Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa Naasom A. Sousa Do Deserto ao Oásis Edição Letras Santas © Copyright - 2001 by Naasom A. Sousa www.letrassantas.hpg.com.br Foto capa: Jerry N. Uelsmann 1 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa Este é dedicado aos meus pais: Lisbênia Melo, Manoel Sousa e Everaldo Leite, Eu os amo muito. Ele converte o deserto em lagos, e a terra seca em fontes. Salmos 107:35 "Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo." Mateus 16:33 2 Prólogo Estava a escovar seus cabelos desgrenhados, olhando-se no espelho, os olhos cobertos por um manto negro invisível, de onde apenas no mundo espiritual se podia enxergar o vazio que existia neles naquele momento tenebroso. Ela vestia apenas peças íntimas no momento e preparava-se para sair noite afora. O aperto no coração parecia querer sufoca-la e por alguns instantes até conseguia. Sabia exatamente como estava se sentindo: um verdadeiro "lixo" e não agüentava mais viver daquele jeito. Enxugou as lágrimas da face e resolveu se recompor. Atitude vã. Elas pareceram rolar dos olhos mais fortes do que antes e então começou a soluçar. Debruçou-se sobre a penteadeira de mogno e chorou amargamente. -- Não dá mais pra agüentar! Não dá mais... Os balbucios eram abafados e entrecortados. Levantou o olhar para o espelho e contemplou sua imagem débil. Era algo que desesperador ver-se daquele jeito. Passou as mãos novamente pelas faces e olhos, suspirou profundamente e pegou uma folha de papel e uma caneta. Agora uma expressão de decisão tomou forma em semblante. Não pensou muito para começar a escrever as primeiras linhas: Não sei como começar a escrever e expressar a dor e angústia que sinto no profundo do meu coração, pai. Apenas sei que desde a chegada de Helena não temos sido mais os mesmos; a minha vida não tem sido mais a mesma, pelo contrário, tem sido um verdadeiro inferno. Principalmente pelo fato de nada dar certo para mim. Primeiro mamãe, depois você, depois Clarice, meu emprego, meus sonhos, e, por fim, Jacó. Estou no fundo do poço, de onde sei que não tenho forças para escalar as paredes e sair. Sinto-me agora como a única passageira de uma nave espacial rumo ao desconhecido. Espero encontrar algo bom no novo mundo. Michelle 3 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa Ao terminar de assinar seu nome, uma lágrima solitária rolou dos olhos e caiu no papel como um ponto final. Vestiu a calça de couro e a blusa de seda pretas, calçou as botas longas e saiu da casa sem olhar para trás ou reconsiderar. Pegou um táxi e distanciou-se dali determinada a não retornar novamente. -- Para aonde, moça? -- perguntou o motorista. -- Apenas dirija, meu senhor. Apenas dirija. ******** A chave girou na fechadura e então a porta se abriu. Sérgio Mendes entrou primeiro e então segurou a porta para Helena, sua esposa grávida, entrar logo após. Helena deitou-se no sofá da sala enquanto Sérgio trancava a porta. Pálido, o cãozinho pequenez da família recepcionou os dois balançando o rabinho para lá e para cá sem parar. Sérgio não lhe deu nenhuma atenção, no estava preocupado com a filha. Algo o avisava que algo estava errado com ela. -- Já que está tão preocupado com Michelle, porque não fala com ela de uma vez? Chame-a para uma conversa. Se for preciso vou para a casa de meus pais por alguns dias. Você sabe que o que quero é que todos nós sejamos unidos. Sérgio se ajoelhou perto da esposa e beijou-a. --Você é um amor, Helena. Pena que Michelle não consiga enxergar isso. Acho que você tem razão. Vou falar com ela. Ele se ergueu e caminhou para o quarto da filha. Bateu na porta antes de entrar. -- Michelle? Estou entrando. Entrou no aposento e momentos depois o gemido que deu chamou a atenção de Helena que foi ao seu encontro. Ao passar pela porta, viu Sérgio sentado à cama segurando um papel na mão, os olhos repletos de lágrimas. Ele mordia os lábios e parecia estar relendo o que estava escrito. Por fim gemeu mais alto e clamou: -- Oh, meu Deus, não! Não, Michelle! Não... Helena estava assustada e confusa com a cena. Pegou a folha das mãos do marido que chorava e a leu enquanto Sérgio balbuciava: -- Ela vai se matar, Helena... Ela vai se matar... Ao terminar a leitura do bilhete pela terceira vez Helena indagou: 4 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa -- Concordo que ela está passando por uma fase muito complicada e dolorosa e que devemos nos preocupar e procura-la urgentemente, mas aqui não está escrito que ela irá dar cabo da própria vida. Não podemos chegar ao extremo desse jeito e supor uma coisa dessas... Sérgio interrompeu-a. -- Eu tenho certeza do que estou falando, Helena... Eu estou certo de que ela irá cometer essa loucura! -- Mas por que... como você tem essa certeza... Sérgio meneou a cabeça tentando lutar contra algo tão óbvio para ele. Declarou quase num sussurro: -- A parte em que ela escreve: "Sinto-me agora como a única passageira de uma nave espacial rumo ao desconhecido. Espero encontrar algo bom no novo mundo", Catarina, a mãe dela, disse esta mesma frase para nós no leito do hospital minutos antes de morrer de câncer. -- Oh, Jesus Cristo, tenha misericórdia! -- exclamou Helena. -- Vamos sair a procura-la, rápido! Quem sabe podemos encontrá-la em algum lugar com a ajuda de Deus. Sérgio apoiou os cotovelos nas coxas e escondeu a cabeça entre as mãos. -- Temo que possa ser tarde de mais, Helena, não sabemos há quanto tempo ela saiu de casa. Temo que numa dessas já seja tarde demais -- dito isto ele pranteou com um terrível aperto no coração. ******** Após o táxi ter dado quase que uma volta completa em toda a cidade o motorista quis saber já impaciente: -- Desculpe, moça, mas já estamos rodando a duas horas e não sei ainda para aonde vai... -- Me deixe ali -- disse ela friamente apontando para um bar logo à frente. O motorista freou em frente ao bar e voltou-se para olhar bem para Michelle. -- Desculpe-me mais uma vez, mas tem certeza que é aqui onde vai ficar? Conheço esse lugar e... acho que não é um bom lugar para ficar à noite. 5 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa Michelle fitou-o por um momento e estudou sua fisionomia. Para um motorista de táxi até que ele era novo. Aparentava ter uns vinte e cinco anos, mais parecia um ator de cinema ou algo parecido do que com o que era realmente, um taxista. Antes de abrir a porta entregou-lhe a quantia que mostrava o taxímetro e falou: -- É a primeira vez que conheço um motorista que quer ser psicólogo. Se eu não quisesse vir para cá não teria lhe pedido, por isso não se incomode comigo. Ela saiu. O motorista abriu a porta e também deixou o carro. -- Espere! -- chamou ele. -- Você está bem? Parece estar um... um tanto... fora de si. -- Ora, quem é você? Dá o fora daqui e me deixa em paz! Michelle deu as costas para ele. -- Espere, por favor! -- arriscou mais uma vez. Michelle voltou-se para ele novamente. O motorista continuou: -- Sei que talvez isso seja estranho pra você, mas... você foi minha última corrida desta noite e não tenho mais nada programado. -- O que você quer? Quer ser minha companhia? Está me cantando? O motorista ficou calado diante da pergunta. Michelle apontou para o táxi. -- Vá embora. Pegue seu carro e se manda. Quero ficar sozinha. Não quero ninguém perto de mim, entendeu? Deixou o motorista só, em pé a olha-la e entrou no bar. O lugar era de quinta, mas ela não estava nem aí. Havia algumas mesas espalhadas pelo recinto, algumas mesas de bilhar também. O ambiente era enfumaçado pelo grande número de cigarros acesos ali. Levou a mão ao bolso da calça e acrescentou mais fumaça no local acendendo o seu baseado. Enxergou por entre a cortina de fumaça um balcão mais ao fundo. Caminhou até lá e pediu um Martine, voltou atrás e pediu algo mais forte. Bebeu de um gole só. Mandou o barman que repetisse a dose. Um homem sentou ao seu lado. Ela não olhou para ele. Estava ocupada demais para se preocupar com qualquer coisa senão com a sua própria vida... ou sua própria morte. Refletia em como iria desaparecer da Terra. Até que a voz do homem que sentara ao lado se fez ouvir: 6 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa -- Uma cerveja bem gelada, por favor. Michelle ergueu o sobrolho e olhou para ele rapidamente. -- Não acredito nisso! -- esbravejou ela ao ver que o motorista de táxi estava ali. -- Você é muito teimoso, cara! Qual é a tua, hein? Ele deu de ombros e respondeu: -- Eu estou apenas passando o tempo e procurando alguém pra conversar, só isso. Você me pareceu alguém que tem bastante coisa pra trocar idéias, então aqui estou eu. Michelle meneou a cabeça, não acreditando no que acabara de ouvir. -- Como é o seu nome, cara? -- Marcelo. Marcelo Veras. E o seu? -- Isso não importa. O que importa agora é que não quero a companhia de ninguém. Quero ficar sozinha, entendeu, Marcelo? -- disse ela antes de virar o copo mais uma vez. -- Sim, mas ainda acho que não devo obedecê-la. Sinto que você está afim de desabafar com alguém. Para isso estou aqui, estou querendo passar o tempo, como já disse. Então, por que não faz esse favor para nós dois e fala um pouco sobre você? Michelle levou as mãos ao rosto e ficou assim por um bom tempo. Esse cara ta enchendo o saco! Pensou. Pretendia beber sozinha o quanto pudesse e depois dar adeus à vida em algum lugar por aí. Conhecia pessoas que poderiam vender-lhe uma arma sem perguntas. Tirou as mãos do rosto e olhou para Marcelo Veras e para a cerveja à frente dele ainda intocada. -- Você não vai me deixar mesmo em paz, não é? Ele apenas sorriu. Michelle se deu por vencida e falou já sentindo os efeitos do álcool: -- Tudo bem. Se quiser ouvir uma estória de "merda" como a minha o problema é todo seu -- limpou a boca depois de colocar mais uma dose dentro do organismo e suspirou fundo. -- Minha vida começou a se tornar um verdadeiro vendaval incontrolável de frustração e desgosto quando minha mãe morreu em um leito de hospital, comida por um câncer de pulmão... 7 Capítulo I - Catarina Foi um choque para mim quando minha mãe caiu no chão da cozinha diante dos meus olhos enquanto preparávamos o jantar e esperávamos meu pai retornar. Liguei para a ambulância e levaram-na para o hospital. Meu pai nos encontrou lá. Isso foi há quatro anos atrás. Depois de insistir bastante para me dizerem o que minha mãe tinha, contaram-me que ela tinha um câncer maligno no pulmão. Eles tinham me escondido isso o tempo todo. Fiquei desesperada. Catarina, minha mãe, ficou sob cuidados intensos o tempo todo e todas as "novidades" eram relatadas exclusivamente ao meu pai. Quando ele resolveu falar algo comigo foi para dizer: -- Os médicos disseram que qualquer recuperação está descartada para ela, minha filha -- as lágrimas começaram a rolar dos olhos dele. -- Acham que ela tem mais três, quatro ou cinco dias de vida, mas não mais do que isso. Não sabíamos que já estava tão avançado assim. Não querendo acreditar naquelas palavras abracei-o fortemente e acompanhei-o num pranto doloroso no corredor do hospital. Quando completou quatro dias meu pai me chamou ao quarto onde minha mãe estava. Ao vê-la, notei que estava quase irreconhecível. Seus olhos estavam fundos, seus lábios secos, e fiquei espantada ao ver como ela se tornara tão magra em tão pouco tempo. Mas aquela era a minha mãe. Ela me chamou para sentar-me ao seu lado. -- Venha aqui, querida -- falou ela fracamente, -- quero vê-la bem de perto... Aproximei-me e sentei à beira da cama de ferro pintada de branco. Meu pai limitou-se a olhar-nos de onde estava. -- Como você está, mamãe? -- perguntei. -- No momento estou bem, querida, mas... mas creio que não ficarei por aqui por muito tempo. -- Por que fala isso, mamãe? Não fale assim, por favor... lute! Catarina sorriu mostrando tranqüilidade, mas em seus lábios se podia ver a tristeza nua e crua. 8 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa -- Não tenho mais forças para lutar, minha filha. Resisti enquanto pude... mas agora não posso fazer mais nada... Infelizmente descobrimos a doença muito tarde... ela nos pegou de surpresa, uma surpresa devastadora. Não havia como fugir da situação pela qual estamos passando agora. Voltei meu olhar para meu pai e notei que estava chorando em silêncio. Subitamente meus olhos também se encheram de líquido quente. Constatei o quanto eles se amavam e me amavam, ao ponto de me esconderem a doença para que eu não sofresse como eles haviam sofrido por tanto tempo. Minha mãe sussurrou novamente: -- Quero que saiba que você é muito importante para mim e para seu pai, Michelle. Se não fosse por você eu não teria suportado isso por tanto tempo. Você foi o meu estímulo para continuar a viver. Sérgio e eu a amamos muito. A essa altura meu rosto já estava coberto pelas lágrimas e eu soluçava desconsoladamente. Catarina fez um gesto para meu pai e ele caminhou até nós. Abraçamo-nos os três numa cena tragicamente inesquecível, mas que eu queria nunca ter acontecido. Catarina levou suas mãos às minhas faces e enxugou as lágrimas que haviam nelas, deu mais um sorriso e falou calmamente, consciente que seu fim era chegado: -- Apesar de tudo, não tenho do que reclamar da vida que tive: um marido atencioso, amoroso e sincero; uma filha maravilhosa, obediente, esforçada... Uma família verdadeiramente feliz. Ela apertou nossas mãos singelamente, passou a língua pelos lábios ressecados e disse: -- Sinto-me agora como a única passageira em uma nave espacial rumo ao desconhecido. Espero encontrar algo bom no novo mundo. Após ouvir aquilo me deitei sobre ela e escutei seu coração bater -- aquela foi a última noite em que ele bateu e a última vez que vi minha mãe com vida. 9 Capítulo II - Helena Os Dias subseqüentes à morte de Catarina foram penosos para meu pai e para mim. As lembranças dela estavam por todos os lados da casa e isso nos deixava ainda mais angustiados. Eu não tinha mais a mínima vontade de comer, sair, rever os amigos ou até mesmo ir à escola. Com Sérgio acontecia o mesmo, mas ainda assim ele ia trabalhar, mas voltava mais cedo quando liberado pelo patrão. Ele fazia de um tudo para não demonstrar para mim que sofria muito com a falta que Catarina fazia para que eu não sofresse também. Sua luta era para que eu não permanecesse naquela depressão e voltasse às minhas atividades do dia-a-dia, entretanto, ele somente obteve êxito meses depois -- mais ou menos cinco meses depois. Voltei à escola, reencontrei os meus antigos colegas e conheci uma aluna nova na turma. Seu nome era Clarisse, uma loira meio forte com olhos verdes e brilhantes, um rosto oval e lábios carnudos. Nos primeiros dias ficamos logo amigas e essa amizade cresceu significantemente numa rapidez impressionante. Passamos a nos encontrar regularmente e sair à noite para nos divertir. Algumas vezes meu pai nos acompanhava e era maravilhoso. Clarisse revelou-se uma pessoa muito descontraída e sincera, e fazia-me sentir bem a sua companhia. Juntas, fazíamos muitas coisas interessantes que me enchia de alegria e fazia-me esquecer todos os problemas. ******** Mais um ano havia se passado. Clarisse e eu chegamos em casa, pois voltávamos do cinema, e o que encontrei me deixou surpresa. Meu pai estava acompanhado de uma mulher muito bonita que eu nunca havia visto antes. Sérgio, ao me ver, apressou-se em apresentá-la: -- Michelle, minha filha, quero que conheça Helena Castanho. Chegou a pouco tempo na empresa onde trabalho e... ela quis lhe conhecer. Olhei bem para ela e estudei-a por alguns segundos. Era branca, olhos castanhos e rosto comprido, seu cabelo era redondo e estendia-se até os ombros. Estava trajada de um terno bege e uma saia da mesma cor que descia até os joelhos. Definitivamente era bonita. Ao colocar os olhos novamente sobre meu pai, percebi no seu semblante que queria que eu a conhecesse porque gostava dela. Queria a minha aprovação. Sem muita conversa, estendi minha mão e sorri, ela cumprimentou-me com um forte e rápido aperto. -- Olá, como vai? -- perguntou ela. -- Seu pai fala muito de você. Na verdade ele não para de falar. 10 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa Eu sorri. Conversamos por um tempo breve e então me dirigi para meu quarto com Clarisse. -- Você tem que admitir que seu pai não iria permanecer sozinho pro resto da vida. Ela é bonita e descompromissada; Sérgio é um quarentão enxuto e está sem ninguém há muito tempo. Acho queé inevitável que fiquem juntos. -- comentou minha amiga, que antes de ir embora ainda falou: -- É melhor eu ir andando antes que o Osmar chegue do trabalho e me veja passando pela rua. Fiquei um pouco intrigada ao ouvir aquilo, mas o que meu cérebro se apegou mesmo foi com o que dissera anteriormente. Não preguei os olhos por toda a noite a fio. "Acho que é inevitável que fiquem juntos" . Não suportaria ter outra mulher dentro de casa que não fosse mamãe e eu mesma. Essa expectativa me perturbou deveras. Cincos meses depois foi inevitável, -- como Clarisse me alertara -- meu pai e Helena se casaram. ******** Meu pai e eu sempre saíamos juntos duas ou três vezes por semana. Íamos ao shopping, cinema, teatro, danceterias, espaços culturais, enfim, diversão era o que não faltava. Porém, depois da chegada de Helena, não existia apenas eu. Agora meu pai queria levar nós duas. Muitas vezes eu não quis ir e ficava em casa sozinha, pois não suportava vê-los juntos. Comecei então a sentir-me solitária apesar de Clarisse sempre estar comigo. Meu pai estava com a "outra", e seu amor e carinho eram de outra mulher. Foi a partir daí que comecei a me afastar mais de casa e a pegar enjôo de Helena Castanho. -- Você não pode ser assim, Michelle -- advertiu-me Clarisse. -- Helena é uma boa esposa para seu pai e uma boa pessoa. Você apenas tem que se conformar que não é mais a única na vida dele. Eu meneava a cabeça, desconsolada. -- Não posso me conformar com uma mulher no lugar da minha mãe, Clarisse. Tá certo que já se passaram quase três anos desde a morte dela, mas ainda não a esqueci. Para mim ela ainda está por todos os lados desta casa! -- Então acha que seu pai não amava a dona Catarina tanto quanto você e por isso já a esqueceu? -- Não! 11 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa -- Então o quê? -- Clarisse deu de ombros, dando a entender que não me entendia. Com o desespero estampado em meu rosto eu desabafei: -- Tudo o que eu quero é meu pai de volta. ******** Era uma coisa que eu não podia controlar. Toda a vez que meu pai estava próximo de Helena eu saia de perto deles. Falava somente o necessário com ela, e então comecei a passar mais tempo fora de casa do que dentro dela. Clarisse, preocupando-se comigo ao ver essa minha atitude, falou-me: -- Você está se isolando da sua família, menina. Com isso, seu pai apenas está se distanciando cada vez mais. Naquele momento descobri que minha amiga estava certa. Sem saber mais o que fazer, a não ser gritar para dentro de mim mesma, eu perguntei suplicante: -- Você tem alguma idéia que possa me ajudar a sair dessa, amiga? Já não aguento esse turbilhão na minha cabeça, parece que vai explodir a qualquer momento. Por favor, se tem algo em mente me fala! Clarisse passou a mão pela testa e hesitou um pouco antes de responder: -- Eu acho que para você não se martirizar tanto pensando o tempo todo na Helena e no seu pai... você deveria arranjar um namorado. Eu sorri instantaneamente achando que se tratava de uma piada de Clarisse, mas, ao vê-la com expressão séria, acatei sua idéia. Achei que mais uma vez ela estava com a razão. 12 Capítulo III - Clarisse Alguns dias depois fui procurar Clarisse para conversarmos a respeito daquilo que me havia falado e que ainda não tinha conseguido esquecer: você deveria arranjar um namorado. Namorado? Não sabia se isso era uma boa idéia. Arranjar um bom namorado era uma relíquia hoje em dia, quanto mais nas condições que eu me encontrava. Ao me aproximar da casa de Clarisse um rapaz moreno-claro passou apressado por mim e desceu rua abaixo. Ele me chamou a atenção, pois me pareceu estar enfurecido. Dei de ombros e prossegui. Quando cheguei à casa da minha amiga encontrei-a chorando, sentada na cama abraçada com o travesseiro. Aproximei-me e alisei-lhe os cabelos. -- O que você tem, Clarisse? Está sentindo alguma dor? Alguém fez algo com você? Conta pra mim -- pedi afinal. -- Ai, amiga, "me abraça!" -- falou ela em tom de súplica -- O que foi, Clarisse? Fala comigo! Após assoar o nariz e respirar fundo ela falou com voz abafada: -- É o Osmar... Ele está me deixando louca! Franzi o cenho espontaneamente e me lembrei do que ela havia dito meses atrás: Acho melhor eu ir andando antes que o Osmar chegue do trabalho e me veja passando pela rua. Fitei-a nos olhos e perguntei secamente: -- Osmar é seu amante? Subitamente ela desferiu-me um olhar que gelou minha espinha. -- Você está louca, Michelle? Osmar é um monstro e eu não seria capaz de mexer com ele. Fiz um gesto negativo com a cabeça e admiti: -- Explique isso melhor, porque não estou entendendo nada. Ela tentou se recompor, mas começou ainda soluçando: 13 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa -- O Osmar é um cara aqui da rua. Sempre demonstrou que era apaixonado por mim, mas eu nunca senti nenhuma atração por ele. Ele me canta toda vez que me vê passando na rua. Uma vez me falou que eu era a mulher da vida dele e não ia sossegar enquanto eu não casasse com ele. Pensei um pouco e resolvi perguntar: -- Como é esse Osmar? É moreno-claro, cabelos ondulados, olhos pequenos... Clarisse não deixou que eu terminasse a descrição e logo exclamou: -- É esse mesmo. Você deve tê-lo visto ao vir para cá. Esse cara não me deixava em paz, até que agora a pouco ele bateu na porta aqui de casa e disse que me viu com um homem. -- Que homem? -- perguntei curiosa. -- Não sei! Esse cara é louco! Eu não estou com nenhum namorado no momento e ele disse que me viu com um homem... Desgraçado! O pior é que desta vez me ameaçou. Disse que se me visse com algum cara... até mesmo andando na rua, ele iria fazer algo comigo... Oh, meu Deus! Não quero nem pensar nisso. Não sei do que ele é capaz. Abracei-a novamente e consolei-a com uma palavra amiga -- apesar de eu não ser a pessoa indicada para fazer aquilo. Decidi que devia levá-la para sair e tomar alguma coisa. Talvez assim ela esqueceria um pouco do seu problema e me ajudaria com o meu. De início ela não concordou, mas com muito esforço consegui convencê-la. ******** Já era noite quando chegamos num lugar chamado "ENCONTRO MARCADO". Paramos lá porque o nome era sugestivo e nunca tínhamos ido lá antes. Ao entrarmos achamos o lugar muito animado e o agito era "dez". havia várias mesas de um lado do recinto, enquanto do outro existia um salão para o povo dançar à vontade. Sentamos em uma das mesas e logo uma jovem veio ao nosso encontro. Perguntou o que queríamos e pedimos as nossas bebidas tônicas. Ficamos por alguns minutos estudando o lugar e chegamos à conclusão que era um bom lugar. De repente, sem querer perguntei sem hesitar: -- Sabe, eu estive pensando... o que você quis dizer ao recomendar que eu deveria arranjar um namorado? Voltou-se para mim e estreitou os olhos. 14 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa -- Como assim? -- Como "como assim?" Sobre esse negócio de namorado, quero que me fale mais do que você está pensando. Se isso pode me ajudar em alguma coisa... -- Ora, sabe mais do que eu que um namorado pode fazer bem a você. Um bom cara pode fazer esquecer qualquer dor, preocupação, depressão... Bem, isso na maioria das vezes. -- É, mas às vezes também são eles quem nos causam tudo isso. -- Então se arrisque e veja no que dá! Pelo menos isso vai te deixar com a cuca ocupada. A garçonete trouxe as bebidas e logo demos os primeiro goles. Clarisse olhou em volta e apontou para mim. -- Por que não dá uma olhadinha envolta pra ver se encontra alguém que lhe possa interessar? -- Você só pode estar brincando, não é mesmo? Praticamente quer que eu escolha alguém aqui! Clarisse sorriu faceira. -- E porque não? Diga-me uma hora melhor para conhecer alguém interessante do que agora. Fitei-a por um tempo não tendo resposta para o que me pedira e então tomei mais alguns goles da bebida tônica. Clarisse estava sorrindo e olhando envolta, perscrutando todo o recinto. De repente seus olhos se arregalaram e ela mordeu os lábios antes de falar-me: -- Seja discreta. Olhe devagar para trás e veja o gato que está entrando neste momento. Virei-me mais depressa do que o sensato, mas àquelas alturas foi o mais próximo que consegui chegar do normal. Ao vê-lo, acho que saí de mim mesma, pois ele era incrivelmente bonito. Ele estava com um amigo que também não era de se jogar fora. Voltei-me para Clarisse, olhei para cima e suspirei. Ela levantou o sobrolho e indagou: -- E então, o que achou? -- É um deus que baixou entre nós -- olhei novamente para ele, e para minha surpresa ele estava com os olhos voltados para mim. Permaneci assim por 15 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa alguns segundos e depois desviei o olhar. Fitei-o outra vez e ele ainda me encarava. Sorri e ele retribuiu com um aceno encantadoramente, falou algo no ouvido do seu amigo e veio em minha direção. Eu gelei em um segundo. Engoli seco e sussurrei para Clarisse: -- E agora? Ele está vindo para cá! O que faço? -- Relaxa e vê o que acontece -- aconselhou ela rapidamente. O estranho se aproximou da mesa e logo me olhou nos olhos. Disse: -- Olá. Estava olhando de onde estava e... reparei que estão sozinhas. Meu amigo e eu chegamos agora e... também estamos nos sentindo solitários. Então... seria muita ousadia perguntar se podemos sentar aqui com vocês duas e conversarmos um pouco e... Clarisse não deixou que ele completasse o seu pedido e falou diretamente: -- Claro que podem sentar-se conosco. Minha amiga e eu estamos precisando nos distrair mesmo. Nosso dia não foi um mar de alegria e acho que poderemos nos divertir. Olhei-a surpresa. Nunca pensei que ela fosse tão aberta a convites como naquela noite. Talvez fosse pela bebida que tínhamos bebido até o momento. O bonito rapaz chamou o amigo num gesto com a mão e então logo os dois estavam sentados conosco. Conversamos por horas e eu soube que seu nome era Jacó Prado. Ele trabalhava como representante de um estúdio fotográfico de modelos e também como produtor de vídeos.Contou que já viajou para vários países a trabalho, produzindo alguns filmes. Falou-me algumas frases em francês, italiano, russo e alemão. Sua voz era grave e profundamente provocante. Parecia penetrar meus ouvidos e fazer meus sentidos entrarem em colapso.Seu sorriso era lindo e provocante e me fazia derreter com seus dentes perfeitos. Fomos dançar e deixamos Clarisse com o amigo de Jacó, Rafael Colares. Constatei que ele dançava divinamente tanto os ritmos lentos quanto os mais agitados. O DJ do lugar fez parar mais uma vez certa música de batidas frenéticas e fez-se soar uma música melodiosa e cadenciada. Jacó olhou para mim por um momento em silêncio, eu o abracei e começamos a dançar novamente. -- Você não tem namorado? -- perguntou ele ao pé do meu ouvido. 16 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa Eu respondi à altura do seu pescoço: -- Não, mas aposto que você tem uma. Ele afastou o rosto do meu e fitou-me sério sem interromper o ritmo. -- Com isso você praticamente está insinuando que estou traindo a confiança de uma mulher ao estar aqui em sua companhia. -- Não, não foi isso que eu quis dizer... -- Não se preocupe; não tenho namorada, e, se eu tivesse, estaria profundamente arrependido nesse momento. Fiz uma expressão de curiosidade ao indagar: -- Arrependido por quê? -- Porque estou frente-a-frente, ou melhor, dançando uma lenta com uma mulher maravilhosa e extremamente atraente que me fisgou no primeiro olhar. -- Você está falando isso só pra me impressionar. -- Estou mesmo falando sério. Freqüento sempre este lugar e... -- ele passou a mão suavemente pelo meu rosto -- nunca tinha encontrado uma pessoa tão descontraída e... tão linda como você. Lentamente ele aproximou os seus lábios dos meus e nos beijamos pelo resto da música, depois disso me abraçou forte e confidenciou que aquele beijo foi o melhor que provara em toda a sua vida. Outra música começou a tocar e deixamos nos levar por ela novamente olhei para Clarisse e me surpreendi mais uma vez ao ver que estava aos beijos com Rafael. Eu sorri e mostrei-os a Jacó. -- Parece que seu amigo está se dando bem com a minha amiga. -- Não quero saber deles; quero saber de você. A noite é nossa. Parecíamos não nos cansar de dançar. As horas se passavam e nossa energia parecia se renovar. Nossos sorrisos eram mútuos e constantes como também nossos beijos. Até que repentinamente meu sangue virou pedra quando vi aquela figura em um dos cantos do recinto. -- Meu Deus, é o Osmar! -- exclamei eu. 17 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa -- O quê? Osmar? É o seu namorado? -- perguntou Jacó que aparentou nervosismo. -- Mas você disse que... Eu o interrompi, também já nervosa, vendo que Osmar olhava fixamente para Clarisse e de seus olhos pareciam querer sair raios mortíferos: -- Não! Falei a verdade quando disse que não era comprometida... É que aquele cara é completamente louco pela minha amiga Clarisse e ameaçou-a dizendo que se a visse com alguém iria fazer algo a ela. Não sabemos do que ele é capaz, então... estou temerosa. -- Quer que eu vá falar com ele? -- propôs Jacó já se direcionando até Osmar. Segurei-o pelo braço e o impedi. -- Não vá. Também pode ser que ele apenas seja um desses caras que só rosnam mas não mordem. Por favor, deixe como está e... não comente nada com minha amiga; ela pode voltar a ficar deprimida. -- Fique tranqüila, acima de tudo sou bem discreto. Aquele sorriso apareceu novamente e me fez esquecer de tudo aquilo. Olhei para Osmar outra vez, porém ele não estava mais lá e mais tarde constatei que não se encontrava em parte alguma do lugar. Voltamos para a mesa e conversamos por mais uma hora. Após mais beijos e carícias com os dois amigos, Clarisse e eu nos despedimos -- não antes de prometer que nos encontraríamos no dia seguinte -- e fomos para casa. ******** O dia passou e novamente chegou a noite. Estava me arrumando quando meu pai bateu na porta do meu quarto e pediu para entrar. -- Michele, o que está acontecendo com você? -- indagou ele. Pude sentir um tom de preocupação na sua voz. Até que enfim ele se incomodou em saber de mim, como há muito tempo não fazia. -- Sempre que procuro você para conversarmos um pouco, falar sobre nós você não está em casa; sempre está fora com sua amiga Clarisse. -- Vai colocar a culpa na Clarisse, agora? -- Não estou colocando culpa em ninguém, minha filha, mas estou preocupado com você, porque está se distanciando da sua casa, da sua família... de mim. Peguei rapidamente minha bolsa e sem deixar que falasse mais alguma coisa perguntei abruptamente: 18 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa -- Agora que está notando isso? O que está acontecendo? A Helena não está mais lhe dando tanta atenção? -- Ela está me dando bastante atenção, sim, tanto que está grávida. Senti-me subitamente como se tivesse levado uma punhalada no coração. Helena grávida? Uma lágrima de tristeza, angústia e revolta quis descer de meus olhos, mas eu segurei. Apenas murmurei comigo mesma: -- Agora completou a omelete -- havendo dito isso, saí do quarto e deixei-o sozinho. ******** Estava ansiosa para ver Clarisse, pois até então não havia conseguido falar com ela o dia todo. Segundo dona Conceição, sua mãe, ela havia saído pela manhã e até então ela não tinha retornado. Percebi que dona Conceição estava preocupada e então comecei a me preocupar também. Ao me aproximar da residência de Clarisse vi um pequeno aglomerado de pessoas em frente e mais ao fundo enxerguei dona Conceição aos prantos. Corri ao seu encontro e, por coincidência, seu Paulo, pai de Clarisse, chegou na mesma hora. Assustado ele perguntou o que estava acontecendo, mas pelo jeito já tinha mais ou menos sido informado sobre o ocorrido por um telefonema no seu trabalho. -- Meu Deus! Diga que não é verdade, Conceição -- suplicou ele. Derramando ainda mais lágrimas, ela, com a voz abafada pelo pranto, declarou: -- Não há como voltar o tempo, Paulo... A nossa filha foi encontrada morta pela polícia agora à tarde! Clarisse foi assassinada! Uma expressão simultânea de incredulidade e desespero se formou no rosto de seu Paulo, que deu um gemido profundo. -- Não! Não pode ser! Ela não tinha inimigos, não andava em más companhias... Como pode ter acontecido isso? Meu Deus, quem... quem pode ter feito uma coisa dessas à minha filha? Eu não podia acreditar no que estavam falando. Era Clarisse... minha amiga. Não podia ser real. Dona Conceição esclareceu: -- A polícia disse que testemunhas viram quando um tal de Osmar, um que morava aqui na rua mais lá embaixo, assassinou nossa filha com um revólver. Mas por quê, meu Deus? Por quê? Por um ciúme doentio, pensei perturbadoramente comigo mesma. Fui me afastando pouco a pouco da multidão que já se formava ao redor e caminhei rua 19 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa abaixo tentando permanecer lúcida e calma. Entretanto, um sentimento de culpa sobreveio a mim. Achei que talvez, se tivesse aconselhado Clarisse a ir à polícia e denunciar Osmar na mesma ora em que a ameaçara. Talvez se tivesse deixado Jacó dar uma dura nele se distanciaria dela. Talvez se eu tivesse alertado Clarisse da presença de Osmar no Encontro Marcado ela ficaria precavida quando o visse ou quando ele se aproximasse. Talvez... Oh, Deus! Clarisse estava morta! Minha melhor amiga estava morta! 20 Capítulo IV - Meus Sonhos Na noite da morte de Clarisse voltei para casa e me tranquei no quarto, apaguei as luzes e deitei-me na cama. Chorei desconsoladamente e depois de muito tempo -- não sei quanto -- apaguei. Batidas na porta me despertaram. Achei que a morte de Clarisse não teria passado de um pesadelo. Ao abrir a porta que vi Helena estava com os olhos rasos d'água diante de mim. -- Sinto muito por Clarisse -- lamentou ela. Oh, não! Então não tinha sido um pesadelo, afinal. Fiquei paralisada onde estava e Helena continuou: -- Recebi a notícia agora pelo seu amigo que está lá fora. -- Amigo? Do que você está falando? -- Do seu amigo Jacó Colares. Ele está lá fora e gostaria de saber se você quer vê-lo. Passei a mão pelos cabelos e senti-me um tanto desgostosa para recebê-lo àquelas horas. Horas? -- Que horas são, afinal? -- É quase meia-noite. Você vai sair com ele numa hora dessas? Fitei-a furiosamente. Já estava querendo me controlar por acaso? Prendi a língua para não soltar o verbo e poupei-me apenas a dizer um "vou". Ao chegar à sala vi Jacó parado à porta. Com a cabeça baixa parecia triste e distante. Aproximei-me e abracei-o deixando que a emoção tomasse conta de mim e as lágrimas inundassem meu rosto. -- Sinto muito, Michelle -- ele falou me consolando, afagando meus cabelo e beijando minha testa carinhosamente. Não consegui falar nada, apenas chorei e me limitei a ficar ali colada ao seu corpo. Por muito tempo não me sentira tão protegida nos braços de alguém como estava me sentido nos de Jacó, e isso fez com que me apaixonasse por ele. ******** 21 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa Dias depois do funeral de Clarisse aconteceu o julgamento de Osmar. Fui chamada para ser uma das testemunhas de acusação e dei meu depoimento. Segundo o promotor, eu era uma testemunha muito importante para conseguir a acusação do criminoso. No final, Osmar foi condenado por unanimidade do júri e encaminhado para a penitenciária para cumprir quarenta anos de reclusão. Ao sair do tribunal, Jacó me levou ao shopping e pagou um almoço delicioso. Conversamos o tempo todo sobre o julgamento até que ele reclamou: -- Já chega de falarmos de crime. Tenho certeza que Clarisse, esteja onde estiver, quer que vivamos a vida com alegria, e de lá está dizendo: "Bola pra frente!" -- Acho que tem razão -- concordei. -- É claro que tenho razão! E quer saber de uma coisa? Tenho uma notícia maravilhosa para te dar. Meus olhos se estreitaram diante dele e fiquei curiosa. -- Notícia? Você deve estar aprontando alguma coisa comigo. Ele sorriu encantadoramente e esclareceu: -- Não estou aprontando nada, menina! Olha, um dia você me falou que estava desempregada e que isso te deixava deprimida. Então mexi uns "pauzinhos" e descolei algo pra você ganhar uma graninha. O que acha? -- Está falando sério? -- perguntei com o contentamento estampado no rosto. -- Estou, sim, pode acreditar. Você é muito linda e tenho certeza que fará sucesso como modelo profissional. Já pensou em ser modelo? -- Está brincando?! É um sonho antigo. Desde criança quero ser modelo. Aliás, qual a garota que não tem ao menos um pouco de vontade de se tornar uma modelo? Ele bateu palmas de satisfação diante do brilho que certamente podia ver nos meus olhos. -- Ótimo! Falarei com o presidente da produtora e marcarei uma entrevista. Mas já pode se considerar contratada. Um rosto e um corpo igual ao seu não se encontra assim tão fácil. Peguei suas mãos nas minhas e levei-as ao meu rosto num gesto de carinho. Olhei no fundo dos seus olhos, respirei fundo e do profundo do meu coração 22 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa disse: -- Jacó... não sei como agradecer o que tem feito por mim todos esse dias. Acho... ou melhor, tenho certeza que sem você do meu lado, me dando essa força... Bom, não sei o que teria sido de mim. Talvez tivesse pirado de vez. Ele meneou a cabeça e sorriu outra vez dizendo suavemente: -- Não tem que me agradecer por nada, Michelle. Se faço alguma coisa é porque me preocupo e gosto de você. Seu sorriso e sua felicidade são o meu pagamento. ******** A entrevista foi marcada para uma semana depois. No dia "D" eu estava uma pilha de nervos e Jacó tranqüilizou-me dizendo para não ficar preocupada. Assegurou-me que Herbert, o presidente da produtora era sério e competente, mas também era extrovertido e bom no que fazia, ou seja, deixar as modelos à vontade. Tudo isso foi comprovado quando chegamos à produtora e conheci Herbert pessoalmente. Ele era exatamente o que Jacó dissera e algo mais. Mandou-me relaxar e sentar numa poltrona acolchoada de cor laranja que tinha lugar de destaque em sua sala. Depois disso começaram as perguntas: "Qual o seu nome?..." "Que idade você tem?..." "Estuda?..." "Trabalha em alguma coisa no momento?..." "Já fez alguma vez fotos publicitárias ou de outra natureza?..." Foi uma enxurrada de indagações que me deixaram um tanto nervosa. Após isso, levou-me para um estúdio e mandou que eu vestisse algumas peças de roupas que uma assistente ajudou-me a pôr. Eram roupas longas, curtas, pouco decotadas, muito decotadas, transparentes, íntimas. -- Temos que lhe fotografar usando todos esses modelos de roupas para mandar às empresas interessadas em contratar meninas como você para desfiles, propagandas, fotos de publicidade... essas coisas. -- esclareceu Herbert. Posei incessantemente por várias horas e, ao término, Herbert exclamou: -- Menina, você é um diamante! Jacó, que estava no estúdio o tempo todo, fez um sinal positivo com o polegar para mim. Aquilo era um sonho; o meu sonho que se realizava. Jacó caminho até onde estava, abraçou-me e beijou-me ardentemente. -- Você esteve ótima, querida, não há como negar. Acaba de nascer uma estrela das passarelas: Michele Fiore. 23 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa Ergui o sobrolho num sobressalto. -- Mas meu sobrenome é Michelle Mendes -- corrigi. -- Mas você precisa de um nome que possa ter um prestígio e aceitação internacional, querida, e para isso nada melhor do que um sobrenome como Fiore para dar um glamour. -- Mas eu gosto do meu sobrenome! -- contestei. -- Oh, meu amor! Eu conheço desse ramo; sei todos os atalhos para se chegar ao topo, e esse é o primeiro passo. Fiquei em silêncio enquanto ele me olhava, ansiando por um gesto de anuição de minha parte, até que sorri e aderi à ao seu plano. ******** Alguns dias depois da entrevista e das fotos me encontrei com Jacó. Fomos jantar em um restaurante chique da cidade e para isso vesti o meu melhor traje de noite. Iria ser uma noite especial, segundo ele. E realmente foi. A melhor parte da noite não foi o jantar de aroma maravilhoso e indiscutivelmente delicioso em si, mas sim quando me ofereceu um presente: uma caixa embrulhada delicadamente em papel de presente e envolto por uma fita vermelha. Ao abri-la, encontrei um book com as fotos do ensaio que tinha feito com Herbert. Estavam maravilhosas. Dentro do book havia um cartão perfumado. Abri e li em voz baixa. Estava escrito: Encontrei uma jóia rara que estava a vagar errante sem saber o brilho que podia emitir. Encontrei a pessoa que faltava para completar o espaço que continuava vazio no meu coração, e se chama Michelle Fiore, a estrela que caiu do céu na minha mão, por isso hoje me considero o homem mais sortudo do mundo, pois estou ao seu lado. Jacó Voltei-me para ele em lágrimas, mas desta vez não de tristeza, mas de alegria. Toquei-o no rosto. -- Oh! Jacó, só você mesmo para fazer essas coisas. Você é um amor. Só tenha o cuidado para não me acostumar com tantas surpresas. Chegou-se mais próximo de mim e me beijou. 24 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa -- Pois garanto que sempre terei uma nova surpresa pra você a cada dia -- adiantiou ele. -- E qual será a próxima, posso saber? O atendente trouxe o menu e entregou a Jacó, que falou: -- O nome já diz, meu amor, é surpresa. Entretanto, posso adiantar que será algo que nunca esquecerá. -- Só espero que eu possa corresponder às suas expectativas nas passarelas e diante das câmeras. -- Com isso sei que não tenho que me preocupar, querida, você tem um potencial a olhos vistos, e tenha certeza de uma coisa: Ele me beijou mais uma vez, levou os lábio ao meu ouvido e sussurrou: -- Vou fazer de você uma super-star, meu amor, uma das mais desejadas do mundo. Confie em mim e você verá. ******** Voltamos para casa e ficamos um pouco dentro do carro. Ele me beijava e me abraçava ardentemente, suas mãos deslisaram suavemente pelo meu corpo até que chegou a um ponto em que me senti desconfortável . Ao perceber isso, ele estancou subitamente e indagou: -- O que foi, meu amor? Fiz alguma coisa errada? -- Ah... não. É que na verdade não me sinto bem... Ele estreitou os olhos num estranhamento incompreensível. -- Você não me quer?... Não gosta de mim o suficiente? Abanei com a cabeça tentando responder antes mesmo de pronunciar: -- Não, não é isso! Eu gosto muito de você... -- E então, Michelle, o que há de errado? Houve uma sensível alteração no seu tom de voz, fazendo com que eu fizesse o mesmo. 25 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa -- Não há nada de errado! Mas... eu não... nunca... tive um relacionamento mais... íntimo com homem algum em minha vida. -- Você é... virgem!? -- perguntou um tanto surpreso. Diante daquela expressão de pasmo, um sentimento de culpa invadiu-me por inteira e senti que a frustração também achou um bom lugar para se alojar dentro de mim. Após passar a mão pelo rosto ele se direcionou a mim: -- Ei, isso não é o fim do mundo... e também não vai alterar em alguma coisa no nosso relacionamento, certo? Você é minha pop star e minha princesa, também. Vem cá. Tornou a me abraçar e beijar. Sai do carro depois de alguns minutos e não tinha a mínima idéia de que horas seriam. Jacó acenou se despedindo de dentro do carro. -- Posso vir vê-la amanhã? Aposto que trarei uma notícia ótima, quem sabe já um contrato milionário pra você assinar! Sorri vislumbrada com essa possibilidade e joguei-lhe um beijo, que apertou fundo o acelerador e saiu em disparada. 26 Capítulo V - Jacó Ao abrir a porta de casa e reparei que estava tudo escuro e em silêncio, como se estivesse totalmente desabitada. Caminhei silenciosamente pela sala, e quando cheguei ao corredor uma luz atrás de mim foi repentinamente acesa. Meu pai estava na sala à minha espera e não o tinha notado. Ele se aproximou e perguntou-me calmamente: -- Onde estava até essa hora, Michelle? Estávamos preocupados. -- Estávamos? -- eu debochei. -- Sim -- afirmou ele. -- Helena e eu não temos conseguindo dormir nesses últimos dias pensando aonde você deve estar metida. Talvez esteja andando em más companhias, minha filha. Não sei com quem você anda, já que Clarisse teve infelizmente um fim trágico e era a única amiga sua que eu conhecia e de certo modo gostava dela. Mas e agora? Com quem você está se relacionando? Aquele rapaz dentro do carro é seu namorado? -- É. Ele é meu namorado, sim. -- Por isso mesmo me preocupo. Nem mesmo sei seu nome, o que faz para se sustentar, quais as suas pretensões em relação à vida e a você... -- Não se preocupe, não aconteceu nada do que está pensando entre mim e ele, se é isso o que tanto lhe preocupa -- virei-me e dei alguns passos me distanciando. Porém, ele segurou-me pelo braço e fez-me girar até encara-lo novamente. -- Está enganada, Michelle -- falou agora com um tom de voz mais contundente, -- Isso é o que menos me preocupa no momento e também não é o motivo pelo qual perco o sono por incontáveis noites, mas o que me perturba de verdade é o fato de ver o que você está fazendo com a sua vida: sai pela manhã e não diz para aonde; retorna pelas madrugadas e não dá satisfações. O que está acontecendo com você, minha filha? Subitamente ouvi passos lentos, e então Helena apareceu -- já com uma enorme barriga -- atrás de meu pai. -- Não estou querendo me meter, Michelle, mas ultimamente seu pai está demasiadamente desassossegado... Eu a interrompi de imediato: 27 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa -- Pois não se preocupem. Essa aflição vai passar logo-logo. Vou me tornar uma grande modelo das passarelas e então vão se ver finalmente livres de mim. E antes que pudessem fazer alguma interrogação, preponderar ou disparar suas metáboles contra mim, deixei-os sós na penumbra do corredor da casa. ******** A noite do dia seguinte chegou rapidamente e esperei por Jacó, ansiosa para ouvir qual a novidade ou agradável surpresa que teria para me revelar. Ele chegou como sempre no se carro esportivo e me levou para jantar. Desta vez fomos a um dos quiosques à beira-mar da cidade. Notei que ele estampava um semblante frustrado e por vezes parecia tenso. Quase não falou nada dentro do veículo, muito menos mencionou sobre o contrato ou algo relacionado ao trabalho de modelo. Ao chegarmos ao quiosque, sentamos numa mesma um pouco afastada das demais e Jacó pediu duas bebidas. Vendo-o ainda sob estado de abatimento indaguei: -- Aconteceu alguma coisa de errado? Você parece estranho... Quer me dizer algo? -- Não... não aconteceu nada -- falou ele, mas não me tranqüilizou. Seu aspecto cabisbaixo o denunciava. -- Anda, fala logo, Jacó. Não me esconda nada, por favor. Levantou o olhar, mas não me olhava nos olhos. Ficava fitando a paisagem para não me encarar diretamente. -- Fala, Jacó! -- Bem... -- ele hesitou, engoliu seco. Suspirou fundo e continuou: -- Hoje eu soube que... suas fotos não agradaram aos clientes... Acharam você um pouco fora dos padrões internacionais, ou seja, não é tão magra... bom, pra mim você é maravilhosa, mas para eles tem que ser daquele tipo de esqueleto humano; você também não é tão alta quanto eles querem... O que infelizmente tenho a dizer é que as exigências são muitas e... não quero martirizá-la com isso, meu amor, mas não a aprovaram. Sem saber em que pensar, olhava para ele silenciosa, até que finalmente falei: -- Essa é uma péssima notícia, Jacó. 28 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa -- Eu sei disso, meu amor. Nem acreditei quando Herbert me falou. Foi como tivesse recebido um soco no meio do estômago. -- Tenho que arrumar algo para ganhar um dinheiro e sair de casa. Muito mais agora depois do que meu pai me disse. -- E o que foi que lhe disse? Brigou com você? Bateu em você? -- perguntou ele verificando se havia alguma marca no meu corpo. -- Não, não aconteceu nada demais. Apenas não suporto mais viver naquela casa. Ele pegou minha mão e de modo animador disse-me: -- Escute: não vamos ficar remoendo isso, está bem? Vamos encontrar uma boa solução para os seus problemas. Vou falar com alguns amigos e eles me ajudaram a encontrar algo bom para você. Abri um sorriso de felicidade e dei a volta na mesa para beijá-lo. -- Meu amor, você é um anjo que apareceu na minha vida! -- elogiei-o. Ele abraçou-me fortemente e falou: -- Vamos comer alguma coisa? Estou morrendo de fome. Quando terminarmos, deixarei você na sua casa e tratarei logo de visitar um amigo meu que certamente fará algo por você... e por mim, é claro. ******** Depois de deixar-me em casa, Jacó foi ao encontro do seu amigo e horas mais tarde me ligou. -- Trago a luz no fim do túnel pra você, minha querida. Falei com meu amigo -- seu nome é Fred Colins e é um estrangeiro que reside no nosso país, -- também trabalha com fotos e filmagens que é divulgado internacionalmente. Ele se empolgou quando mostrei suas fotos e quer lhe conhecer pessoalmente e ao mesmo tempo fazer uma rápida entrevista. Eu estava me tremendo de felicidade. Até que enfim aquela nuvem de gafanhotos parecia querer dar uma trégua. Apertei fortemente o fone contra minha boca e perguntei num devaneio de incredulidade: -- Oh! Querido, tomara que ele goste de mim. O que você acha? 29 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa -- Está brincando? Desta vez eu posso garantir que só não trabalhará com o Fred se você não quiser. -- Que bom, Jacó! Já estava ficando preocupada, mas, como sempre, você sempre tem um jeito de tornar minha tristeza em alegria. Então ele falou o que eu jamais tinha ouvido alguém falar para mim: -- Você sabe que eu te amo, gata, e faço tudo por você. Agora escute: anote o endereço aonde deve estar amanhã pontualmente às dez horas... ******** Cheguei ao lugar pontualmente. Chequei o endereço e constatei que aquele era o local combinado. Era um edifício luxuoso de mais de vinte andares, de onde só saíam e entravam carros nacionais e importados caros. Empolguei-me instantaneamente. Jacó estava a minha espera no portão e me escoltou até o elevador onde subimos até o vigésimo terceiro andar. Quando a porta do elevador se abriu vi que existia apenas um apartamento por andar. -- Uau! Esse cara é cheio da grana! -- sussurrei para Jacó. -- É, sim. Você verá que ele está sempre viajando -- comentou Jacó. Um homem de meia idade mais de porte atlético despontou por um corredor e veio até nós. Apertou nossas mãos e então falou algo para Jacó que eu não entendi, pois falava em língua estrangeira. Jacó o apresentou como Fred Collins e traduziu revelando que o estava congratulando por ter-me encontrado e disse que eu era mais bonita pessoalmente do que nas fotos que tivera o prazer de ver. Falou algo mais e Jacó traduziu: -- Está querendo saber se quer beber alguma coisa. -- Estou um pouco nervosa, por isso quero sim. -- Jacó traduzia para ele o que eu tinha dito. Fred sorriu e caminhou até um pequeno bar que mantinha num canto do apartamento. Veio de lá com três copos pelo meio. Sentamos em um confortável sofá e fiquei escutando por algum tempo a conversa entre os dois na linguagem de Fred e depois de termos acabado nossos drinks Jacó traduziu que Fred queria fazer uma entrevista comigo. -- Tudo bem, vamos lá -- eu disse. Depois da tradução simultânea, Fred foi até uma grande estande e pegou de lá uma filmadora portátil. Olhei para Jacó e levantei o sobrolho e ele entendeu que 30 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa eu queria uma explicação. -- Ele gosta de gravar as entrevistadas. Você vai ficar no sofá sozinha, mas relaxe e apenas responda as perguntas que eu traduzir com tranqüilidade, ok? Fiz que sim com a cabeça e ajeitei-me no sofá olhando para a lente câmera. Fred ficou atrás da filmadora e falou; Jacó traduziu: -- Muito bem, vamos começar. Diga seu nome e quantos anos tem. -- Meu nome é Michelle, tenho 22 anos. -- Faz alguma coisa na vida? Trabalha no momento? -- Infelizmente não. Fiz um teste com Herbert para ser modelo fotográfica e participar de desfiles, mas fui... recusada. -- Então mora com seus pais... ainda é sustentada por eles? Nesse momento eu senti um nó na garganta como se aquilo fosse uma trava que eu teria que engolir para responder. Era uma questão que queria que não existisse na minha vida de forma alguma. Respondi hesitante: -- Eu moro, sim, mas moro apenas com meu pai; minha mãe faleceuàlguns anos. Eu pretendo sair dessa de ficar dependendo dele o mais rápido possível e espero que o senhor possa me ajudar. Jacó traduziu isso para Fred, que deu um entusiasmado sorriso. Falou alguma coisa e que me foi traduzido: -- Fred falou que se depender dele você terá uma vida de luxo e será plenamente independente. Achou você muito bonita. Além de suas expectativas. -- Isso me deixa muito aliviada. Não suporto mais viver sob o mesmo teto da minha madrasta. -- Você só não terá o que deseja se não quiser -- falou Fred em seu idioma. -- Então pode ficar sossegado. Farei qualquer coisa para me tornar independente do meu pai. Ao Jacó terminar a tradução, Fred quase deu um salto de alegria. Fez um sinal positivo com o polegar erguido para cima. Falou algo para Jacó, e este caminhou até a estante onde anteriormente estava a câmera, e de lá trouxe duas revistas e as estendeu para mim. Ele piscou e jogou um beijo. 31 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa Ao baixar o meu olhar para as revistas tomei o maior susto da minha vida, a ponto de engasgar com a própria saliva. Elas exibiam nas capas fotos de sexo explícito. Fiquei estarrecida, petrificada, e não sei por quanto tempo permaneci desse jeito. Virei algumas páginas e as imagens ali contidas eram ainda mais escandalosas e apelativas. Fechei-as com força e joguei-as no chão. -- O que significa isso, Jacó? -- explodi num extremo de confusão e ira que preenchiam totalmente minha mente no momento. Ele não traduziu minha indagação. Minha indignação já era transparente o suficiente para que Fred entendesse. -- Esse é o passaporte para todos os seus sonhos, Michelle! -- Passaporte? Sonho? Você está louco, cara? Será que não me conheceu direito ou fez questão de não conhecer? Fred Collins começou a falar e então Jacó traduziu: -- Ele está falando que terá as regalias que quiser; o dinheiro é muito bom; poderá viajar para vários países do mundo. Na semana passada fotografou e fez alguns vídeos em Jacarta, Indonésia e em Pequim, China. Conhecerá várias pessoas legais e o mais importante: poderá finalmente se ver livre de Helena. Numa fração de segundos toda a película negra que cobria meus olhos se desintegrou e pude ver realmente quem era Jacó e o quanto maquinara para eu chegar até ali. -- Desgraçado! Você bolou isto desde o momento em que nos vimos no Encontro Marcado! -- comprimi os olhos e balancei a cabeça tentando me iludir, dizendo para mim mesma que aquilo só poderia ser um sonho ruim e nada mais. Entretanto, a realidade era cruel. -- Com quantas você já fez isso? Fingiu-se de namorado bonzinho, interou-se dos meus problemas e pontos fracos e então deu um bote oferecendo um "bom" dinheiro pra me tornar uma prostituta! -- Prostituta, não. Atriz! -- Não tente camuflar a safadeza, Jacó ou seja lá qual for seu nome de verdade. Ergui-me para ir embora dali. Fred falou algo mais de forma apressada. -- Ele está propondo que faça o preço que quiser para fazer apenas uma sessão de fotos com ele e lhe será pago -- traduziu Jacó rapidamente. -- Será como um teste para você ver se é tão sujo como pensa ou não. 32 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa -- Diga para ele guardar seu dinheiro ou gastar com aquilo que lhe convir, mas não quero um mísero centavo que vier dele... e muito menos de você! Jacó segurou meu braço para tentar uma última cartada. -- Está perdendo uma oportunidade única na vida, Michelle, dificilmente encontrará outro emprego que lhe renda tanta grana com tanta facilidade. Com um solavanco fiz com que me largasse. Fitei-o nos olhos profundos e disse: -- Oportunidades como essa aparecem todos os dias e nunca me fizeram falta alguma na vida. Essa é apenas mais uma que vou dispensar e sei que não vou morrer por isso -- abri a mão e esbofeteei pesadamente o rosto dele. Corri até o elevador e desci ao térreo, de onde saí correndo e não olhei para trás. Mais lágrimas escorreram pelo meu rosto. Agora eu não tinha mais mãe ou pai; amiga ou namorado. Nem mesmo a tal esperança eu tinha. 33 Epílogo Mais um copo foi virado, mas ao contrário do que Michelle esperava, não se encontrava tão embriagada ou fora de si. Estranhou e dirigiu-se ao barman: -- O que é isso que você me deu pra beber, hein, cara? É leite, por acaso? O homem atrás do balcão deu de ombros como se estivesse demonstrando não saber o que acontecia. Afinal, aquela era uma das bebidas mais fortes que tinha no estoque. Coçou a cabeça achando que numa hora daquelas, com tantas doses ingeridas, a moça já deveria ter "capotado". Michelle pediu mais uma dose -- duplo desta vez. Foi-lhe servido. Pegou o copo e voltou-se para Marcelo Veras que ainda estava ao seu lado a fitá-la. -- E isso é a droga de fim da minha narrativa. Pode-se chamar isso de um drama pessoal, social... ou até mesmo de um baita azar mesmo. Mas o que importa é que essa maldita vida... minha maldita vida -- repetiu como se chegasse a conclusão de que não havia outro adjetivo a ser colocado. Tomou todo o líquido do copo e limpou a boca com o punho. Perguntou: -- Então? Queria tanto ouvir um desabafo, trocar idéias... agora me diga o que achou. Era o que esperava ou foi além das suas expectativas? Marcelo olhou para seu copo de cerveja ainda intocado, fechou os olhos por alguns segundos, abriu-os e falou, enfim: -- Com certeza eu não esperava por algo tão tenebroso. Parece até que houve uma espécie de complô contra você, onde ocorreu tudo de ruim de modo sucessivo. Pode-se até garantir que uma pessoa de idéias fracas tentaria o suicídio depois de tantos desastres e decepções. Como se um raio a tivesse atingido, Michelle ficou estática, como em transe e então indagou especulativa: -- Por que acha que somente alguém de "idéias fracas" tentaria tal coisa? Uma pessoa normal, numa torrente de depressão decorrente de tantas fatalidades, não poderia ficar atormentada de tal forma aponto de tirar a própria vida? -- ela falava exatamente do seu íntimo. Era como um espelho voltado para si mesma. -- Digo isto porque tenho plena convicção de que o suicídio não trará benefício algum a quem quer que seja; e outra coisa: creio que existe uma solução para 34 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa todos os problemas, basta saber aonde procurar. E tendo isso em vista posso garantir que este aqui não é o lugar ideal para se encontrar a luz no fim do túnel. Michelle bateu no balcão e deu uma gargalhada sórdida. -- Cara, cada vez que você abre a boca acaba falando mais besteira. Acha que depois de tudo o que eu lhe contei pode haver uma luz no fim do túnel para mim? Qual é, cai na real!! -- retrucou ela. -- Você duvida disso? Que tal um desafio? Levo você a um outro lugar, onde irá me prometer permanecer até o final... -- Final de que? -- Você verá. Irá permanecer até o final, e depois vou perguntá-la se realmente há uma solução para as pessoas que não têm mais para onde correr, que estão se vendo no fundo do poço. Se você me disser que não há solução, saberei que tudo o que falou é pura verdade e irei deixá-la em paz. Porém, se disser que há solução... Michelle ficou esperando Marcelo finalizar sua proposta, mas ele não continuou e então ele interveio: -- E se houver realmente uma solução, o que acontecerá? -- Bem... eu lhe direi somente quando eu ouvir isso da sua própria boca. Marcelo ergueu as sobrancelhas requerendo uma resposta de Michelle, até que ela concordou com a cabeça. Olhou para a cerveja dele ainda como o barman havia deixado há uma hora atrás. -- Você vai deixar a cerveja virar chá, pelo visto. Não vai beber? Ele sorriu para ela, jogou algumas notas sobre o balcão e disse: -- Eu pedi a bebida, mas não disse que era para eu beber. ******** O taxi de Marcelo parou em um dos espaços vazios destinados aos carros da Praça JK e acompanhado de Michelle desceu o veículo. Caminharam em direção ao meio da praça onde havia um aglomerado de pessoas em pé. Algumas das pessoas estavam com instrumentos e tocavam e cantavam uma canção onde o refrão era uma adoração ao Leão de Judá; Príncipe da paz; Raiz de Davi. Elas se alternavam entre os ritmos, uma hora, lenta e cadenciada e outra, rápida e balançante. Algumas das músicas convidavam as demais pessoas 35 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa que por ali passavam e as que já se encontravam a olhá-los e se juntar à turma do coral. Então uma pessoa aqui, outra pessoa ali, ia se juntando às demais vozes. Em poucos minutos uma verdadeira multidão estava a cantar: Vem pra cá você que está aí, seja bem vindo fique à vontade em nome do Senhor! Com alegria e muita energia vamos louvar ao nosso salvador, levantando as mão para cima numa só harmonia adorando ao Senhor... Onde fui me meter? Perguntou-se Michelle. Estou entre um monte de crentes! Como fui cair na lábia desse carinha? Após o término da canção, um jovem, alvo, na casa dos vinte anos, subiu num banco de concreto da praça e começou a falar em alta voz: -- Boa noite a todos os que estão presentes nesta praça, neste lugar onde vocês podem ver que não há tristeza, nem contendas ou ódio ou dor -- ele olhou envolta e tentou fitar rapidamente a cada um dos estavam ali. -- Porém, quero dizer-lhes que nem sempre foi assim. No coração de alguns dos que promovem este encontro quase todas as noites já existiu o que se pode descrever de inferno astral. Não posso falar sobre cada uma dessas pessoas, porque cada um teve sua experiência de vida e sua experiência com o Criador; mas posso falar da minha vida e de como consegui sair do abismo por onde caminhei. Ele fez uma pausa enquanto se podia notar a curiosidade estampada em muitos rostos. -- Meus pais morreram quando eu ainda era pequeno e então me perdi no mundo sem rumo e sem direção. Logo me iludi com coleguinhas e namoradinhas que me induziram a experimentar as drogas. Fiz parte de gangues, roubei, matei, fui preso várias vezes, quase morri outras diversas de overdose, ferimentos de faca e bala, espancamentos. Até que um dia me enchi de tudo isso e achei que viver não valia mais a pena. Viver para quê? Não tinha ninguém para se importar comigo, não tinha emprego e muito menos capacitação para entrar no mercado de trabalho. Já tinha feito tudo de errado no mundo, então quem iria querer me dar apoio? Essas e outras várias questões encheram minha mente e a única coisa que eu pensava naquele momento era "não há mais solução para você, pois você não vale nada". " Para aonde eu andasse eu mantinha uma arma comigo, fosse um revólver ou uma faca. E no dia em que resolvi dar cabo da minha própria vida eu estava com uma faca. Planejei que iria cortar minha própria garganta de uma só vez e ninguém mais poderia me impedir. Eu estava aqui nesta praça a planejar tudo isso. Eram exatamente dez horas da noite. 36 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa " Meus olhos começaram a lagrimar quando pensei em todo o que eu tinha feito nada vida para me tornar no que eu era, e falei comigo mesmo: "realmente não tem mais jeito." Foi justamente nesta hora quando ouvi a música que acabamos de cantar. Estavam alguns jovens reunidos, assim como hoje, neste mesmo lugar. Aproximei-me. Alguém abriu este livro de capa preta -- ele pegou a Bíblia e abriu da mesma forma como a pessoa fizera -- e leu esta passagem: "Vinde a mim todos vós que estais cansados e sobrecarregados e eu vos aliviarei. Ouvi falar que havia solução para a minha vida, que alguém havia morrido por mim para que eu não sofresse e sim para que eu fosse um vencedor. Esse alguém é Jesus Cristo. E Ele é o Caminho, a Ressurreição e a Vida. Houve uma nova pausa e todos os observaram a emoção nos olhos do jovem rapaz. Ele passou a mão pelos olhos e prosseguiu: -- O que tenho para falar a todos vocês é que... se porventura sua vida está parecendo que não vale mais a pena pra você, saiba que ela é muito importante para mim... para nós... e principalmente para Deus. Subitamente Michelle levantou a voz: -- Se Deus realmente se importa e se preocupa com você e comigo, por que deixa que cheguemos ao fundo do abismo e não move um dedo em nosso favor? Um murmúrio geral se levantou rapidamente. O jovem levantou as mãos pedindo novamente a atenção. -- Jesus falou, e podemos ler isso na Bíblia, que acontece coisas conosco por duas coisas: -- falou ele -- primeiro, para que a glória de Deus seja manifestada em nossa vida, mas para isso é necessário que abramos o coração para Ele; segundo, Ele deixa que aconteça para nos provar. Provar que estamos com Ele e que nenhum mal poderá abalar a corrente que nos une. " Muitas vezes lamentamos e murmuramos contra Deus pelas coisas ruins que acontecem conosco. Mas será que estamos entregando os nosso caminho a Deus? "Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nEle e o mais tudo Ele fará", assim instrui a Bíblia sagrada. Você tem feito realmente isso? Como podemos querer que nossa vida passe do deserto ao oásis se nem ao menos olhamos para cima e pedimos para que o Senhor nos guie em todos os nossos caminhos? Por um instante ele parou de falar, esperando que mais alguém perguntasse algo ou fizesse algum comentário. Não houve nenhuma voz. Então ele continuou finalizando: -- É por isso que estamos aqui. Para lhe dizer que Cristo morreu para que você tivesse vida, e vida com abundância. Se não agüenta mais viver, deixe que Deus conduza a sua vida e experimente que ser verdadeiramente cristão não é careta 37 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa nem fantasioso, mas sim a solução para o teu viver. Não deixe que as circunstâncias desse mundo ponha você pra baixo, mas deixe Jesus erguê-lo e sustentá-lo. Marcelo olhou para o lado e viu Michelle com as lágrima cobrindo-lhe os olhos. Tocou-lhe o rosto e falou: -- Ei, Michelle, quero assegurar que não havia nada combinado, pois não a conhecia até pega o meu táxi, mas sei que algo tocou o seu coração. Saiba que é Deus pedindo para que você dê uma oportunidade para Ele. Ele é única solução de que lhe falei, para tudo e para todos, e isso, claro, inclui a sua vida. Agora vem a pergunta: Você pode crer que há uma solução, e essa solução não é tirar a própria vida? Ela fitou-o nos olhos brilhantes e falou, já aos soluços: -- S-sim... sim, eu creio. Marcelo sorriu, fechou os olhos e pôs as mãos sobre a cabeça dela. Pediu que dali em diante o Senhor tomasse conta de sua vida e que dali em diante manifestasse sua glória nela. Rogou que a alegria transbordasse em seu coração e ordenou que a angústia a deixasse. Por fim disse: "Em nome de Jesus. Amém". Os dois se abraçaram e todos em volta aplaudiram. Michelle sorriu como a muito não fazia e considerou aquilo como o primeiro milagre. Olhou para Marcelo e para sua própria surpresa pensou em Helena e em Sérgio e em como deveriam estar depois de terem lido o bilhete. Sentiu um estranho, mas delicioso anseio de vê-los e estar perto deles. -- Oh, Deus! -- exclamou como não acreditando a transformação quase que instantânea que sofrera. -- Por favor, Marcelo, leve-me para casa. Quero ver... meus pais. ******** -- Oh, Deus! Traga-a de volta -- rogava Sérgio e Helena como em dueto ajoelhados dentro do quarto de Michelle, onde tinham encontrado o bilhete.-- Não deixe que ela venha cometer tal loucura! Subitamente a porta foi aberta e voz ressoou num misto de preocupação e ansiedade: -- Pai? Helena? Os olhos de ambos se abriram, o coração acelerou e ergueram-se. Michelle estava em pé à porta já a fitá-los. Ela correu e abraçou os dois aos prantos. 38 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa Todos choraram. Marcelo se revelou quando se aproximou e Michelle o apresentou: -- Este é Marcelo Veras. Acho que posso chamá-lo de anjo em forma de homem. Levou-me a ver o meu erro, que eu mesma cavei o buraco onde estava. Não tinha forças para sair de lá, mas agora tenho a Deus para me ajudar e também a um amigo -- voltou-se para Marcelo. -- Não se esqueça que você tem também a nós, querida -- acrescentou Helena. -- Oh, Helena, eu sinto muito por tudo o que fiz a você... fiz ao... -- olhou para a barriga da madrasta -- meu irmãozinho... Helena meneou a cabeça. -- Não fale nisso. Quero que tudo seja daqui para frente. Que tudo seja passado e daqui por diante seremos muito felizes com certeza. Abraçaram-se mais uma vez fortemente. -- E você... -- falou Sérgio -- Marcelo, não é? -- Sim, senhor. -- Quer sair para jantar conosco? Agora temos que comemorar. Marcelo olhou para Michelle e sorriu. Sentiu que um sentimento forte começava a crescer dentro dele. Balançou a cabeça afirmativamente. -- Se michelle não se incomodar de ter um penetra entre vocês, sim. Michelle caminhou até ele e também o abraçou e depois o beijou no rosto. Seus olhares se cruzaram de forma carinhosa e ela afirmou: -- É claro que quero que venha conosco. Quero que seja meu convidado de honra, pois sem a sua intervenção eu não estaria aqui agora. -- Deus foi quem planejou tudo isso, Michelle. Ele nos ama, e por mais que pensemos que estamos sós, Ele se revela de modo inesperado para nos dizer que Ele tem a solução para os nossos problemas. -- Amém -- falou Sérgio. -- Podemos ir agora? -- Ótimo, porque agora me bateu uma fome... -- revelou Michelle. 39 Do Deserto ao Oásis - Naasom A. Sousa Todos sorriram e juntos saíram da casa rumo a um restaurante, prontos para percorrer um novo caminho, ligados ao Caminho. ******** 40 Sobre o Autor e sua Obra Naasom A. Sousa nasceu no dia 7 de janeiro de 1978 na capital cearense, Fortaleza. Aos 13 anos mudou-se para Belém do Pará e logo após para Ananindeua, no mesmo estado. Foi ali que se encontrou verdadeiramente com o Cristo Salvador e se interessou pela leitura depois de ler "Este Mundo Tenebroso II" de Frank E. Peretti. Daí então passou a escrever o romance "Transformação" -- este ainda em fase de acabamento. Também se tornou cantor e compositor, e se apresenta apenas em templos evangélicos (por enquanto). "Do Deserto ao Oásis" é uma novela que foi inspirada nas tantas dificuldades e tribulações que enfrentamos no dia-a-dia e que muitas vezes pensamos que vamos perecer. Porém, por mais que pensemos que estamos desamparados pelo Criador, Ele sempre tem um jeito de provar-nos o contrário. Atualmente, Naasom A. Sousa está casado com Ivone Sousa e mora em Paragominas, município à 300km da capital paraense. Seu e-mail para contato é letrassantas@ieg.com.br e seu site na rede é www.letrassantas.hpg.com.br Outras obras publicadas: "O Amor da Minha Vida" é uma nova roupagem de sua novela romântica escrita em meados de 1996, e este também é seu primeiro trabalho integral distribuído pela Internet. 41