ISTOÉ edição 2299 | 06.Dez.2013 [descrição da imagem: rosto de Nelson Mandela, com olhar para cima e para a direita, apoiando o queixo com a mão esquerda] O ÚLTIMO GRANDE HERÓI _______________________ 1# EDITORIAL 2# ENTREVISTA 3# COLUNISTAS 4# BRASIL 5# COMPORTAMENTO 6# MEDICINA E BEM-ESTAR 7# ECONOMIA E NEGÓCIOS 8# MUNDO 9# TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE 10# CULTURA 11# A SEMANA _____________________________ 1# EDITORIAL 6.12.13 "O VALOR DA DEMOCRACIA" Caco Alzugaray, Presidente Executivo O real valor da democracia começa a ser percebido quando a classe política de uma nação, a despeito de diferenças ideológicas, matizes partidários ou correntes de pensamento, consagra o respeito às crenças e convicções da sociedade. Eis o auge do amadurecimento democrático que pode ser almejado. No palco do BRASILEIROS DO ANO 2013, na semana passada – evento no qual, anualmente, a Editora Três, através das revistas ISTOÉ, DINHEIRO e GENTE, homenageia aqueles que se destacaram em diferentes áreas de atuação –, o verdadeiro sentido da democracia esteve presente de maneira inequívoca. Os que ali foram ratificaram o conceito de que o livre pensar é um direito inalienável da sociedade, que deve ser compartilhado, ouvido e discutido. Dois presidenciáveis, o senador mineiro Aécio Neves e o governador pernambucano, Eduardo Campos, dando sentido prático a essa premissa, não apenas se congratularam e enalteceram o valor de futuros adversários de palanque como, de pé, receberam representantes do povo para ouvir seus apelos por mais justiça social. Foi um momento especial! De troca de ideias, aberta e diretamente. De respeito. Há pouco tempo, o País experimentou uma onda difusa, plural e rica de propostas de inúmeros manifestantes que tomaram as ruas por mudanças. O desejo voltou a ficar evidente através de pesquisa recente de opinião na qual 66% dos entrevistados pediram para que as coisas sigam diferentes daqui por diante. No palco do BRASILEIROS, Aécio e Campos, cada um ao seu estilo e carregando suas convicções, assumiram o discurso da transformação como plataforma de fé. O clamor pelo novo jeito de governar embala o espírito de eleitores nos últimos tempos – sem distinção de classe, cor ou credo –, evidenciando a sua busca incansável e digna por melhorias. Ignorar esse anseio é um erro lamentável, ainda cometido por diversos dirigentes do Poder Executivo. Existem políticos que tendem a ignorar fatos e pessoas, deliberadamente. Por descaso ou cálculo meditado. Maculam assim o princípio democrático. E o fazem movidos por simples e imediata conveniência própria. Erram feio! Trafegam entre a prepotência e o cinismo no exercício da prática política e colhem mais desafetos que o ideal, deixando em débito uma alta conta de compromissos que mais adiante geralmente faz falta. É gigantesca a dificuldade desses dignitários do voto em entender sua verdadeira missão, por mais elementar que ela seja. Em países onde práticas democráticas são exercidas há séculos, os bons valores republicanos, de respeito e atenção aos cidadãos, estão enraizados. Por aqui, em certos momentos e casos, as conveniências do Executivo e do Legislativo, à direita e à esquerda, nem sempre coincidem com aquelas da Nação. Muitos são os políticos predispostos à autoindulgência, como se a conquista nas urnas bastasse para que sigam praticando seus atos ao bel-prazer, sem prestar satisfações, virando as costas para quem os colocou naquele lugar. Espíritos verdadeiramente democráticos atuam de maneira diametralmente oposta. Ao analisarem o significado da noite do BRASILEIROS DO ANO, quem sabe ocorra aos legatários da democracia a oportunidade de uma reflexão em torno de uma aproximação mais efetiva e positiva dos desejos da população. Não sairão tão cedo da memória as cenas de praças e ruas apinhadas por multidões, em sua maioria, pacíficas e corajosas, ordeiras e irônicas, dotadas ao mesmo tempo de senso de humor e paixão. Elas são a prova inconteste de que não existe nada mais forte que uma ideia de mudança cujo tempo chegou. A Editora Três se solidariza com as aspirações da sociedade e se engaja em seu movimento, materializando propostas, dando palco e espaço para que todos exponham seus propósitos, numa prática cotidiana de liberdade de expressão e vigilância do poder. Sem compactuar com interesses partidários, sem sublimar as mazelas, seja de quem está na situação ou na oposição, pelo bem da democracia. 2# ENTREVISTA 6.12.13 MOISÉS NAÍM - "O PODER ESTÁ CADA VEZ MAIS FRACO E TRANSITÓRIO" O ex-diretor do Banco Mundial explica por que o mundo está mais incômodo para os poderosos e diz que o Mercosul é uma comunidade de países fracassados por Mariana Brugger ALERTA - Para Naím, o continuísmo é um perigo para o Brasil e a América Latina Autor de mais de dez livros sobre economia e política internacional, o escritor venezuelano Moisés Naím convive há muitos anos com o poder. Foi ministro do Desenvolvimento na Venezuela no fim dos anos 1980 e começo da década de 1990, diretor-executivo do Banco Mundial, editor por 14 anos da conceituada revista “Foreign Policy” e, hoje, é associado sênior no Programa de Economia Internacional do Carnegie Endowment for International Peace. Aos 61 anos, 20 dos quais morando em Washington, capital dos Estados Unidos, Naím é ph.D. em economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Suas percepções sobre os muitos protagonistas que atuam em escala global atualmente estão presentes no recém-lançado “O Fim do Poder” (LeYa), no qual ele discute as transformações pelas quais o mundo vem passando desde o fim do século passado e explica por que hoje é tão difícil de manter o poder. "Os black blocs são uma distração para as reivindicações importantes. O ETA, na Espanha, e as FARC, na Colômbia, já tentaram fazer reivindicações por meio da violência, e não deu certo” “A eleição de Tiririca mostra uma tendência mundial: as pessoas não querem mais os partidos tradicionais" Istoé - Por que o sr. afirma que vivemos a época do fim do poder? Moisés Naím - O poder como conhecíamos não existe mais, se degradou. E nem vai voltar a existir. No mundo atual, não existe mais a possibilidade de apenas um jogador definir as situações. Isso ocorre na geopolítica, na política doméstica, nas ditaduras, nas religiões, nas empresas... Existem cada vez mais competidores. A definição ainda é a mesma, mas a maneira como se exerce o poder não. Os poderosos atuais têm mais restrições, estão mais amarrados do que antigamente. Istoé - Como o sr. enxerga o Brasil em âmbito internacional? O País pode se tornar poderoso e influente? Moisés Naím - O Brasil é um país muito importante, que tem tamanho e população grandiosos, que lhe dão peso internacional. Porém, ainda tem enormes problemas que o debilitam, como de infraestrutura, inflação e corrupção. Há a necessidade de muitas reformas. Na época do governo do (ex-presidente) Luiz Inácio Lula da Silva, tinha muita coisa a favor do Brasil, como o preço das commodities, o ambiente financeiro internacional favorável. Mas agora esse cenário está mudando. Istoé - A que o sr. atribui o sucesso do ex-presidente Lula? Moisés Naím - O êxito de Lula aconteceu por conta de três fatores: seu talento e carisma, a economia favorável deixada pelo seu antecessor, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e um ambiente internacional muito positivo. Ele teve sucesso, mas também teve muita sorte. Na política, não é só o talento que conta, mas também a sorte. Ele trouxe bons resultados para o Brasil. O País teve um progresso importante durante a sua gestão. Istoé - Há bons exemplos a serem seguidos? Moisés Naím - Sim. O Brasil precisa tomar um caminho diferente e pode seguir os exemplos de outros países da América Latina que estão sendo bem-sucedidos, manter-se longe da catástrofe que é a Argentina e procurar o êxito, assim como conseguiu o Chile. O perigo que o Brasil e a América Latina sofrem é o do continuísmo. Istoé - Qual seria o sistema ideal, na sua opinião? Moisés Naím - Sou partidário de um sistema em que o presidente se eleja por seis anos e, depois, nem ele ou algum membro familiar poderá ser eleito nunca mais. As instituições não podem depender de um só indivíduo. Os países onde a democracia funciona em sua melhor forma têm instituições fortes, não ficam à mercê de apenas um líder carismático. Istoé - O que é preciso fazer para combater a corrupção? Moisés Naím - É muito importante que os partidos políticos se renovem de todos os seus maus hábitos. Eles precisam ser superados para se tornarem atrativos àqueles que querem mudanças. Os partidos precisam ser formados sem a influência de empresas privadas e de pessoas que estão ali só para tirar proveito. Eles têm de ser um lugar para idealistas, não para pragmáticos. Para isso, é preciso fortalecer as instituições de modo que elas funcionem com total independência, livre de interesses. Istoé - O Brasil acaba de ver uma decisão inédita com a prisão dos envolvidos no mensalão. Isso é um começo? Moisés Naím - Ainda é muito cedo para falar sobre isso, pois acabou de acontecer. Mas não são só essas prisões que vão fazer com que acabe a corrupção no País. Istoé - Acredita na modernização dos partidos que já existem? Moisés Naím - Não creio nos partidos que já existem, não só no Brasil, mas no mundo todo. Muitos deles são incapazes de melhorar porque são resistentes à inovação. Com isso, vão aparecer competidores novos, partidos mais inovadores, com líderes que vão buscar atender às demandas de uma população que não está satisfeita. Istoé - O Brasil viveu uma série de manifestações recentemente, com variadas reivindicações, sem controle de partidos ou líder único. Seria essa a nova cara do poder? Moisés Naím - Não. É muito importante que o povo se mobilize por meio dos partidos políticos, senão acontece como na Itália, que vive grande instabilidade política porque não se organiza. O que aconteceu no Brasil aconteceu em vários outros países. Vimos o movimento Occupy ganhar as ruas dos Estados Unidos e as pessoas protestando na Grécia e na Espanha. A diferença é que lá os protestos nas ruas eram de uma classe média que queria proteger seu estilo de vida, que estava sendo colocado em risco. Esse é um movimento mundial. Istoé - Como vê a participação dos black blocs nas passeatas? Moisés Naím - No Brasil, os black blocs não são relevantes, são marginais, são uma distração para as reivindicações que importam. Pela violência, a democracia é muito limitada. O ETA (grupo extremista que luta pela independência do País Basco), na Espanha, e as FARC (grupo guerrilheiro que luta pela implantação do socialismo), na Colômbia, já tentaram fazer suas reivindicações sociais por meio da violência, e não deu certo. A democracia é a melhor maneira de lutar por direitos. Istoé - E no caso da Primavera Árabe, revolução marcada pela violência? Moisés Naím - Nesse caso, estamos falando de gente enfrentando uma ditadura. Mas ainda é muito cedo para analisarmos o que aconteceu nesses países. Istoé - Com o fim do poder, as ditaduras também acabam? Moisés Naím - Há cada vez menos ditaduras no mundo e as que ainda existem fazem de tudo para se disfarçar de democracia. Istoé - A Europa vive um momento importante também, com o crescimento de movimentos conservadores por causa da recessão. Moisés Naím - Essa nova situação permite a aparição de simplificadores terríveis, da direita extremista, dos xenófobos, dos movimentos contra imigrantes. Este é um momento de atenção. Istoé - Qual é a importância da União Europeia neste universo de poder degradado? Moisés Naím - Não há dúvida de que o projeto de integração europeu é um experimento muito relevante para a humanidade. E é muito importante que ele tenha êxito, que a Europa tenha uma voz, pois ela representa valores importantes, especialmente na defesa dos direitos humanos. Istoé - O Mercosul pode se tornar importante? Moisés Naím - Nunca. O Mercosul não vai ser como a União Europeia, porque é uma comunidade de países fracassados. O Brasil, que é o país que tem mais sucesso e força dentro da América Latina, se associou com países que tomam decisões muito equivocadas, como a Argentina e a Venezuela. Para formar um bloco importante, seria necessário que o país se unisse a sócios bem-sucedidos, como o México, a Colômbia, o Peru e o Chile. Istoé - O sr. cita o exemplo da eleição do palhaço Tiririca (PR-SP) para mostrar a insatisfação popular contra a política tradicional. O que acha desse tipo de voto de protesto? Moisés Naím - Uso o exemplo de Tiririca para mostrar uma tendência mundial: as pessoas não querem mais os partidos tradicionais. A eleição de uma pessoa que fala em campanha que não sabe o que um deputado federal faz e se candidata para o cargo mostra essa insatisfação popular. Istoé - Acredita na força do ativismo? Moisés Naím - Percebe-se que o poder das pessoas está cada vez maior. Sendo assim, elas se juntam para lutar pelas causas que acreditam, elas sentem que têm poder para mudar as coisas. As redes sociais são instrumentos que auxiliam nesse mundo de micropoderes, onde existem vários protagonistas e eles mudam o tempo todo. O mundo está muito mais incômodo para aqueles que buscam o poder. Istoé - Edward Snowden, responsável pelo vazamento de documentos secretos da inteligência americana, prova a fragilidade dos poderosos? Moisés Naím - Duas coisas importantes aconteceram. Em primeiro lugar, a hipocrisia dos governos nas relações internacionais. Snowden lembrou o povo que os governos podiam fazer uma coisa em público e atuar de forma diferente no ambiente privado. Agora isso ficou muito mais difícil de ser feito. A segunda coisa que ele fez foi causar um grande dano ao sistema de inteligência dos Estados Unidos, que vai gastar uma fortuna para reparar o que ele fez. Istoé - Por que acha que o presidente americano, Barack Obama, deixou de ser o queridinho da América? Moisés Naím - Porque essa é a tendência atual. Os chefes de Estado, atualmente, têm muitas limitações, e o povo quer atitudes. Quando fui ministro do Desenvolvimento na Venezuela, em 1989, as pessoas também achavam que eu tinha muito mais poder do que eu tinha. Pensava que isso era incompetência minha, mas, ao virar diretor-executivo do Banco Mundial e ter contato com poderosos do mundo todo, descobri que esse sentimento poderia ser generalizado. Eles também me diziam que muita gente pedia coisas que eles não tinham poder para fazer. As respostas às minhas perguntas sempre apontaram na mesma direção: o poder está cada vez mais fraco, transitório e restrito. Istoé - O sr. diz que essa degradação pode ser vista em todas as instituições. Como avalia a escolha do papa Francisco e seu pontificado até agora? Moisés Naím - Ele é uma fonte de renovação que, talvez, seja capaz de conter a migração dos católicos para outras religiões. Essa migração é mais uma demonstração do fim do poder. Os números de outras religiões menores surgindo, inclusive no Brasil, com as igrejas pentecostais, são impressionantes. Istoé - O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, poderá governar por meio de decretos a partir de agora. Quais são os perigos dessa ação? Moisés Naím - Isso foi um truque para distrair o povo e a comunidade internacional da catástrofe que é a Venezuela hoje em dia. A violência, a criminalidade, o alto número de assassinatos, nada disso vai ser solucionado dando mais poder para o presidente. Mais uma vez, vemos o problema do continuísmo em um país. 3# COLUNISTAS 6.12.13 3#1 RICARDO BOECHAT 3#2 LEONARDO ATTUCH - MANDELA, NO BRASIL, AINDA ESTARIA PRESO 3#3 GISELE VITÓRIA 3#4 BRASIL CONFIDENCIAL 3#5 RICARDO ARNT - VAI PARAR, SIM 3#1 RICARDO BOECHAT Com Ronaldo Herdy Tecnologia espacial Nada de extra A China é nossa parceira no Cbers 3, com lançamento previsto para a segunda-feira 9. É o quarto satélite produzido bilateralmente, ao custo de US$ 125 milhões para cada lado. É puro negócio, nada de amizade. O Planalto queria transmitir ao vivo a subida do equipamento da base de Sanxi, à 1h30 da madrugada aqui. “Tudo bem”, disse o governo chinês, cobrando US$ 300 mil por segundo de imagens. Com sensatez, o Brasil encerrou a conversa. Mensalão “Oi, amor” José Dirceu já pediu ao juiz da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal para “trabalhar” no hotel Saint Peter, publicar textos em seu blog e também conceder entrevistas. Sua defesa tem outra carta na manga. O ex-ministro condenado ao semiaberto no processo do mensalão pode solicitar visita periódica ao lar, o que lhe possibilitaria estadas com a família aos fins de semana. Além da saída para Natal e Ano-Novo – que pode durar até sete dias. Como o juiz da execução da pena diz que dará tratamento normal ao que Dirceu pedir, tudo isso só deve valer em 2014. CBF Toga x cartola Ao que tudo indica, Marco Antonio Del Nero terá opositor na eleição para o comando da CBF, em abril do ano que vem, com o mandato iniciando em 2015. Pessoas próximas ao desembargador Luiz Zveiter, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, falam de sua candidatura ao cargo – ele não ­confirma. O colégio eleitoral é formado por presidentes de 27 federações e dos 20 clubes da Série A. Zveiter, que terá de se aposentar, não é estranho no ninho: presidiu o Superior Tribunal de Justiça Desportiva até o CNJ editar resolução, em dezembro de 2005, vetando a presença nessas cortes de membros do Poder Judiciário. Infraestrutura “Pai” da obra Sobrou para Paulo Maluf no voo JJ 3721 da TAM, de Brasília para São Paulo, na quarta-feira 4. Irritados por terem ficado trancados num avião por mais de uma hora, após o pouso previsto para Congonhas ocorrer em Guarulhos, “por motivos técnicos” segundo o piloto, os passageiros esbravejaram contra tudo que se relacionava ao aeroporto, à empresa de aviação e à agência reguladora. Maluf entrou no saco por ter construído o terminal quando governador e o comparar ao de Heathrow, em Londres. Lei Tempo de paz Depois de incorporar por anos seguidos grandes mudanças – como favorecer mulheres com filhos até 18 anos –, o Indulto de Natal em 2013 não deverá ter muitas novidades. Dilma Rousseff assinará o documento daqui a poucos dias. Segundo o Ministério da Justiça, cerca de 2% da população carcerária (500 mil pessoas) tem sido favorecida anualmente com o perdão da pena. Política Por trás da lente Marcelo Déda, governador de Sergipe que morreu na segunda-feira 2, em São Paulo, teve o reconhecimento como político ético e competente. O que não se disse a seu respeito foi que era um ótimo fotógrafo. A prova está em sua galeria do Instagram (@mdeda). Dê uma espiada. MPF Reforço O MPF vai crescer. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado deu sinal verde para a criação de 12 cargos de subprocuradores na Procuradoria-Geral da República – hoje são 72. Na PGR, Helenita Acioli acaba de se aposentar. Seu último ato foi julgar os recursos dos 25 réus condenados no mensalão. A vaga dela no Conselho Superior da instituição ficará com Moacir Guimarães. Cinema Esperança e fé na tela Vai virar filme a vida do médium João de Deus, de Abadiânia (GO), que em 58 anos de atividade atendeu cerca de nove milhões de pessoas. Gravações já foram feitas no Brasil e no Exterior. Há trecho sobre a perseguição que sofreu no regime militar, por exercício ilegal da medicina. Controlador da Parmalat, o executivo Marcus Elias é uma espécie de mecenas da obra, na qual já teriam sido gastos uns R$ 500 mil. Perfeccionista, João escolhe quadro por quadro o que o público irá assistir. Judiciário Escolha difícil As listas tríplices em poder de Dilma Rousseff para a escolha de novos ministros do STJ e do TST escondem por trás do currículo de cada candidato parentescos e padrinhos poderosos. Na primeira corte, por exemplo, o desembargador Luiz Gurgel, de Pernambuco, que encabeça a relação (23 votos), tem o apoio do futuro presidente da corte, Francisco Falcão. Néfi Cordeiro, (19 votos), do Paraná, conta com o atual número 1 do STJ, Félix Fischer – mas não com a simpatia do casal Gleise Hoffman e Paulo Bernardo. Italo Mendes (16 votos), de Brasília, é primo do ministro Gilmar Mendes (STF). Aviação Paz no céu A fusão entre a American Airlines e a US Airways ficou mais próxima depois que as duas aceitaram a proposta da Justiça americana, evitando que fosse adiante a acusação de monopólio promovida pelo advogado Joseph Alioto, de São Francisco. A nova companhia, que manterá o nome American Airlines, abriu mão de dezenas de rotas domésticas nos EUA, mas não da sua galinha dos ovos de ouro: os voos, sempre lotados, para a América Latina, incluindo Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Recife e Manaus. Futebol Depois da Copa Ficou pronto o laudo de engenharia da OAS para conserto do teto do estádio do Engenhão, na zona norte do Rio de Janeiro, que periga cair com ventos acima de 65 km/h. Ali é o campo oficial do Botafogo. Duas alternativas foram levadas à Prefeitura do Rio – recuperar os arcos com aço especial ou construir uma nova estrutura e fundações. Uma ou outra sacrificará o “Fogão”: as obras só acabarão em 2015. Rio-2016 Promessa quebrada O Ministério do Esporte estuda uma Parceria Público-Privada para erguer o Autódromo Nelson Piquet, no Rio. O que existia em Jacarepaguá foi desativado no ano passado para a construção do Estádio Olímpico. Uma coisa é certa: a cidade não terá um circuito em meados de 2014, como garantiu o governo. Transporte Livro no caminhão Motoristas que transportam todos os dias 12 mil carros pelo País terão a oportunidade de possuir um diploma de curso superior. O Sindicato Nacional dos Cegonheiros vai distribuir mil bolsas de ensino para seus associados, em cursos diversos de graduação, nesta virada de ano. Presente em 89 municípios brasileiros, a Uniesp patrocinou a oferta. Cultura Emoção no palco Maria Rita, que ganhou há pouco o 7º Grammy de sua carreira de dez anos, com o CD “Redescobrir”, viaja para os Estados Unidos em janeiro para shows em Nova York, Chicago, Boston, Phoenix, São Francisco e Los Angeles. Nesta última cidade, no Valentine’s Day (14 de fevereiro), se apresentará na Disney Hall, tendo como músicos as feras do jazz Don Grusin, Alex Acuña e Brian Bromberg. O trio tocou muito com de Oscar Castro-Neves, amigo de Maria Rita, que ajudou a divulgar a bossa nova no mundo e faleceu em agosto passado. Indústria Saúde do bebê Vêm aí novas regras para a fabricação de mamadeiras e bicos de mamadeiras no País. As atuais têm 14 anos. Uma consulta pública foi aberta pelo Inmetro na segunda-feira 2, por 60 dias. Uma das propostas é proibir a substância bisfenol A na composição dos produtos, de potencial cancerígeno, segundo especialistas. Os 52 fabricantes nacionais terão de aplicar as novas regras em um ano, no máximo. 3#2 LEONARDO ATTUCH - MANDELA, NO BRASIL, AINDA ESTARIA PRESO O maior líder moral do século XX foi também um político pragmático, que nunca se desviou de seus fins. Da vida de Nelson Mandela muito se sabe sobre dois períodos marcantes de sua trajetória: os 27 anos de prisão na Robben Island, onde ficou confinado num cárcere de quatro metros quadrados, entre 1964 e 1990, e o governo marcado pela conciliação com os brancos, entre 1994 e 1999. Menos conhecida, no entanto, é a sua atividade política anterior à eleição histórica, que levou o primeiro negro ao poder na África do Sul. Entre a prisão e o poder, Mandela foi também um líder político pragmático, que jamais se desviou de seus fins. E que buscou os meios necessários para atingi-los. Um dos principais aliados (leia-se doador de recursos) foi o príncipe Bandar, da Árabia Saudita. Outro, o ex-ditador líbio Muamar Kadafi. Graças a eles, Mandela teve condições de organizar seu partido, o Congresso Nacional Africano, e, assim, chegar ao comando de sua nação, onde a maioria do povo era segregada e oprimida de forma infame pelos colonizadores ingleses. Em 1964, antes de ser condenado à prisão perpétua por “terrorismo”, Mandela falou sobre seu sonho. “Durante a minha vida, dediquei-me a esta luta do povo africano. Lutei contra a dominação branca, lutei contra a dominação negra. Acalentei o sonho de uma sociedade livre e democrática na qual as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal para o qual espero viver e realizar. Mas, se for preciso, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer.” Quando deixou a prisão, amparado pela multidão que o aguardava, “Madiba” se viu compelido pela história a liderar toda uma nação. No Brasil, o único líder político que, guardadas as proporções, pode ser comparado a Nelson Mandela é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Assim como o sul-africano combateu o apartheid racial, Lula se dedicou a enfrentar o chamado apartheid social. Mas também de modo conciliador. Foi capaz de liderar um processo inédito de distribuição de renda e de inclusão na história do País, sem gerar rupturas com a elite. O bolo foi repartido e os ricos se tornaram ainda mais ricos. No entanto, os pragmáticos que lutaram para que o primeiro trabalhador chegasse à presidência de uma nação continental como o Brasil hoje estão encarcerados e se veem como presos políticos. Do lado de fora da Papuda, na elite ressentida, há os que sonham até com a eventual prisão de Lula, pois ele, na visão dos adversários, seria o verdadeiro “chefe da quadrilha”. Em nota oficial, o algoz do PT, Joaquim Barbosa, disse que Mandela “dá esperança a todas as vítimas de injustiça em qualquer parte do mundo”. Aos que se sentem injustiçados por ele, resta o consolo de “Madiba”: “Podem nos tirar tudo, menos nossa alma e nosso coração”. 3#3 GISELE VITÓRIA Gisele Vitória é jornalista, diretora de núcleo das revistas ISTOÉ Gente, ISTOÉ Platinum e Menu e colunista de ISTOÉ Supermulher, não Pouco antes desta entrevista, Eliana voltava de uma reunião de pais na escola do filho Arthur, de 2 anos. “Reservo as manhãs para ele”, diz a apresentadora, que acaba de fazer 40 anos – e 25 de carreira . “É uma data bonita. Sou realizada, estabilizada emocionalmente e financeiramente. Minha vida se renovou com meu filho.” Ela conta que Arthur é fã de Jackson 5. Casada com João Marcelo Bôscoli, não descuida do trabalho. Eliana celebra os 40 com um ensaio de moda de Bob Wolfenson e edição de moda de Luis Fiod para seu portal. “Quero levar as tendências para meu público no SBT e no meu portal DaquiDali. Em um ano atingiu quatro milhões de views!”, diz. ISTOÉ – O que mudou aos 40? Eliana – O bom é a maturidade. Prorroguei a chegada do Arthur.Queria ter estabilidade. Hoje, organizo meu tempo e tenho as duas coisas essenciais para criá-lo: amor e atenção. Sem crise de idade? Não. Os 40 de hoje são os 30 de antes. Prezo minha saúde e meu bem-estar. Deixei de me cobrar tanto. Não dá para ser supermulher. Como faz para manter o corpo em dia? Faço musculação, aeróbica e dança três vezes por semana. E o Arthur dança junto, é meu companheiro de academia. Adora ritmos, em especial os Jackson 5. E os planos para 2014? Saúde. E continuar no ar por muitos domingos. É uma conquista estar lá. De malas prontas Gloria Pires, Orlando Morais e os filhos Antonia, Ana e Bento não estarão no País quando os indicados ao Oscar 2014 forem anunciados em 16 de janeiro. A atriz, que pode ser indicada como melhor atriz coadjuvante no filme “Flores Raras”, embarca com a família para Paris. Fica dez dias para o lançamento do primeiro álbum do Riviere Noire, trio formado por Orlando, o baixista francês Jean Lamoot e o guitarrista guadalupense Pascal Danae. “Lançamos dia 20 e abrimos o Festival de Alhambra, maior da França”, conta Orlando. Balas Com Marina e artistas no Rio O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, quer usar o cenário do verão carioca em janeiro para inaugurar a dobradinha com Marina Silva num encontro com artistas. Com Gil? Caetano? “Suspense.” A liderança de sua possível vice nas pesquisas não o aflige: “Hoje Marina é mais conhecida. Já tenho tudo organizado com ela. Teremos encontros em capitais. Depois ela descansa nas festas”. Lewandowski entrevista Felipão O ministro do STF, Ricardo Lewandowski, exercitou sua veia de repórter com Felipão no Prêmio Brasileiros do Ano. Numa roda com jornalistas, perguntou se o técnico da Seleção acreditava que os protestos trariam problemas em torno dos estádios durante a Copa. “Não! Aí vira um problema internacional”, respondeu Felipão. Sobre mensalão, nenhuma palavra de Lewandoswski: “Hoje falo de tudo, menos sobre aquela coisa que começa com M”. Melhor amigo Eva Mendes e Ryan Gosling não estão mais juntos. Segundo a imprensa americana, a atriz acabou o namoro com o ator por achar que ele anda muito próximo da ex-namorada, a atriz Rachel McAdams. Solteira, Eva tem dedicado mais horas ao melhor amigo, seu cão de estimação Hugò. O pastor belga também estrela ao lado da dona a campanha Primavera/Verão 2014 da marca de óculos Vogue Eyewear. “Foi divertido, uma ocasião especial, pois pude levar comigo o meu cão, Hugò, que faz parte da minha vida”, diz ela. Eva, que é embaixatriz da marca, posou para as lentes de Mario Testino, em Milão, na Itália. Que dupla! O rei dos áureos tempos da noite carioca e o eterno mago da tevê se uniram em torno de dois prazeres: comer e beber. No livro “Boni & Amaral – Guia dos Guias”, José Bonifácio de Oliveira e Ricardo Amaral dão dicas dos points mais desejados do mundo, de Saint Tropez à Escandinávia. Contam histórias ­sobre gran chefs amigos, como Ferran Adriá, Paul Bocuse, Alain Senderens, entre outros. Tudo com muito sabor. Em paz, bicho Após a polêmica das biografias, Roberto Carlos perdoou Caetano Veloso. Quem diz é seu empresário Dody Sirena: “É uma amizade antiga. Roberto ficou muito sensibilizado depois que Caetano pediu perdão público”. Mas não houve reencontro. Caetano ironizara o Rei na coluna no jornal “O Globo”. *** Uma proposta da Globo para uma minissérie sobre a vida de Roberto Carlos aconteceu ano passado, segundo Dody. “Eles ofereceram milhões, mas Roberto não quis. Agora, ele próprio anunciou que fará a trilogia. Vai lançar biografia, depois vem o cinema e aí uma minissérie na tevê”. *** O Rei ainda se dedica ao álbum em espanhol “Este Tipo Soy Yo” e colhe frutos do disco de remixes que sai com meio milhão de cópias. Dará um break para o Réveillon em família, em Miami, Estados Unidos. “Ele está todo feliz com seu apartamento lá”, completa o empresário. Leandra no país dos travestis Na foto, Leandra Leal aparece entre Rogéria e sete divas no Teatro Rival, no Rio, nos ensaios do show que será fio condutor do filme “Divinas Divas”. Na sua porção cineasta, Leandra contará a história dos primeiros artistas travestis no País. “Este teatro abrigou homens vestidos de mulher nos anos 60, iniciativa do meu avô Américo Leal, que o dirigia. Conheço as Divinas Divas desde criança”, diz. O filme estreia em 2014, ano em que Rogéria, Jane Di Castro, Waléria, Camille K, Fujika de Halliday, Eloína dos Leopardos, Marquesa e Brigitte de Búzios fazem 50 anos de carreira. “Artista completar 50 anos em atividade como travesti é extraordinário.” 3#4 BRASIL CONFIDENCIAL Por Paulo Moreira Leite Lula pediu para Dirceu desistir Pela primeira vez em meses, José Dirceu e Lula enfrentaram um período de estremecimento. O ex-presidente considera que Dirceu deu uma demonstração excessiva de inabilidade política ao aceitar um emprego de R$ 20 mil no hotel Saint Peter, em Brasília. Convencido de que a iniciativa prejudicou todos os condenados da Ação Penal 470 que lutam pelo regime semiaberto, Lula foi um dos primeiros a defender que o ex-ministro desistisse do emprego e decidiu lhe enviar essa mensagem através de um interlocutor qualificado. Aborto anti-eleitoral A equipe do Ministério da Saúde recebeu instruções claras do Planalto para divulgar que mudanças na legislação sobre o aborto não estão na pauta do governo. Na quinta-feira 5, debatendo índices de mortalidade materna no Congresso, técnicos do governo deixaram claro que, fiel ao compromisso de campanha em 2010, Dilma não irá debater o assunto – pelo menos no primeiro mandato. Palanque na Justiça O Planalto assiste de camarote ao duelo entre aliados de Lindberg Farias e Luiz Fernando Pezão, que disputam o palanque de Dilma Rousseff no Rio de Janeiro. Aliados de Pezão fizeram chegar à presidenta a informação de que a candidatura de Lindberg será inviabilizada pelo arquivo de denúncias em investigação pela Justiça fluminense. O candidato petista garante que passará ileso pelas acusações. Cuidado total O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, tomou cuidados especiais com a própria segurança. Os agentes evitam repetir o mesmo serviço durante vários dias. Joaquim também escolhe, pessoalmente, aqueles que terão maior acesso à sua rotina. O ministro já mandou demitir um dos homens que faziam sua escolta. Viagem ao F-18 A Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional aprovou requerimento do deputado Nelson Pellegrino solicitando a realização de missão oficial para visitar a empresa americana Boeing, em St. Louis, Missouri. A empresa fabrica o F-18, que era forte concorrente no programa F-X2 até o escândalo de espionagem dos EUA contra a presidenta Dilma Rousseff. Adams joga no gol Sem receitas para honrar compromissos com a Previdência Social, nossos times de futebol enfrentam uma dificuldade intransponível para receber recursos de empresas estatais, proibidos para contribuintes inadimplentes. Até a pressão de cartolas do Atlético Mineiro, time do coração da presidenta, esbarra na defesa de Luiz Inácio Adams, o advogado geral da União. Alta velocidade Em apenas 72 horas de funcionamento o novo Sistema de Gestão Fundiária do INCRA foi capaz de certificar mais de 1,5 milhão de hectares de terras. Com a nova plataforma, um técnico em georreferenciamento pode fazer em minutos um serviço que podia se arrastar durante anos. Escolha dirigida? O Conselho de Medicina do Distrito Federal se reuniu na terça-feira 3 para debater os critérios de escolha dos médicos que avaliaram a saúde do ex-deputado José Genoino, condenado na Ação Penal 470. Dois médicos de Brasília encaminharam questionamento sobre supostas preferências políticas dos profissionais, que disseram que a permanência de Genoino em prisão domiciliar não era “imprescindível”. Parte da junta médica foi substituída em cima da hora e o conselho ainda não descobriu o motivo. Toma lá dá cá Deputado André Moura (PSC-SE), vice-presidente da Comissão que vai analisar a PEC que garante rendimentos integrais a trabalhadores que se aposentarem por invalidez no serviço público federal. ISTOÉ – Não é contraditório a Câmara debater rendimentos integrais para servidores aposentados por invalidez e negar o benefício para o deputado José Genoino? Moura – O deputado Genoino é do Legislativo, a nossa PEC muda a lei para os servidores do Executivo. Talvez, no futuro, se a PEC for aprovada poderá servir de referência para o Legislativo, também. ISTOÉ – O caso de Genoino é diferente dos milhares de servidores que deixam de trabalhar por problema de saúde e passam a receber só parte do salário? Moura – No quadro da aposentadoria por invalidez, não. Mas cabe à junta médica da Casa analisar o quadro dele de forma técnica e tomar uma decisão. É uma posição técnica. Se ele tem os problemas de saúde, tem o direito de receber integral. ISTOÉ – A renúncia do cargo de deputado prejudica o pedido de aposentadoria por invalidez? Moura – A decisão mais acertada para o Genoino foi a renúncia. Ele usou o bom senso e evitou constrangimentos a todos nós. Era certo, na Casa, que ele seria cassado. Rápidas * Depois dos protestos de junho, a Secretaria de Comunicação do governo federal passou a investir em mídias alternativas que produzem conteúdo para os ônibus das grandes capitais. Com a reforma das frotas, a maioria dos ônibus tem televisões que exibem, durante todas as viagens, conteúdo próprio. * Após dois anos de investigação, a Controladoria-Geral da União (CGU) tem um dossiê robusto sobre irregularidades na concessão do Bolsa Atleta, pago pelo Ministério dos Esportes. Técnicos dizem que a auditoria já poderia ter sido concluída. O problema é ter disposição para divulgar irregularidades no Esporte às vésperas da Copa do Mundo. * A falta de quorum para colocar em votação na Comissão de Direitos Humanos do Senado um projeto que elimina preconceito de cor, origem e orientação sexual, na semana passada, mostrou a força das ideias (e votos) evangélicas dentro da bancada petista. * No fim de dias tumultuados, Marcelo Vieira conseguiu manter sua candidatura a desembargador na 19ª região em lista sêxtupla. Dilma terá a palavra final. Retrato falado “Quando nós temos o STF que vota ao vivo pela televisão, por que o legislativo continuaria decidindo escondido, no voto secreto?” O Congresso aprovou essa semana o fim do voto secreto para os processos de cassação de mandato, mas as votações de outros projetos continuam protegidas pelo sigilo parlamentar. Favorável à votação aberta em todos os casos, o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) acredita que as sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) poderiam servir de exemplo. Consultoria imortal O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), não incluiu na lista de cortes de despesas os contratos com o escritório do falecido arquiteto Oscar Niemeyer, para que ele opinasse sobre reformas no prédio que projetou. A ideia era que o famoso arquiteto prestasse uma consultoria permanente com o objetivo de não desfigurar sua obra. Niemeyer morreu há um ano, mas seu escritório continua recebendo mensalmente R$ 42,5 mil do Senado. Sistema antigrampo O Serpro desenvolve uma parceria com o governo da Alemanha para criar um “escritório eletrônico” para reduzir a vulnerabilidade dos e-mails corporativos da União. Vinicius Mazoni, do Serpro, admite que o modelo não garante 100% de segurança, mas exigirá investimentos em toda tentativa de ser quebrado. 3#5 RICARDO ARNT - VAI PARAR, SIM Ricardo Arnt é diretor da revista Planeta A popularização das motocicletas confere uma feição asiática ao trópico latino e sustenta 235% de crescimento na frota de veículos da Região Norte e 195% na do Nordeste. Se a população de São Paulo reclama do trânsito hoje, imagine em 2040, quando a frota de veículos duplicar em relação ao atual volume, alcançando a marca de 17,5 milhões de carros, praticamente um carro para cada habitante. Esta é a previsão do estudo “De Olho no Futuro: Como Estará São Paulo Daqui a 25 Anos”, patrocinado pelo Sindicato de Arquitetura e Engenharia. No estudo, a mobilidade urbana foi apontada como o maior problema de infraestrutura da metrópole por 75% dos entrevistados, o que não é novidade. Desde a década de 1950, o trânsito atormenta os paulistanos, sem dar trégua. Os anos passam, o problema se agrava e a cidade se acostuma a tolerar que os assalariados sofram de quatro a seis horas por dia para ir trabalhar. O verso de Fernando Pessoa “há uma estrada andando sobre nós” parece apropriado para a situação. A metrópole aceita o congestionamento crônico com mau humor disciplinado, sem buzinar. Mas qualquer político que consiga reduzir o tempo no trânsito colhe dividendos duradouros, seja aumentando a frota de ônibus como Jânio Quadros em 1956, seja abrindo avenidas como Maluf em 1970 ou criando o bilhete único como Marta Suplicy em 2000. O número de automóveis no Estado de São Paulo cresceu 71,76% na última década, quatro vezes mais do que o crescimento populacional de 11,41%. Na capital, a frota aumentou 48,03%, enquanto a população cresceu 7,84%. São Paulo precisa de um mágico. O que restava de espaço em bairros civilizados está entupido por automóveis. Graças à distribuição de renda e a subsídios generosos à indústria automobilística – geradora de empregos, de impostos e de exportações –, a vitória do transporte individual sobre o transporte público e o meio ambiente é absoluta. Ela agora está se espalhando para o resto do sistema viário brasileiro. Os números de São Paulo são moderados quando comparados aos dados do Departamento Nacional de Trânsito, revelados pelo jornal “O Globo”. Nos últimos dez anos, a frota de veículos (automóveis, motos, caminhões e ônibus) aumentou 123% no País. Atualmente, os brasileiros geram mais carros e motos do que gente: 12 mil veículos novos por dia. Todos se atiram aos veículos privados para escapar do transporte público, e inviabilizam o transporte público. Uma moto barata custa R$ 5 mil e pode ser comprada em consórcio ou em prestações de R$ 250 mensais. Sua popularização confere uma feição asiática ao trópico latino e sustenta o crescimento espantoso de 235% na frota de veículos da Região Norte e de 195% na da Região Nordeste. Na sequência óbvia, a epidemia de acidentes de trânsito recrudesce: entre 2003 e 2013, os óbitos com motocicletas aumentaram 65% no Nordeste. Atualmente, nove Estados possuem mais motos do que carros em circulação: Acre, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Ceará, Maranhão, Paraíba e Piauí. O Maranhão é o recordista nacional no aumento de frota, com 328% de expansão; possui 684 mil motos e 329 mil carros. Equilibrados em motos, os brasileiros aceleram e correm o mais que podem – quando isso é possível – para aumentar a renda, ganhar mais dinheiro e, possivelmente, trocar a moto por um carro. O que, aliás, é coerente. Incoerente é a economia. 4# BRASIL 6.12.13 4#1 BRASILEIRO DO ANO 2013 - NOITE DA DEMOCRACIA 4#2 PASSAGEIRO É VÍTIMA DA CORRUPÇÃO 4#3 À ESPERA DO CÁRCERE 4#4 DE CONDENADO A SENHORIO DA UNIÃO 4#5 E AGORA, SERRA? 4#1 BRASILEIRO DO ANO 2013 - NOITE DA DEMOCRACIA Ao reunir presidenciáveis de campos opostos e premiar os manifestantes que transformaram o País, o Prêmio Brasileiros do Ano torna-se uma saudável celebração do espírito democrático Os verdadeiros democratas são dotados de uma qualidade essencial: respeitam a divergência de pensamento. Foi essa a lição dada pelos protagonistas da 14ª edição dos prêmios “Brasileiros do Ano”, “Empreendedor do Ano” e “Personalidade do Ano”, concedidos pela Editora Três para homenagear os personagens que mais se destacaram, em 2013, nos campos político, social, econômico, cultural e esportivo. Realizado na segunda-feira 2, no Citibank Hall, em São Paulo, o evento reuniu, no mesmo palco, dois presidenciáveis que estarão em palanques opostos nas eleições do ano que vem: o senador pelo PSDB Aécio Neves e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, do PSB. Os políticos dividiram os microfones com três mulheres, de três gerações diferentes, que simbolizaram os milhões de brasileiros que fizeram história ao ir às ruas, em junho passado, gritar por um país melhor. Em seu discurso de abertura, o presidente executivo da Editora Três, Caco Alzugaray, salientou que 2013 foi um ano de profundas mudanças para o Brasil. “Uma nova voz veio das ruas para fazer pedidos justos”, disse. “Talvez levemos tempo para entender o que os protestos significaram, mas por causa deles saímos fortalecidos como nação democrática.” "O que encontramos hoje é desalento e descrença, especialmente das novas gerações" - Aécio Neves, senador (PSDB - MG) Caco Alzugaray, presidente executivo da Editora Três, e as manifestantes homenageadas como Brasileiros do Ano: Maitê Peres (à esq.), Marita Ferreira e Márcia Trinidad “Vivemos um tempo em que a política precisa melhorar muito para melhorar o Brasil” - Eduardo Campos, governador de Pernambuco Eleitos “Brasileiros do Ano” pela ISTOÉ, os manifestantes foram representados pela aposentada Marita Ferreira, 82 anos, pela psicóloga Márcia Trinidad, 44 anos, e pela universitária Maitê Peres, 21. “Saímos às ruas porque compreendemos que direitos não caem do céu, mas são obtidos por meio da manifestação popular”, disse Márcia. Escolhido “Brasileiro do Ano na Política”, o senador Aécio Neves fez um discurso incisivo. “O que encontramos hoje é desalento e descrença, especialmente das novas gerações”, afirmou Aécio. “Temos que destruir essa ideia anacrônica que se pode construir um país dividido entre nós e eles. Temos que fazer um Brasil onde todos sejam nós.” Vencedor na categoria “Brasileiro do Ano – Revelação na Política”, Eduardo Campos homenageou o governador de Sergipe, Marcelo Déda, falecido na semana passada, vítima de câncer, e falou em tom de mudança: “Vivemos um tempo em que a política precisa melhorar muito para melhorar o Brasil.” Mais uma prova de que a premiação foi uma verdadeira celebração à democracia, Ricardo Lewandowski, ministro do Supremo Tribunal Federal, também marcou presença. “Este é um evento que reconhece aqueles que contribuem decisivamente para o sucesso desta nação.” Outra demonstração da vocação democrática do evento foi dada pelo humorista Fábio Porchat, que, com a trupe Porta dos Fundos, renovou o humor nacional e virou fenômeno da internet. “Brasileiro do Ano em Novas Mídias”, Porchat fez uma provocação. “Ano que vem é eleição e a gente vai fazer bastante humor”, avisou, para imediatamente lançar um olhar ameaçador para os políticos presentes. Realizada em conjunto pelas revistas ISTOÉ, DINHEIRO e GENTE, a cerimônia também premiou o técnico da Seleção, Luiz Felipe Scolari, “Brasileiro do Ano nos Esportes”. Felipão mostrou confiança no título mundial na Copa de 2014. “Não somos o Brasil apenas na Copa do Mundo, somos o Brasil sempre”, disse o técnico. “Isso é importante para sermos campeões em 2014. E seremos.” Do mundo empresarial, compareceram os seguintes homenageados pela revista DINHEIRO: Joesley Batista, presidente da JBS-Friboi e eleito o “Empreendedor do Ano”; Aldemir Bendine, presidente do Banco do Brasil e “Empreendedor do Ano nas Finanças”; Flávio Rocha, presidente da Riachuelo e “Empreendedor do Ano no Varejo”; além de Marcio Kumruian, fundador e presidente da Netshoes e agraciado com o prêmio de “Empreendedor do Ano na Tecnologia”. Também estiveram presentes Luiza Helena Trajano, presidente do Magazine Luiza; Marcelo Odebrecht, presidente do grupo Odebrechet; Antonio Carlos Valente, presidente da Telefônica/Vivo; José Carlos Grubisich, presidente da Eldorado; Rômulo Dias, presidente da Cielo; João Appolinário, presidente da Polishop; e muitos outros empreendedores e executivos. Em seu pronunciamento, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, lembrou que 2013 tem sido difícil e desafiador. “Iniciamos o ano lutando contra a inflação e o mau humor de parte do mercado”, disse Mantega. “Tivemos ainda que lidar com a turbulência mundial, gerada pela especulação de compra de ativos por parte do Fed (o Banco Central dos EUA).” Antevendo os resultados do PIB do terceiro trimestre, que um dia depois do evento foram divulgados e mostraram uma queda de 0,5% na comparação com o trimestre anterior, Mantega disse que a economia vai “voltar a crescer no quarto trimestre”. O otimismo do ministro da Fazenda é baseado nos leilões de concessões para a iniciativa privada. No caso do Campo de Libra, do pré-sal, a estimativa é que a extração de petróleo a mais de sete mil metros de profundidade mobilize investimentos de US$ 180 bilhões nos próximos 35 anos, movimentando uma extensa cadeia produtiva. A concessão dos aeroportos do Galeão, no Rio de Janeiro, e Confins, em Minas Gerais, arrecadou R$ 20,8 bilhões. A próxima parte desse programa envolve as estradas. O primeiro leilão, que vendeu a BR-163, conseguiu um deságio de 52% no preço do pedágio. O vencedor foi a Odebrecht. Até o fim deste ano, pelo menos mais três leilões devem acontecer. “Esse grande programa de concessões, de mais de R$ 500 bilhões, vai dinamizar a economia nos próximos anos”, afirmou Mantega. “O efeito multiplicador será uma alta geração de emprego.” A depender dos empresários presentes, não há espaço para pessimismo. “Vivemos um forte momento de expansão”, disse Rocha, da Lojas Riachuelo, que chegará ao fim de 2013 com 40 mil funcionários, cerca de cinco mil a mais do que em 2012. “Eles empenham diariamente seu talento e esforço para o propósito da empresa: transformar moda em uma ferramenta de inclusão, não de exclusão.” Batista, da JBS, declarou que o grupo passou dos 200 mil funcionários – metade deles trabalhando no Brasil – e que ultrapassou a barreira dos R$ 100 bilhões em vendas em 2013. “Atingimos isso por acreditar em nossa gente, apesar de todos os momentos de turbulência”, afirmou o empresário. O mesmo otimismo foi exibido por Kumruian, que destacou o veloz sucesso da Netshoes. Agora, seu sonho é motivar futuros empreendedores. “Espero que a história da Netshoes inspire os jovens e as startups, para que o Brasil possa ser uma potência em tecnologia.” 4#2 PASSAGEIRO É VÍTIMA DA CORRUPÇÃO Usuário do Metrô em São Paulo paga um preço alto pelas fraudes. Não bastassem os serviços precários, ainda há o risco de acidentes Alan Rodrigues e Pedro Marcondes de Moura O usuário do metrô de São Paulo se depara rotineiramente com as consequências dos esquemas de corrupção que infestaram o setor de transportes sobre trilhos nos últimos anos. A ineficiência, a deterioração e a má qualidade dos serviços chegam a colocar vidas em risco. Nos últimos meses, uma sucessão de falhas vem acontecendo em boa parte dos 150 trens que circulam por 64 estações, infernizando os cerca de 4,6 milhões de pessoas que todos os dias se utilizam dos 74 quilômetros da malha metroviária de São Paulo. São centenas de incidentes, como a abertura das portas dos trens em pleno movimento e erros no sistema de frenagem das locomotivas. O relatório de Falhas produzido pelo próprio Metrô aponta mais de mil ocorrências mensais. Só este ano, segundo o documento, aconteceram 111 incidentes considerados graves. Desde 2012, já houve um choque entre trens, o descarrilamento de outro e até uma locomotiva andou sozinha sobre os trilhos. Os três episódios, segundo o Ministério Público, foram protagonizados por trens que passaram pelo processo de reforma da frota, com um custo estimado pelo Ministério Público em cerca de R$ 2,5 bilhões e com “evidências de superfaturamento” de aproximadamente R$ 875 milhões. São veículos que estão em funcionamento há quatro décadas e que, em qualquer lugar do mundo, “já seriam sucata”, como diz o promotor Marcelo Milani, de Defesa do Patrimônio Público. Na última semana, Milani exigiu, diante da série de irregularidades constatadas, que a reforma da frota seja paralisada pelo Metrô de São Paulo. TRISTE REALIDADE - Usuários passam por baixo de vagão para atravessarem de uma plataforma para a outra, na estação da Luz, em São Paulo, na quinta-feira 5 A maior parte das ocorrências aconteceu na frota K, uma linha de 23 quilômetros que cruza a capital paulista de leste a oeste. Esta é considerada a rota mais perigosa e mais movimentada da cidade. Seus 25 vagões fazem parte do total de 98 trens que estão sendo reformados nas linhas 1-Azul e 3-Vermelha. O Ministério Público estadual afirma que os contratos da frota K são superfaturados e pede a suspensão deles. “Isso é um escândalo, um prejuízo total aos cofres públicos. Não existe fora de São Paulo outro lugar em que trens sejam reformados”, lamentou o promotor Milani. Segundo ele, dos 98 trens licitados para reforma, um terço pode permanecer parado sem transportar um único usuário até o ano que vem. Atualmente, de acordo com o MP, 11 trens já se encontram paralisados por serem incompatíveis com o sistema do Metrô. “Esse é um problema recorrente nestes trens reformados”, diz o promotor. “Quem hoje está responsável pelas adaptações não são as empresas que receberam pela reforma, mas sim os funcionários do Metrô”, diz. Os defeitos nas composições da frota K, construídas na década de 1980, são recorrentes. Relatório dos funcionários do Metrô encaminhado ao sindicato dos metroviários aponta, por exemplo, que o trem K07, o mesmo que descarrilou, apresenta várias falhas, inclusive de tração. Uma das mais graves ocorrências – e que acontece de forma sistemática, segundo os funcionários da Comissão Interna para Prevenção de Acidentes (Cipa) da empresa – é a abertura acidental das portas dos trens. Ela acontece em todos os vagões, de ambos os lados – inclusive do lado oposto da plataforma, onde se encontra o trilho energizado. “É um perigo tremendo. Basta que os vagões estejam lotados, como costuma ocorrer, que certamente as pessoas despencarão nos trilhos”, diz um maquinista, que pede para não ser identificado para evitar retaliações. “Ainda não morreu ninguém por muita sorte”, diz ele. “O índice notável (anotações oficiais que registram as paralisações dos trens acima de seis minutos) chegou a 111. Isso é sinal de que a segurança dos funcionários e passageiros está em perigo”, acrescentou. O levantamento informal feito pelos funcionários do Metrô mostra ainda que, entre os dias 10 de outubro e 9 de novembro passados, aconteceram 696 ocorrências na frota K contra 276 nas Linhas C e D, os trens que não foram modernizados. “Nossos números afirmam que acontecem quase três vezes mais falhas nos trens reformados”, atesta o relatório em poder do sindicato da categoria. O rendimento das locomotivas modernizadas também é muito inferior ao dos outros. De acordo com as estimativas do sindicato dos metroviários, “as locomotivas da frota K rodam, em média, 230 quilômetros por dia e passam aproximadamente oito horas diárias fora de circulação, por causa das sucessivas falhas.” Ainda de acordo com os funcionários, antes das reformas os trens possuíam um desempenho melhor. “O trem fica cerca de quatro horas em manutenção e circula 550 quilômetros por dia. É um desempenho 130% maior, em números aproximados”, garantem os sindicalistas. PARALISIA - Enquanto contratos são superfaturados, 11 trens estão parados esperando adequação das empresas O diretor de Operações do Metrô de São Paulo, Mario Fioratti, tem minimizado a gravidade dos incidentes. Ele afirma que as composições reformadas estão em fase de adaptação e, por isso, acabam tendo mais problemas. Essa é uma versão rósea da realidade, garantem os funcionários da empresa. Para eles, a raiz do problema é falta de transferência de tecnologia das empresas que reformam os trens, como a Alstom. Elas não repassariam o conhecimento dos softwares aos funcionários do Metrô. “A gravidade nos incidentes pode ser aferida pelo tempo de espera do trem. Se demorar mais de seis minutos é porque é grave”, atesta. No dia 5 de agosto, um trem da Linha 3-Vermelha descarrilou entre as estações Marechal Deodoro e Barra Funda. A composição teve um de seus truques (termo técnico que designa o sistema composto por rodas, tração, frenagem e rolamentos) danificado devido a um superaquecimento que, por sua vez, fora provocado pela ausência de graxa nas engrenagens da peça. Após sair dos trilhos, o vagão se arrastou por 800 metros e danificou a linha de alimentação elétrica do trem. Houve estouros, curto-circuitos e fumaça. Os passageiros saíram pelas rotas de fuga. Ninguém se feriu. Procurado, o Metrô de São Paulo declarou, por meio de nota, que o seu “serviço é reconhecido internacionalmente como um dos melhores do mundo”. Disse também que “não há relação entre os trens modernizados e os incidentes citados”. Não é o que pensa o Ministério Público de São Paulo. Nem o próprio usuário acredita nessa versão. Nas últimas semanas, os passageiros colaram nas paredes dos trens placas com mensagem em protesto contra a formação de cartel para o superfaturamento de licitações. Como se fosse um aviso aos usuários, a placa traz a seguinte frase: “Este trem foi superfaturado em uma licitação fraudulenta”. A autoria é desconhecida. O ato ganhou destaque nas redes sociais. 4#3 À ESPERA DO CÁRCERE ISTOÉ acompanhou o cotidiano do delator do mensalão, Roberto Jefferson, em sua casa no interior do Rio, enquanto aguarda decisão do STF sobre sua prisão Prestes a iniciar o cumprimento de sua pena de 7 anos e 14 dias, em regime semiaberto ou em casa, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) escolheu como refúgio temporário o pacato município fluminense de Comendador Levy Gasparian, com menos de 10 mil habitantes, a 140 quilômetros da capital do Rio de Janeiro. “Quem vive aqui é feliz”, alardeia a prefeitura em placas pela cidade. Nos últimos dias, Jefferson tentou cumprir à risca o slogan municipal, enquanto aguarda decisão do presidente do STF, Joaquim Barbosa, sobre seu pedido de prisão domiciliar. Com saúde frágil, o político que delatou o mensalão e foi condenado por lavagem de dinheiro e corrupção passiva tem se comportado como se estivesse de férias em sua casa de campo que ocupa dois quarteirões em Gasparian. Trajando jaqueta de couro da mesma marca de sua moto, Harley-Davidson, ele circula pela cidade ou estica seus passeios até a mineira Juiz de Fora, a 48 quilômetros. Sempre em companhia da mulher, Ana Lúcia, Jefferson também pratica exercícios físicos com um personal trainer, lê e ouve música. O hábito de escutar a “Ave Maria”, de Franz Schubert, em som alto, todos os dias às 18h, incomodou a vizinhança, que reclamou e acabou atendida por ele. Um conhecido do político, que pediu para não ser identificado, diz que Jefferson está mais solícito e afável nos últimos tempos. O falastrão que surpreendeu o Brasil ao desafiar o ex-ministro José Dirceu (na CPI, em 2005) com a frase “Vossa Excelência provoca em mim os instintos mais primitivos” saiu de cena. Agora Jefferson encarna o “Robertinho paz e amor”, como definiu à ISTOÉ um vizinho do ex-deputado. Parentes de Jefferson também são proprietários de casas na rua Ernesto Paixão, onde ele mora. Quem não é da família é amigo, atestam os vizinhos. Ao contrário do terreno, sua residência não é grande, tem apenas dois quartos. Uma muralha verde de três metros de altura e 50 metros de extensão frontal cerca a propriedade, que tem, na entrada, dois leões esculpidos em pedra, dando a impressão de estarem rosnando sobre o portão de ferro. Seis cadelas barulhentas perambulam pelo terreno da família. Católico, o delator do mensalão mantém um oratório dentro de sua casa e frequenta igrejas. No fim de setembro, participou de uma celebração penitencial na Matriz de Nossa Senhora de Aparecida, no centro da cidade – algo como cerimônia para expurgar culpas. Há poucas semanas, comemorou seu aniversário de 60 anos com missa na igreja onde foi batizado, em Sapucaia, município próximo. MAIS PRISÕES - Na quinta-feira 5, Valdemar Costa Neto se apresentou à Papuda, em Brasília, horas depois de decretada sua prisão Jefferson não conta mais com secretária e assessores, mas continua ativo na política. Recentemente, indicou nomes para o segundo escalão do governo Dilma. Foi ele quem negociou com o governo Dilma, por exemplo, a indicação do nome do PTB que ocupará a vice-presidência para assuntos de governo do Banco do Brasil, sem titular desde que César Borges assumiu o Ministério dos Transportes. Em agosto, circulou por Brasília e se reuniu com colegas de partido, acertando acordos para 2014. Já disse que, se a presidenta Dilma cumprir os acordos firmados com ele até março do próximo ano – ou seja, se nomear alguns petebistas para cargos federais –, manterá o apoio a ela. Se o acerto não for honrado, o PTB de Jefferson, sob a orientação dele, da cadeia ou de casa, fará campanha para o senador Aécio Neves (PSDB-MG). Nos últimos dias, no entanto, Jef­ferson deu uma pausa nas tratativas para 2014. Recolheu-se ao silêncio, sob orientação de seu advogado, Marcos Pinheiro de Lemos. Para fugir dos holofotes, tem deixado uma velha pick-up Saveiro escondida em sua propriedade, em vez de usar os carros Ford Edge e Fusion que ele usa normalmente. “Os repórteres na porta da casa nem percebem, e ele deve sair zoando os jornalistas”, ironizou um morador da cidade. Gasparian recebe bem o ex-deputado federal, ao contrário da cidade natal dele, Petrópolis, na região serrana do Rio. Lá, ele não conseguiu mais do que 10% dos votos para se eleger, em 2002. A professora Eunícia Fernandes, doutora em história pela Universidade Federal Fluminense, disse que os petropolitanos sempre suspeitaram da riqueza da família de Jefferson: “Eles eram donos de um colégio rico, inovador, moderno, mas todos se perguntavam de onde vinha tanto dinheiro.” A vida de Jefferson em Gasparian só é incomodada pelas consequências de um câncer no pâncreas, extirpado no ano passado. Como é diabético e também já passou por uma cirurgia de redução de estômago, sua alimentação precisa ser restrita e severa. “Ele está bem, mas tem uma vida toda regulada. Precisa ir ao banheiro umas dez vezes ao dia e tem muita dificuldade em absorver os alimentos”, diz o secretário de Comunicação do PTB e amigo, Honésio Ferreira. Na última quarta-feira 4, o delator do mensalão, Roberto Jefferson, deixou a tranquilidade de Gasparian para ser examinado por uma junta médica do Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Centro do Rio. Ele chegou ao local por volta das 7h50 e saiu duas horas depois, sem falar com a imprensa. O laudo da perícia foi enviado para o Supremo Tribunal Federal. Com base no laudo do Inca, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, irá decidir, nos próximos dias, se Jefferson cumprirá pena em regime semiaberto ou em casa. ELE DECIDE - O presidente do STF, Joaquim Barbosa, dará parecer final sobre pedido de prisão domiciliar de Roberto Jefferson Na quinta-feira 5, Barbosa determinou a prisão de mais quatro condenados pelo mensalão. Dois deles se apresentaram horas depois no presídio da Papuda – o deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP) e o ex-deputado Bispo Rodrigues (PR-RJ) — e dois em unidades da Polícia Federal em Brasília – Pedro Corrêa (PP-PE) e o ex-dirigente do Banco Rural Vinicius Samarane. Valdemar renunciou ao mandato pela segunda vez em oito anos. A primeira foi em 2005, quando estourou o escândalo do mensalão, mas ele conseguiu se reeleger no ano seguinte. Agora, perdeu os direitos políticos até 2029, devido à Lei da Ficha Limpa. 4#4 DE CONDENADO A SENHORIO DA UNIÃO O ex-senador Luiz Estevão paga sua dívida pela condenação no escândalo dos desvios do TRT de São Paulo alugando imóveis para a União por meio de laranjas Claudio Dantas Sequeira Não é todo dia que um político condenado concorda em devolver o que roubou com juros e multa. Por isso, o acordo celebrado em 2012 entre a Advocacia Geral da União (AGU) e o Grupo Ok, do ex-senador Luiz Estevão, surpreendeu a todos. Condenado pelo desvio de R$ 169 milhões na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, Estevão aceitou devolver à União R$ 468 milhões. Do total, R$ 80 milhões à vista e R$ 388 milhões em 96 vezes de R$ 4,1 milhões atualizados pela taxa Selic. Ocorre que esse é justamente o valor que o político e empresário obtém hoje com o aluguel mensal de dez imóveis ocupados por ministérios, autarquias e por uma secretaria do governo do Distrito Federal. Por meio de reajustes de até 60% e da assinatura de novos contratos com empresas laranjas, Estevão multiplicou sua renda extra de R$ 2,6 milhões para R$ 4,3 milhões. Com isso, não precisa desembolsar um centavo para quitar sua dívida. Quem paga é a própria União e, em última análise, o cidadão. Ou seja, Luiz Estevão continua aprontando das suas para obter vantagens, reeditando o comportamento que o notabilizou durante toda a sua trajetória política e empresarial. Só que agora sua jogada é mais do que inacreditável: ele repara os danos que ele mesmo causou ao erário com dinheiro da própria União. ELE NÃO MUDA - Cassado por envolvimento nos desvios do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, Luiz Estevão continua tentando levar vantagem em tudo A AGU já identificou que as empresas que alugam para a União são de laranjas de Luiz Estevão. Umas delas, inclusive, é gerida por uma filha do ex-senador. Mesmo assim, para a AGU, não há conflito ético em Estevão quitar sua dívida com dinheiro do próprio erário, nem vê problemas no fato de o governo federal ter como senhorio um ex-senador cassado, que responde por diferentes crimes e que já foi condenado no Superior Tribunal de Justiça a 31 anos de prisão por crimes como corrupção ativa, estelionato e formação de quadrilha. “A União precisa de imóveis para abrigar suas repartições. Não dá para ficar escolhendo”, argumenta o procurador-geral da União, Paulo Khun. Para ele, trocar os aluguéis pela dívida foi a melhor solução. “Os processos poderiam se arrastar indefinidamente e nunca recuperaríamos o que foi desviado”, diz. A AGU chegou a tentar tomar os imóveis, mas Estevão conseguiu embargar a medida judicialmente. Khum ressalta que o Grupo Ok também retirou todos os recursos judiciais que impediam o andamento do processo. Por ironia, um dos principais inquilinos do ex-senador condenado é a Diretoria de Inteligência da Polícia Federal, órgão que concentra todos os dados de operações policiais do País. O contrato foi assinado em 2011, entre o diretor-geral da PF, Leandro Daiello, e a jovem empresária Fernanda Meireles Estevão de Oliveira Resende, filha do ex-senador que aparece como responsável e administradora da empresa LCC Empreendimentos, uma das companhias que Estevão abriu em nome de laranjas, entre eles Carlos Estevão Taffner. A PF paga por ano R$ 3 milhões e o contrato é reajustado a cada 12 meses. No mesmo complexo, está o Instituto Chico Mendes, que desembolsa R$ 716 mil mensais pelo espaço. A LCC Empreendimentos também recebe cerca de R$ 657 mil pelo aluguel de imóveis nas asas Sul e Norte do Plano Piloto. Um conjunto de salas é ocupado pela Coordenação Geral de Recursos Logísticos do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), responsável por todas as compras e licitações da pasta. Mas a maior parte dos contratos de aluguel de imóveis de Estevão para a União foi firmada pela Inovar Construções e Empreendimentos Imobiliários, registrada em nome de Guilherme e Amanda Taffner. Para a Procuradoria-Geral da União, são claros os “indícios de desvio patrimonial” por meio da formação de um grupo econômico informal. “Quando houve o bloqueio dos bens em 2000, os filhos de Estevão eram adolescentes. Não tinham condições de ser donos de empresas com esse patrimônio”, explica um dos integrantes do grupo de investigação. Por meio do cruzamento das matrículas dos imóveis e dos contratos sociais dessas empresas, foram mapeados 1.388 imóveis de propriedade do ex-senador, incluindo apartamentos residenciais, salas comerciais, fazendas e edifícios. Até setembro deste ano, a Inovar recebeu da União mais de R$ 17 milhões em contratos de aluguel com órgãos federais. Muitos desses contratos foram firmados com dispensa de licitação e tiveram aditivos de até 25%, pois foram feitos com base na Lei 8.666. O mercado imobiliário usa o IGP-M com índice de reajuste. Por meio da Inovar, um dos maiores contratos de Estevão com o poder público foi celebrado com a Funa­i: R$ 16,8 milhões. Em maio, foram empenhados de uma só vez cerca de R$ 8,4 milhões. Nesse mesmo mês, o diretor de Administração do órgão, Antonio Carlos Futuro, nomeou como fiscais do contrato da Funai com a Inovar a agente em indigenismo Maria Tereza Passarela e o motorista Elizeu Edílson Vasconcelos dos Santos. Como cabe a cada órgão firmar e gerir seus próprios contratos de locação, não há como a AGU saber se os valores são justos ou superfaturados. Muito menos checar se há desvios. Luiz Estevão sabe bem disso. 4#5 E AGORA, SERRA? O ex-governador José Serra nega irregularidades, mas novos documentos obtidos por ISTOÉ mostram que a máfia dos trens, incentivada por agentes públicos, superfaturou contratos em quase R$ 1 bilhão durante sua gestão Pedro Marcondes de Moura, Sérgio Pardellas e Alan Rodrigues A primeira reação da maioria dos políticos que se tornam alvo de denúncias de corrupção é negar enfaticamente sua ligação com os malfeitos. A partir do surgimento de novas evidências, em geral as justificativas vão sendo readaptadas. Quase todos agem assim. O ex-governador de São Paulo, José Serra, cumpriu o primeiro passo da má liturgia política, mas não o segundo. Mesmo com o escândalo do Metrô de São Paulo chegando cada vez mais próximo dele, Serra mantém as alegações iniciais. O ex-governador tucano diz que durante sua gestão não tomou conhecimento de qualquer cartel montado por empresas de transportes sobre trilhos. Muito menos que teria incentivado o conluio, pois sempre atuava, segundo ele, a favor do menor preço. Mas Serra não poderá mais entoar por muito tempo esse discurso, sob o risco de ser desmoralizado pelas investigações do Ministério Público. Novos documentos obtidos por ISTOÉ mostram que a máfia que superfaturou contratos com o Metrô de São Paulo e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) não só agiu durante o governo Serra como foi incentivada por agentes públicos a montar um cartel. O TREM DA CORRUPÇÃO - Cartel operou na CPTM durante gestão Serra Conforme a documentação em poder do MP, as irregularidades ocorreram entre 2008 e2011. No período em que a maior parte dos contratos irregulares foi assinada, Serra era governador (entre 2007 e 2010). Os superfaturamentos estão relacionados a um controverso projeto de modernização de 98 trens das Linhas 1-Azul e 3-Vermelha do Metrô. A reforma dos veículos, com cerca de quatro décadas de operação e considerados “sucata” pelas autoridades que investigam o caso, custam ao erário paulista R$ 2,87 bilhões em valores não corrigidos, um prejuízo de quase R$ 1 bilhão. Para se ter uma ideia, os valores se assemelham aos desembolsados pelo Metrô de Nova York na aquisição de trens novos. E quem vendeu os trens ao Metrô nova-iorquino foi justamente uma das companhias responsáveis pela modernização em São Paulo. Além do flagrante superfaturamento, o promotor Marcelo Milani, do Patrimônio Público, já confirma a prática de cartel. O conluio, segundo ele, foi incentivado por agentes públicos em pelo menos um dos dez contratos relacionados à modernização. Trata-se do contrato do sistema de sinalização, o CBTC. Em depoimento ao MP, o engenheiro Nelson Branco Marchetti, ex-diretor técnico da divisão de transportes da Siemens, relatou que representantes da multinacional alemã e da concorrente Alstom foram chamados para uma reunião por dirigentes do Metrô e da Secretaria de Transportes Metropolitanos. Na época, o órgão era comandado por José Luiz Portella, conhecido como Portelinha, braço direito de Serra. Durante o encontro, as companhias foram incentivadas a montar cartel para vencer a disputa pelo contrato do sistema de sinalização dos trens das linhas 1, 2 e 3 do Metrô. Os executivos das empresas ainda sugeriram que o governo licitasse a sinalização linha por linha, o que triplicaria a concorrência. Mas o governo foi enfático ao dizer que gostaria que um consórcio formado por duas empresas vencesse os três certames. A Alstom acabou vencendo sozinha o contrato para o fornecimento do CBTC para as três linhas do Metrô. Em outro depoimento prestado à Polícia Federal, Marchetti já havia relatado que as pressões do governo paulista eram constantes. “No edital havia a exigência de um capital social integralizado que a CAF (empresa espanhola) não possuía. Mesmo assim, o então governador do Estado (José Serra) e seus secretários fizeram de tudo para defender a CAF”, declarou ele sobre o contrato para fornecimento de vagões pela CPTM em que o ex-governador e Portella teriam sugerido que Siemens e CAF se aliassem para vencer a licitação. A prática narrada acima acrescenta novos elementos ao escândalo na área de transporte, que Serra, apesar das constantes negativas, não tem mais como refutar. CONLUIO - Contratos de modernização de trens das Linhas 1-Azul e 3-Vermelha foram vencidos sem disputa a preços acima do estabelecido pelo Metrô de São Paulo Novos documentos e depoimentos em poder do Ministério Público também reforçam que o esquema criminoso teria o apoio de políticos e funcionários públicos beneficiados pelo recebimento de propina. Na última semana, outro executivo da Siemens, além de Everton Rheinheinmer, confirmou a existência de pagamento da comissão para agentes públicos de São Paulo. Em depoimento à Polícia Federal, o vice-chefe do setor de compliance da multinacional alemã, Mark Willian Gough, relacionou uma conta em Luxemburgo de Adilson Primo, ex-presidente da companhia no Brasil, no valor de US$ 7 milhões, aos subornos. À ISTOÉ, um ex-dirigente da MGE, outra empresa envolvida no cartel, também confirmou que representantes da Siemens cobraram de sua companhia o pagamento de propina a autoridades, em troca da obtenção de contratos com o governo paulista. A cobrança teria partido do próprio Rheinheinmer. O dinheiro, segundo o ex-executivo da Siemens, teria como destinatários parlamentares da base aliada ao governo tucano na Assembleia Legislativa. Ainda de acordo com o ex-dirigente da MGE, Rheinheinmer também teria o procurado para abrir uma conta no banco suiço Credit Suisse, em Zurique. O ex-dirigente da MGE afirma que era para lá que a Siemens mandaria parte do dinheiro desviado. “Fui procurado por Everton da Siemens tanto para pagar propina para a base aliada quanto para abrir a conta na Suíça”, confirmou à ISTOÉ o executivo da MGE. O Ministério Público paulista investiga o superfaturamento na modernização dos 98 trens das Linhas 1-Azul e 3-Vermelha do Metrô paulista há pelo menos um ano e meio. Um dos fatos que chamaram a atenção do promotor Milani foi a falta de competitividade na licitação dos quatro lotes de veículos reformados. Cada um deles foi disputado por um único consórcio, que reunia uma ou mais empresas. Ao final, sagravam-se vencedores com propostas acima dos valores estabelecidos pelo Metrô em consulta de tomada de preço feita com as próprias empresas. Tamanho disparate nos preços fez com que até dirigentes das companhias oferecessem descontos para a estatal. Um deles foi assinado pelo ex-presidente da Siemens Adilson Primo. As apurações, no entanto, esbarravam em um obstáculo. A iniciativa de reformar veículos com cerca de quatro décadas em operação só existe no Estado de São Paulo. Em outros lugares do mundo, esses veículos seriam aposentados e trocados por novos por questão de segurança dos usuários e desempenho do sistema. Sem parâmetro de comparação de preços, ficava inviável concluir se a decisão tomada pela gestão de José Serra lesava ou não os contribuintes paulistas. Após realizar 30 oitivas, porém, o promotor pôde confirmar as irregularidades. Ao contrário do que se pensava inicialmente, quando o Metrô de São Paulo justificou que a opção pela reforma aconteceu porque ela sairia 60% mais barato do que o valor a ser desembolsado para compra de trens novos, os altos custos da modernização dos trens não apareciam apenas nos quatro contratos de reforma. Em um claro movimento de despiste, o governo paulista fracionou o serviço e acrescentou outros seis contratos à reforma. O serviço foi, oficialmente, orçado em R$ 1,6 bilhão. Só que, na verdade, a modernização dos 98 trens, com 588 vagões, teve um custo de R$ 2,87 bilhões. Sem contar as correções monetárias. Segundo o Ministério Público, o Metrô de Nova York realizou a compra de 300 vagões, neste ano, por US$ 600 milhões, o equivalente a RS 1,4 bilhão. Pagou proporcionalmente menos pelos veículos novos do que São Paulo está desembolsando na revitalização daquilo que o MP classifica como sucata. Procurado, o Metrô nega problemas com os trens e irregularidades nos contratos. Em depoimento ao MP em 9 de setembro ao qual ISTOÉ teve acesso, o ex-diretor do Metrô e signatário de contratos da reforma dos trens Sérgio Correa Brasil confirmou que a estatal não previa no orçamento “o chamado truque, bem como a caixa que importariam em 40% do custo final”. No entanto, esses e outros itens, de acordo com seis contratos extras analisados pelo MP, foram licitados e estão sendo trocados. Diante das irregularidades, o promotor Marcelo Milani deu, na terça-feira 3, um prazo de 30 dias para que o presidente do Metrô de São Paulo suspenda os dez contratos de modernização. 5# COMPORTAMENTO 6.12.13 5#1 EDUCAÇÃO: SÓ DINHEIRO NÃO BASTA 5#2 O PAPA NA MIRA DA MÁFIA 5#3 RACISMO À BRASILEIRA 5#4 SÓ O COMEÇO VAI SER FÁCIL 5#1 EDUCAÇÃO: SÓ DINHEIRO NÃO BASTA O principal projeto do País para a área educacional é o aumento de verbas. Mas os exames internacionais mostram que isso é insuficiente Camila Brandalise Quando se fala em melhorar a educação no Brasil, a chave do sucesso parece sempre se concentrar na obtenção de mais verba. O País vem aumentando gradativamente os investimentos no setor – passou de 4,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2000 para 6,1% em 2011, último dado disponível. Pelo Plano Nacional de Educação (PNE), esse percentual deve chegar a 10% em 2020. Há três meses, o Congresso Nacional aprovou com estardalhaço o repasse de 75% do dinheiro do pré-sal para a área educacional. É claro que recursos são muito importantes, mas, para o País dar o salto qualitativo de que precisa, é necessário avançar também em outras áreas. Os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (o Pisa, na sigla em inglês), de 2012, divulgados na semana passada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ilustram isso. EXEMPLO - Acima, a Escola Professor Renato José da Costa Pacheco, no Espírito Santo, que capacita professores. Abaixo, colégio chinês: os asiáticos dominaram o Pisa O exame, realizado de três em três anos, mede o conhecimento de alunos de 15 anos em matemática, leitura e ciências. Nessa edição, o foco principal era matemática e a pontuação dos alunos brasileiros na matéria subiu 10% em relação a 2003, o maior crescimento de todos. O País ficou em segundo lugar no quesito inclusão de novos alunos – perde só para a Indonésia. Mas foi só isso a comemorar. Embora invista US$ 26.765 por aluno dos 6 aos 15 anos, o Brasil amarga a 57ª colocação entre as 65 nações participantes. Os asiáticos dominaram a prova. Salta aos olhos o caso do Vietnã, que gasta apenas US$ 6.969 por estudante e alcançou a 15ª posição (leia quadro). Os Estados Unidos, por exemplo, aplicam 115.961 per capita e estão em 29º lugar. Se não atacar problemas estruturais, o País continuará na lanterna. Um ponto crucial é ter professores qualificados. “Daqui para a frente, o Brasil precisa atrair bons profissionais”, afirma Andreas Schleicher, diretor-adjunto da OCDE para Educação. “Pessoas talentosas devem estar em escolas com mais desafios para superar as diferenças sociais.” No topo do ranking, a província chinesa de Xangai segue à risca a proposta de colocar o foco na qualidade da docência. Com 20 milhões de habitantes, a localidade tem orçamento e planejamentos próprios e investe pesadamente em educação. “Mas a China como um todo também tem adotado políticas voltadas para o professor”, afirma Alexandre Uehara, coordenador do Grupo de Estudos sobre a Ásia do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP). Assim como Xangai, o gigante asiático adota uma política de forte supervisão dos métodos empregados em sala de aula. No Brasil, as dificuldades ainda são primárias. “O problema começa quando a escola procura profissionais em áreas específicas, como química e física. Há estabelecimentos educacionais que passam o ano inteiro sem professor para uma disciplina. Já vi colégios em que um docente de filosofia dava aula de física”, diz Cleuza Repulho, presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação. Outra questão urgente é a criação de um currículo nacional. “Com uma base comum, seria possível trabalhar de maneira mais precisa a formação dos professores na faculdade”, afirma Eduardo Deschamps, vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação. Além disso, um bom projeto tem de atravessar as sucessivas administrações e não ser engavetado pelo novo governante. “Países que apresentaram evolução, como Cingapura, tiveram essa postura”, diz Andrea Bergamaschi, do movimento Todos pela Educação. Entre os Estados brasileiros, o melhor exemplo, segundo o Pisa, é o do Espírito Santo, que passou do 6º lugar em 2009 para o primeiro em 2012. “Cerca de 85% dos alunos são de escolas públicas, isso mostra que estamos avançando”, afirma Klinger Barbosa Alves, secretário de Educação do Estado. Segundo lugar no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) entre os colégios estaduais capixabas, a Escola Professor Renato José da Costa Pacheco, em Vitória, atribui a boa nota às sucessivas capacitações de professores. “Os docentes participam de cursos para melhorar o ensino de matemática e damos muito enfoque no envolvimento da família com a realidade escolar”, explica a diretora, Adélia Maria Dias Ramos. A hora é de se debruçar sobre bons exemplos, internos e externos. Caso o País não corra contra o tempo, levaremos 25 anos para atingir a nota mínima estabelecida pela OCDE. 5#2 O PAPA NA MIRA DA MÁFIA Chefões de grupos criminosos italianos incomodados com as reformas anticorrupção do papa Francisco no Banco Vaticano já pensam em atacar o sumo pontífice João Loes Enquanto a maioria dos católicos celebra as reformas do papa Francisco, que, em nove meses de pontificado, goza de popularidade e aceitação raramente vistas entre os ocupantes do cargo, pequenos e poderosos grupos têm mostrado antipatia diante dessas mesmas mudanças. Um deles é a máfia italiana. “Os chefões cujo poder e riqueza vêm de ligações com a Igreja estão cada vez mais nervosos”, diz Nicola Gratteri, promotor-adjunto da diretoria antimáfia do Tribunal Regional da Calábria, no sul da Itália, e autor de cinco livros sobre o tema, sendo o mais recente lançado em outubro, com o título “Água Benta – a Igreja e a Ndrangheta: uma História de Poder, Silêncio e Absolvição” (Ed. Mondadori, 2013). “Francisco está desmontando centros de poder econômico no Vaticano, e, se os mafiosos tiverem uma chance de dar uma rasteira nele, não hesitarão.” Desde que assumiu o trono de Pedro, em 13 de março, o papa Francisco impôs regras mais rígidas à gestão do Instituto para as Obras da Religião (IOR), também conhecido como Banco Vaticano. Depois de obrigar o banco a respeitar as leis que regem o funcionamento de qualquer instituição financeira internacional semelhante, ele montou uma equipe para acompanhar, diuturnamente, o funcionamento do órgão, comissionou o primeiro relatório sobre lavagem de dinheiro da história da instituição e, na semana passada, anunciou que seu secretário particular, o monsenhor Alfred Xuereb, supervisionaria todos os trabalhos no IOR, reportando-se diretamente a ele. Até o momento, ainda não está descartada a possibilidade de acabar com o Banco Vaticano, já que ele não cumpre mais a função estabelecida em seu estatuto. ALVO FÁCIL? - Francisco cercado de seguranças e dentro do papamóvel: cena rara O ódio dos mafiosos a Francisco vem do ímpeto do jesuíta em reformar uma instituição sobre a qual eles têm interesse particular e que sintetiza bem a ideia de “centro de poder econômico”. Criado nos anos 1960 com o intuito de facilitar o trânsito de bens e valores entre organizações católicas pelo mundo, o Banco Vaticano funcionou à margem dos rigores regulatórios impostos a praticamente todas as instituições similares, já que, em princípio, as transações seriam poucas e específicas. Mas, com o tempo, a fragilidade regulatória passou a atrair oportunistas, que, corrompendo religiosos, começaram a usar a estrutura do banco e sua blindagem religiosa para lavar dinheiro. E, sendo a Itália o berço da máfia como grande empresa do crime, não tardou para que os mafiosos percebessem a oportunidade que ali havia. Foi durante os anos 1980 que se viu o auge das promíscuas relações que se estabeleceram entre religiosos e mafiosos por meio do IOR. O exemplo do arcebispo Paul Marcinkus (1927-2006) é lapidar. ALIADO - O monsenhor Alfred Xuereb, secretário particular do papa, será um informante do pontífice dentro do Banco Vaticano (abaixo) Como presidente do Banco Vaticano entre 1971 e 1989, Marcinkus, chamado frequentemente de “banqueiro de Deus”, se envolveu em boa parte dos grandes escândalos financeiros e criminais do país naquele tempo, sendo o maior deles a quebra do Banco Ambrosiano, o segundo grande banco privado da Itália, em 1982. À época, o Banco Vaticano era o maior acionista do Ambrosiano e, com a falência, acabou no olho do furacão das investigações. O que se descobriu foi uma verdadeira teia de corrupção instalada na instituição pontifícia, que envolvia lavagem de dinheiro da máfia, remessas ilegais de ativos e desvios de fundos. A trama engrossou ainda mais com a morte de Roberto Calvi, presidente do Ambrosiano, encontrado pendurado na ponte Black Friars, no centro de Londres, também em 1982. Embora inconclusiva, a investigação do assassinato sugeriu envolvimento da máfia italiana, que teria perdido muito dinheiro com a quebra da instituição, um dos parceiros na lavagem de ativos desse tipo de organização criminosa. ALERTA - Nicola Gratteri, promotor antimáfia desde 1989, foi quem revelou a ameaça ao pontífice Ainda que os mais escabrosos escândalos envolvendo o Banco Vaticano e os mafiosos tenham ficado nos anos 1980, durante os anos 1990 e 2000 a relação Igreja e máfia não deu sinais de ter arrefecido. Até o fim de 2012, por exemplo, graves acusações envolvendo casos de lavagem de dinheiro parecidos com as operações clássicas dos mafiosos ainda eram feitas por órgãos do governo italiano. Em 2010, 23 milhões de euros suspeitos da instituição (R$ 74 milhões) foram bloqueados durante meses pelas autoridades. “O mafioso que lava dinheiro e, dessa maneira, exerce seu poder, é o que se beneficia da conivência da Igreja”, afirma o promotor Gratteri. “São esses os que estão agitados (com a iminência das reformas propostas por Francisco)”, diz ele, que não conhece nenhum plano concreto que ponha em risco o sumo pontífice, mas acredita que a máfia já reflete sobre essa possibilidade. Estima-se que, somadas, as transações envolvendo dinheiro sujo da máfia italiana cheguem à casa dos 100 bilhões de euros anuais, o equivalente a R$ 322,8 bilhões. É evidente que apenas uma fração dessa fortuna poderia ser lavada pelo Banco Vaticano, mas uma medida clara de Francisco para eliminar quaisquer chances de que isso aconteça teria efeito simbólico gigantesco. Seria o fim de uma relação obtusa e incoerente que, há décadas, alimenta a imagem de uma igreja que prega uma pureza moral que ela não segue. E Francisco, em sua cruzada contra a hipocrisia, parece disposto a acabar com mais essa. Não são poucas as razões para a máfia se sentir ameaçada por ele. E, tratando-se de uma organização criminosa que tem um histórico de ameaças e assassinatos de religiosos (leia quadro), todo tipo de reação deve ser esperado. Ponderado, Gratteri acha difícil que os capos mandem alguém matar o papa. E, mesmo que a ordem venha, como pontífice, Francisco está sempre bem protegido por um séquito de seguranças muito bem treinados. E é bom que seja assim. Afinal, com jeito desprendido e determinado, o latino-americano não dá sinais de que vai parar depois de completar as reformas que anunciou já no primeiro ano de pontificado. Pelo visto, ainda serão muitos os interesses contrariados. PROFANO - O arcebispo Paul Marcinkus presidiu o Banco Vaticano entre 1971 e 1989, um tempo de escândalos, corrupção e morte 5#3 RACISMO À BRASILEIRA O Brasil sempre fez vista grossa para as tensões raciais no País. Mas o preconceito é real e são necessárias medidas concretas, como as cotas nas universidades, para reduzir o abismo social existente Fabíola Perez e Raul Montenegro CARTÃO VERMELHO - Camila Pitanga e Lázaro Ramos teriam sido vetados pela Fifa para fazer o sorteio da Copa Na África do Sul, a política segregacionista do apartheid, combatida por Nelson Mandela, oprimiu a população negra do país de 1948 ao início da década de 1990. Abertamente racista, o regime africano não encontrou muitos ecos no Brasil, onde a ideia da democracia racial – a convivência pacífica entre negros e brancos – está firmemente cravada no imaginário popular. Essa tolerância à brasileira, no entanto, é apenas uma fachada para esconder a discriminação que os descendentes de africanos sofrem por aqui. Segundo a pesquisadora Eugenia Portela de Siqueira Marques, que fez doutorado sobre cotas raciais na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), existe no Brasil um “racismo cordial”, em que as pessoas não explicitam seus preconceitos. Para ela, apesar de não haver no País embates diretos como os da África do Sul, a discriminação se manifesta nas diferenças de riqueza e renda, principalmente. “A desigualdade é gritante”, afirma. Já Evandro Piza Duarte, professor de direito da Universidade de Brasília (UnB), afirma que a democracia racial brasileira é um mito que fez com que ocultássemos as diversas formas de segregação que aconteceram por aqui. “Até os anos 1970, por exemplo, existiam no Brasil clubes onde os negros não entravam”, diz. Os dois especialistas não são os únicos a afirmar que existe um preconceito racial velado no País. Um caso que ganhou repercussão nas mídias sociais no mês passado foi o suposto pedido da Fifa para substituir os atores negros Lázaro Ramos e Camila Pitanga como apresentadores do sorteio da Copa do Mundo. A notícia de que a organização teria preferido os atores Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert, ambos brancos, provocou uma onda de manifestações nas redes sociais acusando a entidade de racismo. “A Fifa precisa estar mais capacitada para entender a diversidade do mundo”, afirmou frei David Santos, diretor da ONG Educafro. “Foi um caso de racismo explícito e pedimos que seja feito um pedido de desculpas”, diz o ativista. A entidade se justificou, afirmando que não vetou a participação dos atores. Em um comunicado, a organização explicou que quem propõe os apresentadores é a agência GEO, que pertence às organizações Globo. “Dependemos do país-sede e os artistas vão refletir a diversidade do Brasil”, afirma o documento. A instituição declarou, ainda, que a escolha dos novos apresentadores se deu pela experiência no lançamento do logo da Copa do Mundo, em 2010, e no Sorteio Preliminar, em 2011. O professor Evandro Piza ressalta que o evento pode ser ainda mais excludente. “O preconceito se torna mais grave quando pensamos que a Copa está sendo financiada com o dinheiro de pessoas que não serão beneficiadas diretamente”, afirma. “Portanto, uma decisão como essa chega a ser uma provocação à população brasileira.” Outro recente caso polêmico é o do negro Rafael Braga Vieira, morador de rua e primeiro condenado por ter participado das manifestações de junho no Rio de Janeiro. Ele recebeu uma pena de cinco anos de prisão pelo porte de duas garrafas que, segundo o juiz Guilherme Schilling Pollo Duarte, da 32a. Vara Criminal, seriam usadas como bombas incendiárias. De acordo com um laudo utilizado pelo magistrado para justificar sua decisão, um dos recipientes possuía “mínima aptidão para funcionar como coquetel molotov”, mas a defesa diz que as garrafas continham água sanitária e desinfetante. Também afirma que, por serem de plástico, os vasilhames não poderiam ser usados como arma. O juiz considerou a versão “pueril e inverossímil”. A ideia de que o racismo não existe no Brasil se esvai definitivamente quando vem à tona o que aconteceu com a gerente administrativa Maria Izabel Neiva, 37 anos. Ela foi impedida de fazer a rematrícula do filho Lucas, 8 anos, em uma escola particular de Guarulhos, na Grande São Paulo. Em depoimento à polícia, a diretora do Colégio Cidade Jardim Cumbica afirmou que o cabelo do menino é “muito grande e crespo”. A mãe de Lucas lembra que a diretora já havia chamado a atenção do garoto em agosto, afirmando que o corte não seria adequado à instituição de ensino. Na terça-feira 3, Maria Izabel foi informada de que não havia mais vagas na escola para o garoto. “Quando a diretora pede que o aluno se desfaça de sua estética afro, ela desrespeita a diversidade cultural”, afirma frei David, da Educafro. “A tentativa de fazer Lucas ficar parecido com os demais alunos da escola faz com que a instituição pratique a ideologia do embranquecimento social. Atitudes como essas refletem o racismo institucional, um dos problemas mais graves do País. “São situações em que as organizações se tornam incapazes de prover serviços para a população negra”, diz Felipe Freitas, gerente de projetos da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Ainda hoje a sociedade brasileira remonta ao século passado em exemplos de discriminação social. A antropóloga Júlia O’Donnel, autora do livro “A Invenção de Copacabana: Cultura Urbana e Estilos de Vida no Rio de Janeiro”, analisou o projeto de civilidade que se construiu na orla a partir de sua ocupação pelos cariocas entre os anos 1890 e 1940. “A praia era um espaço exclusivo das elites, nem ônibus circulavam em Copacabana”, afirma ela. Do século passado até hoje, Júlia acredita que o cenário não é muito diferente. O recente caso dos arrastões nas praias cariocas revela que pessoas de classes desfavorecidas, em sua maioria negras, podem ir à praia, porém são malvistas e maltratadas. “Assusta a naturalização do preconceito nas redes sociais, que falam que ‘é um absurdo ter ônibus para o Alemão de 15 em 15 minutos.” O período da escravidão no Brasil deixou um legado sentido até hoje por 96,8 milhões de pessoas. “A tendência é que os adultos negros que tiveram poucas oportunidades na educação tenham filhos também com um baixo nível de escolaridade”, afirma Daniel Cerqueira, diretor de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea. “Se não houver políticas públicas para mitigar essas questões históricas, o problema continua.” Uma das soluções propostas pelos especialistas para resolver o problema do racismo no País é a implantação de cotas em setores como a educação e o funcionalismo público. A reserva de vagas nas universidades existe há dez anos e deu bons resultados. Para servidores, ainda é novidade. Na sexta-feira 6, o governo paulista lançou um plano para a inclusão de negros. O objetivo é reservar 35% das vagas dos certames para a população negra e indígena. “Os partidos políticos têm que minimizar a desigualdade racial no País”, diz frei David. “Para passar em um concurso, os candidatos precisam fazer cursos de especialização que chegam a custar R$ 3 mil por mês. Com isso, a população negra é automaticamente excluída.” Na opinião da pesquisadora Eugenia Portela, as cotas são importantes por causa das disparidades existentes no Brasil, mas considera que não basta apenas incluir excluídos no topo do sistema. “Precisamos também investir na base”, afirma. Fontes: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Dieese, Fundação Seade, Ministério do Trabalho, IBGE (Censo 2010 e Síntese de Indicadores Sociais 2013) 5#4 SÓ O COMEÇO VAI SER FÁCIL Brasil escapa do grupo da morte na primeira fase, mas terá o caminho mais difícil para chegar à final Rodrigo Cardoso A Copa do Mundo de futebol, enfim, tem uma cara. O sorteio dos grupos, na Costa do Sauípe, Bahia, na sexta-feira 6, revelou os confrontos iniciais da 20ª edição da competição. Brasil e Croácia, na Arena Corinthians, abrem o torneio, em São Paulo, em 12 de junho. Dois fatos merecem destaque agora que os desafios de cada uma das 32 seleções foram revelados. Primeiramente, o caminho da Seleção para o hexa pode ser recheado de duros confrontos logo depois da fase inicial. Se passar na primeira colocação, o Brasil poderá ter Espanha, a atual campeão mundial, ou Holanda, algoz brasileiro no torneio passado, como adversários já nas oitavas-de-final. Os dois tradicionais times europeus compõem, junto com Chile e Austrália, o grupo B, de onde o segundo colocado terá de enfrentar o campeão do grupo brasileiro. LARGADA - Jérôme Valcke, secretário-geral da Fifa, e a atriz Fernanda Lima apresentam o sorteio: desequilíbrio de forças Se a Seleção avançar para as quartas-de-final e a lógica do peso da camisa das equipes falar mais alto, é muito provável que o Brasil tenha de encarar Inglaterra ou Itália, duas campeãs mundiais. “Seria até melhor jogar com um adversário mais forte logo na primeira fase”, diz Tostão, campeão mundial em 1970, avaliando essas possibilidades. “Apesar de que, no meu bolão, o Chile se classificaria no grupo B.” A outra revelação do sorteio é o paradoxo de forças das chaves. Grupos extremamente fortes como o D, composto pelos campeões mundiais Itália, Inglaterra e Uruguai, e o G, com Portugal, Alemanha, Gana e Estados Unidos, se contrapõem com outros, como o H (Bélgica, Argélia, Coréia do Sul e Rússia) e o C (Colômbia, Grécia, Costa do Marfim e Japão). Para o comentarista esportivo e jornalista Alberto Helena Jr., a culpa por tal disparidade é o grande número de seleções que disputam o torneio e o uso do ranking da Fifa como critério para definir os cabeças-de-chave. “Esse sistema de ranking que colocou Suíça e Bélgica como líderes de grupos complica o sorteio. O ranking não representa a força de uma seleção na Copa do Mundo”, afirma Helena Jr. “Sou a favor, também, de abrir mais espaço para times da Europa e diminuir para asiáticos e africanos.” A Seleção Brasileira terá adversários medianos na primeira fase. Campeões mundiais como Bebeto e Jairzinho gostaram do grupo de maneira geral. Já técnico Luiz Felipe Scolari usa um tom mais baixo. “A Croácia tem um futebol bonito. Camarões tem algumas proezas em mundiais e o México sempre dificulta as coisas para nós”, disse. Não admite, mas talvez já esteja com os olhos mais adiante, quando a Copa, para a Seleção, começa de verdade. 6# MEDICINA E BEM-ESTAR 6.12.13 6#1 RADIAÇÃO CONTRA A AIDS 6#2 OS PERIGOS DA MARATONA PARA O CORAÇÃO 6#1 RADIAÇÃO CONTRA A AIDS Método usa composto radioativo para destruir HIV e abre novo caminho para a cura da doença Cilene Pereira Cientistas americanos apresentaram na semana passada um novo caminho para a cura da Aids. Os pesquisadores combinaram estratégias da imunologia e da radiologia e conseguiram derrubar a níveis indetectáveis no sangue a concentração de HIV, o vírus responsável pela doença. Além disso, o método foi capaz de destruir o vírus alojado em células cerebrais e do sistema nervoso. Trata-se de uma vitória almejada há muito tempo e que abre uma perspectiva para a erradicação do vírus no organismo, algo que os remédios usados hoje não conseguem. Eles atingem apenas parcialmente essas células, o que configura um obstáculo à cura definitiva da doença, já que o vírus não desaparece completamente do organismo. A experiência foi feita no Albert Einstein College of Medicine, de Nova York. Os cientistas utilizaram anticorpos monoclonais combinados com isótopos radioativos. Os primeiros são moléculas criadas para identificar agentes invasores, como vírus. Os segundos são usados para matar células cancerígenas. No caso da Aids, os anticorpos foram desenhados de forma a localizar e a se ligar a uma proteína expressa por células infectadas. Ou seja, eles marcam a célula que carrega o HIV. E os isótopos radioativos a destroem. A combinação foi testada com sucesso em amostras de sangue contaminado retirado de 15 pacientes. A eficácia do método deixou os cientistas entusiasmados. “É uma forma de chegarmos à cura da doença”, disse à ISTOÉ a cientista Ekaterina Dadachova, responsável pela pesquisa. “Além de alcançar células cerebrais, atinge apenas as que estão infectadas. A radioimunoterapia é usada hoje contra o câncer basicamente sem nenhuma toxicidade.” Os pesquisadores já estão preparando um estudo com seres humanos para ser iniciado no ano que vem. 6#2 OS PERIGOS DA MARATONA PARA O CORAÇÃO Pesquisadores canadenses verificam que corredores amadores estão sob risco de apresentar lesões cardíacas após a conclusão da prova Michel Alecrim Um estudo canadense acendeu um alerta para corredores amadores que resolvem participar de maratonas. De acordo com o trabalho, realizado pela Universidade de Laval, adeptos de corrida que não têm o preparo adequado expõem-se ao risco de sofrer lesões cardíacas após as provas. Os problemas são reversíveis, mas os cientistas ressaltam que o resultado reforça a necessidade de uma preparação correta antes de se lançar ao desafio. A pesquisa foi publicada no “Canadian Journal of Cardiology”. PREPARO - Antes de participar das corridas, Sabino fez um treinamento para que seu organismo se acostumasse gradativamente ao desgaste imposto pelas provas Os cientistas acompanharam as condições de 20 participantes da Maratona de Quebec que não estavam acostumados a esse tipo de corrida. Eles tinham entre 18 e 60 anos. Testes após a prova mostraram que metade deles apresentou redução funcional nos ventrículos esquerdo e direito do coração. Alguns manifestavam inflamação, edema e redução do fluxo sanguíneo. Os achados inquietaram os pesquisadores. “Ficamos surpresos com os resultados, já que os corredores são considerados o segmento mais saudável da população”, explicou à ISTOÉ o cientista Eric Larose, coordenador do estudo. Após submeter os participantes a exames três meses depois da prova, os cientistas verificaram que as lesões haviam desaparecido. As conclusões somam-se a outras evidências de risco cardíaco para corredores amadores em situações extenuantes. Sabe-se, por exemplo, que horas de corrida podem até provocar necrose em pequenas áreas do órgão. “Normalmente, há uma regeneração depois. A questão é saber se no período pós-maratona esses atletas despreparados estão mais sujeitos a um infarto. Mas seriam necessários outros estudos para se avaliar isso”, afirma o cardiologista Nelson Souza e Silva, do Instituto do Coração da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O cardiologista Daniel Kopiler, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, compara os efeitos sofridos pelo miocárdio aos danos causados em músculos do restante do corpo após exercícios extenuantes. No coração, eles podem levar de fato a uma morte súbita, principalmente se a pessoa tiver uma doença cardíaca ou uma má-formação genética. Até para os jovens há esse risco. “Além de uma preparação de longo prazo, qualquer candidato a maratonista precisa pelo menos fazer um eletrocardiograma”, adverte. Essas recomendações são fundamentais, em especial nesses tempos em que correr – e participar de maratonas – virou moda. Estima-se que no Brasil esse público já chegue a um milhão de pessoas. “A chance de ocorrência de morte súbita nas maratonas é de uma em 100 mil. E 50% delas ocorrem nos dois últimos quilômetros”, afirma Gláucio Soares, especialista em reabilitação cardíaca. É possível reduzir os riscos de problemas seguindo algumas orientações. Além de uma avaliação clínica inicial, o futuro maratonista tem de seguir rigoroso planejamento, com treinos de três a cinco vezes por semana. Só quando for capaz de correr bem 32 quilômetros a pessoa pode enfrentar o desafio. “Muita gente me procura querendo saber se em dois ou três meses já pode participar da prova. Não oriento a isso”, conta Eduardo Netto, diretor técnico da rede de academias Bodytech. O especialista aconselha a quem quer correr uma prova de 42 quilômetros a fazer um treinamento paulatino com o auxílio de um profissional de educação física. O advogado carioca José Alfredo Sabino já correu dez maratonas em diferentes países. “Mas antes fiz um programa de treino. Também procurei começar com a meia maratona para me preparar. Seguindo todas as recomendações, nunca tive qualquer problema durante ou depois das provas”, conta. 7# ECONOMIA E NEGÓCIOS 6.12.13 7#1 O PIB QUE TIRA O SONO DE DILMA 7#2 COMO COMPRAR IMPORTADOS PELA INTERNET 7#1 O PIB QUE TIRA O SONO DE DILMA Economia brasileira cai 0,5% no terceiro trimestre, no pior resultado em quatro anos, e leva empresários e especialistas a aumentarem as críticas contra a presidenta Luisa Purchio Por mais que o desempenho do Produto Interno Bruto dependa de uma rede complexa de fatores, ele funciona também como um medidor da eficiência da autoridade máxima de um país. Para a presidenta Dilma Rousseff, que gosta de ser vista como uma supergerente que controla todas as decisões do governo e que é chamada pelo empresariado de “economista-chefe” da nação (afinal, não foi ela que disse, sobre o programa de concessão, “o modelo, meu querido, é meu?”), isso é ainda mais verdadeiro. Sob esse aspecto, a divulgação, na semana passada, da queda de 0,5% da variação do PIB no último trimestre em relação aos três meses anteriores deve ter causado enorme aborrecimento a Dilma. O resultado foi o pior em quatro anos e coloca o Brasil na rabeira dos países emergentes quando os dados econômicos são comparados. Pior ainda: os números ficaram abaixo do de nações como Espanha e Portugal, até recentemente mergulhadas em profunda recessão. QUEM MANDA NA ECONOMIA? - Para muitos empresários, a centralizadora presidenta é a verdadeira economista-chefe da nação O índice negativo reflete a queda da performance de diversas áreas. A agropecuária, que nos últimos trimestres foi o motor que impulsionou o crescimento econômico, caiu 3,5%. O saldo dos investimentos também foi ruim, com redução de 2,2%. “Os empresários brasileiros pararam de investir porque não confiam que o governo vai resolver os problemas econômicos”, diz Paulo Roberto Feldmann, professor de economia da USP. “Há uma queda de braço entre Dilma e o empresariado, que enxerga o governo como estatizante.” As críticas vêm de diversos especialistas. “Uma das coisas que fazem o investimento crescer é a estabilidade”, afirma Silvia Matos, pesquisadora de economia aplicada da Fundação Getulio Vargas. “O problema é que falta clareza nas regras. A taxa de juros, por exemplo, vai subir ou cair?” O investimento do próprio Estado, que depende de uma administração que equilibre gastos e arrecadação, também está baixo em comparação com o de outros países. O pequeno superávit primário é considerado por especialistas como um problema que precisa de solução imediata. “É hora de repensar as políticas fiscais”, afirma André Sacconato, diretor de pesquisa da Brasil Investimentos & Negócios (BRAiN). É consenso entre especialistas que destravar os programas de concessões de rodovias, aeroportos e do pré-sal pode ser o fator determinante para a retomada do crescimento. Na semana passada, o jornal “Folha de S. Paulo” publicou que assessores presidenciais avaliaram que o governo errou em fixar taxas baixas demais de retorno para os leilões de infraestrutura. Isso, na análise interna do próprio governo, afetou a confiança do empresariado e reduziu o interesse pelos programas de concessão. Uma boa notícia veio há duas semanas, com os leilões dos aeroportos do Galeão, no Rio de Janeiro, e de Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte. Juntos, eles renderam R$ 21 bilhões ao governo. AGROPECUÁRIA - Setor caiu 3,5% no terceiro trimestre. Safras como a de soja tiveram a produção concentrada no primeiro semestre Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, não há motivo para pânico. Mantega afirmou que o baixo resultado do PIB se deve à base de comparação com o segundo trimestre, quando a economia brasileira cresceu bem: 1,8%. “O PIB acumulado está em 2,3%”, disse o ministro. Para ele, ainda é possível fechar o ano com alta de 2,5%, conforme projeções recentes. Na quarta-feira 4, um novo indicador divulgado pelo IBGE demonstrou que o resultado do quarto trimestre pode, sim, ser bem melhor. Em outubro, a produção industrial brasileira cresceu 0,6% ante setembro. Detalhe: a maioria dos analistas previa drástica redução desse indicador. Os números positivos da produção industrial indicam o aumento significativo da demanda por produtos, o que por sua vez é resultado da volta da confiança do consumidor. Outro bom sinal é a geração de empregos. Em 2013, o Brasil criou 1,4 milhão de vagas com carteira assinada, marca que já supera o resultado do ano inteiro de 2012. A economia brasileira parece mesmo capaz de surpreender. 7#2 COMO COMPRAR IMPORTADOS PELA INTERNET Preços mais baixos e produtos exclusivos oferecidos por sites estrangeiros atraem cada vez mais consumidores. Os negócios dispararam, mas as reclamações também por Luisa Purchio Um estudo realizado pela consultoria comScore Media Metrix, líder de medição do mundo digital, revelou que o Brasil está entre os dez principais mercados de varejo online do mundo. De todos os seus usuários de internet, 83,4% visitaram um site de varejo em setembro e, em média, cada visitante ficou quase uma hora navegando. Mais habituados e confiantes às compras online, os internautas brasileiros passaram a adquirir também um maior número de produtos do Exterior. É preciso cuidado, porém, para não se dar mal. Ao adquirir um produto estrangeiro, o comprador passa a ser caracterizado como importador e deixa de ser protegido pelo Código de Defesa do Consumidor. Em caso de problemas, a questão precisa ser resolvida diretamente com o site estrangeiro e de acordo com as leis do país de origem do produto. “As compras vêm aumentando, mas junto com elas aumentam também as queixas”, diz Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste. 8# MUNDO 6.12.13 8#1 O MUNDO SEM MANDELA 8#2 O ÚLTIMO HERÓI 8#1 O MUNDO SEM MANDELA O líder africano Nelson Mandela, um mito já em vida, entra para a história e inspira gerações em todo o planeta com a sua mensagem de convivência harmônica entre as raças e de liberdade, acima de tudo, como valor inegociável da existência humana Amauri Segalla LIÇÃO DE PAZ - Em Ahmedabad, na Índia, estudantes de uma escola primária seguram velas e pagam tributo ao homem que, bem longe delas, em outro continente, ensinou os valores da igualdade racial e da luta pacífica por um ideal. Elas levarão essa mensagem pelo resto de suas vidas A vida extraordinária de Nelson Mandela, o gigante moral que destruiu o apartheid na África do Sul, suscitou na semana passada um fenômeno digno de sua trajetória. Pouco tempo depois das 20h50 da quinta-feira 5, em Johannesburgo, horário declarado da morte de Mandela, vozes se ergueram no mundo inteiro. Quem, a não ser Madiba – nome tribal pelo qual é chamado pelos sul-africanos –, seria capaz de provocar pesar entre negros e brancos, ricos e pobres, jovens e velhos, reacionários e rebeldes, poderosos e cidadãos comuns? Quem, a não ser ele, poderia ser admirado por tanta gente? No amanhecer da sexta-feira 6, centenas de alunos de uma escola de Ahmedabad, na Índia, acenderam velas em homenagem ao líder. A linda imagem parece evocar o espírito pacífico de Mandela, um revolucionário que transformou seu país sem derramar uma única gota de sangue. No mesmo dia, moradores do Brooklyn, em Nova York, dirigiram-se ao restaurante Madiba e, de lá, lançaram balões brancos ao ar. Também na sexta-feira, os franceses penduraram um banner gigante, com o retrato de Mandela, em um prédio do governo, no coração de Paris. Reverências como essas se repetiram na Austrália, no Japão, na Alemanha, nas Ilhas Fiji, na Rússia, no México – no mundo inteiro. De Washington, o presidente americano Barack Obama prestou sua homenagem. “Eu não poderia imaginar a minha vida sem o exemplo que Nelson Mandela deu”, disse. “Ele já não nos pertence, pertence à história.” Vladimir Putin, presidente da Rússia, destacou o compromisso de Mandela “com os ideais de humanismo e justiça”. Na China, a comoção pela morte de Madiba, tratado como “velho amigo” da nação, dominou o noticiário da mídia estatal. Entre elogios à revolução chinesa, Mandela também dizia admirar o livro “A Arte da Guerra”, antigo tratado militar chinês. Do Vaticano, o papa Francisco elogiou o ex-presidente sul-africano, que foi criado na Igreja Metodista, por seu “empenho em promover a dignidade a todos os cidadãos da nação”. Na América do Sul, os tributos à memória de Madiba não foram menores. Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, decretou luto de três dias e lembrou de seu antecessor, Hugo Chávez, que morreu há nove meses. Em nota, a presidenta Dilma Rousseff classificou Mandela como “personalidade maior do século XX” e anunciou viagem à África do Sul na sexta-feira 13 para participar do funeral. Uma edição extra do “Diário Oficial” foi publicada na sexta-feira 6 para que o luto de sete dias passasse a valer imediatamente no Brasil. Madiba era mesmo um ícone global. As duas filhas mais novas do ex-presidente da África do Sul souberam que o pai tinha morrido durante a estreia do filme “Mandela: Long Walk to Freedom”, em Londres. Detalhe: na plateia estavam o príncipe William, neto da rainha Elizabeth II, e sua mulher, a duquesa Kate Middleton. PAI DA ÁFRICA - Mandela mudou o destino de milhões com sua resistência obstinada contra o regime de segregação Apesar de a morte de Mandela ser esperada há pelo menos cinco meses, desde que adoeceu gravemente vítima de infecção pulmonar, os sul-africanos parecem ter entrado em uma espécie de catarse coletiva. Nas ruas de Johannesburgo, milhares de pessoas saíram em procissão. Em Soweto, onde Mandela viveu nos anos anteriores à sua prisão e onde se instalou depois de ganhar a liberdade, multidões dançaram ao ritmo de canções tradicionais africanas. O funeral de Mandela deve ser um dos mais longos e espetaculares de todos os tempos. O governo anunciou que as homenagens vão durar dez dias. Estima-se que mais de 50 chefes de Estado devam comparecer ao sepultamento. Nada mais justo para um ícone que mudou seu País – e o mundo – para sempre. 8#2 O ÚLTIMO HERÓI Com a morte do extraordinário líder sul-africano que implodiu o apartheid, desaparece também um personagem cada vez mais raro em nosso tempo: alguém capaz de mudar o mundo ao lutar por uma ideia, mesmo que as circunstâncias conspirem contra ela Amauri Segalla Nelson Mandela 1918 - 2013 Em 1983, o diretor da cadeia de Pollsmoor, em Cape Town, na África do Sul, fez a seguinte declaração sobre um de seus prisioneiros: “De tão imponente, ele parece ter uns três metros de altura. É impossível não notar os ombros firmes, o olhar penetrante, a postura ereta. Fica a maior parte do tempo em silêncio, mas quando fala dá a impressão de dizer coisas importantes. Não se assemelha a nenhum outro homem que eu jamais tenha visto, e acho que nunca conhecerei alguém como ele. Lembra mais um chefe de Estado. Um rei, para dizer a verdade.” O preso em questão, identificado pelo número 46664, atendia pelo nome de Nelson Rolihlahla Mandela e já era, mesmo no cárcere, a principal voz da humanidade contra a segregação racial. Ao implodir o apartheid, o regime de exclusão concebido pela minoria branca da África do Sul, Mandela se tornaria algo ainda maior: ele foi provavelmente o último herói de nosso tempo. Morto na quinta-feira 5, aos 95 anos, num momento em que o mundo em geral e o Brasil em particular gritam por mudanças, o ex-detento sul-africano provou, com seu perene combate contra o racismo, que vale a pena lutar por uma ideia, mesmo que as circunstâncias conspirem contra ela. Como será o mundo sem Mandela? O extraordinário na biografia de Mandela é que ele se tornou uma voz mundial, embora tenha passado 27 anos dentro de um presídio, período equivalente a quase um terço de sua vida adulta. O fantástico na trajetória de Mandela é que ele venceu a guerra contra o racismo sem o uso da violência, e eis aqui um ponto em comum com as pregações pacíficas do indiano Mahatma Gandhi. O espetacular na vida de Mandela é ser eleito presidente aos 76 anos sem jamais ter ocupado outro cargo público e lançar a partir daí as bases de uma nova democracia. “Mandela mostrou para o mundo que a humanidade é capaz de superar os desafios mais intransponíveis”, disse à ISTOÉ o cientista político sul-africano Ralph Mathekga. “Ele viveu de acordo com os ideais mais elevados.” O que distingue Madiba, o nome tribal pelo qual Mandela era conhecido em seu país, de outros mitos? Para começo de conversa, ele deixou uma obra acabada e não a meio caminho, como sucedera a tantos ícones. O argentino Che Guevara morreu antes de realizar a utopia de uma América sem diferenças. Símbolos da luta antirracial, os americanos Martin Luther King e Malcolm X desapareceram cedo demais para levar adiante o sonho de uma sociedade igual para brancos e negros. Entre os vivos, não há substitutos nem sequer candidatos à altura de Mandela. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, apresentou-se como um revolucionário em um país de alma conservadora, mas hoje é uma decepção até para os negros. Na África do Sul, ninguém ousou lançar-se como sucessor de Mandela, nem mesmo nos altos escalões políticos, nem mesmo no seu universo familiar. Ao sacrificar uma vida inteira pelo ideal da igualdade, o ex-prisioneiro foi tão verdadeiro quanto único e a dimensão de seu legado talvez só se compare, na era moderna, à de outro gigante, o indiano Mahatma Gandhi, mártir da independência de seu país. Como Gandhi, Mandela ganhou, em vida, a aura de santo, mas aqui é preciso fazer uma ressalva. Mais do que um ser político, Gandhi era um líder espiritual, propagador de uma corrente que defendia o amor extremo pelo próximo e a busca implacável pela verdade suprema. Seus discursos carregados de mensagens filosóficas conquistaram milhões de seguidores, e não só na Índia. Gandhi parecia ser e agia, de fato, como um santo – e foi assim que ele fundou o Estado moderno indiano. Mandela jamais teve intenções religiosas e não estava preocupado em salvar a alma de ninguém. Sua abordagem era outra: o combate incansável contra a segregação racial na África do Sul – e no resto do mundo. Longe de ser santo, Mandela foi um homem de contradições. O jornalista americano Richard Stengel conviveu com o sul-africano durante três anos e dessa experiência nasceu o livro “Os Caminhos de Mandela”. A obra é fascinante por desnudar o líder antirracista. Adepto tenaz da não violência, Mandela defendeu na juventude a resistência armada contra os brancos opressores. Na vida privada, o ex-presidente era frio com pessoas próximas, embora fosse sensível com todos os outros. Como pai, economizava sinais de afeto, mas com desconhecidos era capaz de demonstrar rara gentileza. Oferecia a mão a qualquer um que o abordasse e exibia genuíno interesse pela pessoa, só que jamais soube o nome dos seguranças que zelavam pela sua vida enquanto era chefe de Estado. Era um homem do povo e ao mesmo tempo desfrutava da companhia de celebridades. Ao visitar aldeias isoladas, não se importava em comer com as mãos, mas em almoços com líderes mundiais ofuscava os convivas com sua postura aristocrática. Passar 27 anos na prisão deixa marcas indeléveis em qualquer um, inclusive em gigantes como Mandela. Até adoecer, conservou manias adquiridas no cativeiro. Acordava sempre antes do amanhecer e então se dedicava a duas horas de exercícios físicos. Depois, revigorava-se com um banho de sol. Antes dessa rotina, arrumava meticulosamente a cama, mesmo que estivesse hospedado em hotéis que pagam camareiras para fazer esse tipo de serviço. Quando perguntado sobre os motivos que o levavam a dobrar cobertores e colocar travesseiros e lençóis em ordem, respondeu que era “apenas um homem habituado a disciplinas”. O efeito mais perverso da prisão, declarou anos depois de ganhar a liberdade, foi ter sido privado da convivência com crianças. Mandela tinha verdadeira adoração por elas. Gostava de ouvi-las sobre os assuntos da nação e pedia a assessores que agendassem visitas a escolas. Ao fim de uma conversa com um jovem estudante, despedia-se sempre da mesma forma: “Estou muito honrado em conhecê-lo.” Era um sentimento sincero de quem foi privado, pelos brancos que o mantiveram cativo, de conviver com os próprios filhos. A magia de Mandela está, em boa medida, em sua retidão moral, e de novo vale lançar a pergunta: há alguém no mundo de hoje que mereça tal reconhecimento? A resposta é provavelmente não. Um dado maravilhoso na vida de Mandela é sua recusa em se vingar de seus opressores. Coloque-se na pele de alguém que passou quase três décadas na cadeia apenas por defender uma ideia e você certamente pensará em destruir os tiranos que arruinaram a maior parte dos seus dias. Mandela não pensava dessa maneira. Ao sair da cadeia e iniciar a caminhada rumo à Presidência, ele resistiu aos insistentes pedidos de membros radicais do partido Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), que exigiam a desforra contra os brancos racistas. “Não é hora de guerra, é chegado o momento da paz”, pregava o maior líder negro de todos os tempos, numa linguagem messiânica que o marcaria para sempre. Mas Mandela não falava isso, digamos, apenas por ter a alma pura. Dotado daquele tipo de sagacidade que só os grandes líderes possuem (“Mandela é mais esperto que todo o Congresso americano junto”, disse, meio de brincandeira, meio a sério, o ex-presidente americano Bill Clinton, quando questionado sobre o que achara do presidente sul-africano, em 1995), Mandela percebeu que, quisessem os negros ou não, ele precisava do apoio dos brancos para chegar ao poder, e foi assim que acalmou os ânimos mais exaltados. “A importância de Mandela está no fato de levar toda uma nação a se reconciliar com o seu passado e não fazer julgamentos com base na cor da pele”, afirmou à ISTOÉ Georgina Alexander, pesquisadora do Instituto Sul-Africano de Relações Raciais. “Ele mostrou que uma pessoa pode perdoar aqueles que lhe fizeram mal, e nisso acho que serviu de exemplo para o mundo inteiro.” Em uma entrevista concedida logo após se tornar o primeiro presidente negro da África do Sul, Mandela foi questionado sobre o que o manteve firme no propósito de jamais abandonar a luta contra o apartheid. “Mais de uma vez, me ofereceram a liberdade, desde que eu entregasse o passaporte e fugisse para outro país, para nunca mais voltar para a África do Sul”, contou Mandela. “Eu poderia ter ficado metade do tempo que passei na cadeia, mas estaria traindo meus irmãos. Traição é uma palavra que na minha aldeia não existe.” Por mais que tenha ganhado o mundo, Mandela jamais deixou de ser um homem, enfim, apegado a raízes tribais. Ele nasceu no pequeno vilarejo de Mvezo, na província de Cabo Oriental, filho de um conselheiro importante da comunidade. O mais inteligente de 12 irmãos, seu caminho inevitável era virar chefe da aldeia, mas a clareza de ideias e propósitos o levou a posições mais elevadas. Aos 7 anos, entrou na escola e se tornou o primeiro membro da família a ser alfabetizado – numa sina espetacular, ele foi quebrando barreiras e passou a ser, como que empurrado pelo destino, pioneiro em diversas fases da vida. Foi o primeiro negro de Cabo Oriental a entrar na universidade (matriculou-se no curso de direito) e, já formado, o primeiro a trabalhar em uma firma de advocacia. Desde cedo, Mandela jamais aceitou a condição de cidadão de segunda classe imposta pelos brancos. Em 1943, aos 25 anos, deparou-se com uma cena que mudaria sua vida para sempre. Em Johannesburgo, viu, num final de tarde, um aglomerado de negros diante de um açougue, à espera de restos de carne que seriam arremessados pelos brancos. Nesse dia, teve a certeza de que seu papel no mundo seria fazer o impossível para acabar com aquele horror. Ingressou no Congresso Nacional Africano, partido que prega o fim do apartheid, e logo se viu que Mandela seria um líder brilhante. Fez discursos, organizou encontros, angariou simpatizantes para a luta contra o racismo. Apesar da disposição beligerante de alguns de seus parceiros, recusou-se a adotar a violência como estratégia válida. Mas fez isso até certo ponto. “Nós adotamos a atitude de não violência só até onde as condições permitiram”, lembraria Mandela anos depois. “Quando as condições foram contrárias, abandonamos essa posição.” Por condições contrárias, entendam-se os atentados perpetrados pelos brancos, que culminaram na morte de inúmeros colegas seus. Decidido a partir para o tudo ou nada, Mandela viajou para a Etiópia, onde recebeu treinamento militar durante dois meses. De volta à África do Sul, planejou ações de sabotagem contra alvos militares, mas seus projetos fracassam. Em 1964, foi preso sob a acusação de trair o país e sentenciado à prisão perpétua. Na prisão, Mandela jamais se submeteu aos opressores. Recusou-se a entregar os nomes de militantes do CNA e, por isso, sofreu constantes ameaças de morte. De simples rebelde, seu nome passou a ser celebrado como um destemido defensor dos negros, mas com uma diferença notável em relação ao discurso dos outros: Mandela enxergou na paz – e no respeito mútuo entre brancos e negros – a única saída para o futuro da África do Sul. “Assim, Mandela passa a ser tão aclamado por aqueles que estão no poder quanto pelos oprimidos”, diz Thabo Mpakanyane, analista político sul-africano. Nesse aspecto, Frederik de Klerk, o último branco a presidir o país, teve um papel exemplar. Ele percebeu a posição ao mesmo tempo firme e moderada de Mandela e viu nele um possível sucessor para ceifar as tensões raciais. Em 1990, depois de forte pressão internacional, Mandela deixou a prisão. Em 1993, ganhou o Nobel da Paz por sua defesa do diálogo permanente, a despeito da cor da pele. Em 1994, foi eleito o primeiro presidente negro da história da África do Sul, reforçando a sina de ser um pioneiro em vários momentos da vida. Como líder máximo da África do Sul, Mandela cumpriu a promessa de sepultar a segregação e com isso consolidou uma democracia plena, algo ainda hoje incomum no continente africano. Alguns meses antes de morrer em sua casa em Johannesburgo, para onde havia sido levado no dia 1º de setembro após passar quase três meses internado para tratamento de uma infecção pulmonar, Mandela afirmou que não temia o fim. “Fiz tudo o que podia para o meu país”, disse o maior herói de nosso tempo. O que, verdade seja dita, não foi pouco. 9# TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE 6.12.13 A VEZ DO HIDROGÊNIO A chegada ao mercado dos primeiros carros com célula de combustível e o avanço nas técnicas de produção do gás deixam mais próximo da realidade o sonho de veículos que soltam apenas água pelo escapamento Lucas Bessel A indústria automotiva está numa encruzilhada. Enquanto precisa cortar pela metade as emissões de CO2 de seus veículos até 2050, ela ainda sofre para desenvolver uma alternativa viável ao motor de combustão interna. Três lançamentos recentes de montadoras asiáticas – Toyota, Hyundai e Honda – mostram que parte da solução pode estar nos veículos com célula de combustível de hidrogênio (FCV). INOVAÇÃO - Tucson Fuel Cell, da Hyundai, entrará no mercado em 2014 e será o primeiro carro movido a hidrogênio vendido em larga escala Os FCV são automóveis elétricos que usam, no lugar da bateria tradicional, um sistema que não depende de recargas na tomada. É na célula de combustível que o hidrogênio, armazenado sob alta pressão em um tanque reforçado, é convertido em eletricidade (confira quadro na página ao lado). O único subproduto da reação é inofensivo ao meio ambiente: vapor de água. As vantagens sobre os veículos elétricos tradicionais são muitas. A autonomia do FCV pode chegar a 500 quilômetros com um único tanque. O tempo de reabastecimento não passa de três minutos, contra até oito horas dos carros com bateria. Além disso, a célula de combustível não se degrada com o tempo, ao contrário das baterias, que perdem a garantia depois de oito anos nos veículos mais modernos. O primeiro carro a hidrogênio a chegar ao mercado deve ser o Hyundai Tucson Fuel Cell, uma variante do nosso conhecido ix35 que será vendida a um número limitado de clientes nos Estados Unidos no início de 2014. Já os modelos de Honda e Toyota começam a ser comercializados em 2015 no Japão e, depois, nos EUA. De acordo com a Toyota, o preço de seu FCV ficará entre US$ 50 mil e US­$ 10­0 mil, dependendo de incentivos fiscais para veículos “verdes”. Hyundai e Honda têm estimativas semelhantes. “Este é o momento em que a célula de combustível deixa de ser um projeto de pesquisa para se tornar uma verdadeira opção ao consumidor”, disse John Krafcik, presidente da Hyundai nos EUA. TANQUE CHEIO - O abastecimento de um carro a hidrogênio leva menos de cinco minutos e a autonomia pode chegar a 500 quilômetros Esse movimento dos laboratórios para as ruas é acompanhado de importantes inovações no processo de produção do hidrogênio, que não é encontrado na natureza em estado puro. Em novembro, cientistas da Universidade de Stanford, nos EUA, criaram uma forma potencialmente barata e sustentável de extrair o gás. O chamado “separador de água” consiste de eletrodos imersos que, quando iluminados, transformam o líquido em hidrogênio e oxigênio. A grande inovação do processo está em uma camada ultrafina de níquel que cobre os eletrodos, feitos de silício. Ela protege o material da corrosão, que se inicia imediatamente no contato com a água e, de outra forma, inviabilizaria o sistema. “O objetivo final é produzir hidrogênio usando apenas água e luz do sol”, explicou à ISTOÉ Mike Kenney, pesquisador do departamento de química de Stanford. Nos testes iniciais, os cientistas provaram que o dispositivo é capaz de trabalhar por pelo menos 80 horas sem desgaste. “O próximo passo é aumentar a estabilidade”, diz Kenney. “Um sistema comercialmente viável precisa funcionar por anos.” Hoje, mais de 50 milhões de toneladas de hidrogênio são produzidas anualmente a partir de combustíveis fósseis, especialmente gás natural. Ao mesmo tempo que carros com célula de combustível chegam às ruas e novas formas de produzir hidrogênio são estudadas, as montadoras pressionam para que os governos incentivem a instalação de postos de abastecimento. Hyundai e Honda veem na Califórnia, Estado mais rico dos EUA, o maior potencial para esse tipo de iniciativa. Em outubro, o governador Jerry Brown determinou que US$ 20 milhões sejam gastos por ano no desenvolvimento dessas estações até que pelo menos 100 delas existam. Hoje, apenas nove postos estão abertos ao público e outros 19 estão em construção. É pouco, mas são os primeiros passos de uma tecnologia promissora que finalmente começa a se tornar realidade. 10# CULTURA 6.12.13 10#1 LIVROS - O ALQUIMISTA POP 10#2 CINEMA - NO SET COM O HOBBIT 10#3 EM CARTAZ – CINEMA - A ESCOLHA DE ADÈLE 10#4 EM CARTAZ – LIVROS - MANOEL NA ÍNTEGRA 10#5 EM CARTAZ – MÚSICA - PRECISÃO E TÉCNICA 10#6 EM CARTAZ – ARTE - POESIA VISUAL 10#7 EM CARTAZ – BLUE-RAY - POR DENTRO DE "PSICOSE" 10#8 EM CARTAZ – AGENDA - RIO/ÓPERA/STEVIE WONDER 10#9 ARTES VISUAIS - A INVENÇÃO DO CEARÁ 10#1 LIVROS - O ALQUIMISTA POP ISTOÉ mostra com exclusividade as telas que o pintor Romero Britto fez para celebrar os 25 anos de "O Alquimista", livro que projetou Paulo Coelho e voltou ao topo da lista de mais vendidos nos EUA Ivan Claudio A magia encontra o pop. Nos 25 anos de lançamento de “O Alquimista”, que acontece no domingo 8, o livro mais traduzido do mundo ganhou exuberante tradução visual assinada por um dos mais conhecidos artistas brasileiros no Exterior, Romero Britto. O pintor pernambucano radicado há 26 anos em Miami criou uma série de telas inspiradas na história que projetou Paulo Coelho e fez dele o autor nacional mais lido no planeta. A viagem do jovem pastor Santiago, que sai da Espanha em busca de um tesouro e mais tarde descobre que a riqueza que procurava estava lá mesmo onde vivia, ganhou cores vivas e um mosaico de formas geométricas, que ISTOÉ revela com exclusividade. “Paulo Coelho é meu amigo. Ao parabenizá-lo pela comemoração, disse que queria criar uma tela para cada ano de existência do livro. Ele adorou”, diz Britto, leitor assíduo das obras do mago. A primeira pintura criada, um grande painel intitulado “All Is One” (Tudo é uma coisa só), sintetiza a visão que o pintor tem da história e deu origem à série inteira. A TELA - "Tudo É uma Coisa Só", de Romero Britto: síntese do universo simbólico do livro de Paulo Coelho que já foi traduzido para 80 idiomas Os milhões de leitores de Paulo Coelho identificam facilmente a passagem a que Romero Britto se refere na obra-mãe: trata-se da conversa entre o pastor andaluz e o rei de Salém, quando o velho homem diz ao viajante que “tudo é uma coisa só”. Outras telas receberam o nome de “Santiago”, “A Mão de Fátima” ou “A Tábua de Esmeralda”, de acordo com passagens-chaves do romance. “É como eu vejo a história”, diz Britto. Sua homenagem soma-se, assim, a outras que aconteceram durante o ano, como a edição limitada das canetas de luxo italianas Montegrappa, de ofuscar a visão de colecionadores. Nomeada “The Alchemist”, uma das oito esferográficas com design em ouro e diamantes está avaliada em US$ 110 mil. A data redonda foi também lembrada nas listas dos mais vendidos. Desde o início do ano o romance frequentaos primeiros lugares da prestigiosa relação de best-sellers do jornal americano “The New York Times”, um grande feito para uma obra publicada nos EUA em 1993. Na primeira semana de outubro, por exemplo, o título galgou a terceira posição, só perdendo para “50 Tons de Cinza”, de E. L. James, e para “Morte Súbita”, o livro “sério” de J. K. Rowling. São 280 semanas sem ficar ausente da lista, um recorde na medição do jornal. Para o editor Marcos da Veiga Pereira, da Sextante, dona há três anos do passe de Paulo Coelho, o fenômeno tem mais uma explicação. “Tornou-se uma tradição americana presentear os formandos no ensino médio com um exemplar da novela”, diz. O que faz todo sentido: é nesse momento, antes de ingressar na faculdade, que os jovens estão em busca de sua “lenda pessoal”, o sonho de realização de que fala o rei da história, primeiro sábio encontrado pelo pastor em sua viagem iniciática. Segundo Pereira, Paulo Coelho vende hoje cerca de um milhão de títulos por ano nos EUA – ao todo, suas vendas somam 150 milhões de exemplares no mundo. NO TOPO - Paulo Coelho continua best-seller: só nos Estados Unidos seus livros vendem um milhão de cópias por ano Na linguagem editorial, “O Alquimista” pertence à categoria de romance que os executivos da área chamam de “long-seller book”, o livro que nunca para de vender. No Brasil, o título vendeu 26 mil exemplares no ano passado – a primeira tiragem de um lançamento na editora Sextante é de 8 mil unidades. Mesmo assim, o editor Marcos da Veiga Pereira não está satisfeito com a cifra. Acha que pode chegar ao patamar de 40 mil livros por ano. A pretensão é transformá-lo em um clássico? “Clássico ele já é”, responde Pereira. “O que queremos é criar um mercado permanente para ele.” De fato, “O Alquimista” nasceu com essa qualidade de fábula universal. Inspirado em um dos “Contos das Mil e uma Noites”, seu enredo já foi usado por autores como o persa Jalal ad-Din Muhammad Rumi e o argentino Jorge Luis Borges e vertido para 80 idiomas. Autor de um estudo a ser publicado sobre Paulo Coelho, o professor de sociologia da USP Fernando Antônio Pinheiro Filho busca explicar o sucesso do livro em tantos países. Inclusive naqueles que se afastam completamente da cultura narcisista da qual os críticos da obra costumam lançar mão para dar conta do fenômeno editorial, caso das nações islâmicas e das de regime teocrático. “O alcance da obra de Paulo Coelho se explica pelo fato de ele passar ao leitor uma espécie de controle mágico do tempo e do destino. Para isso, usa uma linguagem direta, acessível a todos, independentemente de seu lugar no mundo social”, afirma Pinheiro Filho. Mesmo antes de ser publicada, Paulo Coelho sabia do potencial de sua história, com lances de aventura e pensamentos filosóficos e esotéricos que seus leitores sabem de cor. O mais famoso: “Quando você quer alguma coisa, todo o universo conspira para que você realize o seu desejo.” Antes de ser comercializado pela editora Rocco, “O Alquimista” (e também “Diário de Um Mago”, a obra de estreia do escritor) foi lançado por um selo pequeno, sem repercussão. Paulo Rocco, seu primeiro grande editor, lembra de como teve contato com as obras iniciais: “Estava num lançamento e o Paulo chegou e me disse: tenho esses dois livros, leia e diga se está interessado. Marquei outro encontro e disse que sim, me interessava. Era novembro e ele queria que as obras saíssem antes do Natal.” Rocco fechou o contrato, aceitou todas as exigências e viu a primeira edição se esgotar rapidamente. “Antes de gostar dos livros eu gostei foi do Paulo. Senti nele a vontade de dar certo. Vi também o apelo popular das obras. Acho que estava certo e ele mais ainda”, diz o editor. EXCLUSIVO - Romero Britto pretende lançar uma tiragem limitada de gravuras a partir das telas, todas autografadas por Paulo Coelho Rocco faz questão de enfatizar que todo o sucesso de Paulo Coelho no Exterior, com um total de 834 traduções em 224 territórios, deve-se única e exclusivamente a esse empenho, notado por ele desde aquela noite, nos anos 1980. Ele diz que a sua editora trabalhou muito bem os dois primeiros lançamentos, mas a única coisa que fez em relação ao mercado externo foi providenciar tradução e mandar confeccionar folders. Os contatos foram feitos diretamente pelo escritor. “Lembro de ter falado dele para a HarperCollins (editora americana de Paulo Coelho), mas foi o Paulo quem concretizou o contrato.” Já nessa grande negociação, o escritor mostrava pulso forte: não permitiu que “O Alquimista” ganhasse o título de “O Pastor e Seus Sonhos”. Hoje quem faz todo esse trabalho é a sua agente Monica R. Antunes, por meio da empresa Sant Jordi Asociados, sediada na Espanha. Apelidada de “a bruxa de Barcelona”, Monica abastece o autor com relatórios sempre atualizados. “Ela nunca sai satisfeita daqui”, diz Pereira, que tem contrato com o autor até 2015. Para satisfazer a executiva (e não perder o contratado, claro), revela suas pretensões: chegar aos 100 mil exemplares vendidos por ano, transformando o “O Alquimista” em um clássico também no Brasil. “Ele é o nosso ‘Pequeno Príncipe’”, diz, referindo-se ao livro de Antoine de Saint-Exupéry, que nunca se despede das listas de mais vendidos. 10#2 CINEMA - NO SET COM O HOBBIT Para levar às telas o mundo maravilhoso de Tolkien, vale tudo: reduzir o tamanho dos atores pela metade, fazê-los lutar com monstros imaginários e até obrigá-los a perder o medo de altura Pedro Caiado, de Londres Há uma década e meia, o diretor neozelandês Peter Jackson se dedica ao seu grande projeto de vida, a adaptação para as telas do universo mágico do escritor inglês J.R.R. Tolkien. Após faturar 17 Oscars e US$ 2,9 bilhões com “O Senhor dos Anéis”, ele repete a dose com a trilogia “O Hobbit”, que conta as origens da saga. Nesse meio tempo, ganhou fama por ter criado uma tecnologia que se tornou referência para o novo cinema digital. “A Desolação de Smaug”, o segundo episódio da nova série que estreia na sexta-feira 13, impressiona com a técnica de filmagem em 48 quadros por segundo, de superdefinição, e com o 3D elevado ao seu limite. Apesar desses recursos de ponta, os incríveis cenários, figurinos fantasiosos e grande parte do visual são conseguidos por meio de um trabalho bastante real – para não dizer épico. VISUAL - Martin Freeman na porta secreta: cenário real O personagem Thorin, um dos 13 anões que acompanham o protagonista em sua jornada pela Terra Média, é, na verdade, um homem de 1,87 metro de altura. Richard Armitage fala da transformação: “Primeiro eles colocaram próteses para a minha cabeça ficar um pouco maior; depois tive de encher a roupa para aparentar mais musculoso. Por fim, o computador me diminuiu em 30 centímetros.” O ator conta que na receita de Peter Jackson vale até ficar em cima de caixotes. As cenas diante do fundo verde, quando contracenam imaginando monstros e criaturas fantásticas, adicionadas depois, já se tornaram naturais. “Trabalhamos o dia inteiro em cenários reais e, ao mudarmos para o estúdio, guardamos ainda uma referência visual. Parece que estamos vendo algo, mas esse algo não existe”, diz Armitage. FUNDO VERDE - Martin Freeman como Bilbo Baggins: o ator inglês diz que já se habituou a contracenar com uma bola de tênis Herdeiro de uma ótima escola de atuação, Martin Freeman, que faz o herói Bilbo Baggins, ainda não se acostumou com o artifício de atuar diante de uma bola de tênis, suspensa por um fio. “Não me tornei ator para trabalhar assim, mas agora eu confio mais no que eles conseguem fazer com computações gráficas. O resultado do primeiro filme foi incrível”, afirma. Esse processo de filmagem requer muita imaginação do elenco – e, às vezes, até outras fontes de inspiração. Armitage apela para a música. “Ouvia uma composição de Penderecki (músico polonês), que é perturbadora. Precisava desse sentimento de terror para fazer as cenas”, diz. Lee Pace, que vive o rei Thranduil, líder dos elfos silvestres, enfatiza a sua superioridade sobre os anões até ao falar de sua caracterização. “Não há muita preparação: coloco uma peruca, um pouco de maquiagem, as orelhas e pronto.” Novo na história, Luke Evans, dono do papel do arqueiro Bard, teve de vencer o medo de altura. “Certas cenas me desafiaram. Mas o medo pode ser bom. Tive que demonstrar temor por um dragão que não existe”, afirma ele, referindo-se à criatura que dá nome ao filme – e que também só foi inserida na história na pós-produção. Engana-se, contudo, quem imagina que Peter Jackson deixa todo o visual do filme por conta dos designers. Ele não abre mão de cenários reais, impressionantes em sua escala. Na contabilidade entre horas gastas diante de computadores ou na carpintaria tradicional, fica mais barata a segunda alternativa. Os próprios atores se surpreenderam. “O visual de Erebor (a terra dos hobbits) é incrível e o mesmo pode ser dito sobre o set do portão secreto que leva às montanhas”, conta Armitage. O que dirão os espectadores. 10#3 EM CARTAZ – CINEMA - A ESCOLHA DE ADÈLE por Ivan Claudio Muito se tem alardeado sobre as cenas de sexo no novo filme do diretor francês Abdellatif Kechiche. Vencedor da Palma de Ouro no último festival de Cannes, “Azul é a Cor Mais Quente” vai além das passagens da vida íntima de Adèle (Adèle Exarchopoulos), uma menina de 17 anos que se descobre homossexual depois do encontro na rua com Emma (Léa Seydoux), uma estudante de arte de cabelos azuis. Baseado na graphic novel homônima da autora francesa Julie Maroh, lançada simultaneamente ao filme, o trabalho de Kechiche é uma narrativa delicada sobre os desafios da busca do jovem contemporâneo pela identidade. Hoje, essa procura passa mais pelas opções políticas e sexuais do que antes, quando a escolha profissional supostamente dava conta de tudo. +5 cineastas franceses François Ozon É diretor do ótimo “Jovem e Bela”, em cartaz nos cinemas. Recebeu o Bafta pelo longa “Dentro da Casa”, de 2012 Michel Hazanavicius Escreveu e dirigiu “O Artista”, filme mudo e em preto e branco que lhe valeu o Oscar de melhor direção em 2011 Jacques Audiard Autor de “O Profeta” e do recente “Ferrugem e Ossos”. De família de cineastas, era montador antes de passar à direção Olivier Assayas Os temas políticos marcam seus filmes mais recentes como “Depois de Maio” e “Carlos”, sobre o terrorista Carlos, o Chacal Christophe Honoré Dirigiu o ótimo drama sobre prostituição “As Bem-Amadas”, com Catherine Deneuve e sua filha Chiara Mastroianni 10#4 EM CARTAZ – LIVROS - MANOEL NA ÍNTEGRA por Ivan Claudio “Se o nada desaparecer, a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.” Assim o poeta mato-grossense Manoel de Barros, que completa 97 anos no dia 19, apresenta “Poesia Completa” (Leya), uma reunião de seus 18 livros. De “Poemas Concebidos sem Pecado” (1937) a “Escritos em Verbal de Ave” (2011), sua obra deposita o olhar sobre a insignificância das coisas para, justamente, lhe revelar o mistério. 10#5 EM CARTAZ – MÚSICA - PRECISÃO E TÉCNICA por Ivan Claudio Há três anos, a pianista portuguesa Maria João Pires e o violoncelista pernambucano Antonio Meneses se apresentaram juntos pela primeira vez, encantando a plateia do Festival de Campos do Jordão com um concerto dedicado às sonatas de Ludwig van Beethoven. Em janeiro do ano passado eles repetiram a dose no Wigmore Hall, em Londres, para uma sala lotada. Saiu Beethoven e entraram Franz Schubert, Johannes Brahms, Felix Mendelssohn e Johann Sebastian Bach. Gravado ao vivo, o encontro é apresentado agora em CD pela Deutsch Grammophon. Sem exibicionismo, eles somam precisão e técnica, que é o que se pede aos grandes intérpretes. 10#6 EM CARTAZ – ARTE - POESIA VISUAL por Ivan Claudio O trabalho de Regina Vater tem uma amplitude de fontes que vão da poesia à ecologia em obras que desde os anos 1970 buscam inovar a linguagem ou o suporte. Os caminhos abertos pela artista brasileira são tema do livro “Regina Vater – Quatro Ecologias” com textos da crítica e curadora Paula Alzugaray e do crítico Guy Brett. A Coleção Arte & Tecnologia também lança “Bill Lundberg”, sobre o artista pioneiro da video-instalação, organizado por Alberto Saraiva, que também assina uma longa entrevista com o retratado. 10#7 EM CARTAZ – BLUE-RAY - POR DENTRO DE "PSICOSE" por Ivan Claudio Autor do livro “Alfred Hitchcock e os Bastidores de Psicose” (que foi levado às telas com Anthony Hopkins), o estudioso de cinema Stephen Rebello comenta cena a cena o clássico do mestre do suspense, lançado em blu-ray com 14 extras imperdíveis. Além da famosa entrevista de Alfred Hitchcock a François Truffaut, a “cena do chuveiro” é mostrada com e sem a música de Bernard Hermann – Hitchcock queria que o crime não tivesse comentário sonoro e só se decidiu pela trilha após muita insistência do compositor. Outro atrativo é o story board de Saul Bass, a quem as más línguas atribuem a verdadeira direção da atriz Janet Leigh. Seja como for, foram necessários sete dias e 70 posições de câmera para chegar aos 45 segundos de uma das sequências mais arrepiantes do cinema. 10#8 EM CARTAZ – AGENDA - RIO/ÓPERA/STEVIE WONDER Conheça os destaques da semana por Ivan Claudio (HBO, domingo, 21h15) A série “Destino: Rio de Janeiro” mostra a vida de imigrantes gregos, ingleses, japoneses, italianos, romenos e norte-americanos na Cidade Maravilhosa (Rede Cinemark) A nova temporada de balés e óperas da Royal Opera House de Londres traz “Turandot” (a partir de 7/12), de Giacomo Puccini, e “Don Quixote” (a partir de 21/12), releitura de Carlos Acosta para a coreografia de Marius Petipa (Campo de Marte, São Paulo, 14/12) O cantor americano é a principal atração do festival Circuito Banco do Brasil. A programação, em dois palcos, traz ainda Jason Mraz, Criolo e Marcelo Jeneci 10#9 ARTES VISUAIS - A INVENÇÃO DO CEARÁ Uma das mais completas coleções de arte brasileira, pertencente à Fundação Edson Queiroz, ganha exibição permanente em Fortaleza por Paula Alzugaray TRAJETÓRIAS – ARTE BRASILEIRA NA COLEÇÃO FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ/ Espaço Cultural Unifor, Fortaleza XVII UNIFOR PLÁSTICA 2013/ Espaço Cultural Unifor, Fortaleza/ até 24/3/14 Fazendo uso de pincéis, lentes, do buril de xilogravura ou do gesto escultórico, Antônio Bandeira, Estrigas, Raimundo Cela, Aldemir Martins, Chico Albuquerque e Luiz Hermano desenharam as paisagens que caracterizam a iconografia cearense. Eles estão entre os artistas, os literatos e a gente do povo que, segundo o curador Paulo Herkenhoff, “contribuíram para a invenção do Ceará”. Sua colaboração se fez na composição de paisagens marinhas ou de retratos do cangaço. Essas obras realizadas por alguns dos “inventores” da imagem cearense formam a base estrutural – a raiz – da Coleção Fundação Edson Queiroz, que abrange todo o território nacional e todo o século XX, em cerca 500 obras de arte. HERÓIS Pescadores arrastam jangada em foto de Chico Albuquerque A coleção tem estatura para ilustrar vários cursos avançados de história da arte brasileira. É composta por alguns grandes ícones nacionais, como “Amigas” (1913), de Lasar Segall; ou “Índia Carajá” (1962), reconhecida como a última pintura de Portinari; ou cerca de 25 telas da fase das “bandeirinhas”, de Volpi. Com 250 obras da coleção, a exposição “Trajetórias” pode ser interpretada como o primeiro desses “cursos especializados” de história. Com curadoria de Herkenhoff e Marcelo Campos, a mostra está organizada de forma a propor uma nova leitura da arte do século XX. Entre os módulos, há territórios conhecidos, como a abstração informal, geométrica, o concretismo e o neoconcretismo. Mas, para além dos capítulos já escritos da história, há também aproximações insuspeitas em novas categorias como “Natureza”, “Cidades”, “Origem” ou “Fantasmática”. Nesta última, estão reunidos artistas de repertórios tão diversos quanto Iberê Camargo, Goeldi, Ismael Nery, Flávio de Carvalho, Tunga e Leonilson. Em “Natureza”, aproximam-se Sérgio Camargo, Frans Krajcberg, Burle Marx, Beatriz Milhazes e José Bento. Essas livres associações tornam a exposição um campo fértil para a visualização de novos aspectos da arte brasileira. FACE Autorretrato de Antônio Bandeira, pertencente ao movimento modernista de Fortaleza nos anos 1940 Se Chico Alburquerque, fotógrafo do lendário “É Tudo Verdade”, filme inacabado de Orson Welles, contribuiu para a invenção do Ceará com fotografias de pescadores dominando o vento no mar, o colecionador Airton Queiroz contribui para a cultura de seu Estado através de um projeto educacional. “Minha contribuição é ensinar a crianças, adolescentes e jovens o caminho da arte. Estamos cuidando para que eles tenham contato com todo tipo de arte. Quero ter desde Frans Post até a arte de hoje”, diz Queiroz, chanceler da Universidade de Fortaleza, desde 1973 a única universidade particular do Estado do Ceará, hoje com 25 mil alunos. Além de colocar sua coleção ao alcance do público, do estudante universitário e de alunos de escolas públicas, a fundação assumiu o papel de difusão da arte contemporânea nordestina. A XVII edição do salão bienal Unifor Plástica, apresenta obras recentes de artistas como Marepe, Waléria Américo e Jonathas de Andrade, atestando o vigor de uma produção artística de raiz e base sólida no Nordeste, porém antenada com todo o mundo. SANGUE NOVO Fotografia de Waléria Américo exposta na bienal Unifor Plástica Em claro movimento de expansão e conexão com os grandes centros da arte, a Fundação Queiroz doou, durante a SP-Arte 2013, obras para a Pinacoteca do Estado de São Paulo e para o MAC USP. Em 2014, o mais novo mecenas da arte brasileira estará em São Paulo, na feira e na Pinacoteca, que irá expor um recorte de sua coleção. Mais um bom curso de história em vista. ORIGEM Na última tela pintada, "Índia Carajá", Portinari incorpora religiosidade 11# A SEMANA 6.12.13 por Antonio Carlos Prado e Elaine Ortiz "PODEMOS SER MUITOS MAIS VELHOS DO QUE IMAGINAMOS" Surgiu mais uma questão na evolução da espécie humana. O que se tinha mais próximo do homem moderno era o DNA dos humanos primitivos da Sibéria, denominados denisovanos. Estima-se que eles tenham vivido há aproximadamente 40 mil anos. Na semana passada a comunidade científica em todo o mundo comemorou a notícia de que o DNA de um primitivo morto na Espanha fora decifrado por uma equipe que reúne pesquisadores de diversos países. Mas enquanto comemoravam, os cientistas também coçavam a cabeça diante de mais um enigma. Em primeiro lugar, há uma extrema semelhança entre o DNA dos denisovanos e o DNA mitocondrial agora sequenciado. Ou seja, esses homens primitivos são parentes e têm a mesma linhagem genética. Em segundo lugar, e é aí que a coisa se complica, os denisovanos viveram há cerca de 40 mil anos, enquanto o humano agora em questão teria vivido mais ou menos há 400 mil anos. A indagação que fica no ar é se nós somos pelo menos 360 milênios mais velhos do que imaginávamos. "VINTE E OITO MILHÕES DE BRASILEIROS CONVIVEM COM DEPENDENTES QUÍMICOS" O Brasil tem cerca de 199 milhões de habitantes. Desse total, pelo menos 28 milhões convivem com usuários de drogas. O dado que alarma e entristece vem de um dos mais abrangentes estudos já feitos no País – o “Levantamento Nacional de Famílias de Dependentes Químicos” realizado pela Universidade Federal de São Paulo. 57,6% das famílias possuem mais de um integrante usuário, confirmando-se assim a presença de dois fatores determinantes – o ambiental e o genético. Bem ao contrário do que as autoridades alardeiam, o investimento dos serviços públicos no tratamento é pífio: cerca de 60% dos familiares pagam terapias e internações. "O PAÍS PADECE ENTRE A RÚSSIA E A UNIÃO EUROPEIA" Milhares de pessoas na Ucrânia foram às ruas na semana passada exigindo a renúncia do presidente Viktor Yanukovytch. Motivo: ele desistiu de assinar com a União Europeia um acordo de livre comércio e associação, primeiro passo para que o país se torne algum dia membro efetivo da comunidade. Os ucranianos viram no gesto de Yanukovytch uma capitulação diante das pressões do presidente da Rússia, Vladimir Putin, que prefere ver o país associado à comunidade econômica das ex-repúblicas soviéticas. Alguns líderes europeus, como a chanceler alemã Angela Merkel, pediram reiteradas vezes que fosse evitada a violência. Em vão. Tanto manifestantes quanto o aparato repressivo do governo radicalizaram. "BRASILEIRO VAI VIVER MAIS. E TRABALHAR MAIS TAMBÉM" A conta é simples: quanto mais longeva for a vida do brasileiro, mais ele deverá trabalhar. Explica-se: o IBGE anunciou que a expectativa de vida aumentou em cinco meses e 12 dias – agora é de 74,6 anos. Essa boa notícia causa impacto no cálculo da aposentadoria devido ao “fator previdenciário”. O trabalhador de 55 anos de idade e que já contribui por 35 anos deverá manter-se em atividade por mais 153 dias se quiser se aposentar com o valor do benefício fixado antes do aumento da longevidade. "R$ 804 MILHÕES" é o valor do financiamento aprovado pelo BNDES para a construção de uma fábrica de biotecnologia que irá produzir a nova vacina contra a meningite B. A indústria será instalada na cidade pernambucana de Jaboatão dos Guararapes. "A VIDA DE PAUL WALKER IMITOU A ARTE. BEM QUE PODIA TER IMITADO A SI MESMA" Um jargão mais que surrado: “A vida imita a arte.” Bem que no caso do ator Paul Walker a vida poderia ter imitado a própria vida. É simples: ao seguir o lugar-comum, o destino matou Walker num pavoroso acidente de carro, logo ele, o astro americano dos seis filmes da franquia “Velozes e Furiosos”. Foi retornando na semana passada, em Los Angeles, de um evento no qual se arrecadaram donativos para os atingidos pelo tufão Haiyan que ele morreu de “lesões traumáticas e térmicas” – o Porsche Carrera GT em que pegara carona, dirigido por um amigo que se mantinha numa velocidade alucinada (ainda não estabelecida pela polícia), perdeu o rumo, espatifou-se e incendiou-se. Segundo o site TMZ, a Porsche já emitira um alerta sobre possíveis falhas nesse modelo no sistema de gerenciamento de estabilidade (trata-se de uma edição limitada com apenas 1.270 veículos, R$ 4 milhões cada um). "A MAIOR ESCOLA DE INGLÊS NÃO FALA MAIS O PORTUGUÊS" O Grupo Multi integra as escolas de inglês Wizard, Yázigi e Skill e as profissionalizantes SOS Computadores e Microlins. Só que agora o Grupo Multi não fala mais o português. Foi vendido para o conglomerado britânico Pearson, responsável por editar o jornal “Financial Times” – o valor da transação é de R$ 1,95 bilhão, o maior no setor da educação. No Brasil o Pearson já possui parte da Companhia das Letras e quatro escolas de idiomas. "TRANSPORTE DE ÓRGÃOS EM PRIMEIRO LUGAR" O governo federal assinou um acordo com as principais companhias aéreas brasileiras para agilizar o transporte de órgãos que serão utilizados em transplantes. Agora os assentos desocupados nos voos comerciais serão destinados prioritariamente a essa função. Caso o avião esteja lotado, os passageiros serão consultados se cedem o seu lugar e aguardam o próximo voo. A expectativa do Ministério da Saúde é aumentar em 10% o número de órgãos transportados – sobretudo rins, fígado e coração. "PROGRAMA NA CADEIA" Nove suspeitos de integrarem uma rede de favorecimento à prostituição foram presos na semana passada em Brasília – entre eles está Jeany Mary Corner (foto), que ganhou fama em 2005 acusada de abastecer festas de muitos parlamentares com garotas de programa. Ela foi também um dos pivôs do escândalo que apeou Antônio Palocci do Ministério da Fazenda. Até a sexta-feira 6, todos permaneciam presos. "DÁ PARA JOGAR. E DÁ PARA RESSUSCITAR" Final de ano, época de calendários. Um deles está causando furor na Inglaterra: as jogadoras do time de rugby feminino da Universidade de Oxford decidiram posar nuas. Querem com isso “valorizar a participação das mulheres nesse esporte”, diz a presidenta do clube universitário, Elizabeth Dubois. “Tem-se geralmente uma imagem estereotipada das meninas do rugby. Há mulheres de todos os tamanhos e estudando os mais diversos assuntos acadêmicos.” Na Polônia, a principal fabricante de urnas funerárias valeu-se de mulheres nuas para anunciar seu produto. Nos dois países, o dinheiro que for arrecadado com a venda dos calendários será revertido a instituições de caridade. "SE A PROSTITUIÇÃO É LEGAL, COMO PUNIR O CLIENTE?" Está em andamento na França um projeto de lei (e é quase certeza que será aprovado) que multa em 1,5 mil euros o homem que for flagrado usufruindo de favores sexuais de prostitutas em troca de pagamento. A bandeira foi levantada pelo Partido Socialista, que pretende assim coibir o tráfico de mulheres e a ação de proxenetas. Há, no entanto, uma contradição nisso tudo. Proteger prostitutas da ação de mafiosos é uma excelente iniciativa. Mas como punir o homem que paga por um programa se na França a prostituição é legalizada e as mulheres que a ela se dedicam são registradas como profissionais autônomas? Se prostituir-se não é crime, como criminalizar o ato do pagamento se tais profissionais vivem justamente daquilo que recebem de seus clientes? Estima-se que 20 mil mulheres trabalhem nessa atividade no país, sendo 90% delas estrangeiras. "O TORTURADOR MORREU" O general francês Paul Aussaresses foi um criminoso contra a humanidade – e até a sua morte, na semana passada, ele legitimou a tortura. Viveu longos 95 anos e teorizou sobre as mais diversificadas técnicas de sevícias. Tudo começou quando se alistou no serviço secreto francês em 1941, na época em que o nazismo ocupara o seu país. Depois serviu na Indochina como chefe de um batalhão de paraquedistas destacado em 1957 para chefiar a missão que esmagaria os nacionalistas revoltosos na Argélia. Ali o general Aussaresses comandou o “esquadrão da morte” utilizando todos os tipos de tortura. Sua psicopatia pode ser vista com riqueza de detalhes num clássico do cinema: “A Batalha de Argel” (1966). Falando-se em tortura, durante a ditadura militar no Brasil, quando Emilio Garrastazu Médici era presidente em 1973, o general torturador foi nomeado adido militar da França no País. Aqui ele teria ensinado a oficiais chilenos e de outros países da América Latina as técnicas da batalha de Argel. "A BOLA ACREDITAVA NELE" As figurinhas estão descolando do álbum. Recentemente morreu o beque Djalma Santos; há duas semanas partiu o lateral-esquerdo Nilton Santos; e na semana passada faleceu o meia-atacante uruguaio Pedro Rocha – ídolo do Peñarol e também do São Paulo, onde brilhou com Gérson e Toninho Guerreiro. Em 1972 Rocha marcou 25 gols em 56 jogos e no ano seguinte se tornou o primeiro estrangeiro a ser artilheiro do Campeonato Brasileiro. Até o escritor uruguaio Eduardo Galeano, autor do clássico “As Veias Abertas da América Latina”, rendeu-se a Rocha: “Ele fazia o que queria com a bola, e a bola acreditava nele.” Muitos sabem do ideário socialista de Galeano, poucos sabem que ele colecionava figurinhas de jogador. A figurinha que agora se soltou do álbum estava com 70 anos e portava doença degenerativa. Sem “inticar” com o presente (para valer-se de uma expressão da região brasileira mais próxima do Uruguai de Pedro Rocha) e sem nostalgia do passado, os personagens do álbum deixam saudade. "DIPLOMA PARA QUÊ? " Não dá para ser excelente em tudo. Desculpe, Fauzi Arap, mas de engenheiro civil você não tinha nada, só o canudo de papel e o chapéu capelo. Falei isso para ele há 20 anos, no restaurante Gigetto, então reduto da boêmia paulistana. Ele gostou de ouvir, e concordou. Duas décadas se foram, Arap morreu na quinta-feira 5, de câncer, aos 75 anos. Nada de engenheiro, tudo de alma e paixão pelo teatro e pelo povo de teatro, isso sim Arap possuía de sobra – e com o sangue quente da juventude é como se soubesse de seu talento quando pisou o palco do Teatro Oficina para roubar a cena na montagem de “A Vida Impressa em Dólar”, de Clifford Odets. De saída, dois prêmios em 1961. Depois pensou e peitou um desafio e tanto: pôs no tablado a adaptação de “Perto do Coração Selvagem”, de Clarice Lispector. Mais prêmios vieram até culminar no Molière. E as direções se sucederam na velocidade de um único ato. Destaque para “Dois Perdidos Numa Noite Suja”, “Navalha na Carne” e “Rosa dos Ventos”. (A.C.P.) "POLÍCIA DA ISLÂNDIA MATA PELA PRIMEIRA VEZ" Difícil acreditar, mas um país chamado Islândia fica neste planeta onde todos os dias se mata gente como se fosse inseto. Pois bem, pela primeira vez na história da Islândia um policial matou uma pessoa. Trata-se de um homem que da janela de seu apartamento passou a operar como franco atirador (não acertou ninguém). O policial escreveu para os familiares de sua vítima expressando condolências. A Islândia tem cerca de 330 mil habitantes. Um sexto desse número morre assassinado anualmente no Brasil.