, diz. Conforme os sócios foram percebendo quais eram as demandas e necessidades dos clientes, o produto foi ficando mais complexo. “A execução é muito importante, vem acima do planejamento. O negócio é ir para a rua, estar presente, e não ficar marcando reunião atrás de reunião”, afirma. David Pares concorda que colocar a mão na massa é o mais importante. “É clichê dizer isso, mas quem quer fazer faz. Todo mundo pode ser empreendedor, tem que mergulhar de cabeça e tentar”, diz.  9#2 PRODUTORES DE MATA ATLÂNTICA Propriedades particulares que abrigam área de Mata Atlântica criam unidades de conservação e dividem com a sociedade o compromisso de preservação de um dos mais importantes biomas do Brasil Ana Carolina Nunes Nenhum bioma brasileiro sofreu tanto com o desenvolvimento econômico do País ao longo dos séculos quanto a Mata Atlântica, um dos ecossistemas mais diversos do planeta. Hoje, apenas 8,5% dos mais de 131 milhões de hectares de sua cobertura original sobreviveram ao Ciclo da Cana, à corrida do ouro, à explosão da cultura cafeeira e, mais recentemente, ao acelerado processo de urbanização das grandes cidades brasileiras. São áreas esparsas, raramente interligadas entre si, que formam pequenas ilhas verdes no imenso oceano de terra desmatada e que, na maior parte das vezes, estão nas mãos de pequenos proprietários rurais. Estima-se que atualmente 80% de toda a área da Mata Atlântica brasileira remanescente seja de propriedade privada. Sua preservação depende, principalmente, da boa vontade de seus proprietários e do frágil sistema de fiscalização ambiental do País. ANO 2000 - A Mata Atlântica devastada na Fazenda Bulcão após ser usada como pasto ANO 2013 - Paisagem original resgatada após a área ser transformada em unidade de conservação Lentamente, no entanto, o desafio de tornar essas áreas intocáveis vem ganhando o apoio exatamente de quem, no passado, via a floresta como um entrave para o desenvolvimento econômico de suas terras. Um número crescente de proprietários rurais tem buscado os órgãos ambientais para transformar suas áreas de Mata Atlântica em reservas florestais perpétuas. Isso significa que, mesmo que as terras passem para as mãos de outros proprietários, a área de Mata Atlântica se manterá intocada. Hoje já existem no País cerca de 760 Reservas Particulares do Patrimônio Natural, as RPPNs. Elas foram o instrumento legal encontrado pelo Ministério do Meio Ambiente para conseguir buscar o apoio dos proprietários na luta pela preservação. “Os donos dessas áreas costumam ter um engajamento ambiental forte, já que o incentivo econômico não é o que convence”, explica Mariana Machado, coordenadora na Fundação SOS Mata Atlântica. Por incentivo, Mariana se refere à isenção do Imposto Territorial Rural (ITR) proporcional à área da reserva e à prioridade na concessão de crédito agrícola, o que, segundo ela, na prática, não é tão simples. O fotógrafo Sebastião Salgado, que agora corre o mundo mostrando seu mais recente trabalho, Genesis, é um dos maiores entusiastas da ideia. Em sua fazenda em Aimoré (MG), Salgado criou a primeira reserva constituída em uma área degradada de Mata Atlântica. Para isso, ele assumiu o compromisso de recuperar os 608 hectares de área devastada por 60 anos de atividade pastoreira. Em 13 anos, os morros carecas, sem nem uma árvore sequer, foram cobertos por uma densa floresta típica da Mata Atlântica. A Fundação SOS Mata Atlântica e a Conservação Internacional (CI Brasil) são alguns dos principais incentivadores do programa. Por meio de editais, auxiliam financeiramente projetos que têm como objetivo transformar áreas de Mata Atlântica em reservas. Nos últimos dez anos, a fundação estima ter incentivado a criação de mais de 300 reservas e investido cerca de R$ 6 milhões. Apesar dos números superlativos, os impactos ainda são pequenos. O empenho da SOS Mata Atlântica conseguiu transformar em reservas naturais apenas 0,5% do total do que sobrou da Mata Atlântica no Brasil. _________________________ 10# CULTURA 20.11.13 10#1 LIVROS - O PODEROSO DA AMAZON 10#2 CINEMA - A NOVA ONDA DO HORROR 10#3 EM CARTAZ – DANÇA - SUSPENSOS POR UM FIO 10#4 EM CARTAZ – SHOWS - UM RONDA COM VANZOLINI 10#5 EM CARTAZ – MÚSICA - ROMANTISMO E HIP-HOP 10#6 EM CARTAZ – CINEMA - CIFRAS VORAZES 10#7 EM CARTAZ – TEATRO - QUEBRA-CABEÇA DE TEXTOS 10#8 EM CARTAZ – AGENDA - FLUXORAMA/UNDER THE DOME/ZERO 10#1 LIVROS - O PODEROSO DA AMAZON Biografia não autorizada do empresário americano Jeff Bezos conta como ele criou a maior loja online do mundo, destaca sua ambição por inovar, mas revela que ele é irascível e autoritário no trato com os empregados Michel Alecrim Ao abrir a loja virtual Amazon.com, em 1995, o empresário Jeff Bezos trabalhava na garagem com o computador programado para tocar uma campainha a cada vez que alguém encomendasse um livro. O comércio eletrônico ainda era incipiente e a expectativa, idem. Mas, em pouco tempo, a tal campainha teve de ser desativada para não ensurdecer Bezos e a sua equipe, formada de jovens como ele. Essa história é contada pelo jornalista Brad Stone na biografia “The Everything Store: Jeff Bezos and the Age of Amazon” (“A Loja de Tudo: Jeff Bezos e a Era da Amazon”), recém-lançada nos EUA. Desse início aventureiro ao estágio de poderoso do e-commerce, fica-se sabendo como o rapaz formado na Universidade de Princeton transformou seu pequeno negócio online na empresa gigante, que faturou, só no ano passado, US$ 61 bilhões (cerca de R$ 142 bilhões) e influenciou o comportamento de milhões de pessoas ao redor do mundo. PIONEIRO - Bezos com um kindle, o leitor de livros eletrônicos da Amazon: devorador de livros na adolescência e amante das invenções Bezos começou vendendo livros apenas porque acreditava que era o produto ideal para conquistar a confiança dos consumidores. Mas a sua ambição de criar uma “loja de tudo” já existia desde os tempos em que trabalhava para a Desco, empresa nova-iorquina especializada em buscar financiamentos para ideias inovadoras. Hoje o site vende de tudo e tem 90 mil empregados para dar conta de tanta procura. O CEO nunca parou de inovar. A Amazon foi pioneira no e-commerce no uso da “compra por one click (clique único)” e em reter as informações sobre as preferências dos compradores. Também inaugurou a prática de dar um percentual a outros sites que direcionassem leitores para ela. Outro trunfo foi a criação de um leitor de livros eletrônicos próprio, o Kindle. Paralelamente às conquistas empresariais, veio a fama de “difícil”. Bezos sempre exibe uma risada franca, mas não é bom contrariá-lo, adverte o biógrafo. Até na escolha do nome da empresa fez questão de não ouvir ninguém – decidiu pela marca ao descartar palavras bizarras como Cadabra. “Ele é capaz de ter explosões e ser bastante ácido como Steve Jobs, que conseguia deixar aterrorizado qualquer empregado que entrasse com ele no elevador”, escreve Stone. O gênio atrevido do empresário, que adquiriu em agosto o jornal “The Washington Post”, foi moldado numa escola de vanguarda no Texas, voltada para crianças superdotadas. Leitor compulsivo, na adolescência passava o tempo às voltas com invenções inúteis, como um objeto feito de pequenos espelhos que formavam a ilusão de ótica de um túnel sem-fim. Copiou a ideia de uma loja para provar que o seu produto sairia mais barato – usaria essa tática mais tarde, na concorrência com as lojas físicas. Outra inovação de Bezos foi dar espaço para os leitores fazerem críticas aos livros. Apesar de ser uma propaganda negativa dos produtos, ela prevaleceu por ser uma forma de orientação aos clientes. Ironicamente, foi através desse mecanismo que a mulher dele, MacKenzie, criticou a obra de Stone. Além de dar cotação de uma estrela (a menor), ela afirmou que o autor deveria ter ouvido mais Bezos e negou que haja a tal cultura do terror na Amazon – a política interna de avaliações constantes e a pouca tolerância com quem não atinge as metas colocam os funcionários em clima de apreensão e medo. Stone já havia entrevistado muitas vezes o biografado em sua carreira jornalística. Mas preferiu basear sua obra nas 300 entrevistas realizadas especialmente para o livro. Pode-se confrontar a versão da esposa com a obra não só por conta do trabalho de investigação do jornalista, mas porque, pelo menos nos EUA, as biografias não autorizadas são sempre muito bem-vindas. 10#2 CINEMA - A NOVA ONDA DO HORROR Feitos com baixo orçamento, os novos filmes do gênero atraem atores famosos, extrapolam o público adolescente e roubam a bilheteria dos blockbusters milionários Ivan Claudio Filmes de horror, com seus enredos amedrontadores e por vezes repulsivos, nunca foram a menina dos olhos no meio cinematográfico. Um mestre do gênero como Alfred Hitchcock teve os hoje clássicos “Psicose” e “Os Pássaros” sintomaticamente esnobados nas festas do Oscar. Da imensa lista de filmes arrepiantes com a chancela de grandes diretores, apenas “O Silêncio dos Inocentes”, de Jonathan Demme, ganhou a estatueta de melhor filme na história do prêmio. Fala-se aqui de uma safra de atestada qualidade. Quando tais produções vêm assinadas por cineastas pouco conhecidos e com orçamentos médios – para não dizer insignificantes –, atores famosos fogem dos papéis habituais de loucos, possuídos ou paranormais como o diabo se escondia da cruz. Mas o cenário está mudando. Com estreia marcada para a sexta-feira 22, “Sobrenatural: Capítulo 2” (produção de US$ 5 milhões) traz a atriz Rose Byrne, conhecida por “X-Men – Primeira Classe”, como a matriarca de uma família assombrada por fantasmas. Um pouco mais cara (US$ 30 milhões), a refilmagem de “Carrie, a Estranha”, com lançamento previsto para o dia 6 de dezembro, vem com um atrativo maior: a classuda Julianne Moore no papel da mãe da garota paranormal. Atores que chamam público marcam ainda três sucessos baratos em cartaz. Em “Uma Noite de Crime”, Ethan Hawke vive um pai que protege os filhos numa noite de massacre liberada pelo governo americano. Custou US$ 3 milhões e faturou US$ 87 milhões. Nos cinemas desde setembro, “Silent Hill – A Revelação”, com Adelaide Clemens no papel de uma garota perseguida por forças demoníacas, triplicou seu custo de US$ 20 milhões. Mais bem-sucedido ainda, em “Invocação do Mal”, dois especialistas em paranormalidade, interpretador por Vera Farmiga e Pratick Wilson, são chamados para solucionar estranhos acontecimentos numa fazenda. O orçamento de US$ 19 milhões proporcionou lucros de US$ 300 milhões. “Filmes de horror sempre foram populares. Se algo mudou foi o foco no sobrenatural e não mais na violência crua”, disse à IstoÉ o produtor americano Jason Blum, da BlumHouse Productions, à frente de “Um Dia de Crime”. Na contabilidade de executivos e agentes de estrelas, a presença de astros chamativos nessas produções médias não se dá apenas pelo lucro exorbitante que vêm proporcionando: eles têm participação na renda, em vez do cachê tradicional. Ou seja, acabam ganhando mais pela atuação. Tudo isso somado abriu os olhos dos grandes estúdios, que passaram a apoiar esse tipo de filme, antes restrito a empresas independentes. “Sobrenatural : Capítulo 2” tem distribuição da Sony Pictures, cujo poder de fogo fez o filme faturar US$ 87 milhões desde a sua estreia em setembro. Foi o quinto título do gênero a estrear em primeiro lugar nos EUA este ano. Para se ter uma ideia do fenômeno, o filme que deu origem à franquia foi feito com apenas US$ 1,5 milhão e, caminhando com as próprias pernas, fechou o ano de 2010 com US$ 97 milhões. “Uma Noite de Crime” teve participação da Universal Pictures. “O segredo é contar boas histórias. Sem isso os sustos não funcionam”, diz Blum. Ainda assim, a corrida em busca de sucessos instantâneos registra quatro lançamentos do gênero em janeiro, inclusive o episódio 5 de “Atividade Paranormal”, que começou na produtora nanica BlumHouse em 2007, ao custo de US$ 15 mil, e hoje é uma série de US$ 720 milhões. Segundo a distribuidora Playarte, que sempre investe no segmento e lança em janeiro “Frankenstein”, com Aaron Eckhart, séries de terror como “Walking Dead” (exibida em 133 países, inclusive o Iêmen) deram um empurrão. Outro impulso vem dos games, na origem de “Silent Hill”. Mas a nova onda de terror traz dados novos. Um deles é a ampliação do público, que inclui agora o feminino (ele bateu o masculino em filmes como “Sobrenatural: Capítulo 2” e “Invocação do Mal”, segundo o instituto americano CinemaScore). Outro seria a aversão desse mesmo público à pirataria: a ida ao cinema faria parte do ritual do medo. Um dos novos representantes do gênero no Brasil, o capixaba Rodrigo Aragão, que lança seu terceiro filme, “Mar Negro” no dia 27 de dezembro, concorda. “Horror encerra uma catarse coletiva. O grupo potencializa a história, gosta de sentir pavor junto.” 10#3 EM CARTAZ – DANÇA - SUSPENSOS POR UM FIO por Ivan Claudio Impossibilitado de trabalhar em razão de duas cirurgias (uma no tendão do ombro e outra no menisco do joelho), o coreógrafo Rodrigo Pederneiras teve apenas dois meses para finalizar o novo balé do Grupo Corpo, que estreia na quarta-feira 20, no Teatro Alfa, em São Paulo. A sensação de trabalhar no limite marcou a criação e deu nome ao espetáculo, “Triz”. Diante de um cenário composto por 15 km de cabos de aço esticados do chão ao teto, os 21 bailarinos da companhia executam movimentos entre o choque e a suavidade. O figurino preto e branco faz confundir o corpo dos dançarinos e o efeito se repete nos duos, trios e coreografias em conjunto. Mais uma vez, a trilha sonora foi feita por Lenine, que usou apenas instrumentos de cordas para enfatizar a sensação de se “estar por um fio”. +5 parceiros do Grupo Corpo Arnaldo Antunes (FOTO) Assinou a trilha de “O Corpo”, em 2000. Pela temática ser urbana, usou apenas sonoridades eletrônicas João Bosco Levou a negritude para o balé mineiro em “Benguelê”, de 1998, que se inspira no congado e no maracatu Tom Zé Em 1997 ele compôs com José Miguel Wisnik a música de “Parabelo”, em que deu acabamento contemporâneo a ritmos regionais Caetano Veloso Criou, em coautoria com José Miguel Wisnik, as canções de “Onqotô”, de 2005. O espetáculo trata da origem do universo Uakti O grupo experimental mineiro é um colaborador antigo da companhia: assinou as trilhas de “21” (1992) e “Sete ou Oito Peças para um Ballet” (1994) 10#4 EM CARTAZ – SHOWS - UM RONDA COM VANZOLINI por Ivan Claudio Poeta, compositor, cientista, boêmio – assim Carlinhos Vergueiro sintetizou o talento múltiplo do sambista Paulo Vanzolini no título do CD que acaba de lançar pela Biscoito Fino e que mostra em apresentações pelo País – a próxima será em São Paulo (Passatempo, quarta-feira 20). Com a sua voz grave, o cantor e compositor dá o tom certo para a dicção urbana de clássicos como “Ronda” e “Volta por Cima”. Segue assim o projeto de valorizar a tradição da MPB que em discos anteriores contemplou Adoniran Barbosa e Nelson Cavaquinho. 10#5 EM CARTAZ – MÚSICA - ROMANTISMO E HIP-HOP por Ivan Claudio Recém-casado com a modelo Chrissy Teigen, o cantor John Legend faz de seu novo CD, “Love in the Future”, um elogio ao amor. Sua formação de pianista e sua convivência com o rhythm and blues aparecem em baladas que não escondem a influência de Stevie Wonder, caso de “Hold on Longer” e “Save the Night”. As melhores faixas desse aguardado quarto álbum são, contudo, aquelas que flertam com o hip-hop e têm a produção de Kanye West, de quem foi músico de estúdio. Em “Who Do We Think You Are”, Legend faz dueto com o rapper Rick Ross e canta sobre bases eletrônicas, num emaranhado de samplers que inclui “If I Should Die Tonight” (Marvin Gaye) e “Let Love Rule” (Lenny Kravitz). É quando o cantor romântico mostra que pode se alinhar com o mais moderno da música negra. 10#6 EM CARTAZ – CINEMA - CIFRAS VORAZES por Ivan Claudio “Jogos Vorazes: Em Chamas”, segundo filme baseado na série de livros de Suzanne Collins, chega às telas com a missão de superar os U$S 691 milhões arrecadados pelo seu antecessor. Não vai ser difícil para o diretor Francis Lawrence, que substitui Gary Ross. O thriller futurista criou uma legião de fãs comovidos com a aventura dos adolescentes enviados para uma grande gincana letal. Soma-se ao seu sucesso a ascensão da estrela que encarna a protagonista Katniss Everdeen, Jennifer Lawrence, vencedora do Oscar de melhor atriz entre o primeiro longa e este. 10#7 EM CARTAZ – TEATRO - QUEBRA-CABEÇA DE TEXTOS por Ivan Claudio Criado para a Feira do Livro de Frankfurt de 2013, o espetáculo “Puzzle”, dirigido por Felipe Hirsch, é dividido em três partes independentes, apresentadas em dias diferentes no Teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros, em São Paulo. Todos os três tomos se desenvolvem a partir de textos de autores como Veronica Stigger, Rodrigo Lacerda, Juliano Garcia Pessanha e Amilcar Bettega Barbosa, que de alguma forma refletem sobre o papel do livro e da leitura na sociedade contemporânea. O cenário de Daniella Thomas é formado por um imenso rolo de papel que se desenrola do teto – e sobre ele o elenco lê os textos, deixando para o espectador a tarefa de criar suas próprias imagens. 10#8 EM CARTAZ – AGENDA - FLUXORAMA/UNDER THE DOME/ZERO Conheça os destaques da semana por Ivan Claudio FLUXORAMA (Oi Futuro, Rio de Janeiro, até 15/12) três atores/diretores (Inez Viana, Rita Clemente e Vinícius Arneiro) se alternam em solos, cada um dirigindo o outro. Texto de Jô Bilac UNDER THE DOME (Canal TNT, segunda-feira, 22h30) série baseada no livro de Stephen King sobre uma cidade que aparece coberta por uma redoma, aprisionando seus habitantes ZERO (Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, até março de 2014) Obras do movimento que reuniu nomes da Europa e América Latina, como Yves Klein, Lucio Fontana e Jesús Rafael Soto ____________________________ 11# A SEMANA por Antonio Carlos Prado e Elaine Ortiz "JANGO, A EXUMAÇÃO" Quarenta e nove anos depois de seu assassinato político pelo golpe militar que o apeou do poder e 37 anos após a sua morte física por infarto quando estava asilado na Argentina, o ex-presidente João Goulart retornou na semana passada em corpo e alma à mídia brasileira e internacional. Na cidade gaúcha de São Borja, sua terra natal e onde foi sepultado, seus restos mortais foram exumados. O que se busca saber é se o infarto se deu por envenenamento. Enquanto os ossos eram remexidos, senadores propunham a anulação da sessão do Congresso que destituiu Jango e a restituição simbólica a ele do cargo de presidente. Ainda que tecnicamente não se conclua se foi ou não envenenado, é fato que a exumação em si é um poderoso ato político contra a inconstitucionalidade dos militares em 1964. Tal ato já começou no Senado, e foi reforçado na quinta-feira 14 quando os restos mortais de Jango foram recebidos em Brasília com honras de chefe de Estado. "FRANCIS BACON, O MAIS CARO PINTOR NA HISTÓRIA DAS ARTES" Adriano Machado Um tríptico do artista plástico britânico Francis Bacon (1909-1992) é a mais cara obra de toda a humanidade já vendida em um leilão. Chama-se “Three Studies of Lucian Freud” e foi arrematada na semana passada por US$ 142 milhões. O tríptico retrata o artista Lucian Freud (amigo de Bacon no dia a dia, mas seu adversário no campo profissional) em uma cadeira, e o leilão foi na Christie’s de Londres (o nome do comprador não foi divulgado). O recorde anterior era do pintor norueguês Edvard Munch, com a obra “O Grito”, vendida no ano passado por US$ 120 milhões. "RAINHA DO REMO" Terça-feira, 12 de novembro de 2013: após 130 horas no mar, a canadense Mylène Paquette se consagrou como a primeira mulher a atravessar sozinha o Atlântico Norte em um barco a remo. Mylène percorreu cerca de 55 mil quilômetros entre o Canadá e a França. "VIDA NO QUARTO DAS CRIANÇAS " Já não faz mais somente silêncio e escuro no quarto das crianças do casal carioca Cláudia e Marcelo Repetto. Foi assim desde 2010, quando suas duas filhas morreram em meio às tempestades e aos desabamentos que ocorreram em Angra dos Reis em pleno Réveillon. Na semana passada, aos 46 anos, Cláudia deu à luz os trigêmeos Flora, Filipe e Valentina. Nos últimos anos ela sofreu um aborto espontâneo e realizou inseminações artificiais. “As minhas duas meninas que morreram sempre pediram um irmãozinho. Vieram agora, por coincidência, de novo, duas meninas e mais um menino”, comemora Claúdia. "EM PLENA SECA, ÁGUA TRATADA IRRIGA MACONHA" Desde que o sertão pernambucano é sertão e desde que a seca é seca, ocorre o crime de desvio de água tratada para irrigar plantações – o crime, frise-se, não é o desvio de qualquer tipo de água, vital às plantações e ao homem, mas sim a utilização de água tratada. Na semana passada descobriu-se que a coisa piorou: nesse momento em que se enfrenta uma severa seca, a água tratada está sendo desviada para irrigar plantações de maconha. Recentemente, com a chegada da Polícia Federal, 15 mil pés de maconha foram destruídos. "R$ 4.200" é quanto o universitário brasileiro, em média, espera ganhar de salário mensal em seu primeiro emprego. A pesquisa é do Instituto Universum. Os jovens suíços são mais otimistas: têm a expectativa de um salário inicial equivalente a R$ 16.300 por mês. "VATICANO EXPÕE PELA PRIMEIRA VEZ RESTOS MORTAIS DE SÃO PEDRO" Pela primeira vez na história do cristianismo, os restos mortais que a Igreja Católica afirma serem de São Pedro (primeiro apóstolo de Jesus) serão expostos publicamente no Vaticano. A determinação para que isso aconteça foi dada pelo papa Francisco e a exposição está marcada para o domingo 24. A urna funerária está localizada nas grutas vaticanas sob a basílica que leva o nome de São Pedro. "VÍTIMA ACORDA AO LADO DO ASSASSINO DE SUA FAMÍLIA" O destino foi perverso demais na semana passada para a paulista Naircleide Dias Duarte. Primeira perversidade: num ponto de ônibus, um criminoso se aproximou e disparou sua arma contra ela, o seu marido e a sua filhinha Julyana, de 6 anos – a menina levava nas mãos uma carta para Papai Noel. Somente a mãe sobreviveu, e foi levada a um hospital. Horas depois do crime, o assassino ­envolveu-se numa briga, foi baleado e também transportado para cuidados hospitalares. Segunda perversidade: quando Naircleide acordou na maca no hospital em que estava, na maca vizinha estava o homem que a baleou e matou a sua família. "O NOVO PRÉDIO BEM ANTENADO" O edifício One World Trade Center, que está sendo construído em Nova York onde antes eram as torres gêmeas destruídas no atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, será mesmo o mais alto dos EUA. Deu-lhe na semana passada oficialmente esse status o Conselho Americano de Edifícios Altos e Habitat Urbano. Motivo: o mastro ao alto do novo prédio foi considerado um pináculo e, dessa forma, é parte permanente da estrutura e não um mero equipamento (no caso, uma antena). Com esse pináculo, o One World Trade Center atingirá 541 metros de altura, superando os 442 metros do Wills Tower em Chicago. A sua inauguração está prevista para o ano que vem. "RECEITA NOS OUTDOORS" Na Alemanha, está cada vez mais intensa a campanha contra as refeições vendidas nas redes de fast-food. Outdoors com propagandas dos hambúrgueres mais famosos do mundo estão sendo cobertos com tinta branca e dando lugar a receitas de comida caseira. O anúncio ao lado ganhou dicas para o preparo de um arroz de frigideira. Vale anotar os ingredientes: uma xícara de arroz, 300 gramas de escalope de peru, uma abobrinha, duas cenouras, um pimentão, uma cebola, sal, pimenta e curry. Os artistas (ou ativistas ou pichadores) são desconhecidos. "DELCIO PENSA QUE MORREU " Não importa quanto tempo passe, não importa quantas gerações se sucedam. O fato é que no Brasil há músicas tão boas que se registra um fenômeno: independentemente de idade, se alguém numa roda de bar começar a cantar, por exemplo, “meu coração/não sei por quê/bate feliz/quando te vê...”, o colega ao lado vai também recordar de um trecho da letra, e assim por diante. Lembrou-se aqui de “Carinhoso”, de Pixinguinha. Situação idêntica, no entanto, se repete com algumas letras de Delcio Carvalho, entre elas “sonho meu, sonho meu/vai buscar quem mora longe/sonho meu...”, ou, então, “acreditar, eu não/recomeçar, jamais...”. Essas duas composições foram feitas em parceria com Dona Ivone Lara, mas Delcio Carvalho também compôs clássicos do morro com Noca da Portela e Ivor Lancellotti. Fica assim demonstrado o quanto o samba perdeu (e nós perdemos) na semana passada com a morte de Delcio, 74 anos, integrante da ala de compositores da Imperatriz Leopoldinense. "PERIGO: É MUITO FÁCIL FAZER ARMA 3D" Os avanços tecnológicos são sempre bem-vindos. E foi com entusiasmo que o advento da impressora 3D foi acolhido. Agora, no entanto, seu uso já se tornou uma preocupação na Europa e nos EUA: tem gente produzindo pistolas em uma impressora 3D e nos testes as balas de 9mm se mostraram letais. Custo da experiência: US$ 1,3 mil com a impressora comprada pela internet mais US$ 68 gastos com o material da arma. Tempo de produção: 30 horas. Nos EUA, o projeto de uma pistola feito por um estudante alarmou a polícia: as instruções para a fabricação receberam 100 acessos. "115 " filmes nacionais estrearam ao longo desse ano. É recorde porque nas últimas décadas se chegava no máximo a 80 novas produções. A maior bilheteria foi “De Pernas pro Ar 2”: 4,7 milhões de espectadores. Os filmes brasileiros ocuparam em 2013 uma parcela de mercado correspondente a 18,8% de tudo que foi exibido nos cinemas. No ano passado, esse índice foi de 8%. "POVO NO ATELIÊ" Entre a ilustração e a pintura, entre a publicidade e as artes plásticas – assim o paulistano Gustavo Rosa construiu a sua carreira marcada não apenas pelo talento, mas também pela perseverança em acreditar que a “geometricidade das formas” em seu trabalho, criticada por muitos como “recurso fácil e simplista”, era na verdade a “expressão estética mais popular”. Sobre a produção de Rosa, disse certa vez o psicanalista e crítico Theon Spanudis que ela transformava “naturalmente” as imagens em caricaturas – e mais uma vez tem-se aí o olhar extremamente popular que ele sempre quis dar à sua produção. “Foi um filho direto do traço de Emiliano Di Cavalcanti”, disse o crítico Jacob Klintowitz. E essa é a sua principal contribuição à cultura nacional: ter aproximado as artes visuais do povo, o que dá no mesmo se falarmos que ele colocou o povo nas telas. Morreu de câncer no pâncreas, aos 66 anos, na semana passada, em São Paulo.