ISTOÉ edição 2295 | 13.Nov.2013 [descrição da imagem: foto de Vanessa Alcântara, centralizada na página. Está de frente, mão posicionadas nos quadris, cabeça levantada, em posição altiva. Veste um blusa sem mangas. Cabelos loiro, longo.] A DAMA DO ACHAQUE “ELES NÃO TINHAM LIMITE PARA ROUBAR” A dama do achaque abre o jogo. Vanessa Alcântara, testemunha-chave do escândalo dos auditores fiscais em SP, conta os bastidores do esquema. EU SAÍ DO BOLSA FAMÍLIA Em dez anos 1,7 milhão de famílias abriram mão do benefício para caminhar com as próprias pernas. O PAPA QUER OUVIR SEU REBANHO Francisco pergunta aos fiéis o que eles pensam sobre casamento gay e casais em segunda união, entre outros temas. _______________________ 1# EDITORIAL 2# ENTREVISTA 3# COLUNISTAS 4# BRASIL 5# COMPORTAMENTO 6# MEDICINA E BEM-ESTAR 7# ECONOMIA E NEGÓCIOS 8# MUNDO 9# TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE 10# CULTURA 11# A SEMANA _____________________________ 1# EDITORIAL 13.11.13 "COROA DE ESPINHOS" Carlos José Marques, diretor editorial Barack Obama, que entre outros papéis se ocupa da missão de líder do mundo livre, está sendo crucificado por detratores em escala global e corre o risco de macular a aura de respeito que os EUA sempre buscaram cultivar entre países parceiros. Tudo devido às peripécias de espionagem, imoral e indevida, que sua equipe praticou contra chefes de nação e empresas mundo afora, bisbilhotando ligações telefônicas. O monitoramento das comunicações, e a consequente violação da privacidade de autoridades, indignou o establishment internacional e colocou em xeque a política externa de Obama e os planos de aproximação que estavam sendo implementados em quase todos os continentes. Depois da reprimenda pública e cobrança de explicações da presidenta brasileira, Dilma Rousseff, em plena ONU, foi a vez da alemã Angela Merkel. A chanceler não se fez de rogada ao saber que foi vítima da mesma arapuca americana que já havia capturado informações de emergentes como Brasil e México. Protestou, exigiu retratação e chamou de volta seu embaixador. No caso de Merkel, até mesmo o celular pessoal havia sido grampeado. Ao que tudo indica, Washington resolveu adotar táticas distintas, de acordo com o status do interlocutor, para abafar o escândalo. A estatura econômica e o peso de influência da Alemanha sobre a estratégica União Europeia revestiram a resposta a Merkel de um caráter de prioridade que não havia sido dispensado até aqui para o assunto. Demorou mais do que o recomendável – e mantém-se em suspense –, por exemplo, uma justificativa adequada para o episódio da gatunagem de dados dos brasileiros. Não por menos é que Dilma Rousseff resolveu se engajar pessoalmente na proposta de formulação de um plano mundial contra a violação de informações. Com o prestígio descendo ladeira abaixo, o presidente americano tem a espinhosa missão de contornar esse mal-estar. Diplomaticamente, a intromissão americana em assuntos de governos parceiros fez recuar anos de negociações multilaterais para o incremento das relações tanto comerciais como políticas. O democrata que havia se apresentado no primeiro mandato como promessa de poder moderador para a crise internacional converteu-se em um trapalhão execrado. O estrago de sua atuação está feito e a contraofensiva dos ofendidos deve ainda incomodar. ____________________________ 2# ENTREVISTA 13.11.13 JOSÉ MAURÍCIO BUSTANI - "A GUERRA DO IRAQUE PODERIA TER SIDO EVITADA" Embaixador do Brasil em Paris revela que foi espionado quando era diretor da Opaq e diz que Prêmio Nobel reconheceu o trabalho da organização em favor da paz por Paulo Moreira Leite PELA PAZ - O diplomata José Maurício Bustani afirma que a Síria já está destruindo seu arsenal de armas químicas Aos 68 anos, o diplomata José Maurício Bustani teve direito a sua cota pessoal de cumprimentos quando foi anunciado que a Organização para a Proibição de Armas Químicas havia sido agraciada com o Prêmio Nobel da Paz. Fundador e primeiro diretor-geral da Opaq, em 2002 Bustani perdeu o posto como punição por uma atitude exemplar em defesa da paz e do entendimento entre os povos. Convencido de que o Iraque não possuía armas químicas nem representava qualquer ameaça à paz mundial, Bustani recusou-se a abrir caminho para a intervenção americana naquele país, medida que inaugurou uma guerra trágica que marcou a última década. Onze anos depois, em seu posto como embaixador em Paris, Bustani falou à ISTOÉ sobre o Prêmio Nobel da Opaq, as pressões americanas e sobre espionagem eletrônica. "Derrubamos uma parede e encontramos todo tipo de microfone do outro lado, capaz de captar qualquer conversa, mesmo confidencial” “O chanceler Celso Lafer disse que teve reuniões em que o governo dos EUA deixou claro que queria minha saída da Opaq" Istoé - O sr. ficou surpreso com a espionagem eletrônica da NSA no Brasil, na Alemanha e em outros países? José Maurício Bustani - A tecnologia mudou muito, mas nós sabemos que a espionagem sempre existiu. Em 2002, vivi uma história que pouca gente conhece. Eu era diretor-geral da Opaq e percebi que havia muitos vazamentos em meu gabinete. Fazendo uma varredura, derrubamos uma parede e encontramos todo tipo de microfone do outro lado, capaz de captar qualquer conversa, mesmo confidencial. Coincidência ou não, isso aconteceu meses antes de o governo americano decidir me tirar da direção-geral da Opaq. Istoé - Em abril de 2002 o sr. foi afastado da direção da Opaq e, em março de 2003, começou a invasão ao Iraque. O sr. acha que a guerra poderia ter sido impedida se tivesse permanecido na Opaq? José Maurício Bustani - Creio que a guerra do Iraque poderia ter sido evitada sim. Nós já tínhamos feito uma inspeção naquele país. Nossos inspetores conheciam o Iraque e haviam tomado parte em missões anteriores. Sabiam o que deveriam procurar. A maior parte das armas químicas já havia sido destruída. As poucas amostras que restaram – era isso mesmo, amostras – foram localizadas e retiradas do país. Só restaram alguns cientistas, que tinham até conhecimento, mas não tinham meios de construir armas. Ainda havia sanções. Além disso, o Iraque já estava convencido a aderir à Opaq, quando enfrentaria controles permanentes. Istoé - Mas o governo George W. Bush não seria capaz de encontrar outro pretexto para a guerra? José Maurício Bustani - Mas teriam de encontrar outra explicação. Eu acho que poderia ter acontecido com o Iraque aquilo que está ocorrendo hoje com a Síria. O país aderiu à Opaq e já está destruindo seu arsenal de armas químicas. Pelo que soube, falta eliminar pouca coisa. O significado do Prêmio Nobel para a Opaq é este. Mostrou que a organização pode ajudar a evitar uma guerra. E fico feliz, como primeiro diretor-geral, por ter contribuído para formar essa cultura. Istoé - O Prêmio Nobel para a Opaq teve um sabor de vingança? José Maurício Bustani - Não. A sensação é de reconhecimento, por uma organização que sempre sofreu com a falta de apoio. A começar pela cidade-sede, Haia, com poucas embaixadas, poucos diplomatas e muitas dificuldades para qualquer atuação mais efetiva em comparação com Genebra, que é o centro diplomático internacional. Istoé - Havia má vontade com a Opaq? José Maurício Bustani - O que se sabia é que o George Bush, pai, só concordou em combater as armas químicas para atender a um pedido da mãe, que tinha ficado horrorizada com imagens de guerra química, na Primeira Guerra. Istoé - Qual é a raiz dessa postura? José Maurício Bustani - Uma questão importante era o regulamento. O estatuto da organização contra armas nucleares, por exemplo, protege as potências que já dominam a tecnologia nuclear e possuem artefatos. Na Opaq nós negociamos um regulamento que fazia exigências iguais para todos, grandes ou pequenos. Para entrar na Opaq uma nação precisava concordar com as inspeções e com a destruição de seus arsenais. Ninguém podia ter armas químicas. Também precisava arcar com os custos da destruição, que são altíssimos. Em função dos riscos de propagação de gases, é muito mais barato construir uma arma química do que destruir. Istoé - Todos os países costumam obedecer aos acordos que assinam? José Maurício Bustani - Calculo que os Estados Unidos ainda tenham 20% de seu arsenal. A Rússia talvez tenha 30%. Mas a maioria destruiu. O problema é que, além dos arsenais militares, é preciso inspecionar a indústria. Porque sempre há o risco de uma fábrica desviar uma parcela de sua produção para fins militares. Istoé - Havia algum problema particular com os Estados Unidos? José Maurício Bustani - O problema é que eles tinham uma indústria química muito mais avançada do que os outros e é até natural, assim, que resistissem às inspeções. Mas nunca cedi. Sempre exigi que o tratamento deveria ser igual. Todos precisavam se submeter às mesmas inspeções e deveriam destruir seus arsenais. Essa percepção ajudou muito na ampliação e consolidação da organização. Ela passou a funcionar depois que havia atingido um número de 87 países. Em pouco mais de dois anos, já estava com mais de 150 membros. Ninguém tinha medo de ser manipulado politicamente. Isso nos ajudou a tentar resolver a crise com o Iraque. Istoé - Por quê? José Maurício Bustani - Havia um problema de lealdade em relação aos inspetores internacionais, em especial da ONU. O Iraque não aceitava a presença deles em seu país. Istoé - Qual é a razão? José Maurício Bustani - Porque os funcionários da ONU não eram funcionários da ONU. Eram pessoas terceirizadas por empresas de outros países. E os iraquianos achavam, muitas vezes com razão, que eles eram mais leais ao país de suas empresas, que pagavam seus salários, do que à própria ONU. Em compensação, eles confiavam na Opaq e aceitaram nossa inspeção. Istoé - Como começaram os problemas? José Maurício Bustani - As dificuldades surgiram quando recebi a comunicação de que tanto a Líbia quanto o Iraque haviam concordado em aderir à Opaq. Comuniquei a notícia a alguns países mais importantes da organização, como sempre fazia. Logo percebi que a coisa desagradou. Os americanos passaram a dizer que eu havia avançado o sinal, que não poderia ter agido daquela maneira. Mas eu sempre fizera o possível para trazer novos países à organização. Aos poucos, ficou claro que, no caso específico do Iraque, eu estava aparentemente atrapalhando outro plano, o da invasão. Se a adesão se consumasse, ficaria óbvio que o país não tinha mais armas químicas e que aceitava destruir o que tivesse. Não havia argumento para invadir. Istoé - Como foi a pressão americana? José Maurício Bustani - O (diplomata John) Bolton me deu 24 horas para sair da organização. Respondi que não poderia fazer isso, pois seria equivalente a reconhecer todas as acusações que eles haviam montado contra mim. Ele disse que Washington exigia minha saída e que ele queria fazer isso de uma forma elegante. Ele até disse que poderia me obter um posto importante, se pedisse demissão. Sugeri que nós fossemos ao conselho da organização. Ali discutimos a questão com representantes de outros países e o conselho me apoiou. Depois disso não havia outro fórum legal para levantar o assunto. Então eles fizeram uma manobra para convocar uma conferência política, que não era prevista pelo estatuto. Eles mobilizaram todos os países ocidentais e outros aliados contra minha posição. Istoé - Por que a França não votou com os Estados Unidos? José Maurício Bustani - Naquele momento, 2002, também estava em curso a campanha presidencial no Brasil. Lula passou por Paris, onde se reuniu com o chanceler Hubert Vedrine, socialista, num governo em coabitação com Jacques Chirac. Lula fez gestões pela minha permanência e os franceses nos apoiaram. Istoé - Como o governo brasileiro se comportou? José Maurício Bustani - O governo brasileiro votou em meu nome, mas nada fez para fortalecer a candidatura. Não mobilizou aliados na América Latina, na Ásia e na África. Se tivesse feito isso, o resultado poderia ter sido outro. Perdi para as abstenções. Foram 48 votos contra Bustani, 7 a favor, 43 abstenções. A Rússia votou a meu favor, a China também. Além de Cuba, na América Latina o México foi o único que me apoiou. O chanceler mexicano já tinha sido vítima de uma operação semelhante do governo americano. Sentiu na própria pele uma ação de Washington e decidiu me apoiar. Istoé - Como avalia a postura do Itamaraty? José Maurício Bustani - O voto brasileiro deu a impressão de que havia alguma reserva a meu nome. Eu não tenho explicação, mesmo porque até hoje não me disseram nada. O chanceler (ex-ministro Celso Lafer), que mal conheço, jamais me disse alguma coisa. Outro dia, numa entrevista ao “The New York Times”, ele disse que teve reuniões em que o governo dos Estados Unidos deixou claro que queria minha saída. Foi a primeira vez na história que se destituiu um diretor de um organismo internacional daquela forma. Foi tão absurdo que recorri à Organização Internacional do Trabalho e um ano depois obtive uma indenização, que doei integralmente aos trabalhos de cooperação técnica da Opaq. Mas fui banido pelo governo brasileiro. Fiquei à margem de qualquer posto diplomático por um ano. Tive até problemas para morar. Istoé - Por quê? José Maurício Bustani - O governo da Holanda, em apoio ao governo americano, cancelou meu visto diplomático. Minha mulher tinha um posto em nossa embaixada e eu só poderia continuar morando no país se declarasse que seria doméstico na casa dela. Não faria isso. Istoé - Como embaixador em Paris, hoje, o sr. considera que Brasil e França vivem um bom momento? José Maurício Bustani - Os dois países têm uma grande aproximação, que se iniciou no governo Lula e prosseguiu com a presidenta Dilma. Existem 600 empresas francesas no Brasil. A maior rede de supermercados brasileira é francesa, a Casino. A maior fornecedora de energia também. Vivemos num mundo de grande avanço e disputas tecnológicas, onde é preciso encontrar parceiros que nos ajudem a queimar etapas e dar saltos. A França pode ser este país. Istoé - De que maneira a França pode nos ajudar? José Maurício Bustani - Os franceses possuem pesquisas tecnológicas importantes, desenvolvidas a partir de uma perspectiva própria. E, é claro, possui uma indústria militar importante. __________________________ 3# COLUNISTAS 13.11.13 3#1 RICARDO BOECHAT 3#2 LEONARDO ATTUCH - COTAS, INCLUSÃO E RISCO BRASIL 3#3 GISELE VITÓRIA 3#4 BRASIL CONFIDENCIAL 3#5 RICARDO ARNT - DESAJUSTE REQUER AJUSTE 3#1 RICARDO BOECHAT Com Ronaldo Herdy Economia Olhar no passado Parte recente da nossa história econômica foi revisitada no dia 1º de novembro, na Casa das Garças, no Rio de Janeiro. Uns 50 especialistas que renegociaram a dívida externa (1993) se reuniram para lembrar o acordo e seus efeitos. Tudo irá virar um livro. Gustavo Franco continua com a faca afiada. Mostrou gráfico no qual o risco Brasil explode na transição PSDB/PT e, em seguida, inicia trajetória de queda. “O ministro Guido Mantega faz mágica ao mostrar só a parte dois da curva.” Finanças Alta-tensão Está faiscando a negociação entre o relator do projeto de revisão do Simples Nacional, deputado Cláudio Puty (PT-PA), e os secretários do Confaz. O desacordo está no texto do parlamentar que defende o fim da substituição tributária para o micro e pequeno empresário. O mecanismo fiscal foi criado para impedir a sonegação, mas pune o empreendedor anulando os benefícios fiscais daqueles que optam pelo sistema diferenciado de tributação. Varejo Quem chega Na “guerra” de churrascarias entre o Rio de Janeiro e São Paulo, o próximo ataque é bandeirante. A tradicional Vento Haragano abrirá sua primeira filial carioca no início de 2014. Áreas na zona sul estão sendo visitadas, inclusive uma no Jockey Club, onde o grupo Porcão será despejado por atraso no pagamento de aluguéis. Propinoduto Faz o que eu digo... O Ministério Público suíço investiga mais um brasileiro envolvido no escândalo de corrupção em contratos de energia e transporte em São Paulo. O alvo é um ex-dirigente de empresa estatal que desde que deixou o cargo dá consultorias no setor. E aulas e palestras sobre ética (sic!) Aviação Novo estilo Pela segunda vez desde que foi criada (2006), a Gol mudará o uniforme de seus 16 mil empregados. Os modelos passam por ajuste final e são concebidos a partir de sugestões de quem os usará. Os tons laranja, cinza e preto continuarão predominantes. As comandantes e copilotas pediram para usar roupas quase iguais às de seus colegas. A última alteração foi em 2011. A nova chega em abril. Automóveis Mecânico no crédito No setor automobilístico, no qual a concorrência não é pequena, a General Motors lançará um pacote, na terça-feira 12, oferecendo ao comprador de um carro zero a opção de incluir no financiamento um plano de manutenção mecânica, de 24 ou 36 meses, até o limite de 40 mil quilômetros. O serviço valoriza o veículo no momento da troca e valerá para a maioria dos modelos da marca. Trabalho Não ao diálogo Na reunião de segunda-feira 4, em São Paulo, para discutir mudanças no seguro-desemprego, ninguém entendeu a postura do presidente da União Geral dos Trabalhadores. Ricardo Patah ficou 15 minutos na sala e saiu “à francesa”. Ao que parece, a ausência do sindicalista não trouxe maiores consequências. Centrais sindicais e o ministro Guido Mantega estiveram frente a frente por duas horas. Turismo Novos tempos Big festa, bolo gigante, salões lotados, novas instalações e show de Ringo Starr. Assim, em Punta del Este, no Uruguai, o Conrad celebrou 16 anos, no dia 2. Tendo o grupo chileno Enjoy como novo sócio, as obras no hotel visam rejuvenescê-lo, segundo a diretora Silvina Luna. “Queremos manter a clientela cinquentenária e atrair pessoas de 25 a 35 anos.” O pacote de entretenimento tem uso maciço de tecnologia. O nightclub Ovo, parte final da reforma, abre as portas no dia 28 de dezembro, com a proposta de ter uma pista de dança tão movimentada quanto as roletas do cassino. Turismo 1 Em alta O número de brasileiros cresceu 15% de janeiro até agora no Conrad, sobre igual período do ano passado. Os apostadores, que em maioria são do Uruguai, Argentina e Brasil, receberão prêmios da ordem de US$ 440 milhões este ano – 8% a mais do que em 2012. América do Sul Afeto centenário Uma boa amizade nunca acaba, diz o velho ditado. A mais recente prova disso foi em Punta del Este, na comemoração dos 90 anos do artista uruguaio Carlos Páez Vilaró, admirado em seu país e na América. No salão da Casapueblo, onde vive e transformou num centro de artes, ao receber o presidente José Mujica no dia 2 e vendo muitos brasileiros no local (na foto com a paulista Taís Lambert), ele enalteceu o centenário de Vinicius de Moraes, em público. A amizade entre ambos surgiu quando o poeta brasileiro foi embaixador no Uruguai e era presença constante na Casapueblo. Saúde “À la Obama” Os EUA enfrentam uma escassez de médicos. Problemão para um país em envelhecimento, onde 55 milhões de pessoas vivem em áreas com acesso limitado aos serviços de saúde. Por isso, quase a metade dos Estados americanos adotou leis que autorizam enfermeiros, pós-graduados em saúde, a oferecer cuidados médicos, incluindo exames de rotina, diagnóstico preliminar, prescrição de medicamentos e acompanhamento de doenças crônicas. Se no Brasil algo simular for proposto, o ministro Alexandre Padilha será expulso do País. Agronegócio Segunda geração Há 50 anos no Brasil, seu segundo mais importante mercado no mundo, a Monsanto está lançando ao mesmo tempo quatro sementes transgênicas: milho (2), algodão e soja. As sacas desta última (Intacta RR2 PRO) foram entregues pelo próprio presidente da multinacional, Hugh Grant (homônimo do ator) a Eraí Maggi (primo do senador Blairo Maggi), o maior plantador de soja do planeta. A Monsanto investirá US$ 300 milhões no Brasil, em dois anos. Arte Brasil na França Com trabalhos de dez artistas nacionais e de outros 60 de diversas partes do mundo, a Fundação Cartier inaugura a exposição “América Latina 1963-2013”, no dia 19, em Paris. Arthur Barrio, Hélio Oiticica, Miguel do Rio Branco e Anna Bella Geiger fazem parte do grupo. Aliás, esta última tem nove obras na mostra, entre elas “História do Brasil: little boys and girls”, capa do catálogo. Cinema Ator & empresário Desde 1999 na TV Globo, Murilo Rosa decidiu diversificar. Ele acaba de abrir uma produtora no Rio de Janeiro, com planos de investir em pelo menos dois filmes no ano que vem. “O mercado brasileiro vive um bom momento e há tempos eu queria ser empreendedor na área cultural.” O ator vive outra expectativa: dia 22 estreia “Vazio Coração”, 13º longa de sua carreira, baseado numa relação de amor entre pai (Lima Duarte) e filho. As nove canções que interpreta “sem play black” são de Alberto Araújo. 3#2 LEONARDO ATTUCH - COTAS, INCLUSÃO E RISCO BRASIL Incluir negros no setor público e no consumo conta mais do que apertar a política fiscal. Numa semana tomada pelo escândalo da quadrilha dos fiscais de São Paulo e pela histeria de alguns agentes econômicos em relação à situação das contas públicas, uma das principais iniciativas do governo Dilma Rousseff passou praticamente despercebida: o apoio enfático ao projeto que reserva 20% das vagas nos concursos públicos para afrodescendentes. No Twitter, Dilma defendeu a política de ação afirmativa e disse uma verdade incontestável num Brasil que não se diz racista: a cor da pele ainda é, infelizmente, um fator de exclusão. A essa iniciativa, soma-se uma interessante entrevista concedida pelo economista Joaquim Levy, ex-secretário do Tesouro Nacional e ex-Fundo Monetário Internacional, sobre a gritaria do mercado financeiro relacionada à situação das contas públicas. Segundo Levy, mesmo que não cumpra a meta de superávit primário de 2,3% do PIB, o Brasil não está nem perto de um “abismo fiscal”. Além dele, uma agência de risco, a Standard & Poor’s, garantiu que não trabalha com a hipótese de rebaixamento da nota do País, a despeito da pressão que parte de setores da própria sociedade brasileira para que isso ocorra. No entanto, o que as cotas raciais têm a ver com a discussão sobre contas públicas e risco Brasil? A resposta está na entrevista de Levy, na qual ele afirmou que uma sociedade é analisada por fatores que vão muito além da contabilidade pública. Um dos aspectos essenciais é a política de inclusão social. “Se tivermos esse modelinho, o mundo pode dar cambalhotas que o Brasil vai continuar navegando”, afirma. “É isso que o investidor olha e diz ‘eu quero estar ali’.” Nos últimos anos, milhões de brasileiros foram incorporados à classe média, o que fez com que, mesmo nos períodos de crescimento relativamente baixo, a sensação de bem-estar econômico fosse preservada. A grande oportunidade para dar um salto nas políticas de inclusão social pode vir justamente da política de cotas raciais no setor público, que, além da estabilidade, oferece os melhores salários e aposentadorias. Nos Estados Unidos, onde a proporção de negros é muito inferior à da sociedade brasileira, eles já chegaram ao poder, não apenas com Barack Obama, mas também com figuras de forte representação social, como os astros Morgan Freeman, Eddie Murhy e Denzel Washington, além de vários presidentes de grandes empresas. Lá, as políticas de ação afirmativa foram implantadas em 1961, pelo então presidente John F. Kennedy, o que significa que o Brasil está pelo menos meio século atrasado nessa discussão – assim como esteve atrasado na Abolição. Criar oportunidades reais para que os negros sejam incorporados aos postos de elite da carreira pública e ao mercado de consumo é o grande salto que o Brasil pode e deve dar nos próximos anos. E que certamente contribuirá mais para a redução do risco Brasil e o crescimento da economia do que um eventual aperto nas contas públicas. Uma política que trará benefícios, inclusive, para os setores mais conservadores da sociedade, seja numa maior paz social, seja em maiores lucros para suas empresas. 3#3 GISELE VITÓRIA Gisele Vitória é jornalista, diretora de núcleo das revistas ISTOÉ Gente, ISTOÉ Platinum e Menu e colunista de ISTOÉ Happy Birthday Sabrina Sato foi a capa da edição de aniversário e se jogou na pistinha do bar Numero, em São Paulo, na festa de 14 anos da revista IstoÉ Gente, que comemorou também um ano de sua nova fase, feminina e mensal. Sabrina brilhou a bordo de um vestido de Reinaldo Lourenço. Vestida num longo de Mabel Magalhães, Luiza Brunet, colunista de beleza da revista, deu rasante com Lírio Parisoto. O estilista André Lima foi o DJ da noite, ao lado de sua musa Débora Falci, e embalou os convidados até a madrugada. A top Daiane Conterato, nova musa da Dior, também circulou pela festa. A edição de aniversário já está nas bancas. Uau, Aline Weber! A top Aline Weber ficou completamente nua para um vídeo da revista norte-americana “25 Magazine”. Foi destaque do site models.com, bíblia online da moda mundial. “Foi minha primeira vez”, diverte-se. “Nos primeiros minutos, confesso que foi bem estranho. Deu frio na barriga, mas logo comecei a sentir como algo natural”, diz ela. Aline se despiu por quatro horas para a gravação do vídeo que traz à tona o tema narcisismo. “Sou bem tranquila com o meu corpo, então relaxei. Não sou crítica nem fico controlando. Corpo todo mundo tem e o meu é como é.” Mas, como qualquer mortal, ela enxerga defeitinhos: “Talvez, se eu tivesse um pouquinho mais de bumbum, acharia bom”. Acordo à vista Caminha para um acordo, e não mais para os tribunais, a separação de José Dirceu e Evanise Santos. O ex-ministro e Eva, como é chamada, nunca moraram juntos na relação de oito anos recém-terminada. Mas, levando em conta que foi companheira nos anos difíceis de Dirceu, uma compensação financeira está sendo acertada. Antes de seu novo julgamento, previsto para fevereiro ou março, após recurso aceito dos embargos infringentes, o ex-ministro começa agora a viajar por capitais brasileiras. Falará sobre os governos Lula e Dilma e o PT. Depois da capa da “Time” Alex Atala parte em turnê no fim de novembro para divulgar pelo mundo seu livro “D.O.M. – Redescobrindo Ingredientes Brasileiros”. O chef embarca para a Austrália, onde lança a obra em inglês. Depois, segue para o Japão a passeio. Na sequência, voa para a Alemanha e lá recebe um prêmio. E aterrissa na Itália para dar uma aula. Atala e os chefs David Chang e René Redzepi acabam de ser capa da “Time”. Foram chamados pela revista americana de “Deuses da comida”. “Estou muito feliz e surpreso com a capa da ‘Time’. Não esperava”, disse Atala, que, na segunda-feira 11, faz lançamento do livro ao público na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo. Balas Reservas feitas O cantor Stevie Wonder já está com reserva no hotel Tivoli, em São Paulo. Vem em 12 de dezembro para show do Circuito Banco do Brasil na capital paulista no dia 14. Antes, canta em Brasília. Em algum lugar do mundo Os gêmeos de Roger Abdelmassih com a procuradora Larissa Sacco acabam de completar dois anos. Casa nova Em meio às puxadas gravações da novela “Joia Rara”, Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank estão às voltas com a nova casa. O casal comprou uma mansão no Itanhangá, no Rio, avaliada em R$ 3 milhões. Devem se mudar até o fim do ano. Eles e seus cachorros. O casal queria mais espaço para os mascotes. Por enquanto, desistiram de construir no terreno que possuem no Joá. Não tiveram as autorizações necessárias por ser área ecológica. 3#4 BRASIL CONFIDENCIAL Por Paulo Moreira Leite Chineses quase deixaram o pré-sal Apareceu mais uma novidade na coleção de previsões erradas sobre o leilão de Libra. Ao contrário do que se disse, a participação das duas estatais chinesas nunca esteve garantida. Por razões que ainda não ficaram inteiramente claras, na última hora elas ameaçaram até deixar o leilão. Acabaram se convencendo a ficar, mas com uma fatia menor: 10% para cada empresa, contra 20% na previsão inicial. Como se sabe, a outra previsão errada é de que grandes petroleiras privadas ficariam de fora. A Shell e a Total já vinham negociando há meses sua entrada no consórcio. Punição leve demais O governo preocupa-se com o destino de um agente da Abin que ocupava um posto graduado em Foz de Iguaçu. Cooptado pelo serviço secreto americano, foi aposentado e deixou o serviço. Considera-se que, mais bem investigado, seria caso de demissão e punição. A conta é de Mojica Para a lista de irregularidades inevitáveis num cadastro que reúne perto de 14 milhões de ­famílias e 60 milhões de pessoas: a Polícia ­Federal localizou perto de 30 uruguaios que, residindo na região de fronteira, conseguem receber o Bolsa Família. Por lei, quem deveria pagar a conta é o presidente José Mojica. A chapa Dilkmin Pesquisas qualitativas da campanha petista fizeram uma descoberta interessante. É grande o número de eleitores de São Paulo que têm disposição para votar numa coligação própria: Dilma para presidente e Geraldo Alckmin para governador. A guerra dos R$ 15 mil O presidente do Senado, Renan ­Calheiros, proibiu Benedito Lira (PP-AL) de usar a TV Senado para exibir uma audiência ­pública em Alagoas, alegando o ­custo de R$ 15 mil. ­Benedito fala em retaliação. Renan havia autorizado o programa e só mudou de ideia ao saber que não seria convidado. Uma causa de bilhões no STF Marcado para iniciar em 27 de novembro, o julgamento das ações de correntistas contra os planos econômicos – Collor 1 e 2, Bresser e Verão – envolve R$ 181 bilhões e mobiliza interesses equivalentes. Nos bastidores do STF, os ministros divergem até sobre a forma de votação. Alguns preferem uma decisão conceitual, única, que valeria para todos os casos. Outros preferem julgar cada plano em separado. Haddad apoia Haddad O aumento do IPTU confirmou para o PT que o grande ­compromisso do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, é com Fernando Haddad. Procurando levantar a candidatura de Alexandre Padilha ao Palácio dos Bandeirantes, os petistas têm certeza de que o ministro da Saúde ficará mais difícil de carregar com o reajuste no principal imposto municipal. O arrocho à grega no BC Em dias de austeridade grega sob a presidência de Alexandre Tombini, o Banco Central jamais poderá ser acusado de não cortar gastos. A biblioteca está fechada porque os servidores terceirizados foram dispensados. Os estagiários foram demitidos, as ligações interurbanas estão suspensas e o uso de internet de livre navegação está limitado à meia hora por dia. Uma das poucas atividades liberadas como antes é o acesso a serviços online de atualização sobre economia e finanças – informação obrigatória numa instituição que tem a obrigação de monitorar crises de mercado. Vingança à mineira Incapaz até agora de garantir o apoio do PMDB mineiro a Dilma Rousseff em 2014, o ministro da Agricultura, Antonio Andrade, pode perder o cargo. O nome cotado para a vaga é o do gaúcho Eliseu Padilha, com aval do vice-presidente Michel Temer. Toma lá dá cá Senador José Pimentel (PT-CE), líder do governo, defende criação de agência reguladora o setor rural ISTOÉ – Por que uma agência para a agricultura? Pimentel – Ela pode articular os Estados numa só política agrícola. Estamos removendo os entraves para que o Brasil se torne o maior produtor de grãos do planeta, com a melhor política de preservação ambiental. ISTOÉ – Não será mais um cabide de emprego? Pimentel – A estrutura é enxuta e os empregados serão contratados mediante concurso público. Essa é uma demanda dos pequenos e médios produtores. ISTOÉ – Para isso, já existe a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural, Emater. Ela não tem feito seu papel? Pimentel – Ela faz parte da estrutura dos Estados. É preciso harmonizar o conjunto de ações federais, estaduais e municipais no processo de implantação das políticas. Rápidas * Nesta semana, no Centro-Oeste, Lula cumpre agenda presidencial. Em Corumbá, participa de um seminário sobre o Mercosul com senadores do Paraguai e da Bolívia. Em seguida, vai a um encontro em Campo Grande, com empresários do agronegócio. * A proposta que prevê punição para árbitros que cometam erros durante os jogos do campeonato brasileiro de futebol ganhou um padrinho de peso. O deputado Romário (PSB-RJ) recebeu dos parlamentares a missão de promover uma audiência pública para discutir o assunto. * Um juiz de Ananindeua, no Pará, se passou por engenheiro para conseguir aprovar na prefeitura o projeto de sua residência. Não bastasse, o terreno pertencia a uma família local que foi despejada e agora recorre ao CNJ para recuperar sua propriedade. * Os números corretos de apreensão de drogas nos últimos 12 meses pela Polícia Federal, em Minas Gerais, são os seguintes: 3,7 toneladas de maconha, 1,8 toneladas de cocaína. Retrato falado “É um lobby fortíssimo das empresas interessadas em vender o equipamento. Não há estudos mostrando que o treino em um desses equipamentos pode reduzir o número de acidentes” O deputado federal Marcelo Almeida (PMDB-PR) tem uma causa particular: impedir que a Câmara transforme em lei a resolução do Conselho Nacional de Trânsito que obriga autoescolas a adquirirem simuladores de direção. Cada equipamento custa em média R$ 30 mil e todas as 12 mil empresas legalizadas teriam de comprar pelo menos uma máquina. Para o deputado, que é ex-presidente do Detran do Paraná, o negócio pode render mais de R$ 360 milhões em apenas um ano para quem comercializa o produto. Com receio de ser apanhado de surpresa, Almeida mobiliza assessores num plantão permanente para evitar que a proposta seja votada repentinamente. Justiça eleitoral A senadora Kátia Abreu (PMDB/TO) responde a processo no TSE por abuso de poder econômico. Ela é acusada de emitir boleto a todos os associados da CNA e utilizar o dinheiro na campanha do filho. O caso, sigiloso, está concluso para apreciação da ministra Carmen Lúcia desde o início de setembro. Cortando bilhões Autor de uma emenda que pretende criar um fundo nacional de segurança pública, o senador José Capiberibe (PSB-AP) ficou surpreso com uma supressão nas fontes de recursos. O plano era transferir 3% do lucro líquido dos bancos para o fundo mas, após primeiras discussões, acabou reduzido a 3% do IOF, diferença de vários bilhões. 3#5 RICARDO ARNT - DESAJUSTE REQUER AJUSTE Ricardo Arnt é diretor da revista Planeta Ninguém quer acabar com o Bolsa Família. Seus benefícios amenizam a consciência pesada da lamentável concentração de renda brasileira. Mas poderá o Estado continuar a aumentar seus gastos?. O senador Aécio Neves, candidato à Presidência da República pelo PSDB, apresentou ao Congresso um projeto de lei visando transformar o Bolsa Família em um programa de Estado permanente, incorporado à Lei Orgânica de Assistência Social. Trata-se, também, de uma cartada eleitoral. A oposição busca neutralizar as acusações de “terrorismo”, renovadas a cada eleição, pelo seu (suposto) desejo de extinguir o programa – ameaças que também ajudam o governo a “perpetuar-se” no poder. A propósito, Marina Silva e Eduardo Campos já se comprometeram a manter o programa. Originado no projeto Comunidade Solidária, da professora Ruth Cardoso, em 1995, no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, o Bolsa Família foi consolidado nos governos petistas, tornando-se um vasto programa social e um formidável trunfo eleitoral. Em 2002, os tucanos gastavam R$ 3,2 bilhões (em valores atualizados) com ele. Hoje, a rede de assistência custa R$ 21,4 bilhões, ou 0,5% do PIB, atingindo 13,5 milhões de famílias e beneficiando 50 milhões de pessoas de baixa renda. Tradicionalmente, esse custo é comparado aos 5,5% do PIB que o governo gasta anualmente para rolar a dívida pública e pagar os portadores de títulos do Tesouro Nacional e fundos de investimento. Ocorre que os 50 milhões de beneficiados que recebem até R$ 200 mensais são o extrato no qual o governo Dilma detém a maior intenção de voto em 2014 (50% contra 42% na população em geral). A constatação turva o discurso triunfante sobre “transferência de renda direta na veia”, feito no décimo aniversário do programa pela presidente Dilma: “Varremos as políticas clientelistas centenárias no nosso país”. Para a oposição fez-se precisamente o contrário: projetou-se o clientelismona era do cadastro digital, promovendo o maior estelionato eleitoral já praticado no Brasil. Em ambos os casos, muitos se perguntam como e quando o Bolsa Família vai acabar. Como funciona a “porta de saída” que converte assistencialismo em salto de capacitação, empreendedorismo e trabalho? Como consolidar uma distribuição de renda indutora de mobilidade social avessa à formação de uma geração de “encostados”, com cabresto eleitoral vinculado a cartão bancário? Ninguém quer acabar com o Bolsa Família. Seus benefícios amenizam a consciência pesada da lamentável concentração de renda brasileira. Não importa se o mercado o despreza, a sociedade é maior do que o mercado. Mas poderá o Estado continuar a aumentar seus gastos como vem fazendo? É possível ignorar os riscos de um quadro de crescente endividamento público, déficit na balança de pagamentos, truques fiscais, inflação acima da meta (embora abaixo do teto) e municípios e Estados reivindicando afrouxamento na Lei da Responsabilidade Fiscal? A essa altura, muitos acham que alguma coisa drástica terá de ser feita para se preservar as conquistas econômicas e sociais arduamente conquistadas nos governos FHC e Lula. Isso deverá acontecer inevitavelmente após as eleições presidenciais de outubro de 2014. Talvez a rotatividade no poder ajude. O pior é ignorar que desajuste requer ajuste. Ricardo Arnt é diretor da revista Planeta ________________________ 4# BRASIL 13.11.13 4#1 AS ESCAPADAS DE DILMA 4#2 A DAMA DO ACHAQUE ABRE O JOGO 4#3 O RISCO POLÍTICO DE HADDAD 4#4 "EU SAÍ DO BOLSA FAMÍLIA" 4#5 JUSTIÇA CHEGA AOS HOMENS DO PROPINODUTO 4#1 AS ESCAPADAS DE DILMA A presidenta queixa-se das restrições impostas pelo cargo e admite que tem fugido para passeios secretos em busca de prazeres triviais e da sensação de liberdade O poder embriaga. O poder é afrodisíaco. O poder isola. O poder cobra seu preço. Que o diga a presidenta Dilma Rousseff. Às vésperas de entrar em campanha na disputa por mais quatro anos no Palácio do Planalto, ela confidenciou na semana passada que a incomodam muito as amarras impostas pelo mais alto cargo da República. Com seus movimentos limitados (e sempre vigiados), ela admitiu pela primeira vez estar recorrendo a fugas (assim mesmo, no plural) para viver alguns momentos triviais e experimentar sensações que estão ao alcance de qualquer cidadão comum. “Brasília tem um inconveniente, porque não tem esquina, como nas outras cidades. Não tem como eu caminhar até ali e comer uma coisa. Mas eu ando fugindo bastante, sabe?”, diss em entrevista a rádios do grupo gaúcho RBS. “Uma pessoa que foge não fica contando que foge, mas é fácil fugir”, completou. “Não tem como eu caminhar até ali e comer uma coisa. Mas eu ando fugindo bastante, sabe?” - Dilma Rousseff, presidenta da República Quantas terão sido as escapadas? Com quem? Quais eram o destino e o objetivo? Já se conhecia – fruto de uma inconfidência do ministro Edison Lobão, que ouviu o relato da própria Dilma – o passeio de moto na garupa do ex-ministro da Previdência Carlos Gabas, em agosto passado. Ou uma caminhada anônima pelas ruas de Nova York, há três anos. Na entrevista, a presidenta relatou outro episódio, em que ensaiou uma volta, a pé, pela Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, um cenário da sua infância. “Mas não durou muito, não”, lamentou. “Vinha assim uma barreira, uma coluna de câmeras, aí não pude andar.” Descontraída, Dilma queixou-se de não dirigir mais seu próprio carro e disse que gostaria de tirar habilitação para pilotar motos. “Agora entendo por que tem tanto motoqueiro. É uma grande sensação de liberdade.” Mais ou menos inocentes, discretas ou deliberadamente “vazadas”, as escapulidas em busca de sensações (nem sempre tão prosaicas) são uma espécie de tradição nas altas esferas públicas. O marechal Costa e Silva, segundo presidente do regime militar, deixava o Alvorada às escondidas para deleitar-se nas mesas de carteado. João Goulart, Juscelino Kubitscheck e até mesmo Getúlio Vargas são famosos por usarem seu tempo livre em expedições secretas ao idílio. Contavam com a cumplicidade de assessores e seguranças para ocultar seus compromissos extra-agenda e extraconjugais. Fugas presidenciais poderiam ocorrer até mesmo sem deixar a imensidão dos palácios. O presidente americano John Kennedy muitas vezes “perdia-se”, com companhias femininas, em cômodos obscuros da Casa Branca. Décadas depois o também democrata Bill Clinton imitou seu ídolo político. Menos cuidadoso, porém, acabou flagrado e uma aventura sexual com uma estagiária nos corredores do poder por pouco não resultou em seu impeachment. Itamar Franco, por sua vez, não fazia mistério de sua busca por diversão. Um raro presidente sem primeira-dama (era viúvo quando assumiu o Planalto), não se incomodava em ser fotografado com a namorada no cinema ou em ter sua vida romântica cercada de especulações. Também não ruborizava diante das cenas insólitas, como quando foi fotografado ao lado da exibicionista Lílian Ramos, uma atriz de segunda linha catapultada para o estrelato pela ausência de decoro (e de peças íntimas) no camarote presidencial do Carnaval do Rio de Janeiro em 1994. Dilma também não tem um cônjuge com quem dividir os prazeres e as angústias do poder. Normalmente contida e discreta, a presidenta nunca escondeu que seu foco principal está no trabalho e muitas vezes queixou-se de sofrer uma cobrança maior por sua condição de primeira mulher a chegar ao topo da hierarquia política nacional. Agora, sentindo-se em casa no Palácio do Alvorada – onde foi feita a entrevista –, ela falou com naturalidade até quando a pergunta insinuava uma intromissão em seu universo particular. Questionada se também já havia fugido para namorar, Dilma não se esquivou. “Seria muito bom que eu estivesse fugindo para isso, pois seria, assim, um momento de grande relaxamento”. 4#2 A DAMA DO ACHAQUE ABRE O JOGO Investigações sobre o pagamento de propina a auditores avançam e se aproximam do ex-prefeito Gilberto Kassab. Vanessa Alcântara, testemunha-chave do escândalo, conta os bastidores do esquema e dá detalhes da vida de luxo que levava ao lado de um corrupto Alan Rodrigues ELA CONTA TUDO - Ex-mulher do fiscal envolvido no esquema diz que levava uma vida de madame à custa do dinheiro da corrupção A investigação sobre o escândalo do pagamento de propina a auditores fiscais da Prefeitura de São Paulo, operado por grandes incorporadoras em troca de desconto no recolhimento de tributos, subiu alguns andares na semana passada e chegou à porta do ex-prefeito Gilberto Kassab. Em conversas telefônicas interceptadas pela polícia, com autorização da Justiça, um dos auditores fiscais do esquema afirma que o secretário e o prefeito com quem trabalhou “tinham ciência de tudo”. Para quem investiga o caso, a revelação do diálogo entre os fiscais não foi nenhuma novidade. No dia 6 de setembro passado, a testemunha-chave da investigação da quadrilha, Vanessa Alcântara, ex-companheira de Luís Alexandre Magalhães, um dos quatro fiscais presos, revelou à Corregedoria-Geral do Município (CGM), ao Ministério Público Estadual e à polícia como o grupo do ex-marido operava. Ela entregou também uma pasta recheada com 150 folhas de documentos,que comprovavam a participação do ex-companheiro no esquema de fraude no recolhimento de tributos e gravações que revelaram os bastidores do esquema. A denúncia de Vanessa, movida por um desejo de desforra contra o ex-companheiro, foi fundamental para os investigadores fecharem o cerco sobre os fiscais. “Eu alertei os investigadores sobre quem era quem. O grupo não sabia que estava com os telefones grampeados. Contei que o Luís Alexandre tinha horror à cadeia e que o monitorassem com muita atenção, pois ele sempre disse que iria denunciar todo mundo se um dia o esquema ruísse”, disse Vanessa em entrevista à ISTOÉ. “Ele mantinha um boneco do Al Capone sobre a mesa.” “Eles operavam na gestão Kassab.” “Ele sempre dizia que, se um dia o esquema ruísse, ele seria o primeiro a entregar todo mundo.” “Foi uma aflição ficar tanto tempo em silêncio” Diante das investigações e dos depoimentos de Vanessa, Luís Alexandre resolveu fazer uma delação premiada. Ou seja, topou fornecer informações sobre a máfia da qual fez parte em troca da redução de sua pena. Ele levava uma vida de magnata ao lado de Vanessa. Ela relembra passeios de iate, jantares caríssimos regados pelos melhores vinhos e fins de semana em luxuosos hotéis. A proximidade fez com que a ex-companheira se familiarizasse com a maneira de agir dos integrantes da quadrilha. Vanessa contou que ela e Luís Alexandre sentavam-se no tapete de casa, espalhavam a dinheirama da propina e separavam em pacotinhos iguais para os quatro integrantes do esquema. Nos últimos dois meses, ela refugiou-se no silêncio. Nesse tempo, ela manteve conversas com integrantes da máfia fazendo uma espécie de jogo duplo. “Simulei pedidos de carros. O grupo discutiu a ‘compra’ do meu próprio bebê, enfim, tudo para comprar meu silêncio”, revela Vanessa. “Se deram mal. Comemorei a prisão deles como um gol”, diz. A fraude na arrecadação dos impostos, que consistia no pagamento de propina em troca de abatimento para construtoras em taxas como o ISS, provocou um prejuízo de cerca de R$ 500 milhões nos cofres públicos. Pelo menos cinco secretarias estariam envolvidas: Cultura, Meio Ambiente, Subprefeituras, Finanças e Habitação. Nas gravações interceptadas pela polícia, com autorização da Justiça, o subsecretário da Receita na gestão Kassab, Ronilson Rodrigues, um dos apontados por Vanessa de participar do esquema, reclama com a auditora Paula Sayuri Nagamati, ex-chefe de gabinete de Finanças do ex-prefeito, que foi intimado a prestar esclarecimento à Controladoria-Geral do Município (CGM) sob suspeita de corrupção. A conversa aconteceu no último dia 18 de setembro; portanto, 12 dias após as denúncias de Vanessa. “É um absurdo, Paula. Tinha que chamar o secretário e o prefeito também, você não acha? Chama o secretário e o prefeito com quem eu trabalhei. Eles têm ciência de tudo”, afirmou Rodrigues sobre a investigação da CGM. Outra gravação em poder dos promotores foi feita pelo ex-companheiro de Vanessa, Luís Alexandre. Na conversa com Ronilson Rodrigues e Carlos di Lallo, ambos presos, eles tratam dos possíveis desdobramentos da investigação. Em clima tenso, Magalhães mostra preocupação em ser o único a se dar mal. “Eu não estava nessa sozinho. Eu tenho todos os números de certificado. Eu não vou ser bode expiatório”, disse Magalhães a Rodrigues, considerado pelos promotores o chefe do esquema. “Isso aí pra mim é uma ameaça”, retrucou Rodrigues. “Não, é um aviso. Eu não vou sozinho nessa p...”, rebateu Magalhães. “Não vai. Porque eu vou estar contigo”, disse Rodrigues. “Eu, o Lallo e o Barcelos não vamos pagar o pato nessa p... toda.”, ameaçou Magalhães. Procurados, os advogados de Rodrigues e Lallo não foram encontrados. Mario Rica, defensor de Luís Magalhães, disse que ia falar com seu cliente sobre as acusações da ex-companheira, mas não havia retornado até o fechamento desta edição. Os investigadores do caso foram alertados por Vanessa sobre as desavenças entre o grupo. “Apesar de acharem que nunca iam ser pegos, eles andavam preocupados com as novas investigações. Diferentemente da época da gestão Kassab, quando o grupo saiu rindo da sala em que prestavam depoimentos, ultimamente eles estavam com medo”, relata Vanessa. Kassab negou na semana passada que soubesse do esquema. A prefeitura confirmou a denúncia e agora os investigadores estão fazendo um pente fino sobre as centenas de edificações fiscalizadas pelo grupo e em 15 construtoras para rastrear os corruptores, além de focar em outros 40 funcionários públicos que estão sob suspeita.  Exclusivo Na terça-feira 5, Vanessa Alcântara recebeu ISTOÉ na casa de amigos na cidade de Campinas. Testemunha-chave do escândalo, ela revelou na entrevista como agia o grupo acusado de desviar cerca de R$ 500 milhões dos cofres públicos. Vestida sobriamente, bem maquiada e como uma voz firme, ela diz que o ex-companheiro sempre afirmou que, se um dia o esquema ruísse, iria entregar todo mundo, sem poupar ninguém. Istoé – Como você conheceu o Luís Alexandre? Vanessa – Eu era representante comercial em 2010 e fui atendida por ele na prefeitura. Trocamos cartões e ele me ligou para sairmos. Depois de um tempo, começamos a namorar. Eram jantares e noitadas maravilhosas regadas a vinhos e champanhes nas melhores casas da noite paulista. Não conhecia esse mundo de se gastar R$ 10 mil reais em um jantar. Ele era muito encantador e sedutor comigo. Logo no início, ele me deu uma gargantilha de ouro. Não foi difícil se apaixonar por uma pessoa que te trata tão bem. Principalmente, porque estava separada, com um filho, e carente. Istoé – Você ficou encantada com esse mundo de luxo? Vanessa – Tudo era muito fantástico e real. Adorava aqueles jantares com pratos exóticos, com javalis, hotéis deslumbrantes e passeios em lanchas. Quando você está acostumado com o lixo e se depara com aquele luxo é deslumbrante. O Luís não era nenhum príncipe encantado, mas depois que começamos a namorar ele emagreceu 16 quilos, cortou a barba e começou a se vestir melhor. Ficou bem. Istoé – Você levava uma boa vida, então? Vanessa – Tinha uma vida de madame. Morávamos numa casa de 500 m², com quatro quartos, três banheiras de hidromassagem. O aluguel era de R$ 6 mil. Na verdade, dinheiro não era o problema. Ele não me deixava trabalhar. Nossa casa tinha quatro empregados e tudo à disposição. Em muitos fins de semana, a gente ia de avião particular para Angra dos Reis, pegava a lancha dele de 44 pés, que ficava na Marina Pirata, e dormia em alto-mar. Era fantástico. A gente ia tomando champanhe na proa. Não posso negar que eu adorava. Istoé – Você também fazia gastos extravagantes? Vanessa – Adoro moda. Apesar de ter um estilo hi-low, sempre consegui combinar peças populares com outras de grife. Não era de exagerar, mas já cheguei a comprar uma bolsa Chanel de R$ 8 mil, diversos casacos de pele e contabilizei 120 pares de sapatos. Istoé – Luís revelava que o dinheiro daquelas noitadas e das compras vinha da corrupção? Vanessa – Só depois que começamos a viver juntos é que soube. Aí, ele adorava vangloriar-se que era corrupto. Ele adorava ser o mafioso, o bandido grandioso e esperto. Ele gosta de contar a história de sua primeira mala de dinheiro conseguida com a corrupção. Ele diz que comprou um Vectra zero. O Luís gosta tanto do mundo do crime que, sobre a mesa do nosso escritório, ele mantinha um boneco do Al Capone. Istoé – Quando vocês começaram a se desentender? Vanessa – Ele tinha um ciúme doentio. Brigava comigo e com outras pessoas na rua por causa desses rompantes de agressividade. Nós assinamos vários boletins de ocorrência juntos. Como eu não sei apanhar e não reagir, também batia nele. Istoé – Então as brigas de vocês eram violentas? Vanessa – Muito. Ele me batia, eu batia nele. Ele me chutava, eu o mordia. Às vezes, essas brigas acabavam na polícia. A única vez que instalei um inquérito foi quando eu estava grávida de dois meses e apanhei dele. Ele queria que eu tirasse o bebê. Não aceitei. Tomei vários chutes e socos na barriga. Saí do flat dele sangrando e inconsciente numa ambulância para o hospital. Mas não perdi o filho. Istoé – Mas por que você ainda ficava com uma pessoa tão violenta? Vanessa – Ele tem uma conversa terrível, bom de lábia. Depois das brigas, ele acabava levando buquês de flores e até uma guia espiritual para intermediar as crises. Eu acabava perdoando. Com dois filhos, a gente sempre acha que o outro vai mudar. Ele pedia perdão e eu acabava cedendo. Gostava dele. Istoé – Como é esta história de guia espiritual? Vanessa – Depois das brigas ele chegava em casa junto com a mãe de santo e me convencia de que estávamos possuídos. Ela gastava três horas benzendo tudo, espalhando arruda pelo flat e rezando. Eu não resistia e acabava perdoando. Istoé – Quando foi que o relacionamento de vocês acabou? Vanessa – No meio deste ano, coloquei ele para fora de casa. Não aguentava mais aquela relação doentia. Ele chegou com um fusca verde 66 em casa e já tínhamos outros cinco carros na garagem. Eu perguntava: pra que tudo isso? Ele dizia que era dinheiro. Istoé – E você não denunciava o Luís porque também se beneficiava desse dinheiro? Vanessa – Eu sempre ameacei denunciá-lo toda vez que apanhava, que a gente brigava. Uma vez escrevi um e-mail para a Polícia Federal com poucas informações, dando as pistas sobre a corrupção e citava o nome dele. Crie até o e-mail BMW3886@gmail.com para fazer a denúncia – era o nome do carro que ele mais gostava, com a idade e o ano do veículo. Istoé – Você queria dinheiro com essa denúncia? Vanessa – Ele achava que era isso. Errou. Nós nos separamos e ele não quis aceitar as condições que eu tinha estabelecido, como uma pensão de R$ 3 mil, que era o equivalente ao salário dele. Istoé – Você chegou a ver como era o relacionamento dele com a quadrilha? Vanessa – De altos e baixos. Depois que um deles ficou viciado em cocaína, as coisas começaram a desandar e vieram as brigas. Istoé – Como eles operavam o esquema? Vanessa – Eles superfaturavam as guias do ISS e negociavam a propina. O dinheiro era dividido entre os quatro (Luís Alexandre Magalhães, Ronildo Bezerra Rodrigues, Carlos Augusto de Lallo Amaral e Eduardo Horl Barcelos). Eles alugavam um escritório perto da prefeitura que eles chamavam de cafofo – os promotores chamam de ninho, mas eles não usavam esse nome. Quando marcavam encontros, falavam cafofo. Era lá que aconteciam as negociações. Istoé – A propina era paga em dinheiro vivo? Vanessa – Não sei se era toda assim. Mas o Luís chegava em casa com mochilas cheias de dinheiro. Quando os blocos de dinheiro chegavam desorganizados, nós sentávamos no tapete de casa, espalhávamos aquela dinheirama e separávamos em pacotinhos iguais para os quatro do esquema. Istoé – O esquema funcionou durante todo o tempo em que eles trabalharam na prefeitura, com todos os prefeitos? Vanessa – Eles operavam na gestão Kassab. Teve uma ou outra coisa no governo Haddad, mas fiquei sabendo por um despachante que só tinha uma pessoa operando nesse atual governo. Istoé – Eles mostravam algum medo de serem descobertos? Vanessa – Eles nunca achavam que iam ser pegos ou que ia dar alguma coisa errada. Eles não tinham limites para roubar e nem medo de serem presos. Eu sempre perguntava qual era o limite. O Luís falava que tinha filhos e que precisava montar um patrimônio para eles. O único medo dele é de macumba. O negócio dele era dinheiro, dinheiro e mais dinheiro. Quanto ao risco de ser preso, ele sempre dizia que, se um dia o esquema ruísse, ele seria o primeiro a entregar todo mundo. Ele não ia poupar ninguém. Ia ser o primeiro a se oferecer para a delação premiada. Istoé – Como ele investia o dinheiro? Vanessa – Imóveis. Só em Angra ele tem cinco flats. Em Araraquara, ele tem uma casa com uma adega para 400 vinhos e uma charutaria climatizada no centro da casa. Tudo registrado na empresa da ex-mulher, Ana Luzia Passos. Istoé – Ele contou se operava só com os grandes empreendimentos? Vanessa – Corriam processos maiores e outros menores. Nem sempre os grandes negócios caíram nas mãos dele. Teve uma época que a turma tirou ele do esquema das grandes operações e aí cada um agia por conta própria. Existiam vários grupos atuando dentro da prefeitura. Istoé – Ele achacava muita gente? Vanessa – Ele era baixo. Certa vez, ele chegou numa obra para fazer uma vistoria, o empreendedor estava sem dinheiro para pagar o achaque e ele levou uma televisão do cara. Istoé – Ele chegou a trabalhar diretamente com o prefeito? Vanessa – O esquema colocou o Luís Alexandre no gabinete para ele dar uma maneirada, acalmar um pouco. Ele operava de uma forma muito agressiva, era louco. Istoé – Por que você decidiu denunciar tudo? Vanessa – Quando a polícia e o Conselho Tutelar entraram na minha casa com um mandado para buscar meus filhos, alegando que eu era louca e não tinha condições de cuidar das crianças, peguei o telefone e liguei para todo o grupo e disse a eles que iria detonar o esquema. Falei para o Ronilson, o Barcelos e o Lallo: ‘Vou f... todo mundo’. Istoé – Como eles reagiram? Vanessa – Ficaram apavorados. O Barcelos disse: ‘Agora a briga é nossa. Nós compramos essa briga para você. Fica calma’. Na verdade, eles queriam pôr panos quentes e pediam para eu segurar um pouco. Mas eu não segurei. Istoé – E então o que fez? Vanessa – No início de setembro liguei para a Controladoria-Geral do Município e falei com o corregedor Spinelli. Os meninos da prefeitura e o promotor vieram ao meu encontro aqui em Valinhos e entreguei para eles 150 páginas de documentos e vídeos que comprovavam a corrupção. A partir daí fiz jogo duplo. Istoé – Como assim? Vanessa – Eu não sabia, mas quando eu liguei para o Ronilson e o Lalo na noite em que a polícia levou os meus filhos e disse que iria revelar tudo, eu já estava grampeada pela Federal. Depois que soube disso continuei a negociar com o grupo, sem que eles desconfiassem que a polícia estava gravando tudo. Nessas conversas ficou comprovado que eu não queria dinheiro, mas meus filhos de volta. Nas tratativas, eles falam até em “comprar meu bebê de mim”. Servi como uma cola superbonder que uniu todas as peças da investigação. Istoé – O que tinha nesse material que você entregou para o promotor? Vanessa – Está sob segredo. Não posso dizer para não atrapalhar as investigações, mas eram documentos que comprovavam minhas denúncias. Havia também gravações que mostram como funcionava o esquema. Istoé – Em algum momento você ficou com medo? Vanessa – Ainda tenho muito medo. Mas o maior problema foi naqueles dias de silêncio que tive de aguentar. Ligava para o MP, para a CGM, enfim, queria pôr a boca no mundo para tentar trazer meus filhos de volta. Isso foi em setembro e os investigadores me pediram até o fim de novembro para estourar o esquema. Foi uma aflição ficar tanto tempo em silêncio. Istoé – Quando você soube das prisões? Vanessa – Assim que a polícia começou a executar os mandados de busca e apreensão. Eram seis horas da manhã do dia 30 de outubro. Eu gritava dentro do carro como se fosse um gol. Istoé – Se o Luís Alexandre tivesse feito o acordo para pagar a pensão você teria denunciado o esquema? Vanessa – Não. Se ele tivesse me deixado quieta com meu filho, dado a pensão correta, ficaria quieta. O Luís não aceitou minhas condições, mesmo depois que seus amigos o advertiram. Istoé – Quais eram as suas exigências? Vanessa – O filho, a pensão, o cachorro Thor, um sharpei que amo, e minha máquina fotográfica profissional. Istoé – Quais serão os próximos passos? Vanessa – Tudo que eu quero são meus filhos de volta. Esse processo precisa ser revisto urgentemente. Foi tudo uma grande armação. Depois de uma briga nossa pelo telefone, eu surtei de raiva dele e quebrei uns jarros e algumas peças da prateleira. Com isso, ele entrou com um processo na Justiça, alegando que eu sou louca e perdi a guarda das crianças. Tenho certeza que meu marido armou tudo isso. Pior. Ele foi preso e nosso filho ficou com a babá. Istoé – Como você está vivendo? Vanessa – Trabalho como gerente de uma loja, moro em um apartamento de 50 metros quadrados e tenho o mesmo carro, uma Tucson. Istoé – É verdade que o apelido do Luís Alexandre é “louco”? Vanessa – Louco e camicase. Na verdade, deveria ser burro. Perder R$ 15 milhões por causa de uma pensão de R$ 3 mil, um cachorro de estimação e uma máquina de fotografia, não é loucura. Aí já é burrice. 4#3 O RISCO POLÍTICO DE HADDAD Medidas impopulares adotadas pelo prefeito de São Paulo, como o aumento do IPTU, provocam calafrios na cúpula do PT, que já prevê prejuízos eleitorais em 2014 Ao assumir o comando da prefeitura de São Paulo no começo deste ano, Fernando Haddad (PT) apresentou-se como um gestor de primeira linha. Disse que uma de suas prioridades era equilibrar o orçamento municipal, pois herdara uma cidade numa situação de insolvência. Em conversas com aliados, já prenunciava dificuldades nos primeiros meses de gestão. O que nem a população nem o PT, seu próprio partido, esperavam é que, na tentativa de solucionar os problemas, Haddad se envolveria em tanta polêmica e tomaria iniciavas tão impopulares em menos de um ano de mandato. A mais controversa delas é o aumento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). PESO-PESADO - Petistas temem que o prefeito Fernando Haddad se torne um fardo eleitoral em 2014 Em uma canetada, condenada por 89% da população, Fernando Haddad ampliou em até 20% o valor pago em 2014 pelos contribuintes nos tributos de imóveis residenciais e em 35% para o comércio e a indústria. Pesquisas que chegaram à cúpula do PT, nos últimos dias, mostram um grande abalo na imagem de Haddad. O desgaste é tamanho que nem mesmo o fato de seu governo ter desmantelado um antigo esquema de corrupção operado por funcionários públicos serviu para retirá-lo da agenda negativa. Até na cúpula petista já há quem considere que, diante da atual conjuntura, o prefeito da capital paulista deixou de ser uma arma política e transformou-se num fardo na estratégia do partido de conquistar o governo do Estado de São Paulo em 2014. “Já vimos isso em 2004, quando a (ex-prefeita) Marta (Suplicy) criou vários impostos em São Paulo e ficou conhecida como Martaxa”, lamentou um cardeal petista, para quem Alexandre Padilha, o pré-candidato do PT ao governo, terá de manter uma distância regulamentar de Haddad se quiser obter êxito eleitoral no próximo ano. Para setores do partido, desde que assumiu o comando da capital paulista, Haddad demonstrou características pouco recomendadas a um político de qualquer época. É fechado ao diálogo e costuma ser intransigente. Foi assim na questão da passagem de ônibus. Mesmo com as manifestações populares de junho ganhando cada vez mais força pelo País, o prefeito mostrou-se irredutível em baixar a tarifa do transporte público em R$ 0,20. Só recuou depois que várias capitais anunciaram a redução. O posicionamento do prefeito de São Paulo foi ainda mais radical no aumento do IPTU. Desde que a iniciativa se tornou pública, associações de bairros, entidades de classe e até o Ministério Público tentam convencê-lo a recuar de sua sanha arrecadatória. A medida, segundo Haddad, enquadraria os valores do imposto aos novos preços dos imóveis valorizados pelo boom imobiliário. O argumento contrário, porém, é simples e mais lúcido: o IPTU não deve ser corrigido com base na valorização ou desvalorização como quer o prefeito, pois para isso já existe outro tributo. O IPTU deve e pode ser atualizado, sim, mas usando como base outros critérios, como a oferta de serviços públicos na área em que o imóvel está localizado. De tão polêmico, o projeto foi aprovado na Câmara dos Vereadores por uma diferença de apenas três votos. Apesar da sanção do prefeito na quarta-feira 6, uma liminar proíbe que o aumento do IPTU entre em vigor. A administração Haddad encontra dificuldades até em áreas consideradas vitrines de sua campanha, como é o caso do transporte. Ao promover a alteração de dezenas de linhas de ônibus na zona leste de São Paulo no último mês, milhares de passageiros foram prejudicados chegando a esperar inutilmente por mais de uma hora nos pontos. A falta de planejamento foi total. Além de existirem poucas placas para comunicar aos usuários as mudanças, faltavam funcionários da prefeitura para orientar e alguns terminais nem sequer tinham capacidade para receber a quantidade nova de ônibus deslocados para lá. O motivo da alteração das linhas, na maioria dos casos, foi adequar os novos itinerários às faixas exclusivas de ônibus criadas na atual gestão. Elas, aliás, também são alvos de polêmica. Por um lado, permitem que os usuários de transporte coletivo façam seus trajetos de forma mais rápida. De outro, reduzem o espaço destinado aos carros, gerando mais trânsito. Em meio a tantas controvérsias, o desmantelamento da máfia dos fiscais também foi visto com preocupação no seio petista. Para integrantes da legenda, isso acabou por azedar a relação do PT com o ex-prefeito Gilberto Kassab, neoaliado da sigla. A leitura no PT é que Haddad conseguiu aquilo que nem a oposição esperava dele. Não conquistou a empatia do eleitorado paulistano tradicionalmente contrário ao PT e, ao mesmo tempo, afastou uma parte dos eleitores cativos da sigla na capital paulista .  EFEITO COLATERAL - Pré-candidato do PT ao governo de São Paulo, Alexandre Padilha teme ser prejudicado por desgaste de Haddad 4#4 "EU SAÍ DO BOLSA FAMÍLIA" Porta de saída do principal programa social brasileiro já é uma realidade. Em dez anos, 1,7 milhão de famílias abriram mão do benefício para caminhar com as próprias pernas Josie Jeronimo Mais importante programa social do Estado brasileiro, o Bolsa Família completa dez anos de existência como uma iniciativa louvada não só pelo governo, como também pela oposição. Considerado imprescindível por todos os candidatos a ocupar a Presidência da República no próximo ano, o programa tem se revelado uma política pública de sucesso político, econômico e também cultural. Ajudou brasileiros a se reconciliarem com uma dívida social acumulada ao longo de séculos de uma história de exclusão, permitiu a ampliação do mercado interno e, principalmente, conseguiu sepultar de uma vez por todas a alegação de seus principais críticos de que o programa de transferência de renda estimularia os beneficiados a não procurar emprego e melhores condições de vida. Nos últimos anos, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social, milhares de famílias procuraram repartições municipais para entregar seu cartão verde-amarelo, símbolo do programa, e assinar uma declaração de próprio punho na qual afirmam que não têm “mais necessidade de receber o beneficio”. Em uma década, 1,7 milhão de chefes de família – em sua maioria mulheres – abriram mão de um benefício mensal médio da ordem de R$ 250 para caminhar com suas próprias pernas, sem ajuda do Estado. ISTOÉ conversou com quatro antigos beneficiários do programa que puderam se emancipar do auxílio do Estado. Ouviu relatos de famílias que conquistaram aumento de renda e qualidade de vida. As histórias de vida de bolsistas do Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste mostram que a porta de saída do programa não é um milagre, mas uma arquitetura realista quando famílias que enfrentam a pobreza em seus múltiplos aspectos – econômico, educacional, médico, social – recebem amparo e orientação para transformar vocações profissionais em fonte de renda. “Há quatro anos, fiz um curso oferecido pelo Sebrae e pelo governo do Estado e abri um ateliê em casa para artesanato. O negócio cresceu e hoje temos uma loja de joias, na avenida principal da cidade. Nós fomos os primeiros a entregar o cartão, aqui na região. O gestor ficou admirado”, conta Osmarina Uchoa, ex-beneficiária do Bolsa Família, moradora de Pedro II, município a 200 quilômetros de Teresina, no Piauí. Outro ex-bolsista, Samuel Rosa Rodrigues, trilhou um caminho parecido com o de Osmarina. Era flanelinha e, com a ajuda do Bolsa Família, conseguiu montar um lava-jato. “Fiquei muito orgulhoso quando pude devolver o cartão do Bolsa Família. Eu quero que lá na frente o meu filho saiba dessa história e diga: meu pai é um lutador”, afirmou. A exemplo de Osmarina e Samuel, a maioria do 1,7 milhão que devolveu o cartão do programa se tornou microempreendedor individual. Atualmente, 290 mil ex-bolsistas sustentam suas famílias trabalhando no setor de serviços. Outros 760 mil receberam orientação e ajuda para conseguir microcrédito e abrir pequenos negócios. De tanto oferecer cursos aos chefes de família e permanecer com vagas abertas, o governo percebeu que focar as ações do programa nas mulheres multiplicava os resultados. Hoje, 93% dos titulares são do sexo feminino e o mercado privado começa a oferecer cursos às beneficiárias. Entre tantos passos intermediários na consolidação do programa, tem-se como certo que em 2006, quando teve início a formação do Cadastro Único, para verificar a situação social das famílias de todo o País, foi possível atravessar uma fronteira capaz de separar o assistencialismo convencional daquilo que se considera uma política social atualizada e efetiva, cuja base é um esforço pela autonomia dos cidadãos e não pela preservação de sua dependência. O coordenador-executivo da ONG Articulação pelo Semiárido (ASA), Naidson Baptista Quintella, cita o exemplo das cisternas para lembrar como a articulação do Ministério do Desenvolvimento Social e Integração Nacional consegue mudar a vida de famílias que vivem em áreas de seca severa. Com os recursos do Bolsa Família, que variam de R$ 70 a R$ 306, a família sai de uma situação de mendicância e de mazelas – às vezes incuráveis – que afeta a vida de cada um de seus membros. O acesso à água faz o beneficiário começar a sonhar em cultivar ou criar algo em suas terras para sustento da família ou gerar renda. “Antes, nos períodos de estiagem, nós sempre nos deparávamos com filas de pedintes e saques em armazéns,” lembra Naidson Quintella. Outro elemento notável é de natureza política. Impessoal, acessível a toda família que preenche um conjunto de requisitos idênticos, sem distinção de qualquer tipo, o programa também contribuiu para a derrocada dos coronéis que sempre dominaram a política das regiões mais atrasadas do País – quase sempre, as mais miseráveis – por meio da distribuição de favores de sobrevivência em troca de votos e de submissão política. Embora tenha se transformado numa alavanca poderosa para a popularidade de Luiz Inácio Lula da Silva, no plano local o benefício não tem nome nem rosto. “É um crédito em conta, que não se vincula a ninguém,” afirma Naidson Quintella. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado este ano aponta que R$ 1 de aplicação no Bolsa Família gera crescimento de R$ 1,78 no Produto Interno Bruto (PIB). Não é de surpreender, assim, que nos anos de 2007 e 2008, quando a economia brasileira registrou grande expansão, com aumento de capital circulante, o número de beneficiários do programa sofreu redução. Um dos pioneiros na criação do Bolsa Família, o economista Ricardo Henriques, coordenador do grupo que criou o benefício, afirma que o movimento é circulante. “É mão dupla. O programa impacta a economia e a economia impacta o programa. A economia aquecida pode gerar o impacto do aumento de renda.” Nas regras de concessão do Bolsa Família, não existe tempo-limite para o recebimento do benefício. As famílias podem ficar o tempo que necessitarem. Mesmo assim, o governo segue oferecendo cursos de capacitação para tentar abrir portas a quem teve poucas oportunidades. Até agora, só 5% dos beneficiários terminaram algum tipo de qualificação profissional proporcionado pelo governo. Na pasta de Educação, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego (Pronatec) oferece cursos especialmente direcionados aos bolsistas. Das 918 mil vagas abertas a beneficiários do Bolsa Família, 753 mil foram preenchidas. As letras e os números ainda assustam num universo em que 25 mil dos beneficiários se declaram analfabetos. Henriques conta que, durante a criação do programa, o objetivo de longo prazo era dar educação aos filhos de famílias comandadas por pais que não tiveram nenhuma educação formal. “O programa tem três dimensões: o impacto imediato da garantia alimentar, a transferência de renda para famílias e territórios e o impacto de longo prazo, que é a mudança da trajetória educacional de crianças filhas de pais analfabetos.” Sempre que ouve a observação de que muitas pessoas demoram para encontrar a porta de saída, o sociólogo Quintella rebate: “As pessoas vão caminhando em seu próprio tempo, não no tempo ditado pelos gabinetes. É uma tarefa para uma geração”. Foi caminhando no seu próprio ritmo que Iolanda Silva, moradora da periferia de São Paulo, conseguiu mudar de vida. Depois de perder a guarda dos filhos, por falta de condições para sustentá-los, cadastrou-se no Bolsa Família e usou o dinheiro para reconstruir sua vida. “Consegui ter os meus cinco filhos de volta. O benefício do Bolsa Família ajudou muito. Todos os meus filhos estão estudando e o meu sonho, agora, é fazer um curso de enfermagem e melhorar minha renda”, disse. A socióloga Amélia Cohn lembra que o Bolsa Família não faz parte do texto constitucional, por isso, as reservas orçamentárias do programa dependem exclusivamente da vontade do presidente em exercício, o que muitas pessoas consideram preocupante. A necessidade de garantir o Bolsa Família na Constituição voltou à agenda política depois que, em julho deste ano, rumores sobre o cancelamento do programa produziram uma corrida aos terminais eletrônicos da Caixa Econômica Federal. Em um fim de semana, R$ 152 milhões foram sacados. A Polícia Federal e a Caixa Econômica – banco que faz a gestão financeira do programa – foram acionadas para rastrear a origem do boato e possíveis falhas que permitiram os saques antecipados de benefícios, mas até hoje não conseguiram explicar exatamente o que motivou o desespero de mais de 900 mil pessoas. 4#5 JUSTIÇA CHEGA AOS HOMENS DO PROPINODUTO Agentes públicos denunciados por IstoÉ têm bens bloqueados e Ministério Público confirma o pagamento de propina Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas O esquema de superfaturamento de licitações no Metrô paulista e na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) durante os sucessivos governos tucanos à frente do Estado de São Paulo tornou-se oficialmente um caso de Justiça. Em decisão proferida na quinta-feira 7, o juiz criminal Marcelo Costenaro Cavali atendeu a um pedido do Ministério Público Federal e da Polícia Federal e decretou o bloqueio de aproximadamente R$ 60 milhões em bens e contas bancárias de cinco pessoas e três empresas relacionadas com o cartel da área de transportes sobre trilhos. A tramoia causou prejuízo de ao menos R$ 425 milhões aos cofres públicos paulistas. Além da filha de um dos envolvidos, entre os alvos constam o lobista Arthur Teixeira e três ex-executivos da CPTM: Ademir Venâncio de Araújo, João Roberto Zaniboni e Oliver Hossepian Salles de Lima. Para o Judiciário, há elementos contundentes que revelam que, em troca de suborno, eles usaram de suas atribuições para beneficiar empresas interessadas em contratos públicos. O esquema foi denunciado com exclusividade por ISTOÉ em julho passado. Desde então, 19 reportagens esmiuçaram o funcionamento do propinoduto tucano, que se perpetuou pelas gestões dos governadores Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra. Em uma das reportagens de capa, sob o título “Todos os homens do propinoduto tucano”, ISTOÉ revelou em primeira mão o envolvimento de Ademir Venâncio – que agora está com os bens bloequeados – no esquema. PROPINODUTO TUCANO - Juiz indica que houve pagamento de propinas a agentes públicos nos contratos da CPTM e do Metrô paulista Pessoas ligadas à investigação dizem que a lista de beneficiários da fraude crescerá nas próximas semanas com a realização de novos depoimentos e cruzamentos de dados. O bloqueio de bens, porém, já serviu para avançar sobre a peça-chave do esquema: o lobista Arthur Teixeira. Investigado também pelo MP da Suíça pelos crimes de corrupção internacional e lavagem de dinheiro, ele é considerado o principal operador do propinoduto. Em seu despacho, o juiz Marcelo Cavali disse que Arthur e seu irmão, Sérgio Teixeira (morto em 2011), recebiam comissões de acordo com os pagamentos feitos pela CPTM às empresas do cartel e repassavam, via doleiros, parte das quantias a agentes públicos “e, eventualmente, a outras pessoas ainda não identificadas”. Para isso contavam com empresas de consultoria de fachada no País e no Exterior, como as offshores uruguaias Gantown e Lareway e as brasileiras Constech e Procint, que tiveram os seus bens bloqueados. Praticamente todas as companhias do cartel recorreram aos serviços dos irmãos. Não à toa, em sua decisão o juiz ressalta o papel das firmas de Teixeira. “Sobre quaisquer valores recebidos por empresas de titularidade de funcionários públicos responsáveis pelos processos licitatórios relacionados ao Metrô de São Paulo, repassados pela Procint e Constech, paira uma elevada suspeita de proveniência ilícita”, afirma Cavali. No entanto, mais do que um mero intermediário de dinheiro, a denúncia da PF e do MPF mostra que Arthur Teixeira tinha voz ativa no esquema de corrupção. Ele alertava as companhias sobre novos projetos a serem licitados e organizava até a forma como elas participariam da disputa. AGENTE DUPLO - Ex-diretor da CPTM, Ademir Venâncio repassava informações da estatal ao cartel Outro alvo do bloqueio judicial de bens foi Ademir Venâncio de Araújo, ex-diretor de engenharia e obras da CPTM. Conforme denúncia feita por ISTOÉ, publicada a partir do relato de um ex-executivo do conglomerado alemão Siemens, ele mantinha encontros regulares em casas noturnas com dirigentes das companhias do cartel. Lá, fornecia informações internas sobre licitações e acertava como as empresas iriam se associar para conquistar contratos com as empresas públicas. Foi assim no caso da Linha 5 do metrô paulista, antiga Linha G da CPTM. A obra é alvo de investigação por superfaturamento. Chama a atenção das autoridades o fato de, logo após deixar o cargo na CPTM, Araújo ter aberto uma empresa de consultoria: a Focco Tecnologia e Engenharia, que recebeu cerca de R$ 2 milhões da francesa Alstom, uma das principais beneficiadas no contrato da Linha 5. “Seriam correspondentes ao pagamento de propinas. Determino o sequestro de montante”, diz o pedido judicial. Na decisão, o juiz chega a questionar o fato de o ex-executivo prestar consultoria a uma empresa que venceu processo licitatório realizado por ele. “É como se este magistrado, depois de absolver determinados réus, após se exonerar ou aposentar, passasse, logo em seguida, a receber valores por lhes prestar consultoria em outros feitos criminais”, salienta o juiz, que também bloqueou bens da empresa de Venâncio. O HOMEM-CHAVE - Além de intermediar o pagamento de propina, o lobista Arthur Teixeira organizava a formação do cartel Ex-sócio de Ademir Venâncio na Focco, João Roberto Zaniboni foi igualmente alvo da medida judicial. Diretor de operações da CPTM entre 1999 e 2003 (gestões Mário Covas e Geraldo Alckmin), Zaniboni é investigado também na Suíça. Uma conta chamada de “Milmar” no Credit Suisse foi abastecida com US$ 836 mil, o equivalente a R$ 1,8 milhão, durante o período em que ele trabalhou na estatal paulista e assinou o contrato da Linha 5 do Metrô de São Paulo. Somente em um depósito, efetuado em 27 de abril de 2000, Zaniboni recebeu US$ 103,5 mil do lobista Arthur Teixeira, valor que teria como origem o caixa da francesa Alstom. Para as autoridades brasileiras, Zaniboni cometeu crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Também foram registrados pagamentos de outras empresas do cartel diretamente a ele ou a empresas em que era sócio, como a Getran Consultoria. Nela, dividia o quadro societário com Oliver Hossepian Salles de Lima. Presidente da CPTM entre 1999 e 2003, Oliver Hossepian foi alvo de bloqueio de bens pelo fato de a Getran Consultoria ter recebido valores das empresas do lobista Arthur Teixeira, o que caracterizaria “vantagens indevidas recebidas em razão do mau uso da função pública”. BENEFICIÁRIO - Ex-presidente da CPTM, Oliver Hossepian teve bens bloqueados por receber dinheiro de lobista ___________________________ 5# COMPORTAMENTO 13.11.13 5#1 O TESOURO DOS NAZISTAS 5#2 CRISE E INTRIGAS NO BALÉ RUSSO CRISE E INTRIGAS NO BALÉ RUSSO 5#3 IMPASSE NAS PESQUISAS 5#4 O PAPA QUER OUVIR SEU REBANHO 5#5 UMA RELAÇÃO TÃO DELICADA 5#1 O TESOURO DOS NAZISTAS Estima-se que partidários de Hitler confiscaram 16 mil obras de arte na guerra. Descoberta de 1.406 peças de mestres como Picasso e Matisse, avaliadas em R$ 3 bilhões, é a mais importante até agora Wilson Aquino Quase 70 anos após o fim da Segunda Grande Guerra, até hoje surgem revelações desse que é considerado o conflito mais terrível da humanidade. Na semana passada, veio a público a descoberta de 1.406 obras de arte que passaram as últimas décadas encerradas em porões e quartos escuros, longe da vista de todos, em Munique, na Alemanha. Assinadas por 16 gênios, entre os quais Picasso, Matisse e Chagall, esses quadros, aquarelas, litografias, gravuras e desenhos – alguns datados do século XVI – constituem um acervo avaliado em um bilhão de euros (R$ 3 bilhões). Por trás do sumiço, há a suástica nazista: as preciosidades pertenciam a judeus obrigados a vendê-las a preços módicos ou foram confiscadas pelo regime. “É a maior descoberta de quadros roubados durante a Segunda Guerra”, diz o presidente do Registro de Obras de Arte Perdidas, Julian Radcliffe, de Londres. O Museu do Holocausto, dos Estados Unidos, estima que os nazistas se apropriaram de cerca de 16 mil obras de arte – muitas estão espalhadas pelo mundo, com paradeiro ainda desconhecido. Recentemente, museus holandeses identificaram, em exposição naquele país, 139 quadros apreendidos de judeus. O confisco atendia a um capricho de Adolf Hitler, para quem “obras degeneradas”, como ele se referia à arte moderna, deveriam ser banidas do planeta. “Hitler era um artista frustrado que associava qualquer tipo de obra abstrata à decadência, aos doentes mentais ou aos judeus”, diz Fernando Amed, do Centro Universitário Belas Artes, de São Paulo. JOIA - Reprodução de tela de Matisse encontrada no apartamento de Cornelius Gurlitt, em Munique, na Alemanha. O acervo dos nazistas é procurado em todo o mundo. As peças recém-descobertas eram mantidas escondidas no apartamento de Cornelius Gurlitt, 79 anos, filho do historiador e negociador de arte alemão Hildebrando Gurlitt, conhecido nos círculos internacionais por comercializar – com autorização de Joseph Goebbels, ministro de Hitler – as obras que os nazistas tiraram dos judeus. Com o fim da guerra, alegou que sua coleção havia sido destruída nos bombardeios a Dresden, em 1945. Seu filho Cornelius passou a vida se mantendo graças ao lucro da venda de algumas obras. As investigações em torno dele começaram por suspeita de sonegação fiscal. Os integrantes do Projeto de Restituição de Arte Max Stern (um conceituado galerista judeu que teve obras confiscadas nessa época), da Universidade de Concórdia, no Canadá, acreditam que quadros de Stern também estejam no acervo. “Infelizmente, até que o governo alemão libere uma lista das obras, nós não sabemos ao certo”, disse à ISTOÉ Fiona Downey, relações-públicas da universidade. A expectativa é grande e animadora, já que, tudo indica, as peças estão em boas condições. O Ministério Público de Munique contratou uma especialista para avaliar e levantar a origem dos trabalhos. PREFERÊNCIA - Reprodução de obra de Marc Chagall recuperada pela polícia: Hitler não gostava de arte moderna e chamava o estilo de "obra degenerada" Apesar da pressão internacional, o procurador público alemão Reinhard Nemetz ainda não fixou data para divulgar a lista completa das obras recuperadas. O motivo de alguns quadros serem desconhecidos dos historiadores é explicado pelo marchand paulista José Marton: “Naquela época, era comum obras serem compradas e não catalogadas.” No entanto, o fato de as obras não terem sido destruídas reafirma que muitas atrocidades nazistas eram motivadas por dinheiro, e não por ideologia. “Eles atacaram os bens materiais, desde valores em banco, joias, propriedades e obras de arte, até dente de ouro arrancado das bocas dos judeus”, complementa Osias Wurman, cônsul honorário de Israel no Rio de Janeiro. As geniais criações de artistas plásticos confirmam que o passado insepulto da guerra sempre volta. 5#2 CRISE E INTRIGAS NO BALÉ RUSSO Bailarino suspeito de planejar ataque com ácido contra o ex-diretor do Bolshoi cria polêmica ao assumir a maior escola de balé do mundo em São Petersburgo Fabíola Perez O balé russo é reconhecido em todo o mundo por sua tradição e grandiosidade. Casos de corrupção, prostituição e escândalos políticos, porém, têm saído frequentemente das coxias para vir a público. No início do mês, o consagrado bailarino do teatro Bolshoi, Nikolai Tsiskaridze, foi nomeado pelo ministro da Cultura da Rússia, Vladimir Medinsky, o novo diretor da maior e mais antiga escola de balé do país, a Academia de Vaganova, em São Petesburgo. A nomeação ocorreu à revelia da comunidade artística. Não tardou para que uma das melhores bailarinas do renomado balé local, Diana Vishneva, criticasse a escolha. “Não havia motivos para uma mudança tão controversa”, disse ela. Tsiskaridze é apontado como o mandante do atentado contra o ex-diretor artístico do teatro Bolshoi, Sergei Filin, em janeiro. “A reputação do teatro foi drasticamente abalada com esse episódio”, disse à ISTOÉ Simon Morrison, professor da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, e autor do livro “Bolshoi Confidencial – Os Segredos do Balé Russo”. ISOLADO - Tsiskaridze virou diretor do balé de São Petersburgo sem apoio da comunidade artística O ataque com o ácido, que obrigou Filin a se submeter a 24 cirurgias para reconstituir o rosto, jogou luz sobre a crise interna do Bolshoi. “Nos últimos tempos o teatro estava em guerra”, afirma Elena Jaeger, diretora do Instituto Cultural Russo no Brasil. “Ao que tudo indica, a inveja e a ambição profissionais foram os motivos do crime.” Em junho, Tsiskaridze não teve seu contrato renovado pelo Bolshoi. Um dos motivos que pode ter levado à demissão é o desentendimento do bailarino com o diretor-geral da companhia, Anatoly Iksanov. Na sequência, o ministro da Cultura da Rússia nomeou Vladimir Urin como o novo diretor-geral. “Um de seus primeiros atos foi estabelecer um novo acordo coletivo de trabalho com os dançarinos”, diz Morrison, de Princeton. “A iniciativa melhorou instantaneamente o convívio entre os profissionais.” Enquanto no Bolshoi a esperança é que as nuvens comecem a se dissipar, na Academia de Vaganova a dúvida sobre o futuro da instituição ainda paira. Além de Tsiskaridze, sua companheira de dança, Uliana Lopatkina, também suspeita de participar do ataque a Filin, foi nomeada diretora artística. A bailarina de São Petersburgo, Diana Vishneva, é taxativa: “Temos muitas esperanças de que não seja o fim de uma grande escola”. Por enquanto, é necessário esperar para saber se a crise no balé russo, de fato, chegará ao norte do país. 5#3 IMPASSE NAS PESQUISAS Após invasão de defensores dos animais, Instituto Royal anuncia fechamento e cientistas não têm onde testar novos medicamentos no País Camila Brandalise O fechamento do Instituto Royal, em São Roque (SP), anunciado na semana passada, deixou a comunidade científica preocupada. O laboratório, que fazia testes de medicamentos em animais, decidiu encerrar suas atividades alegando “irreparáveis perdas” após a invasão de ativistas que retiraram de lá 178 beagles. A decisão traz o impasse: onde serão feitas as etapas mais avançadas das pesquisas com animais para desenvolver remédios a partir de agora? Segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), não há outro instituto com capacitação para fazer os mesmos testes. Por isso, a professora Helena Nader, presidente da entidade, articula uma reunião de emergência com pesquisadores e representantes dos ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia para estudar a criação de uma nova instituição nos moldes do Royal. CRISE - Presidida pela professora Helena Nader (abaixo), SBPC fará reunião de urgência para criar novo laboratório após fechamento do Royal (acima) O Royal afirma ter sido peça fundamental para o desenvolvimento da ciência por ser o único instituto do País com o certificado de Boas Práticas de Laboratório (BPL), concedido pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Há outros laboratórios, como o Tecam, também em São Roque, que possuem a mesma certificação. Mas, segundo a SBPC, nenhum outro biotério realiza pesquisas com cães como fazia o Royal. Os cachorros são a última etapa da aplicação das substâncias antes dos humanos. Diante da situação, a única opção no momento é fazer os experimentos no Exterior, uma vez que o Brasil está atrás de outros países em relação às pesquisas. Mas a ideia não agrada à comunidade científica. “Descobertas de moléculas e quebra de patente são interesses nacionais. São informações que precisam ficar aqui”, diz Marcelo Morales, secretário da SBPC e secretário-geral da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe). Enquanto isso, o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), principal órgão de regulamentação de pesquisas com animais, tenta colocar ordem na casa. Das 375 instituições credenciadas na entidade, 178 estão irregulares por não entregarem os relatórios anuais – algumas nem sequer enviaram a documentação de 2011 – e 14 por motivos específicos.  5#4 O PAPA QUER OUVIR SEU REBANHO Francisco protagoniza mais uma iniciativa inédita na Igreja Católica: elimina intermediários e envia questionário que pergunta aos fiéis o que eles pensam sobre casamento gay e casais em segunda união, entre outros temas João Loes A notícia causou estranhamento até entre os mais experientes estudiosos da Igreja Católica. No início do mês, começaram a circular informações de que o Vaticano havia enviado às conferências episcopais de todo o mundo um questionário a ser respondido pelo maior número possível de fiéis. E o que começou como rumor logo se confirmou. Nas 38 perguntas do documento, todas focadas na família, estão questões que tratam de temas como a união entre pessoas do mesmo sexo, a vida de casais em segundo casamento, a coabitação antes do matrimônio e o uso de métodos contraceptivos, entre outros. Reunidas, as respostas serão remetidas à Roma para servirem de base para as discussões da Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos de 2014, em outubro, que terá como tema “Os desafios pastorais da família, no contexto da evangelização”. “O papa Francisco quer conhecer a realidade concreta das famílias – as que estão bem e as que estão mal”, disse dom Vicenzo Paglia, arcebispo italiano e presidente do Pontifício Conselho para a Família, durante viagem pelo Brasil, na semana passada. VOX POPULI - Francisco no meio da multidão, na Praça de São Pedro: o papa não quer discussões teóricas, prefere ouvir os anseios da comunidade católica, para aflição de muitos padres e bispos Não é sempre que o Vaticano dá ouvidos, de maneira tão direta, aos seus fiéis. Segundo especialistas, desde a criação do Sínodo dos Bispos, no final do Concílio Vaticano II, em 1965, essa é a primeira vez que isso acontece. Em outras ocasiões, para saber o que pensavam os fiéis, a Igreja costumava contar com levantamentos feitos por padres e bispos, que invariavelmente filtravam a realidade, mesmo que inconscientemente. “Deve ter muito religioso assustado, não só com as perguntas do questionário, mas com o fato de que o papa espera ouvir os fiéis sem intermediários”, afirma Fernando Altemeyer, professor do departamento de teologia e ciências da religião da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Para Altemeyer, o questionário é importante por explicitar o que ele entende como uma grande mudança na forma de agir da Igreja. Até o fim do papado de Bento XVI, quando o Vaticano decidia fazer um comentário sobre a vida dos católicos, um intelectual, geralmente com profundo saber teológico e doutrinário, redigia um documento recheado de elucubrações teóricas e o apresentava à Santa Sé, que o avaliava, editava e, então, o submetia aos fiéis. Pouco importava se o conteúdo do que fora escrito estivesse em absoluta dissonância com a realidade da vida da comunidade. O papa, em sua infalibilidade (dogma promulgado no Concílio Vaticano I, 1869-1870), sabia o que era melhor para seu rebanho, mesmo conhecendo pouco dele. Com o anúncio do Censo de Francisco, esse modus operandi dá sinais de que pode estar mudando. “É a retomada de um método de trabalho consagrado no mesmo concílio que criou o Sínodo dos Bispos – o de primeiro ver, para depois julgar e só então agir”, diz Altemeyer. “Vivíamos um tempo em que só se julgava e agia.” FAMÍLIA - Católicas praticantes, Cristiana Serra e Juliana Luvizaro têm muitas esperanças na igreja de Francisco, mais colegiada e menos monárquica, para a comunidade gay Era de se esperar que, para os católicos gays, por exemplo, a notícia de um questionário que parece querer ver e entender esse grupo antes de julgá-lo fosse recebida com alegria. Mas, ainda que comemorada, a inclusão de uniões entre parceiros do mesmo sexo como tema no questionário de Francisco é vista com cautela. “Nossa experiência com a igreja nos faz agir como gatos escaldados”, diz a psicóloga carioca Cristiana Serra, 38 anos, gay, católica e membro do grupo “Diversidade Católica”, que trabalha para dar subsídios teológicos que ajudem a conciliar homossexualidade e fé. Cristiana diz que vê, no interesse de Francisco em fazer uma igreja mais colegiada e menos monárquica, um caminho para mudanças positivas para a comunidade católica gay. Mas supor que a opinião dos fiéis terá força para mudar alguma coisa já é um pouco demais. Sua mulher, porém, parece mais otimista. “Sou apaixonada pelo papa Francisco”, diz a confeiteira carioca Juliana Luvizaro, 33 anos, há cinco casada com Cristiana. “Ele entende a força e a centralidade da mensagem de amor do Novo Testamento, além de aceitar que esse amor nem sempre se manifesta dentro das expectativas da sociedade”, diz. Quem também conta com o amor como grande aliado para enfrentar a dura realidade de viver uma vida conjugal irregular aos olhos da igreja são os casais em segunda união. Unidos pelo matrimônio, divorciados civilmente e, posteriormente, em nova união, eles ficam proibidos de receber qualquer sacramento, inclusive a penitência, ou confissão, e a eucaristia. No questionário de Francisco, nada menos que cinco perguntas são dedicadas à exploração da realidade de quem vive nessa condição. “Sofro por não poder receber os sacramentos, mas sigo a determinação da Igreja e fico feliz por respeitar a doutrina”, diz Cecília di Ciero de Oliveira, 54 anos, divorciada desde 2008 e hoje vivendo uma vida de casada com Roberto de Oliveira, 63 anos. Logo que se separou, Cecília se afastou da comunidade que frequentava, na cidade de Itu, interior do Estado de São Paulo, por causa das fofocas e da crueldade de parte dos leigos da paróquia. Hoje, porém, ela não só voltou à Igreja, como participa ativamente da comunidade. “É esse envolvimento completo, que vai além da frequência em missa, que aproxima o fiel de sua missão”, diz João Bosco Oliveira, 76 anos, autor de dez livros sobre a vida de casais nessa situa-ção e fundador da Pastoral de Casais em Segunda União, hoje com mais de três mil grupos espalhados pelo Brasil. "Não podemos falar que tudo é família. Se tudo é família, nada é família" - Dom Vicenzo Paglia, arcebispo italiano e presidente do Pontifício Conselho para a Família, questionado sobre o batismo de filhos de casais gays Não se sabe ao certo o que será feito com os resultados dessa extensa pesquisa. No longo texto que introduz o questionário, fala-se, em tom alarmante, da “crise social e espiritual” contemporânea e de “como são urgentes os desafios apresentados à evangelização pela situação atual”. Mas a agenda estabelecida pelo mesmo documento para discussão desses resultados não mostra tanta urgência. Segundo consta, no Sínodo de Bispos de 2014, os resultados da pesquisa serão apenas apresentados. Eventuais decisões no sentido de “procurar linhas de ação para a pastoral da pessoa humana e da família” ficarão para o Sínodo de 2015. “O sínodo tem força pastoral – ele não vem para mudar doutrina, porque isto não cabe a ele”, diz o padre Wladimir Porreca, assessor nacional da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e Família da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). “Mudanças no papel dos sacramentos também estão fora de questão”, afirma Porreca, que diz, ainda, não ser concebível elevar a união entre duas pessoas do mesmo sexo à condição de família. A afirmação faz eco a outra declaração de dom Vicenzo Paglia. “Não podemos falar que tudo é família. Se tudo é família, nada é família”, cravou. As coisas mudam lentamente na milenar instituição de Roma. Mas mudam. E ninguém discute que o censo de Francisco talvez seja um dos mais poderosos sinais de transformação desde que o argentino assumiu o trono de Pedro. PECADO - Cecília di Ciero de Oliveira e Roberto de Oliveira são um dos milhares de casais católicos em segunda união que frequentam as paróquias do País e são impedidos de comungar e confessar Colaborou Débora Crivellaro 5#5 UMA RELAÇÃO TÃO DELICADA Embora de origens musicais distintas, Roberto Carlos e Caetano Veloso construíram uma amizade de décadas, com homenagens mútuas. O racha no grupo Procure Saber provocou o rompimento dos dois Michel Alecrim Década de 1960. Maria Bethânia diz ao irmão Caetano Veloso: ?Presta atenção no Roberto Carlos?. O cantor baiano procurou saber sobre o capixaba e assim começou um rito de aproximação entre eles, que se tornaram amigos de décadas, a despeito de terem frequentado movimentos culturais diferentes ? Caetano integrava a vanguardista tropicália e Roberto liderava a romântica jovem guarda ? e posições políticas igualmente díspares. Exilado em Londres, na Inglaterra, nos anos 1970, fugindo da perseguição de militares na ditadura, Caetano recebeu a visita de Roberto, que vivia ?alienado? no Brasil, como dizia na época a combativa ala cultural da esquerda. Foi para o baiano que Roberto compôs, em parceria com Erasmo Carlos, ?Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos?, em 1971. No mesmo ano, Caetano retribuiu entregando ao Rei a letra de ?Como Dois e Dois?, em que diz: ?Tudo em volta está deserto/Tudo certo/Tudo certo como/Dois e dois são cinco?. A delicada relação construída ao longo de décadas rompeu-se dentro do único grupo que integravam juntos, o Procure Saber, criado para tentar proibir biografias não autorizadas. O tom amigável e respeitoso de ambos desafinou geral. No início, todos tinham a mesma meta dentro do grupo, que ainda conta com Chico Buarque, Milton Nascimento, Djavan e Gilberto Gil, além da empresária Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano e presidente da associação. Com a imediata e forte reação da sociedade, de editores de livros e de outros artistas, Roberto Carlos resolveu incluir na luta seu advogado, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. ?Só que ele entrou em rota de colisão com Paula, e a amizade de Roberto e Caetano foi para o ralo?, diz um amigo de ambos, que pediu anonimato. Roberto deu entrevista ao programa ?Fantástico?, da Rede Globo, desdizendo o que defendia antes e declarou-se contra a censura. Sem disfarçar a irritação, Caetano saiu-se com uma frase que ainda pode virar letra de música. ?Apanhamos muito da mídia e das redes, ele vem de Rei?, escreveu, em sua coluna dominical no jornal ?O Globo?. A resposta do Rei foi seca: ?A partir de agora, fiquem à vontade com o andamento do Procure Saber sem a presença direta do Roberto?, informou o empresário do cantor, Dody Sirena, aos integrantes da associação. O advogado Kakay disse à ISTOÉ que sempre defendeu, nas reuniões do Procure Saber, que o grupo desistisse da ideia de censura. Os argumentos teriam convencido Erasmo Carlos e Gilberto Gil a reverem suas posições, tanto que gravaram um vídeo, divulgado na internet no fim de outubro. ?Agradecemos a todos os que se expuseram conosco, que tiveram suas vidas expostas em nome de uma ideia e que, por isso, foram chamados de censores?, declarou Gil. ?O Erasmo é maria-vai-com-as-outras do Roberto?, disse uma pessoa ligada ao meio musical, para frisar que o apoio já era esperado. ?Mas o Gil, que é amigo-irmão de Caetano, também??, questiona. Segundo pessoas próximas aos dois, o imbróglio entre Caetano e Gil já foi resolvido em conversa com ambos e tudo continua bem entre eles. Mas o mesmo não aconteceu com Caetano e Roberto. Na noite da terça-feira 5, o Rei se desligou definitivamente do Procure Saber. Detalhes pequenos da mágoa dos dois podem ser captados nas entrelinhas do comunicado oficial assinado por Sirena: ?Não é bem assim o nosso jeito de trabalhar, somos mais discretos. Afinal, defendemos também a privacidade no sentido profissional.? Referia-se ao estilo de Paula Lavigne, que botou mais lenha na fogueira na semana passada, quando declarou que a entrada de Kakay ?gerou desconforto?. E mandou: ?Não precisamos de lobista em Brasília e muito menos de advogado criminalista.? ?No mercado, comenta-se que a Paulinha (Lavigne) é a Yoko Ono da hora: ?separou uma fantástica dupla musical?, diz uma pessoa importante do meio musical. Afinal, 13 anos depois de ser homenageado por Roberto, Caetano retribuiu com a canção ?O Homem Velho?, em 1984, e gravou a música do Rei ?Fera Ferida?, em 1987. Por sua vez, Roberto prestigiou o tropicalista incluindo em seus discos ?Muito Romântico? e ?Força Estranha?. Em 2008, Roberto fez uma concessão a Caetano nunca dada a qualquer outro artista: um show, que virou disco e DVD, em dueto com ele, ?Roberto Carlos e Caetano Veloso e a Música de Tom Jobim?. A questão da censura às biografias está agora nas mãos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e dos parlamentares. Audiências no STF estão marcadas para os próximos dias 21 e 22 e a Câmara deve votar ainda neste mês projeto de lei do deputado Newton Lima (PT-SP), que altera o Código Civil e acaba com a autorização prévia para biografias. Um acordo entre líderes do Congresso incluiu um parágrafo proposto pelo deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), que prevê rito sumário em casos graves de ofensa. Procurados por ISTOÉ, Roberto Carlos, Caetano Veloso e Paula Lavigne não responderam. _______________________ 6# MEDICINA E BEM-ESTAR 13.11.13 6#1 MOVIMENTOS CONTROLADOS 6#2 SINAL DE PERIGO PARA O CORAÇÃO 6#1 MOVIMENTOS CONTROLADOS Grupo liderado por cientista brasileiro faz macacos mexerem dois braços virtuais usando o pensamento. É mais um passo para a criação de sistema que ajudará pessoas paralisadas a andarem novamente Cilene Pereira O time de pesquisadores da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, liderado pelo brasileiro Miguel Nicolelis, venceu mais uma etapa na construção de um sistema para ajudar pessoas paralisadas a andarem gerenciado apenas pelo pensamento. Na semana passada, os cientistas anunciaram ter feito com que macacos movessem dois braços virtuais utilizando somente seus comandos cerebrais. Até agora, o mesmo grupo, que trabalha neste projeto há anos, havia conseguido estimular as cobaias a movimentarem só um braço. “Mas muitos dos movimentos cotidianos usam duas mãos, como abrir uma lata”, disse Nicolelis. “Sistemas que fazem a interface entre a mente e uma máquina terão de atingir múltiplos membros para que o benefício aos pacientes seja maior.” A nova experiência está relatada na última edição da revista científica “Science Translational Medicine”. Para que tivesse êxito, foi necessário que os pesquisadores realizassem um amplo mapeamento dos sinais elétricos emitidos por 500 neurônios espalhados pelos dois hemisférios cerebrais dos animais. Eles queriam saber se os estímulos seriam suficientes para fazer com que o aparelho já desenvolvido que faz a interface cérebro-máquina tivesse a potência necessária para a movimentação de dois braços virtuais segundo os comandos cerebrais designados pelos macacos (leia mais no quadro). O número mostrou-se adequado e o resultado foi que, após um treino usando joysticks para mover os dois braços virtuais até pontos específicos da tela, os animais foram capazes de executar essa movimentação de acordo com seus sinais cerebrais, sem usar as patas. FEITO - Nicolelis comandou a experiência, representada na ilustração gráfica Dez pacientes já estão participando da próxima etapa do projeto. “Eles estão sendo treinados a usar as ferramentas virtuais”, disse Nicolelis. Outros grupos trabalham na criação de equipamentos comandados pelo pensamento que auxiliem a movimentação de pessoas paralisadas. Nessa linha, recentemente, o cientista José Luis Contreras-Vidal, da Universidade de Houston (EUA), mostrou em um paciente o funcionamento do NeuroRex. Ele conseguiu iniciar e parar o aparelho com a mente. “Mas o sistema ainda está em desenvolvimento”, contou o cientista à ISTOÉ. 6#2 SINAL DE PERIGO PARA O CORAÇÃO Estudo comprova eficácia de teste que revela a presença de depósitos de cálcio dentro das artérias. O exame já é apontado como um excelente indicador de chance de infarto para quem não tem os fatores de risco mais comuns Monica Tarantino Conhecer as chances de uma pessoa manifestar um problema cardiovascular é o primeiro passo do médico para indicar medidas preventivas. Se o paciente convive com um ou mais fatores de risco clássicos, como colesterol elevado, pressão alta ou diabetes, essa tarefa é mais fácil. O desafio é encontrar exames que ajudem a diferenciar quais indivíduos correm algum perigo entre aqueles que apresentam resultados de exames normais, porém possuem casos na família, daqueles que realmente não precisam se preocupar com o coração. O que fazer com essas pessoas? Medicar mesmo sem sintomas? Esperar para ver? INVESTIGAÇÃO - A professora Zélia sofreu um infarto cuja causa ainda não está totalmente esclarecida. Já o médico Bittencourt acaba de publicar pesquisa na qual comprova a eficácia de exame que detecta o começo do acúmulo de placas que obstruem as artérias Para ajudar na resolução desse impasse, os cientistas investigam o potencial preditivo de alguns testes. A mais recente descoberta nesse campo foi feita por cientistas de diversas universidades americanas. Liderado pelo cardiologista brasileiro Márcio Bittencourt, pesquisador da Universidade Harvard, em Boston, o estudo, recém-publicado na edição online da revista do Colégio Americano de Cardiologia, mostrou que o uso da tomografia computadorizada para verificar a existência de vestígios de cálcio depositados no interior das artérias coronárias (exame chamado escore de cálcio) é uma alternativa confiável e segura para saber quem tem risco maior. “Uma artéria normal nunca tem cálcio. Portanto, sua presença é uma indicação de que o processo de aterosclerose, doença que leva à formação das placas que entopem as artérias, já está em andamento”, diz o médico. A obstrução dos vasos pode levar ao infarto. Assim, se o teste apontar a presença do mineral, é preciso que o indivíduo passe a adotar uma rotina mais rígida de prevenção. Isso envolve a prática de exercícios e a adesão a uma dieta saudável e pode incluir o uso de remédios. No Brasil, o teste também ganha importância. “O escore de cálcio é um marcador consistente e promissor”, diz o cardiologista Raul Dias dos Santos, diretor da Unidade Clínica de Lípides do Instituto do Coração (InCor) de São Paulo. “Se der positivo, a pessoa deve ser tratada mais agressivamente sempre”, completa. DESCOBERTA - Diana não tinha riscos conhecidos, mas infartou e depois soube que apresentava alto nível de uma proteína associada ao problema Outros recursos que buscam refinar a investigação do risco para doenças cardiovasculares começam a entrar na pauta da cardiologia. Um deles é o NMR Lipo Profile. O exame serve para analisar a composição das partículas do colesterol, entre elas a fração LDL, a pior para a saúde das artérias. “Seu nível pode até estar dentro dos limites, mas, se as suas partículas forem muito grandes ou centradas, ele configura um risco”, explica o médico Hélio Margarinos, diretor do laboratório Richet, do Rio de Janeiro. A empresa coleta amostras de sangue e as envia para os Estados Unidos, onde são examinadas. Como ainda é algo relativamente novo, os especialistas estudam seu uso em larga escala. “Estamos avaliando, no Instituto do Coração e na Universidade de São Paulo, sua aplicação na reclassificação do risco de pacientes”, diz Raul Santos. Em relação ao colesterol, um consenso é o de que mais importante do que manter o colesterol total ou o bom colesterol nas taxas desejadas é baixar muito a concentração do LDL. Também já está disponível a Dosagem de Lipoproteína (a). O teste, chamado de LP(a), mede a quantidade de uma partícula rica em gorduras que infere muito pouco no colesterol, mas que em níveis elevados está relacionada à chance maior de problemas coronarianos. Em geral, é realizado em casos de entupimento das artérias ou infarto para os quais os médicos não encontram explicação. É o caso da artesã Diana Gauditano, 57 anos, por exemplo. Ela descobriu que tinha altas quantidades dessa proteína e mais uma mutação genética que predispõe à formação de trombos após ter um infarto enquanto fazia ginástica. “Foi uma surpresa. Nunca tive colesterol alto ou hipertensão. Minha família toda fez o exame e descobrimos que minhas duas irmãs também possuem níveis alterados”, conta Diana. A esperança é de que o aperfeiçoamento dos recursos de prevenção ajude a evitar casos como o da professora de enfermagem Zélia Nunes, 61 anos, de São Paulo. Sempre atenta à saúde, nunca teve problemas de colesterol ou de pressão arterial, mas acabou vítima de um infarto. “Meu caso ainda não foi totalmente explicado. Existe uma suspeita de que tenha sido causado por um problema relacionado às plaquetas no sangue, mas espero que um dia surjam exames capazes de elucidar essa situação”, diz Zélia. _________________________ 7# ECONOMIA E NEGÓCIOS 13.11.13 EMBRAER NO ALVO Americanos acusam gigante brasileira de ter pago propina para vencer duas licitações. As acusações podem prejudicar negócios futuros da companhia? Mariana Queiroz Barboza Terceira maior fabricante de aeronaves do mundo, quarta maior exportadora do Brasil e dona de um faturamento anual na casa dos R$ 12 bilhões, a Embraer sempre foi motivo de orgulho nacional. Sua reputação, porém, está agora ameaçada. Na semana passada, o jornal americano “The Wall Street Journal” e a agência Reuters publicaram uma denúncia contra a empresa brasileira. Segundo investigação da Justiça americana, a Embraer é suspeita de ter pago propina para vencer duas licitações, uma na Argentina e outra na República Dominicana. No caso argentino, é questionada a venda de 20 jatos E-190 para a Austral Lineas Aereas Cielos del Sur entre 2008 e 2009, em um negócio de US$ 900 milhões. Já o contrato firmado com a República Dominicana era referente à venda de oito Super Tucanos, no valor de US$ 90 milhões, em 2008. O então diretor de projetos especiais para as Forças Armadas dominicanas, o hoje coronel aposentado Carlos Piccini, teria cobrado US$ 3,4 milhões de comissão para facilitar o acordo comercial. Dois anos depois, a República Dominicana de fato fechou a compra das aeronaves para o combate ao tráfico de drogas e a defesa de suas fronteiras. Como a Embraer negocia ações na Bolsa de Valores de Nova York, a investigação é conduzida em conjunto pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos e pela Securities and Exchange Comission, agência responsável pela regulação de valores mobiliários. SUPER TUCANO - A aeronave campeã de vendas da Embraer está no centro de um escândalo de corrupção investigado por autoridades americanas A repercussão das acusações tem potencial para prejudicar negócios futuros da companhia, principalmente na área de defesa, uma de suas principais apostas. Coincidentemente, as denúncias surgiram pouco depois de a Embraer vencer uma licitação do próprio governo americano. No ano passado, a fabricante brasileira ganhou uma concorrência para fornecer 20 Super Tucanos A-29 à Força Aérea dos Estados Unidos. O contrato, que previa o envio das aeronaves ao Afeganistão, valia US$ 400 milhões, mas podia chegar a US$ 1 bilhão. A Embraer sofreu com o lobby nacionalista da concorrente derrotada, a americana Hawker Beechcraft, e de deputados do Estado do Kansas. Resultado: o contrato foi cancelado sem maiores explicações. A licitação foi refeita em 2013 – e a Embraer venceu novamente. Nesse jogo de interesses, os Estados Unidos também podem sair derrotados. A americana Boeing disputa com a sueca Saab e a francessa Dassault a licitação para fornecer 36 caças à Força Aérea Brasileira, em um negócio estimado em mais de US$ 4 bilhões. “As denúncias afetaram a imagem internacional da Embraer”, diz Salvador Raza, professor do Defense Institution Reform Initiative da Naval Postgraduate School, da Califórnia. “Quando se contesta a ética da empresa, isso imediatamente é transferido para o produto, não importa quão bom ele seja.” Segundo Raza, o impacto das denúncias pode fazer a Embraer perder competitividade em licitações futuras. Os documentos obtidos pelo “The Wall Street Journal” mostram que a Embraer é acusada por violar uma lei americana antissuborno e que autoridades dos Estados Unidos trataram do assunto com seus pares brasileiros numa conferência internacional de combate à corrupção em Paris, em 2012. Os americanos disseram que tinham provas do suborno, incluindo históricos bancários e e-mails. De acordo com o jornal, os pagamentos foram ocultados como honorários de um acordo para o Reino da Jordânia, que nunca ocorreu. Em seu relatório anual relativo a 2012, a Embraer reforça que desde 2008 é signatária do Pacto Global da ONU e tem compromisso com o combate à corrupção. Nele, a empresa declara que, no ano passado, quatro de suas operações, responsáveis por 17% do faturamento total, passaram por “análises de riscos relacionados à corrupção”. São elas Embraer Defesa&Segurança, Atech, OrbiSat e OGMA. A expectativa do relatório era que, em 2013, todos os empregados considerados “em exposição” passassem por um treinamento anticorrupção, que inclui tópicos sobre concessão de brindes e presentes e tratamento com entidades públicas. Procurada pela ISTOÉ, a Embraer não disponibilizou nenhum porta-voz. Em nota, disse que “divulga, desde 2011, a existência de um processo interno de investigação relativo a certas operações comerciais ocorridas fora do Brasil”, e que coopera com as autoridades. A empresa também afirma que a investigação é sigilosa e, portanto, não pode se pronunciar. “Sempre que a Embraer foi procurada para comentar esse assunto, reiterou sua impossibilidade legal de fazê-lo, pelo que lamenta quaisquer especulações antes da efetiva conclusão da investigação.” _______________________ 8# MUNDO 13.11.13 A CARA DE NOVA YORK Descendente de alemães e casado com uma ex-ativista gay, Bill de Blasio, o recém-eleito prefeito da principal cidade dos EUA, passou a lua de mel em Cuba e ajudou revolucionários sandinistas da Nicarágua. Agora, ele quer ser a voz dos desfavorecidos Mariana Queiroz Barboza A partir de 1º de janeiro, a bicentenária mansão Gracie, em Nova York, receberá novos moradores. A residência oficial do prefeito da cidade será a nova casa de Bill de Blasio, democrata eleito na terça-feira 5, e sua família: a mulher, Chirlane McCray, e os filhos, Chiara, 18 anos, e Dante, 15. Isso se Dante, que exibe vasta cabeleira black power e que parece um jogador de basquete da NBA, concordar. Estrela da campanha do pai à prefeitura, o simpático adolescente já expressou preocupação em se mudar para longe da escola pública onde estuda, a dez minutos de carro da casa atual no Brooklyn. Mas De Blasio revelou o argumento que usará para convencer o filho. No Brooklyn, a casa só tem um banheiro para os quatro. Na recém-reformada mansão Gracie, há pelo menos um para cada um. Gente bacana de classe média, os De Blasio são a cara de Nova York, provavelmente a cidade mais diversa do mundo. Ele é descendente de alemães. Ela é negra. Na lua de mel, foram para Cuba, em vez de um lugar mais convencional no Caribe. Por isso mesmo, a equipe democrata colocou os De Blasio no centro da campanha eleitoral. “Os nova-iorquinos gostam de pensar que a feliz família birracial e a política progressista que essa imagem transmite representam sua cidade”, disse à ISTOÉ Deva Woodly, professora de política da New School for Social Research, de Nova York. “A população de Nova York foi particularmente receptiva a essa visão de futuro.” EM FAMÍLIA - De Blasio com a mulher, Chirlane, e os filhos, Dante e Chiara: progressistas unidos Durante a campanha, os comerciais de tevê mostraram Bill em atividades cotidianas, levando os filhos para a escola e cozinhando com a mulher, enquanto apareciam detalhes de sua casa, com direito a pôster de um músico nigeriano pendurado na parede. Num vídeo em que Dante é o protagonista, o garoto diz o seguinte: “Bill de Blasio será um prefeito para todo nova-iorquino, não importa onde ele more, nem sua aparência. E eu diria isso mesmo se ele não fosse meu pai.” A identificação instantânea com os jovens negros atacava indiretamente uma das mais polêmicas políticas de segurança implementadas pelo atual prefeito, Michael Bloomberg. A stop-and-frisk permite à polícia parar e revistar qualquer pessoa na rua, mas, segundo a associação de defesa dos direitos humanos New York Civil Liberties Union, os alvos da abordagem eram bem específicos. Em 2012, 55% dos cidadãos revistados eram negros e 32%, latinos. Só 10% eram brancos. Os números não refletem a demografia da cidade, nem do país. De acordo com o censo de 2010, a proporção de brancos em Nova York caiu de 43,2% da população em 1990 para 33,3%; a de negros passou de 25,2% para 22,8%; e a de hispânicos subiu de 24,4% para 28,6%. Fluente em espanhol por causa de uma temporada na Nicarágua no fim dos anos 80, quando ajudava os revolucionários sandinistas e estudava a obra de Karl Marx, De Blasio demonstrou apoio aos imigrantes ilegais, propondo a criação de uma carteira de identidade municipal que permitisse a eles o acesso a serviços básicos, como a abertura de conta em banco. De Blasio repetiu inúmeras vezes a referência ao livro de Charles Dickens “Um Conto de Duas Cidades” para tratar a Nova York pós-crise como um lugar extremamente desigual, onde atualmente 46% vivem na pobreza ou próximo dela. Entre suas promessas estão a construção de casas populares e o aumento de impostos para os mais ricos. “Quando pedimos a eles que paguem um pouco mais para fundarmos programas universais de educação, não estamos ameaçando o sucesso de ninguém”, disse em seu discurso de vitória. “Pedimos àqueles que se deram bem para assegurar que cada criança tenha a mesma oportunidade de prosperar como eles tiveram. É assim que crescemos juntos.” Se o escrutínio do passado de De Blasio indicou que o discurso esquerdista não é só obra de marqueteiros ávidos por conquistar uma população submetida a 20 anos de administrações conservadoras, ele expôs também a vida íntima do casal. Durante a campanha, um artigo que Chirlane escreveu para a revista “Essence” em setembro de 1979 foi recuperado. Em “Eu sou lésbica”, a futura primeira-dama, que integrava, à época, um coletivo de feministas negras e lésbicas, falava abertamente sobre sua orientação sexual. “Eu sobrevivi às lágrimas, ao isolamento e ao sentimento de que algo estava terrivelmente errado comigo por amar outra mulher”, escreveu. O episódio causou constrangimento aos filhos, mas Chirlane, poeta, escritora e ativista, disse não se arrepender. Nova York não poderia ter melhor empurrão para uma agenda progressista. ________________________ 9# TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE 13.11.13 9#1 O PLANETA QUE NÃO DEVERIA EXISTIR 9#2 ALÉM DA BRINCADEIRA 9#1 O PLANETA QUE NÃO DEVERIA EXISTIR O Kepler-78b tem tamanho e composição similares aos da Terra, mas desafia os modelos teóricos e intriga cientistas, que não sabem explicar como ele pode ter se formado tão perto de sua estrela Juliana Tiraboschi Se você vivesse no Kepler-78b, um planeta recém-descoberto localizado a 400 anos-luz de distância da Terra, comemoraria o Ano-Novo a cada 8,5 horas. Parece legal? Não para os astrônomos, que simplesmente não conseguem explicar como é possível que ele tenha se formado tão perto de sua estrela. O Kepler-78b orbita a apenas 1,6 milhão de quilômetros dela, muito pouco em termos espaciais. Isso representa uma distância 40 vezes menor do que a de Mercúrio em relação ao Sol e apenas 1% do espaço que há entre a Terra e nossa estrela. PERTO DO PERIGO - Cientistas não sabem explicar por que o Kepler-78b não "cai" de sua órbita Os modelos teóricos atuais dizem que é impossível que planetas se formem nessa região. Para os astrônomos, a órbita do Kepler-78b deveria decair até ele ser destruído pela estrela. Ao mesmo tempo, ele é considerado o exoplaneta mais parecido com a Terra em termos de diâmetro, massa, composição e densidade. “Não sabemos como ele se formou”, diz Andrew Howard, do Instituto de Astronomia da Universidade do Havaí, autor de uma de duas pesquisas sobre o Kepler-78b. O que os cientistas sabem com certeza é que, quando nasceu, sua estrela era muito maior. “Assim, o Kepler-78b teria surgido dentro da estrela, o que é impossível”, afirma Howard. “Ele também pode ter migrado, mas não temos uma explicação para como ele sabia que deveria parar perto e não cair dentro da estrela.” O mistério ao redor do impertinente corpo celeste é tamanho que pode forçar uma mudança na teoria de formação dos planetas. “É possível que nossos modelos estejam errados ou incompletos”, diz Francesco Pepe, do Observatório Astronômico da Universidade de Genebra, autor do segundo estudo sobre o Kepler-78b. “Cada nova descoberta ajuda a afinar as teorias.” Segundo Natalie Batalha, cientista-chefe da missão Kepler na Nasa, um dos objetivos da agência é identificar outros planetas com órbitas curtas. “Se forem excepcionais, pode significar que vivem por pouco tempo”, afirma. “Se forem comuns, temos que elaborar modelos melhores que expliquem como eles sobrevivem ou migram para outros lugares.” 9#2 ALÉM DA BRINCADEIRA Videogames ajudam surdos e mudos a se comunicarem e viram aliados em tratamentos de saúde e até no mundo dos negócios Juliana Tiraboschi Um passageiro chega a um balcão em um aeroporto e pede uma informação. O atendente é surdo-mudo. Comunicação impossível? Que nada. Ele dá a resposta na linguagem de sinais e um computador traduz seus gestos para o discurso falado e escrito. No futuro, essa pode ser apenas uma das muitas situações possíveis graças a projetos que usam plataformas de videogames para melhorar comunicação, saúde, comportamento, memória e desenvolvimento cognitivo. TRADUTOR - O sistema Kinect, criado pela Microsoft para o Xbox, tornou-se tão bom em ler movimentos e gestos que já pode ser usado para auxiliar surdos e mudos em consultas médicas, entre outras situações do dia a dia O sistema que traduz a linguagem de sinais para voz está sendo aperfeiçoado na China pelos laboratórios da Microsoft com base no Kinect, o acessório que interpreta gestos em jogos do console Xbox 360. O projeto é uma parceria da empresa com a Academia Chinesa de Ciências e a Universidade União de Pequim. O protótipo é capaz de traduzir 300 palavras chinesas e também funciona de maneira reversa: ouve a linguagem falada do interlocutor da pessoa com deficiência e a traduz em gestos, que aparecem em avatares na tela do computador. Esse sistema pode auxiliar em outras incontáveis situações de interação entre pessoas com dificuldade de audição e fala e gente que não entende a linguagem dos sinais, como em consultas médicas ou salas de aula. “Esperamos estender o projeto a outros países mais para a frente”, disse à ISTOÉ Stewart Tansley, diretor para pesquisas de interface com o usuário do laboratório Microsoft Research Connections. “Apoiamos totalmente o uso do Kinect por terceiros para a exploração de diversos cenários relacionados a outras aplicações”, afirma. O uso de games para fins além da diversão é uma tendência cada vez mais forte no mundo todo. Os jogos já são usados para auxiliar na diminuição de fobias e no apoio à fisioterapia. Agora, outras aplicações começam a aparecer, como o tratamento da condição oftalmológica conhecida como “olho preguiçoso” (leia quadro) e os treinamentos empresariais. Para Fábio Galvão, terapeuta ocupacional especializado em idosos, gadgets como o Kinect proporcionam o tipo de estímulo cognitivo que pede resposta imediata. Galvão faz residência em um hospital municipal de João Pessoa, na Paraíba, e conduz uma pesquisa sobre o uso do acessório da Microsoft em pacientes idosos com mal de Parkinson. Na terapia ocupacional, a dor geralmente limita o raio de ação do corpo. Com o jogo, o paciente realiza os movimentos sem perceber. “Os games tiram a monotonia e a repetição”, diz o terapeuta, que também usa o console Nintendo Wii em suas sessões. Cada dificuldade física ou psicológica pede um tipo diferente de abordagem. Segundo Thiago Rivero, neuropsicólogo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e fundador da rede de pesquisadores em jogos NeuroGames, quem sofre de transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) extrai mais benefícios de games que exigem percepção do tempo, como tiro ao alvo, ou que valorizam atividades lentas, como jogos de aventura. Já no caso de pacientes autistas, o pesquisador recomenda os games sociais. “Eles melhoram a motivação para o tratamento, que é um dos maiores problemas nessa área”, afirma. Outros setores que se beneficiam desse tipo de plataforma são a educação e os negócios. Para Ricardo Miyashita, professor de engenharia da produção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que desenvolve jogos na área empresarial, os games de aventura ou de tomada de decisões são ótimas ferramentas para ensinar inovação e empreendedorismo. “A vantagem desse método é que o jogo trabalha o lado lúdico, que está presente em todo ser humano”, diz. Além disso, os games trazem desafios e competição, o que estimula as emoções. “Boa parte da nossa capacidade de memorização está ligada aos sentimentos”, afirma Miyashita, que testa seus jogos com alunos de graduação ou MBA. Outra tendência no mundo dos negócios é usar games para selecionar pessoal. “Algumas empresas dividem os candidatos em grupos e usam jogos de desafios ou de tomada de decisão para escolher seus trainees”, diz o engenheiro. Na saúde ou nos negócios, o jogo é coisa cada vez mais séria. Colaborou Ana Carolina Nunes ______________________________ 10# CULTURA 13.11.13 10#1 PERSONAGEM - O REI DA CHANCHADA 10#2 CINEMA - WOODY ALLEN NA CRISE 10#3 O QUE O FBI E A CIA ESCONDERAM SOBRE O ASSASSINATO DE JFK 10#4 EM CARTAZ – DVD - 50 HORAS COM CARLITOS 10#5 EM CARTAZ – LIVROS - COMER, REZAR E PLANTAR 10#6 EM CARTAZ – MÚSICA - FILHOS DE BOWIE 10#7 EM CARTAZ – FOTOGRAFIA - VIDAS ALTERADAS 10#8 EM CARTAZ – CINEMA - HORROR EM FAMÍLIA 10#9 EM CARTAZ – AGENDA - YUSUF/BACK2BLACK/YAZBEK 10#10 ARTES VISUAIS - O SUL É O CENTRO DO MUNDO 10#11 ARTES VISUAIS – ROTEIROS - A INDIFERENÇA ENTRE O BANAL E O SUBLIME 10#1 PERSONAGEM - O REI DA CHANCHADA Biografia narra como o diretor Carlos Manga, em parceria com Grande Otelo e Oscarito, consolidou a comédia popular no cinema e na tevê brasileira Michel Alecrim A cena se passa nos estúdios da Atlântida, no Rio de Janeiro, nos anos 1950. Diante do esmero com que um jovem varria o local, o ator Grande Otelo fez piada: “Menino, não varre muito não. Você pode varrer o cinema nacional.” O “menino” era o mais novo contratado da produtora, o carioca de 23 anos José Carlos Aranha Manga. Dois anos depois, Grande Otelo estava sendo dirigido por ele em “A Dupla do Barulho”, ao lado de Oscarito. A história do rapaz que largou a faculdade de direito e a promissora carreira num banco para entrar na maior empresa de cinema da época e em pouco tempo revolucionar as chanchadas parece uma estripulia típica do gênero. No entanto, são fatos reais, narrados na biografia de Carlos Manga, escrita pelo jornalista Sérgio Cabral. “Quanto Mais Cinema Melhor” (Lazuli) conta como o improviso foi produzindo grandes sucessos de bilheteria, o mais aclamado deles chamado “O Homem do Sputnik”, cujo público estimado em 15 milhões de espectadores nunca foi superado por qualquer filme nacional. IRREVERÊNCIA - Manga, entre as atrizes Eliana Macedo e Fada Santoro nas filmagens de "Nem Sansão Nem Dalila", de 1954: clássico Manga era autodidata e aprendeu tudo vendo na adolescência clássicos de John Ford, Billy Wilder e Robert Wise. Em “Carnaval Atlântida”, em 1952, ele ousou ao colocar a câmera no chão para filmar o cantor Dick Farney. Nessa época, as chanchadas já tinham caído no gosto popular, mas ganharam com ele um novo padrão de qualidade. A crítica especializada, que torcia o nariz para esse tipo de comédia, foi se rendendo e o diretor fez seu nome. Em ascensão no momento, Chico Anysio logo percebeu que Manga brilharia também na televisão e o convidou para dirigir o seu programa na TV Rio. De cara ele veio com uma inovação: criou um efeito de montagem que possibilitava ao comediante contracenar consigo mesmo. Para o público de 1958, esse truque era o máximo. A parceria se perpetuou na Rede Globo, onde Manga trabalhou até 2012 – dirigiu, entre outros, “Os Trapalhões”, “Domingão do Faustão” e “Zorra Total”. Apesar de ter se afastado da tevê nos anos 1980 para produzir comerciais, acabou voltando em 1991, para cuidar de minisséries como “A, E, I, O, Urca” (1990) e “Agosto” (1993). Em 60 anos de carreira, passeou por todos os gêneros. Todos eles aprendidos na prática. 10#2 CINEMA - WOODY ALLEN NA CRISE O cineasta se afasta das neuroses comuns de seus personagens sofisticados e faz um pujante retrato de uma milionária falida durante a última recessão americana no filme "Blue Jasmine" Ivan Claudio Pagar as contas no fim do mês nunca foi uma preocupação dos personagens de Woody Allen. Na lista de suas atribulações, os impasses nos relacionamentos e as elucubrações psicanalíticas sempre tomaram lugar das questões materiais. Uma guinada irônica acontece em “Blue Jasmine”, que estreia na sexta-feira 15. Na história da socialite falida que dá nome ao filme, a Nova York de apartamentos chiques e jantares ao som de jazz só aparece em recordações. Seu presente é duro e tem como cenário um bairro decadente de São Francisco, para onde se muda. Jasmine (Cate Blanchett) perdeu tudo, inclusive a sanidade mental, e vai buscar um teto na casa da irmã pobre, caixa de supermercado, mãe de dois garotos gulosos e na mira do dono de uma oficina mecânica, fauna pouco comum nos enredos do cineasta. MUDANÇA - Jasmine (Cate Blanchett) entre os amigos ricos de Nova York (acima) e junto à turma remediada de São Francisco: perda dos referenciais com toques de tragédia A ex-milionária, contudo, ainda desfila o tailleurzinho Chanel como uma autêntica habitante da Park Avenue, zona nobre de Manhattan, e com o smartphone em punho sabe afastar com sotaque “upper class” o taxista que a espera com suas três malas Louis Vuitton: “Poderia me conceder um mínimo de privacidade?”. É o Woody Allen dos tempos bicudos. O diretor não confirma, mas a imprensa americana em peso identificou em Jasmine uma versão bem acabada de Ruth Madoff, a mulher do investidor americano Bernard Madoff, que foi condenado a uma pena de 150 anos de cadeia ao aplicar um golpe de US$ 65 milhões, desbaratado em 2008, no auge da crise financeira. O destino de Hal, o tubarão de Wall Street correspondente a Madoff, vivido por Alec Baldwin, é mais trágico. Denunciado pela própria mulher ao se descobrir traída, ele é preso na porta da empresa, à luz do dia, e se mata no presídio. O espectador pode ficar tranquilo, porque tudo isso é contado logo no início. Jasmine só não imaginou que, com sua atitude tresloucada, perderia também as regalias. “Vendi todas as joias e peles que pude esconder do Tio Sam”, diz à irmã, entre uma dose de vodka e algumas pílulas de Frontal. Para desviar a inspiração da vida real – ou conferir a ela um verniz literário –, Allen deu à personagem alguns traços da clássica Blanche DuBois, criação de Tennessee Williams em “Um Bonde Chamado Desejo”: como a afetada viúva, Jasmine se aliena do presente numa fantasia em que só ela acredita. Cate Blanchett acha que é plausível traçar paralelos entre o filme e o caso Madoff, mas diz que não se manteve presa à realidade. “Achei a história surpreendente e triste e, ao mesmo tempo, nada extraordinária ao pensar no que aconteceu com uma grande quantidade de pessoas do ponto de vista psico­lógico e financeiro”, afirmou. Passados cinco anos, o fantasma do desemprego e do bolso vazio ainda incomoda os americanos. Segundo o jornal “The New York Times”, uma pesquisa divulgada pela Allianz Life Insurance Company avalia que metade das mulheres ouvidas tem pavor de se tornar uma sem-teto, como parece ser o futuro de Jasmine – 27% delas com uma renda familiar anual superior a US$ 200 mil. Como nunca demonstrou ser muito ligado em estatísticas, o tiro certeiro de Allen só pode ser atribuído a uma grande perspicácia sociológica. Por que, então, demorou tanto a tratar do tema? Uma explicação estaria na própria crise. No final de 2008, quando o escândalo Madoff explodiu na imprensa, Allen se encontrava em processo de criação de seu filme inglês “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos”, fase iniciada há três anos, antes de o clima de austeridade bater às portas dos países europeus. O diretor de 78 anos acha natural que os personagens de classe média baixa – ou falidos – invadam seus enredos, sempre povoados por artistas, intelectuais e abastados de um modo geral. “Conheço bem essas pessoas, cresci no meio delas”, diz ele, cujo pai era garçom e vivia no Brooklyn numa época em que o lugar não era o bairro charmoso de hoje. 10#3 O QUE O FBI E A CIA ESCONDERAM SOBRE O ASSASSINATO DE JFK Memorandos queimados, fotos rasgadas e carreiras interrompidas mostram que a inteligência americana tinha o que esconder sobre a morte mais revisada do século XX Ana Weiss Nos 50 anos de morte do presidente americano John Fitzgerald Kennedy, que acontece no próximo dia 22, um novo livro chega em meio à avalanche de lançamentos reunindo evidências, muitas delas inéditas, que mostram que a CIA e o FBI fizeram o que puderam para atrapalhar a descoberta do que seriam os verdadeiros motivos por trás da maior tragédia americana. “Anatomia de um Assassinato – A História Secreta da Morte de JFK” (Companhia das Letras) vem sendo preparado pelo jornalista Philip Shenon há cinco anos. Não o crime em si, mas uma intrincada parede de espelhos erguida para debelar e confundir as investigações que o sucederam costura as quase 700 páginas dessa grande reportagem. Integrante da turma de repórteres investigativos do jornal “The New York Times”, o autor deu de cara com dois grandes desafios: a escassez de fontes, uma vez que a maioria dos envolvidos já não vive, e a farta concorrência de teorias e versões sobre a morte de Kennedy, alvo de mais de 40 mil livros publicados, descontadas as ficções. ÚLTIMOS MOMENTOS O presidente com sua mulher, Jacqueline, momentos antes de ser alvejado: 50 anos de mistério Mas havia alguns vivos: James Hosty, agente do FBI responsável pela vigilância de Lee Harvey Oswald durante os meses que antecederam o crime, deu sua última entrevista ao jornalista, antes de morrer, em 2011. E ao menos uma grande lacuna a ser preenchida no caso: a passagem de Oswald pelo México um pouco antes do assassinato, seu romance com uma mexicana e as ameaças que o atirador fez nesse momento à embaixada americana também nas vésperas do atentado – por escrito, inclusive. Shenon foi atrás dos sobreviventes, da família de figuras centrais nas duas agências e no serviço diplomático da época e, cruzando esse material, mostra com detalhes que, se fosse mera teoria conspiratória achar que o assassino agiu em nome de interesses maiores, não haveria razão para as cúpulas do FBI e da CIA desaparecerem com cada um dos registros que atestavam os seus passos pouco antes do dia em que puxou o gatilho em direção à carreata, da janela do Depósito de Livros Escolares do Texas. O relatório oficial da apuração comandada pelo então presidente da Suprema Corte dos EUA, Earl Warren, foi entregue ao novo presidente, Lyndon Johnson, sem nenhuma linha mostrando que Oswald era observado pelas agências antes do assassinato. Para o jornalista, isso mostra, no mínimo, que a morte de JFK poderia ter sido evitada, uma vez que não se tratava de um anônimo escondido na multidão a apertar o gatilho, como consta do Relatório Warren, mas, sim, um homem na mira do FBI e da CIA. 48 HORAS - O ex-presidente John Fitzgerald Kennedy, que governou os EUA de janeiro de 1961 a novembro de 1963, quando foi assassinado. O médico da família pediu que se omitisse a doença renal debilitante que escondia por trás da maquiagem pesada. Abaixo, Lee Oswald, o atirador, minutos antes de ser assassinado em Dallas, dois dias depois de sua vítima Desde o momento em que foi entregue, dez meses depois do assassinato, o relatório se tornou alvo de questionamentos e disparou uma contagem regressiva na popularidade de Johnson. Chegaram a ser suspeitos de mandantes o próprio vice-presidente (que, segundo as entrevistas colhidas pelo autor, estava tão apavorado nos dias posteriores que o leitor conclui por si por que a teoria não foi adiante), Fidel Castro e até Robert Kennedy, que a imprensa se referia como o Kennedy mais respeitado pela CIA. Segundo o autor, essas especulações não levaram a qualquer conclusão devido ao desaparecimento de documentos como fotografias (queimadas e jogadas na privada de um motel) e bilhetes (rasgados e atirados na privada de um escritório da agência de espionagem). O afastamento de agentes como John Whitten, que deixou pistas de ter mais informações a dizer depois de ser demitido do alto de uma carreira brilhante na CIA, também continua intrigante. James Angleton, famoso caçador de espiões “que nunca achou um espião”, assinou uma carta que vetava qualquer investigação no México até a morte de todos os envolvidos. CASTELO DE CARTAS - Earl Warren entregou para Lyndon Johnson o documento que mobilizou toda a inteligência americana. No relatório, que levou seu nome, não há menção aos passos anteriores do assassino, sistematicamente acompanhados pela CIA e pelo FBI Em 1977, o ex-embaixador americano no México Thomas Mann – em troca da promessa de Jimmy Carter de imunidade processual – confessou que recebera, nos dias seguintes ao crime, ordens de seus superiores para encerrar todas as investigações em curso no país. No relatório, afirmava que Silvia Duran, ex-castrista, era agente da CIA. E que Robert Kennedy “estava intensamente envolvido em atividade de contrainteligência em 1964.” Mann foi demitido pelo mesmo Angleton, alcoólatra famoso que teve sob seu controle todo o fluxo de informações do Relatório Warren. Shenon conclui que a verdadeira razão da morte do JFK já não pode mais ser encontrada. Mas ter achado o que foi escondido deliberadamente pelas agências governamentais prova que teorias como o complô gay, a conspiração comunista e a motivação pessoal e solitária de Oswald (que, graças ao Relatório Warren, foi a que entrou para a história) não fazem sentido algum diante de documentos que encontrou e de outros que garante terem sido destruídos. 10#4 EM CARTAZ – DVD - 50 HORAS COM CARLITOS por Ivan Claudio Em fevereiro de 2014 comemoram-se os 100 anos da estreia de Charles Chaplin no cinema. Antecipando-se à efeméride, chega às lojas a caixa “Chaplin, a Obra Completa”, com 20 DVDs reunindo todos os filmes do genial ator e diretor. São, no total, 50 horas de gravação incluindo os 65 curtas (desde “Carlitos Repórter”, sua primeira atuação nos EUA) e os 13 longas que realizou em meio século de carreira. A novidade dessa coleção, lançada na França pela conceituada produtora e distribuidora MK2, é que os filmes passaram por meticulosa restauração. No material extra, cineastas como Bernardo Bertolucci e Claude Chabrol falam da obra de Chaplin (na foto em “Luzes da Ribalta”), um raro caso em que a consagração crítica se equiparou desde o início ao sucesso popular. +5 curiosidades sobre Chaplin HITLER O ditador alemão não apreciava o cineasta pelo fato de ele ser judeu. Adotou o seu corte de bigode (foto), pela popularidade OSCAR Ele recebeu dois prêmios honorários e um pela trilha sonora de “Luzes da Ribalta”. Nunca ganhou o de melhor ator CASAMENTO A sua relação com Lita Grey, de 16 anos, teria inspirado o romance “Lolita”, de Vladimir Nabokov CARLITOS O vagabundo de fraque e cartola fez a sua primeira aparição no cinema no curta “Corridas de Automóveis Para Meninos”, em 1914 FAMA Foi o primeiro ator a aparecer na capa da revista americana “Time”. A data foi 6 de julho de 1925, no lançamento de “Em Busca do Ouro” 10#5 EM CARTAZ – LIVROS - COMER, REZAR E PLANTAR por Ivan Claudio “A Assinatura de Todas as Coisas” (Alfaguara) é o sexto livro e o primeiro ficcional de Elizabeth Gilbert, autora de “Comer, Rezar, Amar”. Para dar vida à protagonista Alma Withaker, filha de um grande proprietário de terras e colecionador de plantas do século XIX, Elizabeth mergulhou numa pesquisa que envolve botânica, alquimia e história. O resultado é um retrato do período em que a ciência se estabelecia como diretriz nas sociedades ocidentais, com o mérito de manter a irreverência e a velocidade narrativa dos seus romances autobiográficos. 10#6 EM CARTAZ – MÚSICA - FILHOS DE BOWIE por Ivan Claudio O trio inglês Placebo, liderado pelo guitarrista e vocalista Brian Molko (ao centro), sempre foi associado ao estilo musical que David Bowie praticou nos anos 1970, o glam rock. Bowie inclusive assinou uma parceria com o grupo e disse certa vez que Molko é a “a filha que ele nunca teve”. Com a ambiguidade sexual amenizada, o grupo surge menos provocador em seu sétimo álbum, “Loud Like Love”, cujas canções giram basicamente em torno de relacionamentos amorosos – ao contrário dos anteriores, de temática bem mais pesada e sombria. “Too Many Friends”, por exemplo, trata da internet e da situação de as pessoas terem hoje mais amigos virtuais do que reais. Em contrapartida, o grupo continua com a mesma energia sonora, garantida pelo novo baterista Steve Forrest, que, literalmente, destrói baquetas. 10#7 EM CARTAZ – FOTOGRAFIA - VIDAS ALTERADAS por Ivan Claudio Após documentar as mudanças ambientais e climáticas resultantes da ação humana em várias regiões do planeta, o fotógrafo Érico Hiller fez o caminho oposto e apresenta na mostra “Tênue Linha” (Doc Galeria, São Paulo, a partir da terça-feira 12) transformações causadas na vida das pessoas por determinados eventos históricos. Para isso, manteve o foco em quatro cidades emblemáticas: Berlim, Nova York, Havana e Kigali, em Ruanda. Seja numa vista aérea, seja no primeiro plano de anônimos, percebe-se que é impossível se furtar aos vestígios da Alemanha dividida e às cicatrizes latentes do 11 de setembro, assim como aos ecos de uma revolução que parece parada no tempo ou de um genocídio cujas marcas insistem em não se apagar. 10#8 EM CARTAZ – CINEMA - HORROR EM FAMÍLIA por Ivan Claudio Pouco conhecida no Brasil, a cineasta francesa Claire Denis tem uma obra consistente. Numa dezena de filmes, ela vem tratando de forma perturbadora a questão do desejo, tendo como pano de fundo contextos variados como a colonização africana (“Minha Terra África”) ou o ambiente militar (“Beau Travail”, adaptação do conto “Billy Budd”, de Herman Melville). Em “Bastardos”, a depravação sexual é mostrada por meio de uma família disfuncional, dona de uma fábrica de sapatos. A história começa com o suicídio do patriarca, o que leva o seu cunhado, o capitão Marco (Vincent Lindon), a abandonar a profissão e encabeçar uma investigação particular. O tom de suspense erótico se transforma no mais puro horror. 10#9 EM CARTAZ – AGENDA - YUSUF/BACK2BLACK/YAZBEK Conheça os destaques da semana por Ivan Claudio YUSUF (Credicard Hall, São Paulo, 16 e 17/11; Citibank Hall, Rio de Janeiro, 20/11) O cantor inglês Cat Stevens, hoje muçulmano, canta os seus maiores sucessos BACK2BLACK (Rio de Janeiro, Cidade das Artes, de 15/11 a 17/11; São Paulo, HSBC Brasil, 19/11) O festival de cultura negra apresenta 20 atrações. O destaque é o cantor de soul Bobby Womack e a cantora espanhola Concha Buika YAZBEK Sesc Santana, São Paulo, até 15/12) O festival “Imersão Samir Yazbek” estreia a peça “Frank–1” . No programa, os espetáculos “As Folhas do Cedro”, “Fogo Fátuo” e “O Fingidor” 10#10 ARTES VISUAIS - O SUL É O CENTRO DO MUNDO Festival Sesc_Videobrasil faz 30 anos com mostra histórica do vídeo no País e panorama da produção internacional do Sul geopolítico por Paula Alzugaray 18º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil: 30 anos + Panoramas do Sul/ Sesc Pompeia, SP/ até 2/2/2014 Realizado bienalmente há 30 anos, o Festival Sesc_Videobrasil revelou ao País grandes artistas do vídeo e da imagem em movimento, como Nam June Paik, Marina Abramovic, Bill Viola, Walid Raad, Tadeu Jungle, Marcelo Tas, Carlos Nader. No ano em que comemora três décadas, esta história é contada em uma instalação de 200 telas que exibem as 17 edições do VB em múltiplas camadas. A grande estrela da festa é o festival. Mais precisamente a mostra “Panoramas do Sul”, uma plataforma de visibilidade da produção artística do eixo Sul geopolítico (América Latina, Caribe, África, Oriente Médio, Europa do Leste, Sul e Sudeste Asiático e Oceania). Durante os três meses de programação do 18º Festival Internacional de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, o Sul está no centro do debate. DIVERSIDADE - Fotografia da série "Welcome Home", de Gui Mohallem, registra prática xamânica “O VB teve um papel muito importante na legitimação do vídeo no Brasil. Mas isso não é mais necessário, o vídeo é uma linguagem consolidada. Por isso, abrimos o foco para questões de ordem política, que agora precisam de visibilidade”, diz a diretora Solange Farkas. Os 94 trabalhos da mostra foram selecionados entre dois mil inscritos de 32 países. Na mostra resultante, convivem pesquisas e linguagens de origem diversas, que, por não serem originárias dos “centros hegemônicos” do mundo, articulam temas afins, quase sempre relacionados a identidade cultural, alteridade, pertencimento. “Questões como identidade, paisagem, cidade, migração sempre aparecem, mas começam a ganhar novas perspectivas”, diz Júlia Rebouças, da Comissão Curatorial. O libanês Akram Zaatari, por exemplo, militante de causas relacionadas à identidade árabe, participa com um trabalho mais intimista, que explora o amor homossexual no mundo muçulmano. “Como novidade, percebemos uma gama de trabalhos que trazem um certo primitivismo, que vão buscar na natureza um pensamento religioso”, continua Júlia. Expressam essa natureza mágica a fotografia do brasileiro Gui Mohallem, produzida a partir da vivência de um ritual de celebração pagã no interior dos EUA; ou o vídeo de Bakary Diallo, que representa os espíritos das vítimas das guerras no Mali; e o vídeo do argentino Charly Nijensohn, filmado no sul da Cordilheira dos Andes, que explora o fascínio por lugares extremos e desconhecidos. CLICHÊ - Filme de Tao Hui desafia estereótipos do folclore e da economia chinesa Esta é a segunda edição em que o Festival Videobrasil amplia sua atuação do vídeo e da arte eletrônica para a arte contemporânea. Mas, ainda que pretenda abranger todas as linguagens artísticas e tenha a diversidade como bandeira, sua maior contribuição continua sendo mostrar a produção gerada no cruzamento do vídeo com outras mídias. Exemplos são a instalação de Leticia Ramos, que interpreta a paisagem do Polo Norte com câmeras e projetores reinventados; ou a engenhosa fusão de performance, história em quadrinhos e documentário no trabalho da australiana Bridget Walker. 10#11 ARTES VISUAIS – ROTEIROS - A INDIFERENÇA ENTRE O BANAL E O SUBLIME Indiferença - Marcellvs L./ Galeria Luisa Strina, SP/ até 7/12 por Paula Alzugaray “Talvez acampar e presenciar uma tempestade na Islândia seja tão corriqueiro quanto ir à praia e encontrar o sol no Rio de Janeiro.” Assim o artista mineiro Marcellvs L. interpreta a tranquilidade e a indiferença do garoto que protagoniza seu vídeo “9493” (foto), de 2011, apresentado concomitantemente na exposição “Panoramas do Sul” e em individual na galeria Luisa Strina. Filmado dentro de uma barraca de acampamento, o trabalho mostra um menino que joga videogame alheio a uma forte tempestade de vento, na Islândia. A cena é gravada de um ponto de vista fixo, em um plano-sequência de 11 minutos. A natureza externa e ameaçadora não está no plano de visão, conhecemos apenas o interior de uma redoma que não é maculada. Marcellvs L. conta que se mudou para a Islândia há quatro anos atraído pela brutalidade da natureza. “Os moradores precisam criar uma resistência à realidade externa. Para mim, isso é similar ao fazer artístico. Ao fazer arte, criamos resistências à ordem de uma realidade compartilhada e estabelecida. Inventamos outro topo de ordem”, diz. De fato, há dez anos, ele inventou um sistema próprio de produção e distribuição de sua obra. O sistema é intitulado “VideoRizoma” e consiste na apropriação de um conceito dos campos da botânica e da filosofia. Assim como “9493”, os trabalhos da série têm sempre títulos numerais, que são definidos ao azar, a partir de jogos de dados. Logo, sua distribuição será definida em um processo randômico. Antes de serem expostos em galerias, museus e festivais, os trabalhos são enviados para um certo número de pessoas, anônimas e desconhecidas do artista, definidas a partir de associações de seus números telefônicos ou endereços com os números do título do trabalho. Assim como o garoto indiferente à tempestade do “VideoRizoma”, os trabalhos de Marcellvus L. em geral enfocam cenas banais da vida cotidiana, em contraposição a uma natureza imponente. Em outro trabalho exposto na galeria Luisa Strina, o artista confronta o plano fechado da fachada de uma casa qualquer com um plano geral da paisagem gelada da ilha. A estratégia é atingir um efeito de diluição das oposições entre luz natural e artificial; dia e noite; intempérie e calmaria; som e imagem. ___________________________ 11# A SEMANA 13.11.13 por Antonio Carlos Prado e Elaine Ortiz "FELICIDADE POR DECRETO" Chama-se “Bananas” um dos maiores clássicos do humor no cinema, de Woody Allen, e denuncia de forma hilariante os delírios de regimes autoritários e populistas na América Latina – a ponto de um governante ordenar que os homens troquem de cueca três vezes por dia, e, para se ter certeza de que estão cumprindo a determinação, a cueca passará a ser vestida por cima da calça. É por essa linha que anda o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. Ele acaba de decretar que já é Natal em seu país e quer, também por decreto, que a população fique feliz. É difícil a população ter um bom Natal em meio a uma inflação de 50% ao ano e no momento em que vê os supermercados vazios de muitos produtos – da manteiga ao papel higiênico. Nicolás Maduro quer forçar a felicidade do povo porque tem medo de se ver muito infeliz no começo de dezembro, quando a crise econômica poderá lhe impor um revés nas eleições municipais. Diante de tudo isso, se ainda é para rir, só rindo mesmo do próprio presidente. "NOVOS LAUDOS APONTAM QUE YASSER ARAFAT FOI ENVENENADO" Passados quase dez anos da morte do líder palestino Yasser Arafat, uma equipe de peritos suíços, franceses e russos divulgou os laudos necroscópicos que elaboraram sobre as causas de seu falecimento. Segundo o relatório de 108 páginas, há pelo menos 83% de possibilidade de que Arafat tenha sido envenenado com a substância radioativa polônio-210 – utilizada em bombas nucleares e, quando presente em excesso no organismo humano, causa a coagulação do sangue nas regiões arteriais e consequentemente a morte. Segundo os peritos, no corpo de Arafat havia uma concentração dessa substância 18 vezes maior do que é tolerável. Um dos mais famosos casos de envenenamento por polônio foi o da morte em 2006 do espião russo Alexander Litvinenko. "SUPERTUFÃO ATINGE AS FILIPINAS" Dois terços do céu das Filipinas escureceu tenebrosamente na sexta-feira 8. Em terra, ventos de até 320 quilômetros por hora começaram a varrer e destruir algumas localidades como a ilha de Samar. Assim chegou o supertufão Haiyan, um dos maiores de que se tem notícia no planeta, com diâmetro de aproximadamente 800 mil metros. Cerca de 200 mil pessoas de 25 províncias tiveram de ser alojadas em centros de emergência e casas foram “engolidas” na cidade de Legazpi (foto). Até a tarde da sexta-feira registravam-se três mortes e a esperança era de que o Haiyan perdesse força em algumas horas. "ÁS, REI E US$ 9 MILHÕES" O jovem americano Ryan Riess é formado em economia e negócios pela Universidade de Michigan. Agora ele é também o novo campeão do World Series of Poker, um dos principais torneios de jogos em todo o mundo, disputado em Las Vegas. Após três horas e meia de muita concentração, Ryan arriscou a jogada all-in com o Ace-King. Agregou à sua conta bancária cerca de US$ 9 milhões. "OLHA A TAIZA AÍ, GENTE!" Valeu o ditado popular: quem é vivo sempre aparece. Serve para a ex-miss Brasil Taiza Thomsen, que sumiu em 2006 e reapareceu na semana passada em Santa Catarina. Por que ela evaporou há sete anos? Não houve muitas explicações para isso, tudo ficou por conta de um eventual desentendimento familiar. Na época, a Polícia Federal brasileira e a Scotland Yard foram acionadas, e descobriu-se então que por sete meses ela ficara em Londres, onde teria trabalhado em casas de shows eróticos. Imaginou-se Taiza sequestrada ou morta. Ela voltou sã e salva. "O BRASIL FEZ TUDO DENTRO DA LEI. JÁ OS EUA..." Era mesmo inevitável que surgissem comparações do monitoramento que a Abin fez de diplomatas da Rússia, do Irã e do Iraque com a espionagem promovida em território brasileiro pela Agência Nacional de Segurança dos EUA. Mas, segundo o governo, há diferença, e ela foi pontuada pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo: o Brasil fez contraespionagem, ou seja, espionou para checar se estava sendo espionado. Isso sem falar que os EUA bisbilhotaram até o celular da presidenta Dilma Rousseff enquanto o serviço de inteligência do Brasil não executou nada ilegal. "FAMÍLIA GUINLE QUER DE VOLTA TERRENO DO AEROPORTO DE CUMBICA" Os herdeiros da ex-poderosa família Guinle, que já foi proprietária no Rio de Janeiro do tradicional hotel Copacabana Palace, estão pedindo na Justiça uma indenização de R$ 5 bilhões pelo terreno no qual está situado o Aeroporto Internacional de Cumbica, na cidade paulista de Guarulhos. Alegam que seus familiares doaram a área em 1940 sob a condição contratual de que nela seria construído um aeródromo militar e não um aeroporto civil. A Advocacia-Geral da União já se pronunciou: “Podem esperar a vida toda, pois não vão receber nada. A tese deles é extorsiva”. "BRASILEIRO MORRE NO PAÍS QUE ELE AMAVA" O biólogo brasileiro Lúcio Stein Rodrigues, 34 anos, foi visitar a Austrália há dois anos. Gostou tanto da acolhida que teve, sobretudo na cidade de Sydney, que lá fixou residência e passou a trabalhar. Na semana passada aconteceu o que ele e seus familiares, que continuaram no Brasil, julgavam inimaginável: Lúcio envolveu-se numa briga para defender um amigo, com quem fazia compras num supermercado, foi agredido e bateu a cabeça no chão. Passou por cirurgias, mas morreu. Em menos de 24 horas a polícia prendeu três suspeitos – um deles, se comprovada a culpa, será processado por homicídio. "US$ 1 BILHÃO" em 24 horas é quanto a empresa americana Actvision faturou com o lançamento mundial do game “Call of Duty: Ghosts”. É recorde absoluto. Há dois meses o jogo “GTA 5”, da escocesa Rockstar Games, precisou de três dias no mercado para alcançar essa mesma quantia bilionária. "UMA CRIANÇA PRENDE UMA REDE DE PEDÓFILOS" A garota da foto se chama Sweetie e tem 10 anos de idade. Os olhos inocentes e o seu rosto perfeito atraíram a atenção de mais de mil homens na internet interessados em pagá-la em troca de performances sexuais pela rede. Duas notícias boas: a primeira é que a menina Sweetie não correu nenhum risco porque, na verdade, ela não existe – foi criada virtualmente pela ONG suíça Terra de Homens para alertar a opinião pública e as autoridades para a prostituição infantil na internet. A segunda boa notícia é que os homens que entraram em contato com a menina virtual foram identificados em 65 países e tiveram seus endereços, telefones e fotos encaminhados para a polícia. Segundo a ONG, a cada momento 450 mil pedófilos estão online e nos últimos anos apenas seis pessoas foram presas. "PROSTITUTAS MINEIRAS ACEITAM CARTÃO DE CRÉDITO DE CLIENTES" A Caixa Econômica Federal acaba de assinar convênio com a Associação de Prostitutas de Minas Gerais – alinhando assim esse Estado ao que já existe em países do Primeiro Mundo no campo das profissionais do sexo. As prostitutas passam a ser definidas como trabalhadoras autônomas, e a CEF permitirá que elas recebam o pagamento dos programas por meio de cartões de crédito e débito. Cada profissional ganhará a maquininha para o cliente passar o cartão. As prostitutas terão direito à previdência social, aposentadoria por idade ou invalidez, auxílio-doença e salário-maternidade. "DEBORAH SECCO É CONDENADA A DEVOLVER DINHEIRO PÚBLICO" A Justiça do Rio de Janeiro condenou a atriz Deborah Secco a ressarcir em R$ 159 mil os cofres públicos – ela está sendo processada sob a acusação de enriquecimento ilícito, desvio de verbas e improbidade administrativa. Três familiares de Deborah e a empresa Luz Produções Artísticas também foram condenadas – juntos terão de devolver R$ 446 mil. Segundo o Ministério Público, eles teriam contratado profissionais, ilicitamente, pela Fundação Escola do Serviço Público. O pai da atriz, Ricardo Fialho Secco, teria desviado o dinheiro para a conta da filha. Deborah recorrerá da sentença. "E, ALÉM DE TUDO, ELE ANDA..." Salões de automóveis sempre foram sinônimo de luxo e beleza. Imagine então um salão do automóvel em Dubai, nos Emirados Árabes. É nele que está exposto um Lamborghini Aventador LP 700-4. O carro é feito com meia tonelada de ouro, diamantes e demais pedras preciosas. Preço: US$ 14,2 milhões. "889 MIL" ingressos para jogos da Copa do Mundo de 2014 foram sorteados pela Fifa, contemplando 188 países. A maioria das entradas foi destinada a brasileiros que se inscreveram para consegui-las: 625.276, o equivalente a 71,5% do total. A Fifa interrompeu temporariamente a venda para os jogos da Seleção Brasileira na primeira fase da Copa. "O GRANDE LINEU DE "A GRANDE FAMÍLIA"" Na tevê não se via a brilhante atuação do ator Jorge Dória desde 2005, quando ele se afastou devido a um acidente vascular cerebral – integrava à época o elenco do programa da Rede Globo “Zorra Total” interpretando o personagem Maurição, pai que não entendia por que seu filho era gay e repetia o bordão: “mas onde foi que eu errei?”. Jorge Dória morreu na quarta-feira 6, no Rio de Janeiro, após complicações cardiorrespiratórias. Ao longo dos 92 anos de vida dedicou 73 à carreira artística participando de filmes, peças de teatro, novelas e seriados. Grandes personagens se fizeram com a força de sua interpretação, a exemplo de Lineu na primeira versão de “A Grande Família”, na década de 1970. "ISTOÉ DINHEIRO GANHA COMO "MÍDIA DO ANO"" A semanal ISTOÉ Dinheiro, da Editora Três, foi escolhida a “Mídia do Ano – Categoria Revista” pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje). O prêmio, entregue na quinta-feira 7, em cerimônia realizada em São Paulo, é resultado de uma eleição feita junto aos diretores de comunicação das principais empresas do País. Milton Gamez (ao centro), diretor de núcleo da “Dinheiro”, recebeu o troféu de Paulo Nassar, presidente da Aberje. Já a revista ISTOÉ 2016 foi a vencedora do Prêmio Petrobras de Jornalismo 2013, na categoria “Mídia Impressa – Esportes”, com a reportagem “A Hora de Sair da Lama”, em que o repórter Pedro Marcondes de Moura narra a saga do rúgbi brasileiro para deixar o anonimato. Mais de mil reportagens estavam inscritas.