0# CAPA 2.4.14 ISTOÉ edição 2314 | 02.Abr.2014 [descrição da imagem: foto do rosto da ex-primeira dama Maria Thereza Goulart quando jovem. Mão direita encostada no queixo, olhos desviados para baixo, em posição meditativa] “O GOLPE DE 1964 DESTRUIU MINHA FAMÍLIA” EXCLUSIVO A ex-primeira Dama Maria Thereza Goulart fala com exclusividade à IstoÉ sobre o dia em que os militares tomaram o poder. _______________________ 1# EDITORIAL 2# ENTREVISTA 3# COLUNISTAS 4# ESPECIAL 50 ANOS DO GOLPE 5# BRASIL 6# COMPORTAMENTO 7# MEDICINA E BEM-ESTAR 8# ECONOMIA E NEGÓCIOS 9# MUNDO 10# TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE 11# CULTURA 12# A SEMANA _____________________________ 1# EDITORIAL 2.4.14 "A INTERNET GANHA SUA CARTA MAGNA" Carlos José Marques, diretor editorial Foram mais de dois anos de negociações, discussões sobre princípios e estudos legais, mas finalmente o que já vem sendo chamado de Carta Magna da internet brasileira começa a sair do papel para tomar sentido prático. A Câmara dos Deputados, após idas e vindas protelando o assunto por interesses políticos diversos e lobbies comerciais de toda ordem, votou e aprovou por aclamação na semana passada o texto do Marco Civil. Ele disciplina o funcionamento da rede em variados aspectos: do policiamento sobre conteúdos impróprios aos direitos e deveres de usuários, provedores, empresas de telecomunicação e todo o vasto universo de tráfego nesse ambiente. É um avanço e tanto! Mais um passo civilizatório para um país que em poucos anos mergulhou de cabeça na era digital, converteu-se em um dos maiores mercados de internautas e, inexplicavelmente, estava até agora sem um arcabouço regulatório que orientasse a atividade. O projeto ainda segue para avaliação e sanção no Senado antes de entrar em vigor. Mas o simples fato de parlamentares chegarem a um entendimento em torno de uma proposta comum significou grande progresso. O relator da “Constituição da Internet”, o deputado petista Alessandro Molon, diz que o feito consolida uma posição de destaque do Brasil nesse campo. E, de fato, não é menos que isso. Países como os EUA, por exemplo, ainda patinam no campo das regras de uso da rede e não raramente cometem, de forma deliberada, atentados como o da recente invasão de e-mails de chefes de Estado. O Brasil, por sua vez, terá através do Marco Civil mecanismos eficazes para coibir abusos e vai, principalmente, conseguir estabelecer o tão esperado princípio da neutralidade na rede. Esse é o princípio que proíbe provedores de mudar a velocidade de conexão ou cobrar preços distintos de acordo com o conteúdo acessado. A igualdade está preservada. Bem como aspectos como liberdade de expressão, privacidade, guarda de dados e comercialização, que também foram contemplados dentro dos critérios mais modernos possíveis. O usuário, grande beneficiário da nova lei, terá mais força e voz no sistema e encontrará, daqui por diante, canais legais eficazes para buscar seus direitos. A lei, inegavelmente necessária, veio para ficar e seus efeitos benéficos serão rapidamente sentidos por todos. 2# ENTREVISTA 2.4.14 ARUP BANERJI - "O BOLSA FAMÍLIA NÃO GERA DEPENDÊNCIA" O diretor do Banco Mundial defende que os programas de transferência de renda são fundamentais para garantir uma alimentação adequada e, assim, um futuro às crianças por Michel Alecrim MEDIDA - Banerji diz que a Alemanha saiu bem da crise porque adotou medidas de proteção ao trabalhador O economista indiano Arup Banerji, 51 anos, construiu uma sólida carreira no Banco Mundial acompanhando as políticas de proteção social e de emprego em diferentes partes do mundo. Já atuou no Leste Europeu, no Oriente Médio e na África, experiências que resultaram em livros sobre questões econômicas desses lugares, entre outros trabalhos que publicou. Agora, como diretor global para Proteção Social e Trabalho da instituição sediada em Washington (EUA), onde mora, ele aposta no Bolsa Família como forma eficaz de combate à pobreza e como solução para as principais mazelas dos países em desenvolvimento. O programa, segundo ele, tem resultados cientificamente comprovados e acerta ao escolher as mulheres como gestoras do benefício dado pelo governo federal. Banerji veio ao Brasil para o seminário “Fórum de Aprendizagem Sul-Sul 2014”, no Rio de Janeiro, que reuniu representantes de 70 países, e falou com exclusividade à ISTOÉ. "Pessoas pobres não se sentem parte de um país. São subjugadas. O cartão estabelece uma relação legal e formal com o Estado" "Uma boa nutrição é o mais importante para se prosperar. A maioria dos neurônios é formada até os 2 anos. Crianças mal alimentadas nessa fase não têm o mesmo desenvolvimento" Istoé - O programa Bolsa Família é eficiente no combate à pobreza? Arup Banerji - Há muitos anos, o Banco Mundial vem avaliando o que funciona ou não nas políticas de transferência de renda. O Bolsa Família passou a ser uma experiência muito discutida por conta de alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, porque foi ambicioso na escala que tentou atingir. Muitos países que adotaram programas parecidos usaram um esquema de cima para baixo. O Estado apenas se preocupa em transferir dinheiro para os pobres. O Bolsa Família fez uma inversão, pensando primeiro na pessoa. E os bons resultados estão sendo comprovados através de pesquisas científicas. Não são apenas comentários. Istoé - Por que frisa a importância de dar atenção à pessoa? Arup Banerji - Vou dar um exemplo. Se você digitar Bolsa Família no Google Imagens, a foto mais comum que vai aparecer é de uma pessoa sorrindo e segurando o cartão do programa. Para muitas dessas pessoas esse cartão mostra que estão vinculadas ao Estado pela primeira vez. Pessoas pobres muitas vezes não se sentem parte de um país. São subjugadas, tratadas como se fossem de fora. O cartão estabelece uma relação legal e formal com o Estado. Equivale a dizer: ‘O País valoriza você e sua família e por isso estamos repassando esses recursos.’ A pessoa passa a ser cidadã de um país e, consequentemente, começa a valorizar a educação dos filhos, a criá-los bem nutridos, e os filhos, por outro lado, passam a cuidar mais de suas mães. Cria-se, assim, uma relação de mútua responsabilidade. Esse é um dos aspectos centrais do Bolsa Família. Istoé - Uma das principais críticas a esse tipo de programa é a dependência que supostamente gera, e não autonomia. Arup Banerji - No caso do Brasil, eu não concordo com isso. Em outros lugares do mundo, talvez. O que significa a dependência econômica? Em poucas palavras, seria o seguinte: a pessoa que recebe ajuda chega à conclusão de que é melhor não fazer nada o dia inteiro e não procurar emprego porque o valor recebido compensa. O segredo do sucesso é que o pagamento não seja tão alto que leve a esse tipo de situação nem tão baixo que não dê nem para as famílias se alimentarem. É importante que o benefício não chegue a um salário mínimo. Estudos comprovam: depois de dez anos do Bolsa Família, não há dependência. Istoé - Qual é, hoje, a extensão de programas de transferência de renda no mundo? Arup Banerji - Programas de transferência de renda de todos os tipos já foram implementados em mais de 100 países em desenvolvimento. Mas como o brasileiro, com responsabilidades compartilhadas, estão em cerca de 50 países. O maior foco é na educação e na saúde. Além de manter as crianças na escola, devem vaciná-las e, em alguns casos, há necessidade de as mulheres grávidas passarem por exames. Istoé - Pode dar exemplos? Arup Banerji - Um dos primeiros foi na Turquia e começou dois anos depois do Bolsa Família. Mas lá não foi um programa nacional. Foi voltado para o lado leste do país, que é mais religioso e conservador. O problema, lá, é que as meninas não iam para a escola. E a condição era que não só os meninos, mas também as meninas fossem para a escola para o pagamento ser liberado. Resultado: em três anos, a taxa de meninas que frequentavam o ensino médio saltou de 38% para 50%. Na África, onde não há uma estrutura estatal como a brasileira, optou-se por um controle menos rígido porque não há quadros de funcionários para checar bem a presença na escola, nem como fazer pagamentos com cartão. Mas, para receber o auxílio, as mães precisam assistir a uma aula sobre a importância da educação e da nutrição. Acabou dando certo também. É o mesmo conceito e a mesma ideia, mas que se adaptam à realidade de cada país. Istoé - Mas por que países africanos, mesmo com dificuldades, obtiveram resultados e em Nova York a proposta não vingou? Arup Banerji - Em Nova York, implantaram o programa Opportunity, que teve bons e maus resultados. O que realmente não deu certo foi justamente algo que diz respeito a um ponto-chave do Bolsa Família: enquanto no Brasil dão o dinheiro para a mulher, no Opportunity davam para as crianças. A mãe costuma gerir melhor os problemas da família que o pai. Uma criança pode estar fora da escola não só por questões financeiras, mas também por ser rebelde ou porque a escola fica muito longe. Em todas as situações é a mãe que tem que manejar isso dentro da família. Também temos que olhar para a qualidade das escolas. Algumas escolas de Nova York são muito violentas, com professores não tão bem qualificados e com um entorno também problemático, com muitas tentações. O programa, lá, ainda está fazendo análises, mas sabe-se que os números não são muito bons. Agora estão vendo o porquê. Com certeza, um dos motivos é terem dado o dinheiro para as crianças. Istoé - Os programas sociais teriam a ganhar se incluíssem metas de desempenho escolar? Arup Banerji - O México fez essa mudança. O programa de lá começou focando apenas na matrícula escolar. O Progresa foi até anterior ao Bolsa Família. Mas logo concluíram que as famílias faziam a matrícula, mas nem sempre os alunos compareciam. Aí, a presença virou condição fundamental. A questão, agora, é se de fato estão aprendendo. O México é o primeiro país que está começando a pensar nisso. Há muitos desafios para se medir o aprendizado porque não é só verificar as notas. É preciso pensar em avaliações de aprendizado. É recomendável fazer isso, mas é preciso ter cuidado. A ideia é continuar fazendo o pagamento, mas dar um adicional se a criança for bem nos estudos. Toda sociedade precisa ter consciência de que não basta as crianças estarem na escola. Precisamos saber se estão aprendendo. Mas para isso é preciso exigir que as escolas sejam boas. Haja vista o exemplo de Nova York. É um processo casado e, por isso, tão desafiador. Istoé - Os gastos com os grandes eventos são um desperdício diante das carências nos setores da educação e da saúde? Arup Banerji - Só poderia comentar isso com base num estudo sobre o retorno desses investimentos, e não é minha especialidade. Istoé - A África do Sul, que sediou a Copa de 2010, continua com altas taxas de desemprego? Arup Banerji - O desemprego na África do Sul já existia antes da Copa e continuou. As razões não têm a ver com a falta de investimentos, mas com questões históricas, por causa do apartheid. Por isso, tento separar esses eventos particulares, como Copa ou Rio + 20, que são curtos, e foco nas políticas de longo prazo. A própria África do Sul tem algumas políticas de combate ao desemprego que não mudaram por causa da Copa. O mesmo serve para o Brasil. O Bolsa Família não é tão duradouro que possamos saber o que resultou para as crianças depois de adultas, mas no México, que é o mais antigo, estamos encontrando os primeiros estudos. Há sinais de que os beneficiados estão encontrando empregos com mais facilidade e conseguindo salários melhores. Istoé - É porque eles têm mais escolaridade? Arup Banerji - Não só por isso. Uma boa nutrição é o mais importante para se prosperar. Descobertas científicas mostram que a maioria dos neurônios do cérebro é formada nos dois primeiros anos de vida. Crianças mal alimentadas nessa fase não têm o mesmo desenvolvimento neurológico. Quando uma criança pobre recebe comida, acaba tendo suas funções cerebrais equiparadas às outras. Por isso as políticas de longo prazo são importantes. Istoé - Programas sociais têm reflexos no combate à violência? Arup Banerji - É possível dizer que essas transferências de recursos são importantes, mas não são suficientes para o combate à violência. O que esses programas fazem é dar esperança, cidadania, mostrar que a pessoa é importante para o Estado. Há um efeito psicológico, ou seja, eles agem na redução das frustrações. Isso pode reduzir a violência. No entanto, não podemos excluir os investimentos em policiamento, Justiça e no combate às drogas. Mas estudos mostram que programas sociais reduzem a violência doméstica. Há redução das agressões contra as mulheres que recebem benefícios. Como elas recebem o dinheiro, ganham autoridade. Isso foi comprovado em muitos países, como a Índia, de onde eu venho. Istoé - Que país é um bom exemplo de proteção social? Arup Banerji - A Alemanha, país europeu que reagiu melhor à crise. Saiu da recessão e lá o desemprego é baixo inclusive para os jovens. E o que fizeram depois da crise? Diferentemente de outros países que tomaram medidas que causaram demissões, a Alemanha adotou um sistema de work sharing (trabalho partilhado), que mantém o trabalhador empregado em meio expediente. A diferença é coberta pelo seguro-desemprego. É interessante que uma economia bastante liberal tenha adotado uma política, digamos, mais intervencionista por parte do Estado, e ainda com a colaboração dos sindicatos. É um exemplo fantástico. Istoé - Qual é a diferença entre países onde a previdência é controlada pelo Estado e outros onde a responsabilidade é dos trabalhadores? Arup Banerji - O que o Banco Mundial aconselha é um sistema que mescle diferentes fontes de recursos para se alcançar a soma que uma pessoa idosa precisa para sobreviver. Países como o Brasil, que têm uma massa muito grande de jovens, costumam recolher contribuições desse grande contingente para pagar de imediato as aposentadorias do pequeno percentual de idosos. Mas esse sistema não tem como durar. Logo haverá mais velhos que novos. Por isso, é preciso um sistema privado, em que os trabalhadores economizem para a velhice. 3# COLUNISTAS 2.4.14 3#1 RICARDO BOECHAT 3#2 GISELE VITÓRIA 3#3 ANA PAULA PADRÃO - A LIÇÃO DE MOCKUS 3#4 BRASIL CONFIDENCIAL 3#1 RICARDO BOECHAT Com Ronaldo Herdy Previsão ruim Nada animador o relatório do Instituto Nacional de Meteorologia de 20 de março último, com projeção de chuva para São Paulo nos próximos cinco meses. Apenas 300 mm no período, o que dá uma média de 60 mm a cada 30 dias. A se confi rmar a estimativa, o nível do reservatório do Sistema Cantareira cairá dos atuais 14,1% para cerca de 5%, tornando quase inevitável o racionamento. HISTÓRIA Nada de aventura A Maçonaria não guardará desta vez segredo sepulcral. Soltou convites a associados e simpatizantes para palestra a do general Augusto Heleno Pereira, ex-comandante militar da Amazônia, na segunda-feira 31, em sua sede, em Brasília. Ele que não concorrerá ao Planalto vai falar sobre “A Revolução de 31 de Março e sua evolução histórica”, com paralelo entre fatos dos anos 1960 “e os terríveis problemas da sociedade atual. PRESÍDIOS Baixa o pano Completa ausência de compreensão do tema”, disse o presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão, Gervásio Santos, quando soube do comentário de Roseana Sarney, na segunda-feira 24, em cerimônia pública, sobre os presídios do Estado, onde 67 pessoas morreram de 2013 até hoje. “Você vai colocar recurso numa escola, num hospital ou, então, numa estrada? Ou vai colocar o recurso para melhorar a vida daqueles que estão lá, que são assassinos, criminosos, trafi cantes, que degeneram as nossas famílias?” Respostas para o Palácio dos Leões, edifício-sede do governo do Maranhão. FUTEBOL Veto A CBF notifi cará nos próximos dias empresas de varejo que usam a Seleção Brasileira em suas promoções comerciais. Elas serão convidadas a retirar do ar anúncios do chamado marketing de emboscada. Para usar a marca da Seleção Brasileira, é preciso acordo com a CBF, que tem hoje 14 patrocinadores. ADVOGADOS Os destemidos Advogados que atuaram na defesa de presos políticos na ditadura militar serão homenageados pelo Conselho Federal da OAB na segunda-feira 31. A lista é extensa, felizmente. O deputado José Mentor estará na Ordem para autografar seu livro “Coragem: A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo”, homenagem a 161 colegas criminalistas que atuaram nos tribunais combatendo prisões arbitrárias, de 1960 a 1980. INDÚSTRIA Bola da esperança Virtualmente indestrutíveis”, 160 bolas de futebol feitas por inspiração do americano Tim Jahnigen serão distribuídas de graça na favela do Vidigal, no Rio de Janeiro. Presente da Chevrolet/Instituto General Motors para instituições brasileiras que trabalham com menores carentes. o acordo da empresa com o Projeto One World Futbol resultará na doação de outras 5.340 bolas no País, até dezembro. É ela, aliás, que rolará no torneio “Campeões da Rua”, de 30 de março a 6 de abril, no Rio de Janeiro, com 200 participantes de 14 a 17 anos, de 19 países, de ambos os sexos. ENERGIA Alívio oportuno Com o consumo residencial e comercial subindo mês a mês segundo a Empresa de Pesquisa Energética – alta de 6,8% no primeiro bimestre sobre igual período de 2013 (81 mil GWh)–,autoridades olham o calendário e respiram aliviadas. Em abril, com o feriadão de 17 a 21, serão menos dias úteis e, portanto, haverá queda na demanda por eletricidade. EDUCAÇÃO Médicos na arena Uma portaria no início de abril criará cursos de medicina em mais 18 instituições federais de ensino, de oito Estados (MA, PI, PE, RN, BA, MT, MS e MG). O cardiologista Roberto d’Ávila, presidente do Conselho Federal de Medicina, não aplaude o ato. Quer melhor infraestrutura dos 218 cursos já em funcionamento no País. Por falar no CFM, em abril, a entidade inicia inspeção nos 12 estádios da Copa, para verificar se há efetivas condições nas arenas para o trabalho dos médicos. LITERATURA É sucesso Aproveitando viagem à Europa, onde ao lado de Ziraldo, Marina Colassanti e Ruth Rocha participou da Feira do Livro de Bolonha, Ana Maria Machado lançou em Paris o livro “Bisa Bia”, seu infantil de maior sucesso, já em dez países, tendo vendido 2,7 milhões de exemplares. Em Roma, essa semana, a escritora testemunha a chegada às livrarias da tradução italiana do romance “Infâmia”, ganhador em 2013 do prêmio Zaffari & Bourbon, de melhor romance do biênio em língua portuguesa. POLÍTICA Sem ajuda Ao contrário de PT e PTB, o Partido Progressista não promoverá campanha para ajudar o ex-deputado Pedro Henry a pagar multa de R$ 1,3 milhão, fixada pelo STF no julgamento do mensalão. Alívio oportuno Além da pena no bolso, o político foi condenado a sete anos e dois meses de prisão, em regime semiaberto, podendo trabalhar de dia. COMÉRCIO Elas na frente Levantamento da Pagtel, uma das primeiras empresas de pagamentos móveis do Brasil, revelou que as mulheres compram mais pelo celular do que os homens, 57% contra 43%. A mostra baseia-se em transações de 4,2 milhões de pessoas. Elas também gastam mais: o tíquete médio de R$ 24 é 18% maior do que o dos homens. Em 2013, a Pagtel transacionou cerca de R$ 100 milhões. HISTÓRIA Abaixo os ditadores! Projeto de lei do deputado federal Newton Lima (PT-SP) quer proibir que ex-presidentes da República, não eleitos pelo povo, tenham seus nomes em instituições, edificações e logradouros públicos. Se aprovado, a Ponte Presidente Costa e Silva (RioNiterói) e a Rodovia Castelo Branco seriam rebatizadas em até seis meses, assim como cidades como Presidente Médici e Presidente Figueiredo. RIO 2016 Marcha lenta Criado para aprovar a carteira de projetos da Rio 2016, entre outros objetivos, o Conselho Público Olímpico perdeu força. O prefeito carioca Eduardo Paes, por exemplo, deixou o colegiado, sendo substituído por Maria Silvia Bastos, presidente da Empresa Olímpica Municipal. O governador Sergio Cabral, por sua vez, quase não vai às reuniões e delegou à Prefeitura do Rio obras diretamente relacionadas à Rio 2016, assumindo só alguns projetos de infraestrutura. ELEIÇÕES Segundo turno A pesquisa do Ibope da quinta-feira 27 que fez acender a luz amarela no Planalto, sobre o governo Dilma Rousseff, beneficia muito Aécio Neves, apesar de interessar também a Eduardo Campos. “O senador é mais conhecido no País e a população aplaude o Plano Real”, diz Ricardo Guedes, do Instituto Sensus. Para ele, com o PIB subindo 2% e a inflação na casa dos 6%, a cada ano, desde 2011, 12% de brasileiros voltaram para a linha de pobreza. Em outras palavras, uma perda de poder aquisitivo que afeta cerca de 20 milhões de eleitores. 3#2 GISELE VITÓRIA Gisele Vitória é jornalista, diretora de núcleo das revistas ISTOÉ Gente, ISTOÉ Platinum e Menu e colunista de ISTOÉ Só dá @Marixi O loiro platinado serve para dar vida à vedete Aurora na novela das seis “Joia Rara”. Na pele de uma mulher de outro tempo, Mariana Ximenes completa 15 anos de carreira. Aos 33 anos, solteira, festeira por entusiasmo, ela diz que quer tempo: “De seis meses para cá, quero me conhecer mais e ficar quieta na minha casa”. Mas nada que a tenha impedido de estrear no Instagram como @marixioficial. “É como meus amigos me chamam”. O sucesso foi imediato. Já ganhou 120 mil seguidores. Capa de ISTOÉ Gente, ela se prepara para o próximo trabalho: um filme baseado no livro “Mãos de Cavalo”, de Daniel Galera. O ultimato a Roseana Um empresário com intimidade para abrir a geladeira no Palácio dos Leões em São Luís do Maranhão garante: a governadora Roseana Sarney cumpre o mandato até o fim e não sai candidata ao senado. O motivo não é a crise desencadeada pelas mortes no presídio de Pedrinhas, mas um ultimato do marido, Jorge Murad. Ele jura pedir o divórcio se Roseana se candidatar de novo. Já José Sarney, segundo o mesmo interlocutor, concorrerá ao Senado. Após reuniões em as bases no Amapá e no Maranhão, Sarney teria voltado atrás na decisão de não se candidatar em 2014. Bala Dia da mentira? João Doria Jr. diz que seu jantar para Aécio Neves na segunda-feira 31, em São Paulo, “tem e não tem” a ver com os 50 anos do Golpe. “Por coincidência caiu em 31 de março. Mas o golpe foi em 1º de abril. Foi um embuste tão grande na vida do País que nem sequer a data é correta.” Ele promete relacionar a data ao encontro com o presidenciável. Separados, mas unidos Quem vê Bárbara Paz e Hector Babenco nem imagina que foram um dia casados. Separados desde janeiro, a parceria na arte prossegue. É forte a ligação de respeito do ex-casal na relação atriz e diretor, juntos novamente na peça “Vênus em Visom”, de David Ives. “Hector é um mestre. Ele sempre pede mais. Isso te faz aprender. Foi um encontro bonito entre nós. Ele é um criador”, resume ela, indicada ao prêmio Shell de Melhor Atriz pelo papel. Babenco elogia a ex-mulher. “Nessa peça, descobri o lado palhaça de Bárbara que eu desconhecia”, diz. “Fiz testes com outras atrizes, mas Bárbara e eu nos divertimos na montagem.” A peça fica em cartaz em São Paulo até 8 de junho. Thereza Goulart quebra o silêncio “Nunca pensei que, 50 anos depois, estivesse aqui para lembrar.” Maria Thereza Goulart, a bela primeira-dama do golpe de 1964, falou com exclusividade à revista ISTOÉ Gente. À repórter Livia Calmon, a viúva de Jango contou como recebeu a notícia do golpe, por Tancredo Neves. Narrou a primeira noite sozinha após o marido ser deposto. Relatou a saída da Granja do Torto, escoltada, levando os filhos, poucas roupas para as crianças e uma saia que gostava. Falou da solidão de quatro dias incomunicável no Sul, antes de sair do País. “Fui a primeira exilada a pisar no Uruguai”, disse numa entrevista de duas horas à revista, que chega às bancas na segunda-feira 31. Sobre suas perdas, seus medos e a morte de Jango, Maria Thereza, hoje com 73 anos, também falou. A ex-primeira-dama passa 31 de março em Porto Alegre. Na passarela do SPFW A top russa Irina Shayk, namorada do jogador português Cristiano Ronaldo, e a piauiense Laís Ribeiro, angel da Victoria Secret’s, se juntam a Gisele Bündchen entre os destaques do São Paulo Fashion Week, que começa na segunda-feira 31. Irina desfila para a Triton, mas não trará a tiracolo o namorado craque. Laís dividirá com Cauã Reymond a passarela da Ellus. A top brasileira, estrela de marcas como GAP, Marc Jacobs, Michael Kors e Ralph Loren, vai realizar agora seu maior sonho: levar o filho, Alexandre, de 6 anos, para morar com ela em Nova York, onde vive desde 2010. “Tê-lo ao meu lado e poder acompanhar o crescimento dele não tem preço.” O menino vivia com a avó no Piauí. Laís subiu 15 posições no ranking das mais sexy no site internacional models.com. 3#3 ANA PAULA PADRÃO - A LIÇÃO DE MOCKUS "O Brasil registra avanços pontuais e muitas vezes cosméticos na repressão à violência urbana. Prevenção ainda está longe de ser a tônica da ação pública". O que acontece quando um matemático e professor de filosofia decide enfrentar a violência urbana? Ele a vence. A história não é nova. Mas é oportuno contá-la novamente. Há duas semanas, em evento na cidade do Recife, tive a chance de conversar com o ex-prefeito de Bogotá, capital da Colômbia, Antanas Mockus. Por dois mandatos, de 1995 a 1997 e de 2001 a 2003, Mockus liderou a cidade num esforço para retomá-la das mãos dos traficantes de drogas. Até meados dos anos 1990, as áreas públicas em quase todo o país não mais pertenciam aos cidadãos colombianos. O poder político também havia sido informalmente tomado pelos chefões dos cartéis. Mockus não tinha, entre seus atributos, a experiência em ações policiais. Usou mais o intelecto do que a força bruta para banir o crime. Deu aos habitantes de Bogotá a real sensação de que a cidade era deles. Protegeu as pessoas, não as forçando a ficarem em casa, mas levando-as para as ruas, praças, bibliotecas públicas, ciclovias. A estratégia era claramente a de banir o crime e o medo ao mesmo tempo. Além disso, criou estatísticas confiáveis e transparentes e ocupou com serviços públicos de qualidade os locais que antes eram reduto de criminosos. Claro que muitos morreram antes que Mockus triunfasse. Dos dois lados da guerra. Mas o prefeito não comemorou as batalhas que venceu. Nas favelas, depois dos embates, lamentava os bandidos caídos, os jovens traficantes e suas vidas desperdiçadas. Mockus transmitia uma clara mensagem sobre a importância da vida – de cada vida. Foi um polêmico. Mas foi um vencedor. Mockus me contou que um dia, num cemitério onde estavam sendo enterradas várias vítimas de um tiroteio entre policiais e traficantes, a mãe de um jovem inocente chorava a perda do filho. Era um morador da favela. Trabalhador. Seu irmão mais novo também estava ali, carregando um ramo de flores. O menino percebeu que, em muitas das outras sepulturas, não havia pranto, nem visitas, nem nada. O garoto então repartiu as flores e, uma a uma, colocou-as sobre os túmulos, sem fazer distinção entre mocinhos e bandidos. A história, disse Mockus, é para ele o símbolo mais forte de que a guerra estava ganha. Não aquela contra os cartéis, mas a guerra contra a barbárie. Mockus deixou um legado de humanização em que antes havia terra arrasada. O resto é populismo. Autoridades que incitam a população a desejar pilhas de criminosos mortos estão transferindo para o outro a responsabilidade pelo fracasso na manutenção da segurança pública. Quem comemora a morte começa a acreditar que cenas de guerra civil no dia a dia das cidades são normais. E a morte por arma de fogo não é normal, não é aceitável. O Brasil registra avanços pontuais e muitas vezes cosméticos na repressão à violência urbana. Prevenção ainda está longe de ser a tônica da ação pública e, acima de tudo, não há um plano federal contra o crime. Por isso, policiais continuam sendo mortos em comunidades já consideradas pacificadas no Rio de Janeiro. Na Colômbia, Mockus não estava sozinho. Havia uma política federal e um país inteiro determinado a vencer com ele. Aqui há cidadãos com medo e autoridades públicas federais que usam o cinismo como arma de combate ao crime. Não vai dar certo. Ana Paula Padrão é jornalista e empresária 3#4 BRASIL CONFIDENCIAL Por Paulo Moreira Leite Jogos vorazes Como político nenhum gosta de se desgastar em ano eleitoral, sindicatos de diferentes setores aproveitam o período para apresentar demandas que não seriam atendidas em outras circunstâncias. Os lotéricos do Rio Grande do Sul resolveram jogar pesado contra Dilma Rousseff. Decidiram suspender o pagamento do Bolsa Família a partir de 22 de abril, como forma de pressão para que o governo reajuste as tabelas de remuneração dos serviços executados pelas loterias. Os sindicatos de São Paulo, Bahia e Pernambuco estudam aderir ao protesto. As loterias concentram 80% dos saques do programa de transferência de renda. Ação entre amigos Antes de deixar o Ministério da Agricultura, o peemedebista Antonio Andrade homologou licitação vencida pela Consulplan para a realização de concurso nacional de fiscais agropecuários. A empresa pertence a Elder Abreu, filiado ao PMDB, e sediou em março de 2013 um grande encontro da legenda com a presença do próprio ministro. Bola murcha Às vésperas da Copa, os grandes clubes de futebol ficarão decepcionados com o relatório do deputado Otavio Leite (PSDB-RJ), que apresentará em abril parecer contrário ao perdão das dívidas tributárias e fiscais que chegam a quase R$ 5 bilhões. Curral de emendas Sem pudor, ministros que deixaram o governo privilegiaram seus Estados com recursos orçamentários e emendas. Na Integração, a Paraíba de Aguinaldo Ribeiro foi a campeã com 32% de R$ 661 milhões empenhados. Minas Gerais, de Antonio Andrade, teve 35% de R$ 24 milhões. Direita, volver O requerimento do deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ) para homenagear o Golpe de 64 ganhou assinaturas de gente de esquerda, como o petista José Guimarães (CE) e o socialista José Stédile (RS), irmão do líder do MST. Os dois se dizem enganados pelo texto genérico do cabeçalho do pedido. Sem meia nem cueca Para padronizar o método de arrecadação em ano eleitoral, o PT vai promover em 20 e maio um workshop com os secretários de finanças de todos os diretórios da legenda. Quem vai ditar as regras de coleta de doações é o tesoureiro nacional João Vaccari. Garganta profunda I Prefeito cassado de Campo Grande (MS), Alcides Bernal (PP) preparou vídeo em que se diz vítima de golpe político. Acusa o governador André Puccinelli (PMDB) e revela conversa em que o assessor especial Ronan Feitosa já falava, em outubro, da armação para a cassação e como compraria o apoio dos vereadores. Quem apoiasse o golpe ganharia cargo no novo gabinete do então vice Gilmar Olarte (PP). Feitosa antecipa nomeações que só ocorreriam cinco meses depois pelas mãos do novo prefeito. Garganta profunda II Quem votou pela cassação recebeu sua cota. Cezar Afonso foi nomeado para o Meio Ambiente, Semy Ferraz em Infraestrutura, André Scaff foi para Finanças, Rodrigo Pimentel virou secretário de Governo, Fábio Leandro, filho de desembargador, agora é procurador-geral e Edil Albuquerque assumiu a Secretaria de Ciência e Tecnologia. O vídeo foi periciado. Toma lá dá cá Deputado Fernando Francischini (SDD), titular da Comissão de Fiscalização e Controle ISTOÉ – O que acha da indicação da ministra Ideli Salvatti e do senador Gim Argello (PTB) para o TCU? Francischini – Faz parte da política de dominação do governo que aparelha os tribunais superiores e os órgãos de controle. Agora quer colocar de joelhos a Corte de contas. ISTOÉ – Os dois nomes cumprem os requisitos para a função? Francischini – Quem responde a processo não pode assumir uma função pública dessas antes de ser absolvido em última instância. ISTOÉ – O sr. apoia o movimento “ministro ficha limpa”? Francischini – Com certeza! É uma iniciativa oportuna e precisa virar lei. Se depender de mim, será aprovada. Rápidas *O DEM do Rio está otimista com a evolução das conversas entre o senador e presidenciável Aécio Neves (PSDB-MG) e o ex-prefeito Cesar Maia. Os tucanos também apostam num acordo que torne o mineiro competitivo no estado onde PMDB e PT estão rachados. * O ex-ministro Ciro Gomes (PROS) estuda ser candidato ao Senado como degrau para uma nova candidatura à Presidência da República em 2018, quando terá 60 anos. A amigos tem dito que espera até lá ter criado juízo suficiente para o cargo. *A Casa Alta, que produz creches de PVC, conseguiu contrato de R$ 3 milhões para implantar dois centros de educação infantil em Maringá (PR). O prefeito Carlos Pupin (PP) dispensou a licitação. Em apenas dois anos, a empreiteira saiu do anonimato e hoje é a sétima no ranking nacional. *A cúpula de Minas e Energia se reuniu no 9º andar do ministério na quarta-feira 26 para discutir a crise energética que ameaça o País com um apagão. Ao final do encontro, uma queda de energia deixou o andar na escuridão. Às cegas, ouviram-se risos e piadas. Retrato falado Ao solicitar refúgio ao Brasil, o promotor Marcelo Ricardo Soza Alvarez virou o 747º boliviano a fugir do regime de Evo Morales e buscar a proteção do Estado brasileiro. Em carta registrada em cartório, obtida por ISTOÉ, Alvarez revela que usou seu cargo para fins políticos a serviço do mesmo governo que agora o persegue. Conselho privado Há mais de duas décadas no comando do Conselho Federal de Medicina Veterinária, Benedito Fortes de Arruda virou alvo do MPF por fazer da autarquia uma extensão de sua casa. É suspeito de usar veículo oficial para fins pessoais, embolsar diárias superfaturadas, empregar a mulher com salário de R$ 28 mil e depositar cheques de contribuições estaduais na conta da própria filha. E ainda tentará a reeleição em abril. Ordem unida Neste jubileu do Golpe de 31 de março, um tema interno preocupa mais que os rumos políticos do País. O ministro Luís Barroso, do STF, concluiu relatório a favor da ação da PGR pelo fim do artigo 235 do Código Penal Militar, que prevê cadeia e expulsão a quem comete “pederastia” e “ato libidinoso homossexual”. O serviço de informação do Exército tem uma lista secreta com mais de mil nomes de militares de diversas patentes identificados como homos- sexuais, inclusive um general de brigada 4# ESPECIAL 50 ANOS DO GOLPE 2.4.14 4#1 NÓS SAÍMOS DAQUI CORRENDO, DEIXAMOS TUDO PARA TRÁS. A GENTE PASSOU A VIVER COM SOFRIMENTO" 4#2 OS 20 DIAS QUE MUDARAM O BRASIL 4#3 AS CARAS DA CRISE 4#4 CONSPIRAÇÃO AMERICANA 4#5 TODOS QUERIAM UM GOLPE 4#6 A HERANÇA DE CHUMBO 4#1 "NÓS SAÍMOS DAQUI CORRENDO, DEIXAMOS TUDO PARA TRÁS. A GENTE PASSOU A VIVER COM SOFRIMENTO" Aos 73 anos, a viúva do ex-presidente João Goulart fala dos dias que antecederam o golpe militar, revela como era a vida do casal e lembra a angústia dos anos de exílio Eliane Lobato (elianelobato@istoe.com.br) Viúva do ex-presidente João Goulart (1919/1976), Maria Thereza Goulart tem planos frugais para a segunda-feira 31 de março, data da efeméride dos 50 anos do golpe militar que depôs seu marido: viajará para Porto Alegre (RS) com a filha, Denise, e desfrutará do descanso com a família. Há quase meio século, em 1º de abril de 1964, ela, o marido e os dois filhos tiveram de sair às pressas do País em direção ao Uruguai, onde iriam se exilar. Antes de partirem de Porto Alegre, o então governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola (1922/2004) sugeriu um movimento de resistência ao golpe, mas Jango não consentiu por, entre outras coisas, temer um derramamento de sangue. São momentos tensos que voltam à memória de Maria Thereza, hoje com 73 anos, e provocam tristeza, embora ela lute contra a melancolia que este passado evoca. Arredia a entrevistas, a ex-primeira-dama conversou com ISTOÉ com exclusividade. Contou que escreveu um diário no exílio e que esse material vai virar um livro. Mas só após sua morte. “Antes, não. Acho que há pessoas que não vão gostar. Não tenho coragem de enfrentar isso agora.” REVELAÇÕES - A ex-primeira-dama tem livro preparado para ser lançado após sua morte À ISTOÉ, Maria Thereza disse ainda que a famosa foto em que ela aparece ao lado do marido no palanque do histórico comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, não revela seu verdadeiro estado íntimo. A imagem da mulher apontada como uma das dez mais lindas do mundo pela revista “Time” não exprime a apreensão que sentia. “Estava gelada, dura por dentro”, conta. Poucos minutos antes, Jango havia tido queda de pressão. Muitos amigos e correligionários tentaram dissuadi-lo de ir ao comício, mas “ele estava com ideia fixa” e “preparado para o que ia acontecer”, declara ela. Para a jovem primeira-dama que nunca tinha pisado em um palanque, saber que eles poderiam ser alvo de um atentado a era atemorizante. De fato, houve esse temor, fazendo com que Jango aumentasse o aparato de segurança do evento. Segundo ela, a pouca idade – 24 anos em 64 – ajudou-a a superar as angústias dos momentos que antecederam o golpe. Mesmo assim, desabafou: “Para mim foi tudo muito tenso. O golpe de 64 destruiu a minha família. Tivemos que sair correndo, deixar nossa vida, tudo nosso para trás. Destruiu porque tirou tudo da gente. A gente passou a viver com sofrimento”. Nascida em São Borja, a quase 500 quilômetros de Porto Alegre, Maria Thereza se casou com Jango aos 17 anos de idade e foi a primeira-dama mais jovem que o País já teve. Após a morte do marido, na Argentina, em 1976, demorou ainda alguns anos para voltar a viver no Brasil e escolheu o Rio de Janeiro, onde ainda mora, perto dos filhos, netos e bisnetos, para passar o resto de seus dias. Apesar de tudo, se declara feliz. ISTOÉ – Como a sra. vê o País neste momento, 50 anos depois do golpe militar que derrubou seu marido da Presidência? Maria Thereza Goulart – Sinto, neste momento, o resgate justo da memória do Jango. Isso é mais importante do que o resgate do meu marido. Não espero que ele seja transformado num Deus, não digo que ele tenha sido perfeito. Mas Jango foi um grande patriota, um presidente que amou o País, sobretudo. Pode ter tido seus defeitos, como todos, mas vai ficar guardado na memória com respeito e dignidade. ISTOÉ – Como a sra. recorda de seu papel naquele momento? Maria Thereza – Minha presença ao lado dele foi importante, procurei ser companheira. Nunca fui muito política. Vivemos momentos muito assustadores. Meu marido já tinha previsto o futuro, quando saímos para o exílio. Jango já estava marcado pelo golpe. Mas eu até pensei que voltaríamos. Jango estava preparado, achou que era o momento de ele renunciar. Mas, para mim, foi tudo muito tenso. Acho que a minha pouca idade até ajudou a ter forças para viver aquilo. O golpe de 64 destruiu a minha família. Nós saímos daqui correndo, deixamos nossa vida, tudo nosso para trás. O golpe tirou tudo da gente. A gente passou a viver com sofrimento. ISTOÉ – A sra. não gosta de falar sobre isso? Maria Thereza – Sou permanentemente convidada para dar entrevistas, participar de eventos, mas te digo, sinceramente, não gosto, evito. Primeiro porque fico triste. Não gosto de ficar falando das tristezas do passado. Segundo porque pensar em tudo o que poderia ter acontecido de pior ainda me assusta. Ajudei a criar meus oito netos, tenho meus dois filhos amados... A vida foi continuando. ISTOÉ – Depois do golpe, a sra. sabia que iria para o Uruguai e imaginava que viveria lá por tanto tempo? Maria Thereza – O desterro foi muito cruel, especialmente para o Jango. Mas eu não sabia, com antecedência, o nosso destino. Quando saímos, com as duas crianças, é que me disseram que eu ia morar no Uruguai. Não sabia de nada até então. ISTOÉ – Como era a vida no exílio? Maria Thereza – Era difícil porque estávamos longe de todos os que amávamos, das nossas coisas. Eu sentia medo do que pudesse nos acontecer lá. Jango sofria calado, não era de ficar reclamando, fraquejando. Perdi meu pai e minha mãe no Brasil e não pude chegar perto. Era muita tensão, Jango sabia de tudo o que estava acontecendo no Brasil, dos horrores todos. O medo tornou-se um grande inimigo capaz de me confundir entre o ódio e o perdão. ISTOÉ – A foto da sra. no palanque do comício na Central do Brasil, no dia 13 de março de 1964, mostra uma mulher extremamente bonita e passa a imagem de força, segurança. A sra. se sentia assim? Maria Thereza – Essa imagem é, na verdade, de apreensão extrema. A foto não mostra tudo. Eu estava com muito medo. Estava gelada, dura por dentro. Nos disseram que poderiam ser jogadas bombas no palanque, no meio das pessoas. Jango teve uma queda de pressão antes, estava muito tenso. Tínhamos noção do que poderia acontecer ali. Mas ele estava firme, preparado. Disseram para ele não fazer aquele comício, mas não adiantavam os conselhos. Ele estava com ideia fixa, estava realmente preparado para o que pudesse acontecer. ISTOÉ – A sra. subiu em palanque alguma outra vez na vida, além dessa? Maria Thereza – Nunca mais. Nem antes eu tinha vivido isso. Só subi em palanque naquele comício da Central. ISTOÉ – Por marcar meio século do golpe militar, este ano a data de 31 de março será diferente para a sra.? Onde pretende passar o dia e o que pretende fazer? Maria Thereza – Vou para Porto Alegre com minha filha, Denise. Vamos participar de um evento lá. É difícil para mim, porque me emociono. Mas vou, acho que devo e que estou preparada. E só. O resto, será comigo mesma e minha família. ISTOÉ – No ano passado teve início a exumação do cadáver de Jango. Qual é a sua expectativa do resultado das análises? Maria Thereza – Poderá nos ajudar a tirar essa dúvida da cabeça. A gente vai sair desse estado de incerteza, questionamentos, espero – embora ache difícil depois de tantos anos. Fui contra isso durante muito tempo. Não queria porque sabia que seria muito doloroso, como de fato foi. Desabei naquele momento, perto do caixão de Jango de novo. Eu sempre achei que ele tinha morrido de infarto. Mas tantas dúvidas foram sendo levantadas, tanta polêmica... Hoje, acho possível, sim, que tenham envenenado algum dos remédios que ele tomava para o coração. Pode ter havido troca do remédio, sim. ISTOÉ – A sra. acha importantes esses movimentos em busca de um passado? O que pensa do trabalho da Comissão Nacional da Verdade? Maria Thereza – Muito importante. As pessoas precisam saber o que aconteceu, que fim tiveram os que desapareceram. Vivemos um momento muito importante. Essas medidas já deveriam ter sido tomadas, mas não foram antes dos governos do Lula e da Dilma. A iniciativa foi deles. Ninguém antes foi capaz de tomar uma atitude dessas. Fiquei arrasada com os depoimentos desse militar (coronel Paulo Malhães) que disse as coisas horríveis que faziam com quem lutava contra o regime. Como uma pessoa ainda tem coragem de contar? Mas é importante a gente saber, sim. Mesmo com todo o sofrimento que provoque, especialmente para os familiares. ISTOÉ – Quando pensa sobre o passado, o que prevalece nas lembranças? Maria Thereza – A certeza de que fui casada com um homem maravilhoso, que tive uma vida maravilhosa até acontecer o golpe. Sou a mesma pessoa simples. Minha vida mudou muito, mas eu não mudei. O grande mérito, acho, foi ter entendido que o que aconteceu no passado faz parte do passado. Me acho meio provinciana até hoje. Vou a São Borja, onde nasci. Me reencontro comigo lá. ISTOÉ – Não pretende contar sua história em livro? Maria Thereza – Olha, vou contar: comecei um diário quando estava no exílio, que vai virar um livro um dia, quando eu não estiver mais aqui neste mundo. Escrevi muitas partes em espanhol. Falo de tudo o que aconteceu, conto tudo. Pedi à minha família para só publicar quando eu não mais estiver aqui, porque pode ser que algumas pessoas não gostem, não tenho muita coragem de enfrentar isso. ISTOÉ – Recentemente, tentaram reeditar a Marcha da Família com Deus, a exemplo do ocorrido em 1964. O que achou? Maria Thereza – Ainda tem gente que tem coragem de fazer isso?! Ainda tem tempo? Me disseram que foi um fiasco horrível. Imagino que tenha sido mesmo. ISTOÉ – Como foi a convivência com o poder? Maria Thereza – No início foi muito difícil me adaptar. Mas, como ele era vice-presidente, fui aprendendo e contei com a ajuda de pessoas como a dona Risoleta (mulher de Tancredo Neves, político) e Iara Vargas (política e sobrinha do presidente Getúlio Vargas). Elas me orientavam muito, em tudo. Fizemos, eu e Jango, uma viagem belíssima para os Estados Unidos, a convite de (Richard) Nixon (presidente americano). Foi uma vida de glamour, mas eu sabia que tinha que manter os pés no chão, que não podia me deslumbrar para não me perder no meio daquilo. De certa forma, eu já tinha uma relação com o poder de longe porque minha tia era casada com um irmão de Getúlio (Vargas), frequentava o palácio. Olha, o que posso dizer é que o poder chega e passa. ISTOÉ – Como foi depois da morte de Jango? Maria Thereza – Meus dois filhos são meus dois grandes amigos, companheiros. Fui avó cedo, com 37 anos. Meu neto, o Cris (Christopher), é uma grande paixão, e me ajudou muito. Ele é o que mais gosta de política. ISTOÉ – Como é a sua vida no Rio? Maria Thereza – Gosto muito de viver no Rio. Sou andarilha, faço caminhadas na praia, ginástica, estou sempre em movimento. Quase nem assisto televisão. Estou agora na fase do check up anual, me cuido. E estou preparando uma festa para uma afilhada, filha de uma ex-empregada que é amiga, na Baixada Fluminense, onde ela mora. Serei madrinha de batismo e, por isso, estou fazendo um curso preparatório. A festa será lá, onde vou sempre. Aliás, meu médico veio de Cuba e trabalha lá na Baixada: é o João Marcelo (Goulart, neto). É um grande médico, tenho muito orgulho dele e de todos os outros netos também. Minha família é a minha segurança, meu apoio, alegria. ISTOÉ – A sra. é vaidosa? Já fez plástica? Maria Thereza – Sim, mas sem exageros. Mantenho os 46 quilos que tinha quando casei. Mas não me privo de comer coisas de que gosto para manter o corpo. Como tudo o que tenho vontade, até sanduíche. Fiz uma plástica, um minilifting. E estou querendo fazer outra. ISTOÉ – O Jango era um homem bonito e assediado pelas mulheres, não é? Tinha ciúmes? Maria Thereza – Não tinha ciúmes. Ele sempre disse: nunca vou deixar de voltar para casa. Mas tinha uma vida fora de casa – e, aliás, vou dizer: isso era muito bom, se ficasse muito tempo não ia dar certo. Casamento é assim. Dentro de casa, Jango era um doce de pessoa, adorava os filhos, era uma festa quando ele chegava. Era um pai maravilhoso ISTOÉ – A sra. ouvia falar que ele tinha casos extraconjugais? Maria Thereza – Tinha conhecimento, sim. Mas as pessoas falavam mais do que acontecia. Ele tinha alguns casos, todos os políticos tinham, e muitos ainda têm. Mas ele sempre voltava para casa. Jango era perseguido político e na vida íntima. Diziam que ele tinha várias mulheres. Não eram tantas. Ele gostava, não vou dizer que não. Quando ele era solteiro, sabia que tinha algumas em Porto Alegre, mas eu nunca vi. Falavam de uma moça no Uruguai. Nós morávamos em Punta del Este, eu sabia que tinha essa pessoa, mas nunca vi essa criatura que diziam que o acompanhava a lugares. Nossa vida não foi alterada por causa disso. Mas hoje inventam, publicam falsidades, fartam-se com mentiras que vendem. Falar mal de pessoas, especialmente as que não estão mais aqui para se defender, é muito sério. Tenho horror disso. Infelizmente, vão muito além da verdade e criam fantasias. ISTOÉ – Falavam da sra. também, não é? Maria Thereza – Sim. Me arrumaram tantos casos aqui no Brasil... Mas quando eu poderia ter algum caso se vivia cercada por seguranças? Nunca aconteceu nada disso. ISTOÉ – A sra. não quis se casar novamente? Maria Thereza – Não. Tive uns três relacionamentos mais sérios, mas acabaram não dando certo. Acho que tudo ficou muito marcado na minha vida, não consegui. Namorei um gaúcho bem mais jovem, e também gostei muito de um canadense, de um banco do Canadá. Mas não consegui. Tudo bem. Tenho uma família maravilhosa, amizades verdadeiras, sou feliz. Sou a Tetê de sempre. ISTOÉ – O Jango também a chamava de Tetê? Maria Thereza – Não. Ele me apelidou de Teca. Só ele me chamava assim. Tenho uma foto dele, quando ainda era ministro do Trabalho e namorávamos, com a dedicatória: “Para Teca, com carinho, Jango.”  4#2 OS 20 DIAS QUE MUDARAM O BRASIL As radicalizações das forças políticas de direita e esquerda, a atuação dos conspiradores civis e militares e os equívocos políticos do governo João Goulart contribuíram para que, entre os dias 13 de março e 1º de abril de 1964, o golpe fosse consumado Sérgio Pardellas Foi a partir de uma data associada ao mau agouro que a situação política do então presidente da República João Goulart se deterioraria e as forças golpistas civis e militares encontrariam solo fértil para, dali a 20 dias, articular e sacramentar sua deposição, que condenou o País a 20 anos de trevas. Eram 19h45 de uma sexta-feira 13 quando o nada supersticioso Jango, suando frio, ainda meio baqueado por uma queda de pressão horas antes, subiu ao palanque erguido na Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Enquanto aguardava o momento do seu pronunciamento, Jango fixou os olhos na multidão – cerca de 200 mil pessoas. A imensa maioria exibia cartazes com dizeres a seu favor. Em meio a um ambiente de radicalização à direita e à esquerda, greves e inflação em alta, o evento estava sendo observado com atenção não só pela população, mas por segmentos expressivos da sociedade civil, agentes políticos de todas as colorações partidárias e, principalmente, militares governistas e oposicionistas. Afinal, o comício poderia marcar a definitiva aliança com as esquerdas de um presidente até então hesitante a fazê-lo por medo de perder o apoio dos moderados, encarnados pelo PSD de Tancredo Neves. A expectativa se confirmou. FIM DE LINHA - Sem oferecer resistência ao golpe, Jango, já deposto, experimentaria sua pior solidão Ao tomar a palavra, às 20h46, sob forte calor e tensão emocional, ao lado da mulher, Maria Thereza, Jango, de improviso, proferiu um de seus mais duros discursos desde a posse. Enquanto o ministro da Casa Civil Darcy Ribeiro soprava palavras incendiárias em seu ouvido, aproveitando as pausas no discurso, Goulart selava sua união com as esquerdas ao defender as reformas de base, entre elas a agrária, confirmar o rompimento com o PSD e pregar a necessidade de reescrever a Constituição, à qual se referiu como antiquada. O pronunciamento magnetizou a plateia e inflamou representantes do PTB, PCB e CGT, mas também atiçou a caserna e setores conservadores. A imprensa alinhou-se nas críticas ao comício e, daquela sexta-feira até 1º de abril, o conflito político entre os grupos antagônicos da época assumiu proporções preocupantes para a continuidade do processo democrático. O discurso de Jango se materializaria, dois dias depois, em uma mensagem enviada ao Congresso. Além das reformas de base, Goulart propunha uma reforma eleitoral que criava o instituto da reeleição para presidente e abria brechas legais para a candidatura ao pleito de 1965 do cunhado Leonel Brizola, uma das principais lideranças do PTB. Até então, o petebista não poderia se lançar candidato porque a Constituição dizia que eram inelegíveis parentes de até segundo grau de ocupantes do Executivo. O ambiente não poderia ser mais propício para a movimentação dos militares golpistas. Para as esquerdas, as iniciativas do presidente foram encaradas como uma vitória. Para a direita e conspiradores, “já não se tratava de resistir, mas de intervir no processo para liquidar uma situação tida como intolerável”, sublinhou o jornalista Carlos Castello Branco, que assinava uma das colunas mais respeitadas da época, Coisas da Política, no “Jornal do Brasil”. Até Juscelino Kubitschek, do PSD, que não costurava e nem sequer pensava em golpe de Estado, pois era um dos candidatos favoritos à eleição de 1965, comentou com um interlocutor: “Jango passou dos limites. Saiu da legalidade que o sustentava”, anunciou. O governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, da UDN, e o de São Paulo, Adhemar de Barros, passaram a ocupar rádios e televisões para atacar Goulart. Carlos Lacerda, ferrenho opositor, governador da Guanabara, ampliou o tom dos ataques. Em meio ao clima de tensão política e desconfiança geral, nem as esquerdas pareciam pacificadas, mesmo após todos os movimentos do presidente em direção aos seus anseios. Houve, na esquerda, quem considerasse que um eventual golpe em marcha, de inspiração direitista ou não, pudesse contar com a participação do próprio presidente. A Marcha da Família disseminou o medo da esquerda No dia 18 de março, o ex-presidente da República Eurico Gaspar Dutra concedia uma entrevista ao “JB” em que, além de atacar pessoalmente Goulart, pregava “a união em defesa da legalidade enquanto é tempo”. A entrevista, de grande repercussão, embalou manifestações populares a favor da destituição de Jango. Numa espécie de revide ao Comício da Central, no dia 19 de março surgiu o movimento intitulado Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Ostentando cartazes com os dizeres “Comuna não tem vez” e “Aqui não, João”, a marcha reuniu 500 mil pessoas, entre lideranças conservadoras, católicas e setores da classe média, na praça da república, em São Paulo. O evento que tomou as ruas da cidade representou o grande ato de resistência a Jango. Naquela altura, entre os círculos conspiratórios, Castelo Branco começava a se sobressair como liderança anti-Goulart. O sentimento de medo de um governo de esquerda que, para os opositores a Jango, “ameaçava a Constituição e a família brasileira”, fora disseminado e ganhou ainda mais fôlego. Restava a gota d’água. E ela teria proporções de um oceano para Goulart: a rebelião dos marinheiros. Em 23 de março, marinheiros e fuzileiros organizavam o aniversário da associação que os representava. A festa ocorreria na sede da Petrobras e serviria para os subalternos da Marinha criticarem as condições de trabalho. O ministro da Marinha, Sílvio Mota, interveio na tentativa de proibir não só a utilização da Petrobras como local da festa, mas também a comemoração em si. No dia 24 de março, véspera do aniversário da associação não reconhecida pela Marinha, Mota mandou prender 12 de seus dirigentes. Entre eles, seu presidente, o cabo José Anselmo. Quando a crise eclodiu, em 25 de março, Jango estava com a família em São Borja. Durante o evento, realizado na sede do Sindicato dos Metalúrgicos da Guanabara, cerca de dois mil marinheiros ouviram um discurso desafiador do cabo Anselmo. Em tom político, ele defendeu as reformas de base e atacou seus superiores. CONSPIRAÇÃO MILITAR - Após a ida de Jango ao Automóvel Clube, o general Castelo Branco intensificou tratativas para o golpe A festa se desenrolava quando Mota mandou prender outros 40 marinheiros, mas foi desautorizado por Jango. Horas depois, o ministro da Marinha renunciou ao cargo. No dia 27 de março, Jango, mesmo pressionado pelas Forças Armadas, decidiu anistiar os rebeldes. Sentindo-se feridas no que mais de essencial existia nelas, os fundamentos da autoridade, hierarquia, disciplina e respeito às leis militares, as Forças Armadas estavam à beira de um rompimento definitivo com Jango. Em conversa com o ministro da Guerra, general Jair Dantas Ribeiro, JK dizia que na noite de 29 para 30 de março o País vivia “a maior crise político-militar de sua história”. Os jornais afirmavam que “o estado de direito submergia no Brasil”. O momento exigia de Jango prudência política, mas ocorreu o inverso. No dia 30 de março, o presidente resolveu comparecer à sede do Automóvel Clube, onde aconteceria a posse da nova diretoria da Associação dos Sargentos e Suboficiais da Polícia Militar. Para assessores próximos a Goulart, a ida ao evento era uma insensatez. Tancredo Neves aconselhou-o pessoalmente a não ir, mas o presidente fez ouvidos moucos e desembarcou no Automóvel Clube perto das 20h, acompanhado da mulher e de alguns ministros. Em discurso, além de acusar “inimigos da democracia” de conspirar contra o seu governo, Jango usou termos contrários à disciplina militar que azedaram de vez sua relação já esgarçada com as Forças Armadas. Até os oficiais legalistas e nacionalistas já temiam pelo pior. “Acabou-se. Não há mais sustentação. Eles vão dar o golpe”, disse o tenente-coronel Alfredo Arraes de Alencar. A partir dali, organizações de esquerda passaram a se preparar de fato para um possível golpe. “Agora, quanto pior, melhor”, dizia o general Ernesto Geisel. Rebelião dos marinheiros e discurso em clube militar foram a gota d’água No dia 31 de março, o movimento golpista já estava em marcha e ganhava dinâmica própria. Em editorial intitulado “Basta!”, o prestigiado jornal “Correio da Manhã” passou a cobrar a deposição de Jango. O presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, foi um dos primeiros políticos a romper publicamente com Jango, ao denunciar a “infiltração comunista no País” e afirmar a necessidade da “intervenção militar para garantir a ordem”. Em seguida, o governador de Minas, Magalhães Pinto, apresentou-se como líder civil do movimento para depor Goulart. Horas depois o presidente teve a confirmação do golpe em curso. De Juiz de Fora (MG), o general Olímpio Mourão Filho liderava um comboio militar, formado por recrutas, que marchava para a Guanabara. Em uma derradeira conversa com Jango, no Palácio Laranjeiras, JK sugeriu ao chefe do Executivo medidas conservadoras para estancar a crise. Fez coro o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Peri Bevilaqua. O general garantiu apoio militar, desde que declarasse oposição às greves patrocinadas pela CGT e se comprometesse com a manutenção da disciplina e da hierarquia militar. Goulart se recusou a tais exigências. Naquele momento, o presidente ainda acreditava num dispositivo militar a seu favor. Pensava também contar com o apoio do general do II Exército, Amaury Kruel, que ainda não havia se posicionado em meio ao turbilhão da crise. Quando tropas, tanques e carros blindados do Exército estacionaram no Ibirapuera (SP), Kruel tomou sua decisão em favor dos golpistas. Em pronunciamento às rádios, depois de o governador Adhemar de Barros declarar apoio aos mineiros, Kruel disse que a Pátria deveria ser salva do “jugo vermelho”. Foi uma derrota para Goulart. Do QG do Exército, Geisel e Golbery do Couto e Silva aglutinavam os focos de rebelião militar por telefone. Na noite de 31 de março, Kruel ordenou o deslocamento das tropas do II Exército em direção à Guanabara. Ou seja, para lá marchavam as colunas militares de Minas e de São Paulo, ambas para derrubar o governo. No Nordeste, o comandante do IV Exército também acompanhou os golpistas e ordenou a prisão do governador Miguel Arraes. Ao amanhecer do dia 1º de abril, o governo de Jango estava sitiado. Às duas da madrugada do dia seguinte, quando o presidente já se encontrava em sua estância em Porto Alegre, o presidente do Congresso, Auro de Moura Andrade, declarou a vacância do cargo de presidente. O golpe estava consumado. A CRONOLOGIA DA QUEDA Os 20 dias que antecederam o golpe militar de 1964 foram marcados pela radicalização do governo e da oposição. Confira: O Grande Ato – 13 de março - Rompido com o PSD - sigla de sua base de sustentação -, João Goulart discursa junto a líderes estudantis, políticos e sindicalistas para 200 mil pessoas no Comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro. No ato, que consolida a radicalização à esquerda de sua gestão, Jango faz discurso inflamado contra "os privilégios de uma minoria", defende a necessidade de reformas e anuncia decretos em que estatiza refinarias e desapropria faixas de terras. Mudanças constitucionais - 15 de março - Como prometido no Comício da Central, Jango envia mensagem ao Congresso. No texto, ressalta a necessidade da aprovação de mudanças que permitissem a reforma agrária e o direito a voto para analfabetos e integrantes rasos das Forças Armadas. Defende a convocação de plebiscito e alteração na Constituição que permite, na prática, sua reeleição. Reação conservadora – 19 de março - Cerca de 500 mil pessoas se reúnem na capital paulista na Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Cartazes e gritos pedem a saída de Jango e dos "comunistas infiltrados no Brasil". Trama nos quartéis – 20 de março - O general Castelo Branco envia informe a colegas de patente em que narra intranquilidade nas tropas. Diz-se preocupado com o uso das Forças Armadas "para empreendimentos antidemocráticos". Pede que os militares não se omitam em ser a "contra-revolução". Uma fala parecida com a do ex-presidente Dutra em entrevista a um jornal dias antes. Pela esquerda – 23 de março - Grupos de esquerda entregam ao presidente documento intitulado Programa da Frente Popular. Pedem, entre outras medidas, a nacionalização do sistema financeiro e das reservas naturais, a aplicação da lei de remessa de lucros ao Exterior e a legalização dos partidos comunistas. Revolta dos marinheiros – 25 de março - Liderados pelo cabo Anselmo, dois mil marinheiros se reúnem no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro. O evento, comemorativo ao aniversário da associação da categoria - considerada ilegal -, tem tom de apoio a Jango. Previamente proibido pelo comando da Marinha e com a prisão dos organizadores decretada, o ato é visto por oficiais como uma violação à hierarquia militar. Para encerrá-lo, o ministro da Marinha, Sílvio Mota, envia forte aparato ao local, mas parte da tropa se recusa a cumprir a ordem de retirar os participantes "vivos ou mortos" e se une a eles. Jango ordena que não haja ataque aos marinheiros. Racha na caserna – 28 de março - Diante da quebra de hierarquia, oficiais da Marinha se rebelam no Clube Naval e exigem a prisão do almirante Aragão, que renunciou ao comando do corpo de fuzileiros navais para não ter de comandar o ataque aos marinheiros. Sem força, o ministro da Marinha, Sílvio Mota, renuncia. A situação na caserna se agrava ainda mais com a anistia concedida por Jango aos marinheiros. Radicalização – 30 de março - Mesmo alertado sobre a provocação que sua presença representaria aos oficiais das Forças Armadas, o presidente comparece à posse da diretoria da Associação dos Sargentos, no Automóvel Clube. O evento tem discursos exaltados de integrantes de baixa patente em defesa das reformas nacionalistas. Ao discursar, Jango também deixa de lado a contemporização. Ao término da reunião, integrantes dos dois lados já se veem diante de um futuro golpe. Levante militar – 31 de março - O presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, lança manifesto em que declara o rompimento da Casa com o governo. Tropas lideradas pelo general Olímpio Mourão Filho, sem o conhecimento das principais lideranças militares, marcham de Minas Gerais rumo ao Rio de Janeiro. Comandantes pelo País passam a aderir ao movimento pela derrubada de Goulart, que titubeia ao demonstrar reação. Considerado a esperança de Jango, o comandante do II Exército, Amaury Kruel, adere ao golpe. Fim da democracia – 1º de abril - O presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declara vago o cargo de presidente, com Jango ainda em território brasileiro. O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, é empossado interinamente. Militares já discutem quem deles ficará no comando do País. 4#3 AS CARAS DA CRISE Quem são os protagonistas da radicalização que levou do golpe Ao se jogar as luzes sobre o golpe militar de 1964, tende-se a enxergar apenas as fardas e os coturnos. O fatídico golpe de 1° de abril, no entanto, teve a contribuição também de civis de diferentes espectros da esquerda e da direita. Os personagens que ilustram estas páginas, como Leonel Brizola, Carlos Lacerda, Miguel Arraes e Olímpio Mourão, ajudaram, seja com conspirações ou falas inflamadas, a sacudir a ordem institucional do País usando diferentes discursos. Tinham, porém, o mesmo desejo: implementar um projeto, cada um a seu modo, de poder no Brasil. Não à toa, às vésperas da deposição de João Goulart, já era dado como certo que aconteceria um golpe. Restava apenas saber se ele viria de um lado ou do outro. O que não se esperava, mesmo entre aqueles que se sagraram vitoriosos em um primeiro momento, é que a democracia seria interrompida por mais de duas décadas. JOÃO GOULART - Estancieiro gaúcho, Jango ingressou na política pelas mãos de Getúlio Vargas. Foi eleito deputado estadual em 1947, pelo PTB, e tornou-se deputado federal em 1951. Com Getúlio no poder, assumiu a pasta do Trabalho. Venceu duas vezes a disputa a vice-presidente: em 1955 e em 1960. Com a renúncia de Jânio em 1961, militares tentaram impediram que assumisse o cargo, ao qual chegou com a Campanha da Legalidade, liderada por Brizola, e após aceitar a fórmula parlamentarista. Um ano e meio depois, conseguiu a volta do presidencialismo. A radicalização do País, inclusive da sua gestão, levou-o à deposição em 1964. Aos 57 anos, morreu exilado na Argentina sem realizar o sonho de voltar ao País. LEONEL BRIZOLA - Cunhado de João Goulart, Brizola criou em 1961, quando era governador do Rio Grande do Sul, a "Campanha da Legalidade", movimento que transformou seu Estado em front de defesa do governo Jango. Pressionou Jango para promover a reforma agrária e controlar o lucro das empresas multinacionais. CARLOS LACERDA - O jornalista apaixonado pelo poder foi adversário de Vargas, Juscelino e Jango e conquistou a fama de "demolidor de presidentes". Lacerda foi um dos articuladores civis do golpe de 1964, colaborando com o plano estratégico dos militares. Depois se voltou contra o regime. MIGUEL ARRAES - Era governador de Pernambuco e defensor declarado dos sindicatos e dos movimentos que defendiam a liberdade e a democracia. Não por acaso, tornou-se um dos maiores inimigos dos militares. Depois do golpe, negou a ordem para renunciar ao governo e foi deposto. Passou 11 meses preso e depois se exilou na Argélia. LUÍS CARLOS PRESTES - O comunista que tinha o apelido de "Cavaleiro da Esperança" foi um defensor das propostas de reformas de base é da política do governo João Goulart. Após o golpe, seus direitos políticos foram cassados e ele foi condenado a 15 anos de prisão. Conseguiu fugir para a União Soviética e retornou ao Brasil somente em 1979. ASSIS BRASIL - Ao reformar a estrutura do governo, Jango escolheu o general Assis Brasil para chefiar seu Gabinete Militar. Assis convenceu o presidente a nomear militares para cargos importantes. Alegava que, ao levar homens de alta patente para a cúpula do governo, o presidente estaria blindado contra um possível golpe. A ideia, que ganhou o nome de "dispositivo militar", não deu certo e Jango foi traído por militares que nomeou. JUSCELINOKUBITSCHEK - Em 1964, pesquisas mostraram que o ex-presidente Juscelino Kubitschek era um dos favoritos para a eleição presidencial do ano seguinte. Dez dias antes do golpe, o PSD antecipou a candidatura de JK à presidência, mas a tomada do poder pelos militares abortou o movimento de retomada da ordem constitucional pelas eleições. DARCY RIBEIRO - Chefe do Gabinete Civil do governo Jango, Darcy Ribeiro defendia reformas básicas, a luta indigenista e, especialmente, uma revolução na educação brasileira. Destemido, propôs que sua equipe se armasse e resistisse ao golpe, mas o plano não vingou. Exilado, voltou ao Brasil em 1976. OLÍMPIO MOURÃO - O general Olímpio Mourão encontrou no governador de Minas Gerais Magalhães Pinto o parceiro ideal para conspirar contra o governo. No dia 31 de março de 1964, Mourão reuniu destacamentos do Exército de Juiz de Fora, São João Del Rey e Belo Horizonte em uma marcha até o Estado da Guanabara, para tomar o governo de Jango. CABO ANSELMO - José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, liderou o movimento de revolta na Marinha. Depois do golpe, militou em organizações de esquerda até trabalhar como agente duplo. Graças ao seu trabalho e às delações que fez, dezenas de grupos de resistência foram descobertos e vários ex-companheiros do cabo, inclusive uma namorada, foram presos, torturados e mortos. AMAURY KRUEL - Amigo pessoal do presidente João Goulart, o general Amaury Kruel comandava o II Exército. Quando as tropas do general Olímpio Mourão já estavam nas ruas, rumo à Guanabara, Kruel teve uma conversa ríspida com Jango e condicionou seu apoio à ruptura do presidente com a esquerda, mas João Goulart não aceitou a pressão. 4#4 CONSPIRAÇÃO AMERICANA Os Estados Unidos agiram ativamente para derrubar João Goulart da Presidência e cogitaram até mesmo invadir o país caso o golpe fracassasse Yan Boechat (yan@istoe.com.br) A noite já havia caído sobre a Guanabara naquela sexta-feira de outono que marcava o fim de uma semana especialmente tensa no país quando o embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, iniciou a transmissão de um longo telegrama ao Departamento de Estado Americano. Classificado como “Top Secret”, o documento era dividido em cinco partes e tinha como destinatários figuras do primeiro escalão do governo dos Estados Unidos, como o secretário de Defesa, Robert McNamara, e o secretário de Estado, Dean Rusk. Gordon ainda estava sob o impacto do incendiário discurso do então presidente João Goulart realizado duas semanas antes na Central do Brasil, no Rio, e impressionado com o imenso apoio popular à Marcha da Família com Deus. Ele acreditava na ameaça concreta de uma guerra civil no Brasil. Para ele, Jango estava determinado a dar um golpe e assumir poderes ditatoriais com o apoio de comunistas dispostos a transformar o País em uma espécie de China maoista da América do Sul. “Se eles tiverem sucesso”, escreve Gordon a seus superiores, “é bastante provável que o Brasil fique sob total controle comunista”. REGISTRO - O presidente John Kennedy e o embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, no Salão Oval da Casa Branca O documento enviado no dia 27 de março de 1964 tinha intenções mais complexas do que o simples relato do estado das coisas no maior país da América Latina. Com a descrição alarmista, Lincoln Gordon pedia, também, autorização para colocar em prática um plano arriscado, porém ambicioso, conhecido como Brother Sam, que tinha como objetivo depor João Goulart da Presidência e entregar o poder a militares fiéis à ideologia americana de luta contra o comunismo. No telegrama enviado da embaixada americana no Rio, Gordon é explícito: “Recomendo que todas as medidas para preparar o envio clandestino de armas de origem não americana aos apoiadores de Castelo Branco em São Paulo sejam feitas o mais rápido possível (...) A entrega deve ocorrer à noite por submarino em uma área isolada ao sul de Santos, provavelmente próximo a Iguape ou ‘Gananeia’ (sic)”. O pedido para envio de armas para apoiadores do general Castelo Branco era apenas uma, talvez a mais simples e a menor, de uma série de ações que os Estados Unidos pretendiam tomar caso o golpe de 1º de abril não saísse como se esperava. A operação de apoio aos militares golpistas brasileiros começou a ser desenhada dois anos antes com o apoio do presidente americano John F. Kennedy. Em gravações feitas no Salão Oval da Casa Branca em 1962 e 1963, Kennedy fala abertamente com Gordon sobre um golpe no Brasil (leia diálogos na página anterior). No último registro de conversa entre os dois, um mês e meio antes de o presidente americano ser assassinado no Texas, Kennedy pergunta a Gordon: “Você vê a situação caminhando para um ponto em que seria desejável interferir militarmente nós mesmos?” A morte do mais carismático líder americano do pós-guerra não afetou os planos de intervenção no Brasil. Sob o comando de Lyndon Johnson, Gordon continuou com carta branca para conspirar contra o presidente brasileiro. Ele já vinha fazendo isso desde 1961, quando assumiu a embaixada americana no Brasil. Para apoiá-lo na missão, o Departamento de Estado enviou o coronel Vernon Walters, ainda em 1963, para ser o adido militar americano no Brasil. Walters, um poliglota que falava sete idiomas, havia sido o responsável, quase 20 anos antes, por fazer a interlocução entre os militares brasileiros e os americanos na campanha da FEB na Itália durante a Segunda Guerra Mundial. Na ocasião, tornou-se amigo de Castelo Branco, que comandava o efetivo de 20 mil pracinhas na Europa. Ao longo de todo o ano que antecedeu a tomada de poder pelos militares, os americanos fizeram de tudo para enfraquecer o governo de João Goulart. Seja por meio de cancelamento de empréstimos via FMI ou Banco Mundial, seja financiando grupos que eram abertamente contra o presidente brasileiro, como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, o Ipes. Ao mesmo tempo, Gordon e Walters tramavam com os militares brasileiros a melhor maneira de assumir o poder. Foi no início da tarde do dia 31 de março que o embaixador americano finalmente recebeu uma resposta formal dos pedidos que havia feito quatro dias antes. Por meio de um telegrama enviado diretamente do Departamento de Estado, a Casa Branca informava que havia autorizado o envio de um porta-aviões, seis destróieres, petroleiros abastecidos com 130 mil litros de combustível, além de aviões, helicópteros e tropas para as proximidades da costa do Rio de Janeiro. As 100 toneladas de armas seriam enviadas para Campinas, e não para o litoral, por meio de seis aviões cargueiros. Cerca de 12 horas depois, o general Mourão Filho iniciou a marcha com suas tropas de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro disposto a tomar o poder. O resto é história. Gordon acreditava – ou queria que seus superiores acreditassem – que haveria uma sangrenta guerra civil no país. Com o poder nas mãos dos militares já no dia 1º de abril, o embaixador informou ao secretário de Estado, Dean Rusk, que a intervenção não seria necessária. Tudo havia corrido melhor do que se esperava. Apenas os paulistas haviam pedido auxílio militar aos Estados Unidos. 4#5 TODOS QUERIAM UM GOLPE Não foram só os militares que desprezaram as regras democráticas em 1964. Havia conspiradores na direita, na esquerda e nas entranhas do próprio governo João Goulart Amauri Segalla e Pedro Marcondes de Moura Em 1964, o Brasil era um País enredado numa teia de conspirações. Tramava-se contra o governo de João Goulart, mas o próprio Jango quis corromper as regras da sucessão presidencial. Enquanto a direita urdia a tomada de poder, líderes da esquerda defendiam o fechamento do Congresso Nacional. Se os empresários lançaram uma campanha que incendiou militares, os estudantes da UNE cantaram uma música com o refrão “Não dá pra ter democracia se a barriga está vazia”. Ao mesmo tempo em que Gilberto Freyre celebrou o golpe, Darcy Ribeiro defendeu a resistência até a morte. O Brasil de 1964 era um balaio de ideias e correntes políticas, de líderes pertinazes e sabotadores empedernidos, e por isso mesmo a sociedade ansiava por mudanças, ainda que elas significassem o desapego à democracia. Alguma coisa precisava acontecer, e aconteceu da pior maneira possível. No livro “A Ditadura Envergonhada”, do jornalista Elio Gaspari, consta o que Miguel Arraes, o governador esquerdista de Pernambuco, disse a amigos às vésperas do histórico 1º de abril: “Estou certo de que um golpe virá. De lá ou de cá, ainda não sei.” NUVENS SOBRE BRASÍLIA - Conspiradores de todas as correntes ideológicas lutavam por ruptura institucional O golpe veio de lá, mas poderia ter vindo de qualquer lugar. Seu primeiro capítulo se deu na renúncia de Jânio Quadros, em 1961, que desencadeou uma sequência de acontecimentos que acabaram por fragmentar o País. Na ausência de Jânio, a chefia da nação deveria ser transmitida a João Goulart, mas seu nome foi vetado por ministros militares – e assim ele sofreria seu primeiro golpe antes mesmo de assumir o cargo. Inventou-se uma fórmula parlamentarista delirante, segundo a qual Jango ocuparia a Presidência, mas sem desfrutar de fato do poder. O parlamentarismo caiu um ano e meio depois, em um plebiscito que daria a Jango 9,5 milhões de votos. Mas, enfim presidente, o homem que já causava arrepios nos conservadores aproximou-se ainda mais das esquerdas. Em outubro de 1963, pediu ao Congresso a decretação do estado de sítio e, pouco depois, quis alterar a Constituição, o que abriria a possibilidade de ser reeleito no pleito de 1965, suspenso pela ditadura. Seu cunhado, o ex-governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, assumiria então o papel de incendiador oficial da República. No Comício da Central, no dia 13 de março, Brizola propôs o fechamento do Congresso. A Jango, disse não uma, mas várias vezes: “Se não dermos o golpe, eles o darão contra nós”. A ideia golpista estava no ar. Em janeiro, em uma entrevista na tevê, Luiz Carlos Prestes, secretário-geral do Partido Comunista, fez uma declaração que assustou almas mais suscetíveis: “Poderíamos concordar com a dissolução do Congresso se houvesse um governo que desse as necessárias garantias democráticas a todas as forças patrióticas”. Não eram, a seu modo, conspiradores de plantão? A guinada de Jango e a proximidade com líderes comunistas exasperaram os sentimentos mais sombrios da direita nacional. Ávidos por derrubar o presidente, alguns dos principais empresários do País criaram o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais, o Ipês, constituído com o propósito de lançar campanhas difamatórias contra movimentos de esquerda. O Ipês fez propagandas de alcance nacional que apresentavam comunistas como indivíduos sanguinários, e seus quadros contavam com figuras que mais tarde se tornariam símbolos da ditadura, como o general Golbery do Couto e Silva. Num período em que a circulação de informações não se dava de maneira irrestrita como agora, o Ipês produziu um longo documentário sobre a economia do País. A obra carregou na dramaticidade. A situação era feia – inflação perto de 100% ao ano, diminuição da renda per capita, gastos públicos excessivos –, mas o Ipês pintou um cenário de tragédia que levou pânico principalmente à classe média. No âmbito político, havia golpistas entre os governadores dos principais Estados brasileiros. Em São Paulo, Adhemar de Barros organizou, com a ajuda de lideranças católicas, a Marcha da Família, evento que contou com a presença de centenas de milhares de pessoas contrárias à “onda comunista” – era o apoio popular que os militares precisavam para levar o golpe adiante. Em Minas Gerais, o governador e banqueiro José de Magalhães Pinto fez tudo que pôde para defenestrar Jango. No dia 28 de março, Magalhães reuniu-se com o general Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar e primeiro militar a pôr suas tropas na rua. A pauta do encontro: as ações que seriam lançadas para tomar a Presidência. Carlos Lacerda, o “derrubador de presidentes” e governador do então Estado da Guanabara, orgulhava-se de ter instigado o governo americano ao dar uma entrevista bombástica para o jornal “Los Angeles Times”, denunciando o que chamou de infiltração comunista no governo Jango. Não estavam todos conspirando contra o presidente? Na lógica dos governadores, a queda de Jango resultaria num governo militar transitório até as eleições presidenciais, em 1966, quando disputariam votos na condição de favoritos. Brizola raciocinou da mesma forma. Havia até um slogan para a campanha dele: “Cunhado não é parente, Brizola para presidente”. Em 64, o Brasil ansiava por mudanças, mesmo se elas ameaçassem a democracia O golpe veio e a ironia é que muitos de seus protagonistas – de um lado ou de outro da trincheira – acabaram banidos pelos militares. Adhemar fugiu e morreu na França. Lacerda foi preso. Prestes entrou na clandestinidade e depois viveu anos na antiga União Soviética. Brizola exilou-se no Uruguai. Consta que, ao cruzar a fronteira, carregava a faixa presidencial roubada de Jango. 4#6 A HERANÇA DE CHUMBO Antonio Carlos Prado, Elaine Ortiz, Ana Weiss Foi o mais sombrio, arbitrário e autoritário presente de fim de ano que o País já teve. No Palácio Laranjeiras na noite de 13 de dezembro de 1968, no Rio de Janeiro, o presidente da República, general Arthur da Costa e Silva, reuniu-se com o Conselho de Segurança Nacional para a decretação do Ato Institucional nº 5: o Congresso Nacional foi colocado em recesso, baniu-se o instrumento jurídico do habeas corpus e a imprensa passou a ser censurada. Qualquer cidadão podia ser preso sem ordem judicial e, nos dez primeiros dias de prisão, permanecia incomunicável - era a institucionalização da tortura como política de Estado. O AI-5 foi a resposta desmedida da ditadura à Câmara dos Deputados que se recusara a permitir que o regime processasse o deputado Márcio Moreira Alves: três meses antes, ele conclamara a população a não participar das comemorações de 7 de Setembro. Costa e Silva deixou claro ao Conselho de Segurança que, embora o consultasse, a decisão de impor o AI-5 já estava por ele tomada. O BRASIL DESCE AOS INFERNOS Brasília amanhece no dia 14 de dezembro de 1968. A noite anterior foi a do terror do anúncio do AI-5, que fechou o Congresso Nacional e exacerbou o poder dos militares. PRISÃO IMEDIATA - Em 1964 o ex-presidente Juscelino Kubitschek leu nos jornais a cassação de seus direitos políticos. Em 1968, assim que foi decretado o AI-5, ele foi preso no Rio de Janeiro quando saía da formatura de uma turma de engenharia da qual fora paraninfo. Ficou trancafiado na sala de um quartel sem livros e sem roupas para trocar. "COMO É DIFÍCIL ACORDAR CALADO SE NA CALADA DA NOITE EU ME DANO QUERO LANÇAR UM GRITO DESUMANO QUE É UMA MANEIRA DE SER ESCUTADO ESSE SILÊNCIO TODO ME ATORDOA ATORDOADO EU PERMANEÇO ATENTO NA ARQUIBANCADA PRA A QUALQUER MOMENTO VER EMERGIR O MONSTRO DA LAGOA PAI, AFASTA DE MIM ESSE CÁLICE DE VINHO TINTO DE SANGUE" (Gilberto Gil e Chico Buarque; trecho de "Cálice") ÀS FAVAS TODOS OS ESCRÚPULOS DE CONSCIÊNCIA - Jardas Passarinho, ministro da Educação e Cultura, defendendo o AI-5 na reunião do Conselho de Segurança que o aprovou em 13 de dezembro de 1968. E VEIO A CENSURA - Na edição de 14 de dezembro de 1968, como não poderia deixar de ser, o AI-5 estava na capa dos jornais. A mídia em geral apoiara o golpe apostando que já em 1965 os militares devolveriam o poder aos civis por meio de eleições. Com a entrada em cena da tortura, morte e desaparecimento de oponentes do regime ditatorial, agora também a mídia passará a denunciar o arbítrio - fazendo malabarismos para isso, uma vez que ela fora igualmente vítima do AI-5 que a colocou sob rigorosa censura prévia. A NOITE, DOS GENERAIS Os oito militares que tomaram a presidência da república Humberto de Alencar Castelo Branco, marechal, era chefe do Estado-Maior do Exército, com bom trânsito nos quartéis e também junto a políticos, empresários e banqueiros, quando se tornou um golpista de última hora. Integrava a ala moderada das Forças Armadas e assumiu a Presidência da República em 1964 prometendo manter as eleições presidenciais do ano seguinte. Sucumbiu a pressões: puniu 3.500 opositores, extinguiu partidos políticos e cancelou as eleições diretas para presidente. Em seu mandato, que expirou em 1967, houve cerca de 360 denúncias de tortura. A JUNTA ASSUME - Juntas militares na história republicana do Brasil sempre assumiram o poder em períodos de exceção constitucional: 1930, 1961 e 1969 - dessa última vez devido ao afastamento de Arthur da Costa e Silva. O triunvirato: general Aurélio de Lyra Tavares, almirante Augusto Rademaker e brigadeiro Márcio de Souza e Melo. CHEGA A LINHA DURA - O general Arthur da Costa e Silva vinha da linha dura das Forças Armadas. Enfrentou a revolta dos estudantes e a luta armada e seu governo deixou a triste herança de 30 mortos e 800 torturados. Mergulhou o Brasil no AI-5 suspendendo todas as garantias constitucionais. Sofreu uma trombose cerebral e foi afastado do poder em 1969. TORTURA E SILÊNCIO - Com o general Emílio Garrastazu Médici (1969 a1974), os DOI-CODI operaram a todo vapor seus apetrechos de tortura com o conluio do judiciário e sob o manto do silêncio da sociedade civil. Tal silêncio foi filho do Medo, mas também do ufanismo vindo da economia pujante, da vrimeira transmissão a cores da tevê e do tricampeonato mundial de futebol. Foi o tempo Do "brasil - ame-o ou deixe-o". Não sem razão, Médici disfarçou a austeridade de linha dura e fez seu marketing com "embaixadas" de cabeça para comemorar o título. LUZ NO TÚNEL - O início do desmonte dos "porões" repressivos deu-se na gestão do general Ernesto Geisel (1974-1979) - é a fase da distensão política. Dois assassinatos no DOI-Codi paulista (do jornalista Vladimir Herzog e do metalúrgico Manuel Fiel Filho) o levam a exonerar o comandante do II Exército Ednardo D'Ávila Mello. Demite também o ministro do Exército Sylvio Frota, que conspirava para endurecer novamente o regime. ÚLTIMO MILITAR - Em 1979, o general João Baptista Figueiredo tomou posse na Presidência da República. Sancionou a Lei da Anistia e restabeleceu eleições diretas para governadores. Deixou o governo em 1985 recusando-se a entregar a faixa presidencial a José Sarney, alçado a presidente com a morte de Tancredo Neves. Saiu pela porta dos fundos do Palácio do Planalto bradando "que o povo me esqueça". O povo obedeceu. “Farei do Brasil uma democracia, na lei ou na marra” - General João Baptista Figueiredo, em seu discurso de posse na Presidência da República, em 1979. 3.670 OPOSITORES DO REGIME FORAM TORTURADOS NA GESTÃO MÉDICI. 132 PESSOAS FORAM MORTAS E 96 "DESAPARECERAM. PASSEATAS DA LIBERDADE No dia 26 de junho de 1968, no Rio de Janeiro, a "Passeata dos Cem Mil" entrou para a história da resistência política. Um dos blocos da manifestação foi capitaneado por intelectuais e artistas como Chico Buarque, Edu Lobo, Caetano Veloso, Pascoal Carlos Magno, José Celso Martinez Corrêa, Ítala Nandi, Nelson Motta. A popularidade artística servia como "escudo" diante da ferocidade da repressão. Seis meses depois, caiu a noite do AI-5 e teve início então a diáspora da intelectualidade do País. O ar ficara irrespirável para aqueles que queriam pensar e criar livremente. "APESAR DE VOCÊ / AMANHÃ HÁ DE SER/OUTRO DIA (...) COMO VAI ABAFAR / NOSSO POVO A CANTAR / NA SUA FRENTE" (Chico Buarque; trecho de "Apesar de você") HISTÓRIA DAS VÍTIMAS A tortura e o assassinato do metalúrgico Manuel Fiel Filho no DOI-Codi de São Paulo, em 1976, foram a gota d'água para que Ernesto Geisel exonerasse o comandante do II Exército Ednardo D'Ávila Mello. O governador paulista Paulo Egídio Martins informou Geisel por telefone. Era um fim de semana. Na segunda-feira, o presidente viajou a São Paulo e pessoalmente demitiu Ednardo. Foi a resposta para militares e civis que se opunham à distensão política. A GRANDE FARSA - Amoníaco na boca para sufocar, choque elétrico no corpo para doer nervos e órgãos. Assim foi torturado e morto em São Paulo, em 25 de outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog. Seu algoz: o "capitão Ramiro" (codinome do delegado Antonio Grancieri), conforme ISTOÉ revelou 17 anos depois. O caso Vlado causou comoção nacional. Tanto ele quanto Manuel Fiel Filho pertenciam ao PCB. Para ambos, a repressão montou a farsa do suicídio. "E CANA, SEU BERINJELA" - Carlos Marighella rompeu com o PCB e criou a Ação Libertadora Nacional, que pregava a tomada do poder por meio da guerrilha urbana. Foi considerado o inimigo número 1 dos militares. Foi morto em 1969 pela repressão numa emboscada em São Paulo. O policial atirou gritando: "É cana, seu berinjela." Marighella era ruim de disfarces e fraco como poeta. CAIA A TARDE FEITO UM VIADUTO E UM BÊBADO TRAJANDO LUTO ME LEMBROU CARLITOS (...) E NUVENS! LÁ NO MATA-BORRÃO DO CÉU CHUPAVAM MANCHAS TORTURADAS (...) CHORA! A NOSSA PÁTRIA MAE GENTIL CHORAM MARIAS E CLARISSES NO SOLO DO BRASIL (João Bosco e Aldir Blanc; trecho de "O Bêbado e a Equilibrista") DESERÇÃO - Antes de desertar do Exército em 1969 e criar o grupo guerrilheiro VPR, o capitão Carlos Lamarca deu aula a civis ensinando-os justamente a combater o terror. Na clandestinidade, organizou um foco de resistência no sul de São Paulo e o sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, solto em troca da libertação de 70 presos políticos. Lamarca foi morto na Bahia em 1971. 6016 PESSOAS FORAM TORTURADAS NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA, ENTRE 1964 E 1985. 210 PESSOAS FORAM MORTAS E 146 ENTRARAM PARA O ROL DE "DESAPARECIDAS". DADOS DO "PROJETO BRASIL: NUNCA MAIS". A DIREITA TAMBÉM Morre foi na Alameda Casa Branca, em São Paulo, onde dois anos antes foi morto Carlos Marighella, que no dia 15 de abril de 1971 a ALN matou o empresário Henning Albert Boilesen. Presidente da Ultragás, ele era acusado pela esquerda de financiar a repressão e importar "pimentinhas" (máquinas de choque). As acusações não foram comprovadas. ELBRICK ENTRE AMÉRICA E FLUMINENSE - O embaixador americano Charles Elbrick foi sequestrado em 1969 por guerrilheiros da ALN e do MR 8. Dele participou Fernando Gabeira, à época jornalista do "Jornal do Brasil". Na véspera do sequestro, tomando um chope, Gabeira pensou: "Amanhã eu vou entrar para a história." Elbrick foi solto em meio a torcedores que saíam do Maracanã após o jogo América e Fluminense. Em troca de sua soltura foram libertados 15 presos políticos, entre eles José Dirceu. FUMAÇA DE ÓLEO DIESEL - Uma das mais terríveis mortes sob tortura, se é que é plausível graduar a dor, foi a de Stuart Edgart Angel Jones em 1971 - assassinado com escapamento de jipe acoplado à boca. O seu corpo foi atirado ao mar. O desespero de sua mãe, a estilista Zuzu Angel, está retratado no filme que leva o seu nome. Patrícia Pillar emocionou no papel principal. A estilista morreu no Rio de Janeiro num acidente de carro em 1976. O GRITO DA IGREJA - Dom Eugênio Salles, cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro nos anos de chumbo, era extremamente conservador. Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal-arcebispo de São Paulo no mesmo período, professava claramente a sua fé na Teologia da Libertação e se fazia midiático. Para os militares, dom Eugênio era um interlocutor mais respeitado - justamente por seu conservadorismo. Ambos ajudaram, no entanto, a salvar muita gente do pau-de-arara e da morte. ARAGUAIA, A LEI DO EXTERMÍNIO Entre 1972 e 1973, o governo enviou para a região do Bico do Papagaio, no Tocantins, pelo menos quatro mil militares para combater a guerrilha organizada pelo PCdoB às margens do rio Araguaia. A ação comandada por forças especiais e de elite do Exército formalizou o extermínio como política de Estado. Orientados a não fazer prisioneiros, os soldados assassinaram quase todos os guerrilheiros envolvidos na luta - inclusive os que se renderam. Foi horroroso. As cabeças dos guerrilheiros ficaram totalmente destruídas” - Manuel Leal Lima, o mateiro Vanu, testemunha da execução de três militantes do PCdoB que estavam no Araguaia, em depoimento reproduzido no livro "A Ditadura Escancarada", do jornalista Elio Gaspar. RATOS DO PORÃO De vendedor de máquina de escrever a delegado de polícia, e daí a policial todo-poderoso da ditadura - por ela condecorado por ter exterminado os grupos armados. Mas Sérgio Paranhos Fleury, se mantinha um pé no Palácio do Planalto, não conseguia tirar o outro pé da escória, e continuava extorquindo marginais rastaqueras com seu "esquadrão da morte". Torturava excessivamente, bebia excessivamente. Essa foto, exclusiva de ISTOÉ, é a última imagem de Fleury em vida, inaugurando seu novo iate no litoral paulista. Feriado de 19 de maio de 1979. Nessa noite, ele morre ao passar do iate para um barco: caiu no mar, foi resgatado em poucos minutos, mas já sem vida. Na época, o chefão da polícia política, Romeu Tuma, proibiu a necropsia temeroso de que drogas ilícitas fossem encontradas no corpo. Criou-se então o mistério: Fleury morreu porque estava bêbado ou foi envenenado? Tudo leva a crer que a segunda hipótese é fantasiosa. O GOLPE DENTRO DO GOLPE: A BOMBA EXPLODIU NO COLO 30 de abril de 1981 é a data em que explodiu no colo a tentativa radical de endurecer o regime. Comemorava-se o Dia do Trabalho, no Riocentro, com show de Chico Buarque, Elba Ramalho, Gonzaguinha e Fagner, entre outros. No interior de um carro, dois militares: Wilson Machado ao volante e Guilherme do Rosário com uma bomba nas mãos. Era para explodir no show. Ela explodiu, no entanto, no colo de Rosário e o matou. O atentado foi planejado pela linha dura para frear o processo de abertura política. Na mesma estratégia de ataques loucos da extrema direita para responsabilizar a esquerda, enfraquecer o governo e truncar a distensão, um ano antes a OAB do Rio de Janeiro - atuante interlocutora da sociedade sob o comando nacional do jurista Raymundo Faoro - também sofreu um atentado no qual morreu a funcionária Lydia Monteiro da Silva. DO MILAGRE AO PESADELO O golpe se deu num Brasil com inflação anual de quase 100%. Às vésperas de apearem João Goulart do governo, o poder de compra do brasileiro equivalia a 17% do do americano. Os militares sanearam as contas e promoveram o "milagre econômico". O barateamento do crédito, o controle dos preços pelo Estado e um cenário internacional favorável jogaram a favor do crescimento, e obras de infraestrutura se espalharam aos quatro cantos. Mas veio a crise mundial do petróleo e a alta de juros nos EUA: a nossa dívida externa tornou-se insustentável. Quando os civis reassumiram o comando da nação, ela se via atolada numa inflação de 200% ao ano. “Quero fazer o bolo crescer para depois dividi-lo” - Antonio Delfim Netto, artífice do "milagre econômico", quando questionado por que os benefícios da economia não envolviam as classes sociais de baixa renda. Ele foi membro do Consplan (gestão Castelo Branco), ministro da Fazenda (Costa e Silva e Médici) e ministro da Agricultura e secretário do Planejamento (João Figueiredo). VOCÊ MERECE, VOCÊ MERECE TUDO VAI BEM, TUDO LEGAL (...) PRA GANHAR UM FUSCÃO NO JUÍZO FINAL VOCÊ MERECE, VOCÊ MERECE E DIPLOMA DE BEM COMPORTADO VOCÊ MERECE, VOCÊ MERECE ESQUEÇA QUE ESTÁ DESEMPREGADO VOCÊ MERECE, VOCÊ MERECE (Gonzaguinha; trecho de "Comportamento Geral”) O BRUXO E A ALQUIMIA DA ABERTURA Golbery do Couto e Silva, general e ministro da Casa Civil de Ernesto Geisel e de João Figueiredo, tinha por hábito ouvir mais do que falava e falar menos do que pensava. Dado o golpe em 1964, foi o mentor do SNI. Quando a ditadura chegou a seu ocaso, deu o tom e o ritmo da distensão: "lenta, gradual e segura". Manteve-se como interlocutor de órgãos representativos da sociedade civil, como a OAB e a ABI, presididas, respectivamente, por Raymundo Faoro e Barbosa Lima Sobrinho. Conteve a "tigrada" extremista da direita e manteve o País no caminho da redemocratização. DIRETAS JÁ - Não foram os 430 anos de São Paulo o motivo da manifestação de 300 mil pessoas na Praça da Sé em 25 de janeiro de 1984 - mas sim a vontade de votar para presidente. Nascia no Brasil a festa cívica das "Diretas Já". Tratava-se da sucessão do general João Figueiredo. Prevaleceu, no entanto, o voto indireto no Congresso, e Tancredo Neves foi eleito derrotando Paulo Maluf. O BRASIL DEMOCRÁTICO - Com a morte de Tancredo Neves, José Sarney sobe a rampa do Planalto. Foi instalada a Assembleia Constituinte e promulgou-se a atual Constituição garantidora do Estado Democrático de Direito - conhecida como "Constituição Cidadã". SUBVERSÃO DA TANGA DE CROCHÊ - Era lilás a tanga de crochê que Fernando Gabeira estreou na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, no verão de 1980 - o famoso "Verão da Anistia". Tinha um significado: era a sua crítica ao moralismo e à ortodoxia que ainda guiavam a esquerda - e às vezes a confundiam com a direita. VOLTAM AS GREVES - Com a distensão em pleno andamento, surgem no ABC paulista os primeiros indícios de que a mudança estava prestes a acontecer: as greves dos metalúrgicos lideradas por Luiz Inácio Lula da Silva. As reivindicações dos trabalhadores eram salariais, mas Lula e a esquerda souberam instrumentalizá-las como ferramenta política contra o agonizante regime militar. R$ 6,8 BILHÕES - Foram pagos em indenizações a perseguidos pela ditadura, vítimas de tortura e presos políticos entre 2002 e 2013. R$ 40 milhões foi o valor pago às famílias dos mortos desde 1995. PÕE MEIA DÚZIA DE BRAHMA PRA GELAR MUDA A ROUPA DE CAMA EU TÔ VOLTANDO (...) DIZ QUE EU SÓ VOLTO AMANHÃ SE ALGUÉM CHAMAR TELEFONE NÃO DEIXA NEM TOCAR QUERO LÁ, LÁ, LÁ, IA, PORQUE EU TÔ VOLTANDO! (Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós; trecho de "Tô Voltando") A RESISTÊNCIA PELA CULTURA Apesar da mordaça, artistas lutaram pela liberdade de expressão, deixando obras que traduzem o inconformismo da nação. CINEMA Glauber Rocha apresentou pela primeira vez "Deus e o Diabo na Terra do Sol" numa exibição privada em 13 de março de 1964, pouco antes do golpe militar. A plateia deixou o cinema em direção ao Comício da Central do Brasil. Em abril, cópias do filme já foram apreendidas pela nova censura. A história do vaqueiro Manuel (Geraldo Del Rey) que mata o patrão por se sentir injustiçado acabou censurada pelas cenas de morte. O censor opinava que algumas passagens poderiam ser cortadas por se "arrastarem", o que ele acreditava ser fruto da "inexperiência do diretor". A excelente fotografia em preto e branco foi elogiada pelo censor. TEATRO Havia uma grande expectativa do público para a estreia de "O Rei da Vela", espetáculo de Oswald de Andrade publicado em 1937 que ganharia os palcos pela primeira vez 30 anos depois, pelas mãos de José Celso Martinez Corrêa. O diretor reabriu o seu Teatro Oficina em 1967 com a montagem, que tinha Ítala Nandi e Renato Borghi no elenco. A peça colecionava prêmios e excursionava pela Europa em julho de 1968 quando foi proibida pelo governo brasileiro, por "provocar incitamento ao regime vigente, à ordem pública e às autoridades instituídas". A peça reestreou no Brasil como símbolo de resistência ao AI-5 e ficou em cartaz até 1973. MOVIMENTO Confluência entre a cultura popular brasileira e a arte internacional, o tropicalismo se manifestou principalmente na música, tendo como principais representantes Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto e Tom Zé. O cinema de Glauber Rocha, o teatro de José Celso Martinez Corrêa e a arte de Hélio Oiticica também foram expressões dessa corrente, que tinha como lema "É proibido proibir”. MÚSICA Chico Buarque é autor dos principais hinos contra a opressão e a violência no período da ditadura militar no Brasil. "Cálice", em parceria com Gilberto Gil, fazia, entre outras denúncias disfarçadas, alusão aos extermínios do regime. "Quero cheirar fumaça de óleo diesel" escondia na metáfora a forma como Stuart Angel Jones, filho da estilista Zuzu Angel, teria sido assassinado pelos militares: asfixiado no escapamento de uma viatura. ARTES A bandeira serigrafada com os dizeres "Seja Marginal, Seja Herói" era uma homenagem de Hélio Oiticica ao amigo Manoel Moreira, o Cara de Cavalo, bicheiro e traficante assassinado pela Scuderie Le Coq, grupo de extermínio precursor do Esquadrão da Morte. Mas também é uma das chaves da aproximação da cultura das favelas com as instituições sociais do tropicalismo empunhado pelo artista. LITERATURA Marcelo Rubens Paiva tinha 11 anos quando o pai, o deputado federal Rubens Paiva, foi torturado e morto pela ditadura militar. Em 1982, nas portas da abertura, ele lançou "Feliz Ano Velho". A autobiografia do estudante, com suas descobertas sobre sexo e drogas e o acidente que lhe tirou o movimento das pernas, virou símbolo da geração que herdou o país estilhaçado pela ditadura. IMPRENSA Jaguar queria fazer um jornal de bairro, em Ipanema em 1968. Mas o "Pasquim" se tornou um sucesso editorial imediato com a missão de bater na ditadura e fazer rir. Com colaborações de gente como Henfil e Ziraldo, o jornal foi fechado mais de uma vez. Circulou até os anos 1990. 5# BRASIL 2.4.14 5#1 INSEGURANCA NÃO ESCOLHE PARTIDO 5#2 OS GENERAIS ERAM LEÕES, HOJE SÃO RATOS" 5#3 PLANALTO SOB PRESSÃO 5#4 CIÊNCIA NO LIXO 5#5 ATÉ QUANDO OS PREÇOS BAIXOS VÃO DURAR? 5#6 MAIS JUNTOS E AFINADOS DO QUE NUNCA 5#1 INSEGURANCA NÃO ESCOLHE PARTIDO Lista divulgada por ONG que colocou 16 cidades brasileiras entre as 50 mais violentas do mundo mostra que o problema da violência no País está longe de ser uma questão partidária Izabelle Torres (izabelle@istoe.com.br) Em qualquer campanha política, a segurança pública é sempre um fator determinante para os candidatos e serve de combustível para discursos e promessas de grupos que estejam na oposição. Este ano, as críticas às falhas das políticas públicas de combate à violência podem rechear os embates com números preocupantes e que não poupam nenhum partido político. Todas as legendas que possuem governadores foram representadas na lista divulgada pela ONG Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal, do México, que colocou 16 cidades brasileiras entre as 50 mais violentas do mundo em 2013. O estudo levou em conta o número de homicídios registrados ao longo de um ano e constatou que o Brasil lidera em número de cidades violentas. Maceió ocupa o quinto lugar geral e o primeiro do País, com uma taxa de 79,76 homicídios por 100 mil habitantes. Em sétimo lugar na lista, Fortaleza está em segundo no País, com uma taxa de homicídios de 72,81. A capital da Paraíba, João Pessoa, figura em nono no geral e em terceiro no Brasil, com uma taxa de 66, 92. Já Natal (12º no geral) está em quarto, com 57,62, e Salvador (13º no geral), em quinto no País, com 57,61 homicídios para cada 100 mil habitantes. Completam a lista Vitória, São Luís, Belém, Campina Grande, Goiânia, Cuiabá, Manaus, Recife, Macapá, Belo Horizonte e Aracaju. SALDO NEGATIVO - Salvador, capital do Estado administrado pelo petista Jaques Wagner (abaixo), registra 57 homicídios para cada 100 mil habitantes O estudo tem tirado o sono das administrações dos Estados que integram a lista. Para tentar escapar das críticas, os governadores lançam mão da velha estratégia de questionar a legitimidade da pesquisa. “Todas as pesquisas são passíveis de erros”, tenta justificar o governador do Ceará, Cid Gomes. Outra tática consiste em dizer que as coisas no passado eram ainda piores. O desconforto generalizado e indisfarçável dos governadores – a quem cabe pela Constituição a responsabilidade pela segurança pública das cidades – decorre principalmente do fato de estarmos em ano eleitoral, que é quando a segurança – ou a falta dela – é sempre levada em consideração pela população na hora de definir o seu candidato. “Em uma campanha, o desgaste de mostrar vítimas de violência e casos de impunidade é sempre ruim. Ainda mais quando feito durante o horário eleitoral. É um tema que sensibiliza e quem tem índices ruins tenta sempre afastar-se do tema”, resume um marqueteiro político, que será o responsável pela campanha em um dos Estados nordestinos incluídos na lista dos mais violentos. O segundo motivo de preocupação gira em torno dos danos colaterais de curto prazo. Às vésperas da realização da Copa do Mundo, a presença de sete cidades que vão sediar jogos do Mundial na lista das 50 mais violentas do planeta pode ter efeitos danosos para o turismo. Em Fortaleza, por exemplo, e em Salvador, capital do Estado comandado pelo petista Jaques Wagner, os números de homicídios são bem superiores aos registrados em 2010 na África do Sul, quando o mundo se preocupou com a violência que iria enfrentar naquele país durante a Copa. Em Fortaleza, a taxa de homicídios é de 72,81 por 100 mil habitantes. Em Salvador, o índice da criminalidade é de 57,61 homicídios para cada 100 mil habitantes. A cidade africana mais perigosa era a Cidade do Cabo, que registrava 46,2 homicídios para 100 mil habitantes. A escalada da violência na Bahia do governador Jaques Wagner é injustificável. Amigo de Dilma, o petista tem recebido generosas contribuições do governo para combater a violência no Estado. No último dia 19, por exemplo, foi autorizada uma operação de R$ 1,12 bilhão de créditos do Banco do Brasil para o governo baiano, uma parceria feita às pressas para que Wagner invista na área de segurança pública antes das eleições, quando o PT tentará eleger Rui Costa governador. Mesmo com os repasses federais, Salvador continua a figurar na lista das cidades mais violentas. E a popularidade do governador cai a cada dia. No carnaval, por exemplo, foi vaiado pela multidão e a primeira-dama, Fatima Mendonça, acusada de receber do TJ R$ 13 mil por mês sem trabalhar, fez gestos obscenos à população.“Já ficou provado que não adianta essa proximidade com a presidenta e com o PT nacional. Foram oito anos e muito dinheiro devolvido aos cofres da União simplesmente porque os projetos e as obras não foram realizados. Essa história de violência não tem relação com os partidos políticos. É por isso que todos estão enfrentando problemas. É uma questão de administração e ponto”, diz o ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB), que deve enfrentar o candidato do PT na disputa pelo Palácio de Ondina. A devolução de recursos federais pela falta de realização de obras é um capítulo à parte no enredo da violência que muito bem ilustra a situação da segurança pública no Brasil. Somente no ano passado, os Estados devolveram aos cofres da União nada menos do que R$ 111.228.537,00. O dinheiro chegou a ser liberado para a construção de presídios, reformas de celas e ampliação de centros de perícias para investigar os crimes, mas os governos estaduais não conseguiram viabilizar os projetos e perderam os prazos. A lista dos contratos cancelados pelo Ministério da Justiça inclui sete dos Estados que tiveram cidades entre as mais violentas do mundo. Quem lidera em valores conveniados que não foram usados é o governo do Rio Grande do Norte, comandado por Rosalba Ciarlini (DEM), que deixou de investir mais de R$ 14 milhões no sistema penitenciário. No Maranhão, sob o comando da família Sarney, em meio à crise mais evidente da segurança pública do Brasil, também houve devoluções milionárias. Mais de R$ 4 milhões chegaram ao Estado para a criação de 168 novas vagas, mas não foram usados antes do fim da vigência do convênio. “Muitos motivos levam ao cancelamento de um contrato. Alguns Estados tentam regularizar a situação, mas outros não justificaram a inércia em relação às obras”, explica o diretor de políticas penitenciárias do Ministério da Justiça, Fabrício Vieira. “Não é uma questão de falta de dinheiro. É falta de gestão. Falta de políticas públicas, de capacidade para investir certo. A unificação das polícias pode ser um caminho. A valorização dos policiais também. A violência está vitimando a juventude. Em Maceió mata-se mais do que na guerra entre Palestina e Israel. É uma coisa alarmante”, afirma o deputado federal Paulão (PT-AL). ESCALADA - Maceió, capital do Estado governado por Teotônio Vilela Filho (PSDB), figura em primeiro lugar na lista da violência entre as cidades brasileiras Num cenário em que todos os partidos possuem seu telhado de vidro na questão da segurança, o registro de homicídios compatíveis com países em situação de guerra retrata as dificuldades do Brasil para encontrar e desenvolver políticas públicas eficazes para o setor. “Estamos vivendo uma guerra urbana silenciosa e é preciso enfrentar esse fato sem considerar partidos ou posições políticas. O ciclo da violência só aumenta”, lamentou o deputado Efraim Filho (DEM-PB), ex-presidente da comissão de segurança da Câmara dos Deputados. 5#2 "OS GENERAIS ERAM LEÕES, HOJE SÃO RATOS" Em sítio na Baixada Fluminense, no Rio, coronel Paulo Malhães, que admitiu ter torturado, matado e ocultado cadáveres durante a ditadura militar, mantém perfil violento e diz que era apaixonado pelo seu trabalho Wilson Aquino (waquino@istoe.com.br) O coronel da reserva Paulo Malhães, 75 anos, o homem que deixou o País estarrecido com os depoimentos dados à Comissão da Verdade, por ser o primeiro militar de alta patente a admitir ter torturado, matado e ocultado cadáveres de presos políticos durante a ditadura militar (1964-1985), hoje mistura arroubos de violência e, ao mesmo tempo, um comportamento de aposentado tradicional. Sentado na varanda de sua casa, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, Malhães disse à ISTOÉ que atira sem dó em quem tentar usar drogas perto da residência. “Se vier vender ou fumar maconha na minha cerca, eu sento o dedo (atiro) mesmo. Sempre foi assim”, disse. O portão a que ele se refere é o muro que cerca os 19 mil metros quadrados de área, onde ele vive com a quinta esposa, Cristina, de 36 anos. Em contraste com o seu perfil, o ex-torturador é capaz de falar, quase candidamente, nos cuidados que dedica a seu orquidário com 200 espécimes, e a seus três cães, tratados com um carinho que não combina em nada com o passado do militar. A casa é simples, antiga, com paredes descascadas e infiltrações. Malhães diz que seu “soldo é pequeno” e não permite uma reforma. No embalo das críticas, xinga os rumos que o País tomou na democracia. “Eu nunca podia pensar que o próprio Exército ia entregar o comando do País de volta (aos civis). Podia entregar para um sucessor tranquilo, como o (Paulo) Maluf, que era o nosso candidato. Mas quando entregaram à oposição (Tancredo Neves) e desfizeram o sistema de informações, me senti mais ou menos traído”, disse em entrevista exclusiva à ISTOÉ. A FACE DA REPRESSÃO - Paulo Malhães, na varanda de sua casa, revelou que não gostava de interrogar homossexuais e mulheres. "Porque eles não entregam o macho deles. Ao contrário do homem." Na avaliação do coronel, os generais que se faziam de “brabos” nos anos de chumbo se revelaram uns “frouxos”, depois. “Antigamente, os generais eram leões, de tão machos e tão violentos...Hoje os vejo como ratos no buraco.” Já ele, segundo sua própria definição, continua leão. Sob anonimato, pessoas da vizinhança afirmam que Malhães chegou a liderar um grupo de extermínio na região. “O coronel andava a cavalo pelas ruas, patrulhando. Quando os viciados o avistavam, fugiam tremendo, porque ele matava mesmo” contou um velho conhecido. Hoje, as limitações físicas já não permitem performances como essas. Malhães usa um andador para se locomover devido a dores fortes no nervo ciático. Na conversa com a reportagem de ISTOÉ, Malhães se atribui enorme importância ao se dizer em condições de afirmar até que os presidentes militares sabiam o que acontecia nos porões da ditadura. “O Médici (general Emílio Garrastazu Médici - 1905-1985) era um dos que sabiam de tudo. Quando ele tinha dúvida, me chamava e perguntava. E eu contava”, afirmou. De repente, ao começar a discorrer sobre os crimes do passado, o coronel elabora uma reflexão em voz alta: “Por que matar e não entregar o corpo? Porque o fato de o cara desaparecer é mais incisivo do que mostrar o cadáver. Morreu , acabou, esquece. Mas quando some, fica aquela situação: cadê o fulano? Até hoje tem essa repercussão. Não vão achar nunca, mas fica essa esperança”, exemplificou, se negando a citar nomes. A abrupta reflexão de Malhães, em meio às revelações sobre o passado, talvez se justifique pelo que ocorreu durante a última semana envolvendo o seu nome. Na quarta-feira 26, Malhães apresentou versões contraditórias sobre depoimento prestado à Comissão Nacional da Verdade (CNV), recentemente. Primeiro, disse que tinha desenterrado os ossos do deputado Rubens Paiva, morto em 1971. Depois, afirmou que não faz a menor ideia de quem eram os restos mortais que encontrou. "Se aparecer um maconheiro em frente à minha casa, eu atiro" Especificamente sobre as torturas, de maneira geral, o coronel teceu sua gélida lógica: “A tortura não existe para o soldado. Se você me combater fardado, tem direito às leis da Convenção de Genebra, não posso te torturar. Mas se você combate misturado na população, não tem esse direito.” Segundo Malhães, os militares somente venceram o que chamou de guerra porque cooptaram muitos presos políticos, aos quais se refere como “infiltrados”. “O sujeito era preso e eu analisava o caráter e as fraquezas dele. Então, cantava ele para trabalhar para a gente. Isso tinha que ser feito em um espaço de tempo muito pequeno para o pessoal de fora não sentir falta dele. Aí, devolvia para a rua.Se ele cumprisse o primeiro contato comigo, que a gente chamava de ‘ponto’, a parada estava ganha. Graças aos infiltrados conseguimos destruir todas as organizações”, gabou-se à ISTOÉ. Dentro do mesmo contexto, ele revelou ainda que não gostava de interrogar homossexuais e mulheres. “Porque eles não entregam o macho deles. Ao contrário, homem, no primeiro tapa já dedura a companheira.” À atividade no Exército, apesar de, na época, incluir tortura e morte, o coronel conferiu um tom romântico: “Isso é um trabalho pelo qual você se apaixona.” Numa espécie de desabafo, Malhães revelou os motivos que o levaram a contar parte do que sabe sobre os crimes cometidos por militares na ditadura. “Como se passaram 50 anos achei que estava na hora de o Brasil conhecer uma história que esteve escondida por tanto tempo”. Questionado se não temia ser punido, o coronel demonstrou tranquilidade. “Estou velho demais para ir para a cadeia. Não vai acontecer nada comigo porque sou considerado incapaz”, explica. Ao avaliar a Comissão da Verdade, Malhães debocha. “Chamo de ‘Comissão da Meia Verdade’ porque tratam somente da metade dos envolvidos. Sobre os sequestros e assassinatos dos subversivos a Comissão não quer saber. Só quer saber do que nós (militares) fizemos”. 5#3 PLANALTO SOB PRESSÃO Provável instalação de CPI no Congresso para investigar Petrobras e queda na aprovação do governo Dilma Rousseff nas pesquisas acendem luz amarela no PT no ano eleitoral Claudio Dantas Sequeira (claudiodantas@istoe.com.br) Na semana em que o Congresso finalmente aprovou o Marco Civil da Internet, o Palácio do Planalto não teve tempo de comemorar e se viu encurralado por um novo e delicado problema. Sem conseguir reagir oportunamente às denúncias que surgiram contra a Petrobras nas últimas semanas, o governo assistiu a oposição tomar as rédeas do caso. Em iniciativas coordenadas, foram protocolados na Câmara e no Senado requerimentos para a instauração de comissões parlamentares de inquérito. O que seria apenas mais uma manobra de efeito limitado tomou corpo e materializou-se na quinta-feira 27, quando os senadores anunciaram já ter 29 assinaturas, duas a mais que o necessário, para instaurar a CPI. Embora a presidente da Petrobras, Graça Foster, demonstre tranquilidade, estado de ânimo que se expressou na iniciativa de instaurar uma comissão interna para investigar o assunto, os desdobramentos de uma possível investigação preocupam o Planalto. Reza a cartilha política de Brasília que todos sabem como uma CPI começa, mas não como termina. Pior ainda se ela engrenar às vésperas de uma eleição e no momento em que pesquisas indicam desgaste do governo Dilma Rousseff, com queda acentuada de sua popularidade. REVÉS - Na semana em que a presidente da Petrobras, Graça Foster, prometeu cortar na própria carne, a oposição (acima) protocolou requerimento com as assinaturas necessárias para abrir uma CPI para investigar a estatal no Senado Pesquisa do Ibope/CNI, divulgada na mesma quinta-feira em que a oposição conseguiu reunir as assinaturas para a CPI, indica que o percentual da população que considera o governo ótimo ou bom caiu de 43% para 36% entre novembro e março. Ao mesmo tempo, quem considera a atual gestão petista ruim subiu de 20% para 27%. O resultado acendeu o alerta amarelo no Palácio do Planalto. Diante de tal cenário, a presidenta decidiu suspender a agenda de viagens e passou os últimos dias em reuniões com sua equipe. Mesmo sem ter tomado posse no Ministério de Relações Institucionais, o que deve ocorrer na terça-feira 1º, Ricardo Berzoini já participou das reuniões com Dilma e o colega Aloizio Mercadante (Casa Civil), na condição de ministro. Foram chamados ao Planalto os líderes do governo, do PT e da base aliada. Ao sair de lá, o presidente do Senado, Renan Calheiros, anunciou a instauração da CPI. “Em ano eleitoral, mais atrapalha do que facilita a vida do Brasil. Mas agora não há mais o que fazer”, lavou as mãos Renan. No governo, houve o entendimento de que o Planalto já não teria meios de impedir a CPI, mesmo após a presidente da Petrobras ter anunciado a abertura de uma investigação interna sobre a compra da refinaria de Pasadena. “Não fica pedra sobre pedra”, disse Graça Foster, em entrevista ao jornal “O Globo”. Ela revelou que decidiu criar uma comissão de investigação ao descobrir gestões suspeitas do ex-diretor Paulo Roberto Costa no negócio do Texas. “Não sabia que existia um comitê de proprietários de Pasadena no qual o Paulo Roberto era representante da Petrobras”, afirmou. Pasadena foi comprada pela belga Astra Oil em 2005 por US$ 42,5 mil. No ano seguinte, a Petrobras pagou US$ 360 milhões por 50% da companhia. A estatal foi obrigada depois a comprar os 50% restantes, conforme cláusula contratual, pagando mais US$ 820,5 milhões. Ex-diretor de abastecimento da Petrobras, Costa foi preso pela Polícia Federal por envolvimento com doleiros. No comitê de proprietários da refinaria, o representante deveria ser o então presidente da Petrobras América (subsidiária da estatal nos EUA), Renato Bertani, que alega ter cedido a vaga a pedido da sede da empresa no Rio. Ocorre que Bertani, após viabilizar o negócio de Pasadena, com a cláusula que previa a compra integral da refinaria em caso de litígio (put option), deixou a Petrobras e virou presidente da Thompson & Knight Global Energy, empresa depois contratada pela Petrobras por US$ 7,9 milhões justamente para atuar no litígio com a Astra Oil. Hoje, Bertani é presidente do Conselho Mundial de Petróleo e tem sua própria petroleira, a Barra Energia. Para o governo, o único caminho agora será assumir o controle da investigação. Uma das ideias consiste em criar uma comissão mista, incluindo a Câmara, na qual o Planalto teria mais margem de manobra. Aliados da presidenta também ameaçam contra-atacar com apurações sobre a corrupção no Metrô de São Paulo, que atinge os governos tucanos, e eventuais problemas na Cemig e no Porto de Suape, pretendendo, assim, atingir o mineiro Aécio Neves e o pernambucano Eduardo Campos, pré-candidatos à Presidência. Por enquanto, são conhecidas apenas irregularidades nos contratos paulistas. “Nossa proposta agora é passar o Brasil a limpo”, argumenta o líder do PT na Câmara, Vicentinho (SP). Como ocorreu com a CPI das ONGs em 2006, o resultado esperado para esse tipo de iniciativa é um acordão geral e o engavetamento das investigações. Em todo caso, na tentativa de se precaver, Dilma orientou o PT a garantir também a presidência e a relatoria da CPI, em dobradinha com o PMDB, aliado mais fácil de controlar no Senado do que na Câmara. POLÊMICA - A controversa compra de refinaria em Pasadena, no Texas (EUA), deflagrou a crise O governo teme que a CPI dê visibilidade ao presidenciável tucano, Aécio Neves, que tem pregado o resgate da prerrogativa do Legislativo de defender o interesse público. “Polícia Federal, Procuradoria-Geral da República e também a Advogacia-Geral da União estão investigando o caso. Faltava a participação do poder Legislativo. Nós queremos investigar, queremos ouvir”, diz. Além de Pasadena, a CPI pretende investigar denúncias de suborno na Holanda, custos da refinaria de Abreu e Lima e lançamento de plataformas de exploração sem todas as condições de segurança. O requerimento para a CPI contou com importante apoio do PSB de Eduardo Campos, também presidenciável. Com a decisão, a legenda assume de vez o papel de oposição. 5#4 CIÊNCIA NO LIXO Interdição de campus da USP por solo contaminado atrasa pesquisas, prejudica o trabalho dos cientistas e torna inúteis os R$ 18 milhões investidos na unidade pelas agências de fomento Ana Carolina Nunes (acarol@istoe.com.br) No número 1.000 da avenida Arlindo Bettio, em Ermelino Matarazzo, a 23 km do centro de São Paulo, o grupo de pesquisa liderado pelo professor Marcelo Nolasco busca uma técnica eficiente para tratar o esgoto de forma descentralizada. Quando finalizado, o projeto também poderá ajudar a reaproveitar 80% da água eliminada nas residências. A equipe já recebeu convite para apresentar o trabalho nos EUA e também passou por Finlândia e China. Mas os experimentos para obter resultados, feitos na pequena estação experimental da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) no campus da zona leste da Universidade de São Paulo (USP), estão paralisados. PREJUÍZO - Miguel Garay teve de sacrificar 30 camundongos utilizados para pesquisas em biologia molecular celular É mais uma entre as dezenas de pesquisas da unidade que foram total ou parcialmente interrompidas desde 9 de janeiro, quando uma decisão judicial interditou o prédio da EACH por conta da contaminação do solo, tornando a área imprópria para circulação de alunos, professores e funcionários. No loca funcionou um aterro onde eram depositados sedimentos das dragagens do leito do rio Tietê. A USP anunciou a volta às aulas para a segunda-feira 31, em espaços cedidos ou alugados por outras instituições, mas ainda não há definição sobre o destino das pesquisas, embora os prejuízos sejam evidentes. Miguel Garay, professor de gerontologia, teve de sacrificar 30 camundongos utilizados para pesquisas em biologia molecular celular quando deixou seu laboratório. “Alguns consegui transportar, mas não posso usar os equipamentos que estão lá. É perda de tempo e de prazos e ainda atrapalha a formação de cientistas”, desabafa Garay. Se forem somados os reagentes, produtos vencidos e outros materiais biológicos perdidos, o prejuízo alcança US$ 10 mil. Os docentes calculam que ultrapassam R$ 18 milhões os investimentos das agências de fomento à pesquisa na unidade. Garay conseguiu um “cantinho” emprestado em um laboratório de um colega, no campus do Butantã. “Compartilho um espaço que já é pequeno e faço 20% do que deveria”, conta. “Hoje tenho seis alunos dando um jeito, mas e no futuro? Até quando?”, questiona. O pesquisador cobra uma posição da USP que, segundo ele, não dá respostas sobre como vão agir em relação às pesquisas. O improviso tem sido a única saída. Com defesa de tese marcada para agosto, a mestranda em saúde pública Mariana Cardoso Chrispim fez adaptações na sua metodologia, como redução da frequência e do número de análises, além de alterar o material examinado, para conseguir cumprir o prazo. A professora de física experimental Adriana Tufaile, que tem quatro grandes projetos em andamento, contabiliza o prejuízo: “A paralisação pode deixar essas experiências obsoletas ou serem ultrapassadas por outros núcleos de pesquisa”, diz. Ela tem se reunido com um aluno bolsista em sua própria casa para não perder o cronograma. A diretora da EACH, Maria Cristina Toledo, afirmou por e-mail à ISTOÉ que a reitoria tem dado apoio aos cientistas “para solicitar adiamento de prazos ou mesmo modificações de pesquisas em vista das dificuldades impostas pela situação”. 5#5 ATÉ QUANDO OS PREÇOS BAIXOS VÃO DURAR? Recém-chegada ao Brasil, a loja americana tem fila de até cinco horas. A dúvida é se essa gigante do varejo continuará a cobrar pouco por seus produtos por Luisa Purchio (luisapurchio@istoe.com.br) A chegada da loja americana Forever 21 causou um grande alvoroço no varejo de roupas do Brasil. As primeiras duas unidades foram inauguradas recentemente, em São Paulo e no Rio de Janeiro – até 2015, serão sete lojas. Apenas em um único fim de semana, a loja do Shopp-ing Morumbi, em São Paulo, atraiu mais de três mil pessoas e vendeu o dobro do esperado. Considerada uma das pioneiras do estilo fast-fashion, a Forever 21 é especializada em moda feminina, masculina e em acessórios, mas seu sucesso se deve, principalmente, aos preços baratos. As camisas, por exemplo, custam de R$ 19 a R$ 65 e os vestidos, de R$ 21 a R$ 123. Além disso, uma das estratégias adotadas pela loja é renovar os estoques diariamente, o que permite ao consumidor sempre encontrar produtos novos. Os baixos cifrões colocam, porém, uma dúvida no ar: a longo prazo os negócios seriam sustentáveis no Brasil? A marca, que diz não investir em publicidade e também cortar ao máximo os custos, afirma que sim. “Vimos um grande potencial no mercado brasileiro e estamos muito entusiasmados com a excepcional resposta”, disse à ISTOÉ Do Won Chang, fundador e CEO da Forever 21. “Fazemos o possível para manter, como prioridade, a qualidade e os preços que os clientes encontram em nossas lojas.” APOSTA - São Paulo e Rio de Janeiro são os primeiros destinos da Forever 21 no Brasil. Até 2015, a marca terá sete lojas no País Apesar das mais de 600 lojas espalhadas por quase 30 países, sua estabilidade no Brasil é questionada por especialistas e comerciantes. “Aqui os custos são altos: importação, tributos, aluguel da loja no shopping. É muito difícil conseguir manter esses preços”, diz José Galló, CEO da Renner. Há dúvidas, também, se os preços baixos da Forever 21 irão influenciar a concorrência. “Não vamos mudar nossa estratégia, porque já temos preços extremamente competitivos”, afirmou Flávio Rocha, presidente da Riachuelo. Especialistas não acreditam que uma empresa sozinha consiga modificar o varejo de uma nação grande como o Brasil, mas nos últimos tempos o País tem sido destino de grandes fast-fashion mundiais. “Outras companhias com potencial ainda podem vir. Em comércio e serviços, somos vistos com bons olhos”, afirma André Sacconato, diretor de pesquisa da Brasil Investimentos & Negócios (BRAiN). Por ora, resta ao consumidor torcer para que mais marcas venham e consigam manter preços tão baixos quanto os prometidos pela Forever 21. 5#6 MAIS JUNTOS E AFINADOS DO QUE NUNCA Além de se falarem a cada dois dias, os presidenciáveis Aécio Neves e Eduardo Campos trocam diariamente mensagens pelo celular, nas quais afinam o tom dos ataques ao governo Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br) Os presidenciáveis Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) entraram na guerra pela sucessão de Dilma Rousseff, carregando cada um em seu uniforme a cópia de um pacto de não agressão. Ambos, no entanto, tinham estratégias distintas. O tucano ocuparia a trincheira de ataque feroz ao governo e o socialista, governador de Pernambuco, se apresentaria como o candidato da continuidade, mas sem o continuísmo. O acordo entre eles simplesmente rezava que um não se voltaria contra o outro. Do início do ano para cá, o tal pacto de não agressão ganhou novos contornos e resultou em uma sintonia fina poucas vezes vista em período pré-eleitoral. Analisando as últimas pesquisas de intenções de voto, as equipes de Aécio e de Campos chegaram a uma mesma conclusão: os dois precisam tirar votos da presidenta Dilma para que haja a possibilidade de um segundo turno. E, para tanto, os dois candidatos nunca estiveram tão juntos e tão afinados. Suas conversas são muito mais frequentes do que sugerem as últimas cenas públicas de um jantar em Ipanema, no Rio de Janeiro, ou o ocasional encontro na festa de debutante da filha do ex-diretor da Caixa, Geddel Vieira Lima. Interlocutores dos dois presidenciáveis disseram à ISTOÉ que Aécio e Campos conversam no mínimo a cada dois dias e trocam diariamente mensagens pelo celular. ALIANÇA - Cada vez mais sintonizados, Aécio Neves e Eduardo Campos praticamente selaram apoio mútuo contra Dilma Rousseff em caso de segundo turno Nas últimas semanas, ficou visível uma nova estratégia de Campos. Ele passou a bater com força no governo Dilma. Todos os seus movimentos foram precedidos de um acerto com o senador tucano. No bate-papo, segundo disseram assessores dos dois, Aécio e Campos chegam a debater inclusive as palavras que serão usadas com o intuito de carimbar a gestão petista de Dilma Rousseff. A sintonia fina é absolutamente combinada. Recentemente, ao falarem sobre a desvalorização da Petrobras, produziram frases quase idênticas. “A grande verdade é que o PT nos acusou durante décadas de querer privatizar a Petrobras. Quem privatizou foi o PT, levando a empresa a ter um prejuízo de R$ 200 bilhões”, acusou Aécio Neves. “Em 2010, a presidenta acusou o candidato com o qual disputava a eleição (José Serra) de querer privatizar a Petrobras. Três anos depois, a estatal vale a metade do que valia”, disparou Campos. Na semana passada, com a CPI da Petrobras batendo à porta do Congresso e uma pesquisa desfavorável a Dilma saindo do forno, os presidenciáveis decidiram que era o melhor momento para tentar aprofundar o desgaste da imagem de Dilma como gerente. “A presidenta foi eleita com base em duas premissas: a de que daria continuidade aos resultados da economia e a de que era uma boa gestora. A economia está aí, todo mundo vê e a inflação voltou”, disse Aécio. Campos bateu no mesmo tom: “A verdade é que a presidenta não soube tocar o Brasil”. Como a queda de popularidade da presidenta Dilma Rousseff ocorreu principalmente por aspectos econômicos, como aumento dos juros, alta da inflação e receio da população de que o baixo percentual de crescimento do País eleve o desemprego no futuro, Aécio e Campos passaram a atuar em parceria também para questionar a condução econômica do País. Para evitar jargões complicados e atingir o cidadão médio, os presidenciáveis falam sobre os perigos da volta da inflação. O discurso ganhou fôlego com a divulgação do rebaixamento da nota de crédito do Brasil, pela Standard & Poor’s. A agência justificou a depreciação alegando crescimento econômico em ritmo lento. “Baixo crescimento com inflação alta e baixo investimento com altos gastos correntes. Infelizmente, o governo não tem mostrado capacidade de enfrentar o desafio e mudar o jogo”, lamentou Campos. “A leniência com a inflação e a ineficácia na realização dos investimentos necessários para destravar o País, em contrapartida aos exorbitantes gastos correntes, explicam, com sobras, a indesejada decisão do rebaixamento da nota de crédito”, reforçou o senador tucano. Aécio e Campos também criaram versões idênticas de expressões que possam atingir as camadas mais simples da população. Depois do sucesso da declaração do governador de Pernambuco, ao dizer que “o Brasil não aguenta mais quatro anos de Dilma”, Aécio conseguiu ser ainda mais preciso e lançou o jargão “já deu” para resumir a indignação de parte da população. “Entre a indignação, a revolta e o cansaço diante de repetidos absurdos, o sentimento geral dos brasileiros é um só: já deu!” Não restam dúvidas de que Campos, até 2012 hesitante entre ser ou não governo, atravessou o seu rubicão rumo aos braços da oposição. 6# COMPORTAMENTO 2.4.14 UM PAÍS MACHISTA Pesquisa do Ipea revela como os brasileiros têm uma visão preconceituosa, recusam a igualdade de gêneros e até justificam a violência sexual Camila Brandalise (camila@istoe.com.br) Quando a pílula anticoncepcional foi lançada, em 1960, a mulher se viu livre para separar a reprodução do desejo sexual. Quando a Lei Maria da Penha entrou em vigor, em 2006, ela viu seus direitos serem aumentados para protegê-la da violência. Estamos em 2014, e não há remédio nem lei para dar fim a valores morais tão opressores quanto os mostrados pela pesquisa “Tolerância Social à Violência contra as Mulheres”, divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) na quinta-feira 27. Os números denunciam uma sociedade que ainda submete o sexo feminino a um papel menor e limitado. Segundo o estudo, 65% dos entrevistados concordam que a mulher que usa roupas que mostram o corpo merece ser atacada – como se fosse uma punição por não seguir um padrão. Além disso, 58% acreditam que, se elas soubessem se comportar, haveria menos estupros. São dados que mostram que, apesar de todas as conquistas dos últimos anos, o sexo feminino ainda é oprimido por um modelo de comportamento. Essa mentalidade medieval é o maior entrave para o enfrentamento da violência sexual e, pior, dá margem para que crimes continuem a ser cometidos – vide a onda de ataques de encoxadores nos metrôs brasileiros nas últimas semanas. Os números do estudo servem para mostrar que, se por um lado as mulheres deram passos importantes em favor dos seus direitos, por outro ainda há muito para ser conquistado Vale apontar que o machismo gritante mostrado na pesquisa não é uma característica majoritariamente masculina. Para o levantamento, foram ouvidas 3.810 pessoas em todas as partes do Brasil. Entre elas, 66,5% eram mulheres, muitas delas mães que estão educando seus filhos, reproduzindo o discurso que denigre sua própria condição. “No fundo, muitas assumem essa ideologia machista de que precisamos estar presas, contidas. É uma mentalidade de colonizado”, afirma a advogada Leila Linhares Barsted, coordenadora executiva da ONG feminista Cepia. Para Leila, os resultados evidenciam outros dois grandes problemas. Primeiro em relação ao preconceito. “A mulher não é livre, não pode vestir o que quer e nem ir aonde quiser. Precisa estar em casa, ao lado de um marido ou de um pai”, diz. “Caso contrário, é julgada, ou pior, atacada.” Segundo, porque é um sinal de que também a conduta masculina é estigmatizada. Como se os homens, por natureza, não conseguissem se controlar. Diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, Rafael Osório, um dos realizadores da pesquisa, afirma que, dos dados positivos, destaca-se o fato de 90% das pessoas acreditarem que o homem deve ser preso quando bate na mulher. Porém, mesmo nesse caso, há uma distinção entre a que segue e a que não segue o padrão. “Aquela que não merece violência física é a mãe, a irmã. A que está sujeita à proteção dos homens da casa.” Um pensamento equivocado que dá a entender que, dentro do seu lar, o perigo não existe. “Mas precisamos lembrar que há uma grande parte de vítimas estupradas por seus familiares”, diz Leila. Se por um lado a maioria concorda com a prisão do homem em casos de agressão, uma mesma maioria acredita que a violência em casa deve ser resolvida com os membros da família. “Mas no âmbito privado há sempre uma pressão para que a família seja mantida, mesmo que para isso a esposa tenha de suprimir seu direito individual”, afirma Leila. Os vários números que evidenciam o problema do preconceito servem para mostrar que, se por um lado as mulheres deram passos importantes em favor dos seus direitos, por outro ainda há muito para ser conquistado. “Ainda somos barradas na representação política, somos vistas por uma parcela da sociedade como cidadãs de segunda classe, merecedoras de punições”, diz Leila. “Precisamos avançar no campo dos valores, que não só são arcaicos, mas assumiram uma conotação de chancelar a violência contra a mulher.” Reduzir os números, portanto, vai depender diretamente de quanto diminuirá a ignorância da sociedade. 7# MEDICINA E BEM-ESTAR 2.4.14 TIREOIDE PRESERVADA Novos métodos permitem remover nódulos na glândula sem a necessidade de cirurgia Mônica Tarantino (monica@istoe.com.br) Em média, uma em cada sete mulheres tem nódulos na glândula tireoide. Se crescerem rápido demais, incomodarem e se sua aparência despertar o receio de que sejam malignos ou de que venham a se converter em câncer, a recomendação é removê-los. Até agora, o método predominante para isso é a cirurgia, o que pode implicar remoção parcial ou total da glândula e a necessidade de fazer reposição hormonal. Muitos centros médicos nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia, porém, começam a colocar em prática métodos menos invasivos para reduzir bastante as dimensões dos nódulos ou eliminá-los. Os cientistas estão estudando principalmente o desempenho das ondas de radiofrequência, do laser e das micro-ondas. As técnicas geram calor, o que leva à morte dos tecidos nodulares. Testes com pacientes estão em andamento principalmente na Coreia, nos Estados Unidos e na Itália. Um dos aspectos mais investigados é a segurança do procedimento para não atingir estruturas nobres que cercam a tireoide, como as artérias carótidas, a traqueia e o nervo laríngeo (relacionado à voz). RECURSOS - O médico Rahal, do Albert Einstein, confirmou a eficácia do laser e planeja testar a aplicação de micro-ondas O pesquisador italiano Roberto Valcavi concluiu recentemente um dos primeiros estudos que comparam o desempenho de duas dessas técnicas. Ele submeteu 54 mulheres com nódulos benignos grandes à ablação por radiofrequência, enquanto outras 54 foram tratadas com laser. “O grupo submetido à radiofrequência teve resultados melhores e mais rápidos”, disse Valcavi. Na Coreia, no Centro Asan, 692 pacientes experimentaram o método, com igual sucesso. Alguns, entre eles homens, tinham nódulos volumosos, daqueles que desfiguram o pescoço e são chamados de bócio. No período de seis meses a um ano, houve reduções de até 75% do tamanho. No Brasil, os radiologistas intervencionistas Antônio Rahal e Rodrigo Gobbo, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, submeteram, em caráter experimental, 33 mulheres com nódulos benignos ao tratamento com laser. “Verificamos que se trata de uma terapia precisa, com resultados tão eficazes quanto os da radiofrequência”, afirma Rahal. O procedimento é realizado por meio da introdução de um a quatro feixes de fibra óptica no interior do nódulo por onde serão conduzidas as ondas de energia do laser. Sob temperatura elevada, as células sofrem necrose e morrem. A paulista Aline Gandra, 24 anos, passou pela terapia. “Até agora o nódulo não voltou”, diz. Logo após a conclusão do teste, os especialistas do Albert Einstein pediram a aprovação do procedimento e do aparelho à Agência Nacional de Vigilância Sanitária. “Foi em 2012, mas ainda esperamos a liberação. Enquanto isso, não podemos usar sem que seja em pesquisa”, diz Gobbo. No Brasil, as mulheres que precisam remover nódulos contam apenas com duas opções: a cirurgia ou a alcoolização (injetam-se doses de álcool puro no interior dos nódulos para murchá-los). Em geral, o método precisa ser repetido mais de uma vez. “As brasileiras precisam ter acesso a métodos menos agressivos, como a radiofrequência”, diz a endocrinologista Maria Fernanda Barca, de São Paulo. Há mais técnicas em estudo. Uma delas é a eletroporação (usa pulsos elétricos para perfurar a membrana das células, levando-as à morte), em teste em centros americanos e europeus. Por aqui, a equipe do Einstein pretende iniciar ainda este ano um protocolo experimental utilizando as micro-ondas. As principais vantagens dessas técnicas em face da cirurgia são a eliminação dos nódulos sem cortes e as chances de preservação da glândula. “Essa espécie de implosão do nódulo, matando as células, é um benefício porque elimina a possibilidade de que ele aumente de tamanho e provoque sintomas ou adquira aspectos sugestivos de câncer”, diz Maria Fernanda. O cirurgião Luiz Paulo Kowalski, chefe do departamento de cabeça e pescoço do A. C. Camargo Cancer Center, em São Paulo, pensa diferente. Ele acredita que, se houver possibilidade de o nódulo vir a ser câncer, deve ser removido cirurgicamente. “Se não há risco, pode ser acompanhado e não precisa ser extraído”, diz. O cirurgião Sérgio Arap, do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, diz que é cedo para dar um veredicto. “Falta um acompanhamento a longo prazo das pacientes para conhecer os resultados depois de cinco anos, por exemplo”, afirma. Os avanços incitam também a preocupação com sua aplicação adequada. “Esses procedimentos se destinam a pacientes com nódulos benignos. O câncer não pode ser tratado dessa forma”, disse à ISTOÉ o médico Damian Dupuy, diretor de radiologia do Rhode Island Hospital, nos Eua. Ele é um dos principais pesquisadores das novas tecnologias. Sua recomendação é a de que só depois de comprovar que o nódulo é benigno (por duas punções seguidas da análise dos tecidos) se pode optar por um método menos agressivo.  8# ECONOMIA E NEGÓCIOS 2.4.14 8#1 PALPITE INFELIZ 8#2 COMO DOAR DINHEIRO E FAZER O BEM 8#1 PALPITE INFELIZ Agência Standard & Poor's rebaixa nota de avaliação da economia brasileira, mas empresários, políticos e o mercado financeiro não levam seus prognósticos a sério Na segunda-feira 24, um anúncio feito pela agência americana Standard & Poor’s (S&P) surpreendeu até mesmo os críticos da política econômica do governo Dilma Rousseff. A agência rebaixou a nota de crédito do Brasil de BBB para BBB-. Em bom português significa que, para a S&P, investir no Brasil passou a ser tão arriscado quanto colocar dinheiro na Espanha, ainda mergulhada na crise financeira que varreu a Europa, ou nas Filipinas, país sem relevância econômica global. “O rebaixamento reflete a combinação de derrapagem fiscal, a perspectiva de que a execução fiscal permanecerá fraca, em meio a um crescimento moderado nos próximos anos”, justificou a agência. O diagnóstico nebuloso, no entanto, provocou um efeito contrário no mercado financeiro brasileiro. Nos dias seguintes à decisão, o real se valorizou e a bolsa de São Paulo acumulou altas seguidas. O veredicto definitivo sobre o rebaixamento da nota brasileira foi dado pelo empresário Abilio Diniz, presidente do conselho de administração da BRF. “Isso, para mim (a alteração da nota brasileira), não significa nada”, disse Abilio em um seminário. ANÁLISE INCONSISTENTE - Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o rebaixamento não condiz com a solidez da economia brasileira A indiferença de um empresário do porte de Diniz pode ser explicada pela falta de credibilidade das agências de classificação de risco. Nos últimos anos, elas mais erraram do que acertaram. Quando erraram, foi para valer. A própria Standard & Poor’s cometeu uma barbeiragem histórica. Ela não só foi incapaz de prever a crise de 2008 como, ao contrário, avaliou de maneira positiva o Lehman Brothers no mesmo mês em que o banco quebrou, levando consigo uma série de outras empresas e desencadeando a crise das hipotecas imobiliárias nos Estados Unidos. Não por acaso, economistas renomados, a exemplo do Prêmio Nobel Paul Krugman, denunciam a promiscuidade e os equívocos dessas agências. “As agências de rating começaram como pesquisadoras de mercado, vendendo avaliações de dívida corporativa para pessoas considerando a compra ou não dessa dívida”, escreveu Krugman em artigo publicado em seu blog no site do jornal “The New York Times”. “Entretanto, elas se transformaram em algo bastante diferente: empresas contratadas pelas pessoas que vendem as dívidas para darem às dívidas um selo de aprovação.” A análise é similar à do economista Luiz Gonzaga Belluzzo.As agências de risco, diz ele, não têm nenhuma credibilidade depois da crise de 2008. Na verdade, elas é que deveriam ser rebaixadas. “O que vem a ser isso, essa decisão das agências? Que significado isso tem? Isso é coisa de estelionatários”, disse Belluzo ao jornal “O Estado de S.Paulo”. Ao rebaixarem a dívida de um país ou de uma empresa, as agências de classificação de risco praticamente os forçam a pagar juros mais elevados ou até mesmo impedem que investidores comprem seus títulos. Muitos fundos não podem, por determinação do estatuto, colocar recursos em títulos que não tenham, ao menos, o selo de grau de investimento de duas agências. Na prática, elas são capazes de tornar real um cenário adverso mesmo se ele não existir, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso declarou tempos atrás em uma entrevista. “De repente vem uma nota dessas e o mercado fica acanhado. Quando coincide de algum dia depois ter outro acidente negativo, isso produz um resultado catastrófico”, disse FHC. “E a base da avaliação às vezes é subjetiva. Quem toma essa decisão sabe do impacto. Há o risco de haver manipulação”, complementou. Para sorte brasileira, o diagnóstico da Standard & Poor’s não foi acompanhado pelas principais concorrentes. O rebaixamento do rating do País gerou críticas do Palácio do Planalto. Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a decisão da Standard & Poor’s se baseia em uma análise “inconsistente”. Segundo ele, o rebaixamento não traduz a solidez e os fundamentos da economia brasileira. “No ano passado, o País cresceu 2,3%, um desempenho superior ao da maioria dos países do G-20”, disse o ministro. É inegável que o Brasil não vive uma fase de pujança financeira. A inflação cresceu nos últimos meses, a indústria continua sem acelerar e os investimentos não avançam no ritmo desejado. Isso é suficiente para o País ser rebaixado? Há fatores positivos que não podem ser desprezados. A dívida, por exemplo, está controlada na casa dos 60% do Produto Interno Bruto (PIB), bem abaixo da de países como a França, detentora da classificação AA e que deve o equivalente a 95,1% de tudo o que produz. Afinal, para que serve a Standard & Poor’s? 8#2 COMO DOAR DINHEIRO E FAZER O BEM O número de brasileiros que ajudam instituições sociais é baixo. Saiba quais são os caminhos para fazer doações financeiras e os critérios para escolher uma organização idônea por Luisa Purchio (luisapurchio@istoe.com.br) Uma pesquisa recente revelou que 84% da população brasileira não sabe que pode realizar doações para instituições sociais por meio do Imposto de Renda. A boa notícia é que, se você ainda não preencheu a sua declaração, tem até o dia 30 de abril para destinar parte da restituição a organizações cadastradas nos fundos do Estatuto da Criança e do Adolescente. “É um valor que já seria pago”, diz Richard Domingos, diretor-executivo da Confirp Contabilidade. “A diferença é que o contribuinte escolhe para onde ele vai.” Em alguns Estados, também é possível destinar recursos para entidades que fazem o bem. Um exemplo: a Casa do Zezinho, que auxilia jovens em vulnerabilidade na zona sul de São Paulo, recebeu 10% de seu orçamento de 2013 via Nota Fiscal Paulista, o que correspondeu a R$ 800 mil. “Para fazer uma doação, é preciso se certificar de que a organização realiza efetivamente os projetos que divulga”, alerta Adriana Ramos, diretora-executiva da Associação Brasileira de ONGs (Abong). 9# MUNDO 2.4.14 À BEIRA DO GENOCÍDIO Condenação à morte de 529 simpatizantes da Irmandade Muçulmana pelo assassinato de um policial mostra quão distante o Egito ainda está da democracia Mariana Queiroz Barboza (mariana.barboza@istoe.com.br) Um único julgamento e 529 condenações à pena de morte. Em menos de duas horas (ou 14 segundos para cada sentença), o tribunal de Minia, no Egito, deu na segunda-feira 24 o veredicto máximo aos acusados de atear fogo a uma delegacia durante um protesto em agosto do ano passado. No incêndio, um policial morreu. Os manifestantes declaravam seu apoio a Mohammed Mursi, presidente ligado à Irmandade Muçulmana que havia sido deposto por um golpe militar um mês antes. Enquanto do lado das autoridades uma vida foi perdida, organizações locais de defesa dos direitos humanos estimam em 632 o número de mortos pela reação violenta dos policiais. “A sentença destaca o fato de que nenhum tribunal egípcio tenha alguma vez questionado um único policial pela morte de mais de mil manifestantes, em grande parte pacíficos, desde 3 de julho”, disse, em nota, Sarah Leah Whitson, diretora para o Oriente Médio da ONG Human Rights Watch. CASTIGO - Acusados de terrorismo e conspiração, jornalistas da rede Al Jazeera (acima) esperam julgamento no Cairo. Abaixo, o verdadeiro comandante do Egito: Abdul Al-Sisi, ex-chefe das Forças Armadas, que liderou o golpe militar em 3 de julho de 2013 A proporção de condenados e vítimas supera até mesmo a histórica retaliação do ditador nazista Adolf Hitler aos italianos no Massacre de Ardeatine, de 1944. Depois de um ataque guerrilheiro a um grupo de oficiais da SS, a polícia nazista, em Roma, Hitler ordenou o assassinato de 50 italianos para cada alemão morto. A revanche terminou com 335 vítimas. A condenação coletiva da semana passada é alarmante inclusive para os padrões da Justiça egípcia. De acordo com o jornal “Ahram”, o principal do Egito, entre 1981 e 2000 709 pessoas foram condenadas à morte em cortes civis – destas, 249 foram executadas. Considerando só os últimos anos, o levantamento mostra que, em 2010, os condenados à morte foram 136. Em 2011, 115; em 2012, 91. O massacre do estádio Port Said, em que 74 torcedores morreram durante um jogo de futebol, resultou em pena de morte para 21 pessoas em março de 2013. “O veredicto é claramente um constrangimento para o governo interino do Egito, especialmente quando ele é dirigido por um ex-juiz da Suprema Corte Constitucional – na verdade, seu ex-chefe”, escreveu ao site Al-Monitor o ativista egípcio Wael Nawara, em referência ao atual presidente do país, Adly Mansour. PROTESTO - Manifestante pró-Irmandade Muçulmana atira fogos durante confronto com a polícia na quarta-feira 26. Para muitos estudantes, o julgamento foi injusto Embora Mansour seja o líder do poder executivo, é nas mãos do ministro da Defesa, Abdul Fattah Al-Sisi, que está a tomada das principais decisões. Líder do golpe militar de julho, Al-Sisi é visto como um homem forte e, por isso, segue como uma figura popular no país. Na quarta-feira 26, contudo, milhares de estudantes protestaram contra o marechal e o julgamento de Minia. Para Salem Nasser, coordenador do Centro de Direito Global da Fundação Getulio Vargas, de São Paulo, a decisão do júri é uma demonstração de que o Egito voltou, pelo menos em termos institucionais, ao que era sob o regime de Hosni Mubarak, derrubado em 2011 em decorrência das manifestações da Primavera Árabe. “As mudanças mais significativas ocorreram no tecido social”, diz. “O grande temor de expressar qualquer crítica ao governo parece ter sido esquecido depois que as pessoas descobriram as ruas.” Na semana passada, Al-Sisi renunciou à chefia das Forças Armadas para concorrer à eleição presidencial, esperada para o primeiro semestre deste ano. Sua vitória é dada como certa. Em 2012, a eleição de Mursi por uma pequena margem de 800 mil votos sobre Ahmed Shafiq, ligado ao antigo regime, mostrou que o Exército ainda encontra grande respaldo da população num país tão polarizado. Desde que recuperaram o poder, os militares classificam a Irmandade Muçulmana como um grupo terrorista e a colocaram na clandestinidade, iniciando uma perseguição semelhante à que seus militantes sofreram nos anos 50. Uma série de abusos aos direitos humanos foi catalogada pelo instituto Carnegie Edowment for International Peace, de Washington. Entre 3 de julho e 31 de dezembro, mais de 16 mil pessoas foram detidas em atos políticos e outras 2.590, vinculadas à Irmandade e a outras organizações islâmicas, foram presas como lideranças políticas. Nas próximas semanas, o líder supremo do grupo islâmico, Mohammed Badie, será julgado ao lado de 682 seguidores e de um grupo de jornalistas da rede árabe Al Jazeera, acusados de conspiração. Ainda que a lei local determine que as penas de morte sejam automaticamente apeladas, a condenação em massa de Minia já tem efeito quase tão certo quanto perigoso: a radicalização dos jovens islâmicos. 10# TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE 2.4.14 A INTERNET AGORA TEM LEI Depois de quase três anos tramitando no Congresso Nacional, o Marco Civil da Internet, uma espécie de “constituição” da rede que define direitos e deveres, tanto de usuários quanto de provedores, finalmente foi aprovado na Câmara dos Deputados. O texto, que sofreu uma série de pressões das empresas de telecomunicações para ser alterado, saiu muito próximo do que o governo pretendia, principalmente no que se refere ao que ficou conhecido como a neutralidade da rede. De acordo com a redação final do Marco Civil, as empresas agora não poderão decidir que tipo de serviço ou conteúdo irá circular com maior ou menor velocidade na rede (leia quadro ao lado). Apesar da aprovação na Câmara, o marco civil da internet ainda não está em vigor. Para que a lei passe a valer o texto precisa ser aprovado no Senado e, depois, ser sancionado pela presidenta da República, Dilma Rousseff. Após a queda de braço na Câmara – e a série de concessões que o Planalto fez para convencer o PMDB a aceitar a redação final –, dificilmente haverá sobressaltos no Senado. Apesar de o resultado em torno da nova lei não ter sido unânime, o Marco Civil da Internet preenche uma lacuna importante na legislação brasileira. Várias questões envolvendo a regulamentação do uso e da comercialização de acesso à internet não tinham regras claras. A expectativa é de que ao menos a maior parte da nova lei já esteja em vigor até o início do próximo semestre 11. CULTURA 2.4.14 11#1 GRACE KELLY, A PRINCESA DE HOLLYWOOD 11#2 EM CARTAZ – SHOW - ENTRE NOVOS E CONSAGRADOS 11#3 EM CARTAZ – LIVROS - UM CLÁSSICO PORTENHO 11#4 EM CARTAZ – CINEMA - IRMÃOS DE SANGUE 11#5 EM CARTAZ – TEATRO - ESTRELAS DE CLARICE 11#6 EM CARTAZ – MÚSICA - DE GIL PARA JOÃO 11#7 EM CARTAZ – AGENDA - MEU DEUS!/SEHGAL/O QUE O MORDOMO VIU 11#8 ARTES VISUAIS - GUERRA E PAZ DAS IMAGENS 11#9 ARTES VISUAIS – ROTEIROS - MERCADO EM EXPANSÃO 11#1 GRACE KELLY, A PRINCESA DE HOLLYWOOD Duas biografias traçam o perfil da estrela que trocou o cinema pela coroa de Mônaco. O motivo não foi apenas o amor, mas uma recusa a se sujeitar aos estúdios e às exigências da fama Ivan Claudio Uma secreta inadequação atravessa a trajetória da atriz americana Grace Kelly, uma das mulheres mais lindas e elegantes de Hollywood, que abandonou o cinema com apenas dez filmes no currículo para se tornar princesa de Mônaco. No auge da carreira e tendo estrelado algumas das melhores obras de Alfred Hitchcock, Grace era considerada persona non grata pelo estúdio MGM, com o qual mantinha exclusividade. Encontrava-se justamente na geladeira e sem receber salário quando concorreu ao Oscar e levou para casa a estatueta, uma noite que ela definiu como o momento mais solitário por que passou. A hipótese de sua vida não ter sido o conto de fadas que fez dela um mito – interrompido pelo trágico acidente de carro, em 1982, aos 52 anos – ganha ressonância com a conturbada realização de sua cinebiografia, escolhida para abrir o Festival de Cannes, em maio. Após ficar na lista negra dos estúdios, o filme teve a estreia adiada várias vezes desde dezembro devido a desentendimentos entre o diretor francês Olivier Dahan e a sua distribuidora nos EUA. A briga fez bem às editoras, que aproveitaram a oportunidade para colocar nas prateleiras livros e livros sobre a estrela de “Janela Indiscreta”. Dois deles chegam ao mesmo tempo às livrarias brasileiras: “Grace, a Princesa de Mônaco” (Leya), de Jeffrey Robinson, e “Grace Kelly – A Vida da Princesa de Hollywood” (Prata), de Donald Spoto. AMORES DE UMA LOIRA Grace Kelly dizia que gostava de se apaixonar. Entre os seus amantes se alinharam os atores Ray Milland, William Holden, Jean-Pierre Aumont e o estilista Oleg Cassini No Brasil, baixou a poeira da polêmica sobre biografias mas o confronto dessas duas obras serviria de exemplo para os limites dos relatos autorizados e as vantagens daqueles feitos sem a interferência do retratado. Próximo do príncipe Rainier III (1923-2005), principal fonte de seu livro, Robinson passa ao largo dos romances anteriores da atriz. Nega a relação com Bing Crosby (era ele quem a assediava, escreve, ao contrário, Spoto) e afirma que a fama de “devoradora de homens” (Ray Milland quase largou a família para viver com ela) foi uma maldade inventada pela colunista Hedda Hopper. Robinson sugere ainda que o fato de o carro de William Holden ter sido visto várias vezes diante da casa de Grace era “porque estava emprestado a um dos amigos da atriz”. A versão de Spoto é menos carola: “A ligação durou cerca de três semanas. (...) Em poucos dias Holden encontrou consolo em outros braços.” O escritor Donald Spoto, autor de “Grace Kelly”, conheceu a atriz ao entrevistá-la para a sua biografia de Alfred Hitchcock. Jeffrey Robinson, que lança“Grace”, teve o aval do Príncipe Rainier III, viúvo da atriz Spoto conheceu Grace Kelly em 1975, quando estava escrevendo sobre a vida e a obra de Alfred Hitchcock. Perguntada se não cogitava em contar sua história, ela respondeu que era ainda muito jovem – e acrescentou com ironia que tudo o que estava lhe dizendo de caráter pessoal só poderia ser revelado 25 anos após a sua morte. O autor levou a recomendação a sério, mas quebrou o protocolo em prol de um retrato mais próximo da realidade. Desmistificando o clima de conto de fadas (Grace era de família rica, afinal), Spoto deixa claro que ela não trocou o set pela vida palaciana movida pelo amor idealizado. Na verdade, ela não suportava mais as exigências da máquina de Hollywood e achava que o alto salário não pagava a solidão da fama. “Era impossível ser razoável com aqueles homens”, disse sobre os executivos do estúdio. A MGM queria que a atriz interpretasse, aos 25 anos, uma personagem de 40. Ela argumentou que “a beleza da história estava no fato de acontecer com uma mulher mais velha e frágil” – e não fez a fita. Caiu em desgraça. Numa viagem à Jamaica, tirou fotos sem maquiagem e de cabelos molhados, saindo do mar, tipo de material proibido na publicidade de Hollywood nos anos 1950. Mais ligado nesses detalhes, o livro de Robinson conta que ela foi também de cabelos molhados – e de vestido amarrotado – para encontrar Rainier em Mônaco – faltou energia elétrica no hotel. Cego pela sua beleza, o príncipe nem notou o desalinho. 11#2 EM CARTAZ – SHOW - ENTRE NOVOS E CONSAGRADOS por Ivan Cláudio (ivanclaudio@istoe.com.br) Em sua terceira edição em São Paulo, o festival Lollapalooza, que agora acontece no Autódromo de Interlagos (sábado 5 e domingo 6), vai reunir 47 artistas e promete atualizar o público brasileiro com revelações do pop internacional e trabalhos recentes de bandas consagradas. Entre as novidades aparece a cantora neozelandesa Lorde, que emplacou a canção “Royals” como a melhor do ano no Grammy. No auge da carreira, a banda canadense Arcade Fire apresentará o repertório de seu quarto disco, “Reflektor”, um dos mais vendidos de 2013. Serão, ao todo, dez horas de música por dia, distribuídas por cinco palcos numa área de 600 mil metros quadrados, cinco vezes maior que o espaço em que acontecia anteriormente. + 5 atrações do Lollapalooza JOHNNY MARR - O ex-guitarrista do The Smiths deve tocar músicas de seu primeiro álbum solo, “The Messenger”, e de sua antiga banda. JAKE BUGG - Astro do novo folk inglês, o cantor lançou em 2013 o CD “Shangri La”, que deve servir de base para a sua apresentação. IMAGINE DRAGONS - O quarteto de Las Vegas faz um rock dançante e conquistou o mundo com apenas um CD, “Night Visions”, de 2012. PORTUGAL THE MAN - A banda neopsicodélica americana tem dez anos de carreira e seis álbuns. O mais recente foi produzido por Danger Mouse. CAFÉ TACVBA - O grupo mexicano tem 25 anos de estrada. O repertório do show sairá do seu CD mais recente, “El Objeto Antes Llamado Disco". 11#3 EM CARTAZ – LIVROS - UM CLÁSSICO PORTENHO por Ivan Cláudio (ivanclaudio@istoe.com.br) Com “A Máquina do Bem e do Mal” (Editora 34), completa-se a publicação integral da ficção do escritor argentino Rodolfo Walsh, morto pela ditadura em 1977. Composta de escritos feitos para antologias e revistas, suas 25 narrativas vão do gênero policial ao fantástico e abarcam o período de 1950 a 1967, quando Walsh optou pela militância política. Sem cair nos clichês esquerdistas, “cultivava a álgebra da forma como um modo de assegurar a eficácia da ficção”, como diz Ricardo Piglia no prefácio da edição. de 1950 a 1967, quando Walsh optou pela militância política. Sem cair nos clichês esquerdistas, “cultivava a álgebra da forma como um modo de assegurar a eficácia da ficção. 11#4 EM CARTAZ – CINEMA - IRMÃOS DE SANGUE por Ivan Cláudio (ivanclaudio@istoe.com.br) Antes de deformar o corpo para rodar “Trapaça” (que lhe valeu a indicação de melhor ator no Oscar deste ano), Christian Bale filmou “Tudo por Justiça”, que só agora chega às telas. Dirigido por Scott Cooper, de “Coração Louco”, o filme conta a história de Russell Baze (Bale) e seu irmão Rodney (Casey Affleck), que vai para a cadeia devido ao envolvimento em um acidente fatal. Russell empenha-se em esclarecer o desaparecimento posterior de Rodney, ex-soldado que lutou na Guerra do Iraque e começa a participar de lutas clandestinas por dinheiro. 11#5 EM CARTAZ – TEATRO - ESTRELAS DE CLARICE por Ivan Cláudio (ivanclaudio@istoe.com.br) A companhia dinamarquesa Odin Teatret reuniu entrevistas da escritora Clarice Lispector com passagens de seu romance “A Hora da Estrela” para criar a peça “Estrelas”. Grande sucesso no país de origem, o espetáculo solo chega agora a São Paulo e coloca em cena a protagonista Macabéa, o seu namorado, Olímpico, a colega de trabalho Glória, a cartomante Madame Carlota e a própria Clarice, todos na pele de Marilyn Nunes. Com direção de Julia Varley, da Odin, fica em cartaz no Sesc Consolação até dia 25 de abril. 11#6 EM CARTAZ – MÚSICA - DE GIL PARA JOÃO por Ivan Cláudio (ivanclaudio@istoe.com.br) Gilberto Gil assume-se discípulo de João Gilberto no CD “Gilbertos Samba”, no qual 9 das 12 canções pertencem ao repertório do pai da bossa nova. Com a revisitação de músicas como “Aos Pés da Santa Cruz”, “O Pato”, “Doralice” e “Desafinado”, Gil retoma uma das fontes do tropicalismo e a lança para novos aprendizes – o disco é produzido pelo filho Bem Gil e por Moreno Veloso, que participaram da gravação ao lado de Domenico, Rodrigo Amarante e Pedro Sá. A interseção dos dois mestres baianos acontece na faixa “Eu Vim da Bahia”, composta por Gil e gravada por João em 1973, e é reiterada na instrumental “Um Abraço no João”, resposta ao clássico “Um Abraço no Bonfá”. Com seu toque de muita personalidade, Gil fecha o CD com “Gilbertos”, faixa inédita que diz: “A cada 100 anos um verdadeiro mestre aparece entre nós/e entre nós alguns que o seguirão ampliando-lhe a voz e o violão. 11#7 EM CARTAZ – AGENDA - MEU DEUS!/SEHGAL/O QUE O MORDOMO VIU Conheça os destaques da semana por Ivan Cláudio (ivanclaudio@istoe.com.br) Meu Deus! (Teatro FAAP, São Paulo, até 27/7) – Dan Stulbach é um deus deprimido nessa comédia do israelense Anat Gov. Ele busca ajuda com a psicóloga Ana, papel de Irene Ravache. Tino Sehgal (CCBB, Rio de Janeiro, até 23/4; Pinacoteca do Estado, São Paulo, até 4/5) Numa espécie de experimento sociológico, o artista inglês, premiado na Bienal de Veneza, coloca pessoas em movimento num espaço vazio. O Que o Mordomo Viu (Teatro Procópio Ferreira, São Paulo, até 27/7) Miguel Falabella e Marisa Orth reencontram-se em cena nessa farsa de Joe Orton que aborda sexualidade e poder. 11#8 ARTES VISUAIS - GUERRA E PAZ DAS IMAGENS Pintor argentino Fabian Marcaccio cria uma pintura informacional para a era da internet e a multiplicidade da vida contemporânea por Paula Alzugaray Da pintura histórica ao banner de rua; de Foucault a Godard. Citações à história da arte, publicidade, sociologia, filosofia e cinema estão canalizadas nas cenas que compõem os 14 metros de comprimento da pintura “Paintant Stories”, em exibição na Casa Daros, no Rio. “Quando comecei a trabalhar com pintura, nos anos 1990, ela estava em desuso. Me interessou trabalhar em meio a essa crise e propulsionar uma pintura que estabelecesse um nova relação com a guerra de imagens que acontece nessas esferas”, conta o artista à ISTOÉ. NOVAS MÍDIAS - "Paintant Stories", de Marcaccio, envolve pintura digital e processos artesanais à base de resinas Realizada em 2001, envolvendo um complexo processo de digitalização de imagens somado a uma pintura densa à base de resinas e silicones, “Paintant Stories” foi uma das primeiras aquisições da coleção Daros Latinamerica, fundada em 2000 na Suíça. “Essa pintura foi concebida no começo do milênio, quando a internet entrava em cena, e traz com ela o entusiasmo explosivo que sentimos ao final do século cruel que passamos”, diz Marcaccio diante de imagens de guerra, sangue, violência, orquestradas em uma composição de grande impacto visual. “A pintura sempre pediu um espaço de contemplação estática, mas gosto de contrariar isso e criar uma espécie de ‘pintura de ação comunal’, que não seja apenas um trabalho teórico, mental ou conceitual”, continua. “A arte conceitual produz questionamentos interessantes, mas deixa que o cinema de Hollywood e a propaganda de rua invadam tudo, e acaba perdendo essa guerra.” O duelo que Marcaccio trava com o poder da imagem midiática marca o início de uma temporada de pintura na Casa Daros. Entre abril e agosto, a coleção suíça traz à sua sede no Rio obras recentes de Luiz Zerbini, Guillermo Kuitca, Eduardo Berliner, Vânia Mignone e René Francisco, a fim de expor a amplitude da pintura contemporânea. “Quero mostrar facetas bem diferentes do mundo das artes latino-americanas e sempre surpreender o público com coisas nunca vistas antes”, diz o curador Hans-Michael Herzog, que inaugurou a Casa Daros em março de 2013 com obras de artistas colombianos nunca antes exibidos no Brasil. “Marcaccio traz uma obra em pintura sem paralelo na história da arte e no presente. É a pintura do século XXI.” 11#9 ARTES VISUAIS – ROTEIROS - MERCADO EM EXPANSÃO 10ª SP-Arte/ Pavilhão Ciccillo Matarazzo, SP/ de 2 a 6/4 por Paula Alzugaray Com direito a academia para jovens curadores e obras comissionadas especialmente para a ocasião, a SP-Arte inaugura sua 10ª edição na quinta-feira 3. Embora a feira tenha como estratégia a diversificação de suas atividades, sofisticando sua oferta de atrações, oferecendo exposições, debates e premiações, e almejando o reconhecimento como evento cultural, é no mundo dos negócios que a SP-Arte realmente faz diferença. Na edição de seu décimo aniversário, a feira mais que triplicou seu público e a participação de expositores, em relação à primeira edição, em 2005. Consequentemente, as vendas só crescem. As transações realizadas em 2013 somaram quase R$ 100 milhões, mais que o dobro em relação ao ano anterior. Obra de Christian Boltanski à venda no estande da Marian Goodman Gallery, de Nova York, que participa pela primeira vez da SP-Arte Esses são alguns indicadores que fazem da SP-Arte uma engrenagem central do crescimento e da consolidação do mercado de arte brasileiro. “Certamente a feira tem um papel no impulso do desenvolvimento do mercado”, afirma a pesquisadora Ana Letícia Fialho, autora da “Pesquisa Setorial Latitude”, realização da Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact) e da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). Segundo dados da pesquisa, é visível que boa parte das galerias de arte contemporânea em atividade hoje no Brasil surgiu depois da criação da feira dirigida por Fernanda Feitosa. A SP-Arte também incentivou outros grandes negócios, como a ArtRio, surgida em 2009. Ainda segundo dados da terceira edição da pesquisa “Latitude”, processados este mês, entre as feiras mais frequentadas por brasileiros, a SP-Arte é a que gera um maior volume de negócios, de acordo com 56% das galerias, seguida da ArtRio e da Miami Basel Art Beach. Este ano há 136 expositores (78 galerias brasileiras e 58 estrangeiras). Das 27 galerias apontadas pela “ArtReview” como as mais conceituadas do circuito mundial de arte, 12 estão na SP-Arte: David Zwirner, Gagosian, Marian Goodman, Pace, White Cube, Lisson, Thaddaeus Ropac, Neugerriemschneider, Kurimanzutto, Franco Noero, Continua e a brasileira Luisa Strina. A Marian Goodman Gallery, de Nova York, que participou da ArtRio pela primeira vez em 2013, detectou um mercado no Brasil e vem a São Paulo este ano “aprofundar o conhecimento e o entendimento sobre o País”. “Queremos dar continuidade ao diálogo que iniciamos com colecionadores e com diversas instituições e curadores que se interessaram pelo trabalho de nossos artistas”, diz Rose Lord, diretora da galeria, à ISTOÉ. A galeria coloca à venda na SP-Arte, entre outros highlights internacionais, dois artistas que estão em cartaz em instituições brasileiras: Christian Boltanski no Sesc Pompeia e Tino Sehgal no CCBB Rio e na Pinacoteca de São Paulo. As vendas da SP-Arte em 2013 somaram quase R$ 100 milhões Em um mercado em expansão, em que galerias abrem mais e mais filiais, conquistando lugar ao sol em novos hemisférios, a presença de expositores estrangeiros no Brasil pode significar algo mais que uma semana isolada de vendas. Após duas participações seguidas em feiras no Brasil, a White Cube Gallery sentiu-se confiante para inaugurar sua filial em São Paulo, em março de 2012, com uma exposição do britânico Anthony Gormley. Nesse meio tempo, vem se integrando bem à vida artística local e até passou a representar uma artista brasileira em seu casting internacional: em maio de 2013, Jac Leirner realizou sua primeira individual em Londres, na filial da White Cube em Mason’s Yard. Mas não são só os gringos que estão de olho na nossa baiana. Galerias brasileiras também começam a sonhar com novos horizontes. Em maio, a galeria paulistana Nara Roesler abre filial no Rio de Janeiro, com individual de Marcos Chaves. Especula-se que a Fortes Vilaça tenha os mesmos planos. Esse pode ser o primeiro passo. Há um oceano de possibilidades para o mercado brasileiro. 12. A SEMANA 2.4.14 Antonio Carlos Prado e Elaine Ortiz "A UM PASSO DA IMPUNIDADE" O Supremo Tribunal Federal, mais alto patamar do Poder Judiciário no País, decidiu na quinta-feira 27 que o ex-deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB) deverá ser julgado em primeira instância pela Justiça Federal de Minas Gerais – ele é processado por peculato e lavagem de dinheiro no esquema que ficou conhecido como mensalão tucano. Azeredo renunciou ao seu mandato e, assim, o STF entendeu que ele perdeu o direito ao foro privilegiado. Ao remeter o caso para a Justiça de Minas, o STF julgou de acordo com a regra e não com a exceção, como foi feito em relação a alguns réus do mensalão do PT. O problema é que, como os crimes atribuídos a Azeredo ocorreram na campanha eleitoral de 1998 e com o número de recursos que o ex-deputado terá à disposição a partir de agora, tudo indica que o caso caminhe para a prescrição. Ou seja, Azeredo deixou oito meses de mandato, mas deve conquistar a impunidade. "A BOA SEMANA DE BARACK OBAMA" O papa Francisco não costuma falar inglês. Abriu uma exceção na quinta-feira 27, no pátio de São Damásio, no Palácio do Vaticano: – Welcome, mister president. O presidente em questão é Barack Obama, e o papa prestou-lhe uma homenagem dando boas-vindas em seu idioma. Obama, feliz, retribuiu: “Sou grande admirador do senhor pela ênfase em ajudar os pobres.” A semana do presidente dos EUA foi mesmo muito boa. Feliz por encontrar-se com Francisco, ele também comemorou a suspensão da Rússia do G8, o que se deu por obra e arte suas – retaliação devido à anexação da Crimeia. E mesmo na Bélgica, onde o jornal “De Morgen” publicou fotos em que ele e Michelle aparecem como macacos, tal grosseria fez seu prestígio subir junto à população. As fotos teriam sido enviadas por Vladimir Putin. "US$ 9 MILHÕES" US$ 9 milhões. É quanto a modelo e estilista L’Wren Scott, que se suicidou, deixou de herança para o seu namorado, o líder do The Rolling Stones, Mick Jagger. O valor foi divulgado na semana passada. "A MELHOR CHEF MULHER DO MUNDO É A BRASILEIRA HELENA RIZZO" O Prêmio Veuve Clicquot existe há apenas quatro anos – é uma categoria especial do World’s 50 Best promovido pela tradicional revista britânica “Restaurant”. Já elegeu como melhores chefs do mundo a francesa Anne-Sophie Pic (restaurante Pic), a italiana Nadia Santini (Dal Pescatore) e a espanhola Elena Arzak (Arzak). Agora em 2014 foi a vez de a brasileira Helena Rizzo (Maní) ser consagrada. Ela é gaúcha, tem 36 anos e trocou as passarelas pela cozinha. Comanda hoje o restaurante Maní ao lado do marido, o chef espanhol Daniel Redondo. "RELATÓRIO INÉDITO DO TCU CONDENA O SUS" Pela primeira vez na história do Tribunal de Contas da União fez-se uma auditoria na qualidade dos serviços prestados pelos SUS nos hospitais e prontos-socorros. Os auditores visitaram 116 instituições em todo o País. Na semana passada apresentaram aos ministros do tribunal alguns números: 81% dos hospitais têm carência de médicos e em 56% faltam medicamentos e ataduras. A penúria no número de ventiladores pulmonares inutiliza leitos em 77% das instituições. "FREIRA TEM 33 MILHÕES DE ACESSOS NA INTERNET" Como num remake do filme “Mudança de Hábito”, a apresentação da freira Cristina Scuccia na edição italiana do programa “ e Voice” foi um sucesso. Os jurados, como de praxe, ouviram-na cantar sem vê-la. Após aprovarem a sua excepcional performance vocal, a olharam. Ao se depararem com uma freira, a comoção foi generalizada. Irmã Cristina, 25 anos, interpretou uma música de Alicia Keyes cujo refrão diz: “Ninguém pode mudar o que eu sinto por você.” Em uma semana, sua imagem nas redes sociais acusou 33 milhões de acessos. "BRASILEIROS QUE VIVEM NO EXTERIOR PODEM ADOTAR CRIANÇAS NO PAÍS" O CNJ autorizou na semana passada que brasileiros residentes no Exterior integrem o Cadastro Nacional de Adoção (CNA) – até agora era necessário morar no Brasil para adotar uma criança. O CNJ tenta assim resolver uma distorção: 90% das pessoas que vivem no País só se interessam por crianças de até 5 anos. Ocorre, porém, que menos de 10% das cinco mil crianças que aguardam adoção estão nessa faixa etária. A expectativa é de que brasileiros que vivem em outros países se interessem por filhos adotivos mais velhos ou adolescentes. "A ÚLTIMA E INÉDITA ENTREVISTA DE SENNA HORAS ANTES DE MORRER" A revista inglesa “F1 Racing”, em sua edição de abril, traz uma entrevista inédita com Ayrton Senna – a última que ele deu, horas antes de morrer. Trata-se de uma conversa com o então diretor de marketing da Williams, Richard West, em pleno autódromo de Imola naquele fatídico domingo de 1º de maio de 1994. Senna confidenciou a West que estava temeroso, reclamou da falta de segurança e contou que os pilotos iriam exigir da FIA o controle da velocidade dos carros. Ao fim da conversa, Senna autografou para seu interlocutor um mapa do circuito e colocou o seu nome ao lado da curva Tamburello. Justamente a curva em que se acidentou e morreu. "ESTUDANTES EXIGEM POLÍCIA FORA DO CAMPUS" Foi para investigar tráfico de drogas que a Polícia Federal esteve no campus da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis. Sua presença acabou em tumulto: cinco estudantes foram encaminhados à delegacia por porte de drogas, dois veículos “frios” da polícia foram depredados e quatro policiais do Batalhão de Choque da Polícia Militar fi caram feridos. Bombas de efeito moral e balas de borracha foram atiradas contra 300 universitários. Até a manhã da sexta-feira 28 um grupo de alunos ainda ocupava a reitoria da universidade. Exigem que polícia alguma pise o campus. "NICOLÁS MADURO EM NÚMEROS" Ficou claro na semana passada o rompimento da procuradora-geral da Venezuela, Luisa Ortega, com o presidente Nicolás Maduro. Ele ordenou que ela não revelasse números sobre a repressão promovida por seu governo contra aqueles que se opõem a ele. Luisa Ortega o ignorou e declarou: “Com relação à questão de violação de direitos humanos, houve, sim, grave excesso por parte da polícia.”Eis os números por ela divulgados: 26 mortos, 450 feridos, 2 mil detidos (121 ainda na prisão), 60 investigações para apurar violações aos direitos humanos, 15 agentes presos (ligados a violações dos direitos humanos). "LIVRO DE SETE TONELADAS MOSTRA O EXAGERO DE NOSSAS LEIS TRIBUTÁRIAS" É preciso muita paciência e boa dose de ironia como instrumento de crítica para fazer o que fez o advogado mineiro Vinicius Leôncio. Para mostrar o excesso de leis tributárias no Brasil e o emaranhado que elas formam, ele as reuniu em um livro de 41 mil páginas. Pesa 7,5 toneladas e mede 2,1 metros de altura. “Algo precisa ser feito com urgência para tirar o Brasil dessa incômoda posição de maior exportador de burocracia tributária do mundo”, diz Leôncio. "38,2%" 38,2% das jovens brasileiras na faixa etária entre 14 e 25 anos nunca ou quase nunca usam preservativo. Entre os homens, no mesmo intervalo de idade, o índice é de 29,6%. Os dados são da Unifesp. "US$ 760 MIL PELA CÂMERA QUE FOI À LUA " Entre 1969 e 1972 os EUA enviaram diversas missões Apollo à Lua. Os astronautas levavam consigo câmeras fotográficas (era a tecnologia que se tinha à mão) a fim de registrar o máximo de informações. Assim, 14 máquinas chegaram à Lua, mas somente uma retornou à Terra. Na semana passada ela foi leiloada por US$ 760 mil. Sua história está ligada à missão Apollo 15.