Iniciada em 18/12/09 Finalizada em 19/04/10 1 Amor, casamento, amizade, carinho, convivência difícil, muito trabalho e falta de tempo são os principais componentes dessa fascinante obra. Quando o tempo passa rapidamente, sem que se perceba, vemos o que ficou para trás. Arrependimentos, vontade de voltar e fazer diferente. Mas às vezes a única saída é mudar para colher bons frutos no final. Deve-se passar por cima do orgulho, doar-se, amar apesar PRISCILA REIS ANDRADE das circunstâncias, mesmo que Nasceu em 1991, em Eunápolis pareça uma tarefa difícil... mas ­ BA, depois de idas e vindas veio não impossível. morar em Guarapari ­ ES. Este livro é para dar boas Escreve pequenas histórias risadas e chorar com as diversas desde os 11 anos de idade, mas situações presentes na obra, foi aos 15 que se interessou de onde há fatos decorrentes do dia- fato pela escrita. a-dia de pessoas como eu você. Autora de Encontrando Perdão, Mônica, a nossa narradora, tem Viajantes do Tempo entre outras duas opções: conseguir sair de histórias. seu estado de sofrimento e chegar ao mais profundo amor ou fugir e se refugiar em si mesma. O ela irá escolher? Melissa Heringer. 2 Dívida Eterna . Priscila Reis Andrade 3 Sumário . 1º capítulo: Adeus: 6 2º capítulo: Um treinador: 7 3º capítulo: Tic, Tac, Tic...: 12 4º capítulo: Um noivo para mim: 17 5º capítulo: Como assim grávida?: 24 6º capítulo: Caio: meu coraçãozinho: 30 7º capítulo: Um mar de mágoas: 35 8º capítulo: Briga!: 41 9º capítulo: Futebol!: 46 10º capítulo: Eu versus Ele: 51 11º capítulo: Festinha entre amigas: 58 12º capítulo: Uma pontinha de doçura: 64 13º capítulo: Aprendizado: 70 14º capítulo: Bate papo com a Sabedoria: 75 15º capítulo: O que Ele quer: 80 16º capítulo: Um pouco de luz: 85 17º capítulo: Manual: 91 18º capítulo: Retorno: 95 19º capítulo: Na alegria e na tristeza: 101 20º capítulo: Até que a morte nos separe: 106 21º capítulo: Final: 113 Epílogo: 119 O tempo: 120 Agradecimentos: 121 4 A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros; porque quem ama aos outros cumpriu a lei. Romanos 13:8 5 1º capítulo: Adeus. Não agüento mais! Estou indo embora. Espero que fique bem... Mônica. 6 2º capítulo: Um treinador. Tudo começou com uma bolsa. Era inverno e fim de tarde. Eu estava caminhando por uma ruazinha do centro da cidade em busca de um ponto de ônibus coberto, já que o céu anunciava uma forte chuva e eu não havia levado guarda-chuva para o trabalho. Tentei andar o mais depressa que meus sapatinhos vermelhos permitiam-me ir. Estavam apertados em meus pés, isso dava uma sensação horrível. Quando parei para descansar vi em minha frente uma boutique com uma bolsa fabulosa na vitrine. Eu, como sou amante de acessórios, tive de ir até lá conferir. Atravessei a rua com cuidado, porém depressa e parei diante daquela fofura de bolsa. Era de pano vinho, com flores grandes feitas de crochê, bolsos floridos verdes, linda... ­ Muito linda. ­ falei em voz alta. Pelo reflexo do vidro vi um rapaz ao meu lado. Era bem mais alto que eu, tinha os cabelos lisos e dourados, os olhos verdes muito bonitos, era atlético e se vestia muito bem. Parecia interessado em alguma coisa na boutique feminina. Uma das atendentes da loja pegou a plaquinha com o preço da bolsa e trocou, colocando-a por metade do preço. Era o que eu precisava! Saí da frente da vitrine, dando a volta no rapaz, e fui em direção a porta. ­ Desculpe. ­ ele disse. Nós dois havíamos tentado entrar ao mesmo tempo. O rapaz deixou-me passar primeiro. Entrei e fui rápido a atendente pedir a bolsa. Ela disse para eu ir para o balcão do caixa que já iria levá-la para mim. ­ Eu não disse que seu time ia perder de lavada? Dito e feito! ­ Se gabou o cara da vitrine para o, aparentemente, dono da loja. ­ Foi pura sorte... ­ Riu o dono. 7 ­ Que nada, meus jogadores são muito bem treinados. Você vai ver, nós vamos conseguir disputar contra os outros times do Estado, e se Deus quiser nós vamos vencer a todos. A moça trouxe a bolsa para mim. ­ Obrigada, tenha um bom dia. ­ disse ela. Respondi com um sorriso. ­ Bom... vou indo lá. A gente se vê no próximo jogo. ­ Os dois rapazes se despediram com um apertar de mãos. ­ Droga! ­ falei para mim mesma. Estava caindo um temporal. A loja era numa descidinha, e a água da chuva parecia a de um rio, uma corredeira que levava quem estivesse passando por ali, bom... nem tanto. ­ É, acho que hoje não é um bom dia. ­ disse o rapaz. ­ Verdade. ­ falei baixinho, o som ainda foi abafado pelos fortes pingos de chuva caindo na calçada. ­ Você mora aqui por perto? ­ Virou-se para mim encostando o ombro no batente da porta. ­ Quem dera... ­ falei olhando a rua. ­ Me diz onde mora assim posso levar você em casa. Pensei por um tempinho. ­ No bairro Jardim Campo Belo. ­ falei por fim. ­ Certo, então vamos lá. ­ Ele saiu na chuva. Olhei-o incrédula. Eu preferia esperar a chuva diminuir um pouco, de que adiantaria ficar encharcada? ­ Não vai vir? ­ disse ele parando na calçada. Suas roupas já estavam pingando de tão molhadas. ­ Não quer esperar a chuva afinar um pouco? Ele sorriu. ­ Não. O rapaz pegou minha mão e levou-me para a chuva. 8 ­ Amanhã vou estar hiper-gripada! ­ falei desanimada. ­ É só uma chuvinha... Fomos andando em direção a um estacionamento coberto no fim da rua. ­ Como você se chama? ­ perguntou a mim. ­ Mônica, e você? ­ Rafael. Prazer em conhecê-la. ­ O prazer é meu. ­ Sorri para ele. Fiz um coque no meu cabelo para ver se não ficava pior do que já estava. Quando eu chegasse em casa teria o maior esforço do mundo para desembaraçar os cachos das pontas. E minha bolsa nova? Ah... a bolsa estava quase nadando dentro da sacola. Sorte que a outra bolsa que eu estava usando era de material impermeável, assim meus documentos e outros objetos, que eu nem sei por que carrego, não molhariam. Ele abriu a porta do carro para que eu entrasse. Torci meu vestido enquanto ele dava a volta para entrar no lado do motorista. Nós entramos e ele ligou o ar quente. ­ O clima está muito doido ultimamente, semana passada estava o maior sol. ­ disse ele quando estávamos passando pela ponte do bairro. ­ Verdade. ­ falei olhando pela janela. Uma nuvem cinza pairava por cima da cidade. Os prédios coloridos tornaram-se escuros devido à sombra, o dia não estava nada bonito. ­ Com o que você trabalha? ­ ele perguntou olhando a pista através do vidro embaçado. ­ Trabalho numa floricultura que fica dentro do shopping. E você? ­ Sou treinador de um time de baseball. ­ Nossa, que legal. ­ falei sorrindo. ­ É um jogo muito... ­ Procurei uma palavra adequada. ­ interessante. Ele riu. ­ Acho que é mais divertido do que trabalhar numa floricultura. ­ acrescentei. ­ Quê isso, trabalhar com flores deve ser muito... interessante. 9 Nós rimos. Nos demos super bem, depois de um mês já éramos muito amigos. Eu até que estava gostando de baseball... ou será que era do treinador? ­ O objetivo da rebatida é de colocar a bola em jogo de maneira que dê tempo ao próprio rebatedor de alcançar a primeira base e aos outros corredores, se for o caso, de alcançarem as próximas bases. ­ Isso não vai dar certo... Rafael sorriu para mim. ­ É só segurar firme no taco e girá-lo. Tem que girar um pouco do corpo também, para dar impulso. Segurei firme o bastão que era quase maior que meus 1,60 de altura e me posicionei na base. Rafael bateu algumas vezes a pequena bola na luva e depois a jogou para mim. Não teria sido tão difícil se eu tivesse conseguido erguer o taco. Era pesado e eu me desequilibrei ao tentar girá-lo. A bola passou ao meu lado e eu caí sentada no chão. Os alunos dele de aproximadamente 11 anos deram gargalhadas. Também comecei a rir com eles. ­ Você está bem Mônica? ­ Rafael perguntou chegando até mim e agachando. ­ Estou sim. ­ falei limpando as mãos que estavam cheias de terra. ­ Não está machucada? ­ Ele sentou no chão à minha frente e ficou me olhando. ­ Não, ta tudo bem. ­ Nem um osso fora do lugar... nada? Eu terminei de limpar minhas mãos e o olhei. ­ Queria que eu tivesse me quebrado toda com uma quedinha boba dessas? ­ Não. Mas é que você parece tão frágil. ­ ele falou devagar. ­ É como se fosse uma bonequinha de porcelana. ­ Fez uma pausa. ­ Branquinha do cabelo longo escuro, com o rosto redondinho e sardinhas... Sorri para ele. 10 ­ Sério. ­ falou sorrindo também. ­ Mas sou feita de carne e osso, ta?! Mais carne que osso, eu diria. ­ Vai me dizer que você se acha gorda? ­ Ele uniu as sobrancelhas. ­ Três ou quatro quilos acima do meu peso ideal. Ele balançou a cabeça. ­ Fique sabendo que você é linda do jeito que é. ­ Ok. Ok. ­ Revirei os olhos. Levantei-me. Ele fez o mesmo e fomos andando para os bancos. "Ele me acha linda... ai meu Deus" fiquei animada. 11 3º capítulo: Tic, Tac, Tic... Sabe quando você encontra a pessoa que combina com você? Então, foi isso que aconteceu comigo. Rafael era "O cara". Fazia-me rir, elogiava, cuidava de mim, tratava-me bem, e também demonstrava sentir algo a mais pela minha pessoa. E eu... bom... desde o princípio eu já estava apaixonada por ele. ­ Tem certeza de que isso vai ficar bom? ­ perguntei à cabeleireira que estava cuidando dos meus cabelos rebeldes. Vi pelo espelho que ela deu um sorriso torto de quem já lidou com coisas piores, e continuou separando as mechas de meus cabelos. ­ Impossível alguma mulher no mundo não ficar bem com uma bela escovada da Dona Eliana. ­ falou a assistente perua da cabeleireira, Morena. ­ Aqui você entrou como garotinha... mas vai sair uma mulher. As outras clientes que estavam sentadas folheando revistas de moda começaram a dar risadinhas. ­ Certo... ­ eu disse desconfiada. A porta do salão se escancarou e uma mulher aos prantos adentrou o lugar. Estava com alguns hematomas espalhados pelo corpo, os cabelos desgrenhados e as roupas amarrotadas. ­ O que houve? ­ A assistente a fez sentar numa cadeira e puxou um copo plástico de um suporte e encheu de água, entregando a ela depois. ­ Meu filho... ­ Conseguiu dizer depois de muito soluçar. ­ se recusou a comprar bebida para o meu marido aí ele começou a agredi-lo. Eu ameacei a chamar a polícia, mas ele me bateu. Então eu tive de fugir. ­ Ela voltou a chorar bastante. ­ Calma minha linda, você sabe como são os homens, fazem esses tipos de besteira depois se arrependem... ­ Morena tentou acalmá-la. ­ Não é a primeira vez. Ele sempre bebe e depois nos bate. O pior é que meus filhos ainda estão em casa. Eu preciso de ajuda. Quero me divorciar, mas ele não aceita. ­ Ela enxugou as lágrimas. ­ Casamento hoje em dia não está valendo à pena. Nunca valeu. 12 ­ Sem dúvida. ­ Eliana falou, terminando a escova que estava fazendo em meu cabelo. Eu olhava preocupada a mulher pelo espelho, parecia estar sofrendo bastante. Estava com pena. A cabeleireira percebeu meu desconforto e começou a falar baixinho comigo. ­ Quantos anos você tem? ­ Hm... 19. ­ Ah... tá nova. Não se preocupe com isso. Mulheres modernas não precisam de homem, já conseguem se cuidar sozinhas. Duvido que algum dia vá passar pelo que Margarida está passando. Opa... eu não diria que sou tão moderna assim. Meu sonho, desde pequena, (bom... em tamanho não pareço ter mudado muito) era encontrar o rapaz perfeito que seria meu pro resto da vida. Nós nos casaríamos na igreja, teríamos uma casa linda e uma família maravilhosa. ­ Quem sabe... ­ falei a ela. ... ­ As sobrancelhas então? ­ O cabelo. ­ Ah... ­ Ele ficou olhando. ­ Verdade... parece maior. ­ Sorriu. Sorri de volta. Eu e o Rafa estávamos na fila do cinema. Tiramos no "par ou ímpar" para ver qual filme veríamos. Ele ganhou. Infelizmente. ­ Você vai gostar, tenho certeza. ­ afirmou. ­ Não sou fã de filme de terror. ­ Mas esse é diferente... ­ Ele contou alguns fatos do filme para que eu não ficasse com medo na hora. Rafael havia lido os livros que deram origem ao filme. Era aterrorizante. Entramos na sala e fomos nos sentar na fileira do meio. Não era uma sala muito grande, talvez em resposta pela baixa procura do filme. Havia em média de 10 a 15 pessoas no local. Eu achei muito até. O trailer já era mortal, que dirá o filme. 13 ­ O quê que eu to fazendo aqui? ­ falei em voz alta para mim mesma quando o filme começou. Rafael riu e passou o braço em volta de mim. ­ Não é tão ruim quanto parece, Mô. Havia uma mansão no meio do nada. Um cara de camisa de força estava observando a rua pela janela de um quartinho bem no alto. Ele se parecia com o Tio Chico da Família Adams. Era tarde da noite, indicava o relógio do tipo Big Ben. Uma moça (doida, por sinal) passeava pela rua deserta em frente à mansão. Pisquei os olhos e a garota já estava no quarto do Tio Chico, e então ele começou a falar com ela. E daí ela estava amarrada a uma cadeira aparentemente elétrica. O cara ficou explicando como seria a sua morte. E então eu dormi. ­ Mônica, você está perdendo toda a diversão. ­ Esse cara só sabe falar, fazer algo que é bom: nada! Ele riu baixinho olhando para a telona. Pelo visto o filme já estava acabando. Das poucas vezes que eu abri os olhos, quando alguém gritava na sala, era a morte de alguma pessoa, então eu voltava a fechar os olhos, já que era sangue para tudo quanto é lado. ­ Vamos. Esfreguei as mãos nos olhos. ­ Acabou? ­ Não, mas já sei o final. O filme está chato demais, o livro é melhor. Mais gritos. Tio Chico havia comido o olho de um cara. ­ Que delícia! ­ falei. Rafael começou a rir e levou-me para fora da sala. ­ Depois de uma cena dessas fiquei até com fome. ­ eu disse rindo. Nós fomos andando até a praia que era a algumas quadras do shopping. Não sei por que mas o Rafa estava segurando a minha mão. Ele devia estar se lembrando do filme... ou não. 14 Chegamos à praia, tiramos nossos calçados e fomos andar na areia. Era uma coisa comum na nossa cidade, havia bastante gente caminhando ali também. A areia fofa estava bem geladinha. O cheiro de água do mar era um dos meus preferidos. Ele começou a cantar uma música baixinho. ­Tenho certeza de que já ouvi essa música em algum lugar, mas não me lembro... ­ É a abertura de um desenho animado dos anos 90. ­ Aaah... sabia! Ele sorriu. Eu comecei a cantar com ele. Daí a pouco estávamos brincando na praia de pique-pega. ­ Não vai conseguir me pegar dessa vez. ­ disse ele andando de costas, um pouquinho longe de mim. A areia não ajudava em nada para eu correr. Já não tinha aquele pique todo, e depois de brincar tanto eu estava exausta. ­ Vou sim. ­ Retomei o fôlego ­ Nem que isso demore um século. Comecei a correr. Parecia mais uma corridinha de quem está no calçadão, mas tuuudo bem. Rafael ficou parado sorrindo, esperando-me chegar até ele. ­ Você está rosa. ­ disse ele, quando consegui. Sentei-me na areia cansada. ­ Desculpe ter feito você se cansar demais. ­ Quê isso, ta tudo bem. Nunca me diverti tanto. ­ Minha cabeça pendeu para o lado, apoiando-se em meu ombro. Respirei fundo e abri meu melhor sorriso. Rafael ficou parado na minha frente olhando para mim. Ele parecia um gigante olhando de baixo. ­ Quanto você tem de altura? ­ perguntei. ­1,83. ­ Caramba. ­ Pensei um pouco. ­ E os homens crescem até que idade? 15 ­ Acho que é até os 21. Mas eu já tenho essa idade, então não acho que vou crescer mais. ­ Que bom. ­ Escapou sem querer. Ele mordeu os lábios, sem graça. ­ Quer dizer... ser alto demais não deve ser muito legal, não é? ­ Dá para pegar coisas em cima do guarda-roupa sem usar escada. ­ falou num tom divertido. ­ É. Não tinha pensado nisso. Levantei-me e limpei a areia das mãos e da roupa. Ele me levou para uma parte do calçadão. Tinha uma enorme castanheira, um banco e um orelhão azul um pouco mais ao lado. Sentamo-nos ali e ficamos olhando o mar. Tive a sensação de que o tempo iria mudar. Não o tempo clima, mas sim o tempo hora. Parecia que a cada batida de meu coração uma parte da minha vida estaria sendo confinada a ser deixada para trás. Uma coisa estranha parecia estar acontecendo, o tempo estava indo mais rápido. Mais para frente é que eu perceberia isso de fato... mas seria tarde demais. ­ Há quanto tempo joga baseball? ­ Desde pequeno. Meu avô me ensinou. ­ Ele quase riu lembrando-se ­ É o que eu mais gosto de fazer, poderia ser treinador a minha vida inteira. ­ A vida inteira é muito tempo. Mas por que "poderia"? ­ Vou me formar este ano em Arqueologia, pretendo trabalhar nesta área. ­ Ah... ­ Você também não vai trabalhar com flores para o resto da vida, vai? ­ Não. Vou passar o resto da vida desenhando vestidos de noiva. Ele deu um risinho. Depois ficamos em silêncio por um tempo. Tive a impressão de que as estrelas do céu estavam sumindo. Uma a uma iam perdendo-se na vastidão do lençol azul marinho que cobria o planeta. Um arrepio subiu pela minha espinha. Senti medo. ­ Pensando em algo interessante? ­ perguntou. Balancei a cabeça dizendo não. 16 ­ E você? Ele pareceu pensar um pouco. ­Também não. Vi que a última estrela havia se apagado. Antes que eu pudesse dizer algo Rafael segurou meu rosto e roubou-me um beijo. 17 4º capítulo: Um noivo para mim. Eu estava prestes a descobrir que a minha noção de tempo é muito falha. Que a vida passa e se não soubermos vivê-la ficaremos assustados com a velocidade do nosso envelhecimento. Lembro-me de estar noiva. Eu e o Rafa nos víamos pouco, ele até brincava dizendo que no dia do nosso casamento quem chegaria atrasado seria ele. Era engraçado o jeito como dizia isso, mas era certo que a brincadeira tinha um fundo de verdade. Ser arqueólogo toma muito tempo. Se Rafael não está viajando está em casa pesquisando, quando isso não acontece ele está comigo, e quando está comigo ficamos falando de trabalho. E se ele não fala do emprego dele nós falamos do meu. Já estava fora de controle. ... Fui almoçar num restaurantezinho na pracinha onde ficava a loja de vestidos de noiva na qual eu trabalha. ­ E então eu disse "Se liga cara, saímos há um mês acha mesmo que eu ainda te amo?", aí ele disse "Mas eu gostava muito de você", aí eu disse "Não interessa, já deu o que tinha que dar, caia fora, entendeu?". ­ Acho que você foi muito dura com ele ­ falei a minha amiga, Susan. Ela estava contando a mim e às outras colegas de trabalho suas "aventuras amorosas". ­ Se eu falasse metade do que você disse ao meu marido ele me mandaria dormir no sofá. ­ minha outra amiga, Juliana, se pronunciou. Nós rimos, já escolhendo as mesas. ­ Vocês não entendem. Não quero nada sério com ninguém, eu aviso a eles antes, mas no fim sempre se apaixonam. ­ Nem um pouco convencida. ­ deixou escapar a gerente da loja, Bárbara, com um sorrisinho. ­ Só falo a verdade. ­ disse Susan. 18 ­ É tão bom ter alguém junto. Para compartilhar, cuidar, amar... ­ disse-nos Juliana. ­ Eu tenho isso, e consigo trocar de homem a cada vez que um me chateia. Isso você não tem. Juliana revirou os olhos. ­ Brigas acontecem em todo lugar, homem e mulher são muito diferentes. ­eu disse. ­ É que eu não suporto gritaria, intriga... isso me deixa ainda mais irritada. Por isso troco. O garçom veio a nossa mesa e anotou nossos pedidos. ­ É... nesse ponto você está certa. E tem outra ­ Bárbara ajeitou-se melhor na cadeira ­, ninguém merece chegar em casa correndo, arrumar tudo, cuidar das crianças e quando o homem chega em vez de elogiar por estar tudo arrumado e tal, vai logo perguntando "O que tem para comer hoje?". Isso derruba qualquer uma. ­ Falando assim você me deixa com medo. ­ falei rindo um pouco. ­ Aah... mas olha com quem você vai se casar: o cara mais lindo da cidade. ­ lembrou Susan. ­ No seu lugar eu faria os serviços domésticos ajoelhada agradecendo o marido que tenho. Nós rimos. ­ Beleza não é tudo. ­ falei. ­ Mas convenhamos... ­ Susan me deu um empurrãozinho ­ não é tudo mas ajuda. ­ Se eu pudesse faria um documento registrado em cartório dizendo que para me casar ele teria que: ajudar nos serviços domésticos, ajudar a cozinhar, fazer demonstrações de carinho o tempo todo, lembrar de todas as nossas datas importantes, comprar roupas novas para mim quando eu pedisse, etc, etc, etc... ­ eu disse brincando. ­ Ele só aceitaria se fosse o Super Homem, querida. ­ Bárbara falou rindo. Minha visão de casamento era muito idealizada. Para mim os maridos fariam de tudo para ver suas esposas felizes, até lavar os banheiros e arrumar a cama se fosse preciso. Eles dariam carinho, mimariam, tratariam suas escolhidas como bonequinhas ou mesmo princesas. Na minha imaginação eu acreditava 19 que os casais pudessem colocar um colchão na sala e assistir a vários filmes comendo pipoca e tomando suco, passariam a noite toda conversando e rindo como se fossem melhores amigos. Seria fantástico se os dois fossem para a cozinha fazer um bolo e brincassem de jogar farinha um no outro e por fim os dois limpariam tudo juntos. Mas algo dizia-me que não era bem assim... ... Os dias pareciam passar ainda mais rápidos e eu ficava apreensiva, daqui a pouco tempo eu estaria presa a um homem para sempre e não tinha plena certeza de que isso era o certo a fazer. Eu não tinha certeza de que seria feliz. Trabalhávamos muito, não tínhamos tempo nem para nós mesmos, como separaríamos tempo um para o outro? ­ Bom dia, minha noivinha. ­ falou Rafael, animado, pelo telefone. ­ Bom dia. ­ falei, quase voltando a dormir. ­ Não está feliz em ouvir minha voz depois de três meses? ­ Estou. É que eu pretendia dormir até às 10 e agora são 7h30. Ontem eu trabalhei muito. ­ Ah. Tudo bem. ­ Parecia que eu havia pisado em sua alegria. ­ Como você está? ­ perguntei. ­ Bem. ­ Deve ter pensado um pouco antes de continuar. ­ E você? ­ Estou ótima. Tem previsão de quando vai voltar? ­ Cheguei ontem do Cairo. Sentei-me na cama. ­ Porque não me avisou? Eu teria ido te ver. ­ falei chateada. ­ Ah... não sei. Preferi falar hoje com você. "Nossa. Bem feito para mim." ­ Estou morrendo de saudade. ­ Levantei-me indo lavar o rosto. ­ Também estou, minha flor. Quando nos veremos? ­ Quando quiser. ­ falei colocando creme dental na escova. ­ Agora? ­ Animou-se de novo. 20 ­ Claro. ­ Estou indo aí, então. Coloquei o telefone em cima da pia do banheiro enquanto lavava o rosto e escovava os dentes. Falar com o Rafa sumia com as minhas incertezas, eu me sentia muito bem, mas às vezes não conseguia demonstrar isso. Era uma pena. Eu morava num apartamento no mesmo bairro de anos atrás. Era pequeno e confortável. Ideal para mim. Havia algumas flores, quadros, milhares de fotografias, caixinhas de madeira e outros cacarecos. Como não estava muito frio peguei um vestido florido e vesti. Liguei o rádio, coloquei um CD e fui arrumar a cama enquanto Rafael não chegava. Meu quarto era todo branco. Os lençóis, as fronhas, os cobertores e os edredons eram todos brancos. O guarda-roupa era embutido com portas brancas também. Ao lado da cama ficavam dois criados-mudos com abajures e em um deles havia um telefone. Na parede havia um quadro com um campo verdinho e um casebre pintado. Perto da janela ficava uma cômoda de marfim com ursinhos e miniaturas, presentes de Rafael. A campainha tocou, deixei uma almofada de coração entre os travesseiros da cama e fui atender a porta. ­ Oi. ­ ele disse. Meu noivo estava diferente. Seus cabelos haviam crescido, a barba estava cerrada e a pele um pouco queimada pelo sol. Mas continuava lindo como sempre. Eu o abracei. Quase derreti em seu abraço apertado. Eu nem sabia que sentia tanta falta dele, eu acabara de descobrir o quanto era importante sua presença para mim. ­ Amo você. ­ ele disse baixinho. Eu não queria sair dali. Seria melhor esquecer tudo o que diziam sobre casamento, esquecer o que eu achava de nós dois juntos, de nossos empregos... Seus braços estavam em volta de mim, suas mãos deslizavam em minhas costas, como se me consolasse, mas ele parecia inseguro também. Apertei um 21 pouco mais os meus braços em torno de seu pescoço e repousei a testa em seu ombro. ­ Aconteceu alguma coisa, Mô? ­ Não. Nada não. ­ Endireitei meu corpo, o guiei para dentro do apartamento e fechei a porta. ­ Como foi a viagem? Sorri para ele, encorajando-o a falar. ­ Foi ótima. Sentou-se no sofá. ­ Me conte detalhes, amor. Conseguiu achar algo de interessante lá? ­ Deitei-me com a cabeça em seu colo. ­ Sim. ­ Rafael sorriu. ­ Alguns vasos de cerâmica com desenhos de deuses e rituais, inscrições em paredes do subsolo... hm, coisas do tipo. ­ Não tem medo de ficar soterrado? ­ Um pouco. ­ Ele virou o rosto e ficou olhando para a sacada do apartamento. Sentei-me ao seu lado. ­ O que aconteceu? ­ perguntei. Ele olhou nos meus olhos por alguns instantes. ­ Estávamos dentro de uma câmara. Era escura, quente e havia pouco ar. Nosso grupo estava sendo liderado justamente pelo Tadeu... ­ O rapaz afoito? ­ É. Ficamos examinando as paredes enquanto ele tentava arrastar algum de nós para procurar outras salas. Ninguém queria ir porque era perigoso demais. Mas de tanto insistir um companheiro, o mais novo no ramo, aceitou. ­ Ele morreu? ­ o interrompi. ­ Quase. Ficamos mais ou menos 40 minutos esperando lá fora e nada dos dois voltarem. Então eu e um colega descemos até a câmara de novo para procurá-los. Conseguimos ver ao longe o tremular de uma luz no corredor. Apertamos o passo e fomos mais fundo. ­ Ele passou a mão nos cabelos. ­ Estava quase insuportável ficar lá, eu já estava me sentindo sufocado. Foi quando ouvimos o barulho de um corpo caindo. Meu amigo ficou pálido e eu gelei. Nós começamos a gritar chamando-os. Ouvimos uma voz fraca e depois alguém se aproximou de nós carregando outra pessoa. ­ Rafael começou a 22 contar olhando para as próprias mãos. ­ Dava para ouvir a respiração ofegante do rapaz. Do teto começaram a cair pequenos flocos de terra, não era um bom sinal. Eu e meu amigo avançamos. Aí eu peguei Tadeu, que estava desmaiado e meu amigo ajudou o nosso colega que estava muito cansado. O caminho de volta parecia nunca chegar ao fim. Nossas roupas estavam pingando de suor e do teto não parava de cair terra. ­ As partículas se misturavam com o oxigênio... ­ Pude adivinhar sua próxima fala. ­ Sim. O pior é que quando estávamos saindo tudo começou a desmoronar. Eu ainda estava tirando Tadeu do buraco quando a terra nos cobriu... ­ Ele olhou para mim. ­ A você também? ­ o interrompi nervosa. ­ É. O problema foram as pedras, eram afiadas. Olhe o que fizeram comigo. ­ Ele levantou a blusa e mostrou as costas arranhadas, um dos cortes parecia profundo. Estendi a mão e toquei de leve. Ele gemeu um pouco. ­ Foi recente isso. ­ disse-me. ­ Desculpe. ­ Resumindo. Tiraram a gente de lá e nosso colega novato está internado. ­ Meu Deus... mas ele vai ficar bem? ­ Aham. Fiquei olhando para ele até virar-se para mim de novo. Ele sabia que se eu ficasse olhando-o por muito tempo era porque eu queria um abraço. Rafael abriu os braços e joguei-me para ele. ­ Amo muito você, vê se toma mais cuidado, ta!? ­ falei. ­ Ta bom minha princesinha. ­ disse sorrindo um pouco. 23 5º capítulo: Como assim grávida? Viver a vida... era algo que eu não sabia fazer. Lembro-me de ter caído no sono e dormido durante um bom tempo. Eu me sentia grande e pesada. Meus pés estavam doendo. Acordei, mas por preguiça de levantar continuei com os olhos fechados. Lentamente alguns recortes de memória vieram-me. A princípio não entendi. Alguma coisa parecia estar ao meu lado. Pensei que fosse um travesseiro por estar quentinho, mas então senti a pontinha de um nariz roçar na pele de meu pescoço. "Opa" pensei. Ergui a mão em direção ao "estranho" e comecei a apalpá-lo. Senti um braço ao meu redor, era forte e interessante. Minha mão reconheceu suas costas largas, seu ombro e pescoço. Meus dedos correram pela linha de seu rosto e acariciaram sua bochecha. Senti seu rosto se expandir num sorriso. Cheguei aos seus cabelos e quase pulei da cama. Eram longos e lisos. Abri os olhos temendo o pior. Mas ao fazê-lo algo chamou-me mais atenção do que os cabelos de Rafael e o fato dele estar ali ao meu lado. ­ Esse quarto não é o meu. ­ falei confusa. O ambiente tinha cores quentes, móveis modernos, um lustre esquisito, uma janela de vidro imensa, tapetes peludos e vários porta-retratos em cima de uma mesa de madeira perto de uma enorme televisão grudada na parede de frente para a cama. Também não era o quarto do Rafa. Tentei me levantar mas alguma coisa não deixava-me fazer movimentos com facilidade. ­ Algo errado, meu amor? ­ Rafael perguntou. ­ Onde estou? Ele riu um pouco. 24 ­ Como assim? ­ ele disse. ­ Que lugar é esse? ­ Nossa casa, oras. "Nossa?" Mais recortes. Desta vez consegui entendê-los. "Um pedido, um sorriso, um vestido, um olhar, uma pergunta, um anel, um beijo..." Olhei para o porta-retrato ao lado da cama de casal. ­ Eu to casada!? ­ falei alto quase sem acreditar. Meu esposo apoiou-se com o cotovelo na cama e olhou-me um pouco ofendido. ­ Você está bem? ­ disse baixinho. ­ Hm, é... to, quer dizer, mais ou menos. Ele ficou parado observando-me. "O que está acontecendo?" Como eu podia ter me casado? Até pouco tempo eu nem tinha namorado! Além do mais eu nem me lembrava direito das coisas que aconteceram. "Uma valsa, uma despedida, um abraço, uma viagem, uma noite, um suspiro, um sorriso..." Minha vida estava escapando de minhas mãos. "Não posso correr o risco de fechar os olhos. Não quero aparecer sentada numa poltrona contando histórias para os meus netos." Tentei levantar-me de novo. Lágrimas escorreram de meus olhos quando toquei de leve minha barriga. Ela estava enorme. E eu estava desesperada. ­ Eu não queria que fosse assim. ­ falei chorosa. Rafael olhava-me aflito. Não à toa, acordar ao lado de uma mulher que nem ao menos lembrava-se de seu estado civil, era terrível. ­ Estou de quantos meses? ­ falei devagar. ­ Sete. Respirei fundo. 25 "Porque eu não me lembrava?" Em resposta os recortes voltaram para contar alguns fatos da minha história. "Uma viagem, uma oportunidade, uma mudança, um emprego, uma briga, uma casa, uma viagem, um vazio, uma discussão, um choro, um abraço, uma mágoa, uma notícia, um chorinho, uma alegria, uma expectativa, um nome..." "Caio... era o nome do meu filho" lembrei. Rafael me ajudou a levantar e aos poucos fui adaptando-me à realidade. Lembrei-me que eu tinha 22 anos e que trabalhava desenhando vestidos para uma grande loja de noivas. Meu marido viajava ainda com freqüência buscando artefatos em outros países, estava ganhando muito mais dinheiro. Mudamo-nos para outra cidade. Morávamos numa casa enorme cheia de móveis caros e confortáveis. Enquanto tomávamos o café da manhã lembrei-me de um fato. ­ Porque está com o cabelo tão grande, Rafa? Ele sorriu pousando a xícara que estava levando à boca. Rafael nunca teve os cabelos abaixo da metade do pescoço, agora estavam quase chegando ao antebraço. ­ Ando um pouco sem tempo para ir cortar. A palavra "tempo" ecoou na minha mente vazia. ­ Se quiser posso dar um jeito neles, eu mesma. ­ Não, ta tudo bem. Me acostumei. ­ Mas amor, sabe o que é... ­ Tentei não "ferir seus sentimentos" ­ não ficou muito legal em você. Olhou-me por um instante depois mordeu um pedaço de uma fruta. ­ Por favor. ­ pedi. ­ Ok... mas não agora. ­ Que horas então? Ele olhou para um relógio na parede. ­ Mais tarde. ­ Se levantou e saiu do cômodo. Fiquei sentada olhando para a porta da qual ele acabara de sair. 26 O silêncio do ambiente deixou-me com medo. Eu me sentia uma estranha em minha própria casa. Algo lembrava-me que aquela não era a primeira vez que eu e meu marido tivemos um conflito por besteira. E nem seria a última. Nossa relação não parecia muito boa. Tive vontade de falar com minha mãe, mas não o fiz por ser muito orgulhosa e querer resolver meus problemas sempre sozinha. Terminei de comer, arrumei a mesa e fui para o quarto. Achei estranho, mas encontrei Rafael deitado na cama olhando para o teto. ­ Não vai trabalhar hoje? ­ perguntei. ­ É feriado. ­ É. Deve ser... ­ falei baixinho. Procurei no guarda roupa algo fresco para vestir. Fui ao banheiro do quarto para trocar-me e quando voltei meu esposo não parecia nem ter piscado. ­ Não tem nada programado para hoje? ­ falei. ­ Não, você tem? ­ Quer dar uma volta comigo? Ele virou o rosto para mim e depois aceitou o pedido. Não parece ter aceitado muito por mim e sim pelo bebê. Depois de ter trocado de roupa e feito um rabo-de-cavalo porque eu insisti, fomos para a garagem. Rafael escolheu um dos carros, ajudou-me a entrar e nos conduziu ao centro da cidade. Ali não me parecia estranho, mas poucas coisas eram realmente familiares. Julguei que fossem os lugares que eu costumava estar. ­ Quer alguma coisa? ­ perguntou quando viu que eu olhava uma boutique. ­ Não. Acho que já tenho tudo o que preciso. ­ Que milagre... você dizendo isso. ­ Não entendi. ­ Virei para ele. ­ Esquece. ­ disse de olho no carro da frente, bastante sério. 27 Eu observei seu rosto por um instante até que meus olhos decidiram vistoriar seu corpo. Quando paramos no sinal vermelho não me contive, ergui a blusa do meu marido quando ele estava distraído. ­ Eu sabia! ­ exclamei. Então eu não era a única que havia mudado. Ele me olhou feio e abaixou a blusa. ­ Sabia o que? ­ Você não está se cuidando. Sua barriga está crescendo. Rafael colocou a mão em frente a ela. ­ Não tem nada aqui. ­ disse mau-criado. ­ Eu também pensava assim. ­ diverti-me, alisando minha própria barriga. Eu podia jurar que vi um sorriso em seu rosto, mas aí ele acelerou de repente e eu tive que procurar um lugar para apoiar. Ficamos andando numa pracinha, eu tomando suco de laranja e ele comendo pipoca. Havia um estádio de baseball ali por perto e acabamos passando na frente. Percebi que o semblante de Rafael transformou-se. Seus olhos estavam reluzentes, seu rosto tinha um ar jovial. Eu sabia que baseball era uma das coisas que ele mais adorava no mundo, pena ter de deixar de fazer o que gostava para exercer a profissão na qual se formou. Ele se sentou num banquinho olhando o estádio. ­ Porque não volta para o baseball? É o que você mais gosta. ­ perguntei. ­ Tenho que trabalhar bastante para sustentar nossa família. Não posso me dar o luxo de trabalhar em algo só porque gosto. Além do mais eles devem ter arranjado alguém melhor do que eu. ­ Ele chutou uma pedrinha. ­ Eu não penso dessa forma. Acho que devemos fazer o que gostamos, só assim exerceremos bem nossa função. E também quem trabalha no que gosta se sente mais realizado. ­ E você gosta do seu emprego? ­ Sim. 28 ­ Se sente realizada? ­ Em relação ao que faço sim... ­ Pensei um pouco. Eu estava chegando ao ponto-chave, tinha certeza. Procurei desabafar. ­ Mas sabe, não parece suficiente. Não me sinto inteiramente realizada pelo fato de fazer o que gosto... me falta algo. Talvez se eu conseguisse conciliar o trabalho com a família... ­ Seria bom se você conseguisse isso. ­ disse baixinho. ­ Também seria bom se você não viajasse tanto. Principalmente agora que vamos ter um filho. ­ Você sabe que isso não depende de mim. ­ Eu sei... ­ falei triste. Rafael olhou para mim. ­ Não fique assim. Vou dar um jeito de ter mais tempo pra você. ­ Ele passou o braço em volta de meus ombros. ­ Mas primeiro tenho que fazer uma reserva para vivermos bem, e só se consegue essa reserva com muito trabalho. Respirei fundo. ­ Está bem. ­ falei deitando o rosto em seu ombro. 29 6º capítulo: Caio: meu coraçãozinho. ­ Mamãe quero sorvete... eu quero, eu quero! Uma criança gritava com a voz aguda e puxava minha blusa. Abri os olhos de súbito e olhei em volta do quarto. Nada. Não havia criança nenhuma, estava tudo normal. ­ Foi só um pesadelo. ­ falei aliviada. Deitei-me de barriga para baixo escondendo o rosto no travesseiro. Alguns raios de sol estavam entrando pela janela do quarto atrapalhando-me a dormir. Rafael devia ter ido a alguma expedição porque o espaço ao meu lado da cama estava vazio. Mas algo me incomodava. ­ Ai meu Deus! ­ falei com medo. Sentei-me na cama rapidamente e obriguei meus olhos a se acostumarem com a claridade. ­ Não está mais aqui, não está. ­ falei quase chorando, desesperada. Minha barriga estava vazia, lisa, sem qualquer sinal de gravidez. Esfreguei as mãos no rosto, a raiva borbulhava em meu sangue. ­ Até isso eu perdi... até isso. Dei um grito de ira e acertei o abajur com o travesseiro. Ele se espatifou no chão fazendo um barulho horrível. Respirei fundo e tentei me acalmar. Uma ideia me veio. ­ É isso... talvez tudo tenha voltado ao normal. ­ Eu ri de nervoso. ­ Ainda devo ser solteira. Tudo não passou de um sonho... é isso... ­ Eu tentei me convencer. Ouvi um chorinho no quarto ao lado. Meu queixo tremeu e eu mordi os lábios para não chorar também. ­ Caio. ­ sussurrei. 30 Levantei-me da cama e fui ao outro quarto. Ele estava deitado com a coberta cheia de desenhos de carrinho cobrindo o rosto. Devia estar com medo da mãe louca que tem. Olhei o quarto. Era grande, decorado com muitos brinquedos, livros, e com desenhos nas paredes. Era lindo. Quando voltei a olhar a cama percebi que ele me olhava também. Eu ainda não o conhecia. Mas o amava. Seus cabelos eram escuros como os meus e bem lisos como os do Rafael, tinha a pele clarinha e os olhos verdes misturados com castanho. Não sei por quanto tempo ficamos nos olhando, mas pareceu que ele talvez não me conhecesse tão bem. Ou pelo menos não esse meu lado destrutivo. ­ Mamãe? ­ disse. Sua voz era rouquinha. Uma gracinha. Tive vontade de apertá-lo. Mas uma aproximação repentina poderia assustá-lo. ­ Oi meu filho. Ele fez uma carinha de choro e estendeu os braços para mim. Eu sorri um pouco e fui até ele. Caio passou os braços em volta do meu pescoço e eu o peguei no colo. ­ Está tudo bem, meu amor. ­ O que era aquele barulho? ­ Um objeto da mamãe caiu no chão. ­ E quebrou? ­ Sim. Fiz carinho em seus cabelos. Uma mulher de meia idade deu algumas batidinhas na porta. Presumi que fosse a empregada. ­ Está tudo bem com vocês? ­ perguntou-nos. ­ Está. Meu filho virou-se no meu colo para olhá-la. ­ Já querem que eu apronte a mesa para o café? 31 ­ Aham. ­ falei a ela. ­ E a senhora quer que eu arrume seu filho? ­ Não, a mamãe faz isso. ­ Caio abraçou-me sorrindo. ­ Certo. ­ Ela saiu do quarto. Meu filho desceu do meu colo, segurou minha mão e levou-me para frente do guarda-roupa. Eu o ajudei a abrir a porta. Ele abriu a gaveta e foi apresentando-me suas roupas preferidas. Eram sempre as que tinham desenhos e geralmente verdes. ­ Agora o outro bracinho. ­ falei ajudando-o a se vestir. ­ Mamãe, hoje você vai ficar em casa comigo? ­ Ainda não sei, querido. Ele fez um biquinho. ­ Não faz isso que a mamãe não resiste. ­ Fiz cócegas em sua barriguinha. Caio deu gargalhadas. Eu o enchi de beijinhos. ­ Você me ama filho? ­ perguntei. ­ Amo deste tamanhão. ­ Ele abriu os braços. E eu abri um enorme sorriso. Abracei-o e depois fomos tomar café da manhã. ... ­ Seu filho, Mônica? ­ É sim. ­ Sorri para a gerente da loja de noivas. Ela se ajoelhou e apertou as bochechas de Caio. Ele olhou para mim e eu pisquei para ele. ­ É uma fofura! Eu quero um desse. ­ Ela deu um beijo exageradamente barulhento no rosto dele e saiu. Meu filho fez uma careta e eu ri. Fomos para a minha sala de criação mega-aconchegante. ­ Agora sim! ­ falei a mim mesma. 32 Ali era o lugar que eu mais recordava. Tudo era extremamente familiar. Até a foto da minha avó estava no lugar onde eu havia deixado há tempos atrás. Liguei o rádio e sintonizei numa estação que costumava tocar músicas gostosinhas de ouvir. E por sorte estava tocando uma música que lembrava-me o Rafa. Senti saudades dele. Deixei Caio desenhando, entenda-se rabiscando, numa folha em cima da minha mesa e fui ler os pedidos de vestidos de noiva. Depois sentei-me ao seu lado e comecei a desenhar também. ­ Você desenha para meninas, mamãe? ­ Aham. ­ E meninos não? ­ Às vezes. ­ E para quê servem essas roupas? ­ Inclinou-se olhando meu desenho. ­ Para casamento. Ele olhou para mim. ­ E você usou uma roupa dessa quando casou com o papai? ­ Sim. ­ Eu sorri para ele. ­ E pra quê se casa? ­ Pra... ­ Pensei um pouco. ­ É que quando você gosta muito de alguém você quer estar sempre com essa pessoa, aí se casa com ela. ­ Eu gosto de você. A gente vai casar? Eu ri. ­ Não, meu bem. Filhos não casam com os pais. ­ Então eu não vou me casar com ninguém? ­ Ele deitou o rosto na mesa. ­ Quando você crescer vai, se Deus quiser. ­ E se Deus não quiser? Eu beijei sua bochecha. ­ Aí você vai morar comigo para sempre. ­ falei brincando. 33 ­ Ah... então não quero casar. ­ Você fala isso porque só tem quatro anos, quando tiver uns 20 vai querer. ­ E você queria quando tinha 20? Pensei. Eu não me lembrava muito bem, mesmo só tendo passado seis anos. ­ Acho que sim. Não lembro. Alguém bateu à porta. ­ Entre. Uma senhora e uma moça entraram na sala. ­ Viemos encomendar um vestido. ­ a moça disse-me. ­ Certo. Sentem-se aqui. ­ Indiquei as poltronas de frente para a minha mesa. ­ Mamãe tem que trabalhar agora. ­ falei ao meu filho. 34 7º capítulo: Um mar de mágoas. Remexendo em cacarecos de minha casa notei alguns costumes que eu havia adquirido: Ir a diversos eventos de moda sejam eles palestras ou mesmo desfiles. Fazer academia. Colecionar revistas de corte e costura. Escrever um diário. Achei um pouco infantil o fato de escrever ali tudo o que se passava, mas descobri que era uma forma de aliviar as tensões, desabafar e guardar lembranças. Mesmo a maioria sendo ruim. Certa noite decidi ler página por página do meu caderninho de confissões. Depois de colocar meu filho para dormir fui ao meu quarto e peguei uma caixinha escondida no guarda-roupa. Dentro estava o caderninho, parecido com uma agenda. Peguei o caderno, arrumei as almofadas da cama para eu apoiar as costas e sentei-me na cama. Hesitei. Minha mãe sempre dizia que quem vivia de passado era museu. Mas... era o meu passado, eu queria relembrar aquilo que o tempo corrido me levou. Abri o caderno. "AVISO: Este diário contém detalhes da minha vida. Se procura encontrar momento felizes, sinto informar, eu nunca presenciei tais momentos. Busquei escrever aqui justamente o que me causa dor, desesperança, medo..." Senti um arrepio. A julgar pelo dia que eu tive nada me pareceu muito aterrorizante. "Ele não me ama mais! Não sei onde errei. Faço todo o possível para agradá- lo, fazê-lo se sentir bem... Mas nada. Ele mal me olha. Mal diz algo para mim..." "Sinto falta de seus sorrisos. Sinto falta do tempo em que ele segurava minha mão e me beijava no rosto..." "Hoje pensei que toda água do meu corpo havia ido embora em forma de lágrimas..." "Como posso continuar vivendo embaixo do mesmo teto que este homem? Meu Deus, o que eu fiz para ser tão humilhada?..." 35 "Rafael sorriu para mim. Foi um sorriso sarcástico, repulsivo. Eu o odeio com todas as minhas forças!..." ",,Ainda estamos juntos por causa do Caio, senão... Ele me disse esta noite..." "Eu o evitei por três semanas seguidas. Ele vai pagar caro por tudo o que me tem feito!..." ",,O que está acontecendo Mônica? Você mudou muito depois que o nosso filho nasceu. Não me trata bem, me evita, brigamos o tempo todo... Você não me ama mais?..." "Hoje joguei os presentes de reconciliação fora..." "Estou pensando seriamente em sair de casa..." "Viu o que você fez? Nosso filho está se sentindo culpado. E você não faz nada! Quem tem que ir até lá e falar com ele sempre sou eu. Você não sabe ser pai!..." "Sabe de uma... cansei! A tua voz me irrita! Não ouse sequer me dar ,,bom dia, Mônica..." ­ ... Minhas lágrimas estavam pesadas, opressas e cheias de culpa. Algo em mim queimava de raiva e pavor. Era o fim. Eu estava agarrada aos lençóis da cama. O diário ainda aberto na metade repousava em meu colo. Tive vontade de por fogo nele. Então era isso. O casamento dos meus sonhos havia falido. Senti um tremor. Passei os braços em volta de mim mesma para me aquecer. Comecei a soluçar enquanto as lágrimas quentes esfriavam-se. "Mas eu havia sobrevivido! Eu era a vencedora então..." uma voz dizia-me "Apesar do ocorrido eu ainda estava de cabeça erguida e disposta a tudo para reverter a situação." Senti-me impetuosa por um momento. Então eu sabia me cuidar sozinha...? Balancei a cabeça com veemência. Mas eu não queria isso. Eu o queria comigo. 36 "Acalme-se Mônica, a dor vai passar, ela vai passar." Disse a mim mesma já que as lágrimas, a falta de ar e os soluços estavam intensificando-se. "Vou te tirar dessa... eu vou... Só agüente mais um pouco..." Ouvi passos dentro de casa e meu filho fazendo festa. Passei a mão nos cabelos pensando no que fazer. A primeira coisa que veio- me à cabeça foi que eu devia esconder o diário. Os passos estavam chegando à porta do meu quarto. Só deu para colocar o caderninho embaixo do travesseiro e secar um pouco do rosto. Eu o vi. Minhas lembranças me traíram. Levaram-me à época em que eu o conheci lá naquela ruazinha... Ali estava o Rafael que eu tanto amava, que se doava por mim, que fazia-me feliz. ­ Olá, Mônica. ­ disse-me, um pouco acanhado. ­ Oi. ­ falei quase sem voz. ­ Mamãe, o papai trouxe presentes. Vem ver. ­ Meu filho segurou minha mão e tentou puxar-me da cama. ­ Amanhã eu vejo, querido. Estou muito cansada. ­ Você tava chorando? ­ Caio perguntou-me colocando a mãozinha em meu rosto. Percebi a inquietação de Rafael. ­ É... estava, mas já passou. Vá dormir, já está tarde, meu amor. Ele ficou olhando-me um pouco triste, depois deu-me um abraço e um beijo e foi até Rafael fazer o mesmo. ­ Boa noite, campeão. Depois de sair, Caio fechou a porta deixando-me sozinha com meu pior inimigo. Eu sabia que a luta seria difícil porque Rafael voltou a ter a mesma aparência do rapaz que conheci tempos atrás, e no fundo eu não queria machucá-lo de novo. ­ Está tudo bem? ­ perguntou dando passos cautelosos em minha direção. ­ Sim. ­ Fiquei impressionada com a firmeza e velocidade que a palavra saiu. 37 ­ Tem se virado bem sem mim aqui? ­ Sentou-se na beirada da cama. ­ Melhor do que imagina. ­ Entendo. ­ Fitou o chão por um instante. ­ Queria não estar passando por esta crise. Eu quis olhar as últimas páginas do diário. ­ Eu sinto sua falta. ­ falou baixinho. Não pude deixar de sorrir ao ouvir isso. Mas não foi um sorriso afetuoso, foi de vitória, vingança, malícia. Ele olhou para mim bastante decepcionado e voltou a abaixar o rosto. ­ Eu sei que mereço tudo isso, mas o divórcio não é a melhor solução, Mô. ­ Mônica. ­ corrigi. ­ Desculpe. ­ Olhou-me. ­ Pense em nosso filho, não vai ser bom para ele viver nessa situação. ­ Pensasse nisso antes de me magoar. ­ E a mim? Você acha que eu também não fui magoado por você? O ignorei. ­ Você acha que eu não tenho sentimentos Mônica? ­ falou nervoso. Seu rosto estava ficando vermelho. ­ Mas você não se importa não é? É egoísta demais para se preocupar com as outras pessoas, mesmo que seja seu marido. ­ Se eu não me preocupar comigo mesma quem vai se preocupar? ­ Aumentei meu tom de voz. ­ Você? Ah, me poupe, vai Rafael?! ­ Cruzei os braços. ­ Você não está sendo justa. ­ Não? E porque não? ­ Encarei-o. Algo dentro de mim parecia estar tomando conta de minhas atitudes, eu já não me reconhecia. Eu não estava bem. Ele não conseguiu dizer. ­ Não quero brigar com você. ­ Virou o rosto. Comecei a rir, ele olhou-me feio. 38 ­ Já está brigando. Vamos. Continue. Me diga tudo o que se passa aí na sua cabeça. ­ falei num tom convidativo. ­ Aproveite, esta será a última vez. ­ O que quer dizer com isso? ­ Não é óbvio? Não vou ficar aqui sofrendo com você. Eu vou embora. ­ sussurrei com delícia a última frase. ­ Não faz isso, por favor. ­ disse-me com a voz embargada. Eu queria levantar-me e ir embora naquele mesmo momento, mas nenhum músculo queria mexer-se. ­ Por favor, Mônica... ­ suplicou vindo até mim. E segurou em meus ombros. ­ Não me deixe. Balancei a cabeça sorrindo. ­ Você não muda mesmo... Vou deixá-lo ver nosso filho, se é isso que quer. ­ Não é só isso que eu quero. Rafael sentou-se perto de mim e enxugou os olhos com as costas da mão. Pela primeira vez senti-me mal por ter falado tanta besteira para ele. Mas não era eu, minha raiva falava por mim, e por mais que eu tentava conter ela se fortificava. O pior é que tudo que aconteceu não passava de briga de casal, algo muito comum. Mas a mágoa, ela intensificava tudo. Provocava dores, feridas enormes que eu não sabia como tratar. A única saída para mim era ver-me livre do causador de tudo isso: meu marido. ­ Homem não chora. ­ falei a ele. ­ Não tenho vergonha de chorar quando sinto vontade. Fiquei observando-o com pena. "Estaria chorando por mim?..." Balancei a cabeça. Não me permiti continuar com as palavras em minha mente, elas fariam-me voltar atrás. ­ Não é só a ele que eu quero. ­ disse olhando-me. ­ Eu te quero. Quero o nosso relacionamento. Quero ser feliz com você. Eu te amo, Mônica. ­ Não ama. ­ balbuciei. Rafael segurou meu rosto com uma das mãos enquanto eu tentava unir as sobrancelhas o máximo que podia e evitar o choro. 39 ­ Eu amo mesmo que você não precise do meu amor. ­ E não preciso. ­ Lutei com as palavras. "Tarde demais" pensei. Ele já estava muito próximo. Fiz de tudo para prender a respiração ou pelo menos disfarçá-la. ­ Não ouse... ­ Rafael interrompeu minha frase com um beijo. Senti algumas lágrimas escorrerem de meus olhos. Não era isso que eu planejava. Eu não podia corresponder, mas era difícil parar, em seus lábios havia uma mistura de arrependimento e paixão que eu nunca tinha experimentado. Então eu não era tão forte como pensava...? "Ele não te merece... vai te fazer sofrer de novo... ele não mudou coisa nenhuma... só quer se aproveitar de você... homens são todos iguais..." ­ Não!!! ­ gritei virando o rosto. ­ Não adianta nada o que está fazendo, você não pode apagar o mal que me fez! ­ Mas Mônica eu estou arrependido. ­ Ele virou meu rosto para si. ­ Quero me retratar por tudo que te fiz. Me perdoa...? ­ Suplicou. Eu o amava. Daria tudo para ter minha família de volta. Eu sabia que ele gostava de mim ainda mais que eu dele. Rafael era o homem perfeito... era. ­ Não. ­ falei empurrando-o de cima de mim. Ele deixou-me passar. Seu rosto estava extremamente triste. Levantei-me da cama e dei alguns passos bêbados para trás em direção a porta. ­ Eu nunca vou te perdoar. Nunca! 40 8º capítulo: Briga! Daqui para frente eu enfrentaria a vida. Sozinha. Sem ninguém para segurar minha mão quando eu tivesse medo. Abraçar-me quando eu chorasse. Aquecer-me quando tivesse frio. Ninguém. Senti-me uma criança insegura procurando um pai que a ajudasse a atravessar a rua, que a pegasse no colo e dissesse o quanto a ama. Eu precisava disso. Precisava de alguém que me dissesse que eu era querida e especial. Levantei-me e apaguei a luz do banheiro onde eu me refugiava. Eu não queria ver-me chorando pelo reflexo do espelho. Voltei a sentar-me no chão encostada a porta. Nesse momento eu queria poder jogar tudo para o alto e desaparecer. Mas eu devia cuidar do meu filho. Devia dar amor e carinho suficiente e equivalente a dois, já que Rafael não seria capaz de amá-lo, ou pelo menos não teria tempo para isso. Respirei fundo secando o rosto. Não fazia sentido ficar lamentando-me aqui no banheiro enquanto meu marido aproveitava da minha cama. Destranquei a porta e abri. Ele estava sentado no chão em frente ao banheiro. Estava dormindo, a viagem de volta do Piauí devia ter sido cansativa. Passei por ele indo para o quarto. Chegando lá peguei um travesseiro e um lençol e levei para Rafael. O cobri com o tecido e coloquei o travesseiro em baixo de sua cabeça. Quando terminei de arrumar percebi que estava acordado e olhava para mim. ­ Obrigado. ­ disse ele. Coloquei-me de pé. Rafael passou as mãos no cabelo e apoiou os braços em volta dos joelhos. Voltei para o meu quarto e fechei a porta. 41 Era domingo, logo, não havia nada para fazer. Eu estava assistindo um programa da TV a cabo quando Rafael entrou na sala. ­ Posso ver o resultado do futebol? ­ perguntou. ­ To vendo TV. ­ É rápido, e você não precisa assistir até os comerciais. ­ Eu estava aqui primeiro, Rafael. ­ Já disse que é rápido, meu time está jogando. ­ Por que não vê na TV do quarto? Dá no mesmo. ­ Eu quero ver aqui Mônica. ­ Ele pegou o controle remoto da minha mão e mudou de canal. ­ Ei! ­ falei brava. ­ Educação mandou lembrança. ­ Peguei o aparelho de volta. ­ Você podia ser menos chata, sabia? ­ Agora eu é que sou chata? Se não me engano você é que veio aqui encher o saco e... ­ Ele deu as costas e deixou-me falando sozinha. Voltei a deitar-me no sofá. ­ Que ótimo. ­ falei de mau humor. A manhã inteira eu e Rafael brigamos. "Você não sabe fazer as compras", "Você gasta demais", "Sua comida é horrível", "Você sabe que eu não gosto dessa revista que você compra", e blá blá blá. Coisas mínimas faziam um estrago terrível. Quando meu filho chegou da casa do coleguinha às 11h20 não poderia ter surgido ideia melhor a mim. ­ Se arrume querido, vamos almoçar fora. ­ falei a Caio. ­ Aonde vão? ­ Rafael perguntou. ­ E eu meu filho vamos a um restaurante. ­ Mas você fez comida ontem. ­ Esquente e coma. 42 Ele olhou-me um pouco surpreso. ­ Eu não sei esquentar. Sorri para meu marido de forma gentil e disse docemente: ­ Se vira. Rafael fechou a cara. ­ Para quê você acha que serve o microondas? ­ acrescentei. ­ Você é tão engraçadinha. ­ disse-me quando já estávamos de saída. ­ Jura? Que bom. Tchauzinho. Fomos a um restaurante perto de casa mesmo. Era de comida caseira e servia uma sobremesa deliciosa. Um ambiente tranqüilo é ótimo para levar o estresse para longe. ­ Não vai comer a carne que coloquei em seu prato? ­ perguntei a Caio. ­ Não. Eric me disse que isso é bicho morto. ­ Mas esse aí é feito para comer e... ­ Interrompeu-me. ­ O peixe dele morreu. Aí esse aqui ­ Apontou para o prato. ­ tem que ser enterrado que nem ele. Como eu iria convencê-lo do contrário? ­ Bicho é feito para brincar com a gente, não para comer. ­ disse-me calmamente. ­ Mas filho, a carne tem coisinhas que te ajudam a crescer, a ficar forte... ­ Mas eu não quero comer não, mamãe. Eu tenho pena. ­ Ele fez uma carinha tristonha. ­ Tudo bem. Dessa vez você não vai comer. Mas a gente pode fazer um trato: um dia você come, outro dia não. Que tal? ­ Ta. ­ Ele sorriu. Porque será que era mais fácil conversar com meu filho como adulto, tendo ele só quatro anos, e com meu marido não? Como havíamos ido a pé para o restaurante, aproveitei para esclarecer a situação da nossa família. ­ Mas você e papai não se gostam? 43 ­ É que não estamos nos entendendo, sabe. Não é que não nos gostamos. ­ Mas se você gosta, é só não brigar com ele. ­ Não é tão fácil como parece. ­ Porque não? ­ Adultos brigam por besteira... ­ Crianças também. ­ Eu sei. ­ Então. Fala para ele não brigar também. ­ disse distraído, andando em cima do meio fio. ­ Se quiser eu falo. ­ Pode deixar filho, eu falo. ­ Então a gente não vai sair de casa? ­ Eu não disse isso. ­ Mas mamãããe... ­ Ele olhou para mim. ­ Não é mais fácil morarmos em lugares diferentes? Assim eu e ele não brigamos, filho. ­ Mas aí eu ia ter que me dividir no meio para ficar com vocês dois. ­ falou fazendo careta. Sorri para ele. ­ Certo. A gente divide. ­ falei brincando. ­ Prometo que não vai doer nadinha. Ele correu rindo e eu fui atrás. Quando chegamos em casa Rafael estava lendo o manual do microondas. ­ Ainda sem comer? ­ Fazer o que né?! Há pouco tempo tínhamos dispensado a empregada, então, como já era de se esperar, os serviços domésticos sobraram todos para mim. Peguei na lavanderia produtos de limpeza, vassoura, pano de chão e outras coisas que me ajudariam a pôr em ordem o banheiro social. ­ Se Eva não tivesse comido a maçã... ­ resmunguei. 44 Deixei o banheiro de molho e fui tirar pó da estante da sala. ­ Pra quê guarda isso? ­ perguntei para Caio. Era um patinho de barro. ­ Papai que fez. ­ disse sem desgrudar os olhos do desenho animado que estava assistindo. ­ Ahn... De repente escutamos um barulho vindo do banheiro. Vidro estilhaçado e um gemido baixo. Nós dois corremos até lá. ­ Você ta bem, papai? ­ To. ­ Rafael se levantou do chão com a mão esquerda sangrando. O chão estava sujo de mertiolate e caco de vidro. ­ Que ótimo, vou ter que limpar tudo sozinha. ­ Por que não avisou que estava lavando o banheiro? ­ disse de mau humor. ­ Não está vendo tudo molhado? É melhor lavar isso, tem cloro no chão. ­ Argg!! ­ exclamou bravo. ­ Tinha que ser justo hoje? ­ Algum dia o banheiro ia ter de ser lavado, né?! A culpa não é minha se você não presta atenção em nada, Rafael. Olhou-me com ódio. ­ Esquece o que eu disse ontem à noite. Você é a última pessoa que eu quero nesse mundo. ­ Fico feliz por isso. ­ Sorte sua não ser homem. Eu não teria tanta paciência. ­ Sorte? Eu diria azar. ­ Aumentei o tom de voz. ­ Pena que não nasci homem, porque se eu fosse, primeiro: não estaria casada com você. Segundo: não teria que fazer serviços de casa, né?! ­ Fique sabendo que muitas gostariam de ter a sorte que você tem. Pelo menos te dou tudo que quer. ­ disse saindo do banheiro. ­ Elas não sabem do que eu sei... Fiquei olhando para o chão sem saber por onde começar. "Mais uma briga..." 45 Suspirei. "Era tão difícil assim ficar sem responder mal, Mônica?" pensei limpando aquela bagunça. "Mas não, você sempre tem que falar, falar, falar..." Terminei os serviços de casa lá para as quatro da tarde. Isso porque eu nem tinha feito tudo. Minha cabeça estava latejando e minhas costas estavam doendo. O que eu mais queria nesse momento era descansar. Pena que não conseguiria. 46 9º capítulo: Futebol! Quando eu estava instalada em minha cama, desfrutando daquele momento de paz, já que Rafael havia saído fazia um tempo, ouvi um barulho pertinente na porta da frente. ­ Não pode ser. ­ falei desanimada. Ouvi os passinhos rápidos de Caio indo atender e um turbilhão de vozes adentrarem a sala. Pensei em meu piso limpo, brilhante, alvo como a neve... estava tudo acabado. E minha cabeça insistindo em doer. Pelas conversas dava para saber que estavam vendo futebol. E mesmo com a porta do quarto fechada parecia que eu morava ao lado do estádio. Era impressão minha ou tinha mais de 10 pessoas naquela sala? Mesmo que não pareça, eu não era contra o futebol, pelo contrário, eu gostava, mas hoje...? Tinha que ser justo hoje? Minha mente estava quase distanciando-se quando houve uma série de gritaria. Gol. Tive que tapar os ouvidos com um travesseiro para abafar o falatório e o volume da televisão, que de certo fora aumentada devido à comemoração. Perdi a noção de quantas vezes gritaram, falaram palavrões e deram pulos. Minha cabeça já estava estourando, eu não tava agüentando mais. ­ Desliga essa porcaria!!! ­ berrei com toda a força. Silêncio. O volume caiu drasticamente. "Será que exagerei?" Tempos depois ouvi o barulho da porta e gente saindo. "Que alívio." Pensei. 47 Mas aí escutei passos raivosos vindo em direção ao meu quarto. O chão parecia estremecer. Rafael abriu a porta com grosseria e lançou-me um olhar de fúria. Confesso, tremi na base. Mas não era momento para pedir desculpas, eu também estava tendo meus direitos violados. Depois de um dia de trabalho eu merecia descanso. ­ O que pensa que está fazendo? ­ disse, irado. ­ Estou com dor de cabeça e quero... ­ Interrompeu-me. ­ Com que cara vou ficar agora? Você afugentou meus amigos. ­ Não foi só minha culpa. Olha o barulho que vocês estavam fazendo. Temos vizinhos. Isso aqui não é um campo de futebol. ­ Essa é a minha casa, faço o que bem quiser. ­ Rafael fez alguns gestos com os braços, enquanto falava alto, dando uma de chefão. ­ Já disse que estou com dor de cabeça, não quero barulho! ­ falei no mesmo tom bravo que ele. ­ E essa também é a minha casa e eu reclamo quando quiser, e com quem eu quiser. ­ Ah é? ­ É. ­ falei firme. ­ Então ta. ­ Ele deu algumas voltas pelo quarto antes de continuar. ­ Precisamos conversar, Mônica. ­ Se você parar de gritar a gente pode tentar conversar. Ele fechou a porta do quarto. ­ Não vou abaixar meu tom de voz só porque você acha que manda em mim. ­ disse-me. "Ê diacho! Eu nem falei isso" pensei. ­ Pedi para você falar mais baixo porque estou com dor de cabeça e não sou obrigada a ouvir seus gritos, se quiser falar comigo vai ter que ser assim. ­ Desta vez usei a educação. ­ Na hora de gritar conosco você não falou baixo não, você gritou para a cidade inteira ouvir. ­ Mas é claro, não duvido nada que você não ligaria a mínima para o que eu estou sentindo se eu fosse pedir, por favor, para abaixarem o volume da TV. 48 ­ Não ligaria mesmo. Hoje cortei a mão e você não teve um pingo de consideração. ­ Aquilo nem dá para chamar de corte. Foi algo mínimo. ­ Não foi em você. Ardeu, doeu, e você nem perguntou se eu estava bem. ­ Você não se importa comigo. Eu não me importo com você. Simples, não acha Rafael? ­ Não sei com quem você aprendeu a ser tão ridícula! ­ Com sua mãe, talvez. ­ Não coloque minha mãe no meio. ­ Foi você quem começou. ­ Respirei fundo. ­ Está vendo? Você não sabe conversar. ­ Eu não sei conversar? Não falo nada e você já vem me atacando. ­ Não atacaria se você demonstrasse sentir uma gotinha de amor por mim. Mas não... você me odeia. Nem sei por que ainda estou aqui. ­ Senti-me triste do nada, e comecei a chorar feito uma boba. ­ Briga, briga, e depois começa a chorar. Eu mereço! ­ A culpa disso tudo é sua! Nem a vizinha tem um marido tão mala como você. Você não me respeita, não me trata bem, não tem paciência comigo, não faz nada para me agradar. ­ Fui enumerando com os dedos. ­ Você não faz por onde. ­ Ele deu de ombros antes de sentar-se numa poltrona. ­ Só consegue respeito quem respeita. Só vou te tratar bem quando você resolver me tratar bem. Quem disse que você tem paciência comigo? Se você não me suporta, como vou te agradar? ­ Então quer dizer que eu tenho que mudar para você mudar? ­ disse eu num tom crítico. ­ Exatamente. ­ Então espere sentado! ­ falei enxugando o rosto. ­ Só vou mover alguma palha quando eu ver sua mudança . ­ Antes você não era assim. ­ falou baixo. ­ Não enche! ­ atirei as palavras. Ficamos um tempo sem nada dizer. 49 Meus nervos estavam à flor da pele. Que raiva! Só de olhar para cara de Rafael eu já perdia minha compostura. Seria muito pedir que ele desaparecesse da minha frente? Mas... Era isso! Lembrei do que precisava para sair desse sufoco. ­ O que mais tem para me dizer? ­ perguntei séria. ­ Nem conversamos... ­ Se não se importa, eu gostaria de ficar sozinha. ­ Está bem. Só tente não fazer nenhuma besteira. ­ Sou você por acaso? Ele olhou-me feio. Saiu do quarto e fechou a porta com toda a força. 50 10º capítulo: Eu versus Ele. Assim que Rafael saiu do quarto levantei-me e tranquei a porta. Fui ao guarda-roupa, peguei uma mala de rodinhas, uma nécessaire e outra mala para meus sapatos, e as coloquei em cima da cama. Fui esvaziando meu lado do guarda roupa e organizando dentro das malas, peguei também algumas toalhas e roupas de cama. ­ Amanhã estarei livre desse peso que carrego durante anos. Depois de tudo arrumado as escondi debaixo da cama. Peguei o telefone e minha agendinha e liguei para minha mãe. ­ Alô? ­ Meu pai atendeu. ­ Oi pai, tudo bom com você? ­ Tudo filha, e você? ­ Estou bem. A mãe ta por aí? ­ Está sim. Vou chamá-la. Esperei um tempinho até que ela atendeu: ­ Oi, querida. ­ Oi mãe, sabe o que é... Expliquei a ela tudo o que estava passando. Ela ouviu-me atentamente e deu- me alguns sermões. ­ Você vai me ajudar ou não vai? ­ perguntei impaciente. ­ Está bem. Passe aqui amanhã cedo. Vou deixar a chave embaixo do tapete. ­ Certo. Obrigada, você não sabe o favor que está me fazendo. Desligamos. Em cima do criado mudo, perto do telefone, ficava um bloquinho. Peguei-o, juntamente com uma caneta, e escrevi um bilhete: "Não agüento mais! Estou indo embora." Hesitei por um tempinho, e depois continuei "Espero que fique bem... Mônica." Guardei o bilhete, destranquei a porta e fui fazer a janta para o Caio. Enquanto jantávamos contei a ele a minha decisão. 51 ­ Mas amanhã? ­ Ele fez biquinho. ­ Sim. ­ Mas por quê? ­ Já conversamos sobre isso, filho. Termina de comer, ta bom?! ­ Taaa... ­ ele disse de má vontade. Combinamos de não contar a Rafael. O bilhete já continha o suficiente. Eu e meu filho iríamos morar num apartamento que minha mãe tinha para alugar. Já estava mobiliado e pronto para nos acolher. Enquanto Rafael tomava banho, eu arrumei a malinha de Caio e a coloquei debaixo da cama. O mais difícil seria passar de madrugada na sala, pois era lá que meu "ex- marido" estaria dormindo. Peguei no sono rapidamente, e quando percebi já estava na hora de colocar o plano em prática. Arrastei as malas pela casa e levei-as para o meu carro. Depois de fazer esse trabalho todo peguei Caio no colo e o levei, antes deixei o bilhete em cima da mesinha da sala. E então fomos embora. Eu me sentia como se fosse duas. Uma Mônica que queria ir. Outra Mônica que queria ficar. A que queria ir era sempre a mais forte e decidida, mas a que queria ficar incomodava mais, tentava buscar os motivos, era a que pensava nas conseqüências. A que queria ir mostrava-me a dor, as lágrimas, a felicidade no futuro. Mas na outra Mônica havia algo que deixava-me em dúvida... eu não saberia explicar direito o que era. Passei na casa da minha mãe como combinado e peguei a chave do apartamento. Dirigimo-nos para lá e em 15 minutos chegamos. Meu primeiro obstáculo foi tirar todas aquelas malas pesadas do carro, trancá-lo sem deixar meu filho dentro e ainda ter o cuidado de não acordá-lo. Ou seja, eu devia ser mil em uma. Sorte que o prédio tinha elevador, senão eu teria me desesperado. Quando cheguei ao meu novo lar desabei no sofá. Nunca pensei que fosse tão difícil. Os homens carregam as malas sem quase nenhum esforço que fica parecendo a coisa mais natural do mundo. 52 ­ Ok, agora tenho que arrumar tudo. ­ disse eu levantando-me. O apartamento era grande mas não tinha vida. As cores eram monótonas. Os móveis davam um ar triste ao lugar. A luz que entrava pela janela deixava faixas de poeira aparecerem. Aquilo lembrava-me uma prisão. Mais uma missão: deixar o lugar com cara de ,,meu. Coloquei meu filho na cama de casal e fui arrumar as roupas no guarda- roupa. Em um dado momento ouvi baixinho o toque do meu celular. Tirei as roupas de cima da cama até achá-lo. ­ 10 ligações perdidas. Número não identificado. Quando tornei a fechar o aparelho o celular tocou de novo. ­ Alô? ­ atendi. ­ Mônica onde você está? O que deu em você para fugir assim? Cadê o Caio? ­ Eu não avisei que iria embora? Então. Foi o que eu fiz. ­ Você não tem o direito de fazer isso. Eu quero meu filho de volta! ­ Ele vai morar comigo. ­ O quê que há Mônica? Não somos divorciados para você levar o menino para longe de mim. ­ Ainda não somos. ­ Não vou me divorciar de você! Durante uns 20 minutos ficamos discutindo isso. Tive de ir para sala para não acordar meu filho. Por fim Rafael concordou em deixar-me passar uma temporada no apartamento da minha mãe até nós dois resolvermos direito a situação. ­ Ele não precisa de mim, então porque insiste em me ter por perto? Voltei ao quarto e terminei de arrumar as roupas. Eu teria um enorme trabalho para limpar tudo, pois a casa estava fechada há um tempo. Olhei em volta e senti-me tão só. 53 O que eu estava fazendo? Não conseguiria viver sozinha nunca. O silêncio misturado à solidão incomodava-me. Deixava-me perturbada, fora de mim. Era angustiante. Sai do quarto e fui para a sala olhar a varanda. Lá embaixo algumas pessoas passavam na calçada, a rua tinha alguns carros estacionados. Dava para ouvir o barulho dos pássaros ali por perto e o farfalhar das folhas nas copas das árvores. Mas era triste. É isso o que as pessoas sentem assim que saem de casa? Tristes. Vazias. Respirei fundo e soltei o ar dos pulmões. Eu devia me acostumar. Não iria voltar atrás. Descansei um pouco antes de tomar café da manhã para ir trabalhar. Enquanto eu trabalhava meu filho ficaria na casa de uma amiga que estava apoiando-me nesse novo rumo que eu daria a minha vida. É tão bom ter apoio quando mais precisamos, principalmente nesses assuntos delicados. ... ­ E ela não cobra caro? É por pouco tempo, até eu me organizar melhor. Eu estava conversando com uma amiga sobre a possibilidade de eu arranjar uma empregada. Era nosso horário de almoço e estávamos almoçando num restaurante self-service. ­ Não, o preço é bom. Mas seria duas vezes por semana. ­ Ta ótimo para mim. Estela passou-me o telefone da jovem senhora e nós continuamos a comer. ­ Você quer mesmo se divorciar? ­ perguntou. ­ Sem dúvida. ­ Mas por quê? Problema é coisa normal num casamento. ­ Nós não combinamos, somos muito diferentes. ­ Mas os opostos se atraem. Eu fiz cara feia. ­ Nem adianta. Acho que não o amo suficiente. 54 ­ Isso é um grande problema... ­ Viu?! Estou certa. Vai ser melhor para nós dois seguirmos caminhos diferentes. Ficamos um tempo sem dizer nada até que ela interrompeu meus pensamentos. ­ E se ele arranjar outra? Engasguei com a água que estava bebendo. ­ Como é? ­ É isso mesmo que você ouviu. Não se importaria se ele arranjasse outra, não é? "O que ela está insinuando com isso?" pensei um pouco irritada. ­ Ele é livre. ­ respondi colocando mais água no copo. ­ Então ta. ­ Ela deu um sorrisinho. ­ Por quê? ­ Nada, só estava pensando numa coisa. ­ No que? ­ Já disse que não é nada. Depois que derramei toda água na mesa é que fui perceber o estrago que estava fazendo. ­ Droga! ­ falei tentando secar a toalha com guardanapos. ­ Deixa pra lá. Depois seca. O dia está quente. ­ É... ­ Arrumei os talheres e joguei os guardanapos dentro do prato. ­ Perdi a fome. ­ Mas você não comeu quase nada. Balancei a cabeça deixando isso pra lá. Ela colocou uma mão em meu ombro. ­ Não fica assim não. Tudo vai se resolver. ­ Deu um sorriso. ­ E você está sem fome agora, só que a noite vai querer se acabar de tanto comer. Nem que seja chocolate ou sorvete. É sempre assim. ­ Muito engraçado. Levantei-me e fui pagar a conta. 55 Depois do trabalho fui pegar meu filho na escolinha. E, como era costume, nós ficamos um tempinho na praçinha que tinha em frente. Caio foi direto para os balanços, era o brinquedo que ele mais gostava. Sentei-me num banquinho esperando ele se divertir para irmos embora. ­ Posso me sentar aqui? ­ Claro. ­ respondi à mulher. Tirei minha bolsa de cima do assento dando espaço a ela. A moça ajeitou o vestido, prendeu os longos cabelos negros com um elástico e se acomodou no banco. Instantes depois chegou uma garotinha, devia ser sua filha, pois os cabelos eram muito parecidos, assim como o formato do rosto e a boca. Só a cor da pele que era mais clara e os olhos mais puxados, mas estes eram cinza brilhante iguais aos da mãe. ­ Mamãe, posso brincar no balanço? ­ Pode querida. A menininha soltou um beijo para mãe, que fingiu pegar. Aquela família tinha uma aura de paz. Quem dera eu ter a mesma tranqüilidade. A mulher ao meu lado abaixou-se e pegou um chaveiro. ­ É seu? ­ perguntou-me com sua voz melodiosa. ­ Sim. Obrigada. Peguei o chaveiro que ganhei do meu filho no dia das mães e coloquei dentro da bolsa. ­ É seu filho? ­ ela perguntou dirigindo o olhar para o meu filho que estava acenando de pé no balanço. Uni as sobrancelhas para ele. Caio entendeu e sentou no banco do brinquedo fazendo uma cara sapeca. ­ Sim. ­ Hm... e como ele se chama? ­ Caio. ­ Eu não estava muito a fim de conversar, mas puxei papo por educação. ­ E sua filha? 56 ­ Elisa. ­ Ela virou-se para mim com um sorriso. ­ E eu me chamo Carolina. Prazer em conhecê-la. ­ Mônica. ­ Correspondi ao aperto de mão dela. ­ O prazer é meu. ­ Mora aqui por perto? ­ Sim. ­ respondi sem pensar. ­ Quer dizer, não, eu mudei hoje. ­ É mesmo? Está gostando de onde mora agora? Os bairros daqui são tão agradáveis que fica difícil escolher em qual morar. ­ É... ainda estou me adaptando. Você mora por aqui? ­ Na rua detrás. ­ Pertinho. ­ Pois é. Ficamos conversando durante um tempão. Cheguei a tomar um susto quando ela disse o horário. ­ Preciso ir. Ainda tenho que passar no supermercado. ­ Certo. Apareça aqui mais vezes para conversamos mais. ­ Ela sorriu para mim. ­ Aham. Levantamo-nos e nos despedimos. Caio deu tchau para sua nova amiguinha e nós fomos andando para o carro. Eu e meu filho fomos às compras e como Estela havia dito, a noite me acabei no sorvete enquanto chorava e assistia Titanic pela milésima vez. 57 11º capítulo: Festinha entre amigas. Duas semanas passaram-se. Eu estava aprendendo a me virar sozinha, o que não era muito difícil, exceto pelos pesadelos que Caio tinha e as coisinhas para consertar, como, por exemplo, trocar lâmpadas, consertar fechaduras e trocar pneu do carro. Rafael estava em viagem para o Equador e só voltaria mês que vem. Apesar de eu não me importar com suas viagens eu sentia que meu filho estava muito mal com isso. Ele acordava gritando, chorava bastante, passou a ficar apático e não gostava mais de conversar como antes. Eu estava começando a sentir- me culpada por isso. Sei muito bem que não é bom para as crianças viverem longe de seus pais. Mas o que eu podia fazer? Viver com Rafael de novo estava fora de cogitação. ­ Você precisa de uma boa noite com as amigas. A gente pode assistir filmes, conversar, comer pra caramba. ­ disse-me uma das minhas amigas, Milena, que trabalhava na loja de esmaltes, em frente onde eu trabalhava. Nós estávamos almoçando num restaurante. ­ Isso é programa para adolescentes, não tenho mais idade para essas coisas. ­ Bobagem, ­ disse minha outra amiga, Rosa. ­ você ta nova, e precisa de um tempo só com a gente, tem andado tão estressada ultimamente. ­ Nem notei. ­ Mas está! Então... que dia pode ser? ­ perguntou Milena fiscalizando minhas unhas. ­ Hoje mesmo, não tem nada para fazer e amanhã é domingo. Caio vai dormir na casa de um colega da escola. ­ Suspirei. ­ Estou preocupada com ele, está tão abatido. ­ É coisa da idade... ­ Milena disse-me. ­ Mas ele só tem quatro anos! ­ falei. ­ Ele está com saudade do pai, melhor, da família unida. ­ Rosa falou-me. ­ Nunca fomos muito unidos. ­ Talvez seja disso que ele precisa. União. Se não resolver esse problema logo seu filho vai ter sérias consequências no futuro. 58 Esfreguei as mãos no rosto. ­ E o que me sugere? ­ Um novo marido. ­ Milena respondeu com um sorriso largo. ­ Cale a boca, Milena! ­ Rosa a advertiu. ­ Não Rosa, talvez eu precise disso mesmo. ­ Viu?! Rosa olhou feio para Milena. ­ Nada disso. Vamos procurar outra solução. Mudando de assunto, que tal às 7h30 na tua casa, Mônica? ­ Está ótimo. ­ Podemos chamar a Estela e a Ana também? ­ Milena disse. ­ Claro. ­ Eu alugo os filmes, está bem? ­ Rosa disse-nos. ­ Aaah... eu queria escolher o filme. ­ Milena pronunciou-se. ­ De jeito nenhum! ­ eu e Rosa dissemos. Milena fez bico fingindo estar magoada. ... ­ Eu vou sobreviver! Eu vou sobreviver! ­ disse a mim mesma. Eram três horas da tarde e o ralo da cozinha havia entupido. Eu tentei de tudo, Coca cola, sal, produtos próprios para isso e nada. Então tive de chamar um encanador. Continuei tentando, até que, meia hora depois, a campainha tocou e eu fui atender. "Uau." O encanador era uma gracinha! Devia ter seus 20, 21 anos. Era alto, do cabelo curto escuro, as maçãs do rosto estava ligeiramente rosadas, e os olhos eram risonhos e encantadores. Estava usando um macacão um pouco sujo... mas e daí? ­ Boa tarde, você é a Mônica? ­ perguntou. 59 Eu estava viajando em meus pensamentos. Quando percebi que ele chamava-me balancei a cabeça afastando o que eu estava pensando. O que há? Eu nem era divorciada e já estava fazendo planos, que loucura!!! ­ Sou sim. Entre, por favor. Fui com ele até a cozinha e lhe mostrei o ralo entupido. Demorou mais uma hora até que tudo estivesse em ordem. Eu o paguei, nos despedimos e ele foi embora. Durante a tarde eu arrumei a casa para receber minhas amigas. Como eu tinha conseguido uma empregada era só colocar as coisas nos lugares devidos e tirar pó de alguns móveis. ­ Oiii... ­ disse Milena entrando no meu apartamento. ­ Olá meninas, entrem, fiquem a vontade. Minhas amigas entraram. Estavam cheias de sacolas, bolsas e outros cacarecos. ­ Estamos de mudança para cá. ­ brincou Ana ao ver-me com uma cara um tanto confusa. ­ Certo. Coloquem as sacolas na cozinha e as bolsas no quarto. Uma de vocês poderia me ajudar a trazer o colchão de casal para cá? ­ E ajudo. ­ disse Estela. Nós duas fomos ao meu quarto pegar o colchão, pegamos também roupas de cama, travesseiros e almofadas e arrastamos tudo para a sala. ­ Quais filmes você trouxe, Rosa? ­ perguntei enquanto arrumava a sala junto com Estela e Milena. ­ Segredo. Nós olhamos para ela. ­ Como assim ,,segredo? ­ perguntou Ana, ajudando-a a arrumar as guloseimas. ­ É que eu pensei em uma coisinha... mas depois eu conto. ­ Ela deu um risinho. Depois de arrumar tudo, nós ficamos conversando sobre trabalho, música, alguns sonhos. Coisas bobinhas. 60 ­ Ande logo, quero saber qual é a desses filmes. ­ disse Milena. ­ Ok. É o seguinte. Pensei em um tipo de prova para a Mô. ­ Prova? ­ perguntei. ­ Isso. Algo que deixe claro que você precisa do Rafa. ­ Você ta doida Rosa? Eu já disse que nem quero que vocês digam o nome dele na minha presença. ­ Bobagem! ­ Estela deu de ombros. ­ Garotas, vocês estão me traindo! Milena riu. ­ É o seguinte. Se você conseguir não chorar nesses ,,filmes choráveis que eu trouxe nós saberemos que você está super bem e que não precisa dele para viver. Mas se chorar... aí você já sabe... faremos de tudo para que voltem. Olhei para elas semicerrando os olhos. ­ Ok. Aceito o desafio. Vocês verão, não sairá nem uma gota sequer de meus olhos. ­ Essa eu quero ver. ­ disse Milena pegando as pipocas em cima da mesinha e sentando-se ao meu lado do colchão. ­ Avisando que durante o filme é proibido conversar, e, por favor, não comentem sobre as lágrimas da Mô antes de todos os filmes acabarem. Revirei os olhos para ela, que deu um sorriso. ­ Aqui está, o primeiro. ,,Um amor para recordar. As horas pareciam passar lentamente. Diverti-me muito com as minhas amigas. ­ O segundo ,,Prova de fogo. E por fim assistimos ,,Diário de uma paixão. Quando acabaram todos os filmes as meninas ligaram a luz e ficaram olhando-me. É... eu chorei até nos trailers. ­ Aí está a resposta. Ana estendeu a mão e tocou na lagriminha que estava pendurada no meu queixo. 61 Elas sabiam que eu queria meu casamento de volta mesmo que eu tentasse provar o contrário a mim mesma. Eu tentava não demonstrar a falta que ele fazia a mim. E que era tamanha. Mas porque só nesse momento é que eu conseguia lembrar-me das coisas boas que ele me fazia? Quando estávamos juntos eu só sabia da dor, não me vinha a mente nenhuma fagulha de felicidade... eu até duvidava de que havia. ­ Só damos valor quando perdemos, não é? ­ falei enxugando o rosto. ­ É. ­ Ana abraçou-me. ­ Sinto muito por você amiga. Seu sorriso estava em mim. Seus olhos, seu toque, seu cheiro. Mas ele não estava ali comigo, e talvez eu não o tivesse mais. De repente eu voltei a chorar muito, de até soluçar. ­ Eu nunca disse a ele o quanto era importante para mim. Eu o machuquei. Eu disse que não o amava, que o odiava. Mas eu menti. O que faço agora? Ele não vai voltar para mim. ­ Calma amiga, vamos dar um jeito de te ajudar. ­ Rosa disse a mim. ­ Eu não entendo. Depois do que ele fez a você, como é que você ainda gosta dele? ­ Milena perguntou-me. Estela e Rosa a olharam tão feio que temi que Milena apanhasse. ­ O amor não acaba assim, ele supera tudo. É eterno. ­ disse Ana calmamente. "Ele é eterno. É eterno. Eterno... O amor" em minha mente a poesia se fez. Mas e se Rafael não soubesse disso? E se ele achasse, assim como as outras pessoas e até eu mesma, que se um casamento não dá certo é só separar, e que se separar é porque o amor acabou. "Mas ele não acaba. Não." Obriguei-me a pensar isso. Eu sentia-me uma criança repetindo as palavras em minha mente e inventando coisas. Maneiras de alcançar o inalcançável. Eu o queria junto a mim novamente. Mas sem brigar. Eu queria que nos entendêssemos. Que sorríssemos juntos, que nos amássemos, que fossemos felizes como nunca fomos antes. Mas como? ­ Mas como? ­ falei. ­ Como o quê? ­ perguntou Milena. 62 ­ Como ele vai voltar para mim? Já provei que não mereço ficar com ele. ­ Não é questão de merecer. Vocês se amam, só precisam acertar as coisas. ­ Estela respondeu. ­ Como? Não conseguimos nem conversar. ­ Aí está um começo: Identificar os pontos onde estão falhando para melhorar. ­ Ana falou. ­ E o primeiro deles: Comunicação! ­ disse-nos Estela, sorrindo. Sorri para ela disposta a tentar. Eu faria o máximo para restaurar meu casamento. Isso tinha que dar certo. 63 12º capítulo: Uma pontinha de doçura. Algo retornava. Talvez fosse minha alegria. As flores pareciam acenar para mim, eu sentia o pulsar do meu coração mais intenso, a brisa dançava ao meu redor, o barulho da cidade nem me incomodava mais. Eu estava apaixonada. Tentei afastar a idéia de que seria um amor platônico pelo meu ,,marido, pois talvez ele não correspondesse ou eu não conseguiria alcançá-lo com meu amor. Suspirei. A vida, de vez em quando, parece cruel. Saí para a varanda. Era cedo, e eu só iria trabalhar daqui duas horas. Geralmente as quintas feiras são tediosas, ninguém agüenta esperar pela sexta, um dos melhores dias da semana, porque anuncia o fim dela. A essa hora da manhã o trânsito de pedestres e carros era tranqüilo. Então pude curtir daquele momento em silêncio. Eu estava aprendo que a solidão não é ruim, é um dos melhores métodos para organizar a mente e se conhecer melhor. O sol deixava minha pele morna em contraste com o vento geladinho da manhã. A vista da varanda era o cenário perfeito para um romance. Árvores na calçada, pássaros cantando, banquinhos de madeira lustrosa, canteiros de rosas, uma banca de revista, uma padaria, uma joalheria, lindo, lindo. Senti-me uma boba. Nunca havia parado para reparar isso. ­ Que coisa esquisita... isso tudo por causa de Rafa... ­ Não me permiti dizer seu nome todo. Só de começar já sentia meu rosto quente. Era vergonhoso. Eu tinha que parar com isso, já aconteceu de me cutucarem por eu estar viajando em meus pensamentos. Mas... era inevitável. E eu não queria evitar o que não devia ser evitado. Era delicioso pensar nele. Não pude deixar de sorrir. ­ E então, já decidiu? ­ Rafael disse ao abraçar-me pela cintura. ­ Os dois são lindos, como posso decidir? ­ Dei um beijinho em seu queixo e afastei-me pegando os dois vestidos. ­ De qual você gosta mais? 64 Mostrei um vestido verde que ficava ajustado ao corpo, com estampa discreta mas lindíssima e um azul que era bem leve, de alças largas, saia rodada e uma tira num tom mais claro na cintura. Ele não via os vestidos, seu olhar estava em mim. Sorrindo seu rosto tornava- se angelical. Rafael sabia fazer-me desejá-lo. Ele era perfeito. Rafael sempre me aquecia em seus braços. Eu me sentia segura e amada ali. E então eu fingia morder sua bochecha e ele começava a rir e fazer cócegas em mim. Ao final da brincadeira ele dizia que me amava, e que seria para sempre. Adorávamos a chuva. Deitávamos no sofá e ficávamos observando os pingos de chuva escorregarem pelo vidro da janela enquanto eu fazia carinho em seus cabelos e ele segurava Caio dormindo perto de nós. O amor espera. Era o que eu devia fazer. Esperar. ­ Bom dia querido. Dormiu bem? ­ perguntei ao meu filho quando o vi parado perto da porta de vidro da varanda. ­ Sim. O que ta fazendo aí? ­ Olhando a vista. ­ Eu ouvi conversa. ­ Devia estar falando sozinha. ­ Sorri para ele. ­ Ah. Ele coçou os olhos com as costas da mão, eu andei até ele e o abracei. ­ Amo você, Caio. Ele passou os braçinhos em volta de meu pescoço. O peguei no colo e fui dar-lhe o café da manhã. Eu havia colocado meu filho numa escolinha de futebol, era de 8h40 às 10h. Eu o levaria e a empregada o traria de volta para casa. Aos poucos Caio ia animando-se, ele gostava muito de praticar esportes... como o pai. Eu e ele nos arrumamos para sair. O dia estava quente, e sem sinal de que choveria, o contrário do que dizia a previsão do tempo. ­ Pronto marujo? ­ falei ao meu filho. 65 Caio acenou com a cabeça e deu um sorriso para mim. Saímos de casa e fomos para o carro. O campinho não era muito longe, só três quadras do nosso apartamento, de lá eu iria para o centro da cidade onde ficava a loja que eu trabalhava. ­ Comporte-se, viu!? Mais tarde a Vanessa vem te buscar. ­ disse eu a ele. ­ Pode deixar! Eu vou até fazer um gol para você, mamãe. ­ disse-me depois de beijar minha bochecha. ­ E pro papai também. ­ Ele sorriu. ­Ta bom. ­ Retribui o sorriso. Levantei-me e o vi correndo para junto de seus amiguinhos. Ele virou para trás e deu tchau para mim. Fiz o mesmo e fui para o trabalho. ... ­ Se colocarmos mais alguns bordados formando pequenas flores aqui ­ falei enquanto rabiscava mais um pouco o vestido que estava fazendo ­ ficará bom. ­ Deixe-me ver. ­ A cliente inclinou-se para o desenho. ­ Tem como aumentar o laço da cintura? ­ Ter tem, mas aí teria que aumentar o volume da saia. Ia ficar lindo. O que acha? Ela pensou um pouco depois olhou para a mãe que fez um sinal positivo com a cabeça. ­ Certo. Faz aí para eu ver. Voltei a desenhar. Realmente estava ficando belíssimo! Seria um vestido primaveril, pérola, de tecido leve, comprimento até o tornozelo (a pedido da noiva), a saia mais ou menos volumosa, alças finas e com pequenos babadinhos de tecido fino transparente, no busto teria pequenos bordadinhos em formato de flores, como o casamento seria de tarde o vestido não tinha um brilho igual ao que teria se fosse à noite, mas o tecido tinha toques luminosos. Resumindo: era fresco, elegante e ao mesmo tempo romântico. ­ Ai adorei! ­ disse ela com um sorriso enorme, com muita animação. Sua mãe também aprovou. Sorri para elas. O que mais gosto na minha profissão é que ajudo sonhos a se tornarem realidade. Só de desenhar dá aquele friozinho na barriga parecido com o que sentimos quando estamos caminhando para o altar. É magnífico! Faço muitas amigas também já que estou presente em quase 80% do processo. 66 ... ­ Olá, como vai você? Fazia tempo que não nos falávamos. ­ Carolina cumprimentou-me com dois beijinhos na face e um sorriso. ­ Vou muito bem, e você? ­ Estou ótima. Sentamo-nos num banquinho enquanto nossos filhos brincavam. ­ E então? Como andam as aulas de educação artística? ­ perguntei a ela. Carolina era professora e também dava aulas num ateliê junto com sua amiga e sócia, Miriam. ­ Estão ótimas. Meus alunos são excelentes. E os vestidos? Desenhando bastante? ­ Sim. Só hoje foram três. ­ Que bom. ­ Ela sorriu. ­ E... seu casamento? ­ disse com cautela. Suspirei enquanto pensava na resposta. Não dependia totalmente de mim... dependia? Dizer que estava bem não seria muito correto já que desde que eu saí de casa a única vez que conversei com Rafael foi por vinte minutos no celular quando fui para o apartamento da minha mãe. Ele não fazia idéia das coisas que já haviam mudado. Bom... não foram tantas assim, eu só aprendi a dar valor a ele, a reconhecer que o amava, e a querer mais do que tudo o meu casamento de volta. Mas pelo menos era um começo, né?! ­ Ainda não resolvemos. Ele está em viagem, não nos falamos tem tempo. ­ Abaixei os olhos para meus pés. ­ Você não sabe a falta que ele me faz... Ouvi o som melodioso de sua risadinha baixa. Se eu não a conhecesse diria que ela era um anjinho ou uma fadinha. Era muito graciosa e meiga. ­ Está mais do que na hora de dizer isso a ele. ­ disse-me passando um braço em volta de meus ombros. ­ É... preciso dizer. Mas só de pensar em revelar sinto borboletas no estômago, alguns grilos na garganta e formigamento nas mãos. Nós rimos com a idéia. ­ Sabe... acho que seria interessante para vocês dois aprenderem mais sobre casamento. Eu e meu marido fizemos um curso sobre esse assunto uma vez, foi maravilhoso, aprendemos muito! Você nota que pequenos hábitos fazem toda a diferença, é impressionante. ­ Onde fizeram? 67 ­ Na igreja. ­ disse sorrindo. ­ Igreja...? ­ repeti. ­ É. Você não freqüenta uma? ­ Não. ­ Ah. ­ Ela pareceu pensar um pouco. ­ Amanhã a noite vai ter um culto de oração na minha igreja, você quer ir? ­ Não. ­ falei rápido. ­ Quer dizer... acho que não vou poder, tenho que cuidar do Caio, é o momento que tenho para ele. ­ Certo. ­ ela falou lentamente olhando-me. ­ Quem sabe outro dia, não é? Tentei entender no que ela estava pensando. Mas julguei que seria impossível. Essas pessoas que vão à igreja são muito esquisitas para mim. Até meus pais, que se incluem nesse grupo, o são. Parecem sempre saber algo a mais, guardam segredos, eu diria que participam de uma sociedade secreta de conhecedores da Bíblia. Estranho... Muito estranho. ­ É. Outro dia. ­ eu disse. Ela acenou com a cabeça e virou para frente. Ficamos a olhar nossos filhos brincando no balanço. Eram duas crianças lindas e felizes. Nada parecia atrapalhá-las. Mas a mim sim. Tinha algo incomodando-me naquele momento. E eu sabia exatamente o que era. Carolina. Não que eu não gostasse da presença dela, muito pelo contrário, ela era super agradável. Mas... sei lá... eu me sentia esquisita agora, como se eu não devesse vê-la mais. "Quem sabe ela me faria algum mal" pensei. "Mas como? Ela me parece tão inofensiva..." A olhei com o canto do olho. "Nunca se sabe o que esse tipo de pessoa está planejando. Como ela pode ser tão calma e tão ,,paz e amor nesse mundo em que vivemos? Algo está errado, com certeza!" Quando ela virou para mim quase pulei tamanho foi meu susto. Fiz-me de distraída e sorri sem graça. ­ Até que ponto você é capaz de renunciar pelo seu casamento? ­ perguntou. ­ Oi? ­ Renunciaria pelo seu casamento? ­ disse séria. ­ Sim. ­ Seu tempo? Você renunciaria? 68 ­ Acho que sim. ­ falei com uma pontinha de dúvida. Ela continuou olhando séria para mim. Confesso, eu tive medo. Ninguém nunca falara assim comigo. Eu não disse que essa gente de igreja é esquisita? ­ Certo. Então não recuse meu pedido. Vá a minha casa esta noite. Às oito horas. ­ Está bem. Irei. Algo falou por mim. Juro! Eu não iria aceitar por mim mesma, mas algo falou por mim, eu não estou ficando louca, algo... Ela levantou do banco interrompendo meus pensamentos confusos. Eu estava atordoada, olhando o nada. Senti até meus cabelinhos dos braços se eriçarem. Assombroso. Como se Carolina estivesse chamado Elisa veio até nós. Caio olhou para ela confuso pela atitude tomada do nada. Minha amiga despediu-se de mim e foi embora com sua filha. ­ Caio. ­ chamei. Ele veio olhando para o lado onde Carolina e Elisa estavam indo. ­ Porque ela foi embora? ­ perguntou-me. ­ Estava na hora, filho. ­ falei levantando-me e pegando sua mão para irmos para casa. ­ Mas ela nem me disse. ­ falou chateado. ­ Hoje à noite nós vamos na casa dela, querido. ­ Sério? ­ Caio sorriu para mim. ­ Sério. ­ Sorri também. ­ Que demais! É... demais... 69 13º capítulo: Aprendizado. Tudo estava dando errado. Primeiro: o chuveiro do banheiro do meu quarto queimou, tive de tomar banho gelado. Segundo: Caio cortou o dedo. Terceiro: Tivemos que ir e voltar três vezes ao meu apartamento porque eu ou meu filho esquecíamos alguma coisa. Quarto: A porta não queria trancar. Quinto: Meu carro não queria pegar. ­ Desisto! ­ falei girando a chave pela última vez. ­ Pior que nem tenho o telefone dela para avisar que não vou mais. ­ Ah mamãe, eu quero ir. Vamos a pé. ­ É muito longe, filho. ­ O quê que tem? É rapidinho. Girei a chave de novo. O carro chiou mas por fim pegou. ­ Isso é um sinal. ­ falei a mim mesma. Faltavam dez minutos para às oito da noite. Ainda estávamos na rua detrás da casa de Carolina quando o combustível do meu carro acabou. Respirei fundo. Até isso... Deixei o carro mais ou menos estacionado e saí. ­ Já chegamos? ­ perguntou Caio a mim. ­ Ainda não, mas vamos deixar o carro aqui mesmo. Me dá a mão. Ele segurou minha mão e nós atravessamos a rua. Andamos rápido para não chegarmos atrasados na casa da minha amiga. ­ Droga! Eu esqueci de pegar o número da casa. ­ Xiii... Passei a mão no cabelo impacientemente. Eu ia ter que procurar de porta em porta? Parecia que o mundo conspirava contra mim, algo me impulsionava para trás, para não ir. Mas tinha alguma outra coisa, algo que me fazia ir além, ir até lá custasse o que custasse. Preferi seguir essa força estranha a deixar vencer-me pelo cansaço. Todas aquelas casas pareciam iguais para mim. Tinham portões de grade que deixava ver a casa, em sua maioria era de dois andares, tinha jardim bem cuidado, um ou dois carros na garagem, cachorro e por aí vai. 70 No fim da rua encontrei o que procurava. Carolina estava sentada na calçada em frente a sua casa. Era amarela, e o caminho que levava a casa era cercado por arbustos pequeninhos com florezinhas vermelhas. ­ Olá. ­ Sorriu para mim levantando-se. ­ Oi, nossa, quase não conseguia chegar aqui. ­ No começo é assim mesmo. ­ Ela sorriu de novo. "Começo?" ­ Entre. ­ Ela abriu o portão e deixou que passássemos primeiro. Eu e meu filho a esperamos trancar a porta e nos acompanhar para dentro. A casa por dentro era bege e tinha vários móveis rústicos. Quadros, estantes de madeira com livros, fotografias, flores delicadas, e o interior do lugar cheirava a lavanda. Uma delícia. Num canto distante da sala, onde ficava uma estante de livros, uma mesinha com um abajur lindíssimo estava um homem sentado numa poltrona vinho lendo um livro grande. Ele parecia ser uma escultura feita pela própria Carolina de tão bonito que era. Seus cabelos lisos e castanhos escuro caiam para frente do rosto, já que estava inclinado sobre o livro. Estava usando uma bermuda cinza, uma blusa regata branca que me permitia ver o braço bem esculpido. ­ Douglas, ela chegou. ­ avisou Carolina. Ele levantou o rosto mas continuou com os olhos no livro por um instante até que olhou para sua esposa e depois para mim. Ele parecia um pouco curioso. Sorriu para mim, fechou o livro, colocando-o perto do abajur e levantou-se. Era quase do mesmo tamanho que Rafael, devia ter uns quatro ou cinco centímetros a menos que os 1,83 de altura do meu marido. ­ Olá. A Carol me falou muito de você. ­ Ele estendeu a mão e sorriu. Sua voz era quase tão melodiosa quanto a da sua esposa, e seu sorriso era brilhante e gentil. Eles formavam o casal perfeito. Sorri também. Caio puxou de leve a barra da minha blusa. ­ Ah, onde está Elisa? ­ perguntei. ­ No quintal, vou buscá-la. ­ disse Douglas saindo da sala. 71 ­ Bom... vamos nos sentar para conversar um pouco. ­ Carolina levou-me para a sala de estar muito bem decorada e convidou-me a sentar num sofá. ­ Parabéns pela casa, é muito bonita. ­ falei ajudando meu filho a sentar-se. ­ Obrigada. Esperamos um tempinho até que Douglas trouxe Elisa no colo. Ela acenou para Caio e sorriu. Devia ser costume dessa família viver sorrindo... Ele a colocou no chão e meu filho desceu do sofá. Douglas pegou algumas folhas de papel e um estojo com lápis de cor e colocou na mesinha de centro da sala, pouca coisa afastada de onde nós estávamos. ­ Mônica, chamei você aqui porque vejo que está precisando de um empurrãozinho com seu marido. Desde já preciso dizer que casamento é algo maravilhoso que Deus criou mas que não é nada fácil. ­ Carolina disse-me. ­ Primeiro porque homem e mulher são muito diferentes para viverem debaixo do mesmo teto, segundo é que deve existir um amor muito grande para que a relação seja harmoniosa. ­ Eu sei. ­ falei baixinho concordando com ela. ­ E tem mais uma coisa. ­ continuou ­ Deus é amor. É Ele quem faz esse sentimento existir porque Ele é o próprio sentimento. É necessário que você O ame para que assim possa amar a si mesma e como conseqüência, o seu marido. ­ Deus fez o casamento para durar a vida inteira. ­ disse Douglas ao meu lado. ­ Ele permite que amemos o nosso cônjuge de tal forma que é inevitável que o marido e a esposa queiram estar juntos até que a morte os separe. E mesmo que haja conflitos, o amor é forte o suficiente para superá-los. ­ Vocês dois são tão bonitinhos juntos que nem dá para acreditar que possam ter problemas. ­ apontei. Eles riram. Foi tão engraçado os dois rindo juntos que não consegui deixar de dar uma risadinha. Algo tão fofo! A risada dos dois parecia som de água. De alguma forma encaixavam-se. ­ Não digo ,,problema mas divergência. É algo normal. Às vezes eu quero ir ao shopping e ele insiste em ficar em casa. ­ Carolina disse-me. ­ Dá raiva? Dá. ­ Ouvi um risinho de Douglas. ­ Mas creio que aí entra a questão do amor. Porque se ele estiver cansado não é certo que eu o obrigue a sair comigo. O amor zela. E também tem dias em que acordamos irritados, sem vontade de nada, indispostos. E então o amor compreende. 72 ­ Quando nos dispomos a amar também devemos estar dispostos a renunciar pelo ser amado. O amor não é egoísta, não busca seus próprios prazeres, o amor quer fazer com que o ser amado seja feliz. Isso vira uma troca. A esposa se doa pelo marido na mesma intensidade em que o marido se doa pela esposa. ­ Douglas disse. ­ Entende onde queremos chegar? ­ perguntou Carolina. ­ Sim. O amor. A essência do casamento. ­ Torci um pouco as mãos. ­ Acho que enquanto estive casada me preocupava mais comigo mesma. Porque veja bem, nenhum de nós dois queria deixar a si próprio aos cuidados do outro. É como se não confiávamos o suficiente que o outro teria tanto zelo quanto nós por nós mesmos. ­ É como dar algo que você cuidou durante anos a alguém que talvez não vá dar a mesma importância que você dava. Não era confiável. ­ disse Douglas. ­ Por isso é que queremos te apresentar alguém que te dará amor, um amor sem limites. ­ Um amor sem defeitos, que visa cuidar de você da melhor forma possível. Porque você é especial para Ele. Ele tem um carinho enorme por você, tanto é que te trouxe aqui apesar das circunstâncias. ­ Carolina sorriu para mim. ­ Foi difícil chegar aqui, não foi? ­ Douglas perguntou-me. ­ Não queriam que você viesse, é sempre assim. Mas Deus te trouxe porque era importante. Aprendi que tudo tem um propósito. ­ Queremos te dar Deus, o Amor. ­ Carolina segurou minha mão ao dizer isso. ­ Seu amor é eterno, nunca muda, e é amor de sacrifício, pois Ele morreu por nós de tanto nos amar. ­ Não acho que mereça tanto. ­ Soltei sua mão. ­ Não é questão de merecer. Se for ver assim, ninguém merece também. Mas Ele nos criou, Ele sabe da nossa natureza carnal, só que nos ama, quer o melhor para nós. ­ ela disse. ­ Eu sei. Fiquei olhando Caio e Elisa brincarem. Elisa estava desenhando e meu filho estava debruçado sobre o desenho dela observando sem dizer nada. Ele seria um bom marido? Creio que sim. Era uma criança muito especial. Carinhosa, atenciosa, paciente, ele parecia ter o Amor consigo. ­ Eu sei que Deus existe, mas nunca dei uma importância muito grande a isso. Não gostava da idéia de ser um fantoche em suas mãos. ­ comecei a dizer. Percebi que no final do meu discurso Carolina quis explicar-me algo mas Douglas maneou a cabeça pedindo que ela me deixasse continuar. Pensei por 73 um breve instante e continuei ­ Mas acho que posso experimentar. A gente faz um teste, se der certo continuo com Deus, se não der certo o deixo. Agora Carolina torcia as mãos um tanto apreensiva. Douglas a olhava, mas não demonstrou nenhuma alteração com o que eu disse. Julguei que ele estava nesse caminho a mais tempo que ela, tinha mais experiência. ­ Certo. ­ disse-me. ­ Vamos fazer do seu jeito. Se não der certo da primeira vez você fará do nosso. Pode ser? ­ Tá. ­ respondi a ele. ­ Mas aí se o seu jeito não resolver eu o deixarei. ­ Como quiser. ­ disse calmamente, sorrindo um pouco. Carolina pareceu ficar menos tensa, confiante até. ­ Certo. Como começamos então? ­ Amanhã vai ter um culto de oração. Quer ir? ­ ele perguntou. ­ Não quero. ­ eu disse de imediato. ­ Tem certeza? ­ Tenho, eu me sentiria obrigada se eu fosse. ­ Obrigada? ­ Carolina disse-me um pouco ofendida. ­ Nós só perguntamos se quer. ­ Não to falando de vocês. É Ele. Ele me diz que eu tenho que ir. Mas isso é obrigar, mal comecei e Ele já quer que eu faça algo. Eles sorriram um para o outro. ­ Ele sabe o que é melhor para você. Ele te ama, lembra? ­ ela disse. ­ E o meu livre arbítrio? ­ Ah, mas assim como quer que Ele te ajude? Você tem que confiar. ­ Douglas falou. ­ Mas... estamos fazendo do seu jeito, se achar que não precisa de ir num lugar para orar, tudo bem... ­ Ele deu de ombros. Encarei-o por um momento. Não devia estar falando sério. Ele desviou o olhar da esposa, parecia admirar cada movimento dela, e encarou-me também, mas compreensivo e calmo. Então estava sendo sincero... Suspirei. ­ Está bem. Do meu jeito não está funcionando. Vamos fazer no de vocês. 74 Eles sorriram para mim. ­ Era do que Ele precisava, sua permissão para agir. ­ Douglas disse a mim. ­ Você não vai se arrepender, Mônica. ­ Carolina falou sorrindo. 75 14º capítulo: Bate papo com a Sabedoria. Tivemos que interromper o assunto porque Elisa passou mal. Douglas e Carol levaram-nos até o meu carro estacionado na rua detrás e ajudaram-me dando um pouco de gasolina, depois foram para um hospital. Olhei pelo retrovisor e vi o rostinho tristonho do meu filho no banco detrás. ­ O que foi, meu amor? ­ perguntei a ele. ­ A Elisa vai ficar bem? ­ Vai sim. ­ Tem certeza? ­ Tenho, querido. Fique tranquilo. ­ Ta bom. Ele virou o rosto para a janela e eu voltei minha atenção para o trânsito. Eu não sabia no que pensar. Estava até com um pouco de medo de continuar a conversa na minha cabeça já que dizem por aí que Ele sabe o que pensamos. Admito, acho isso uma invasão de privacidade, nem meus pensamentos estão seguros, poxa. Mas eu tinha uma pergunta pertinente na minha cabeça: O que o Amor significava para mim? Chegamos em casa às 9h10. Eu e Caio lanchamos e fomos dormir. Bom... pelo menos ele, porque eu estava sem sono. Depois de colocar meu pijama procurei em meio aos travesseiros da minha cama o controle remoto da televisão. Organizei as almofadas e liguei a TV. Não tinha nada passando de bom. A última coisa que eu queria ver era novela. Sempre tinha um casinho de amor e eu estava fugindo disso para não chorar. Deixei no canal educativo, nem sei por quê. Estava passando um documentário sobre Roma, mas eu mal prestava atenção. História não era minha matéria preferida. Chovia lá fora. Uma chuva fininha, que deixava tudo com um cheiro diferente e gostoso. Talvez assim eu conseguisse dormir melhor, chuva dá sono. ­ Como a chuva é formada? ­ perguntei a mim mesma com uma pontinha de curiosidade ao olhar a janela. 76 "A partir da evaporação. A água é aquecida pelo Sol e vira vapor, depois esse vapor se mistura com o ar e formam nuvens, quando estas encontram as massas de ar frias a água condensa e cai em forma de chu..." ­ Como eu sei disso? ­ interrompi meus pensamentos. "E daí como sabe!? Isso você deve ter aprendido quando era criança, na escola." Eu sabia que eu não era muito normal, mas discutir com meus pensamentos... isso já era demais! "E quer saber como a água é formada? São dois átomos de hidrogênios e um de oxigêni..." ­ E o mar? Como foi formado? ­ desafiei. "Essa é fácil! Aí Deus disse: Que a água que está debaixo do céu se ajunte num só lugar a fim de que apareça a terra seca! E assim aconteceu. Deus pôs na parte seca o nome de ,,terra e nas águas que se haviam ajuntado ele pôs o nome de ,,mares..." ­ Como sabe disso? "Me diz alguém que não saiba disso, Mônica?! Está em Gênesis, primeiro livro da Bíblia. Dãã!" Franzi a testa. Além de discutir comigo, meus pensamentos zombavam da minha ignorância. ­ Eu não sabia. "Lógico que sabia." ­ Claro que não. Nunca li este livro. "Claro que leu. Você pode não se lembrar, mas leu. Quando ainda era pequena. Bom... nisso não mudou muito." Que ousadia! Ainda me chama de baixinha! Parei de conversar comigo mesma e tentei focar no documentário. Eu não estava entendendo muito bem, os imperadores de Roma eram todos iguais para mim. Só que um me chamou a atenção. Nero. O cara que colocou fogo na cidade. ­ Achei alguém mais doido que eu. ­ falei brincando. Nada. Minha mente não se pronunciou. 77 Um dos pesquisadores estava dizendo que a população começou a acusar Nero de ter sido responsável pelo incêndio, então para se esquivar das acusações ele colocou a culpa nos cristãos, que já eram odiados pelos romanos. Então começou uma perseguição terrível a eles. Os que foram pegos eram torturados, crucificados e depois queimados no fim da tarde, e também tinha aqueles que eram jogados para que animais ferozes os devorassem. Tive pena. Imaginei aquelas pessoas que morrem por sua fé. Aqueles que vão a países que não aceitam suas religiões e que sofrem lá. Lembrei de Carolina e Douglas. Eles fariam o mesmo? Mas para quê tudo isso? Porque uma pessoa daria sua vida em favor de uma crença? Viver não é importante para elas? "O meu grande desejo e a minha esperança são de nunca falhar no meu dever, para que, sempre e agora ainda mais, eu tenha muita coragem. E assim, em tudo o que eu disser e fizer, tanto na vida como na morte, eu poderei levar outros a reconhecerem a grandeza de Cristo. Pois para mim viver é Cristo, e morrer é lucro. Livro de Filipenses, capítulo um, versículos 20 e 21." ­ Eu gostaria de entender a profundidade desse discurso. Como algo pode ser tão convincente a ponto de uma pessoa, melhor, de milhares de pessoas abrirem mão de suas próprias vidas por isso? "Não é ,,isso, estamos falando do Salvador. Ele abriu mão de sua glória para vir a Terra e abrir mão de sua vida para dar a salvação a pessoas como você. Pessoas que não merecem o sacrifício que Ele fez." ­ Não me julgue por ser tão incrédula. Tenho meus motivos. "Diga-me, não valeu a pena? Você daria sua vida por amor a pessoas que não acreditariam em você mais tarde? Isso é cruel. Ele te ama, mas você não dá à mínima." ­ Sabe de uma, não to a fim de conversar com você. "Por que você foge?" ­ Fugir? Está me chamando de covarde? "Sim, estou." ­ Porque eu seria covarde? Todo mundo tem direito de escolher o que acha bom para si. "Você sabe o que é bom. Mas não O quer. Você tem medo de não poder continuar com seus costumes, seu modo de viver, pensar e agir. Você tem medo de ser rejeitada pelas pessoas. Tem medo de ser diferente do mundo." Olhei para o chão por um instante e depois fiquei vendo a chuva na janela. 78 Era verdade. Eu tinha medo. Não queria ser taxada como a certinha, a religiosa, a garota da mente fechada. Mas e o sacrifício? A vida eterna? A paz? Eu não sabia mais o que fazer. Aquelas palavras tocaram em meu coração ferido. Eu precisava de alguém. Do Alguém. Dele! ­ Deus me quer mesmo? ­ perguntei baixinho. Instintivamente olhei para TV. E fiquei sem ter o que dizer. Lá estava a cruz. Um cenário de morte e vida. Dor e paixão. "Isso responde a tua pergunta?" ­ Sim. ­ eu disse com lágrimas nos olhos. "Mônica, é melhor viver bem aqui na Terra e sofrer na Eternidade?" ­ Não, não é. "Então ouça as minhas palavras. Não endureça seu coração. Ele te ama como ninguém nunca a amará. Incondicionalmente..." A voz em minha mente estava ficando cada vez mais baixa. Eu não queria que ela fosse embora. Queria aprender mais. "Quem presta atenção no que lhe é ensinado terá sucesso; quem confia no Senhor será feliz. Livro de Provérbios, capítulo 16, versículo 20." Foram as últimas palavras que ouvi antes de adormecer. 79 15º capítulo: O que Ele quer. Era dia. Eu estava morrendo de preguiça de levantar. Tive alguns sonhos esquisitos ontem à noite, algo a ver com vozes, fogo, enfim, coisas estranhas. Rolei na cama e coloquei a mão embaixo do travesseiro ao meu lado. ­ Essa não. ­ falei temerosa. ­ O diário. Só agora lembrei-me desse fato importante. Eu aqui querendo reconciliar-me com Rafael e ele lá, podendo ler as páginas amarguradas do meu diário. Droga! Como pude esquecer-me dele? Levantei-me rápido e corri até o porta-chaves atrás da porta da sala. Eu não havia tirado a chave de nossa casa do meu chaveiro, só restava torcer para que meu marido não tivesse mudado a fechadura. Dei uma desculpa qualquer para meu filho e a empregada, que agora trabalhava todos os dias, e fui para minha antiga casa. Como eu era sempre pontual, não via problema em chegar atrasada dez minutos ao trabalho. O caminho até lá trazia-me muitas recordações boas, como comprar pão às seis da tarde, ir ao restaurante de comida caseira, voltar a pé da escola do Caio... A vida parecia deliciosa olhando para trás. Claro que nesses momentos de saudade só costumamos olhar os acontecimentos pelo lado maravilhoso, mas eu sabia que nem sempre foi assim... Quando cheguei à porta da frente minhas mãos começaram a tremer. De alguma forma eu sentia uma pontinha de vontade de que Rafael estivesse em casa. Olhá-lo me faria muitíssimo bem. Dei algumas batidinhas na porta, mas a casa estava toda fechada, ele devia estar viajando mesmo. Coloquei chave na fechadura e girei, abrindo a porta em seguida, bem devagar. A familiaridade do lugar fez-me chorar. Era tudo tão nosso. Cada móvel escolhido a dedo por nós dois, os cantinhos onde eles deviam ser colocados. Ele havia escolhido as cores das paredes, porque eu escolhi a casa. Planejávamos ter um cachorro, mesmo Rafael sendo alérgico. Uma vez ele quis fazer uma casinha na árvore para Caio, mas eu não deixei porque tinha medo de que caísse e se machucasse. Teve o dia em que ele quis preparar o café da manhã e levar na cama para mim, mas no meio do caminho 80 deixou a bandeja cair, quebrando as xícaras e sujando tudo. Outro dia tentei fazer algo especial para o almoço, mas acabei me distraindo com as piadas de Rafael e queimei a comida. Não pude deixar de rir com isso. Parece que foi ontem. Fui até o quarto dele olhando a casa com cuidado para ver se algo havia mudado. Estava tudo muito organizado, limpo, devia ter arranjado uma faxineira. A porta do cômodo estava encostada. Empurrei-a com cautela. Tinha algumas blusas suas em cima da cama, uma porta do guarda roupa estava aberta mostrando a bagunça que ele sempre deixava nas gavetas. Fui até lá e peguei uma blusa cinza de listras. Sorri. Ele quase nunca a usava, foi presente da sua irmã mais velha no Natal do ano passado. Balancei a cabeça e deixei a blusa no lugar onde a encontrei. Eu estava ali para procurar algo meu, não para isso. Sabia que não acharia, mas mesmo assim procurei entre os travesseiros. Nada. Ele devia ter pegado. Esfreguei a mão no rosto. Eu não tinha muito tempo para revirar seu quarto, e se fizesse teria que colocar tudo no lugar para ele não perceber que estive ali. Passei a procurar nas gavetas das cômodas, em baixo da cama, nas caixinhas na parte de cima do guarda-roupa, até me cansar e faltar cinco minutos para eu voltar para casa. ­ Se eu fosse o Rafael onde eu guardaria? ­ falei encostando as costas na parede ao lado da cama e olhando o quarto. ­ Eu levaria comigo... ­ falei soltando o ar dos pulmões ruidosamente. Sentei-me na beirada da cama pensando no que fazer. Eu não poderia ligar para ele reivindicando os direitos sobre o caderno, mesmo se o fizesse, ele já teria lido e se entristecido com o que escrevi. Arrependi-me amargamente por ter feito aquilo. ­ O feitiço virou contra o feiticeiro. Ao falar isso balancei a mão no ar e quase derrubei o abajur ao meu lado. Meu coração quase saiu pela boca. Ainda bem que consegui segurá-lo... ­ Essa foto... não me lembro muito bem dela. ­ falei pegando o porta retrato no criado mudo ao lado da cama. 81 Eu estava deitada na grama com uma margarida na mão esquerda, sorrindo e com a mão direita estendida em direção a câmera para que não me fotografasse. Era linda, e devia ser muito antiga. O tempo ao lado de Rafael passou rápido demais. O trabalho ocupou mais espaço em nossa agenda que o amor, assim este não pode criar raízes profundas... Pousei a fotografia no colo e olhei meu reflexo na tela da televisão, de frente para a cama. Era difícil dizer o que se passava em minha mente nesse momento, ao mesmo tempo em que eu pensava em milhares de coisas, focar numa delas tornava minha cabeça num branco total. Ou seja, eu não estava pensando em nada que pudesse solucionar meus problemas. Deixei o porta retrato no lugar onde estava, levantei-me e arrumei a cama que eu havia bagunçado. Suspirei ao passar por uma foto do Rafa e do Caio na sala. "Se eu pudesse voltar... se tivesse redenção. Porque comigo? Porque eu tive que escolher fugir ao invés de resolver os problemas." Pensei ao andar pela casa. "Será que ele entenderia se eu dissesse que o amo? Mas amar qualquer um diz que ama, quero ver provar. Como?" Parei na porta da frente para dar uma última olhada na casa. "Vai lá, diz para ele, Rafael entenderia se você dissesse que está arrependida." Eu disse a mim mesma. "Não adianta lamentar agora. Não espere o ponto final, continue escrevendo sua história." Reuni forças e peguei um pedacinho de folha da minha agenda e uma caneta e escrevi um simples e singelo bilhete. Me perdoa? Peguei o bilhete e preguei com um imã na geladeira. Quem sabe assim ele voltaria para mim... quem sabe. ... À noite eu e meu filho fomos à igreja da Carolina. Era de tamanho médio, e não havia muitas pessoas no local, devia ter umas 25. ­ Boa noite, sente-se conosco. ­ disse Douglas a mim com um sorriso. 82 Acenei para eles três, Carol, Douglas e Elisa, e ajudei meu filho a sentar-se no banco de madeira, sentando-me em seguida. Minutos depois um senhor de cabelos grisalhos, vestindo uma blusa de manga cumprida branca e uma gravata azul, colocou-se no meio do palquinho e pegou o microfone. ­ Boa noite, a paz do Senhor. Todos responderam ,,amém. Ele pediu que abríssemos a bíblia em Mateus capítulo 22, versículos 34 ao 40. A igreja lia um versículo e o pastor lia o outro. ­ "Jesus respondeu: Ame o Senhor, seu Deus, com todo o coração, com toda a alma e com toda a mente". ­ Ele disse num determinado momento. Depois da leitura nós cantamos algumas músicas. Eram lindas. As letras quase faziam-me flutuar tamanha era a verdade mostrada ali. Senti-me como uma criança em fase de aprendizado, tudo o que aparecia era curioso para mim, havia mistério, algo realmente divino. Uma das músicas fez-me viajar. Falava das coisas que Deus fazia. Que Ele fez as estrelas, desenhou as pessoas, que Ele era glorioso, que O adoraremos dizendo que Ele é santo, digno, incomparável... Eu estava feliz por ter ido ali. Em pensar que eu achava essas pessoas de igreja esquisitas... E então o pastor pediu que as crianças fossem para a salinha delas, para o culto infantil. Depois que elas foram ele pediu que formássemos duplas de oração. Eu não sabia bem o que fazer, nunca tinha orado, não que me lembre. Carolina veio para o meu lado e sorriu para mim. ­ Podemos orar juntas? ­ perguntou. Balancei a cabeça sorrindo. Douglas arranjou um amigo e começou a orar junto a ele. Carol segurou minhas mãos e fechou os olhos, fiz o mesmo. ­ Senhor, obrigada por nos trazer aqui. Obrigada por este dia, pelo culto, por ter nos dado o privilégio de Te servir. Obrigada por Seu imenso amor, por Sua bondade e fidelidade. Agora gostaria de pedir que dê paz ao coração da Mônica, que ela possa encontrar as respostas de que precisa, que o Senhor habite em seu coração, que cure as feridas de sua alma, que guie seu caminho, que a ajude a ver as coisas da perspectiva de Deus. Restaura o seu casamento, Senhor... Nós dependemos de Ti, precisamos de Tuas mãos sobre nós mostrando o que devemos fazer. Pai, perdoa-nos, muitas vezes fazemos o 83 que não Te agrada, escolhemos caminhos que nos levam a pecar. Tenha misericórdia de nossas vidas. ­ ela orava. Era um pouquinho estranho. Parece que você está conversando com o nada. Será que Ele nos ouve mesmo? Há tantas pessoas no mundo, pessoas que passam ou estão passando por situações mais complicadas que a minha. Preferi acreditar que sim. Ele me ouviria. Mas talvez precisasse de algo em troca... o que Deus queria de mim? ­ Em nome de Jesus, amém. ­ Carolina terminou a oração. Algumas pessoas ainda estavam orando. Nós duas nos sentamos no banco e esperamos o pastor tomar a palavra. Olhei em volta. Jovens, adultos, idosos, várias pessoas estavam chorando. Por quê? Oravam em voz alta, clamavam a Deus que as perdoasse. ­ Porque tem gente chorando? ­ perguntei baixinho à Carolina. ­ Estão falando com Deus. É uma emoção intensa tê-Lo por perto. O amor do Criador nos envolve de tal forma que às vezes nos sentimos estremecer. Queremos que Ele fique conosco, mas para isso é preciso estar em santidade, então nos quebrantamos para buscá-Lo. Por isso as pessoas choram. Não é fácil viver sem pecar, mas para estarmos na presença do Pai devemos renunciar nosso modo de viver. Nós descobrimos que a vida que levamos não tem comparação com o que Ele nos reserva. Deus é maravilhoso, Mônica. ­ Eu sei. ­ falei ainda mais baixo. ­ E o que Deus quer de mim? Ele já não tem tudo? Carolina falou em tom confidente: ­ Ainda falta algo... seu coração. 84 16º capítulo: Um pouco de luz. Hoje Deus tomou café da manhã comigo. Em tudo Ele estava. No Sol, no vento, no sorriso do meu filho, no calor do meu café, no sabor de uma fruta. Tudo! Ele havia criado tudo. Estou começando a gostar de confiar Nele. É tão maravilhoso saber que alguém está comigo, que me ama, que quer me ajudar, me dar ânimo. ­ Preciso aprender mais Dele. ­ falei a mim mesma, distraída. ­ Quê mãe? ­ perguntou meu filho. ­ Nada, querido. ­ falei sorrindo. ­ Termine de comer para eu te levar na escolinha. ­ Levantei-me para arrumar a mesa. Ontem à noite eu havia entregado minha vida a Deus. Comecei a acreditar em esperança, harmonia, paz, felicidade. Tudo isso é resultado de uma vida nos braços Dele. Era o que eu precisava fazer constantemente: render-me! Estávamos saindo de casa quando Vanessa chegou, dei as instruções do que deveria fazer para o almoço e saí com meu filho. Então deixei-o na escolinha e fui trabalhar. ­ Bom dia, meninas. ­ disse às funcionárias. ­ Bom dia. ­ elas responderam. Entrei no meu escritório e fui para computador ver os lembretes e meus emails, como de costume. ­ Propaganda... propaganda, mais pro... Rafael? ­ eu estava dizendo até que vi um email do meu..., bom... do Rafael. Meu coração batia a mil por segundo. Eu estava morrendo de saudade dele! Sentia dor só de pensar em nunca mais tê-lo comigo. Eu o amava intensamente. Olá Mônica, tudo bom? Espero que sim. Como Caio está? Diga que estou com muita saudade. Vim avisar que talvez não consiga chegar para o aniversário dele. Eu sinto muito, de verdade. 85 Sei que você pode estar chateada comigo ainda, mas eu preciso desabafar com alguém, não tem problema se não ler minha mensagem toda... mesmo que eu carregue esperanças de que o faça. Bom... os dias que tenho passado aqui em Quito tem sido ótimos. Daqui a três dias vamos para Machu Picchu, no Peru. Mas sabe... me falta algo. Às vezes não consigo dormir bem, não sinto fome, me desconcentro muito rápido no trabalho. Preciso de ajuda, assim não consigo produzir nada. Fico pensando "e se tudo pudesse ser diferente?". Se eu e você nos amássemos de verdade, se conseguíssemos viver sem brigar, se eu pudesse voltar atrás e mudar meus maus hábitos para ser um cara melhor... Como eu gostaria de fazer isso. Mas não dá mais tempo. Eu sinto muito, Mônica. Sinto muito por tudo que fiz... As lágrimas deixavam marcas no meu rosto com a ajuda da maquiagem que eu havia passado de manhã. "Por quê? Porque não teria volta? Alguém me diga!!!" pensei enquanto chorava. Mas não era verdade. Dava tempo, só que alguém precisava dizer a ele. Rafael precisava saber que o amor dá certo. É a base de tudo... O Amor! ­ Porque está chorando, querida? Algo te chateou, foi? ­ Ana, a gerente da loja disse a mim, entrando no meu escritório com alguns papéis na mão. Balancei a cabeça em forma afirmativa mordendo os lábios. Ela depositou os croquis em minha mesa, passou um braço em volta dos meus ombros e leu o email. ­ Hmm... temos um problema. ­ disse ela. ­ Um? Tenho vários problemas. ­ falei desconsolada. ­ Tem de dizer a ele o que sente. E rápido! ­ Por email? ­ Não vejo outra alternativa. Sequei o rosto com um paninho e peguei uma caneta. Quando fico nervosa só o "tic-tic" me acalma. Comecei a apertar furiosamente, até que Ana arrancou a caneta da minha mão. ­ O que está esperando, Mônica? Comece a escrever. 86 ­ Sou péssima para fazer textos sob pressão. Ela ficou quieta, talvez pensando em algo. ­ Já volto. ­ disse-me. E saiu. Onde estava a voz em minha cabeça quando mais preciso dela? Minutos depois Ana entrou na sala arrastando Estela. ­ Não dá! Estou sem inspiração hoje. ­ ela falou cruzando os braços. ­ Ah, deixe de ser boba! É só um textinho, coisa fácil. Ela soltou o ar dos pulmões e sentou-se em minha cadeira, de frente para o computador. Querido Rafael, ­ Não. Põe só Rafael, por favor. ­ falei. Rafael, Estive pensando em nós dois. Eu torcia as mãos de tão apreensiva. Não acho que as decisões que tomamos foram as mais adequadas. Sentimentos não podem ser soterrados assim. Ana deu uma risadinha. ­ Soterrados... Arqueologia: tudo a ver. Sinceramente, acho que você e eu fomos feitos para ficarmos juntos. Eternamente. ­ Não está bom. Eu não escreveria assim. Ele vai perceber que não fui eu quem fez. ­ Bom... Já tem um pequeno modelo. Agora é só redigir com suas palavras. ­ Estela levantou-se e deu um abraço rápido em mim. Saiu da sala apressada. Talvez fugindo dessa grande responsabilidade. ­ Isso fica a seu encargo. Se precisar de ajuda é só me falar. ­ Ana disse. ­ Está bem. Ana também saiu, deixando-me sozinha com o texto. Coloquei uma música e fiquei ouvindo de olhos fechados por um momento. Então respirei fundo e fui escrevendo o que se passava em minha mente, quase vazia. Rafael, 87 Sinto como se tivesse cometido o pior crime de todos: deixar você! Não sei por quanto tempo mais poderia guardar longe de todos o que realmente se passa em minha mente. Eu o amo! E sei mais do que tudo agora que é uma completa verdade. Não me leve a mal por estar revelando isto só neste momento, depois de ter brigado com você, falado mentiras (sim, dizer que te odeio é a maior delas), ter te deixado triste, ter ido embora... mas talvez eu precisasse fugir para entender meus sentimentos. Como me arrependo de não ter entregado meu amor a você com sinceridade. Tudo pelo que passamos poderia ser evitado, ou pelo menos poderíamos ter conseguido resolver juntos. Você não sabe a falta que me faz... Porque eu tive de aprender as coisas da forma mais complicada? Perceber que o amo de verdade quando ele já não estava comigo? Quanto tempo perdemos sendo orgulhosos... Li várias vezes o email para ter certeza de que tudo estava escrito direitinho e depois enviei, temendo que talvez ele já não sentisse o mesmo por mim. O que poderia ser verdade. Comecei a trabalhar em meus desenhos, eram vestidos para madrinhas. Simples, não muito difíceis de fazer. Terminei de fazê-los antes das cinco da tarde. Pude ter um tempinho livre comigo mesma antes de voltar para casa, um pouco mais cedo até. Estacionei meu carro algumas quadras antes da escola do meu filho e segui para lá a pé. Fazia frio. Como nesses dias havia chovido, a temperatura da cidade caiu. O clima deixava meu rosto ainda mais branco e a ponta do meu nariz vermelha, como uma rena no Natal. Eu achava isso terrível. Não estava chovendo nesse momento, mas o céu anunciava que a qualquer hora poderia cair um temporal. Preferi acreditar na previsão do tempo e andar um pouco mais rápido. "Mas porque eu não usava o carro?" perguntei-me quando tive que tentar pular por sobre uma poça. "Acho que simplesmente para estar fora do conforto, sentir frio, vento, pingos de chuva caindo no meu cabelo quando eu passasse debaixo de uma árvore... sentir a natureza. Deve ser isso." E realmente era. Eu sentia também um aperto no peito. Isso devido a Rafael. "Tenho medo de que ele não me responda, que ignore o que sinto..." E teria todo o direito de fazê-lo. 88 Quando cheguei a escola encontrei um trânsito de guarda-chuva diferentes. As mães estavam ali esperando suas crianças. Agora pingava de leve, mas resolvi juntar-me a elas num exercício de proteção aos pequeninos. Acho gostoso ser mãe. É uma sensação maravilhosa poder proteger esses pequenos e frágeis seres. Dar-lhes carinho, educação, atenção, poder ouvir suas vozes rouquinhas chamando-nos de ,,mamãe, sentir o cheirinho deles enquanto dormem, é gostoso quando eles correm para nós com um sorriso enorme quando nos encontram esperando por eles na porta da escola. E foi isso que vi. Caio veio até mim se desviando da multidão. Estava com a blusa de frio azul marinho caindo dos ombros e a mochila semi-aberta. Em seu rosto um sorriso lindo lembrava-me o quanto era agradável para ele a minha presença ali. Senti-me única e muito querida. ­ Como foi seu dia, meu amor? ­ perguntei pegando-o no colo depois de um abraço apertado. ­ Foi muuuito legal! ­ É? E o que fez de tão legal? ­ Joguei um jogo com o Dudu, aprendi a música do sapo, e hmmm... esqueci. ­ ele riu mexendo nos meus cabelos. ­ Viu a Elisa hoje? ­ Aham. ­ Ela viu você? ­ Não sei. Ela tava com uma menina lá... ­ E porque não foi falar com ela, amor? ­ Ah não... ­ Ele escondeu o rosto no meu pescoço. Fiz carinho nos seus cabelos enquanto fazia malabarismos para segurá-lo, manter o guarda-chuva firme na minha outra mão e a bolsa no meu ombro. Ao chegarmos em casa dei banho no meu filho e o deixei assistindo TV enquanto tomava banho. Depois preparei a janta. Ele cantou para mim a música do sapo e pediu que eu contasse uma história para ele dormir. Aos poucos estou aprendendo a ver o amor nas pequenas coisas. Acho que isso faz parte de um começo significativo na minha vida. Sinto meu interior 89 preenchido agora. Sustento esperança. Uma idéia de avanço. Algo vai melhorar. 90 17º capítulo: Manual. Olá Mônica, Recebi seu email. Fiquei bastante surpreso até... Lembrei-me daquele dia em que fizemos nossos votos de casamento antes mesmo de nos casar. Na alegria, na tristeza... eram tradicionais demais. Sabe... a nossa sintonia era perfeita no início do nosso namoro, era bom estar ao teu lado. Mas confesso estar receoso quanto a uma possível reconciliação. Não quero sofrer de novo. Será que vale a pena tentar mais uma vez? Abraços. ­ Não sei. ­ respondi a pergunta em voz alta. ­ Também não quero sofrer. Eram seis da manhã de sábado. Meu dia de folga. Acordei às quatro e meia e não consegui dormir mais, então fui ver se tinha algo de bom na internet e acabei olhando minha caixa de mensagens. Estava curiosa para ver se tinha email do Rafa, e realmente tinha. Agora eu estava confusa. Não tinha certeza de que daria certo. Mas poderíamos arriscar, quem sabe... Levantei-me, peguei um cardigã de lã no meu guarda-roupa e vesti por cima do meu pijama. Saí do quarto em direção ao banheiro para escovar os dentes e pentear os cabelos. Depois de feito isso, fui para a cozinha, passando pela sala. Percebi que debaixo da porta estava um pequeno livrinho envolto por um plástico. Fui até lá e o peguei. Tinha um bilhete dentro dizendo que era um presente da Milena. ­ Manual da esposa. ­ li a capa do livro. ­ Só podia ser coisa da Milena mesmo... Deixei o livro em cima do sofá e fui até a cozinha preparar algo para comer. Fiz um achocolatado rapidinho e voltei para a sala. Coloquei meu copo em cima da mesinha de centro e rasguei o plástico do livro. Devia ter 120 páginas, e, depois de um generoso gole de leite, comecei a ler. 91 ­ Sumário: 1º capítulo: Mil e uma utilidades; 2º capítulo: Homens + Mulheres; 3º capítulo: Xô egoísmo; 4º Capítulo: Conte até 10 e respire fundo; 5º capítulo: Ame a si mesma; 6º capítulo: Sendo gentil; 7º capítulo: Atenção aos sinais; 8º capítulo: Propostas; 9º capítulo: Dividindo tarefas; 10º Demonstre o amor que sente. ­ Depois de ler o sumário dei outra olhada na capa. ­ Parece bom... quem sabe aprendo algo. Folheei o livro até o primeiro capítulo e comecei a mergulhar. Sim, mergulhar. O livro mostrava-me coisas nas quais eu nunca havia parado para notar, as pequenas coisas fazem muitas diferenças. Então minha mente começou a se inundar de possibilidades, eu passei a nadar sobre utilidades e oportunidades para fazer uso do que eu estava aprendendo. E assim decidi mergulhar, colocar aquilo em prática. Quando estava no 7º capítulo, levantei-me e fui até o móvel com o telefone. Peguei um papel e uma caneta e levei para o sofá. Eu queria anotar algumas coisas que me fizessem lembrar as lições aprendidas. -Não sobrecarregue tarefas. -Não cobre exageradamente. -Cuidado com as expectativas. -Respeite maneiras de agir e pensar. -Veja o que é bom para os dois. -Aja como gostaria que agissem com você. -Não responda com grosseria/ironia/sarcasmo ou sem pensar. -Ouça críticas sem se irritar. -Evite brigas. Cale-se e ouça. Se precisar saia do ambiente. -Note o humor. Saiba a melhor hora para falar de assuntos delicados. Havia passado duas horas. Nem parecia, porque eu estava bastante entretida no livro. ­ Mamãe? ­ Caio veio até mim coçando os olhos. 92 ­ Bom dia, querido. Dormiu bem? ­ perguntei depois de dar um beijo em sua bochecha. Ele balançou a cabeça dizendo que sim. Coloquei meu papelzinho marcando a página que eu estava lendo e guardei o livro na estante. ­ Vamos tomar café? ­ Ta bom. ­ disse ele bocejando. Arrumei a mesa e fiquei sentada perto do meu filho enquanto ele comia. Eu estava com mania de ficar cheirando ele. Suas roupinhas, o sabonete, o shampoo, o perfume, tudo dele tinha um cheirinho delicioso. ­ Mamãe, eu queria ir no parquinho. ­ Hmm... que tal de tarde? ­ Ta. ­ ele disse colocando um biscoito na boca. Depois limpei o bigodinho de leite que ele havia feito. Caio sorriu para mim divertindo-se mas depois ficou sério, pensativo. ­ Eu queria que o papai ficasse aqui comigo. Mas ele não gosta mais de mim, né? ­ Quê isso, meu filho?! Seu pai te ama muito. Ele só está trabalhando, vai voltar para casa. ­ Mas faz mó tempão que ele não vem aqui. Acho que nem lembra da gente. ­ Ele apoiou o queixo na mesa e fez biquinho. ­ Lembra sim. Disse esses dias que estava morrendo de saudade de você. Meu filho olhou para mim, fazendo carinha de choro. ­ Eu quero o papai. ­ falou chorando. ­ Venha cá, querido. ­ Abri os braços para ele. Caio desceu da cadeira e veio até mim, e eu o peguei no colo e o abracei, fazendo carinho em seus cabelos. ­ Ele vai voltar, meu amor, fique tranqüilo. E eu te amo muito, muito mesmo. Nós ficamos um bom tempo abraçados. Rafael nos fazia muita falta, no início eu nem tinha ideia do quanto. E... eu tinha conseguido mudar uma coisa. Sim... havia uma coisa diferente, eu estava expressando sentimentos. Era bastante raro eu dizer a alguém que o amo, eu sei, falar isso para filho pode ser uma coisa normal, mas para algumas pessoas até isso é um obstáculo. Algo que eu não costumava dizer ao meu marido, agora saia com a maior naturalidade do mundo. 93 Suspirei. Eu queria que o Rafa estivesse aqui para eu dizer o que sinto a ele. ... A tarde nós fomos ao parquinho. Apesar do frio, muitas crianças brincavam ali, por isso sentei-me num banquinho e deixei que meu filho se juntasse a elas. Tanta coisa tinha acontecido nesses últimos meses, a vida passou voando, estávamos quase no fim do ano. Amizades se foram, empregos se foram, meu casamento se foi. É... mas ainda dá jeito. Vai dar tudo certo, eu sei. Não esqueci da fórmula mágica do bom relacionamento. Eu a guardava com todo carinho no lado esquerdo do peito. Era de tamanho infinito, mas dava para encontrá-lo nos menores seres. Era profundo, mas dava para senti-lo perfeitamente. Era intenso, mas doce como um sorriso de uma criança. Essa é a fórmula do Amor. Uma promessa de que sempre nos amaria, estejamos nós em qualquer situação. O Senhor derramaria de Seu puro amor em nossas vidas, e assim seriamos novamente um. Rafael e eu. ­ Mamãe, mamãe, a Elisa ta aqui. ­ gritou Caio, muito feliz ao ver sua amiguinha vindo para o parquinho de mãos dadas com Douglas, o seu pai. Sorri para ele e fiz sinal para que fosse brincar com ela. Caio saiu correndo até os dois e deu um abraço na garotinha. Isso surpreendeu-me, meu filho nunca comportou-se assim. Mas foi uma gracinha! ­ Boa tarde, Mônica. ­ Douglas cumprimentou-me e sentou-se ao meu lado. ­ Boa tarde. Como está a Carolina? ­ Muito bem. Ela não pôde vir porque tem que corrigir alguns trabalhos. Quando é que vou conhecer o Rafael? ­ Talvez demore um pouco, ele vai passar mais um tempo numa cidade Inca. ­ Ah sim. A Carol ia te ligar hoje, ela e umas amigas estão formando um grupo de oração. Você quer participar? ­ Quero sim. ­ falei sorrindo. ­ É quando? ­ Não sei detalhes, mas peço para ela ligar para você hoje a noite. ­ Certo. Por um tempo ficamos olhando nossos filhos brincarem. Os dois estavam no escorregador. ­ Você e a Carol são muito diferentes? ­ puxei assunto. 94 ­ Mais ou menos. Temos muita coisa em comum. Mas ela não suporta o silêncio, e eu não sou de falar muito. ­ Ele riu um pouco. ­ Ela gosta de música lenta, eu prefiro as mais rápidas. Carolina adora andar de bicicleta, mas eu não abro mão da minha moto... Esse tipo de coisa é normal, já que ninguém é igual. Até rimou. ­ Douglas riu de novo. ­ Só que às vezes algumas atitudes que o cônjuge toma, nós não gostamos... ­ Mas tem coisa que dá para aprender pra que a relação seja harmoniosa. Por exemplo, ­ Ele pensou um pouco. ­ arrumar a cama depois de acordar, ajudar o outro a cuidar do filho, fazer arroz para o almoço. Falando nisso, reaprendi a cozinhar esses dias. Sorri para ele. ­ Rafael sabe fazer café. É um começo. Nós dois rimos. 95 18º capítulo: Retorno. Passaram-se três semanas. Eu e alguns amigos estávamos arrumando a casa de Rafael para fazer o aniversário de cinco anos do meu filho que seria hoje à noite. 18 dias antes eu havia pedido a ele que me deixasse fazer a festa ali e ele autorizou. Foi nesse mesmo período que eu, Carolina e sua amiga, agora minha também, Miriam começamos as reuniões de oração duas vezes por semana. Estava sendo edificante! Aprendi muito, aproximei-me do Criador, como a Carol O chama, e tirei lições que posso colocar em prática na minha vida. Rafael era meu alvo de oração. Eu pedia que o Senhor o protegesse, desse paz para seu coração e que ele O encontrasse. Seria uma alegria imensa se meu marido sentisse o mesmo que eu, o Amor inundando seu ser. ­ Onde quer que eu coloque a mesa? ­ Caleb, marido de Miriam e primo de Carolina, perguntou a mim. ­ Ali no meio, só que um pouco mais atrás, para a lâmpada não ficar em cima. ­ A festa seria na garagem, e se estenderia até o jardim, na frente da casa. Carolina e minha amiga Ana estavam arrumando os enfeites da parede. Miriam, Estela e Rosa estavam fazendo os docinhos e eu ajudava Caleb e Douglas a colocar os móveis nos lugares certos. Eu poderia ter encomendado um serviço de festa, mas meus amigos insistiram muito em ajudar-me, e acabaram vencendo. Só o bolo e a torta salgada foram preparados por uma amiga da Estela. Enquanto isso, meu filho estava na casa da minha mãe, no centro da cidade. Sabe quando você quer rir e nem sabe por quê? Eu estava passando por isso agora. Talvez seja pela presença de todo mundo aqui. É tão legal quando você tem amigos dispostos a te ajudar com alguma coisa, é tão legal quando todo mundo se diverte junto. Por exemplo, Douglas e Caleb fazem o serviço contando piada. As meninas lá na cozinha enrolam docinhos falando de novela, Carol e Ana recortam e colam enfeites enquanto dançam e louvam conforme a música que está tocando, e as duas adoram trabalhos manuais. Assim a vida até parece fácil. Mas para quê arranjar problemas e preocupações quando temos tanta coisa que aproveitar? A vida é boa, basta saber vivê-la. É isso que vou fazer. Viver bem. 96 Na festa viriam meus parentes, colegas de trabalho e amiguinhos da escola do Caio. Às sete horas já estava tudo arrumado. O aniversário começaria às oito. ­ Mamãe está bonita? ­ perguntei para Caio. ­ Muuuito! Bonitona. ­ Ele sorriu. ­ Ah é?! Então me dá um beijo. ­ Abaixei-me e indiquei com o dedo minha bochecha. Caio deu um beijinho e depois abraçou-me. ­ Te amo, te amo, te amo! ­ falei a ele. ­ Eu também. ­ depois acrescentou. ­ E o papai? "Opa." Pensei. ­ O que tem ele? ­ Ama o papai também? ­ Amo. ­ Eu também. ­ disse meu filho. Nós ficamos abraçados e sentados no chão do quarto do meu apartamento. Seria a primeira vez que Rafael não estaria conosco no aniversário do Caio. Eu gostaria que meu filho entendesse que ele estava ocupado trabalhando, mas talvez esse argumento não fosse tão bom. ­ Vamos meu amor, não queremos chegar tarde no seu aniversário, né? ­ Levantei-me e ajudei meu filho a se levantar. ­ É. ­ disse tristonho. Olhei-me no espelho para ver se o vestido que eu estava usando não tinha amassado e limpei o cantinho do olho que tinha borrado de maquiagem. Quando nós chegamos na casa vimos a calçada cheia de carros. Olhei no relógio, eram 7:32h. "Devia ter festa no vizinho também." Pensei. Atravessamos o jardim e ao chegarmos perto acenderam a vela do bolo e começaram a cantar parabéns. Caio ficou muito surpreso, até eu mesma, não sabia que haviam planejado isso. 97 Eu levei meu filho e nos aproximamos da mesa. ­ Vovó e Vovô. Mamãe, o vovô ta aqui. ­ Caio falou animado puxando meu vestido. ­ Onde, meu amor? Estava um pouco escuro e como tinha muita gente ficava difícil de ver. ­ Ali, "ó". No fundo da garagem, perto de um dos carros, estavam os pais de Rafael, Noel e Aurora. Meu filho apagou a vela, e acenderam a luz. ­ Vamos lá, mamãe. ­ Claro, querido. Vamos. Desci Caio da cadeira e o levei aos seus avós. Eles já estavam vindo ao nosso encontro até. ­ Oi, que surpresa, fico muito feliz em vê-los aqui. ­ Cumprimentei Aurora com dois beijos no rosto e Noel com um abraço. ­ Não podíamos deixar de vir no aniversário do nosso neto. Seria uma falta grave. ­ Noel disse a mim. Minha sogra pegou Caio no colo, ela costumava mimá-lo muito. ­ Tem notícias de Rafael? ­ perguntei, tentando parecer distraída. ­ Ele está bem. ­ falou Noel. ­ Que bom. ­ Dei um sorriso um tanto forçado. ­ Bom... eu vou dar uma voltinha por aí para ver se estão precisando de alguma coisa. Fiquem a vontade. Deixei meu filho com eles e fui à cozinha. A mulher que fez o bolo havia arranjado cinco pessoas responsáveis por servir na festa, mas por precaução decidi ver se queriam ajuda em algo. Eu estava atravessando a sala, um pouco escura, quando senti o cheiro de um perfume que eu conhecia muito bem. Alguém descia as escadas devagar. Senti meu coração acelerar e meus joelhos vacilarem. Não era possível, ele estava em viagem... 98 ­ Rafael? ­ chamei à meia voz. A pessoa parou no primeiro degrau da escada e demorou a responder. Eu devia tê-la assustado. Mas então ouvi uma voz grave e familiar dizer: ­ Olá, Mônica. Perdi totalmente a fala. Eu estava paralisada no meio da sala. Tudo o que eu via era aquela sombra tornando-se o homem que eu amava, ali, à única luz que vinha da cozinha, ainda distante de nós. ­ Quanto tempo... ­ ele disse parando na minha frente. Eu não sabia o que dizer. Era tanta coisa e nada saia. Rafael... aqui... agora! Minha cabeça girava. Era ele... meu amor. Não pude conter as gotinhas que caíram de meus olhos. Estiquei minha mão a fim de tocar em sua camisa, mas vi que ele olhava para o que eu estava fazendo e então me contive. ­ É você?! Meu Deus, porque não disse que viria? ­ Toquei-me que aquilo era real. ­ Não deu para avisar, foi do nada, cheguei quase agora, nem peguei o "parabéns para você" porque estava tomando banho. ­ Tudo bem. ­ Sequei minhas mãos um pouco suadas no vestido. O barulho que meu coração fazia era tão grande que eu mal ouvia a conversa e o barulho dos serventes na cozinha. Talvez pudesse ser tudo diferente agora. ­ Eu... eerr... você pode me dar um abraço? Por favor. ­ falei baixinho. Ele olhou para o chão por um instante e depois tirou as mãos dos bolsos e veio até mim envolvendo-me em seus braços. Senti meu corpo estremecer por um momento, fazia tempo que não me derretia naquele abraço tão confortável. Era como chocolate na boca derretendo, aquecendo-se. Deitei meu rosto em seu peito e limpei o canto dos olhos. Rafael fez carinho em minha bochecha quando viu que eu estava chorando. ­ Não me deixe sozinha mais. Ele não disse nada, só continuou afagando meu rosto. ­ Por favor. 99 Soltei-me de seus braços, passei as mãos em meu rosto e respirei fundo, tentando parar o choro. Quando voltei a levantar a cabeça seus olhos encontraram os meus e senti que era hora de dizer a verdade. ­ Não me deixe porque eu te amo, Rafael. Eu te amo muito. Seu rosto transmitia surpresa, não era todo dia que ele ouvia isso, pelo menos de mim. Mas ele não disse nada novamente, estava completamente parado, o lábio inferior preso pelos dentes. Ele não iria falar, eu sabia... Balancei a cabeça decepcionada, dei as costas para Rafael e saí chorando. Passei rápido pelos convidados que estavam perto da porta da frente e fui para o portão. "O que há Deus? Pensei que o Senhor havia tocado em seu coração..." pensei comigo. Sentei-me na calçada de frente para a casa. Eu me sentia rejeitada, como se tivesse feito papel de idiota. Eu devia ter percebido desde a primeira mensagem que ele não me queria mais, e agora com essa viagem pode ter notado que sem mim ele sabe viver muito bem. ­ Você está bem? ­ Ouvi uma voz meiga dizer. ­ Minha maquiagem deve estar terrível. ­ Não faz mal, amiga. Olhei para o lado e vi os cabelos ruivos e cacheados de Miriam, ela estava virada para frente olhando o céu. Depois girou o rosto para meu lado e sorriu, acentuando as sardinhas no nariz arrebitado. Era uma criaturinha minúscula, assim como eu. Além disso tinha um marido alto como o Rafael, bastante forte e bonito. Em beleza ele iguala-se à Carolina, sua prima. Os dois são descendentes de indígenas, tinham a cor da pele magnífica. Já Miriam era branquelinha como eu, Rafael e um pouco o Douglas e Estela. ­ Você sabe onde está o Caio? ­ perguntei a ela. ­ Está com um rapaz loiro, lá na garagem. ­ Rafael. ­ Aquele é o Rafael? ­ Aham. 100 ­ Mas ele não ia estar trabalhando? ­ Ele me disse que voltou agora pouco. Ela animou-se. ­ Então vocês já conversaram e tudo?! Hm... to gostando de ver. ­ Miriam... eu estava chorando. Acha que a conversa foi boa? Além de ser baixinha era distraída, tadinha. Bela combinação. ­ Era por isso...?! ­ disse baixinho. ­ Desculpa. ­ Tudo bem. ­ Soltei o ar dos pulmões. ­ Agradeço a você e a Carol por terem me dado uma força durante esse tempo em que estive separada, mas acho que não dá mais. Ela voltou a olhar para o céu. ­ Não desista ainda. Há solução. ­ falou. ­ Por mais que agora você não veja, o amor está aqui. Fiquei um tempinho pensando em nada. Então decidi olhar para o céu também. Foi aí que percebi que eram poucas as estrelas que eu conseguia ver, mas eu sabia que existia um monte delas. Eu não as via, mas elas estavam lá. 101 19º capítulo: Na alegria e na tristeza. A festa foi ótima, mas o clima entre eu e meu marido não era dos melhores. Não conversávamos praticamente nada, e se falávamos algo era sobre nosso filho. Os convidados, em sua maioria haviam ido embora às 11. Restaram apenas alguns amigos, meus pais e meus sogros, mas depois de um tempinho eles também foram para suas casas. ­ Mamãe, eu to com sono. ­ Caio disse coçando os olhos. ­ Certo. ­ falei a ele. Levantei os olhos e vi Rafael jogando a última garrafa de refrigerante no lixo. ­ Bom... dá tchau pro seu pai, querido. Ele fez uma careta. ­ Fazia um tempão que eu nem via ele, mamããe... ­ falou dengoso. ­ Quer ficar aqui? ­ Quero! ­ Rafael, você pode ficar com o Caio? ­ falei de forma mecânica, sem vida. ­ Claro. ­ disse limpando as mãos na calça vindo até nós. ­ Se quiser posso buscar as coisas dele no seu apartamento. ­ Não precisa, na mochilinha dele tem duas peças de roupa. Está em cima do sofá. Meu filho segurou minha mão e disse manhoso: ­ Fica aqui também mamãe. Tudo pareceu silenciar-se. Apesar de não fazer sentido, fiquei com muita vergonha na hora. ­ Não, querido. ­ Aaah... por quê? ­ Já disse que não, Caio. ­ Olhei brava para ele. Ele olhou para o pai. Preferi tentar lembrar onde havia deixado minha bolsa a ver o semblante de Rafael. ­ Caio, pode pegar minha bolsa ali em cima da mesinha? 102 Meu filho fez uma carinha triste para mim e seu pai, depois entrou em casa. Virei-me para o portão e esperei meu filho chegar para ir embora. ­ Não quer mesmo ficar? ­ Rafael perguntou. ­ Não. Prefiro dormir em casa. ­ Não esqueça que essa aqui também é sua casa. Olhei-o por cima do ombro com a cara fechada. ­ Só falta você dizer que somos amigos também, Rafael. Caio chegou com a minha bolsa. Abaixei-me e dei um beijo em sua bochecha. ­ Boa noite, filho. Durma bem. ­ Sonhe com anjinhos. ­ disse a mim. ­ Ta bom, querido. Levantei-me e estendi a mão para Rafael, que correspondeu o aperto de mão rapidamente. ­ Boa noite. ­ falei. Depois virei-me de costas e já ia descendo a rampinha até o jardim quando ele disse: ­ Acompanho você. ­ Não precisa, sei o caminho. ­ Eu insisto, Mônica. Filho entre em casa, papai já volta. ­ Ta bom. Nós dois fomos andando quietos até o portão, só escutávamos o "ploc-ploc" dos nossos sapatos no caminho de pedras no meio do jardim, os grilos, e o barulho de poucos carros na rua. ­ Boa noite mais uma vez. ­ disse eu abrindo o portão. ­ Não, espera. ­ O que é? ­ Por que está chateada comigo? Eu não fiz nada. Pensei um pouco. Eu não estava chateada, decepcionada seria a palavra correta. 103 ­ Esse é o ponto: você não fez nada. ­ Não estou entendendo. Virei para olhá-lo. ­ Nosso casamento acabou e você não fez nada. Rafael só ficou olhando-me, calado. ­ Não era importante para você? Pois para mim era, e continuava sendo até o momento em que te vi hoje. Mas agora... ­ Balancei a cabeça. ­ não acho que deva insistir nisso. ­ Eu... não sei. Não sei o que fazer. E acha mesmo que eu não me importava? Você era minha vida, Mônica. Era tudo para mim, mas aí nós brigamos e você se foi... ­ Me desculpa. ­ falei olhando para o chão. ­ Certo, eu desculpo. Mas e agora? Como estamos agora? Não tem como eu tomar uma atitude sabendo que a qualquer hora podemos discordar um do outro e você... pode fugir de novo. Levantei o rosto sentindo algo estranho. Fugir... eu já tive uma conversa sobre isso um dia. Compromisso... manter-se firme envolvida com um ideal. ­ Eu não vou fugir. ­ falei com convicção. ­ Quem garante? ­ ele sussurrou. ­ Minha palavra basta. Se estou falando que não vou desanimar com nenhum problema, é porque é verdade. Ele parecia pensar. Eu estava certa de que ele não ia falar nada até que me surpreendeu. ­ Então podemos tentar fazer isso dar certo? O casamento... fazer com que tudo ocorra como antigamente? Você... quer? ­ Rafael falou um pouco acanhado. ­ Não. Só quero nosso casamento se começarmos de novo e apagarmos o antigamente. Mas você tem que querer mudar também. ­ Eu quero. Essa frase fez meu coração frio, até aquele momento, pulsar forte como antes. Então o amor espera, era verdade. ­ Eu te amo. ­ ele disse bem baixinho. 104 Eu nem acreditava no que tinha acabado de ouvir. Ele aceitou... aceitou voltar para mim. Nosso casamento irá funcionar agora. Tive que esconder meu rosto em minhas mãos porque comecei a rir. Ele devia me achar maluquinha, começar a rir num momento desses... só eu mesma. ­ Desculpa. Às vezes fica fora de controle. ­ Eu sei. Te conheço bem, Mônica. ­ disse com um sorriso. Rafael não fazia noção de como eu adorava quando dizia meu nome. ­ Pode me dar um abraço? ­ perguntou. ­ Claro. Sorri para ele e o abracei. Senti chocolate derretendo novamente, era eu em seus braços. Eu adorava quando abraçava-me... quando fazia cócegas na minha barriga... quando sujava minha bochecha de leite condensado e ameaçava lamber... quando fingia saber fazer penteado no meu cabelo... quando soprava meu pescoço e fazia-me ficar arrepiada... quando pegava-me no colo... quando passava a pontinha do dedo em minha perna fingindo ser algum bichinho fazendo-me pular de susto e brigar com ele... Meu marido era uma gracinha. Engraçado como fui descobrir isso só agora. ­ Quer casar comigo de novo Rafael? ­ perguntei sorrindo, apoiando meu queixo em seu peito. ­ Quero. Mas só se for na alegria e ­ Ele frisou o ,,e ­ na tristeza. ­ Afagou meu rosto. ­ Fechado! ­ Combinado então, vou reservar uma igreja pra gente amanhã. ­ falou brincando e deu um beijo na minha testa. ­ Nem acredito que você está aqui comigo de novo. Espero não acordar amanhã e descobrir que tudo não passou de um sonho. ­ disse eu baixinho. ­ Se quiser posso manter você acordada a noite inteira. Dei um tapa no braço dele. ­ Pára de falar besteira Rafael, sou moça de família. Ele riu. 105 ­ Você que pensou besteira. Falei em ficar conversando a noite toda. Aqui na porta de casa, se preferir. ­ Sei... não nasci ontem. ­ Estreitei os olhos. Ele ficou olhando para mim com um sorriso malandro. ­ O que é? ­ perguntei levantando uma das sobrancelhas. ­ Você está vermelha. ­ Viu o que você fez?! ­ Tampei o rosto com as mãos. Rafael deu gargalhadas. ­ Tava com saudade de ver isso. Meu docinho com o rostinho corado. ­ Abraçou-me forte. ­ Seu bobo! Ele sorriu e deu um beijo estalado na minha bochecha. ­ Alguém me belisque. Isso é muito bom para ser verdade. ­ falei sorrindo. Rafael encheu-me de beijinhos cobertos de açúcar. É... isso só pode ser o Amor. 106 20º capítulo: Até que a morte nos separe. Pois é, aquilo não foi um sonho, meu marido havia voltado de verdade. O legal é que acontece quando menos esperamos. Incrível. Fui para casa na noite anterior e não me arrependi. Tive um sono ótimo e um momento maravilhoso com Deus. Agora, sempre antes de dormir, faço uma revisãozinha de tudo que aconteceu no meu dia, e é claro, a parte em que estive com o Rafa foi a mais comentada. Não me sinto só mais. Sou preenchida com o mais puro e imenso amor que jamais nenhum ser humano poderia me dar. Em vez de esperar e criar expectativas nas pessoas, procuro depositar minha confiança no Pai. É o melhor a fazer, e está ajudando-me a ser mais tolerante, já que ninguém é perfeito. Esse é um segredinho do bom casamento: tolerância. Isso não significa que se o seu cônjuge errar você irá deixar passar isso e "entender", o certo é dar uns puxõezinhos de orelha e depois de muita conversa desculpá-lo (outro segredo), pois somos falhos. A tolerância serve para aceitar o outro como ele é. Vamos iniciar uma semana diferente. Hoje de manhã Rafael ligou-me dizendo que quer me conhecer de novo. Falou que vai fazer o possível para mudar as atitudes negativas e que tinha um presentinho para mim. ­ Até mais. ­ falei. ­ Até. Te amo, viu?! ­ meu marido disse. ­ Também amo você. Almoçaríamos juntos hoje. Uma refeição em família, acho que não tem coisa melhor. Levantei-me da cama e dei uma bela espreguiçada. A cortina da janela do meu quarto bailava ao som do dia lá fora, tudo tão primaveril e gostoso. Andei até a sacada e senti o cheiro da manhã misturado ao café passado naquela hora que vinha da padaria de frente ao meu prédio. Olhei para o céu, estava num azul muito lindo, com algumas nuvens espessas, branquinhas como algodão. ­ Obrigada Deus, por estava beleza toda que criaste. ­ falei como se fosse uma saudação matinal. Eu tinha um amigo. Um amigo eterno. 107 Sorri com a idéia. Entrei no quarto, arrumei a cama e fui separar algo para eu vestir, daqui a duas horas e meia Rafael me pegaria em frente ao prédio para almoçarmos. Tirei do guarda-roupa um vestido de alças finas, com decote pequeno em V, verde com flores verdes claras na barra e que vinham até metade da coxa. Separei também uma sandália marrom de tiras com strass e salto Anabela. Algumas poucas pulseiras e um par de brincos. Liguei o rádio, coloquei um cd e fui tomar café da manhã, dançando pela casa. Devíamos ir devagar. Superar cuidadosamente toda e qualquer desavença. Sei que as coisas que eu disse a ele saíram da pior forma possível, então eu deveria ser cautelosa, não queria magoá-lo novamente, porque o amo. Por minha barriga algumas borboletas quiseram passear. Um friozinho gostoso de primeiro encontro estava chegando até mim à medida que as horas passavam. Comecei a ensaiar um pequeno discurso sobre o carinho que sentia por ele, mesmo sabendo que quando o abraçasse esqueceria tudo. Esse era o efeito que o abraço de Rafael conseguia provocar em mim: esquecimento. Ali era o lugar perfeito, onde eu sempre queria estar, nada mais importava. O interfone tocou e eu fui atender. ­ Dona Mônica, o Seu Rafael ta te esperando no saguão. ­ o porteiro, um senhor de idade avançada, disse a mim, quando chegou a hora. ­ Já estou descendo. Peguei minha bolsa em cima do sofá, dei uma última olhada no espelho e saí do apartamento em direção do elevador. Meu coração estava batendo loucamente quando o aparelho eletrônico indicou que eu havia chegado ao térreo. Assim que a porta abriu, eu vi o Rafa conversando com o porteiro. Estava com um blusa azul de listras na vertical, uma calça jeans escura e um perfume familiar que inundava o lugar. ­ Ela chegou. ­ o senhor avisou a ele. Meu marido virou-se para trás, e quando me viu deu um enorme sorriso. Caminhou até mim, já na metade do percurso, e me cumprimentou com alguns beijinhos na face. ­ Dormiu bem? ­ perguntou a mim. 108 ­ Sim. ­ Sorri para ele. ­ E você? ­ Prefiro não comentar. ­ ele falou rindo, quando estávamos saindo do prédio. ­ Caio te deu trabalho? ­ Que nada! Depois de tomar leite dormiu a noite toda. ­ Ele abriu a porta do carro para mim. ­ Faltou você lá. ­ Oi mamãããe. ­ meu filho falou. ­ Oi querido. ­ Dei um beijo em sua testa. Rafael deu a partida no carro. Nós fomos a um restaurante muito bom quase na saída da cidade. Fazia tempo que não comia num ambiente tão agradável. Depois do almoço nós passeamos na cidade vizinha, um lugar encantador. De tardinha passamos na casa dos meus pais e tomamos o café da tarde lá. ­ Podíamos sair só nós dois hoje à noite, o que acha, Mô? ­ Estávamos voltando para casa quando Rafael sugeriu. ­ Claro. ­ Mas e eu? ­ Caio nos perguntou. ­ Quer ficar na casa da vovó Aurora, filho? ­ meu esposo falou. ­ Vai demorar muito? ­ Não, só vamos jantar e conversar um pouco. ­ Ta bom. Rafael nos deixou em casa pouco antes das seis da tarde. Eu e Caio tomamos banho e fomos descansar um pouco, já que tínhamos andado bastante a tarde. Às oito eu iria deixar meu filho com a minha sogra e depois jantar fora. Ainda estava acordada, pensando na vida, quando meu filho subiu na cama e deitou ao meu lado. ­ A gente vai morar junto agora? ­ perguntou. ­ Talvez daqui uns tempinhos. ­ Mas por quê? Você e o papai não estão bem agora? ­ Precisamos de um tempo para colocar tudo em ordem, meu amor. ­ Olhei para ele sorrindo. ­ Gente grande é tudo esquisito. 109 Ele riu. Já estava em cima da hora quando acordamos. Tivemos que nos arrumar rapidinho para não chegarmos tão tarde. ­ Se precisar de alguma coisa não hesite em ligar. ­ falei a Aurora, já ligando o carro. ­ Está bem. Dei tchau ao meu filho e a ela. Fui pegando o máximo de atalhos que eu sabia para chegar à casa de Rafael mais rápido. Quando parei o carro notei que ele estava sentado em frente à casa. ­ Me desculpe, perdi a hora. ­ Pensei que havia mudado de ideia. ­ Ele entrou no lado do carona. ­ Olhe para mim, deixe eu te ver direito. Virei para ele e dei um sorriso um pouco sem graça. ­ Hm... está muito bonita. ­ Não deu tempo para caprichar na maquiagem. ­ falei. Ele riu. ­ Pra quê isso? Não precisa gastar tanto tempo se arrumando, para mim você sempre está linda. ­ Acha mesmo? Fico bonita até despenteada e com cara de sono? ­ falei brincando. ­ Sem dúvida. ­ Deu um sorriso. Foi a minha vez de rir. ­ Homem quando quer agradar é capaz até de passar por cima dos seus princípios. ­ Nós dois rimos quando eu disse isso. ­ O que não fazemos por nossas princesinhas...? ­ Hm... Quanto será que isso tudo vai me custar? ­ eu disse batucando no volante. Ele fingiu não ouvir, pigarreou e disse: ­ Pra não ficar muito tarde, é melhor conversarmos no restaurante. ­ Tuudo bem. Rafael explicou-me onde ficava e então nos dirigimos para lá. 110 Demorou cerca de meia hora para chegarmos, mas valeu à pena. Eu quase havia me esquecido daquele restaurante, foi onde meu esposo me pediu em casamento. Era um lugar aconchegante, decorado de forma modesta mas deliciosamente romântico. Ao entrarmos logo reconheci a melodia que estava sendo tocada no piano, era Somewhere in time, composta por John Barry. Sentamo-nos perto de uma das janelas de madeira, do lado de fora tinha plantadas algumas flores. Um garçom trouxe-nos o cardápio e eu e Rafael escolhemos o que comeríamos. ­ Algo para beber? ­ perguntou a nós. ­ O que acha de um Merlot? Não, melhor, um Vinho do Porto. Está bom para você, querida? ­ Rafael falou. Olhei para mesa por um instante e depois voltei os olhos para Rafael e balancei a cabeça. ­ Eu... parei de beber. ­ Hã? Como...? Ta... ­ disse baixinho a mim, depois falou com o garçom. ­ É... Vamos resolver depois te chamamos. ­ Certo. Um tempo depois ele pareceu não agüentar-se e perguntou: ­ Não bebe mais vinho? Por quê? ­ Estou indo a igreja agora. ­ Sorri para ele. ­ Ah... Mas porque não pode? Não vai ficar bêbada, é só um acompanhamento. ­ Não preciso mais disso. ­ falei, e ele suspirou. ­ Já que é assim, não vou beber nada aqui também. ­ Sorriu para mim e segurou minhas mãos. ­ Estou tão feliz por você estar comigo, não sabe o quanto sofri quando estive longe. Parecia que faltava algo, metade de mim não tinha mais vida... ­ Você também me fez muita falta. ­ Entrelaçamos nossos dedos. ­ Descobri que amo muito você, Rafael. ­ Também amo você, meu amor. Ele segurou meu rosto e me trouxe para mais perto de si. Quando ia, finalmente, dar-me um beijo nos lábios vimos o garçom que estava chegando 111 perto de nossa mesa dar meia volta, todo desajeitado segurando a bandeja com os nossos pratos. Nós rimos e pedimos que ele voltasse. O jantar foi muito divertido, tínhamos tanta coisa para contar um ao outro, tipo quando ele aprendeu a fazer ovo frito com os colegas arqueólogos, ou quando eu tentei, sem sucesso, trocar o pneu do carro. Depois de acabarmos de tomar uma garrafa de refrigerante e darmos boas risadas fomos para o estacionamento, estava tarde e eu precisava pegar o Caio. Mas passaria primeiro na casa do Rafa, que era mais perto. ­ Preciso te entregar uma coisa. Vem comigo. Saímos do carro e entramos em sua casa. Atravessamos o jardim, ele pegou a chave do bolso e abriu a porta. ­ Espera só um instante. ­ disse a mim. Sentei-me no sofá enquanto ele subia rápido a escada. Minutos depois estava de volta com um embrulho nas mãos. ­ É seu. ­ Estendeu a mão entregando a mim. ­ O que é? ­ Nada muito importante, mas não queria que olhasse agora. ­ Ele impediu que eu abrisse. ­ Não é muito bacana, sabe?! ­ Assim você me deixa curiosa. ­ falei sorrindo, mas ele não estava com um semblante feliz. ­ O que foi, Rafael? ­ Eu sei que não fui um ótimo marido. Eu precisei apanhar muito da vida para aprender grandes lições. E em relação a você... só espero que me perdoe. ­ O que tem aqui dentro? ­ falei séria. Ele olhou para o chão e depois para mim. ­ Seu diário. 112 21º capítulo: Final. Estava com ele, como pensei. Senti-me imensamente envergonhada, tentei sair da casa mas ele não deixou. As coisas que eu escrevi ali... meu Deus, são terríveis! Ele tinha todo o direito do mundo de jogar tudo na minha cara, de não olhar mais para mim. ­ Me desculpa... eu não queria ter escrito tudo isso. Você não devia ter lido. ­ falei olhando para o chão. ­ Não, Mônica. Eu tinha que ler. Olhei-o para tentar descobrir o que se passava em sua cabeça. ­ Tem tanta coisa que eu não queria ter feito. ­ falei com lágrimas nos olhos. ­ Fui uma idiota fazendo tanto mal a você. Eu... ainda estou aprendendo, gostaria que você tivesse paciência comigo. ­ Você não está sozinha nessa, eu também fiz muita coisa errada. Mas sabe... apesar de tudo, eu não conseguiria continuar vivendo se não te pedisse desculpas. ­ Ele segurou meu rosto com as duas mãos. ­ Apesar de toda dor, toda dificuldade, toda briga... você me perdoa? Comecei a chorar. Eu já o havia perdoado, só precisava dizer pessoalmente, mas era difícil exteriorizar. Rafael abraçou-me e fez carinho em minhas costas para que eu parasse de chorar. Deve-se ter muita coragem para quebrar o orgulho e perdoar, e ainda mais coragem para pedir perdão. Senti um calor em meu ser. Eu precisava dizer... porque o Amor estava comigo. Reuni forças e disse a ele: ­ Rafa, eu... perdoo você. ­ Sequei o rosto. Soltei-me de seu abraço para conseguir olhá-lo. ­ Você me perdoa também? ­ Perdoo, meu amor. E prometo nunca deixar você. ­ Ele beijou minha testa. ­ Também prometo. Fiz carinho em seu rosto. Ele segurou minha mão e deu um lindo sorriso para mim e secou uma lágrima que havia caído de seus olhos. Depois, com a outra mão, enlaçou minha cintura, trazendo-me para mais perto. Conduziu meu rosto para mais próximo ao seu, abraçou-me, sentindo o aroma de meus cabelos. Suavemente esfregou a bochecha em meu rosto, fazendo a forma de afago 113 que mais gosto. Sussurrou "eu amo você" de forma que seus lábios roçaram nos meus, e então beijou-me. A noite era nossa música ambiente. O som do vento nas árvores, dos carros lá fora, do meu coração acelerado. Seu beijo tornou-se longo e quente, a medida que a hora avançava. A saudade de seus carinhos inundaram-me. Novamente eu sentia-me segura em seus braços firmes. Seriamos um só como antes. A doçura de seus beijos faziam-me derreter, envolviam-me de tal forma que o tempo agora pareceu parar. Éramos dois jovenzinhos descobrindo o amor genuíno, aquele que não precisa de um entrelaçamento de corpos para se saber que existe, mas sim um olhar cheio de ternura e cumplicidade. Eu o amava. Simplesmente. ­ Está tarde. ­ falei baixinho, desencostando a cabeça de seu peito. Estávamos abraçados de pé no meio da sala. ­ Caio deve estar impaciente. Ele acenou com a cabeça concordando. Fui até o sofá e peguei o diário, eu planejava jogá-lo fora quando chegasse em casa. O passado devia ser enterrado. Rafael acompanhou-me até meu carro. ­ Boa noite. ­ disse a mim depois de afagar meus cabelos. Olhei bem para ele, meu esposo também olhou para mim tentando saber o que eu planejava. Sorri com um pouco de malicia então ele começou a rir. ­ Depois diz que eu é que penso besteira. ­ ele falou sorrindo, destrancando o carro. Alguns minutos depois estava na casa de Aurora. Caio dormia profundamente, então carregá-lo não o acordaria. Cheguei em casa, o vesti com pijama e coloquei-o com cuidado em sua caminha. Liguei o seu abajur e saí do quarto, guiada até o corredor escuro por aquela luzinha fraca do quarto de meu filho. Embora estivesse escuro não vacilei em ir até o final do corredor. Então um sorriso iluminou meu caminho, e sua mão segurou a minha de forma delicada e amiga. ­ Mônica, eu... ­ Rafael falou, mas antes de prosseguir com sua frase coloquei o dedo indicador em frente aos seus lábios, então passei meus braços em volta de seu pescoço e beijei-o. 114 Suas mãos envolveram-me num abraço e fizeram carinho em minhas costas. Meus dedos enroscavam-se em seus cabelos dourados perto da nuca, e eu tentava manter-me nas pontas dos pés para alcançá-lo. Valsamos pela casa, cantamos a luz do luar. Compartilhamos versos... Sorrisos... Confissões... Lençóis. A luz que entrava pela greta da janela e iluminava as cortinas anunciou que o sol já estava ficando alto. Uma onda de preguiça percorria meu corpo, eu não estava muito a fim de levantar da cama. Estiquei-me um pouco num meio espreguiçar, virei-me, deitando do lado oposto ao que eu estava, recoloquei no lugar a alça de minha camisola que havia escorregado de meu ombro com o movimento e puxei o edredom para cobrir-me melhor. Ao meu lado repousava um cavaleiro. Ele costumava lutar contra dragões, bruxas e outros vilões só para chegar ao castelo onde eu estava presa. Usava uma armadura que se misturava a cor da sua pele, era polida e bem definida. Não precisava de armas para lutar, usava apenas suas mãos e seus fortes braços, e assim vencia a todos. O cavaleiro amava-me, de forma que todas as noites lutava para chegar aos meus sonhos... Com minha mão esquerda acariciei seu rosto, Rafael mexeu-se um pouco e abriu os olhos devagar. Era maravilhoso olhá-lo novamente. Ficamos assim durante um bom tempo. ­ Dormiu bem? ­ perguntou com a voz rouca e baixa. ­ Sim. ­ respondi no mesmo tom. Ele sorriu, tirando uma mecha de cabelo da frente do meu rosto. ­ E você? ­ Também. ­ Deitou-se de barriga para cima, dobrou uma das pernas e espreguiçou os braços. Depois olhou para mim e riu, ao perceber que eu me deleitava em vê-lo ali. ­ Mamãe? ­ Caio apareceu na porta, instantes depois. ­ Bom dia, meu amor. ­ falei a ele. 115 Rafael apoiou o cotovelo na cama para sustentar o corpo e chamou Caio para ficar junto de nós. Ele abriu um enorme sorriso e pulou na cama em cima da gente. ­ Papai, você vai morar aqui? ­ perguntou. ­ Não, Caio. ­ Rafael respondeu. ­ Você e a mamãe vão morar lá em casa de novo. ­ Bagunçou o cabelo do nosso filho, que deu-nos um abraço animado. ­ Aí eu vou ter um irmão? Eu e o Rafa entreolhamo-nos. ­ Vamos com calma, querido. Há tempo para tudo. ­ falei um pouco sem graça. ­ Aaah... ­ Ele fez uma careta. ­ E um cachorrinho, eu posso ter um? ­ Que tal um peixe? ­ Rafael disse. ­ Eu não tenho cara de peixe. ­ Caio falou a ele cutucando suas bochechas. ­ Eu queria um cachorro. Sei fazer que nem o cachorrinho, ,,ó. ­ Ele começou a imitar um latido de cachorro e engatinhar em cima da cama. ­ Aí quando a mamãe brigar comigo eu vou fazer assim ,,Ain, ain, ain... Nós rimos. ­ Podemos pensar, filho. ­ Rafael falou sentando-se. ­ Ta bom. ­ O telefone tocou. Caio ficou alerta e levantou-se. ­ Aí daqui a pouco vocês me falam,viu?! ­ Foi correndo para sala atender. Rafael levantou-se e foi para o banheiro do quarto. Assim que ele saiu, com a mesma roupa que havia usado ontem, eu entrei para escovar os dentes. Amarrei o cabelo num rabo-de-cavalo, lavei o rosto, coloquei um pouco de creme dental na escova e comecei a escovar os dentes. ­ Você vai mesmo morar lá em casa, né?! ­ Rafael perguntou da porta do banheiro. Fiz uma cara de ,,quem sabe?!. Então ele fez um biquinho com os lábios que me fez rir. ­ O que faço para você mudar de ideia? ­ ele disse. Lavei a boca enquanto pensava numa resposta. Levantei o rosto para pegar a toalha e Rafael já estava ao meu lado entregando-a a mim. ­ Obrigada. ­ falei secando as mãos. 116 ­ E então? ­ Hm... quem sabe, se você fizesse um bolo de cenoura com cobertura de chocolate no capricho, ­ falei com um sorriso enorme ­ depois eu até fugiria com você, se quisesse. Ele riu. ­ Então isso vai ser fácil. ­ ele disse. ­ E você sabe cozinhar? ­ Oras... você falou para eu fazer, não disse que tem que ficar gostoso. ­ Aaah... não vale! ­ Cruzei os braços e fiz biquinho também. Ele estendeu as mãos e apertou minhas bochechas, fazendo-me sorrir. ­ Então ta, mas você vai ter de me ajudar. ­ falou fazendo cócegas em mim. Saí correndo do banheiro e ele foi correndo atrás. Demos a volta na mesa da cozinha, esbarramos nos móveis pela casa, estava tão divertido que nem percebemos a bagunça que a casa ficou. ­ Segure ela, filho. ­ o Rafa falou pro Caio. ­ Não, querido, nãão. ­ Os dois encurralaram-me no sofá e puseram-se a fazer cócegas em minha barriga. Comecei a chorar de tanto rir. Minutos depois eu já estava quase morta de cansaço. Sendo assim, deixaram-me descansar no sofá enquanto Rafael preparava o café da manhã. Eu respirava ainda com dificuldade, ria e tossia de vez em quando, e meu maxilar estava doendo. Fechei meus olhos até sentir meus pulmões movendo- se devagar. ­ Tudo bem com você? ­ Rafael sentou-se na beirada do sofá. ­ Aham. ­ Tossi um pouco e abri os olhos. Ele abraçou-me, deitando metade do corpo sobre o meu, pois permanecia sentado. Seu rosto repousou em meu peito e sua mão direita fez carinho em meu ombro. Depois ele sentou-se direito novamente e deu um beijinho em minha testa. ­ Amo você, Rafa. ­ falei sorrindo. ­ Eu também, meu docinho, ­ ele disse acariciando meu rosto com as costas da mão. ­ e prometo te amar para sempre. ­ Promessa é dívida, heim?! 117 Sorrimos um para o outro. ... Alguns meses depois Rafael começou a dar aulas para o curso de arqueologia na universidade da cidade vizinha e nos finais de semana conseguiu voltar para o baseball, atuando como treinador. Também começou a freqüentar a igreja junto comigo e o Caio, vindo a entregar sua vida a Jesus e no fim do ano nós dois nos batizamos. Foi nesse mesmo período que eu descobri o diário que ele havia entregado a mim dentro de uma caixa no guarda-roupa, e antes de jogá-lo fora abri por curiosidade e encontrei em suas páginas diversos pedidos de desculpas escritos pelo Rafa no tempo em que estava em Machu Picchu. É... e como disse o apóstolo Paulo na carta aos Coríntios ,,Quem ama é paciente e bondoso. Quem ama não é ciumento, nem orgulhoso, nem vaidoso. Quem ama não é grosseiro nem egoísta; não fica irritado nem guarda mágoas. (...) Quem ama nunca desiste, porém suporta tudo com fé, esperança e paciência. O amor é eterno." 118 Epílogo "Eu e a minha casa serviremos ao Senhor." Li a última frase da revista da escola bíblica. Fechei e coloquei-a em cima da mesinha da sala. Adoro as manhãs de outono, o vento fresco que desce da colina e enche a casa de perfume torna tudo mais delicioso, como floquinhos de açúcar... Eu e Rafael estávamos comemorando nosso aniversário de 10 anos juntos, fora do país. Hospedamo-nos numa casinha nas montanhas, fornecida por uma tia minha que morava não muito longe dali. Acordei cedo hoje para ver o nascer do Sol. Foi lindo. Às vezes fico pensando em como tudo isso foi criado... é fantástico! Só podia ser obra do Amor mesmo. Sorri, sentando-me na escada que dava para o jardim na frente da casa de madeira. Fechei os primeiros botões do meu casaco de frio, ainda era bem cedo. Resolvi ficar observando o céu, que estava cheio de riscas de nuvens e num tom azul incrível. Em pensar que com apenas algumas palavras o mundo veio a ser feito... Olhando para trás arrependo-me de ter perdido tanto tempo longe Dele. Tenho certeza agora que largaria tudo para ter um momentozinho como esse a sós com Deus. Ele tornou-se a fonte de minhas alegrias, a base de minha vida, a aliança que me liga ao meu esposo, o amigo que aconselha, que dá puxões de orelha, que ensina o que fazer. Ele é o meu tudo, minha razão de viver. O Amor. Fim. 119 O tempo Como você pode notar leitor, um grande fator presente nesta história foi o Tempo. Mônica é uma típica pessoa que mantêm-se ocupada boa parte do dia e vê o tempo voar. Isso acontece com todos nós, geralmente dizemos ,,Nossa, como o dia passou rápido, ,,Não tive tempo para fazer tudo o que precisava, ou ,,O que foi que eu comi ontem mesmo?. Isso é um problemão! Não tem haver com problema de memória, está mais para desatenção. Simplesmente as lembranças não se fixam em sua mente por você não dar a devida importância a elas. Quem presencia isto frequentemente deve-se lembrar que a vida é curta para vê-la passar tão rápido frente a seus olhos. Portanto: Viva intensamente! Seja feliz. Aproveite cada pedacinho do dia, cada momento junto à pessoa que você ama. Registre tudo aquilo que você gostaria de poder lembrar daqui a 10 anos. Tire fotos, escreva diários (sobre coisas boas), bilhetes, recados, mande cartas aos seus amigos, mas se preferir pode ser email também. E sorria sempre, pois o melhor da vida é viver! Prii. 120 Agradecimentos Ah... o Amor... Gostaria de agradecer ao meu Criador por ter me dado o privilégio de escrever esta história e por me permitir continuar escrevendo. Por sempre apresentar-me as ideias e fornecer inspiração nos momentos mais diversos. Agradeço também a minha família, aos amigos que leram esta história enquanto ela estava sendo construída e que demonstraram ter muita paciência e jogo de cintura para me aturar falando da obra o tempo todo. =P Às pessoas que agora tem em mãos ou em tela esta história, o meu mais sincero obrigado. Espero que você tenha aprendido um bocadinho com aquilo que foi escrito aqui e gostado. 121